“O Eterno Judeu”

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“O Eterno Judeu” ENRIQUE LUZ “O ETERNO JUDEU” ANTI-SEMITISMO E ANTIBOLCHEVISMO NOS CARTAZES DE PROPAGANDA POLÍTICA NACIONAL-SOCIALISTA (1919-1945) Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Patto Sá Motta BELO HORIZONTE FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DA UFMG 2006 2 “Ai do mundo por causa dos escândalos! Porque é necessário que venham escândalos: mas ai do homem, por quem o escândalo vier.” Mateus 18:7 3 SUMÁRIO Introdução p. 07 Capítulo 1 – A cultura política do nacional-socialismo p. 13 1.1 – Cultura política: conceito e problematizações p. 13 1.2 – A propaganda política nacional-socialista: conceitos e interpretações p. 24 1.3 – O cartaz de propaganda como fonte histórica: usos e metodologia p. 29 Capítulo 2 – As origens do anti-semitismo nacional-socialista p. 35 2.1 – Do antijudaísmo ao anti-semitismo p. 35 2.2 – O anti-semitismo racialista p. 44 2.3 – O anti-semitismo hitlerista p. 58 Capítulo 3 – Os cartazes de propaganda anti-semita p. 67 3.1 – A propaganda antibolchevista p. 68 3.2 – A propaganda anti-semita e o estereótipo pejorativo do judeu p. 100 3.3 – O mito da conspiração mundial plutocrato-judaico-bolchevista p. 118 4 Considerações finais p. 135 Lista de imagens p. 137 Fontes textuais p. 140 Bibliografia p. 144 5 AGRADECIMENTOS À minha mãe, pelo ser-no-mundo. À UFMG, DAAD, Departamento de História, Fapemig e Capes pelo apoio institucional. Ao meu orientador, Prof. Dr. Rodrigo Patto Sá Motta, pelos cincos anos e meio de orientação, pelas oportunidades, conselhos e ajuda durante todo este tempo, durante o qual ele nunca me faltou com atenção e esteve sempre disposto a efetivamente me orientar. Aos professores Prof. Dr. Élcio Loureiro Cornelsen e Prof. Dr. Alexandre Torres Fonseca, pelas conversas descontraídas que muito me ajudaram. Aos amigos (em ordem alfabética): Alessandra Santos, por uma informação muito valiosa; Amanda Dias Leite, pelo apoio durante a elaboração do projeto de mestrado; Breno Spangler, pela amizade e ajuda com a digitalização e edição de alguns cartazes; Carolina Oliveira, pela dica importantíssima de usar tabelas para organizar os cartazes no texto; Daniel Machado, pela amizade oportunidade no Colegium de dar aulas que me ajudaram a ver a Segunda Guerra de outra maneira; Daniela Mütz e sua mãe, Verena, pela inesquecível estadia na Alemanha e pela ajuda durante a elaboração do fracassado projeto de doutorado; Imara Bemfica Mineiro, pelas inúmeras conversas, conselhos, palpites e broncas durante estes quase sete anos de amizade; João Paulo Lopes, pela ajuda no parto e na leitura crítica da qualificação; Lucas Almeida, por ter me ajudado a descobrir quantas vezes a palavra “judeu” aparece no Mein Kampf; Patrícia Figueiredo da Conceição, pelo companheirismo, disposição e ajuda constantes durante a redação da dissertação, me acalmando e resolvendo questões práticas; Rafael Rodrigues Alves, pelas várias horas de discussão no nosso Grupo de Estudos Heideggerianos, que me ajudaram a ter um outro olhar sobre os cartazes de propaganda; Sarug Dagir Ribeiro, pelas conversas filosóficas e foucaultianas. 6 A todos aqueles que, direta ou indiretamente, me ajudaram mas que não foram mencionados individualmente (sim, eu tenho uma boa explicação para isso). 7 INTRODUÇÃO O presente estudo se propõe a analisar os cartazes de propaganda nacional-socialista buscando identificar e analisar os fatores ideológicos e os argumentos históricos, políticos, sociais, culturais (incluindo alguns aspectos religiosos) e “raciais” que teriam constituído uma cultura política racional e lógica, capaz de persuadir a população alemã a seguir, aceitar ou não se rebelar contra as políticas do governo hitlerista, causador de uma série de fenômenos que marcam as décadas de 1920, 30 e 40 na Alemanha, e que deixaram uma marca indelével na história do século XX. Dentre estes fenômenos incluem-se alguns que marcam especificamente a história alemã, tais como a ascensão de Adolf Hitler ao cargo de chanceler e, posteriormente, ao de presidente, uma combinação de poderes resumidos no novo título de Führer, e a constituição de uma ditadura de caráter totalitário que se utilizou da propaganda e do terror como talvez nenhum outro Estado europeu jamais teve força ou vontade políticas para faze-lo. A política alemã expandiu-se para o cenário europeu na medida em que as forças armadas alemãs levaram a guerra a boa parte da Europa, gerando um conflito que atingiu escala mundial, e que tornou-se o maior conflito armado da história da civilização, causador de mais de trinta milhões de mortes: a Segunda Guerra Mundial. As conseqüências em nível mundial não se resumem apenas ao conflito bélico iniciado em 1 de setembro de 1939, e não se encerram com a capitulação alemã em 8 de maio de 1945. O impacto político, social e moral provocado pelo nacional-socialismo faz sentir-se ainda hoje, mesmo 60 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial e do regime hitlerista. O fato de que o governo de uma nação como a Alemanha, uma das maiores potências econômicas e culturais do mundo, pôde empregar a dominação política, jurídica, institucional, militar, social e até mesmo psicológica, dir-se-ia, com tanto furor e tamanha eficácia, que conseguiu 8 conduzir uma nação de cerca de 65 milhões de pessoas relativamente bem instruídas social, moral e religiosamente (já que, por mais que se evoque e algumas vezes se exagere as más condições de vida dos alemães no primeiro pós-guerra, jamais houve um estado de caos social completo) a odiar todo o povo judeu e perpetrar um dos maiores genocídios da história da humanidade, o chamado Holocausto, é uma questão das mais polêmicas da história contemporânea. “O Holocausto foi a realização definidora da política e da cultura política alemãs durante o nazismo, o mais chocante evento do século e o acontecimento de mais difícil compreensão em toda a história daquele país”1. Os questionamentos políticos iniciados e motivados por esse fenômeno histórico que merecem atenção até os dias de hoje relacionam-se a vários e diversos fatores. Por exemplo, pode-se mencionar o debate que tange a questão da democracia liberal, especialmente quanto ao poder do Estado sobre a sociedade civil e vice-versa, ou seja, a interação dinâmica entre estas duas esferas de poder, seja pela preocupação em prever e evitar que novos grupos totalitários cheguem ao poder estatal ou que Estados constituídos adquiram formas totalitárias, seja pela reflexão sobre a responsabilidade dos cidadãos frente às decisões governamentais e sobre a participação política. Pode-se, ainda, mencionar o debate sobre o papel dos exércitos e do poderio bélico na resolução de conflitos diplomáticos e/ou ideológicos enquanto uma forma viável e legítima, como diria von Clausewitz, de política continuada por outros meios, levando em consideração as terríveis conseqüências humanas e materiais provocadas pelo conflito de 1939-1945. Um outro importante debate refere-se à moralidade da política, à condição e direitos humanos, relacionado à responsabilidade e ao dever que os Estados têm de tomar decisões, implantar medidas, conduzir ao desenvolvimento levando em consideração o aspecto humano, seja pelo valor individual que cada ser humano 1 GOLDHAGEN, Carrascos voluntários de Hitler, p. 12. 9 tem, seja pelo valor coletivo de pequenos grupos minoritários, tanto pela sua cultura própria quanto pela legitimidade de sua existência autônoma, ou ainda pelo valor de instituições importantes que condensam em torno de si centenas, milhares ou milhões de pessoas e que, por isso, têm sérias responsabilidades sociais e políticas. O questionamento que aqui se faz não busca uma justificativa para a existência do regime hitlerista e para o apoio popular que recebeu. Trata-se de buscar uma compreensão para o fato que os horrores genocidas não aconteceram nem por acidente, encarando-os como algum tipo de radicalização inesperada do regime em tempo de guerra, nem à surdina, o que presumiria supor que tratava-se de um segredo de Estado conduzido por um grupo de elite que teria agido secretamente. “Ao compreendermos o totalitarismo não estaremos perdoando coisa alguma, mas, antes, reconciliando-nos com um mundo em que tais coisas são definitivamente possíveis”2. Classificar o genocídio nazista como mera barbárie, irracionalidade ou malignidade seria evitar o pensamento e a reflexão, já que esta atitude negligencia a busca pelos fatores que teriam possibilitado tal fenômeno. “Uma análise do nazismo não deve nunca ser concebida como um simples dossiê de acusação, mas, antes, como uma peça na descontrução geral da história na qual vivemos”3. O que teria tornado esse genocídio possível, tanto do ponto de vista político quanto do prático, foi o apoio em massa da população alemã à ditadura hitlerista, apoio que conferiu a legitimidade e os recursos humanos necessários para a condução das políticas anti-semitas, desde medidas aparentemente inócuas, como o estabelecimento e reforço da própria distinção entre alemães e judeus, que trazem em si um significado político cujas conseqüências só seriam vistas adiante, até as medidas mais radicais e desumanas, como a racionalização do 2 ARENDT. Compreensão e política, p. 39. 3 LACOUE-LABARTHE. O mito nazista, p. 64. 10 assassinato coletivo, cuja instituição maior era o campo de extermínio [Vernichtungslager]. O presente estudo parte do pressuposto que a propaganda política nacional-socialista, especialmente aquela realizada através de cartazes, foi um instrumento entre os mais importantes empregados pelo regime hitlerista para conquistar esse indispensável apoio da população alemã ao plano de eliminação dos judeus. Ao se buscar as causas, motivos, e circunstâncias do apoio político de boa parte da população alemã ao governo hitlerista, deve-se ter em mente uma série de questões importantes para a formulação de uma pergunta contundente e eficaz que possa atingir o cerne da questão sem partir de pressuposições, preconceitos ou explicações monocausais que tendem a esconder o problema, ao invés de demonstrá-lo.
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