DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA

(Editada desde 1851)

v. 134 n. 01/03 jan./mar. 2014

FUNDADOR COLABORADOR BENEMÉRITO

Sabino Elói Pessoa Luiz Edmundo Brígido Bittencourt Tenente da Marinha – Conselheiro do Império Vice-Almirante

R. Marít. Bras. Rio de Janeiro v. 134 n. 01/03 p. 1-320 jan. / mar. 2014 A Revista Marítima Brasileira, a partir do 2o trimestre de 2009, passou a adotar o Acordo Ortográfico de 1990, com base no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras – Decretos nos 6.583, 6.584 e 6.585, de 29 de setembro de 2008.

Revista Marítima Brasileira / Serviço de Documentação Geral da Marinha. –– v. 1, n. 1, 1851 — Rio de Janeiro: Ministério da Marinha, 1851 — v.: il. — Trimestral.

Editada pela Biblioteca da Marinha até 1943. Irregular: 1851-80. –– ISSN 0034-9860.

1. MARINHA — Periódico (Brasil). I. Brasil. Serviço de Documentação Geral da Marinha.

CDD — 359.00981 –– 359.005 COMANDO DA MARINHA Almirante de Esquadra Julio Soares de Moura Neto

SECRETARIA-GERAL DA MARINHA Almirante de Esquadra Airton Teixeira Pinho Filho

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA Vice-Almirante (Refo-EN) Armando de Senna Bittencourt

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA Corpo Editorial Capitão de Mar e Guerra (Refo) Milton Sergio Silva Corrêa (Diretor) Capitão de Mar e Guerra (RM1) Carlos Marcello Ramos e Silva Capitão de Mar e Guerra (RM1-T) Nelson Luiz Avidos Silva Jornalista Deolinda Oliveira Monteiro Jornalista Manuel Carlos Corgo Ferreira

Diagramação Desenhista Industrial Felipe dos Santos Motta Artífice de Artes Gráficas Celso França Antunes

Assinatura/Distribuição Terceiro-Sargento-RM1-ES Mário Fernando Alves Pereira Artífice de Artes Gráficas Celso França Antunes Marinheiro-RC Pedro Paulo Moreira Cerqueira

Departamento de Publicações e Divulgação Primeiro-Tenente (RM2-T) Luiz Cesário da Silveira do Nascimento

Apoio Administrativo e Expedição Suboficial-CN Maurício Oliveira de Rezende Suboficial-MT João Humberto de Oliveira Artífice de Artes Gráficas Ilda Lopes Martins

Impressão / Tiragem Meneghetti’s Gráfica e Editora Ltda. / 8.500 A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA é uma publicação oficial daMARINHA DO BRASIL desde 1851, sendo editada trimestralmente pela DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMEN- TAÇÃO DA MARINHA. A opinião emitida em artigo é de exclusiva responsabilidade de seu autor, não refletindo o pensamento oficial daMARINHA . As matérias publicadas podem ser reproduzidas. Solicitamos, entretanto, a citação da fonte.

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA Rua Dom Manuel no 15 — Praça XV de Novembro — Centro — 20010-090 — Rio de Janeiro — RJ  (21) 2104-5493 / -5506 - R. 215, 2262-2754 (fax) e 2524-9460

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9 nossa CAPA 0 AS FORÇAS ARMADAS E A BASE LOGÍSTICA DE DEFESA Eduardo Siqueira Brick – Capitão de Mar e Guerra (Refo-EN) Conceitos, teses, colocações. Poder e Defesa – Análise – Importância da Ciência, Tecnologia e Inovação. Poder e Estratégia – Instrumento da Defesa – Base Logística – Re- alidade brasileira. Necessidade de inovar

27 SECRETARIA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DA MARINHA – SEIS ANOS DE HISTÓRIA E REALIZAÇÕES Wilson Barbosa Guerra – Almirante de Esquadra Breve conceito. Resumo histórico e Patrono. Órgãos subordinados. Principais projetos e realizações. Fóruns, eventos, parcerias

37 OS INGLESES NA MARINHA DA INDEPENDÊNCIA Helio Leoncio Martins – Vice-Almirante (Refo) Thomas Cochrane – Primeiro Almirante em março de 1823. Operações navais iniciais para incorporar ao Império as províncias da Bahia, do Maranhão e do Pará – estra- tégia empregada. Fragata Niterói hostilizando até a foz do Tejo – captura de 18 navios do comboio português. Todo o território era brasileiro em seis meses, por ação da Marinha. Taylor, Norton, Hayden e Greenfell

49 A BUSCA DE GRANDEZA – (IX) – Conhecimento, Experiência e Programas Navais – (Parte 3) Elcio de Sá Freitas – Vice-Almirante (Refo) Programas Ohio, Seawolf e Virginia da USN – Antecedentes, requisitos de ope- ração, estratégias de obtenção, projeto e construção, atrasos e aumento de custos, cenário estratégico, apoio na vida operativa. Lições e reflexões

73 OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: Tarefas Básicas do Poder Naval para a proteção da Amazônia Azul – (Parte 1) Renato Rangel Ferreira – Capitão de Mar e Guerra (FN) Origem das tarefas básicas do Poder Naval – conceito e doutrina. Evolução das tarefas – outras abordagens. Marinhas do Brasil, dos EUA, Britânica e outras

99 SUBMARINOS BRASILEIROS ATUAIS E FUTUROS – CATAMARÃS Sergio Lima Ypiranga dos Guaranys – Capitão de Mar e Guerra (Refo) Análise do submarino em sua ação e emprego – discrição. Os Scorpène e os IKL – conceituação. Os catamarãs – projeto – estratégia e tática

105 Do fim do Mescla ao Comandante-Aluno Fuzileiro: Uma Turma Singular! Gil Cordeiro Dias Ferreira – Capitão de Mar e Guerra (Refo-FN) A Turma do Colégio Naval de 1962, da Escola de 1964 e de Guardas-Marinha de 1967 – singularidades mostradas. Revista Galera – problemas ocorridos 123 NOMES DE VALOR Pedro Gomes dos Santos Filho – Capitão de Mar e Guerra (RM1) Homens de realce em vários campos da atividade marítima. Resumos biográficos

136 28 de Março – Dia das Comunicações Navais – Vice-Almirante Tácito Reis de Moraes Rego, Patrono das Comunicações Navais Claudio da Costa Braga – Capitão de Mar e Guerra (RM1) Primeiras iniciativas para definição do Dia e do Patrono. Distintivos característicos de Comunicações, Eletrônica, Armamento e Máquinas. Breve resumo histórico

143 A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: Os Lower Deck – (Parte III) Francisco Eduardo Alves de Almeida – Capitão de Mar e Guerra (RM1) Os suboficiais – classes: no tombadilho, na manutenção do navio, na disciplina (os mestres) e nos conveses de baixo (cozinheiros, manobra, calafeto). Os marinheiros – classes iletradas: rústicos e brutos. Admissão como voluntário, por cota e por conscrição obrigatória

157 A GRANDE ESTRATÉGIA DOS EUA Leonam dos Santos Guimarães – Capitão de Mar e Guerra (RM1-EN) O conceito. Domínio da América do Norte. Controle do espaço marítimo. Poderio Naval Global. Desafio de manter o domínio no século XXI

169 BREVE REFLEXÃO SOBRE OS VALORES DA ROSA DAS VIRTUDES E A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Hercules Guimarães Honorato – Capitão de Mar e Guerra (RM1-IM) Conceitos, dúvida e resposta. Rosa das Virtudes e seus valores. Sociedade e os valores militares – como incutir e transmitir

178 CIBERNÉTICA: A GUERRA EM CURSO Gladys Machado Pereira Santos Lima – Capitão de Fragata (T) Ações da Guerra Cibernética – exploração, ataque, proteção, princípios da guerra. Condução da guerra no cenário mundial – nos EUA e no Reino Unido. Na Marinha do Brasil

190 A INDÚSTRIA LUTA PARA ATINGIR A META DE SEGURANÇA PARA 2016 Thierry Dubois Evandro José Souza – Capitão de Fragata (Tradução e Adaptação) A busca pela segurança em aeronaves. Estatísticas recentes mostram distância das metas imaginadas em 2006 para o ano de 2016. Regiões que contribuem negativamente; taxa de acidentes em decréscimo. Causas para estatísticas não favoráveis. Iniciativas e esforços no mundo

195 ZONA DE CONTROLE ALDEIA – Responsabilidades e desafios da Marinha do Brasil no Sistema de Controle do Tráfego Aéreo Brasileiro Mauricio Bravo – Capitão de Fragata Breve histórico da Zona de Controle. O significativo aumento de voos – respon- sabilidade da MB. Manutenção e operação da CTR-Aldeia 207 UTILIZAÇÃO DE BOAS PRÁTICAS DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS EM UMA INSTITUIÇÃO MILITAR Carlos Roberto Frambach – Capitão de Fragata (RM1-EN) Gilson Siqueira – Engenheiro de Tecnologia Militar João Carlos Castro Dias – Primeiro-Tenente (EN) Gabriella Lemos da Silva Vaz – Técnica de Planejamento Breve exposição sobre gerenciamento de projetos – criação no Arsenal de Marinha. Indicador de desempenho. Períodos de manutenção planejada em 2012 e 2013. Melhorias obtidas 215 O SISTEMA ATHENA NO APERFEIÇOAMENTO DE TÁTICAS, TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS David Peixoto Manhães Junior – Capitão-Tenente (FN) Métodos e sistemas para buscar o cumprimento da missão. Análise dos métodos 223 REFUGIADOS AMBIENTAIS: UMA NOVA PERSPECTIVA Henrique Candido da Silva – Primeiro-Tenente (T) Migrações forçadas por catástrofes ambientais. Aceitação dos Estados – reações localizadas. Direitos Humanos – Declaração Universal. Protocolos adicionais – Carta das Nações Unidas 231 BRASIL E PORTUGAL – BALUARTES MARÍTIMOS DO NOVO SÉCULO Raphael Cid Fonseca Dias Bernardo – Guarda-Marinha Ramon Dantas Vaqueiro – Aspirante Walmor Cristino Leite Junior – Aspirante Filipe de Oliveira Lopes – Aspirante Soberania e Direito. Desenvolvimento e segurança no mar. Riquezas bioló- gicas. Poluição marinha. Infraestrutura portuária e Marinha Mercante. Meio ambiente marinho. Mentalidade da nação 242 OPERAÇÃO DÍNAMO: COMO O PODER MARÍTIMO SALVOU A GRÃ-BRETANHA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Arthur Janeiro Campos Nuñez – Aspirante Situação da França em maio de 1940 – início da Operação. Personagens – Lord Gort e Almirante Ramsay atuantes no “Milagre de Dunquerque” 247 ARTIGOS AVULSOS 247 UMA INTERPRETAÇÃO DOS MOTIVOS DA INTERVENÇÃO MILITAR FRANCESA NO MALI, EM 2013, SOB A ÓTICA DO MÉTODO DIATÓPICO DE YVES LACOSTE Marcio Pragana Patriota – Capitão de Corveta (FN) 249 Doações à dphdm 255 ACONTECEU HÁ CEM ANOS Seleção de matérias publicadas na RMB há um século. O que acontecia em nossa Marinha, no País e em outras partes do mundo 261 REVISTA DE REVISTAS Sinopses de matérias selecionadas em mais de meia centena de publicações rece- bidas do Brasil e do exterior 277 NOTICIÁRIO MARÍTIMO Coletânea de notícias mais significativas da Marinha do Brasil e de outras Marinhas, incluída a Mercante, e assuntos de interesse da comunidade marítima A SEGUNDA MAIS ANTIGA DO MUNDO

A Revista Marítima Brasileira completou 163 anos em 1o de março de 2014. Fundada em 1851 pelo Primeiro Tenente Sabino Elói Pessoa, foi a segunda revista mais antiga do mundo a tratar de assuntos marítimos e navais. Conforme os registros obtidos, a Rússia foi o primeiro país a lançar uma revista marítima, a Morskoii Sbornik, (1848). Depois vieram: Brasil – Revista Marítima Brasileira (1851), França – Revue Maritime (1866), Itália – Rivista Marittima (1868), Portugal – Anais do Clube Militar Naval (1870), Estados Unidos – U.S Naval Institute Proceedings (1873) República Argentina – Boletín Del Centro Naval (1882). NOsSA CAPA

AS FORÇAS ARMADAS E A BASE LOGÍSTICA DE DEFESA Eduardo Siqueira Brick1 Capitão de Mar e Guerra (Refo-EN)

SUMÁRIO

Introdução Poder e defesa Poder e os instrumentos da defesa Estratégia e os instrumentos da defesa Instrumentos da defesa: a realidade brasileira Conclusões Introdução variações caóticas, cujo resultado ainda não é visível. (Arnold Toynbee) Na história política da Era das Civiliza- ções, até o presente, não podemos discer- Além da sociabilidade, o homem apre- nir nenhum progresso cumulativo para a senta três outras características espirituais realização de uma lei e ordem permanen- básicas que o tornam uma espécie única: a tes e de âmbito mundial. Só podemos ver consciência (inclusive da própria existên-

1 Membro Titular da Academia Nacional de Engenharia (ANE). PhD, pela United States Naval Postgraduate School (USNPGS), com formação em Engenharia de Sistemas e professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense (UFF). É credenciado no Pro- grama de Pós-Graduação em Engenharia de Produção (mestrado e doutorado) da Escola de Engenharia e no Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança (mestrado) do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF. É Coordenador do Núcleo de Estudos de Defesa, Inovação, Capacitação e Competitividade Industrial (UFFDefesa) da UFF. AS FORÇAS ARMADAS E A BASE LOGÍSTICA DE DEFESA

cia e do universo que existe fora de si), a paz e a segurança, cujo preço é a lei e a diferenciação entre o que considera bem ordem”. (TOYNBEE, 1975) e mal e a religião. Estas e outras caracte- O alcance dessa finalidade é, então, rísticas são elementos estáveis da cultura, a medida que se deve usar para julgar a comuns a todos os seres humanos em todas eficácia de um sistema político. as partes, em todas as épocas. Outras duas Essas estruturas vêm evoluindo ao longo características marcantes são a curiosidade, do tempo. Toynbee (1975) identificou os que contribui para a contínua mudança seguintes estágios na história da organiza- social e cultural, e a faculdade da fala, ção social e política da humanidade: que permite a transmissão da cultura para a) idade dos bandos nômades coletores sucessivas gerações, por meio do processo de alimentos (menos de 1 milhão de anos); de educação (TOYNBEE, 1975). b) comunidades de aldeias de agricul- “A consciência revela a possibilidade tores e pastores sedentários (9 mil anos); de fazer escolhas e evoca a vontade de c) estados locais e supostos estados escolher”. (TOYNBEE, 1975) mundiais (5 mil anos); d) comunidades de pastores nômades Como consequência, o homem está (4 mil anos). sempre concebendo Essas formas de or- e comparando alter- ganização política, en- nativas para solucio- O problema de defesa tretanto, não livraram nar problemas que o totalmente o homem afetam e planejando permanece tão crucial hoje da violência pratica- ações futuras. Essa como tem sido em toda a da por outros de sua característica é o que espécie. Se elas têm o define como um história da humanidade tido um razoável su- “ser racional”. Para cesso em protegê-lo sobreviver, desenvolveu ferramentas e de seus semelhantes nos territórios onde artefatos para obter alimentos e se proteger exercem controle, o mesmo não se pode de predadores e do meio ambiente hostil. dizer da sua atuação quando a violência Hoje, pode-se afirmar que esse desafio foi é praticada por outros entes políticos com vencido pela espécie humana, pelo menos maior poder. no que diz respeito às condições ambientais Essa é uma das grandes contradições da atuais2. Entretanto, desde que se tem notí- vida da espécie humana: cia, o homem tem se caracterizado como “Como homem, vivemos no estado civil, o maior predador da sua própria espécie. sujeitos às leis; enquanto povos, cada Para tentar resolver o problema da vio- qual desfruta de sua liberdade natural. lência, o homem concebeu estruturas para Isso torna a nossa situação pior do que o convívio social, dotadas de governança se essas distinções fossem desconheci- política. das. Pois, vivendo simultaneamente na “A finalidade da política é libertar a ordem social e no estado da natureza, vida social humana da violência, que é estamos sujeitos aos inconvenientes de o preço da anarquia, substituindo-a pela ambos, sem encontrar segurança em

2 Catástrofes cósmicas e/ou climáticas e/ou o aparecimento de novas ameaças biológicas podem mudar, de maneira dramática, este quadro.

10 RMB1oT/2014 AS FORÇAS ARMADAS E A BASE LOGÍSTICA DE DEFESA

nenhum dos dois.” (ROUSSEAU3, apud dos estados foram mobilizados e, também, ARON, 1987) foram considerados como alvos a serem destruídos pelos adversários, inclusive a Dessa forma, o problema de defesa população civil. Nesse tipo de guerra, o permanece tão crucial hoje como tem sido objetivo estratégico a ser alcançado pas- em toda a história da humanidade. Todas sou a ser não só a destruição dos exércitos as unidades políticas estão irremediavel- inimigos, como praticava Napoleão, mas mente envolvidas em um jogo estratégico também a capacidade de o inimigo susten- cujo prêmio, em última análise, é a so- tar qualquer combate, pela aniquilação da brevivência. Ignorar essa realidade seria sua capacidade de apoiar logisticamente agir com muita ingenuidade. Si vis pacem seus exércitos. Clausewitz foi o grande para bellum continua hoje tão atual como teórico desse paradigma. sempre. O segundo paradigma é fruto do de- Mas qual o significado do para bellum senvolvimento tecnológico, que levou à nos dias de hoje e, mais ainda, naqueles criação de armas de poder tão destrutivo que ainda virão? (as armas nucleares e termonucleares) Se a preocupação com a defesa pode ser que tornou impensável a sua utilização no considerada como uma constante imutável, paradigma anterior. O fato nuclear levou o mesmo não se pode dizer das condições inexoravelmente ao paradigma da Guerra que definem como o problema deve ser Fria. Um estado de confrontação permanen- enfrentado. O sistema internacional e ou- te entre os dois grandes atores do período, tros fatores relevantes não permaneceram sem engajamento em conflitos diretos entre estáticos ao longo do tempo. Tudo continua eles. A única estratégia possível nessa situ- em permanente evolução, e isso não é ne- ação é a dissuasão. nhuma novidade, como se pode constatar Concomitantemente com os paradigmas observando a experiência histórica. anteriores, outra forma de guerra sempre Essas mudanças no sistema internacio- existiu e se desenvolveu. Smith (2008) a nal, juntamente com aquelas que incidiram denominou de Guerra no Meio do Povo sobre outros fatores tecnológicos, sociais e (War Amongst the People). Outros nomes econômicos, foram fundamentais na trans- têm sido empregados para esse tipo de formação dos paradigmas dos conflitos que conflito: guerras assimétricas, guerras de ocorrem entre atores nesse sistema. guerrilha e guerras revolucionárias. Smith (2008) fez uma magistral análise O crescente fosso de capacidade tecno- da evolução da forma como os conflitos lógica e militar entre pouquíssimas nações foram realizados nestes últimos 200 anos, e o resto do mundo faz antever que esse chegando à conclusão de que eles podem tipo de conflito será cada vez mais comum. ser classificados como pertencentes a três Atualmente, novas transformações vêm paradigmas fundamentais. ocorrendo com velocidades vertiginosas. O primeiro, denominado Guerra In- Os recentes eventos de espionagem gene- dustrial entre Estados, foi inaugurado por ralizada praticada pela National Security Napoleão e evoluiu até o horror da Segunda Agency, a perspectiva dos conflitos se es- Guerra Mundial, quando todos os recursos tenderem a outras dimensões (espaço virtu-

3 Rousseau, J. J. “Écrits sur l’abbbée de Saint-Pierre”, in Ouevres Completes, Vol. III, «La Pléiade», Gallimaud, 1970, p. 610.

RMB1oT/2014 11 AS FORÇAS ARMADAS E A BASE LOGÍSTICA DE DEFESA

al e extraterrestre) e o uso de robôs (drones) quado para poder enfrentar a eventualidade para efetuar ações militares, entre outras de conflitos com atores dotados de grande evidências bem reais e atuais, são apenas a poder. ponta do iceberg do que ainda está por vir, Este artigo procurará abordar esse tema, tendo em vista a inexorável aceleração do sob dois aspectos: o teórico, na tentativa de desenvolvimento tecnológico. conceber um arcabouço intelectual (uma visão Portanto, não é possível planejar defesa do mundo) que possa ser usado para orientar sem levar em consideração essa evolução e o planejamento e a ação; e a perspectiva da os caminhos que ela aponta para o futuro. realidade e das necessidades brasileiras. É preciso também destacar que cultura, história e geografia são determinantes Poder e Defesa quando se trata de defesa. Esses são as- pectos muito objetivos que não podem ser Poder é a capacidade que tem uma uni- esquecidos, principalmente o primeiro. dade política de impor sua vontade às Assim, para conceber soluções para demais unidades. Ele se expressa pela problemas de defesa, que são extremamente probabilidade de realizar sua própria complexos, é funda- vontade, independente mental se possuir um de qualquer outra. Ele arcabouço mental (um As Forças Armadas é sempre relacional modelo, ou visão do estão sempre muito bem entre nações. (Raimond mundo) ao mesmo preparadas para as guerras Aron) tempo simples e po- deroso para orientar passadas. Não é fácil sair O reconhecimento a ação. Do contrário desse arcabouço mental, de que o sistema inter- corre-se grande risco nacional é anárquico de investir em alter- mas isso é essencial para fundamenta a premissa nativas que não trarão a sobrevivência nesse para qualquer análise do eficácia à defesa, e ambiente dinâmico contexto internacional e isso, infelizmente, só das relações de poder en- poderá ser constatado tre os estados. Apesar de “na hora da verdade”, quando não houver anárquico, esse sistema tem um ordenamento mais tempo para mudar de rumo. mínimo que permite o seu funcionamento, É conhecida a afirmativa de que as mas este é imposto por (e favorece mais) Forças Armadas estão sempre muito bem aqueles que têm poder efetivo e percebido. A preparadas para as guerras passadas. Não política do poder é um elemento fundamental é fácil sair desse arcabouço mental, mas nessa ordem internacional. Muito mais do que isso é essencial para a sobrevivência nesse fruto de consensos, nos moldes dos que po- ambiente dinâmico. dem ser obtidos nos foros multilaterais, como Tendo em vista essa dinâmica dos con- a Organização das Nações Unidas (ONU), flitos e do desenvolvimento tecnológico, essa estrutura é moldada por poucos países aparentemente o Brasil tem apenas duas que possuem vontade, poder e se organizam opções para planejar a sua defesa: em arranjos com essa finalidade, como, por a) optar pela Guerra no Meio do Povo; ou exemplo, o G7. b) desenvolver sua capacidade industrial O poder pode ser tanto o objeto quanto e de inovação para defesa, a um nível ade- o instrumento da ação estratégica.

12 RMB1oT/2014 AS FORÇAS ARMADAS E A BASE LOGÍSTICA DE DEFESA

Na fase de aparelhamento, o poder é o tais como a localização geográfica, envol- objeto e a razão de ser dessas ações. Se esta vendo suas fronteiras terrestres e marítimas fase for bem-sucedida, o poder conquistado e distâncias de outros centros de poder. poderá ser usado como instrumento, duran- Poder efetivo assenta-se, entre outras, sobre te as disputas em que a unidade política coesão social, educação, capacidade militar, estiver envolvida. Para Clausewitz (2002), competitividade industrial e comercial e, cada a guerra nada mais é do que um ato de vez mais, na capacidade para desenvolvimento violência destinado a forçar o adversário a científico, tecnológico e inovação. submeter-se à nossa vontade. Entretanto, é Mas não basta possuir poder efetivo se preciso destacar que o poder, como instru- não houver disposição de usá-lo na interação mento de ação estratégica, nesse ambiente com outros entes no sistema internacional. agônico, pode ser usado para diversos fins Clausewitz (2002) associou à trindade de e não apenas para a guerra: ferro da guerra (paixão e ódio, incerteza e a) como instrumento de dissuasão (Si vis acaso e subordinação à política) os elementos pacem, para bellum); povo, forças armadas e governo (Estado, na b) conquista de assentos ou disputas maioria dos casos, mas não exclusivamente), nos grandes foros (CSNU, OMC, G-20, respectivamente. Essa estrutura pode ser usa- FMI, BM etc.), onde da como base analítica os assuntos de maior para entender o resultado significado e relevân- Ciência, Tecnologia e de qualquer conflito. Se cia para a governança Inovação (CT&I) sempre não houver vontade do mundial são decididos; governo e/ou do povo, c) resistência a tiveram uma grande nenhum conflito poderá pressões de qualquer importância no resultado ser vencido e, mesmo, natureza que preju- dos conflitos sequer iniciado. Capa- diquem o alcance de cidade militar também é objetivos nacionais, essencial, mas a história principalmente os que forem vitais; tem mostrado que, mesmo havendo assime- d) conquista de vantagens em interações tria na expressão militar do poder, o mais com outros estados; fraco muitas vezes pode vencer. A incerteza e) garantia da vitória (ou impedir a der- sempre está presente na guerra. rota – às vezes, um empate é o melhor que Bacon4 já havia intuído, há mais de qua- se pode conseguir) nos conflitos bélicos em tro séculos, que “conhecimento é poder”. que o país se envolver. Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) O poder pode ser potencial ou efetivo. sempre tiveram uma grande importância no (DEUTSCH, 1968 e LONGO, 1991) resultado dos conflitos. O uso do ferro pelos Poder potencial assenta-se sobre uma hititas nas guerras contra os egípcios, do base de recursos materiais que o Estado corvo pelos romanos (nos embates navais Nacional pode converter em poder efetivo. durante as guerras púnicas), do fogo grego Tamanho do território, população e valor da pelos bizantinos (o que permitiu uma longa produção (produto nacional) são variáveis sobrevida ao Império Romano do Oriente) normalmente associadas a poder potencial. e da pólvora pelos europeus contra nativos Outras variáveis também são relevantes, americanos, africanos e asiáticos resulta-

4 Bacon, F. Meditationes Sacrae De Haeresibus. 1597.

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ram em decisiva vantagem competitiva. entre poder e desenvolvimento econômico, Finalmente, a descoberta da utilização da tecnológico e social de um país. É uma rela- energia nuclear para fins bélicos mudou ção circular e virtuosa (ou viciosa, na falta completamente o paradigma dos conflitos. de um desses elementos) que se estabelece Paradoxalmente, esse poder de destrui- entre eles. O poder propicia o desenvolvi- ção tão avassalador gerou uma pausa na mento econômico e social, e o crescimento escalada dos conflitos que se observou deste favorece o aumento daquele. Mas é até a metade do século XX. Aonde essa o poder que instrumentaliza a atuação da evolução tecnológica irá nos levar é ainda entidade política no sistema internacional. uma questão sem resposta, mas a história Essa visão foi plenamente absorvida mostra, repetidamente, que o impacto da pelo Estado brasileiro e tornada explícita tecnologia nos conflitos é muito grande. na END: De qualquer forma, a partir do século XX “Estratégia nacional de defesa é in- é indiscutível que CT&I se tornaram estraté- separável de estratégia nacional de gicas para qualquer país, pois são essenciais desenvolvimento. Esta motiva aquela. para garantir a superioridade bélica, sem a Aquela fornece escudo para esta. Cada qual nenhum poder é, uma reforça as razões de fato, efetivo. da outra. Em ambas se Pirró e Longo re- CT&I se tornaram desperta para a nacio- gistra esse fato muito nalidade e constrói-se claramente ao cha- estratégicas para a Nação. Defendido, o mar atenção para a qualquer país, pois são Brasil terá como dizer relevância, cada vez essenciais para garantir a não, quando tiver que maior, do componente dizer não. Terá capa- CT&I do poder: superioridade bélica, sem cidade para construir “O desenvolvi- a qual nenhum poder é, de seu próprio modelo mento tecnológico de desenvolvimento.” cria vantagens que fato, efetivo (BRASIL, 2008, pg. 8) podem superar as vantagens comparativas tradicionais Poder e os Instrumentos da entre as nações.” (LONGO, 2009) Defesa

O Estado brasileiro também reconhece A história não registra nenhum polo essa relevância da tecnologia como com- de poder político, econômico e militar ponente do poder. A Estratégia Nacional que tenha se estabelecido com base em de Defesa (END) assinala que: tecnologias importadas e setores mais “Não é independente quem não tem o dinâmicos da economia dominados por domínio das tecnologias sensíveis, tanto empresas estrangeiras. (frase atribuída para a defesa como para o desenvolvi- a Paulo Villares por LONGO, 2009a) mento.” (BRASIL, 2008, pg. 9) Se o poder é a ferramenta do Estado Finalmente, como já foi ressaltado an- para atuação no sistema internacional, para teriormente, não é só para a sobrevivência que se possa planejar a defesa é essencial e autodeterminação do Estado que o poder conhecer o que dá substância a esse poder. é instrumental. Existe uma relação direta Em que, objetivamente, se assenta o poder?

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Existem muitos modelos propostos Portanto, como se pode verificar, a capa- para mensurar poder efetivo. Um dos mais cidade militar apoia-se, além do orçamento recentes e abrangentes foi publicado pela de defesa, em dois instrumentos fundamen- RAND Corporation dos EUA (TELLIS tais e igualmente importantes: as Forças et all, 2000). Essa metodologia utiliza Armadas (FFAA) e o complexo industrial, informações quantitativas e qualitativas e científico e tecnológico capaz de suprir as considera três grandes áreas de avaliação, FFAA com os meios de que necessitam denominadas recursos nacionais, desempe- para cumprir sua missão constitucional. nho nacional e capacidade militar. Assim, atualmente (e, cada vez mais, tam- Os recursos nacionais correspondem, bém no futuro), não é mais suficiente dispor grosso modo, ao que se considera no cômputo de FFAA para se ter uma defesa efetiva. Tão do poder potencial: abrange território, popula- importante quanto as FFAA é a Logística de ção e Produto Interno Bruto (PIB). Entretanto, Defesa, que se refere ao provimento de meios também leva em consideração tecnologia de para compor as Forças Armadas e sustentar uso geral (base de conhecimento presente na suas operações em quaisquer situações em população) e empreendedorismo. que elas tenham que ser empregadas. (BRI- O desempenho nacional procura medir a CK, 2011) Essa função engloba praticamente capacidade de transformação do poder po- tudo o que não se refere a estratégia e tática tencial em capacidade militar: inclui vontade (o combate propriamente dito). política, capacidade O instrumento da Lo- de definir objetivos e gística de Defesa é a Base planejar ações de longo É enorme a relevância Logística de Defesa. prazo para alcançá-los, da BLD tanto para a Base Logística de entre outras. Defesa (BLD) é o agre- A “visão do mun- defesa quanto para o gado de capacitações do” como elemento desenvolvimento econômico tecnológicas, materiais da cultura, mencio- e social e humanas necessá- nada na Introdução, rias para desenvolver desempenha um papel e sustentar a expressão importante no desempenho nacional. militar do poder, mas também profunda- Mas o que constitui capacidade militar, mente envolvidas no desenvolvimento de segundo essa metodologia da Rand? capacidade e competitividade industrial do A capacidade militar depende de dois País como um todo (BRICK, 2011). aspectos: recursos estratégicos e capa- É enorme a relevância da BLD tanto cidade de conversão desses recursos em para a defesa quanto para o desenvolvi- proficiência de combate. mento econômico e social. É ela quem Três componentes distintos constituem materializa de forma mais direta a relação os recursos estratégicos: que existe entre defesa e desenvolvimento a) orçamentos de defesa; enfatizada na END. b) instalações, efetivos militares (quan- Políticas industriais e de CT&I para tidade e qualidade), meios de combate e de defesa apresentam vantagens muito grandes apoio logístico (ou seja, as Forças Armadas); para qualquer país: c) instituições de Pesquisa e Desenvol- a) não oneram a economia porque todo vimento (P&D), Teste e Avaliação (T&A) o custo está encapsulado no orçamento de de combate e a base industrial de defesa. defesa;

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b) são imunes a retaliações comerciais nos coleta e análise de informações existentes moldes das que estão previstas nas regras da no exterior sobre conhecimentos científicos Organização Mundial do Comércio (OMC); e inovações tecnológicas com aplicação no c) atuam no limiar do desenvolvimento desenvolvimento de produtos de defesa e tecnológico, propiciando inovações que, em prospecção tecnológica com impacto quase sempre, possuem uso dual; e em defesa. d) desenvolvem capacidade industrial d) Infraestrutura de financiamento da em produtos de alto valor agregado e que defesa: instituições e recursos financeiros também pode ser usada para gerar produtos dedicados a financiamento de pesquisa para o mercado civil (no Brasil, a Embraer é científica e tecnológica, desenvolvimento um exemplo emblemático dessa vantagem). de produtos com aplicação em defesa e Não é por outro motivo que os principais vendas externas de produtos de defesa. países industrializados utilizam a BLD como e) Infraestrutura voltada para o pla- instrumento de desenvolvimento tecnológico nejamento da mobilização e os recursos e industrial. Os EUA, o país que mais investe nacionais mobilizáveis para fins de defesa. em CT&I para todos os f) Infraestrutura de fins no mundo, destina apoio logístico desti- cerca de 50% desse in- Os principais países nada a garantir o apres- vestimento para a área industrializados utilizam tamento dos meios de de defesa. defesa durante todo o A BLD inclui todas a BLD como instrumento seu ciclo de vida útil. as instituições do país de desenvolvimento g) Infraestrutura de envolvidas com ativi- comercialização de pro- dades de aparelhamento tecnológico e industrial dutos de defesa, que de meios de defesa e    tem como propósito mobilização de ativos As FFAA e a BLD devem promover e apoiar as e recursos de qualquer exportações desses pro- natureza, disponíveis no ter desenvolvimento dutos para finalidades país, para fins de defesa. simultâneo e compatível econômicas e políticas. Há de se chamar h) Infraestrutura atenção para nove para gestão de aqui- componentes da BLD, que apresentam sição, inovação e desenvolvimento de aspectos distintos, mas que interagem com sistemas e produtos de defesa e da própria grande intensidade: sustentação da BLD. a) Infraestrutura industrial da defesa: i) Arcabouço regulatório e legal, que or- empresas e organizações envolvidas em dena a BLD e dá ao Estado a possibilidade desenvolvimento e fabricação de produtos de empreender ações para a sua sustentação de defesa. e desenvolvimento. b) Infraestrutura científico-tecnológica Os componentes da BLD não podem da defesa: universidades, centros de pes- ser vistos de maneira isolada. A eficácia quisa e empresas envolvidos na criação de da logística de defesa depende da estreita conhecimentos científicos e tecnologias interação entre todos esses componentes. com aplicação em produtos de defesa. Este fato sugere que a governança da BLD c) Infraestrutura de inteligência da de- deva englobar todos esses aspectos de fesa: instituições e pessoas envolvidas na forma unificada.

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É evidente que não se pode dissociar Estratégia e os o problema de construção e sustentação Instrumentos da Defesa da BLD do problema conexo de projeto de força. As FFAA e a BLD devem ter Estratégia é a ciência e a arte de de- desenvolvimento simultâneo e compatível. senvolver e utilizar as forças morais e Salvador Raza assim caracterizou esse materiais de uma unidade política ou problema: coligação, a fim de se atingirem obje- “Entendemos o projeto de força como tivos políticos que suscitam ou podem sendo o processo de concepção das suscitar a hostilidade de uma outra alternativas pelas quais as perspectivas unidade política. (Abel Cabral Couto) de uso do instrumento político forças ar- madas são conectadas às possibilidades Historicamente, o termo estratégia sur- do presente de forma a se configurar em giu para designar a maneira pela qual as opções de ação do futuro. entidades políticas definem o seu posicio- A consecução desse propósito, identi- namento e o seu preparo em face de con- ficando as tecnologias necessárias e os flitos de interesses com outras entidades de orçamentos adequados, é uma atividade mesma natureza e que possam conduzir, em complexa, que tem levado os Estados última instância, ao emprego da violência. a manterem estruturas e organizações Se o enfrentamento se configura como a vultosas e custosas. Robert MacNamara, alternativa preferida de ação política, a sua por exemplo, dizia que o Departamento condução exigirá também a definição de um de Defesa (DoD) dos EUA é o maior contorno abrangente para o desenvolvimen- complexo de gerenciamento devotado to das ações puramente militares, caso essas a um propósito único já existente na sejam necessárias. Este contorno envolve, História (1968, 87). por exemplo, a definição dos objetivos po- Embora o gigantismo dessa organiza- líticos para o conflito, o estabelecimento de ção americana não reflita a prática de alianças, a definição dos teatros de operações outros Estados, não há dúvidas de que e das grandes prioridades, entre outros. A é possível sustentar a afirmativa de que própria condução da guerra, que se desenrola o atendimento da missão constitucional por meio de uma sequência de ações, ditas de defesa é uma das atividades mais de cunho tático, não prescinde de uma visão complexas existentes para qualquer Es- mais larga, tanto no espaço quanto no tempo, tado moderno, tendo em vista a enorme que se entende como estratégica. complexidade gerencial imposta pela Bayllis et al (2010) apresentam defini- estrutura e pelos relacionamentos que ções de estratégia de vários autores: as forças armadas assumiram no tempo Estratégia é o uso de engajamentos presente, sem que exista uma perspecti- para alcançar os objetivos da guerra. va de alteração dessa situação no futuro (Carl Von Clausewitz) antecipado.” (SALVADOR, 2000) Estratégia é a arte da dialética das vontades utilizando a força para resolver Essa visão do poder, que identifica a o conflito entre aquelas. (André Beaufre) BLD como um instrumento tão importante Estratégia é a adaptação prática dos para a defesa quanto as próprias FFAA, meios colocados à disposição dos gene- requer uma definição do que seja estratégia rais para alcançar os objetivos da guerra. adequada a essa realidade. (Von Moltke)

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Estratégia é a arte de distribuição e um relaxamento com um dos aspectos mais aplicação de meios militares para alcan- importantes da defesa, que é justamente çar os objetivos da política. (Liddell Hart) “construção e manutenção do poder”. Estratégia é, em última análise, o uso É grande a tentação de se pensar em uso eficaz do poder. (Gregory D. Foster) de poder sem possuí-lo. Nenhum problema Estratégia é um plano geral para uti- em se praticar esse exercício. O perigo é lizar a capacidade existente para coerção quando esse exercício que, no fundo, nessas armada, juntamente com instrumentos condições, é puramente acadêmico amor- econômicos, diplomáticos e psicológi- tece a vontade de empreender o enorme cos do poder, em apoio à política externa esforço que é necessário para vencer as com o uso de meios abertos, dissimula- dificuldades que existem para construir o dos e táticos. (Robert Osgood) poder em tempos de paz. Estratégia é um plano de ação proje- Portanto, um dos arcabouços teóricos tado para se alcançar um objetivo; uma necessários para países como o Brasil é uma finalidade associada a um sistema de definição adequada do que seja estratégia. medidas para o seu alcance. (J.C.Wylie) Esse é um importante elemento da “cultu- Estratégia é um processo, uma adapta- ra”, com peso decisivo na forma como o ção constante às condições e circunstâncias problema da defesa é enfrentado. cambiantes em um São muitos os fa- mundo dominado tores que influem na pela sorte, pela in- É grande a tentação de se determinação do re- certeza e pela ambi- sultado dos conflitos guidade. (W. Mur- pensar em uso de poder entre estados. Estes, ray e M. Grimslay) sem possuí-lo por si só, são sistemas orgânicos extremamen- Como se pode ob- te complexos. A essa servar nos trechos grifados, uma caracterís- complexidade, inerente aos estados e ao tica comum e que merece destaque em quase macrossistema (sistema internacional) onde todas essas definições é que elas enfatizam estão inseridos, acresce-se aquela derivada apenas o “uso do poder” (as exceções são as das interações belicosas entre eles. Como definições de Wylie e de Murray e Grimslay, consequência, em cada situação de conflito que são muito genéricas). Ou seja, partem o conjunto de fatores determinantes do do pressuposto da existência de poder ou resultado pode ser diferente. parecem indicar que a construção do poder É certo que existe um amplo conjunto não mereceria maiores preocupações. desses fatores que vêm sendo apontados Essa visão provavelmente é decorrente como determinantes. Clausewitz, até hoje do fato de que os autores são nacionais de considerado o pai dos estudiosos de estraté- países que há muito tempo possuíam grande gia, relacionou os cinco fatores principais: poder e não precisavam se preocupar com a os elementos morais, físicos, matemáticos, sua construção. Esse aspecto foi destacado geográficos e estatísticos. Entretanto, ele porque essas definições representam uma também nos alerta que: “visão do mundo” adequada a esses países, No entanto, querer estudar a estratégia tradicionais detentores de poder. por meio desses elementos seria a ideia Para países que não possuem poder, ela mais desastrada do mundo, porque, na é extremamente perigosa porque induz a maioria dos atos de guerra isolados,

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esses elementos estão profundamente inclui as dimensões economia e logística, inseridos uns nos outros e de múltiplas organização (incluindo planejamento de maneiras. Perder-nos-íamos em análises defesa e de forças), administração militar completamente estéreis e, como num (incluindo recrutamento, treinamento e pesadelo, esgotar-nos-íamos incessan- a maioria dos aspectos relacionados ao temente em esforços vãos para relaxar armamento), informação e inteligência, o espírito, partindo de uma base abstrata teoria estratégica, e doutrina e tecnologia. para chegar a fenômenos da vida real. Finalmente, na categoria Guerra, ele Deus nos livre de tal empreendimento! inclui as dimensões: operações militares, (CLAUSEWITZ, 2003, p.181, 182) comando (tanto político quanto militar), Gray (1999) também procurou analisar geografia, fricção (incluindo chance e in- essa questão e relaciona nada menos do que certeza), o inimigo e o tempo. 17 dimensões da estratégia: Como se pode ver, Gray faz uma clara Portanto, estratégia pode ser pensada distinção entre construção (Preparação para de uma maneira utilitária como tendo a Guerra) e uso do poder (Guerra), colocan- muitas dimensões, do-os no mesmo nível ao mesmo tempo de importância, junto amplas e interpene- O perfil do estrategista é com a dimensão Povo trantes. Dezessete similar ao de um arquiteto e Política. tais dimensões são Portanto, fica bem preferidas aqui, mas ou engenheiro que se dedica claro que estratégia a quantidade precisa a conceber e construir a envolve dois proces- não importa mui- estrutura que poderá ser sos com características to, desde que tudo bem distintas: que seja relevante usada nos conflitos em que a) o preparo de uma seja considerado. a unidade política vier a se entidade política para (GRAY, 1999, p. 24) atuar com mais asserti- envolver vidade e enfrentar possí- Ele classificou es- veis choques com outros sas dimensões em três grandes categorias: atores no sistema internacional que possam Povo e Política, Preparação para a Guerra levar, eventualmente, a um conflito bélico; e e Guerra. b) a própria orientação geral para a con- Na categoria Povo e Política ele incluiu dução das ações necessárias, durante e ime- as dimensões: povo, sociedade, cultura, po- diatamente antes e depois dos enfrentamentos lítica e ética. Essas dimensões constituem (não exclusivamente bélicos) que ocorrerem. a base mais fundamental em que se apoia O primeiro processo, que designaremos qualquer tipo de ação estratégica. como construção, logística ou aparelhamento A Preparação para a Guerra inclui tudo dos instrumentos do poder (BLD e FFAA), aquilo que pode ser objeto de ações estra- refere-se a atividades que se desenrolam em tégicas antes da eclosão de conflitos, tais logo prazo, exigindo um grande esforço de como o aparelhamento do poder, a defini- planejamento, persistência e determinação ção da estratégia, da estrutura militar e da no alcance das escolhas feitas, bem como doutrina para a defesa e a monitoração do um envolvimento de praticamente todos os estado do ambiente externo, representado setores da sociedade. Neste processo, o tempo pelo sistema internacional. Para Gray, ela para desenvolver as ações estratégicas se pode

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medir em décadas, e o perfil do estrategista é Couto5 (2007) elaborou uma definição similar ao de um arquiteto ou engenheiro que apresentada no caput desta seção que, ao se dedica a conceber contrário das demais e construir a estrutura apresentadas por Baylis (meios materiais, in- Estratégia é a ciência e et all (2010)6, associa tangíveis e humanos) estratégia tanto ao uso que poderá ser usada a arte de desenvolver, quanto ao preparo dos nos conflitos em que a sustentar e utilizar o poder instrumentos para atu- unidade política vier a ação em conflitos no se envolver. de uma unidade política sistema internacional. O segundo proces- ou coligação, a fim de Tendo em vista as so, que designaremos se alcançarem objetivos considerações feitas como utilização ou anteriormente, uma uso do poder nacional, políticos considerados definição de estratégia refere-se à condução vitais e que suscitam ou baseada na de Couto, da nação no seu dia adequada às necessida- a dia durante esses podem suscitar a oposição des brasileiras e à visão conflitos (bélicos ou e a hostilidade de outra(s) do mundo que mostra não) e abrange desde unidade(s) política(s) preocupação não só com a fase de pré-conflito Abel Cabral Couto (2007) o uso, mas também com até o período imedia- o desenvolvimento e a tamente após a sua sustentação do poder, é conclusão. O tempo para desenvolver essas formulada como se segue: ações se mede em poucos anos, meses ou Estratégia é a ciência e a arte de de- até mesmo semanas, e o estrategista ideal senvolver, sustentar e utilizar o po- é aquele que conjuga der de uma unidade habilidade política e política ou coligação, domínio dos misteres A END estabeleceu a fim de se alcança- militares. metas muito ambiciosas e rem objetivos políticos Sendo processos considerados vitais e com características distantes da realidade atual que suscitam ou podem distintas, as qualifica- da BLD brasileira suscitar a oposição e a ções das pessoas e as hostilidade de outra(s) instituições dedicadas unidade(s) política(s). a cada uma dessas atividades também devem possuir características diferentes. Instrumentos da Defesa: a Um excelente profissional de operações realidade brasileira militares normalmente não será bom pro- fissional de aparelhamento e vice-versa. A O Brasil é ao mesmo tempo um gigante gestão do aparelhamento também é muito territorial, populacional e econômico distinta da gestão de operações militares. e um anão político-militar. (Eduardo Os métodos não são intercambiáveis. Ítalo Pesce)

5 Abel Cabral Couto. Uma Nova Base Conceitual para a Estratégia, em Duarte e Fernandes (2007). 6 Coincidentemente uma visão adequada a um nacional de um país (Portugal) que não dispõe de poder.

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O Brasil dispõe de FFAA desde a sua igualdade com as FFAA, como instrumentos independência. Entretanto, sua BLD não de defesa fundamentais para o país. Como tem sido capaz de supri-las com suas tal, ambas têm que ser consideradas como de necessidades mais básicas, e os principais exclusiva responsabilidade do Estado. meios por elas utilizados são de procedên- Essa talvez seja a mudança mais difícil: cia estrangeira. dar ao desenvolvimento e à sustentação da Há, portanto, um claro desequilíbrio BLD a mesma importância que tem sido histórico entre o desenvolvimento das dada, historicamente, ao aparelhamento das FFAA e da BLD. FFAA. Na prática isso significa reduzir dras- A END – Estratégia Nacional de Defesa ticamente a aquisição de meios no exterior, (BRASIL, 2008) captou essa relevância da priorizando seu fornecimento pela BLD. dimensão científico-tecnológico-industrial Para isso será necessário, entre outras da defesa e a deficiência brasileira e definiu medidas, que o Plano de Articulação e Equi- três eixos estruturantes, sendo que um deles pamentos de Defesa (Paed), que atualmente é a “reestruturação da indústria brasileira é apenas uma lista de compras definidas pelas de material de defesa”. Essa tem como FFAA, se transforme em um Plano Integrado propósito “assegurar que o atendimento de Aparelhamento e Capacitação Industrial e das necessidades de Tecnológica, condicio- equipamento das For- nando o aparelhamento ças Armadas apoie-se Os países que possuem forte das FFAA ao concomi- em tecnologias sob tante desenvolvimento domínio nacional”. BLD destinam de 20% a da capacidade industrial Adicionalmente, a 50% do orçamento de defesa e tecnológica necessá- END define que essa ria ao fornecimento dos reestruturação deve para esse fim. O Brasil, meios previstos. “dar prioridade ao cerca de 7% a 10% apenas Entretanto, existem desenvolvimento de muitos entraves insti- capacitações tecnoló- tucionais para que isso gicas independentes” e também “capacitar possa ocorrer, sendo que três merecem a indústria nacional de material de defesa especial destaque em função da sua grande para que conquiste autonomia em tecnolo- relevância, o que também os tornam alvos gias indispensáveis à defesa”. prioritários de ação pelo Estado brasileiro. Constata-se, pois, que a END estabeleceu O primeiro grande entrave é o proble- metas muito ambiciosas e distantes da reali- ma crônico da inadequação do orçamento dade atual da BLD brasileira, constituindo- de defesa (em 2011, 63% dos países que se em um novo e desafiador paradigma. possuíam um PIB superior a 200 bilhões de O que fazer para enfrentar esse desafio? dólares investiam em defesa um percentual Evidentemente isso não parece ser possível do PIB superior ao do Brasil). fazendo “mais do mesmo”. Será preciso ino- O percentual do PIB brasileiro dedicado à var na forma de atuação do Estado brasileiro. defesa, que foi de 1,41% em 2008, ano da pro- A primeira mudança é o Estado assumir, de mulgação da END, após ligeiros acréscimos fato, a responsabilidade pelo desenvolvimento em 2009 e 2010 (1,59% e 1,57%, respectiva- e pela sustentação da BLD, como ocorre em mente) voltou ao patamar de 1,47% em 2012. todos os países que possuem poder relevante. O percentual do orçamento federal (ex- Isso significa colocar a BLD em condições de cluindo-se a parcela do orçamento para gestão

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da dívida pública) dedicado à defesa, que era Tendo em vista que a experiência brasi- de 4,55% em 2007 e 4,51% em 2008, após leira em gestão da aquisição de produtos de ligeiros acréscimos entre 2009 a 2011 (4,85%; defesa é muito menor do que a dos países 4,99% e 4,75% respectivamente) voltou a de- acima mencionados, é de se esperar que, crescer nos anos subsequentes de 2012 a 2014 enquanto essa experiência não for adquiri- (4,32%; 4,35% e 4,24%, respectivamente). da, a quantidade necessária de profissionais Considerando-se todas as despesas (in- para essa função deva ser maior do que a clusive as relacionadas à gestão da dívida existente atualmente nesses países. Ou seja, pública), o percentual do orçamento fede- seriam necessários mais de 20 mil profis- ral em 2014 alocado à defesa é de apenas sionais só para essa atividade. 3,11%. No exato momento em que essas A título de exemplo, a França, que possui linhas acima estavam sendo escritas, no uma visão do mundo que se enquadra naque- dia 20 de fevereiro de 2014, o Ministério la apresentada neste trabalho, ocupou mais da Fazenda anunciou corte de 44 bilhões de 30 mil profissionais quando implantou o de reais no orçamento para 2014, sendo seu sistema de gestão da BLD nas décadas de que o Ministério da Defesa foi o que mais 60 e 70 do século passado. Decorridos mais sofreu (corte de 3,5 bilhões, reduzindo o de 50 anos, esse número pôde ser reduzido percentual para 3,01%). para os atuais 12 mil. Mesmo se for consi- Mas não é só o valor do orçamento derado que a BLD francesa evoluiu de uma de defesa que é importante. O percentual situação em que era quase que totalmente desse orçamento destinado a aquisições de estatal (e, por isso, podia demandar mais novos sistemas e à CT&I é um parâmetro mão de obra) até o sistema híbrido (estatal crítico. Os países que possuem forte BLD e privado) de hoje, fica claro que a situação destinam de 20% a 50% do orçamento de brasileira atual está muito distante das ne- defesa para esse fim. O Brasil, cerca de 7% cessidades, pois o país se encontra hoje em a 10% apenas. Como o mercado de produ- situação equivalente à da França de então. tos de defesa é monopsônico, tendo como Ora, a formação de um profissional com único cliente as FFAA, sem a priorização essas qualificações, além de sólida em dis- da aquisição desses produtos na BLD na- ciplinas de engenharia e computação, por cional é impossível sustentar a indústria e exemplo, demanda pelo menos dez anos a inovação para defesa. de efetiva experiência em atividades de O segundo grande entrave é a inexis- pesquisa e desenvolvimento, fabricação de tência de recursos humanos com as quali- produtos de defesa e/ou teste e avaliação de ficações e as quantidades suficientes para produtos complexos. enfrentar esse desafio (nos EUA existem Portanto, é evidente que esse problema mais de 150 mil pessoas, sendo mais de tem que ser atacado com urgência, porque 90% civis, dedicados apenas à aquisição uma decisão tomada hoje só terá efeito de sistemas de defesa; no Reino Unido esse daqui a mais de dez anos. contingente é de cerca de 20 mil pessoas, e Finalmente, o terceiro grande entrave, na França, 12 mil). que pode ter grande influência da solução Esses números dão a dimensão do pro- do primeiro e é fundamental para a remoção blema que o Brasil terá que enfrentar se qui- do segundo, é a inexistência de um “dono ser, de fato, desenvolver e sustentar a BLD institucional” único para a BLD com res- como instrumento de defesa efetivo (capaz ponsabilidade, autoridade e imputabilidade de atender às necessidades das FFAA). pelo seu desenvolvimento e sustentação.

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No Brasil, além do Ministério da Defesa deve fazer amanhã e, sim, o que deve (MD), os ministérios de Desenvolvimento fazer hoje para estar preparado para Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e de um futuro incerto (Peter Drucker). Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI) de- têm responsabilidades e administram recursos Este artigo procurou descrever um arcabou- orçamentários usados no desenvolvimento e ço teórico capaz de servir de referência para a na sustentação da BLD. Adicionalmente, no definição e a execução de políticas públicas e próprio âmbito do MD, cada Força tem quase ações destinadas a desenvolver e sustentar o que total autonomia para cuidar da “sua” BLD. poder nacional, de modo que o Brasil tenha Esse talvez seja um caso único entre os possibilidade de interagir no sistema interna- países com alguma relevância em termos de cional em condições mais favoráveis do que estruturas para defesa. O mais comum é a as atuais e, também, mais compatíveis com o BLD, como instrumento que é da defesa, es- seu porte, suas aspirações de inserção nesse tar subordinada totalmente ao Ministério da sistema e suas necessidades de defesa. Defesa e, normalmente, com gestão separada É importante sublinhar que, quando se da gestão das Forças Armadas. Ou seja, por trata de defesa (poder), não se pode falar serem atividades muito distintas, operações em termos absolutos, pois, por definição, e aparelhamento não se poder é relativo entre as misturam. No caso do nações. Assim, o pata- Brasil, além de existir A BLD, além de ser mar de poder que o país essa mistura, há ainda instrumento da defesa, é o necessita é aquele capaz a divisão de responsa- de dissuadir ameaças bilidades entre as três elo mais importante entre com grande capacidade Forças Armadas. esta e o desenvolvimento militar e tecnológica. Como os recursos Nada menos do que isso! são escassos e a BLD O primeiro ponto é única, essa divisão de responsabilidades que foi destacado é que na era pós-indus- pode ser considerada um grande entrave trial é impossível possuir defesa efetiva sem institucional ao seu desenvolvimento: um que se tenham três componentes básicos verdadeiro nó górdio a ser desfeito. (os recursos estratégicos): Forças Armadas Em tema é discutido em artigo recente bem aparelhadas; uma Base Logística de publicado nos Relatórios de Pesquisa em Defesa (BLD) capaz de inovar e suprir as Engenharia de Produção (BRICK, 2014), no FFAA com meios equivalentes aos das qual a situação do Brasil é comparada com as possíveis ameaças; e orçamentos de defesa de França, África do Sul e Índia e é levantada adequados a esses fins. a possibilidade de se criar uma Quarta Força, A BLD, além de ser instrumento da constituída por profissionais adequados à defesa, é o elo mais importante entre esta execução das atividades de desenvolvimento e o desenvolvimento. e aquisição de sistemas de defesa e desenvol- A BLD possui pelo menos nove com- vimento e sustentação da BLD. ponentes que são essenciais e interagem intensamente. Não é possível tratar isola- Conclusões damente qualquer um desses componentes, o que sugere que exista apenas um único A grande questão que se coloca para o “dono institucional” para a BLD. Aliás, planejador de longo prazo não é o que essa é a experiência internacional.

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Como a cultura e suas “visões do mun- considerados vitais e que suscitam ou do” são fundamentais quando se trata de podem suscitar a oposição e a hostili- resolver problemas muito complexos e dade de outra(s) unidade(s) política(s). abrangentes, como é o caso da defesa, é essencial que exista uma concepção teórica O constructo da Base Logística de De- que dê suporte à ação. fesa, que coloca esse instrumento de defesa Nesse sentido, parece ser fundamental em pé de igualdade com as próprias Forças um entendimento do que significa o termo Armadas, e a definição acima de estraté- estratégia para países que ainda não alcan- gia, que parece ser mais adequada a um çaram um patamar de poder equivalente aos país com as características e necessidades dos principais atores no sistema internacio- atuais que o Brasil possui, constituem o nal, tendo em vista a profusão de institutos, arcabouço teórico, ou “visão do mundo”, centros, programas de pós-graduação e sugeridos para embasar o planejamento similares que foram criados no Brasil nos da defesa para o Brasil. Se aceitos, não há últimos anos e que ostentam, de alguma dúvida que ensejarão muitas modificações forma, a palavra estratégia, ou estratégico, na forma como o Estado brasileiro gerencia em suas denominações, ou se dedicam a a sua defesa. estudos estratégicos. Finalmente, o artigo termina por apontar Essas instituições estarão moldando a os três maiores entraves para que a situação cultura das próximas gerações de civis e atual possa ser modificada. militares que cuidarão da defesa e, aparen- Em primeiro lugar, o problema do orça- temente, a julgar pelos temas tratados nos mento de defesa continua crítico. Após a simpósios e mesas-redondas nos últimos promulgação da END, em vez de aumentar, encontros anuais da Associação Brasileira como seria necessário, o orçamento de dos Estudos de Defesa (Abed), nem pro- defesa decresceu em termos percentuais, jeto de força nem logística de defesa são tanto em relação ao PIB quanto em relação considerados temas importantes. A grande ao orçamento federal. Um exemplo típico ênfase nesses encontros, inclusive no que de política que permanece no discurso está programado para 2014, é no “uso do e não chega à ação, já que orçamento é poder” de uma forma abstrata (já que o o primeiro e mais importante elemento Brasil ainda não dispõe nem de FFAA nem de políticas públicas. O percentual desse de BLD adequadas às suas necessidades), orçamento destinado a investimentos em ou de questões tais como gênero nas Forças CT&I e aquisições de produtos de defesa Armadas, história militar, educação militar, na BLD nacional também está muito abaixo filosofia da guerra, geopolítica e segurança das referências internacionais e aquém das internacional e regional. necessidades. Assim, no intuito de contribuir para Em segundo lugar, há a enorme defi- alterar essa situação, que quase certamente ciência de recursos humanos, tanto em decorre de uma “visão do mundo” que não quantidade quanto em qualificações para leva ao fortalecimento da defesa, é sugerida enfrentar o desafio de desenvolver e susten- a seguinte definição para estratégia: tar a BLD e aparelhar as FFAA com meios Estratégia é a ciência e a arte de desen- que possuam eficácias equivalentes às das volver, sustentar e utilizar o poder de potenciais ameaças. Essa situação pode levar uma unidade política ou coligação, a a uma crise de gestão se o Paed for aprovado. fim de se alcançarem objetivos políticos Tendo em vista a realidade orçamentária,

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parece que essa possibilidade não irá ocorrer Entretanto, a situação mudou radical- tão brevemente, mas isso não deve servir mente, e o Brasil está hoje em outro pata- de justificativa para não se empreenderem mar. Como já mencionado antes, a defesa ações imediatas para eliminar ou pelo me- para o futuro (que é o foco da nossa atenção nos reduzir essa vulnerabilidade. Esse fato hoje) não poderá ser construída fazendo abre uma janela de oportunidade para que a mais do mesmo. É preciso inovar! situação possa ser alterada. O Brasil deveria aproveitar ao máximo a Finalmente, mas não menos importante, janela de oportunidade existente, pelo fato de o problema de governança, com a existên- não ter ameaças presentes nem futuro próxi- cia de muitos atores que detêm autoridade e mo, para construir a sua defesa para daqui responsabilidade sobre a BLD (pelo menos a 20 a 40 anos. Isso implicará em decisões seis, contando com MD, MDIC, MCTI difíceis, pois, em função das limitações de e as três Forças), pode ser considerado orçamento (que devem perdurar enquanto não como muito sério. O custo e a eficácia forem atendidas as grandes demandas sociais dos processos de gestão nessas condições e corrigidas as deficiências em infraestrutura ficam seriamente afetados. A complexa básica), terá inevitavelmente que optar por estrutura da recém-criada Comissão Mista reduzir suas FFAA (em tamanho, mas não da Indústria de Defesa (CMID) confirma em eficácia) em prol do fortalecimento de essa avaliação. sua BLD. Isso significa A questão da go- investir muito mais em vernança da BLD deve A defesa para o futuro CT&I para defesa, cortar merecer alta priorida- radicalmente importa- de na organização da não poderá ser construída ções, reduzir quantida- Defesa Nacional. fazendo mais do mesmo. É des de meios e escalonar Como conclusão preciso inovar! as aquisições, de forma final, deve-se destacar a dar continuidade às que a situação atual linhas de produção e da defesa, usando-se como parâmetros os garantir a sustentação de uma capacitação recursos estratégicos (orçamento, BLD industrial mínima para a defesa. e FFAA), é fruto de decisões que foram Essa estratégia parece ser sensata, tendo tomadas desde a década de 50 do século em vista que nada do que for feito hoje será passado, não é satisfatória em nenhum suficiente para que o País tenha condições de desses três componentes e não poderá ser se opor às ameaças mais prováveis no siste- alterada em curto prazo, tendo em vista ma internacional. Simplesmente não existem que os resultados das ações que podem ser recursos financeiros, humanos, tecnológicos empreendidas hoje só terão efeitos décadas e/ou industriais para tal. Assim, não restaria à frente. Essa constatação não significa uma alternativa senão preparar a defesa para um crítica aos que tomaram essas decisões no futuro mais longínquo e extremamente in- passado porque elas foram tomadas em certo. Ou seja, atender à recomendação do outros contextos. autor da frase do caput desta seção.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Política nacional; Desenvolvimento; Ciênca e tecnologia; Economia do Brasil; Industria de defesa; Poder econômico;

RMB1oT/2014 25 AS FORÇAS ARMADAS E A BASE LOGÍSTICA DE DEFESA

Referências

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26 RMB1oT/2014 SECRETARIA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DA MARINHA – SEIS ANOS DE HISTÓRIA E REALIZAÇÕES

WILSON BARBOSA GUERRA* Almirante de Esquadra

SUMÁRIO

Ciência, Tecnologia e Inovação – Breve Conceito Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação da Marinha – Histórico O Patrono Instituições Científicas e Tecnológicas e Escritório de Desenvolvimento Tecnológico Industrial da MB Principais Projetos e Realizações Fóruns e eventos na área de CT&I Prêmio Almirante Álvaro Alberto Parcerias Conclusão

* Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Marinha. Foi comandante da Corveta Caboclo, da Fragata Li- beral, do 1o Esquadrão de Escolta e da Força de Superfície. Foi comandante em chefe da Esquadra, subchefe de Logística e Plano Diretor e de Operações do Comando de Operações Navais e diretor do Departamento de Política e Estratégia do Ministério da Defesa, entre outros cargos. SECRETARIA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DA MARINHA – SEIS ANOS DE HISTÓRIA E REALIZAÇÕES

Ciência, Tecnologia e Secretaria de Ciência, Inovação (CT&I) – Breve Tecnologia E INOVAÇÃO DA Conceito MARInHa (SecCTM) – Histórico

esde os mais longínquos tempos, que- Em face da necessidade de coordenar Dbramos algumas regras da natureza e e orientar o desenvolvimento tecnológico, abrimos caminho para novas realizações. oriundo da globalização, e a crescente im- Para tanto, os conhecimentos são desen- portância e as oportunidades estabelecidas volvidos por meio da evolução da ciência pelo Governo Federal nas áreas de CT&I, e das novas tecnologias que suportam e no ano de 2008, por decisão da Alta Ad- amparam estes avanços. ministração Naval, foi criada a SecCTM. A ciência é o esforço para descobrir e Inicialmente subordinada ao Estado- aumentar o conhecimento dos homens nas Maior da Armada (EMA), a Secretaria mais diversas áreas. foi elevada ao nível de Tecnologia é o termo Órgão de Direção Se- que envolve o conhe- Apenas com o torial (ODS) em 20 de cimento técnico, as setembro de 2012 pelo ferramentas, os pro- desenvolvimento, em Decreto no 7.809. Esta cessos e os materiais paralelo, das três – nova condição, na es- criados e utilizados, ciência, tecnologia e trutura organizacional a partir do conheci- da Marinha do Brasil mento gerado pela inovação – amparando- (MB), buscou maior re- ciência. A inovação se e complementando-se, presentatividade diante significa novidade ou dos órgãos externos renovação, permitindo respaldamos a melhoria da ligados à CT&I, como ganhos de eficiência qualidade de vida de uma o Ministério da Ciência, nos mais diversos pro- população Tecnologia e Inovação cessos. Apenas com o (MCTI), o Ministério desenvolvimento, em da Defesa (MD), os ho- paralelo, das três – ciência, tecnologia e mólogos das demais Forças e a Academia. inovação – amparando-se e complementan- Fruto desta mudança, a Secretaria passou a do-se, respaldamos a melhoria da qualidade ser o Órgão Central do Sistema de Ciência e de vida de uma população. Tecnologia da Marinha do Brasil – SCTMB Uma breve análise do mundo globali- (exercido anteriormente pelo EMA), res- zado nos permite observar e concluir que ponsável pela administração estratégica a linha divisória entre os países desen- das atividades científicas, tecnológicas e de volvidos e os em desenvolvimento pode inovação da Marinha, pela normatização do ser determinada pelo estágio da CT&I setor e pelo relacionamento com todos os de cada um. Um país com um parque atores que compõem o Sistema. tecnológico dinâmico e uma Academia Assim, com base no Plano de Desenvol- estimulada gera os recursos necessários vimento Científico, Tecnológico e de Ino- ao bem-estar de sua sociedade, mantendo vação da Marinha (PDCTM), estão sendo seu sistema econômico e político susten- desenvolvidas ações no sentido de cumprir tado por um desenvolvimento científico os seguintes Objetivos Estratégicos, com e tecnológico. suas respectivas ações:

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– Nacionalização – incrementar os in- principais atribuições fomentar a pesquisa vestimentos nas atividades de CT&I para científica e tecnológica e incentivar a for- reduzir a dependência tecnológica externa; mação de pesquisadores brasileiros. Hoje, – Domínio do conhecimento – fortalecer com a denominação de Conselho Nacional e concentrar recursos nos projetos de CT&I de Desenvolvimento Científico e Tecno- prioritários para a MB; lógico, é um dos mais importantes órgãos – Gerência do SCTMB – aumentar a de fomento à Pesquisa e Desenvolvimento eficiência, a eficácia e a efetividade nas (P&D) do País, subordinado ao MCTI. atividades do sistema; – Inovação e competitividade industrial Intituições Científicas – incrementar e manter a parceria com a e Tecnológicas iniciativa privada; (ICT) e Escritório de – Disseminação das atividades de CT&I Desenvolvimento – manter a busca pela visibilidade da MB Tecnológico Industrial na sociedade; e (EDTI) da MB – Proteção da Propriedade Intelectual – incrementar o número de pedidos de ICT é um órgão, ou entidade, da admi- proteção. nistração pública que tem por missão ins- titucional, entre outras, executar atividades O Patrono de pesquisa, básica ou aplicada, de caráter científico ou tecnológico. A escolha do Patrono da CT&I na Mari- Como fator de força, conforme preconi- nha do Brasil (MB) é uma justa homenagem zado na Lei de Inovação Tecnológica (LIT), ao Vice-Almirante Álvaro Alberto da Mota são conferidas as seguintes possibilidades a e Silva. Defensor da tese de que o desen- todas as ICT: realizar convênios e contratos volvimento científico e tecnológico está com a União e agências de fomentos (Fun- intimamente ligado à prosperidade do País, dações de Apoio à Pesquisa), auferindo nasceu no Rio de Janeiro, formou-se na receitas para Pesquisa, Desenvolvimento e Escola Naval e, posteriormente, graduou-se Inovação (PD&I); compartilhar e permitir em Engenharia pela Escola Politécnica do o uso de laboratórios e equipamentos com Rio de Janeiro. Pós-graduou-se pela École empresas, sem prejuízo de sua atividade Centrale Technique, Bruxelas. Em 1916, finalística; celebrar contratos de transferên- já era professor de Química e Explosivos cia de tecnologia e de licenciamento para na Escola Naval. outorga de direito de uso ou de exploração Entre 1920 e 1928, foi presidente da de criação por ela desenvolvida; prestar Sociedade Brasileira de Química. Em 1946, às instituições públicas ou privadas ser- foi nomeado representante brasileiro na viços tecnológicos, mediante retribuição Comissão de Energia Atômica do Conselho pecuniária; e celebrar acordos de parceria de Segurança da recém-criada Organização para a realização de PD&I, desenvolvendo das Nações Unidas (ONU). Como presi- tecnologia, produto ou processo, com ins- dente da Academia Brasileira de Ciências, tituições públicas e privadas. cargo que exerceu por duas vezes, propôs A SecCTM, dentro da estrutura organi- ao Governo Federal a criação do Conselho zacional da MB, possui ICT subordinadas Nacional de Pesquisa (CNPq), aprovada diretamente e outras, funcionalmente. em 15 de janeiro de 1951, tendo como Diretamente subordinadas, temos:

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1) Centro de Análises de Sistemas Na- minada a criação, pela Portaria 628/2012 do vais (Casnav) – Localizado na cidade do Comandante da Marinha, do Escritório de Rio de Janeiro, possui expertise nas áreas Desenvolvimento Tecnológico Industrial de Comando e Controle, Pesquisa Ope- da Marinha (EDTI). Subordinado direta- racional, Desenvolvimento de Sistemas, mente à SecCTM, encontra-se em processo Criptografia e Avaliação de Segurança de criação e exercerá a supervisão funcional em Sistemas, e Simulação em Ambientes das atividades de Metrologia, Normali- Virtuais; zação, Certificação e Desenvolvimento 2) Instituto de Estudos do Mar Almiran- Industrial, com o propósito de contribuir te Paulo Moreira (IEAPM) – Localizado em com as atividades de Tecnologia Industrial Arraial do Cabo (RJ), é o nosso Instituto Básica e de Desenvolvimento Industrial na de Ciência e Tecnologia do Mar, desen- Marinha do Brasil. volvendo atividades de P&D voltadas para Principais o ambiente marinho Acrescenta-se a Projetos e nas áreas de Oceano- Realizações grafia, Meteorologia, importância de difundir Hidrografia, Geologia para a sociedade civil Durante os seis anos e Geofísica Marinhas, a consciência de que as de existência, a Secreta- Biologia Marinha, ria teve seu foco basea- Instrumentação Oce- Forças Armadas são do nas soluções e parce- anográfica, Acústica importantes no fomento à rias, trabalhando junto à Submarina; e Senso- Academia, a empresas, riamento Remoto; e pesquisa e no incentivo ao agências governamen- 3) Instituto de Pes- desenvolvimento científico e tais de fomento, minis- quisas da Marinha tecnológico do País térios e demais fóruns (IPqM) – Localizado de interesse da CT&I na Ilha do Governa- da MB, visando obter dor, Rio de Janeiro, realiza atividades vol- recursos, acesso e influência necessários à tadas para a pesquisa aplicada nas áreas de execução dos projetos de interesse para a Armas, Guerra Eletrônica, Sistemas Sonar, nossa Amazônia Azul. Acrescenta-se a im- Sistemas Digitais e Materiais. portância de difundir para a sociedade civil Subordinados tecnicamente, temos as a consciência de que as Forças Armadas demais ICT da MB: o Centro de Hidrografia são importantes no fomento à pesquisa e da Marinha (CHM), o Centro Tecnológico no incentivo ao desenvolvimento científico da Marinha em São Paulo (CTMSP), o e tecnológico do País. Centro Tecnológico do Corpo de Fuzileiros Dentre as principais realizações e ações Navais (CTecCFN), o Instituto de Pesqui- implementadas, destacamos as seguintes: sas Biomédicas do Hospital Naval Marcílio – Criação de um Programa de Acústica Dias (HNMD-IPB) e o Laboratório Farma- Submarina que agrega os conhecimentos já cêutico da Marinha (LFM). dominados por nossas Instituições de Ciên- Por fim, cumprindo o contido na Estra- cia e Tecnologia, expressos por meio das tégia Nacional de Defesa e vislumbrando as propostas e projetos cadastrados no Con- necessidades decorrentes do nosso Progra- trole de Projetos de Ciência e Tecnologia ma de Construção de Submarinos, foi deter- da Marinha (CProcitem) e as necessidades

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apresentadas pelos setores do Material e tendo a Empresa Gerencial de Projetos Operativo. Tal ação permitirá a atualização, Navais (Emgepron) como interveniente. a realimentação necessária e a otimização Esses laboratórios possuirão a infraestru- dos recursos (financeiros, de pessoal e a in- tura necessária a atender às necessidades fraestrutura) das ICT subordinadas, além da em sistemas inerciais do Programa de elevação do nível de coordenação entre os Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) ODS, as Diretorias Especializadas (DE), as e da Petrobras. ICT, as empresas parceiras e a Academia, – Grandes avanços na tecnologia de na área de acústica submarina. Fusão de Dados no âmbito do Grupo de – Desenvolvimento de estudos no Trabalho Conjunto (GTC) Brasil-França, âmbito da SecCTM para a criação do na Subcomissão Naval (SCN), onde os Sistema de Prospecção Tecnológica da especialistas franceses repassaram algorit- MB, empregando a exploração sistemáti- mos que ampliaram o domínio do IPqM ca, com a finalidade de identificar áreas neste tema. Uma parceria com a Fundação de investigação científica, suscetíveis a Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estu- influenciar atividades de interesse da MB dos Tecnológicos da Universidade Federal e difundir esses conceitos. Tal iniciativa se do Rio de Janeiro (UFRJ/Coppetec) neste coaduna com as ações já estruturadas em projeto tem produzido ganhos significativos vários países. Cerca de 2/3 das informações advindos da integração da participação de tecnológicas disponíveis em todo o mundo pesquisadores civis, estudando temas de são reveladas nos documentos de patentes interesse da MB. O principal produto desta (Organização Mundial da Propriedade tecnologia é o Centro de Integração de Intelectual – OMPI). Essa pesquisa nos Sensores e Navegação Eletrônica (Cisne), bancos de patentes pode reduzir em 30% desenvolvido pelo IPqM em parceria com os custos em P&D. o Centro de Apoio a Sistemas Operativos – Participação da MB no Programa (Casop), instalado pela primeira vez em Ciência sem Fronteiras (CsF), em que sub- 2012, no Navio de Desembarque de Carros metemos as nossas demandas ao MCTI, de Combate (NDCC) Almirante Sabóia, e com as propostas de cursos em instituições continuou sua evolução, tendo sido também no exterior para capacitação de pesqui- instalado no Navio-Escola (NE) Brasil com sadores, a fim de prover mão de obra o fim de cumprir mais uma etapa de ava- qualificada aos nossos projetos. Assim, liações, durante a Viagem de Instrução de vislumbramos atender às demandas de Guardas Marinha de 2013 (XXVII VIGM). capacitação de pessoal, aproveitando este O Cisne é um sistema de apoio à navegação incentivo à CT&I, com a possibilidade de para navios militares que integra sensores economia de recursos orçamentários, já de navegação e de comunicação. Incorpora que o Programa CsF é distinto do Progra- técnicas de Fusão de Dados de sensores e ma de Cursos e Estágios no Exterior em compatibilidade com diferentes tipos de car- andamento na MB. tas náuticas, incluindo as vetoriais. Outros – Assinatura de um Acordo de Coope- protótipos encontram-se instalados no NPo ração com a Petrobras, com o propósito de Almirante Maximiano e na Fragata Liberal, elaborar e executar projetos e obras neces- realizando testes para homologação pela sárias para estabelecimento de laboratórios Diretoria de Sistemas de Armas da Marinha de referência no CTMSP e no IPqM, para (DSAM) e certificação pela Diretoria de o desenvolvimento de Sistemas Inerciais, Hidrografia e Navegação (DHN).

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– Inauguração, em julho de 2013, do La- – Desenvolvimento pelo IPqM do pri- boratório de Tecnologia Sonar (Labsonar) meiro simulador de máquinas do tipo full no Centro Tecnológico da Universidade mission para o Centro de Instrução Almi- Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). rante Graça Aranha (Ciaga). Trata-se de um O empreendimento visa capacitar alunos de simulador para navios mercantes, com mo- graduação e pós-graduação que apresentem tores de baixa rotação, que será instalado no interesse na área de tecnologia sonar, a fim Ciaga para ser utilizado como ferramenta de contribuir para o desenvolvimento de no apoio ao ensino na Escola de Formação ferramentas aplicáveis aos sistemas sonar de Oficiais da Marinha Mercante. de utilização nos meios da Marinha do – Instalação de um Simulador de Passa- Brasil. O Labsonar disponibilizará bolsas diço Classe C, desenvolvido pelo Casnav, de mestrado, doutorado e pós-doutorado que compreende o primeiro passo para o nesta área, por meio do edital Prodefesa, da desenvolvimento do simulador de passa- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes- diço tipo full mission para o Ciaga. Além soal de Nível Superior (Capes). A Coppe disso, foi iniciada a terceira e última fase do manifestou, ainda, o desejo de participar e projeto, que prevê a entrega deste simulador contribuir com o Prosub no que se refere à em dezembro de 2015. Um protótipo está área de processamento de sinais acústicos, sendo empregado na instrução de navega- bem como de apresentar um Projeto Con- ção e manobra das nossas tripulações na junto MB-Coppe à Financiadora de Estudos Esquadra. e Projetos (Finep), a fim de criar um “Cen- – Coordenação da participação da tro de Análise Acústicas MB-Coppe”, de MB na criação do Instituto Nacional de modo a torná-lo um centro tecnológico de Pesquisa Oceanográfica e Hidroviária (IN- referência nacional. POH). Por muito tempo, o MCTI buscou – Desenvolvimento de um Sistema de a condução da CT&I no mar; para tanto, Controle e Monitoração (SCM) pelo IPqM criou o Comitê de Ciências do Mar, que com o propósito de controlar e monitorar formulou a Política Nacional de Ciência a planta propulsora e sistemas auxiliares e Tecnologia Marinha, em decorrência de dos navios da MB, por meio da integração diversos debates ocorridos em reuniões so- de controladores locais dos equipamentos bre a criação, envolvendo diversos órgãos envolvidos, utilizando sistema distribuí- públicos, entre eles Casa Civil, Ministério do. Além disso, monitora a ocorrência de da Pesca, MPOG e MCTI, além da MB, avarias diversas, auxiliando a tripulação que participou de todo o processo com a no gerenciamento de situações de crise. indicação de sócios fundadores, partici- Encontra-se em fase de instalação o SCM pação no Conselho de Administração e no do Navio-Patrulha Maracanã, o primeiro Conselho Científico. de cinco novos navios-patrulha que rece- – Coordenação da participação da MB berão o sistema e que serão construídos no no Plano Inova Aerodefesa (plano gover- estaleiro Eisa, na cidade do Rio de Janeiro. namental lançado pelo MCTI), que engloba Os Navios-Patrulha Macaé e Macau já se as áreas Aeroespacial (Agência Espacial encontram em operação com o SCM, as- Brasileira – AEB) e Defesa. O plano tem sim como a Corveta Barroso. O SCM foi como participantes o MD, a AEB, a Finep desenvolvido com funções similares aos e o Banco Nacional de Desenvolvimento IPMS (Integrated Platform Management Econômico e Social (BNDES) e tem o Systems) existentes no mercado. propósito de ampliar os investimentos

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em P&D e fortalecer as relações entre as Conferência Nacional de CT&I (4a CNCTI), empresas brasileiras e o setor público, por ocorrida em 2010. A MB com a coordenação meio da seleção de Planos de Negócio da SecCTM, participou nesta conferência, de empresas que contemplem projetos que teve como tema “A Política de Estado de inovação, dentro do escopo das linhas para Ciência, Tecnologia e Inovação, com temáticas Aeroespacial, Defesa, Segurança vistas ao Crescimento Sustentável”, e o fruto e Materiais Especiais. deste trabalho foi o lançamento do “Livro – Aquisição de um aviso de pesquisa Azul”, com as conclusões da conferência e para águas rasas, por meio de uma parceria o Plano de Ação em CT&I para o Desenvol- entre o MCTI e a MB, incorporado em 2010 vimento Nacional 2015-2020. e atualmente subordinado ao IEAPM. Além das exposições, podemos citar o – Aquisição de um novo navio hidro- bianual Simpósio de CT&I da MB, que tem ceanográfico de pesquisa por meio de um o propósito de criar um fórum para reunir Acordo de Cooperação entre o MCTI, o diferentes atores, disseminando os diversos Comando da Marinha/Ministério da Defe- instrumentos existentes para a promoção e sa, a Petrobras e a Vale. Com prontificação o incentivo à P&D e a divulgação de experi- prevista para novembro de 2014, será um ências exitosas, de forma a encorajar novas dos dez mais modernos do mundo, com relações desses atores com a MB. O evento laboratórios e equipamentos científicos de contribui ainda, com alternativas para capa- última geração, capacidade para acomodar citação de pessoal, identificação de novas cerca de 50 pesquisadores e operar com fontes de recursos, nivelar conhecimento aeronaves de asa rotativa. Será dotado de dispositivos legais e compartilhamento de um Remote Operated Vehicle (ROV) de infraestrutura. capaz de operar a profundidades de até 4 mil metros, além de Sistema de Propulsão Prêmio Almirante Álvaro dotado de thrusters azimutais. O navio Alberto atuará como uma plataforma científica e tecnológica importante para realização de Por fim, citamos o Prêmio Almirante levantamentos geológicos do fundo do mar, Álvaro Alberto, que teve origem no Prê- para efeito de exploração de seus recursos mio Nacional de Ciência e Tecnologia, naturais, bem como aquisição de dados do instituído pelo Decreto no 85.880, de 8 de ambiente operacional marinho, para melhor abril de 1981, por ocasião das comemora- emprego do Poder Naval na vigilância da ções do aniversário de 30 anos do CNPq, Amazônia Azul. e alterado pelo Decreto no 92.348, de 29 de janeiro de 1986, quando passou a ter a Fóruns e eventos na área de nova denominação. CT&I O Prêmio Almirante Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia é uma parceria Neste campo, a SecCTM tem participado do Ministério da Ciência, Tecnologia e e atuado em fóruns e eventos de reconhecida Inovação; do CNPq; da Fundação Conrado expressão em nível nacional, cabendo res- Wessel (FCW) e da Marinha do Brasil, saltar as reuniões anuais da Sociedade Bra- e constitui reconhecimento e estímulo a sileira para o Progresso da Ciência (SBPC), pesquisadores e cientistas brasileiros que a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia venham prestando relevante contribuição (ambas com periodicidade anual) e a 4a à ciência e à tecnologia do País.

RMB1oT/2014 33 SECRETARIA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DA MARINHA – SEIS ANOS DE HISTÓRIA E REALIZAÇÕES

O prêmio, de caráter individual e indivi- discente, respaldados por documento que sível, é entregue anualmente em cerimônia define formas de incentivo e facilidades pública e atribuído ao pesquisador que para a integração entre as universidades e tenha se destacado pela realização de obra a SecCTM. Essa integração permitirá que científica ou tecnológica de reconhecido os recursos humanos sejam ampliados, valor para o progresso da sua área. É con- com a inserção de professores doutores, cedido em sistema de rodízio a uma das mestres e graduandos das universidades três grandes áreas do conhecimento: a) nos projetos da Marinha, aumentando a Ciências Exatas, da Terra e Engenharias; capacidade da Força em receber tecno- b) Ciências Humanas e Sociais, Letras e logias e diminuir o tempo de entrega dos Artes; e c) Ciências da Vida. projetos, em especial os de construção de submarinos e navios de superfície. Parcerias As parcerias preveem a realização de programas de coopera- Em 2011, foram ção técnico-científicos, inaugurados os Nú- Fomento a conhecimento, pesquisa aplicada, ca- cleos dos Escritórios pacitação e treinamento de CT&I da MB na pesquisa e desenvolvimento de recursos humanos Universidade Federal de novas tecnologias considerados de inte- Fluminense (UFF) e tem sido prova de que a resse comum, incluindo na UFRJ/Coppe. parcerias em bolsas de Esta aproximação Marinha do futuro estudos. A aproxima- com as Instituições será melhor que a do ção com a comunidade de Ensino Superior científica nacional cria (IES) busca identificar presente, contribuindo a perspectiva promisso- estudos, teses, pro- para o desenvolvimento de ra do apoio aos projetos jetos e atividades de nossa nação. de interesse da Mari- pesquisa de interesse nha, em especial aos do da MB. Os escritórios Imperium per Scientia – Prosub. planejam, coordenam Soberania pela Ciência Além das parcerias e executam projetos existentes com a UFF em parceria e condu- e a UFRJ, a SecCTM zem ações que contribuem para a captação assinou Acordos de Cooperação Acadêmi- de recursos extraorçamentários. A principal ca, Técnica e Científica com o Centro de vantagem desse modelo é ter acesso à in- Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomu- fraestrutura de instalações e ao potencial nicações (CPqD), a UFRJ/COPPETEC, a humano existente na universidade, sem Pontifícia Universidade Católica do Rio de incorrer em custos de investimento elevado Janeiro (PUC-Rio), a Universidade Católi- para obtenção de soluções tecnológicas em ca de Santos (Unisantos) e a Universidade projetos de CT&I da MB. de Santa Cecília (Unisanta). Assim, estabelecemos programas con- juntos de atividades anuais, incluindo par- Conclusão cerias em bolsas de estudos, estudos técni- cos alusivos a projetos de interesse comum Junto ao MCTI, entidade que coordena e abertura de oportunidades para o corpo o trabalho de execução dos programas e

34 RMB1oT/2014 SECRETARIA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO DA MARINHA – SEIS ANOS DE HISTÓRIA E REALIZAÇÕES ações que consolidam a Política Nacio- preocupação governamental em mudar este nal de Ciência, Tecnologia e Inovação, a quadro com os incentivos em projetos e os SecCTM, como Órgão de Direção Setorial recursos alocados às agências de fomento da MB, busca a cada dia sua maturidade para incentivar a pesquisa. institucional e a consolidação de sua O fortalecimento do Setor de CT&I na estrutura organizacional. As ações aqui Marinha, por meio do fomento pelo conhe- apresentadas proporcionam uma ideia cimento, da pesquisa e do desenvolvimento da complexidade e dos desafios a serem de novas tecnologias, tem sido a prova de vencidos. Reconhecidamente, o volume que a Marinha do futuro será, de fato, muito de recursos investidos em formação de melhor que a do presente, contribuindo para pessoal e em P&D no País, ainda estão o desenvolvimento expressivo de nossa abaixo dos países desenvolvidos e em nação. Imperium per Scientia – Soberania desenvolvimento, mas já é perceptível a pela Ciência.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Ciência e Tecnologia na Marinha; Defesa; Desenvolvi- mento; Engenharia Naval; Academia; Silva, Álvaro Alberto da Mota – VA;

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OS INGLESES NA MARINHA DA INDEPENDÊNCIA

HELIO LEONCIO MARTINS* Vice-Almirante (Refo)

brado do Ipiranga foi ouvido somente Caldeira Brant, nosso representante na O nas províncias do Sul do Brasil. As Europa, fez um primeiro recrutamento de do Norte e do Nordeste continuaram a se 600 oficiais e marinheiros. subordinar às Juntas do governo português. Para o comando, a escolha recaiu em A única força com flexibilidade e mobilida- um ex-oficial da Royal Navy, Alexander de capaz de fazê-las aceitar o domínio do Thomas Cochrane, que chefiara a Mari- Império seria a Marinha. Esta, herança da nha chilena, tendo expulsado os navios Marinha portuguesa, dispunha de 14 navios espanhóis do Pacífico e libertado o Chile de guerra, guarnecidos pelos portugueses, e o Peru. Distinguira-se como um grande que, na Independência, haviam declarado comandante de fragatas na Europa, com não querer regressar a Portugal, permane- proezas que consagraram seu nome, mas cendo no Brasil poucos oficiais subalternos costumava ter relações polêmicas e difíceis e havendo falta de marinhagem. A solução nos contatos pessoais com os superiores. As encontrada foi conseguir a ajuda necessária suas desavenças na Marinha e na política e na Europa – de preferência na Inglaterra, uma acusação não bem provada de trapa- onde, com o fim das guerras napoleônicas, lhadas na Bolsa levaram-no a ser expulso esse tipo de mão de obra era disponível. da Royal Navy.

* O Almirante Leoncio é hidrógrafo, ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, conferencista, historiador, autor de vários livros, responsável por vários capítulos da Coleção História Naval Brasileira e colaborador permanente da Revista Marítima Brasileira. OS INGLESES NA MARINHA DA INDEPENDÊNCIA

Foi convidado pelo nosso agente em varás 96 (de 7 de dezembro de 1797) e 97 Buenos Aires, por determinação do Minis- (de 9 de maio de 1798), ainda do governo tro José Bonifácio, com palavras exaltadas: português, referendados pelo Decreto de 12 “Venha, a glória e a honra vos esperam. de dezembro de 1822, já do governo bra- Conte com a munifi- sileiro, e semelhantes às cência de SHR, que vos determinações inglesas oferece todas as van- sobre o assunto. tagens que recebe no As operações iniciais Chile!” Cochrane veio da Esquadra destinar- para o Brasil, chegando se-iam a incorporar ao ao Rio de Janeiro a 13 Império as províncias de março de 1823, com da Bahia, do Maranhão quatro oficiais. Em e do Pará. A 1o de abril, uma primeira entrevis- Cochrane largou rumo ta com Luís Moreira a Salvador, à frente de da Cunha, ministro da força naval constando Marinha, expôs suas de uma nau, duas fraga- condições. Não queria tas, duas corvetas e um ser subordinado a ne- brigue. Salvador estava nhum almirante portu- cercada por forças do guês, pelo que ocupou Exército Brasileiro, sob o inexistente posto de o mando do General fran- primeiro almirante; cês Labatut, e defendida Thomas Cochrane seus vencimentos fi- por tropas portuguesas, xados 500 libras mais elevados do que os comandadas pelo Brigadeiro Madeira de da Royal Navy; e ficou claro que o valor Melo, e por uma esquadra, sob a chefia do das capturas, aprovadas por um Tribunal Almirante Feliz do Campo, com uma nau, de Presas, seria dividido pelo comandante duas fragatas e oito corvetas, que veio para o e pelas guarnições, de acordo com os Al- mar ao encontro de Cochrane. A 4 de maio, deu-se o contato. Co- chrane já cruzava a linha adversária, destruindo um navio, quando, em três unidades de seu co- mando, os marinheiros portugueses rebelaram- se e fecharam os paióis de pólvora. Isso obrigou o recuo de Cochrane para Morro de São Pau- lo, ao sul de Salvador, não sendo ele persegui- do pela esquadra portu- guesa. Em Morro de São Nau Pedro I Paulo, Cochrane refez a

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artilharia de seus navios, embarcou ingle- xias, tropa que não aderira ao Império. A ses que já chegavam e, com seu capitânia, 26 de julho, com um disfarce permitido na Nau Pedro I, e a Corveta Maria da Glória, época, a Nau Pedro I içou a bandeira in- voltou e estabeleceu o bloqueio de Salva- glesa e se aproximou isolada. Foi recebida dor, não permitindo o por um brigue subordi- abastecimento por mar. nado aos portugueses, o Como também o Exér- Infante D. Miguel, para cito fechava a cidade lhe dar boas-vindas, por terra, a situação mas que regressou pre- tornou-se insuportável, so com o atacante. Para e os chefes portugueses a Junta, Cochrane disse decidiram retirar-se estar com a esquadra para Portugal. ao largo e que tomaria A 2 de julho, um providências devidas comboio de 78 mer- se a Junta portugue- cantes, escoltado por sa não acedesse em 13 vasos de guerra, juntar-se ao Império. conseguiu sair do Re- Concordaram, foram côncavo e rumou para seus membros substi- o norte, já perseguido tuídos por uma Junta pelos navios brasilei- brasileira. Te Deum, ros, que os iam captu- a 28 de julho, procla- rando. Os perseguido- John Taylor mou a integração do res, depois de passa- Maranhão. As tropas rem o Equador, regressaram para continuar em Caxias foram vencidas por elementos as operações na costa brasileira, exceto vindos do Piauí e do Ceará, províncias que a Fragata Niterói, comandada por John já se haviam subordinado à Corte do Rio de Taylor, oficial daRoyal Navy que, mesmo Janeiro. Cochrane protegeu os portugueses antes do recrutamento na Inglaterra, desertara e se apresentara na Marinha brasileira. A Fragata Niterói hos- tilizou o comboio até a foz do Tejo, captu- rando 18 navios, que foram mandados de volta para o Brasil com seus carregamentos. Enquanto isso, Co- chrane rumava para São Luís, ainda em mãos portuguesas, e tendo próxima, ocu- pando a cidade de Ca- Fragata Niterói

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que começavam a ser perseguidos, mas sob vigilância a bordo do Maranhão. A 15 foi adamante em exigir o levantamento de de agosto de 1823, comemorou-se a incor- todos os seus bens, como os de um inimigo poração da província ao Império. vencido, o que atingiu o valor de 499 contos Resolvida a questão da posse da Jun- de réis. ta brasileira, Pascoe O Brigue Infante preocupou-se com o D. Miguel, agora de- levantamento dos na- nominado Maranhão, vios e bens portugueses saiu a 6 de agosto para existentes, para futuros o Norte, sob o coman- julgamentos de presas. do de John Pascoe Mas a situação con- Greenfell, tenente de tinuava intranquila. 23 anos, levando ins- O próprio Pascoe foi truções sobre como apunhalado a caminho agir em Belém. Usa- de bordo, sem maio- ria a mesma farsa do res consequências. O Maranhão. Imporia a Brigadeiro Moura e mudança da Junta por 160 envolvidos em um uma brasileira e trata- complô para tomar o ria de prontificar uma Brigue Maranhão fo- fragata – a Imperatriz ram degredados. E a –, em construção no 15 de outubro, a tropa estaleiro local, e cujo da guarnição, insuflada comando assumiria, pelo padre, rebelou-se considerando-a boa John Pascoe Greenfell contra o brasileiro da presa. Em Belém, a Junta, provocando caos situação era bem confusa. Além dos portu- na cidade. Atendendo ao pedido de socorro, gueses, que dominavam a Junta, havia dois 60 marinheiros com John Pascoe desembar- partidos brasileiros: caram, retiraram o ar- um radical, obede- mamento dos soldados cendo ao fanatismo Em Belém, cinco soldados e deixaram a cidade em do padre João Batista, foram fuzilados e 254 paz. Mas cinco solda- e um moderado, dese- dos foram fuzilados e jando uma conciliação prisioneiros colocados no 254 prisioneiros colo- com os portugueses. porão de um navio-prisão. cados no porão de um Tudo foi cumprido. Na manhã seguinte de navio-prisão. Na manhã A Junta acabou acei- seguinte de uma noite tando a imposição de uma noite quente e sem quente e sem ar, foram entregar o governo, ar, foram encontrados 250 encontrados 250 mor- com exceção do Bri- tos. Pascoe, não mais gadeiro Mário Moura, mortos querendo manter-se en- chefe militar, que não volvido na politicagem acreditou na história da esquadra ao largo. local, e julgando haver cumprido sua tarefa Foi ela substituída por elementos dos dois principal, comunicou que iria regressar partidos brasileiros, e o brigadeiro, posto ao Rio de Janeiro. As autoridades locais

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enviaram um Memorial pedindo-lhe que vios e seus carregamentos capturados já se permanecesse em Belém, pois dispunha da achavam no Rio de Janeiro, e Cochrane jul- única força que poderia garantir a tranqui- gava que, depois da avaliação e da decisão lidade. Ele recusou, porém o Memorial foi do Tribunal das Presas, que acumulava as mandado para a Corte como queixa. Mas, funções com o Supremo Tribunal Militar, a 3 de março de 1824, Pascoe largou com a começariam os recebimentos, pois tudo Imperatriz, o Maranhão e dois transportes estava muito claro. carregando os bens que deviam ir a julga- Mas não era bem assim. Uma primei- mento. Em sua chegada ao Rio de Janeiro, ra dificuldade era óbvia – o Tesouro do teve que se ocultar, a fim de não ser preso Império estava vazio, não sendo capaz de devido às acusações do Memorial. adquirir os navios apreendidos. A elogiável Desde a chegada de Cochrane ao Rio de magnitude do problema tornara-o difícil de Janeiro, em novembro de 1823, os festejos ser solucionado. Outra dúvida: o Brasil, e a distribuição de honrarias continuavam. que fora um terço do Reino Unido, estaria E justificavam-se. Em seis meses, todo o mesmo em guerra com os outros dois ter- território brasileiro, por ação da Marinha, ços? Ou seria apenas uma comoção civil? O fora incorporado ao Império. O Marquês Supremo Tribunal Militar, a 18 de setembro do Maranhão, novo título de Cochrane, de 1822, perguntou ao imperador sobre o exultava também pelos assunto e, por decreto resultados financeiros de 30 de dezembro, re- da campanha, no caso Em seis meses, todo o cebeu a resposta de que avaliados em 1.273 território brasileiro, por realmente estavam em contos de réis, a serem estado de guerra. Mas distribuídos desde o ação da Marinha, fora tinha havido também almirante até o último incorporado ao Império uma cisão política que marinheiro. Uma afir- dividira o elemento mativa que permanece pensante do País em até hoje atribui a voracidade financeira dois grupos: um patriota radical, antipor- como consequência de se contratar merce- tuguês, e o outro, a favor de uma concilia- nários, o que, a meu ver, não corresponde à ção com os compatriotas de pouco tempo verdade. Não seriam os recrutados na Ingla- antes. José Bonifácio não se filiava nem a terra mercenários, isto é, uma força paralela um nem ao outro, mas os dois acabaram substituindo a força nacional. Os indivíduos o derrubando. E, com ele, desapareceu recrutados por Caldeira Brant foram con- quem seria capaz de tomar atitude firme. tratados individualmente e devidamente O imperador seguia-se muito por seus pró- integrados à Marinha brasileira, com pos- ximos e se sentia muito português, no que tos, graduações e salários semelhantes aos era apoiado pelo Tribunal de Presas. Entre existentes, além de obediência ao mesmo seus 12 membros, nove eram portugueses regime militar. Ficaram satisfeitos com e, da mesma forma que o Conselho do Es- o previsto recebimento, pois, como em tado, o Tribunal não via com bons olhos o sua própria pátria, os pagamentos seriam prejuízo imposto a seus patrícios de pouco absolutamente legais. tempo antes. Com todas essas dificuldades, Assim entendiam os ingleses, porque para furor de Cochrane, os processos não se julgavam perfeitamente cobertos pela andavam. Visivelmente, algumas medidas legislação existente. Grande parte dos na- tomadas pelas autoridades eram hostis aos

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ingleses. O Tribunal de Presas fazia exi- chefiada por Paes de Andrade. Coadjuvado gências mínimas, de caráter burocrático, de por elementos radicais, como Frei Caneca, fato inseridas nos alvarás, mas difíceis de Taylor procurou chegar a um compromisso, serem efetivadas no mar. Greenfell iria ser mas todas as tentativas falharam. O blo- preso ao chegar com a Imperatriz, porque queio era difícil, pois o fundeio por fora documentos exigidos não existiam. Alguns do Recife era penoso, e muitas âncoras se navios capturados eram vistos navegando perdiam. O bombardeio executado por duas livremente. John Taylor, na volta de sua escunas não teve efeito algum. Correspon- aventura, foi multado porque usou a carga dência de Taylor dizia que a rebelião só de uma das presas para abastecimento da cederia se o Recife fosse atacado por terra, Niterói, a fim de poder continuar a caça. O mas seus pedidos não eram atendidos. Em almirante, atingido em dois pontos fracos junho, viu-se que qualquer conversação – ser enganado e perder seu dinheiro –, construtiva era impossível. A notícia de esbravejou contra o ministro da Marinha, que, em Portugal, preparava-se um ataque com muita semelhança ao que fizera na ao Rio de Janeiro fez suspender o bloqueio, Inglaterra em situação semelhante. com a vinda dos navios para a Guanabara. Em uma reunião do Conselho do Estado E a Confederação do Equador tomou for- a 12 de fevereiro de 1824, tomou-se uma ça com a adesão das outras províncias do decisão de compromisso que talvez inau- Nordeste. gurasse sistema de muito uso no futuro A concordância de Cochrane com a – a aplicação de um jeitinho. O governo decisão de 12 de fevereiro era relativa. Seu restituiria os bens portugueses e pagaria íntimo suspeitoso continuava a crer que as aos marinheiros as indenizações determinadas por ajuste com o Tribunal de Presas, só aplicadas sobre presas anteriores àquela data. Como gesto de boa-fé, aceitava a ocupação da Fragata Imperatriz, que, na realidade, não fora capturada pronta nem reagindo como inimigo. A con- cordância com esse arranjo foi redigida pela própria mão do imperador. A 23 de fevereiro, o decreto foi publicado, e, a 3 de março, confiança refeita, uma força naval, sob o comando de John Taylor, estava pronta para se fazer ao mar, rumo ao Recife. Pois acresce que, em meio a tais discordâncias, também não se queria perder a ação de Cochrane, porque a situação no Norte – no Recife – sombreava. A rebelião em Pernambuco era Fragata Imperatriz

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forças contrárias aumentavam de poder, fa- mais tinha o que fazer. Distribuiu seus lando-se mesmo em dispensa dos ingleses. navios pelas capitais das províncias, que A dívida tinha quase o valor de um ano do haviam aderido à Confederação do Equa- orçamento naval. Cochrane pediu demissão dor, a fim de apagar fogachos rebeldes que duas vezes, mas a situação pedia o contrá- ainda existissem. Pôde comunicar à Corte rio. Havia interesse em sua permanência, e que o Nordeste estava pacificado. E, com foi-lhe garantido que se manteria pelo tem- outras intenções, rumou para São Luís, que po que desejasse. A notícia da expedição não tomara parte na rebeldia, chegando a portuguesa foi desmentida, e a expansão 9 de novembro de 1824. As lutas internas da Confederação do Equador aumentara. políticas em São Luís haviam levado a O bloqueio teria de recomeçar, e uma força cidade à anarquia. Cochrane interveio com terrestre seria desembarcada em Alagoas a os marinheiros, conseguiu tranquilizar fim de atacar o Recife por terra. Preparava- os ânimos e aguardou o novo presidente se a saída da esquadra para tomar tais nomeado, Pedro Costa Barros. Um grupo providências, mas a falta do pagamento de senhoras foi a bordo agradecer espe- prometido o impedia. O temperamento de cialmente a intervenção do almirante e Cochrane nessas situ- oferecer-lhe flores. Mas ações levava-o sem- a paciência de Cochra- pre a tomar medidas Cochrane foi sepultado na ne esgotara-se, sentindo extremas. Pela manhã a pressão dos últimos seguiu para o Palácio a Abadia de Westminster, quatro meses e a certeza cavalo, acordou Pedro sendo seu túmulo cercado cada vez maior de que I e disse-lhe ser difícil outros recebimentos de sair com os navios se nos quatro ângulos pelos indenização estavam não houvesse um pa- escudos da Inglaterra, do longínquos, se é que gamento. Recebeu 200 Chile, da Grécia... e do viriam. Com a passa- contos, distribuiu-os gem do ano, escreveu e largou para Reci- Brasil ao imperador expondo fe, transportando uma suas queixas. Mas, a 11 força terrestre sob o e 20 de janeiro, outras comando do Brigadeiro Francisco Lima cartas enviadas ao presidente da província, e Silva, nomeado comandante em chefe Teles Lobo, eram diferentes. Não levando da ação terrestre das ações na província, e em consideração nenhum julgamento do quando ela fosse ocupada. Tribunal de Presas, reiterava suas reivindi- Cochrane colocou dois navios acom- cações acerca do produto das presas feitas panhando a marcha de Lima e Silva, na captura de São Luís, em 1823, e exigia transmitiu o comando do bloqueio para o pronto pagamento. A 20, detalhou que o norte-americano Comodoro David Jewitt total da dívida seria de 424 contos de réis, e desapareceu. Não aceitava comandos mas que ele aceitava reduzi-lo para 106 acima do dele. Ficou em Salvador. A 18 de contos, se fosse pago em 30 dias. setembro, o Recife foi ocupado por Lima A Junta da Fazenda só conseguiu dar-lhe e Silva. Fez referência especial à ajuda de resposta a 3 de fevereiro. Havia ameaça Jewitt e à ausência de Cochrane, criticando implícita na redação das cartas e, assim, a acerbamente o almirante. Este apareceu no Junta acedeu. A 5 de fevereiro, chegou a Recife no fim de setembro, quando nada São Luís o novo presidente. Cochrane re-

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ceou que diferente opinião interferisse com bem maiores do que era capaz de cumprir o que já estava combinado. Não o deixou e teria ferido situações políticas em suas tomar posse. Embarcou-o em um navio relações com os portugueses, os quais, que o levou a Belém. Teve uma última e apesar da independência, conservavam tempestuosa entrevista com as autoridades ligações administrativas e financeiras locais, recebeu parte da dívida em dinheiro com o Império. O não cumprimento das e parte em cartas de crédito, mudou de obrigações em dinheiro, previstas pelos navio, passando para ingleses, prejudicavam a Fragata Ipiranga, e mesmo sua responsabi- rumou para a Europa. Os ingleses tornaram-se lidade operativa, com as Fundeou em Ports- importantes em uma fase de consequências sentidas mouth, onde foi vista pelos ingleses, o pesso- pela primeira vez no formação na qual a Marinha al de sua confiança, para estrangeiro a bandeira foi extremamente solicitada os quais os pagamentos imperial. Entregou dos prêmios, devidos a Ipiranga ao repre- e adquiriu proporções que, pelas capturas, na Royal sentante brasileiro e possivelmente, nunca mais Navy representavam aguardou a demissão teve uma aposentadoria. de seu posto para acei- As exigências finan- tar a nomeação como ceiras feitas em tom chefe da Esquadra grega, continuando suas ameaçador (recebidas depois de sua morte aventuras, tentando a libertação da Grécia pelo seu filho) e o abandono da Marinha do domínio otomano. brasileira sem dar satisfações naturalmente É difícil fazer-se um juízo depois dessa deixaram recordações que prejudicaram o atitude, semelhante à que havia marcado que, de positivo, fizera pelo Brasil. Os his- sua passagem no Chile e marcaria na toriadores só se referem a ele adjetivando-o Grécia. Indiscutivel- da pior maneira. A me- mente era um grande mória naval brasileira chefe no mar, mas A luta contra os corsários quase o ignora. Dele sua rebeldia natural com êxito foi uma prova só existe um retrato no manifestava-se quan- Museu Naval. do era contrariado e dura por que passou a Após sua atividade se considerava com Marinha, que, aliás, assim na Grécia, com a Rai- razão (especialmente formou os almirantes da nha Vitória no trono, quando prejudicado as suas proezas no Me- financeiramente...). Guerra do Paraguai – diterrâneo foram mais Assumia em terra as Tamandaré, Inhaúma e lembradas do que o que mesmas decisões ra- realizara de condena- dicais tão elogiáveis Barroso, então tenentes vel. Absolvido de tudo, no mar, quando to- já bem idoso, recebeu madas em relação ao inimigo, mas que de volta seu posto e o comando de uma tinham outro aspecto quando afetavam Esquadra.Tentou ser utilizado na Guerra da seu relacionamento com os superiores e se Crimeia e no Báltico. Mas o Almirantado julgava injustiçado. No Brasil, o governo julgou-o ainda demais audacioso e inven- talvez tivesse aceito obrigações monetárias tivo em seus métodos bélicos, e preferiu

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mantê-lo no sossego de um comando nas John Taylor era oficial da ativa da águas americanas. Foi sepultado na Abadia Royal Navy, servindo em fragatas base- de Westminster, tendo o túmulo cercado adas na América do Sul. Pediu demissão nos quatro ângulos pelos escudos da In- e apresentou-se à Marinha brasileira, re- glaterra, do Chile, da Grécia... e do Brasil. cebendo posto de capitão de fragata. Seu A figura maior representativa da parti- pedido de demissão não foi aceito, sendo cipação inglesa em nossa Marinha saiu de considerado desertor. Desenvolveu-se em cena, mas a presença dos elementos recru- torno disso longa questão diplomática, tados continuou, e mesmo cresceu, pois, por fim encerrada com a sua passagem tendo sido exigido maior envolvimento da definitiva para a nossa Marinha. Fez parte Marinha, desta vez no Prata, outro chamado da Esquadra da Independência e, coman- de estrangeiros foi feito, vindo elementos dando a Fragata Niterói, realizou a missão de diferentes nacionalidades. Essa ajuda, já citada, perseguindo o comboio escoltado positiva sob muitos aspectos, tem sido igno- português que se retirava, capturando 18 rada em nossas lembranças, o que é injusto. navios mercantes. Adotou a nacionalidade Houve oficiais ingle- brasileira, atingindo o ses que abandonaram posto de vice-almiran- a Marinha por fim de Perdi meu braço direito, te. Comandou com êxi- contrato ou saíram por mas estou feliz, porque foi to o bloqueio do Recife abandono, ou mesmo na defesa do Brasil e do na primeira fase da luta foram expulsos; mas contra a Confederação muito deles permane- Imperador. Estou pronto do Equador. Seria o ceram leais para com para voltar a arriscar indicado para coman- a nova Pátria, cumpri- dar o bloqueio do Rio ram seus deveres, in- minha vida pela mesma da Prata na Guerra da fluenciaram na criação causa Cisplatina, o que não se da mentalidade naval, James Norton efetivou por ainda du- nos hábitos adquiridos rarem as discordâncias e nos costumes adota- com o Foreign Office. dos no Brasil, recebidos da maior Marinha Em 1831, era capitão dos portos do Rio de do mundo. Tornaram-se importantes em Janeiro, o que, hoje, corresponderia às fun- uma fase de formação na qual a Marinha ções de comandante do 1o Distrito Naval. brasileira foi extremamente solicitada e Dominou então uma revolta dos fuzileiros adquiriu proporções que, possivelmente, navais. Em 1835 e 1836, comandou as nunca mais teve. Para exemplificar estas forças navais que, em Belém, enfrentavam minhas afirmativas, focalizarei em quatro os rebeldes cabanos. Reformado, terminou elementos que se inseriram na vida naval sua vida como fazendeiro, dirigindo pro- e civil brasileira, fazendo carreira até os priedade da família da esposa. últimos postos. São eles John Taylor, John Entre 1825 e 1828, travamos uma guerra Pascoe Greenfell, James Norton e Bartho- com os rebeldes da Banda Oriental (atual lomew Hayden. Outros ingleses poderiam Uruguai) e as Províncias Unidas do Rio ser citados, por sua participação nas múl- da Prata (atual Argentina). Queríamos tiplas missões exigidas pelas intervenções manter a posse da primeira, a chamada nas Regências, na Guerra Cisplatina e no Província Cisplatina, ambicionada também desenvolvimento da Marinha do dia a dia. pelas segundas. A Marinha desempenhou

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papel surpreendente para seus três anos de James Norton já havia se notabilizado existência, encarregando-se do dificílimo na Confederação do Equador, desem- bloqueio do Rio da barcando à frente de Prata e da defesa con- uma centena de mari- tra os corsários que, nheiros em Recife. Na com cartas patentes Cisplatina, comandou das Províncias Uni- o bloqueio militar do das, dizimavam nos- Rio da Prata, impedin- so comércio costeiro. do a saída, destruindo As duas tarefas foram ou fazendo regressar conduzidas com êxito. a força naval inimi- Entretanto, devido à ga. Engajado com um confusão que políti- corsário, Norton foi cos e, principalmente, atingido e perdeu o historiadores faziam braço. Enviou uma com a oposição a Pe- mensagem ao Impe- dro I, a Marinha rece- rador dizendo: “Perdi beu críticas injustas e, meu braço direito, mas mormente, ignorantes, estou feliz, porque foi que deixaram um claro na defesa do Brasil e em nossa história, em do Imperador. Estou especial a naval. Em James Norton pronto para voltar a relação a esta, foram as ações no Prata e arriscar minha vida pela mesma causa, o contra os corsários a consolidação do que que julgo não demore”. Três meses depois, havia se iniciado com reassumiu seu comando as campanhas da Inde- até o fim da guerra. pendência. Foram dois Bartholomew Hay- anos e meio enfrentando den era o dono do navio um tipo de guerrilha que trouxe Cochrane ao naval inimiga que, com Brasil. Vendeu o navio navios menores, saindo para a Marinha e alistou- da proteção de Buenos se como capitão-tenente. Aires, atacavam, sendo Tomou parte nas campa- repelidos e desgastados nhas da Independência e se resguardando no- e Cisplatina. Avultou, vamente, tendo como depois, na caça aos navios auxílio situação mete- negreiros e comandou a orológica e hidrográfi- Base em Angola, que a ca complicada. A luta apoiava. contra os corsários foi Com 23 anos, John uma prova dura por que Pascoe Greenfell já passou a Marinha, que, Bartolomew Hayden havia lutado no Chile aliás, assim formou os com Cochrane, que o almirantes da Guerra do Paraguai – Taman- trouxe para o Brasil. Foi quem se em- daré, Inhaúma e Barroso, então tenentes. penhou diretamente na incorporação

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do Pará ao Império, operação perigosa, cônsul em Liverpool, fiscalizando a pois ele mesmo foi apunhalado. Coman- construção das nossas duas primeiras dou navios na Guerra fragatas a vapor – D. Cisplatina e, em uma Afonso e Amazonas. das interceptações Nenhum dos homens E representou o Bra- dos navios das Pro- ingleses mantém sua sil na inumação de víncias do Prata, per- seu antigo chefe – o deu o braço direito. memória na Marinha Almirante Cochrane Mas logo voltou ao brasileira – e no Brasil. –, em Westminster. mar. Comandou, em Nenhum desses seguida, a Marinha Teremos um número de homens, entretanto, Imperial na Guerra heróis grande demais, que mantém sua memória dos Farrapos, ope- nos faça dispensá-los? na Marinha brasileira rando barcos a vapor – e no Brasil. Teremos na Lagoa dos Patos. um número de heróis Comandou a Passagem de Tonelero grande demais, que nos faça dispensá-los? na Guerra contra Rosas. Foi, por fim, Deixo uma pergunta.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; História da Marinha do Brasil; Cochrane; Alexander Thomas; Norton, James; Greenfell, John Pascoe; Taylor, Johm; Hayden, Bartholomew; Independência do Brasil;

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A BUSCA DE GRANDEZA – (iX)* CONHECIMENTO, EXPERIÊNCIA E PROGRAMAS NAVAIS

(Parte 3)

“Knowledge is the only instrument of production that is not subjected to diminishing returns” J. M. Clark

Elcio de Sá Freitas** Vice-Almirante (Refo -EN)

SUMÁRIO

Introdução Os Programas Ohio, Seawolf e Virginia Programa Ohio Antecedentes Requisitos de operação Estratégia de obtenção Projeto e construção Apoio durante a vida operativa Programa Seawolf Antecedentes Requisitos de operação e tecnologias novas Estratégia de obtenção Projeto e construção Atrasos, aumento de custos Cenário estratégico e base industrial Apoio durante a vida operativa Programa Virginia Antecedentes Requisitos de operação Estratégia de obtenção Projeto e construção Apoio durante a vida operativa Lições e reflexões Lições em países desenvolvidos Lições em países de desenvolvimento tardio * Continuação da série publicada no 3o trim./2006; no 2o trim./2007; nos 1o, 2o, 3o e 4o trim./2011; nos 2o, 3o e 4o trim./2012 e nos 2o e 3o trim./2013. ** Serviu de dezembro de 1981 a agosto de 1990 na Diretoria de Engenharia Naval, tendo sido seu diretor de abril de 1985 a agosto de 1990. A BUSCA DE GRANDEZA – (IX) – CONHECIMENTO, EXPERIÊNCIA E PROGRAMAS NAVAIS – (Parte 3)

Introdução grande mudança no cenário estratégico mun- dial e drásticas alterações na estrutura, no a referência [1] examinamos o Pro- sistema e nos procedimentos de obtenção de Ngrama Collins, da Austrália, e na navios de guerra britânicos. Daí resultaram referência [2] o Astute, do Reino Unido. dificuldades, atrasos e aumento de custos e Neste artigo focalizaremos brevemente os prazos de obtenção, bem como enfraque- programas de obtenção dos submarinos cimento temporário da base industrial de Ohio, Seawolf e Virginia, dos EUA, tendo submarinos britânica. Diante de insucessos, como fonte principal a referência [3], elabo- as alterações drásticas foram gradualmente rada pela Rand Corporation para o Program revistas e modificadas, harmonizando-se Executive Office for Submarines do Naval com boas práticas anteriores [6]. Sea Systems Commnand (Navsea). Embora situados em níveis tecnológico- O propósito deste artigo e dos anteriores industriais bem distintos, os programas aus- é aprender com experiências alheias, princi- traliano e britânico deixaram lições comuns palmente diante de escassas oportunidades a ambos e aplicáveis a Marinhas de Guerra para acumular-se experiência própria. em diferentes estágios de desenvolvimento. O Programa Collins ocorreu num país de Elas foram enunciadas e comentadas nas nível tecnológico e organizacional apreciável, referências [1] e [2]. mas com pouco conhecimento e nenhuma Os programas norte-americanos Ohio, Se- experiência em projeto e construção de awolf e Virginia pertencem ao mais alto nível submarinos. Pretendia rápido progresso mundial de conhecimento e experiência em nesse campo e fortalecimento da indústria projeto e construção de submarinos. Ainda australiana. Para o projeto e a construção, assim, neles surgiram obstáculos e dilemas. associou-se ao estaleiro sueco Kockums, um Pode-se pensar que o porte extraordinário dos mais avançados da época. Os requisitos desses programas os exclui como fonte apro- de operação estabelecidos visavam obter uma priada de conhecimento e experiência que nos classe de submarinos convencionais que pro- sejam úteis. Porém, examinando-os, vê-se vavelmente seria a mais moderna e poderosa que alguns de seus problemas equivalem aos da primeira década do século XXI. Também que podem surgir em programas menores, pretendia reduzir bastante a dependência e os mas de recursos escassos. dispêndios externos para manter submarinos. Muitas das lições desses cinco progra- Embora os propósitos tenham sido parcial- mas também se aplicam à obtenção de mente atingidos, os resultados ficaram aquém navios de guerra de superfície. das expectativas [4]. Além de efeitos adversos em operação e manutenção dos Collins, o Os Programas Ohio, Seawolf programa não gerou capacidade nacional em e Virginia projeto de submarinos, necessária para obter uma classe sucessora que cumpra requisitos Os programas Ohio, Seawolf e Virginia de operação específicos da Marinha austra- abrangem mais de 40 anos. O Ohio iniciou- liana. [4] e [5] se em 1972, e o Virginia ainda hoje pros- Diferentemente do Collins, o Programa segue, com pelo menos seis submarinos já Astute transcorre num dos mais notáveis comissionados e mais 24 a construir ou em centros de conhecimento e experiência em construção. Antes do Programa Ohio, os projeto e construção de submarinos, o Reino EUA já haviam projetado e construído 16 Unido. Durante seus primeiros anos, houve classes de submarinos nucleares, dos quais

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178 eram SSBNs (lançadores de mísseis ba- submarinos de ataque lançadores de mísseis lísticos). Durante a construção dos 18 Ohio, de cruzeiro (SSGNs). Deslocam cerca de também se construíram os 62 submarinos de 18.500 toneladas submersos. Cinco classes ataque (SSNs) da classe Los Angeles. de SSBNs precederam a Ohio. Destas, a Com o formidável lastro de conhecimen- última foi a Benjamin Franklin. Atualmente to, experiência, organização, base industrial há estudos sobre a classe sucessora da Ohio, especializada e poder econômico, científico designada por SSBN X21. e tecnológico dos EUA, aparentemente As origens dos programas norte-america- não eram de esperar grandes dificuldades nos de SSBNs situam-se na década de 1950, nos programas Ohio, Seawolf e Virginia. quando estudos concluíram que SSBNs Porém elas surgiram. seriam valiosos para Resultaram de mu- deterrência estratégica danças no cenário es- nuclear1. Daí surgiu o tratégico mundial e de Com o formidável lastro de programa para um siste- severas pressões do conhecimento, experiência, ma de SSBNs, atribuído Congresso americano organização, base industrial ao Special Projects Offi- para reduzir ou conter ce do Department of the gastos com defesa. especializada e poder Navy.2 Ele visou quatro Dada a magnitude econômico, científico e áreas principais: e extensão de cada um – desenvolver um dos três programas em tecnológico dos EUA, míssil balístico, usando pauta, nosso exame aparentemente não combustível sólido de será bem mais sinté- eram de esperar grandes foguete; tico do que os realiza- – reduzir o tamanho dos para os programas dificuldades nos programas e o peso de ogivas Collins e Astute nas Ohio, Seawolf e Virginia. nucleares; referências [1] e [2]. – identificar tecnolo- Além disso, muitas Porém elas surgiram gias revolucionárias de das considerações da guiagem e navegação referência [3], agora nossa fonte principal, para o sistema de controle de ataque; e praticamente repetem as dos programas – projetar um submarino nuclear lança- australiano e britânico. dor de mísseis balísticos. Daí resultaram inicialmente o sistema de Programa Ohio armas Polaris e o primeiro submarino dessa classe, já no mar ao final da década de 1960. Antecedentes Suas duas tripulações, que se revezavam, aumentaram o tempo de permanência do Os submarinos da classe Ohio são SS- submarino em distâncias apropriadas do alvo. BNs e 18 deles foram construídos entre Os submarinos lançadores de mísseis 1976 e 1997. Todos ainda estão ativos. Polaris foram projetados com margens para Mais tarde, quatro converteram-se em futuro crescimento adequadas a moderniza-

1 Porém foi um submarino soviético que primeiro lançou um míssil balístico. Ele era diesel-elétrico, convertido da classe Zulu. 2 Mais tarde renomeado como Strategic Systems Program Office.

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ções do sistema de mísseis, além de podero- 1974. Em agosto de 1997, foi entregue o sos sistemas de comunicações e navegação. último dos 18 submarinos da classe, o USS Na década de 1960, surgiram cinco classes Louisiana. de SSBNs: George Washington (cinco sub- marinos), Ethan Allen (cinco submarinos), Requisitos de operação Lafayette (nove submarinos), James Madi- son (dez submarinos) e Benjamin Franklin A origem do Programa Ohio foi prova- (12 submarinos). Em 1967, estavam no mar velmente o estudo Strat-X, iniciado pelo 41 SSBNs lançadores de mísseis Polaris e Institute for Defense Analysis em 1967. Poseidon. Todos, exceto os dez primeiros, Nele se propunha um submarino lento, posteriormente foram convertidos para lançar silencioso e austero que não fosse neces- mísseis balísticos de maior capacidade. sariamente capaz de operar em grandes Até o final da Guerra Fria, em 1989, profundidades5. A indetectabilidade tinha sucederam-se esforços dos EUA e da maior prioridade que a velocidade máxima, URSS pela supremacia estratégica nuclear, e esta não excederia 13 nós. O estudo ainda com desenvolvimento de mais poderosos sugeria que o raio de ação fosse da ordem sistemas de mísseis balísticos táticos e inter- de 6 mil milhas náuticas e que cada subma- continentais (ICBMs), mísseis antibalísticos rino tivesse ao menos 16 tubos lançadores (ABMs), mísseis capazes de lançar múltiplas de mísseis balísticos. Previa automação ogivas nucleares (MIRVs) e SSBNs. No que reduzisse a tripulação necessária e, lado americano, os SSBNs foram equipados consequentemente, as correspondentes ca- sucessivamente com mísseis Advanced Po- pacidades dos sistemas para a vida a bordo. seidon, Trident I C4 e Trident II D5. Estes A construção seria modular, para maior efi- dois últimos instalaram-se na classe Ohio. ciência e menores tempos de produção [3]. No Programa Ohio não houve difi- Contrastando com os requisitos acima, o culdades e dilemas comparáveis aos dos Almirante Rickover e o chefe do Escritório dois programas seguintes, o Seawolf e o de Projetos de Sistemas Estratégicos da Virginia, ambos SSNs. Entre outros fatores United States Navy (USN) concordaram favoráveis, muito influiu a contínua disponi- em que o novo submarino tivesse tubos de bilidade de verbas para defesa, num período mísseis pelo menos 3,5 maiores que os do de elevadas tensões entre os EUA e a União Poseidon, atingisse 27 nós com dois reatores Soviética (URSS), e o fato de o projeto ser nucleares e, adotando um diâmetro de casco evolutivo3, derivado dos SSBNs portadores de 15 metros, deslocasse 30 mil toneladas de mísseis Poseidon. Nele evitaram-se tec- submerso. Porém, essas especificações fo- nologias radicalmente novas [3]4. ram rejeitadas pelo Departamento de Defesa. Para o primeiro SSBN da classe Ohio, Os requisitos finais para a classe Ohio inicialmente estimada em dez unidades, ficaram mais próximos daqueles do estudo proveram-se recursos no ano fiscal de Strat-X6. Para iniciar o correspondente pro-

3 Embora o Ohio tenha sido o maior submarino construído nos EUA, portador de 24 mísseis balísticos de mais longo alcance e maior carga nuclear que os seus precedentes. 4 Por exemplo, a tecnologia do reator nuclear já havia sido comprovada no mar, a bordo do USS Narwhal. 5 Grande profundidade de operação sem inaceitável deslocamento exigiriam aços especiais ainda não disponíveis na época. 6 As mudanças mais significativas foram a capacidade para 24 mísseis, e não 16, com tubos 10% maiores que os dos SSBNs lançadores de mísseis Poseidon.

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jeto de submarino, em 1972, concedeu-se – construção em um ou em mais de um à Electric Boat (EB) um contrato de US$ estaleiro; 35 milhões. – tipo de contrato (custo fixo, custo mais Além da atenção da USN a todas as taxa fixa, custo mais incentivos etc.); características da plataforma, a classe Ohio – autoridade de projeto, autoridade foi projetada para permitir alta disponibi- técnica, autoridade inspetora; lidade operacional. Para isso, formulou- – responsabilidades do governo, respon- se o Apoio Logístico Integrado (ALI) sabilidades do contratado, alterações no juntamente com o projeto do submarino. projeto, alterações no contrato etc.; Duas bases, em Kings Bay (Washington) – organização e requisitos do sistema e Bangor (Georgia), foram otimizadas para de qualidade do projeto e da construção; prover treinamento de tripulações, recursos – material fornecido pelo Governo; de manutenção, diques secos e instalações – custos e prazos; para carregamento de mísseis. Instituiu-se – método de avaliações do progresso um programa específico, o Trident Equip- da construção e correspondentes eventos ment Repair Program, para remover equi- de pagamento; pamentos de submarinos que retornassem – procedimento para processar propostas de patrulha e substituí-los por outros ime- de alterações ao projeto e aprovar os cor- diatamente disponíveis, pertencentes a um respondentes custos; estoque da classe continuamente reparado – formulação e montagem do apoio ou recondicionado em terra. Além disso, o logístico integrado durante o projeto e a maior espaço nos Ohio permitiu aumentar construção. a redundância nos sistemas, elevando a Para os programas Collins e Astute, confiabilidade, embora com maiores custos. apresentamos e comentamos muitas dessas Em 1972 foi apresentada ao Congresso a questões nas referências [1] e [2]. configuração doOhio . Seu casco resistente No Programa Ohio, os projetos de con- teria um diâmetro de 12,82 metros. Deslo- cepção e preliminar provavelmente reali- caria 18.700 toneladas quando submerso e zaram-se dentro da própria USN. As fases teria um novo projeto de instalação propul- de projeto restantes couberam ao estaleiro sora, com um reator nuclear de circulação da Electric Boat (EB)7, assim desdobradas: natural. Seria o maior submarino até então a) projeto e construção, em terra, de um construído nos EUA. protótipo da instalação propulsora; b) projeto do restante do submarino Estratégia de obtenção (contrato de 1972). Esses dois contratos foram do tipo cus- Estratégias para obtenção de sistemas to mais taxa fixa, e em ambos se exigiu a grandes e complexos abrangem várias ques- construção de um mock-up de madeira em tões. Para navios de guerra, destacam-se: escala 1:1 para auxiliar e validar o projeto. – seleção dos contratados para os proje- Para o projeto de construção e a constru- tos de concepção, preliminar e de contrato; ção, competiram as empresas EB e Newport – seleção do contratado principal para o News. Na solicitação de propostas, em projeto de construção e a construção; novembro de 1973, estabeleceu-se o tipo

7 A EB dedicava-se e ainda se dedica exclusivamente a submarinos e era o principal construtor de submarinos nucleares. Mais tarde, o estaleiro Newport News, o único dos EUA a construir navios-aeródromos nucleares, passou a construir também submarinos nucleares.

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de contrato (preço fixo mais incentivo8), o – a Lockheed Missile and Space Com- preço-teto9 máximo (120% do preço-alvo) pany, para projetar e construir o sistema e a data de entrega do Ohio (dezembro de mísseis; de 1977). Nenhuma dessas condições foi – a General Elecric, para projetar e atendida pelos proponentes. construir a instalação propulsora nuclear; e Após extensas negociações, o contrato – a EB, para projetar e construir o para a construção foi assinado com a submarino. EB. Fixava a entrega do Ohio em abril Adotou-se um único estaleiro, a EB, de 1979 e continha cláusulas protetoras como projetista, construtor e integrador do estaleiro contra efeitos inflacionários, global. Evitaram-se assim problemas atrasos, aumento de custos e outros ris- ocorridos no programa classe Los Angeles, cos10. Estabeleceu um preço-teto inédito em que os estaleiros Newport News e EB de 152% do preço-alvo para a obtenção participaram. do submarino. Outra característica nova na construção Durante a construção da classe Ohio, dos Ohio foi a percentagem alta (45%) de as alterações no projeto, tanto as oriundas desenhos do tipo non deviating (ND)11. Nas do estaleiro quanto as da USN, causaram classes anteriores, apenas 10% dos dese- intensas negociações. As avaliações do pro- nhos eram ND. As exigências do sistema gresso da obra também geraram disputas e de qualidade também foram mais estritas negociações que aprimoraram os métodos do que nos programas anteriores. usados até chegar-se ao atual sistema de Com o início da construção dos Ohio, avaliação: a medição do valor obtido (ear- os soviéticos aceleraram seu programa da ned value measurement system). classe Typhoon, construída na década de Nas décadas de 1980 e 1990, assinaram- 1980, em paralelo com a Ohio. Isso aliviou se outros contratos com a EB para construir as pressões contra a obtenção de fundos os demais submarinos Ohio. O Louisiana, para o Programa Ohio, permitindo maior último da classe, foi entregue em agosto de concentração nas questões técnicas. 1997. Nos 25 anos desde a assinatura do contrato para projeto, foram construídos Obstáculos e soluções 18 SSBNs da classe Ohio. A EB tinha que, simultaneamente, Projeto e construção construir os Ohio e os Los Angeles, exe- cutar revisões gerais e reabastecimento Fatos básicos de combustível nuclear, converter SSBNs Polaris para portarem mísseis Poseidon Houve três contratados para os sistemas e realizar reparos de emergência para a principais: Esquadra.

8 O quociente de incentivo era de 75/25 (isto é, seriam compartilhados pela USN 75% dos custos acima do preço- alvo, ou das economias em relação ao preço-alvo; 25% caberiam ao estaleiro). 9 O preço-teto é o preço máximo que pode ser pago ao contratado, exceto por quaisquer ajustes previstos em outras cláusulas do contrato. 10 Diferentemente de cláusulas anteriores, que protegiam um estaleiro contra escalada de custos somente se o seu desempenho estivesse dentro dos prazos e do orçamento, no contrato para o Ohio essa restrição só se manteve para custos que excedessem o preço-teto. 11 O estaleiro tem que construir exatamente segundo esses desenhos, geralmente por razões técnicas ou de segurança.

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“No início da década de 1970, a EB não Ohio, ocorreu uma greve de 21 semanas possuía a capacidade industrial e a força que causou dois meses de atraso na entrega de trabalho necessárias para construir os do primeiro desses submarinos. E em 1988, Los Angeles e os Ohio em paralelo, nem 10 mil trabalhadores entraram em greve para lidar com as grandes seções do Ohio, quando também a classe Seawolf estava muito maiores que as dos submarinos pre- sendo construída. Apesar da escassez de cedentes” [3]. Visando superar esses obs- gente local para substituir os grevistas, a EB táculos, a EB projetou os Ohio para serem declarou que ainda não havia atraso após construídos modularmente12; criou nova sete semanas de greve. Esta durou cem dias. instalação em uma área próxima, Quonset Com o efeito combinado das greves e Point, antiga Estação Aeronaval; expandiu do rápido aumento da força de trabalho, a sua força de trabalho; e finalmente ampliou EB teve que treinar e supervisionar muitos seu estaleiro em Groton. Em Quonset Point, trabalhadores inexperientes, arriscando-se projetou e construiu uma nova instalação a consequências adversas no sistema de para fabricar as seções cilíndricas com qualidade da construção. suas cavernas. Dali as seções do casco foram transportadas por barcaças até a área Sistema de Qualidade expandida do estaleiro em Groton, onde desembarcaram e deslocaram-se sobre Sistema de Qualidade é um conjunto rodas até edifícios onde a obra prosseguiu articulado de procedimentos destinados a sem expor-se ao tempo, até chegar-se à maximizar a probabilidade de um produto a fase de acabamento final, com o submari- ser projetado e construído e cumprir satisfa- no flutuando. Construíram-se também um toriamente suas especificações e requisitos novo dique seco e uma plataforma flutuante de desempenho. Abrange praticamente to- para deslocar o submarino do edifício de dos os níveis das organizações do contrata- montagem para a água, eliminando-se a do principal e de seus subcontratados, bem construção em carreira de lançamento. como do Governo e dos seus fornecedores. A seu turno, a USN evitou montar, confi- Quando se iniciou a construção do Ohio, gurar e testar o complexo sistema eletrônico os EUA já haviam projetado e construído de combate dos Ohio no ambiente industrial 16 classes de submarinos nucleares, dos do estaleiro. Para isso criou uma instalação quais 178 eram SSBNs. O correspondente dedicada a projeto, manutenção e teste de sis- sistema de qualidade já se instituíra, desen- temas de combate em Newport, Rhode Island. volvera e consolidara em mais de 25 anos. Na época devida do programa de construção, Ainda assim, ocorreram problemas. o sistema de combate pré-certificado passou a O primeiro problema detectou-se no ser desmontado e cuidadosamente transpor- ano em que o primeiro Ohio foi lançado, tado para instalação no estaleiro em Groton. 1979. Durante uma auditagem interna de Para aumentar sua força de trabalho de seu estoque, a EB descobriu aço que não 11 mil para 29 mil pessoas, a EB iniciou um cumpria totalmente as especificações de rápido programa em 1972. Mas em 1979, projeto. Ele não poderia ser usado, nem um ano após o contrato de construção dos ter sido usado, no casco resistente e em

12 Na construção modular, os vários módulos de seção são simultaneamente montados e testados parcialmente fora das seções de casco, e depois deslizados para dentro das seções. É necessário que o projeto de deta- lhamento inclua essa técnica de construção e que esta se faça com alta precisão. Para submarinos, é difícil empregar-se a construção modular.

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aplicações do programa Subsafe13. Tinha um processo no qual o pessoal da EB faria que ser rapidamente isolado do estoque. os reparos ou ajustes por uma taxa fixa” [1]. Examinaram-se 120 mil locais do navio. O processo funcionou bem, mas o mesmo Ao final, foi necessário substituir somente não aconteceu quando a USN solicitou que 41 pequenas peças de aço. a EB rebalanceasse grandes turbogeradores Em novembro de 1979, a EB e a USN e, mais tarde, substituísse rotores de turbinas descobriram soldas com penetração incom- principais com a praça de máquinas comple- pleta no casco resistente de um submarino da tamente inspecionada e testada. Isso implicou classe Los Angeles, construída paralelamen- desmontar e depois remontar e testar equipa- te com a Ohio, e algumas faltas de registros mentos e sistemas. Além desses dois grandes de inspeções de soldagem. Isso paralisou os problemas, a EB mensalmente fazia cerca de trabalhos de soldagem no estaleiro até um cem comunicações à USN sobre defeitos em amplo programa de auditagem determinar equipamentos contratados pelo Governo. Elas a natureza e extensão do problema. Numa chegaram a 8 mil no biênio 1979-1980 [3]. auditagem da classe Ohio, foram inspecio- nadas 174 mil soldas, com 105 quilômetros Alterações no projeto de extensão total. Dessas, 2.502 eram de- feituosas e foram reparadas ou substituídas. Durante a década de 1970, houve revisões A EB instituiu um programa de retreina- semanais de projeto e de custos, tanto na USN mento e aumentou ainda mais a supervisão como na EB. Algumas foram importantes em soldas do Subsafe. Após autorização e afetaram o programa de construção e as da USN no ano seguinte, retomou-se a datas de entrega. Uma das principais foi a contrução dos Ohio. introdução dos mísseis Trident II D5 nos Durante a construção dos demais sub- SSBNs, iniciando-se pelo USS Tennessee marinos Ohio, a USN e a EB concentraram- (SSBN734), nono submarino da classe Ohio, se em aprimorar técnicas e recursos indus- cuja data de entrega atrasou-se um ano. Tam- triais para a construção modular. bém foram postergadas as datas de entrega dos dois submarinos seguintes. Os primeiros Material fornecido pelo Governo oito submarinos foram mais tarde reconfigu- rados para portar os mísseis Trident II D5. Na construção de um navio de guerra há dois tipos de equipamentos: os contratados Atrasos e aumento de custos pelo estaleiro e os contratados diretamente pelo Governo e fornecidos ao estaleiro. A “Globalmente, o programa inicial de pro- responsabilidade pela supervisão e correta jeto e construção dos submarinos Ohio foi operação de cada tipo cabe a quem os contra- otimista e talvez irrealizável, levando a uma tou. Normalmente, reparos ou modificações série de atrasos. Eles resultaram de questões num desses equipamentos seriam solicitados de garantia de qualidade, alterações no pro- ao fabricante pela instituição contratante (es- jeto oriundas da USN durante a construção, taleiro ou Governo). No entanto, para peque- disputas trabalhistas com os sindicatos locais nos trabalhos nos Ohio, “a USN estabeleceu e distribuição ineficaz da carga de trabalho

13 Subsafe é um programa de garantia de qualidade da USN, destinado a manter a segurança de seus submari- nos nucleares. Visa obter a máxima probabilidade de um submarino ser estanque à água e recuperar-se de alagamentos imprevistos. Abrange todos os sistemas expostos à pressão do mar e a alagamentos críticos.

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entre os vários contratos no estaleiro.” [3] quisitos de Operação, a USN estabeleceu Houve seis revisões na data de entrega do contratos para apoio aos sistemas estratégi- Ohio, primeiro da classe, finalmente entre- cos (navegação, controle de tiro e guiagem) gue em outubro de 1981, 30 meses após a e para a instalação propulsora. data inicialmente pretendida. Para o oitavo A USN também contratou a EB como submarino, o atraso reduziu-se a seis meses. o planning yard para a classe Ohio, com A tabela 3.5 da referência [3] registra a várias responsabilidades: continuidade dos escalada de custos para os oito primeiros desenhos de projeto e várias outras ativida- Ohio, obtidos em três diferentes contratos des, desde concepção de alterações até apoio com a EB. Todos os custos estão indicados de engenharia em revisões gerais e reparos. em dólares do ano fiscal de 1981. Os custos do contrato com a EB para Programa Seawolf a construção dos Ohio não incluem os de obtenção da instalação propulsora nuclear Antecedentes nem a do sistema de combate, obtidos pela USN em dois outros contratados. Nas décadas de 1970 e 1980, evoluiu o Na tabela, nota-se que os custos-alvo cenário estratégico para emprego de SSBNs por submarino do Contrato I foram meno- e SSNs, fruto de elevadas tensões entre os res que os do Contrato II, e estes menores EUA e a União Soviética e do rápido progresso que os do Contrato III. É possível que os tecnológico dos submarinos soviéticos. Na dois primeiros custos-alvo tenham sido década de 1970, iniciou-se o longo e grande otimistas, parcialmente componentes dos programa dos SSNs Los Angeles (62 submari- respectivos aumentos de custos. nos) e o dos SSBNs Ohio (18 submarinos). E nos anos 1980 iniciou-se o Programa Seawolf. Apoio durante a vida operativa A classe Los Angeles concebeu-se em meados dos anos 1960. Destinava-se a operar Os Ohio foram projetados para máxima com um grupo de batalha de navio-aeródromo disponibilidade que compensasse não se e conseguir uma posição de ataque contra sub- obter um número maior de submarinos. marinos soviéticos capazes de altas velocida- Além das providências para apoio durante des submersos. A estratégia da USN era então a vida operativa, já relatadas no tópico Re- de meio-oceano, evitando operações ofensivas

Escalada de Custos nos três primeiros contratos dos Ohio (milhões de dólares do Ano-Fiscal de 1981) [3] Base de Aumento No de Custo-Alvo Orçamento Contrato Referência de Custos Submarinos Atual da EB Contratual14 Estimados I 4 916,075 1.524,362 1.721,862 197,500 II 3 924,025 1.353,585 1.367,517 13,932 III 1 350,837 473,990 473,990 Zero Total 8 2.190,937 3.351,937 3.563,369 211,432

14 Inclui o custo-alvo, uma estimativa de trabalhos autorizados, mas sem preço, e uma estimativa de pagamentos por flutuação de preços, pagos separadamente do preço do contrato.

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nos mares de Barents e Okhotsk, onde SSBNs (silêncio acústico) e um melhor sistema de soviéticos poderiam estar patrulhando [3]. combate. Como áreas adicionais de missão Nos anos 1980, a estratégia passou a de incluíram-se a guerra antissuperfície, mis- opor-se aos submarinos soviéticos tão ao sões de ataque, vigilância e guerra de mi- norte quanto possível, nas zonas de negação nas. Esses requisitos foram transformados do mar e controle do mar [3]. Os subma- em parâmetros de desempenho pela USN. rinos americanos precisavam operar mais Um objetivo primário era reconquistar a longe, tanto no noroeste do Pacífico como vantagem acústica que se perdera com o no nordeste do Atlântico, detectando SSBNs surgimento dos mais recentes submarinos soviéticos sem serem detectados. Embora a soviéticos. classe Los Angeles estivesse sendo produzida Para detectar e atacar SSBNs sem ser rapidamente e tivesse a velocidade necessária detectado, era essencial reduzir o nível de para operações de apoio a navios-aeródromos ruído irradiado, aprimorar significativa- e controle de rotas marítimas, ela não pos- mente sensores e processamento de sinais suía as capacidades para a nova missão, que e melhorar a capacidade das armas. A eficá- incluía ação ofensiva oculta contra SSBNs cia do sonar seria melhorada mediante um soviéticos em seus bastiões ou sob a calota sistema de combate integrado e avançado. de gelo polar. Daí surgiram os requisitos para A operação no Ártico requeria reforçar a uma nova classe de SSNs: a Seawolf. vela e ter lemes de mergulho retráteis, mon- tados na proa. As velocidades dos Seawolf Requisitos de operação e tecnologias teriam que ser altas (tanto a máxima como novas a tática15). Para isso, a USN selecionou a tecnologia de propulsor em duto. Os primeiros estudos de concepção para Em lugar do aço HY-80, usado nos a nova classe de SSNs concentraram-se cascos resistentes de submarinos anteriores, num certo número de projetos menos dis- pretendeu-se adotar, na classe Seawolf, o pendiosos que melhorariam a capacidade HY-130, para operar na profundidade má- da classe Los Angeles. Mas em 1981 uma xima especificada sem aumento inaceitável nova administração dos EUA expandiu os no peso do casco resistente. gastos de defesa e adotou uma nova estraté- Quase ao final do processo para esta- gia marítima. Tornou-se claro que as capa- belecer requisitos, a USN determinou que cidades que seriam requeridas excederiam a carga de armas dos Seawolf fosse maior as margens de projeto dos Los Angeles [3]. que a dos Los Angeles16, além de a nova Em 1982, iniciou-se o Programa Seawolf. classe ser capaz de lançar mísseis Tomaha- Formou-se um grupo especial da USN para wk pelos tubos de torpedo. Prevendo-se avaliar futuras ameaças e a necessidade de armas maiores, ainda não desenvolvidas, tecnologias avançadas para a nova classe de projetaram-se tubos com diâmetro de 26,5 SSNs. A missão primária dos Seawolf seria polegadas, em vez das 21,5 polegadas das caçar e rastrear SSBNs soviéticos. classes precedentes. As prioridades no desenvolvimento Todos esses requisitos levaram a um dos requisitos de operação dos Seawolf submarino de grande porte e à adoção eram aumento da capacidade de ocultação de tecnologias avançadas de redução de

15 Velocidade tática é aquela em que um submarino pode detectar um determinado adversário e manter o contato. 16 Em princípio, a USN estabeleceu uma carga de 50 torpedos, para operações longas sem reabastecimento.

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ruídos, sistema de combate e aço do casco Em resumo, a estratégia de obtenção resistente. Também se tornou necessário foi: a) estudos de exequibilidade e projeto um novo reator nuclear para a propulsão. de concepção realizados no Departamento O custo do Seawolf elevou-se. de Defesa e na USN; b) contratos sepa- A simultânea utilização de várias tecno- rados com os dois estaleiros para cada logias em seus limites extremos distinguiu um submeter seu projeto preliminar; c) os Seawolf das classes anteriores. Isso era competição entre os dois estaleiros para indispensável no cenário de ameaças da as duas fases subsequentes (projetos de década de 1980. Mas o cenário mudou contrato e de construção19); d) competição com o final da Guerra Fria. Tal mudança para selecionar o construtor do primeiro e o alto custo dos Seawolf resultaram em submarino da classe. construírem-se apenas três submarinos, em Após rever as duas propostas de projeto vez dos 29 inicialmente pretendidos. preliminar, a USN decidiu que se formasse uma equipe de projeto com participantes de Estratégia de obtenção ambos os estaleiros, esperando combinar as melhores características de projeto de cada Para obter os Seawolf, o Departamento um para conseguir o melhor resultado possí- de Defesa e a USN adotaram uma estratégia vel. Ele seria a base para o projeto de contrato. que, se bem-sucedida, poderia conseguir Ainda nos primeiros estágios do projeto os melhores resultados no projeto e a de concepção, a USN selecionou o Bettis construção da classe e também manter a Atomic Power Laboratory e seu subcon- competição entre os dois estaleiros pro- tratado para arquitetura naval e engenharia jetistas e construtores de SSNs e SSBNs: marítima (a EB) para projetar a instalação EB e Newport News. Também houve a propulsora e dela construir um modelo em preocupação de manter ativas as equipes escala 1:1 (mock-up). técnicas altamente especializadas desses Newport News venceu a competição dois competidores17. As várias fases de para ser o estaleiro líder (lead yard) do projeto e construção de submarinos projeto de construção. Como a EB já estava duram mais de dez anos18. Cada uma trabalhando na instalação propulsora, ela requer determinados tipos de especia- foi contratada por Newport News como listas. Sem encomendas de novas classes estaleiro participante para o projeto da parte durante longo tempo, as equipes técnicas de ré do submarino e para os aspectos de se atrofiam. Até mesmo para os EUA, propulsão nas praças de máquina. Newport é difícil manter o necessário ritmo de News recebeu inicialmente US$ 303 mi- encomendas, exceto em períodos de alta lhões como estaleiro líder. À EB couberam tensão político-militar. US$ 48 milhões.

17 Newport News não havia projetado um novo submarino em quase 20 anos, e a EB não projetara um novo SSN em mais de 20 anos. 18 Aí se inclui a fase de estabelecimento de missões e requisitos de operação do navio, em que é indispensável intensa interação do setor operativo com o setor técnico, até chegar-se a um projeto de concepção aprovado pela Alta Administração Naval. 19 Na referência [3] não ficou claro se houve um projeto de contrato e outro de construção. Este último, também denominado projeto detalhado (detailed design), detalha o projeto até o nível necessário à produção do navio, enquanto o projeto de contrato fica um nível acima, destinando-se a permitir que o estaleiro possa fazer suas proposta de construção com informações suficientes. Aparentemente, para o Seawolf essas duas fases de projeto foram fundidas numa só fase. A fase seguinte já seria a de construção.

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A USN exigiu que o projeto de constru- de construção logo adiante, eles relutaram ção fosse utilizável por ambos os estaleiros em revelar detalhes que consideravam em suas propostas para construir o primei- “segredos da empresa”. Acumularam-se ro dos Ohio. Daí resultou um projeto de atrasos. Não se atingiu a meta original de construção não otimizado para a produção. completar-se 80% dos desenhos do projeto O sistema de combate (AN/BSY-2) foi de construção antes de esta começar. As contratado separadamente pelo Governo com propostas para construção foram solicitadas a General Electric e fornecido ao estaleiro. com somente 5% dos desenhos terminados. Embora a USN esperasse os melhores Em janeiro de 1989, concedeu-se à EB resultados possíveis com a estratégia de obten- o contrato para a construção do primeiro ção adotada (participação de dois estaleiros), navio da classe Seawolf, mas com o atraso ela reconhecia os potenciais problemas que no projeto já influindo no programa. poderiam advir. Alguns se concretizaram, pois Certas especificações para sistemas não parece ter havido o alto grau de coopera- principais foram alteradas após iniciar-se a ção desejável entre os dois estaleiros, além de construção. “Até 1982, a USN aprovou mais cada um ter suas abordagens e procedimentos de 800 dessas alterações, com aumento de próprios para o projeto, o que dificultou sua custos estimado em US$ 180 milhões.”[3] integração e retardou a execução. A construção modular prevista também A USN esperava que 70 a 80% do proje- foi prejudicada, pois carecia de desenhos to de construção estivesse pronto antes de a do projeto de construção e era afetada pe- construção começar em novembro de 1989. las frequentes alterações no projeto. Com Tal não aconteceu. As causas foram a estra- isso, as grandes seções cilíndricas e suas tégia de obtenção utilizada (participação de cavernas, construídas em Quonset Point, dois estaleiros) e os riscos associados com de lá saíam para o estaleiro em Groton com os requisitos de operação desejados. poucos equipamentos instalados. Inicialmente esperava-se usar HY-130 Projeto e construção no casco resistente dos Seawolf. Porém a tecnologia desse aço ainda não estava pronta Para o projeto de construção, os sistemas para o primeiro navio da classe. Adotou-se principais e dez áreas do projeto do navio fo- o HY-100, testado com bons resultados em ram distribuídos entre os dois estaleiros. Houve inserções nos submarinos Los Angeles. um período de dois anos desde o projeto de Mas houve dúvidas quanto à especificação contrato até a construção do primeiro Seawolf, do lingote para as varetas de soldagem do destinado a permitir aumento das atividades de HY-100. Esse fato e possíveis deficiências projeto, resolução de conflitos resultantes dos em processos de soldagem da EB causaram projetos dos dois estaleiros e desenvolvimento trincas nas soldas de união das seções ini- de novas tecnologias necessárias para atingir- ciais do Seawolf. Foram necessárias revisões se o desempenho operativo desejado. caras e substituição das soldas defeituosas.20 As diferenças de métodos, procedi- Por experiência com a classe Los An- mentos e detalhes de projeto entre os dois geles, a USN estimou que não completar o estaleiros requeriam um alto grau de coo- sistema de combate dos Seawolf no devido peração entre eles. Porém ela não ocorreu. tempo era um risco médio. Para reduzi-lo, Como ambos competiriam pelo contrato planejou desenvolver, testar, integrar e entre-

20 Também foi necessário substituir uma das seções do casco resistente.

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gar o respectivo software em seis anos. Po- com 25 meses de atraso e 45% acima do rém, em 1987, o Government Accountability custo inicialmente estimado21. Este fato e Office (GAO) considerou alto o risco, pois a a distensão político-militar reinante redu- quantidade de software necessária era quase ziram o Programa Seawolf a somente três o dobro da existente nos Los Angeles. Além submarinos. Houve até mesmo proposta de disso, o data bus ótico não estava pronto para limitar a classe a um só navio, mas a base suportar o sistema da classe Seawolf. industrial de submarinos se enfraqueceria. O Congresso determinou que se continu- Atrasos, aumento de custos asse a construção do segundo submarino da classe e autorizou US $540 milhões Várias causas concorreram para atrasos para apoiar a base industrial até o início e elevação de custos no Programa Seawolf. de uma nova classe de submarinos menos As principais foram: caros, ou até a retomada da construção do – atraso nos desenhos do projeto de terceiro Seawolf, ou até o reinício da cons- construção, já existente trução de submarinos quando esta começou; Los Angeles. – especificações Quando se tornou evidente Quando se tornou impróprias e altera- que a classe Seawolf evidente que a classe ções nas especifica- Seawolf não teria 29 ções de projeto, par- não teria 29 navios, a navios, a base indus- ticularmente as do base industrial mostrou trial mostrou sinais de sistema de combate; contínua erosão. – problemas na pre- sinais de contínua erosão. Da primeira con- paração dos pacotes de Da primeira concepção cepção dos Seawolf até ordens de serviço; dos Seawolf até a entrega a entrega do primeiro – soldas defeituo- da classe decorerram sas no casco resistente do primeiro da classe 15 anos. O programa e sua correção; e decorerram 15 anos terminou em 2005, com – adoção de tecno- o comissionamento do logias ainda imaturas. Jimmy Carter.

Cenário estratégico e base industrial Apoio durante a vida operativa

Em 1990, o cenário estratégico alterou-se A grande atenção voltada para cum- com o fim a Guerra Fria. O Departamento de prir avançadíssimos requisitos operativos Defesa aumentou a ênfase em joint warfare deixou em segundo plano o apoio logís- e operação em litorais. As necessidades da tico nas fases de projeto e construção. “O USN foram revistas. Reduziu-se o número custo total de vida do submarino, desde o de Seawolf originalmente planejado, bem projeto até o descarte final, foi em grande como o ritmo de suas encomendas. parte ignorado.” [3] E o reduzido número O primeiro dos 29 Seawolf inicialmente de submarinos Seawolf dificulta e torna pretendidos foi comissionado em 1997, dispendioso o seu sistema de apoio.22

21 A estimativa de custos original fora de US$ 38 bilhões para 29 navios. Em 1999, a estimativa para os três primeiros era de US$ 16 bilhões. 22 O terceiro submarino da classe, Jimmy Carter, é bem diferente dos dois primeiros.

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Programa Virginia Para a EB, que só construía submarinos, um hiato na produção poderia significar o Antecedentes fim da empresa. Portanto, ela iniciou uma reestruturação, reduzindo seu pessoal24 e A classe Virginia de SSNs desenvolveu- buscando meios de diminuir custos. se nos primeiros anos da década de 1990, sucedendo à Los Angeles e à conturbada Requisitos de operação Seawolf. As seguintes condições regularam o projeto e a construção da classe Virginia: O novo ambiente de requisitos de ope- a) Era indispensável manter a base in- ração focalizaria predominantemente um dustrial de construção de submarinos e, ao crescente número de pequenos conflitos mesmo tempo, o nível regionais no litoral [3]. prescrito de 45 a 55 A USN assegurou submarinos nucleares. Desde a concepção original ao Congresso que os b) Havia a neces- Virginia seriam me- sidade imediata de até o comissionamento do nos dispendiosos, mais sustentar a base de primeiro Virginia, em 2004, capazes de operar em projetos de subma- decorreram 16 anos. litorais e aptos a manter rinos e solucionar a a superioridade contra a questão da futura ob-    ameaça reduzida, mas solescência em bloco A USN preocupava-se em contínua, de submari- da classe Los Angeles. nos russos. Seu custo c) Em 1999, a si- evitar os erros do Programa permitiria produzir dois tuação político-militar Seawolf, cujas lições havia submarinos por ano, e mundial mudara dra- revisto exaustivamente assim manter a estrutura maticamente com o fim da força e a respectiva da Guerra Fria. A nova base industrial na virada estratégia marítima norte-americana visava do século. Para tanto, se usariam tecnolo- prioritariamente a conflitos militares no litoral. gias já existentes nos programas Seawolf, Para atender a essas condições, a USN Los Angeles e Ohio. A USN preocupava-se propôs um novo submarino de ataque de baixo em evitar os erros do Programa Seawolf, custo, o Virginia, primeiro da nova classe. Des- cujas lições havia revisto exaustivamente. de a concepção original até o comissionamento No início do processo de determinação do primeiro Virginia, em 2004,23 decorreram de requisitos, sete missões principais foram 16 anos. Durante todo esse período, o Con- estabelecidas: gresso envolveu-se ativamente na supervisão – ataque; e nas decisões do programa. – guerra antissubmarino; A USN avaliava a grande importância – guerra antiaérea; de um programa bem-sucedido de subma- – apoio a grupo de batalha; rinos de baixo custo. Por outro lado, a base – inteligência; industrial de submarinos sentia o impacto – colocação de minas; e de o Programa Seawolf ter sido truncado. – operações especiais.

23 Até 2010 já tinham sido comissionados sete submarinos classe Virginia, e mais cinco estavam contratados. 24 O nível de empregos no estaleiro caiu de 14 mil trabalhadores para aproximadamente 8 mil.

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Para atingir metas de custo, a USN fez requereu-se que tecnologias novas fossem concessões em alguns parâmetros de desem- testadas em terra ou preferivelmente no penho. A prioridade de projeto foi igualar a mar, sujeitas a todo o perfil de missão, discrição acústica dos Seawolf, deixando em antes de serem incorporadas ao projeto. segundo plano outras características, como A USN voltou ao seu princípio básico de velocidade máxima e deslocamento. não introduzir mais de uma importante Em fevereiro de 1992, o chefe de tecnologia nova em qualquer submarino e Operações Navais (CNO) estabeleceu os de, na máxima extensão possível, todas as seguintes focos: tecnologias a introduzir serem testadas no – adotar a discrição acústica dos Seawolf, mar como protótipos. base de todas as missões futuras de subma- Os estudos de concepção da nova classe rinos, provedora da necessária segurança de SSNs foram aprovados pelo Departa- tática; mento de Defesa em agosto de 1992. Dois – reduzir a velocida- anos depois, a Defen- de máxima a um valor se Acquisiton Board suficiente para prover A USN voltou ao seu aprovou o Marco 1 do mobilidade e aproxi- princípio básico de não programa, de projeto mação do alvo, e para introduzir mais de uma e construção, devendo permitir operação com esta ser iniciada na EB outras unidades navais importante tecnologia no ano fiscal de 1998. em rápidas respostas a nova em qualquer Além do escrutínio crises regionais; do Congresso, o Pro- – manter apenas submarino e de, na máxima grama Virginia foi o capacidades básicas extensão possível, todas as primeiro a passar, ain- no sistema de combate tecnologias a introduzir da em sua fase inicial, e examinar tecnolo- por uma avaliação da gias comprovadas em serem testadas no mar Navy’s Operational projetos de arquitetura como protótipos Test Evaluation Force, aberta; em 1995. O propósito – reduzir a carga foi avaliar se o projeto útil de armas e sua taxa de disparo; e atendia aos requisitos, determinar o risco – reduzir a profundidade máxima e técnico de desenvolver novas tecnologias concentrar o projeto em profundidades e verificar a adequabilidade do programa. suficientes para enfrentar as ameaças então Como resultado, os requisitos foram mais previstas. bem definidos. A maturidade das tecnologias a adotar foi consideração básica. Classificaram-se Estratégia de obtenção como de baixo risco as já em uso noutros submarinos, e de alto risco aquelas a de- As seguintes questões condicionaram a senvolver simultaneamente com o projeto. estratégia de obtenção: As tecnologias para cumprir requisitos a) Conseguir o processo mais eficiente acústicos foram tipicamente de alto risco. e econômico de projetar e construir os Em alguns casos, alterações nos requisitos submarinos, evitando problemas recentes. acústicos dos Virginia implicaram mo- b) Mesmo com ritmo reduzido de en- dificações no projeto. Como estratégia, comendas, manter a capacidade de projeto

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e construção de submarinos nucleares em No contrato para a construção dos dois estaleiros (EB e Newport News), para primeiros quatro navios, houve cláusulas preservar a possiblidade de rápido aumento para levar em conta a incerteza na base de produção de SSNs e SSBNs. de fornecedores para submarinos, assim c) Idem para o restante da base indus- como incentivos para redução de custos. trial de defesa. [8] O contratado principal responsabilizou-se d) Manter a competitividade entre os por quatro dos 15 sistemas e subsistemas dois estaleiros projetistas e construtores de de combate. Os demais, como radar, nave- submarinos nucleares. gação, sonar etc., couberam ao Governo. No trato dessas questões, várias possi- Todas essas providências e a perspec- bilidades se examinaram e foram tomadas tiva de se construírem até 30 submarinos algumas decisões entre 1995 e 1998. Na da classe provavelmente resolveram a questão a), concluiu-se que o primeiro questão c), mas não integralmente, pois a navio da classe deveria ser projetado e base industrial de projetos de submarinos construído por um único estaleiro, a EB, ficará quase inativa e se enfraquecerá se o que seria líder para o restante do programa. projeto de uma nova classe não for inicia- Em 1996 ela foi contratada para projetar as do brevemente. O mesmo poderá ocorrer instalações de vapor e elétrica (custo mais quanto à questão d). taxa fixa) e o restante do navio (custo mais taxa de incentivo). E em setembro de 1988 Projeto e construção recebeu o contrato para construir o primeiro da classe, como parte de uma encomenda Fatos básicos inicial de quatro SSNs. A questão b) resolveu-se por um acordo Na década de 1980 houve progressos de 1996 entre a EB e Newport News, de- marcantes no projeto e na construção de pois aprovado pelo Congresso, em que os submarinos nos EUA: projeto direcionado dois estaleiros se propunham a construir para construção modular, modernização os quatro primeiros submarinos como e expansão de instalações de produção, uma equipe, e não como competidores. O intensa atividade de toda a base industrial resultante Memorando de Entendimento de submarinos e busca de redução de custos assim rezava: e prazos. Nessa década transcorriam os – A EB seria o único agente de projeto programas Los Angeles, Ohio e Seawolf, para o contrato. concebidos segundo estratégias de alta – A EB seria o contratado principal para tensão político-militar. Predominou a busca a construção. e o pronto emprego de novas tecnologias – Newport News seria um grande sub- que assegurassem vantagens militares de- contratado, com cerca de 50% do trabalho cisivas. Algumas dessas tecnologias ainda na construção de cada dois navios. estavam em desenvolvimento durante o – O lucro seria igualmente dividido, in- projeto, introduzindo riscos e aumentos de dependentemente das alocações de trabalho. prazos e custos. A redução de prazos e cus- – Cada estaleiro fabricaria os mesmos tos, também um objetivo, ficou em segundo módulos (exceto o da instalação do reator). plano, mas passou a prevalecer ao final da – Os estaleiros alternariam a fabricação Guerra Fria. Daí resultou a interrupção do de módulos e toda a montagem, teste e Programa Seawolf, reduzido a somente três entrega do navio. submarinos.

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Reestruturações A EB tratou de sua sobrevivência. Bus- cou novos métodos técnico-gerenciais para No projeto e na construção dos Virginia, projetar e construir submarinos nucleares em a redução de custos e prazos passou a ser menor tempo e com menor custo. Analisou fundamental, embora sem renúncia à efi- todos os aspectos relevantes do projeto e cácia e eficiência operativa. Foi necessário construção, incluindo recursos de gerência examinar atentamente os programas recen- de projeto, software e o recente processo de tes para conceber novos procedimentos engenharia simultânea (concurrent enginee- técnico-gerenciais capazes de levar a bom ring)25. Daí resultou a decisão de implementar termo o novo empreendimento. Manter um Desenvolvimento de Produto e Processo a estrutura de sua força de submarinos Integrados, cuja sigla é IPPD (Integrated era uma questão vital para a USN, e uma Product and Process Development). questão de sobrevivência para a EB e a base O IPPD difere distintamente do pro- industrial de submarinos. cesso de projeto e construção tradicional A USN realizou exaustivo exame do de navios da USN, composto das fases Programa Seawolf e concluiu que poderia sequenciais de concepção, preliminar, evitar aumentos de custos e prazos imple- contrato, detalhamento para a construção mentando algumas lições principais obtidas e construção, com um período ao final de em programas anteriores e ressaltadas por cada fase para avaliações e decisões antes auditores externos: de iniciar-se a fase seguinte, durante o qual – contratar com um único estaleiro o frequentemente alteravam-se requisitos projeto e a construção do primeiro subma- e abordagens preferidas, atrasando-se o rino da classe; processo. – retardar a construção do primeiro da “No processo IPPD, todas as tarefas classe até o projeto estar substancialmente das fases tradicionais são realizadas, mas consolidado; paralelamente, com o estaleiro construtor – fortalecer o processo de desenvolvi- e a USN participando em todas as fases do mento e aprovação de especificações; projeto, desde a concepção até a entrega do – identificar, ainda nos primeiros está- submarino.” O processo procura integrar gios do programa, componentes e fornece- melhor o projeto com o planejamento da dores críticos; e produção, e ao mesmo tempo assegurar que – reduzir o risco de desenvolvimento do o ciclo de vida da plataforma seja conside- sistema de combate. rado em todos os seus estágios. Conduz ao Em seu Escritório de Gerência do Pro- término do projeto bem mais cedo do que jeto, a USN compilou mais de mil lições no processo tradicional [3]. técnicas obtidas em programas anteriores A decisão da EB em usar o novo pro- para incorporá-las ao projeto dos Virginia. cesso teve participação e aprovação do

25 “Uma publicação de 2008 descreve o método de concurrent engineering como um sistema de gerência de projeto relativamente novo, amadurecido em anos recentes, para tornar-se uma abordagem de sistema bem definida e destinada a otimizar os ciclos de projeto de engenharia. Tem sido implementado em certo número de companhias, organizações e universidades, particularmente na indústria aeroespacial. A premissa básica consta de dois conceitos: o primeiro é que todos os elementos do ciclo de vida de um produto, desde a funcionalidade, meios de produção, montagem, meios de teste, manutenção, impacto ambiental e descarte e reciclagem finais devem ser levados em conta nas fases iniciais do projeto. O segundo conceito é o de que todas essas atividades devem ocorrer ao mesmo tempo.” [7]

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Governo. Como Newport News seria um componentes antes de os instalar nas seções subcontratado principal, ele também parti- cilíndricas do casco. No primeiro navio da ciparia do novo processo. Newport News e classe, 81% do trabalho já terminara quan- o Governo teriam que alterar seus processos do se fechou o casco resistente, versus 57% para corresponderem ao da EB. para o Seawolf e 33% para o Los Angeles. Os seguintes pontos principais ficaram assentados para o novo processo: Supervisão e sistema de medição do – O processo IPPD acionado pela EB fo- desempenho calizaria custos e se basearia em verificações. – A USN, como autoridade de projeto Nos programas de construção de sub- e autoridade técnica, estaria total e conti- marinos durante a década de 1980, foi nuamente engajada. insatisfatório o desempenho em conta- Um dos propósitos de redução de custos bilidade de custos e controle de prazos. com o novo processo realizou-se, pois o Para os Virginia, adotou-se um Sistema de primeiro dos Virginia construiu-se com Gerenciamento do Valor Obtido (Earned eficiência já próxima à do terceiro navio Value Management System, EVMS). “Em da classe. vez de comparar resultados planejados Para reduzir custos sem prejudicar o de- com resultados reais, como no método sempenho, foi indispensável incluir no pro- anterior, o EVMS integra custo, prazo e grama os fornecedores da base industrial. escopo para ajudar a prever o desempenho Para os Virginia, eles eram mais de 2.600 futuro e permitir que o gerente identifique em 46 estados. Durante todo o projeto, os e controle problemas enquanto eles são componentes a serem fornecidos foram administráveis”. [3] O gerente do projeto revistos quanto a custos e características. do Virginia usou no EVMS com índices de desempenho de custo e índices de Ferramentas de software desempenho de prazos para monitorar o desempenho do projeto. O Virginia foi totalmente projetado com software de modelagem CAD 3-D e um Atrasos e aumentos de custos Sistema de Projeto e Fabricação Integrados. Ele permitiu projetar o navio com centenas Até o ano fiscal de 2000, o Programa Vir- de interações. Apesar das múltiplas van- ginia tinha evitado os aumentos de custos de tagens, ainda houve questões a melhorar programas anteriores. O custo do programa para permitir o acesso eletrônico a pacotes estava dentro de 8% do custo orçado. E em de ordens de serviço durante construções outubro de 2004, o primeiro navio da classe e manutenções. foi entregue à USN apenas quatro meses após a data prevista, versus 25 meses para o Construção modular Seawolf e 19 meses para o Ohio. No entanto, ainda houve atrasos e aumentos de custos. Decorridos três anos de construção, 99% Em 1998, o Governement Accounting dos desenhos estavam completos, versus Office (GAO) identificou problemas de 65% para o Seawolf. Este fato e a constru- desenvolvimento em alguns sistemas, como ção modular introduzida nos programas os de interceptação acústica, guerra eletrô- Ohio e Seawolf, e aperfeiçoada no Virginia, nica, propulsor, comunicações externas e permitiram construir e testar muitos dos towed array.

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Newport News teve aumento de custos Apoio durante a vida operativa de aproximadamente 50% e atraso de quase um ano na entrega do segundo submarino Ainda nas primeiras fases do Programa da classe, o Texas. Muito do aumento de Virginia, as equipes de projeto contaram custos e de prazos de Newport News deveu- com recomendações de participantes exter- se ao intervalo de quase dez anos entre a nos sobre questões de apoio durante a vida entrega do seu último submarino classe operativa dos navios. Aí se incluíram ope- Los Angeles e o Texas, embora a força de radores e mantenedores que examinaram trabalho tenha permanecido empregada em mock-ups virtuais. Também se incluíram construção de navio-aeródromo [3]. técnicos em desmontes e descartes. Mesmo com o esforço para reduzir custos, Os Virginia foram originalmente proje- o GAO verificou que muitos haviam sido tados para maximizar a disponibilidade ope- subestimados no início do programa. Em rativa e minimizar a manutenção preventiva 2005, identificaram-se os seguintes fatores nos primeiros quatro anos após a entrega. A determinantes de au- EB foi contratada pela mentos de custo: USN como o estaleiro 1 – Acréscimos Dados os desníveis de planejamento (plan- nas horas de trabalho ning yard) para a classe. causaram 40% do au- tecnológico-industriais e Nessa função, cabe à EB mento de custos total e financeiros entre Austrália, assistir no apoio durante resultaram de questões o ciclo de vida opera- de integração entre os Reino Unido e Estados tiva, aí se incluindo a dois estaleiros, atrasos Unidos, parece estranho redução dos custos de em entregas de mate- que as mesmas lições sobre operação, manutenção, riais e greve num dos combustível, carga útil, estaleiros. programas de submarinos modernizações etc., bem 2 – Elevação de sejam pertinentes a esses como responder rapida- custos em materiais mente a problemas da causaram 43% do três países esquadra e serviços de aumento total e re- apoio. Estes abrangem sultaram de verbas orçamentadas muito desde a concepção de alterações até inte- abaixo dos custos reais dos fornecedores e gração, instalação, testes e manutenção da diminuição no número de fornecedores de configuração de projeto. materiais altamente especializados (função Como estaleiro de planejamento, a EB da intensidade baixa do programa) etc. continua a investigar meios de projetar para 3 – Equipamentos fornecidos pela USN redução de custos, mediante reprojeto. Um (radares, equipamento de propulsão e siste- exemplo foi a substituição da esfera sonar mas de armas) causaram 14% do aumento original por uma configuração de hidrofo- de custos total. nes (hydrophone array). O projeto original 4 – Despesas de overhead concorreram requeria mil transdutores, com vida útil de com 3% do aumento de custos. 17 anos. Os novos hidrofones são menos O custo final do primeiro casco foi de caros, e sua vida útil iguala-se à esperada US$ 2,8 bilhões (ano fiscal de 2005), ver- para o submarino (33 anos). sus a estimativa de US$ 1,8 bilhão desse Apesar de suas múltiplas vantagens, o mesmo ano. projeto Computer Added Design (CAD)

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dificultou o apoio, pois somente mostra nos, nem por britânicos. Ambos certamente a configuração do casco atualmente em as conheciam e haviam praticado. Por que construção. É caro e demorado conseguir não o fizeram em programas recentes? do modelo eletrônico informações para Há várias causas para não se aplicarem apoio que requeiram a configuração de um lições importantes num programa, mesmo navio tal como foi construído. Essa é uma sabendo-se dos problemas que possivel- limitação a ser superada. mente daí decorrerão. Eis algumas: 1 – Tensões político-militares elevadas, Lições e Reflexões que determinem prioridade máxima para rápida obtenção dos navios de uma nova A referência [3] enuncia 21 lições classe, ou para a adoção de tecnologias ain- técnico-gerenciais e 19 lições estratégicas da imaturas, mas promissoras de vantagens de alto nível para o conjunto dos programas decisivas. Tal foi o caso, por exemplo, do Ohio, Seawolf e Virginia. Exame aten- Programa Seawolf. to mostra que as 40 2 – Mudanças no aplicam-se a qualquer cenário de ameaças, um desses três pro- Em países desenvolvidos, na estratégia marítima gramas. Elas também e nas prioridades para coincidem com as li- lições importantes destinação de verbas. ções dos programas e temporariamente Aqui se enquadram os Astute e Collins. Só descartadas ressurgem programas Seawolf e existe diferença na Astute. intensidade com que e se reaplicam, cessadas 3 – Complexo pro- cada uma é aplicável a as circunstâncias cesso decisório, com a cada programa. Como participação de vários as 40 lições são pra- extraordinárias que as setores e níveis hierár- ticamente as mesmas eclipsaram quicos governamentais, que apresentamos e em que haja conheci- comentamos para os mento e experiência em Collins e os Astute nas referências [1] e [2], lições importantes, mas não nos níveis de não há por que repeti-las. decisão final. Esta parece ter sido a princi- pal causa dos problemas no Astute. Lições em países desenvolvidos 4 – Mudança radical e rápida no pro- cesso e na estrutura técnico-gerencial de Dados os desníveis tecnológico-indus- obtenção de navios de guerra. O caso mais triais e financeiros entre Austrália, Reino ilustrativo foi o do Astute. Unido e Estados Unidos, parece estranho 5 – Otimismo excessivo sobre vantagens que as mesmas lições sobre programas de da adoção de tecnologias já provadas alhu- submarinos sejam pertinentes a esses três res, mas das quais tem-se conhecimento e países26. Algumas, relativamente óbvias, experiência própria insuficientes. O caso não foram aplicadas por norte-americanos, mais ilustrativo foi o da construção modular líderes em projeto e construção de submari- no Astute, mas nele também incidiu o Ohio.

26 Por seu equilíbrio político-institucional e econômico, consideramos a Austrália como um caso intermediário entre países desenvolvidos e os de desenvolvimento tardio.

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6 – Urgência em iniciar-se a construção no parágrafo acima. Há dois grupos desses sem que o projeto de construção esteja países. No primeiro estão os que reapare- suficientemente consolidado. Esta causa lham suas forças navais mediante projetos de problemas ocorreu em quase todos os e construções de navios no exterior ou por programas, exceto no Virginia. compras de navios já no meio ou na fase 7 – Otimismo excessivo nas previsões final de suas vidas úteis. Esse reapare- iniciais sobre custos e prazos. Nesta causa lhamento geralmente ocorre após longos de problemas incorreram quase todos os períodos, muito depois de os sistemas prin- programas. cipais terem descido a baixos níveis de dis- Em países desenvolvidos, lições impor- ponibilidade, confiabilidade e eficácia, e de tantes e temporariamente descartadas res- crescerem custos e dificuldades logísticas surgem e se reaplicam, cessadas as circuns- para sua manutenção. No segundo grupo es- tâncias extraordinárias tão os países de desen- que as eclipsaram. volvimento tardio que Elas voltam à cena, Será difícil superar tentam ascender além reforçadas por outras desse estado primário, resultantes da análise os obstáculos que se procurando construir de programas recen- antepõem à missão de uma base industrial de tes. Isto só é possível defesa e até mesmo porque nesses países construir a defesa nacional uma base logística de os programas se suce- indispensável. O primeiro defesa. [9] e [10] dem sem interrupção, e e decisivo passo é estudar Para o primeiro gru- porque existe o hábito po, as 40 lições são civilizado de documen- o problema realística e quase irrelevantes. Para tar e analisar técnico- profundamente, indo muito o segundo, são impor- gerencialmente cada tantes, mas difíceis de programa durante e além de considerações aplicar. Neste segun- após seu transcurso, estratégico-políticas do grupo é que nos tanto por instituições necessárias, mas claramente deteremos. Nele nos governamentais como incluímos. por entidades privadas. insuficientes O caso dos países de Exemplos marcantes desenvolvimento tardio desse fato são os pro- que tentam construir uma gramas Virginia, dos EUA; Astute, do Reino base industrial de defesa assim se resume: Unido; e Collins, da Austrália. Esta ainda 1 – O poder militar real de um país não iniciou a obtenção de uma nova classe de depende de uma robusta base industrial submarinos, mas a documentação e análises nacional de defesa, cuja montagem é obra dos Collins certamente estão sendo base para para décadas e cuja manutenção tem que formular-se o novo programa. ser ininterrupta. 2 – É impossível criar e manter uma Lições em países de desenvolvimento base industrial de defesa sem um fluxo tardio constante de projetos nacionais de meios bélicos e respectivas construções no país. Em países de desenvolvimento tardio, Projetos estrangeiros inevitavelmente im- o quadro é totalmente diverso do descrito plicam importar quase todos os sistemas

RMB1oT/2014 69 A BUSCA DE GRANDEZA – (IX) – CONHECIMENTO, EXPERIÊNCIA E PROGRAMAS NAVAIS – (Parte 3)

e equipamentos principais de navios de ou nunca poderiam ser aplicadas. Neles guerra [10]. Este fato é constantemente prevalecem historicamente ciclos de atraso subestimado ou ignorado em países de crônicos, iniciados sob o título de reapa- desenvolvimento tardio. relhamento e decorrentes de extremas ur- 3 – Fluxo constante de projetos e cons- gências operativas e quase obsolescências. truções de meios bélicos, nunca inferior Esses ciclos podem durar 20 anos ou mais. a um mínimo suficiente, requer provisão Começam com ponderáveis obtenções de contínua de recursos financeiros durante financiamentos e projetos estrangeiros, o várias décadas, historicamente além da que já praticamente exclui qualquer parti- capacidade dos países de desenvolvimento cipação significativa de uma base industrial tardio. Portanto, será necessário um forte e de defesa nacional. Continuam com cons- constante crescimento truções no exterior e econômico nacional, depois no país. Chegam combinado com a per- Será difícil superar ao ápice com a entrega cepção da importância dos primeiros navios econômica e militar de os obstáculos que se da classe. A partir daí uma base industrial de antepõem à missão de os recursos externos defesa, para que esta se escasseiam ou cessam, construa e mantenha. construir a defesa nacional e as necessidades logís- 4 – Mesmo haven- indispensável ao nosso país. ticas de operação e ma- do um forte e constan- Mas não será impossível. nutenção se impõem, te crescimento econô- quase todas dependen- mico nacional, susten- O primeiro e decisivo tes de base industrial tado por muitos anos, passo é estudar o problema de defesa no exterior. será indispensável: Até mesmo verbas em a) que a consciência realística e profundamente, moeda nacional podem nacional sobre desen- indo muito além de escassear. Completan- volvimento e defesa considerações estratégico- do o quadro, as funções evolua muito, até que logísticas de manuten- programas para apa- políticas necessárias, mas ção são emperradas por relhamento contínuo claramente insuficientes legislação não apropria- das Forças Armadas da à sua especificidade. tenham indispensável Consequentemente, du- prioridade e sustentação governamental; rante quase todo o ciclo crônico, os esforços b) que no País e nas próprias Forças se concentram em obter a máxima disponi- Armadas se perceba que o projeto nacional bilidade e confiabilidade dos navios diante de navios de guerra é o único instrumento de tantos obstáculos. Pouca ou nenhuma capaz de estimular e manter uma base perspectiva resta para constantemente industrial de defesa. Sem ele, ela perecerá analisar-se o passado recente e o futuro ou ficará atrofiada. próximo, e daí formular e conduzir uma À vista dos quatro pontos acima, pode sucessão de programas navais indispensá- parecer que as 40 lições sobre conheci- veis ao aparelhamento contínuo da Armada, mento e experiência em programas navais condição sine qua non para se aplicarem as sejam irrelevantes para todos os países de 40 lições e criar e manter uma base nacional desenvolvimento tardio, onde raramente industrial de defesa.

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Será difícil superar os obstáculos que ções estratégico-políticas necessárias, mas se antepõem à missão de construir a defesa claramente insuficientes. A esse primeiro e nacional indispensável ao nosso país. Mas decisivo passo devem dedicar-se os milita- não será impossível. O primeiro e decisivo res em seus cursos de alto nível, e os civis passo é estudar o problema realística e pro- em centros universitários e industriais. En- fundamente, indo muito além de considera- tão, as 40 lições serão de grande proveito.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Pensamento militar; Defesa; Desenvolvimento; Forças Armadas; Indústria Militar; Ciência e Tecnologia;

Referências

[1] “A Busca de Grandeza IX (Parte 1) – Conhecimento, Experiência e Programas Navais” – Vice- Almirante (Refo-EN) Elcio de Sá Freitas – Revista Marítima Brasileira – 4o trimestre de 2012. [2] “A Busca de Grandeza IX (Parte 2) – Conhecimento e Experiência em Programas Navais” – Vice- Almirante (Refo-EN) Elcio de Sá Freitas – Revista Marítima Brasileira – 2o trimestre de 2013. [3] MG-1128/2 – NAVY, Learning from Experience, Volume II: Lessons from the U. S. Navy Ohio’s, Seawolf and Virginia Submarine Programas Rand Ohio, Seawolf and Virginia – John F. Schank, Cesse IP, Frank W. Lacroix, Robert. E. Murphy – Lee – Rand Corporation – 2011. [4] MG-1128/4 – NAVY, Learning from Experience, Volume IV: Lessons from Australia’s Collins Submarine Program – John F. Schank, Cesse IP, Krystin N. Kamarck, Robert. E. Murphy, Mark. V. Arena, Frank W. Lacroix, Gordon. T. Lee – Rand Corporation – 2011. [5] Australia’s Domestic Submarine Design Capabilities – Options for the Future Submarine – John Birkler et al – Rand Corporation – 2011. [6] MG-1128/3 – NAVY, Learning from Experience, Volume III: Lessons from the United Kingdom’s Astute Submarine Program – John F. Schank, Frank W. Lacroix, Robert. E. Murphy, Cesse IP – Lee – Rand Corporation – 2011. [7] http://en.wikipedia.org/wiki/Concurrentengineering . [8] Base Industrial de Defesa – Eduardo Siqueira Brick – Seminário Sobre Indústria de Defesa – Escola de Comando e Estado Maior do Exército – Março de 2013. [9] “A Busca de Grandeza X – Cultura Militar, Desenvolvimento e Defesa” – Vice-Almirante (Refo- EN) Elcio de Sá Freitas – Revista Marítima Brasileira – 4o trimestre de 2013. [10] “A Busca de Grandeza X – Marinha e Desenvolvimento” – Vice-Almirante (Refo-EN) Elcio de Sá Freitas – Revista Marítima Brasileira – 4o trimestre de 2011.

RMB1oT/2014 71 A Família Real não saía sem ela

Ela navegava soberana pela Baía de Guanabara. Viveu dias de glória e pompa. A Família Real não passeava sem ela – a Galeota Imperial. Construída em 1808, em Salvador, na época da vinda de D. João VI para o Brasil, esteve em uso até os primei- ros governos republicanos. Modelo sem similar em toda a América, ainda conserva a sua realeza. A Galeota Im- perial foi detalhadamente restaurada para compor o acervo do Espaço Cultural da Marinha. Av. Alfred Agache, s/nº Centro. Aberto de terça a domingo, de 12 às 17h. Entrada franca. OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: Tarefas Básicas do Poder Naval para a proteção da Amazônia Azul1

(Parte 1)

Renato Rangel Ferreira* Capitão de Mar e Guerra (FN)

SUMÁRIO

Parte 1 Introdução A origem das Tarefas Básicas do Poder Naval Origem do conceito de Tarefas Básicas A Primeira Doutrina Básica da Marinha A evolução das Tarefas Básicas do Poder Naval Outras abordagens para as Tarefas Básicas do Poder Naval Marinha do Brasil Marinha dos Estados Unidos da América Real Marinha Britânica Outras Marinhas Parte 2 (a ser publicada na próxima edição) A Amazônia Azul O Poder Naval – perspectivas A proteção da Amazônia Azul – perspectivas Conclusão

1 Este artigo, adaptado da monografia de conclusão do Curso de Política e Estratégia Marítimas (2011) da Escola de Guerra Naval, será apresentado em duas partes. Esta primeira abordará os itens sobre a origem e a evolução das Tarefas Básicas do Poder Naval. * O autor recebeu a mensão especial “Distinção” e o Prêmio EGN ao final do C-PEM/2011, atualmente é o Imediato do Comando do Desenvolvimento Doutrinário do Corpo de Fuzileiros Navais. OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: Tarefas Básicas do Poder Naval para a proteção da Amazônia Azul – Parte 1

INTRODUÇÃO e a consolidação da unidade e integridade nacional após a independência. Possibilitou mar sempre teve grande importância a imigração de povos que conformaram a O para o desenvolvimento do ser huma- identidade da nossa população. Vivificou no. Levando e trazendo riquezas, culturas nosso comércio exterior. E, hoje, despon- e guerras. Unindo e afastando povos. Ao ta como uma enorme fonte de recursos longo da história, o mar desempenhou um energéticos, o que pode estimular a cobiça papel vital como fonte de recursos e meio internacional. para o transporte e para o exercício do Esta importância estratégica das Águas poder entre as sociedades. Jurisdicionais Brasileiras (AJB) foi destacada No século passado, o impacto do desen- em 2004 pelo Almirante de Esquadra Roberto volvimento tecnológico sobre os meios que de Guimarães Carvalho, então comandante da atuam no mar acentuou ainda mais a capa- Marinha, em seu artigo intitulado “Amazônia cidade que os Poderes Naval e Marítimo Azul”. Nele, foram ressaltadas as enormes di- dos Estados têm de influenciar eventos de mensões, riquezas e vulnerabilidades das AJB. seu interesse. Nesse período, não por acaso, O artigo inicia com um alerta emblemático: foram redefinidos os modos de atuação e “Toda riqueza acaba por se tornar objeto de de emprego das Marinhas, ao passo em cobiça, impondo ao detentor o ônus da pro- que se intensificava o teção” (GUIMARÃES intercâmbio entre os CARVALHO, 2004). países. O Almirante Guimarães Outro grande mérito Neste século XXI, Carvalho estava traçando desse artigo foi o de ter a globalização, par- cunhado a feliz expres- ticularmente sob o o rumo e descortinando são “Amazônia Azul”, aspecto comercial, o futuro da Marinha do um nome carregado de cujo alcance mundial Brasil para o século XXI simbolismo que traça é possibilitado por via um paralelo entre as marítima e facilitado demandas estratégicas pelas novas tecnologias da comunicação e da região amazônica e as das águas azuis do transporte, tornará ainda mais relevante de nossas AJB. O Almirante Guimarães a influência do mar. O planejamento para Carvalho, ao publicar seu artigo, estava, o desenho das Marinhas e das operações ao mesmo tempo, traçando o rumo e des- navais futuras terá que lidar com esta rea- cortinando o futuro da Marinha do Brasil lidade: o mundo globalizado estará muito (MB) para o século XXI. A Amazônia Azul mais dependente do comércio marítimo. passou a ser, desde então, a linha mestra A segurança marítima internacional e as da evolução do pensamento estratégico na operações navais passarão a ter, portanto, Marinha. um peso específico maior do que aquele que Ao longo de sua história, a MB teve três outrora tiveram (TILL, 2009). fases acentuadamente distintas. A primeira Da mesma forma como se observa sua fase, a da maritimidade, iniciada com a influência em perspectiva global, o mar independência do Brasil e concluída com a exerce também um papel central para o Bra- chegada da esquadra de 1910, caracteriza- sil. Foi o mar que trouxe o reino português, va-se pela hegemonia política da Marinha. e a sabedoria do “velho mundo”, para os A segunda fase se estendeu até a denúncia nossos trópicos. Contribuiu para a garantia do Acordo Militar Brasil-Estados Unidos,

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em 1977, sendo marcada pela grande rinhas, o seu output2. Em seu famoso artigo proeminência desse país e pela influência datado de 1974, e intitulado “Missions of the dos requisitos da guerra antissubmarino U.S. Navy” (TURNER, 1974), o almirante sobre a doutrina, o adestramento e o rea- explica a razão desta opção: parelhamento da Marinha. A terceira fase Ao se medir o valor do output em ter- caracteriza-se pela procura de autonomia mos de objetivos nacionais, o país pode no campo estratégico (VIDIGAL, 2002). racionalmente decidir como ele deve Apesar do rompimento formal do acordo alocar seus recursos para a Marinha. e da tomada de consciência acerca da ne- Categorias de input, como recursos cessidade de construção de uma Marinha humanos, navios, aeronaves e adestra- que atendesse a demandas estratégicas mento, são de pouca ajuda para tentar autóctones, uma mudança de postura e de determinar por que precisamos de uma mentalidade desta envergadura não ocorre Marinha ou, caso precisemos, qual de- da noite para o dia. É neste contexto que veria ser seu tamanho e o que ela deve se insere a relevância do debate sobre a estar preparada para fazer (TURNER, Amazônia Azul. Se a prioridade deixara 1974, p. 2, tradução nossa). de ser a guerra antissubmarino, qual seria o novo rumo? O artigo do Almirante Gui- Assim, as TBPN foram concebidas para marães Carvalho veio responder à questão. evoluir de acordo com o emprego planejado Desde então, e pelo século XXI adentro, o para uma determinada Marinha. Nas pala- imperativo estratégico da MB passou a ser vras do próprio Almirante Turner, no mesmo o de proteger as AJB. artigo: “As Marinhas não tiveram sempre Essa postura foi confirmada pela Es- cada uma dessas tarefas [as TBPN] e nem é tratégia Nacional de Defesa (END), que provável que esta lista de tarefas seja defini- data de 2008, e que redefiniu prioridades tiva” (TURNER, 1974, p. 3, tradução nossa). para a Defesa Nacional, enfatizando a Os conceitos constantes da DBM, importância do Atlântico Sul. A END faz particularmente as TBPN, são anteriores menção às Tarefas Básicas do Poder Naval ao surgimento do conceito de Amazônia (TBPN) que, por sua vez, são estabelecidas Azul e de toda sua consequente demanda na Doutrina Básica da Marinha (DBM). estratégica. Como se pôde perceber nas Este documento foi revisado, pela última palavras do Almirante Turner, novas de- vez, em 2004, sendo, portanto, anterior às mandas estratégicas alteram as capacidades orientações emanadas da END. requeridas e, consequentemente, novas A definição das capacidades das Mari- TBPN podem ser necessárias. nhas, traduzidas em TBPN, foi uma ideia Nesse contexto, a presente pesquisa tem concebida pelo Almirante Stansfield Turner, o propósito de verificar a adequabilidade da Marinha norte-americana (USN), com das atuais TBPN para a proteção3 da Ama- o propósito de forçar a reflexão em termos zônia Azul no século XXI e, se for o caso, daquilo que deve ser produzido pelas Ma- sugerir a atualização destas TBPN.

2 Neste trabalho, a palavra output será sempre empregada para fazer referência ao sentido adotado pelo Almirante Turner, neste contexto, como sendo os efeitos ou ações produzidas pelas Marinhas. 3 Segundo o Glossário das Forças Armadas, a proteção “envolve a reação contra qualquer ataque ou agressão real ou iminente, ou o ataque direto aos meios que possam representar ameaça, ainda que não iminente. Portanto, a tarefa de proteger confere ao comandante [...] a possibilidade de realizar ações ofensivas ou defensivas, ao passo que a tarefa de defender lhe permitiria realizar tão somente ações de natureza defensiva” (BRASIL, 2007b).

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Para tanto, serão definidos, logo de USN e possibilitaram a retomada de planeja- início, os conceitos básicos necessários às mentos que contemplassem novas formas de análises realizadas, investigadas a origem emprego do PN. No novo cenário estratégico das TBPN e as circunstâncias estratégicas que se prenunciava, a ênfase na deterrência que embasavam o emprego do Poder Naval estratégica deveria diminuir, tendo em vista (PN) na época. A seguir, será efetuada uma os acordos em andamento entre os EUA e comparação entre as atuais TBPN da MB e a União Soviética sobre a limitação de uso as de importantes Marinhas do mundo, iden- de armas estratégicas4. O número de crises tificando seus pontos comuns e divergentes regionais tendia a aumentar a demanda pelo e verificando as suas adequabilidades para a emprego de forças navais em conflitos de realidade nacional. Uma etapa importante na menor envergadura. construção deste trabalho será a análise da Uma pessoa de destaque neste processo evolução da mentalidade marítima brasileira de ressurgimento foi o Almirante Elmo que culminou com a formulação do conceito Zumwalt, que exerceu a função de chefe de Amazônia Azul, possibilitando, assim, a de Operações Navais no período de 1970 descrição de aspectos atinentes às deman- a 1974. Zumwalt enfrentou alguns grandes das estratégicas para a sua proteção. Será desafios: reduzir o número de navios das es- procedida, então, a análise das tendências quadras devido a restrições orçamentárias, futuras para o emprego do PN, sempre sob substituir os navios incorporados durante a a perspectiva da MB. Segunda Guerra Mundial e continuar a fa- Por fim, de posse dos elementos coleta- zer frente a uma Marinha soviética cada vez dos, será verificado se o conjunto das atuais mais forte e oceânica5. As linhas mestras TBPN possibilita a adequada proteção das para esta reestruturação estavam contidas AJB e serão formuladas recomendações em seu programa de trabalho, Project Sixty que possibilitem o seu aprimoramento. (HATTENDORF, 2004; 2007). Desta forma, o presente trabalho deverá O Project Sixty visava balancear a distri- contribuir para o aperfeiçoamento do PN buição dos meios de superfície, submarinos brasileiro e, consequentemente, para o e aeronavais, projetando um PN que pudes- fortalecimento da defesa dos interesses se fazer frente às novas demandas estraté- nacionais na Amazônia Azul. gicas, a despeito de eventuais reduções de efetivos e de meios. Os anos de Guerra Fria A ORIGEM DAS TAREFAS tinham criado nichos, onde preponderava o BÁSICAS DO PODER NAVAL emprego isolado de aeronaves e submari- nos que, em última análise, materializavam Origem do conceito de Tarefas Básicas a deterrência nuclear. O projeto retomava, então, a relevância das ações de superfície A distensão na Guerra Fria e a proximida- e enfatizava a necessidade de complemen- de do fim da Guerra do Vietnã estimularam o taridade no emprego dos diferentes meios ressurgimento do pensamento estratégico na navais (SWARTZ, DUGGAN, 2009).

4 Como exemplo, pode-se citar o Tratado de Mísseis Antibalísticos, assinado em 1972 pelo presidente norte- americano, Richard Nixon, e o secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Leonid Brezhnev, e que permaneceu em vigor até 2002 (HATTENDORF, 2007). 5 Em 1970, a Marinha soviética, dando uma demonstração de seu alcance global, realizou o exercício Okean ’70, onde 200 navios executaram manobras coordenadas e simultâneas nos Oceanos Atlântico, Pacífico e Índico e no Mar Mediterrâneo (HATTENDORF, 2007).

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Por ocasião da elaboração do Project Sixty, o Almirante MISSIONS OF THE U.S. NAVY Zumwalt contou com o auxílio do Vice-Almirante Stansfield by Turner, na época um contra- Vie Admiral Stansfield Turner, U.S. Naqvy almirante recém-promovido. President, Naval War College Em 1972, Turner foi indicado

para assumir o Naval War S T SEA CONTROL College, recebendo a tarefa de R D A E rever todo seu currículo, para T T aperfeiçoar o ensino do pensa- E E G R NAVAL PRESENCE I R mento estratégico naval. Ao fi- C E N nal de sua direção no colégio, o C PROJECTION Almirante Turner publicou um E OF POWER importante artigo – “Missions of the U.S. Navy” (TURNER, INTERDEPENDENT NAVAL MISSIONS 1974) –, no qual categorizava Figura 1 – A interdependência das TBPN em sua concepção original o emprego do PN em missões Fonte: TURNER, 1974, p. 2 (HATTENDORF, 2004). Conforme visto na introdu- negligenciar os novos requisitos que surgem” ção, a razão para essa categorização consistia (TURNER. 1974, p. 3, tradução nossa). As- na necessidade de organizar o emprego das sim, logo na primeira página do artigo, abaixo forças navais pelos efeitos produzidos, ou seu do título, o almirante estampou uma figura output. Este procedimento visava facilitar a emblemática, representada na figura 1. Nela, formulação de planejamentos estratégicos e podem ser visualizadas a interdependência e a o desenvolvimento de táticas, além de pos- superposição das missões, representadas por sibilitar um melhor entendimento por parte setas sobrepostas. do governo das atividades realizadas pela Essas missões elencadas por Turner Marinha, facilitando, desta maneira, o diálogo não pretendiam ser universais, e apenas entre civis e militares (TURNER, 1974). atendiam aos requisitos estratégicos da Outra razão importante era a de instruir USN naquela época, devendo evoluir com e reforçar alguns conceitos constantes do o tempo. Em sua concepção original, Tur- Project Sixty. Em particular, visava consoli- ner estabeleceu quatro missões: Controle dar duas ideias: a necessidade de se integrar de Área Marítima (CAM), Projeção de o emprego dos meios navais, quebrando os Poder sobre Terra (PPT), Presença Naval, nichos operacionais existentes; e reforçar a e Deterrência Estratégica. importância do emprego do PN no controle A expressão Controle de Área Marítima, das LCM, em detrimento da ênfase exagerada Sea Control em inglês, havia sido cunhada no emprego de submarinos, em decorrência por Turner para o Project Sixty. Ela preten- da deterrência estratégica. Na introdução do dia substituir o conceito do norte-america- artigo, o almirante comenta que “um exame no Alfred Thayer Mahan conhecido como da história demonstrará que os militares, Comando do Mar (Command of the Sea), algumas vezes, ficam tão hipnotizados pelas ou Controle do Mar (Control of the Sea), armas necessárias, ou empregadas, em uma por algo mais substantivo e que demons- tática ou missão particular que chegam a trasse a limitação imposta pelo advento dos

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submarinos e aviões à capacidade de que As Operações Anfíbias, segundo o con- dispunham as Marinhas, no passado, de ceito de interdependência das missões, po- comandar/controlar todos os mares. Assim, deriam ser empregadas em proveito das de- o Controle de Área Marítima6 deveria ser mais missões, como para o CAM. Por meio exercido em áreas e períodos de tempo limi- delas, poderiam ser conquistadas áreas em tados (HATTENDORF, 2007; SWARTZ, terra que apoiassem o desenvolvimento da DUGGAN, 2009; TURNER, 1974). guerra no mar. Como exemplo, Turner citou O tradicional conceito de Comando do a captura de Guadalcanal inviabilizando o Mar abrangia tanto a garantia do uso dos emprego de seu aeródromo pelos japoneses, mares para fins comerciais ou militares que poderiam usá-lo para interferir nas LCM quanto a negação de seu uso pelo inimigo. entre Pearl Harbor e a Austrália. Embora o novo conceito de Sea Control Além das Operações Anfíbias, a missão reduzisse o espaço e o tempo do controle, ele de PPT abrangia, ainda, o bombardeio na- continuou a apresentar este caráter dual, pois val e a projeção aerotática. O bombardeio nele as forças navais podiam ser empregadas servia para prover apoio direto às tropas, tanto ofensiva como defensivamente. Isto é, interditar o movimento de tropas inimigas e ele envolveria ações simultâneas, tanto as ameaçar suas operações. A projeção servia de imposição e exploração do controle do para destruir o potencial bélico inimigo, mar por uma força quanto as tentativas de para apoiar campanhas terrestres e dificultar negação deste controle por parte do inimigo. as campanhas inimigas (TURNER, 1974). Neste sentido, esta missão era apropriada A missão Presença Naval foi descrita por para a condução ou a proteção da guerra ao Turner como sendo o uso de forças navais, comércio e à defesa de costa. em missões não combativas, para conquistar Segundo Turner, a missão de CAM dois tipos de objetivos políticos: impedir era um requisito essencial para as demais ações hostis aos interesses dos EUA e seus missões e contribuía diretamente para aliados e encorajar ações que fossem do o atendimento dos seguintes objetivos interesse dos EUA e de seus aliados. Duas nacionais: assegurar o abastecimento de principais táticas poderiam ser empregadas: suprimentos industriais; reforçar/ressu- desdobramentos preventivos de força, em prir forças militares no exterior; prover a tempos de paz; e desdobramentos reativos de economia nos tempos de guerra e suprir força, em resposta a crises. No atendimento militarmente os aliados; e prover segurança a estas duas táticas, cinco tipos básicos de para as forças navais envolvidas na PPT operação podiam ser conduzidos para amea- (HATTENDORF, 2007; TURNER, 1974). çar outro país: assalto anfíbio, ataque aéreo, Se o CAM refinava e atualizava Mahan, bombardeio, bloqueio e a demonstração de a missão de Projeção de Poder sobre Terra, força por meio de reconhecimento. ao lidar com o impacto que as forças navais Embora pareça envolver menor grau de podiam exercer sobre a terra, vinculava- violência, este tipo de missão possui uma se aos preceitos do inglês Julian Stafford grande suscetibilidade de nível político. Corbett e consolidava todo o sucesso al- Assim, um ponto muito importante a ser cançado pelas Operações Anfíbias durante considerado por ocasião do cumprimento da a Segunda Guerra Mundial. Presença Naval se refere ao tamanho, à com-

6 A expressão Controle de Área Marítima foi usada na primeira DBM (1979a) e será utilizada neste trabalho como tradução para Sea Control, sempre com o sentido concebido pelo Almirante Turner.

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posição e ao tipo de operação a ser realizada nacionais, em detrimento de conceitos rela- pela força a ser empregada. Uma missão cionados à segurança coletiva do hemisfério. bem orquestrada pode complementar outras Essa postura culmina com a denúncia, por ações no campo da diplomacia e contribuir parte do governo brasileiro, do Acordo de para que sejam obtidos importantes ganhos Assistência Militar com os EUA, em março políticos, como, por exemplo, a dissuasão de 1977 (VIDIGAL, 1985). de um possível enfrentamento. Por outro Essa nova postura estratégica refletiu-se lado, na hipótese contrária, uma Presença nos documentos de alto nível elaborados Naval mal conduzida pode provocar perdas pelo Ministério da Marinha. A contribuição políticas inaceitáveis (TURNER, 1974). da MB para a segurança coletiva hemisfé- A missão Deterrência Estratégica de- rica baseava-se, a exemplo do ocorrido na senvolveu-se amplamente durante a Guerra Segunda Guerra Mundial, na proteção ao Fria, baseada principalmente no emprego tráfego marítimo, que era operacionalizada, de armas nucleares. Inicialmente, a adap- principalmente, por meio de operações an- tação destas armas a aeronaves embarcadas tissubmarino. Em contrapartida, a situação transformou os navios-aeródromos no política demandava a preparação para o principal vetor para ataques nucleares. Na emprego em segurança interna. Divergindo década de 1960, o surgimento da classe dessas duas tendências, as Políticas Básicas Polaris7 de submarinos nucleares ampliou e Diretivas Setoriais da MB, a partir de as possibilidades de uso de armas nucleares. 1975, passaram a considerar o emprego Estas missões desenhadas pelo Almi- do PN em guerras limitadas e em crises rante Turner foram institucionalizadas, em políticas sem a intervenção direta das su- março de 1975, no Posture Statement do perpotências (VIDIGAL, 1985; BRASIL, Almirante James L. Holloway III, chefe de 1971; 1975; 1976; 1977; 1979b). Operações Navais da USN. As missões da No espírito dessa década, dois impor- USN de então, com as devidas adaptações, tantes formuladores da estratégia naval vieram a constituir o que hoje se denomina brasileira contemporânea, o Almirante na MB de TBPN. O tópico a seguir apre- de Esquadra Mario Cesar Flores e o sentará o resultado da pesquisa sobre as Vice-Almirante Armando Amorim Fer- origens das atuais TBPN da MB. reira Vidigal, traçaram as linhas mestras para o emprego dos meios navais da MB. A Primeira Doutrina Básica da Marinha Em suas formulações, buscavam retirar a ênfase das ações de proteção ao tráfego A década de 1970 marca para a MB o marítimo, ressaltando a importância de início de sua caminhada autônoma no campo outras operações e ações de guerra naval: da estratégia naval. Conforme visto ante- Ora, apesar da ênfase que Mahan lhes riormente, a Guerra Fria entrava em fase de atribuía, as comunicações marítimas distensão e eclodiam conflitos regionais de nunca foram a única inspiração da menor envergadura. Na esfera interna, o País estratégia naval. Além dos dois pro- apresentava taxas elevadas de crescimento, e pósitos estratégicos relacionados com o governo do Presidente Geisel instituía uma essas comunicações – a segurança das política focada na identificação de interesses nossas e a interrupção das do inimigo

7 Classe de submarinos de propulsão nuclear, desenvolvida pela USN, que foi a primeira a incorporar a capacidade de lançar mísseis balísticos Polaris com ogivas nucleares (HUGHES Jr., 2000).

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–, as Marinhas sempre se preocuparam ofensiva e o bloqueio dos portos ou bases também com o uso do mar como via inimigas por submarinos. Nesse sentido, de projeção de poder – ou seja, com o a NUM, segundo os autores, deveria ser ataque ao litoral inimigo e com a defesa conduzida em águas inimigas (FLORES, do seu próprio litoral. VIDIGAL, 1976). Esses quatro grandes propósitos estra- Encerrando a década, em 1979, e conso- tégicos navais continuam válidos hoje, lidando toda essa efervescência intelectual, mas as injunções político-estratégicas e o Ministério da Marinha publica a primeira tecnológicas do mundo contemporâneo versão da DBM (BRASIL, 1979a). Ela estão enfraquecendo a posição da mul- incorpora algumas ideias do trabalho dos tissecular precedência dos dois primei- Almirantes Flores e Vidigal, embora sofra ros – a segurança do tráfego marítimo uma grande influência do artigo do Almi- e a negação do uso do mar (FLORES, rante Turner. VIDIGAL, 1976, p. 64). A DBM adota a expressão “Tarefa Os Almirantes Flores e Vidigal descre- Básica do Poder Naval” para representar o vem, então, os novos propósitos estraté- que Turner chamou de missão, e Flores e gicos que deveriam nortear o desenvolvi- Vidigal designaram como “propósito estra- mento do PN brasileiro. Eles destacaram, tégico”, isto é, o conjunto categorizado de como mais importante, a defesa do litoral, atividades realizadas pelas forças navais. O que deveria ser con- uso da palavra “tarefa” duzida por meio do enseja, a princípio, uma emprego de aeronaves Os Almirantes Flores postura extrovertida, para esclarecimento, pois vincula a MB com sensores, minagem e Vidigal descrevem os as demais esferas do defensiva e força de propósitos estratégicos Poder Militar, como se reação composta por que deveriam nortear o o output da MB em ter- aeronaves e embarca- mos de tarefa fosse pos- ções pequenas, rápidas desenvolvimento brasileiro sibilitar a consecução e bem armadas; este de um propósito mais modelo se assemelha à amplo. A expressão concepção da Jeune École. Outro propósito “propósito estratégico” indica, por outro elencado era o de impor uma ameaça a terri- lado, uma categorização introvertida e que tório inimigo por meio de forças aeronavais se encerra em si mesma, representando a ou anfíbias. A defesa do tráfego marítimo finalidade última de um determinado con- amigo e o ataque do tráfego inimigo com- junto de operações e ações de guerra naval. pletam o quadro que possibilitaria, ainda, o Essa primeira DBM, conforme visto exercício da persuasão, que, apesar de não anteriormente, foi redigida para atender à ser um propósito em si mesma, poderia ter demanda pela fixação de uma nova postura uma utilidade política (FLORES, VIDI- estratégica autônoma. Nesse sentido, os GAL, 1976). seus autores pretendiam preparar a Força Na análise sobre a interferência, ou ataque, para enfrentar situações impostas pelo ao tráfego militar marítimo do inimigo, os ambiente político do final da Guerra Fria. autores denominam de tarefa as ações para a Para fazer frente a possíveis evoluções da negação do uso do mar (NUM). Elas podem conjuntura internacional, incluíram, em sua ser classificadas em dois tipos: a minagem introdução, o seguinte parágrafo:

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Uma Doutrina como esta é influenciada determinada área, sendo, portanto, uma por fatores diversos, principalmente modalidade de CAM e não uma missão per políticos, militares e tecnológicos, emi- se. Convém lembrar que, por outro lado, os nentemente dinâmicos. Entretanto, o Almirantes Flores e Vidigal consideravam documento foi redigido de modo a asse- a NUM como sendo uma tarefa distinta da gurar à Doutrina uma relativa estabilidade, de CAM. Talvez esta diferenciação se de- embora sujeita a reajustes que a atualizem vesse ao porte da MB em relação ao poderio periodicamente (BRASIL, 1979a, p. xiii). naval da USN. Assim como na Jeune École, a NUM seria mais importante para PN de Percebe-se, pela leitura desta DBM, a menor expressão, vindo daí a razão para forte influência proveniente do artigo do que a DBM a elevasse ao nível de TBPN. Almirante Turner. As TBPN da DBM são Na DBM (1979a), a NUM consistia em semelhantes às missões do artigo. “dificultar o estabelecimento do controle de Assim, a missão de Sea Control passa a área marítima pelo inimigo ou a exploração ser a TBPN de Controle de Área Marítima. de tal controle para fins militares ou eco- Essa solução para designar tal tarefa atendia nômicos”, ficando claro que, para a defesa ao propósito apontado por Turner: afastar da costa, a negação do uso do mar “ao esta missão do conceito mahaniano de Do- inimigo constitui uma segurança inferior mínio ou Controle do Mar. As justificativas que o controle de área marítima fronteira apresentadas, tanto na DBM quanto no ao território que deseja proteger”. artigo de Turner, são praticamente idênti- A terceira TBPN é a de Projeção de cas, ambas com “a intenção de conotar um Poder sobre Terra, que, de forma idêntica controle mais realista em áreas limitadas e à missão de Turner, abrange as operações por períodos de tempo limitados” (BRA- anfíbias, o bombardeio naval e o aeronaval. SIL, 1979a; TURNER, 1974). Os propósitos também são semelhantes: O CAM, nesta DBM, servia para atingir conquistar área estratégica para a condução os seguintes propósitos: prover áreas de da guerra naval ou aérea; negar ao inimigo operações seguras para a PPT; prover segu- área capturada; apoiar operações em terra; rança às comunicações marítimas; permitir e destruir, ou neutralizar, instalações ini- a exploração e a explotação dos recursos do migas importantes. Segundo a DBM, esta mar; e dificultar, ou impedir, que o inimigo tarefa abrangeria também o ataque com execute as atividades anteriores. Fica clara, mísseis nucleares estratégicos lançados de nesta DBM, a opção pela adoção do CAM submarinos. na defesa de costa, em caso de necessidade A primeira DBM não considerou a mis- de defesa do litoral brasileiro “contra a são de Presença Naval, elencada por Turner invasão e os ataques procedentes do mar. como sendo uma TBPN. No entanto, juntou Efetivamente, esse controle é a mais efi- seus preceitos com os da missão de Con- ciente defesa que pode ser montada contra a tribuir para a Dissuasão Estratégica, com a projeção do poder inimigo através do mar” ressalva de que, apesar deste tipo de TBPN (BRASIL, 1979a). estar normalmente associado à capacidade A segunda TBPN definida na DBM, a de se lançar mísseis estratégicos nuclea- NUM, diverge conceitualmente dos precei- res, a dissuasão naval clássica poderia ser tos estabelecidos por Turner, que entendia concretizada pela “existência de um Poder que a NUM era apenas uma variação Naval adequado, que inspire credibilidade no grau de controle a ser exercido sobre quanto ao seu emprego e que evidencie

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essa credibilidade por atos de presença ou Outras abordagens para as Tarefas demonstração de força, quando e onde for Básicas do Poder Naval oportuno”. Cabe registrar a ambiguidade da doutrina que classificou o ataque com Alguns importantes estrategistas do final mísseis estratégicos nucleares, tanto nesta do século XX teorizaram sobre as missões TBPN quanto na PPT (BRASIL, 1979a). das Marinhas e conceberam diferentes Assim como as missões concebidas pelo formas de representar o conjunto de ações Almirante Turner visavam quebrar o nicho executadas pelas forças navais. operacional desenvolvido em função da Um desses teóricos foi o britânico Ken Guerra Fria, que forçava uma primazia do Booth, que, em 1977, escreveu o livro Na- emprego dos submarinos com propulsão e vies and Foreing Policy. O autor inicia a armamentos nucleares, a primeira DBM foi obra suscitando uma questão fundamental publicada para diversificar o emprego do que, segundo ele, deveria ser reiterada pe- PN brasileiro. Também devido à influência riodicamente: por que precisamos de uma da Guerra Fria, a MB, na época, focava o Marinha? E ele, então, procura fornecer, seu emprego nas ações antissubmarino. ao longo do livro, uma resposta à pergunta, Nesse sentido, ambas categorizaram todas destacando o papel das Marinhas na con- as operações de guerra naval, agrupando- dução da política externa de seus países. as em missões ou TBPN. Uma diferença Booth inicia sua análise definindo o que importante, no entanto, foi a de que a ele denominou de “trindade das funções USN fez questão de realçar a relevância navais”, que categoriza as formas como da interdependência e da superposição as Marinhas empregam seus meios, sendo dessas missões, como forma de integrar composta por uma vertente militar, outra suas diversas forças. A MB, apesar de ter diplomática e uma última policial. Os limi- se espelhado no artigo de Turner, não teve tes entre as vertentes não são claros, o que a mesma preocupação. dificulta a categorização de certas ações na- vais, como, por exemplo, a vertente policial A EVOLUÇÃO DAS TAREFAS implica, muitas vezes, o uso militar do PN. BÁSICAS DO PODER NAVAL Segundo o autor, a escolha desse tipo de categorização foi influenciada, entre outros, Após a investigação sobre as origens pelo artigo “Missions of the U.S. Navy”, do das TBPN, compreendendo o ambiente Almirante Turner (BOOTH, 1977). político e estratégico que provocou o seu A unidade da trindade de Booth é carac- surgimento, será realizada uma análise da terizada pelo fato de que todas as funções evolução dessas tarefas no tempo. Esse contribuem para um mesmo fim: o uso do exame será conduzido, inicialmente, pela mar. O mar seria, então, empregado pelas identificação de novas abordagens surgi- seguintes razões: transporte de pessoas das sobre o uso do mar pelas Marinhas. A e bens; passagem de forças militares; e seguir, será efetuada uma comparação das exploração de seus recursos. A primeira mudanças doutrinárias ocorridas, assim razão é precipuamente comercial. A segun- como das circunstâncias estratégicas, tanto da abrange o uso de força naval para fins no caso brasileiro como no dos EUA. As diplomáticos ou para o combate “no mar”, doutrinas marítimas do Reino Unido e de ou a partir “do mar”. A última diz respeito outras importantes Marinhas do mundo à sua exploração econômica ou científica. serão também consideradas neste processo. As Marinhas seriam, então, empregadas

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para atingir um desses objetivos, de acordo com a política externa do país, ou, inver- samente, para impedir que um inimigo os atinja (BOOTH, 1977). A “trindade das funções navais” pode ser representada graficamente por meio de um triângulo como o da figura 2. A base do triângulo é constituída pelo papel militar, por ser ele a essência das Marinhas. A capacidade de exercer, ou de ameaçar exer- cer, o uso da violência é o que possibilita o desempenho tanto do papel diplomático quanto do policial. As funções militares poderiam ser exercidas em tempos de paz (funções de equilíbrio de poder) ou de guerra Figura 2 – O triângulo do uso do mar de Booth (funções de projeção de força). Durante Fonte: BOOTH, 1977, p. 16 a paz, existiriam: a deterrência nuclear estratégica; a deterrência e a defesa Booth destaca, nas funções de projeção convencionais; a deterrência e a defesa de força que demandam ações mais violen- em locais distantes; e a manutenção da tas, a centralidade do uso do mar, de forma ordem internacional, apoiando o direito positiva ou negativa, de acordo com as ca- marítimo internacional. Durante a guerra, pacidades e os interesses a serem defendidos as funções de projeção de força seriam: por cada país. Assim, quando se pretende fazer frente a algum desafio no mar; usar o mar a seu favor, as Marinhas devem comandar área marítima; desafiar, ou buscar o “domínio do mar”, e quando bastar impedir, que o inimigo use o mar; usar opôr-se ao seu uso pelo inimigo, opta-se pela o mar para o transporte de tropa e supri- “negação do uso do mar”. mentos; usar o mar para projetar força As justificativas apresentadas por Booth em terra; e apoiar operações internacio- para buscar uma categorização da forma nais de manutenção da paz. As funções de emprego das Marinhas são, segundo policiais da Marinha dizem respeito às ele próprio, semelhantes às que levaram responsabilidades de sua guarda costeira o Almirante Turner a conceber as missões – preservação da soberania nacional, uso para a USN. A explicitação das funções dos recursos naturais e manutenção da ajuda a justificar a própria existência das boa ordem interna – ou às contribuições Marinhas, facilita a alocação de recursos e para o progresso do país. As funções a otimização dos sistemas de armas, além diplomáticas, por sua vez, referem-se: de “assegurar que os componentes de uma ao reforço às negociações do governo e Marinha foquem mais em seu conjunto do seus aliados; às manipulações da política que em alguma de suas partes” (BOOTH, externa com demonstrações de apoio a 1977, p. 24, tradução nossa). outros países ou pelo desenvolvimento Outro ponto importante dessa aborda- de outras Marinhas; e ao prestígio que gem, também alinhado com o pensamento possibilita projetar uma imagem favorá- do Almirante Turner, consiste no fato de vel do país (BOOTH, 1977). que ela não pretende ser universal. Segundo

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o autor, essa gama de funções não estará O autor, assim como Turner e Booth, ao alcance da maioria das Marinhas. E ele destaca o papel central da missão de CAM. prossegue: Ela é um pré-requisito para a maioria das Devido a limitações de vontade ou de missões de PPT, excetuando-se aquelas recursos, a maior parte das Marinhas terá cujos meios de projeção possuam uma que se restringir a exercer apenas algumas capacidade de “CAM inerente”, como são das funções aludidas, que poderão variar os casos dos submarinos nucleares ou de de acordo com o fluxo e o refluxo do poderosos grupos de batalhas. desenvolvimento nacional, dos aconteci- Em sua classificação da função diplomá- mentos mundiais e assim sucessivamente tica das Marinhas, Grove diverge de Booth (BOOTH, 1977, p. 25, tradução nossa). e adota as denominações propostas por Sir James Cable8: mostrar bandeira e diplomacia Outro estrategista naval importante nes- das canhoneiras. Para Booth, todas as mis- te processo de categorização das funções e sões da função diplomática não envolveriam missões das Marinhas foi o britânico Eric o uso da força, que permaneceria restrito à Grove, que escreveu o livro The Future of função militar. Segundo Cable, a função Sea Power, em 1990. Nele, ao projetar o diplomática, na missão de “diplomacia das futuro das Marinhas, Grove partiu da trin- canhoneiras”, pode abranger certo nível de dade de Booth para desenhar o seu primeiro uso de força, como aquela necessária para “triângulo do uso do mar” (figura 3), fazen- induzir uma ação inimiga ou criar um fato do algumas adaptações (GROVE, 1990). consumado. As missões sem uso de força Grove manteve a função militar como a seriam as de mostrar bandeira. Cabe regis- base do triângulo, por considerar, assim como trar que uma missão pode iniciar mostrando Booth, que esta é a razão de ser das Marinhas. bandeira e evoluir para “diplomacia da Dividiu esta função em três missões: projeção canhoneira” (GROVE, 1990). de poder sobre terra, controle de área maríti- No terceiro lado do triângulo, Grove pro- ma e negação do uso do mar. Restringiu estas põe uma denominação distinta da original de missões a apenas três por considerar que a Booth, ao substituir a função policial pela missão de deterrência estratégica se inseria na constabular9. As missões que a compõem de PPT; a de defesa do tráfego marítimo, na são: manutenção da soberania e da boa or- de CAM; e as de defesa de costa e de guerra dem; salvaguarda dos recursos nacionais; e de corso, na de negação do uso do mar. operações marítimas internacionais de paz.

8 O diplomata britânico Sir James Cable escreveu, em 1971, o livro intitulado Gunboat diplomacy: political ap- plications of limited naval force. Neste livro, o autor estabelece que a diplomacia das canhoneiras refere-se ao uso, ou ameaça de uso, de força naval limitada, não como um ato de guerra, e tem o propósito de garantir vantagem, ou evitar perdas, seja na promoção de um litígio internacional ou contra cidadãos estrangeiros em seu próprio estado. Estas ações poderiam ser de quatro tipos: força definitiva, que provoca um fato consumado, como a liberação de prisioneiros ou de navios capturados; força proposital, que é deliberadamente usada para alterar a postura de um governo; força catalítica, para emprego em situações de crise em que as características do poder naval de mobilidade, flexibilidade e permanência possibilitariam a regulação do nível de força ou ameaça a ser empregada; e força expressiva, que é empregada para enfatizar atitudes ou provocar reações favoráveis, sem a conotação explícita de ameaça como quando do emprego da força proposital (CABLE, 1971). 9 Para efeitos deste trabalho, será adotada a definição para a expressão constabular constante da Doutrina Ma- rítima Britânica: “O uso de forças militares para defender uma lei nacional ou internacional, mandato ou regime, com emprego mínimo de violência como um último recurso e após terem sido estabelecidas, isentas de qualquer dúvida razoável, evidências de violação ou de intenção de desafiar. [...] Também chamada de policial.” (REINO UNIDO, 2004, p. 248, tradução nossa).

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Figure 11.1 The ‘use of the sea’ triangle I Figure 11.2 The ‘use of the sea’ triangle II Figura 3 – O primeiro e o segundo triângulos do uso do mar de Grove Fonte: GROVE, 1990, p. 234-236

Grove prossegue em sua análise acrescen- tempo. Este estudo abrange todas as outras tando uma observação importante que também quatro edições da doutrina (BRASIL, 1981; já havia sido identificada por Booth: uma dada 1983; 1997; 2004). missão, ou operação naval, pode abranger mais As duas primeiras reedições (1981 e de uma função ou, visto por outro ângulo, 1983), em intervalos regulares de dois anos, as funções seriam interdependentes. Assim, indicavam que o Estado-Maior da Armada concebe uma nova representação gráfica, colo- (EMA) estava cumprindo o prescrito na pró- cando círculos interseccionados centrados nos pria doutrina, naquilo que se refere a proceder vértices do triângulo. Este segundo triângulo, atualizações periódicas de seu conteúdo de mostrado na figura 3, consegue representar forma a mantê-la coerente com eventuais melhor algumas situações reais. Cabe salientar evoluções estratégicas ocorridas. As versões que os diâmetros dos círculos devem variar de 1997 e 2004 deixaram de determinar – e de de Marinha para Marinha, de acordo com efetuar – a atualização periódica da doutrina. a importância que cada função representa O estudo realizado revelou que as TBPN para seus respectivos países. Ao denominar praticamente não se alteraram desde sua estes círculos, a função diplomática passou a primeira versão, em 1979; apenas um ser “interesse nacional”, a constabular, “lei e pequeno ajuste foi realizado na tarefa de ordem”, e a militar, “confronto Leste-Oeste”. Contribuir para a Dissuasão Estratégica, Esta última denominação deveu-se ao fato de que na DBM de 1997 passou a ser desig- o triângulo ter sido concebido sob o contexto nada como Contribuir para a Dissuasão. da Guerra Fria (GROVE, 1990). Com exceção desta alteração, até mesmo os textos explicativos de cada uma das Marinha do Brasil TBPN sofreram poucas alterações textuais e, praticamente, nenhuma evolução con- Tendo sido realizada a análise da Primei- ceitual. A seguir serão apresentados, de ra Doutrina Básica da Marinha, passou-se a forma resumida, outros aspectos de relevo investigar a evolução da DBM ao longo do identificados pelo estudo:

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– desde a primeira edição, a impor- USN, tendo como referência as diferentes tância do CAM é destacada em relação tarefas ou missões elencadas em diversos às demais TBPN; documentos doutrinários por ela publicados. – um aspecto que quase não sofreu A análise inicia-se com o Project Sixty alteração, em todas as edições, foi o (1970), do Almirante Elmo Zumwalt, e o emprego do CAM para a defesa da artigo “Missions of the U.S. Navy” (1974), costa brasileira contra “invasão e ata- do Almirante Turner. Conforme visto, este ques procedentes do mar”. Segundo as texto possui uma importância crucial, pois DBM, esse controle é a “mais eficiente foi nele que se divulgou o conceito de defesa que poderá ser articulada contra missões, ou Tarefas Básicas, das Marinhas. a projeção do poder inimigo por mar”; O último documento analisado foi o Naval – a tarefa de NUM apresenta, desde Doctrine Publication 1 – Naval Warfare, a primeira edição, o mesmo texto, se- de 2010, que contém a doutrina naval em gundo o qual esta TBPN é, geralmente, vigor na USN. a opção de emprego adotada pelos PN Neste período de 40 anos, entre 1970 que não têm condições de estabelecer o e 2010, a USN publicou um total de 41 CAM. A doutrina destaca que, sob “o documentos estratégicos e/ou doutrinários, ponto de vista da defesa [do litoral] con- sendo 39 até 2009 e mais dois em 2010. tra a projeção de poder sobre terra, negar Dentre estes, 13 promoveram alterações o uso do mar ao inimigo constitui uma nas Tarefas Básicas da USN. A evolução segurança inferior ao controle efetivo da destas alterações pode ser observada na área marítima fronteira ao território que tabela 1, cabendo destacar alguns pontos se deseja proteger”; e de interesse: – a TBPN de Contribuir para a Dis- – a denominação “missão” evoluiu, suasão manteve a referência, presente passando para “função”, “papel”, “ca- nas demais versões, aos atos de presença pacidade marítima”, até chegar à atual, naval e de demonstração de força. Esta “capacidade fundamental”; TBPN incorpora, em 2004, um conceito – a quantidade de missões, que se que a vincula diretamente às outras três iniciou com quatro, sofreu diversas tarefas: “esta Tarefa Básica representa alterações, sendo reduzida para três ou o corolário da efetiva capacidade de aumentada até 13. Ao todo, 29 diferentes concretizar as três anteriores”. missões foram enunciadas; – as quatro missões iniciais do Almi- Concluindo a comparação entre as di- rante Turner – CAM, PPT, Presença Na- versas edições da DBM, constatou-se que val e Deterrência Estratégica – serviram nenhuma delas fez menção ao principal de referência para as outras doutrinas. ponto destacado pelo Almirante Turner: a Apesar disso, suas denominações e, interdependência e a complementaridade principalmente, seus embasamentos das TBPN. conceituais foram bastante alterados ao longo dos anos, adaptando-se a novas Marinha dos Estados Unidos da circunstâncias estratégicas; América – eventos políticos e estratégicos foram os responsáveis pelas principais Apresenta-se, neste subitem, um estudo mudanças, permitindo denotar um sobre a evolução da doutrina marítima da vínculo entre o desenho de uma nova

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TABELA 1 Evolução das missões da Marinha Norte-Americana de 1974 a 2010 1974 1975 1978 1992 1992 1994 1994 1997 2002 2006 2007 2010 ANO 1982-1990 Sea Power 21 Sea Plan 2000 Naval Warfare Naval Warfare ... From the Sea DOCUMENTO Maritime Strategy Century Seapower Anytime, Anywhere The Navy Policy Book Foward... From the Sea Mission of the US Navy Naval Operations Concept Strategic Concepts of the USN Naval Doctrine Publication 1 – Naval Doctrine Publication 1 – A Cooperative Strategy for 21st Missão Missão Missão Missão Missão Missão Missão Função Função Marítima CLASSE Capacidade Capacidade Capacidade Fundamental Fundamental Papel Função

CAM (Sea Control) x x – x x x x x – x x x x Projeção de Poder x x – x x x x x x x x x x Presença Naval x – – – x x x x x x x x x Deterrência Estratégica x x – – x x x x x x – – – Segurança das LCM – x x – – – x – – – – – – Desdobramento Avançado – x x – – – – – – – – – – Uso Gradual de Força contra Terra – – x – – – – – – – – – – Superioridade no Mar – – x – – – – – – – – – – Reforço aos Aliados – – x – – – – – – – – – – Pressão sobre os soviéticos – – x – – – – – – – – – – Limitar as incertezas do futuro distante – – x – – – – – – – – – – Transporte Marítimo – – – x – x x x – x – – – Deterrência Convencional – – – – – – x – – – – – – Operações Navais de Não Guerra – – – – – – x – – – – – – Operações Conjuntas – – – – – – x – – – – – – Negar o uso do mar – – – – – – x – – – – – – Proteção de Apoio Logístico Naval – – – – – – x – – – – – – Controle de Mar e de Área – – – – – – – – x – – – – Resposta a Crises – – – – – x – – – – x – – Segurança Marítima – – – – – – – – – – x x x Deterrência – – – – – – – – – – x x x Cooperação para a Segurança – – – – – – – – – – x – – Operações Civis-Militares – – – – – – – – – – x – – Contrainsurgência – – – – – – – – – – x – – Contraterrorismo – – – – – – – – – – x – – Contraploriferação – – – – – – – – – – x – – Defesa Aérea e de Míssil – – – – – – – – – – x – – Operações de Informação – – – – – – – – – – x – – Assist.Humanitária/Resposta a Desastres – – – – – – – – – – – x x

Fonte: SWARTZ, DUGGAN, 2009; EUA, 1994b; EUA, 2010a.

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doutrina e suas tarefas e o contexto em do fim da Guerra Fria. A USN buscaria que elas se inseriam. Assim, eventos de se engajar mais em problemas regionais, porte, como o fim da Guerra Fria ou os buscando mitigar crises antes que elas se atentados terroristas de 11 de setembro, transformassem em guerras. Os conceitos provocaram alterações de tarefas; de entrada força, desdobramento avançado – as tarefas de Transporte Marítimo para resposta a crises e emprego em opera- e Segurança Marítima, que não foram ções humanitárias passaram a ocupar papel consideradas por Turner, apareceram de destaque nas novas doutrinas. em diversas versões doutrinárias poste- A NUM é raramente citada nestes docu- riores, caracterizando sua importância; e mentos doutrinários, sendo compreendida – os documentos doutrinários recen- como uma instância do próprio CAM. tes passaram a enfatizar a importância Nos documentos mais recentes, desde o de se empregar a Marinha para prover A Cooperative Strategy for 21st Century assistência humanitária e mitigar crises. Seapower, de 2007, até o Naval Operations Concept e o Naval Doctrine Publication 1 – A missão de CAM (Sea Control) sempre Naval Warfare, ambos de 2010, o conceito ocupou um papel central e, muitas vezes, de NUM foi expandido e substituído pelo preponderante em relação às demais mis- de “Antiaccess – Area Denial”10, também sões. Mesmo quando, em 1992 e 1994, os conhecido por A2/AD. Estes novos con- documentos “...From the Sea” e “Foward ceitos abrangem o uso de sistemas diver- ...from the Sea” marcaram um ponto de sificados de armas para impedir o acesso, inflexão no emprego da USN, que, com o pelo mar, de forças navais que ameacem a fim da Guerra da Fria mudou sua postura costa que se pretende defender. baseada em preceitos mahanianos de domí- Os documentos, desde 2006, passaram nio do mar para uma abordagem como a de a dar mais ênfase à segurança marítima, Corbett, que valorizava o emprego a partir transformando-a em Tarefa Básica, tendo do mar, influenciando os acontecimentos em vista a necessidade de proteger o terri- em terra, o CAM era apontado como uma tório norte-americano de ameaça no mar e missão que habilitava a ocorrência de todas a partir do mar, assim como de assegurar as outras. Esta ideia pode ser percebida o fluxo adequado do comércio marítimo. ainda nos documentos mais recentes: “O Estas evoluções refletem o impacto da Controle de Área Marítima é a base da globalização e da ameaça terrorista sobre a primazia do Poder Naval” (EUA, 2010b, doutrina marítima, sendo um bom exemplo p. 29, tradução nossa). da necessidade constante de atualização Esses documentos enfatizam a interde- das Tarefas Básicas, conforme previsto por pendência entre as missões, conforme esta- Turner em seu artigo. belecido por Turner em seu artigo, e, apesar As informações coletadas nas pesquisas da centralidade do CAM, a importância realizadas nas doutrinas da MB e da USN da PPT foi bastante impulsionada a partir foram consolidadas nos quadros 1, 2 e 3.

10 O Naval Operations Concept estabelece que uma tarefa de antiacesso ocorre quando “um adversário visa pre- venir ou retardar a capacidade dos EUA e seus aliados de se aproximarem do Teatro de Operações e acessar, especialmente em áreas litorâneas, a partir do mar aberto”, e a tarefa de negação de área ocorre quando “um adversário visa degradar ou negar a eficácia operacional ou a liberdade de ação dos EUA e seus aliados den- tro do Teatro de Operações, negando a capacidade dos EUA de conduzir operações no interior e em vários domínios, ou a capacidade dos EUA de projetar poder sobre terra” (EUA, 2010b, p. 54, tradução nossa).

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O quadro 1 compara as versões iniciais a USN; e NUM na DBM. As semelhanças das TBPN, da USN e da MB. Existem três apontadas reforçam a ideia de que as TBPN TBPN coincidentes: CAM, PPT e Deterrên- da MB foram influenciadas pelas da USN. cia Estratégica. As doutrinas diferem ape- O quadro 2 compara a evolução das nas na quarta tarefa: Presença Naval para TBPN, da MB e da USN, desde 1979 até QUADRO 1 Comparação das Primeiras Tarefas Básicas do Poder Naval da Marinha do Brasil e da Marinha dos EUA

MB USN OBSERVAÇÕES 1979 1974 Controle de Área Marítima Controle de Área Marítima Os conceitos são idênticos nas duas Marinhas Projeção de Poder sobre Terra Projeção de Poder sobre Terra Os conceitos são idênticos nas duas Marinhas Contribuir para a Dissuasão Para a USN, esta TBPN refere-se, principalmente, à Deterrência Estratégica Estratégica capacidade de lançar armamento nuclear Negação do Uso do Mar – A USN não considera a NUM como uma Tarefa Básica Na DBM, os conceitos referentes à Presença Naval foram – Presença Naval inseridos na descrição da TBPN de Contribuir para a Dissuasão Estratégica

Fonte: BRASIL, 1979a; TURNER, 1974 QUADRO 2 Comparação da Evolução das Tarefas Básicas do Poder Naval da Marinha do Brasil e da Marinha dos EUA 1979 1981/1983 1997 2004 2011 MB MB MB MB MB Controle de Área Marítima Controle de Área Controle de Área Controle de Área Controle de Área Marítima Marítima Marítima Marítima Projeção de Poder sobre Projeção de Poder sobre Terra Projeção de Poder Projeção de Po- Projeção de Poder Terra sobre Terra der sobre Terra sobre Terra Contribuir para a Dissua- Contribuir para a Dissuasão são Estratégica Contribuir para a Dis- Contribuir para a Contribuir para a suasão Estratégica Dissuasão Dissuasão Negação do Uso do Mar Negação do Uso do Mar Negação do Uso do Negação do Uso Negação do Uso do Mar do Mar Mar USN USN USN USN USN Superioridade no Mar Controle de Área Controle de Mar Controle de Área Controle de Área Marítima Marítima e de Área Marítima Uso Gradual de Força Projeção de Poder sobre contra Terra Projeção de Poder Projeção de Projeção de Poder Terra sobre Terra Poder sobre Terra Desdobramento Avançado Deterrência de Forças Transporte Marítimo Deterrência Deterrência Estratégica Presença Naval Avançada Segurança das LCM Presença Presença Naval Avançada Segurança Marítima Reforço aos Aliados Transporte Marítimo Assistência Humanitária e Pressão sobre os soviéticos Estratégico Resposta a Desastres

Limitar as incertezas do futuro

Fonte: BRASIL, 1979a, 1981, 1983, 1997, 2004; EUA, 2020, 2010a; HATTENDORF; SWARTZ, 2008; SWARTZ; DUGGAN, 2009

RMB1oT/2014 89 OPERAÇÕES NAVAIS NO SÉCULO XXI: Tarefas Básicas do Poder Naval para a proteção da Amazônia Azul – Parte 1

QUADRO 3 Comparação das Atuais Tarefas Básicas do Poder Naval da Marinha do Brasil e da Marinha dos Estados Unidos

MB USN 2004 2010 Controle de Área Marítima Controle de Área Marítima

Projeção de Poder sobre Terra Projeção de Poder sobre Terra

Contribuir para a Dissuasão Deterrência

Negação do Uso do Mar –

– Presença Naval Avançada

– Segurança Marítima

– Assistência Humanitária e Resposta a Desastres

Fonte: BRASIL, 2004; EUA, 2010a

2011. O cotejamento efetuado possibilitou ção do manual The Fundamentals of British identificar uma diferença de postura doutri- Maritime Doctrine substituiu o The Naval nária: a DBM, menos flexível, não alterou War Manual que continha a doutrina anterior. suas TBPN no decorrer do período consi- Nos anos de 1999 e 2004, foram publicadas derado; a doutrina da USN, mais flexível, as segunda e terceira edições, que passaram a introduziu diversas alterações, conforme já ser denominadas: British Maritime Doctrine havia sido identificado na tabela 1. (Reino Unido, 1995, 1999, 2004). O quadro 3 estabelece uma comparação A leitura e a comparação dessas três direta entre as TBPN atualmente em vigor edições permitem destacar alguns pontos na MB e na USN. Ele indica que a catego- de interesse sobre o desenvolvimento rização adotada pela USN representa uma doutrinário desta Marinha, tão importante gama mais ampla e atualizada de tarefas, e influente. O primeiro deles é que todas as abrangendo também atividades não com- edições são enfáticas em registrar que dou- bativas. As Tarefas Básicas previstas na trina não é dogma, e que ela precisa evoluir atual doutrina da USN, denominadas de à medida que os fundamentos estratégicos capacidades fundamentais, são as seguin- que a embasam se alteram. tes: Presença Naval Avançada; Deterrência; A Real Marinha Britânica (RMB) adotou CAM (Sea Control); PPT; Segurança Marí- um modelo de categorização das funções tima; e Assistência Humanitária e Resposta militares semelhante aos triângulos de Booth a Desastres. e Grove (figuras 2 e 3), e que abrange tarefas constabulares, benignas e militares, sendo Real Marinha Britânica que esta última se divide em CAM (Sea Control), ou “no mar”, e Projeção de Poder, Apresenta-se, neste subitem, um resumo ou “a partir do mar”. As doutrinas salientam do estudo das três últimas edições da doutrina a interdependência necessária entre estas marítima desta Marinha. Em 1995, a publica- tarefas e funções, explicando que muitas

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missões abrangem mais de uma função, A classe de tarefas denominada de benig- podendo ser, por exemplo, ao mesmo tempo na difere da classificação de Booth e Grove, militar e constabular. Neste sentido, a tarefa que a chamavam de diplomática. Estas tare- de CAM é prerrequisito para quase todas as fas abrangem: operações humanitárias e de demais tarefas e operações, não devendo ser resposta a desastres; operações de promoção considerada um fim em si mesma. da paz; busca e salvamento; assistência mili- Embora as tarefas tenham sofrido so- tar à comunidade civil; e assistência militar a mente pequenas alterações de denomina- outros países. Esta categorização adotada foi ção, as descrições dos conceitos que as em- criticada pelas demais Forças Armadas bri- basam evoluíram com o tempo, na busca de tânicas pelo uso da palavra “benigna”, que uma adequação às mudanças estratégicas. leva ao entendimento de que as operações Em todas as versões, a NUM não constitui não benignas seriam, consequentemente, uma tarefa isolada, sendo considerada parte consideradas como malignas. integrante da tarefa de CAM, da qual não Na segunda edição (1999), após o fim pode se distinguir. da Guerra Fria, houve um incremento na As tarefas militares de CAM abrangem postura expedicionária, cujas principais as operações contra as forças inimigas no características são a mobilidade estraté- mar e a proteção ao tráfego marítimo. Já as gica e a flexibilidade. Acrescentou-se um tarefas militares de PPT abrangem: a deter- novo método de atingir a NUM com o rência nuclear; as operações de combate emprego de baterias de mísseis superfície- contra a terra; as operações de combate em superfície ao longo da costa. Na função defesa de forças terrestres; as operações de constabular, acrescentou as operações de evacuação de não combatentes; o emprego contra insurgência e realçou a crescente de forças navais em apoio à diplomacia; e importância das operações de garantia da as operações de apoio à paz. É interessante lei e da ordem no mar, a ser exercida nas destacar a inclusão da deterrência estratégi- águas jurisdicionais. ca como parte da PPT, em posição diversa A versão de 2004 incorporou as evolu- das funções elencadas pelo Almirante Tur- ções doutrinárias decorrentes das alterações ner, que considerava estas duas atividades estratégicas ocorridas após os atentados como sendo duas missões distintas. terroristas de 11 de setembro e a Guerra do Na classe de tarefas constabular, ou po- Iraque em 2003, reforçando o conceito de licial, a doutrina manteve as duas opções de flexibilidade da doutrina ante as mudanças denominação, que fazem referência aos tri- do ambiente político e estratégico. A últi- ângulos dos estrategistas britânicos Booth ma versão da classificação das funções do e Grove (figuras 2 e 3), respectivamente. A Poder Marítimo britânico apresenta as se- doutrina britânica insere nesta classificação guintes tarefas: Militar de CAM; Militar de operações realizadas em águas territoriais PPT, Constabular (ou Policial); e Benigna. ou não, sendo exemplo: a imposição de quarentena, de sanções econômicas e de Outras Marinhas embargos; a imposição da lei e manutenção da boa ordem no mar (incluem a proteção Após a análise da evolução das TBPN na à pesca, as patrulhas em plataformas de MB, USN e RMB, passou-se a investigar as petróleo e o combate à pirataria, ao narco- doutrinas navais dos seguintes países: África tráfico e ao terrorismo); e as operações de do Sul, Austrália, Canadá, Chile, Coreia do manutenção da paz. Sul, Espanha, França, Índia, Portugal e Rús-

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sia. O estudo destes documentos encontra-se A utilização da categorização do emprego consolidado na tabela 2. As principais obser- do PN em funções, missões ou tarefas, em vações a respeito são apresentadas a seguir. todas as Marinhas analisadas, busca espelhar Com relação ao tipo de categorização todo o espectro de atividades realizadas, des- adotado pelas Marinhas, notou-se a influên- de as praticadas nos tempos de paz até aquelas cia dos estrategistas navais britânicos – Ken de combate. Neste contexto, destacam-se as Booth e Eric Grove – sobre a maior parte atividades relacionadas ao bom uso do mar das doutrinas estudadas. As Marinhas de (também denominadas de Policiais, de Cons- África do Sul, Austrália, Canadá, Chile, tabulares, de Garantia da Lei e da Ordem no Índia e Portugal, além da própria RMB, Mar, de Imposição da Lei no Mar, de Ações adotam variações dos triângulos do uso do de Estado no Mar etc.) e as diplomáticas mar de Booth (figura 2) e Grove (figura 3). (também denominadas de Benignas, de De- Apesar da preponderância da influência monstração de Força, de Presença Naval etc.). do pensamento britânico, percebe-se tam- As tarefas elencadas pelas doutrinas de- bém o emprego da terminologia usada pelo monstraram preocupação com temas atuais, Almirante Turner. Assim, as missões de PPT como, por exemplo, pirataria, narcotráfico, e de CAM (Sea Control) são empregadas, poluição, resposta a crises e desastres, ações respectivamente, por oito e sete das dez Ma- humanitárias e com o aumento do emprego do rinhas estudadas (excetuando-se nesta conta a PN em tarefas expedicionárias a partir do mar. MB, a USN e a RMB). A missão de Presença As Marinhas de Rússia, Chile, Austrália Naval e a de Deterrência são empregadas por e África da Sul definiram a Defesa de Costa cinco Marinhas. Cabe a ressalva, no entanto, como uma Tarefa Básica. que, entre os países que preveem a tarefa de Existe uma grande diversidade de fun- deterrência, quatro (França, Índia, Reino Uni- ções, missões e tarefas entre as diversas do e Rússia) possuem a capacidade de lançar doutrinas. As diferenças são tanto de de- artefatos nucleares, e apenas a Marinha da nominação apenas quanto de seleção sobre Coreia do Sul adotou esta tarefa sem possuir quais atividades realizadas por determinada capacidade para tanto. marinha serão categorizadas. Assim, a Ar- No tocante à centralidade da tarefa de CAM mada espanhola possui apenas duas Tarefas em relação a praticamente todas as demais Básicas, CAM e PPT, enquanto a Marinha tarefas e missões das Marinhas, constatou-se francesa possui cinco funções, divididas em que esta ideia está presente, de forma explícita, 19 tarefas, e a Marinha do Chile possui três nas doutrinas de RMB, Austrália e África do funções e 34 tarefas. Percebe-se que não Sul, e de forma implícita nas demais. existe um padrão universal de categorização. A TBPN de NUM só é considerada como Outro ponto que chamou a atenção foi a tal nas doutrinas das Marinhas canadense, apresentação dos documentos doutrinários. sul-africana e australiana11. Nestas doutrinas, As doutrinas marítimas consultadas, parti- a NUM é considerada como Tarefa Básica, cularmente as de África do Sul, Austrália, ou como conceito estratégico, possuindo Canadá, Chile, Índia e Portugal, possuem sempre um vínculo estreito com o CAM, uma diagramação amigável e fotos e grá- havendo previsão de ambas as tarefas ocor- ficos bem elaborados, nos moldes dos do- rerem simultaneamente em áreas distintas. cumentos doutrinários da USN e da RMB.

11 Cabe o registro de que o estudo realizado, constante do Apêndice E, observou haver grande semelhança textual entre as doutrinas das Marinhas sul-africana e canadense.

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TABELA 2 Consolidação das Funções, Missões e Tarefas Básicas de Marinhas do mundo

PAÍS MARINHA ÁFRICA DO SUL AUSTRÁLIA CANADÁ CHILE SUL DO COREIA ESPANHA FRANÇA ÍNDIA PORTUGAL REINO UNIDO RÚSSIA

Triângulo de Booth e Grove ou similares* x x x x – – – x x x – Militar – CAM (no mar) x x x – – – – x – x – Militar – PPT (a partir do mar) x x x – – – – x – x – Militar de Guerra – – – x – – – – – – – Militar de Não Guerra – – – x – – – – – – – Diplomática x x x – – – – x – – – Policial x – – – – – – – – – – Funções ** Constabular – x x – – – – x – x – Contribuição para o Desenvolvimento Nacional (Desenvolvimento econômico, – – – x – – – – x – – científico e cultural) Benigna – – – – – – – x – x – Defesa militar e apoio à política externa – – – – – – – – x – – Segurança e autoridade do Estado – – – – – – – – x – – CAM (Sea Control) x x x x x x – x – x – Projeção de Poder x x x x x x x x x x – Missões *** Presença Naval x x x – – – – x x – x Deterrência (Nuclear ou Convencional) – – – – x – x x – x x (Estratégia ou Subestratégia) Negação do Uso do Mar x x x – – – – – – – – Esquadra em Potência – – x – – – – – – – – Interdição e Ataque Marítimo (Ataque a x x x – – – – – – x – Forças Navais) Defesa de Costa (em Camadas) x x – x x – x x – – x Proteção do Tráfego Marítimo (Segurança Marítima – Controle Naval – Plataforma x x – x – – – x x x – Tarefas de Petróleo e Gás) (Transporte Marítimo) **** Apoio a Operações em Terra e no Ar x x – – – – – – – x – Busca e Salvamento x x x x – – – – x x – Assistência a Forças Estrangeiras Aliadas (Contribuição à Confiança Mútua – Co- x x x x – – – x – x – operação) Assistência Humanitária e Resposta a x x x x – – – x – x – Desastres

(CONTINUA)

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PAÍS MARINHA ÁFRICA DO SUL AUSTRÁLIA CANADÁ CHILE COREIA DO SUL ESPANHA FRANÇA ÍNDIA PORTUGAL REINO UNIDO RÚSSIA

Diplomacia Naval (Preventiva) (Uso – x x – – – x – x – – Simbólico) Sanções, Embargos e Quarentena x x – x – – – – – x – Proteção da Soberania Marítima – – x – x – – – – – x Intervenção – – – – – – x – – – – Manutenção da Boa Ordem no Mar (Ope- rações Contra Ameaças Assimétricas – Operações Marítimas de Baixa Intensi- dade – Antipirataria – Contranarcotráfico) (Ações de Estado no Mar) (Aplicação x x – x – – x x x x – da Lei contra Delitos) (Vigilância, Fis- calização e Policiamento) (Prevenção e Combate à Poluição do Mar) (Plataforma de Petróleo e Gás) Coerção x x x x – – – x – x – Vigilância e Coleta de Inteligência x x – – – – – – – – – Cobertura x x – – – – – – – – – Operações de Força Avançada x x – – – – – – – – – Tarefas Contenção e Despistamento x x – – – – – – – – – **** Operações de Barreira (Bloqueio) x x – – – – – – – – – Assistência à Comunidade Civil (Estados de Exceção e Proteção Civil) (Cooperação x x x – – – – – x – – Civil-Militar) Proteção e Gerência de Recursos e do Meio Ambiente (Segurança das Atividades Econômicas Marítimas, Proteção da Pes- x x x x x – x – – x x ca) (Gerência de Oceanos) (Promoção de Interesses Nacionais Marítimos) Contribuição para a Paz (manutenção, x x x x x – – x – x x imposição, construção) Desdobramento Preventivo – – x x – – – – – – – Operação de Evacuação de Não Com- x x x x – – – x x x – batentes Consolidação de Políticas Especiais de – – – x – – – – – – – Estado Apoio à Antártica – – – x – – – – – – – Alerta de Tsunamis – – – x – – – – – – – Apoio a Áreas Isoladas e Ilhas – – – x – – – – – – –

(CONTINUA)

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PAÍS MARINHA ÁFRICA DO SUL AUSTRÁLIA CANADÁ CHILE COREIA DO SUL ESPANHA FRANÇA ÍNDIA PORTUGAL REINO UNIDO RÚSSIA

Desenvolvimento da Indústria Naval (Fo- – – – x – – – – x – x mento Econômico) Proteção da Identidade e Cultura Nacional – – – x – – – x x – – (Mentalidade Marítima) Prevenção de Conflitos (Antecipação e – – – – – – x – – x – Conhecimento) Tarefas Pesquisa Hidrográfica (Investigação **** – – – – – – – x x x – Científica) Defesa militar própria e autônoma – – – – – – – – x – – Defesa coletiva e expedicionária – – – – – – – – x – – Assistência a Refugiados – – – – – – – – – x – Descarte de Artefatos Bélicos – – – – – – – – – x – Fonte: ÁFRICA DO SUL, 2006; AUSTRÁLIA, 2010; CANADÁ, 2001; CHILE, 2009; COREIA DO SUL, 2008; ESPANHA, 2000; FRANÇA, 2011; BAUZON, 2010; ÍNDIA, 2007; PORTUGAL, 2010b; REINO UNIDO, 2004; RÚSSIA, 2011

Nota: (*) Esta linha apresenta as Marinhas cujas doutrinas marítimas foram influenciadas pelos estrategistas navais britânicos Booth e Grove. (**) Funções do Poder Naval nos moldes concebidos por Booth e Grove ou com adaptações introduzidas pelas doutrinas dos países. (***) Missões do Poder Naval nos moldes concebidos pelo Almirante Turner. (****) Tarefas do Poder Naval consideradas pelas Marinhas; não devem ser confundidas com Operações ou Ações de Guerra Naval.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Operação naval; Política nacional; Poder nacional; Constituição; Poder marítimo; Poder naval; Marinha do Brasil; Marinha dos EUA; Marinha da Inglaterra; Marinha;

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98 RMB1oT/2014 SUBMARINOS BRASILEIROS ATUAIS E FUTUROS – CATAMARÃS

Sergio Lima Ypiranga dos Guaranys* Capitão de Mar e Guerra (Refo)

s dados dos submarinos, por serem próprio sonar passivo exprime a indiscrição Osigilosos, exigem duas ordens de disponível para o adversário. Já a velocida- cautela: descrevê-los mediante efeitos de exprime a tática dominada pela própria qualificados, assim escondendo valor força de submarinos que permite a ele des- mensurável ou repetindo comparação entre frutar velocidade disponível definida pelo congêneres. Assim esclarece o leitor, sem alcance sonar passivo conjugado com poder ferir a integridade nacional. Tal mostra dá a aliado de causar perturbação ambiental locutor daqui e a exportador de submarinos geradora de ecos locais. O ruído irradiado ideia sobre desejo de nível de ruído tolera- deve ser nulo a mil metros do submarino. do, alcance de sonar passivo e velocidade. Não se define alcance de sonar passivo, mas O submarino foi criado como arma es- deve marcar algum outro submarino citado: condida, que fazia da discrição sua eficácia. tão silencioso como os IKL. Qualquer dado de um submarino exprime Animais marinhos combatem de vários uma atitude de um adversário perante a modos, segundo seu equipamento. Partem virtude do dado. O nível de ruído tolera- de varredura passiva, fazem ativa enquan- do exprime a indiscrição compulsória do to percebem segurança, mas também são adversário que o enfrente. O alcance do vítimas de busca ativa inadvertida, causa-

* Oficial submarinista. Foi professor da Academia de Guerra Naval do Equador, comandante do Grupamento Naval do Nordeste e chefe do Grupo de Desenvolvimento de Submarinos. SUBMARINOS BRASILEIROS ATUAIS E FUTUROS – CATAMARÃS

da por outro animal que decida, por caça, evasivas, as que aumentam a indefinição perturbar o ambiente comum, emitindo de localização a cada trecho. Nossos con- sinais ativos e reflexos deles. Heterotrófi- vencionais são mais rápidos que anteriores cos carnívoros, como tubarões, consomem da mesma série, mas chegando exaustão pouco oxigênio, obtêm proteínas que da carga devem recarregar baterias ao não sabem produzir ao caçar herbívoros abrigo de observação espacial. Todos os entre 0 e 50 metros de profundidade. São convencionais que tiverem acesso a abri- lentos e isolados, mas detectam radiação gos permanecerão tão discretos quanto de campo elétrico de suas presas. Não há os nucleares, sendo mais significativos isolamento dela, mas ela é tão tênue que os portadores de abrigos que a maioria seus sensores conformam o interior da dos navios de superfície, por “criarem” boca do animal. Orcas são mamíferos, mais convencionais*. Convencional após criam e treinam filhotes, respiram e caçam recarga equivale a nuclear. em bando segundo aprenderam, pois são Diversamente dos mais desejados, de- animais menos capazes em acústica. Atuns pendentes de importação, os abrigos são são carnívoros tão potentes que dependem totalmente nacionais, portanto desprovi- da maior adsorção dos de apelo. Todos de oxigênio nas bai- os convencionais de- xas temperaturas da Nenhum país almeja vem optar por menor profundidade onde velocidade para ouvir precisam viver. De lá submarinos cujos dados melhor, não podendo detectam herbívoros os qualifiquem como desfrutar velocidade sem desvio sonoro, “segundos” de algum outro, disponível, sob pena de sobem velozmente e perder precisão. os comem, obtendo embora se contentem com Os convencionais proteínas e consu- os melhores a seu alcance têm velocidade sufi- mindo oxigênio rare- ciente para obter si- feito até regressarem. tuação onde escutam Submarinos militares são rasos porque, mais e são mais discretos, mas não podem para aumentar profundidade operativa, desperdiçar autonomia porque somente consumiriam flutuabilidade (costado recarregam baterias exibindo parte visível mais espesso) e energia já limitadas por por satélite. Os Scorpène do Brasil são necessidades de discrição. Somente ficam mais poderosos que todos os anteriores: discretos se, ao iniciarem mergulho, esta- têm mais autonomia e mais geração. vam livres de observação, garantidos por Permanecem discretos ingressando na rede submarina de sonares e desde então discrição através de portais dotados da não se expuseram. Nucleares ou não, todos profundidade necessária às manobras devem permanecer lentos enquanto ou- evasivas, as que aumentam a cada trecho a vintes, não podendo desfrutar velocidade incerteza sobre a localização deles. Nossos disponível, sob pena de andar no escuro. convencionais são rápidos, os IKL são os Permanecem discretos ingressando na mais velozes da série, os Scorpène são discrição através de portais dotados da mais poderosos que quaisquer anteriores, profundidade necessária às manobras têm maior autonomia, mas a exaustão da

* Ver Revista Marítima Brasileira do 3o trimestre de 2001, p. 86, “Invenção de um navio de guerra”, do autor.

100 RMB1oT/2014 SUBMARINOS BRASILEIROS ATUAIS E FUTUROS – CATAMARÃS

carga obriga os convencionais a recarre- convencional e possuir um aparelho de garem baterias ao abrigo de observação parada/catapulta servindo uma Ala aérea espacial. Quando foram adquiridos não ha- embarcada. Aliás, depois de dominados, via preocupação com satélites, renovariam reatores nucleares ficaram tão acessíveis autonomia mediante esnorquel. Bastante que o conceito deles foi banalizado, nos dotá-los de catapultas e aviões, o conceito mais baixos valores para velocidade, pro- estratégico da MB inteira muda radical- fundidade e silenciamento de ruídos. A mente! Os convencionais não podem ser condução da Força de Submarinos (ForS) despresados, embora percam discrição deve ser repensada para configuração após exibirem aspiração do esnorquel. permanente. Se em 20xx houver nove Limitar a velocidade disponível a bordo ao submarinos convencionais e três catama- valor que produz ensurdecimento é erra- rãs, basta programar operação simultânea do, pois, havendo esclarecimento por eco de dois submarinos e um catamarã no mar ativo gerado em navio amigo, é possível para obter imagem de patrulhamento entre desfrutar distância livre de intruso atraves- Caribe e Baía Blanca, mantido o sigilo sob sando metade dela com velocidade acima telhado da posição de cada submarino! da surdez, impossível se indisponível! Não interfere com fases de adestramento, Russos e americanos nem programa de ma- usam velocidade alta nutenção, o Autoridade segundo alcance de Hoje todo mundo projeta de Contrôle de Ope- sensores conjugada rações de Submarinos com redução a in- pás isentas de cavitação (ACOS) obtém apenas tervalos destinada a porque foi impossível esclarecimento de 1/9 varredura durante giro da área a cada instante, aproveitada no trecho confinar o segredo depois mas ocupa meios de seguinte. Não é ra- de revelado outros países em toda zoável excluir outros a área. A disponibili- esclarecedores úteis, dade de submarinos que permitem desfrutar velocidade além deve prover ao pessoal submarinista da de eco sonar nem rejeitar potência treinamento e exploração de águas na foz instalada no reator. Fica fácil projetar do Amazonas e no litoral Sul. Se ainda propulsão mais barata, mas é ilusório. As houver apenas um nuclear, ele poderá ser configurações de todos os submarinos da acionado para qualquer tarefa sem cogitar MB atuais e planejados estão em acordo dos nove convencionais. Caso haja mais com nossa posição mundial, mas a ope- de um nuclear, então eles poderão contri- ração deles pede ações complementares buir para esclarecimento e adestramento para realizar todo o potencial deles. Para generalizados de toda a ForS em qualquer obter discrição falta equipar com campo litoral do mundo. Caso já esteja posicio- imerso de escuta sonar cada local escolhi- nado o SGDC (Satélite Geoestacionário do para imersão e desaparecimento deles de Defesa e Comunicação Estratégica), o no litoral. E para mantê-la após exaustão ACOS permanecerá informado dos dados da carga de baterias, falta dispor na costa instantâneos que cada submarino brasilei- do Amapá, na de Calcanhar/Suape e na de ro sob o SGDC possuir no instante. Rio Grande/Uruguai um catamarã capaz O propósito do presente comentário de encobrir a aspiração esnorquel de um é encarecer a importância estratégica

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dos abrigos providos pelos catamarãs A Direção de Tiro é imprescindível no aumentando autonomia de projeto em controle do submarino onde substituiu a valor equivalente a maior número de anterior KAFF pela BYG, nos quatro IKL submarinos. Cada catamarã paira sob e no Tikuna, já adquirida. Embora caia a máquinas ao largo de Amapá, Calcanhar velocidade do torpedo com a profundida- e Rio Grande. de, não é previsto prejuízo operativo, pois, Nenhum país almeja submarinos cujos enquanto for mais veloz que o alvo, pode dados os qualifiquem como “segundos” alcançar a vertical dele e ficar indefensá- de algum outro, embora se contentem com vel. É melhor negócio comprar esse torpe- os melhores a seu alcance, sabidamente do nos USA do que fabricá-lo aqui; melhor “segundos” para diversos. Convencidos de ainda com o controle do submarino. alguma inferioridade, devem disfarçá-la do Mesmo contando com Míssil Subsu- melhor modo. Possibilidades e limitações perficie FM39 do Prosub destinado aos similares pautam obtenção de sensores Scorpène, e incompatível com os IKL, a e de armas. Perante convicção de estar Diretoria de Sistemas de Armas da Ma- limitado em algum aspecto, há convicção rinha (DSAM) continua desenvolvendo o de esconder a limitação mediante difundir envoltório para lançar em imersão o Míssil indefinição de domínio e certeza de des- Anti-Navio (MAN) Avibras/Mectron que conhecimento. Tal atitude exige cuidado não pode armar nossos IKL, mas nos dá e disciplina. mercado e voz em vários tópicos. Se os IKL O segredo do desenho de pás mudas de tivessem mísseis, serviriam para forçar ad- hélices de submarino vazou embutido em versários nossos a reterem mais submarinos entrega de integrador eletrônico tridimen- patrulhando além do litoral deles. Quando o sional japonês a adquirente soviético! Hoje SGDC estiver em órbita, poderá potenciali- todo mundo projeta pás isentas de cavitação zar esse míssil como mídia e arma. porque foi impossível confinar o segredo A MB pretende iniciar adoção da depois de revelado. Bóia Retransmissora/Antena Flutuan- O comandante do submarino confia que te, pois com o SGDC há diálogo entre os engenheiros nacionais foram cuidado- submarino e ACOS. O Prosub equipa os sos e capazes ao obter aquele submarino, Scorpéne sem desembolso adicional. O enquanto os engenheiros esperam que torpedo escolhido é o F21 elétrico, imu- seus comandantes pratiquem condução ne à profundidade, guiado a fio. Serão obediente à construção. importados os transdutores e o carretel Os IKL usam Torpedo Raytheon dele. A MB sabe do desperdício oficial MK48, fabricado nos USA, combustão de mão de obra, mas faz gosto em exercer interna, guiado a fio de carretel americano produção comercial orgânica da bateria com 50 km nominais mais o corresponden- de exercício e sua recuperação após cada te à autonomia. O Brasil poderia propor corrida, bem como produção das baterias produção nacional de componentes, mas de propulsão tanto dos IKL como dos não convém porque o estoque adquirido Scorpène. Temos consumo importante e suporta campanha intensa. O ferramental condição para atuar no mercado. ProSub nosso conhecido desde o MK46 é caro e ModSub adotam mesmas medidas con- no motor e no carretel, que não fará falta tratorpedo (Jammer Contralto), controle porque temos estoque superior ao consu- delas nos IKL e nos Scorpène. O estoque mo previsto. das minas MCC 23, adotadas nos Oberon,

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permanece eficaz para os IKL e Scorpène. sem mísseis e assim continuam, porque a Os mísseis dos Scorpène serão FM 39, necessária alteração da proa para dotá-los produzidos aqui. Os IKL foram criados tem custo injustificável.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Submarino; Poder Naval; Catamarã; Torpedo; Míssil;

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Do fim do Mescla ao Comandante-Aluno Fuzileiro: Uma Turma Singular!

Gil Cordeiro Dias Ferreira* Capitão de Mar e Guerra (Refo-FN)

SUMÁRIO

quarto d’Alva Alvorada 1962 – O Psicotécnico agora reprova! Primeira singularidade Primeiro Quarto 1963 – Colégio Naval em dois ou três anos? Segunda e terceira singularidades 12:00 – Sinal do Meio-Dia 1964 – O “01” se foi... Quarta singularidade Quinta singularidade Segundo tempo 1965 – Curso Básico de 1 ano Sexta singularidade 16:00 às 20:00 1966 – Um Fuzileiro Comandante Aluno Sétima singularidade 20:00 às 24:00 1967 – Da 8a à 13a singularidade Angola O fim do mescla e seus “irmãos” O Patrono – Capitão de Fragata João Batista Didier Barbosa Viana A Galera no 119 A microturma A chuvarada 00:00 às 04:00 1968 –As duas últimas singularidades A 15a singularidade Conclusão – novo Quarto d’Alva

* Analista de sistemas e administrador de empresas. Tem cerca de 60 trabalhos publicados em revistas especializadas, jornais de diferentes estados e páginas da internet sobre política, história, geografia, geopolítica e assuntos militares e ficção. Tem também cinco livros à venda nos sites associados http://www.clubedeautores.com.br e http://www. agbook.com.br: duas coletâneas de contos e crônicas, uma de textos políticos publicados em jornais, um romance de ficção política e um manual de administração de escritórios de advocacia. Colaborador assíduo daRMB . Do fim do Mescla ao Comandante-Aluno Fuzileiro: Uma Turma Singular!

Quarto d’Alva – respectivamente Navio não tem pneu e Estórias Navais Brasileiras. im, prezado leitor, trata-se da afamada Deu-se que, em junho de 2013, faleceu S“Introdução”, mas esse nome é formal nosso colega de turma e meu colega de demais para um texto leve como o que camarote Capitão de Fragata (FN) Núbio lhes trago, e está tão batido que julguei Stuart Ferreira, vitimado por moléstia melhor começar com um “Quarto d’Alva”, incurável, que lhe impôs um prolongado expressão bem mais marinheira – nosso sofrimento3, o qual, enquanto perdurou, foi tradicional serviço das 4 às 8 h, que con- assunto dominante nas reuniões mensais templa a Alvorada, a qual, de certa forma, e bate-papos “internáuticos” que costu- é a “Introdução” da rotina nossa de cada meiramente promovemos há vários anos. dia, a bordo ou em terra, enquanto marujos Naquelas ocasiões, muitas vezes veio à na ativa... baila a lembrança de um episódio que ele Sei que a linha de edição da Revista protagonizou em 1966: por força de cir- Marítima Brasileira (RMB) privilegia cunstâncias descritas mais adiante, Stuart assuntos direta ou indiretamente ligados tornou-se o primeiro (e provavelmente à Marinha, que sejam de interesse geral. único) aspirante fuzileiro naval a atingir o Ora, textos sobre turmas específicas da ambicionado cargo de comandante-aluno Escola Naval, embora associados ao mar, da Escola Naval, embora apenas no curto geralmente são restritos aos integrantes da- período entre o recebimento da cana do quelas, pelo que, em princípio, não devem leme4 e a conclusão de nosso 3o ano. ser trazidos a este espaço. Mas, como o Mas história puxa história, e a recordação leitor verá, os episódios selecionados para desse fato incomum, decerto pouco ou nada este artigo transcendem as “fronteiras” do conhecido pelos mais jovens, evocou-nos grupo a que se referem – a Turma Miguens1, outras “acontecências5” curiosas da Turma CN62/EN64/GM672, uma das menores que Miguens, que a fazem um tanto singular. E já passaram pelas Ilhas de Villegagnon ou cabendo a mim, há tempos, secretariar o gru- das Enxadas – e, com a devida vênia do po e documentar suas efemérides, comecei a saudoso Capitão de Mar e Guerra Paes rascunhar tais “estórias” (contei 15). Vai daí... Leme (“Chico Marambaia”) e do insigne Mas chega de prolegômenos. Intentei relatar os historiador naval Vice-Almirante Helio “causos” como “6,5 anos (do Colégio Naval Leoncio Martins, poderiam talvez figurar ao Navio-Escola) em 24 horas”, dividindo- nos livros de “causos” escritos por ambos os segundo os antigos períodos da velha

1 CMG Altineu Pires Miguens, nosso chefe de classe, brilhante hidrógrafo, falecido prematuramente em 2005. 2 CN62 – Colégio Naval 1962; EN64 – Escola Naval 1964; GM67 – turma declarada guarda-marinha em 1967 (espadas recebidas em 5/1/1968). 3 Stuart, dotado de voz poderosa e bela, estudou e dedicou-se ao canto popular e lírico desde a infância, tendo chegado a gravar CDs. O carcinoma de tireoide a que sucumbiu trouxe-lhe, antes do falecimento, o pior castigo imaginável: tirou-lhe a voz. 4 Quando faltam cem dias para a Declaração de Guardas-Marinha, os quartanistas transmitem o “comando” do Corpo de Aspirantes para os terceiranistas e passam a formar à parte. O comandante-aluno que sai entrega ao que entra uma cana do leme de madeira, como a utilizada em escaleres pelo patrão da embarcação, para governá-la. Segue-se o lauto “Almoço dos Cem Dias”, para os quartanistas, ocasião em que cada qual tem direito a convidar um padrinho. 5 Acontecências – termo que “roubei” do título de um livro de Vilma Guimarães Rosa, de 1967.

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Rotina Normal que, puxando pela memória, Inglês/Francês. Restaram 101, dos quais 35 relembrei, meio aos tropeços, entremeando-a foram eliminados nos exames de Saúde e com conhecidas Tradições Navais. E depois Psicotécnico, bem mais neste. E assim, em de tantas décadas, pergunto-me, parodiando março de 1962, apresentaram-se em Angra Machado: “Mudaria a Marinha ou mudei eu?6” dos Reis 66 jovens, aos quais se juntou mais um, aprovado no ano anterior, que ficara Alvorada sub judice por problema de saúde; tendo-o superado, reuniu-se a nós. A primeira leva Tradicionalmente executada pelo cor- partiu da Estação D. Pedro II, da Estrada neteiro às 6 horas, mas houve épocas em de Ferro Central do Brasil, no trem elétrico; que foi antecipada para as 5h45, para ira de em Deodoro, a composição recebeu uma muitos. Seguiam-se a Faxina, o Pequeno locomotiva a diesel e seguiu pelo ramal do Almoço, a “Matutina”7. “trem macaco”, assim chamado porque os vagões de carga conduziam bananas; em 1962 – O Psicotécnico agora Mangaratiba, ponto final, a turma embarcou reprova! no Aviso Rio das Contas, que a levou até Angra dos Reis. Outros colegas se atrasa- Primeira singularidade ram, por terem de atender a certas exigên- cias de saúde, como cirurgias de amígdalas Foi em 1962 que o terceiro filtro do ou adenoides, e chegaram depois, por terra. concurso de admissão ao Colégio Na- E, assim, nossa “microturma” de 67 val – o Psicotécnico, aplicado após os calouros – reduzidos a 65 poucas semanas rigorosíssimos exames intelectuais e de depois, quando dois colegas “pediram as saúde – passou a ser eliminatório, como contas” – foi recebida por 137 alunos do 2o os outros dois. Façam as contas: dos 1.200 ano8 e 18 “replayers9” do 1o ano de 1961. candidatos, mil caíram na temível barreira Vale dizer, 155 veteranos, o que corres- inicial – a tríplice prova de Matemática pondia a 2,38 veteranos para cada calouro. (Aritmética, Álgebra e Geometria); dos E então, prezado leitor, tem notícia de 200 restantes, 99 não ultrapassaram as alguma outra turma com efetivo igual ou provas de Português, Geografia/História e menor que o da nossa?

Ponte do Colégio Naval

6 “Soneto de Natal”, de Machado de Assis. 7 Matutina – denominação da ginástica calistênica outrora praticada no Colégio Naval, logo após a Alvorada. 8 Turma Aspirante Moura, CN61, EN63, GM66. 9 “Replayers” – denominação “politicamente correta” dos repetentes, ou simplesmente “Reps”.

RMB1oT/2014 107 Do fim do Mescla ao Comandante-Aluno Fuzileiro: Uma Turma Singular!

Primeiro Quarto programação escolar para 1962, que já ia a meio, fora feita com base na expectativa de Esqueceu-se, leitor? O Primeiro Quarto aumento da duração do curso. A solução, perdura de 8 às 12 horas e retorna das 20 às bem ao estilo dos “jeitinhos brasileiros”, 24 horas. Chama-se “Primeiro” porque dá foi estender o ano letivo dos segundanistas início a uma nova Divisão de Serviço10, que durante suas férias escolares. Esse período assume suas responsabilidades logo após o suplementar foi denominado de “Intensivo”, e “Içar a Bandeira”, que ocorre às 8 horas, e o a numeração dos alunos foi acrescida de uma transmite na manhã seguinte, nesse mesmo letra “I” (I-2001 etc.). Mas, dirá o leitor, “essa horário, a outra Divisão. singularidade não diz respeito à nossa turma, O Segundo Quarto, que assumirá o e sim à de cima”. E eu responderei: “Calma, Serviço de 12 às 16 horas e de 0 às 4 horas leitor!” O que ocorreu conosco foi que, em (ah, o aterrorizante “zero às quatro”...), função disso, tivemos superférias escolares por enquanto é chamado de “Retém”. E o de cinco meses. Terceiro Quarto, que agora é o de “Folga”, Prosseguindo, dada a pequenez do grupo estará “de pau11” de 16 às 20 horas e de 4 admitido em 1962, o Corpo de Alunos, em às 8 horas. 1963, ainda que acrescido dos que ingressa- Na Marinha nada se programa especifica- ram naquele ano14, foi dividido em apenas mente para as 8 horas, porque esse é o horário três companhias, e não em quatro, como de “Içar a Bandeira”, e tudo se interrompe; tradicionalmente. Os 11 primeiros colocados, seguem-se a Parada, a rendição de serviço conhecidos como oficiais-alunos (comandan- e, no Colégio e na Escola, as aulas, outrora te-aluno, ajudante-aluno, três comandantes de entremeadas pela “jacuba”12 das 10 horas. companhias e seis comandantes de pelotões), tiveram de retornar ao Colégio duas semanas 1963 – Colégio Naval em dois antes do restante da turma, para um estágio ou três anos? de liderança, e foram surpreendidos com um adereço especial no uniforme – a fita azul, na Segunda e terceira singularidades borda superior do caxangá15, imitando prática antiga da Academia Naval de Annapolis, nos Fôramos alertados de que, a partir de 1962, Estados Unidos da América. o Colégio Naval passaria a durar três anos, o Então, leitor? Férias escolares de cinco que atingiria também os segundanistas nossos meses e a “inauguração” das fitas azuis nos veteranos. Todavia, nas idas e vindas da Ad- caxangás dos oficiais-alunos são ou não são ministração Naval, essa decisão foi revogada, peculiaridades marcantes? para gáudio de todos13. Entretanto, faziam-se Mas calma: são 11h30, o contramestre necessários certos ajustes curriculares, pois a apitou “Rancheiro”, e o “Caveira16”, não

10 Divisão de Serviço – conjunto de oficiais e praças responsáveis pelos serviços de bordo ou de terra durante um período de 24 horas. 11 Na gíria marinheira, estar “de pau” significa estar “de serviço”. 12 “Jacuba” – refresco, acompanhado de biscoitos, servido num intervalo maior (15 minutos) entre a 2a e a 3a aula da manhã, no Colégio Naval. 13 Em meados dos anos 70, a duração do curso do Colégio Naval foi finalmente aumentada para três anos. 14 Turma Almirante Cox, CN63, EN65, GM68. 15 Tradicional chapéu redondo de marinheiro, usado por longos anos pelos alunos do Colégio Naval e pelos aspirantes da Escola Naval. 16 “Caveira” – oficial de serviço.

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Alunos do segundo ano do Colégio Naval

sem antes descobrir-se, foi provar a amostra 1964 – O “01” se foi... do almoço, que lhe foi trazida numa caixa de madeira com tampo de vidro, que se Quarta singularidade apoiava num suporte dobrável, em forma de “xis”. A propósito, alguém viu, alguma Ednildo Gomes de Soárez17 foi uma vez na carreira, o oficial de serviço dizer das pessoas mais surpreendentes que que a amostra não estava boa? conhecemos. Cearense de Fortaleza, onde prestara o concurso ao Colégio Naval, 12:00 – Sinal dO Meio-Dia integrante de família de protestantes18 fervorosos, tinha a raríssima caracterís- Esse sinal é o mesmo toque de “Cha- tica de ser, ao mesmo tempo, excepcional mada de Oficiais”, executado três vezes, nos estudos – culto e inteligente como simultaneamente às quatro batidas duplas poucos – e nos esportes, especialmente do sino de bordo; nesse momento, retira-se no basquete, que jogava muito bem. e se recoloca a cobertura (caxangá, gorro Adicionalmente, era educadíssimo, dis- de pala ou o que for) três vezes seguidas, creto, portador de caráter e personalidade bradando “Diabo, sai da gávea!”. Segue-se marcantes, além de postura e aparência o rancho geral, mas muita atenção à disci- pessoal impecáveis. Ingressou conosco plina! Entra-se no refeitório em formatura em 1962, como 1004 – o quarto colocado e fica-se em pé até que o mais antigo pre- no concurso. Como era de se imaginar, sente bata o sino ali existente e comande: concluiu o 1o ano em primeiro lugar, “Sentai-vos!” (ou fórmula assemelhada). tendo sido nosso comandante-aluno em Não se pode sair correndo para pegar vazios 1963. Ao final do 2o ano, repetiu o feito, os totós e as mesas de sinuca, ping-pong e pelo que recebeu do Colégio Naval o dominó, nos salões de recreio que acabaram prêmio por muitos cobiçado – o espadim de ser abertos, após o toque de recreação. de aspirante, concedido ao aluno que É preciso aguardar novo comando do mais obtivesse o maior conceito escolar, com antigo: “Rancho, à vontade!” placa alusiva a seus méritos.

17 Biografia: http://www.ceara.pro.br/cearenses/listapornomedetalhe.php?pid=33022 18 Naquele tempo, não se usava o termo “evangélico”.

RMB1oT/2014 109 Do fim do Mescla ao Comandante-Aluno Fuzileiro: Uma Turma Singular!

Ao início de 1964, apresentamo-nos na mos o de um colega antes barrado no Escola Naval e estranhamos a ausência do psicotécnico. Como ele, ao prestar o Ednildo. Não demorou muito, apareceu concurso ao Colégio Naval, em 1962, ele, acompanhado dos pais, indo à audi- já houvesse concluído o 1o ano Cientí- ência com o diretor19. Para nossa surpresa, fico, simplesmente completou esse curso aquele jovem, que já tinha um irmão mais enquanto éramos internos em Angra velho segundo-tenente e outro mais novo dos Reis; em 1964, prestou o vestibu- ingressando no Colégio Naval, e que, se- lar à Escola... e finalmente ingressou gundo críamos, seria um excelente oficial, em nossa turma, tendo sido declarado que certamente atingiria o Almirantado, guarda-marinha conosco e cursado a pedira baixa. Teria sido o “1001” daquele Aviação Naval. ano na Escola, mas sequer foi matricula- Quantas turmas podem dizer que tive- do, tendo sido esse número atribuído ao ram um “01” tão brilhante, que as surpreen- segundo colocado. Um episódio como desse com um pedido de baixa inesperado esse, nos cibernéticos e acelerados dias de e com um falecimento tão prematuro e hoje, talvez não surpreendesse tanto, mas trágico, em serviço, poucos anos depois? no Brasil ainda “provinciano” e lento de E quantas tiveram um companheiro de 1964... foi chocante! concurso ao Colégio Naval reprovado E Ednildo continuou a brilhar na vida no Psicotécnico, que retornou depois, civil. Concluiu o ensino médio, passou em diretamente para a Escola, e tornou-se primeiro lugar para o Instituto Rio Branco, um brilhante piloto aeronaval? Turminha foi premiado como “Estudante do Ano” “diferente” mesmo, não? – afamado certame nacional existente à época, patrocinado por grandes empresas – Segundo Tempo e tornou-se diplomata. Lamentavelmente, quis o destino que, ao inaugurar o Pavilhão O modorrento período de 12 às 16 ho- do Brasil na Feira Internacional de Santia- ras sempre foi conhecido como “Segundo go do Chile, fosse vitimado em desastre Tempo”. Mas, curiosamente, jamais ouvi de helicóptero, tendo falecido em 5 de quem quer que fosse referir-se à parte da novembro de 1971. Hoje dá nome a uma manhã como “Primeiro Tempo”. E você, das unidades da Faculdade Presbiteriana leitor? Depois do triste toque de “Volta à 7 de Setembro, em Fortaleza, fundada por Recreação20”, retomavam-se as atividades, seu pai em 1935. às vezes com uma “Distribuição de Faxi- nas”, ou mesmo uma “Parada” (na Escola, Quinta singularidade esta era de manhã, mas no Colégio era à tarde). E lá vinham as aulas indicadas por Se em 1964 perdemos o convívio siglas cabalísticas – EAQ, ETE, MEM, com o “01”, simultaneamente ganha- OUAP21.

19 Até 1/10/1981, o contra-almirante titular da Escola Naval era denominado “diretor”. A partir daquela data, o título foi alterado para “comandante”. 20 Aos “não iniciados” – “Volta” nada tem a ver com o verbo “voltar”. Trata-se de uma espécie de torção que se faz num cabo de manilha – diferente dos nós – para arrematar um trabalho que se tenha feito no mesmo. Portanto, “dar volta” significa “dar fim”, e não “recomeçar”. 21 Siglas das atividades da tarde no Colégio Naval: EAQ – Esportes Aquáticos (natação); ETE – Esportes Terres- tres (saltos, corridas, arremessos, barras, cabos etc.); MEM – Manobra de Embarcações Miúdas (remo em escaleres e canadenses); OUAP – Ordem Unida e Armas Portáteis (inclusive tiro).

110 RMB1oT/2014 Exercício de remo

Exercício de Ordem Unida

1965 – Curso Básico de 1 ano vel sopa; recreação mais curta do que após o almoço... e estudo obrigatório. Sexta singularidade 1966 – Um Fuzileiro Por muitos anos, a opção dos aspirantes Comandante Aluno por curso – Corpos da Armada (CA), de Fuzileiros Navais (CFN) e de Intendentes Sétima singularidade da Marinha (CIM) – foi feita ao final do 1o ano da Escola Naval. Pois nossa “singular” Tudo começou quando o cargo de Co- turma foi a última a seguir essa norma – o mandante do Corpo de Aspirantes (Comca) Curso Básico, para nós, teve apenas um foi assumido por um capitão de fragata22 que ano de duração. A turma seguinte já fez sua havia sido instrutor em Annapolis, nos EUA, opção ao final do o2 ano, circunstância que, e decidiu implantar uma série de novidades segundo o site da Escola Naval, perdura até em Villegagnon23. De início, modificou o hoje. Fomos, portanto, a derradeira turma tradicional uniforme de Educação Física: o em que houve aspirantes numerados como calção branco passou a ser azul, e a camiseta FN-201, 202, 203... e IM-201, 202, 203. regata, sem mangas, azul-marinho, foi subs- tituída por uma t-shirt, com mangas, branca, 16:00 às 20:00 com as letras “EN” bordadas à esquerda, em azul-escuro. Além disso, o roupão utilizado Nesse horário, começávamos a relaxar. na prática de natação deixou de ser branco, Licenciamento geral para quem não era passando a azul. Claro que isso atingiu as aluno ou aspirante e, evidentemente, não quatro turmas de 1966: os quartanistas da estivesse de serviço; um banho após a Edu- então futura Aspirante Moura24; a nossa, cação Física – o conhecido toque de “Banho/ terceiranista; os segundanistas da Almirante Uniforme”; assistir ao “Arriar da Bandeira” Cox; e os calouros da Almirante Grenfell. – “Cerimonial encerrado, Boa Noite!”; ouvir Mas a grande surpresa viria ao final do a leitura do Plano de Dia; jantar – a inevitá- ano, nas proximidades da “passagem da

22 À época, o cargo de Comca era exercido por um capitão de fragata. Só vários anos depois passou a ser ocupado por um capitão de mar e guerra. 23 Esse mesmo Comca engendrou uma surrealista Operação Anfíbia, denominada “Quebra-Nozes”, em que os aspirantes desembarcaram (de uniforme mescla) na Praia Grande, Ilha do Governador, e “enfrentaram” um grupo de guerrilheiros figurados por oficiais e praças Fuzileiros Navais da Companhia de Reconhecimento Anfíbio, todos paraquedistas e mergulhadores, que, naturalmente, fizeram gato e sapato dos pobres aspirantes. 24 Essa denominação se deveu ao trágico falecimento, em 1966, do Aspirante José Cláudio Soares Moura, inte- grante dessa Turma desde o CN-61. Seu irmão mais velho, Júlio Soares de Moura Neto, GM de 1964, atingiu o posto de almirante de esquadra e tornou-se o Comandante da Marinha em 2007.

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Cana do Leme” para nossa turma. O então anterior), independentemente do Corpo a Comca alterou o antigo critério de desig- que pertencessem, decidiu-se ordená-los nação dos oficiais-alunos terceiranistas: ao segundo o oficialato, ou seja, apenas o invés de serem classificados seguindo suas conceito, atribuído pelos oficiais do Comca notas globais (média ponderada de estudos em reunião fechada, poucos dias antes. O + esportes + conceito + média final do ano resultado foi o apresentado abaixo.

Anexo ao Plano do Dia de 26/10/1966: Designações dos Oficiais-Alunos Do fim do Mescla ao Comandante-Aluno Fuzileiro: Uma Turma Singular!

E foi assim que, pela primeira (e talvez Naval... À ordem o Aspirante Fulano...”. E única) vez em sua história, a Escola Naval o “Fulano” era sempre alguém inexistente, teve, ainda que por pouco mais de dois meses, como, por exemplo, o “Porciúncula”. Assim um aspirante fuzileiro como comandante- alertados, desligávamos o telefone; imaginem aluno, auxiliado por um estado-maior de atri- se alguém ligasse e, de acordo com a Lei de buições não claramente definidas, que dificil- Murphy28, a campainha tocasse exatamente mente terá sido recriado posteriormente. Mas na hora em que o oficial passasse em frente esse esquema só durou até o final de 1966. No ao nosso camarote. ano seguinte, quando já éramos quartanistas, Mas esse período comportava outras outro Comca assumiu, fez voltarem as regras travessuras, como os ensaios do coral de antigas, e o comandante-aluno foi mesmo o calouros, naturalmente regidos por alguns 4001 – Miguens, que já fora 2001 e 3001. veteranos “criativos” – “Tim-tim-tiririm- tim-tim (bis)... Tô maluco, tô aloprando, 20:00 às 24:00 ficando louco, me enca...”... Melhor parar por aí... Naturalmente, a “OAS”29 lançava Pois é... O período do estudo obrigatório seus foguetes (pólvora negra dentro de pin- também era usado para traquinagens. Lon- céis Pilot e outros artefatos inovadores...) e gos telefonemas (na Escola Naval, claro; as “hidráulicas”, que certamente existem até no Colégio, para telefonar, só indo a Angra hoje – sacos plásticos cheios d’água lança- dos Reis e aguardando horas no posto local dos sobre os incautos que trafegavam can- da CTB25, com seus aparelhos de manivela) didamente pelos pátios Saldanha, Inhaúma para noivas e namoradas, nas poucas e dispu- e Aspirante Nascimento (ou “bico de proa”). tadíssimas extensões disponíveis ao lado da Outro evento interessante desse horário tolda26. Claro, em todas as turmas, sabe-se lá ocorria na noite da véspera da entrega dos desde quando, sempre houve um camarote espadins. Em nossa época, essa cerimônia de quartanistas com um telefone clandestino. tinha lugar em 5 de maio, data de fundação Em 1967, por acaso, era o meu. Um colega da Escola, em 1808, já no Brasil30. Depois, versado em eletrônica, durante um fim de foi transferida para o dia 11 de junho, si- semana em que estava de serviço, deu-se multaneamente à celebração da vitória de ao minucioso trabalho de fazer um “gato”, Riachuelo. Os calouros sofriam bastante, puxando de uma das extensões um par de fios inclusive tendo os cabelos besuntados com clandestinos, aos quais conectou um aparelho manteiga, ou sendo incumbidos de agarrar antigo, daqueles pretos, que não sei de onde um dos gansos Brekelé, mascotes da Es- trouxe. E quando o oficial de serviço come- cola, tarefa dificílima e perigosa. Nossa çava a subir para fazer a ronda nas alas de ca- turma, entretanto, não foi alvo de uma das marotes, o chefe de dia, quartanista como nós, brincadeiras mais interessantes já criadas ligava o “boca de ferro27” e anunciava “Escola para essa data – o concurso de fantasias, or-

25 CTB – Companhia Telefônica Brasileira, antecessora, no Rio de Janeiro, da Telerj/Telemar/Oi. 26 Compartimento onde ficam os aspirantes de serviço – chefe de dia, subchefe de dia, claviculário e ronda. 27 “Boca de ferro” – denominação jocosa dos sistemas de fonoclama dos navios e quartéis. 28 Na MB, há um outro personagem fictício, conhecidíssimo, com as mesmas características do Murphy, mas, por via das dúvidas, não vou citá-lo. 29 “OAS” – “Organização do Aspirante Secreto” – grupo de aspirantes especializados em produzir bombas e outros artefatos pirotécnicos e dispará-los sorrateiramente pela Ilha. O nome foi inspirado no grupo guerrilheiro argelino “Organization de l’Armée Secrete”, famoso nos anos 60. 30 A Real Academia de Guardas-Marinha, portuguesa, que deu origem à EN, foi fundada em 14/12/1782, em Lisboa.

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ganizado pelos quartanistas. Os veteranos, te de Portugal, enviou a Angola uma do 2o ao 4o ano, interessados em concorrer Força-Tarefa (FT) – sem dúvida, uma inscreviam-se e selecionavam um calouro “demonstração da força”, eis que aquela para desfilar com a indumentária seleciona- província ultramarina estava em guerra da. Em 1967, fiz parte do júri. O vencedor de libertação da metrópole, que, com foi um terceiranista, com a “Cédula de esse artifício (“o Brasil nos protege”), Cr$ 10.000,00”, com a estampa de Santos pretendia “assustar” os guerrilheiros Dumont. Era simplíssima – dois calouros do Movimento Popular de Libertação entravam carregando esticado, na horizon- de Angola (MPLA),31 de Agostinho tal, um daqueles panos verdes de cobrir Neto. Assim, em 26 de janeiro de beliche, no qual haviam sido pregadas ins- 1967, zarparam do Rio de Janeiro os crições similares às da cédula, desenhadas veteranos cruzadores CL11 Barroso e em cartolina. E, no local da estampa, um CL12 Tamandaré, acompanhados dos terceiro calouro, vestido à semelhança do contratorpedeiros classe Fletcher D29 Patrono da Aviação, inclusive com aquele Paraná e D30 Pernambuco, em deman- chapéu de abas viradas para baixo. Era a da, inicialmente, de Recife, onde apor- imagem perfeita da cédula. taram dois dias depois; e, a partir daí, Ao final do estudo obrigatório, vinha a rumo a São Paulo de Luanda, Angola. ceia – “café frio, jacuba quente, biscoito Mas problemas operacionais obrigaram mole, goiabada dura...” Maldade com os o Tamandaré a permanecer em Recife, rancheiros... Claro que não era tão ruim no que foi acompanhado pelo Pernam- assim. Mas logo depois vinha o toque de buco, pois o Barroso, que seguiu para recolher. Voltávamos aos camarotes (no a África, dispunha de óleo suficiente Colégio, alojamentos), reduzíamos as lu- para abastecer apenas si próprio e mais zes, uns ferravam no sono, outros ficavam um contratorpedeiro – o Paraná, que o estudando à luz dos velhos abajures. E acompanhou. havia os que se metiam em outras aventuras A singularidade: uma FT incumbida mais arriscadas, como fugir a nado da Es- de demonstração de força, surpreenden- cola (a Baía de Guanabara não era poluída) temente, conduzia, ao invés de tropas de ou, no Colégio, escapar para Angra pelo fuzileiros navais, aspirantes das Turmas “caminho aéreo” (trilha ao longo do morro Miguens, Almirante Cox e Almirante que fica atrás dos prédios). Melhor deixar Grenfell. para lá essas lembranças. Inesquecível, ainda, o fato de o grupo destilatório do Barroso estar avariado, pelo 1967 – Da 8a à 13a singularidade que, nos 11 dias de travessia Recife-Luanda (assim como na volta), o banho diário ter Angola sido de ducha de água salgada – que não faz espuma com o sabão –, no convés de No início de 1967, o Brasil, a madeira do “Bichão32”, sobre o qual muitas pedido de Oliveira Salazar, presiden- vezes praticamos, ao som da Banda de Mú-

31 MPLA – Movimento Popular pela Libertação de Angola, que se sagrou vitorioso. Dois outros grupos também buscavam a independência angolana: a FNLA – Frente Nacional pela Libertação de Angola, de Holden Roberto, e a Unita – União pela Independência Total de Angola, de Jonas Savimbi. 32 “Bichão” – era assim que o CMG José Ferreira Guarita, comandante do Barroso nessa comissão, se referia a seu navio.

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sica, a “lona e areia33”, que os mais jovens feitas condições e o rasgavam à força, em desconhecem. meio à euforia geral pelo término do curso. Mas valeu pela recepção magnífica com Nossa turma foi a última a utilizá-los que fomos honrados em Luanda. A hospitali- integralmente, de Angra a Villegagnon. A dade portuguesa foi indescritível, realmente Almirante Cox, à qual entregamos a Cana de tirar o chapéu. As fotos acima, uma da do Leme em 1967, e suas contemporâneas chegada e outra da partida, falam por si. inauguraram o uso dos novos uniformes, semelhantes aos dos oficiais, em 1968. O fim do mescla e seus “irmãos” O Patrono – Capitão de Fragata João Às vezes me pergunto por quantos Batista Didier Barbosa Viana anos o uniforme mescla e seus congêneres – “branco interno” e cheviot (azul de lã), Uma olhada no Boletim Mensal do mais o inseparável caxangá – terão sido Clube Naval, na parte dedicada aos eventos utilizados no Colégio e na Escola Naval. mensais de turmas da Escola Naval, ou Inesquecíveis seus processos acelerados uma entrada no site http://www.atag.org. de encolhimento e de perda de botões34, o br/Associacoes-de-Turma.htm, permitirá amarelecimento dos “brancos” e as “espe- ao leitor apreciar as denominações de cada tadas” do cheviot. Em nosso último dia de uma delas: em geral são identificadas pelos uso do mescla, como de costume, ocorreu nomes de seus chefes de classe, como a nos- a “rasgação” – grupos de três ou quatro sa, mas há outros critérios, como: o antigo aspirantes avançavam sobre um colega que código fonético em português (apenas três: ainda estivesse trajando o uniforme em per- Dedo, Elmo e Face35); os Patronos, quase

33 “Lona e areia” – “polimento” do convés de madeira. Recortam-se pedaços de mangueiras de incêndio, usadas como “calçado” pelos incumbidos de esfregar o convés, sobre o qual se lançam água do mar e areia. A faina é animada pela Banda de Música, conta com distribuição de jacuba etc. 34 Os botões eram de quatro furos. O truque para que não quebrassem era nunca costurá-los cruzando os fios em “xis”, mas em duas linhas paralelas. 35 Dedo: CN54/EN56/GM58; Elmo: CN55/EN57/GM59; Face: CN56/EN58/GM60; os anos de “GM” referem- se aos oficiais do Corpo da Armada (cursos de três anos), porque os fuzileiros e intendentes, nessa época, faziam apenas dois anos. A Turma Quevedo (CN57/EN59/GM61) foi a última nessas condições. As Turmas Rodin (CN58/EN60/GM63) e Mendes (CN59/EN61/GM64) deram início aos cursos de duração igual para os três Corpos, mas constituíram uma etapa intermediária – a duração foi de três anos e meio. A partir da Turma “Centenário da Batalha de Riachuelo” (CN60/EN62/GM65), os cursos passaram a durar quatro anos.

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sempre ilustres almirantes do passado (Cox, um oficial vitimado em serviço, no ano de Taylor, Grenfell, Jaceguay, Ouro Preto etc.); sua formatura, em episódio que provocou o ano de ingresso no CN ou na EN; eventos comoção nacional, e cuja memória deveria bélicos importantes (Humaitá, Riachuelo); ter sido mais preservada não apenas pelos colegas falecidos ao longo do curso, como a então aspirantes que o elegeram, mas pela Aspirante Moura; lemas ou visões de futuro, própria MB como um todo, ou pela associa- como a Esperança; e assim por diante. ção dos veteranos do velho Barroso? A escolha do patrono de nossa turma se deu sob forte clima emocional: vivíamos o A Galera no 119 grande impacto do trágico acidente ocorrido em 14/8/1967 a bordo do Cruzador Barroso Tradicionalmente, a revista A Galera – a explosão de uma caldeira, que vitimara é editada uma vez por ano, tendo como o chefe de Máquinas e mais dez tripulantes; temática principal a turma que se forma. A o navio ficara à matroca, sem energia – um nossa, no 119, de 1967, muito provavelmen- horror – até ser socorrido pelo Navio-Escola te foi a única, até hoje, a ter sido recolhida. Custódio de Mello e rebocado pela Corveta Pois é. Logo após o lançamento da Caboclo. Assim, elegemos como patrono esse revista, foi aberto um Inquérito Policial chefe de Máquinas – CF João Batista Didier Militar (IPM). Até hoje não sabemos bem Barbosa Viana, que, a rigor, pouca relação as origens desse triste episódio. Pode ter profissional tinha conosco. Talvez por isso, em sido a capa da revista – a Corveta Angos- que pese seu nome ter sido grafado na capa de tura encalhada, sob o título “O que você nosso álbum de formatura, sua memória como deve saber de Marinha”; a polêmica entre- nosso patrono tenha se apagado aos poucos. De vista concedida a um aspirante pelo então qualquer forma, fizemos justiça a ele, inserindo presidente do Clube Naval, tecendo certas seu nome, ao lado do de nosso chefe de Classe críticas à administração naval; artigos lite- Miguens, na placa que, em 17/12/2005, entro- rários, como um que abordava a guerra no nizamos no túnel da Escola Naval pelas mãos Vietnã e outro que reproduzia a poesia de de Neusa, viúva do Miguens. Carlos Drummond de Andrade “Os ombros E então, caro leitor? Conhece alguma suportam o mundo”; ou até a cor da capa outra turma que tenha escolhido para patrono (laranja), muito próxima do vermelho.

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O fato é que a Marinha suspeitou da A microturma existência de uma célula esquerdista na Escola Naval, com fulcro na Sociedade Talvez o leitor se recorde do início Acadêmica Phoenix Naval – SAPN (nosso deste artigo, em que registrei terem sido “grêmio” estudantil), particularmente em 67 os integrantes do núcleo inicial de uma de suas ramificações – um “Centro de nossa turma, em 1962, no Colégio Naval. Estudos” que promovia palestras periódi- A partir daí, houve uma grande sequência cas sobre assuntos extracurriculares, logo de “incorporações e destaques”, que não interpretados como doutrinação comunista. detalharei, para não cansá-los: “replayers” Em consequência, ocorreram revistas de turmas mais antigas que se incorporaram de armários, apreensão de material neles à nossa, no Colégio e na Escola; integrantes encontrado, prisão de aspirantes de nossa do grupo original que, a seu turno, também turma e da Almirante Cox, que já assumira se tornaram “replayers” e passaram às a SAPN. Enfim, uma confusão descomunal, turmas seguintes; inúmeras desistências de às vésperas de nossa formatura, que foi até prosseguimento na carreira naval; e, natu- objeto de matérias divulgadas pela imprensa. ralmente, a mais importante incorporação Mercê de Deus, os presos foram soltos – os 35 procedentes dos Colégios Militares a tempo de receberem suas espadas junto e provenientes do vestibular civil que se com a turma, em 5/1/1968. Naturalmente, reuniram a nós em 1964, na Escola Naval. houve reflexos para as carreiras de alguns Entretanto, todas essas adições e subtra- oficiais que serviam na Escola Naval. Tudo ções, ao longo de seis anos, resultaram apenas isso nos marcou durante algum tempo, mas em um acréscimo de sete pessoas ao grupo hoje, quase meio século depois, são apenas original – a “soma algébrica” resultou em 74 reminiscências. guardas-marinha de 1967: 50 do Corpo da

RMB1oT/2014 117 Do fim do Mescla ao Comandante-Aluno Fuzileiro: Uma Turma Singular! Guarda-chuvam

A formatura de Guardas-Marinha, com chuva

Armada, 19 fuzileiros navais e cinco inten- – para o ginásio. A certa altura, a chuva caiu dentes. Destes, um se demitiu no retorno da para valer. As bainhas de nossas espadas viagem de instrução e dois foram aprovados não são metálicas, mas de couro atanado no concurso para o Corpo de Engenheiros e (ou fibra sintética) pintado de preto. A Técnicos Navais. Restaram apenas dois IM. água soltou a tinta, de sorte que, quando Alguém tem conhecimento de Turma as recebíamos dos almirantes igualmente tão pequena, particularmente no Corpo de encharcados, nossas luvas brancas ficavam Intendentes? negras. E ao cingi-las ao talim, esbarravam nas calças, tingindo-as da mesma cor. Um A chuvarada desastre. Ah, sim, imaginem o que ocorreu com os penteados cheios de laquê e as Findos os festejos natalinos e de Ano maquiagens das mães, avós, noivas, na- Novo, as curtas férias e, naturalmente, o moradas, que logo depois tinham de correr período de segunda época para alguns, pela grama inundada, chegar até cada um de retornamos à Escola Naval, no alvorecer nós e trocar nossas platinas, que igualmente de 1968, para os ensaios da cerimônia de deixavam escorrer uma tinta preta. Ah, foi formatura. O tempo não estava bom, havia muito feia a coisa... fortes prenúncios de chuva, chegamos a treinar no interior do ginásio – a alternativa 00:00 às 04:00 que ninguém desejava. O dia 5 de janeiro amanheceu nublado, mas O quarto mais detestado. Do silêncio a direção da Escola decidiu, para alegria geral, à meia-noite, pouco ou nada se dorme, e que a cerimônia seria mesmo no campo de sempre de forma agitada, dada a preocu- esportes. E lá fomos nós, de uniforme branco, pação em acordar logo depois. Antes de se ainda portando os espadins que seriam deposi- assumir o serviço, é fundamental ingerir o tados ao lado dos restos do mastro da Fragata rancho noturno, que quase sempre conta Amazonas, comandada por Barroso na Batalha com o famoso “bolo as(z)iático”. Mas o Naval do Riachuelo. O campo gramado, toda- desestimulante “zero às quatro” tem lá via, estava encharcado pelas chuvas dos dias uma vantagem – pode-se acordar às 07:00, anteriores, e nosso passo compassado não só desde que se tampem bem os ouvidos com encheu de água sapatos e meias, como lançou algodão, para não ser atingido pelos inten- lama nas bordas das calças. sos ruídos da Alvorada: cornetas, apitos, Mas não parou aí. Iniciada a cerimônia, falatório... não era mais possível interrompê-la e levar Mas, como se acredita que a noite seja todos – inclusive o Presidente Costa e Silva boa conselheira, é também o quarto de-

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dicado às reflexões, à escuta de músicas comemorativo de nosso cinquentenário suaves, ou “dos sons do silêncio”, à leitura, de ingresso na MB. O outro – “Circum- à troca de confidências com os parceiros de navegar também é preciso” – alude a todas serviço, à narrativa de velhas histórias ma- as circum-navegações realizadas pela MB, rinheiras, que inevitavelmente contemplam das quais – eis a 14a singularidade – nossa gabolices, amores vividos e perdidos em viagem foi a 5a... e a primeira inteiramente mil e um portos, fantasmas e assombrações. a vapor. Este segundo texto foi publicado na Revista de Villegagnon (Ano III, no 3, 1968 – As duas últimas 2008), editada eletronicamente e disponível singularidades no site da EN: http://www.en.mar.mil.br. Transcrevo o parágrafo final do segundo “Oh, tristeza me desculpe, estou de artigo mencionado: “Foram 135 dias de malas prontas, hoje a alegria veio ao meu inesquecíveis experiências, 43 dias pas- encontro, já raiou o dia, vamos viajar...36” sados em dez portos estrangeiros (e dois Entre 19 de abril e 1o de setembro de nacionais), 89 dias de mar, com travessias 1968, realizamos a sonhada Viagem de que tiveram de três a 13 dias de duração e Instrução, a bordo do Navio-Escola U26 25.991 milhas navegadas”. Custódio de Mello. Há dois interessantes relatos sobre esse cruzeiro, ambos redigidos por nosso colega de Turma CMG (Refo) William Carmo César, professor de Histó- ria Naval na EN há muitos anos e autor tam- bém do livro-texto dessa matéria ali empre- gado – Uma História das Guerras Navais. Um de seus artigos – “O NE Custódio de Mello e sua X Viagem de Instrução” – foi publicado na Revista Marítima Brasileira há vários anos e adaptado pelo autor, em 2012, para inserção no livro37 que editamos,

36 “Viagem” – música de João de Aquino e Paulo César Pinheiro gravada em 1964, ano em que ingressamos na Escola Naval. 37 Turma Miguens – 50 Anos – disponível para venda como impresso ou e-book em http://clubedeautores.com. br/books/search?utf8=%E2%9C%93&what=Turma+Miguens&sort=&commit=BUSCA

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O roteiro: Rio de Janeiro – Recife – Conclusão – novo quarto Belém – travessia do Canal de Panamá d’Alva - Balboa (Panamá) – Acapulco (México) – Long Beach/Los Angeles (EUA) – Hono- Setembro de 1968, com o retorno da lulu e Pearl Harbor (Havaí/EUA) – Tóquio Viagem de Instrução e a nomeação a se- (Japão) – Manilla (Filipinas) – Singapura38 gundos-tenentes, foi a nossa Alvorada para – Colombo (Ceilão, hoje Sri Lanka) – Lou- a carreira como oficiais. Uma nova leva de renço Marques (hoje Maputo – Moçambi- guardas-marinha nos sucedeu, e passamos a que) – Cidade do Cabo (África do Sul) e viver, em outro plano, milhares de ciclos de Rio de Janeiro. 24 horas como os aqui descritos, alternando sorrisos e lágrimas, encantos e desencantos, A 15a singularidade sonhos e desilusões, perdas e ganhos, ao Reeditamos, exa- É inevitável fazermos um longo de três décadas tos 60 anos depois, a – pouco mais, pouco presença de um na- balanço de nossas vidas menos – de permanên- vio-escola brasileiro dedicadas ao mar. E, ao cia no Serviço Ativo no Japão: o Benjamim da Marinha, às quais se Constant, a vela, esti- fazê-lo, constatarmos que, somam outras de con- vera lá em 1908, na 3a conquanto o passar dos vívio com a Força, ora circum-navegação da anos venha rarefazendo prestando-lhe serviços MB, e marcara dupla- na Reserva, ora revisi- mente sua passagem continuamente nossas tando-a diuturnamente, por aquele país: pri- memórias, jamais nos navios, casernas, meiro, com o resga- museus, clubes e nas te, na Ilha de Wake, olvidaremos a marca inúmeras publicações de 20 japoneses, que profunda que nos ficou de que a divulgam, como ali se encontravam tudo isso... as aqui mencionadas. isolados, náufragos E hoje, mais de cin- do pesqueiro Tokyo co décadas depois de Maru; e na capital japonesa, com o ofe- termos envergado pela primeira vez os recimento de um jantar ao Almirante uniformes navais, quando nos vemos a Heihachiro Togo, herói da Batalha Naval cada dia mais próximos do arriar definitivo de Tsushima, travada apenas três anos de nossos pavilhões, ao som do toque de antes, em maio de 1905, na guerra russo- silêncio individual que inevitavelmente virá japonesa. Na visita que fizemos a uma – eis que tantos dos nossos já o receberam –, Academia Naval japonesa, pudemos apre- é inevitável fazermos um balanço de nossas ciar, numa sala de memória, a miniatura vidas dedicadas ao mar. E, ao fazê-lo, cons- do NE Benjamim Constant com que seu tatarmos que, conquanto o passar dos anos comandante, CF Antonio Coutinho Gomes venha rarefazendo continuamente nossas Pereira, presenteara aquele estabelecimen- memórias, jamais olvidaremos a marca pro- to, seis décadas antes. funda que nos ficou de tudo isso, sintetizada

38 Em 1968, escrevia-se com “S”, e não com “C”, como atualmente.

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nos versos do Hino da Escola Naval39. Até traduz o prefixo da EN – e nos leva a cantar, hoje, ao ser tocado, ele nos traz arrepios, da por todo o sempre, emoção à flor da pele: vibrante introdução ao acorde final – uma e “São as águas azuis nossos lares... Somos outra consistindo no toque de corneta que livres para sempre sobre os mares...”

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; História naval; Turma;

39 Letra e música do CMG Luiz Felippe Menezes de Magalhães.

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NOMES DE VALOR*

Pedro Gomes dos Santos Filho1 Capitão de Mar e Guerra (RM1)

o decorrer de nossas vidas profis- ao estabelecermos contato com eles, nos Nsionais, temos contato com nomes lembremos de que ali não está apenas uma curiosos e quase sempre os correlaciona- marca ou um produto, mas um ser humano mos a algum equipamento, método, objeto, de valor, cujos esforços contribuíram de manobra, fórmula, livro, fenômeno etc. algum modo para o desenvolvimento das Frequentemente passa despercebido que Artes e Ciências Navais. não estamos tratando com substantivos AGULHA SPERRY – Elmer Ambrose comuns, mas com nomes próprios. É nor- Sperry (1860 – 1930) foi um notável en- mal não notarmos que aqueles nomes não genheiro e empreendedor norte-americano se referem a coisas, mas a pessoas que, ao nascido em Cortland, Nova York. Em 1910, terem sido escolhidas para batizá-las, es- fundou a Sperry Gyroscope Company tavam recebendo uma homenagem às suas para desenvolver e aperfeiçoar a agulha qualidades e, principalmente, à sua história giroscópica. de sucesso profissional. Coube ao Engenheiro Sperry, depois Vale a pena, portanto, destacar alguns de um persistente e aprofundado estudo desses nomes e apresentar breves resu- por cerca de dez anos, chegar a resultados mos das suas realizações, de modo que, práticos sobre a utilização de uma agulha

* Publicado na Revista de Villegagnon de 2013. 1 Doutor em Política e Estratégia pela Escola Superior de Guerra e instrutor de Navegação na Escola Naval. NOMES DE VALOR

giroscópica. Construída a primeira agulha, magnetismo ela foi instalada no Paquete Princess Anne, do navio. A so- no ano de 1911. Neste mesmo ano, depois lução criativa de resultados satisfatórios nos testes reali- idealizada pelo zados a bordo, a agulha foi transferida para Flin- o Encouraçado Delaware e, mais tarde, ders, a Barra para outros navios da US Navy. de Flinders, foi colocada em prática com sucesso duran- Flinders te uma viagem à Austrália realizada a bordo do HMS Investigator, em 1801/02. BOWDITCH – “Bíblia” da Navegação marítima, o livro American Practical Na- vigator, conhecido apenas por Bowditch, é de autoria de Nathaniel Bowditch (1773 – Sperry 1838). Bowditch começou a aprender a arte Paralelamente, na Alemanha, Herman de navegar aos 13 anos, ensinada por um Anschütz-Kaempfe também chegava a velho marinhei- resultados práticos apreciáveis com uma ro inglês. Sua agulha giroscópica de sua invenção. Até carreira no mar hoje se discute quem foi o primeiro inventor; iniciou quando a entretanto, os resultados da agulha Sperry precisão do tem- foram mais aceitos pelas demais Marinhas, po não estava que providenciaram a instalação do equipa- disponível para mento revolucionário nos seus navios. a média dos na- A Marinha do Brasil (MB), diante dos re- vios mercantes sultados positivos da agulha Sperry, também ou de guerra. a adotou, porém ainda em escala reduzida. Um cronômetro Bowditch As primeiras agulhas giroscópicas usadas na marítimo con- MB foram instaladas, respectivamente, nos fiável já havia sido construído anos antes, encouraçados São Paulo e Minas Gerais. mas, além do preço ser proibitivo, não era A partir da Primeira Guerra Mundial, a agu- possível determinar com a precisão reque- lha giroscópica se tornou equipamento padrão rida o erro do cronômetro nas viagens de a bordo dos navios de guerra e mercantes, e até longa duração. Outro sistema de calcular hoje a Sperry é uma marca de sucesso. a longitude, utilizando-se a distância lunar BARRA DE FLINDERS – Matthew sem a necessidade de cronômetros, também Flinders (1774 – 1814), navegador e era conhecido, mas o método, produto da hidrógrafo inglês, imaginou um meio de mente de matemáticos e astrônomos, ficava uma ou mais barras pequenas de ferro doce além da capacidade de um rude marinheiro serem introduzidas em um tubo de latão daqueles tempos. Deste modo, os navios fixado verticalmente à bitácula de uma navegavam pela combinação de navegação agulha magnética, localizando-as de modo estimada e parallel sailing (sistema de vele- que anulassem os erros provocados pelo jar para Norte ou Sul até a latitude do local

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de destino e depois para Leste ou Oeste em criar um método mais fácil de cálculo, a direção ao destino). fim de permitir que os navios navegassem Para Bowditch, gênio da Matemática, o com maior segurança. Por meio de análises cálculo da distância lunar não era mistério, e observações, chegou a uma nova e sim- mas ele reconheceu a necessidade de se plificada fórmula. Quando Bowditch iniciou sua carreira no mar, o livro utilizado era The Practical Navigator, de John Hamilton Moore. Ao detectar alguns erros naquela publicação, Bowditch foi chamado para compor a equi- pe que iria preparar a nova edição. Quando preparava uma terceira edição americana, o editor constatou que Bowditch tinha revisa- do o trabalho de Moore em grande extensão e resolveu considerar o livro como de sua autoria. A obra saiu com o título The New Pratical Navigator, cuja primeira edição foi publicada em 1802. Em 1867, o governo dos Estados Unidos comprou o copyright, e a partir daí tem regularmente publicado, em dois volumes, o Bowditch, que já possui 52 edições. CARTA DE MERCATOR – Gerardus Mercator, ou Gerhard Krämer (1512– 1594), Livro The New American Practical Navigator cartógrafo flamengo nascido em Flanders,

Carta do Mundo de Mercator (1569)

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foi graduado na tor e pintor de retratos e cenas históricas Universidade de do seu país, os Estados Unidos. Tornou-se Louvain. Possui- mundialmente célebre por suas invenções: dor de notável o código (ou alfabeto) Morse e o telégrafo. talento, sua vida Na Navegação, sinais em Código Morse foi devotada ao são utilizados para identificar a posição aperfeiçoamen- de boias que possuem auxílio à navegação to de mapas e à radar ativo do tipo Racon (radar beacon). construção dos Outra aplicação do Código Morse de inte- mesmos em bases resse para a Navegação é a correspondência matemáticas mais existente entre as letras do alfabeto Morse, Mercator seguras. os sinais de uma letra (bandeiras) do Códi- O primeiro mapa em que apareceu seu go Internacional de Sinais (CIS) e alguns nome foi um mapa-múndi de 1538. Sua sinais sonoros previstos no Regulamento celebridade, entretanto, data de 1569, ano Internacional para Evitar Abalroamento no em que fez publicar sua Carta Universal Mar (Ripeam). (planisfério), na qual as loxodromias eram representadas por linhas retas. A carta ori- ginal de Mercator, de 1569, foi encontrada em 1889, em Breslau, e, em 1931, foi re- produzida pelo Bureau Hidrográfico Inter- nacional. A projeção de Mercator atende a quase todas as características de uma carta náutica ideal e é utilizada na navegação marítima até os dias atuais. CÓDIGO MORSE – Samuel Finley Breese Morse (1791 – 1872) foi um inven- Coroa de Barbotin COROA DE BARBOTIN – A roda fundi- da existente nas máquinas de suspender, ten- do a periferia côncava e dentes onde a amarra se aloja e os elos são momentaneamente pre- sos durante o movimento, foi inventada, em 1838, pelo então Capitão de Fragata francês Benoît Barbotin (1793 –1871). CRONÔMETRO HARRISON – Dis- putando com cientistas de prestígio, como Isaac Newton e Edmond Halley, o valioso prêmio estabelecido em 1717 pelo Parlamento da Grã-Bretanha para quem conseguisse determinar o valor da longitude no mar, o humilde artesão John Harrison (1693 – 1776) foi o vencedor ao construir um cronômetro extremamente preciso, capaz de resistir às oscilações de Morse um navio em alto-mar. Embora os mem-

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comissão, que preferia conceder o prêmio a um pesquisador de renome, Harrison foi obrigado a apresentar a seus membros cinco modelos, os cronômetros Harrison H1, H2, H3, H4 e H5, até ficar provado que a longitude poderia ser calculada por um cronômetro. O teste final ocorreu em 1772, quando o explorador, navegador e cartógra- fo inglês Captain James Cook levou um dos cronômetros em sua viagem à Antártica, ocasião em que atingiu pela primeira vez o Círculo Polar Antártico e descobriu as ilhas que levam seu nome. O cronômetro funcionou perfeitamente em temperaturas inferiores a zero, o que motivou Cook a elaborar um relatório entusiasmado sobre o seu desempenho. Pelo trabalho que lhe consumiu metade da existência, Harrison recebeu o prêmio em 1773, mas veio a falecer três anos depois. Harrison CURVA ou MANOBRA DE WILLIA- MSON – A manobra de recolhimento de bros da comissão encarregada de atribuir homem ao mar leva o prêmio estivessem mais inclinados a o nome do oficial acreditar que a solução viria de tabelas da reserva da Mari- lunares desenvolvidas pelos matemáticos nha norte-americana e astrônomos, acabaram por reconhecer John Williamson, o valor do relojoeiro. Devido ao rigor da que a empregou em 1943. John A. Williamson entrou na Marinha norte- americana como marinheiro e mais tarde se tornou comandante do USS En- gland. Como instrutor servindo em terra, Williamson desenvolveu a manobra que, ao final, retorna o navio para o ponto onde o homem caiu no mar. A manobra é re- comendada para situações noturnas ou de baixa visibilidade. CURVA ou MANOBRA DE BU- TAKOV – Filho de prestigiado oficial de Marinha, Gregory Ivanovich Butakov (1820 – 1882) entrou na Marinha da Rússia Cronômetro Harrison aos 11 anos de idade e alcançou o posto

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navegação. Nessa época eram comuns os naufrágios em alto-mar por motivo de insuficiência das qualidades náuticas dos navios e por excesso de carga. Somente um pou- co antes, em 1870, Plimsoll tinha sido tornada obrigatória a ins- crição das marcas de calado a vante e a ré nos navios mercantes. Fruto dos esforços de Plimsoll, uma lei regulamentada em Butakov 1876, na Inglater- de almirante, o mais graduado da carreira ra, tornou obriga- naval de seu país. Participou da Guerra tória a pintura no da Crimeia, conflito no qual ocorreram as costado de uma primeiras batalhas envolvendo navios a marca limite (dis- Disco de Plimsoll vapor. Baseado na sua experiência e nos co cortado por um segmento de reta hori- seus estudos, escreveu, em 1863, o livro zontal, pintado a meia-nau, nos dois bordos, denominado New Principles of Steamboat ladeado por letras que indicam a sociedade Tactics, que despertou grande interesse classificadora que acompanhou a construção das mais importantes Marinhas do mundo. do navio) para a altura da borda livre, que A ele é atribuída a criação da manobra, ficou conhecida como Disco de Plimsoll. empregada, a princípio, na tática de manter ESCALA BEAUFORT (ou ESCALA os canhões a uma mesma distância dos DE BEAUFORT) – Sir Francis Beaufort navios inimigos após a inversão de rumos. (1774 – 1857) foi o almirante inglês, A Curva de Butakov é até hoje utilizada na faina de recolhimento de homem ao mar e nas provas de milha medida, onde o navio deve fazer várias corridas de ida e volta, tendo como referência dois alinhamentos separados por distância, normalmente de uma milha, medida com precisão. DISCO DE PLIMSOLL (ou MARCA DE PLIMSOLL) – Samuel Plimsoll (1824 – 1898) foi o congressista inglês que, entre 1873 e 1876, provocou no Parlamento britânico discussões que levaram à apro- vação de leis e convenções destinadas a impedir a sobrecarga perigosa dos navios mercantes, aperfeiçoando a segurança da Beaufort

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hidrógrafo e idealizador da escala estabe- E S C O T E lecida em 1806 que presta grande serviço – Aparelho de aos navegantes quando permite avaliar, sinalização vi- consultando o aspecto do mar, o grau de sual, usado a segurança possível para navegar sob um bordo de navios vento de determinada força. As designa- à noite, para en- ções da escala variam de 0 (Calmaria) a 12 viar mensagens (Furacão). A escala foi adotada na Royal utilizando o al- Navy a partir de 1853 e na maior parte das fabeto Morse. nações a partir de 1874. Foi revisada em É um dispositi- 1905 por G. C. Simpson. Em 1926, foi no- vo constituído vamente revisada, sendo incluído o registro de lâmpadas, da velocidade do vento. dispostas nos Scott

Escala Beaufort

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mastros (lais da verga), cujo acendimento alta importância é comandado a distância por um manipu- na Marinha dos lador do tipo telegráfico. Seu inventor, Sir Estados Unidos, Percy Scott (1853 – 1924), foi almirante da Fiske inventou, Marinha britânica e pioneiro da artilharia durante sua lon- moderna, considerado por muitos como o ga carreira, cerca responsável pela criação dos sistemas de de 130 aparelhos direção de tiro (fire control). O primeiro com uso civil e navio brasileiro a dispor de um escote foi militar, o que o Cruzador Primeiro de Março (incorpo- levou a renoma- ração: 1882; baixa: 1917). da revista The ESFERAS DE BARLOW – Peter Bar- Fiske New Yorker a low (1776 – 1862), matemático e físico in- considerá-lo como um dos mais notáveis glês, idealizou a colocação de duas grandes inventores de todos os tempos. Autor de esferas de ferro dispostas uma de cada lado diversos artigos e livros técnicos, também de qualquer se destacou pela inestimável contribuição ao a g u l h a desenvolvimento de conceitos táticos inova- magnética, dores e dos modernos sistemas de direção de apoiadas na tiro. Entre os diversos equipamentos frutos da bitácula, de sua capacidade inventiva, podem-se incluir: forma que indicador de ângulo de leme, telégrafo de a sua força manobra, indicadores de rumo e velocidade, de atração telêmetro para torretas, além do estadímetro s e j a t ã o Fiske, utilizado durante muito tempo nos grande que passadiços dos navios da Marinha do Brasil. reduza ou FORÇA (OU EFEITO) DE CORIOLIS elimine a Barlow – Efeito da rotação da Terra sobre os ventos capacidade e correntes oceânicas, conceito fundamen- de atração de outros ferros do navio, permi- tal no estudo da meteorologia, balística tindo que a agulha funcione normalmente. e oceanografia. Seu nome é referência a ESTADÍMETRO FISKE – Instrumento Gaspar Gus- destinado a medir distâncias no mar, o es- tave de Co- tadímetro Fiske homenageia seu inventor, o riolis (1792 Contra-Almirante Bradley Allen Fiske (1854 – 1 8 4 3 ) , – 1942). Além do sucesso na sua vida opera- matemático tiva, tendo chegado a desempenhar cargos de e engenheiro francês do século XIX, autor de di- versos es- tudos sobre Mecânica e Coriolis responsável pela introdução dos termos “trabalho” e “energia cinética” com o sig- Estadímetro Fiske nificado científico que hoje são conhecidos.

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Lâmpadas Aldis LÂMPADA ALDIS – Aparelho portátil de sinalização visual, usado a bordo de navios para enviar mensagens em Código Morse através de sinais direcionais de elevada intensidade luminosa. O nome provém do seu inventor, o inglês A. C. W. Aldis (1878 – 1953). Saint-Hilaire ODÔMETRO DOPPLER – Christian Johann Doppler (1803 – 1853), físico e ma- celeste, usando: uma posição assumida, temático austríaco, em 1842 publicou um a diferença entre as altitudes observada e trabalho, intitulado “Sobre a luz colorida calculada e o azimute. das estrelas”, em que descrevia o fenôme- PROJEÇÃO DE LAMBERT – Johann no da propagação Heinrich Lambert (1728 – 1777), autodida- ondulatória, que fi- ta, filho de um alfaiate da região da Alsácia, cou conhecido por foi o idealizador da projeção cônica mais Efeito Doppler. Este utilizada na navegação. Marcações radio- efeito é a mudan- g o n i o m é - ça da frequência de t r i c a s d e uma onda quando a sinais de rá- fonte de vibração e o dios que se observador estão em propagam movimento. Muitos por círculos Doppler equipamentos utili- m á x i m o s zados na Navegação, como radares, sona- podem ser res e odômetros, têm seu funcionamento p l o t a d a s baseado no efeito Doppler. O odômetro nesta pro- Doppler, além de apresentar a vantagem de Lambert jeção sem poder indicar velocidades muito pequenas, a correção de que necessitam quando é o único tipo de odômetro que mede a plotadas em uma Carta de Mercator. Esta velocidade no fundo. característica tornou a Projeção de Lambert PONTO SAINT-HILAIRE – Adolph adequada para cartas aeronáuticas, pois Laurent Anatole Marcq de Blonde de em navegação aérea faz-se intenso uso de Saint-Hilaire (1832 – 1889), almirante da marcações rádio. Marinha francesa, desenvolveu, em 1874, QUADRANTE DE DAVIS – Inventa- um método para obtenção de um ponto na do em cerca de 1590 pelo experiente na- Navegação Astronômica, estabelecendo vegador inglês John Davis (1550 – 1605), uma linha de posição a partir de um corpo o quadrante, também conhecido como

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nuais práticos de navegação, intitulado The Seaman’s Secrets, cujo propósito, segundo o autor, era fornecer “tudo que fosse necessário para os marinheiros e não para os estudiosos em terra”2. Ainda é batizado com seu nome o Estreito de Davis, situado entre a costa ocidental da Groenlândia e a Ilha de Baffin, no Canadá, por seus esforços na exploração da mítica Passagem do Noroeste, caminho para o Pacífico através do Norte da América. Quadrante de Davis SÉRIE DE TRAUB – A pesquisa re- alizada na elaboração deste trabalho não backstaff, era um aperfeiçoamento do foi capaz de identificar quem foi Traub, cross-staff, instrumento para medir a altu- idealizador da série que leva seu nome, ra angular do sol. Além de ser mais preciso empregada para determinação da posição do que o cross-staff, tinha a vantagem adi- de uma embarcação através de marcações cional de apresentar as leituras em ângulo polares sucessivas. A tarefa ficou ainda de 45 graus, que permitiam a medição da mais difícil quando constatado que o Ma- altura do Sol nas altas latitudes sem ofus- nual de Navegação da Escola Naval Militar c a r s e u da Argentina trata do assunto “Série de u s u á r i o , Traub” omitindo as marcações 14º, 16º tornando e 18º, alterando a marcação de 27º para obsoletos 26,5º e utilizando a denominação “Série de o a s t r o - demoras de Troub” (com o) e não Traub. lábio e a Consideramos que, mesmo com a falta de balestilha, dados que possibilitem a identificação po- c r i a d o s sitiva de quem criou a série, vale o registro no século de seu nome como reconhecimento pela XV. His- contribuição dada à Navegação. toriadores SUSPENSÃO CARDAN – Girolamo registram Cardano (1501 – que a in- 1576), em inglês venção de Jerome Cardan, Davis foi além de ter sido Davis fabricada p r o f e s s o r d e até o final do século XVIII, sendo, portan- Medicina, foi o to, de grande utilidade para os navegado- matemático, fí- res até ser substituída pelo octante, que, sico e astrônomo por sua vez, deu lugar ao sextante. Cabe italiano que in- registrar que John Davis, um dos poucos ventou a suspen- marinheiros inventores de instrumentos são que carrega náuticos, elaborou um dos primeiros ma- seu nome, cuja Cardan 2 BOWDITCH. Nathanael. American Practical Navigation. U.S. Naval Oceanographic Office, Washington DC, 1966, p.34.

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função é manter um objeto na posição horizontal qualquer que seja a posição do seu apoio. Este mecanismo é utilizado a bordo para apoiar as cubas das agulhas magnéticas, as repetidoras das agulhas giroscópicas e os cronômetros de precisão empregados na navegação. Embora esse sistema tenha sido atribuído a Cardan por volta de 1560, há registros de que esse tipo de suspensão já era empregado nos navios portugueses, pelo menos desde 1537, com o nome de “balança”. TUBO DE PITOT – Físico e engenheiro francês, Henri Pitot (1695 – 1771) inven- tou, em 1731, um instrumento para Radler de Aquino determinação da Gerais, antes de o navio suspender do porto velocidade de de Newcastle com destino ao Brasil, após a escoamento de sua incorporação à Armada brasileira, em um fluido através 1910. As Tábuas foram de grande valia da diferença de durante a viagem, o que demonstrou a sua pressões estática utilidade e o modo fácil de seu emprego. e dinâmica, de- A primeira edição norte-americana foi nominado “tubo publicada em Annapolis, em 1927, tendo de Pitot”, que, sido adotada por vários anos na U.S. Na- além de ter vá- val Academy e na U. S. Navy. A edição rias utilidades, é Pitot “Universal” norte-americana também foi empregado nos publicada em Annapolis, em 1938. odômetros de fundo (tipo de pressão) ins- O Aviso Ministerial de 31 de julho de talados a bordo de alguns navios. 1923, assinado pelo Almirante Alexandri- TÁBUAS RADLER – Francisco Ra- no Faria de Alencar, determinou a adoção dler de Aquino (1878 – 1953), destacado oficial das Tábuas de Alturas e Azimutes oficial da Marinha do Brasil, foi o autor pela Marinha do Brasil, destacando a “sua das Tábuas Radler para navegação astro- grande aceitação nas Marinhas mercantes nômica. Publicadas inicialmente com o e de guerra ingleza, norte-americana e título de Tábuas de Alturas e Azimutes, as japoneza”. A segunda edição brasileira foi Tábuas Radler receberam, posteriormente, publicada em 1943 e a terceira, em 1973, o título de Tábuas Náuticas e Aeronáuticas ambas no Rio de Janeiro. Universais. Sua 1a edição foi publicada VERNIER – Utilizado em sextantes no Rio de Janeiro, em 1903. Três edições e outros instrumentos de medida, o dis- inglesas foram publicadas no período de positivo que permite determinar com 1910 a 1924. A primeira foi aprovada por rigor frações de uma graduação linear ou uma comissão de três oficiais nomeada pelo angular recebe o nome do matemático Capitão de Mar e Guerra João Batista das francês Pierre Vernier (1580 – 1637). O Neves, comandante do Encouraçado Minas vernier é um aperfeiçoamento do nônio,

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Vernier

cuja denominação também deriva do nome dos astros. Nunes, além de autor de outros do seu idealizador, o cosmógrafo real e importantes estudos sobre Álgebra, Na- matemático português da época dos des- vegação e Astronomia, foi o responsável cobrimentos Pedro Nunes (1502 – 1579). pela concepção da loxodromia, trajetória O nônio se destinava a aumentar em cerca que sempre mantém a mesma orientação de 30 vezes o rigor do astrolábio, à época em relação aos pontos cardeais, também o instrumento apropriado às observações conhecida como linha de rumo.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Sperry, Elmer; Flinders, Matthew; Bowditch, Nathaniel; Mercator, Gerardus; Morse, Samuel; Barbotin, Benoît; Harrison, John; Williamson, John; Butakov, Gregory; Plimsoll, Samuel; Beaufort, Francis; Scott, Percy; Barlow, Peter; Fiske, Bradley; Coriolis, Gaspar; Aldis, A.; Doppler, Christian; Saint-Hilaire, Adolph; Lambert, Johann; Davis, John; Traub; Cardano, Girolamo; Pitot, Henri; Aquino, Radler; Vernier, Pierre;

134 RMB1oT/2014 NOMES DE VALOR

BIBLIOGRAFIA

BAKKER, Mucio Piragibe Ribeiro de. A Projeção de Mercator. Rio de Janeiro, Diretoria de Hidro- grafia e Navegação, 1975. BOWDITCH. Nathanael. American Practical Navigation. U.S. Naval Oceanographic Office, Wa- shington DC, 1966. BRASIL. Ministério da Marinha. História Naval Brasileira, Volume V, Tomo II. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1985. CHERQUES, Sergio. Dicionário do mar. São Paulo, Globo, 1999. DASH, Joan. O prêmio da longitude. São Paulo, Companhia das Letras, 2002. DICIONÁRIO Marítimo Brasileiro – Seção Científica, Clube Naval, Imprensa Naval, 1961. EUA. Defense Mapping Agency Hydrographic/Topographic Center. American Practical Navigatior – Bowditch. Pub No 9. Washington, DC, 1980. FONSECA, Maurílio M. Arte Naval. 2a ed., Rio de Janeiro, 1960. MALONEY, Elbert S. Dutton’s Navigation and Piloting. 13a ed. Annapolis, Maryland, EUA, Naval Institute Press, 1978. MANUAL DE NAVEGACIÓN. Escuela Naval Militar, Armada Argentina/Diego Antonio Sánches... [et al.]. 1a ed. Buenos Aires, 2008. MIGUENS, Altineu Pires. Navegação: a ciência e a arte. Rio de Janeiro, Diretoria de Hidrografia e Navegação, 1996.

RMB1oT/2014 135 28 de Março – Dia das Comunicações Navais – Vice-Almirante Tácito Reis de Moraes Rego, Patrono das Comunicações Navais

CLAUDIO DA COSTA BRAGA* Capitão de Mar e Guerra (RM1)

SUMÁRIO

Como tudo começou? As radiocomunicações na Marinha nasceram no Batalhão Naval

o dia 28 de março último, comemorou- Aperfeiçoamento em Comunicações para Nse, na Diretoria de Comunicações Oficiais (Caco), no Centro de Instrução e Tecnologia da Informação da Marinha Almirante Wandenkolk (CIAW), locali- (DCTIM), o Dia das Comunicações Na- zado na Ilha das Enxadas, no interior da vais. Na mesma ocasião, foi reverenciado Baía de Guanabara, Rio de Janeiro. Para o Vice-Almirante Tácito Reis de Moraes quem não é da Marinha do Brasil (MB) e Rego como seu patrono. não está familiarizado com estas nomen- claturas e definições (aperfeiçoamento e Como tudo começou? instrução), esclareço que esse curso de aperfeiçoamento é um curso em nível de No período de outubro de 1979 a de- pós-graduação, com aulas pela manhã e zembro de 1980, fui aluno do Curso de à tarde, em horário integral, das 8 às 17

* Autor dos livros A Guerra da Lagosta, O Último Baile do Império, 1910 – O Fim da Chibata – Vítimas ou Algozes?, Tamandaré nas Guerras da Independência e Cisplatina, A Administração Naval do período de 1889 até o início do Governo Prudente de Moraes, A Independência do Brasil – uma visão portuguesa e do Ensaio A Importância Geopolítica da África Austral para a Estratégia Naval Brasileira. 28 de Março – Dia das Comunicações Navais – Vice-Almirante Tácito Reis de Moraes Rego, Patrono das Comunicações Navais

horas e com duração de cerca de um ano. eram bastante representativos para os Nesse importante Centro de Instrução são cursos a que se referiam, além de serem realizados outros cursos equivalentes para de fácil identificação. Penso que, de todos os oficiais que desejam se aperfeiçoar em os cursos que fazemos na MB, talvez os de outras especialidades, tais como Eletrônica Aperfeiçoamento para Oficiais sejam os de (Caeo), Armamento (Caao) e Máquinas maior significado em nossas carreiras, pois, (Camo), além, é claro, Comunicações após sua conclusão, norteiam a maioria (Caco), como foi o meu caso. das futuras comissões dos oficiais a bordo Pois bem, voltando a 1980, em meados de navios ou em Organizações Militares daquele ano, além de me dedicar às ativida- (OM) de terra. Além disso, sempre, entre des acadêmicas normais, decidi contribuir nós mesmos, costumamos nos identifi- com a especialidade que escolhi dedicando car fazendo referência a esses cursos de parte do meu tempo a elaborar distintivos aperfeiçoamento, com expressões do tipo: que a MB não possuía. “Ele é (ou sou) comunicativo, eletrônico, Assim, trabalhei na criação de distin- armamentista ou maquinista”. Uma vez tivos que caracterizassem não só o Curso que já havia distintivos aprovados para de Comunicações, como também os de duas outras especialidades, a dos Avia- Eletrônica, Armamento e Máquinas. dores Navais e dos Submarinistas, tentei, Elaborei, com a ajuda do antigo Ser- em duas ocasiões, a adoção desses novos viço de Documentação Geral da Marinha distintivos na MB, por meio de proposta (SDGM), hoje Diretoria do Patrimônio ao então Gabinete do Ministro da Marinha, Histórico e Documentação da Marinha mas não fui bem-sucedido. Como este não (DPHDM), quatro distintivos que repre- é o tema central deste trabalho, encerrarei sentassem os cursos, e que deveriam ser por aqui esta breve descrição e voltarei a usados nos uniformes, caracterizando os enfocar o assunto Dia das Comunicações seus portadores como possuidores dos Navais e seu Patrono. Transcrevo a seguir, respectivos cursos. Ficaram prontos e, no a título de informação, os quatro distintivos meu ponto de vista, todos os distintivos elaborados e não aprovados:

Comunicações Armamento

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Eletrônica Máquinas

Em 1980, quando no CIAW, realizei da Lagosta e O Último Baile do Império. E escritos e pesquisas sobre uma proposta procurei também o nosso historiador naval, de data para ser comemorada como o Dia o Almirante Helio Leoncio Martins. Com o das Comunicações Navais, com sugestão apoio e a orientação segura e precisa desses de nome para seu Patrono. dois chefes navais, senti-me entusiasmado Mantive esses estudos guardados co- em concluir os estudos para propor um dia migo, e eles vieram a se tornar muito úteis e um patrono para as Comunicações Navais quando, em 2008, voltei a tratar do assunto. na Marinha do Brasil. Naquele ano, o diretor da Diretoria de Te- As comunicações navais existem desde lecomunicações da Marinha (DTM)1 era o os primórdios da navegação marítima e Contra-Almirante Aloysio, companheiro de também desde o início da nossa Marinha. longa data na MB. Após um bate-papo, fui Entretanto, me concentrei nas comunica- por ele incentivado a dar continuidade ao ções radioelétricas, que, no fim do século tema, pois me daria o apoio administrativo XIX e início do século XX, passaram a necessário. Retomei o estudo, retirando do ser provocadoras de mudanças relevantes fundo da minha biblioteca aqueles primeiros nessa área do conhecimento, em todas as escritos, há longos anos realizados e guarda- Marinhas do mundo, influindo significa- dos. Já havia também, durante esse tempo, tivamente nas operações de guerra naval. mostrado esses estudos a outros amigos. Vários estudos e inventos foram necessá- Procurei, então, em busca de mais rios para que o cientista italiano Guglielmo apoio, o Almirante Bittencourt, diretor da Marconi, no dia 12 de dezembro de 1901, DPHDM, que muito me honrou em prefa- pudesse transmitir através do Atlântico2 ciar dois dos meus cinco livros: A Guerra a letra “S” do código que Samuel Morse

1 Em 16 de janeiro de 2009, passou a chamar-se Diretoria de Comunicações e Tecnologia da Informação da Marinha (DCTIM). 2 Uma estação localizava-se na Inglaterra e a outra em St Johns, na Península do Labrador. Vale destacar que, em 1894/1895, já havia realizado tal experimento, com sucesso, entre estações espaçadas de dois quilômetros na Bolonha, Itália.

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criara para o telégrafo, empregando a te- destruídos, além de ser transferido para legrafia sem fio. E, usando a propagação regiões onde não existia luz elétrica e no espaço das ondas eletromagnéticas que não pudesse, assim, dar continuidade James Maxwell descrevera teoricamente aos seus estudos. e Heinrich Hertz comprovara, tornou-se o Apesar de todas as restrições a ele primeiro cientista a apresentar publicamente impostas, foi o primeiro cientista a de- tal invento (não era voz). senvolver e apresentar um equipamento No processo de estudo dos primórdios capaz de transmitir a voz humana, a das comunicações radioelétricas, desco- distância e sem fio. Essa demonstração bri a figura do Padre Roberto Landell de aconteceu em um domingo, 16 de junho Moura. Não posso deixar de aqui registrar de 1899, na cidade de São Paulo, onde umas poucas palavras sobre este cien- realizou uma demonstração pública, de- tista brasileiro, pioneiro no estudo das vidamente documentada, de transmissão radiocomunicações. Nascido em 1861, na da voz humana entre pontos afastados de cidade de Porto Alegre (RS), iniciou seus oito quilômetros. estudos no Colégio de Nossa Senhora da Hoje sabemos que os russos já haviam Conceição, em São Leopoldo, no mesmo descoberto a transmissão radioelétrica sem estado. Com vocação eclesiástica, em fio antes de Marconi e que, por questões março de 1878 matriculou-se no Colégio estratégicas, não a divulgaram. Pio Americano, em Roma. Paralelamente, Daí em diante, as transmissões radioe- estudou Física e Química na Universida- létricas tiveram um incremento extraordi- de Gregoriana. nário, principalmente no ambiente naval. Na Europa, manteve estreito contato Vale destacar que a primeira vez que se com a nova tecnologia na área da ele- empregou a radiotelegrafia num confronto tricidade aplicada, que a cada momento naval foi na batalha naval de Tsushima, na se desenvolvia. De volta ao Brasil, em Guerra Russo-Japonesa, em 1905. final de dezembro de 1886, passou a A Marinha do Brasil foi uma das primei- dedicar-se às atividades sacerdotais e às ras Marinhas do mundo a dispor dessa nova pesquisas científicas no Rio Grande do tecnologia nos seus navios e OM de terra. Sul e, depois, em São Paulo. Em 1903, já se falava em radiotelegrafia Como padre jesuíta, encontrava-se na Marinha. em posição desfavorável para com seus Pelos Avisos 2.007 e 2.008, de 18 de fiéis ao propagar teorias blasfêmicas, de novembro de 1904, foi nomeada uma pura ciência e pouca fé, num ambiente Comissão de Radiotelegrafia para estudar de crença onde só Deus poderia tudo e a inovação tecnológica e dar parecer sobre no qual não se costumava atribuir crédito a aquisição de duas estações de telegrafia a um simples mortal. Impostor, louco, sem fio oferecidas pela empresa alemã Sie- bruxo, herege, realizador de pacto com mens e Halske. Compunham essa Comissão o demônio foram alguns dos poucos oficiais entre os mais estudiosos e conhece- “elogios” que recebeu. Escandalosa, dores dessa nova tecnologia. Eram eles: o audaciosa e misteriosa era a sua afir- Capitão de Mar e Guerra (EN) Innocêncio mativa de que a voz humana poderia ser Marques de Lemos Bastos, o Capitão de propagada a longas distâncias sem se Fragata (EN) José Lopes da Silva Lima e o utilizar de fios, com o aparelho infernal Primeiro-Tenente Mário Ribeiro da Silva, que inventara. Teve seus equipamentos este último professor da Escola Naval.

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As radiocomunicações Roxo foi um dos poucos que conseguiram na Marinha nasceram no escapar, atirando-se na água e nadando até Batalhão Naval um escaler próximo. O Tenente Mário Ri- beiro e os demais componentes da Comis- A Alemanha foi o primeiro país a nos são de Radiotelegrafia não tiveram a mesma vender os aparelhos do tipo Telefunken3. sorte, perecendo com a explosão do navio. Para serem testados, em 1904, os dois Vale destacar que nessa explosão morreram equipamentos foram instalados no Batalhão também o imediato do Aquidabã e outro Naval, na Ilha das Cobras, e ficaram sob oficial, que eram, respectivamente, sobri- a responsabilidade do Primeiro-Tenente nho e filho do então ministro da Marinha, Armando Octávio Roxo. Dotado de rara Almirante Júlio de Noronha, que, a bordo inteligência e estudioso da eletrônica, do Cruzador Barroso, tudo presenciara. A era um trabalhador incansável, tendo se dificuldade na identificação dos mortos, apaixonado pela radiotelegrafia e vivido por falta de documento de identidade e da uma vida naval em meio a condensadores, formalização da “parte de saída”4, gerou bobinas e dínamos. Foi um dos precursores a necessidade de criação do Gabinete de da telegrafia sem fio na Marinha do Brasil. Identificação da Armada. Terminado o período de testes, em 15 de Em seguida, outros navios tiveram esta- junho de 1905 é inaugurado o primeiro ções instaladas: o Encouraçado Riachuelo, posto-rádio da Marinha do Brasil, sendo- o Cruzador Barroso, o Cruzador-Torpe- lhe atribuído o indicativo SNI. Esse posto deiro Tamoio e o Navio-Escola Benjamim passou a ser designado como Estação Ra- Constant. diográfica da Ilha das Cobras. Seu primeiro Era natural que a Marinha fosse pioneira encarregado foi o Primeiro-Tenente João na implantação da radiotelegrafia no Brasil, Jorge da Fonseca. Vale ressaltar que não pois só assim seria possível o tráfego de era, ainda, um Sistema de Comunicações comunicações a longa distância com seus da Marinha mais abrangente, pois esse só navios no mar. Somente durante a Segunda iria existir em 1907, mas sim uma primeira Guerra Mundial a Marinha viria a ter pro- estação montada. Faltava ainda instalar os blemas sérios de comunicações pelo fato de equipamentos nos navios e estabelecer os que os equipamentos que possuía serem de procedimentos de operação. origem alemã. Na Esquadra, também em 1905, o pri- Na administração do Almirante Alexan- meiro navio a ter instalado o equipamento drino de Alencar (1906-1910), foi incenti- Telefunken foi o Encouraçado Aquidabã, vada a implementação da nova tecnologia sob a responsabilidade do Tenente Roxo, na Marinha do Brasil, com a instalação de encarregado de sua estação-rádio, e sob a diversas estações-rádio em navios e em supervisão da Comissão de Radiotelegrafia. terra. Nessa administração, a radiotelegra- Na explosão catastrófica do Encoura- fia sairia do período de experimentos e se çado Aquidabã, em 23 de janeiro de 1906, estabeleceria definitivamente como uma na Enseada de Jacuecanga, em Angra dos atividade naval das mais importantes. Reis, quando efetuava testes nos seus equi- Assim foi que, pelo Aviso no 685, de pamentos de radiocomunicações, Armando 28/3/1907, foram estabelecidas as primei-

3 Processo de geração de sinal por centelhamento a distância. Em 1903 é criada a empresa alemã Telefunken, fruto da união da Siemmens e da AEG. 4 Documento que relaciona todos os militares embarcados antes de o navio partir.

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ras instruções para o Serviço de Telegrafia Não posso deixar de destacar, nesta sem Fio da Armada Nacional, intitulado oportunidade, diversos outros oficiais que, de Serviço Radiotelegráfico da Marinha cada um em sua época, nos primórdios (SRM), que teria sua sede no Batalhão das comunicações navais, também a ela se Naval, na Ilha das Cobras, e como seu dedicaram, como os membros da Comis- primeiro encarregado o Capitão-Tenente são de Radiotelegrafia: Capitão de Mar Luiz Dias Carneiro. e Guerra Innocêncio Marques de Lemos Essa data é considerada como um Bastos; Capitão de Fragata José Lopes da marco das comunicações navais por ser a Silva Lima; Tenente Mário Ribeiro da Sil- primeira vez que se instituía uma estrutura va; Capitães-Tenentes Luiz Dias Carneiro, de comunicações na Marinha, vindo a ser, Sebastião Fernandes de Souza (que usava o posteriormente, escolhida como a mais pseudônimo de Gastão Penalva nos livros significativa para representar o Dia das que escreveu) e José Francisco Martins Comunicações Navais. Guimarães; e os Tenentes João Jorge da Nessa ocasião, a Estação-Rádio da Ilha Fonseca, Armando Octávio Roxo, Octávio das Cobras passa a chamar-se Estação Perry, Marques de Azevedo, Guilherme Central e, em 19 de abril de 1907, assume Bastos Pereira das Neves, Elisário Pereira como seu primeiro encarregado o Primeiro- Pinto, José Valentim Dunhan Filho, João Tenente Tácito Reis de Moraes Rego. De Lamare São Paulo, Alfredo de Sá Ra- Com o trabalho em andamento, passei bello e Aristides de Frias Coutinho. Essas a me dedicar ao estudo das biografias das poucas referências não esgotam o assunto e, diversas pessoas que influíram significati- certamente, muitos outros oficiais e praças vamente no estabelecimento e na condução tiveram participação destacada nos primór- dos primórdios das comunicações radioe- dios do estabelecimento das comunicações létricas na nossa Marinha, na época ainda navais. Deixamos registrado aqui, de ma- chamada de Marinha de Guerra (MG). Dei neira anônima, o nosso reconhecimento. atenção especial ao exame das informações Terminado o trabalho, era necessária a disponíveis a respeito do jovem tenente aprovação do Comando da Marinha, após Moraes Rego, que hoje também dá nome a o trâmite administrativo pertinente. um centro ligado à Hidrografia na Marinha. A proposta seguiu o seu encaminhamento Iniciado na carreira na área das comu- normal, não tendo nenhuma objeção sido nicações navais, poucas seriam as ocasiões apresentada; assim, a Portaria 178, de 1o de em que dela se afastaria, e sempre por muito setembro de 2008, do Estado-Maior da Ar- pouco tempo. Teria Moraes Rego uma mada (EMA), estabeleceria o dia 28 de mar- carreira naval dedicada às comunicações ço como o “Dia das Comunicações Navais” navais. E por ter permanecido na Marinha e o Vice-Almirante Tácito Reis de Moraes por muitos anos, tendo chegado ao posto de Rego como o seu Patrono, exatamente como vice-almirante, mais tempo pôde se dedicar o meu trabalho sugeria. Estava, assim, sendo a essa atividade quando comparado aos prestigiada uma das atividades da guerra outros oficiais que também mereceriam tal naval das mais importantes, conhecida como indicação. Esse fato foi preponderante para “a arma do comando”. que sua candidatura naturalmente ganhasse Ao analisar a área de telecomunicações destaque e fizesse com que seu nome fosse navais durante a realização desses estudos, o indicado a receber tal honraria, qual seja, fica um sentimento de frustração ao cons- a de “Patrono das Comunicações Navais”. tatar que, em nosso país, as lideranças da

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sociedade não foram capazes de perceber a e, como há cem anos, ainda hoje enviamos importância, valorizar e dar continuidade ao nossos técnicos ao exterior para comprar trabalho iniciado há mais de cem anos por equipamentos, constatar e reafirmar a sua Landell de Moura no desenvolvimento e na superioridade tecnológica e alimentar a produção de recursos de telecomunicações nossa contínua dependência de tecnologia com tecnologia nacional e independente do estrangeira em área extremamente sen- exterior. Um padre empreendedor iniciou sível. Por incrível que pareça, apesar de uma corrida tecnológica na esperança de largarmos nessa corrida praticamente em que outros pudessem lhe tomar das mãos o igualdade de condições em termos de pes- archote, em um processo de revezamento, quisas iniciais, ainda hoje somos obrigados e continuar os seus estudos para o bem e o a adquirir recursos de telecomunicações da progresso do País nessa área vital do conhe- indústria estrangeira, porque simplesmente cimento. Infelizmente isso não aconteceu aqui no nosso país não os fabricamos.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Aniversário; Patrono; Rego, Tácito Reis de Moraes; Comunicações;

142 RMB1oT/2014 A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: Os Lower Deck

(Parte III)

FRANCISCO EDUARDO ALVES DE ALMEIDA* Capitão de Mar e Guerra (RM1)

SUMÁRIO

Suboficiais Marinheiros Marinha Real Britânica, no século os suboficiais e os marinheiros, com suas A XVIII, pautava-se em uma disciplina respectivas especificidades. É necessário rígida exercida pelos oficiais e pela experi- mencionar que, junto com os oficiais, eles ência e competência de seus praças, muitas combateram os seus inimigos, muitas vezes vezes arregimentados pelos abomináveis em situações adversas, e, na maior parte das press gangs. O que se pretende discutir vezes, tiveram sucesso. neste artigo é conscrição, seleção, prepa- ração e utilização dos praças subalternos Suboficiais que guarneciam os navios de Sua Majes- tade Real no tempo de Horatio Nelson. Os suboficiais1 eram indicados e desig- Assim, preferiu-se dividir a apresentação nados pelo Navy Board, diferentemente em dois de seus grupos determinantes, dos oficiais, que eram comissionados pelo

* Graduado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre e doutor em História Com- parada, UFRJ. Instrutor de Estratégia e História Naval da Escola de Guerra Naval. Ex-diretor do Serviço de Documentação da Marinha. 1 Em inglês warrant officer. A tradução para o português pelo dicionário de Termos Náuticos Inglês-Português, Volume I, publicado pelo Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1981, é “suboficial”, no entanto a hierarquia de um warrant officer é superior a suboficial e abaixo demidshipman . Por não existir tal posto nas forças armadas brasileiras para correspondência, preferiu-se manter a tradução tradicional suboficial. Fonte: LIMA, Alexandre Azevedo. Termos Náuticos. Inglês-Português V1. Rio de Janeiro: SDGM, 1981, p. 823. A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: Os Lower Deck – (Parte III)

Almirantado. A procedência dos suboficiais tendo precedência sobre todos os midshi- era diversa. Algumas funções a bordo eram pmen, correspondendo em hierarquia ao completadas pela classe média, outras pela tenente, porém a ele subordinado. Vinha classe trabalhadora, provinda dos estratos normalmente de uma classe que não era mais modestos da sociedade da Grã-Bre- de gentlemen; no entanto, sua função era tanha (GB), idênticos aos estratos de onde extremamente importante, pois mantinha provinham os marinheiros. Em verdade, o Livro de Bordo atualizado com todas as existiam quatro classes de suboficiais na indicações de navegação, sob a responsabi- Royal Navy (RN)2. A primeira, a classe lidade do comandante. Era o suboficial mais mais elevada, que pertencia ao “tombadi- antigo de bordo, recebendo, por isso, um lho”3, frequentando a praça-d’armas, era camarote junto aos tenentes e próximo ao quase igual à dos oficiais. A segunda classe comandante. Supervisionava as atividades era a dos suboficiais responsáveis pela ma- de navegação dos midshipmen e mantinha nutenção, os chamados standing officers, os equipamentos de navegação em boas em razão de permanecerem com o navio até condições, por meio de seus auxiliares. A a sua baixa; a terceira consistia do mestre ele competia também o controle da bebida disciplinar, dos auxiliares dos mestres, dos a bordo, além das velas, da mastreação e cirurgiões, dos artilheiros e dos carpinteiros. do cordame. Sua remuneração era a mais E, por fim, havia a quarta classe de subo- alta de todas, com exceção do comandante ficiais, com atividades especializadas mais e do primeiro-tenente imediato. Muitos próximas dos conveses de baixo ou dos ma- mestres provinham da Marinha Mercante rinheiros,4 como cozinheiros, contramestres e passavam por uma prova conduzida por de manobra, de calafeto e de velas. um capitão* e três outros mestres, quando, Uma obrigação para todos os suboficiais então, recebiam comissão do Navy Board6. que os distinguiam dos marinheiros era a Os cirurgiões normalmente eram artífi- capacidade de leitura e de realizar pequenas ces e não necessitavam de graduação em operações matemáticas. O regulamento Medicina. Aprendiam seu ofício em terra estipulava que “nenhuma pessoa podia ser e deveriam se submeter a uma prova oral designada para uma função com responsabi- conduzida pelo Surgeon’s Hall,7 em Lon- lidade por dotações logísticas, a não ser que dres, antes de receberem do Navy Board tivesse capacidade de ler e escrever, devendo a comissão a bordo. Distinguiam-se dos ser capaz de realizar operações aritméticas médicos que eram graduados em Medi- para manter os registros atualizados”5. cina, que se recusavam a servir a bordo Na primeira classe de suboficiais, os dos navios da RN. Os cirurgiões, apesar que frequentavam as dependências dos de se submeterem a uma prova oral na oficiais, incluíam-se o mestre, os cirurgi- qual eram aceitos na Marinha, eram muito ões, os comissários e os clérigos. O mestre limitados e muito mal vistos pelos coman- era responsável pela navegação do navio, dantes, que os consideravam inferiores,

* N.A.: Será utilizada a palavra “capitão” como um posto hierárquico, correspondente ao que hoje se designa “capitão de mar e guerra”. 2 LAVERY, Brian. Nelson’s Navy. The ships, men and organization 1793-1815. Annapolis: USNI, 1989, p. 100. 3 Ao “quarterdeck”, local próprio para oficiais. 4 Em inglês, os membros dos lower deck, ou local onde ficavam os marinheiros. 5 Idem. 6 Ibidem, p. 101. 7 Uma comissão de cirurgiões que atestavam a sua proficiência na profissão.

144 RMB1oT/2014 A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: Os Lower Deck – (Parte III)

embora frequentassem a praça-d’armas de Os acertos com fornecedores eram comuns, oficiais8. Eram considerados civis, embora e a corrupção era endêmica, recheando os estivessem hierarquicamente no nível de bolsos de muitos comissários. suboficial habitando camarotes individuais. Sua responsabilidade era tratar os feridos e doentes a bordo, fumigar a embarcação periodicamente contra germes, bactérias e maus odores e supervisionar a limpeza do navio e da tripulação, o que poderia ser um contrassenso, uma vez que o banho de água doce inexistia em condições normais e o banho de água salgada era dispensa- do9. Geralmente, em períodos de chuva, os marinheiros aproveitavam para lavar suas roupas e lavar os seus corpos, sob a supervisão do cirurgião. Com o tempo, os cirurgiões se tornavam exímios em ampu- tações de membros superiores e inferiores em condições de combate. A maior preocu- pação dos cirurgiões eram as doenças que grassavam nas tripulações, principalmente o escorbuto. O comissário10 era o responsável por to- Comissário (Purser, em inglês) dos os gêneros recebidos e controlados por Os clérigos que embarcavam em na- ele durante as viagens. Normalmente, era vios da RN provinham das classes mais um antigo secretário do comandante e lhe modestas da GB. Não eram vistos como era subordinado diretamente, sendo, dessa essenciais a bordo pelos oficiais e marinhei- maneira, um homem de sua inteira confian- ros. Somente a partir de 1790 começaram ça. Era responsável pelo Muster Book,11 que a melhorar suas reputações. Normalmente controlava toda a movimentação de entrada existiam poucos clérigos nos navios da RN, e saída de marinheiros do navio. Sua remu- principalmente em navios de 1a a 3a classes. neração não era boa, no entanto recebia a Os clérigos provinham da religião anglica- diferença de 1/8 do total de gêneros, em na, a maior parte, e havia alguns católicos razão de perdas por ação de ratos, baratas, e presbiterianos, embora essas religiões mofo, calor e frio e pela contaminação por não fossem oficialmente reconhecidas água salgada12. Além disso, recebia uma pela RN.13 O Almirante Horatio Nelson comissão de 5% a 10% pela função; dessa era um homem extremamente religioso, e forma, a posição de comissário era muito seu capelão foi Alexander John Scott, uma procurada e muito mal vista pela guarnição. figura excepcional, com qualidades que

8 HICKOX, Rex. All you wanted to know about 18th Century Royal Navy. Bentonville: Rex Publishing, 2005, p. 36. 9 Idem. 10 Em inglês, purser. 11 Na Marinha brasileira, existe o Muster Book, que é chamado de Livro de Portaló, sob o controle do imediato. 12 Ibidem. p. 33. 13 LAVERY, Brian. Nelson’s Navy. op. cit. p. 102.

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extrapolavam as religiosas. Foi um assessor responsável pela manutenção e conserva- muito próximo de Nelson, exímio linguista ção das velas e dos cabos, além das embar- e extremamente inteligente14, destacando- cações pequenas, âncoras e mastros. A ele se sobremaneira na vida do herói inglês. se subordinavam os veleiros e auxiliares de A segunda classe de suboficiais era a dos manobra. Por suas atividades, os mestres chamados standing officers, que permane- de manobra tendiam a ser personagens pi- ciam com o navio até a sua baixa e eram os torescos a bordo; por serem muito ligados responsáveis pela manutenção. Incluíam-se aos marinheiros que realizavam o serviço nesse grupo o mestre de manobra, o artilhei- duro, muitos deles inclusive tendiam a ro e o carpinteiro. Eles não frequentavam os beber demasiadamente e a serem punidos espaços reservados a oficiais. por faltas ligadas à bebida16. Normalmente o mestre de manobra15 Os artilheiros tinham pouca oportunida- provinha de marinheiro, e o regulamento de de conhecer a ciência da balística e da determinava que ele servisse pelo menos direção de tiro. Eles eram obrigados a se um ano como auxiliar de manobra antes submeter a um exame, embora os regula- de assumir essa função. Era obrigatório mentos não especificassem quem aplicaria que soubesse ler, no entanto o que dele era essa prova. Os artilheiros e seus auxiliares exigido somente congregava experiências deveriam servir pelo menos um ano como nas fainas de manobra do navio. Ele era marinheiros antes de obterem a comissão de suboficiais. Suas responsabilidades in- cluíam a manutenção dos canhões e de seus periféricos, não se responsabilizando pelo disparo, a cargo dos tenentes e midshipmen. As guarnições dos canhões, sob a supervi- são dos tenentes, eram grandes, entretanto para cada quatro canhões existiam um artilheiro, dois auxiliares de artilheiro e um armeiro. A esse grupo competia municiar as buchas para o disparo, balas e cartuchos de munição para os quatro canhões, examinar o estado desses canhões e de seus suportes e reparos e consertá-los, caso estivessem avariados. Além disso, a eles competia a manutenção do armamento portátil e dos implementos de artilharia, como, por exem- plo, soquetes. Ao artilheiro chefe competia o adestramento de seus auxiliares, tanto em artilharia como em armas portáteis. Não existia uma progressão hierárquica para os artilheiros, havendo apenas uma movimentação dos artilheiros mais antigos Mestre de manobra para navios de maiores classes.

14 LAVERY, Brian. Life in Nelson’s Navy. Gloucestershire: Sutton Publishing, 2007, p. 35. 15 Em inglês, boatswain. 16 LAVERY, Brian. Nelson’s Navy. op. cit p. 103.

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Os carpinteiros, diferentemente dos provocados pela artilharia inimiga e pro- outros standing officers, deveriam apren- curava consertar mastros avariados por der o seu ofício em terra. Além de serem fogo adversário durante a batalha; assim, já especialistas, os carpinteiros deveriam sua função a bordo era muito importante, servir na RN por um período mínimo de tanto em períodos de paz como em guerra.18 seis meses e obter certificados de boa A terceira classe de suboficiais incluía conduta emitidos pelos comandantes de os mestres disciplinadores, auxiliares navios. Muitos desses carpinteiros eram de mestres, de cirurgiões, de artilheiros convocados pela chamada press gang17 e e de carpinteiros. Não frequentavam os obrigados a servir nos navios da RN, uma círculos dos oficiais. Todos os navios da vez que sua utilidade era inquestionável a RN possuíam mestres disciplinadores19. bordo. Normalmente o carpinteiro chefe Suas tarefas eram “inspecionar a conduta contava com um número grande de auxi- da guarnição do navio como um todo e liares, até dez em um navio de 1a classe. reportar qualquer impropriedade que teste- Suas responsabilidades eram grandes. Era munhar e que venha a afetar a disciplina do o responsável pelo calafeto e madeirame do navio”.20 Como pode ser percebido, esse navio, com sua conservação e manutenção. suboficial tinha grande poder a bordo. Au- Em combate, tinha uma função parecida xiliava os artilheiros no adestramento de com o que hoje se chama, nas Marinhas armas portáteis, daí a origem de seu nome contemporâneas, de “controle de avarias”. em inglês, master at arms. Em navios Reparava e tamponava furos nos costados maiores, contava com auxiliares. Muitos mestres disciplinadores eram odiados a bordo, pois a eles era imputada a delação de faltas de marinheiros para os oficiais e posterior julgamento pelo comandante do navio. Normalmente eram homens prove- nientes de marinheiros, com histórico de valentia e destemor. Não era uma função desejada a bordo, pois poucos queriam ser “policiais” de seus colegas a bordo. Os auxiliares de mestres, como o título indicava, auxiliavam o mestre em suas múltiplas atividades. Ajudavam-no na manutenção de instrumentos de navegação, cartas de navegação e livros náuticos. Em complemento, supervisionavam a condição das âncoras do navio e auxiliavam o ades- tramento dos midshipmen. Muitos eram voluntários e deviam passar determinado Carpinteiro período de tempo como auxiliares até as-

17 Serão discutidas no próximo número da revista as tarefas da press gang na convocação de marinheiros para os navios da RN. 18 Idem. 19 Em inglês, master at arms. 20 Ibidem, p. 135.

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sumirem a função de mestre, quando havia auxiliares do carpinteiro chefe até assumir abertura de vagas. Acomodavam-se nos essa função depois de alguns anos nos alojamentos dos midshipmen.21 navios da RN. Existiam situações em que Os auxiliares de cirurgiões22 eram os auxiliares de carpinteiro provinham de normalmente vindos diretamente da marinheiros, quando não existia um número Surgeon’s Hall. Em navios de 1a classe, o suficiente de auxiliares em determinados cirurgião contava com três assistentes; nos navios e o carpinteiro chefe escolhia entre demais navios de linha, dois; e, por fim, os marinheiros de bordo aqueles mais afei- nos navios pequenos, apenas um. Esses tos a trabalhar com madeira. assistentes deveriam servir nessa função Por fim, o último grupo de suboficiais por pelo menos três anos, logo existiam era formado pelos cozinheiros e contra- assistentes de 1o, 2o e 3o graus, conforme mestres de manobra, calafeto e velas e avançavam nos anos de serviço. O cirur- auxiliares dos mestres de manobra. Esse gião e seus auxiliares deveriam prover os grupo de profissionais provinha das classes seus próprios instrumentos de trabalho, mais baixas da sociedade britânica e se enquanto o governo provia os remédios e identificava com os marinheiros. produtos medicinais23. Os cozinheiros não necessitavam ser Os auxiliares de artilharia24 auxiliavam especialistas em cozinha, embora alguns o artilheiro chefe na manutenção e conser- tivessem algum conhecimento em culinária vação da artilharia a bordo. Normalmente por terem trabalhado em tavernas27. Muitos eram os encarregados de paióis de munição cozinheiros assumiram essa função por e apetrechos de artilharia. Os paióis de mu- estarem impossibilitados de desempenhar nição, por serem vulneráveis ao tiro inimi- funções mais rústicas a bordo, ou por terem go, localizavam-se nos conveses inferiores. sido feridos, ou serem muito idosos. Em um Os auxiliares deveriam manter esses locais navio de 3a classe, existiam cerca de três co- secos e prontos para serem utilizados em zinheiros, um chefe e dois auxiliares. Suas combate. Quando o navio sofria qualquer responsabilidades abarcavam a confecção manutenção, o artilheiro e seus auxiliares da comida de bordo e a limpeza da cozinha, retiravam toda a munição de bordo e a tendo, como sempre, a preocupação de estocavam em um paiol em terra até o tér- assegurar que nenhum acidente com fogo mino da manutenção, normalmente quando ocorresse, o que seria um desastre, em ra- os navios se encontravam em dique seco, zão de o navio ser quase todo de madeira. retornando com ela ao final desse período25. Como era de se esperar, não cozinhavam Os auxiliares de carpinteiros26 auxi- para o comandante, que tinha o seu próprio liavam o carpinteiro chefe a manter e cozinheiro. conservar o madeirame de bordo. Eles Os contramestres de manobra, calafeto começavam, assim como os carpinteiros, e velas28 normalmente assumiam função com o aprendizado em terra, passando para de manobra no timão do navio, sob as

21 LAVERY, Brian. Nelson’s Navy. op. cit. p. 101. 22 Em inglês, surgeon’s mate. 23 MASEFIELD, John. Sea Life in Nelson Time. 3 ed. Annapolis: USNI, 1971, p. 43. 24 Em inglês, gunner’s mate. 25 FREMONT-BARNES, Gregory. The Royal Navy 1793-1815. Oxford: Osprey, 2007, p. 35. 26 Em inglês, carpenter’s mate. 27 Ibidem, p. 37. 28 Em inglês, quartermasters.

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ordens dos tenentes e, eventualmente, do passariam a ser considerados no mesmo capitão comandante do navio. Como tarefa nível hierárquico que os oficiais. complementar, auxiliavam o comissário na Outro grupo totalmente distinto dos estocagem de provisões. Eram marinheiros demais era o formado pelos fuzileiros reais. que, por seu tempo de serviço e experiência, Todos os navios da RN possuíam um con- eram elevados a essa função29. Possuíam tingente de fuzileiros que se distinguiam auxiliares nessa tarefa e eram em número dos marinheiros por utilizarem um unifor- de seis em um navio de 3a classe, poden- me vermelho. Compunham cerca de 1/5 do seu número chegar a oito em navios de todo o efetivo do navio; assim, existiam maiores. Alguns contramestres, por suas 120 fuzileiros para um navio de 3a classe. experiências, também auxiliavam o mestre Em navios maiores, podiam chegar a ser de manobra30 em suas atividades de mano- 150 homens. Originavam-se de soldados bra de velas e na calafetagem, poleame31 retirados de regimentos do Exército que e maçame32. se voluntariavam para servir a bordo, não Algumas funções a bordo transitavam existindo conscritos nesse grupo. Quando entre os quatro grupos de suboficiais e não empregados nos navios, eram enca- eram tarefas especiais. A primeira função minhados para quatro quartéis em terra, especial era o dos mestres-escola33. Não localizados em Chatham, Portsmouth, Ply- frequentavam a praça-d’armas de oficiais mouth e Woolwich. Mantinham-se sempre e não possuíam camarotes específicos a em adestramento a bordo, eram obedientes bordo. Passavam por uma prova para serem e disciplinados. Seus efetivos variavam, admitidos na RN e tinham que, além de sa- dependendo da ocorrência de guerras. Em ber ler e escrever com desembaraço, ter co- 1793, existiam 5 mil fuzileiros reais, e no nhecimentos aprofundados em navegação, ano da morte de Nelson, em 1805, estes astronomia e matemática. Suas tarefas eram chegaram a somar 30 mil homens. ensinar essas disciplinas aos midshipmen Eles tinham duas tarefas a bordo. Quan- e a ler e escrever para os marinheiros. O do em tempo de paz, patrulhavam e vigia- pagamento e a sua posição a bordo, pouco vam locais importantes do navio, como os privilegiada, não atraíam muitos candida- camarotes dos almirantes e comandantes, tos, pois normalmente esses personagens o paiol de munição, o paiol de bebidas e tinham boa formação intelectual e social. outros locais designados pelo comandante. Aos poucos a RN iria mudar o modo como Inibiam também quaisquer indisciplina e o mestre-escola era visto a bordo, sua re- motins a bordo. Seus alojamentos eram muneração e sua condição hierárquica entre separados dos marinheiros e localizavam-se seus colegas, atraindo jovens recém-saídos estrategicamente entre os alojamentos da da universidade. Durante o século XIX, guarnição e os camarotes dos oficiais, para

29 Muitos desses marinheiros eram qualificados como petty officers, isto é, como marinheiros especializados e transitavam em uma área entre os suboficiais e os marinheiros comuns. Assim é importante ressaltar que esses dois últimos grupos de suboficiais possuíam características que os colocavam mais comopetty officers do que suboficiais, isto é, mais como marinheiros especializados. 30 Em inglês, boatswain mates. 31 Poleame é o conjunto de todas as peças que servem para fixar ou dar retorno aos cabos dos aparelhos do navio. Fonte: FONSECA, Maurílio. Arte Naval. V 2. Rio de Janeiro: SDM, 1985, p. 489. 32 Maçame significa todos os cabos empregados nos aparelhos fixos e móveis do navio. Fonte: PIOVESANA JR, Alberto. Noções Básicas sobre Navios a Vela. Rio de Janeiro: FEMAR, 2006, p. 24. 33 Em inglês, schoolmaster.

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servirem como escudo, em caso de motim desprendimento do perigo e da morte ou de necessidade. Podiam cooperar com os que não se vê em qualquer outro lu- marinheiros nas fainas de peso nos navios, gar... as deficiências de educação não embora essas tarefas não fossem por eles são sentidas, e o conhecimento geral é muito apreciadas. irrelevante. O orgulho consiste em ser Quando em tempo de guerra, guarne- reconhecido como um marinheiro puro ciam os conveses dos navios em combate, sangue, e eles veem o homem de terra provendo fogo de armas portáteis contra como inferior. Isso tem a sua marca de os inimigos. Podiam compor grupos de uma maneira singular com uma lingua- abordagem e repelir abordagens de adver- gem marinheira em qualquer transação sários. Quando necessário, auxiliavam os na vida, algumas vezes com ostentação artilheiros nos canhões, movimentando e pedante. Tendo pouco contato com o municiando esse armamento. Além disso, mundo exterior, são facilmente enga- compunham grupos de desembarque de nados e passados para trás em qualquer ataques contra fortes inimigos, guardavam lugar que vão; seu dinheiro é gasto os- prisioneiros e formavam guarnição de presa tentosamente em grande profusão; boas de navios capturados.34 Normalmente, esses roupas para sua namorada, um relógio destacamentos de fuzileiros eram comanda- de prata e cintos de metal para o seu dos por um oficial fuzileiro que compunha próprio uso são os únicos retornos para a praça-d’armas de oficiais. Os fuzileiros tantos anos de trabalho e sacrifício.35 foram soldados leais e destemidos e instru- mentos disciplinadores fundamentais para Esse era o tipo de homem que guarnecia os comandantes de navios. os navios da Armada Real da GB. Provindos das classes mais baixas, eram rústicos, brutos Marinheiros e iletrados. Capazes de ficar 36 horas sem dor- mir enfrentando mares bravios, esses homens Quem eram os marinheiros que com- não se importavam com as difíceis condições punham as tripulações dos navios da RN? de vida nos navios britânicos. Muito poucos Brian Lavery transcreveu parte do diário de liam alguma coisa; os marinheiros viviam um um cirurgião recentemente chegado a bordo dia atrás do outro, com a única perspectiva de de um navio no século XVIII, ainda sem a subir um ou dois degraus na difícil hierarquia influência das lides marinheiras, impressio- da RN. Suas acomodações eram ruins, úmi- nado com aqueles tipos especiais e diferentes das, desconfortáveis e infestadas de ratos e de homens. Disse esse cirurgião o seguinte: baratas, normalmente nos conveses abaixo, São somente homens de tal tipo que daí serem chamados de grupo dos lower deck, enfrentam as fadigas e os perigos da em contraposição ao grupo dos quarterdeck, vida no mar; existe uma necessidade de os oficiais. Eram homens que se arriscavam a se estar acostumado a essa vida desde recolher as velas a 20 ou 30 metros de altura criança. O modo de pensar, pelo costu- nos mastros principais de bordo, muitas vezes me e exemplo, é treinado para enfrentar em péssimas condições de mar e vento. Algu- com valentia a fúria dos elementos em mas vezes ingênuos, outras vezes violentos, suas diferentes formas com um grau de tinham uma relação de amor e ódio com seus

34 Ibidem, p. 40. 35 LAVERY, Brian. Nelson’s Navy. op. cit. p. 134.

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thead e Nore. A ideia que as autoridades tinham dos marinheiros da RN era de se- rem mentalmente inferiores, simplórios, alegres, leais e naturalmente preguiçosos. Como disse o historiador naval Helio Leoncio Martins, os almirantes conside- ravam os marinheiros “imprevidentes, o pagamento devendo ser controlado. Com a tendência para se embriagarem, sua ida para a terra era prejudicial, enfim crianças dirigidas e vigiadas pelos comandantes e almirantes”.36 Existiam três formas de se entrar na RN como marinheiro. A primeira como voluntário, a segunda por quota e, por fim, a pior de todas, por conscrição obrigatória. O voluntariado não era o maior seg- mento de marinheiros, contudo existiam Marinheiro ingles no século XVIII milhares de voluntários na RN. Muitos oficiais e, muitas vezes, com seus suboficiais. desses voluntários eram marinheiros Podiam amar seu comandante, como era o da Marinha Mercante que procuravam caso com Nelson quando comandou o HMS maiores aventuras, outros eram mari- Agamemnon, ou podiam odiá-lo, como foi o nheiros que compunham os grupos que caso com William Bligh, do HMAS Bounty. acompanhavam os almirantes e capitães No entanto, espelhavam um desejo comum de um navio para outro. Outro grupo era de glória e, principalmente, de butins apreen- composto de trabalhadores na agricul- didos de navios inimigos, como prata, ouro tura e no comércio que, por uma razão e bens diversos. ou outra, se voluntariaram para receber Muitas vezes os marinheiros passavam parte dos butins conquistados de navios dias, semanas e até meses sem tomar inimigos, o que era totalmente legal, ou banho, o que para eles não era nada ex- por serem atraídos por aventuras e via- traordinário, principalmente porque, na gens exóticas para as Índias Orientais e sociedade britânica daquele período, o Ocidentais. Um exemplo foi John Nicol, banho não era algo tão comum como nos que se voluntariou com 21 anos de idade, trópicos. O Almirantado não se importava afirmando que lera “Robinson Crusoe com uma carreira profissional para seus muitas vezes e desejava ir para o mar... marinheiros e nem atraía os bons homens todo o meu tempo foi gasto em barcos e com bons salários, o que aumentava tanto em embarcações costeiras”.37 o número de desertores, um efeito crônico Brian Lavery frisou que o patriotismo na RN, como a insatisfação a bordo, cul- não teve muito efeito sobre esses volun- minando, inclusive, nos diversos motins tários, em razão desse sentimento não ao final do século XVIII, como os de Spi- estar devidamente conscientizado nesses

36 MARTINS, Helio Leoncio. Dois motins. Navigator. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, v. 4, n. 7, junho de 2008, p. 57. 37 LAVERY, Brian. Nelson’s Navy. op. cit. p. 124.

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se, assim, de futuros oficiais e do pessoal do “tombadilho”. O segundo grupo, o dos conveses inferiores, o do lower deck, consis- tia de garotos de 15 a 17 anos de idade que eram serventes e auxiliares de marinheiros, preparando-se para assumirem funções efe- tivas de marujos a bordo. Eram chamados de “voluntários de 2a classe”. O terceiro grupo, também do grupo dos conveses inferiores, consistia de garotos de 13 a 15 anos de idade, “os voluntários de 3a classe”, que serviam igualmente como serventes e auxiliares de marinheiros. Eram jovens mais moços que aprendiam o ofício sem necessariamente conduzir trabalhos muito pesados ou árduos, mais condizentes com os garotos “voluntários de 2a classe” ou marinheiros. Muitos desses jovens atuavam como serventes dos oficiais39. Marinheiros do século XVIII homens, apesar de existirem diversos car- tazes com propaganda para se alistarem.38 Outro método de atrair voluntários era por meio de recompensas em dinheiro. Muitas dessas recompensas foram impingidas sobre homens que estavam prestes a serem conscritos compulsoriamente. Os voluntários podem ser classificados em dois grupos etários. O primeiro formado por garotos e o segundo por homens adultos. As razões para o voluntariado do primeiro grupo recaía sobre a possibilidade de aventuras no mar, ou por maus tratos em casa ou mesmo por oferecimento dos genitores à RN para a melhoria das condições de vida de seu filho. Existiam três classes de garotos voluntários. O primeiro grupo, chamado de “voluntários de 1a classe”, consistia de jovens gentlemen, futuros midshipmen, que serviam inicialmen- Voluntário de 2a classe te como serventes de oficiais e do próprio Existia uma sociedade, a Marine So- comandante, entrando em sua cota pessoal, ciety, fundada em 1756, que auxiliava o conforme apresentado no último artigo da recrutamento de jovens para a RN. Era RMB (Revista Marítima Brasileira). Trata- uma organização de caridade dedicada a 38 Idem. 39 LEWIS, Michael. A Social History of the Navy 1793-1815. London: Chatham, 2004, p. 89.

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recrutar jovens pobres abandonados nas utilizavam os prêmios pelo voluntariado ruas das cidades inglesas. Ela acolhia esses como forma de pagar suas dívidas. Os últi- jovens abandonados, os alimentava e os mos eram considerados por muitos oficiais vestia, dando um mínimo de treinamento bons marinheiros e eram os preferidos. naval com o propósito de oferecê-los à RN O segundo grupo de marinheiros provi- como voluntários. Em 22 anos de guerras nha do que se chamava de atos de quota. contínuas contra a França, de 1793 a 1815, Esses atos tinham como propósito aumentar foram oferecidos à RN cerca de 22.973 o número de marinheiros que guarneciam os jovens voluntários.40 navios da RN após a declaração de guerra Outro modo interessante de recrutar entre a GB e a França, a partir de 1793. marinheiros era por meio do convenci- Foram dois os atos de quota aprovados pelo mento de prisioneiros de guerra capturados Parlamento sob a inspiração de William Pitt. e mantidos em prisão. Era oferecida a O primeiro, de 1795, de número 35 Geo III liberdade para se agregarem à RN e certa c5, obrigava que cada município42 provesse quantia em dinheiro com o voluntariado. uma certa quantidade de “homens capazes Houve alguns realistas franceses que se de servir nos navios de Sua Majestade”.43 agregaram à RN contra os revolucionários Esses homens deveriam ser escolhidos de 1789, principalmente da Bretanha e da dentre as classes mais pobres, e a eles Normandia, províncias pouco amigáveis seriam oferecidos prêmios em dinheiro com a Revolução, além de voluntários de para o voluntariado. As condições e qua- outras nações que lutavam contra a Fran- lificações pessoais dos escolhidos ficariam ça. Para se ter uma ideia da diversidade inteiramente a critério dos municípios, e as de nacionalidades dos marinheiros que se comarcas judiciais enviavam esses homens agregaram como voluntários ou conscritos para a RN. Como exemplo, o número de em um navio da RN, pode-se listar a tri- voluntários nesse processo variava – de pulação de 3a classe da HMS Implacable: Bedford deveriam ser indicados 57; de 483 britânicos (sendo 285 ingleses, 29 Berkshire, 108; e de Buckinghamshire, escoceses e o restante oriundo de outros 117. O segundo ato, também de 1795, de locais da GB), 130 irlandeses e 80 estran- número 35 Geo III c9, estabelecia a mesma geiros, incluindo 28 norte-americanos, oito obrigação para as cidades portuárias ingle- suecos, oito prussianos, sete dinamarqueses sas. Caso fosse indicado um marinheiro e cinco portugueses, além de voluntários especializado, esse número contaria por dois de Espanha, Jamaica, Trinidad, Bermu- voluntários. Os números então aumentaram das, Holanda, Alemanha, Índia, Sicília, consideravelmente. De Londres, por exem- Minorca, Córsega, S. Domingo, S. Kitts, plo, vieram 5.704 voluntários. Esses dois Martinica, Santa Cruz, Ragusa, Madeira, atos nada mais eram que o recrutamento Índias Ocidentais e um do Brasil! No total, forçado por quotas, passando essa respon- 86% de britânicos e 14% de estrangeiros.41 sabilidade para os municípios que muitas Outro grupo de voluntários era composto vezes se viram impossibilitados de atingir as de pequenos criminosos cumprindo pena por quotas estabelecidas e tiveram que recorrer dívidas ou por contrabando. Os primeiros a vagabundos e pequenos criminosos que,

40 LAVERY, Brian. Nelson’s Navy. op. cit. p. 124. 41 LEWIS, op. cit. p. 129. 42 Em inglês, county. 43 LAVERY, Brian. Nelson’s Navy. op. cit. p. 128.

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na primeira oportunidade, desertavam, pro- GB. Ele provinha desde a Idade Média, vocando, por parte da RN, a proibição da com maiores e menores intensidades. saída de marinheiros dos navios atracados Era considerado legal, se existissem um nos portos ingleses e escoceses. grupo volante de recrutadores46 conduzido Pode-se afirmar que os atos de quota por um oficial de Marinha em atividade e tiveram sucesso em aumentar o efetivo da uma autorização assinada pelos lordes do RN, passando estes de 87.331 marinheiros, Almirantado dando-lhe autoridade para em 1794, para 114.365, em 1796, muitos recrutar homens em idade de conscrição, desses voluntários provindo dos atos de que não era especificada, ficando tal ava- quota de 1795. Alegremente, Pitt diria, na liação a cargo do próprio oficial. Isso não Câmara dos Comuns, que esses atos conse- significava que qualquer homem podia ser guiram aumentar o número de marinheiros recrutado. A lista de proibições era longa e na RN de forma eficiente, o que não foi incluía comandantes e mestres da Marinha contestado pela oposição.44 mercante, marinheiros em atividade de pes- O Almirante Collingwood, comandante ca, aprendizes já escalados para a Marinha de um navio de linha no período, diria que o mercante, estrangeiros e práticos de portos sistema de quotas foi prejudicial a RN e pro- ingleses, a não ser que tivessem encalhado vocou em 1797 os motins de Spithead e Nore, algum navio na atividade de praticagem, por trazerem maus elementos e despreparados funcionários do rei e, como sempre ocor- para o seio da Marinha de Guerra. ria, privilegiados que obtinham isenção de A última maneira de se entrar na RN autoridades reais. como marinheiro era por conscrição obriga- O serviço de recrutamento (Impress tória.45 Esse sistema era detestado e brutal. Service) estava localizado na Tower Hill, Em razão dos claros na RN em períodos em Londres, e existiam divisões de re- de guerra, o sistema de voluntariado e de crutamento em quase todos os portos na quotas não atingia por si só os efetivos GB, chefiados por oficiais de Marinha. Os necessários para a luta contra a França no grupos volantes de recrutadores eram for- final do século XVIII. A própria França mados por um oficial e seis a oito homens, empregou esse sistema de conscrição muitos de grande truculência, provocando após a Revolução de 1789. Os recrutados inclusive muita resistência das autoridades compulsórios eram baratos e numerosos. locais contra seus métodos brutais. Ser um Caso morressem mil recrutados na guerra, membro do grupo de recrutadores signifi- o estado poderia recrutar obrigatoriamente cava automática isenção de conscrição, o mais mil combatentes rapidamente e suprir que era bom e lucrativo, pois muitos desses os claros. Por ser um sistema obrigatório, verdadeiros marginais eram suscetíveis ele era temido e sempre que possível à corrupção, alertando muitos locais dos enganado, tanto pelos recrutados como dias de recrutamento. Em 1797 existiam pelas famílias que deles dependiam. Em um almirante chefe do serviço, 47 capitães verdade, esse sistema de conscrição nun- e comandantes e 80 tenentes realizando ca fora abolido na Inglaterra e depois na tarefas de conscrição47.

44 Idem. 45 Em inglês, impressment. A definição depress era o ato de coagir alguém a se agregar ao serviço governamental. Fonte: HICKOX. op. cit. p. 17. 46 Em inglês, press gang. 47 Idem.

154 RMB1oT/2014 A MARINHA REAL BRITÂNICA NO TEMPO DE HORATIO NELSON: Os Lower Deck – (Parte III)

O método de conscrição era simples. Esse caso de, na primeira abordagem, não aceitar grupo saía pelas ruas para procurar conscri- o voluntariado, ele era simplesmente agre- tos, de preferência ex-marinheiros normal- dido e levado à força para o navio. Era uma mente com idades entre 18 e 55 anos, porém verdadeira abdução legal. a critério do oficial que trazia a autorização Alguns capitães comandantes de navios do Almirantado. Ao encontrar um homem da RN tinham também a permissão do “candidato” em tavernas ou andando nas Almirantado para recrutar no mar. Caso ruas, tentariam convencê-lo a voluntariar- encontrassem um navio mercante, eles se para a RN. Eles o convidariam para uma poderiam pará-lo e recrutar seus principais bebida, uma conversa amena, sem discutir marinheiros, com exceção dos oficiais e o voluntariado. Caso aceitasse, tentariam aprendizes, trocando-os por seus próprios marinheiros, normalmente os mais doentes e debilitados. Isso significava uma verda- deira prisão para muitos marinheiros que ficavam afastados de casa anos a fio. Só era permitido recrutar em navios mercantes que se dirigiam para a GB, e não em navios que saíam dos portos.49 Pode-se imaginar o de- sespero dos marinheiros mercantes, depois de um ou dois anos longe de casa, ao se aproximarem de Porstmouth e observarem um navio de guerra determinar que paras- sem para uma inspeção. Muitos comandan- tes de navios mercantes escondiam seus marinheiros para evitar essa conscrição desumana e traumática. Pode-se entender por que a proporção de deserções nos na- vios da RN chegou a 25% dos efetivos. Os comandantes, para evitar essas deserções, proibiam a saída dos marinheiros dos na- Marinheiro comum vios atracados nos portos e permitiam que as prostitutas para lá se dirigissem como embebedá-lo até o deixarem inconsciente. forma de compensação; mesmo assim, as Ao atingir esse estágio, o levariam para um deserções continuavam altas. navio da RN48 localizado no porto e, a partir A conscrição forçada foi um sistema desse instante, já era considerado marinhei- injusto para muitos cidadãos e trouxe em ro. Outro artifício, caso não conseguissem seu bojo deserções, indisciplinas e ressen- embebedá-lo, era colocar um shilling em timentos, terminando somente na guerra seu bolso. Ao ser descoberta a moeda, ele de 1812 contra os EUA, motivada por era declarado marinheiro por ter aceito o recrutarem-se cidadãos norte-americanos dinheiro e levado à força para o navio. No nos navios britânicos.

48 Em inglês, receiving ship, ou navio recebedor. Poderia também ser levado para qualquer outro navio da RN que estivesse com falta de marinheiros. 49 Ibidem, p. 18.

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Dessa maneira, os marinheiros da RN, por mastros específicos, velas e manobras depois de se agregarem às tripulações dos de marinharia, auxiliando os suboficiais. navios, podiam ser classificados em três Podiam ascender a suboficiais auxiliares, postos hierárquicos distintos. os chamados standing officers, já apresen- O primeiro grau hierárquico era o dos tados. Era comum um marinheiro especia- chamados landsmen50. Eles eram homens lizado reverter a marinheiro ordinário, caso que não tinham nenhuma experiência nas apresentasse ferimentos incapacitantes para lides marinheiras, recém-chegados a bordo, certas funções a bordo, o que provocava levando cerca de dois anos para adquirir uma diminuição de salários. os conhecimentos necessários para galgar Nos navios da RN, as proporções de o próximo posto. Não existia nenhum landsmen e de marinheiros ordinários e treinamento para transformar landsmen especializados variavam. Alguns números em marinheiros. Normalmente realizavam podem ser, no entanto, apresentados. Em tarefas auxiliares em mastros, velas e ar- 1793, o HMS Prince tinha um total na tilharia, sem nenhuma especialização. O guarnição de 47% de suboficiais e mari- índice de deserções nesse primeiro grupo, nheiros especializados, 22% de marinheiros como esperado, era alto. ordinários e 31% de landsmen. O HMS O segundo grau hierárquico era o dos Bellerophon tinha 35% de suboficiais e chamados marinheiros ordinários51. Eram marinheiros especializados, 27% de ma- marinheiros com experência de mar e muito rinheiros ordinários e 38% de landsmen.53 procurados pelos grupos de conscrição Depois de se discutir o material e o po- forçada. Era o primeiro posto de um verda- tencial humano disponível na RN, torna-se deiro marinheiro. Seu avanço dependia de necessário apresentar algumas característi- seus conhecimentos e de seu desempenho. cas especiais que fizeram essa Marinha se Normalmente atuavam como auxiliares de distinguir de suas rivais no século XVIII e suboficiais e de marinheiros mais treinados. outros aspectos do mundo que permearam O terceiro grau hierárquico, o mais alto, o tempo de Nelson nas Guerras Napoleô- era o dos chamados marinheiros especia- nicas. No próximo número da RMB, serão lizados.52 Eram marinheiros com grande discutidos os recursos técnicos e táticos experiência de mar e responsáveis a bordo da RN.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; História da Marinha da Inglaterra; História marítima; Nelson, Horatio; Formação de praça;

50 Em inglês, landman significa alguém que vive em terra. Era então uma expressão ou grau hierárquico para denotar a pouca familiaridade do recém-chegado com as atividades marinheiras. Prefere-se utilizar a ex- pressão original em inglês. 51 Em inglês, ordinary seaman. 52 Em inglês, able seaman. 53 LAVERY, Brian. Nelson’s Navy. op. cit. p. 130.

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Leonam dos Santos Guimarães* Capitão de Mar e Guerra (RM1-EN)

SUMÁRIO

O conceito de grande estratégia A completa dominação da América do Norte A eliminação de ameaças no hemisfério ocidental Pleno controle dos acessos marítimos para impedir qualquer possibilidade de invasão Dominação completa dos oceanos para garantir o controle sobre o comércio internacional A impossibilidade de qualquer outra nação enfrentar o poderio naval americano global Mackinder, Mahan e Spykman Conclusão

O conceito de Grande Esta conhecida frase do estadista francês, Estratégia primeiro-ministro logo após a Primeira Guerra Mundial, Georges Clemenceau1, “A guerra! É uma coisa demasiada está na origem do conceito da Grande grave para ser confiada aos militares.” Estratégia. Esse conceito engloba o ge-

* Doutor em Engenharia, é diretor técnico-comercial da Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A. (AMAZUL) e membro do Standing Advisory Group on Nuclear Energy (SAGNE) da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e-mail: [email protected] 1 Encyclopédie Larousse en ligne, http://www.larousse.fr/encyclopedie/personnage/Georges_Clemenceau/113797. A GRANDE ESTRATÉGIA DOS EUA

renciamento dos recursos de uma nação objetivos estratégicos3. A Grande Estratégia inteira para atingir os objetivos nacionais. americana tem guiado a política dos EUA Não se trata, portanto, apenas de derrotar desde a independência do país, conquistada um adversário no campo de batalha, mas de dos britânicos a duras penas após a Guerra de como os assuntos militares contribuem para Independência (1775-1783)4 e da Guerra de que os objetivos nacionais sejam atingidos. 18125, que consolidou definitivamente a vitória “Generally defined, grand strategy is the sobre os britânicos. collection of plans and policies by which A Grande Estratégia, porém, nem sempre the leadership mobilizes and deploys the tem a ver com a guerra. Trata-se da totalidade country’s resources and capabilities, both mi- dos processos que constituem o poder nacio- litary and non-military, to achieve its national nal de um país. No caso dos EUA, talvez mais goals. Grand strategy do que para os outros exists in the real world países, a Grande Estra- of governing, whether Os Estados Unidos são, tégia tem, sim, muito a it is carefully formu- ver com a guerra, mas lated and articulated historicamente, um país também ainda mais com in advance, or whe- guerreiro, tendo participado a interação entre a guerra ther it evolves ad hoc de guerras por cerca de e a economia. out of the world-views, Os Estados Unidos predilections, and sub- 10% da sua existência... na são, historicamente, um jectivities of those who segunda metade do século país guerreiro6, tendo govern”, segundo defi- participado de guerras nição do “Interdiscipli- XX, por 22% por cerca de 10% da nary Program of Duke sua existência, desde University on American a independência até Grand Strategy” 2. janeiro de 20137. Essa estatística inclui Todos os países têm sua Grande Estratégia. somente grandes guerras: Guerra de 1812, Os Estados Unidos da América (EUA), entre- Guerra México-Americana8, Guerra Civil9, tanto, diferentemente da maioria dos outros Primeira10 e Segunda11 Guerras Mundiais, países, alcançaram a maior parte dos seus Guerra da Coreia12 e a do Vietnam13. Não

2 “Interdisciplinary Program of Duke University on American Grand Strategy”, http://sites.duke.edu/agsp/ 3 Moniz Bandeira, L.A. Formação do Império Americano – da Guerra contra a Espanha à Guerra no Iraque, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2005. 4 American Revolutionary War, http://en.wikipedia.org/wiki/American_Revolutionary_War 5 War of 1812, http://en.wikipedia.org/wiki/War_of_1812 6 Nas palavras do Presidente Theodore Roosevelt, “All the great masterful races have been fighting races, and the minute that a race loses the hard fighting virtues it has lost its proud right to stand as the equal to the best.”, http:// en.wikipedia.org/wiki/Theodore_Roosevelt http://www.va.gov/opa/publications/factsheets/fs_americas_wars.pdf 7 America’s Wars, Department of Veterans Affairs, Office of Public Affairs. Washington, DC 20420, January 2013, http://www.va.gov/opa/publications/factsheets/fs_americas_wars.pdf 8 Mexican–American War, http://en.wikipedia.org/wiki/Mexican%E2%80%93American_War 9 American Civil War, http://en.wikipedia.org/wiki/American_Civil_War 10 United States in World War I http://en.wikipedia.org/wiki/United_States_in_World_War_I 11 Military history of the United States during World War II, http://en.wikipedia.org/wiki/Military_history_of_ the_United_States_during_World_War_II 12 United States in the Korean War, http://en.wikipedia.org/wiki/United_States_in_the_Korean_War 13 Role of the United States in the Vietnam War, http://en.wikipedia.org/wiki/Role_of_the_United_States_in_ the_Vietnam_War

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inclui conflitos menores, como a Guerra sua independência após uma guerra16 bem Hispano-Americana14 ou a “Tempestade no menos longa e sangrenta que os EUA17. A Deserto”15. Durante o século XX, os EUA rudeza da Guerra de Independência ame- fizeram guerra durante 15% do tempo. Na ricana, entretanto, gerou em seguida novas segunda metade do século XX, estiveram vulnerabilidades e novos medos de perder em guerra durante 22% do tempo, e desde o que havia sido duramente conquistado, o início do século XXI os Estados Unidos ou seja, a liberdade de pôr em prática os têm constantemente estado em guerra. amplos e revolucionários princípios esta- A guerra é fundamental na experiência belecidos pelos “pais fundadores” do país18. social dos EUA, e sua frequência aumenta Os países são guiados pelo medo de constantemente. Está enraizada na cultura perder o que têm. Esse medo, porém, americana e na sua geopolítica. também se constitui em eficaz instrumento Os EUA nasceram de uma cruenta guer- político de controle social, pois sociedades ra de independência e continuam a lutar até amedrontadas reagem como manadas, se hoje num ritmo cada vez maior. A Grande deixando levar por gritos de alerta sobre Estratégia de outros países pode envolver ameaças. Em nome da redução de uma mais questões econômicas do que conflitos, ameaça, muitas vezes superestimada, mas os objetivos estratégicos americanos lideranças podem agir livremente em bus- e a Grande Estratégia ca de outros objetivos americana originam- ligados à Grande Es- se no medo de perder Os países são guiados pelo tratégia, que vão muito o que foi conquistado. além da redução da O mesmo vale para medo de perder o que têm própria ameaça origi- muitas nações. Roma nal. A história da pro- não se constituiu para liferação nuclear, desde conquistar o mundo. Ela se constituiu para sua gênese19 até os dias atuais,20 ilustra de se defender e, durante esse esforço, tornou- forma bastante clara esse fato. se um império. Os EUA têm cinco objetivos geopolíti- No seu início, os EUA poderiam ter fi- cos que guiam a sua Grande Estratégia21. cado plenamente satisfeitos por se tornarem Observemos que esses objetivos aumen- livres do jugo britânico com a vitória na tam de magnitude, ambição e dificuldade Guerra de 1812. De certa maneira, foi isso à medida que se avança no tempo e no que ocorreu com o Brasil, que conquistou espaço.

14 Spanish–American War, http://en.wikipedia.org/wiki/Spanish%E2%80%93American_War 15 Gulf War, http://en.wikipedia.org/wiki/Gulf_War 16 Guerra da independência do Brasil, http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_da_independ%C3%AAncia_do_Brasil 17 Entretanto, o historiador norte-americano Robert Scheina, na sua obra Latin America’s Wars Volume I: The Age of the Caudillo, 1791-1899 (http://www.amazon.com/Latin-Americas-Wars-Volume-1791-1899/ dp/1574884492), sustenta que há uma tendência em se minimizar a crueza dos conflitos latino-americanos da época em função do número de baixas observadas, em comparação com as dos conflitos da América do Norte. Como as populações eram menores, tais eventos percentualmente eram, porém, muito significativos. 18 Founding Fathers of the United States, http://en.wikipedia.org/wiki/Founding_Fathers_of_the_United_States 19 A (Contra) Ameaça Nuclear, http://www.defesanet.com.br/geopolitica/noticia/4179/a-(contra)-ameaca-nuclear 20 O Alarmismo Nuclear, http://www.academia.edu/4163821/O_Alarmismo_Nuclear 21 Friedman, George, The Next 100 years, Doubleday, New York, 2009, disponível em http://www.fd.unl.pt/ docentes_docs/ma/amg_MA_11180.pdf

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A Completa Dominação da quilômetros a oeste de New Orleans, onde América do Norte o exército mexicano foi derrotado pelos texanos e, dessa forma, nunca voltaria a Se os EUA tivessem continuado a ser representar uma ameaça para a bacia do Rio uma nação de estados separados entre a Mississipi. Tampouco a derrota do exército costa do Atlântico e as Montanhas Al- mexicano era inevitável. O México era, em legheny, é muito improvável que o país vários aspectos, um país mais desenvolvido tivesse alcançado algo que se aproximasse e poderoso do que os EUA à época. Sua da dimensão que hoje tem. Não somente derrota, entretanto, fez com que os EUA se teve que se unir, como teve que se espalhar tornassem a potência dominante na Améri- pelo vasto território entre as Montanhas ca do Norte, um país imenso e rico a quem Allegheny e as Montanhas Rochosas. Isso ninguém poderia desafiar26. deu aos EUA não somente um grande peso estratégico, como também uma das terras A Eliminação de Ameaças no agrícolas mais ricas do mundo. Ainda mais Hemisfério Ocidental importante é o fato de essas terras serem sulcadas por um magnífico sistema de Tendo a América do Norte ficado rios navegáveis. Essa dádiva da natureza protegida, a outra única ameaça imediata permitiu que todo excedente agrícola do era proveniente da América do Sul. Na país pudesse facilmente ser exportado verdade, a América do Norte e a América para o mercado mundial, criando aquilo do Sul são ilhas não conectadas de fato: o que hoje se denomina agribusiness. As Panamá e a América Central não podem excepcionais condições dessa região para ser atravessados por grandes exércitos. a agropecuária foram a grande alavanca A unificação da América do Sul numa inicial para o desenvolvimento econômico única entidade é, como sempre foi, uma dos EUA, que até hoje permanecem como possibilidade remota, tanto do ponto de o maior produtor mundial. vista político como do geográfico. Quan- A Compra da Luisiana da França, em do se olha um mapa da América do Sul, 1803,22 permitiu que os EUA entrassem é possível depreender que aqui não pode nessas terras. Mas foi a Batalha de New haver poder transcontinental. O continente Orleans, em 1814, em que Andrew Jack- está cortado em dois por um “corredor de son derrotou os ingleses, que deu à nação isolamento” contínuo formado por regiões o verdadeiro controle da região23, visto de difícil acesso e ocupação populacional: que New Orleans era o único ponto de a Amazônia (direção leste-oeste) e os estrangulamento de todo o sistema fluvial. Andes (direção norte-sul). Portanto, não é Se Yorktown24 fundou os EUA, a Batalha plausível para os EUA uma ameaça militar de New Orleans fundou sua economia. proveniente da América do Sul. Isso, por sua vez, foi garantido pela Bata- As maiores ameaças no hemisfério lha de San Jacinto25, algumas centenas de provêm de potências europeias com bases

22 Stief, Colin, The Louisiana Purchase, http://geography.about.com/od/historyofgeography/a/louisianapurcha.htm 23 Battle of New Orleans, http://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_New_Orleans 24 Siege of Yorktown, http://en.wikipedia.org/wiki/Siege_of_Yorktown 25 Battle of San Jacinto, http://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_San_Jacinto 26 Essa visão é o fundamento do conceito de “destino manifesto” surgida nos EUA do século XIX (http:// en.wikipedia.org/wiki/Manifest_destiny)

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navais na América Central e no Caribe, desde a Guerra Hispano-Americana até a assim como de forças terrestres no Mé- Guerra Fria32. xico. Esse foi o fundamento da Doutrina Tendo assegurado o hemisfério no Monroe27 (“América para americanos”), fim do século XIX, os EUA focaram seu que, muito antes de os EUA poderem interesse em manter as faixas marítimas impedir os europeus de terem bases no próximas de seu litoral livres de potências continente, fez com que o bloqueio des- navais estrangeiras. Para isso, protegeram sas iniciativas fosse uma necessidade primeiramente os seus acessos pelo Pacífi- estratégica. co. Durante a Guerra Civil, o país adquiriu Os EUA só se preocupam com a região o Alasca, em 186733. Em 1898, o Havaí foi quando percebem que existe alguma pos- anexado34. Essas duas medidas, tomadas sibilidade de uma potência estrangeira vir juntas, impediram a ameaça ao continente a ter bases aqui. A história é rica em exem- pelo oeste, eliminando qualquer base de plos de intervenções político-diplomáticas apoio para suprir uma esquadra. Note-se e militares na América Latina28,29, especial- que a ameaça japonesa era considerada mente no contexto da Guerra Fria. relevante no final do século XIX e início do século XX. Pleno Controle dos Acessos Com a vitória na Guerra Hispano-Ame- Marítimos para Impedir ricana, em 1898, a anexação de Porto Rico35 Qualquer Possibilidade de e a independência de Cuba, o acesso Golfo Invasão do México e litoral sul dos EUA, onde se encontra o delta do Mississipi, ponto focal Em 1814, a Marinha britânica navegou do escoamento de sua produção agrícola, até Chesapeake e incendiou Washington30. foi protegido. Essa vitória ainda trouxe o Durante todo o século XIX, os Estados Uni- controle das Filipinas, que reforçou a pro- dos tinham pavor que os britânicos, usando teção dos acessos pelo oeste. o seu controle avassalador do Atlântico Foi bastante marcante à época a excep- Norte, bloqueassem o seu acesso ao ocea- cional demonstração de força feita pela no, estrangulando o país. Esse não era um viagem de circunavegação da Great White medo injustificado: os britânicos de fato Fleet36 (16 de dezembro de 1907 a 22 de consideraram essa possibilidade algumas fevereiro de 1909). vezes31. Esse medo foi, em outro contexto, Nesse contexto, ocorre a secessão do a origem da obsessão americana com Cuba, Panamá da Colômbia e a construção do

27 Monroe Doctrine, http://en.wikipedia.org/wiki/Monroe_Doctrine 28 Latin America-United States relations, http://en.wikipedia.org/wiki/Latin_America%E2%80%93United_Sta- tes_relations 29 Os capítulos iniciais de Moniz Bandeira, L. A., Conflito e Integração na América do Sul – Brasil, Argentina e Estados Unidos – da Tríplice Aliança ao Mercosul 1870-2003, Editora Revan, Rio de Janeiro, 2003, tratam desse tema. 30 Burning of Washington, http://en.wikipedia.org/wiki/Burning_of_Washington 31 Blockade runners of the American Civil War, http://en.wikipedia.org/wiki/Blockade_runners_of_the_Ame- rican_Civil_War 32 Cuba–United States relations, http://en.wikipedia.org/wiki/Cuba%E2%80%93United_States_relations 33 Alaska Purchase, http://en.wikipedia.org/wiki/Alaska_Purchase 34 Annexation of Hawaii, 1898, http://history.state.gov/milestones/1866-1898/hawaii 35 Puerto Rico, http://en.wikipedia.org/wiki/Puerto_Rico#United_States_colony 36 Great White Fleet, http://en.wikipedia.org/wiki/Great_White_Fleet

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canal (1904 – 1914)37 e o seu consequente A partir do fim da Segunda Guerra controle, que permanece até hoje, vital não Mundial, o peso combinado de todas só para o comércio interno e externo mas as esquadras existentes do mundo era também para passagem de forças navais insignificante comparado ao poder naval dos EUA entre as costas do Atlântico e americano. Isto evidencia um fato único do Pacífico. da geopolítica mundial, talvez o mais Os EUA protegeram finalmente seu li- importante: o controle e a liberdade de toral leste, no Atlântico, usando a Segunda movimentação dos EUA em todos os oce- Guerra Mundial para se aproveitar da fra- anos. Nenhuma outra potência na história queza britânica, tirando-a de perto da costa foi capaz de fazer isso. americana, pela criação de uma esquadra de O controle e a liberdade de movimen- um poder tão grande que nenhuma Marinha tação da Marinha dos EUA em todos os do mundo poderia mais operar na parte oci- oceanos são não somente a base da segu- dental do Atlântico Norte sem a aprovação rança americana, mas também a base da dos EUA. Com isso se tornaram, de fato, sua capacidade de moldar o sistema inter- efetivamente invulne- nacional. Ninguém vai ráveis a uma invasão. a lugar algum nos mares Manter o controle dos se os EUA não aprova- Dominação rem. No fim das contas, Completa oceanos do mundo é manter o controle dos dos Oceanos hoje o objetivo mais oceanos do mundo é para Garantir importante para os EUA hoje o objetivo mais o Controle importante para os EUA sobre o geopoliticamente geopoliticamente38. Comércio A estratégia naval Internacional emprega navios, subma- rinos e aeronaves fundamentalmente para39: O fato de os EUA emergirem da Se- – controlar área marítima, para usá-la gunda Guerra Mundial não somente com em proveito próprio; a maior Marinha do mundo, mas também – impedir ou dificultar (no linguajar com bases navais espalhadas por todos os profissional, negar) o uso, pelo adversário, mares e, posteriormente, com a monito- de área marítima, cujo controle ou não ração por satélite de toda a superfície do pode ser exercido (por falta de capacida- planeta, com cada vez maior resolução, de) ou não precisa sê-lo (por ausência de mudou a forma de funcionamento do interesse); e mundo. Qualquer embarcação de alto-mar, – projetar poder sobre terra, realizando comercial ou militar, do Golfo Pérsico ao bombardeio naval e aeronaval e o desem- Mar da China do Sul ao Caribe, passou a barque anfíbio; a essas formas tradicionais poder ser permanentemente monitorada de projeção foi acrescido o lançamento, pela Marinha dos EUA, que podia decidir por submarinos, de mísseis balísticos com entre observá-la, pará-la, ou afundá-la. ogivas nucleares.

37 Panama Canal, http://en.wikipedia.org/wiki/Panama_Canal 38 Russell, Greg, Alfred Thayer Mahan and American Geopolitics: The Conservatism and Realism of an Imperialist, http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/14650040500524137#.UvgFZPldXao 39 Submarino de Propulsão Nuclear, http://www.submarinosdobr.com.br/SubPropNuc.htm

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Isso explica por que a estratégia naval podia ser feito assegurando-se de que soviética do pós-guerra40, arquitetada pelo ninguém tivesse a motivação de construí- Almirante Gorshkov41, privilegiou os las ou tivesse recursos para tanto. Uma submarinos de ataque e aviação naval de estratégia, “a cenoura”, é ter certeza de longo alcance baseada em terra. Esses são que todo mundo tem acesso ao mar sem únicos meios capazes de escapar do quase precisar construir uma força naval. A outra absoluto controle americano dos mares. estratégia, “o porrete”, é manter possíveis Também concebeu os submarinos lança- inimigos em confrontos terrestres para que dores de mísseis balísticos, inicialmente sejam forçados a exaurir os seus recursos convencionais e depois nucleares, pois era o militares em tropas, tanques e aeronaves, único meio para projetar poder sobre terra, tendo poucos recursos para suas forças devido à enorme superioridade das forças navais. de superfície americanas no pós-guerra, que Nesse sentido, conforme já tinha visuali- continua até o presente. zado o Almirante Gorshkov no pós-guerra, Restava aos soviéticos apenas a possi- a proliferação de submarinos42, em especial bilidade de negar o uso irrestrito do mar, aqueles de propulsão nuclear,43 continua dificultando o estabelecimento de um efe- sendo a maior ameaça a controle e liberdade tivo controle, e projetar poder por meio de de movimentação da Marinha dos EUA em mísseis lançados por submarinos, já que todos os oceanos. dificilmente conseguiriam obter controle Os EUA emergiram da Guerra Fria de áreas marítimas que permitissem realizar tanto com um novo interesse quanto com bombardeio naval e aeronaval e desembar- um objetivo fixo44: evitar que qualquer que anfíbio. potência da Eurásia se tornasse suficien- temente segura e pudesse dirigir os seus A Impossibilidade de recursos para a construção de um poder qualquer outra nação naval importante. Como, com a queda enfrentar o poderio naval da URSS, não havia mais uma ameaça americano global única de hegemonia eurasiana. Os EUA se concentraram então em evitar a emer- Tendo conseguido o feito sem pre- gência de hegemonias secundárias que cedentes de dominar todos os oceanos poderiam desenvolver segurança regional do mundo, os EUA obviamente querem suficiente para disputar o controle de áreas mantê-lo. A forma mais simples de fazer marítimas de seu interesse. Por conseguin- isso foi evitar que outras nações constru- te, os Estados Unidos trabalharam para íssem forças navais importantes, e isso criar continuamente uma série variável

40 MccGwire, Michael, Naval Power and Soviet Global Strategy, International Security Vol. 3, No. 4 (Spring, 1979), pp. 134-189, disponível em http://www.jstor.org/discover/10.2307/2626766 41 Sergey Gorshkov, http://en.wikipedia.org/wiki/Sergey_Gorshkov 42 Submarine Proliferation Resource Collection, http://www.nti.org/analysis/reports/submarine-proliferation- overview/ 43 Nuclear submarines in Third World: a proliferation issue ?, http://www.faap.br/revista_faap/rel_internacionais/ nuclear.htm 44 Visões americanas da ordem pós-guerra, in Robert J. MacMahon, Guerra Fria, Tradução de Rosaura Eichen- berg, L&PM Pocket, Rio de Janeiro, 2012, pás 14-15, disponível em http://www.lpm.com.br/livros/Imagens/ guerra_fria_encyclopaedia_trecho.pdf

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de alianças, muitas vezes contraditórias, Mackinder, Mahan E SPYKMAN mas concebidas para restringir qualquer hegemonia regional possível. Deixando a retórica de lado, os EUA não Os EUA tinham que estar preparados têm prioritariamente interesse que Eurásia para intervenções imprevisíveis por todo esteja em paz. Tampouco têm interesse em o território eurasiano. Com o processo de ganhar guerras imediatamente. Como no dissolução da URSS, o país começou a Vietnã e na Coreia, o objetivo desses con- lançar uma série de operações concebidas flitos é simplesmente impedir a ascensão de para manter o equilíbrio regional e bloquear uma potência ou desestabilizar uma região, o surgimento de uma potência local. A não impor a ordem. No tempo devido, Guerra Irã-Iraque45 é um clássico exemplo mesmo uma derrota seria aceitável, desde de como se pode realizar tal tipo de blo- que esse objetivo fosse atingido. queio simultaneamente a dois aspirantes Os formuladores americanos de políticas à potência regional sem necessidade de aprenderam com a experiência da Segunda intervenção militar direta. Guerra Mundial que nunca mais poderiam A primeira maior intervenção foi no permitir que um Estado, ou uma coalizão de Kwait, onde os EUA inibiram ambições ira- Estados hostil, ganhasse controle prepon- quianas, à época em que a União Soviética derante sobre as populações, os territórios se esfacelava. A próxima foi na Iugoslávia, e os recursos da Europa e da Ásia Oriental. com o objetivo de impedir a emergência da Essa foi a base da estratégia de contenção hegemonia sérvia nos Bálcãs. A terceira da URSS durante a Guerra Fria49, derivada série de intervenções foi no mundo islâ- da visão de Mackinder50. mico, concebida para impedir o desejo da Mackinder foi um geógrafo e geopo- Al-Qaeda (ou de qualquer outro) de criar lítico inglês. Em 1904, publicou o artigo um império islâmico. As intervenções no “The Geographical Pivot of History”51, Afeganistão46 e no Iraque47 fazem parte onde formulou a Teoria da Terra Central desse esforço. (Heartland), que influencia a política ex- Apesar de todo o alvoroço, essas foram terna das potências mundiais desde então, questões menores. No Iraque, a maior ope- em especial a dos EUA no pós-guerra. O ração, os EUA usaram menos de 200 mil artigo sugere que o controle da Europa soldados e tiveram menos de 5 mil mortos. do Leste seria vital para o controle do Isso representa cerca de 6 a 8% das perdas mundo. Ele formulou sua hipótese como: sofridas no Vietnã, e cerca de 1% das per- “Who rules East Europe commands the das da Segunda Guerra Mundial48. Para Heartland; Who rules the Heartland um país de mais de um quarto de bilhão commands the World-Island; Who rules de pessoas, uma força de ocupação dessa the World-Island commands the world”. dimensão é insignificante. Seus seguidores alemães muito influen-

45 Iran-Iraq War, http://en.wikipedia.org/wiki/Iran%E2%80%93Iraq_War 46 War in Afghanistan (2001–present), http://en.wikipedia.org/wiki/War_in_Afghanistan_(2001%E2%80%93present) 47 2003 invasion of Iraq, http://en.wikipedia.org/wiki/2003_invasion_of_Iraq 48 Vide nota 11 49 Vide nota 29 50 Halford Mackinder, http://en.wikipedia.org/wiki/Halford_Mackinder 51 A Aliança da Geografia com a Política https://www.academia.edu/6033808/A_ALIANCA_DA_GEOGRA- FIA_COM_A_POLITICA

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ciaram a estratégia nazista da Segunda e isso sempre será feito com força insufi- Guerra Mundial52. ciente para ser decisivo. As “terras centrais” eurasianas figu- À vertente de “negação” do controle ram como o maior troféu estratégico- das “terras centrais” se soma a vertente de econômico mundial. Sua combinação “afirmação” do controle e liberdade total de ricos recursos naturais, infraestrutura de movimentação nos oceanos. industrial avançada, mão de obra qualifi- A grande estratégia americana é também cada e instalações militares sofisticadas a fortemente centrada no pensamento estra- tornam o fulcro do poder mundial, como tégico de Mahan sobre o poder marítimo. os acontecimentos de 1940-1941 deixaram Seus trabalhos, realizados a partir de finais dolorosamente claro. Se tal eventualidade do século XIX, influenciaram diretamente, vier a acontecer de novo, o sistema inter- e seguem influenciando indiretamente, nacional seria mais uma vez gravemente gerações sucessivas de políticos e militares desestabilizado, o equilíbrio do poder nos EUA e em todo o mundo53. mundial alterado e a segurança física dos Mahan era um homem profundamente EUA submetida a graves riscos. convicto da importância perene da guerra Os EUA, entretanto, não têm como no mar, quaisquer que fossem as mudanças objetivo dominar as “terras centrais”, mas proporcionadas pelas novas tecnologias impedir que alguém venha outra vez a do- ou viabilizadas pelas novas táticas. Nestas miná-las, daí a contenção da URSS durante circunstâncias, considerava que o poder a Guerra Fria. O princípio de usar uma força marítimo era decisivo na centralidade e na mínima somente quando for absolutamente grandeza das nações. necessário para manter o equilíbrio de po- Seu conceito de poder marítimo im- der da Eurásia é, e permanecerá sendo, a plicava possuir uma grande força naval, força motriz da política externa americana destinada a alcançar o controle do mar, ao longo de todo o século XXI. que impediria outros países de interferir Haverá outras intervenções militares ou ameaçar o seu comércio. O controle em lugares e momentos imprevistos. As do mar era alcançado pela concentração e ações americanas parecerão irracionais pelo emprego da esquadra de combate na e assim seriam caso o objetivo principal batalha decisiva. A operação da esquadra de fosse estabilizar uma região. Contudo, combate durante longos períodos requeria visto que o seu objetivo principal tem mais a posse de bases navais em regiões estra- probabilidade de ser simplesmente impe- tegicamente relevantes. dir ou desestabilizar poderes emergentes, Como complemento à hipótese de as intervenções serão bastante racionais. Mackinder, pode-se parafrasear o que Nunca parecerá que farão qualquer coisa seria hipótese de Mahan54: “Who rules the que possa se aproximar de uma “solução”, World-Sea commands the world”.

52 Wesley de Souza Arcassa, Paulo Fernando Cirino Mourão, Karl Haushofer: a Geopolitik Alemã e o III Reich, Revista Geografia em Atos, Departamento de Geografia da FCT/UNESP, Presidente Prudente, n. 11, v.1, janeiro a junho de 2011, p. 1-14, disponível em http://revista.fct.unesp.br/index.php/geografiaematos/article/ viewFile/249/arcassa 53 A principal obra de Mahan é The Influence of Sea Power Upon History, 1660-1783, disponível em http://www. gutenberg.org/files/13529/13529-h/13529-h.htm 54 Ribeiro, António Silva, Mahan e as marinhas como instrumento político, http://www.revistamilitar.pt/artigo. php?art_id=569

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A integração da “negação” de Mackinder – a impossibilidade de qualquer outra com a “afirmação” de Mahan é feita pela nação enfrentar o poderio naval america- teoria da fímbrias (rimland) de Nicholas no global, garantindo total liberdade de J. Spykman55. Para ele, quem tem o poder movimentação nos oceanos, o que permite mundial não é quem controla diretamente ações de presença e intervenções militares a heartland, mas quem é capaz de cercá-la, em qualquer lugar do mundo. e para isso o poder marítimo de Mahan é A segmentação da Grande Estratégia fundamental56. dos EUA nesses cinco objetivos constitui o fundamento das ações para alcançar os Inte- Conclusão resses Nacionais Permanentes do país, como apresentados por Donald Nuechterlein57: Os EUA têm cinco objetivos geopolí- – defesa do território; ticos que guiam a sua Grande Estratégia: – bem-estar econômico e promoção dos – a completa dominação da América do produtos estadunidenses no exterior; Norte pelo seu Exérci- – promoção no ex- to, fato incontestável terior dos valores dos desde o final do século O desafio que se coloca EUA; XIX e pouco plausível – criação de uma or- de ser desafiado; para os EUA no século dem mundial favorável – a eliminação de XXI é manter o que foi (ambiente internacional qualquer ameaça vin- conquistado, impedindo o seguro). da de qualquer po- tência no Hemisfério surgimento de ameaças que Tendo alcançado Ocidental, sendo as possam vir a desafiar sua sistematicamente os mais plausíveis prove- seus objetivos estra- nientes de bases navais dominação completa dos tégicos, os EUA têm de potências do outro oceanos e o consequente o objetivo último de hemisfério na América controle que têm sobre o evitar a emergência Central e no Caribe; de qualquer potência – pleno controle comércio internacional que possa ameaçar seu dos acessos marítimos controle e sua liberdade ao seu território pela nos mares, conforme US Navy, de forma a impedir qualquer pos- Mahan, e que possa dominar sozinha ou sibilidade de ataque, bloqueio ou invasão; formar uma coalizão que venha a controlar – dominação completa dos oceanos do partes significativas das “terras centrais” mundo para proteger ainda mais a segurança de Mackinder. física de seu território e garantir o controle O paradoxo, entretanto, reside no fato sobre o sistema de comércio internacional; de que o objetivo das intervenções mili-

55 Nicholas J. Spykman, http://en.wikipedia.org/wiki/Nicholas_J._Spykman 56 Essa abordagem é resumida no artigo “Novas teorias sobre poder mundial”, do General Meira Mattos, publicado na Folha de São Paulo de 11 de março de 2005. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/ fz1103200509.htm 57 NUECHTERLEIN, Donald. America Recommitted: United States National Interests in a Reconstruction World, in Security and Force Planning (Capítulo 7). Second Edition. Naval War College, Newport, EUA. 1997. Página 97, Disponível em http://www.donaldnuechterlein.com/

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tares dos EUA que de tempos em tempos eclodindo em diversos locais do mundo ocorrem, as últimas sob a égide da “Guerra nesta segunda década do século XXI não ao Terror”58, nunca é para atingir algo, in- devem estar alheios a esse fato. dependentemente do que a retórica política A Grande Estratégia não é algo parti- possa dizer, mas para evitar algo. Os EUA cular aos EUA. A diferença está no fato querem evitar estabilidade em áreas em de que talvez esse país tenha sido aquele que uma potência regional possa surgir e que colocou seus legítimos objetivos com ameaçar seus eixos estratégicos de Mahan máxima amplitude e os perseguiu ininter- e Mackinder. O objetivo não é, em geral, ruptamente desde o final do século XVIII, estabilizar, mas desestabilizar, impedindo tendo-os alcançado plenamente ao final do que o uso do mar lhe seja negado ou que século XX. O desafio que se coloca para um Estado, ou uma coalizão de Estados, os EUA no século XXI é manter o que hostil possa vir a ter controle preponderante foi conquistado, impedindo o surgimento sobre populações, territórios e recursos da de ameaças que possam vir a desafiar sua Eurásia. dominação completa dos oceanos e o con- Em casos mais críticos, como a reação sequente controle que têm sobre o comércio imediata aos ataques do terrorismo islâ- internacional. mico, o poder militar é exercido na sua Desde o célebre livro de Paul Kennedy62, plenitude, com seus altos custos humanos muito se teoriza sobre um suposto “declínio e financeiros. Em outros casos, porém, o do império americano”. A experiência his- uso do “soft power”59 é menos oneroso e, tórica mostra, entretanto, que a continuida- eventualmente, mais efetivo. de e a resiliência dos EUA na busca de seus No mundo em rede atual, onde as in- objetivos, o atual sempre complementando formações e a comunicação ocorrem em e consolidando o anterior, tornam essa volume e velocidade nunca antes vistos possibilidade distante no tempo. na história, ações de inteligência realiza- O objetivo estratégico atual de impossi- das por agentes locais ou infiltrados bem bilitar qualquer outra nação enfrentar o po- treinados e orientados têm enorme poder derio naval americano global é o corolário de desestabilização do sistema político necessário do objetivo anterior, de domina- e econômico de um país, impedindo sua ção completa dos oceanos para garantir o emergência como uma ameaça aos eixos controle sobre o comércio internacional. A estratégicos básicos dos EUA. Para isso, tática de desestabilização usada para atingir a estrutura conceitual60 da teoria da resis- o objetivo atual poderá ser modificada caso tência não violenta da qual Gene Sharp é o os resultados não continuem a ser exitosos, maior expoente61 torna-se uma ferramenta ou poderá ser estabelecido outro objetivo, útil. Os movimentos de protestos que vêm prolongando, dessa forma, o ciclo.

58 War on Terror, by Anup Shah, Last Updated October 07, 2013, http://www.globalissues.org/issue/245/war- on-terror#ResultingWaronTerror 59 Guilherme Mattos de Abreu, Reflexões Sobre o “Soft Power”, Revista da Escola de Guerra Naval. – v. 19, jun. 2013. – Rio de Janeiro. p. 203 - 244. http://www.egn.mar.mil.br/arquivos/revistaEgn/pagina_revista/ n19/_edicao19_1.pdf . 60 Gene Sharp, Da Ditadura à Democracia – Uma Estrutura Conceitual para a Libertação, The Albert Einstein Institution, Quarta Edição, maio de 2010, East Boston, MA 02128, EUA, http://bibliot3ca.files.wordpress. com/2011/03/da-ditadura-a-democracia-gene-sharp2.pdf 61 Gene Sharp, http://en.wikipedia.org/wiki/Gene_Sharp 62 A Ascensão e a Queda das Grandes Potências, Editora Campus, 1989

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Vivemos, entretanto, num mundo de chamar de “lado negro” da globalização, incertezas que nos colocam enormes de- em que desigualdades, crises financeiras, safios globais63, como a demografia, mu- terrorismo e pandemias são alguns de seus dança climática, segurança energética, e o aspectos. renascimento de uma certa “irracionalidade A resposta da Grande Estratégia dos filosófica”, cujos exemplos típicos são o países a esses desafios, em especial dos fundamentalismo religioso e o fanatismo EUA, como inconteste hegemon, deter- político, se apresentando como a única minará o futuro que será construído pelas fonte de certeza, e aquilo que podemos atuais gerações.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Estratégia; Política dos EUA; Geopolítica;

63 Towards a Grand Strategy for an Uncertain World, Noaber Foundation, 2007, http://csis.org/files/media/csis/ events/080110_grand_strategy.pdf

168 RMB1oT/2014 BREVE REFLEXÃO SOBRE OS VALORES DA ROSA DAS VIRTUDES E A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA*

O soldado é antes de tudo alguém que se reconhece de longe; leva os sinais naturais de seu vigor e coragem, as marcas tam- bém de seu orgulho: seu corpo é o brasão de sua força e de sua valentia. Michel Foucault

Hercules Guimarães Honorato** Capitão de Mar e Guerra (RM1-IM)

SUMÁRIO

Introdução Conceitos, dúvida e resposta A Rosa das Virtudes e seus valores A sociedade contemporânea e os valores militares Considerações finais Introdução reação ao reajuste de R$ 0,20 das tarifas de ônibus, metrô e trem em São Paulo e Brasil é um país de dimensões conti- Rio de Janeiro e ganhou outros caminhos O nentais, com altos índices de exclusão alternativos, como o fim da corrupção e da e profundas disparidades regionais, em violência policial, melhorias no transporte, que “o desenvolvimento econômico e na saúde e na educação e os gastos exces- social tem-se dado combinando ilhas de sivos com a Copa do Mundo. “Mas, sem riqueza cercadas por oceanos de pobreza” liderança definida nas grandes cidades, os (CUNHA; CUNHA, 2008, p. 23). Ato protestos tomaram rumos diferentes, se contínuo, uma série de protestos ou “ma- separaram e as tentativas de diálogo com nifestações democráticas” começou como as autoridades fracassaram1.”

* Artigo classificado em 2o lugar no Concurso de Artigos Técnicos e Acadêmicos e de Redação das OM da área da Diretoria de Ensino da MB e do SSPM. ** Professor da Escola Naval; Mestre em Educação pela Universidade Estácio de Sá (Unesa); Especialista em Gestão Internacional e MBA Logística Pelo Instituto COPPEAD de Administração da Ufrj e Docência do Ensino Superior pelo Instituto A Voz do Mestre da Universidade Cândido Mendes (Ucam). 1 Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2013, 13:10:00. BREVE REFLEXÃO SOBRE OS VALORES DA ROSA DAS VIRTUDES E A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Fatos e atos que estão acontecendo não não existência da Hierarquia, mas sim da só em nosso país podem significar o quê? Disciplina, e assim começou a inquietação O Índice de Confiança na Justiça brasi- deste autor. leira da Fundação Getúlio Vargas2 (ICJBra- Dessa ruptura do binômio norteador sil) avaliou a confiança da população nas dos rumos de todos os militares, ou- instituições do Estado, e as Forças Armadas tras dúvidas advindas dos conceitos ali lideram o ranking das instituições em que a expostos e relacionados à temática de população mais confia, com 73% das res- “Valores” começaram a ser recorrentes postas, seguidas pela Igreja Católica (56%), para esclarecer a dinâmica do que deve pelo Ministério Público (55%), e, por ser apreendido e praticado pelos futuros último, pelos partidos políticos (5%). Por oficiais da Marinha em suas vidas, tanto intermédio dessa confiança que proporcio- profissionais quanto privadas. Destarte, namos ao nosso povo, podemos começar a distinguir valores e virtudes somou-se refletir e a perguntar em que medida nossas a mais dúvidas concernentes ao que Forças Armadas podem transmitir valores nós, integrantes das Forças Armadas, positivos à sociedade possamos contribuir brasileira atual, que no século XXI para a vive e procura novos Da confiança que sociedade, no estado rumos firmes e demo- da arte das manifesta- cráticos. Começamos, proporcionamos ao nosso ções públicas para um então, a refletir os va- povo, podemos começar contexto de paz social lores estruturais e ins- e harmonia. titucionais da caserna. a refletir e a perguntar Assim exposto, o Na década de 1980, em que medida nossas objeto deste artigo, que o autor do presente Forças Armadas podem é de cunho qualitativo artigo era aspirante da e bibliográfico explo- Escola Naval (EN). transmitir valores positivos ratório, é estudar os Tinha disciplinas tanto à sociedade brasileira valores constantes da ligadas à formação Rosa das Virtudes, esta acadêmica quanto à presente na doutrina de profissional, sendo apresentado ao binô- liderança da Marinha e mais especifica- mio institucional da formação de todos os mente da EN, e em que medida essas 16 militares: a Disciplina e a Hierarquia. Ao metas nela presentes podem contribuir e passar para a reserva, tornou-se professor ter significado positivo perante a sociedade da própria EN, e, assim, pôde conhecer a brasileira. Espera-se, portanto, que este Rosa das Virtudes, que é divulgada como estudo seja relevante em diversos aspectos detentora basilar dos valores a serem para a construção do conhecimento e de sua transmitidos para os aspirantes e constante utilidade no dia a dia de todos nós, pois, também da Doutrina de Liderança da Ma- independentemente de sermos militares ou rinha (BRASIL, 2004). Nesse caminhar civis, somos todos cidadãos brasileiros que pela leitura das 16 virtudes constantes da desejam um país melhor, mais justo e tão referida figura ilustrativa, constatou-se a grande quanto a própria natureza.

2 Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2013, 14:30:20.

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Conceitos, dúvida e resposta autores citam Morin (2001) para reforçar a ideia de que deva existir afinidade dos A ideia desta seção foi organizar e ni- valores individuais aos organizacionais velar o conhecimento acerca de um tema para haver um trabalho com sentido. ligado mais à psicologia social, à filosofia e Porto e Tamayo (2007, p. 41) tratam à sociologia, deixando clara neste primeiro valores laborais como representações momento a distinção entre valores pessoais, cognitivas de três necessidades básicas das laborais e organizacionais. Alguns concei- organizações: “A primeira é lidar com a tos são expostos para um caminhar nivelado relação indivíduo-organização; a segunda é pelo tema proposto. A dúvida principal a garantir comportamentos apropriados para ser exposta é a não inclusão da Hierarquia a organização; e a terceira é estabelecer a nas metas da Rosa das Virtudes. relação entre organização e o meio exter- Os valores pessoais ou individuais no”. Os autores citam como definição de são princípios ou crenças que guiam e valores laborais: orientam as atitudes e o comportamento princípios ou crenças sobre metas ou re- desejáveis das pessoas, e eles podem estar compensas desejáveis, hierarquicamente relacionados a focos específicos da vida organizados, que as pessoas buscam do indivíduo, formando estruturas inter- por meio do trabalho e que guiam as relacionadas, um padrão de juízo (PORTO; suas avaliações sobre os resultados e TAMAYO, 2007; RIBAS; RODRIGUES, contexto do trabalho, bem como o seu 2009). Bilsky (2009, p. 14) complementa comportamento no trabalho e a escolha que eles “podem ser interpretados como de alternativas de trabalho (PORTO; constructos motivacionais que transcendem TAMAYO, 2003 apud PORTO; TA- situações específicas. [...] Além disso, são MAYO, 2007, p. 63). ordenados pela importância relativa aos demais”. Esse autor afirma, ainda, que os Ribas e Rodrigues (2009, p. 44) afirmam valores são respostas que tanto os indivídu- que todas as organizações precisam de os como as sociedades dão a três exigências “colaboradores engajados e comprometidos e tarefas universais: “as necessidades dos para o alcance dos objetivos organizacio- indivíduos como organismos biológicos, nais”. Desta forma, os valores são as bases as exigências da interação social coorde- do comportamento que deve ser seguido nada e os requisitos para o bem-estar e a por todos na instituição, partindo-se de um sobrevivência da coletividade” (BILSKY, arranjo conhecido como cultura organiza- 2009, p. 16). cional, que é construída pela socialização, É importante realçar que a base do traba- por ritos e outros eventos que reforçam a lho, em qualquer organização, são os seus prática social, mantida e reproduzida pelas valores, que norteiam também os objetivos pessoas. Ratificando esse pensamento, pessoais e, consequentemente, devem estar Tamayo e Gondim (1996, p. 63) afirmam em consonância com os princípios e valo- que a função dos valores organizacio- res organizacionais, que serviram de base nais é “orientar a vida da empresa, guiar para melhorar a eficiência do trabalho, pois comportamento dos seus membros. São deverá haver o alinhamento dos objetivos determinantes da rotina diária na organi- dos trabalhadores aos da empresa, orien- zação, já que orientam a vida das pessoas tando ambos a uma direção com o mesmo e delimitam sua forma de pensar, de agir fim (RIBAS; RODRIGUES, 2009). Esses e de sentir”.

RMB1oT/2014 171 BREVE REFLEXÃO SOBRE OS VALORES DA ROSA DAS VIRTUDES E A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

As virtudes são o vigor de uma vida no para podermos melhor referenciá-lo e espírito, vigor que sustenta e dá consistên- contextualizá-lo, procuramos assinalar o cia à prática cristã, “portanto, não se trata de porquê, em primeiro lugar, desse nome ter virtudes, mas ser virtuoso [...] atitudes Rosa das Virtudes, que é parte integrante firmes, disposições estáveis, perfeições e principal do documento divulgado como habituais de inteligência e da vontade que norteador dos valores a serem ensinados regulam nossos atos, ordenando as nossas para os futuros oficiais de Marinha, e tam- paixões e guiando-nos segundo a razão e bém integrante do Manual de Liderança do a fé” (AGOSTINI, 2003, p. 154). Por este Estado-Maior da Armada divulgado para aspecto, as virtudes são tratadas como um todos os cursos de formação. dom, o que não é o caso, mas também Sem relação com a delicadeza ou o são adquiridas por meio dos processos de perfume da rosa, a simbologia idealizada socialização e aprendizagem, pela experi- foi, ao ver deste pesquisador, a “Rosa de ência e pela prática, o que é transmitido por Manobra”, publicada pela Diretoria de intermédio das relações sociais. Hidrografia da Marinha, que visa facilitar a Pode-se afirmar que, então, valores pes- construção dos diagramas das posições re- soais estão relacionados ao nível individual lativas e de velocidades dos navios; usa-se, do homem, ligados também à construção do na resolução dos problemas de movimento sujeito social, por intermédio da família, da relativo, uma folha de plotagem especial, escola, dos ambientes sociais e da nossa que serve para o traçado de rumos e mar- própria cultura. Os valores organizacionais cações. Outra possibilidade ilustrativa é a dizem respeito ao comportamento desejado “Rosa dos Ventos” ou “Rosa de Rumos”, do indivíduo em relação ao seu ambiente de presente nas Cartas Náuticas a fim de per- trabalho, como motivador de seu relaciona- mitir a obtenção ou o traçado de rumos e mento com as tradições de sua instituição, marcações verdadeiros (MIGUENS, 1996). comunicados e transmitidos entre seus membros, sem deixar de possuir certa correspondência

com os valores pessoais. A partir PATRIOTISMO desse ponto, os valores laborais aparecem, ou seja, as pessoas HONRA apresentam uma estrutura geral DISCIPLINA LEALDADE

inicial de valores e, a partir ESPÍRITO MILITAR dela, estruturas específicas são INICIATIVA construídas para contextos es- COOPERAÇÃO

pecíficos e significativos de sua ESPÍRITO DE ABNEGAÇÃO vida, com a hierarquização de SACRIFÍCIO seus valores apreendidos. ZELO DECISÃO CORAGEM A Rosa das Virtudes e seus valores TENACIDADE ORDEM

Na leitura do livro Nossa FIDELIDADE Voga, que é do ano de 1954, FOGO SAGRADO sem autoria ou editora expressa

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Em suma: no centro da Rosa das Virtu- pronta às ordens do superior, utilização des temos declarado o que se deseja dos 16 total das energias em prol do serviço, cor- valores, a princípio laborais: que eles sejam reção de atitudes e cooperação espontânea “os nossos rumos, Escola Naval, Marinha em benefício da disciplina coletiva e da do Brasil”. eficiência da instituição” (ESCOLA NA- Não entraremos, neste artigo, nas defi- VAL, 2009, p. 46). nições completas dos 16 valores, que são Em estudo realizado por Tamayo e Porto Honra, Patriotismo, Disciplina, Espírito (2005 apud RIBAS; RODRIGUES, 2009, Militar, Abnegação, Decisão, Tenacida- p. 48), os valores se distinguem pelo tipo de, Fogo Sagrado, Fidelidade, Ordem, ou pela motivação que expressam. Assim, Coragem, Zelo, Espírito de Sacrifício, os autores formaram agrupados em seis Cooperação, Iniciativa e Lealdade, pois os construtos que englobam características conceitos estão dispostos no livro Nossa comuns. No motivacional, que interes- Voga, disponível apenas na página da intra- sa ao nosso artigo, temos a Hierarquia, net da EN. Neste momento, passaremos a tornando-se relevante “na estruturação do tentar responder à pergunta que iniciou esta relacionamento interpessoal e na distribui- pesquisa – a da não existência da hierarquia ção de recursos e poder”. Alguns valores como uma das virtudes a serem apreendidas culturais, como autoridade, poder social, pelos aspirantes, mas tendo a disciplina, influência, entre outros, caracterizam a binômio inseparável na visão deste autor Hierarquia, enfatizando a legitimidade de como valor institucional militar. papéis sociais e distribuição hierárquica de Segundo os artigos 142 da nossa Cons- recursos (RIBAS; RODRIGUES, 2009). tituição Federal (BRASIL, 1988) e 14 do O que se pode concluir é que, mesmo Estatuto dos Militares (BRASIL, 1980), as na estruturação inicial dos valores nas Forças Armadas são instituições nacionais organizações, os valores construídos tanto permanentes e regulares, que têm como pela Hierarquia quanto pela Disciplina se base institucional a Hierarquia e a Disci- fazem presentes, por isso ratifico que, na plina. Em nenhum momento da vida do idealização das 16 virtudes valorativas militar, e amparados pelas normas legais laborais no ambiente militar, que é o nosso citadas, pensaríamos em separar uma caso, continuaria a não exclusão desse binô- da outra, a disciplina sem a hierarquia e mio institucional, alicerce fundamental dos vice-versa. Concordando com este autor, nossos valores: a Disciplina e a Hierarquia. o próprio livro-tema reconhece essa si- Por intermédio de uma pesquisa sobre tuação estrutural: “Na Marinha, como já valores laborais em leis, artigos e livros, apresentado, a Disciplina é inseparável da além de consultas por e-mail aos oficiais Hierarquia e traduz-se no perfeito cumpri- das academias congêneres, Academia Mili- mento do dever por todos e cada um dos tar das Agulhas Negras (Aman) e Academia seus componentes” (ESCOLA NAVAL, da Força Aérea (AFA), pode-se construir 2009, p. 46). o quadro a seguir exposto, que faz uma A Disciplina é a força de coesão de comparação por similaridade textual dos qualquer coletividade humana, independen- diversos valores, e que teve como base a temente se em organização civil ou militar, nossa Rosa das Virtudes. que pretenda reunir indivíduos em uma Em complemento às informações ini- unidade sólida e eficaz. A Disciplina, no ciais, o documento da AFA foi seu Progra- caso militar, manifesta-se pela “obediência ma de Formação de Valores. Em 2009, foi

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Estatuto dos Valores Organizacionais EN AMAN AFA Militares (TAMAYO; GONDIM, 1996, p. 66) (art. 14 e 27)

1 Honra Honra Dever de Cidadão

2 Patriotismo Patriotismo/Civismo Patriotismo Patriotismo/Civismo Tradição (a organização) e culto das trad. históricas

3 Disciplina Disciplina Disciplina Disciplina

4 Espírito Militar Espírito de corpo Espírito de corpo Espírito de corpo Coleguismo/Amizade

5 Abnegação Amor à profissão Amor à profissão Amor à profissão Comprometimento

6 Decisão Decisão Justiça

7 Tenacidade Persistência Dedicação

8 Fogo Sagrado Entusiasmo Profissão Fé na Missão Fé na missão elevada das Forças Armadas

9 Fidelidade Honestidade Honestidade

10 Ordem Direção Obediência/Planejamento/ Pontualidade/Organização

11 Coragem Coragem Coragem

12 Zelo Dedicação/ Amor à verdade Responsabilidade

13 Espírito de Sacrifício

14 Cooperação Cooperação Cooperação/Harmonia

15 Iniciativa Iniciativa Eficiência/Eficácia/Qualidade

16 Lealdade Lealdade Dignidade Postura profissional

A Respeito à Hierarquia Hierarquia Hierarquia Hierarquia Hierarquia/ Autoridade

B Aprimoramento Amor à profissâo Aprimoramento Competência/Qualificação Técnico-Profissional Técnico-Profissional Justiça Senso de Justiça Flexibilidade Adaptabilidade Sociabilidade Comunicabilidade Criatividade Criatividade Repeito/Polidez Equilíbrio Emocional

Quadro – Relação entre os valores ensinados nas três IES militares e o que prevê o Estatuto dos Militares. Fonte: EN/Aman/AFA/Brasil (1980)/Tamayo; Gondim (1996, p.66). Elaboração própria.

criado um grupo de estudos mistos naquela valores complementares, escalonados Academia que tinha por finalidade “estudar, conforme a relevância, ocasião e a data identificar e sistematizar um programa de oportuna. ações que abordasse os valores tidos como No caso específico da Aman, existem os fundamentais para o desempenho da função valores militares, que constam do Estatuto de oficial de uma Força Armada” (ACA- dos Militares (todo o Exército) e que são DEMIA DA FORÇA AÉREA, 2011, p. 6). abordados pela disciplina de Liderança: Destarte, foram identificados dez valores patriotismo; civismo e culto às tradições principais e 26 valores complementares. históricas; fé na missão; espírito de corpo; Eles seriam abordados durante o ano letivo, amor à profissão das armas e entusiasmo um a cada mês, com os seus respectivos profissional; e aprimoramento técnico-

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profissional. Além desses, a referida dis- no estudo de Tamayo e Gondim (1996), ciplina também trabalha com os seguintes a saber: senso de justiça, adaptabilidade, valores: a) da integridade moral: Honra, comunicabilidade, criatividade e equilíbrio Honestidade, Lealdade, Senso de Justiça emocional; h) o valor Honra, marco inicial e Disciplina; e b) das necessidades profis- e norte da Rosa das Virtudes, não aparece sionais: Adaptabilidade, Coragem, Comu- nas organizações públicas e privadas no nicabilidade, Criatividade, Cooperação, estudo de Tamayo e Gondim (1996). Decisão, Dedicação, Direção, Equilíbrio Emocional, Iniciativa, Persistência, Res- A Sociedade contemporânea ponsabilidade e Autoridade. e os valores militares Utilizou-se ainda, na montagem do quadro, uma pesquisa empírica de Tamayo “A sociedade brasileira tem frágeis com- e Gondim (1996) que teve sua amostra vali- ponentes cívicos, isto é, uma baixa identifi- dada e contou ao final com uma ordenação cação com os símbolos políticos do Estado hierárquica de 38 valores, pinçados de uma e a noção de interesse público” (SORJ, lista de 565 atributos, pressupondo que as 2006, p. 30). Esse autor ainda salienta a organizações e seus integrantes participam distância que existe entre a realidade co- tanto do mundo físico letiva do ser brasileiro como do social. Nem e os símbolos políticos todos os valores fo- A Honra é o sentimento que da nacionalidade ou Pá- ram distribuídos por nos induz à prática do Bem, tria. “A sociedade bra- aqueles que constam sileira contemporânea da Rosa das Virtudes da Justiça e da Moral é autoritária, exibindo e nos demais valores profundas desigualda- militares, pela razão de não considerá-los des sociais, mas pouco hierárquica” (SORJ, aderentes e enquadrados como viáveis, 2006, p. 33). como crenças e princípios válidos para a Assim exposto, um valor que foi o sociedade contemporânea. estopim deste artigo e não constante da Da montagem do Quadro podemos nossa Rosa das Virtudes, mas de significado expor as seguintes observações: a) que, institucional das Forças Armadas, seria a em certa medida, os valores constantes na Hierarquia, que, em suma, quer dizer: res- Rosa das Virtudes têm respaldo perante peito aos níveis de autoridade. A Hierarquia as demais academias; b) Hierarquia é é uma ordenação que é feita levando-se “em valor considerado nas demais situações, consideração a experiência do indivíduo, excetuando-se a Rosa das Virtudes – linha suas qualidades, sua competência, ou seja, A; c) Disciplina consta dos aparatos valo- todas as características humanas que vão rativos das três academias e do Estatuto dos se aprimorando com o passar do tempo, na Militares – excetua-se na escala de valores medida do esforço de cada um” (ESCOLA do estudo de Tamayo e Gondim (1996); d) NAVAL, 2009, p. 13). o valor “Espírito de Sacrifício” somente Neste ponto, um valor bem interessan- aparece na Rosa das Virtudes; e) aprimora- te, e até controverso, que consta apenas mento Técnico-Profissional e Competência da Rosa das Virtudes, é o “Espírito de são valores que não constam da Rosa das Sacrifício”. Ele é “a disposição sincera Virtudes – linha B; f) cinco valores labo- de realmente oferecer, espontaneamente, rais distintos constam apenas na Aman e interesses, comodidades, vida, tudo, em

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prol do cumprimento do dever” (ESCOLA apenas dos militares”. Porém, nesta nossa NAVAL, 2009, p. 36). Essa construção do sociedade do consumo e do imediatismo, sacrifício em prol de um bem comum, de esse importante valor é esquecido para um toda a sociedade, é amalgamada em uma segundo plano, quando deveria ser cultu- pequena frase que resume esta essência: ado e cultivado por todos nós, cidadãos “Quem não é fiel no pouco, certamente não brasileiros. será no muito”. O Brasil é um país conti- nente de enormes diferenças regionais em Considerações Finais vários aspectos, principalmente no socioe- conômico, mas, com o sacrifício de todos, A epígrafe citada no início deste artigo é poderemos alçar voos mais altos, com uma de Michel Foucault (1999), retirada do seu sociedade justa e harmônica. livro Vigiar e Punir, e descreve a figura ide- A Honra é o sentimento que nos induz al de um soldado no início do século XVII. à prática do Bem, da Justiça e da Moral. Os diversos adjetivos, quando levados aos Voltando à introdução, que tratou das dias atuais e para o nosso país, fazem desse “manifestações democráticas” de junho integrante da sociedade um indivíduo que de 2013 durante um cumpre com sua obri- evento internacional gação constitucional, de futebol, podemos que vive e respira de- verificar a carência de Os valores de toda mocracia, arregimenta- nosso povo nas neces- ordem, quer individuais do de civismo e amor à sidades básicas, como ou organizacionais, para Pátria. Os seus valores saneamento, saúde, doutrinários também educação e infraes- uma relação de sociedade caminham na busca do trutura de transporte ampla e democrática estão ser cidadão, autônomo público. Na profissão e responsável por seus do militar, segundo o começando a ser esquecidos atos e seu destino, um conceito descrito na indivíduo que vai alçar Rosa das Virtudes, a Honra consiste prin- voos mais altos e distantes, na busca de sua cipalmente na “dedicação ao serviço, no completude humana. cumprimento do dever, na intrepidez e na A Rosa das Virtudes é uma importante disciplina, tudo inspirado pelo patriotismo” ferramenta de divulgação dos valores da (ESCOLA NAVAL, 2009, p. 32). nossa instituição, regular e permanente, Um valor muito importante para todos Marinha, e que tem como função fazer os brasileiros é o patriotismo. Ele é o desenvolver nos seus jovens aspirantes da “sentimento irresistível que nos prende à Escola Naval sentimentos importantes e terra em que nascemos [...] é a força de fortes quando da passagem para a vida pro- coesão poderosa que nos torna solidários fissional como oficiais dos primeiros postos sem um interesse comum, ensinando-nos da carreira, com responsabilidade tanto a bem querer, servir, honrar e defender a nas relações da caserna quanto nas ações e Pátria” (ESCOLA NAVAL, 2009, p. 47). atitudes em ambientes sociais. Sugere-se, Vis a vis o que também corrobora este autor a princípio, que haja uma atualização com com Gonzales (2008, p. 122), que afirma testagem dos valores ali presentes, visto ser que “o patriotismo se exerce em qualquer um documento de 1954. Importante realçar profissão, não é monopólio nem obrigação que a Hierarquia deveria estar presente,

176 RMB1oT/2014 BREVE REFLEXÃO SOBRE OS VALORES DA ROSA DAS VIRTUDES E A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA como determina o Estatuto dos Militares complexa, mas que tem um futuro ainda e como componente que é nas academias a ser construído. Os valores Patriotismo, congêneres. Honra e Espírito de Sacrifício podem ser, Os valores de toda ordem, quer indivi- entre outros, conhecidos e transmitidos a duais ou organizacionais, para uma relação todos, como representações motivadoras de sociedade ampla e democrática estão de um país gigante pela própria natureza. começando a ser esquecidos; estamos Concluímos com uma frase significati- acompanhando nos noticiários diversas va do livro Nossa Voga que retrata o que manifestações por mais, em suma, justi- somos: “Escolher ser oficial de Marinha é ça social e ética nas relações políticas e escolher comandar homens, em presença da sociais. Valores militares podem ser ati- infinidade do céu e sobre a imensidão do vados ou relembrados, pois, antes de tudo, mar, para o bem de nossa Marinha e para a o militar é um cidadão integrante desta defesa de nosso país”. (ESCOLA NAVAL, nossa sociedade, uma sociedade plural e 2009, p. 6).

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Ética; Conduta; Exemplo; Liderança; Princípios militares; Sociedade;

Referências

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GLADYS MACHADO PEREIRA SANTOS LIMA* Capitão de Fragata (T)

SUMÁRIO

Introdução As ações da Guerra Cibernética Ações de exploração cibernética Ações de ataque cibernético Ações de proteção cibernética Princípios da Guerra e a Guerra Cibernética Aplicando os Princípios na Guerra Cibernética O ambiente tecnológico e sua influência na Guerra Cibernética A condução da Guerra Cibernética no cenário mundial A Estruturação do Setor Cibernético nos Estados Unidos da América (EUA) A Estruturação do Setor Cibernético no Reino Unido A Estruturação da Proteção Cibernética na Marinha do Brasil Considerações finais

* Engenheira eletricista formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com mestrado em Engenha- ria de Sistemas e Computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). MBA em Gestão do Conhecimento e Inteligência Empresarial. Superintendente de Sistemas da Coordenadoria do Programa de Reaparelhamento da Marinha da Diretoria-Geral do Material da Marinha (DGMM). CIBERNÉTICA: A GUERRA EM CURSO

Introdução çaram a pensar (e atuar) em como armas cibernéticas poderiam ser usadas contra as garantia de condições para considerar infraestruturas críticas1 de outros Estados. A que o Brasil não corre risco de uma Tendo em vista a interdependência destas agressão externa está inserida no conceito da integração tecnológica, principalmente de Defesa Nacional, assim como a impor- da internet, pode-se inferir possíveis vulne- tância para a sociedade e o povo brasileiro rabilidades quanto à proteção e à segurança em alcançar seus objetivos, sem pressões da informação digital, tanto no que tange ou imposições, sendo capaz de dedicar-se à obtenção de informações privilegiadas ao desenvolvimento e ao progresso. como no ataque direto a outros alvos ciné- A Política Nacional de Defesa traça ob- ticos, além dos impactos decorrentes. jetivos para prover a defesa do território, da Destarte, o entendimento moderno sobre soberania e dos interesses nacionais, expli- a magnitude das mudanças promovidas citando a ênfase na expressão militar para pela Tecnologia da Informação e Comuni- sua consecução, sem ingerência externa de cações (TIC) e as decorrentes mudanças de outros Estados. O posicionamento do Brasil doutrina no plano militar, sendo considera- no cenário internacional é o de partícipe de da a RAM2 dos tempos atuais, possibilitam ações na defesa da paz, engajado na solução identificar um novo domínio da guerra: o pacífica dos conflitos e na cooperação entre cibernético. A percepção da guerra ciber- os povos. nética (GC) em curso far-se-á notar, neste Esses anseios nacionais não podem, trabalho, por meio do entendimento dos entretanto, ofuscar a visão do mundo con- conceitos das ações desta nova guerra como temporâneo, caracterizado atualmente por alternativa de poder/força sobre o adversá- uma ordem multipolar, com novos agentes rio e suas consequências nas infraestruturas influenciando o ambiente internacional, críticas, bem como pela explanação sobre relacionados às tensões decorrentes da alguns ataques cibernéticos ocorridos escassez de recursos, de atos terroristas, recentemente no cenário mundial, como da grande integração e dependência tecno- fator agregador para a conscientização lógica. Observa-se uma reestruturação de desta realidade. relação de poder entre Estados, engajada Ao explicitar o andamento desta guerra também na predominância de relações não assimétrica, com foco nos princípios dou- conflituosas, mostrando a necessidade de trinários da guerra, buscou-se também res- preparo da defesa em novos cenários. saltar a importância das ações estruturantes À luz de uma solução não beligerante, promovidas por Estados visando atuar na embora, até o presente momento, nenhum defesa do seu espaço cibernético3, mostran- Estado tenha declarado ter sofrido um do alguma similaridade com o Brasil, no ataque cibernético, alguns Estados come- que tange ao Setor Estratégico Cibernético,

1 Infraestruturas Críticas (IC) – Instalações, serviços, bens e sistemas que, se forem interrompidos ou destruídos, provocarão sério impacto social, econômico, político, internacional e à segurança do Estado e da sociedade. 2 RAM – Revolução nos Assuntos Militares – Uma RAM ocorre quando a aplicação de novas tecnologias em um número significativo de sistemas é combinada com conceitos operacionais inovadores e adaptações organizacionais de modo a alterar a condução do conflito, produzindo um grande aumento do potencial de combate e da eficiência militar das Forças Armadas. 3 Espaço cibernético – Ambiente intangível formado por ativos de Tecnologia da Informação (TI), onde dados e informações digitais são criados, armazenados, modificados, trafegados e processados. Possui as seguintes características: alcance global, ausência de fronteiras e dinamismo.

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como contribuição para Defesa Nacional, patrocínio dessas ações, nem permitir previsto na Estratégia Nacional de Defesa atribuição direta ao governo russo, apesar (END). do sucesso do ataque convencional russo (cinético) ocorrido. As ações da Guerra A percepção da dimensão das ações Cibernética cibernéticas pode ser alcançada com o conhecimento de que as interfaces (ante- É presumível a intenção de um governo, riormente manuais) entre os mundos físico controlador das armas, quando deflagradas (cinético) e digital foram delegadas a con- as ações bélicas no domínio militar tradi- troladores computadorizados, conhecidos cional. Entretanto, no domínio cibernético, como sistemas Scada4. O comando e o con- a confiabilidade das intenções de um ataque trole do espaço cibernético representam, é reduzida, tendo em vista as dificuldades em última forma, o domínio sobre outros inerentes à identifica- sistemas interligados ção de sua autoria e à infraestrutura. Esta de seus delimitado- Poder no espaço cibernético percepção é concei- res geográficos (sem tualmente conhecida fronteiras). é a habilidade de usar como poder no espaço Estudar o alvo ao esse espaço para gerar cibernético, ou seja, qual foi direcionado vantagens e influenciar a habilidade de usar o ataque, pesquisar o espaço cibernético os possíveis patroci- eventos em outros para gerar vantagens nadores, os interes- ambientes operacionais e influenciar eventos ses envolvidos e os em outros ambientes padrões de compor- operacionais. tamento, ainda que apoiado em ações de No contexto deste artigo, a Guerra Ci- Inteligência, pode não resultar em certeza bernética é entendida como ações militares, sobre a identificação da fonte com o grau no espaço cibernético, conduzidas com de certeza necessário. Esta característica o propósito de negar, explorar, destruir é propositalmente explorada pelo adver- ou comprometer a integridade de ativos sário, por não viabilizar o processo de do adversário baseados em informações, tomada de decisão pelo Estado atacado, sistemas de informações e redes de com- relativo às contramedidas cibernéticas, putadores. Assim, sua inserção no Planeja- tampouco em relação ao direito internacio- mento Estratégico Militar5, principalmente nal. Observando os ataques cibernéticos no que tange às medidas de dissuasão, é ocorridos durante a guerra na Geórgia, é possível por meio da classificação das ações possível constatar os benefícios advindos cibernéticas. Alguns autores as dividem em destas ações nas redes georgianas. Não três tipos: de exploração, de ataque e de se pode estabelecer evidência clara do proteção cibernéticas.

4 Scada – Sistemas de Supervisão e Aquisição de Dados, proveniente da abreviatura do nome em inglês Supervisory Control and Data Acquisition, são sistemas que utilizam software para supervisionar e monitorar variáveis e dispositivos de sistemas de controle conectados por meio de controladores específicos. 5 Planejamento Estratégico Militar – Tem o propósito de definir e organizar funcionalmente as atividades relacio- nadas com o preparo e o emprego do poder militar para atender às demandas da defesa do país.

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Ações de exploração cibernética duos ou grupos. Redes sociais – Facebook, Orkut, Twitter – blogs estão sendo em- Entre os pensa- pregados como fontes mentos de Sun Tzu, abertas de informação, encontramos aquele A penetrabilidade da a fim de obter vantagens que remete à “neces- em prol das ações de sidade de conhecer o internet em diversas exploração, tendo em inimigo”. No ambien- esferas da atividade vista seu alto grau de te cibernético, é essen- oportunidade e o seu cial mapear as redes humana promoveu baixo custo. computacionais e os uma mudança cultural Cabe mencionar que sistemas empregados de comportamento da as ações de exploração pelo adversário, como podem ser interpreta- parte do processo de sociedade das como ações de ata- planejamento, pre- que propriamente ditas, ferencialmente sem quando descobertas, alertar o adversário, antes de um ataque tendo em vista seu caráter não autorizado. propriamente dito. Assim, as ações de exploração precisam Uma das maneiras de explorar conheci- ser definidas no escopo do Planejamento mentos protegidos em redes e em sistemas Militar, sendo sua execução condicio- digitais é acessar uma nada às autorizações credencial digital líci- previstas. ta, explorando a falta Os ataques cibernéticos de mentalidade de Ações de ataque segurança, que ocorre almejam interromper, cibernético com o relaxamento, negar, degradar, corromper pelos usuários, das Os ataques ciber- medidas recomenda- ou destruir informações néticos almejam in- das para criar e man- no espaço cibernético de terromper, negar, de- ter protegidas suas interesse gradar, corromper ou credenciais. Ou seja, destruir informações obtendo uma identifi- no espaço cibernético cação de usuário (login) e sua senha, quer de interesse. Todavia, quando empregadas por meio de ações de engenharia social6 na guerra, estas ações também devem estar ou por meio de software para quebra de inseridas em um Planejamento Militar, senhas, conhecido por “algoritmo de força pois visam contribuir para o cumprimento bruta”. de uma missão e possuem características A penetrabilidade da internet em diver- efetivamente ofensivas. São direcionadas sas esferas da atividade humana promoveu às redes e aos sistemas que suportam o(s) uma mudança cultural de comportamento alvos(s) que compõe(m), geralmente, as da sociedade, estabelecendo oportunidades infraestruturas críticas do Estado. A ver- para exposição de informações de indiví- satilidade técnica deste domínio (ciberné-

6 Engenharia Social – É a arte de manobrar seres humanos visando a ações sobre algum aspecto de suas vidas, aplicada em setores da segurança da informação, independentemente da tecnologia utilizada.

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tico)7 permite estabelecer ações de ataque Ações de proteção cibernética que não se baseiam em acesso direto ao sistema alvo. As ações de proteção cibernética visam Na prática, um malware8, por exemplo, minimizar as possibilidades de sucesso dos poderá atingir diversos computadores ataques ou de explorações contra o espaço ligados na internet (sem estabelecimento cibernético a ser protegido. Partindo do da fronteira geográfica), criando uma rede princípio que não é possível predizer a de computadores, infectados e dominados, forma dessas ações ou o momento em que conhecidos como zumbis (botnet). Esses elas ocorrerão, fica, assim, estabelecida computadores “sequestrados”, durante as a necessidade de uma defesa holística e ações de exploração, poderão ser emprega- permanente. dos em uma ação de ataque distribuído por Segundo Sun Tzu, é tão importante negação de serviços (Distributed Denial of conhecer o inimigo como a si mesmo. Este Service, DDoS). princípio também faz-se presente no caso Um ataque de negação de serviços da guerra cibernética. É preciso explorar o foi empregado na Geórgia, com grande próprio espaço cibernético (consciência si- impacto psicológi- tuacional) em busca de co e de informação, vulnerabilidades (fra- isolando-a da comu- As ações de proteção quezas) que possam ser nidade internacional, empregadas pelos ad- representando um cibernética visam versários. Todavia, as caso real de com- minimizar as possibilidades medidas e os esforços prometimento, im- de sucesso dos ataques ou de proteção devem ser pedindo o uso legí- empregados coerente- timo de recursos por de explorações contra o mente, sob pena de não aquele Estado. Os espaço cibernético a ser serem adotados, caso computadores que planejados de forma hospedavam os sítios protegido majorada, se tornando eletrônicos do Gover- inexequíveis do ponto no e da mídia local de vista financeiro. receberam (dos zumbis) volume de dados Simulações de ações de ataque em siste- maior do que suas capacidades de atender mas ou redes de computadores, realizadas aos pedidos enviados, esgotando seus re- em exercícios operativos, promovem a si- cursos de comando e controle e tornando nergia entre os diversos setores da estrutura, os serviços indisponíveis (DDoS). Os propiciando condições de aperfeiçoamento ataques tiveram seu escopo ampliado, deste aparato. Neste contexto, adotar uma posteriormente, para outros sítios ele- escala progressiva dos níveis de alarmes trônicos, alcançando novos alvos, como cibernéticos também contribuirá para es- bancos, empresas privadas e instituições calar as ações reativas a serem executadas de ensino, entre outros. com o proporcional dispêndio de esforço

7 Domínio cibernético – Entendido como o “campo de batalha” onde se desenvolve a guerra. Historicamente, a terra e o mar foram os primeiros domínios estabelecidos. Entretanto, com o desenvolvimento tecnológico, novas armas surgiram e novos domínios foram estabelecidos, como, por exemplo, o ar e o espaço. 8 Malware – Software malicioso, destinado a se infiltrar em um sistema de computador alheio de forma ilícita, com intuito de causar algum dano ou roubo de informações (classificadas ou não).

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e, consequentemente, de custo compatíveis b) Exploração – Indica a necessidade com os riscos identificados, em exercícios da intensificação das ações ofensivas ou de ou em situações reais, para minimizar ou exploração cibernética, quando ocorrer um neutralizar o efeito indesejável do ataque êxito em qualquer dos níveis de condução sofrido. da guerra ou uma mudança favorável na si- tuação. No contexto tecnológico, o sucesso Princípios da Guerra e a Guerra no acesso a um sistema de informação pode Cibernética ser fator motivador e validar esforços em galgar outro nível de acesso (com direitos As atividades no domínio cibernético maiores), visando alcançar informações podem estabelecer condições adequadas, mais protegidas. exequíveis e aceitáveis para ações em A exploração de vulnerabilidades ci- outros domínios ou vice-versa. Este en- bernéticas conquistadas pode ser mais bem tendimento facilita explorar o emprego empregada quando associada a informações das ações cibernéticas e sua aplicação nas da Inteligência. A aplicação deste prin- operações militares, à luz dos tradicionais cípio dependerá, em grande parte, de um princípios de guerra. julgamento pautado em boas informações, de uma experiência amadurecida e de um Aplicando os Princípios na Guerra elevado grau de controle sobre a situação. Cibernética c) Manobra – Doutrinariamente, este princípio representa a exploração das Os princípios mapeados e explorados características básicas das forças e pela na guerra, até o momento, são comentados adequada aplicação do poder de combate, sob o ponto de vista das características visando estabelecer uma situação favorá- e dos recursos tecnológicos do ambiente vel que possibilite conquistar ou lograr a cibernético e, em alguns casos, destacando realização de um objetivo. No ambiente a vantagem de sua adoção quanto ao efeito cibernético, este princípio pode ser enten- no ambiente cinético (físico). dido pela exploração de vulnerabilidades a) Economia de Recursos – As ações críticas do adversário, ou seja, direciona- cibernéticas de exploração são empregadas da à sua infraestrutura crítica. Quando é para conhecer as vulnerabilidades do espa- possível executar um ataque cibernético ço cibernético do adversário, contribuindo, sem identificação do ponto de origem, ou assim, para o desenvolvimento de uma ação mesmo dificultando seu rastreamento, o que de ataque que permita economia das forças, é conhecido por incerteza da autoria, vê-se visando à obtenção do esforço máximo, a caracterização de uma manobra. muitas vezes em ocasiões decisivas. Um d) Massa – O ataque distribuído de ne- ataque cibernético pode despender menos gação de serviço (DDoS) aplica o princípio recursos ou causar menor dano político do da massa, concentrando forças no ponto de- que um ataque cinético. Lançar um malwa- cisivo (o serviço negado) no tempo devido re, por exemplo, pode ser menos custoso e a capacidade de sustentar esse esforço, do que o esforço para lançar um míssil. enquanto necessário, o que dependerá do Considerando apenas o ambiente cibernéti- grau de engajamento de equipamentos co, é possível escolher tecnicamente, entre zombies ou hackers mobilizados. possíveis ataques cibernéticos, aquele que e) Moral – A alteração do conteúdo de envidará menor esforço. sítios eletrônicos na internet do adversário,

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expondo uma vulnerabilidade, pode redu- de monitoramento do espaço cibernético do zir a crença do oponente na sua própria adversário, identificando suas vulnerabili- capacidade de defesa, inclusive na defesa dades e das armas cibernéticas associadas de outros sistemas. O estado de espírito às respectivas vulnerabilidades exploradas. ou a atitude mental de um indivíduo ou de Na guerra da Geórgia, é possível perceber um grupo de indivíduos se reflete em sua indícios da existência prévia de listas de conduta. A não conservação de um moral alvos e de ferramentas (ações de explora- elevado pode contribuir no comprometi- ção) para ampliar o ataque, tendo em vista mento da missão, no caso a própria defesa a velocidade das ações das botnets. Estes cibernética do adversário. indícios ficam mais fortes considerando os f) Objetivo – Diz respeito à obtenção dos ataques a servidores da Geórgia, em julho efeitos desejados. A finalidade da definição de 2008, como ensaio às ações de agosto. dos efeitos é permitir que todas as ações i) Segurança – Requer adequada análise militares decorrentes concorram para um das possibilidades do inimigo, visando à único fim, somando esforços e evitando própria defesa, com o propósito de reduzir desperdícios de forças em ações que não vulnerabilidades e de preservar a liberdade contribuam para o cumprimento da missão. de ação. Prover segurança implica, pois, Ao evitar ataques que implicassem danos proporcionar as condições que neutralizem diretos às redes georgianas e às estações os efeitos de ameaças, sem a eliminação do componentes da infraestrutura crítica, como risco de forma total. usinas, oleodutos ou refinarias, por exemplo, j) Simplicidade – Indica que o melhor pode-se perceber a intenção de não prejudi- plano é aquele que, sem prejudicar a pro- car estes sistemas, limitando-se ao objetivo priedade de ser completo, evita uma desne- de somente “isolar e silenciar”, sem danos à cessária complexidade em sua concepção, conexão física da Geórgia à internet. disseminação e execução. Na guerra ci- g) Ofensiva – Princípio que se caracte- bernética, o emprego de um malware pode riza por levar a ação bélica ao inimigo, de atingir o espaço cibernético adversário e ser forma a se obter e manter a iniciativa das tecnicamente de implementação simples. ações, estabelecendo o ritmo das operações k) Surpresa – Princípio que consiste e determinando o curso do combate. No em atingir o inimigo onde, quando ou de domínio cibernético, este princípio também forma tal que ele não esteja preparado, representa a imposição ao adversário da sua reduzindo sua capacidade de reação. O vontade. O propósito dos ataques ciberné- emprego de um malware que explore uma ticos à Geórgia era “isolar e silenciar”, em vulnerabilidade desconhecida de uma rede que o efeito de silenciar era direcionado à ou de um sistema em um ataque exemplifica mídia georgiana e o efeito de isolar repre- o princípio no âmbito cibernético, dada sentava o objetivo de isolar a Geórgia da sua originalidade no contexto tecnológico, comunidade internacional. tendo em vista a não adoção de medidas de h) Prontidão – Subentende-se que as proteção para a vulnerabilidade explorada. forças estão providas dos meios essenciais A capacidade de inovação tecnológica tem e organizadas para operações de combate. sido explorada como vantagem de ações Isto envolve o preparo antes das hosti- cibernéticas, juntamente com a certeza lidades e continuamente, no decorrer da da insegurança latente do ambiente tec- guerra. Estender este princípio ao domínio nológico, tornando impossível garantir a cibernético implica estabelecer condições inexistência de vulnerabilidades.

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l) Unidade de Comando – Caracteri- navam aquela planta nuclear. A eficiência zado pela atribuição da autoridade a uma e a eficácia deste ataque cibernético, em só pessoa. A adoção de nível de alarme detrimento de uma ofensiva cinética, cibernético, como medida de proteção, comprovaram a validade dos esforços de busca unificar e assegurar relações de co- estruturação deste novo domínio (ciberné- mando apropriadas às tarefas necessárias tico) da guerra. ou desejáveis para manutenção do controle No cenário mundial, essas preocupações que permita o exercício pleno do comando. foram sendo inseridas em pautas de discus- sões, como ocorrido no encontro dos chefes O ambiente tecnológico e sua influência de Estado e de Governo dos países integran- na Guerra Cibernética tes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), durante a Conferência de Lis- A tecnologia, no contexto da Guerra Ci- boa (em novembro de 2010). A percepção bernética, se torna um paradoxo, pois quan- da importância do domínio cibernético para to mais complexa e desenvolvida, maior a Segurança Nacional foi concretizada por a dependência dos serviços ofertados no meio do entendimento da Guerra Cibernética espaço cibernético, mas, simultaneamente, como ameaça aos Estados. este fica mais propenso a vulnerabilidades, O posicionamento norte-americano sobre aumentando a diversidade e o grau de difi- a possibilidade de emprego das ações ciber- culdade das ações de proteção. néticas somente foi externado, por meio de Outro aspecto tecnológico a ser obser- publicações, mais recentemente. Em maio vado em um ataque é a dificuldade de con- de 2011, na Estratégia Internacional de De- trolar ou restringir os efeitos decorrentes do fesa – Prosperidade, Segurança e Abertura emprego de arma cibernética. No caso de em um mundo em rede, a Presidência dos um malware, por exemplo, não há garantia Estados Unidos da América, com base na de que sua atuação não tenha efeito no relevância das tecnologias em rede (internet) próprio espaço cibernético, tendo em vista para a sociedade e a economia, estabeleceu que este pode adotar redes ou sistemas com princípios fundamentais para sua operacio- vulnerabilidades semelhantes àquelas visa- nalização livre e segura: vis-à-vis “reserva-se das no espaço alvo. Deste modo, os Estados ao direito de defender os ativos nacionais vêm buscando estabelecer procedimentos vitais como necessário e apropriado”. e regras para engajamento em ações ciber- Reforçando essa postura, em julho de néticas, comentadas a seguir. 2011 o Departamento de Defesa norte- americano (DoD) divulgou sua Estratégia A condução da Guerra de Operação no Ciberespaço, composta de Cibernética no cenário cinco iniciativas estratégicas: estabelecer mundial o ciberespaço como um novo domínio operacional no contexto da segurança na- O colapso das centrífugas do complexo cional; prever a necessidade de empregar de Natanz, em 2008, ponto forte do pro- novos conceitos operacionais para proteção grama nuclear iraniano, não foi o único de redes e sistemas, contemplando uma sucesso conquistado pelo Stuxnet, a arma ampla conscientização da mentalidade de cibernética empregada pelos governos segurança das informações digitais; buscar israelense e norte-americano para assumir parceiros governamentais e privados para o controle dos computadores que coorde- o desenvolvimento de novas capacidades;

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buscar parceiros no âmbito internacional, denominado Homeland Security, trabalha robustecendo a capacidade de defesa cole- no âmbito civil, atuando na proteção (ciber- tiva; e preparar continuamente os recursos nética) contra ataques terroristas. humanos (cooptar novos talentos). A estruturação dos Estados, comentada A Estruturação do Setor Cibernético no a seguir, demonstra a materialização das Reino Unido políticas e doutrinas de guerra cibernética, alinhadas com as orientações da Conferên- As ações cibernéticas no Reino Unido cia da Otan. são vinculadas ao Government Communi- cations Headquarters (GCHQ), organismo A Estruturação do Setor Cibernético nos ligado à Inteligência e que coordena ações Estados Unidos da América (EUA) não somente para promover a proteção dos ativos de Tecnologia da Informação do Go- A estruturação norte-americana é ante- verno, como também para incitar e apoiar rior à divulgação da Estratégia de Defesa o setor privado na prevenção de invasões Cibernética. A Agência de Segurança Na- em seus sistemas e suas redes. Destarte, cional (NSA9), vinculada ao Departamento por sua forte atuação em promover padrões de Defesa, conduz operações de segurança de segurança e de capacitação de recursos para garantir vantagens no espaço ciberné- humanos, o GCHQ tem autoridade para tico. Estas ações militares estão inseridas, desencadear ataques cibernéticos inseridos doutrinariamente, no contexto da segurança no conceito de defesa ativa10. das informações, visando à manutenção dos A capacidade de defesa britânica é re- requisitos básicos de disponibilidade, integri- sultante de sinergia das ações do Governo dade, sigilo e autenticidade das informações. e do setor privado, conquistada por meio do Também pertencente ao DoD, foi entendimento de que a segurança econômi- criado, em 2009, o US Cyber Command ca está interligada com a defesa nacional. (USCybercom), com a atribuição de reali- Esta sensibilização foi amadurecida no zar ações cibernéticas em proveito dessas esforço realizado para a segurança durante operações, colocando a inteligência, a os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. O defesa e o ataque, no âmbito militar, sob modelo adotado pelo Reino Unido também uma única coordenação. O USCybercom se apoia, no nível operacional, em duas uni- também é responsável pela integração em dades de Comando Conjunto para manter, operações conjuntas das demais estruturas operar e proteger sua rede operativa. militares: Fleet Cyber Command/Tenth Fleet (Marinha), Air Force Space Com- A Estruturação da mand/Fourth Air Force (Força Aérea), Proteção Cibernética na Army Cyber Command/Second Army Marinha do Brasil (Exército) e United States Marine Corps Forces Cyberspace Command (Fuzileiros). É possível observar a preocupação do É oportuno citar que o Departamento de Estado brasileiro em proteger os ativos e Segurança Interna dos EUA, comumente a capacidade de atuação em rede, a intero-

9 Agência de Segurança Nacional – National Security Agency (NSA), em inglês, é a agência de segurança dos Estados Unidos, responsável pela Inteligência, incluindo interceptação e criptoanálise. 10 Defesa ativa – Engloba ações de ataque em prol da defesa.

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perabilidade dos sistemas e a obtenção dos de interesse, estando inserida também no níveis de segurança desejados dentro do Plano de Tecnologia da Informação da Ma- seu espaço com o estabelecimento do Se- rinha (PTIM). Para execução das atividades tor Cibernético como estratégico na END. de proteção cibernética, a MB é assistida Este eixo estruturante tem o propósito de pela Diretoria de Comunicações e Tecno- conferir confidencialidade, disponibilidade, logia da Informação da Marinha (DCTIM), integridade e autenticidade aos dados e aos pelo Centro de Tecnologia da Informação sistemas do espaço cibernético. da Marinha (CTIM) e por outras estruturas O Ministério da Defesa (MD), em de- distribuídas pelas diversas regiões do País, zembro de 2012, aprovou a Política Ciber- os Centros Locais de Tecnologia da Infor- nética de Defesa para orientar as atividades mação (CLTI), para apoiar as quase 400 de defesa cibernética, no nível estratégico, e organizações militares. de guerra cibernética, nos níveis operacio- As atividades de proteção empregadas nal e tático, no âmbito das Forças Armadas. pela MB são monitoradas e avaliadas de As ações cibernéticas emanadas do MD forma contínua, em busca de novas amea- visam assegurar, de forma conjunta, o uso ças, à luz dos princípios aplicados à guerra efetivo do espaço cibernético (preparo e cibernética, em consonância com as normas emprego operacional) pelas Forças Arma- específicas para o assunto. Nos últimos das (FA), de forma a impedir ou dificultar anos, foram realizados exercícios (simu- seu uso contra os interesses da Segurança lações) no espaço cibernético da Marinha, Nacional, garantindo a liberdade de ação. visando explorar este novo domínio e sua À semelhança de outros modelos, a importância para o Comando e Controle das estruturação do Setor Cibernético objeti- Operações Militares, contando ainda, em va, ainda, contribuir para a Segurança da algumas oportunidades, com a participação Informação e Comunicações (SIC) e para a de especialistas das demais Forças, estrei- Segurança Cibernética realizada por outros tando a integração e o compartilhamento órgãos do governo envolvidos, em especial do conhecimento. o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR11), Considerações Finais por meio da produção do conhecimento, oriundo de fonte cibernética. A partir de Observando as ações em curso para dezembro de 2012, foi atribuída a respon- estruturação do setor cibernético em diver- sabilidade ao Centro de Defesa Cibernético sos Estados, principalmente aqueles com do Exército Brasileiro (CDCiber) pela avançado domínio tecnológico, é possível coordenação e integração das atividades perceber que a guerra cibernética não é de Defesa Cibernética no âmbito do MD. apenas mais um novo conceito doutriná- No âmbito da Marinha do Brasil (MB), rio. As revelações de Edward Snowden, a atual estrutura de Governança de Tec- ex-colaborador da NSA, sobre detalhes nologia da Informação (GovTI da MB), da vigilância das comunicações e tráfego implantada desde 2007, estabeleceu a das informações, corroboram o senso da Guerra Cibernética como um dos temas existência de ações de exploração e de

11 GSI/PR – É o órgão da Presidência da República encarregado da coordenação, no âmbito da Administração Pública Federal (APF), de alguns assuntos estratégicos que afetam a segurança da sociedade e do Estado, quais sejam: Segurança das Infraestruturas Críticas Nacionais, SIC e Segurança Cibernética.

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Inteligência desta nova guerra global em áreas de informação e de Inteligência, conhe- andamento. cimentos fundamentais neste novo domínio Para o Estado atacante, a guerra no do- operacional da guerra, o cibernético. mínio cibernético pode ser menos onerosa, O desenvolvimento conjunto do Setor tanto do ponto de vista financeiro quanto Cibernético, no cenário militar, aumentará a político, quando não comprovado o ataque, capacidade das Forças Armadas atuarem em se tornando uma alternativa exequível e rede. Neste sentido, sob a coordenação do adequada, conforme o cenário prospecti- Exército Brasileiro, o MD tem conquistado vo. Do ponto de vista defensivo, a ameaça nos últimos anos avanços significativos para cibernética pode ser considerada de maior prover meios e métodos e implementar estru- complexidade, dada a turas que colaborem para diversidade e as vulne- assegurar o uso efetivo rabilidades da própria A adaptação dos do espaço cibernético tecnologia. Assim, a Estados para enfrentar pelas Forças Armadas e adaptação dos Estados dificultar ou impedir seu para enfrentá-la deve a ameaça cibernética emprego contra interes- ser abordada com res- deve ser abordada ses da Defesa Nacional. ponsabilidade, flexibi- Todavia, estes es- lidade, rapidez e visão com responsabilidade, forços de desenvolvi- estratégica. flexibilidade, rapidez e mento do Setor Ciber- Observamos que, no visão estratégica nético, traduzidos pelos Brasil, a importância avanços tecnológicos, atribuída pelo Governo almejados em primeira em relação ao setor cibernético está registrada instância pelas Forças Armadas, bem como na END. Além da estruturação militar no pelo Governo brasileiro, em uma visão mais contexto do Ministério da Defesa, é possível holística, são limitados pela disponibilidade perceber outras ações do Governo brasileiro orçamentária do próprio Governo Federal. em busca de uma sinergia com outros par- A proximidade de grandes eventos, como ceiros, por meio de normas específicas para a Copa do Mundo, em 2014, e os Jogos compras, contratações e desenvolvimento de Olímpicos de 2016, impõe a necessidade produtos e sistemas de defesa, demonstrando de preparo imediato para fazer frente às ainda o entendimento sobre a necessidade de ameaças cibernéticas, se traduzindo em um estabelecer incentivos ao setor privado, nas novo desafio para o País.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Guerra Cibernética; Defesa;

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Referências Bibliográficas

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RMB1oT/2014 189 A INDÚSTRIA LUTA PARA ATINGIR A META DE SEGURANÇA PARA 2016*

THIERRY DUBOIS Tradução e adaptação: Evandro José Souza Rangel** Capitão de Fragata

statísticas recentemente divulgadas como ficou demonstrado durante o último Emostram que a indústria de helicópte- Simpósio de Asas Rotativas organizado ros mundial estará bem distante da meta au- pela Agência de Segurança Europeia de toimposta de reduzir o número de acidentes Aviação (Easa), em Colônia, Alemanha. aeronáuticos em 80% no período de 2006 Bob Sheffield, membro do International a 2016, se a tendência das estatísticas de Helicopter Safety Team (IHST) e conse- segurança for mantida. Por essa razão, auto- lheiro sênior da Agusta-Westland para Se- ridades da aviação civil estão se esforçando gurança e Melhoria Operacional, declarou para descobrir novas maneiras de atingir pi- que algumas regiões estão caminhando no lotos e operadores, bem como fabricantes, caminho errado em termos de estatísticas para melhorar a relativamente preocupante de acidentes com helicópteros. A tendência situação. As medidas incluem novas regras, global é de leve declínio do número de também a distribuição de panfletos de fácil acidentes por cada 100 mil horas de voo. A leitura. Enquanto isso, fabricantes estão taxa de 5,7 ainda é muito alta para se pensar introduzindo novos processos de design e na meta de redução para 1,9 acidente por equipamentos como parte deste trabalho, 100 mil horas de voo em 2016, estipulada

* Matéria publicada na Revista da Aviação Naval – Revista Informativa de Segurança de Aviação – novembro/2013. ** Aviador Naval. Serve atualmente na Diretoria de Aeronáutica da Marinha onde é Encarregado da Divisão de Investigação do Grupo Executivo do Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos da Marinha (SIPAAerM). A INDÚSTRIA LUTA PARA ATINGIR A META DE SEGURANÇA PARA 2016 pelo IHST. Estes números são influencia- Helicopter Safety Implementation Team dos negativamente pela contribuição de três (Ehsit) são parte do Ehest, que, por sua vez, regiões: América do Sul, Ásia e Oceania. é o representante europeu no IHST. As estatísticas de acidentes nessas áreas são As causas para estatísticas não tão favo- crescentes. As regiões onde a tendência da ráveis são difíceis de avaliar. “Seria a crise taxa de acidentes é decrescente são Europa, econômica mundial a explicação para o América do Norte (ainda assim, longe da ‘soluço’ observado nas estatísticas a partir meta de redução) e África. de 2008?”, pergunta John Steel, represen- Teria sido a meta de redução dos aci- tante da Autoridade Aeronáutica Irlandesa e dentes em 80% muito ambiciosa? “Ela foi, presidente adjunto do Ehsit. Seu grupo está antes de mais nada, fruto da aspiração de analisando esta possibilidade. Outra expli- um grupo, coincidindo com a criação do cação plausível seria a discrepância entre o IHST”, declarou à Revista Rotor & Wing treinamento e a tecnologia: um helicóptero Michael Masson, coordenador de Ações Robinson 66 é equipado com glass cockpit para a Segurança da European Aeronautic e Fadec, ressalta Steel. “Helicópteros são Defense and Space Company (EADS), seguros, mas alguns não são operados secretário do European Helicopter Safety de forma tão segura como deveriam, e Team (Ehest) e presidente adjunto do Eu- sabemos como fazer um helicóptero voar ropean Helicopter Safety Analysis Team de forma mais segura”, declara Shefield. (Ehsat). Ele insistiu que o esforço deve Alguns passageiros podem discordar da permanecer após 2016, principalmente se a primeira parte da declaração: segundo meta não for atingida. O Ehsat e o European Oliver Clayes, encarregado da aviação da

Acidente com aeronave Bell 206 (PR-JBN) ocorrido em São Paulo - SP, em 21/1/2013

RMB1oT/2014 191 A INDÚSTRIA LUTA PARA ATINGIR A META DE SEGURANÇA PARA 2016

companhia petrolífera Total, “no período de continuam aparecendo nos dois primeiros 1992 a 2009, 31% dos acidentes na aviação lugares: julgamento do piloto (e suas rea- offshore foram causados por problemas téc- ções) e deficiente gerência da segurança. A nicos”. A empresa simplesmente deseja que principal diferença mostrou-se na manuten- o transporte em helicópteros seja tão seguro ção: como fator contribuinte, ela aparece como nas grandes companhias aéreas. cinco posições acima quando focamos nas Nem todos os tipos de operação de aeronaves cobertas pelo Capítulo 27. helicópteros figuram da mesma forma nas Procurando também por um quadro mais estatísticas. Por exemplo, a aviação privada claro das causas de acidentes, Lee Roskop, nos Estados Unidos, a instrução de pilotos um analista de operações da Administração e a aviação agrícola representam os três Federal de Aviação dos EUA (FAA), ana- tipos de operação com mais acidentes. En- lisou dados norte-americanos entre 2001 e tretanto, alguns especialistas argumentam 2010. Ele percebeu que a “perda de con- que a coleta de dados é desafiadora. Tem trole” foi a principal causa apontada dentre sido impossível para o Ehest, por exemplo, as categorias de classificação existentes. correlacionar o número de quedas de aero- O erro mais comum foi a “insuficiente naves ao número de pousos seguros. David potência disponível”. Roskop esclareceu Howson, administrador de um projeto de que isso não significa que os helicópteros pesquisa na Administração da Aviação são submotorizados: ao invés disso, “os Civil do Reino Unido (UK CAA), observa pilotos é que não tinham consciência da que existe uma cruel falta de contextua- potência requerida para cada situação”. lização nas estatísticas. Ele se refere às Mesmo a partir dos dados obtidos nos EUA, informações sobre as horas de voo anuais interpretações errôneas emergiram. Voos por tipo de operação e por tipo de aeronave, particulares ou privados têm estatísticas à distribuição das horas pelas fases do voo, sete vezes mais desfavoráveis do que voos bem como à carência de informações sobre de serviços de emergência médica com a experiência e a idade dos pilotos: “Se helicópteros (HEMS), que foram bastante tivéssemos começado a coletar as informa- investigados nos últimos anos. Além do ções quando o Ehest foi criado, em 2006, mais, o senso comum de que os aciden- teríamos mais do que cinco anos de dados tes com helicópteros nos EUA ocorrem de qualidade neste momento!”, lamenta. principalmente à noite ou sob mau tempo Muitos acidentes envolvem helicópteros não é suportado pela base de dados. Uma leves (Capítulo 27)*, segundo Howson. proporção muito alta (95%) dos acidentes Ainda assim, os helicópteros mais pesados ocorreu em condições meteorológicas de abrangidos pelo Capítulo 29 são incluídos voo visual (VMC). nas estatísticas. “Este fato poderia mascarar Para ajudar a controlar os acidentes, as estatísticas?”, pergunta Howson. Nem o IHST passou a adotar uma estratégia tanto, segundo suas pesquisas. Ele estudou revisada, segundo Sheffield. A aposta é os acidentes ocorridos apenas com heli- alcançar “aqueles que não ouviram falar cópteros abrangidos pelo Capítulo 27, no ou não deram atenção às recomendações período de 2000 a 2010. As mesmas causas do IHST”. O IHST, assim, quer alavancar

* N.A.: Capítulos 27 e 29: Referência às regulações federais da FAA (Federal Aviation Administration – EUA), equivalentes aos Regulamentos Brasileiros da Aviação Civil (RBAC) 27 e 29, e que tratam dos requisitos e regulamentações para helicópteros de categoria normal e de transporte, respectivamente.

192 RMB1oT/2014 A INDÚSTRIA LUTA PARA ATINGIR A META DE SEGURANÇA PARA 2016

os contatos com proprietários, reguladores, risco inicial, antes do voo. Se um item é seguradoras, fabricantes e “melhores” ope- computado como “vermelho”, ou seja, se radores. Steel, do Ehsit, identifica a aviação o risco é significativo, uma ação mitigadora geral como o alvo principal. Além disso, o precisa ser adotada. O Ehsit publicou as IHST quer focar na área de treinamento. mais importantes recomendações relacio- “É, atualmente, a maior fonte de acidentes”, nadas ao treinamento em panfletos. “Nós insiste Sheffield. Ele enxerga a oportunida- lançamos vídeos sobre condições visuais de de criar uma “mentalidade voltada para degradadas, perda de controle e gerencia- a segurança nos novos pilotos”. Enfatiza, mento de passageiros, do ponto de vista do ainda, o aspecto cultural: “As histórias que piloto e do passageiro”, acrescenta Gilles você conta podem alterar a cultura com o Bruniaux, presidente adjunto do Ehest e tempo, então vamos espalhar histórias de vice-presidente de segurança da frota da sucesso”. Steel aborda o tema de forma Eurocopter. Alguns documentos foram semelhante: “Macaco vê, macaco faz”. traduzidos para outras línguas além do Ele também considera fundamental que inglês, como o espanhol e o italiano. “Que- os operadores repassem mais informações remos atingir todos”, explica Bruniaux. para as autoridades. Todas essas ferramentas são oferecidas O Ehsit lançou uma quantidade de mate- gratuitamente. rial promocional e ferramentas para os ope- E quanto ao aperfeiçoamento do pro- radores, especialmente para os pequenos. cesso de certificação? É o que a Easa está O conjunto de ferramentas de Sistema de empreendendo com o seu projeto de “nível Gerenciamento da Segurança Operacional de envolvimento”. Conforme destacou o (SMS, pela sigla em inglês) consiste em representante diretor de certificação da um manual de gerenciamento da segurança, agência, Fréderic Copigneaux, o papel da um plano de resposta emergencial e um Easa é checar a validade dos ensaios feitos guia para usuários do banco de dados de pelo requerente. “Nós não checamos 100%, gerenciamento da segurança. “Está pronto mas a regra atual não menciona o quanto é para o uso e é o primeiro produto que foi adequado”, explica. Então, o projeto busca criado com base nas recentes normas pro- determinar o “nível de envolvimento” da mulgadas na Europa”, explica Masson. É agência. A Easa levará em conta o grau voltado para operadores “complexos”, uma de inovação (para o fabricante e/ou para a categoria classificada com base em critérios agência) na área de conhecimento. A critici- como o tipo de operações (guincho, HEMS dade do item também será considerada. Um etc.) e o ambiente operacional (região mon- fabricante é classificado como organização tanhosa, offshore etc.). “Para operadores de design, e a sua performance será igual- não complexos, utilizaremos um pacote de mente avaliada. Por exemplo, imaginemos ferramentas simplificado em 2013”, acres- uma organização de design de alto nível, centa Masson. Outra ferramenta é uma lista que está submetendo um item considerado de verificação para avaliação do risco, a ser não crítico para homologação, com o qual preenchida antes da missão. O propósito é a organização tem experiência. A Easa “fazer com que os pilotos e técnicos tenham não irá verificar o processo de ensaio. Se a consciência de que pequenos detalhes em a área de conhecimento for nova e o item situações simples, quando combinados, crítico, uma verificação será conduzida. Se podem elevar substancialmente o risco o item for rejeitado, o fabricante poderá ser total”. O piloto primeiramente computa o rebaixado como uma organização de design

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de menor performance. Assim, a Easa au- regulação. A atividade SAR é um negócio mentará o seu “nível de envolvimento” da arriscado, segundo argumenta Wallengren. próxima vez que aquele fabricante solicitar Baixa altitude, ambiente hostil, mau tempo uma certificação. Copigneaux está tentando e manobras complexas estão frequentemen- angariar apoio da indústria para o projeto de te combinados para aumentar o fator de “nível de envolvimento”. Dependendo da risco. “Queremos criar uma ferramenta para resposta, ele entende que este pode ser um ajudar as tripulações a não forçar demais”, caminho rápido para a regulamentação. E acrescenta. O projeto ainda é um rascunho. deixa claro que isso não se aplicaria apenas Há vários interessados, como a Easa e às aeronaves de asas rotativas. operadores (organizações marítimas dos Enquanto isso, a agência de transportes países, polícias, guardas costeiras, forças da Suécia está para propor uma normatiza- armadas e HEMS, bem como países vizi- ção para uma atividade que simplesmente nhos), em conduzir missões SAR. A meta é não é regulada: Busca e Salvamento (SAR). promulgar em breve uma regulamentação. “Nós tivemos uma série de acidentes nos Requisitos ao nível dos helicópteros podem últimos dez anos, ouvimos solicitações incluir um sistema de gerenciamento de da- da associação sueca de pilotos e listamos dos de voo (FMS), radar, sistema de alerta recomendações para nossos órgãos inves- de terreno (GPWS) e equipamento de visão tigadores”, explica o gerente de projetos noturna. O requerimento de navegação de- Annika Wallengren. A atividade SAR verá exigir a precisão de uma milha náutica não se encontra sob a apreciação da Easa, (RNP1). Mínimos operacionais irão incluir cabendo a cada país regulamentá-la. A capacidade de transição sobre a água, e ha- Espanha estaria prestes a apresentar uma verá requisitos para as tripulações também.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Segurança; Aviação; Aviação Civil;

194 RMB1oT/2014 ZONA DE CONTROLE ALDEIA – Responsabilidades e desafios da Marinha do Brasil no Sistema de Controle do Tráfego Aéreo Brasileiro*

MAURICIO BRAVO** Capitão de Fragata

SUMÁRIO

Histórico A inversão As responsabilidades da MB na CTR-Aldeia Manutenção e operação da CTR-Aldeia Conclusão Glossário

“O inglês deficiente dos controladores Para Lepore e Paladino (pilotos do de voo, aliado à apatia dos pilotos ameri- Legacy 600) faltou airmanship (arte de se canos em lidar com a fraseologia muitas conduzir uma aeronave de modo seguro vezes incompreensível dos operadores dos e vigilante). Para os controladores, entre centros e das torres brasileiros, fez com que diversas outras coisas, um melhor trei- ambos os lados procurassem se comunicar namento em inglês. Só como exemplo, a o mínimo possível. Inúmeras oportunidades última avaliação dos operadores de São para correção do nível de voo e para resta- José dos Campos nesse quesito havia sido belecimento das emissões do transponder feita em 2003. Nela, cinco dos profissionais (e, por conseguinte, reativação do TCAS) obtiveram resultado ‘não satisfatório’. Mas foram perdidas por causa desse descaso. nenhum deles foi afastado do serviço. Con-

* Matéria publicada na Revista da Aviação Naval – revista informativa de segurança de aviação – novembro/2013. ** Aviador Naval. Oficial de Segurança de Aviação da Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia. ZONA DE CONTROLE ALDEIA – Responsabilidades e desafios da Marinha do Brasil no Sistema de Controle do Tráfego Aéreo Brasileiro

tinuaram se ‘comunicando’ com pilotos em voo sobre a selva no Norte do Estado estrangeiros. O mesmo aconteceu com o do Mato Grosso, matando os 154 ocupantes pessoal do Cindacta I. Segundo a própria do Boeing. Aeronáutica, o sargento que assumiu pri- Os motivos que me levaram a escrever meiramente o X-Ray Lima no console 8 tem este artigo estão ligados diretamente ao conhecimento limitado da língua inglesa.” meu embarque, em 2011, na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia (BAeNSPA) O texto acima foi extraído do livro Perda para servir como oficial de Segurança de Total, de Ivan Sant’Anna, autor do best sel- Aviação (OSAv). Até então, meu conheci- ler Caixa Preta, na parte em que o escritor mento sobre as peculiaridades do controle tecia suas conclusões sobre as causas que do tráfego aéreo na Zona de Controle Al- levaram ao acidente ocorrido em 29 de deia (CTR-Aldeia) se limitava às informa- setembro de 2006, entre um Boeing 737- ções advindas dos contatos por fonia com a 800 da Gol Transportes Aéreos, matrícula Torre de Controle Aldeia (TWR-Aldeia) ou PR-GTD, e um jato executivo Embraer Le- com o Centro de Controle de Aproximação gacy 600 da empresa ExcelAire, matrícula Aldeia (APP-Aldeia), quando decolava ou norte-americana N600XL, que colidiram pousava da BAeNSPA.

Figura que apresenta, de forma simplificada, a sobreposição dos cilindros imaginários das regiões de controle aéreo, com os respectivos órgãos de controle de tráfego aéreo entre parênteses. * TMA-Rio: Área de Controle Terminal do Rio de Janeiro. ** CTR-Aldeia: Zona de Controle de São Pedro da Aldeia. *** ATZ-Aldeia: Zona de Tráfego do Aeródromo de São Pedro da Aldeia, cuja responsabilidade do tráfego aéreo é da TWR-Aldeia.

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Percebi também que uma parcela sig- das aeronaves civis e militares que transitam nificativa da nossa instituição não tem co- pela região e projetar perspectivas futuras. nhecimento de que a CTR-Aldeia é a única região do espaço aéreo brasileiro de inteira HISTÓRICO responsabilidade da Marinha do Brasil (MB) e, consequentemente, não conhece as Na década de 80, foi criada na Região responsabilidades atreladas a este encargo. dos Lagos uma área cujo espaço aéreo era Por entender que a falta de informações condicionado, isto é, uma região onde eram sobre os problemas, desafios e necessidades realizadas atividades específicas militares da CTR-Aldeia não era exclusividade mi- que não permitiam a aplicação dos serviços nha, optei por descrever de forma resumida de tráfego aéreo usuais. Na época, essa os equipamentos necessários à navegação região recebeu a designação de SBR-312, das aeronaves civis e militares que circu- sendo o seu uso restrito para o treinamento lam pela Região dos Lagos, as dificuldades de aeronaves militares da MB e da Força de formação de pessoal para manter estes Aérea Brasileira (FAB), que, à época, equipamentos e as responsabilidades da MB possuía um Esquadrão sediado na BAeNS- na CTR-Aldeia. Também abordo as dificul- PA. Quando concebida, a SBR-312 tinha dades de formação dos controladores de voo dimensões máximas de 84 km por 92 km, (AV-CV), tanto do APP-Aldeia como da do solo a 5 mil pés. Quaisquer aeronaves TWR-Aldeia, relacionadas ao idioma inglês. civis que tivessem a intenção de adentrar Para contextualizar o tema, torna-se ne- na SBR-312 teriam que obrigatoriamente se cessário retroceder no tempo para entender o comunicar, via rádio, com a TWR-Aldeia, que vem a ser hoje a CTR-Aldeia, apresentar mantida e operada pela MB, para obter os desafios da MB em garantir a segurança a autorização de tráfego. Esse órgão de

CTR-Aldeia e suas dimensões máximas atuais

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controle aéreo somente prestava o serviço informação ao voo, alerta e ordenamento do de informação ao voo, que são dados ne- tráfego, fazendo o uso exclusivamente das cessários à eficiente condução dos voos, e comunicações, via rádio, com as aeronaves serviço de alerta, para assegurar a presteza civis e militares. no acionamento dos recursos de busca e Entre 2006 e 2007, o Decea instalou o radar salvamento no caso de um acidente aéreo. Star 2000 na BAeNSPA, introduzindo o APP- No início deste século, fruto do aumento Aldeia em uma nova era, na medida em que do tráfego na região, o Departamento de este órgão de controle aéreo poderia verificar Controle do Espaço Aéreo (Decea), órgão em tempo real o cumprimento das suas deter- máximo do Sistema de Controle do Espa- minações às aeronaves, efetuando as devidas ço Aéreo Brasileiro (Sisceab), extinguiu correções que se fizessem necessárias, além de a SBR-312, criando-se em seu lugar a poder também prestar o serviço de vetoração CTR–Aldeia, com as mesmas dimensões radar às aeronaves sob sua responsabilidade. horizontais, aumentando-se somente a al- tura da área sob sua responsabilidade para A INVERSÃO 5.500 pés. Foi nessa ocasião que passou a operar na BAeNSPA o APP-Aldeia, Centro Quando a MB era responsável pela SBR- de Controle da Aproximação operado pela 312, o volume de tráfego nesta região era prio- MB, cuja responsabilidade era ordenar todo ritariamente militar. Vez por outra um avião o tráfego aéreo na região, deixando para a ou helicóptero civil transitava pela mesma com TWR-Aldeia a responsabilidade de ordenar destino às cidades do Norte do Estado ou vindo somente o tráfego que transitasse dentro do destas para a cidade do Rio de Janeiro. cilindro com raio de 2,5 milhas náuticas, Os constantes contingenciamentos do do solo a 1.500 pés, centrado na torre de orçamento da MB, que impediram por anos controle do aeródromo da BAeNSPA. Na a aquisição de novas aeronaves, somados época, o APP-Aldeia prestava os serviços de à elevada idade da frota do Comando da

Áreas de responsabilidade do APP-Rio de Janeiro, APP-Macaé e APP-Aldeia

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Força Aeronaval, levaram a uma signifi- A descoberta de petróleo na camada do cativa diminuição do número de horas de pré-sal, no litoral sul do Estado do Rio de voos das aeronaves militares que operam Janeiro, pela Petrobras, em 2006, e a pos- na CTR-Aldeia a partir de 2003, como pode terior confirmação da existência de grandes ser verificado no gráfico acima. campos desse hidrocarboneto, em 2007,

Alcance das rotas dos helicópteros em operações off-shore a partir do Aeroporto Internacional de Cabo Frio

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levaram a uma significativa alavancagem permitindo uma significativa economia de da economia da Região dos Lagos. Nessa horas de voo dos helicópteros e, consequen- mesma época, o Aeroporto de Cabo Frio foi temente, de recursos financeiros. adquirido pela iniciativa privada, com a clara Como o voo dos helicópteros offshore intenção de ser uma alternativa do Aeroporto é realizado rotineiramente em altitudes de Macaé para pouso de grandes aviões inferiores a 4 mil pés, o volume de tráfego cargueiros transportando equipamentos para aéreo na CTR-Aldeia teve um incremento a extração do óleo. A pista de Cabo Frio significativo a partir de 2010, como pode foi então ampliada, sendo a quarta maior ser verificado no gráfico que se segue. do Estado em extensão, com 2.550 metros. Nesse ínterim, o Aeroporto de Cabo Com o sucesso das prospecções no lito- Frio passou a contar com um setor des- ral sul do Estado e a consequente instalação tinado à alfândega, credenciando-o a de plataformas para explotação do petróleo, operar com aviões, tanto de carga como tornou-se necessário o apoio destas com de passageiros, vindos do exterior. Como helicópteros. E foi neste momento que o consequência, conforme preconizado pela Aeroporto de Cabo Frio ganhou relevância. Organização de Aviação Civil Interna- Por estar localizado em uma península cional (OACI), toda a fonia do controle que se projeta mar adentro entre os campos a de tráfego aéreo realizada com essas ae- leste do pré-sal e a Bacia de Campos, a ope- ronaves pelos sargentos controladores de ração offshore de helicópteros a partir desse voo (AV-CV) da MB passou a ser feita no aeroporto passou a ser estratégica para as idioma inglês. Atualmente, não é surpresa empresas de prospecção. Operando a partir vermos, no interior da CTR-Aldeia, aero- de Cabo Frio, os helicópteros atendem tanto naves como Antonov AN-124, Boeing 747 às plataformas de petróleo do pré-sal como e Boeing C-17, como as que trouxeram os às plataformas ao sul da Bacia de Campos, helicópteros MH-16 da MB.

Aumento expressivo dos movimentos de aeronaves na CTR-Aldeia

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Existe a perspectiva de, em médio prazo, dades que não estão relacionadas com a sua o teto da CTR-Aldeia ser elevado de 5.500 atividade fim. Hoje, os sargentos AV-CV pés para 19 mil pés e de serem criadas aero- do APP-Aldeia se dedicam mais ao controle vias com tecnologia de controle de tráfego aéreo de aeronaves civis do que militares. aéreo ADS-B1 entre Cabo Frio e as platafor- mas de petróleo. Estão em andamento estu- AS RESPONSABILIDADES DA MB dos no Serviço Regional de Proteção ao Voo NA CTR-ALDEIA em São Paulo (SRPV-SP) para a instalação de novos equipamentos de navegação aérea No interior da CTR-Aldeia existem três na região para apoio às operações offshore aeroportos, quais sejam: BAeNSPA (militar), e a construção de uma torre de controle no Cabo Frio (internacional/offshore/aviação ge- Aeroporto Internacional de Cabo Frio. ral) e Búzios (aviação geral). Todos possuem Sendo assim, a partir do final da última procedimentos para operação por instrumen- década houve uma inversão no tipo de tos, tanto de saída como de descida, para cada aeronave que transita regularmente pela uma das seis cabeceiras das três pistas. Grande CTR-Aldeia. Enquanto que no passado as parte desses procedimentos são conflitantes aeronaves militares eram predominantes na uns com os outros, em função da pequena região, atualmente elas são minoria, o que distância que separa cada uma das pistas, con- fez com que a MB assumisse responsabili- forme pode ser verificado na ilustração abaixo.

Distâncias de separação entre os três aeródromos que se encontram no interior da CTR-Aldeia

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Pelos motivos apresentados anterior- c) orientar e instruir as aeronaves na mente, é imprescindível a realização da execução dos procedimentos de espera, devida separação do tráfego aéreo para chegada e saída, estabelecidos pelo Decea. evitar colisões em voo. Item 9.4.1 – Os APP deverão propor- Segundo a Instrução do Comando da cionar separação vertical ou horizontal Aeronáutica 100-12 (ICA 100-12), norma aos voos nos espaços aéreos de sua que regula as Regras do Ar e Serviços jurisdição. de Tráfego Aéreo no território nacional, os APP, inclusive o APP-Aldeia da MB, Cabe ressaltar que o Aeroporto Inter- possuem as seguintes atribuições: nacional de Cabo Frio, a exemplo do que Item 9.1.1 – Os APP têm a atribuição de aconteceu em 2012, no evento Rio+20, emitir autorizações de tráfego às aeronaves devido às dimensões da sua pista e dos que estiverem voando ou que se propuserem seus pátios, foi um aeródromo alternativo a voar dentro de Áreas de Controle Terminal para aeronaves que demandaram o Rio de (TMA) ou CTR, com o propósito de: Janeiro para a Copa das Confederações a) manter as separações mínimas esta- em 2013. Para a Copa do Mundo de 2014 belecidas entre as aeronaves; e para os Jogos Olímpicos de 2016 este b) disciplinar, acelerar e manter ordena- aeroporto já está ampliando a sua estrutura do o fluxo de tráfego aéreo; e de pátios, visando absorver tal demanda.

Cobertura Radar do Brasil, com as OM do Sisceab Destaca-se em vermelho o Diacta da BAeNSPA, responsável pela única região do País cujo Controle do Tráfego Aéreo civil e militar é de inteira responsabilidade da MB

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A BAeNSPA, tendo identificado que parte CTR-Aldeia e pela solicitação de formação significativa dos seus AV-CV não possui de controladores de voo e do pessoal ne- fluência no idioma inglês, providenciou cessário à manutenção dos citados equipa- estágios intensivos para os controladores em mento é o Departamento de Infraestrutura Organização Militar (OM) da FAB e, após Aeroportuária e Controle do Tráfego Aéreo a realização de uma licitação, arcará com os (Diacta) da BAeNSPA. Esse setor é equi- custos de um curso preparatório, com duração parado a um Destacamento do Controle de dois anos, para a prova da OACI para todos do Espaço Aéreo (DTCEA) dos Centros os AV-CV do APP-Aldeia e da TWR-Aldeia. Integrados de Defesa Aérea e Controle de Ciente das suas responsabilidades na Tráfego Aéreo (Cindacta) e do SRPV-SP CTR-Aldeia e da tendência de aumento do do Decea. O Diacta está subordinado ope- tráfego aéreo na citada região, será neces- racionalmente ao SRPV-SP da FAB. sário que a MB invista na área de formação Entre os equipamentos imprescindíveis de pessoal, na manutenção preventiva e na à garantia da navegação aérea das aero- ampliação de seus equipamentos de apoio a naves civis e militares que transitam pela navegação aérea, para garantir a circulação CTR-Aldeia destaco: segura do tráfego aéreo através do espaço – VHF aeronáuticos que permitem a aéreo brasileiro de sua competência. comunicação com as aeronaves; – farol rotativo para a navegação aérea MANUTENÇÃO E OPERAÇÃO DA das aeronaves; CTR-ALDEIA – VOR/DME, equipamento rádio dire- cional necessário à operação por instrumen- O setor da MB responsável pela manu- tos das aeronaves; tenção dos equipamentos que garantem a – radar primário e secundário Star 2000 navegação das aeronaves que circulam pela para o controle aéreo das aeronaves;

Sala do APP-Aldeia que opera 24 horas por dia, 365 dias ao ano, garantindo a segurança do tráfego aéreo das aeronaves civis e militares que transitam pela CTR-Aldeia

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– geradores para o APP, TWR e radar, NAV 030 – Manutenção em Sistemas para suprir a falta de energia; de Casa de Força – cinco semanas – FAB; – Central Telefônica Aeronáutica – RAD001 – Básico de Radar – quatro Sitti, que permite a comunicação entre os semanas – FAB; diversos órgãos de Sisceab para a devida RAD013 – Manutenção de Radar RS- transferência do tráfego aéreo; M970S – quatro semanas – FAB; e – Central de Gravação de Áudio e Vídeo RAD019 – Introdução a Sistemas Com- Radar para a investigação de ocorrências putacionais Aplicados a Radar – cinco aeronáuticas e devidas aplicações de pe- semanas – FAB. nalidades; Com esses cursos, e respectivos está- – sistema de monitoramento meteoro- gios, os sargentos da MB estão aptos a re- lógico SH-95; e ceber o Certificado de Habilitação Técnica – equipamentos Papi para a indicação de (CHT) que provê a habilitação legal para rampa para pouso das aeronaves. compor a equipe técnica dos mantenedores dos equipamentos aeronáuticos. Esses equipamentos, em sua imensa Cabe ressaltar que todos estes milita- maioria, são mantidos com recursos da MB. res das especialidades ET, EL, CI e MO, Sua manutenção somente pode ser realiza- além dos meteorologistas aeronáuticos da por equipes treinadas e qualificadas para das especialidades de Hidrografia (HN) mantê-los e operá-los. Para a manutenção e Meteorologia (ME), também formados técnica dos mesmos, são formados milita- pela FAB, não são da especialidade de res das especialidades de Eletrônica (EL), Aviação (AV). Portanto, estão submetidos Eletricidade (ET), Comunicações (CI) e aos critérios de movimentação de pessoal Motores (MO) em diversas OM de ensino estabelecidos pela Diretoria de Pessoal da FAB. Militar da Marinha (DPMM), isto é, após De forma a posicionar o leitor sobre quatro anos desembarcam para a sua sede. os desafios enfrentados pela BAeNSPA Com isso, a BAeNSPA perde todo o inves- para manter e operar com segurança a timento dispendido na formação de parcela CTR-Aldeia, segue um extrato dos cur- significativa do seu pessoal. sos imprescindíveis para a sua operação, Os AV-CV do APP-Aldeia e da TWR- com a respectiva duração e instituição Aldeia adquirem a sua formação básica responsável: na MB, na especialização como cabo e no NAV 009 – Manutenção de Auxílios aperfeiçoamento como sargento, no Centro Luminosos de Aproximação – duas sema- de Instrução e Adestramento Aeronaval nas – FAB; Almirante José Maria do Amaral Oliveira NAV 011 – Manutenção de Instru- (Ciaan). Tanto na especialização como no mentos Meteorológicos – quatro semanas aperfeiçoamento, estes militares estão sub- – FAB; metidos a cláusulas de embarque de um ano, NAV 013 – Manutenção Básica de o que causa um transtorno administrativo de Sistema de Aterramento Elétrico – quatro grande monta para a BAeNSPA, já que nesta semanas – FAB; OM não é computado tempo de embarque. NAV 021 – Manutenção do VOR 0100 Isso obriga a que os AV-CV recém-formados – três semanas – FAB; acabem embarcando nos Esquadrões de NAV 022 – Manutenção do DME 0100 aeronaves, fazendo carreira nos mesmos e – três semanas – FAB; desmobilizando o Diacta da BAeNSPA.

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Em média, o tempo de formação de dos equipamentos de navegação aérea para um controlador de APP, com os cursos e as aeronaves civis e militares que transitam estágios na FAB, é de cinco anos. pela CTR-Aldeia. Portanto, para operar e manter uma Os sargentos AV-CV e, mais especifi- infraestrutura de controle do tráfego aéreo camente, os sargentos das especialidades e apoio à navegação aérea do citado porte, MO, EL, ET, HN e ME que possuem CHT a BAeNSPA despende uma considerável concedido pela FAB são profissionais soma de recursos financeiros com deslo- diferenciados e extremamente qualifica- camento e permanência dos militares, com dos, já que sua formação é diferenciada. cursos e com reparos de equipamentos, que É importante destacar que uma grande no passado se mostravam de fácil absorção soma de recursos financeiros e homens/ pelo orçamento da OM, advindos dos ser- hora da MB e da FAB foi dispendida na viços prestados pela Organização Militar formação destes. O desembarque desses Prestadora de Serviço (Omps). Entretanto, profissionais da BAeNSPA, seja por terem devido à necessidade de formação de um atingido o tempo limite de “fora de sede”, quantitativo maior de controladores de seja para cumprirem tempo de embarque voo e de mantenedores da infraestrutura em outras OM, causa significativos déficits de controle do tráfego aéreo e apoio à nos quartos de serviço, tanto dos controla- navegação aérea, e devido aos constantes dores de voo quanto dos mantenedores dos contingenciamentos de recursos, isso não equipamentos necessários à manutenção da está mais se traduzindo em uma realidade, navegação aérea. fazendo-se necessária a busca por novas O treinamento do idioma inglês dos fontes de recursos para garantir a operação AV-CV está em andamento, preparando-os segura da CTR-Aldeia. para as avaliações futuras da OACI. Com isso, a fluência no idioma desses militares CONCLUSÃO será assegurada. A alocação contínua de recursos finan- A estabilidade econômica do País vem ceiros necessários para a qualificação do fazendo com que uma parcela significativa pessoal envolvido com a manutenção e os das empresas e da própria população passe reparos de equipamentos de auxílio à na- a utilizar aviões e helicópteros como um vegação aérea e à operação da estrutura de meio de transporte diário. Somada a isso, controle de tráfego aéreo é imprescindível a instalação de uma quantidade cada vez para garantir a segurança do tráfego aéreo maior de plataformas de petróleo no lito- das aeronaves civis e militares que trafegam ral do Estado do Rio de Janeiro assegura pela CTR-Aldeia. Para tal, a BAeNSPA que a frota de helicópteros em operações está buscando identificar fontes alternativas offshore continuará crescendo, assim como de recursos, governamentais ou privados, o número de voos de cargueiros com des- para este fim. tino ao Aeroporto Internacional de Cabo Para dar conta desses e outros desafios, Frio. Dessa forma, mais aeronaves estão será necessário que os diversos setores da transitando pelo Espaço Aéreo Brasileiro, MB tenham ciência das responsabilidades o que demonstra a necessidade da MB da instituição para com o serviço de tráfego estar preparada para atender ao aumento aéreo na CTR-Aldeia, de forma que seja das demandas relacionadas à prestação dos possível entender e atender à crescente serviços de controle aéreo e da manutenção demanda da aviação civil na região.

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GLOSSÁRIO Diacta – Departamento de Infraestrutura Aeroportuária e Controle do Tráfego Aéreo ADS-B – Automatic Dependent Sur- DPMM – Diretoria de Pessoal Militar veillance – Broadcast – Vigilância Depen- da Marinha dente Automática Radiodifundida DTCEA – Destacamento do Controle APP – Centro de Controle de Aproxi- do Espaço Aéreo mação Aldeia EL – Especialidade em Eletrônica ATZ – Zona de Tráfego do Aeró- ET – Especialidade em Eletricidade dromo FAB – Força Aérea Brasileira AV – Especialidade em aviação HN – Especialidade em Hidrografia AV- CV – Militar especialista em con- OACI – Organização de Aviação Civil trole aéreo Internacional BAeNSPA – Base Aérea Naval de São OM – Organização Militar Pedro da Aldeia OMPS – Organização Militar Prestadora CI – Especialidade em comunicações de Serviço interiores MB – Marinha do Brasil CIAAN – Centro de Instrução e Ades- ME – Especialidade em Meteorologia tramento Aeronaval Almirante José Maria MO – Especialidade em Motores do Amaral Oliveira Sisceab – Sistema de Controle do Espa- CHT – Certificado de Habilitação ço Aéreo Brasileiro Técnica SRPV-SP – Serviço Regional de Prote- Cindacta – Centro Integrado de Defesa ção ao Voo em São Paulo Aérea e Controle de Tráfego Aéreo TCAS – Trafic Avoidance Collision CTR – Zona de Controle System Decea – Departamento de Controle do TMA – Áreas de Controle Terminal Espaço Aéreo TWR – Torre de Controle

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Aviação; Aviação civil; Aeroporto; Poder aéreo; Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia;

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“Muito do que lhe foi ensinado já foi, um dia, a visão radical de indivíduos que tiveram a coragem de acreditar que o que sua mente e seu coração diziam era verdadeiro, ao invés de aceitar as crenças comuns de sua época.” CHING NING CHU (1947-2009)

CARLOS ROBERTO FRAMBACH1 Capitão de Fragata (RM1-EN) GILSON SIQUEIRA2 Engenheiro de Tecnologia Militar JOÃO CARLOS CASTRO DIAS3 Primeiro-Tenente (EN) GABRIELLA LEMOS DA SILVA VAZ4 Técnica de Planejamento

SUMÁRIO

Introdução Indicador de desempenho de apropriação de MOD Período de manutenção 2012 Período de manutenção 2013 Conclusão Agradecimentos

1 Graduado em Engenharia Química pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Atualmente, exerce os cargos de assessor de Gestão Integrada e chefe do Escritório de Gerenciamento de Projetos do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ). 2 Graduado em Engenharia Mecânica pela Universidade Souza Marques. Pós-Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Cândido Mendes. Engenheiro de Tecnologia Militar encarregado do Núcleo de Ferramentas de Gestão do Escritório de Gerenciamento de Projetos do Arsenal de Marinha. 3 Graduado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrando em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Encarregado do Núcleo de Auditoria de Projetos do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro. 4 Formação Técnica em Eletrotécnica pela Escola Técnica do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (Etam). Graduanda em Engenharia Elétrica pela Universidade Veiga de Almeida. Técnica de Planejamento no Escritório de Gerenciamento de Projetos do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro pela Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron). UTILIZAÇÃO DE BOAS PRÁTICAS DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS EM UMA INSTITUIÇÃO MILITAR

INTRODUÇÃO e o número de projetos bem-sucedidos subiu para 28%, sendo que os projetos passaram a gerenciamento de projetos influencia e ultrapassar seus orçamentos originais, em mé- Otransforma a organização e a dinâmica dia, 43% (NETO, 2010). Este fato mostra uma interna de uma empresa. Toda a filosofia relação direta entre o número de profissionais deve ser renovada de modo a contemplar treinados em boas práticas de gerenciamento particularidades, impactos e benefícios deste de projetos e a melhoria no desempenho dos tipo de gerenciamento. Inúmeras empresas projetos. Além dos EUA, outras potências nos Estados Unidos da América (EUA) con- pelo mundo passaram a utilizá-las em seus seguem se reestruturar em aproximadamente projetos, tais como a Austrália, na década de três anos, e algumas delas chegam a alcançar 90, e o Ministério da Defesa britânica em 2002 a excelência em Gestão de Projetos em até (FRANCESCHINI, 2003). cinco anos (KEZNER, 2002). A grande ca- Por conta do seu envolvimento em proje- pacidade de reestruturação destas empresas tos cada vez maiores e mais complexos, a Ma- está relacionada com as rinha do Brasil tem bus- boas práticas de geren- cado implantar as boas ciamento de projetos. Por conta do seu práticas de Gerencia- Estas, quando consoli- envolvimento em projetos mento de Projetos com dadas em suas culturas o intuito de minimizar organizacionais, fazem cada vez maiores e mais os riscos e aumentar a com que haja um am- complexos, a Marinha probabilidade de sucesso biente mais propício na execução destes pro- para a implementação do Brasil tem buscado jetos. No ano de 2012, o de novos métodos. implantar as boas práticas Arsenal de Marinha do Por conta de um am- de Gerenciamento de Rio de Janeiro (AMRJ) biente de mercado cada criou o Escritório de Ge- vez mais competitivo e Projetos com o intuito renciamento de Projetos da escassez crescente de de minimizar os riscos e (AMRJ-41), seguindo recursos, as instituições uma Orientação Setorial têm se tornado mais aumentar a probabilidade (Oriset) da Diretoria- exigentes com o cum- de sucesso na execução Geral de Material da primento dos prazos e destes projetos Marinha (DGMM), que orçamentos dos projetos estabelecia que as OM que executam. Para se subordinadas deveriam: ter uma ideia do aumento da importância “efetuar o mapeamento de seus pro- dada ao assunto Gerenciamento de Projetos cessos e a análise de suas estruturas pelos profissionais envolvidos nessa área, em organizacionais a fim de, se necessário, 1994 o Project Management Institute (PMI) otimizá-los e adequá-las a um modelo dos Estados Unidos tinha 9.083 membros de Escritório de Projetos em dimensão (PMI, 2013) e apenas 16% dos projetos condizente às suas atribuições, sendo eram entregues com tempo e custo dentro mandatório estabelecer, minimamente, das especificações previstas, ultrapassando um elemento de contato capacitado com em média o orçamento original em 189% a Superintendência de Gerenciamento de (NETO, 2010). Em 2004, o PMI já contava Projetos da DGMM, formalmente defini- com 98.162 membros nos EUA (PMI, 2013), do no organograma da OM, e promover

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a capacitação do pessoal diretamente en- lizada pelas OMPS-I/C/H para conhecer o volvido no gerenciamento de projetos”. valor real do tempo despendido pelo pessoal (BRASIL, 2011) MOD em alguma atividade”. Sendo assim, percebe-se a elevada importância de um con- Segundo o Regimento Interno de 2012, trole rigoroso do que se deve apropriar no dia o AMRJ-41 é responsável por: a dia do funcionamento de uma Organização “prover e controlar a implementação de Militar Prestadora de Serviço Industrial suporte técnico e indicadores necessários (OMPS-I). Por conta da perda de pessoal a melhoria de desempenho no Gerencia- qualificado nos últimos anos e da redução mento dos projetos em execução no AMRJ considerável do seu quadro de funcionários, e coordenar e monitorar a implementação o AMRJ, no intuito de otimizar a utilização de metodologia, ferramentas gerenciais e de sua MOD, viu a necessidade de criar o padronização de processos desenvolvidos IDA para poder avaliar as ações de melho- pela gerência de programas do AMRJ”. rias implementadas nos seus processos. (BRASIL, 2012) Para obtenção do Indicador de Desempe- nho de Apropriação, o Escritório de Projetos Um ano após a criação do AMRJ-41 e do Arsenal aplicou a técnica de análise de após a implantação de algumas boas práti- valor agregado para unidades de homem- cas de Gerenciamento de Projetos, o AMRJ hora (HH) delineados e apropriados para começou a colher os bons frutos desta cada serviço pertencente a um Período de implantação, como é o caso da melhora do Manutenção (PM) de um meio operativo Indicador de Desempenho de Apropriação detalhado até o nível de Ordem de Serviço (IDA) de Mão de Obra direta (MOD), no caso (OS), que, segundo a SGM-304 (VOL I), é específico do reparo do Navio Polar (NPo) o “documento utilizado internamente pela Almirante Maximiano, descrito neste estudo. Organização Militar Prestadora de Serviço Industrial a fim de acompanhar as fases de INDICADOR DE DESEMPENHO DE um serviço pelos seus Centros de Custos, APROPRIAÇÃO DE MOD e apontar o material, a mão de obra e os serviços de terceiros utilizados”. Todas as A utilização de indicadores de desem- OS pertencentes a um PM são inseridas penho é fundamental para obtenção de no software de Gerenciamento de Projetos padrões de referência, a fim de avaliar o Primavera5, de onde o IDA pode ser obtido resultado de ações implementadas para em nível de OS e para o PM como um todo. determinados processos operacionais e/ou O indicador de desempenho de apropria- gerenciais. Segundo J. Juran (1904-2008), ção é obtido pela relação entre o HH apro- “quem não mede, não gerencia; quem não priado para execução de um serviço em um gerencia, não melhora”. Portanto, a criação determinado tempo dividido pelo percentual de um indicador de desempenho de apro- de avanço físico deste mesmo serviço no priação de mão de obra direta (IDA) pode período em análise multiplicado pelo total de ser caracterizada como uma boa prática de HH delineado para a execução completa deste gerenciamento de projetos. mesmo serviço. O ideal é que este indicador Segundo a SGM 304 (VOL I e II), “a seja igual a 1 (IDA menor do que 1 mostra que apropriação de MOD (HH) deverá ser uti- se está apropriando menos do que deveria).

5 Software utilizado pelo AMRJ para gerenciar seus projetos.

RMB1oT/2014 209 UTILIZAÇÃO DE BOAS PRÁTICAS DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS EM UMA INSTITUIÇÃO MILITAR

PERÍODO DE MANUTENÇÃO 2012 Após identificação desta discrepância, foi utilizado um PDCA (Plan-Do-Check- No cumprimento de sua missão, que é Act)6. O PDCA pode identificar as cau- “promover o Gerenciamento de Programas sas da diferença entre o HH apropriado de construção de unidades navais de super- quando comparado com HH delineado e fície e de submarinos... com excelência em propor ações para reduzir tal disparidade. qualidade, contribuindo para assegurar É efetivo para a busca do aperfeiçoamento, a prontidão operativa do poder naval, conduzindo ações sistemáticas que agili- respeitando o indivíduo, a sociedade e o zam a obtenção de melhores resultados, meio ambiente” (BRASIL, 2012), o AMRJ garantindo o crescimento e a sobrevivência executou o Período de Manutenção Plane- das organizações (QUINQUIOLO, 2002). jada do Navio Polar Almirante Maximiano A análise detalhada realizada no histó- referente ao ano de 2012. Durante a execu- rico de informações das OS trabalhadas, ção deste PM, foram trabalhadas um total contida no software Primavera, incentivou de 58 OS num período de três meses, tendo a elaboração do Diagrama de Pareto conti- sido delineados para execução das mesmas do na figura 3. 17.610 HH, com previsão de utilização Analisando o diagrama, observamos conforme figura 1. que 4.683 HH (57%), de um total de 8.522 No entanto, após o término do PM foi HH, se deve ao delineamento de serviços observado que, dos 17.610 HH delineados, que foram planejados para serem execu- apenas 9.088 HH foram apropriados, como tados pelo AMRJ e que acabaram sendo pode ser visto na figura 2 gerando um IDA feitos por empresas terceirizadas, e 2.506 de 0,52. HH (30,5%) são referentes à execução

PDR DO NPo ALMIRANTE MAXIMIANO – 2012 ARSENAL DE MARINHA DO RIO DE JANEIRO 21 - Nov - 33 12 – 91615 DISTRIBUIÇÃO DE HH DELINEADO DURANTE O PM

15000

12000

9000

6000

3000

Jun Jul Aug 2012 Budgeted Labor Units Page 1 of 1 NUCLEO DE FERRAMENTAS DE GESTÃO – AMRJ 412 (O) Primavera Systems, Ino. Figura 1: Previsão de utilização de HH delineado durante o período de manutenção 2012

6 Metodologia utilizada para diagnosticar, analisar e prognosticar problemas organizacionais, sendo extremamente útil para a solução de problemas.

210 RMB1oT/2014 UTILIZAÇÃO DE BOAS PRÁTICAS DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS EM UMA INSTITUIÇÃO MILITAR

PDR DO NPo ALMIRANTE MAXIMIANO – 2012 ARSENAL DE MARINHA DO RIO DE JANEIRO 21 - Nov - 33 12 – 91615 DISTRIBUIÇÃO DE HH DELINEADO DURANTE O PM

15000

12000

9000

6000

3000

Jun Jul Aug 2012 Labor Units Page 1 of 1 NUCLEO DE FERRAMENTAS DE GESTÃO – AMRJ 412 Budgeted Actual (O) Primavera Systems, Ino. Figura 2: HH apropriado X HH delineado

DISCREPÂNCIA DE HH apropriado PDR NPO ALMIRANTE MAXIMIANO 100,00% 100,00%

80,00% 80,00%

60,00% 60,00%

40,00% 40,00%

20,00% 20,00%

0,00% 0,00% AMRJ/Terceiros Execução diferente Escopo Não identificado Supervisão Margem 10%

Figura 3: Diagrama de Pareto

RMB1oT/2014 211 UTILIZAÇÃO DE BOAS PRÁTICAS DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS EM UMA INSTITUIÇÃO MILITAR

diferente do escopo definido inicialmente, terceirizados ou não com base nas informações sendo estes dois motivos os principais históricas de PM passados; treinar os envol- responsáveis pela diferença entre o HH vidos no PM nas boas práticas de gerencia- apropriado em relação ao delineado, repre- mento de projetos; estabelecer uma rotina de sentando 7.189 HH (87,5%). Tal situação redelineamento das OS com escopo alterado; acontece porque muitos contratos previstos e integração do Banco de dados de MOD dos para serem utilizados no projeto somente diferentes projetos contidos no Primavera. passam a vigorar após o início do mesmo, fazendo com que na fase de delineamento PERÍODO DE MANUTENÇÃO 2013 não se tenha conhecimento dos valores dos contratos da terceirização de determinado Na execução do Período de Manutenção serviço. Além disso, muitas vezes o escopo Planejado do NPo Almirante Maximiano de do serviço delineado na OS é menor do que 2013, foram executadas 49 OS durante um pe- o realmente executado, como, por exemplo, ríodo de quatro meses. Após a implementação nos serviços de inspeção e reparo onde não das ações previstas no Plano de Ação gerado tenha sido verificado nada de anormal na ao término do PM de 2012, observou-se que, inspeção e também não seja realizado o para execução deste Período de Manutenção, reparo, não sendo a OS redelineada. foram delineados 11.326 HH, com previsão de Buscando reduzir essa discrepância, ao utilização conforme mostra a figura 4. término do PM 2012 foi elaborado um Plano No entanto, após o término do PM foi ob- de Ação para ser implementado durante o servado que, dos 11.326 HH delineados, 8.229 PM 2013 do mesmo navio, com as seguintes HH tinham sido apropriados, como pode ser ações: elaborar um Plano de Comunicação visto na figura 5, gerando um IDA de 0,73. para o PM; realizar uma reunião antes do iní- Comparando-se o IDA do PM referente cio do PM para definir quais serviços seriam ao ano de 2012 com o de 2013, observa-

Figura 4: Previsão de utilização de HH delineado durante o Período de Manutenção 2013

212 RMB1oT/2014 UTILIZAÇÃO DE BOAS PRÁTICAS DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS EM UMA INSTITUIÇÃO MILITAR

Figura 5: HH apropriado X HH delineado

IDA IDA

PDR 2012 PMG 2013

PERÍODO DE MANUTENÇÃO

Figura 6: Comparativo entre o IDA dos PM de 2012 e 2013

se uma melhoria de cerca de 20% deste CONCLUSÃO indicador neste período, como pode ser observado na figura 6. Desde 2012 o Arsenal vem implemen- O resultado acima representa uma gran- tando algumas boas práticas de gerencia- de evolução para o Indicador de Desempe- mento de projetos, como a criação de um nho de Apropriação para o curto período de Escritório de Gerenciamento de Projetos, tempo avaliado. a utilização de um software padronizado

RMB1oT/2014 213 UTILIZAÇÃO DE BOAS PRÁTICAS DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS EM UMA INSTITUIÇÃO MILITAR

de gerenciamento (Primavera), a inclusão é o caso do Arsenal de Marinha do Rio de e o planejamento de todos os seus projetos Janeiro, podendo, por isso, futuramente neste software, o registro histórico de todas serem expandidas para outros projetos e as informações pertinentes relacionadas para análise de outros indicadores de de- ao projeto para ao final do mesmo gerar as sempenho dentro da instituição. lições aprendidas de cada PM, a geração de um plano de comunicação para cada perí- AGRADECIMENTOS odo de manutenção, o treinamento de seu pessoal em boas práticas de gerenciamento, Sinceros agradecimentos à Direção do e a criação de indicadores de desempenho Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, para avaliar o andamento dos projetos. pelas condições oferecidas para realização Com a utilização destas boas práticas, deste trabalho, aos engenheiros de Tecno- foi possível atingir uma considerável logia Militar Ricardo de Almeida e Vander melhoria no Indicador de Desempenho de Apollinário, pela grande colaboração na Apropriação de mão de obra direta durante implantação das boas práticas de gerencia- a manutenção planejada do NPo Almirante mento de projetos durante a execução dos Maximiano, o que mostra que tais práticas PM, à Superintendência de Gerenciamento de gerenciamento de projetos podem ser de Projetos da DGMM, por todo apoio eficazes em melhorias de processos ope- prestado no suporte do software Primavera racionais e gerenciais, inclusive em uma e a toda equipe do AMRJ envolvida na instituição militar de grande porte, como execução do PM.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Gerenciamento; Projeto; AMRJ;

REFERÊNCIAS

BRASIL. Marinha do Brasil. Diretoria Geral de Material da Marinha. Regulamento do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro. Anexo 13. Rio de Janeiro: Boletim oficial da Marinha do Brasil, 2011. BRASIL. Marinha do Brasil. Regimento Interno do Arsenal de Marinha do Rio de janeiro. Rio de Janeiro: Boletim Oficial da Marinha do Brasil, 2012. FRANCESCHINI, R C. Gerenciamento de Projetos e a aplicação da análise de valor agregado em grandes projetos. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2003. KEZNER, H. Gestão de Projetos: as melhores práticas. Porto Alegre: Bookman, 2002. MOORE, R C. The national shipbuilding research program: quality function deployment. San Diego: National Steel & Shipbuilding Co., 1996. PACHECO, A P. Um ciclo PDCA na Gestão do Conhecimento: Uma abordagem Sistêmica. Floria- nópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2005. PMI. Project Management Institute Inc. United States of America, 2013. Disponível em www.pmi.org. QUINQUIOLO, J M. Avaliação da Eficácia de um Sistema de Gerenciamento para Melhorias Im- plantado na Área de Carroceria de uma Linha de Produção Automotiva. Taubaté: Universidade de Taubaté, 2002. SHARIQ, S Z. “Knowledge Management: An Emerging Discipline”. The Journal of Knowledge Management, v. 1, no 1, set. 1997. Universidade Federal de Juiz de Fora. Gestão Ativa de Projetos. Juiz de Fora, 2013. Disponível em www.gestiva.com.br. VARGAS, R V. Análise de Valor Agregado em Projetos. Rio de Janeiro: Editora Brasport, 2002.

214 RMB1oT/2014 O SISTEMA ATHENA NO APERFEIÇOAMENTO DE TÁTICAS, TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS*

David Peixoto Manhães Junior** Capitão-Tenente (FN)

SUMÁRIO

Introdução Metodologia Resultados e discussão Conclusão

INTRODUÇÃO mento criativo, mas tão somente orientar as ações dos comandantes, em todos os es- ções militares, do planejamento ao calões. Pela liberdade de que devem gozar Acumprimento da missão, são baseadas esses comandantes, associada à permanente em doutrinas. Por doutrina entenda-se o evolução tecnológica do material bélico e conjunto de princípios fundamentais pelos às características dos conflitos modernos quais forças militares, ou seus elementos em constante mutação, é natural que novas constituintes, guiam suas ações em apoio “maneiras de fazer” surjam, em adestra- aos objetivos nacionais. Ela é autoritária, mentos ou em campanha. Novas situações mas requer julgamento para aplicação[8]. exigirão o emprego de táticas, técnicas e A doutrina estabelece a base para as ações procedimentos (TTP) não contidos na dou- militares e requer diligência do militar para trina corrente. Isto é, inovações à doutrina ser aplicada. Ela não deve limitar o pensa- surgirão naturalmente.

* Trabalho que recebeu menção excelente ao ser apresentado pelo autor no Curso de Aperfeiçoamento da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército Brasileiro, em 2013. ** Participou do 10o Contingente do Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais no Haiti. O SISTEMA ATHENA NO APERFEIÇOAMENTO DE TÁTICAS, TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS

Sendo a profissão militar de natureza Possuir e manter um Sistema de Lições científica (ciência militar), então o conhe- Aprendidas eficaz e eficiente é condiçãosine cimento militar deve ser um conhecimento qua non para se garantir que a missão seja científico, “relativo à arte bélica, obtido cumprida a qualquer tempo, em qualquer mediante pesquisa científica, práticas na lugar. Entretanto, a simples coleta e reunião esfera militar, experiência e observação dos de observações e opiniões acerca de um fenômenos das guerras e dos conflitos”[5]. A determinado assunto não representa apren- pesquisa “é um procedimento formal, com dizado. “Transformar o dado bruto em reco- método de pensamento reflexivo, que requer mendações exequíveis requer um processo um tratamento científico e se constitui no sistemático para examinar o que foi coletado caminho para conhecer a realidade ou para e entender por que ou o que contribuiu para descobrir verdades parciais”[11], e “o méto- a necessidade de melhoramento”[7]. Essa do científico é a teoria transformação, a do da investigação”[11]. dado bruto em conheci- Se o Sistema de Li- Possuir e manter um mento (científico), deve ções Aprendidas Athe- ocorrer, então, segundo na do Corpo de Fuzi- Sistema de Lições a metodologia científica, leiros Navais* deve Aprendidas eficaz e pois “não há ciência sem ser capaz de gerenciar o emprego de métodos as inovações à doutrina eficiente é condiçãosine científicos”[11]. vigente e este novo qua non para se garantir Justifica-se, assim, a conhecimento deve ser que a missão seja cumprida relevância da presente científico, pois se refe- pesquisa, que objetivou re a assuntos militares, a qualquer tempo, em concluir sobre a aplica- das ciências militares, qualquer lugar bilidade da metodologia então este conheci- científica às fases de mento deve ser obtido processamento e análise por meio de pesquisa científica, por meio do do Sistema de Lições Aprendidas Athena. método científico. Dessa forma, chegou-se ao seguinte questionamento: METODOLOGIA A metodologia científica empregada nos estudos acadêmicos é também válida para A presente pesquisa, de natureza aplica- processamento e análise de fatos observa- da, foi realizada segundo uma abordagem dos em adestramentos ou em combate? É qualitativa. Procurou-se extrair das fontes possível estabelecer um processo, baseado de pesquisa dados não quantificáveis capa- nessa metodologia científica, capaz de zes de conduzir um raciocínio lógico até às analisar e validar as experiências bem- conclusões finais da pesquisa. Para tanto, sucedidas obtidas pelo emprego de novas foi realizada uma revisão bibliográfica TTP pelos Grupamentos Operativos de exploratória sobre temas relacionados a Fuzileiros Navais (GptOpFuzNav)? Como métodos de interpretação de relatórios e pode ser esse processo? Quais critérios de a sistemas de lições aprendidas, militares avaliação podem ser adotados? e civis.

* N.A.: O Sistema Athena é um banco de dados que visa reunir as lições aprendidas e as boas práticas observadas quando do emprego de tropas de FN. Estes conhecimentos são então utilizados no adestramento e no preparo de futuros contigentes; uma vez consolidados, serão subsídios para alteração da doutrina.

216 RMB1oT/2014 O SISTEMA ATHENA NO APERFEIÇOAMENTO DE TÁTICAS, TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS

Foram pesquisados, principalmente, tra- re à identificação dos atores presentes no balhos científicos produzidos por instituições objeto de estudo. Não se despreze, aqui, militares de Ensino Superior nacionais e es- a importância da experiência do analista, trangeiras, assim como por Centros de Lições que em momento oportuno será destacada. Aprendidas de Forças Armadas estrangeiras, A representação gráfica que melhor re- como os do Exército e do Corpo de Fuzileiros presenta o raciocínio lógico a ser seguido Navais dos Estados Unidos da América, e de pelo método proposto pela presente pesqui- organismos internacionais, como a Organi- sa é o Diagrama de Ishikawa. zação do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a Organização das Nações Unidas (ONU). Ao final da pesquisa, quando se chegou a uma conclusão diante dos vários conhecimen- tos reunidos após a pesquisa bibliográfica, optou-se por realizar um estudo de caso para ILUSTRAÇÃO 1 – Diagrama de Ishikawa que se pudesse responder satisfatoriamente Fonte: Andrés E. L. Reyes (CIAGRI/USP) e Silvana R. Vicino à questão de estudo da pesquisa. Para esse (DME-ESALQ/USP). Disponível em: . Acesso em: 24 jul. 2013. borado pelo 9o Contingente do Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais na Mission Esse diagrama apresenta graficamente as des Nations Unies pour la stabilisation en componentes que se somam para a obten- Haïti (Minustah). Esse relatório, que contém ção de determinado efeito. Por meio dessa as lições aprendidas pelo Componente de representação, é possível visualizar mais Combate Terrestre daquele contingente, foi facilmente que uma ocorrência resulta de submetido à metodologia científica a que se uma série de outros eventos. chegou à conclusão no final da pesquisa. Tendo por base essa estrutura gráfica, passou-se a buscar quais deveriam ser RESULTADOS E DISCUSSÃO os principais eventos contribuintes para a ocorrência de determinado resultado. Após a realização da revisão bibliográ- Assim, o Diagrama Ishikawa foi mesclado fica, foram identificados alguns métodos com a técnica dos 5W1H. científicos que poderiam ser capazes de conferir o caráter científico que as ciên- cias militares requerem. Os métodos mais recorrentes foram então organizados em duas etapas: a de processamento de dados e a de análise de dados. Comecemos pela etapa de processamen- to de dados. A fim de que o método resultante da pesquisa pudesse retornar resultados posi- tivos (confiáveis) mesmo quando utilizado por diferentes analistas, ele foi parametri- zado. Essa parametrização foi a solução ILUSTRAÇÃO 2 – Técnica dos 5W1H encontrada pelo pesquisador para atenuar Fonte: James Madison University Special Education Program. Disponível em: . Acesso em: 24 jul. 2013.

RMB1oT/2014 217 O SISTEMA ATHENA NO APERFEIÇOAMENTO DE TÁTICAS, TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS

Essa técnica orienta para a realização página seguinte, a Ilustração 3 representa de perguntas específicas acerca de deter- o funcionamento da técnica. minado evento a fim de que se chegue às Os seis chapéus representam seis ideias principais. Essas são as perguntas diferentes pontos de vista acerca de um que cada analista deve se fazer quando mesmo evento, seis opiniões diferentes, da leitura de um relatório pós-ação. É por seis aspectos diferentes, ou mesmo seis meio dessas perguntas que ele será capaz personalidades diferentes. Nesse método de de identificar os diversos atores presentes análise de dados, existe espaço para a expe- em determinado evento. riência e para o conhecimento profissional Assim, pela reunião dessas duas técni- de cada analista, além de outros aspectos cas apresentadas, foi possível estabelecer subjetivos, como suposições e intuição. um método, com base científica, capaz Deve ocorrer um debate sobre as possí- de atender ao primeiro dos problemas veis conjecturas que expliquem o porquê de da presente pesquisa, qual seja o do pro- determinado acontecimento. Essas opiniões cessamento dos dados coletados. Abaixo encontrarão os seus contrapontos nas posi- é apresentada a Tabela 1 que deverá ser ções daqueles que vestem outro “chapéu”, e preenchida pelo analista quando do pro- dessa discussão surgirão as prováveis lições cessamento dos dados. aprendidas. Prováveis porque poderão ser Passemos à etapa de análise dos dados. consideradas como lições aprendidas de Das várias técnicas verificadas durante a fato apenas após serem validadas. Isto é, revisão bibliográfica, aquela que se julgou experimentadas em um ambiente em que melhor oferecer a possibilidade de intera- as diversas variáveis (quem, onde, quando, ção entre diversos analistas foi a técnica como, por que, o que) possam ser contro- dos seis chapéus, de Edward De Bono. Na ladas. A validação é a próxima etapa em

Tabela 1 – Método de Processamento de Dados – Identificar os atores 1. Quem – Descrever a relação entre os atores – Identificar os eventos ou ações e fazer uma lista deles 2. O que – Ligar entre atores e eventos – Identificar os lugares e fazer uma lista deles 3. Onde – Ligar lugares, eventos e atores – Identificar todos os fatores de tempo 4. Quando – Ligar fatores de tempo, lugares, eventos e atores – Identificar as causas de eventos de ação e fazer uma lista deles 5. Por que – Ligar linhas de conexão das causas aos efeitos sobre os atores, eventos, lugares ou tempos – Identificar a maneira como os eventos ocorreram e fazer uma lista deles 6. Como – Ligar linhas de conexão entre o modo como os eventos ocorreram e outros fatores

Fonte: o autor

218 RMB1oT/2014 O SISTEMA ATHENA NO APERFEIÇOAMENTO DE TÁTICAS, TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS

ILUSTRAÇÃO 3 – Técnica dos seis chapéus Fonte: VILELA, Virgílio Vasconcelos. Criatividade levada a sério. Edward De Bono. Ed. Pioneira. Disponível em: . Acesso em: 24 Jul 2013.

um Sistema de Lições Aprendidas, não evento objeto da análise precisam ou não abrangida nesta pesquisa. ser revistas; se uma nova TTP “criada” por A técnica dos seis chapéus deve ser algum ator envolvido é válida ou não; se utilizada para responder aos seguintes o resultado da ação não foi fruto de uma questionamentos: se as TTP envolvidas no TTP obsoleta ou de uma TTP mal aplicada.

Tabela 2 – Método de Análise de Dados EVENTO AÇÕES RESPONSÁVEL POSTURA – Apresentar aos analistas o caso Abertura da – Estabelecer qual(is) questão(ões) será(ão) analisada(s) AZUL Imparcial reunião – Estabelecer prioridades, SFC – Ser o moderador durante a reunião Exposição do – Apresentar informações, dados e fatos sobre o caso BRANCO Neutra caso analisado Apresentação – Identificar a criatividade dos atores na solução do caso VERDE Criativa das soluções – Apresentar novas ideias e opções para a solução do caso – Apresentar os benefícios da solução apresentada no caso Estudo dos prós AMARELO Positiva – Apresentar a viabilidade da solução apresentada no caso – Fazer críticas à solução apresentada no caso, como falhas Estudo dos na execução de uma TTP PRETO Cautelosa contras – Identificar os riscos da solução apresentada no caso – Identificar obstáculos à implementação da solução Aperfeiçoamento – Aperfeiçoar as soluções apresentadas, tendo em vista VERDE Positiva das soluções as críticas apontadas – Levantar, entre os membros da equipe, novas ideias que Resumo da ainda não tenham surgido VERMELHO Intuitiva reunião – Levantar as opiniões dos membros da reunião sobre o produto da análise da solução – Decidir sobre a lição aprendida passível de ser validada Fechamento da – Encaminhar os resultados da reunião para a etapa de AZUL Imparcial reunião validação da lição aprendida Fonte: o autor

RMB1oT/2014 219 O SISTEMA ATHENA NO APERFEIÇOAMENTO DE TÁTICAS, TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS

Essas são as perguntas básicas, das quais Definido o objetivo do trabalho, passou- poderão derivar tantas outras quanto os seis se a uma vasta e abrangente pesquisa biblio- chapéus possam criar. gráfica a fim de se verificar a existência de Segue-se a esquematização de uma reu- um método científico que se adequasse ao nião de uma equipe de analistas segundo a estudo das ciências militares. Da pesquisa técnica dos seis chapéus do pensamento. resultaram muitos e variados métodos Ao finalizar a presente seção, destaque- científicos, assim como diversas técnicas se a importância de uma equipe de analistas de elaboração e de interpretação de relató- em substituição ao trabalho de um especia- rios. Concluiu-se, então, que o melhor seria lista isolado. De qualquer forma, se essa reunir algumas características presentes em substituição não for possível, ou mesmo diferentes métodos em um único. Assim foi se essa equipe contar com um número feito, sendo o método resultante composto reduzido de integrantes, a técnica dos seis por duas partes distintas: a primeira delas chapéus mantém a sua validade, devendo para processar os dados coletados pelos re- uma mesma pessoa vestir cada um dos latórios; a segunda, para analisar o produto “chapéus” separadamente. do processamento desses dados. A elaboração de um novo método, CONCLUSÃO contudo, não consistia em si a resposta ao problema da pesquisa. Ainda era necessário Um sistema de lições aprendidas, como verificar se esse novo método seria capaz de visto, é minucioso e detalhista. A gravidade ser aplicado ao estudo das ciências milita- das palavras que seu título encerra requer res, mais especificamente às etapas de pro- que assim o seja. Mais do que a gravidade cessamento e análise de dados coletados. das palavras, um sistema de lições apren- Dessa forma, foi selecionado um exemplo, didas que trate de assuntos militares será retirado de um relatório de final de missão o responsável por ratificar soluções aos elaborado pelo Componente de Combate problemas encontrados no dia a dia em Terrestre do 9o Contingente do Grupamento campanha que poderão conduzir homens e Operativo de Fuzileiros Navais no Haiti. mulheres ao sucesso ou ao fracasso confor- Dentro das limitações impostas, tanto pela me a qualidade do tratamento dispensado extensão do trabalho quanto pela carência aos casos estudados. Identificou-se aí a de informações apresentadas no relatório necessidade de um método criterioso capaz supracitado, foi possível verificar que o de respaldar essa ratificação. método a que se chegou ao final da pesquisa Viu-se também que os assuntos afetos atendeu aos requisitos impostos. E desse à atividade militar têm natureza científica, teste resultaram as seguintes conclusões: sendo classificados como ciências milita- 1. A utilização do método científico res, tratando-se, portanto, de assuntos cien- nas etapas de processamento e análise de tíficos. Sendo isso entendido, identificou-se dados coletados por um sistema de lições mais uma vez a necessidade do estabeleci- aprendidas não só é possível, mas também mento de um método criterioso, capaz de viável e, principalmente, recomendável. produzir conhecimentos científicos. A pes- 2. A aplicação do método será tão mais quisa partiu do princípio de que um método eficiente quanto melhor for a qualidade das científico deveria ser capaz de ser aplicado informações contidas nos relatórios. Essa ao estudo das ciências militares e procurou conclusão já havia sido antevista durante verificar se essa proposição estava correta. a realização da revisão bibliográfica e se

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confirmou quando da aplicação do método da aplicação do método. O método é afi- no caso teste. nal, no contexto de um sistema de lições 3. A colaboração de diversos analistas aprendidas, um filtro, capaz de diferenciar no esforço da análise do produto do pro- eficazmente uma possível lição aprendida cessamento dos dados coletados contribui de outras experiências apenas casuais. bastante na qualidade do produto final da Os resultados e conclusões a que se aplicação do método. Um único analista chegou após a realização dessa pesquisa poderá executar por si só o método, mas ja- estão limitados às etapas de processamento mais com a mesma eficiência. Apenas pela e análise de dados de um sistema de lições soma de variadas experiências profissionais aprendidas. Tais resultados e conclusões, é que se pode obter o máximo de resultados portanto, não esgotam os assuntos relacio- da aplicação do método. nados ao tema. Pelo contrário, suscitam 4. O produto final do método, diferen- a realização de novas pesquisas, princi- temente do que se pensava no início da palmente acerca de outras etapas de um pesquisa, não é uma lição aprendida. A sistema de lições aprendidas. Assim, o expectativa inicial era de que o método, autor espera que esse trabalho sirva como por si só, seria capaz de definir se uma referência para futuras pesquisas a serem experiência (bem ou mal sucedida) era (ou realizadas sobre um sistema de lições não) uma lição aprendida. Após a aplicação aprendidas e que possa contribuir com estas do método a um caso teste, identificou-se para o aprimoramento do conhecimento a necessidade da validação do produto científico militar.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Análise; Avaliação; Pesquisa; Doutrina; Planejamento militar;

REFERÊNCIAS

[1] BRAGA, Carlos Chagas V. et al. “O CFN na Estratégia Nacional de Defesa e no Plano de Arti- culação e Equipamento da Marinha do Brasil”. O Anfíbio, Rio de Janeiro, no 29, p. 4-15, 2010. [2] ______. Exército Brasileiro. Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Manual de metodologia da pesquisa científica (org. Eduardo Borba Neves, Clayton Amaral Domingues). Rio de Janeiro: EB/CEP, 2007. 204 p. [3] ______. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. Manual de Campanha C 20-1: Glossário de Termos e Expressões para uso no Exército. 3 ed. Brasília, DF, 2003. [4] ______. Portaria no 734, de 19 de agosto de 2010, do Comandante do Exército. Conceitua Ciências Militares, estabelece a sua finalidade e delimita o escopo de seu estudo. Decex. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2012. [5] ______. Marinha do Brasil. Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo. Estatuto do Centro de Estudos do Corpo de Fuzileiros Navais, de 24 de fevereiro de 2010. Rio de Janeiro, RJ. [6] DA SILVA, Michel Melo. “O Aperfeiçoamento do Sistema de Coleta, Busca, Processamento e Aplicação Imediata do Sistema de Lições Aprendidas” (Trabalho de Conclusão de Curso – Grau Aperfeiçoamento em Operações Militares – Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais). Rio de Janeiro, 2011. 53 p.

RMB1oT/2014 221 O SISTEMA ATHENA NO APERFEIÇOAMENTO DE TÁTICAS, TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS

[7] ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Department of the Army. Center for Army Lessons Le- arned (CALL). Establishing a Lessons Learned Program. Kansas, 2011. 96 p. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2012. [8] ______. Department of the Army. Headquarters. Field Manual 101-5-1: Operational Terms and Graphics. Washington, DC, 1997. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. [9] HOWARD, Michael. “Military Science in the Age of Peace. Journal of the Royal United Services for Defence Studies, no 119, p. 4, mar. 1974. [10] JOHNSON, Fred W. “Leveraging lesson learning in tactical units”. Kansas (Faculty of the U.S. Army), 1997. Disponível em: . Acesso em: 18 mar. 2012. [11] LAKATOS, Eva M.; MARCONI, Marina de A. Fundamentos da Metodologia Científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991. cap. 3, 4 e 8. [12] MONTEIRO, Álvaro A. D. “As operações de paz, o erro de descartes e os pressupostos do imaginário de castoriadis. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, v. 130, no 07/10, p. 9-22, jul./set. 2010. [13] NATO. Joint Analysis and Lessons Learned Centre. “The Nato Lessons Learned Handbook”. 2nd ed. Lisboa, 2011. 47 p. Disponível em: . Acesso em: 24 abr. 2012. [14] PESSOA JR., O. Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência I. 2010. cap. II. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. [15] SANTALA, Russel D. Fads and Hobbies or Lessons Learned? An Analysis of the US Army Wartime Lessons Learned Program. Kansas (School of Advanced Military Studies), 1993. 55 p. Disponível em: . Acesso em: 18 mar. 2012. [16] SIMIONI, Alexandre A. Cavalcanti. “O Centro de Lições Aprendidas do USMC: um modelo a ser seguido pelo CFN?” Âncoras e Fuzis, Rio de Janeiro, no 42, p. 45-48, 2011. [17] UNITED NATIONS. Best Practice Unit. “Report on suggested mechanisms for DPKO to con- tinuously adopt best practices to become a learning organization”. Nova Iorque, 2002. 15 p. Disponível em: . Acesso em: 22 mar. 2012. [18] ______. Department of Peacekeeping Operations/Department of Field Support “Policy on Know- ledge Sharing”. Nova Iorque, 2009. 7 p. Disponível em: . Acesso em: 22 mar. 2012. [19] VANDERBEEK, Walter A. How Can We Be Sure? – The Search for Truth in Tactical Lessons Learned. Kansas (School of Advanced Military Studies), 1987. 40 p. Disponível em: . Acesso em: 19 mar. 2012. [20] WEBER, R.; AHA, D. W.; BECERRA-FERNANDEZ, I. Categorizing Intelligent Lessons Le- arned Systems. “AAAI Technical Report”, Menlo Park, 2000. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2012.

222 RMB1oT/2014 REFUGIADOS AMBIENTAIS: UMA NOVA PERSPECTIVA

HENRIQUE CANDIDO DA SILVA* Primeiro-Tenente (T)

SUMÁRIO

Introdução Refúgio, refugiados ambientais e limites conceituais Possíveis soluções Conclusão INTRODUÇÃO tureza, especialmente na programação de seu desenvolvimento[1], a humanidade está progresso tecnológico trouxe avanços sujeita a desastres ambientais e à variabi- O em vários campos do conhecimento lidade climática, responsáveis, nas últimas humano, tais como novos tipos de energias, décadas, por crescentes fluxos de migrações máquinas, relações sociais e interações humanas internacionais forçadas. com o meio ambiente. Em contrapartida, Fato existente desde os primórdios da muitas vezes devido à falta de consciência humanidade[2], as migrações ambientais dos limites dos recursos disponíveis e da forçadas são fruto de um desenvolvimento necessidade de respeitar os ritmos da na- limitado, sem a devida consideração das

* Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais (2004), mestrando em Di- reitos Humanos (2013) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, membro da Comissão de Bolsa de Estudos do Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da PUC-SP e assessor adjunto de Assuntos Jurídicos da Diretoria-Geral do Material da Marinha. REFUGIADOS AMBIENTAIS: UMA NOVA PERSPECTIVA

dimensões sociais, culturais e espirituais do Em 1919[6], intensificaram-se os debates homem[3]. Este fenômeno, que não respeita da comunidade internacional sobre os re- as fronteiras geográficas, diferenças políti- fugiados. Todavia, somente a partir da De- cas, culturais ou sociais, tem levado grande claração Universal dos Direitos Humanos preocupação à comunidade internacional de 1948, houve considerável impulso nas devido às suas consequências, tais como discussões sobre a situação dos refugiados: alteração de aspectos culturais, tensão so- cial, desemprego, problemas habitacionais, DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS fome, sobrecarga dos setores de saúde e DIREITOS HUMANOS assistência do Estado receptor etc. Artigo XIV Os deslocamentos humanos interna- 1. Todo ser humano, vítima de persegui- cionais forçados por causas ambientais ção, tem o direito de procurar e de gozar são caracterizados pela rapidez e a grande asilo em outros países.[7] quantidade de pessoas envolvidas[4]. Se- gundo o relatório State of Environmental Logo em 1950 foi criado o Alto Co- Migration, de 2010[5], o deslocamento missariado das Nações Unidas para os climático ou ambiental é a primeira causa Refugiados (ACNUR)[8]. Em seguida, foi das migrações humanas, superando hoje os aprovada a Carta Magna dos refugiados, provocados por conflitos armados. ou seja, a CRER.[9] Mesmo estando este fenômeno presente Em 1967, foi editado o Protocolo Adi- ao longo da história, não há instrumentos cional à Convenção sobre Refugiados, que jurídicos internacionais específicos para suprimiu a limitação temporal da definição sua tutela, deixando estes deslocados ao de refugiados constante originariamente julgamento de aceitação (ou não) unilateral da Convenção[10], delimitando, assim, o dos Estados. conceito de refugiado: Dessa forma, torna-se imprescindí- vel analisar a temática dos refugiados “[...] receando com razão ser perseguida ambientais dentro da literatura jurídica, em virtude da sua raça, religião, nacionali- buscando-se delimitar a natureza jurídica dade, filiação em certo grupo social ou das dos deslocados, sua adequação ao conceito suas opiniões políticas, se encontre fora de refugiado e o papel dos direitos humanos do país de que tem a nacionalidade e não na sua proteção. possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; ou REFÚGIO, REFUGIADOS que, se não tiver nacionalidade e estiver AMBIENTAIS E LIMITES fora do país no qual tinha a sua residência CONCEITUAIS habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele Atualmente, o grande questionamento não queira voltar”.[11] jurídico se encontra na imprecisão da nomenclatura refugiado ambiental e na Em 1961, o Brasil ratificou a Conven- impossibilidade de enquadrá-lo como refu- ção (Decreto 50.215/1961), porém com a giado conforme a Convenção Relativa ao ressalva de só aceitar refugiados oriundos Estatuto dos Refugiados (CRER) de 1951. do continente europeu. Limitação aban- Inicialmente, é necessário discorrer donada em 1989, por meio do Decreto brevemente sobre o instituto do refúgio. 98.602/1989.

224 RMB1oT/2014 REFUGIADOS AMBIENTAIS: UMA NOVA PERSPECTIVA

Internamente, o refúgio está previsto na lidade e se encontram fora do país no Constituição de 1988 (artigo 4o, inciso X e qual tinham sua residência habitual em artigo 5o, § 2o) e também na Lei no 9.474/97. consequência de tais acontecimentos, Explicado, em síntese, o instituto do não podem ou, devido ao referido temor, refúgio, abordaremos o termo refugiados não querem voltar a ele”.[17] ambientais. Esta expressão foi construída por Lester Brown, do Word Watch Insti- Pelo exposto, dificuldades se apresen- tute[12], e posteriormente popularizada pelo tam tanto no fato de serem as hipóteses de trabalho do Professor Essam El-Hinnawi, concessão de refúgio numerus clausus[18], do Egyptian National Research Center, em quanto na necessidade do elemento perse- 1985.[13] Segundo ele[14], refugiados am- guição[19] ser configurado, conforme dispõe bientais são “pessoas que foram forçadas o artigo 1o, § 1o, alínea ‘c’, da CRER de a deixar seu habitat natural, temporária 1951. ou permanentemente, em razão de uma Nesse sentido, o Professor William B. determinada ruptura ambiental (natural ou Wood, além de indicar a impropriedade ocasionada pelo homem), que ameaçou jurídica da expressão refugiado ambiental, sua existência ou seriamente afetou sua complementa que o sentido mais acertado qualidade de vida”. seria de “ecomigrantes”, uma vez que o Já para o Professor Norman Myers[15], prefixo “eco” demonstra as interações são pessoas que não podem ganhar mais seu ecológicas e econômicas envolvidas na sustento devido às modificações do meio motivação dos fluxos humanos migratórios. ambiente (seca, erosão, desertificação, des- Todavia, não parece prosperar tal matamento e outros problemas ambientais). assertiva. Vejamos: “[...] a designação Separa-se, portanto, os migrantes de causas ‘ecomigrantes’ termina por extrapolar esse econômicas dos refugiados ambientais. objetivo ao permitir que categorias distintas Todavia, apesar do esforço intelectual possam ser designadas pelo mesmo prefixo na criação e expansão da expressão, há ‘eco’, como é o caso dos migrantes ecoló- balizadas opiniões[16] que não concordam gicos e econômicos”[20]. com a denominação refugiado ambiental, No mesmo sentido, a Professora Luciana uma vez que o Direito Internacional dos Durães Diniz Pereira diz: Refugiados não abarca, em suas hipóteses de concessão de refúgio (Convenção de “[...] se considerarmos a definição de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados), ‘ecomigrantes’ proposta por Wood, a pessoas ou grupos de indivíduos deslocados proteção dos indivíduos dotados com por questões ambientais. este novo status de migrante poderia, Segundo a CRER, são passíveis de de forma abrangente, incluir tanto os concessão de refúgio: migrantes econômicos, os deslocados internos ‘ambientais’ (pelo motivo ex- “indivíduos que, perseguidos por mo- pressamente previsto de deslocamento tivos de raça, religião, nacionalidade, interno em virtude ‘de catástrofes natu- grupo social ou opiniões políticas, se en- rais ou provocadas pelo ser humano’), contram fora do país de sua nacionalida- como os atualmente intitulados ‘refugia- de e que não podem ou, em virtude desse dos ambientais’, ou seja, os indivíduos temor, não querem valer-se da proteção ou agrupamentos humanos que com- desse país, ou que, se não têm naciona- põem ondas migratórias internacionais

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em decorrência de eventos provocados único entre degradação ambiental e migra- pela natureza”.[21] ção, em razão da multiplicidade de fatos que ocasionam o fenômeno.[24] Ademais, aponta a Professora Érika Data venia, acreditamos que realmente Pires Ramos que a confusão terminológica não há, em grande parte dos exemplos de mi- entre refugiados econômicos e ambientais grações ambientais, apenas o fator ambiental serve de subterfúgio para não se garantir o envolvido[25]. Todavia, o fator ambiental, adequado tratamento jurídico aos desloca- se não é o mais importante, é um dos mais dos ambientais, uma vez que haveria grande importantes propulsores das movimentações dispêndio de ordem financeira aos Estados ambientais internacionais forçadas, direta ou e organismos internacionais. indiretamente. Além disso, a busca de uma suposta causalidade direta pode representar “A suposta confusão entre migrantes a falta de proteção jurídica para uma gama econômicos e ambientais tem servido significativa de deslocados, contra a digni- de argumento, inclusive, para não se dade da pessoa humana. adotar um estatuto específico para os ‘refugiados ambientais’, justamente em “[...] a complexidade da interação razão da sobrecarga excessiva, inclusive entre causas que geram migrações e de ordem financeira, que traria aos or- o questionamento sobre a hipótese de ganismos internacionais e aos próprios um nexo de causalidade direto entre Estados.”[22] mudanças ambientais e migrações não podem representar obstáculos à busca Em outra esteira de pensamento, auto- de soluções.”[26] res identificam outro óbice à adequação entre refugiados ambientais e refugiados: POSSÍVEIS SOLUÇÕES a necessidade da presença do nexo de causalidade entre o evento ambiental e o Acreditamos que a barreira termino- pedido de refúgio. lógica da aceitação do termo refugiado ambiental deve ser vencida, uma vez que o “[...] entende-se que a necessidade problema dos fluxos migratórios ambientais do vínculo causal entre o evento da forçados é crescente e de consequências natureza e o pedido de refúgio ‘am- nefastas à dignidade da pessoa humana. A biental’ é essencial, sendo sua ausência consciência da interdependência entre os determinante para a impossibilidade de homens e as nações deve ser observada[27], configuração e aplicação do instituto do especialmente diante da solidariedade[28]. refúgio e, assim, à consequente negativa Portanto, para se alcançar um desenvol- do gozo da proteção advinda do Direito vimento integral[29], é necessário o devido Internacional dos Refugiados ao indiví- tratamento e tutela internacional dos deslo- duo solicitante.”[23] cados ambientais internacionais forçados, denominados refugiados ambientais. Nesse sentido, acrescenta o Professor Indica a Professora Luciana Diniz Du- Richard Black que os supostos aumentos rães Pereira[30] que a melhor solução é a dos fluxos migratórios ambientais forçados criação de um Protocolo Adicional à CRER carecem de dados estatísticos conclusivos, que, por sua vez, ampliaria o conceito de além de não existir um nexo de causalidade refugiado constante no artigo 1o, § 1o, alínea

226 RMB1oT/2014 REFUGIADOS AMBIENTAIS: UMA NOVA PERSPECTIVA

‘c’, para abarcar o termo refugiado ambien- ou mesmo um diploma específico sobre tal e descartar o elemento perseguição para os refugiados ambientais, acreditamos em os deslocamentos ambientais. duas soluções para o problema. Referida solução, obviamente, encontra Inicialmente, faz-se necessária, como resistência dos Estados que compõem a medida imediata, a utilização de instrumen- comunidade internacional, como bem men- tos jurídico-internacionais já existentes, cionou a citada professora, uma vez que especialmente aqueles de direitos humanos tais Estados seriam compelidos a assumir (em especial a aplicação dos princípios de responsabilidades internacionais. solidariedade e cooperação internacional).

“Porém esta perspectiva de solução da “DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS questão da proteção jurídica dos ‘refu- DIREITOS HUMANOS giados ambientais’ encontra, na prática, [...] dois entraves. O primeiro e mais relevante Artigo XIII deles recai sobre a efetiva capacidade 1. Todo ser humano tem direito à liber- de haver consenso entre os Estados que dade de locomoção e residência dentro compõem a sociedade internacional no das fronteiras de cada Estado. sentido de anuírem à expansão do rol do 2. Todo ser humano tem o direito de dei- artigo 1o, §1o, (c) da CRER de 1951. Isto xar qualquer país, inclusive o próprio, e porque, se assim o fizerem, terão como a este regressar.”[33] consequência a ampliação de sua respon- sabilidade internacional frente às normas “CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS do Direito Internacional dos Refugiados, CAPÍTULO I em especial no que tange ao cumprimento PROPÓSITOS E PRINCÍPIOS do princípio do nonrefoulement ou da não ARTIGO 1 – Os propósitos das Nações devolução, princípio máximo da proteção Unidas são: internacional dos refugiados, o que pode [...] não ser do interesse de diversos países.”[31] Conseguir uma cooperação internacio- nal para resolver os problemas interna- Além do óbice econômico, acres- cionais de caráter econômico, social, centamos que a intensificação de atos cultural ou humanitário, e para promo- terroristas[32] vivenciados no início deste ver e estimular o respeito aos direitos século leva os Estados a impor importan- humanos e às liberdades fundamentais tes barreiras às migrações, inviabilizando, para todos, sem distinção de raça, sexo, consequentemente, qualquer acordo abran- língua ou religião.”[34] gente de migração que acolha os refugiados ambientais como refugiados. Concomitantemente a essa proteção Sem dúvida, a negociação e a aplicação jurídica reflexa, é necessária a criação de de um protocolo adicional, ou até mesmo uma nova categorização dos refugiados um tratado específico, resolveriam a ques- ambientais, tal como propõe a Professora tão. Todavia, pelo exposto, tais medidas Érika Pires Ramos: são de concretização duvidosa por parte da comunidade internacional. “Nesse sentido, apresenta-se útil à cria- Diante da resistência da comunidade ção de uma categorização ou tipologia internacional em adotar um novo protocolo para os ‘migrantes ambientais’ (desloca-

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dos internos e refugiados). Assim seria Dentro de um raciocínio humanista, no possível adotar alguma das inúmeras qual se concebe um desenvolvimento inte- definições já existentes na literatura, ex- gral, nas suas perspectivas não meramente plicitando-a por meio de subcategorias econômicas, mas sociais, culturais e espi- específicas que permitam lidar com as rituais, não há como deixar de franquear situações concretas e auxiliar a construir uma proteção eficaz a essas pessoas que se um modelo de proteção adequado, com encontram em uma situação de vulnerabi- a divisão de responsabilidade no âmbito lidade socioambiental. interno e internacional.”[35] Tendo em vista a duvidosa realização de instrumentos jurídicos específicos sobre Dessa forma, a solução que nos parece refugiados ambientais, ou até mesmo um melhor se enquadrar aos ditames do Direi- possível protocolo adicional à Convenção to Internacional e dos Direitos Humanos sobre o Estatuto dos Refugiados, necessário é, além da aceitação do termo refugiado se faz trazer à discussão soluções imediatas, ambiental, a aplicação de instrumentos não deixando os refugiados ambientais em jurídico-internacionais já existentes e a desamparo. mudança de enfoque do refugiado ambien- Acreditamos firmemente que, com tal, no sentido de considerá-lo gênero do esteio em princípios como solidariedade qual são espécies os refugiados devido a e cooperação internacional, podemos catástrofes, expropriações e deteriorações utilizar expedientes jurídicos já existentes do meio ambiente[36]. como medida de proteção a essas pessoas, independentemente da correção do termo CONCLUSÃO refugiado ambiental. Aliado a isso, acreditamos que uma nova Presente ao longo da história, os refu- categorização dos refugiados ambientais, giados ambientais ganharam destaque no tornando-os, assim, gênero, onde são subes- final das últimas décadas do século XX e pécies os refugiados devido a catástrofes, início do século XXI, tanto por superar o expropriações e deteriorações do meio número de refugiados oriundos dos con- ambiente, facilitaria a compreensão e tutela flitos armados como pelas consequências dos direitos dessas pessoas. nefastas destes deslocamentos humanos Pelo exposto, resta evidente que o na sociedade, uma vez que seus efeitos desafio pode ser superado desde que haja não respeitam fronteiras geográficas ou implementação de novos instrumentos ju- diferenças políticas, sociais ou culturais. rídicos ou mesmo a aplicação reflexa dos já O maior questionamento sobre os re- existentes em conjunto com a nova concep- fugiados ambientais é, sem dúvida, sua ção de refugiados ambientais. Todavia, de nomenclatura imprecisa, especificamente nada valerão as soluções apontadas sem que pelo fato de a Convenção sobre o Estatuto haja o reconhecimento da interdependência dos Refugiados não abarcar tal hipótese. entre os homens e sem que os membros da Todavia, é necessário tratar o tema com sociedade se reconheçam uns aos outros mais sensibilidade. como pessoas.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Ajuda Humanitária; Direito Internacional; Direitos Humanos; Política Internacional; Asilo; Refugiado;

228 RMB1oT/2014 REFUGIADOS AMBIENTAIS: UMA NOVA PERSPECTIVA

REFERÊNCIAS*

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* Os acessos às referências foram realizados pelo autor no final do mês de agosto/2013. Eventuais consultas às referências podem ser feitas ao autor.

RMB1oT/2014 229 REFUGIADOS AMBIENTAIS: UMA NOVA PERSPECTIVA

[24] BLACK, Richard. Environmental refugees: myth or reality? UNHCR Working Paper. n. 34. Geneva, March 2001 apud RAMOS, Érika Pires. Ver ref. 20, p. 81. [25] GUERRAS e suas consequências ao meio ambiente são importantes molas propulsoras de migrações ambientais forçadas. Convention on the prohibition of military or any hostile use of environmental modification techniques, 10 December 1976. International Committee of the Red Cross – ICRC. [26] RAMOS, Érika Pires. Ver ref. 20, p. 84. [27] PAPA JOÃO PAULO II. Ver ref. 1. [28] Determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum. Prática de reconhecer o outro como pessoa. [29] Desenvolvimento das dimensões econômicas, sociais, culturais e espirituais do ser humano. [30] RAMOS, André de Carvalho, RODRIGUES, Gilberto; ALMEIDA, Guilherme Assis de. (orgs.). Ver ref. 2, p. 235. [31] RAMOS, André de Carvalho, RODRIGUES, Gilberto; ALMEIDA, Guilherme Assis de. (orgs.). Ver ref. 2, p. 236. [32] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 30. [33] DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro, UNIC, dez. 2000. [34] ORGANIZATION OF AMERICAN STATES. Carta das Nações Unidas. [35] RAMOS, Érika Pires. Ver ref. 20, p. 90. [36] COURNIL, Christel. Les refugies écologiques: Quille(s) protection(s), quell(s) statu(s)? Revue du Droit Public no 4, p. 1038, juillet-août, 2006 apud RAMOS, Érika Pires. Ver rf. 20, p. 95.

230 RMB1oT/2014 BRASIL E PORTUGAL – BALUARTES MARÍTIMOS DO NOVO SÉCULO*

O mar foi o nosso caminho para o mundo, a sedução permanente da aventura, a rota fascinante do desconhecido. Rui Rasquilho

Raphael Cid Fonseca Dias Bernardo Guarda-Marinha Ramon Dantas Vaqueiro Aspirante Walmor Cristino Leite Junior Aspirante Filipe de Oliveira Lopes Aspirante

SUMÁRIO

Introdução Soberania e direito O desenvolvimento global e a segurança no mar Riquezas biológicas Desenvolvimento sustentável e poluição marinha Infraestrutura portuária e Marinha Mercante no desenvolvimento do comércio marítimo Meio ambiente marinho: seus habitantes e agentes influenciadores O fator principal: a mentalidade de uma nação Conclusão

INTRODUÇÃO são cobertos por oceanos, que somados contêm 97% da água existente no planeta eria incongruente começar a discorrer e que possuem um papel essencial para Ssobre um tema sem antes ter uma visão a regulação da vida. A vasta maioria da de sua dimensão no contexto no qual se população mundial vive a poucas centenas insere. Aproximadamente 3/4 do mundo de milhas dos oceanos e mais de 3 bilhões

* Trabalho ganhador do prêmio de melhor artigo científico do 1o escalão (Licenciatura e Mestrado) na categoria Relações Internacionais, Direito e Estratégia, no evento Jornadas do Mar, realizado de 12 a 16 de novembro de 2012, na Escola Naval de Portugal. Publicado na Revista de Villegagnon, 2013. BRASIL E PORTUGAL – BALUARTES MARÍTIMOS DO NOVO SÉCULO

de pessoas dependem da biodiversidade SOBERANIA E DIREITO marinha e costeira para sua subsistência, sendo atualmente o valor de mercado de A história da humanidade sempre esteve recursos marítimos estimado em 3 trilhões ligada ao mar. O fascínio que os oceanos de dólares. Além disso, os oceanos servem exercem sobre o homem é expresso em como a maior fonte de proteína do mundo forma de amor, respeito, terror e ódio. His- e escoadouro da maior parte do comércio tórias antigas são marcadas por naufrágios mundial. e mortes no mar, como mitos de monstros e Do ponto de vista geopolítico, segundo deuses que apareciam durante as travessias. Rosecrance (1996), após a Segunda Guer- Com o passar do tempo, a visão mítica ra Mundial um novo sistema de relações do mar deu lugar a interesses econômicos internacionais surgiu alternativamente ao e a discussões no que tange a questões sistema anterior, que vigorava desde o políticas internacionais de soberania nos Tratado de Westphalia, no qual os Estados espaços marinhos. As primeiras pretensões não se caracterizam pela capacidade de de posse surgiram na Idade Antiga – Roma adquirir e sustentar territórios, mas pela sua adotou o conceito de Mare Nostrum, isso capacidade em utilizar os oceanos para a devido ao seu domínio do Mar Mediterrâ- ampliação de suas trocas comerciais, conse- neo. Posteriormente, o advento das Grandes guindo, assim, satisfazer suas necessidades Navegações e o descobrimento de novas e escoar os excedentes da produção. Esse terras marcam o início das disputas entre novo sistema é denominado “oceânico”. Portugal e Espanha, pioneiros na explora- No presente século, o mar se (re)apre- ção marítima do Atlântico. Tais disputas senta tendo o mesmo palco de séculos atrás, culminaram na divisão do mundo entre os mas com atores diferentes, que trazem dois países, fato logo contestado por outras consigo uma nova pauta cujo enfoque deve nações que buscavam se desenvolver e considerar as novas realidades. Esses ato- conquistar novos territórios. res, que operam no cenário internacional, são vários, porém neste trabalho serão abordados dois gigantes nesse tema: Brasil e Portugal. Com a maior Zona Econômica Exclusiva (ZEE) da União Europeia, Por- tugal, em conjunto com o Brasil, que extrai do subsolo marinho 80% do petróleo à taxa de 1 milhão de barris por dia, traça rumos e delibera sobre potencialidades e desafios de seus respectivos mares, e, por isso, o presente trabalho busca trazer as diversas facetas do mar por meio de uma análise conjuntural dos aspectos marítimos e da Símbolo da Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar atualidade refletida nos dois, de maneira que, ao final, possamos criar mentalidades Inicia-se, assim, a disputa político- voltadas para a importância do mar e incutir econômica entre portugueses, espanhóis, o desejo visionário de tomarmos os nossos holandeses, franceses e ingleses para lugares, não somente de meros atores, mas determinar se o mar era suscetível de de protagonistas. apropriação ou não, culminando na querela

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jurídico-doutrinária entre Selden e Grotius, êxito. Finalmente, em 1973 começava a entre o Mare Liberum (um mar que está III Conferência das Nações Unidas sobre aberto à navegação para navios de todas as o Direito do Mar. nações) e o Mare Clausum (qualquer mar A Conferência perdurou por nove anos; ou corpo de água navegável que esteja sob após 11 sessões, a redação final da Conven- a jurisdição de um país, sendo “vedado” ção das Nações Unidas sobre o Direito no a outras nações). Já no século XVII, os Mar (CNUDM) ficou pronta em Montego defensores da livre utilização dos espaços Bay, na Jamaica. O documento traz a defini- marítimos saíram vencedores, o que origi- ção dos espaços marítimos, além dos direitos nou o princípio e a prática da liberdade dos e deveres de cada Estado para determinada mares e da livre navegação. A definição de área no mar: o mar territorial com 12 milhas, Mar Territorial surge nessa época em que a zona contígua de 24 milhas, a plataforma sua delimitação se dava a partir do alcance continental e a zona econômica exclusiva de um tiro de canhão, que equivalia à dis- de 200 milhas. Os limites da plataforma tância de três milhas. continental podem exceder 350 milhas; no Com o avanço tecnológico, o ambien- entanto, para efeitos de direito de explo- te marítimo tornou-se mais dinâmico e ração, informações pertinentes aos limites complexo, tornando- superiores a 200 milhas se integrador de dife- devem ser submetidas rentes áreas do globo, “Os espaços marítimos pelo Estado costeiro à ao invés de separá-las. intercomunicam-se Comissão de Limites da “Os espaços marítimos Plataforma Continental intercomunicam-se e e influenciam-se e é (CLPC), que avaliará influenciam-se e é im- impossível seccioná-los” as informações e reco- possível seccioná-los”.2 mendará as questões Com o passar do relativas ao assunto. tempo, o interesse por esses bens foi cres- Brasil e Portugal são exemplos de países cendo. A partir da década de 1930, come- que levaram à ONU estudos para pleitear o çaram a surgir discussões na comunidade aumento de suas respectivas plataformas internacional sobre a necessidade de criar continentais de 200 milhas para 350 milhas um mecanismo jurídico relativo ao mar. Em desde a costa. O principal objetivo para a 1945, o então Presidente norte-americano Nação brasileira é explorar recursos, como Harry Truman, em face aos interesses eco- o petróleo, existentes nessa área, haja vista nômicos ligados ao petróleo e gás, estendeu já ter apresentado, em suas pesquisas, a des- unilateralmente as dimensões do seu mar coberta de grandes reservatórios de óleo leve territorial. A Declaração de Truman trouxe sob uma camada de sal situada a cerca de 5 à tona a ideia de que o Estado litorâneo a 7 mil metros de profundidade (Pré-Sal), possui direito natural e exclusivo sobre desenvolvendo intensivamente trabalhos a plataforma continental situada em sua avançados nas pesquisas de extração desse costa. Em 1958 e em 1960, ocorreram, na recurso natural em altas profundidades. Organização das Nações Unidas (ONU), as O Projeto de Extensão da Plataforma duas primeiras conferências sobre o Direito Continental (PEPC), apresentado pelo do Mar, que, no entanto, não obtiveram governo de Portugal à CLPC, possui pers-

2 Tradução livre de International Court of Justice (1951:132).

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pectivas econômicas que permitiriam uma águas jurisdicionais e de garantir a integridade melhora no déficit da balança comercial lusa, da soberania do Estado. Para isso é necessário pois atrairia recursos estrangeiros, criaria um forte investimento na área de defesa e segu- novos postos de trabalho e levaria ao país rança, pois, conforme as palavras de Kissinger, novas oportunidades para a indústria naval. “[...] política sem respaldo da força é mero exercício da retórica”. (1999:112.) O DESENVOLVIMENTO GLOBAL As pretensões estratégicas de Portugal cla- E A SEGURANÇA NO MAR mam por uma maior projeção de poder a fim de garantir a soberania nos espaços marítimos sob O mundo pós-Guerra Fria era uma promes- a sua jurisdição. Os EUA possuem interesses sa de paz e prosperidade. Francis Fukuyama já em áreas que se estendem até Açores; em citava, em sua literatura, que “um mundo feito contrapartida, França e Espanha projetam seu de democracias liberais teria menor incentivo poder além da Península Ibérica, chegando ao para as guerras”, porém novos conflitos, como arquipélago português. Os espanhóis possuem os de Ruanda, Somália, Afeganistão e Iraque, um histórico de presença no mar lusitano, significaram a dissolução da esperança de um estando prontos para ocupar regiões caso haja mundo sem catástrofes um eventual desinteresse geradas pelo próprio estratégico de Portugal. homem. “Política sem respaldo da O Brasil também se O atual sistema preocupa com a projeção democrático liberal força é mero exercício da de poder de outros países colaborou para a con- retórica” em seu território. A reati- solidação do Estado vação da IV Frota Naval comercial, culminando dos Estados Unidos, des- na globalização da economia. A nova dinâ- mantelada em 1950, corroborou para a reflexão mica global tem avaliado cada país pela sua dos reais objetivos dos norte-americanos na capacidade de utilizar seus oceanos para a América do Sul. Isso demonstra que a políti- expansão de suas trocas comerciais, bem ca baseada em uma esquadra naval capaz de como na exploração de recursos indispen- projetar o poder americano ao redor do mundo, sáveis, como o petróleo, garantindo, assim, teorizada pelo Almirante Alfred Mahan no o desenvolvimento econômico do país. início do século XX, se aplica até os dias atuais. Portugal e Brasil são exemplos de nações Cabe aos países latinos, liderados pelo Brasil, que têm buscado no mar o subsídio para a demonstrarem que são capazes de defender e consolidação de suas economias. fiscalizar seu território, tornando a presença Essa capacidade de desenvolvimento, de grandes potências na região desnecessária. aliada às atuais ações de políticas externas, coloca-os em meio à competição global e deixa-os sujeitos a qual- quer tipo de retaliação. Isso exige que o Estado possua a capacidade de assegurar os recursos disponíveis em suas Mapa com as principais rotas marítimas e a intensidade destas no espaço temporal de um ano

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RIQUEZAS BIOLÓGICAS da população, pois, como bem disse o Almi- rante Paulo de Castro Moreira da Silva, em Devido a características ecológicas, os sua obra O desafio do mar, “a Nação é feita ecossistemas costeiros são ricos em ma- para piratas e profetas. Mas piratas e pro- téria orgânica, fato que os tornam pontos fetas, dos bons, geram-nos a Universidade. importantes para o desenvolvimento de Somente com bons piratas e bons profetas diversas espécies marinhas. A fauna e a do mar é que nos apropriaremos desse mar flora associadas a estes ecossistemas cons- com uma posse real, profunda, apaixonada, tituem significativa fonte de recursos para definitiva”. (1970:89) O principal propósito as populações humanas. da gestão de zonas costeiras, portanto, é Para utilizar os recursos naturais de otimizar os benefícios de sua utilização sem maneira racional, é preciso dispor de conhe- danificar o ambiente, preservando-o para cimentos específicos que integram diversos futuras gerações. setores. A gestão de ecossistemas tem o A legislação lusitana referente à pre- potencial de aumentar a eficiência de di- servação de ecossistemas costeiros é uma versas atividades relacionadas ao mar. Para das mais antigas. Destacam-se os planos que melhores resultados sejam atingidos, de ordenamento das zonas costeiras, que os programas de proteção, conservação e evidenciam uma clara preocupação com o gestão devem ser preferencialmente pre- planejamento integrado dessas áreas. Estes ventivos, identificando as necessidades de objetivam o ordenamento de usos e ativida- acordo com o contexto, antes que efeitos des da zona costeira por meio da proteção prejudiciais se tornem irreversíveis. Uma da integridade biofísica. A salvaguarda dos boa coordenação entre agências governa- ecossistemas, bem como a preservação do mentais é de fundamental importância para patrimônio ambiental e paisagístico, permite evitar ações contraditórias ou redundantes, o desenvolvimento de atividades econômi- pois o uso inadequado de recursos costeiros cas e das atividades de lazer e turismo, que implica reflexos negativos em sua qualidade representam 11% do PIB lusitano e empre- e utilização, gerando prejuízos na qualidade gam mais de 500 mil pessoas. de vida e na economia. Em grande parte, a O Brasil, por meio do Plano Nacional de solução para a construção de um sistema Gerenciamento Costeiro, adota medidas se- administrativo efetivo depende da participa- melhantes devido ao fato de possuir, assim ção pública. Para isso, fazem-se necessárias como Portugal, uma grande área costeira, ações de cunho educativo e conscientizador comparativamente com sua zona geográfi- ca. De acordo com a Associação Brasileira de Representantes de Empresas Marítimas, 345 milhões de dólares são movimentados apenas pelo setor de turismo.

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E POLUIÇÃO MARINHA

Inicialmente, o oceano era visto como ilimitado. Deduzia-se, então, que sua capa- Belezas do patrimônio marítimo cidade de assimilação de dejetos era infini-

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ta, no entanto o crescimento populacional e Devido ao grande avanço das taxas de po- o desenvolvimento industrial iriam alterar luição, Portugal vem tomando medidas a fim radicalmente esse quadro. De acordo com a de moldar sua legislação às necessidades do Conferência das Nações Unidas sobre Meio atual contexto mundial. Objetivando adequar Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), seu crescimento econômico a um modelo sus- desenvolvimento sustentável é: tentável, diversos planos estratégicos foram “A capacidade de corresponder às ne- desenvolvidos, tais como Plano Nacional da cessidades do presente, sem comprome- Água (PNA), Plano de Implementação da ter a habilidade das gerações futuras na Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sus- satisfação das próprias necessidades. O tentável (Piends), Programa Nacional para as desenvolvimento sustentável deve levar Alterações Climáticas (PNAC) e Estratégia em conta o equilíbrio entre as necessi- Nacional de Conservação da Natureza e da dades da sociedade, da economia e do Biodiversidade (ENCNB). meio ambiente.” (ALVES, 1999) O Brasil foi o primeiro país a assinar a Convenção sobre a diversidade biológica, fato que gerou a criação do Programa Nacional da Diversidade Biológica (Pro- nabio), visando promover parceria entre o poder público e a sociedade civil na conservação da diversidade biológica, na utilização sustentável de seus componentes e na repartição justa e equitativa dos bene- fícios dela decorrentes.

INFRAESTRUTURA PORTUÁRIA E MARINHA MERCANTE NO DESENVOLVIMENTO DO COMÉRCIO MARÍTIMO Parque de geração de energia eólica Em função de seu papel como regulador Com o crescimento do comércio mun- climático, meio de transporte e reserva de dial por meio da globalização, o transporte biodiversidade em escala global, percebe- marítimo apresentou-se como a mais se a importância de políticas de exploração eficiente ferramenta de desenvolvimento sustentável em nível internacional. econômico das nações, devido à possibili-

À esquerda, o maior petroleiro do mundo; à direita, o maior cargueiro – símbolos do avanço da indústria naval e da quebra de paradigmas em infraestrutura portuária

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dade de permitir deslocar cargas de grandes Observando ainda a nação auriverde, tamanho e peso com reduzidos custos, em constata-se a notoriedade do crescimento do comparação com o transporte aéreo ou setor petrolífero, que, por sua vez, pode vir a terrestre para deslocações intercontinentais. corroborar para o estabelecimento de um setor Além disso, incidem sobre essa atividade de construção naval permanente e sustentável, os efeitos decorrentes da liberalização, das diante dos desafios do cenário internacional. A tendências internacionalistas e do vertigi- afirmativa de tal magnitude pode ser realizada, noso crescimento da concorrência. haja vista o frenesi da demanda por navios de Nas últimas décadas, observa-se uma apoio logístico às plataformas e embarcações intensa e progressiva substituição de registros offshore. Em contrapartida, seu setor de manu- tradicionais por aqueles de bandeiras de con- tenção naval ainda é incipiente, caro e escasso, veniência, já que esses oferecem uma série de sendo preferível, em grande parte dos casos, vantagens tributárias e realizar os reparos no ex- fiscais à tripulação e ao terior. Deve-se, portanto, navio. Reduzem-se, des- A participação de navios investir em um parque in- sa forma, os gastos com brasileiros no comércio dustrial específico desse operação e mantém-se ramo e compatível com o compromisso com a internacional beira apenas as demandas de uma competitividade. Entre- 0,01 do total realizado, frota em ascensão. tanto, devido ao caráter Ainda sob a ótica estratégico de se possuir perdendo cerca de 7,5 do compromisso com frotas nacionais fortes, bilhões de dólares ao ano a eficiência, nas últi- muitas das grandes na- com frete mas décadas ocorre o ções oceânicas lança- fenômeno crescente da ram mão de políticas conteinerização, que, públicas que incentivam o registro nacional e ao padronizar a forma de se armazenar as de medidas que melhoram a qualidade de seu mercadorias para seu transporte, possibili- transporte marítimo e asseguram sua compe- tou a construção de navios maiores e mais titividade, atenuando o primeiro fenômeno. robustos. Além disso, buscam-se formas de No Brasil, o mar é palco de aproxima- se realizar carga e descarga cada vez mais damente 95% das trocas com o exterior. A rapidamente. As necessidades descritas de- despeito disso, a participação de seus navios mandam atualmente maiores investimentos no comércio internacional beira apenas 0,01 do nos portos, a fim de que se possa criar uma total realizado, perdendo cerca de 7,5 bilhões infraestrutura logística de qualidade a eles de dólares ao ano com frete de embarcações associada e de que possam exercer corre- para empresas estrangeiras. O Registro Espe- tamente seu papel no comércio marítimo. cial Brasileiro deixa a desejar ao não incluir importantes pontos de natureza fiscal e tri- MEIO AMBIENTE MARINHO: butária, que são utilizados por outras nações SEUS HABITANTES E AGENTES como fortes incentivadores. A navegação de INFLUENCIADORES cabotagem, por outro lado, é beneficiada com uma proteção legal que viria a alavancar o É imperativo para o estudo da biotecnolo- retorno de uma frota mercante forte, se não gia marinha entender o seu conceito; para tal, fosse a concorrência realizada pelos caminhões a convenção sobre a diversidade biológica e a mentalidade rodoviarista vigente no País. da Organização das Nações Unidas, em

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1992, definiu biotecnologia como “qualquer Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar aplicação tecnológica que utilize sistemas (Emam), que advoga em favor da expansão da biológicos, organismos vivos ou seus deri- plataforma continental e da capacidade de se- vados para fabricar ou modificar produtos diar organismos internacionais ligados ao mar. ou processos para a utilização específica”3. As movimentações oceânicas têm papel Diante das potencialidades ainda inex- fundamental na amenização e na estabilização ploradas dos oceanos, torna-se indispensá- das temperaturas, além de serem um dos mais vel a evolução de “[...] métodos ou formas importantes sumidouros de gás carbônico de localizar, avaliar e explorar, sistemática (CO2) por processos turbulentos na superfície e legalmente, a diversidade de vida exis- marítima, renovando os gases atmosféricos. tente, tendo como principal finalidade a Até recentemente, pouca atenção era dispen- busca de recursos genéticos, bioquímicos sada à importância dos oceanos como agente e químicos [...]” (CEMBRA, 2012:409). influenciador direto no clima, porém estudos A análise da conjuntura marítima, cres- indicam que a absorção do CO2 pelos oceanos cente sob o enfoque da Ciência, Tecnologia e se reduziu pela metade nos últimos 15 anos e Inovação (C,T&I), deve, antes de tudo, partir que está ocorrendo, e possivelmente progrida, de pontos basilares, que são: o entendimento o aumento da massa oceânica devido ao degelo do novo cenário criado pela CNUDM, ciência das geleiras continentais e das calotas polares. das responsabilidades assumidas e os novos O efeito combinado dos diversos fatores desafios impostos. Nesse rumo, seguem com causados pelo aumento da temperatura média gradual avanço os governos brasileiro e por- impactará os oceanos e sua movimentação, tuguês, cujos êxitos são vários. No Brasil, a sendo até considerada a hipótese de o Hemis- mobilização de esforços opera em duas ver- fério Norte viver uma nova era glacial. tentes: a primeira no sentido de maximizar os Em face ao exposto, estudos vêm sendo conhecimentos científicos, e a outra no sentido empreendidos por Portugal, especialmente de desenvolver tecnologias para as áreas de no que diz respeito às oscilações do Atlântico conhecimento científico. Em 2009, houve um Norte (NAO), pois estas afetam diretamente aumento pouco superior a 100% em relação os índices de variabilidade da atmosfera, que ao valor anteriormente investido em editais influenciam nas precipitações e temperaturas que aprovaram tecnologia, desenvolveu-se o médias. Este assunto é citado na Estratégia satélite Sabiá-Mar, que é destinado à obser- Nacional para o Mar como um ponto de mere- vação global dos mares e oceanos, além de cido destaque na atual conjuntura portuguesa. monitoramento na região oceânica nas áreas O Brasil vem desenvolvendo, para estudo do próximas ao Brasil e à Argentina, e foram Atlântico, medidas como o Programa Nacional aplicados cada vez mais recursos no Programa de Boias (PNBoia) e o Programa Pirata, entre Antártico Brasileiro (Proantar), que envolve outras iniciativas como o consórcio South pesquisas sobre o clima da região. American Climate Change (SACC), em con- Passo fundamental e importante nesse junto com Argentina, Uruguai, Chile e EUA. sentido dá o governo português ao criar o A Marinha do Brasil desempenha um precioso Programa Dinamizador das Ciências e Tec- papel na contribuição para o fornecimento de nologias do Mar (PDCTM) para o estudo de informações nesse ramo, uma vez que “[...] sua ZEE e para o desenvolvimento de bases dispomos hoje de muito mais dados que no científicas, entre outros fins. Citam-se ainda a passado sobre a interface ar-mar, a qual é real-

3 Disponível em http://www.mma.gov.br/sitio/index. php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=72&idConteudo=

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mente o coração do sistema meteorológico do que se torna estéril sem o estímulo à ação globo [...]” (SEIBOLD, 1985: 278). por parte da população. Os fatores contri- buintes para o surgimento da mentalidade O FATOR PRINCIPAL: A marítima e esta por si mesma se relacionam MENTALIDADE DE UMA NAÇÃO e se influenciam mutuamente, isto é, a men- talidade marítima é tanto produto quanto No processo de desenvolvimento, há de causa de tais fatores. Dada é a importância sempre considerar como pedra fundamental desta mentalidade para Oliveira (1989), que os avanços alcançados pelo seu povo, de a mesma figura entre os fatores influencia- forma que, para as grandes nações, é incon- dores do poder marítimo; tais fatores são: cebível um descompasso entre esses dois uso do litoral e distribuição populacional, elementos. Por expansão de conceito, as na- posição geográfica, configuração física, ções oceânicas devem sobremaneira buscar produção e escoamento desta, clima e lograr espaços para uma mentalidade voltada mentalidade marítima. para o mar, diante da importância que cada Iniciativas resolutas vêm sendo toma- vez mais os oceanos vêm ganhando. das pelas autoridades brasileiras, como o Promar, que estimula, por meio de ações concretas, tal mentalidade. Realçam-se as diferenças de visão: enquanto no Brasil “os caranguejos ainda arranham as costas” e o foco se volta para as praias, em Portugal as tradições marinheiras se voltam, com poetas, como Fernando Pessoa em seu poema “Mar Português”, para a imensidão do mar. Como prioridade, deve-se procurar desenvolver e estimular a inovação e a par- Grupo de Escoteiros do Mar em visita ao Navio- Veleiro Cisne Branco ticipação dos diversos setores da sociedade, buscando salvaguardar os mares e costas e Segundo o Programa de Mentalidade ir ao encontro de nossas novas realidades Marítima (Promar) da Marinha do Brasil, estabelecidas pela CNUDM para ambos mentalidade marítima “[...] é a convicção ou os países. crença, individual ou coletiva, da importância Para a nação portuguesa, o mar sempre do mar para a nação brasileira e o desenvolvi- teve uma grande importância cultural, ten- mento de hábitos, atitudes, comportamentos do deixado sua marca na história do país, ou vontade de agir no sentido de utilizar, de e esse legado não só se limitou a mudar o forma sustentável, as potencialidades do mar.”4 rumo de toda uma pátria, mas se expandiu Com essa definição, evidenciam-se pelos quatro cantos do mundo, divulgando a proeminência da vontade de agir da a cultura lusitana e deixando uma língua sociedade como força motriz da nação e falada por oito países. Dessa forma, não objetivo fim das mais diversas medidas go- se pode negar os laços que a sociedade vernamentais, pois não basta aos governos portuguesa tem com o mar e a influência buscarem ampliar a divulgação do conhe- que os oceanos tiveram e ainda têm na cimento do tema sem ter a consciência de mentalidade e nas vontades nacionais.

4 Disponível em http://www.mar.mil.br/secirm/promar.htm

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CONCLUSÃO neste artigo, como é reforçado pelo próprio preâmbulo da CNUDM quando diz que “os Na primavera do século XXI, o mar surge problemas dos espaços oceânicos estão como estandarte, trazendo consigo direitos estreitamente inter-relacionados e devem e responsabilidades, grandeza e glória, ser considerados como um todo”. autonomia e poder para aquelas nações que Ao lançar-se sobre a imensidão azul dos não se furtam de investir na exploração oceanos, o império luso registrou na história das potencialidades da imensidão azul dos sua marca distinta, conquistando inúmeros oceanos, pois sabem que podem esperar territórios no além-mar, fruto de um momen- no esplendor dos mares o reflexo de uma to clímax da odisseia portuguesa. Podemos soberania nacional e da nobreza de um povo. entender o Brasil como o principal herdeiro Segundo o Centro de Desenvolvimento, do legado marítimo português, legado este Conceitos e Doutrina do Ministério da De- que se faz manifesto até nos elementos mais fesa do Reino Unido, no contexto do mar basilares e significativos da cultura do povo haverá dois grandes tópicos em 2025: o brasileiro: a sua língua portuguesa. crescimento da cobiça nos oceanos e o au- Como afirmou Rui Rasquilho: “É por via mento da complexidade do litoral. Devido do mar que milhões de pessoas de inúmeros a essa previsão, pode-se julgar inconcebível países e regiões do mundo pensam e falam um país cujas metas e prioridades em pauta em português, e não têm qualquer dúvida em na atualidade se voltam de costas para o considerar como sua parte da história deste mar. O futuro se faz no presente. Iniciativas povo antigo [povo português], que soube devem ser tomadas e desenvolvidas levan- encontrar as suas fronteiras territoriais muito do sempre em consideração a natureza sis- antes de qualquer outro país Europeu”.5 têmica na qual se encontram entrelaçados De um lado, no Atlântico Norte, Por- os diversos fatores e agentes apresentados tugal. Do outro lado, no Atlântico Sul, o Brasil. Nações interligadas por um legado histórico que conta para nós a importância do mar na nossa jornada até hoje e que têm como caminho direto o Atlântico, oceano este que nos torna vizinhos. Como disse Ce- cília Meirelles, “foi desde sempre o mar”, e nessa singradura é que se põem os gigantes marítimos, Portugal e Brasil, reivindicando o mar como vetor fundamental da constitui- ção de seus países, já que o mar, para nós, é uma vocação que foi escrita pela maestria do destino como a derrota fundamental e Brasil e Portugal: O Atlântico como projeção de um inevitável na qual estamos rumando em futuro promissor busca de bons ventos e mares tranquilos.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Estratégia; Geopolítica; História de Portugal; História do Brasil; Marinha; Oceanopolítica; Poder marítimo;

5 Disponível em http://espreitador.blogspot.com.br/2005/09/portugal-e-o-mar.html

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RMB1oT/2014 241 OPERAÇÃO DÍNAMO: COMO O PODER MARÍTIMO SALVOU A GRÃ-BRETANHA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL*

Devemos ter muito cuidado para não atribuir a esta retirada os atributos de uma vitória. As guerras não são vencidas por evacuações. Winston Churchill

Arthur Janeiro Campos Nuñez Aspirante

SUMÁRIO

Introdução Os personagens O milagre de Dunquerque Conclusão INTRODUÇÃO ingleses e parte de tropas francesas e belgas ao norte, e franceses ao sul, o que facilitou m 10 de maio de 1940, os exércitos o combate para os alemães. Tendo em vista Edo Terceiro Reich invadiram a França o enorme risco que corria, o comandante da e avançaram rapidamente sobre as Forças Força Expedicionária Britânica, Lord Gort, Aliadas, devido à falta de resistência aliada não obedeceu às ordens de fazer um ataque e à excessiva confiança francesa na Linha aos alemães e posicionou suas tropas ao longo Maginot, que se mostrou incapaz de deter o da costa, garantindo posições em Dunquerque Exército alemão na fronteira. Em apenas dez e Calais, pensando em uma possível retirada. dias de combate, tanques alemães chegaram Até que, finalmente, no dia 26 de maio, foi ao Canal da Mancha em Abbeville, dividin- dado início à Operação Dínamo, mais conhe- do os exércitos aliados em dois. Agora os cida como o “Milagre de Dunquerque”, sob exércitos aliados lutavam em separado, os o comando do Almirante Bertram Ramsay.

* Publicado na Revista de Villegagnon de 2012. OPERAÇÃO DÍNAMO: COMO O PODER MARÍTIMO SALVOU A GRÃ-BRETANHA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Aspectos da Retirada

OS PERSONAGENS

Lord Gort – John Standish Surtees Pren- dergast Vereker, sexto Visconde de Gort, nasceu em Londres, em 1886. Por ter ascen- dência nobre, ingressou no Royal Military College, onde foi comissionado grenadier guard depois de formado, em 1905. Durante a Primeira Guerra Mundial, Gort destacou-se várias vezes em combate, recebendo a Military Cross no decorrer do conflito e, em 27 de setembro de 1918, a Victoria Cross (a mais alta condecoração militar britânica) pelos feitos na Batalha do Canal Du Nord. Lord Gort Após a guerra, Gort foi transferido para o Staff College e promovido a coro- seus superiores em relação à sua rara nel em abril de 1926. Em junho de 1928, competência administrativa e grande co- foi nomeado commander of the Order of nhecimento militar. the British Empire e, dois anos depois, Em 1938, apresentou um relatório so- assumiu o comando do Guards Brigade, bre o Exército britânico, antecipando que, mostrando, assim, o reconhecimento de no caso de um ataque alemão à França e

RMB1oT/2014 243 OPERAÇÃO DÍNAMO: COMO O PODER MARÍTIMO SALVOU A GRÃ-BRETANHA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

aos Países Baixos, a Inglaterra não teria a capacidade de defender seus aliados no continente. Pelo seu profundo conheci- mento sobre o Exército inglês e acerca do inimigo, foi-lhe concedido o Comando da Força Expedicionária Britânica e a patente temporária de marechal. Durante a guerra, ainda iria presenciar a rendição italiana assinada pelo Marechal Badoglio. Gover- nou Gibraltar em 1941-1942 e exerceu o governo de Malta de 1942 a 1944. Em fevereiro de 1946, veio a falecer devido a um câncer, sem deixar herdeiros. Almirante Ramsay – O Almirante Sir Bertram Ramsay nasceu em 1883. Entrou para a Royal Navy como aos 16 anos, onde serviu por dois anos no famo- so Encouraçado Dreadnought. Posterior- mente foi qualificado como oficial, sendo designado para o recém-criado Naval War College. Durante a Primeira Guerra Mun- dial, serviu embarcado na Grande Frota, que tinha como responsabilidade proteger o porto de Dover e dissuadir qualquer tentativa de um ataque naval à Inglaterra. No período entre guerras, lecionou no Imperial Defence College. Em 1935, foi promovido a contra-almirante e tornou-se chefe do Estado-Maior da Home Fleet (frota que defendia as águas territoriais inglesas). Mais tarde, após confronto de ideias com o Almirante Sir Roger Backhouse, renunciou ao cargo, passando para a reserva em 1938. Almirante Ramsay Com a eclosão da Segunda Guerra Mun- dial, foi chamado de volta ao serviço ativo. papel fundamental no desembarque das Pelo sólido conhecimento dos meios navais tropas na Normandia. Sua brilhante carreira britânicos, familiarização com o porto de Do- foi interrompida em 2 de janeiro de 1945 ver e determinação raramente igualada, foi- em um acidente de avião a caminho de uma lhe dado o comando da Operação Dínamo. conferência em Bruxelas. Em 1942, Ramsay comandou as forças navais da Operacão Torch com o propósi- O MILAGRE DE DUNQUERQUE to de apoiar as tropas aliadas no norte da África. Em 1944, foi-lhe dado o comando A Operação Dínamo foi colocada em prá- da Força Naval Expedicionária Aliada para tica logo no dia 26 de maio, quando a situa- a invasão da França, ocasião em que teve ção britânica era bastante delicada. Por isso,

244 RMB1oT/2014 OPERAÇÃO DÍNAMO: COMO O PODER MARÍTIMO SALVOU A GRÃ-BRETANHA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

estava claro que, para conseguir retirar as miúdas. E justamente esse último tipo de tropas a tempo, seria necessário um grande embarcação foi vital na operação, pois as número de embarcações para o trabalho nas águas ao redor de Dunquerque eram rasas praias, além de navios maiores que pudes- e o porto estava sob forte bombardeio da sem carregar no porto de Dunquerque. Por artilharia alemã. sugestão de H. C. Riggs, do Ministério da Apesar de terem conseguido um conside- Navegação, as várias marinas, de Tedding- rável número de embarcações, o cenário ainda ton e Brightlingsea, foram vasculhadas por era catastrófico para o Almirante Ramsay, oficiais do Almirantado, e mais de 40 barcos pois existia uma quantidade enorme de ho- a motor ou lanchas aproveitáveis foram mens e equipamentos a serem salvos e, uma reunidos em Sheerness. Ao mesmo tempo, vez que os navios fossem carregados, eles reuniram botes salva-vidas dos cargueiros tinham que escapar dos bancos de areia ao de linha das docas de Londres, rebocadores largo da costa francesa. Isso significava que do Tâmisa, iates, barcos pesqueiros, chatas, os navios teriam que navegar uma distância barcaças e barcos de passeio – tudo o que maior do que a esperada para chegar até o pudesse ser útil ao longo das praias foi porto de Dover. requisitado. Na noite de 27 de maio, uma Tentando resolver esse entrave, o Al- grande profusão de embarcações de peque- mirantado utilizou a “Rota Z”, de menos no porte começou a deslizar em direção às de 39 milhas náuticas, mas esse caminho praias de Dunquerque. Assim começava um logo se tornaria vulnerável aos ataques esforço hercúleo da Royal Navy, da Marinha de baterias alemãs instaladas em Calais Mercante britânica, da Royal Air Force (que (que foi tomado dos britânicos no dia 28 teve como tarefa impedir os ataques da Luf- de maio). O Almirante Ramsay foi então twaffe) e até mesmo dos civis que pudessem forçado a utilizar a “Rota Y”, de 87 milhas ajudar pilotando suas próprias embarcações náuticas, que foi logo abandonada, visto o

RMB1oT/2014 245 OPERAÇÃO DÍNAMO: COMO O PODER MARÍTIMO SALVOU A GRÃ-BRETANHA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

longo tempo sob a exposição ao fogo aéreo visto que o núcleo profissional do Exército inimigo e a constante ameaça dos subma- britânico foi salvo, e Hitler perdeu a chance rinos alemães. A rota final foi a “Rota X”, de dar um golpe fatal nas tropas aliadas e de 55 milhas náuticas. acabar com o seu moral. Apesar das dificuldades, os ingleses conseguiram resgatar mais de 338 mil CONCLUSÃO homens, um número muito maior do que a expectativa inicial do Almirante Ramsay, O “Milagre de Dunquerque” só foi pos- de apenas 45 mil. A maioria dos homens sível graças à decisão corajosa de Lord Gort foi resgatada por pequenos barcos que e, principalmente, à incrível capacidade do chegavam até a praia de Dunquerque e os Poder Marítimo britânico de cumprir uma levavam até navios maiores posicionados missão extremamente complicada empre- em alto-mar. gando todos os meios possíveis, mostrando As consequências desse episódio foram que até mesmo barcos de pesca e chatas fundamentais para o desenrolar da guerra, podem ser úteis em operações de guerra.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Segunda Guerra Mundial; Dunquerque;

REFERÊNCIAS

CHURCHILL, Winston S. Memórias da Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fron- teira, 1995. DILDY, Douglas C. Dunkirk 1940: Operation Dynamo. Osprey, 2010.

246 RMB1oT/2014 ARTIGOS AVULSOS

Esta seção divulga os artigos que não puderam ser publicados – na íntegra – na RMB e que passarão a fazer parte do acervo da Biblioteca da Marinha. Aqui são apresentados o título, o autor, posto, cargo ou função, número de páginas do trabalho completo, classificação para índice remissivo e o resumo do artigo.

UMA INTERPRETAÇÃO DOS MOTIVOS DA INTERVENÇÃO MILITAR FRANCESA NO MALI, EM 2013, SOB A ÓTICA DO MÉTODO DIATÓPICO DE YVES LACOSTE1

MARCIO PRAGANA PATRIOTA Capitão de Corveta (FN)

Número de páginas: 43 Identificação: AV 054/14 – s/no – RMB 1o/2014 CIR: ; Intervenção; Geopolítica; Crise; Mali; França; África;

Em janeiro de 2012, a rebelião ocorrida no Mali foi assunto na mídia mundial. Estado africano pouco relevante no cenário internacional, o Mali sofreu uma tentativa de divisão de seu território por parte de tribos tuaregues e de grupos armados radicais islâmi- cos. As tribos tuaregues tentaram dividir o país em dois, criando um Estado Tuaregue ao norte, enquanto os grupos radicais islâmicos se aproveitaram dessa situação para atingir

1 Adaptado do trabalho de conclusão do Curso de Estado-Maior para Oficiais Superiores (C-EMOS) de 2013, apresentado pelo autor à Escola de Guerra Naval. ARTIGOS AVULSOS

seus objetivos (entre estes o terrorismo), colaborando com os tuaregues. Sem condições de enfrentar essa rebelião sozinho, o governo do Mali buscou ajuda junto ao governo francês. Este, em 11 de janeiro de 2013, garantiu o apoio de forças militares francesas às unidades militares do Mali para lutar contra tais ameaças. Segundo o presidente francês, essa ação não se tratava de cuidar dos interesses fundamentais da França, mas de combater a agressão terrorista e zelar pelos direitos da população do Mali, que, em suas palavras, desejaria viver livre e na democracia. Iniciou-se, a partir de então, a intervenção militar francesa no Mali. Apesar da declaração do presidente francês, mencionada no parágrafo anterior, qual seria o real inte- resse da França nessa intervenção? Existe, por trás da declaração de combate ao terrorismo e de garantia da democracia e da liberdade da população de uma ex-colônia, um ou mais interesses ocultos? É essa a pergunta a que este trabalho tentará responder. Além dessa finalidade, o artigo também busca atingir dois propósitos secundários. O primeiro deles é contribuir para a compreensão de como a França, Estado que possui território fronteiriço ao Brasil, se encontra agindo no cenário internacional. O outro propósito secundário é divulgar o Método Diatópico, proposto por Yves Lacoste (nascido em Fez, no Marrocos, em 1929), como ferramenta para entendimento dos fenômenos geopolíticos.

248 RMB1oT/2014 DOAÇÕES À DPHDM JANEIRO A MARÇO DE 2014

DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECA DA MARINHA

DOADORES

Coronel de Cavalaria Eduardo Scalzilli Pantoja Sra. Aletta Maria B. T. Livramento de Oliveira Sr. Durval de Noronha Goyos Jr. Sr. André Amaro da Silveira Sr. Reis de Souza Sr. Luís Severiano Soares Rodrigues Sr. Kenneth Henry Lionel Light Marinha Italiana Marinha Espanhola Marinha Portuguesa Marinha Alemã Diretoria de Portos e Costas (DPC) Escola Naval Serviço de Seleção do Pessoal da Marinha Comando da Força Aeronaval Centro de Análise de Sistemas Navais (Casnav) Centro de Instrução e Adestramento Almirante Attila Monteiro Aché Instituto de História y Cultura Naval Armada Espanhola Naval War College Sociedad Económica de Amigos del País (Cuba) Armada del Ecuador – Instituto de Historia Maritima CA Carlos Monteverde Granados International Maritime Organizations (IMO) Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Universidade de São Paulo – Escola de Comunicações e Artes Fundação Alexandre Gusmão (Funag) Secretaria de Recursos Humanos Gabinete do Senador Abdias Nascimento Ministério Público do Estado de Minas Gerais Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo Editora Quebra-Mar Laboratório Especial de História Instituto Butantan Ministério da Justiça Conselho Federal de Educação Física Museu Nacional de Arqueologia Subacuática (Arqua) Ministério do Trabalho e Emprego – Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – Fundacentro Editora Guia de Fornecedores Ltda. DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDoS

LIVROS E PERIÓDICOS RECEBIDOS

ALEMANHA Revista da Armada – v. 63, no 477, ago/2013 (periódico) Revista da Armada – v. 62, no 474, mai/2013 (periódico) ASHER Rare Books e Antiquariaat Forum – (folheto) Naval Forces – v. 34 (periódico)

CUBA Revista Bimestre Cubana de la Sociedad Económica de Amigos del País – v. 113, no 38, jan/jun 2013 (periódico)

ESPANHA Revista General de Marina – Tomo 264, mai/2013 (periódico) Revista General de Marina – Tomo 265, jul/2013 (periódico) Revista General de Marina – Tomo 264, jun/2013 (periódico) Revista General de Marina – Tomo 265, ago/2013 (periódico) Separata de la Revista de História Naval – no 121/2013 (periódico) Revista de História Naval – v. 31, no 120/2013, 2 ex. (periódico) Revista de História Naval – v. 31, no 121/2013 (periódico) Revista de História Naval – v. 31, no 122/2013, 2 ex. (periódico)

ESTADOS UNIDOS Naval History (Supplment to Procedings Magazine – v. 27, no 2, abr/2013 (periódico) Naval War College Review – v. 66, no 3, Summer/2013

FILIPINAS Portfolio 25 anos – out/2013

HOLANDA Revista Europea de Estudios Latinoamericanos y del Caribe – no 95, out/2013 (periódico)

INGLATERRA Inside DSEI – no 4, nov/2013 (periódico) Guidelines for the Implementations of Marpol Annex V Edition – 2012 (livro) Navtex Manual Edition – 2012 (livro) Guidance Document on the Implementation of an Incident Management System (IMS) – 2012 (livro) Guideline for Oil Spill Response in Fast Currents Edition – 2013 (livro) Marpol Annex VI and NTC 2008 With Guidelines for Implementation Edition – 2013 (livro) Goal-Based Ship Construction Standarsds for Bulk Carries and Oil Tankers and related Guidelines edition – 2013 (livro) Marpol How to do it Edition – 2013 (livro) Iamsar – Manual International Aeronautical and Maritime Search and Rescue Manual

250 RMB1oT/2014 DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDoS

– Organization and Management vol. I – Edition – 2013 (livro) Iamsar – Manual International Aeronautical and Maritime Search and Rescue Manual – Mission Co-Ordination vol. II – Edition – 2013 (livro) A27 – Resolutions and other Decisions or the 27th Assembly Resolutions 1033-1059, 21-30 November – 2011 (livro)

ITÁLIA Rivista Maritima – jun/2013, v. 146 (periódico) Rivista Maritima – abr/2013, v. 146 (periódico)

PERU La Marina de Todos los Peruanos – (periódico)

PORTUGAL Pela Lei e Pela Grei – v. 25, no 97, jan/mar/2013 (periódico)

BRASIL Cadernos de História da Ciência Instituto Butantan – v. 8, no 1, jan/jun 2012 (periódico) (HNMD) Portos e Navios – v. 55, no 635/dez. 2013; v. 55, no 636/jan. 2014; v. 55, no 637/fev. 2014; v. 56, no 638, mar./2014 (periódico) Informativo Marítimo Diretoria de Portos e Costas – v. 20, no 4, out./dez. 2012; v. 21, no 1, jan./abr 2013 (periódico) O Amazonas – Breve Resposta à Memória do Tenente da Armada Americana-Inglesa F. Maury sobre as Vantagens da Livre Navegação do Amazonas – (livro 2013) Revista da Armada – v. 36, no 406, mar./2007; v. 62, no 474, mai./2013; v. 63, no 477, ago./2013 (periódico) Tecnologia Militar – v. 35, no 3/2013 (periódico) Revista de Marinha – v. 76, no 974, jul/ago. 2013, 2 ex.; v. 76, no 975, set./out. 2013; no 976, nov./dez 2013 (periódico) Jornal da UFRN – v. 15, no 57, jan./2013; v.15, no 61, mai./2013; v. 15, no 62, jun./2013; v. 15, no 63, jul./2013 Cadernos do CHDD – v. 12, no 22, 1o sem./2013 Coleção Barão do Rio Branco – Introdução às obras do Barão do Rio Branco – livro/2012 I – Questões de limites – República Argentina – livro/2012 II – Questões de limites – Guiana Inglesa – livro/2012 III – Questões de limites – Guiana Francesa – 1a Memória, livro/2012 IV – Questões de limites – Guiana Francesa – 2a Memória, livro/2012 V – Questões de limites – Exposições de Motivos – livro/2012 VI – A e B Efemérides Brasileirasa – livro/2012 VII – Biografias – livro/2012 VIII – Estudos Históricos – livro/2012 IX – Discursos – livro/2012 X – Artigos de Imprensa – livro/2012

RMB1oT/2014 251 DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDoS

Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico/UFMG – vol. XX, Tomo 1; vol. XX, Tomo 2 (periódicos/2011) A Defesa Nacional – v. 101, no 822, out/2013 (periódico) A Colonização do Sudeste, A Prevalência Italiana – livro/2012 Meridiani – v. 2, no 12 – periódico Mares da Lusofonia III Congresso – mai./2013, folheto O Premio Nobel: Ideias Mudando o Mundo – livro/2013 Arsenal de Narinha do Rio de Janeiro 250 anos – livro Jornal Transpetro – v. 12, no 113 Ideias em Destaque – no 41, mai./ago 2013 Almanaque de Petrópolis – no 3, mar./2012, periódico Revista de Administração em Saúde – v. 15, no 59, periódico Debora Colker Companhia de Dança – livro Coleção Affonso Penna Junior – Exposição Livros Raros e Valiosos do Ministério da Justiça – folheto/2013 A Campanha da Força Expedicionária Basileira pela Libertação da Itália – livro/2013 90 Anos de Histórias 1922-2012 Museu Histórico Nacional – livro/2013 Museu Histórico Nacional – livro/2013 Thoth Escriba dos Deuses Pensamento dos Povos Africanos e Afrodescendentes – no 1, jan./abr., 1997; no 2, mai./ago., 1997; no 3, set./dez., 1997; no 4, jan./abr., 1998; no 5, mai./ago., 1998; no 6, set./dez., 1998, revista Os Enigmas do Nome na Interface Lógica Semântica Pregmática Bases para o Desempenho no Ciclismo da Avaliação à Estratégia de Prova A Amazônia Azul Política, Estratégia e Direito para o Oceano do Brasil Estudos Oceanográficos: do Instrumental ao Prático Imagens da Ciência – O Acervo do Museu de Astronomia e Ciência Afins Chile Território Marítimo – livro/2002 A Marinha Mercante na Segunda Guerra – Recordações de sua Luta – livro/1993 Termos Náuticos – Inglês – Português – vol. 1, 5a ed., livro/1981 Comentários à Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário – 2a ed., livro/1998 Regulamento Internacional para Evitar Abalroamento no Mar – Ripeam-72, livro/1996 Arquivo & Administração – Publicação Oficial da Associação dos Arquivistas Brasileiros – v. 4, no 1, jan./jun., 2005, 2 ex; v. 4, no 2, jul./dez., 2005, 2 ex., periódico Escola de Guerra Naval “1o Ciclo Internacional de Conferências Sobre o Poder Marítimo” – livro/2005 Código Internacional de Sinais – livro Meteorologia para Navegantes – livro Radiotelefonia Marítima – livro/1994 The United States Navy in World War – livro/1966 Allied Escort Ships of World War II – livro/1977 The Scottish Islands – livro/1952 Jack Nastyface – Memoirs of an Englshi Seaman The Boats – livro/1975 La Terreur des Mers – Mes Aventures em Sous-Marin 1914-1918 – livro/1931 La Marine Russe Dans la Guerre et Dans la Revolution 1914-1918 – livro/1928

252 RMB1oT/2014 DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDoS

Le Quadrille Des Mers de Chine – livro/1935 Apontamentos para a História da Marinha de Guerra Brasileira – livro/1881 A Marinha D’Outr’ora – livro O Dever do Momento – livro A Galera – v. 1, no 1, abr./1925; v. 1, no 2, mai./1925; v. 1, no 3, jun./1925; v. 1, no 4, jul./1925; v. 1, no 5, set./1925; v. 1, no 6, out./1925; v. 1, no 7/8, dez./1925 (periódico, 4 ex.); v. 2, no 9, abr./1926; v. 2, no 10/11, mai./jun., 1926; v. 2, no 2, jul/1926; v. 2, no 13, ago./1926; v. 2, no 14/15, set./out., 1926; v. 2, no 16, nov./1926 Periódico) Procedings – dez./1982; mai./1983, periódico Os Submarinos na Marinha Portuguesa – livro/2010; 2011 Pag Mar – v. 2, no 2, 2014, periódico Revista Jurídica De Jure – jul./dez. 2013, vol. 12, no 21, 2 ex. periódico Revista Educação Física – v. 12, no 50, dez./2013, periódico Revista da Aviação Naval – v. 44, no 74, nov./2013, periódico O Mosteiro de São Bento da Bahia – livro/2011 Revista Casnav – no 2 Marginais do Poder – livro/2013 Tecnologia e Defesa – v. 30, no 135, periódico Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão – no 21/1998; no 27/2007; no 28/2008 (periódico) Atlas do Esporte no Maranhão – Memória(s) do Esporte, Lazer e Educação Física – vol. 5, livro/2013 Upaon-Açu – São Luís 400 anos – Fotografias – livro/2011 Carta Mensal – dez./2013, no 705, periódico O Império em Brasília – 190 anos da Assembleia Constituinte de 1823 – livro/2013 A Galera – no 162, periódico/2009-2012 Revista Psicologia em Destaque – v. 2, no 2, 2 ex., 2014/periódico Plan Nacional de Protección del Patrimonio Cultural Subacuático Español – livro/2009 Conférence Euroméditerranéen des Responsables de la Gestion du Patromoine Archéologique Subaquátique – livro/2001 A Revista Tempo Brasileiro – 181-182, abr./set. 2010 Relatório Anual Banco Central do Brasil – 2008, v. 44, periódico Relatório de Inflação Banco Central do Brasil – v. 11, no 1, mar/2009; v. 11, no 2, jun./2009; v. 11, no 3, set./2009, periódico Boletim Regional do Banco Central do Brasil – v. 5, no 2, abr./2009; v. 3, no 3, jul./2009, periódico Boletim do Banco Central do Brasil – v. 45, no 6, jun./2009; v. 45, no 7, jul./2009; v. 45, no 8, ago./2009; v. 45, no 9, set./2009; v. 45, no 10, out./2009; v. 45, no 11, nov./2009; v. 45, no 12, dez./2009, periódico Revista Brasileira de Saúde Ocupacional “RBSO” – v. 38, no 128, periódico Navigazione da Diporto La Patente de Vela – livro/1979 Gréement Manoeuvre et Conduite du Navire a Voile et a Vapeaur Tome Premier – livro/1915 Shipping Conferences – livro/1983 Exports – livro

RMB1oT/2014 253 DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDoS

Battleship – livro/1977 Capelas Navais – livro/2013, 2 ex. Portugal e o Mar um Mundo entrelaçado – livro/1997 A Celebration of Marine Art – livro/1996 Os Diários do Almirante Graham Eden Hamond – 1825-1834, livro/1984 The Line of Battle – livro/1992 Information Management – v. 7, no 39, dez./2013, periódico Revista del Instituto de Historia Marítima (Equador) – v. 28, no 53, dez./2013, periódico Revista do Ciama – 50 anos – out./2013 A Macega – Informativo da Aviação Naval – no 51, abr./jun, 2013

254 RMB1oT/2014 ACONTECEU HÁ 100 ANOS

Esta seção tem o propósito de trazer aos leitores lembranças e notícias do que sucedia em nossa Marinha, no País e noutras partes do mundo há um século. Serão sempre fatos devidamente reportados pela Revista Marítima Brasileira. Com vistas à preservação da originalidade dos artigos, observaremos a grafia então utilizada.

SOCCORRO NAVAL (RMB, fev./1914, p. 1.233-1.237) Capitão de Corveta M.C. Gouvea Coutinho

Impossibilitado temporariamente de con- E por isso nos livros ou nas meditações correr com meus esforços pessoaes ás fainas busco assumptos relativos, passando a tra- do “rumo ao mar”, unica escola que habilita tar agora de um dos que no meu fraco enten- e ennobrece os defensores da Patria que vão der se me afiguram dos mais urgentes para em o dorso de seus baluartes ao encontro do nossa Marinha e para a humanidade. inimigo, antes que elle attinja ás costas, pro- Por conhecer quanto nos custa actual- curo com afan aproveitar o tempo de comba- mente fazer um serviço de Soccorro Naval, tente em semi-inactividade de modo a prestar pela deficiencia de material, pessoal e direc- aos meus camaradas indirectamente os meus ção, sabendo quão doloroso é ver-nos muitas fracos prestimos, na intenção de minorar-lhes vezes impossibilitados de prestar serviços de de futuro os rudes encargos, em beneficio da salvação, não só aos nossos patricios, como nossa Marinha, que tanto estremecemos, e da aos nossos semelhantes estrangeiros, é que nossa Patria que tanto idolatramos. me ocorre hoje apresentar um ante-projecto ACONTECEU HÁ CEM ANOS de regulamento para o Serviço de Soccorro e bastante tem feito a Liga Maritima, mas Naval, serviço esse infelizmente abandona- muito resta ainda a fazer, e é indispensavel do entre nós por circumstancias imprevistas que o citado serviço seja feito com desen- e em detrimento dos nossos fóros de civilisa- volvimento pelo Ministerio da Marinha, o dos e humanitarios, ferindo não só os olhos qual, dando-lhe impulso com a creação de do nosso povo, como os das nações estrangei- uma repartição adequada a esse fim, presta- ras, onde esse serviço é considerado impor- rá um valioso serviço á Nação. E certo de tante e até mesmo obrigatorio. que o actual ministro a quem tanto deve a A Inglaterra ainda ha pouco procurou Marinha e a Patria, pelos seus inestimaveis melhorar mais tão importante serviço, pro- serviços já prestados, muito fará em pról do vocando “ententes”. desenvolvimento do soccorro naval, nos ani- Muito trabalhou o nosso distincto e sau- mamos a apresentar o que se segue. doso camarada Santos Porto nesse assumpto (...)

REVISTA DE REVISTAS JANEIRO – 1914 PROMOÇÃO AO POSTO DE CON- TRA-ALMIRANTE NOS ESTADOS AS AERONAVES NA GUERRA – UNIDOS – Refere o Moniteur de la Flotte: Em um artigo que acaba de ser publicado na Uma commissão de exame, composta de Marine Rudschau, o conhecido constructor tres contra-almirantes e de um tenente secre- naval allemão Pietzker prophetisa o grande tario, foi encarregada de examinar o capitão papel que está reservado á aeronave como de mar e guerra Mayo para sua promoção ao elemento importantissimo na guerra mariti- posto de contra-almirante. ma. Elle assignala o facto de que a aeronave É a primeira experiencia de um novo sys- está destinada a ser a patrulha natural do tema do ministro da marinha para as pro- mar, onde não ha a protecção que as flores- moções aos postos elevados. A commissão tas e os accidentes do terreno dispensam na deve pronunciar-se em seu relatorio sobre a guerra terrestre ás patrulhas. Os reconheci- permanecia e a natureza dos serviços no mar mentos navaes serão facilimos, com a aero- e em terra do candidato no posto que occupa, nave, e, por outro lado, o inimigo não pode- sobre o modo por que tem sabido manter a rá encontrar meio de os impedir. Mas, para disciplina e a ordem entre seus subordina- desempenhar com efficiencia essa tarefa, a dos, e interesse que tomou pelo serviço; sobre aeronave precisa ser construida de fórma que a efficacia de seu commando sob o ponto de se possa manter no ar durante alguns dias, vista do pessoal e material, sobre as qualida- afim de que os reconhecimentos sejam feitos des de decisão e promptidão em tomar uma com regularidade systematica e não consti- resolução de certa responsabilidade, e de tuam apenas episodios isolados, que pouco iniciativa no julgamento e tolerancia; emfim adiantariam á marcha geral da guerra. sobre a sua capacidade moral e intellectual, (...) em geral.

256 RMB1oT/2014 ACONTECEU HÁ CEM ANOS

A commissão deve também mencionar em A educação dos telemetristas, por outro seu relatorio a opinião individual de cada lado, se organisa e aperfeiçoa. um de seus membros sobre a aptidão do can- (...) didato para commandar uma divisão e uma VALOR ESTRATEGICO E COM- esquadra, nelle indicando si sua opinião é MERCIAL DO CANAL DO PANAMÁ – baseada sobre informações, sobre o conheci- Do The Navy traduzimos o seguinte artigo mento pessoal do candidato ou sobre a repu- do commandante J. S. McKean: tação de que gosa entre os officiaes. Ainda que não se pretenda tratar o as- A commissão para se instruir poderá pe- sumpto de modo inteiramente technico, tor- dir todas as informações supplementares que na-se necessario dar previamente algumas julgar util e convocar perante ella os officia- definições e estabelecer alguns principios es de quem deseje ouvir o testemunho. fundamentaes. É uma innovação que, á primeira vista, A Politica Nacional resolve quando a parece irregular e deprimente para o official guerra deve começar. que já tem attingido um posto elevado. Mas, A Estrategia Naval é a parte da arte de como na guerra esses preconceitos certamen- fazer a guerra naval que decide quando e te não poderão fluir, e o que faz ganhar as com que forças navaes se deve combater. batalhas é, sem a menor duvida, a capaci- A Tactica Naval determina como estas dade moral e as condições physiologicas do forças devem ser utilisadas na acção ou commandante, em primeiro logar, e de cada como a acção deve ser sustentada. um dos combatentes individualmente, na es- A Estrategia bem avisada é aquella que cala descendente de suas attribuições e func- leva a adquirir mais navios, mais canhões e ções, a medida posta agora em pratica nos mais homens, ou melhores navios, canhões e Estados Unidos é perfeitamente aceitavel e homens para a occasião do combate, do que até logica. os de que dispõe o inimigo. A Tactica bem avisada utilisa estes na- CONSIDERAÇÕES SOBRE A TAC- vios, homens e canhões mais efficientemente TICA DE COMBATE – Da Revista Ge- do que o inimigo. neral de Marina colhemos o seguinte artigo A Estrategia, Naval ou Commercial, de René Nielly, pela mesma revista, por sua depende de Bases de Operações, Linhas de vez, transcripto do semanario francez Le Operações e Linhas de Communicação; e a Yatch: semelhança dos dois typos de estrategia é Um despacho ministerial de 2 de dezem- promptamente comprehendida quando uma bro de 1912 creou um diploma ou titulo do carta de qualquer parte do oceano está fei- director do tiro. Uma commissão estudou em ta e vê-se como quasi identicas são as bases seguida, baseando-se em seguros documentos, naval e commercial e as linhas de operações a capacidade de todos os officiaes artilheiros e communicação, mesmo em tempo de paz. da esquadra. Desde já o ministro da Marinha Em tempo de guerra a linha commercial fica poderá nomear com verdadeiro fundamento tão exposta que as duas se tornam identicas os officiaes directores do tiro do mesmo modo e o commercio amigo segue as linhas utilisa- que nomeia os commandantes para os navios. das pelas forças armadas, emquanto que o

RMB1oT/2014 257 ACONTECEU HÁ CEM ANOS commercio inimigo está ou paralysado intei- MARÇO – 1914 ramente ou tão afastado que não pode fazer concorrencia. COMBUSTIVEL LIQUIDO – São co- Area ou Zona Estrategica é uma area nhecidas as grandes vantagens que sobre o de tal modo situada que uma força naval uso do carvão de pedra offerece o emprego agindo de uma ou mais bases navaes seguras do petroleo como combustivel no serviço das pode predominal-a. machinas motoras dos navios: maior eco- O valor estrategico do Canal do Panamá nomia, muito maior facilidade de reabaste- é devido a ser elle a mais curta linha ligando cimento, residuos quasi nullos, donde mais as duas zonas estrategicas em que a nossa facil limpeza e melhor conservação dessas armada operará: – Os oceanos Atlantico machinas, menor espaço occupado pelos e Pacifico. Este valor estrategico póde ser depositos e, portanto, maior vão aprovei- melhor demonstrado pelo estudo da carta tavel a bordo, e, sobretudo para os navios estrategica dos dois oceanos. de guerra, a importantissima possibilidade Desde que a nossa Politica Nacional é de se manter em dadas circumstancias uma toda Defensiva, podendo ser resumida no constante pressão de vapor e, consequente- lemma “Conservar o que temos”, nossa es- mente, a mesma velocidade durante um certo trategia será também defensiva em ambos e determinado numero de horas. os oceanos; porém, com as nossas bases de- São tantas, em summa, essas vantagens vidamente relacionadas, fortificadas e equi- que as diversas nações maritimas já se es- padas, nossa frota ficará em posição e con- tão seriamente preoccupando com a radical dição, quando a guerra não possa mais ser substituição do carvão pelo novo combus- evitada, de tomar a offensiva. tivel dentro de futuro não muito afastado; Uma Base Naval é um logar equipa- sendo, pelas suas especiaes circumstancias, do para reparar, consertar e abastecer uma a Inglaterra uma das que mais de perto es- frota. Pode ser comparada a uma fortaleza tão tratando de premunir-se para o caso, cujos canhões são representados pelos navios como se vê no seguinte artigo publicado ahi collocados, sendo o alcance dos canhões pelo Times em meiados do anno passado e o raio de acção da frota. reproduzido pela nossa importante collega Linhas de operação são os rumos ou chilena Revista de Marina, em sua edição direcção de movimentos da esquadra de de dezembro ultimo, da qual por nossa vez uma base para outra e da base mais che- o reeditamos. gada para o lado do objectivo, e como O artigo não é de hontem, como se vê: os diversos pontos desta linha passam a mas ha assumptos que nunca envelhecem, parte das linhas de operação para a reta- ou, pelo menos, que por longo espaço de tem- guarda da esquadra, tornam-se linhas de po conservam intacto o mesmo interesse do communicação da frota de regresso para primeiro momento; e cremos não nos enga- seus portos nacionaes ou bases e linhas nar incluindo nesse numero o de que aqui se de supprimento desses portos nacionaes trata e que sem mais commentarios damos ou bases da esquadra. a seguir: (...) (...)

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MISCELLANEA JANEIRO – 1914 çou a vigorar a 1º do corrente em todo o ter- ritorio da Republica e para todas as relações A SEGURANÇA NO MAR – Sob a pre- contratuaes internacionaes e commerciaes, sidencia de Lord Mersy, reunio-se em Lon- tendo por ponto de referencia a hora do meri- dres uma commissão de delegados de diversos diano de Greenwich diminuida de duas, tres, paizes interessados em encontrar os melhores quatro ou cinco horas, conforme o ponto con- meios de segurança e salvação para os navios siderado estiver localisado dentro do 1º, 2º, 3º em viagem. ou 4º dos quatro fusos em que ficou dividido As ultimas catastrophes verificadas, com o nosso territorio. tão desastrosas consequencias, em alto mar, Nas estradas de ferro, linhas de navegação com o Titanic, o Volturno e outros transa- e demais vias de comunicação a contagem da tlanticos, que entregaram centenas de vidas hora passou a ser officialmente feita de zero a e milhões de ouro á voracidade do oceano, vinte e tres, começando em meia noite, que se aconselharam essa conferencia internacional. conta zero hora. O assumpto, porém, é difficil: innumeras the- As longitudes geographicas são de ora em ses têm sido apresentadas, muitos foram já os diante referidas ao meridiano de Greenwich, alvitres lembrados com tendencia a assegurar em vez de sel-o em relação ao do Rio de Janeiro. a confiança, mas, infelizmente, a despeito da Ao Observatorio Nacional do Rio de Ja- boa vontade unanime e humanitariamente neiro, assim como ás estações horarias filiaes manifestada por todos os delegados, embora que vierem a ser creadas, incumbem a deter- dahi se esperem resultados praticos sobre o minação e a conservação da hora, bem como fim collimado, até agora, segundo as ultimas a sua transmissão para fins geographicos ou noticias, não se conseguio ainda um accordo maritimos, pelo telegrapho commum e sem completo, o que é natural. A sciencia, porém, fios e pelo “balão” ou “time-ball”, de accordo avança vertiginosamente, em nossos tempos. com o regulamento vigente e as convenções Ella que lança ao mar os modernos palacios internacionaes que vigorarem. fluctuantes que fazem o justo orgulho dos Em consequencia dessa decretação, a constructores navaes, certo ha de fornecer ele- hora media local de cada uma das capitaes mentos para obter a sua segurança; talvez em dos Estados soffreu uma differença para breve os revele. E nós, que acompanhamos os mais ou para menos, tendo-se de adiantal-a trabalhos da conferencia de Londres com o in- ou atrazal-a pelo modo indicado no quadro teresse natural que nos despertam sempre co- seguinte: mettimentos desta natureza, esperamos den- (...) tro em pouco noticiar a sua solução definitiva. FEVERERIRO – 1914 A HORA LEGAL NO BRAZIL – Como se sabe e já noticiámos*, foi entre nós decreta- O SUBMARINO – A navegação sub- do o estabelecimento da hora legal, que come- marina já tem causado numerosas victimas,

* V. Revista de novembro de 1913, pag. 714.

RMB1oT/2014 259 ACONTECEU HÁ CEM ANOS embora só dez annos tenham decorrido de- Em 1558, isto é, no anno em que a pois que definitivamente entrou no dominio “Invencivel Armada” de Philipe II de das realisações praticas. Hespanha se perdeu nos mares do nor- Não significa aliás isso que constitua uma te, os mergulhadores se serviram de um sciencia inteiramente nova e que o engenho hu- apparelho recentemente inventado, no mano apenas ha dois lustros procure desvendar intuito de descobrir os restos da frota o mysterio dos oceanos. São, ao contrario, de anniquilada. data muito remota as primeiras tentativas do Mas esse processo primitivo não per- homem para descer ao fundo das aguas. mittia mover-se nem trabalhar sob a agua, Sem falar em diversas tentativas realisa- nem mesmo nella penetrar ou della emergir das em remota antiguidade com apparelhos á vontade. mais ou menos semelhantes aos modernos Na Inglaterra, mais do que em outros sinos hydraulicos, já em 1538, na epoca de paizes, procurava-se achar um apparelho Carlos Quinto, Bacon assistio em Toledo a pratico. experiencias de submarinos. (...)

NOTICIARIO MARITIMO

MARÇO – 1914 Os alumnos da nova escola serão es- colhidos de entre os capitães-tenentes de MARINHA NACIONAL mais de cinco annos de posto, capitães de corveta, capitães de fragata e capitães de ESCOLA NAVAL DE GUERRA – No mar e guerra do quadro activo do Corpo mesmo dia [25 de fevereiro de 1914] foi as- da Armada, com o tempo de embarque signado pelo sr. presidente da Republica o completo. decreto creando a Escola Naval de Guerra, Serão externos e em numero de oito para destinada a orientar a nossa officialidade na os capitães-tenentes e capitães de corveta, arte do grande commando. tres para os capitães de fragata, e dois para A escola funccionará de 15 de abril a os capitães de mar e guerra, podendo o go- 15 de novembro de cada anno, havendo um verno permittir que dois almirantes frequen- curso propriamente dito e conferencias que tem annualmente o curso da Escola. interessem a Marinha. (...)

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Esta seção tem por propósito levar ao conhecimento dos leitores matérias que tratam de assuntos de interesse marítimo, contidas em publicações recebidas pela Revista Marítima Brasileira e pela Biblioteca da Marinha. As publicações, do Brasil e do exterior, são incorporadas ao acervo da Biblioteca, situada na Rua Mayrink Veiga, 28 – Centro – RJ, para eventuais consultas.

SUMÁRIO (Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃO COMEMORAÇÃO Defeza Nacional – Os 100 anos da revista de assuntos militares (263)

APOIO DOCAGEM Diques insuficientes (264) ESTALEIRO Foco militar (265)

ÁREAS AMAZÔNIA A Marinha na Amazônia Ocidental – Fazendo muito com pouco (265) CANAL Guadalupe focado no novo Canal do Panamá (265)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA (C&T) PROPULSÃO Otimismo em alta (266) TECNOLOGIA Tecnologias para operações de abordagem (266) REVISTA DE REVISTAS

FORÇAS ARMADAS ESQUADRA Do papel para a realidade (267) MARINHA DA CHINA A Marinha do Exército Popular de Libertação se reforça (268) MARINHA DO BRASIL Desafios para o reequipamento da Marinha do Brasil (269) Incerteza sobre o futuro das fragatas (270) Uma força naval à altura do País (270) MARINHA DO JAPÃO Capacidade anfíbia na Força de Autodefesa do Japão – Operacionalizando a defesa dinâmica (271) SUBMARINO Forças de submarinos na América do Sul (272) VEÍCULO AÉREO NÃO-TRIPULADO O Programa ARP-E da Marinha do Brasil (273)

PODER MARÍTIMO GUARDA-COSTEIRA Guarda-costeira na América Latina, uma análise comparativa (274) PORTO Jogo de Empurra (276) SISTEMA PORTUÁRIO Terminal offshore mais profundo do mundo (276)

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Defeza Nacional Os 100 anos da Revista de Assuntos Militares (Defeza Nacional, outubro 2013, no 822)

“...não queremos ser uma horda de ins- que estagiaram no Exército da Alemanha surectos dispostos a endireitar o mundo a Imperial entre 1905 e 1912. Esses milita- ferro e fogo – mas um bando de Cavalleiros res haviam iniciado movimento em prol da Idea, que saiu a campo, armado, não de da modernização de nosso Exército por uma clava, mas de um argumento; não para meio da imposição de novas regras de cruzar ferros, mas para raciocinar...” disciplina, técnicas de instrução e práticas Essa citação, que reproduz editorial de administrativas. outubro de 1913 da Defesa Nacional, bem Ao longo de sua existência, a Defesa retrata o propósito da criação da revista, Nacional contribuiu para o aprimoramento que recém-completou seu primeiro século das instituições militares debatendo pro- de existência publicando esta edição co- fissionalização do ensino militar, aumento memorativa. de operacionalidade e modernização, A revista foi criada em 10 de outubro entre outros temas. Consolidou-se, como de 1913 por oficiais do Exército Brasileiro pretendiam seus fundadores, como fórum para discussão do Brasil e das Forças Armadas, a partir da ótica do desenvolvimento e da segurança nacionais. Nesses cem anos da Defesa Nacional, foram publicados ar- tigos, teses, propostas e ideias, todos produtos da inteligência e das reflexões de historiadores, pesquisadores, articulistas re- nomados ou pouco conhecidos, militares e civis, provocando e repercutindo as transformações na defesa nacional. A Revista Marítima Bra- sileira cumprimenta a Defesa Nacional pelo belo exemplar comemorativo, que expõe sín- tese abrangente e represen- tativa de seus importantes editoriais, apresenta seu reco- nhecimento pelos relevantes serviços prestados ao País e cumprimenta por esta im- portante marca alcançada – o primeiro centenário. Defeza Nacional, no 1, de 10 de outubro de 1913 “Brasil, acima de tudo!”

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Diques insuficientes Dayanne Jadjiski (Portos e Navios, dezembro de 2013, edição 635, ano 55, p. 8-12)

Neste artigo, por meio de entrevistas O artigo identifica, ainda, um movimen- feitas com personalidades ligadas à in- to de mercado pelo qual algumas empresas, dústria naval do País, como o presidente de olho na oportunidade que o reparo na- do Sindicato Nacional da Construção e val virá a representar, já estão realizando Reparação Naval e Offshore (Sinaval), investimentos na instalação de estaleiros o gerente de engenharia de Exploração dedicados especialmente a esta atividade. e Produção da Petrobras e o gerente exe- É o caso da McQuilling International, cutivo do Programa de Modernização e que vem estudando a implantação de es- Expansão da Frota (Promef), entre outros, taleiro no Paraná, onde o estudo das con- buscou-se explicitar a carência de estalei- dições ambientais e os prazos envolvidos ros de reparo no Brasil. indicaram ser adequada a busca por outra Segundo a matéria, a atividade de reparo localização. Esse estaleiro, segundo Celso naval não é atrativa do ponto de vista eco- Luiz de Souza, gerente local do projeto, nômico para os estaleiros, que priorizam seria exclusivo para a atividade industrial contratos e projetos com maiores margens de docagens e reparos e teria capacidade de lucro, como a construção de navios. O para docar cerca de 120 navios por ano. artigo identifica o forte processo de ex- “Certamente será o maior estaleiro de pansão pelo qual a construção naval vem reparo do Hemisfério Sul”, afirmou Sou- passando, impondo aos estaleiros nacio- za. A expectativa de início das operações nais focarem nesse segmento. Entretanto, seria para 2017, se o início da implantação fica claro também que esse processo, em ocorrer até janeiro de 2015. médio prazo, resultará em forte pressão A articulista finaliza apresentando nos estaleiros especializados em reparos, outros exemplos de investimentos em an- que hoje possuem pouca concorrência e se damento ou programados que corroboram encontram abarrotados de serviço. a tendência de crescimento identificada no Para exemplificar, Jadjiski cita o caso do setor de reparo naval. estaleiro de reparos Enavi. Nele, em 2013, foram docados 92 navios, outras 59 embarcações sofreram reparos na condição de atracadas, sem docagem, e o estaleiro somente poderá receber novas encomendas de reparos a partir do segundo trimestre de 2014. “Temos hoje uma fila grande para atender aos pedidos de reparo de bandeira brasileira e, principalmente, de navios estrangeiros”, afirmou o Almi- rante Hernani Fortuna, consultor O desafio de se obter espaço na programação dos estaleiros sênior do estaleiro. especializados

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Foco Militar (Portos e Navios, janeiro de 2014, edição 636, ano 55, p. 18)

Este artigo analisa o Estaleiro Ilha S.A. novos contratos no corrente semestre, com o (Eisa), que recentemente fez o batimento de propósito de evitar lacunas em sua agenda de quilha do quarto e penúltimo dos navios-pa- produções. O Eisa, segundo a matéria, estuda, trulha contratados pela Marinha do Brasil, o junto à espanhola Navantia, firmar parceria NPa Magé. Apresenta também informações para atendimento da demanda de embarca- e características sobre os navios encomenda- ções militares no Brasil. A Navantia possui dos e o cronograma dos contratos firmados. experiências bem-sucedidas de transferência É citado que o nicho militar é um dos de tecnologia com as Marinhas de Venezuela, prioritários do estaleiro, que busca conquistar Austrália, Índia e Noruega, afirma o artigo.

A Marinha na Amazônia Ocidental – Fazendo muito com pouco Roberto Caiafa* (Tecnologia & Defesa, ano 30, no 135, p. 80-98)

O autor apresenta um panorama completo com o comandante do Distrito, Vice-Almi- da presença da Marinha do Brasil na Amazô- rante Domingos Savio Almeida Nogueira. nia Ocidental, área sob jurisdição do 9o Distri- to Naval, localizado em Manaus (AM). Trata também das dificuldades com que a Força se defronta na consecução de sua missão cons- titucional de defender as águas interiores de Amazonas, Roraima, Rondônia e Acre. A matéria, além de um histórico das organizações navais existentes na área, apresenta características dos navios e belas fotos de vários deles e das instalações em terra, além de uma abrangente entrevista Almirante Savio, comandante do 9o Distrito Naval

Guadalupe focado no novo Canal do Panamá (Revista de Marinha, Portugal, janeiro/fevereiro 2014, Número 977, p. 17)

Segundo esta nota da Revista de É o caso de Guadalupe, que acaba Marinha, a inauguração da expansão de ser premiado como o melhor porto do Canal do Panamá, agora prevista multiusos da região. As melhorias nele para 2015 e não mais para o ano de seu introduzidas o levaram a alto grau de efi- centenário, 2014, vem impondo adap- cácia e produtividade, tornando-o apto a tações aos administradores de portos “enfrentar o impacto, próximo e direto, da do Caribe. navegação que irá passar no novo Canal”.

* Webmaster da Tecnologia & Defesa.

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Otimismo em alta Dayanne Jadjiski (Portos e Navios, janeiro de 2014, edição 636, ano 55, p. 8-13)

Segundo a matéria, 2013 foi um ano diretor de vendas da GE Power Conversion; positivo para fornecedores de sistemas e o gerente divisional da América do Sul de propulsão e manobra, indicando que da ZF do Brasil. 2014 será também favorável. Um indício Além de identificar os aumentos de dessa tendência é a previsão de realiza- vendas e de expectativas para 2014, o texto ção de várias licitações da Petrobras no apresenta diversos equipamentos que vêm corrente ano. sendo comercializados e lançados, entre O artigo busca embasar a identificação eles os reversores para o projeto social dos dessa tendência por meio de entrevistas barcos-escola, ora sendo implantado na com vários empresários do setor, como o Amazônia. E não deixa de explicitar as di- gerente de área da Ship Power Wärtsilä; o ficuldades que o setor enfrenta, tais como a diretor de Comunicação Corporativa, Res- alta carga tributária, a burocracia e os altos ponsabilidade Social e Relações Acadêmi- custos envolvidos para produção no Brasil, cas da Rolls Royce para a América do Sul; o que afugenta parceiros internacionais.

Tecnologias para operações de abordagem Capitão de Fragata (Engenheiro – Espanha) Indalecio Seijo Jordán (Revista General de Marina, Espanha, dezembro 2013, Tomo 265, p. 861-866)

Segundo o autor, os navios de guerra Existem várias razões para que seja atuais são projetados para inúmeras tare- necessário arriar uma lancha rápida, tais fas relacionadas à guerra, mas, devido à como pirataria, narcotráfico, contrabando, política mundial contemporânea, a maio- pesca ilegal, terrorismo e outras. Porém ria dessas operações todas elas possuem somente é levada a como elemento co- cabo como exercício mum a necessidade para adestramento. de se arriar um bote, Para ele, o que cons- de se aproximar do titui a realidade diária objetivo, abordando- para a maior parte das o, e de se regressar Marinhas é a execução para bordo, o que vem de atividades relaciona- sendo feito, cada vez das à Interdição (MIO, mais, acompanhado de da sigla em inglês) e à helicóptero. Grua de costado Segurança Marítima Após essa intro- (MSO, também da sigla em inglês). Para essas dução esclarecedora, o autor deste artigo, atividades são usadas, normalmente, pequenas Comandante Seijo Jordán, passa a apresen- lanchas rápidas em pontos próximos à costa, tar os tipos mais utilizados atualmente de em pontos críticos ou em rios. barcos infláveis de casco rígido (RHIB, do

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inglês), abordando suas principais carac- até mergulhadores de combate, biólogos, terísticas e os países de origem. Esclarece inspetores da Receita Federal etc. também as formas de lançamento ao mar Finalizando, o artigo realça também a e de recolhimento dessas embarcações, necessidade de se projetar nos navios es- citando velocidades do mar que limitam paço adequado para transporte de pessoas as operações. detidas em atividades ilegais (piratarias, Seijo Jordán também aponta os novos re- traficantes...) e, ainda, de se pensar na inte- quisitos para operações que envolvam RHIB roperabilidade das RHIB, adequando seus que devem ser considerados desde o projeto sistemas de combate às operações de segu- inicial do navio. Assim, cita a necessidade de rança e interdição marítimas, permitindo se projetar alojamentos e serviços adequados que se receba, grave, processe e distribua as às equipes que guarnecerão as embarcações informações provenientes das embarcações que podem incluir desde Fuzileiros Navais engajadas nas operações.

Do papel para a realidade Paulo Maia* (Tecnologia & Defesa, ano 30, no 135, p. 34-42)

Fartamente ilustrado com fotografias de históricos nos quais a Esquadra se viu navios de guerra brasileiros e estrangeiros, envolvida, como a Grande Guerra, a Se- este artigo apresenta gunda Guerra Mundial um panorama com- e a Guerra da Lagosta, pleto da Esquadra abordando também o brasileira e analisa o seu emprego nos dias plano de renovação de hoje em operações de meios da Marinha da Organização das do Brasil. Nações Unidas (ONU) O autor faz inicial- no Haiti e no Líbano e mente um histórico da Fragata Independência, da Classe Niterói na proteção de riquezas evolução da Esquadra das águas jurisdicio- a partir de 1808, com nais do País. a chegada da Cor- Paulo Maia apre- te Real para a então senta quadro atuali- colônia, e apresenta zado explicitando a retrospectiva dos di- criação, em 1924, do versos chamamentos Comando em Chefe à Esquadra para desa- da Esquadra (Come- fios e lutas da Nação Fragata Bosisio, da Classe Greenhalgh mch), sua missão e que se consolidava: os meios que o inte- Campanha Cisplatina, Guerra dos Farra- gram. Aborda a extensão de área maríti- pos, Guerra do Prata, Guerra do Uruguai, ma brasileira, as Linhas de Comunicação Guerra do Paraguai etc. Cita outros marcos Marítimas e as riquezas existentes no

* Editor adjunto da Tecnologia & Defesa.

RMB1oT/2014 267 REVISTA DE REVISTAS mar e discrimina detalhadamente os se encontra em execução com seu Programa meios navais e aéreos da Esquadra. de Desenvolvimento de Submarinos (Pro- Fechando o panorama que se propôs a Sub) e os de obtenção de Navio-Aeródromo apresentar, o autor analisa as metas a serem (ProNAe), de navios anfíbios (ProNAnf), de alcançadas pela Marinha como um todo, Meios de superfície (ProSuper) e de constru- tratando do plano de renovação de meios que ção de corvetas classe Barroso.

A Marinha do Exército Popular de Libertação se reforça Julio Maíz Sanz (Revista General de Marina, Espanha, dezembro 2013, Tomo 265, p. 867-875)

“Parece incrível como uma força naval décadas, afirma Maíz Sanz, a Marinha que, nos anos 50, era de defesa costeira e chinesa deixou de ser uma força de defesa que, além disso, até os anos 80 dependia costeira e se transformou em uma Armada totalmente das premissas e estratégias do de águas azuis, com presença permanente Exército Popular da Libertação (EPL) haja no Golfo de Aden, e com a execução de crescido tanto em quantidade quanto em patrulhas em mares distantes, como o qualidade.” Essa é uma das assertivas com Mediterrâneo. que Maíz Sanz inicia este seu artigo, que se E a expansão segue, garante o autor, propõe a apresentar um panorama completo por meio da incorporação de modernos e atual da Marinha da China. navios e sistemas e da excelente formação Segundo o articulista, a China vem de seus 250 mil membros, subordinados cumprindo uma trajetória que levou sua ao Almirante Wu Shengli, membro ativo Marinha ao segundo lugar mundial e do Partido Comunista. São hoje 950 na- na qual, em paralelo, investimentos em vios de guerra, logísticos e auxiliares, 500 Defesa posicionaram sua indústria naval aviões e helicópteros e uma ampla rede como a primeira no mundo, construindo de defesa costeira dotada de artilharia de 43% do total mundial. Em apenas duas costa e de mísseis antinavio. Nesta análise, o autor aborda o histó- rico recente (a partir de 1949) dessa evo- lução no tópico que denominou Dos Jun- cos aos Submarinos Atômicos, investiga a “impressionante” capacidade chinesa de construção naval e executa uma “revista” na esquadra do país e na sua capacidade O DDG 113 durante parada realizada em Qingdao oceânica.

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Desafios para o reequipamento da Marinha do Brasil Eduardo Italo Pesce* (Revista de Marinha, Portugal, janeiro/fevereiro 2014, Número 977, p. 25-27)

A Revista de Marinha publicou abran- de 288 aeronaves e de vários tipos de arma- gente artigo do professor e especialista bra- mento, além de material diversificado para sileiro Italo Pesce referente aos esforços de o Corpo de Fuzileiros Navais. reequipamento da Marinha do Brasil (MB). Dos 216 navios previstos, apenas 71 Nele, o frequente colaborador da RMB (21 submarinos e 50 de superfície) podem analisa o Livro Branco de Defesa Nacional ser considerados típicos de esquadra. do Brasil e as atualizações da Política Na- Devem ser obtidos 21 novos navios (seis cional de Defesa e da Estratégia Nacional submarinos e 14 de superfície) no período de Defesa. Aborda também os projetos do 2015-22, com mais 29 (seis submarinos e Plano de Articulação e Equipamento de 23 de superfície) em 2023-30 e outros 19 Defesa (Paed). (nove submarinos e dez de superfície) em O autor apresenta um panorama bastante 2031-47. Provavelmente, o efetivo de uni- completo da renovação do Poder Naval dades navais da Esquadra sediada no Rio de brasileiro em curso e as dificuldades com Janeiro seria recompletado na segunda me- que as iniciativas se deparam, em especial tade da nova década. O mesmo pressuposto no que se refere a restrições orçamentárias e seria válido para os meios aeronavais e de seus impactos na continuidade dos progra- fuzileiros navais. Tal perspectiva permitiria mas de longo prazo que envolvem pesquisa criar até 2030 uma segunda Esquadra, com e desenvolvimento. sede no litoral Norte/Nordeste do Brasil. Eis a conclusão de Italo Pesce: Em última análise, a duplicação do nú- “A renovação dos meios que compõem a cleo principal do Poder Naval brasileiro de- Marinha do Brasil cons- titui empreendimento de vulto, cuja concretização demandará recursos con- sideráveis. Até 2047, está pre- vista a obtenção de 276 navios e embarcações. Este total inclui 216 na- vios (195 de superfície e 21 submarinos) e 60 embarcações diversas (quatro diques flutuantes e 56 embarcações de desembarque). Também está prevista a obtenção

* Especialista em Relações Internacionais, professor no Centro de Produção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Cepuerj), colaborador permanente do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Escola de Guerra Naval (Cepe/EGN) e colaborador assíduo da RMB.

RMB1oT/2014 269 REVISTA DE REVISTAS penderá da disponibilidade de recursos, as- a continuidade dos programas de reequipa- sim como das decisões que forem tomadas, mento, sem prejuízo dos programas de longo no curto e no médio prazo, para assegurar prazo para pesquisa e desenvolvimento.”

Incerteza sobre o futuro das fragatas(*) (Rivista Marittima, Itália, outubro 2013, Anno CXLVI, p. 116)

Este artigo publicado na revista italiana A matéria conclui que as preocupações da aborda as incertezas que identifica na Ma- Marinha derivam do reduzido interesse do rinha do Brasil para Governo em financiar o substituição das suas Prosuper, cujo conjunto fragatas, as mais anti- prevê a aquisição de gas entre as existentes cinco navios-patrulha na América Latina. de 1.800 toneladas, Cita que se con- uma unidade de trans- sidera a possibilida- porte logístico e seis de de aquisição de fragatas de 6 mil tonela- unidades de segunda das a serem construídas mão para atender aos em estaleiros nacionais requisitos do Progra- com base em projeto ma de Obtenção de internacional a ser con- Meios de Superfície tratado. (Prosuper) e que, em Finalizando, o tex- 2008, a Marinha bra- to afirma que apenas a sileira financiou o construção de navios- programa de aquisi- patrulha parece cami- ção de quatro novas nhar conforme pla- unidades submarinas nejado, enquanto que de propulsão conven- uma solução tempo- cional (Programa de rária para o problema Desenvolvimento de das fragatas poderia se Submarinos – Prosub), mesmo dispondo basear na aquisição de unidades da classe de cinco navios relativamente modernos. Maestrale, italiana, ou Perry, americana.

Uma Força Naval à altura do País (Tecnologia & Defesa, ano 30, no 135, p. 22-32)

A revista Tecnologia & Defesa apresenta Almirante de Esquadra Julio Soares de Mou- neste número extensa entrevista exclusiva ra Neto, na qual ele aborda as dificuldades com o comandante da Marinha do Brasil, com que a Força vem se defrontando nos

(*) Tradução e adaptação de Doríta Couto, habitual colaboradora da RMB.

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últimos anos, os programas em andamento e o planejamento para o futuro. Dentre os temas enfocados pelo Almi- rante Moura Neto, destacam-se o orçamen- to da Marinha e sua evolução para o aten- dimento de custeio, incluídos os reparos e as manutenções dos meios; a possibilidade de inserção da construção de navios au- xiliares, de apoio e de patrulha no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC); o projeto piloto do Programa Suboficial-Mor; a capacitação de pessoal, em especial do pessoal que virá a guarnecer os submarinos nucleares; as modernizações previstas; as ilhas de Trindade e Alcatrazes; o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (Sis- gaaz); e o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), além de inúmeros outros desafios com que a Marinha do Bra- Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Moura Neto sil se defrontará ao longo do século XXI.

Capacidade Anfíbia na Força de Autodefesa do Japão – Operacionalizando a Defesa Dinâmica Justin Goldman* (Naval War College Review, outono 2013, Vol. 66, Número 4. p. 117-134)

Segundo o autor, o Japão vem se de- proteger a nação de uma invasão anfíbia, afir- frontando com um ambiente de segurança ma Goldman. E mesmo tendo desenvolvido crescentemente complexo, especialmente plataformas de combate robustas, a JSDF, em ao longo das ilhas do sudeste, onde incur- seu estado atual, ainda reflete as restrições im- sões de navios chineses vêm ocorrendo nas postas ao seu crescimento pela constituição de águas territoriais reivindicadas pelo Japão. 1947, que entrou em vigor com o país ocupado A segurança de ilhas vem se tornando após a Segunda Guerra Mundial. preocupação básica para o planejamento Assim, para o Japão reagir à tensão japonês de defesa e, gradativamente, essa regional e ao desafio de defender ilhas, é capacidade vem crescendo. importante desenvolver uma capacidade Apesar da evolução ocorrida nas diversas anfíbia unificada, conclui Goldman. E as formas e nos alcances de ameaças, o foco prin- razões para isso, segundo ele, podem ser cipal da Força de Autodefesa do Japão (JSDF, encontradas na forma como a defesa é Japan Self-Defense Force) não se alterou: pensada correntemente no país.

* Mestre em Estudos Estratégicos pela S. Rajaratnam School of International Studies, em Cingapura. Foi fuzileiro naval na Marinha dos Estados Unidos da América (EUA). Em 2012, foi associado-residente para relações EUA-Japão no Pacific Forum do Center for Strategic and International Studies (CSIS).

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Esse pensamento é moldado por fatos limite geográfico entre o Pacífico e o Mar como a colisão ocorrida entre um pesquei- da China. Elas são reivindicadas por aquele ro chinês e um navio da guarda-costeira país, que as denomina Ilhas Diaoyu. japonesa, após a qual foi divulgado o atual Assim, a partir de sua eleição, em de- Programa de Orientação da Defesa Nacional zembro de 2012, o atual primeiro-ministro, (NDPG) do Japão. Nele, observou o autor, Shinzo Abe, determinou a revisão de dire- é citado que uma força anfíbia robusta con- tivas de Defesa, indicando que seu parti- tribuiria para o cumpri- do desejava incrementar mento dos requisitos de gastos com o propósito de que a futura força de de- fortalecer a reação à pos- fesa do país privilegiasse tura crescentemente as- “prontidão, mobilidade, sertiva da China no mar. flexibilidade, versatili- Por todos esses motivos, dade e endurance”. afirma o autor, tornou-se Ademais, o Japão relevante a necessidade se defrontou com enor- de aumentar a capacidade mes desafios nos anos anfíbia da JSDF. recentes por incertezas Esse, então, é o tema políticas domésticas, a central deste artigo, que partir do triplo desas- aborda, ainda, a aliança tre iniciado em 11 de Japão-EUA, como está março de 2011, quando sendo desenvolvida essa um terremoto de grande capacidade anfíbia japo- magnitude gerou tsuna- nesa e as oportunidades mi que veio a provocar de avanços para am- vazamentos descontro- bos os aliados. O autor lados na planta nuclear de Fukushima, até à conclui abordando os impactos que o decisão governamental de adquirir as ilhas crescimento dessa capacidade causará na privadas de Senkaku, em setembro de 2012. política externa do governo e os riscos de As Senkaku são integradas por cinco ilhas escalada em caso de crise sobre a questão no extremo sul do arquipélago e fazem o das Ilhas Senkaku.

Forças de submarinos na América do Sul José Higuera* (Tenologia Militar, ano 35, no 4/2013, p. 25-29)

“Apesar de o Brasil sobressair com submarino de propulsão nuclear, outras seu ambicioso programa Prosub1 para nações da região sul-americana estão construção de uma série de quatro melhorando suas forças mediante pro- submersíveis convencionais e seu gramas de modernização e aquisição contínuo esforço para contar com um de navios.”

* Articulista chileno, especializado em Política e Segurança Internacional pela Universidade de Bradford. 1 Programa de Desenvolvimento de Submarinos, coordenado pela Marinha do Brasil.

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Essa é a frase que ini- cia esta análise detalhada por países das forças de submarinos da América do Sul. A ela o autor fez seguir histórico das primeiras iniciativas, na região, de aquisição da capacidade de operação com submersíveis no início do século XX. São apresentadas as si- tuações atuais e os progra- mas que se encontram em Submarino Tikuna. Por número de unidades e características, andamento dos seguintes as cinco unidades das classes Tupi e Tikuna, do Brasil, países: Brasil, Chile, Ar- constituem a mais poderosa força de submarinos da América do Sul. gentina, Peru, Colômbia, A eles, que estão sendo modernizados, se somarão outros quatro Venezuela e Equador. convencionais e um de propulsão nuclear

O Programa ARP-E da Marinha do Brasil Luiz Padilha* (Defesa Aérea & Naval, www.defesaaereanaval.com.br)

Esta matéria trata do Programa ARP-E O Programa está incluído no Plano (Aeronave Remotamente Pilotada – Embar- de Articulação e de Equipamento da MB cada), da Marinha do Brasil (MB), sobre o (PAEMB), segundo o autor, e prevê a qual houve demonstração do Vant (veículo aquisição de dez Vants a serem empregados aéreo não tripulado) Scan Eagle, da empre- com lançamento e recolhimento a partir de sa Insitu, em 18 de fevereiro, a bordo do navios. Seu propósito é realizar Patrulha Navio-Patrulha Oceânico (NPaOc) Apa. Naval na “Amazônia Azul” ou coleta de dados táticos e esclarecimento aéreo. Segundo Padilha, a MB selecionou e avaliou sete projetos de Vants: Hermes 90 da AEL (Elbit, Israel); Scan Eagle (Insitu, Boeing, EUA); FT-X1 (Flight Techno- logies, Brasil), todos de asa fixa; e, com asa rotativa, Pelicano (Indra, Espanha); Camcopter S100 (Schiebel, Áustria); Tanan 300 (Cassidian, EADS, Europa); e Skeldar V200 (Saab, Suécia). Os requisitos para NPAOc e Vant essa seleção foram capacidade de carga e

* Jornalista especializado em Defesa e um dos criadores do site Defesa Aérea & Naval. Participou de operações com as Forças Armadas brasileiras e estrangeiras, embarcando em navios e aeronaves (e-mail: padilha@ defesaaereanaval.com.br).

RMB1oT/2014 273 REVISTA DE REVISTAS limitações de operação do sistema embar- cado, o que previa capacidade de realizar operações a partir de navios sem convoo, com ventos de até 40 nós e estado do mar 4.

Camcopter S100 mas para testes de campo: Scan Eagle e Camcopter S100. Este deverá ser testado em maio próximo. O artigo aborda, ainda, Técnico preparando o Scan Eagle para o lançamento os sistemas de lançamento e recolhimen- to, características e alguns equipamentos De acordo com o artigo, a MB prevê existentes nos modelos e informa que a a aquisição de cinco sistemas, cada qual Marinha pretende adquirir um primeiro composto por dois veículos aéreos, uma es- lote com três sistemas (dois Vants por tação de controle, sensores modulares, um sistema), entre 2015 e 2023, e um segundo terminal de enlace de dados, equipamentos lote com dois sistemas, entre 2023 e 2025. de comunicações e seus subsistemas de Em outra matéria disponível no mesmo controle, lançamento e recuperação. site, o jornalista apresenta outros detalhes A matéria informa que a MB, após e opinião sobre teste do Scaneagle, que foi avaliar os projetos, escolheu dois siste- por ele acompanhado.

Guarda-costeira na América Latina, uma análise comparativa Francisco Javier Alvarez Laita* (Tecnologia Militar, ano 35, no 4/2013, p. 3-9)

Neste trabalho, são analisados os ser- que, para o desenvolvimento de suas tarefas, viços de vigilância costeira existentes na dispõe de meios navais dotados de sistemas América Latina, levando em consideração de armas de pequeno e médio calibre e conta, tanto aqueles que os agrupam em uma por vezes, com o apoio de meios terrestres e mesma instituição específica como aqueles aéreos, aviões, helicópteros e, recentemente, que os integram à sua força naval. de Vants (veículos aéreos não tripulados). O autor, de início, busca definir o que Entretanto, acrescenta Laita, essa definição considera guarda-costeira: organização que, é incompleta, havendo a necessidade de em cada país, tem por missão a vigilância da completá-la explicitando o espaço maríti- costa e dos espaços marítimos próximos e mo de soberania de cada país, as funções

* Engenheiro industrial pela Escuela Superior de Ingenieros Industriales da Universidad Politécnica de Madrid. É consultor e analista naval e diretor do Arquivo MdR Almirante de Castilla. Publicou mais de uma centena de artigos sobre temas navais e artilharia de costa, em colaboração com várias revistas especializadas.

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que cabem a essa organização e os tipos de para a importância do mar como fonte serviço que deve prestar. de riqueza e o consequente investimento O autor analisa separadamente cada um em sua segurança por meio da aquisição desses atributos e, no item referente aos de unidades navais tecnologicamente serviços a prestar, apresenta o elucidativo avançadas. quadro aqui reproduzido. Cita ainda que sua análise permite con- A seguir, apresenta análise detalhada das cluir que o caráter das tarefas das guardas- configurações desses serviços nos países, costeiras é essencialmente civil, apesar subdividindo-a pelas seguintes áreas de de reconhecer que, à exceção de poucos interesse: América do Norte, Central e Ca- países, existe “um excessivo peso militar ribe; Atlântico; Pacífico; Águas Interiores; em um serviço que entendemos deve ser e Estaleiros. fundamentalmente de caráter civil, o que é Em suas conclusões, Latia aborda a inevitável em muitos casos devido à falta conscientização crescente das sociedades de outros recursos”.

Serviços de guarda-costeira na América Latina. OPV (ocean patrol vessel – navio-patrulha oceânico)

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Jogo de empurra Danilo Oliveira (Portos e Navios, dezembro de 2013, edição 635, ano 55, p. 46-52)

Segundo o autor, a nova Lei dos Por- de obra por meio de cursos de capacitação tos – Lei 12.815/2013 – “herdou impasses e formação, buscando a excelência opera- que nem mesmo os 20 anos de vigência da cional e a formação de bancos de dados legislação anterior foram suficientes para de talentos para preenchimento de vagas resolver”. A mão de obra nos portos segue futuras. É citado, entre outros esforços originando disputas judiciais entre empre- para melhoria dos portos, o Programa do sas, sindicatos, trabalhadores e os Órgãos Ensino Profissional Marítimo (Prepom), Gestores de Mão de Obras, os Ogmos. da Diretoria de Portos e Costas, órgão da O setor portuário, que é “uma das Marinha do Brasil. Esse programa busca principais apostas dos programas de in- capacitar portuários avulsos de todo o fraestrutura do governo federal”, segundo País utilizando recursos do Fundo do Danilo Oliveira, vem gerando preocupa- Desenvolvimento do Ensino Profissional ção pelo impasse provocado por questões Marítimo (FDEPM), dos quais os Ogmos contratuais que prejudicam treinamento e também se beneficiam. Entretanto, esses qualificação de trabalhadores. recursos são por vezes contingenciados, Para a Federação Nacional dos Portuá- contribuindo para a crise financeira pela rios (FNP), a incorporação de equipamen- qual passam os Ogmos. Foram feitas tos modernos e novas tecnologias e o incre- tentativas pelos portuários, quando da mento do uso de contêineres nos 20 anos implantação da nova lei, de mudar a de vigência da lei anterior (Lei 8.630/93) forma de gestão dos Ogmos, mas “o implicaram o despreparo da mão de obra máximo que conseguiram foi incluir um disponível. O presidente da FNP defende trabalhador na direção do Ogmo. Já a a criação de um fórum entre trabalhadores, FNP cobra paridade de poder na gestão governo e setor patronal para rediscutir dos órgãos”, observa Danilo. políticas tanto de treinamento como de E nesse “jogo de empurra” identificado qualificação dos portuários brasileiros. pelo autor e que denomina o artigo, empre- O autor apresenta também opiniões de sários, sindicatos e trabalhadores seguem empresários do setor, muitos dos quais em busca de soluções intermediárias que investem na qualificação própria da mão tragam equilíbrio para o setor.

Terminal offshore mais profundo do mundo (Revista de Marinha, Portugal, janeiro/fevereiro 2014, Número 977, p. 17)

Será instalada ainda este ano, nas águas sociedade americana Tecniship. Ele é do Golfo do México, ao largo do porto de destinado a extração e exportação de gás Walker Ridge, a unidade extratora de gás natural liquefeito, inclui um terminal de offshore mais profunda de todos os mares. superfície para recolhimento, armaze- Assim noticiou a Revista de Marinha. namento e embarque do produto e será Esse equipamento pertence ao Grupo instalado a cerca de 3 mil metros de Shell e é fruto de acordo feito com a profundidade.

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Esta seção destina-se a registrar e divulgar eventos importantes da Marinha do Brasil e de outras Marinhas, incluída a Mercante, dar aos leitores informações sobre a atualidade e permitir a pesqui- sadores visualizarem peculiaridades da Marinha. Colaborações serão bem-vindas, se possível ilustradas com fotografias.

SUMÁRIO (Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃO ATIVAÇÃO Ativação da Diretoria de Gestão de Programas Estratégicos da Marinha (280) BATIMENTO DE QUILHA Batimento de quilha do NPa Magé (282) COMEMORAÇÃO Centenário da EGN (283) DOAÇÃO Doação de lanchas a municípios do Amazonas (286) DPHDM recebe doação de prato que pertenceu a Tamandaré (286) INAUGURAÇÃO Capitania Fluvial do Araguaia-Tocantins inaugura Próprios Nacionais Residenciais em Palmas (287) Inauguração do novo CCTram (288) INCORPORAÇÃO Sistema Lançadores Múltiplos de Foguetes Astros CFN 2020 (288) POSSE Assunção de cargos por almirantes (290) Mais um almirante brasileiro assume o comando da FTM-Unifil (290) PRÊMIO Prêmio escolar Tese Excepcional (291) NOTICIÁRIO MARÍTIMO

SOLENIDADE Encerramento da Marminas (291) Encerramento do Ano Cultural de 2013 da DPHDM (292) MB entrega aeronave à Armada do Uruguai após manutenção (297) MB entrega lanchas-patrulha ao Comando Militar da Amazônia (297) VISITAÇÃO Força de Submarinos recebe os melhores alunos do Acre no Enem (298)

APOIO ESTALEIRO Paraíba sediará grande estaleiro para docagens e reparos (299) OBRAS CIVIS MB recebe área para construção do Batalhão de Operações Ribeirinhas de Ladário (299)

ÁREAS ANTÁRTICA Governo chinês inaugura quarta estação científica na Antártica (300)

ATIVIDADES MARINHEIRAS BUSCA E SALVAMENTO MB realiza busca e salvamento em Santo Antônio do Içá (301) Salvamar Sueste recebe visita de agradecimento (301) REGATA Velas Latinoamerica 2014 (302) SALVAMENTO MB resgata vítimas de tempestade no Rio Negro (303) NAsH Carlos Chagas resgata náufrago no Rio Negro (304)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA (C&T) INOVAÇÃO TECNOLÓGICA LFM é classificado como Instituição Científica e Tecnológica (304) Novo anti-incrustante livre de cobre (305) LASER Canhão Laser será testado no USS Ponce (305) TECNOLOGIA Tecnologia oceânica traz Canadá ao Brasil (306)

CONGRESSOS FEIRA Feipesca 2014 (307) SEMINÁRIO Marinha promove seminário sobre o SisGAAz (307)

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EDUCAÇÃO ESPORTE Morre o Sg (FN) Barnabé, um dos heróis dos esportes na MB (308)

FORÇAS ARMADAS AERONAVE Acordo de Cooperação Técnica para o contrato de Modernização e Remotorização das Aeronaves C-1A (309) FUZILEIROS NAVAIS Aquisição de viatura-oficina do Sistema Astros (309) HELICÓPTERO UH-15 Super Cougar realiza primeiro reabastecimento em voo (310) MISSÃO DE PAZ Fragata Liberal é o novo capitânia da Força-Tarefa Marítima da Unifil (310) MÍSSIL Corveta Barroso lança míssil Exocet durante Aspirantex/2014 (311) OPERAÇÃO Aspirantex/2014 (311) Operação Amazônia Azul (313) Operação Chance para Todos (314) VEÍCULO AÉREO NÃO TRIPULADO Demonstração do Sistema Aéreo Remotamente Pilotado Scan Eagle (315)

PESSOAL RECURSOS HUMANOS Comandante da Marinha visita primeira turma com aspirantes do sexo feminino (316)

PODER MARÍTIMO EMPRESA Empresas estratégicas de Defesa recebem certificado do MD (316) NAVIO MERCANTE Navio de Produtos José Alencar entra em operação (317) PORTO MB firma parceria com a Itaoca Offshore (318) SISTEMA PORTUÁRIO MB apoia gerenciamento da orla de Tonantins no Alto Solimões (319)

PSICOSSOCIAL REVISTA Lançada 8a edição da Revista de Villegagnon (320)

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ATIVAÇÃO DA DIRETORIA DE GESTÃO DE PROGRAMAS ESTRATÉGICOS DA MARINHA

Foi realizada em 9 de janeiro último, Entretanto, o final da década de 90 e o no Salão Nobre do Comando da Marinha início dos anos 2000 foram anos de restri- (Brasília-DF), a cerimônia de ativação da ções orçamentárias, em que a MB viu-se Diretoria de Gestão de Programas Estra- com pouco espaço orçamentário para pro- tégicos da Marinha (DGePEM). Assumiu mover novas obtenções. a nova Organização Militar (OM) o Vice- Tornava-se claro que, para sanar to- Almirante Antônio Carlos Frade Carneiro. das essas carências acumuladas, a MB A seguir, transcrevemos a Ordem do Dia teria de desenvolver vários e importantes alusiva ao evento, expedida pelo diretor- programas simultaneamente, pois eram geral do Material da necessárias e pre- Marinha, Almirante mentes as obtenções de Esquadra Luiz Gui- de navios-patrulha lherme Sá de Gusmão: em grande número, “A Marinha do navios-escolta, sub- Brasil (MB) tem marinos convencio- por tradição sempre nais, navios anfíbios buscar organizar-se e mesmo de navios- adequadamente para aeródromo, tanto para enfrentar os desafios substituir o nosso São com os quais se Paulo quanto para depara. O dia de hoje, Alte Esq Gusmão e V Alte Frade assinam a ativação aparelhar a futura em que ativamos a da DGePEM Segunda Esquadra. Diretoria de Gestão Porém, na falta dos de Programas Estratégicos da Marinha – recursos financeiros, a Marinha planejou DGePEM –, é o resultado de mais uma e consolidou suas necessidades num Plano dessas reorganizações. de Articulação e Equipamento, herdeiro Ao longo das décadas de 70, 80 e 90 do direto dos PRM anteriores, de forma a século passado, a Marinha do Brasil desen- poder mensurar o esforço que teria de de- volveu um amplo e bem articulado Progra- senvolver para implementação dos novos ma de Reaparelhamento – PRM, em cujo programas e projetos. primeiro plano parcial de obtenção foram O Programa Nuclear da Marinha (PNM) executados, com sucesso, diversos projetos, e o programa de Desenvolvimento de Sub- tais como: navios-varredores classe Aratu, marinos de Propulsão Nuclear (Prosub) for- submarinos classe Humaitá, fragatas classe mam um caso à parte dentre os programas Niterói, Navio-Escola Brasil, corvetas estratégicos e de alta complexidade. classe Inhaúma, submarinos classe Tupi e o Apesar dos muitos êxitos alcançados, o Navio-Tanque Gastão Motta, entre outros. PNM viveu um período em que os recursos Todos esses projetos foram geridos pelas foram escassos, o que foi alterado a partir diretorias do setor do Material, valendo- de 2007, com a decisão do Presidente da se das técnicas gerenciais disponíveis e República de garantir recursos financeiros conhecidas à época. para o programa.

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Desde 2004, a MB buscava construir A análise do GTI quanto à localização novas unidades de submarinos para garantir da futura organização indicou ser o assunto a capacitação adquirida e a renovação de mais complexo e polêmico do que inicial- meios – processo esse que culminaria com mente previsto. Rio de Janeiro, São Paulo a criação do Prosub, em 2008, tendo como e Brasília apresentavam, cada uma, van- projeto a construção de quatro submarinos tagens e desvantagens específicas, tendo, convencionais, um submarino nuclear, uma então, o Grupo efetuado uma inovadora base naval e um estaleiro. Foi, então, for- sugestão: ter-se a sede no Planalto Central, mada uma estrutura, na Diretoria-Geral do com toda estrutura jurídica, financeira, Material da Marinha – a Coordenadoria de de negociação e interfaceamento com as Desenvolvimento do Submarino com Pro- autoridades do Governo Federal, e uma pulsão Nuclear (Cogesn) –, para conduzir parcela organizacional no Rio de Janeiro, o Prosub. Dessa forma, tanto o PNM como responsável por conduzir técnica e dire- o Prosub ficaram organizados no setor do tamente os projetos, com o concurso das Material. Por outro lado, mostrava-se na- Diretorias Especializadas e Centros do tural que a condução de outros programas Setor do Material. estratégicos também demandaria revisão na Todas as sugestões do GTI foram acei- organização administrativa da MB. tas pelo Almirantado e ratificadas pelo Dessa forma, em 2012, o comandante comandante da Marinha, que, em 29 de da Marinha determinou ao Estado-Maior janeiro de 2013, determinou a criação de da Armada (EMA) que, com concurso um Núcleo de Implantação da DGePEM. da Secretaria-Geral da Marinha (SGM), Para a direção desse núcleo, o comandante analisasse e propusesse uma metodologia da Marinha designou o Vice-Almirante de gestão e acompanhamento de progra- Antônio Carlos Frade Carneiro, que, em mas de grande relevância. O EMA, então, 22 de abril de 2013, após passar o cargo criou um Grupo de Trabalho Intersetorial de comandante do 9o Distrito Naval, – GTI – para propor adequação da estrutura apresentou-se na DGMM, recebendo a organizacional da MB de modo a aprimo- tarefa de capitanear a implantação do rar a metodologia de negociação, gestão núcleo da DGePEM. e acompanhamento físico-financeiro de Sinto-me feliz por ter a honra de ativar programas estratégicos. essa Diretoria. Reconheço sua importância Como primeiros programas estratégicos e tenho certeza que ela tornar-se-á a orga- a serem gerenciados, foram sugeridos o nização que dará significativa contribuição dos Navios-Patrulha de 500 t, o Programa para o sucesso de empreendimentos com- de Obtenção de Novas Corvetas da Classe plexos como são os programas estratégicos Barroso, o Programa de Obtenção de Meios da MB, valendo-se, para isso, de modernas de Superfície – Prosuper, o Sistema de Ge- técnicas de gestão, similares às do Project renciamento da Amazônia Azul – SisGAAz, Management Institute – PMI. Desse modo, o Programa de Obtenção de Navio-Aeródro- a DGePEM permitirá à DGMM, como Ór- mo – Pronae, e o Programa de Obtenção de gão de Direção Setorial do Material, manter Navios Anfíbios – Pronanf. Quanto à subor- o acompanhamento físico-financeiro dos dinação, a opção foi pela Diretoria-Geral do projetos e, ao mesmo tempo, servirá de Material da Marinha (DGMM) por serem os repositório da experiência e de todo o co- programas de natureza, primordialmente, do nhecimento acumulados em processos de setor do Material. negociação e de gestão de projetos.

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Ao Vice-Almirante Antônio Carlos Frade defesa, do prosseguimento da fase de contra- Carneiro, agradeço o excelente trabalho de- tação do Programa Estratégico SISGAAz. senvolvido à frente do núcleo da DGePEM e Expresso o voto marinheiro de ‘bons auguro sucesso na nova missão, que terá o seu ventos e mares tranquilos’ para a nossa primeiro grande desafio já na próxima semana, DGePEM!” com a ampla divulgação, para as empresas de (Fonte: Bono no 5, de 7/1/2014)

BATIMENTO DE QUILHA DO NPa MAGÉ

Foi realizado em 19 de dezembro de Macau, já foram transferidos para o Setor 2013, nas dependências do Estaleiro Ilha Operativo e atuam protegendo a “Amazô- S.A. (Eisa), no Rio de Janeiro, o batimento nia Azul” nas Águas Juridicionais do 1o e de quilha do Navio-Patrulha (NPa) Magé. do 3o Distritos Navais (Rio de Janeiro e A cerimônia, presidida pelo diretor-geral Natal), respectivamente. do Material da Marinha, Almirante de Além do patrulhamento dessas águas, Esquadra Luiz Guilherme Sá de Gusmão, os navios dessa classe devem executar di- marcou o efetivo início versas tarefas, entre elas, da construção do navio, em tempo de conflito, decorrente do contrato vigilância e defesa do assinado entre a Direto- litoral, de áreas marítimas ria de Engenharia Naval costeiras e das platafor- (DEN) e o Eisa. mas de exploração/explo- Estiveram presentes tação de petróleo no mar o presidente do Eisa, Jo- e contribuição na defesa suan Moraes Junior, e de porto. Em situação de o presidente do Grupo paz, podem promover a Synergy, German Efro- fiscalização que vise ao movich, que assistiram ao resguardo dos recursos assentamento do primeiro do mar territorial, das bloco da quilha do navio zonas contígua e econô- e ao ato simbólico de mica exclusiva, reprimir “martelar” o último cravo Placa comemorativa do atividades ilícitas (pes- da placa comemorativa, Batimento de Quilha do NPa Magé ca ilegal, contrabando, executado pelo diretor- narcotráfico e poluição geral do Material da Marinha, representan- do meio ambiente marinho), bem como do o “nascimento” da embarcação. contribuir para a segurança das instalações O Magé é o sexto navio da classe Macaé costeiras e das plataformas marítimas con- e o quarto a ser construído pelo Estaleiro tra ações de sabotagem e realizar operações Eisa. Ele faz parte de uma série de 27 navios de busca e salvamento na área de respon- encomendados a partir do projeto desenvol- sabilidade do Brasil. vido pela empresa francesa Constructions A incorporação do NPa Magé está pre- Mécaniques de Normandie – CMN. Os vista para 2015. dois primeiros da classe, encomendados (Fonte: Bono no 910, de 19/12/2013 e ao Estaleiro Inace, o NPa Macaé e o NPa www.mar.mil.br)

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CENTENÁRIO DA EGN

A Escola de Guerra Naval (EGN) com- Na ocasião, o diretor da EGN expediu a pletou, em 24 de fevereiro último, cem seguinte Ordem do Dia: anos de existência. Em evento comemora- “ ‘Quando a escola do oceano se reúne à tivo do centenário, o ministro da Defesa, escola da guerra podem estar certos de que Celso Amorim, proferiu palestra na sede se lhes dispensou, entre seus semelhantes, da instituição, no Rio de Janeiro. Em seu um quinhão incomparável de saber.’ (Rui pronunciamento, Amorim tratou de temas Barbosa) como a diplomacia marítima, cooperação A citação apelativa acima, estampada com países africanos, projetos estratégicos no interior do magnífico Auditório Taman- das Forças Armadas e a riqueza petrolífera daré, da Escola de Guerra Naval, alinhava do Brasil. o sentimento dos oficiais da Marinha do O processo de reaparelhamento das For- Brasil por sua escola de altos estudos mi- ças Armadas foi destacado pelo ministro. litares, que no dia de hoje comemora o seu Para ele, o avanço no programa de submari- primeiro centenário. A denominação de nos da Marinha (Prosub), a criação do Cen- ‘Escola Naval de Guerra’, que lhe foi dada tro de Defesa Cibernética do Exército (CD- no ato de sua criação, em 25 de fevereiro Ciber) e a aquisição das novas aeronaves de 1914, expressa a tríplice vocação que de combate da Aeronáutica (Projeto F-X2) desde então a caracterizou. Escola, centro “são marcos históricos” da modernização de estudos e de discussão de ideias, polo da Defesa brasileira. Além disso, Celso irradiador de conhecimento, casa do saber Amorim enfatizou, ainda, a necessidade de o naval, visceralmente ligada à vocação ma- Brasil ter adequada capacidade de dissuasão rítima da Nação, à Marinha e à missão de com vistas à proteção das enormes reservas prover seus oficiais dos instrumentos inte- de petróleo que o País detém na camada do lectuais para o exercício do comando e da pré-sal no Atlântico Sul. assessoria de mais elevado nível. E ainda, Na solenidade que marcou os cem anos de guerra, consagrada ao desenvolvimento da Escola de Guerra Naval, seu diretor, da doutrina da guerra no mar, e ao emprego Contra-Almirante Almir Garnier Santos, do último argumento da vontade nacional, reiterou que anualmente são formados mil em face de seus interesses, mormente os oficiais de Marinha “na casa destinada, marítimos. A alteração de seu nome para principalmente, à pesquisa”. ‘Escola de Guerra Naval (EGN)’, levada a Além do Ministro Celso Amorim, a ce- cabo em 1930, em nada alterou a vocação rimônia contou com a presença do coman- contida em sua gênese, mas sutilmente a dante da Marinha, Almirante de Esquadra expressou num encadeamento lógico car- Julio Soares de Moura Neto; do chefe do tesiano, partindo do geral para o específico, Estado-Maior da Armada, Almirante de tão à feição dos métodos nela ensinados, Esquadra Carlos Augusto de Sousa; do desde sempre. secretário-geral do Ministério da Defesa, Em sua trajetória centenária, a EGN Ari Matos Cardoso; e do coordenador de foi capaz de se adequar e atender às ne- Negócios dos Correios, Orlando Costa. cessidades decorrentes de um mundo em Durante o evento, foram também lançados acelerada transformação, de um país em o livro, a revista e o selo comemorativos do ininterrupto desenvolvimento e de um centenário da Escola. Poder Naval em constante evolução. O

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mundo industrial dos impérios coloniais de Marinha pode ser medida pelo universo europeus, que entraram em luta em 1914, de cerca de mil oficiais-alunos que anual- na disputa por mercados e fontes de ma- mente realizam seus cursos. térias-primas, deu lugar, no século XXI, Subordinada ao Estado-Maior da Arma- ao multifacetado mundo da unipolaridade da, órgão de direção-geral responsável pela estratégica, desafiada por ameaças difusas, formulação da doutrina naval, a EGN, além emoldurado pela desconstrução do sistema de conduzir seus cursos de altos estudos, econômico-financeiro tradicional, sob constituiu-se, ao longo de sua existência, no a predominância da inter-conectividade centro de estudos doutrinários da Marinha. global, proporcionada pela Tecnologia da Seus corpos docente e discente sempre Informação e das Comunicações. foram atores da discussão de novas ideias, Nesse contexto, a Escola de Guerra colaborando para o desenvolvimento do Naval sempre se atualizou e realçou sua pensamento estratégico naval brasileiro e importância para a Marinha com o correr a elaboração do planejamento estratégico dos anos. Desde o pioneiro Curso Superior da Marinha. Histórica foi a participação de Marinha, criado em 1911 e que deu da Escola nos estudos para a criação da origem à EGN, ocorreram significativas Sistemática de Planejamento de Alto Nível mudanças, até alcançar a amplitude aca- e do Plano Estratégico da Marinha, que, a dêmica atual. Hoje, o propósito incluso partir da década de 70 do século XX, se na missão da Escola, de contribuir para a constituíram em instrumentos basilares na capacitação dos oficiais para o desempe- condução da Marinha. nho de comissões operativas e de caráter Este 25 de fevereiro, em que a Escola administrativo, prepará-los para funções se engalana para celebrar seu primeiro de estado-maior e aperfeiçoá-los para o centenário de vida, pode ser tomado como exercício de cargos de comando, chefia, ponto de referência para, a partir da sólida direção e nos altos escalões da Marinha, é tradição de excelência acadêmica constru- atendido com a condução de quatro cursos ída desde 1914, lançar um confiante olhar de carreira. Os cursos de Estado-Maior sobre o futuro. Na última década, a parceria para Oficiais Intermediários, Superior, de estabelecida entre a EGN e a Universidade Estado-Maior para Oficiais Superiores e Federal do Rio de Janeiro, a fim de conduzir de Política e Estratégia Marítimas geram cursos de Gestão Internacional, Empresa- um vínculo perene entre a oficialidade de rial e em Saúde, introduzidos nos currículos todos os corpos e quadros e nossa cente- dos cursos de carreira, inaugurou um sólido nária instituição, cujos bancos escolares processo de inserção no meio acadêmico são frequentados desde o posto de capitão- nacional. Esse processo foi aprofundado e tenente até o de capitão de mar e guerra. adquiriu caráter irreversível, com a criação A oficialidade naval, forjada no Colégio do Laboratório de Simulações e Cenários, Naval, na Escola Naval e no Centro de em 2012, e do Curso de Pós-Graduação Instrução Almirante Wandenkolk, tem em Estudos Marítimos, o C-PGEM, em moldada, em nossa EGN, sua maturidade 2013. O Laboratório ofereceu a centenária intelectual e profissional, em preparação expertise da Escola em Defesa e Relações ao exercício de cargos nos mais altos Internacionais a pesquisadores pós-gradu- postos da carreira. A dimensão da parti- andos de diversas universidades brasileiras, cipação da EGN no processo de contínua dando prosseguimento às iniciativas de formação a que são submetidos os oficiais participação nos programas federais Pró-

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Defesa e Pró-Estratégia. O C-PGEM, cuja tripulação, que, assim como eu, teve a aula inaugural ocorreu no último dia 11 de sorte e a honra de servir aqui no ano do fevereiro, abre três linhas de pós-graduação primeiro centenário de nossa vibrante, a estudantes civis e militares, contribuindo apesar de não mais tão jovem, Escola, para motivar a academia aos estudos marí- exorto-os a continuarem seguindo a segura timos, com forte viés no campo da Defesa. derrota traçada por insignes ex-diretores e Tal movimento, com certeza, contribui navegada por todos os marinheiros, fuzi- para a formação da mentalidade marítima leiros e servidores civis que nos legaram no Brasil e a conscientização da sociedade essa bela escola da guerra nos oceanos e para a temática da Defesa Nacional. Não rios. Ao longo de um século, valorosos podemos nos escusar a ressaltar que esse brasileiros, homens e mulheres do mar, processo também conta com a participação construíram uma história de tradição e do Centro de Estudos Político-Estratégicos, excelência, que hoje é motivo de orgulho o Cepe, responsável pela edição da Re- para a Marinha e para o Brasil. Assim, ten- vista da EGN e pela discussão dos temas do tido a fortuna de receber extraordinário ligados à Defesa Nacional, com ênfase no legado de meus 64 antecessores, deixo fa- pensamento político-estratégico marítimo cilmente consignadas minhas orientações: brasileiro, por intermédio dos seminários que continuemos atendendo prontamente e simpósios que semestralmente organiza. às ordens de leme e máquinas de nossos Destaco, ainda, uma ferramenta presente chefes, marcando os pontos conspícuos em nossa Escola desde seus primórdios e da tradição, da excelência e da melhoria que lhe imprime uma marca muito caracte- contínua, em nossa segura navegação. Por rística e pioneira em nosso país: os Jogos de certo o ‘quinhão incomparável de saber’ a Guerra. Dos pioneiros jogos em tabuleiro, nós dispensado, para cumprir a nobre mis- iniciados com o apoio da Missão Naval são de ensinar a guerra do mar aos nautas, Americana, chegamos ao atual Centro de nos trará bons ventos e mares tranquilos, Jogos de Guerra, dotado de um sistema de rumo ao segundo centenário. simulação completamente desenvolvido no Lembrai-vos da guerra! Viva a Marinha!” Brasil, pelo Centro de Análise de Sistemas (Fontes: Ministério da Defesa e Bono no Navais, observando os requisitos estabe- 147, de 25 de fevereiro de 2014) lecidos pela Escola. Hoje, o Centro de Jogos conduz jogos de guerra didáticos e analíticos, jogos de crise e jogos de caráter multina- cional, segundo diversas técnicas, atendendo aos cursos da própria Escola, a comandos operativos, a compromissos internacio- nais da Marinha e, ainda, a várias instituições gover- namentais. Ao dirigir-me à minha Ministro da Defesa destaca fortalecimento das Forças Armadas em entusiasmada e dedicada palestra pelos 100 anos da EGN

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DOAÇÃO DE LANCHAS A MUNICÍPIOS DO AMAZONAS

Foi realizado, em 10 de dezembro de Cadastro Único para Programas Sociais do 2013, ato de doação de 42 Lanchas da Governo Federal. Assistência Social (LAS) para prefeituras De acordo com a secretária de Estado da do Amazonas. O ato contou com a partici- Assistência Social e Cidadania (Seas), Regina pação do comandante do 9o Distrito Naval Fernandes, as lanchas vão reforçar o trabalho (Manaus-AM), Vice-Almirante Domingos de consolidação dos serviços do Suas e a Polí- Savio Almeida Nogueira. As lanchas foram tica de Proteção Social Básica nos municípios. construídas pela Base Naval de Val-de- As embarcações destinam-se aos mu- Cães, em Belém (PA). nicípios de Alvarães, O termo de doa- Anamã, Anori, Apuí, ção foi assinado pelo Atalaia do Norte, Au- Governo do Estado tazes, Barcelos, Bar- do Amazonas e pelo reirinha, Benjamin Ministério do Desen- Constant, Boa Vista volvimento Social do Ramos, Boca do e Combate à Fome Acre, Borba, Carauari, (MDS).O propósito Careiro, Coari, Envira, do evento foi difun- Fonte Boa, Guajará, dir informações so- Humaitá, Itacoatiara, bre a importância da Vice-governador do Amazonas, José Melo, Itamarati, Itapiranga, e Vice- Almirante Savio na cerimônia utilização das LAS Juruá, Jutaí, Lábrea, para a Política de Proteção Social Básica Manicoré, Maraã, Maués, Nova Olinda, e outros serviços do Sistema Único de Novo Airão, Parintins, Pauiní, Rio Preto da Assistência Social (Suas) aos prefeitos e Eva, Santa Isabel do Rio Negro, São Gabriel gestores municipais. da Cachoeira, Silves, Tabatinga, Tapauá, Cada lancha tem capacidade para trans- Tefé, Tonantins, Urucará, e Urucurituba. portar até 12 pessoas (sendo dois tripulan- Segundo Regina Fernandes, os muni- tes). Elas serão utilizadas no deslocamento cípios que não foram contemplados nesta das equipes de assistência social para primeira remessa receberão lanchas a partir realizar a busca ativa de famílias ribeiri- do próximo ano. nhas e extrativistas ainda não incluídas no (Fonte: www.mar.mil.br)

DPHDM RECEBE DOAÇÃO DE PRATO QUE PERTENCEU A TAMANDARÉ

A Diretoria do Patrimônio Histórico e questão foi adquirida da Feira de Antigui- Documentação da Marinha (DPHDM) rece- dades da Praça Benedito Calixto, em São beu, no final do ano passado, um prato que, Paulo, há aproximadamente 14 anos. segundo seu doador, José Augusto Leitão, Colecionador de peças antigas, o do- teria pertencido ao Almirante Tamandaré, ador costuma frequentar feiras à caça de patrono da Marinha do Brasil. A peça em itens para suas coleções. Ele conta que a

286 RMB1oT/2014 NOTICIÁRIO MARÍTIMO viu no chão, em cima de uma toalha onde não conseguiu saber a quem havia pertencido havia outros objetos. “O que me chamou e o ano ou período correto da sua fabrica- a atenção, além do ção, apesar de pesqui- perfeito estado de sar exaustivamente em conservação, foi seu livros e enciclopédias tamanho incomum e sobre o assunto. Para sua beleza”, conta. O tentar sanar suas dúvi- prato tem 38 cm de das, ele recorreu a um diâmetro e desenhos especialista em porce- em arabescos e mo- lanas e descobriu a data tivos florais, dando aproximada da fabrica- a ideia de movimen- ção, 1862, e seu dono tos, sendo esses ara- original, o Almirante bescos e florais em Tamandaré. “Assim um tom azul profun- que tive a certeza da do, pintados sobre origem da peça, resolvi porcelana branca. O doá-la a uma entidade interesse pela peça Prato do Almirante Tamandaré doado por que pudesse promover fez com que a ad- José Augusto Leitão a sua melhor custódia quirisse, a despeito e divulgação. Por ela de não possuir informações de origem. se pode conhecer um pouco mais da vida Apesar de o prato ter um carimbo do fa- de um herói brasileiro e membro da antiga bricante na sua parte inferior, o colecionador aristocracia brasileira”, disse.

CAPITANIA FLUVIAL DO ARAGUAIA-TOCANTINS INAUGURA PRÓPRIOS NACIONAIS RESIDENCIAIS EM PALMAS

Foi realizada, em 30 de janeiro último, (PNR). A solenidade, presidida pelo coman- em Palmas (TO), cerimônia de entrega de dante do 7o Distrito Naval (Brasília-DF), quatro novos Próprios Nacionais Residenciais Vice-Almirante José Carlos Mathias, ocorreu na Capitania Fluvial do Araguaia-Tocantins. Além do atual capitão dos Portos, Capitão de Fragata Jorge João Cabral de Oliveira, estava presente também o seu an- tecessor, Capitão de Fragata Carlos Alberto Coelho da Silva. As residências do Condomínio Cisne Branco possuem cerca de 130 m2 de área construída e são divididas em sala, três quartos (sendo uma suíte), banheiro social, cozinha, área de serviço, dependência de Comandante do 7o Distrito Naval empregada e garagem coberta. visita PNR recém-inaugurado (Fonte: www.mar.mil.br)

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INAUGURAÇÃO DO NOVO CCTram

Foi inaugurado, em 31 de janeiro últi- equipamentos de visualização, contribuirá mo, o novo Centro de Controle do Tráfego para a construção da consciência situacio- Marítimo (CCTram) nal marítima, forne- do Comando do Con- cendo um panorama trole Naval do Tráfego de superfície otimi- Marítimo (Comcon- zado para as diversas tram). A cerimônia atividades realizadas de inauguração foi pela Marinha do Brasil presidida pelo coman- na “Amazônia Azul”. dante de Operações Essas tarefas estão re- Navais e diretor-geral lacionadas com a se- de Navegação, Al- gurança da navegação mirante de Esquadra Apresentação do CCTram pelo CMG Pralon, e a salvaguarda da vida Luiz Fernando Palmer comandante do Controle do Tráfego Marítimo humana no mar, cuja Fonseca. principal fonte de da- Esse novo Centro de Controle, com dos é o Sistema de Informações Sobre o requisitos ergométricos de conforto e pra- Tráfego Marítimo (Sistram). ticidade para os operadores, e modernos (Fonte: Bono no 89, de 4/2/2014)

SISTEMA LANÇADORES MÚLTIPLOS DE FOGUETES ASTROS CFN 2020

Foi incorporado, em 17 de março último, O Sistema Astros surgiu como um dos o Sistema Lançadores Múltiplos de Fogue- maiores sucessos da indústria bélica na- tes (LMF) Astros CFN 2020. Na ocasião, cional no início da década de 1980, mas a o comandante do Material de Fuzileiros Empresa Avibras, para chegar a desenvol- Navais, Contra-Almirante (FN) Gilmar ver esse sistema, passou por várias fases Francisco Ferraço, expediu a seguinte desde o início de sua criação, em 1961, Ordem do Dia: quando elaborou o projeto para desenvol- “Nesta data, concretiza-se mais uma vimento de uma aeronave de treinamento meta prevista no Plano de Articulação para a Força Aérea Brasileira (FAB), o e Equipamento da Marinha do Brasil Projeto Falcão, um monomotor de asa bai- (PAEMB). Meta esta que teve seu início em xa e estrutura em material composto. Nas 14 de dezembro de 2011, quando, então, foi décadas seguintes, trabalhou, em conjunto assinado o contrato de obtenção de uma Ba- com o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), teria de Lançadores Múltiplos de Foguetes no desenvolvimento de diversos foguetes (LMF) Astros CFN 2020. Esta aquisição, de sondagem. Com o conflito entre Irã e além de atender a uma meta do PAEMB, Iraque, houve o primeiro grande contrato contribui para consolidar a Base Industrial internacional para a empresa na área de de Defesa, conforme é determinado na defesa, o desenvolvimento do Sistema Estratégia Nacional de Defesa. Astros II, Sistema de Artilharia de Satura-

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ção. A eficiência comprovada permitiu sua a contratação de uma Viatura Oficina exportação também para Arábia Saudita, Veicular e Eletrônica, complementando a Bahrein, Malásia, Qatar e, ultimamente, configuração previamente planejada. para a Indonésia, o que levou a Avibras a O Sistema Astros CFN 2020, além de já manter um desenvolvimento continuado ter comprovada performance na eficiência do Sistema, sendo que a variante 2020 tem do tiro de saturação de área e de sua pla- como principal característica a eletrônica taforma, foi aprovado também nos testes avançada e uma arquitetura de Comando e de embarque nos meios navais, o que qua- Controle totalmente digital. lifica o emprego do Sistema a participar O Sistema Astros CFN 2020 é consti- de Operações Terrestres de caráter naval, tuído por lançadores múltiplos de foguetes partindo do mar, com apoio de Forças montados sobre viaturas para lançamento Navais. E, por ser uma arma de grande de foguetes de artilharia para saturação de efeito dissuasório, agrega valioso poder área, necessários para estender o alcance de combate aos Grupamentos Operativos da Artilharia de Campanha em profundi- de Fuzileiros Navais. dade, atualmente podendo atingir alvos a Com esse Sistema de Armas, que hoje mais de 80 km. Para que o recebimento é incorporado ao seu acervo, o CFN passa deste novo meio ocorresse de forma ade- a contar com um poder de fogo sem pre- quada, a partir de março de 2012, após cedentes em sua história, tanto em volume a assinatura do contrato de aquisição quanto em alcance. Cabe ressaltar que, junto à Empresa Avibras, o Comando devido às suas características, este sistema do Material de Fuzileiros Navais criou não substitui a necessidade dos obuseiros em sua estrutura funcional uma gerência 155mm, mas sim acrescenta uma capa- de meio, especificamente para conduzir cidade que até então inexistia em nossa esta complexa tarefa. Devido ao envol- Artilharia de Campanha. vimento de várias organizações militares Neste momento, ao entregar ao Setor para armazenagem e manutenção dos Operativo o primeiro lote do Sistema Lan- equipamentos e suas munições, também çadores Múltiplos de Foguetes Astros CFN foi criado o Empreendimento Modular no 2020, completamos uma etapa do projeto, 23, visando à construção da infraestrutura mas ainda há um longo caminho a percor- necessária, que envolve obras civis para rer, e podemos garantir que será trilhado a instalação da Bia, na antiga garagem do com renovado ânimo, por vermos aqui, à Centro de Instrução Almirante Sylvio de nossa frente, o trabalho se materializando, Camargo; a reforma do cais do Comando e parabenizo a todos os envolvidos nesta da Tropa de Reforço, na Ilha das Flores, e empreitada pela dedicação e pelo profis- a reforma do cais e de paióis no Centro de sionalismo demonstrados. Ao Comando Mísseis e Armas Submarinas da Marinha da Força de Fuzileiros da Esquadra, “a (CMASM) para uma adequada estocagem Força que vem do mar”, ao Comando da e armazenagem da munição. Divisão Anfíbia e ao Batalhão de Artilharia O Sistema adquirido é composto por de Fuzileiros Navais, que ora incorporam seis viaturas lançadoras, três viaturas este novo meio, desejo muito sucesso no remuniciadoras, uma viatura Posto de emprego dessa nova arma. Comando e Controle, uma viatura me- Adsumus! Viva a Marinha!” teorológica e, mais recentemente, em (Fonte: Bono Especial No 201, de 18 de janeiro do corrente ano, foi formalizada março de 2014)

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ASSUNÇÃO DE CARGOS POR ALMIRANTES

– Contra-Almirante Petronio Augusto Fuzileiros Navais; em 7/2; Siqueira de Aguiar, assistente da Marinha – Contra-Almirante Joése de Andrade na Escola Superior de Guerra, em 8/1; Bandeira Leandro, coordenador do Pro- – Vice-Almirante Antônio Carlos Frade grama de Reaparelhamento da Marinha, Carneiro, diretor de Gestão de Programas em 20/3; Estratégicos da Marinha, em 9/1; – Contra-Almirante (MD) Dalva Maria – Contra-Almirante (FN) Gilmar Fran- Carvalho Mendes, diretora do Centro de cisco Ferraço, comandante do Material de Perícias Médicas da Marinha, em 25/3. MAIS UM ALMIRANTE BRASILEIRO ASSUME O COMANDO DA FTM-UNIFIL

A Marinha do Brasil (MB) tem, pela de efetivar a retirada israelense do Líbano, quarta vez consecutiva, um almirante brasi- restaurar a paz e a segurança e assistir ao leiro comandando a Força-Tarefa Marítima governo libanês no restabelecimento da da Força Interina das Nações Unidas no autoridade na área. Líbano (FTM-Unifil). Desde 2011, a MB Já a Força-Tarefa Marítima (FTM), se mantém no comando da FTM-Unifil e, componente marítimo da missão, foi criada neste ano, envia para liderá-la o Contra- em outubro de 2006 e realiza operações de Almirante Walter Eduardo Bombarda, que, interdição marítima e vigilância para impedir cumulativamente, exercerá o comando do a entrada de armas e material conexo no Líba- contingente brasileiro da Unifil. no, além de contribuir para o treinamento da A cerimônia de passagem de comando Marinha libanesa. Os navios patrulham faixa ocorreu na manhã do dia 26 de fevereiro, de 100 quilômetros a partir da costa libanesa, em Beirute, Líbano. O Contra-Almirante que tem 220 quilômetros de extensão. Bombarda assume o posto que era ocupado (Fonte: www.mar.mil.br) pelo Contra-Almirantete Joése de Andrade Bandeira Leandro. Ele comanda- rá a força multinacional composta por nove navios de guerra: um do Brasil, a Fragata Liberal, atual capitânia da FTM-Unifil; dois da Alemanha; dois de Bangladesh; um da Grécia; um da Indonésia; um da Itália e um da Turquia. A Unifil foi criada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em março de 1978, com a finalidade CA Bombarda assume o comando da FTM-Unifil

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PRÊMIO ESCOLAR TESE EXCEPCIONAL

O Capitão de Corveta Daniel Peixoto de Post Graduate School (NPS), localizada Carvalho recebeu o prêmio escolar “Tese em Monterey, Califórnia, Estados Unidos. Excepcional” (tradução livre de “Outstan- O brasileiro classificou-se como primei- ding Thesis”) pelo trabalho “Dynamics, heat ro colocado da turma composta por oito transport, spectral composition and acoustic oficiais, sendo ele o único estrangeiro. O signatures of mesoscale variability in the CC Peixoto concluiu o curso com distin- ocean”, decorrente de sua participação no ção, sendo a formatura realizada em 20 de curso de Master of Sciences em Meteoro- dezembro de 2013. logia e Oceanografia (Metoc), na Naval (Fonte: Bono no 069, de 28/1/2014)

ENCERRAMENTO DA MARMINAS

Foi encerrada em janeiro último, no General de Brigada Oscar Jesus Dextre Fer- Peru e no Equador, a missão de Assistência nandez; o diretor de Segurança e Defesa do à Remoção de Minas na América do Sul Ministério das Relações Exteriores do Peru, (Marminas). A missão foi criada na região de Carlos Gil de Montes Molinari; o diretor- fronteira entre Equador e Peru, em 1o de maio geral da JID, Vice-Almirante Bento Costa de 2003, pela Junta Interamericana de Defesa Lima Leite de Albuquerque Junior; e chefe (JID) com o propósito de oferecer assistência da Marminas, Capitão de Mar e Guerra (FN) técnica ao Programa de Ação Integral contra José Roberto Nunes da Silva. Minas Antipessoal (Aicma) da Organização Em Quito (Equador), no dia 17, na dos Estados Americanos (OEA). Escuela Superior Militar Eloy Alfaro, foi Em Lima (Peru), a realizada cerimônia cerimônia de encerra- militar em homenagem mento aconteceu dia à Marminas, a cargo 15, na Dirección Geral do Ministério da De- de Desminado Huma- fesa do Equador. Nesse nitario del Ejército de mesmo dia, na resi- Perú (Digedehume) e dência do embaixador contou com a presença do Chile naquele país, dos seguintes embai- aconteceu a Cerimônia xadores naquele país: de Encerramento da Carlos Alfredo Lazary Cerimônia de encerramento em Lima missão, com a parti- Teixeira, do Brasil; cipação das seguintes José Sandoval Zambrano, do Equador; autoridades: vice-ministro da Defesa do Humberto Lopez Villamil Ochoa, de Hon- Equador, Carlos Larrea; embaixador do duras; Fabio Vio Ugarte, do Chile; e Marcela Chile no Equador, Juan Pablo Lira Bianchi; María Pérez Silva, da Nicarágua. Também representante do embaixador do Brasil no compareceram o representante do secretário- Equador, Ministro Conselheiro Jonas Gui- geral da OEA no Peru, Pablo Zuñiga; o marães Ferreira; diretor-geral da Secretaria representante do chefe da Digedehume, da JID; e o chefe da Marminas.

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Ao longo de mais de dez anos, a Marmi- nas contou com a participação de 79 moni- tores interamericanos, sendo 49 brasileiros, 18 chilenos, seis hondurenhos e seis nica- raguenses, os quais, com apoio, convívio fraterno e irrestrita hospitalidade de militares e da população civil equatoriana e peruana, lograram alcançar resultados expressivos, removendo mais de 13.500 minas antipes- soal, em ambiente operacional de selva e em terreno montanhoso, abrangendo uma área de mais de 368 mil metros quadrados. (Fonte: www.mar.mil.br) Cerimônia de encerramento em Quito

ENCERRAMENTO DO ANO CULTURAL DE 2013 DA DPHDM

Foi realizada no Auditório do Museu mereçam recebê-la em testemunho de Naval, na Cidade do Rio de Janeiro, em gratidão e lembrança. 18 de dezembro de 2013, a cerimônia Foram agraciados o Capitão de Corveta de Encerramento do Ano Cultural da (IM) Luis Fernando dos Reis Vasconcelos, Diretoria do Patrimônio Histórico e o Suboficial (MO) Marcos Martins da Silva, Documentação da Marinha (DPHDM). o Terceiro-Sargento (ES) Alexson Santos Na ocasião, também foram lidas as Efe- Costa, o Cabo (ES) Thiago Pereira Firmo, mérides 2013 e celebrados os 25 anos da o Servidor Civil Wagner Luiz Bueno dos outorga do Nobel da Paz às Forças de Santos e a Servidora Civil Elizabeth Ma- Manutenção de Paz da Organização das ria de Menezes Galvão Roland, todos da Nações Unidas (ONU). DPHDM, além de Eliane Rose Vaz Cabral A cerimônia começou com o canto do Nery, do Museu Histórico Nacional. Na Hino Nacional. Em seguida, o diretor do sequência, o Primeiro-Tenente (T) Sérgio Patrimônio Histórico e Documentação Oliveira, como vogal, procedeu à leitura da Marinha, Vice-Almirante Armando das Efemérides. de Senna Bittencourt, presidiu a mesa de honra, composta pelo General de Exér- EFEMÉRIDES NAVAIS cito (Refo) Pedro Luiz de Araújo Braga e pelo Tenente-Coronel (Refo) Ivo de “Nos últimos anos, os estudos biográfi- Albuquerque. cos ganharam nova dimensão e retomaram Em seguida às palavras de abertura, importância, agora não mais sob a luz de foram entregues as medalhas de Cola- uma certa visão heroica e literária dos gran- borador Emérito. Criada pela Ordem de des vultos nacionais, mas contextualizando Serviço no 32/2004, da então Diretoria histórias de vida dentro de uma abordagem do Patrimônio Histórico e Cultural da conhecida como Nova História. Marinha, a comenda tem a finalidade de Instituições como a Marinha do Brasil agraciar pessoas e entidades que, tendo têm a sua história e suas tradições for- prestado serviços relevantes à Diretoria, madas, ao longo do tempo, de maneira

292 RMB1oT/2014 NOTICIÁRIO MARÍTIMO indissociável à biografia dos que por ela Vice-Almirante Mario Geraldo Ferreira passaram, cujas trajetórias singulares de Braga vida trazem à tona não somente a nossa história, mas também a do nosso tempo e O Vice-Almirante Mario Geraldo Fer- do nosso País. reira Braga iniciou sua carreira naval em A história marítima e naval brasileira 1931, com 18 anos de idade. Em 1943, busca relatar e redescobrir, por meio após o Brasil ter entrado na Segunda Guerra dos estudos biográficos, personagens Mundial, exerceu o comando do Aviso marcantes que construíram a Marinha Amapá, subordinado ao Comando Naval do e contribuíram de forma coletiva para a Norte, onde teve a missão de recolher náu- realidade atual, apresentando histórias fragos de um submarino alemão, destruído de importância fundamental para o nosso em ataque aéreo, resgatando um marinheiro presente momento. das forças inimigas e entregando-o na ci- Assim, estamos reunidos nesta Sessão dade de Belém. de Efemérides para relembrar almirantes Em 1944, designado para servir no do passado que prestaram importantes ser- Contratorpedeiro Bertioga, subordinado viços à Marinha do Brasil e completaram à Força Naval do Nordeste, participou de centenário de nascimento em 2013. importantes missões de comboio a navios mercantes, em conjunto com a Quarta Es- Centenário de Nascimento quadra Americana no Atlântico e no Caribe. Após o fim dos conflitos, foi designado Destacamos os almirantes do Corpo para receber nos Estados Unidos o Navio- da Armada e do Corpo de Engenheiros Tanque Raza e tornou-se seu primeiro Navais que alcançaram o posto de oficial comandante. superior em meados da década de 1940, período caracterizado pelas tentativas de reaparelhamento naval com o despertar do novo Arsenal de Marinha da Ilha das Cobras, mas principalmente marcado pelo ingresso do Brasil na Segunda Guerra Mundial. O Brasil se viu envolvido nessa guerra quando submarinos alemães e italianos pas- saram a atacar e afundar navios mercantes brasileiros, com o propósito de interromper o transporte marítimo de mercadorias para seus inimigos. Nesse conflito, a Marinha de Guerra brasileira cumpriu sua missão de manter nossas linhas de comunicações marítimas abertas e promover a defesa da navegação mercante dos Aliados. Os homenageados deste ano são o Vice-Almirante Mario Geraldo Ferreira Braga e o Vice-Almirante (EN) Roberto da Rocha Fragoso. Vice-Almirante Mario Geraldo Ferreira Braga

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Após deixar o comando do Raza, no 590-c, de 9 de março de 1955, foi trans- embarcou na Diretoria do Pessoal da Ma- ferido para o Corpo de Engenheiros Navais. rinha, onde assumiu a comissão formada Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu para elaborar um plano para aumentar os no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, contingentes do pessoal especializado dos tendo sido enviado aos Estados Unidos Quadros do Pessoal Subalterno da Armada. da América com a missão de aperfeiçoar Foi nominalmente elogiado nessa comissão seus conhecimentos sobre a fabricação e pelo ministro da Marinha, Almirante Jorge a manutenção de torpedos. Regressou ao do Paço Mattoso Maia, que ressaltou suas Brasil em 1945 e foi designado para ser- qualidades excepcionais de direção. vir na Comissão de Estudos de Torpedos Durante o tempo em que permaneceu no instalada na Diretoria do Armamento da posto de capitão de mar e guerra, assumiu Marinha, onde exerceu os cargos de direção cargos importantes, tais como: adido naval de Serviços de Fabricação de Torpedos e à Embaixada do Brasil em Roma, diretor do de Serviços de Seleção e Montagem de Colégio Naval, vice-diretor de Eletrônica Máquinas e Ferramentas, fundamentais da Marinha e Estado-Maior da Esquadra, para a organização da futura Fábrica de para onde foi convocado com a missão de Torpedos da Marinha. encontrar soluções para o problema de abas- tecimento, demonstrando grande habilidade e competência nas medidas que tomou a fim de sanar as deficiências existentes. Em 1966, chegou ao posto de contra- almirante assumindo o comando da Força Aeronaval, onde deu prosseguimento ao esforço de chegar à excelência nas opera- ções com helicópteros, contribuindo para a transformação da Marinha do Brasil em uma das poucas Marinhas do mundo que operam com helicópteros embarcados, inclusive no período noturno, e em navios relativamente pequenos. Em 1969, assumiu o cargo de coman- dante da Força de Transporte da Marinha, onde se dedicou ao aumento exponencial das atividades de transporte de carga. Sua última comissão foi a de diretor do Pessoal Militar da Marinha. Desligou-se do serviço ativo no posto de vice-almirante, em 1972. Roberto da Rocha Fragoso

Vice-Almirante (EN) Roberto da Rocha Pelo Decreto no 25.196, de 9 de julho Fragoso 1948, a Comissão de Estudos de Torpedos passou a denominar-se Fábrica de Torpedos O Vice-Almirante (EN) Roberto da da Marinha, tendo sido designado pelo Rocha Fragoso ingressou na Marinha em Gabinete do Ministro da Marinha para ser 1930, com 17 anos de idade. Pelo Decreto o chefe do Departamento Industrial.

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Em 1955, após a conclusão do curso de paz para os Bálcãs, Israel, Caxemira, Egito, Engenharia Industrial e de Armamento na Líbano, Congo, Nova Guiné Ocidental, Iê- Escola Técnica do Exército, foi transferido men, Chipre, República Dominicana, Afe- para o Corpo de Engenheiros e Técnicos ganistão, Irã e Iraque. As unidades estavam Navais. Em 1956, já como capitão de mar sob o comando do secretário-geral da ONU e guerra, assumiu a direção da Fábrica de e foram disponibilizadas voluntariamente Torpedos da Marinha, completando sua pelos países membros. contribuição na obtenção e no desenvolvi- Neste mesmo período, o Brasil esteve mento de conhecimento técnico referente nas seguintes operações: Comissão Es- a torpedos, e na organização, estruturação pecial das Nações Unidas para os Bálcãs e funcionamento desta Fábrica. (Unscob), Força de Emergência das Nações Em 1964, após chegar ao Almirantado, Unidas no Egito (Unef), Operação das continuou a exercer o cargo de subdiretor Nações Unidas no Congo (Onuc), Grupo de Engenharia Naval, e mais tarde, como Precursor de Observadores da Força de diretor de Engenharia da Marinha, tomou Segurança da Autoridade Executiva Tem- parte na Comissão de Estudos para refor- porária das Nações Unidas em Irian Java mulação definitiva do Programa Decenal de (Unsf), Missão de Observadores das Na- Construção Naval. Exerceu interinamente ções Unidas no Iêmen (Unyom), Força de a Direção-Geral do Material da Marinha e Manutenção da Paz das Nações Unidas no desligou-se do serviço ativo em 1972, no Chipre (Unficyp), Escritório de Representa- posto de vice-almirante. ção do Secretário-Geral das Nações Unidas As breves palavras ditas aqui não ex- na República Dominicana (Domrep) e Mis- pressam todas as contribuições dos home- são de Observadores das Nações Unidas nageados, nem conseguem retratar toda a entre Índia e Paquistão (Unipom). herança que esses líderes navais deixaram Com exceção das forças que foram para a Marinha do Brasil. A homenagem enviadas para o Congo, as tropas eram equi- prestada, ainda que singela, é um justo padas com armas leves para a autodefesa, reconhecimento aos que dedicaram suas tendo como principais atribuições: informar vidas à defesa do Brasil.” sobre a situação em áreas de crise, criar Na segunda parte da solenidade, foi zonas tampão, manter os contatos entre realizada a comemoração dos 25 anos da as partes em conflito, monitorar acordos outorga do Nobel da Paz às Forças de Ma- de armistício, manter a ordem e oferecer nutenção de Paz da ONU. ajuda humanitária. O vogal da cerimônia procedeu, então, à Atualmente, as forças de manutenção leitura do texto referente ao assunto: da paz da ONU atuam em 15 pontos do “Em 1988, o Comitê do Prêmio Nobel globo: Haiti, Saara Ocidental, Mali, Li- reconheceu os esforços empreendidos pela béria, Costa do Marfim, Darfur, Sudão, Organização das Nações Unidas na manu- República Democrática do Congo, Chipre, tenção da paz, atribuindo o Prêmio Nobel Kosovo, Líbano, Síria, Israel, Afeganistão da Paz aos militares que serviram como e Caxemira. observadores e soldados da ONU. As forças de manutenção da paz são Entre 1945 e 1988, mais de 500 mil pes- empregadas para manter ou restabelecer a soas de 53 países participaram destas ope- paz em áreas de conflito armado, de modo rações, nas quais 733 perderam suas vidas. que a ONU pode se envolver em conflitos Até 1988, a ONU havia enviado forças de entre estados, bem como em guerras civis,

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atuando de maneira imparcial, a fim de pre- Unidas no Haiti (Minustah) e a Missão das parar o terreno para a solução das questões Nações Unidas na República Democrática que têm provocado os conflitos. Se não for do Congo (Monusco), sendo a duas últi- possível alcançar uma solução pacífica, a mas comandadas por oficiais do Exército presença de forças da ONU pode contribuir Brasileiro. para reduzir a intensidade da beligerância. Tal engajamento ratifica o importante As forças de manutenção da paz normal- posicionamento brasileiro no cenário in- mente são implementadas em consequência ternacional, bem como sua busca por um de uma decisão do Conselho de Segurança. reordenamento da ONU ressaltando os Nesse sentido, podemos distinguir entre ideais de justiça, paz e cooperação, onde dois tipos de operações de paz: grupos de o Brasil pleiteia uma posição condizente observadores desarmados e forças militares com a sua atuação pacífica neste cenário.” levemente armadas. Os grupos de obser- vadores estão preocupados com a coleta 25 Anos da outorga do Nobel de informações sobre as condições reais da Paz existentes em uma área, enquanto as forças militares estão incumbidas de tarefas mais Na sequência, o Vice-Almirante Arman- prolongadas, tais como manter distantes as do de Senna Bittencourt iniciou as apresen- partes de um conflito e preservar a ordem tações sobre a contribuição brasileira às em uma área, somente estando autorizadas missões de paz, homenageando a Comissão a empregar suas armas para autodefesa. O Especial das Nações Unidas para os Bálcãs, Brasil tem se mantido como um dos mais a Unscob, missão pioneira, encarregada tradicionais participantes nos contigentes de observar a possível interferência da das operações de paz da ONU, tendo envi- Albânia, Bulgária e Iugoslávia na guerra dado esforços em mais de 40 missões en- civil então em curso na Grécia, de maio de volvendo mais de 20 mil militares, policiais 1948 a março de 1951. e civis, entre os quais lamentamos a perda Após, o General de Exército (Refo) Pe- de 40 brasileiros ao longo dessas atividades dro Luiz de Araújo Braga discorreu sobre em prol da manutenção da paz. a Força de Emergência das Nações Unidas O laureamento das forças de manuten- 1 (Crise de Suez), a Unef-1. O palestrante é ção da paz da ONU em 1988 trouxe entre membro emérito do Instituto de Geografia e seus homenageados o contingente brasilei- História Militar do Brasil, atual presidente ro que fez parte da Força de Emergência do Conselho Deliberativo do Clube Militar das Nações Unidas no Egito (Unef), mais e veterano da Unef-1 no Oriente Médio, conhecido como o ‘Batalhão Suez’. Tal tendo integrado o 14o Contingente do contingente, enviado ao Egito em 1957, Batalhão Brasileiro em 1964/1965, ainda teve a missão de supervisionar o cessar- no posto de major e já com o curso de fogo e a retirada das tropas de Israel, da Estado-Maior, como oficial de Operações França e do Reino Unido da região após os e Informações (sistema inglês). conflitos que se seguiram à Segunda Guerra Por fim, o Tenente-Coronel (Refo) Ivo Árabe-Israelense. de Albuquerque apresentou a Missão de Atualmente, o Brasil possui contigentes Observação das Nações Unidas na Ín- em sete missões, entre as quais destaca- dia e Paquistão (Unipom) e a Operação mos a Força Interina das Nações Unidas das Nações Unidas no Congo (Onuc). no Líbano (Unifil), a Missão das Nações O Tenente-Coronel Ivo Albuquerque é

296 RMB1oT/2014 NOTICIÁRIO MARÍTIMO veterano da Unipom, associado titular do 1963; no Chipre, em 1964; e na República Instituto Histórico de Petrópolis e sócio Dominicana, em 1965 e 1966. honorário da Academia Petropolitana de Encerrando a cerimônia, o Vice-Almi- Letras. Ele discorreu também sobre aspec- rante Bittencourt conduziu uma visita às tos marcantes da presença militar brasileira instalações do Museu Naval, seguida de no Congo, de 1960 a 1964; na Nova Guiné/ confraternização comemorativa no hall do Yrian Ocidental, em 1962; no Iêmen, em Museu Naval.

MB ENTREGA AERONAVE À ARMADA DO URUGUAI APÓS MANUTENÇÃO

Foi realizada, em 24 de janeiro último, a do helicóptero, após sua completa inspe- cerimônia de reincorporação do helicóptero ção estrutural e revisão geral de motores e Esquilo biturbina (AS-355) à Armada da componentes eletrônicos, também englo- República Oriental do bou a requalificação de Uruguai, após Período pilotos e mecânicos de de Manutenção Geral aviação. de Aeronave (PMGA) O evento represen- executado pela Base tou a materialização do Aérea Naval de São acordo de cooperação Pedro da Aldeia (RJ). no âmbito do Ministé- A cerimônia ocor- rio da Defesa do Brasil reu na Base Aero- Cerimônia de reincorporação do Esquilo, da e do Uruguai. Essas naval No 2 Capitan Armada do Uruguai ações contribuem para de Corbeta Carlos A. o fortalecimento e a Curbelo, no distrito de Maldonado, a 150 expansão da desejada integração regional. km de Montevidéu (Uruguai). A entrega (Fonte: www.mar.mil.br)

MB ENTREGA LANCHAS-PATRULHA AO COMANDO MILITAR DA AMAZÔNIA

O Comando do 9o Distrito Naval (Manaus- AM) entregou, em 6 de dezembro de 2013, duas Lanchas-Patrulha de Rio (LPR) ao Exército Brasileiro, por meio do Centro de Embarcações do Comando Militar da Amazônia (Cecma). A cerimônia aconteceu no cais da Estação Naval do Rio Negro, na capital amazonense. As unidades foram adquiridas junto à empresa colombiana Corporación de Ciencia y Tecnologia para El Desarrollo Demonstração da lancha-patrulha de rio

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de La Insdustria Naval Marítima e Fluvial Nacional de Defesa, especialmente (Cotecmar), que prevê a personalização no alcance aos conceitos de monito- das lanchas-patrulha para atender ao em- ramento, controle, mobilidade tática e prego doutrinário da Marinha do Brasil presença, nas grandes bacias fluviais e do Exército Brasileiro. Cada Força da Região Amazônica e do Pantanal, recebeu duas lanchas-patrulha. para permitir uma ação conjunta e A obtenção das LPR acontece integrada entre as Forças. conforme as diretrizes da Estratégia (Fonte: www.mar.mil.br)

FORÇA DE SUBMARINOS RECEBE OS MELHORES ALUNOS DO ACRE NO ENEM

Os nove alunos primeiros colocados do Os alunos participaram, ainda, de um Acre no Exame Nacional do Ensino Médio “mergulho” no Treinador de Imersão (TI), (Enem), acompanhados por duas professo- simulador no qual os oficiais e praças ras, visitaram, em 31 de janeiro último, o submarinistas são adestrados durante seus Comando em Chefe da Esquadra e o Co- cursos de aperfeiçoamento, e assistiram a mando da Força de Submarinos (ComForS), uma simulação no Tanque de Treinamento na cidade do Rio de Janeiro. A visita de Escape Submarino (TTES). às Organizações Militares da Marinha fez Após uma visita ao Submarino Ti- parte da programação kuna, a programação de visitas de cunho foi encerrada no pré- científico-tecnológico dio do Comando da a renomados centros Força de Submarinos, de pesquisa e inovação onde os alunos foram fluminenses. presenteados com um Na Base Almirante exemplar do livro A Castro e Silva (BACS), vida dos FF – 1914 os estudantes foram e 1934, que contém recebidos pelo coman- relatos sobre as expe- dante da ComForS, riências vivenciadas Contra-Almirante pelos submarinistas Estudantes acompanham simulação de escape Marcos Sampaio Ol- submarino no TTES nos 20 anos iniciais da sen, e pelo comandante Força de Submarinos. do Centro de Instrução Almirante Átilla Mon- A viagem de intercâmbio cultural a di- teiro Aché, Capitão de Mar e Guerra Thadeu ferentes instituições fluminenses, incluindo Marcos Orosco Coelho Lobo. O grupo acom- os laboratórios da Universidade Federal do panhou um mergulho de demonstração em Rio de Janeiro e a Companhia Siderúrgica um dos tanques de adestramento do Centro Nacional, foi promovida e acompanhada Hiperbárico e observou como funcionam as pelo deputado federal Sibá Machado, com câmaras hiperbáricas e a sala de controle da o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa instalação, utilizadas pela Marinha do Brasil do Acre e da Secretaria de Educação acriana. na prática de mergulho saturado. (Fonte: www.mar.mil.br)

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PARAÍBA SEDIARÁ GRANDE ESTALEIRO PARA DOCAGENS E REPAROS

O Município de Lucena, no Estado da e exportação e em trânsito nas principais Paraíba, receberá um estaleiro de grande rotas de comércio dos segmentos da frota de porte voltado para o mercado nacional e navios graneleiros, petroleiros, contêineres internacional de docagens e reparos navais. e embarcações de apoio offshore”. O anúncio foi feito em 12 de dezembro Outra empresa envolvida é a brasileira do ano passado pelo Governador Ricardo Promon Engenharia, elaborando estudos Coutinho, durante solenidade realizada no técnicos e da escolha da área, que tem apro- Palácio da Redenção para assinatura do ximadamente 83 hectares e que se mostrou Protocolo de Intenções referente ao novo ideal para a implantação por estar em área negócio. A unidade será comparável às abrigada e favorecer o acesso ao porto. O maiores instalações do gênero e deverá es- projeto conta também com a participação tar em operação a partir de meados de 2017. de uma equipe de projetistas de empresas O empreendimento recebeu a denomi- portuguesas com experiência em constru- nação de Empresa de Docagens Pedra do ção e operação de estaleiros voltados para Ingá – EDPI, em alusão ao importante sítio a atividade de reparo. arqueológico localizado no Estado. O local A implantação será em fases, com a escolhido para a implantação foi o Municí- duração esperada de 36 meses, e, em sua pio de Lucena, distrito de Costinha, na foz do configuração final, o estaleiro será com- Rio Paraíba e defronte ao porto de Cabedelo. posto de dois diques secos e um sistema O estaleiro será um dos maiores da Amé- de Hydrolift/Shiptransfer, capaz de docar rica do Sul e estará capacitado para efetuar simultaneamente mais de quatro embarca- a docagem de qualquer navio da frota ções. A estimativa é de que sejam criados mercante mundial. Segundo a diretoria do 2 mil postos de trabalho durante a fase de grupo americano McQuilling Partners Inc., construção e na fase operacional. A previ- um dos responsáveis pelo projeto, “nenhum são é de que, quando em plena capacidade, outro estaleiro de reparo naval na Bacia do a unidade empregue aproximadamente Atlântico Sul terá esses recursos. Em sua 1.500 trabalhadores, gerando mais de 4.500 capacidade máxima, poderá efetuar a doca- empregos indiretos. O processo de licen- gem de mais de cem navios por ano, o que ciamento ambiental terá início em 2014. inclui navios de cabotagem, de importação (Fonte: TV1RP)

MB RECEBE ÁREA PARA CONSTRUÇÃO DO BATALHÃO DE OPERAÇÕES RIBEIRINHAS DE LADÁRIO

O Comando do 6o Distrito Naval sede da Superintendência de Patrimônio da (Ladário-MS) recebeu, em 16 de feverei- União de Mato Grosso do Sul (SPU-MS), ro último, uma área para construção das em Campo Grande (MS). edificações do Batalhão de Operações O terreno possui 213.147,87 m2 e está Ribeirinhas de Ladário (BtlOpRibLa). localizado na região do Mangueiral, no A solenidade de entrega foi realizada na município de Ladário, mais conhecida

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como “Estrada da Codrasa”. Posicio- nado ao longo da calha fluvial do Rio Paraguai, em local importante e sensí- vel sob o ponto de vista estratégico, o BtlOpRibLa terá papel preponderante na condução de operações ribeirinhas e no controle de margens, além de contri- buir para o controle das hidrovias pela Marinha do Brasil. A nova instalação também viabili- zará, sob o ponto de vista estratégico, o aumento da segurança nas fronteiras Contra-Almirante Edervaldo, comandante do 6o DN, recebe o Termo de Entrega da área e contribuirá para a proteção do meio ambiente na Área de Proteção Ambien- tal da Baía Negra. O novo Batalhão Navais atualmente localizado no Com- substituirá o Grupamento de Fuzileiros plexo Naval de Ladário. A transformação do Grupamento em Batalhão denota a preocupação da Mari- nha com a presença nas calhas fluviais da fronteira oeste e amplia a capacidade da Força em realizar Operações Ribeirinhas e controle de hidrovias nas principais áreas das bacias hidrográficas Paraguai-Paraná, próximas das cidades mato-grossenses- do-sul de Corumbá e Ladário e em Foz do Planta do terreno recebido Iguaçu (PR). para a construção do BtlOpRibLa (Fonte: www.mar.mil.br)

GOVERNO CHINÊS INAUGURA QUARTA ESTAÇÃO CIENTÍFICA NA ANTÁRTICA

A China inaugurou sua quarta estação científica na Antártica, uma nova etapa na rápida consolidação da presença do país naquele continente branco, onde pretende construir uma nova base até o início de 2015. A estação, batizada com o nome de Taishan, foi construída a 2.600 metros de altitude em 53 dias por uma equipe de 28 pessoas, segundo a Administração do Es- tado para os Oceanos, citada pela agência Até o início de 2015, o país pretende oficial Xinhua. construir uma nova base

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A China possui agora quatro bases no continente: Changcheng (Grande Mura- lha), Zhongshan, Kunlun e Taishan. De acordo com o canal estatal CCTV, ainda este ano o país terá uma base permanente na região. A Base Taishan será utilizada apenas no verão, de dezembro a março. A temperatura média anual no continente é de -36,6°C. (Fonte: Correio Braziliense) A base Taishan será utilizada apenas no verão

MB REALIZA BUSCA E SALVAMENTO EM SANTO ANTÔNIO DO IÇÁ

A Marinha do Brasil (MB) realizou, A presença de mergulhadores foi soli- em 10 de dezembro de 2013, operação de citada ao Comando do 9o Distrito Naval busca e salvamento (Search and Rescue (Manaus-AM), que prontamente acionou os – SAR), no muncípio mergulhadores perten- de Santo Antônio do centes ao Comando da Içá (AM). Naque- Flotilha do Amazonas, le dia, a Capitania pois uma das hipóteses Fluvial de Tabatinga era que a desaparecida (CFT) recebeu a in- poderia encontrar-se formação que a balsa presa na embarcação M/F Walter Júnior emborcada. O corpo III, de bandeira peru- foi localizado pelos ana e que tinha como mergulhadores no lo- destino o porto de cal indicado, e as bus- Iquitos (Peru), em- Mergulhadores na busca da senhora desaparecida cas foram encerradas, borcara na foz do Rio após oito dias de tra- Içá, a aproximadamente 370 km de Taba- balho das equipes presentes na localidade. tinga, Amazonas. A ação da MB contou com o apoio da Após a confirmação do acidente da na- Prefeitura da cidade de Santo Antônio do vegação, foi enviada à região uma equipe Içá, da Defesa Civil, da Polícia Militar e de com quatro militares para realizar as buscas empresas de navegação. a uma senhora que estava desaparecida. (Fonte: www.mar.mil.br)

SALVAMAR SUESTE RECEBE VISITA DE AGRADECIMENTO

O Serviço de Busca e Salvamento da Damásio, que havia sido socorrido por Marinha (Salvamar Sueste) recebeu, em 6 equipe daquele órgão quando, com suspeita de dezembro de 2013, a visita do Sr. Odair de um infarto, encontrava-se navegando a

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bordo de um navio mercante. O Salvamar Sueste, que faz parte da estrutura do Co- mando do 1o Distrito Naval, tem sede na cidade do Rio de Janeiro. A visita aconteceu com o intuito de permi- tir que o Sr. Odair agradecesse aos militares responsáveis pela execução e coordenação da evacuação aeromédica (resgate por aeronave) que o beneficiou. Durante o referido resgate, a tripulação da aeronave enfrentou situações adversas, pois o mar estava revolto e as con- Envolvidos na busca e resgate do Sr. Odair dições de voo desfavoráveis. A evacuação aeromédica foi feita por o Aeroporto Santos Dumont, onde uma um helicóptero UH-14 Super Puma, da ambulância o aguardava para conduzi-lo a Marinha do Brasil, com uma equipe de 12 um hospital da região. militares, que transladou o tripulante para (Fonte: www.mar.mil.br)

VELAS LATINOAMERICA 2014

A Marinha do Brasil realizou, de 11 anos, haveria um Encontro de Grandes a 16 de fevereiro último, em Itajaí-SC, a Veleiros. A iniciativa tem como propósito etapa brasileira do Velas Latinoamerica estreitar e fortalecer os laços de amizade 2014. O evento, coordenado pela Armada entre as Marinhas da América Latina. da Argentina, contou com a participação dos seguintes veleiros: Cisne Branco, do Brasil; Libertad, da Argentina; Esme- ralda, do Chile; Gloria, da Colômbia; Guayas, do Equador; e Simón Bolivar, da Venezuela. Nesta etapa, houve Parada Naval em praias da região, apresentação da Banda Sinfônica do Corpo de Fuzileiros Navais e visitação pública aos navios. Após a etapa brasileira, os veleiros partiram em viagem pelos mares do Atlântico e do Pacífico, tendo como destino final Vera- cruz, no México, aonde deverão chegar em 18 de junho. O encontro de veleiros é parte do evento Velas Sudamérica 2010, realizado no Rio de Janeiro-RJ, entre as Marinhas de 14 pa- íses latino-americanos. Em maio de 2012, durante a XXV Conferência Naval Intera- mericana, ficou acordado que, a cada quatro Roteiro da Velas Latinoamerica 2014

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Durante o primeiro semestre de 2014, 2013, realizou-se ali a regata Transat Jac- as embarcações de distintas nacionali- ques Vabre, e em 2015 a cidade será sede dades navegarão juntas pelos mares da da Volvo Ocean Race. América do Sul e do Caribe durante 134 (Fontes: Bono no 87, de 3/2/2014, www. dias, percorrendo um total de 12 mil ara.mil.ar/archivos, www.itajai.sc.gov.br e milhas náuticas (o equivalente a 22 mil osoldiario.clicrbs.com.br) quilômetros). Os veleiros que participam deste desa- fio terão a oportunidade de visitar as mais importantes cidades e portos de Argenti- na, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru, República Dominicana, Venezuela e Uruguai. O fato de o município de Itajaí ter sido escolhido como o ponto de partida da regata Velas Latinoamerica 2014 (também chamada de Regata Grandes Veleiros) o consoli- da como um importante polo da vela internacional – em O NVe Cisne Branco

MB RESGATA VÍTIMAS DE TEMPESTADE NO RIO NEGRO

A Capitania Fluvial da Amazônia Oci- criança de dois anos de idade, que estava dental (CFAOc), com sede em Manaus descendo o Rio Negro em uma embarcação (AM), resgatou, em 10 de janeiro último, pequena (tipo “rabeta”) e foi atingido por um grupo de quatro professores e uma uma forte tempestade. Com as condições adversas dos ventos e da água, o condutor abarrancou nas proximidades da Praia do Tupé (AM), a cerca de 30 km de Manaus, por volta das 20 horas. A CFAOc empregou duas lanchas da Inspeção Naval para realizar o regaste. A bordo de uma delas, o grupo foi levado para o porto mais próximo de Manaus, onde foi recebido por seus familiares e por uma Professores e criança resgatados, equipe médica. em embarcação da CFAOc (Fonte: www.mar.mil.br)

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NAsH CARLOS CHAGAS RESGATA NÁUFRAGO NO RIO NEGRO

O Navio de Assistência Hospitalar então acionada para resgatar o náufrago e (NAsH) Carlos Chagas resgatou, em 9 de levá-lo para bordo do navio, onde recebeu fevereiro último, o tripulante de uma em- atendimento médico. barcação de pequeno O tripulante, de porte que naufragou 49 anos e morador no Rio Negro, nas da comunidade Vila proximidades do ter- Nova, não sofreu fe- minal da Petrobras em rimentos. A embarca- Manaus (AM). ção, que permaneceu Após suspender parcialmente sub- da Estação Naval do mersa, constituindo Rio Negro para ini- perigo à navegação, ciar uma comissão foi rebocada com o de Assistência Hos- auxílio da Lancha pitalar (Asshop), no Transferência da embarcação entre lanchas do Rio Negro, da Ca- polo formado pelos NAsH Carlos Chagas e da CFAOc pitania Fluvial da rios Negro e Branco, Amazônia Ocidental os militares de serviço no passadiço do (CFAOc), que se encontrava nas proxi- navio avistaram uma pequena embarca- midades do local. ção emborcando. A lancha do navio foi (Fonte: www.mar.mil.br)

LFM É CLASSIFICADO COMO INSTITUIÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

O Laboratório Farmacêutico da Marinha O reconhecimento decorre do atendi- (LFM), localizado na cidade do Rio de mento aos requisitos previstos na Lei de Janeiro, foi reconhecido, em 16 de dezem- Inovação Tecnológica. Entre eles, o de bro de 2013, como Instituição Científica e Tecnológica (ICT). Esse processo é re- sultado da Visita Téc- nico-Funcional (Vi- sitec) realizada pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação da Marinha (SecCTM) em 7 de outubro do mesmo ano. Laboratório Farmacêutico da Marinha

304 RMB1oT/2014 NOTICIÁRIO MARÍTIMO realizar pesquisas aplicadas, principal- Criado em 1906, o LFM cumpre sua mente com medicamentos fitoterápicos. missão de atender à Família Naval e Essa cultura possibilitou ao LFM se tor- aos órgãos públicos, produzindo me- nar a primeira ICT entre os laboratórios dicamentos com o objetivo de ajudar a das Forças Armadas e a segunda na área suprir a necessidade nacional, confor- de pessoal da Marinha do Brasil, contri- me a política elaborada pelo Ministério buindo para a evolução científica na área da Saúde. de saúde e desempenho humano. (Fonte: www.mar.mil.br)

NOVO ANTI-INCRUSTANTE LIVRE DE COBRE

As incrustações no casco do navio au- quanto nas docagens. No caso de novas mentam a resistência à água e, por conse- construções cujas fases de outfit demo- quência, o consumo de combustível. Evitar rarem mais que seis meses, o produto esse problema é a característica básica de recomendado é o Sigma Nexeon™ 750, um anti-incrustante. que é o anti-incrustante top coat de alta Com vistas a se adiantar às iminentes atividade – livre de cobre. revisões de regulamentação quanto ao uso Testes realizados em universidades de cobre no ambiente marinho, e tomando a renomadas e institutos de testes na Coreia frente no setor de revestimentos do merca- e no Japão confirmaram as propriedades do naval, a PPG Industries lançou, no final e o desempenho da nova linha da PPG. A do ano passado, a linha de anti-incrustantes partir desses dados, os referidos produtos que não usam cobre em sua composição. A são classificados como anti-incrustantes de linha Sigma Nexeon™ foi desenvolvida baixa fricção. com base em pesquisas e testes intensos, Outro benefício da linha é a aparência, tanto nos laboratórios da empresa quanto pois, pela ausência do cobre em sua formu- em estudos com terceiros. lação, o efeito conhecido como “esbranqui- O Sigma Nexeon™ 710 é a solução çamento do casco” não acontece quando o para embarcações operacionais e pode casco é recoberto com esses produtos. ser aplicado tanto durante a construção (Fonte: Ketchum Estratégia)

CANHÃO LASER SERÁ TESTADO NO USS PONCE

Um canhão laser FY 14 será testado a desenvolvimento em energia direcionada bordo de um navio dois anos antes do pla- conduzidos pela Força. As iniciativas pro- nejado, graças ao progresso significativo metem demonstrações e protótipos para de pesquisadores da Marinha dos Estados sistemas embarcados, aerotransportados e Unidos no desenvolvimento de armamentos baseados em terra. de energia direcionada. A demonstração no O sistema de armamento a laser da US mar do artefato a bordo da base flutuante Navy progrediu a tal ponto que, quando USS Ponce é parte de um portfólio que for testado a bordo do Ponce, precisará de abrange diversos programas de pesquisa e apenas uma pessoa para operá-lo. A Força

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também planeja equipar uma de suas em- de energia direcionada complementam barcações com um canhão eletromagnético as armas cinéticas e criam um sistema de nos próximos dois anos. Em entrevista defesa em camadas contra embarcações para a Associated Press, o Capitão de Mar menores e velozes em grandes números, e Guerra Mike Ziv, gerente de programas e aeronaves não tripuladas – tudo isso a do Naval Sea Systems Command, declarou um custo menor do que o de armamentos que tornar essas tec- convencionais. nologias operacionais As possibilidades “muda fundamental- desse tipo de arma- mente a forma como mento para as tripu- os Estados Unidos lações vão desde dis- fazem guerra”. paros não letais para Oficiais da US neutralização até a des- Navy acreditam que a truição completa do tecnologia de energia alvo, baseando-se no direcionada proverá controle da intensidade armamentos de baixo O canhão FY 14 no USS Ponce na energia direcionada. custo, versáteis e com Após os testes do FY precisão sem precedentes em detecção e 14, a US Navy e o Departamento de Defesa destruição dos alvos. Por serem abasteci- dos Estados Unidos continuarão os esforços dos por eletricidade, os lasers podem ser para o emprego de armamentos a laser de disparados enquanto houver energia, além baixo custo em mais navios da Frota. de serem mais seguros, pois dispensam o (FONTE: Navy Recognition, tradução transporte de propelentes e explosivos nos e adaptação do Poder Naval, em www. navios onde estão instalados. Os canhões naval.com.br)

TECNOLOGIA OCEÂNICA TRAZ CANADÁ AO BRASIL

Uma delegação composta de represen- Em Macaé (RJ), o grupo se encontrou tantes da iniciativa privada, associações com representantes do Centro de Observa- setoriais e uma das maiores instituições de ção Oceânica da Petrobrás e participou do apoio à pesquisa do Canadá, especializadas seminário “Sinergias e Competências na no setor de tecnologia oceânica, estiveram Área de Tecnologias Oceânicas entre Brasil no Brasil de 9 a 14 de fevereiro último e Canadá”. Durante a visita, os membros para uma série de encontros com empresas, da comitiva se encontraram, ainda, com associações e universidades envolvidas no representantes da Marinha do Brasil e de setor. A delegação, liderada pela Ocean outras empresas locais. Technology Alliance Canada (Otac), con- A comitiva esteve também em Porto tou com oito representantes das principais Alegre, onde participou de encontros com empresas canadenses na área. O propósito diversas entidades, como a Federação da missão foi conhecer as oportunidades de das Indústrias do Rio Grande do Sul e a negócios e parcerias desse setor no Brasil, Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio além de apresentar produtos e serviços Grande do Sul. O grupo visitou, ainda, as especializados para o mercado brasileiro. instalações do porto do Rio Grande e da

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Universidade Federal do Rio Grande, em Environmental, Pangeon Subsea, Satlantic, Pelotas, onde conheceu os projetos desen- Hawboldt Industries, ISE – International volvidos no Parque Tecnológico Oceânico Submarine Engineering, Rockland Scien- da universidade. tific e MDA Systems. A missão foi uma iniciativa da Otac e A iniciativa faz parte de uma série de da International Science and Technology ações desenvolvidas pelo Governo do Ca- Partnerships Canada (ISTP Canada), em nadá para expandir o setor no país, além parceria com o Consulado Geral do Canadá de ampliar as parcerias com instituições no Rio de Janeiro e o Escritório Comercial locais e estimular a troca de conhecimento do Governo do Canadá em Porto Alegre. e cooperação com parceiros brasileiros. As empresas e associações canadenses pre- (Fonte: Consulado-Geral do Canadá em sentes na missão foram: ISTP Canada, ASL São Paulo)

FEIPESCA 2014

Foi realizada no Expo Center Norte, na veu rodadas de negócios para o acesso dire- Cidade São Paulo (SP), de 20 a 23 de março to aos maiores importadores, fabricantes e último, a Feipesca 2014, maior feira inter- distribuidores de equipamentos e serviços. nacional de pesca esportiva da América Outra atração foi o Bass Tub, um aquá- Latina. Mais de 35 mil pessoas visitaram o rio gigante com 12 metros de comprimento. evento, que apresentou mais de 80 marcas Nele foram realizadas demonstrações de para demonstrar o que há de mais novo pesca e arremesso por pescadores profissio- no mundo da pesca, entre equipamentos, nais. Na Pista de Arremesso, o público pôde barcos, motores e operadores de turismo. testar suas habilidades de pesca e aprender, A feira, patrocinada pelo Serviço Brasileiro com monitores, técnicas de arremesso. de Apoio às Micro e Pequenas Empresas As crianças também tiveram um espaço (Sebrae), também contou com palestras totalmente dedicado a elas, o Espaço Pes- sobre o tema. cador Mirim, com atrações e brincadeiras Um dos destaques dessa edição foi a num grande playground temático em que Vitrine da Pesca, que mostrou as principais puderam aprender sobre a pesca esportiva novidades em equipamentos que chegarão e a preservação dos ambientes aquáticos. às lojas ao longo do ano. O evento promo- (Fonte: Engaje Comunicação)

MARINHA PROMOVE SEMINÁRIO SOBRE O SisGAAz

Foi realizado em 17 de janeiro último, para sua implantação. Em 20 de março, na Escola de Guerra Naval (EGN), cidade aconteceu a entrega da versão definitiva. do Rio de Janeiro, seminário sobre o Sis- Após a apresentação do Programa tema de Gerenciamento da Amazônia Azul SisGAAz, o diretor de Gestão de Programas (SisGAAz). Paralelamente ao evento, foi Estratégicos da Marinha, Vice-Almirante lançado o Programa Estratégico do sistema, Antonio Carlos Frade Carneiro, concedeu com a divulgação do Pedido de Proposta entrevista coletiva à imprensa. O Programa

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foi apresentado a empresas e consórcios que corresponde a 4,5 milhões de km2 que se poderão participar do processo de seleção estende até 350 milhas náuticas (648 km) para implantação, cujas propostas devem da costa, e 200 milhas náuticas em torno das ser apresentadas até julho deste ano. ilhas oceânicas brasileiras, representando Uma comissão designada pela Marinha cerca de metade da área territorial do País. do Brasil avaliará as propostas. A imple- (Fontes: Bono no 32, de 14 de janeiro de mentação do SisGAAz está programada 2014, e www.naval.com.br) para ocorrer em qua- tro módulos sequen- ciais – a estimativa é que o programa seja implementado em dez anos. O SisGAAz foi concebido para ga- rantir que a riqueza existente nos mares do Brasil seja devida- mente protegida. Des- sa forma, o projeto tem como propósito monitorar e controlar a imensa área conhe- cida como Amazô- nia Azul. O espaço

MORRE O SG (FN) BARNABÉ, UM DOS HERÓIS DOS ESPORTES NA MB

Morreu em 18 de janeiro último, aos 76 1969, campeão sul-americano em 1968 e anos, um dos maiores atletas de todos os 1969, campeão sul-americano de decatlo tempos da Marinha do Brasil, o Sargento Fuzileiro Naval (SG-FN) Barnabé Santos Souza, que brilhou nacional e internacio- nalmente no Pentatlo Militar. Barnabé, que ingressou no Corpo de Fuzileiros Navais em 6 de junho de 1956, aos 18 anos, iniciou sua carreira no esporte como boxeador. Também passou pelo fute- bol, mas foi como atleta do pentatlo militar que obteve as suas maiores conquistas. Campeão mundial por equipes em 1960 e 1965, vice-campeão mundial por sete vezes, campeão brasileiro de 1960 a SG Barnabé durante prova de pentatlo militar

308 RMB1oT/2014 NOTICIÁRIO MARÍTIMO em 1961, o SG Barnabé influenciou inú- sociação de Veteranos do Corpo de Fuzi- meras gerações de atletas militares pelo leiros Navais, ainda mantinha contato com exemplo e por seu amor e dedicação ao o esporte, dando aulas de atletismo para esporte, ao Corpo de Fuzileiros Navais, pessoas da Terceira Idade e comandando à Marinha e ao Brasil. treinos para maratonistas em praça pública, Após 32 anos servindo à MB, passou na cidade do Rio de Janeiro. para a reserva e, como integrante da As- (Fonte: www.mar.mil.br)

ACORDO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA PARA O CONTRATO DE MODERNIZAÇÃO E REMOTORIZAÇÃO DAS AERONAVES C-1A

Foi assinado em 10 de dezembro de O futuro recebimento dessas ae- 2013, no Rio de Janeiro (RJ), o Acordo ronaves irá marcar um novo patamar de Cooperação Técnica para o contrato operacional para a Marinha do Brasil, de Modernização e uma vez que, por Remotorização das possuírem capacida- Aeronaves C-1A. Fir- de de operar a partir maram o documento de navio-aeródromo, o diretor de Aero- permitirão apoio lo- náutica da Marinha gístico à Esquadra, (DAerM), Contra- tanto na área de pes- Almirante Carlos soal como na de ma- Frederico Carneiro terial, assim como o Primo, representando Assinatura do Acordo de Cooperação Técnica reabastecimento em a Marinha do Brasil, voo das aeronaves e o presidente da empresa Marsh Aviation AF-1/1A Skyhawk. Company, Chuck Stanford Jr. (Fonte: www.mar.mil.br)

AQUISIÇÃO DE VIATURA-OFICINA DO SISTEMA ASTROS

O Comando de Material de Fuzileiros Navais (CMatFN) assinou, em 13 de janeiro último, contrato com a empresa Avibras para aquisição de uma viatura-oficina veicular e eletrônica, que complementará o previsto no Sistema Astros CFN 2020. A Marinha fará a aquisição de 12 viaturas, sendo seis lançadoras, três remuniciadoras, uma meteorológica, uma de comando e controle e uma oficina veicular e eletrônica. A viatura-oficina consiste em um abrigo Representação gráfica da de manutenção eletrônica e veicular, mon- viatura-oficina do Sistema Astros

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tado sobre um veículo básico 6x6, equipado barque em aeronaves C-130 Hércules, da com ferramentas e equipamentos especiais Força Aérea Brasileira. Tal característica projetados para suporte direto às viaturas também auxilia na estabilidade de des- do Sistema Astros. locamento rápido em rodovia asfaltada. O teto é rebaixável a fim de facilitar A entrega da viatura está prevista para seu transporte em Navios de Desembarque dezembro de 2015. de Carros de Combate (NDCC) e o em- (Fonte: www.mar.mil.br)

UH-15 SUPER COUGAR REALIZA PRIMEIRO REABASTECIMENTO EM VOO

Em exercício realizado nas proxi- pilotos e cinco operadores, além do ades- midades da Ilha Rasa, no litoral do Rio tramento das equipes do Convoo, do Centro de Janeiro, foi re- de Operações de Com- alizado o primeiro bate e do Passadiço reabastecimento em do navio, elevando o voo (HIFR, sigla do nível de adestramento inglês Helicopter In- e contribuindo para Flight Refueling) de a perfeita interação uma aeronave UH-15 navio-helicóptero. Super Cougar, do 2o A realização com Esquadrão de Heli- sucesso desse ades- cópteros de Emprego tramento comprova Geral. Este proce- a capacidade do UH- dimento é realizado Super Cougar reabastece em voo na 15 Super Cougar de quando há intenção de Fragata Constituição apoiar os meios da aumentar a autonomia Esquadra em opera- da aeronave e não há a disponibilidade de ções de esclarecimento e, futuramente, um convoo que possibilite o pouso. de ataque. O navio reabastecedor foi a O adestramento possibilitou, ainda, a Fragata Constituição. qualificação e a requalificação de quatro (Fonte: www.mar.mil.br)

FRAGATA LIBERAL É O NOVO CAPITÂNIA DA FORÇA-TAREFA MARÍTIMA DA UNIFIL

A Fragata Liberal é o novo capitânia O evento confirmou a capacidade da da Força-Tarefa Marítima da Força Inte- Marinha do Brasil em manter de maneira rina das Nações Unidas no Líbano (FTM- permanente, a mais de 11 mil quilômetros Unifil), em substituição à Fragata União. A de distância de sua sede, uma fragata equi- cerimônia de passagem foi realizada em 16 pada com helicóptero orgânico. A impor- de janeiro último, em Beirute, no Líbano. tância dessa tarefa transcende aos interesses

310 RMB1oT/2014 NOTICIÁRIO MARÍTIMO da Marinha do Brasil (MB) e representa o compromisso do Estado brasileiro com a estabilidade mundial, além de estreitar laços fraternos com o povo libanês. O evento contou com a presença do embaixador do Brasil no Líbano, Affonso Emilio de Alencastro Massot; do coman- dante da Unifil, Major-General Paolo Serra; e de autoridades da MB e das Forças Armadas libanesas. Na ocasião, o General Paolo Serra ressaltou o compromisso, o profissionalismo e a dedicação da MB no Cerimônia em Beirute cumprimento da missão. Após a solenidade, foi realizada a ceri- as qualidades daqueles que se dedicam ao mônia de entrega da Medalha Mérito Ta- serviço da Pátria e elogiou a participação mandaré. As medalhas foram impostas pelo do contingente brasileiro na Unifil. Embaixador Affonso Emilio, que enalteceu (Fonte: www.mar.mil.br)

CORVETA BARROSO LANÇA MÍSSIL EXOCET DURANTE ASPIRANTEX/2014

A Corveta Barroso lançou, em 17 de janeiro último, um míssil superfície- superfície Exocet, durante a Operação Aspirantex/2014. O míssil atingiu com sucesso o alvo, localizado a mais de 25 milhas náuticas (cerca de 46,3 km). O lançamento foi acompanhado por 187 aspirantes embarcados nos navios que com- põem o Grupo-Tarefa (GT) da Operação, contribuindo para complementar a sua for- mação e familiarizando-os com a vida no mar. (Fonte: www.mar.mil.br) A Barroso no momento do lançamento

ASPIRANTEX/2014

Após 21 dias de comissão, atracou em Almirante Saboia, Navio-Tanque Marajó, 5 de fevereiro último, na Base Naval do Fragata Greenhalgh e Corveta Barroso. Rio de Janeiro, o Grupo-Tarefa Aspiran- Durante a Comissão, que também tex/2014, composto pelos seguintes na- contou com as participações da Fragata vios: Navio de Desembarque de Carros de Constituição; do Submarino Tapajó; Combate (NDCC) Garcia D’Avila, NDCC do Navio-Patrulha (NPa) Benevente; de

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fim de contribuir para a proteção das Forças Navais brasileiras. O EsqdHS-1 já alcançou a expressiva marca de mil horas de voo ope- rando com este novo modelo de aeronave, o que representa mais um passo no processo contínuo de evolução da capacidade antis- submarino e antissu- perfície dos meios ae- ronavais da esquadra Helicóptero MH-16 Seahawk pousando no Garcia D’Avila brasileira. Além de sua mis- aeronaves dos Esquadrões HA-1, HU-1, são principal, o Esquadrão HS-1 pode HU-2, HU-5, HS-1 e VF-1; do Rebocador ser utilizado em operações secundárias, de Alto-Mar Tridente; do NPa Gurupá, como transporte de tropas, evacuação da Delegacia da Capitania dos Portos em aeromédica, busca e salvamento, ações Itajaí; de um Destacamento de Mergu- humanitárias e espotagem de tiro torpédico lhadores de Combate; e de aeronaves da ou de foguetes. Força Aérea Brasileira, foram executados (Fonte: www.mar.mil.br) exercícios navais típicos, a fim de adestrar as tripulações e os aspirantes a oficial dos 3o e 4o anos da Escola Naval. Embarcaram 233 aspirantes, sendo que os do 3o ano assumiram as suas escolhas nos respectivos Corpos (Armada, Fuzilei- ros Navais ou Intendentes da Marinha) e habilitações (Administração, Eletrônica, Mecânica ou Sistemas de Armas), que orientarão suas carreiras. Durante esta Aspirantex, foi realizado também exercício de Operações Aéreas de Qualificação e Requalificação de Pouso a Bordo (QRPB) – diurno e noturno – com helicóptero MH-16 Seahawk a bordo do NDCC Garcia D’Avila. O Seahawk cumpre a missão do 1o Es- quadrão de Helicópteros Antissubmarino (EsqdHS-1) de prover os meios necessá- rios para detectar, localizar, acompanhar e atacar submarinos e alvos de superfície, a Aspirantes embarcados na Aspirantex/2014

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OPERAÇÃO AMAZÔNIA AZUL

A Marinha do Brasil (MB), sob a coor- a operação serviu como preparação para denação do Centro de Comando e Controle a atuação da Força Naval na Copa do do Teatro de Operações Marítimas, do Mundo 2014. Comando de Operações Navais, encerrou, Em todo o país, 8.159 embarcações em 22 de fevereiro foram inspecionadas, último, a Operação sendo 1.062 notifica- Amazônia Azul. Ao das e 239 apreendidas. longo de seis dias, a Nas ações de patrulha Marinha intensificou e fiscalização de ma- as ações de patrulha res, rios e lagos brasi- e inspeção naval e leiros, foi constatado, realizou exercícios Logo da Operação Amazônia Azul 2014 entre outros delitos, de defesa de portos e transporte irregular de terminais petrolíferos e aquaviários. 10,5 toneladas de carvão no Amapá, de Durante a Operação, fiscalizou-se o 1.000 metros cúbicos de madeira no Pará cumprimento de leis e regulamentos e e de ovos de tracajá na área do Comando foram reprimidos ilícitos nas Águas Juris- do 9o Distrito Naval (Manaus-AM), onde dicionais Brasileiras (AJB). Além disso, também foi apreendido combustível contra- bandeado. Vinte e uma toneladas de pesca ilegal foram apreendidas em todo o País, inclusive 17 toneladas de atum no litoral do Nordeste.

Grupamento de Mergulhadores de Combate realiza exercício de retomada de navio Fiscais do Ibama participam da Operação no Norte do Brasil

Em cooperação com o Instituto Brasi- leiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), uma carga ilegal de animais silvestres foi descoberta na região do Comando do 4o Distrito Naval (Belém-PA). Dois estrangeiros que não portavam documentação adequada foram encaminhados para a Receita Federal. Fo- Fragata Constituição patrulhando a Amazônia Azul ram identificadas, ainda, uma ocorrência de

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porte ilegal de arma e uma de exploração do trabalho infantil. Estima-se que, em parceria com os outros órgãos, a Operação permitiu a aplicação de multas que totali- zam mais de R$ 4 milhões. Na área social, foram realizados 8.289 atendimentos médico-odontológicos e distribuídos 28.749 medicamentos em atividades de Ação Cívico-Social e de Assistência Hospitalar. Para o cumprimento da Operação Ama- Atuação dos Fuzileiros Navais na zônia Azul, foram empregados cerca de Região Amazônica 30 mil militares, 60 navios, 15 aeronaves cipação de outras instituições, como a Força e mais de 200 embarcações das Capitanias Aérea Brasileira, o Departamento de Polícia dos Portos, distribuídos por todo o litoral Federal, a Secretaria de Receita Federal, o nacional e nas águas interiores. A operação Ibama, a Petrobras e a Transpetro. contou, ainda, com a colaboração e a parti- (Fonte: www.mar.mil.br)

OPERAÇÃO CHANCE PARA TODOS

O Comando do 4o Distrito Naval (Be- Região dos Estreitos, no Estado do Pará, lém-PA) realizou, de 19 a 29 de janeiro, a e tiveram a participação de integrantes da Operação Chance para Todos, a Patrulha Aspirantex/2014. Naval Tucunaré I, além de prestar apoio O Grupo-Tarefa foi composto pelos ao Projeto Rondon. As ações ocorreram na Navios-Patrulha Bocaina, Guarujá, Pam- peiro, Bracuí e Parati, pelo Aviso de Patru- lha Tucunaré e pelo Navio-Auxiliar Pará. Mais de 300 milita- res participaram das operações, sendo 12 do Hospital Naval de Belém e 40 aspirantes do 1o ano da Escola Naval. Também esti- veram presentes qua- tro alunos de Odonto- logia da Universidade Federal do Pará, dois servidores do Instituto Nacional de Segurida- de Social (INSS) e 23 Navios durante a Operação Chance para Todos integrantes do Projeto

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Rondon (um professor e 22 universitários sua formação como futuros oficiais de de 11 estados brasileiros). Marinha. Para os universitários do Pro- A Operação Chance para Todos tem o jeto Rondon (ação do Governo Federal propósito de intensificar a fiscalização do coordenada pelo Ministério da Defesa), tráfego aquaviário e realizar atividades de a operação proporcionou o contato com resgate da cidadania, de fiscalização e de uma realidade distante dos centros ur- repressão a ilícitos. banos desenvolvidos, oferecendo cres- Para os aspirantes, foi uma oportuni- cimento pessoal e fortalecimento de sua dade de vivenciar as diversas atividades noção de cidadania. desenvolvidas, o que contribuirá para (Fonte: www.mar.mil.br)

DEMONSTRAÇÃO DO SISTEMA AÉREO REMOTAMENTE PILOTADO SCAN EAGLE

Foi realizada, de 17 a 20 de fevereiro Marinha do Brasil, terá como propósito o último, a demonstração do Sistema Aéreo emprego em missões de vigilância e con- Remotamente Pilotado (Sarp) Scan Eagle. trole de tráfego marítimo, esclarecimento A aeronave foi lançada e recolhida diversas e, principalmente, apoio às operações de vezes do Navio-Patrulha Oceânico Apa, patrulha naval e de busca e salvamento. na região de Cabo Frio (RJ), nos períodos A identificação de alvos não colabo- diurno e noturno. rativos em missões de patrulha é bastante Durante a demonstração, uma equipe de eficiente quando realizada por um Vant, militares da Diretoria de Aeronáutica da pois a aeronave não tripulada possui maior Marinha (DAerM) submeteu o Sarp Scan capacidade de ocultação quando comparada Eagle a diversos testes, a fim de verificar a uma convencional. o desempenho do sistema diante das parti- (Fonte: www.mar.mil.br) cularidades da operação a bordo de navios. O Sarp Scan Eagle é um Veículo Aéreo Não Tripulado (Vant) de baixa altitude e alta persistência, classificado como um Vant categoria 2, de acordo com a padronização estabelecida pelo Grupo-Tarefa coordenado pelo Ministério da Defesa. Na configuração apresentada, o equi- pamento possui a capacidade de realizar voos de até 20 horas de duração, com alcance efetivo de até 100 km. O Vant Scan Eagle, lançado Vant Scan Eagle lançado a partir do e operado a bordo de navios da Navio-Patrulha Oceânico Apa

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COMANDANTE DA MARINHA VISITA PRIMEIRA TURMA COM ASPIRANTES DO SEXO FEMININO

O comandante da Marinha, Almirante em 27 de janeiro último, com o propósito de Esquadra Julio Soares de Moura Neto, de acompanhar atividades do período de visitou a Escola Naval, no Rio de Janeiro, adaptação dos novos alunos da Turma Almirante Gastão Motta, primeira a contar com aspirantes do sexo feminino. Durante sua estada, o comandante da Marinha assistiu às instruções de remo e vela, ordem unida e circuito anfíbio (composto por obstáculos que devem ser percorridos na piscina). Conheceu, ainda, o circuito interno de TV e alarmes vincu- lados às novas instalações de alojamento feminino e a ala feminina da enfermaria. Comandante da Marinha e as primeiras aspirantes (Fonte: www.mar.mil.br)

EMPRESAS ESTRATÉGICAS DE DEFESA RECEBEM CERTIFICADO DO MD

O ministro da Defesa, Celso Amorim, e permite iniciar a venda de aviões de entregou, no final de novembro de 2013, combate, artefatos bélicos, munições, o certificado de Empresa Estratégica equipamento cibernético, produtos quí- de Defesa (EED) a 26 companhias que micos e robótica, entre outros, para as fazem parte da BID (Base Industrial de Defesa): AEQ, Aka- er, Armtech, Atech, Avibras, Axur, Bra- dar, Condor, Digitro, Embraer, Fligh Tech- nologies, Emgepron, Grupo Inbra, Iacit, IAS, Imbel, Mectron, Nuclep, Opto Eletrô- nica, Orbital, Rus- tcon, Spectra, Taurus, Vertical do Ponto, BCA e Nitroquímica. Esse reconheci- mento marca o setor de Defesa do Brasil Autoridades presentes na cerimônia de certificação

316 RMB1oT/2014 NOTICIÁRIO MARÍTIMO três Forças Armadas, além de exportação. centivos do Estado para que não sejam no As empresas certificadas terão benefícios futuro absorvidas por grupos estrangeiros fiscais e tributários, desonerando a cadeia que, na maioria dos casos, as adquirem com produtiva entre 13% e 18% e tornando-as o propósito de fechá-las, eliminando, assim, mais competitivas interna e externamente. a concorrência. Para ele, é também necessá- O ministro Celso Amorim alertou que rio que a sociedade brasileira compreenda a essa iniciativa, ao beneficiar determinados importância do setor de Defesa para o País. segmentos, implica cuidados das empresas (Fonte: Tecnologia & Defesa, ano 30, receptoras de financiamentos ou outros in- no 135)

NAVIO DE PRODUTOS JOSÉ ALENCAR ENTRA EM OPERAÇÃO

O Navio de Produtos José Alencar O José Alencar foi batizado em entrou em operação em 14 de janeiro homenagem ao ex-vice-presidente da último, suspendendo para sua viagem República e é a sexta embarcação do inaugural. Durante a cerimônia, o pre- Programa de Modernização e Expansão sidente da Transpetro, Sergio Machado, da Frota (Promef) a entrar em operação anunciou o início da construção de mais em um prazo de dois anos. Ele finaliza oito navios de produtos no Estaleiro o primeiro lote de encomendas feitas Mauá (Niterói/RJ). pela Transpetro a estaleiros brasileiros.

O José Alencar

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Já foram entregues sete navios e outros troleiro Dragão do Mar, este com início das 12 se encontram em construção. Em 2014, operações previsto para o primeiro trimestre outros sete navios do Promef deverão en- deste ano. O Programa também viabilizou a trar em operação, além dos três primeiros construção de três novos estaleiros: EAS e comboios. O novo lote demandará inves- Vard Promar, em Pernambuco; e Rio Tietê timentos de R$ 1,4 bilhão, dentro dos R$ (ERT), em São Paulo. 11,2 bilhões previstos para a construção O navio José Alencar tem 12 tanques de de 49 navios e 20 comboios hidroviários. carga, velocidade de 14,6 nós e autonomia Além do José Alencar, o primeiro lote do de 12 mil milhas náuticas. Ele será respon- Promef inclui outros três navios de produ- sável pelo transporte de derivados claros de tos, já em operação: Celso Furtado, Sérgio petróleo. Com 183 metros de comprimento, Buarque de Holanda e Rômulo Almeida. 32,2 metros de largura e 43,8 metros de Além desses, o Estaleiro Atlântico Sul altura, tem capacidade para transportar 56 (EAS) entregou à Transpetro os Suezmax milhões de litros de combustíveis. João Cândido e Zumbi dos Palmares e o pe- (Fonte: Agência Petrobras)

MB FIRMA PARCERIA COM A ITAOCA OFFSHORE

Com o propósito de obter permissão para utilizar as áreas internas do Terminal Marítimo em Itaoca (distrito de Cachoeiro do Itapemirim-ES), a Marinha do Brasil (MB) assinou, em 10 de dezembro de 2013, um termo de compro- misso com a empresa Itaoca Offshore. A assinatura ocorreu no Palácio Anchieta, sede do Governo do Estado do Espírito Santo. Com a parceria, Governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, a MB poderá usar e o Contra-Almirante Borges assinam Termo de Compromisso as áreas internas do Terminal Marítimo em operações e O Termo de Compromisso foi assina- adestramentos militares, além de propor do pelas seguintes autoridades: governa- alterações no projeto básico do Terminal, dor do Estado do Espírito Santo, Renato de forma a atender às necessidades ope- Casagrande; comandante do 1o Distrito racionais das unidades navais, aeronavais Naval (sede no Rio de Janeiro-RJ), e de fuzileiros navais. Vice-Almirante Ilques Barbosa Junior;

318 RMB1oT/2014 NOTICIÁRIO MARÍTIMO diretor corporativo da Itaoca Offshore, Borges de Aguiar. Também estiveram Leonardo Horta; comandante da Tropa presentes à assinatura o capitão dos Por- de Reforço, Contra-Almirante (FN) Jor- tos do Espírito Santo, Capitão de Mar e ge Armando Nery Soares; e o chefe do Guerra Marco Antônio Ismael Trovão de Estado-Maior do Comando do 1o Distrito Oliveira, e representantes da empresa. Naval, Contra-Almirante Wladmilson (Fonte: www.mar.mil.br)

MB APOIA GERENCIAMENTO DA ORLA DE TONANTINS NO ALTO SOLIMÕES

Com apoio da Capitania Fluvial de Taba- O trabalho desenvolvido pela Prefeitura, tinga (CFT), subordinada ao Comando do 9o com a cooperação da CFT, teve como escopo Distrito Naval (Manaus-AM), foi publicada, principal a reestruturação do porto da cidade, em 3 de janeiro último, a Lei de Geren- dos flutuantes na orla, das atividades de pis- ciamento da Orla do cicultura e manejo e das município amazonen- que envolvam embarca- se de Tonantins, em ções de esporte e recreio cumprimento à Lei no e também de suas áreas 7.661/88. O apoio da de navegação. CFT contribuiu para a Após a publicação elaboração da lei pela da Lei Municipal, ficou Câmara dos Vereado- estabelecido que, ainda res e a posterior sanção neste trimestre, seria pela Prefeitura. firmado um Termo de Frutos desse apoio, Cooperação entre o re- foram elaborados a Lei Militares realizam vistorias técnicas presentante da Autori- o Municipal n 135/2014 na orla de Tonantins dade Marítima local e a e o Decreto Legislativo Prefeitura Municipal de no 1/2014, que disciplinam a ocupação e a Tonantins, como preceitua a Lei de Seguran- utilização da orla de forma organizada, aten- ça do Tráfego Aquaviário, visando ao apoio dendo aos preceitos legais e administrativos mútuo, no sentido de realizar inspeções de organização ambiental e regulando a navais de embarcações de esporte e recreio. atividade turística naquele município. (Fonte: www.mar.mil.br)

Visão panorâmica do novo porto da cidade

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LANÇADA 8a EDIÇÃO DA REVISTA DE VILLEGAGNON

Foi lançada, em 27 de fevereiro último, que professores e instrutores autores a 8a edição da Revista de Villegagnon, de artigos acumulem pontos nos seus publicação da Escola Naval. Esteve pre- currículos. sente à cerimônia de Atualmente, a Re- lançamento todo o vista Marítima Bra- Corpo de Aspirantes, sileira publica artigos além de professores, escritos originalmente instrutores, oficiais, para a Revista de Vil- funcionários civis, legagnon, incentivan- guardas-marinha e do assim, principal- praças que escreve- mente, a participação ram artigos, além dos aspirantes. Até a de representantes 7a edição, 30 artigos do Banco do Brasil, foram selecionados principal patrocina- pela RMB, propor- dor da revista. cionando a diversos A publicação é docentes e a 45 aspi- editada anualmente, rantes esta oportuni- com trabalhos aca- dade de divulgação. dêmicos dos docen- As versões on-line tes e discentes que de todas as edições servem na Escola encontram-se dispo- Naval, a mais antiga níveis no site oficial instituição de ensino superior do Brasil. da Marinha do Brasil (www.marinha. A revista possui ISSN registrado no Mi- mil.br) e no site da Escola Naval (www. nistério da Cultura, permitindo, assim, en.mar.mil.br).

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