DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA

(Editada desde 1851)

v. 137 n. 01/03 jan./mar. 2017

FUNDADOR COLABORADOR BENEMÉRITO

Sabino Elói Pessoa Luiz Edmundo Brígido Bittencourt Tenente da Marinha – Conselheiro do Império Vice-Almirante

R. Marít. Bras. Rio de Janeiro v. 137 n. 01/03 p. 1-320 jan. / mar. 2017 A Revista Marítima Brasileira, a partir do 2o trimestre de 2009, passou a adotar o Acordo Ortográfico de 1990, com base no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras – Decretos nos 6.583, 6.584 e 6.585, de 29 de setembro de 2008.

Revista Marítima Brasileira / Serviço de Documentação Geral da Marinha. –– v. 1, n. 1, 1851 — Rio de Janeiro: Ministério da Marinha, 1851 — v.: il. — Trimestral.

Editada pela Biblioteca da Marinha até 1943. Irregular: 1851-80. –– ISSN 0034-9860.

1. MARINHA — Periódico (Brasil). I. Brasil. Serviço de Documentação Geral da Marinha.

CDD — 359.00981 –– 359.005 COMANDO DA MARINHA Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira

SECRETARIA-GERAL DA MARINHA Almirante de Esquadra Liseo Zampronio

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA Vice-Almirante (RM1) José Carlos Mathias

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA Corpo Editorial Capitão de Mar e Guerra (Refo) Milton Sergio Silva Corrêa (Diretor) Capitão de Mar e Guerra (RM1) Carlos Marcello Ramos e Silva Jornalista Deolinda Oliveira Monteiro Jornalista Kelly Cristiane Ibrahim

Assessoria Técnica Capitão de Mar e Guerra (RM1-T) Nelson Luiz Avidos Silva Terceiro-Sargento-PD Isabelle de Medeiros Vidal

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Departamento de Publicações e Divulgação Capitão de Corveta (T) Ericson Castro de Santana

Impressão / Tiragem CMI – Serviços Editoriais Eireli ME / 8.000 REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA Rua Dom Manuel no 15 — Praça XV de Novembro — Centro — 20010-090 — Rio de Janeiro — RJ  (21) 2104-5493 / -5506 - R. 215, 2524-9460

A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA (RMB) é uma publicação oficial daMARINHA DO BRASIL desde 1851, sendo editada trimestralmente pela DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA. As opiniões emitidas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo o pensamento oficial daMARINHA . As matérias publicadas podem ser reproduzidas, com a citação da fonte. A Revista honra o compromisso assumido no “Programa” pelo seu fundador, Sabino Elói Pessoa: “3o – Receberá artigos que versem sobre Marinha... 5o – ... procurará difundir tudo quanto possa contribuir para o melhoramento e progresso da nossa Marinha de Guerra e Mercante; programar ideias tendentes a dar impulso à administração da Marinha e a suas delegações, segundo o melhor ponto de vista a que seja possível atingir...” Ao longo de sua singradura, a RMB busca aperfeiçoar o “Programa” ao se atribuir a “Missão” de divulgar teses, ideias e conceitos que contribuam também para o aprimoramento da consciência marítima dos brasileiros. Como tal, está presente em universidades, bibliotecas públicas e privadas do País, entre outras instituições. Empenha-se em trazer teoria e técnica aplicadas para solver questões que retardam o desenvolvimento social e material da Nação. Divulga ensinamentos a respeito da ética e do trabalho, esclarecendo o que nos cabe realizar na Marinha e no País, respeitando conceitos e fundamentos filosóficos. Mostra como a conquista da honra ocorre na formação militar, analisando a lógica do mercado vis-à-vis com nossa ambiência naval. Atende plenamente à “índole da revista e, confiando no futuro, protestamos indiferença sobre política e prometemos não nos envolver em seus tão sedutores quanto perigosos enleios”.

Na internet: http://www.revistamaritima.com.br Contato e remessa de matéria: Assinatura e alteração de dados: E-mail: [email protected] E-mail: [email protected] Intranet: dphdm-083@dphdoc Intranet: dphdm-085@dphdoc

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8 NOSSA CAPA DESCOMISSIONAMENTO DO NAVIO-AERÓDROMO SÃO PAULO Eduardo Bacellar Leal Ferreira– Almirante de Esquadra Correspondência do Comandante da Marinha ao Ministro da Defesa

11 ARAEX – UNO José Alberto Accioly Fragelli – Almirante de Esquadra (Refo) O NAeL Minas Gerais apoiando a Marinha argentina na qualificação de pilotos. Em 1992, o 25 de Mayo suspende reparos e nunca mais se fez ao mar. Atuação do Minas

17 MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA Elcio de Sá Freitas – Vice-Almirante (Refo-EN) Marinha, Engenharia e capacitações. Militarização, expectativa e realidade. Pendores – educação – organização – documentação técnica. Pensamento naval

27 INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS Armando de Senna Bittencourt – Vice-Almirante (Refo-EN) Pioneirismo de Santos Dumont. O zepelin – o avião. Interesse militar. Escola de Aviação Naval. Correio Aéreo. O helicóptero. Operações aéreas

39 INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA Ruy Barcellos Capetti – Vice-Almirante (Refo) Apoio Logístico Integrado. Base Industrial de Defesa. Informações de dados referentes ao apoio logístico – gerenciamento. Padrão adotado nos EUA e na Europa. Papel do Ministério da Defesa

51 SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES Tiudorico Leite Barboza – Contra-Almirante (Refo-EN) Famílias de meios flutuantes – embarcações/navios e sistemas oceânicos. Navios e plataformas

61 PIRATARIA MARÍTIMA ALAVANCA ARQUITETURA DE SEGURANÇA MARÍTIMA NA ÁFRICA OCIDENTAL E CENTRAL Henrique Peyroteo Portela Guedes – Capitão de Mar e Guerra (Marinha de Portugal) A união africana. Organização marítima da África do Oeste e Central. Comunidades econômicas na África Ocidental e na Central. Grupo G7 dos amigos do Golfo da Guiné. Universidades marítimas. A Cimeira de Yaoundé

71 CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS? Nelson Marcio Romaneli de Almeida – Capitão de Mar e Guerra (IM) Conceituação de conflito. A guerra como fenômeno social – breve análise

80 ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL Marcus Vinicius de Castro Loureiro – Capitão de Mar e Guerra O setor cibernético e o militar naval. Vulnerabilidades – ataques cibernéticos – identificação – proteção 87 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL José Augusto Abreu de Moura – Capitão de Mar e Guerra (Refo) O despreparo da Marinha e suas consequências. Na Guerra Fria. Alterações globais e no Brasil. Situação atual – prioridades

109 COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR Archimedes Francisco Delgado – Capitão de Mar e Guerra (RM1) Senso de justiça – competência do avaliador. Feedback – fator de melhoria de desempenho. Componentes da competência

117 A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ENERGIA E ÁGUA Leonam dos Santos Guimarães – Capitão de Mar e Guerra (RM1-EN) Produção de energia dependente de água. Interdependência e mútua vulnerabilidade. Necessidades atuais e futuras. Metas do desenvolvimento sustentável. Dessalinização

121 DAS FORÇAS ARMADAS E DO PODER JUDICIÁRIO SOB O PRISMA DOS DISCURSOS PRESIDENCIAIS DURANTE A REPÚBLICA VELHA Reis Friede – Desembargador Federal Análise dos pronunciamentos nas posses dos presidentes da República, desde Deodoro até Washington Luís. Comentários diversos. O sagrado direito do voto

139 O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA Dante Ribeiro da Fonseca – Historiador Navegação no Rio Amazonas e no Madeira. Os navios Guajará, mercante, de guerra, a vela e vapor. Família Miranda proprietária do navio. Viagem pioneira em 1858/59

151 AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO Alessandro Pires Black Ferreira– Capitão de Fragata Operações ribeirinhas – apoio à hidrografia – busca e salvamento – patrulha e inspeção naval – guerra eletrônica e antiaérea – operação Antártica – operação de paz – apoio humanitário

158 LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO Marcos Valle Machado da Silva – Capitão de Fragata (RM1) Considerações conceituais. Aplicação em sistemas novos e antigos. Redução no custo do ciclo de vida. Estudo de caso das aeronaves da US Navy. Emprego na MB

173 RADIOMONITORAÇÃO DE REDES DE SATÉLITES GEOESTACIONÁRIOS Pedro Henrique Ribeiro Barbosa – Capitão de Corveta Necessidade de vigilância. Comando e controle. Os satélites geoestacionários. Interferências. Estação terrena de monitoração de satélites

183 PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL Thiago Ribeiro de Jesus – Capitão-Tenente (FN) Cenário mundial atual. Conceitos de projeção anfíbia – evolução nos EUA e no Brasil. A projeção e a política externa brasileira. Doutrina e recursos humanos e logísticos 200 PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB Christovam Leal Chaves – Capitão-Tenente (EN) Manutenção nas edificações – custo – planejamento e controle. Vida econômica ótima. Estudo de caso

208 A VELA COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL Sylvio Seoane Lanzellotti – Aspirante Importância da vela no Programa Olímpico da Marinha. O programa no desenvolvimento de atletas de alto rendimento. A vela proveu o maior número de medalhas em Olimpíadas. Ferramenta de educação e desenvolvimento social

215 CARTAS DOS LEITORES

219 NECROLÓGIO

227 O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

235 DOAÇÕES À DPHDM

238 ACONTECEU HÁ CEM ANOS Seleção de matérias publicadas na RMB há um século. O que acontecia em nossa Marinha, no País e em outras partes do mundo

254 REVISTA DE REVISTAS Sinopses de matérias selecionadas em mais de meia centena de publicações recebidas do Brasil e do exterior

269 NOTICIÁRIO MARÍTIMO Coletânea de notícias mais significativas da Marinha do Brasil e de outras Marinhas, incluída a Mercante, e assuntos de interesse da comunidade marítima NOSSA CAPA

DESCOMISSIONAMENTO DO NAVIO-AERÓDROMO SÃO PAULO

onsiderando a relevância do assunto primeiros anos em atividade pela Esquadra Cpara o Brasil e para a Marinha, trans- brasileira, possibilitando à Marinha adqui- crevemos comunicação de 14 de fevereiro rir a capacitação para operar aeronaves de de 2017 do Comandante da Marinha, Al- alta performance embarcadas. Entretanto, mirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal seus complexos e antigos sistemas exigiram Ferreira, ao ministro de Estado da Defesa, um volume financeiro de investimentos em Raul Jungmann, a respeito da desmobiliza- manutenção além do que a Força dispunha, ção do NAe São Paulo: ocasionando progressivas limitações, o que “O Navio-Aeródromo (NAe) São Pau- culminou, em 2005, na parada do navio lo foi incorporado à Marinha em 2000, para um Período de Grandes Reparos. a partir de uma compra de oportunidade Após diversas tentativas, sem sucesso, da Marinha Nacional da França, com os de recuperar a capacidade operativa do propósitos precípuos de substituir o antigo meio, o Almirantado decidiu, em 2014, Navio-Aeródromo Ligeiro Minas Gerais, desenvolver estudos técnicos para realizar em término de vida útil, e proporcionar a um Programa de Modernização com foco evolução das operações aéreas embarcadas na substituição do sistema de propulsão de com o emprego dos aviões de asa fixa e vapor superaquecido para elétrica integrada propulsão a jato A-4 Skyhawk. e na substituição/modernização dos siste- Apesar de já contar com 37 anos de mas de aviação. serviço ativo no momento da aquisição, Lamentavelmente, os estudos de exequi- o navio cumpriu bem a sua missão nos bilidade do referido Programa indicam um DESMOBILIZAÇÃO DO NAVIO-AERÓDROMO SÃO PAULO

longo período para sua conclusão, aproxi- Vida útil média das aeronaves A-4 madamente dez anos, além de incertezas Skyhawk: a modernização em curso das técnicas e elevados custos. São as seguintes aeronaves A-4 estenderá sua vida útil, considerações mais relevantes: em média, até 2030. Ou seja, quando a Estrutura do navio: a inspeção na parte modernização do navio estiver próxima de estrutural do navio apresentou, de uma ser concluída, suas atuais aeronaves serão forma geral, muito bom estado, havendo a desativadas, gerando a necessidade de necessidade de reparos pontuais, principal- obtenção de novas unidades compatíveis mente nas seções das praças de máquinas. com o convés de voo do NAe São Paulo, Sistemas de Aviação (catapultas, apa- inexistentes hoje no mercado. relho de parada e elevadores): além da Capacidade industrial, riscos e inedi- obsolescência, descontinuidade e falta de tismo da obra: o recente enfraquecimento sobressalentes, o reparo dos sistemas de da indústria naval brasileira, com reflexos aviação exige um conhecimento muito observados na capacitação de pessoal e específico e mão de obra especializada, qualidade dos serviços, a complexa matriz disponível apenas no exterior, especifica- de riscos e o ineditismo deste tipo de obra mente nos EUA, único país que detém o no Brasil geram lacunas muito grandes de domínio total da tecnologia de catapulta. planejamento, dificultando sobremaneira o A alternativa de sua substituição esbarra seu correto dimensionamento e, consequen- na ausência de uma solução técnica, pois as temente, a estimativa de custos. catapultas disponíveis no mercado exigem Assim, o Almirantado concluiu que o um convés de voo maior que o do NAe Programa de Modernização do NAe São São Paulo, e aquelas instaladas a bordo, Paulo é inviável, decidindo pela desmobi- que utilizam vapor superaquecido, não são lização do meio, a ser conduzida ao longo mais fabricadas. dos próximos três anos, e propõe a V.Exa. Sistema de Propulsão: em razão de um programa de obtenção de um novo con- grande número de avarias, idade avan- junto navio-aeródromo x aeronaves, que çada dos equipamentos e complexidade ocupará a terceira prioridade de aquisições das normas internacionais de segurança da Marinha, logo após o Prosub/Programa a serem atendidas, a possibilidade de Nuclear e o Programa de Construção das reparo do atual sistema de propulsão a Corvetas Classe Tamandaré. O custo de vapor foi considerada de alto risco e com aquisição do novo binômio será substan- disponibilidade futura contestável. Sua cialmente menor que o de modernização substituição por uma planta elétrica in- do NAe São Paulo e obtenção de aeronaves tegrada é tecnicamente exequível, porém compatíveis com o navio, as quais, reitero, requer um investimento muito elevado e não existem no mercado, necessitando ser traz consigo algumas incertezas. O Brasil desenvolvidas. ainda não domina a tecnologia envolvida. A capacidade de conduzir operações A possibilidade de substituição da atual de guerra naval com emprego de aviação planta de vapor superaquecido por outra de asa fixa, obtida às custas de grandes com as mesmas características foi consi- investimentos e intensos treinamentos dos derada inviável técnica e economicamen- nossos pilotos no País e no exterior, será te, uma vez que este tipo de instalação mantida, até o recebimento do novo navio, não é mais utilizado pelas Marinhas em a partir da Base Aérea e Naval e de outras sistemas de propulsão. instalações de terra, bem como por meio

RMB1oT/2017 9 DESMOBILIZAÇÃO DO NAVIO-AERÓDROMO SÃO PAULO

de treinamentos com navios-aeródromo que uma campanha de comunicação social de Marinhas amigas, a exemplo do que as para os públicos interno e externo será lan- Marinhas do Reino Unido, da Itália e da Ar- çada, com o propósito de esclarecer todos gentina estão realizando nos últimos anos. os aspectos da decisão tomada e conscienti- Por fim, Sr. Ministro, antevendo possí- zar a sociedade brasileira da importância de veis efeitos negativos da decisão sobre a mantermos a capacidade de operar aviação motivação de nosso pessoal, em especial os embarcada para garantirmos a soberania e envolvidos com a atividade aérea, participo a defesa do País”.*

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Navio Aeródromo ;

* NR - A respeito do assunto, o Comandante da Marinha publicou nota de no 143 no Boletim de Ordens e Notícias, a 15 de fevereiro de 2017.

10 RMB1oT/2017 ARAEX – UNO

JOSÉ ALBERTO ACCIOLY FRAGELLI* Almirante de Esquadra (Refo)

m novembro de 1993, foi realizada Colossus, construído para a Marinha inglesa Ea primeira Operação Araex, entre as com o nome de HMS Venerable. A Holanda Armadas da Argentina e do Brasil, quando operou este navio de 1948 até vendê-lo para o nosso Navio-Aeródromo Ligeiro (NAeL) a Argentina com o nome de Hr.Ms. Karel Minas Gerais foi empregado na manutenção Doorman, em homenagem ao almirante ho- da qualificação de pilotos argentinos, que landês que morreu na Batalha do Mar de Java operavam os novos Super Étendard. contra o Japão, na Segunda Guerra Mundial. A Marinha argentina possuiu em seu his- O 25 de Mayo participou do conflito tórico dois navios-aeródromos: o primeiro, entre Argentina e Chile pela posse do Canal o Independencia, ex-HMS Warrior, classe de Beagle. Na época, seu convés de voo Colossus, adquirido da Inglaterra em 1958; foi aumentado de forma a capacitá-lo para o segundo, o 25 de Mayo, foi negociado receber mais de 21 aviões, como era inicial- com a Holanda em 1969, também da classe mente previsto.

* Foi chefe do Estado-Maior da Armada, comandante de Operações Navais, diretor-geral do Pessoal da Marinha, diretor de Hidrografia e Navegação e diretor de Ensino da Marinha. Comandou o o5 Distrito Naval, a Escola Naval, o Centro de Adestramento Almirante Marques Leão, a Fragata Liberal, o Contratorpedeiro Alagoas e o Corpo de Aspirantes e, na reserva, foi diretor-presidente da Coordenadoria-Geral do Programa de De- senvolvimento do Submarino com Propulsão Nuclear. ARAEX – UNO

O 25 de Mayo na Guerra das Falklands/Malvinas Em 2 de abril de 1982, iniciou-se o Em 2 de maio de 1982, o cruzador argen- conflito entre Argentina e Inglaterra pela tino General Belgrano foi afundado pelo posse das Ilhas Falklands/Malvinas, com a submarino nuclear inglês HMS Conqueror. invasão das mesmas por ordem do General Sob ameaças de outros ataques de sub- Galtieri, Presidente marinos nucleares, a da Argentina. esquadra de superfície Aquelas ilhas, situ- Em 1992, quando o sistema argentina recolheu- adas na extremidade -se às suas bases, não meridional do conti- de propulsão já tinha dando oportunidade ao nente sul-americano, sido retirado de bordo, os 25 de Mayo de voltar têm, entre outras, a a tentar participar do possibilidade de con- trabalhos foram suspensos conflito. trole do hemisfério e o 25 de Mayo nunca mais Em 1988, a Arma- austral. Pela sua posi- se fez ao mar da argentina iniciou ção, normalmente são um grande refit no seu submetidas a ventos navio-aeródromo, vi- muito fortes. Consta que o 25 de Mayo sus- sando inclusive à troca de sua propulsão, pendeu para esta área, mas teve problemas primeiro incluindo o Cosag1 com novas em sua propulsão, reduzindo sua velocidade; caldeiras. Posteriormente, mudou o projeto, encontrou surpreendentemente uma grande substituindo pelo Codog2 com quatro mo- calmaria, não permitindo operações aéreas. tores diesel. Em 1990, a Fincantieri venceu 1 N.R.: Acrônimo de sistema de propulsão Combined Steam and Gas (Combinado Vapor e Gás). 2 N.R.: Acrônimo de sistema de propulsão Combined Diesel or Gas (Combinado Diesel ou Gás).

12 RMB1oT/2017 ARAEX – UNO

a concorrência inicial para dar assistência técnica à AFNE San- tiago para trocar as turbinas Parsons pela GE/Fiat LM 2500 gás turbina. Em 1992, quando os velhos sistemas de propulsão já tinham sido retirados de bor- do e era previsto o início das obras, por motivos superiores os trabalhos foram sus- pensos ou cancelados e o 25 de Mayo nunca mais se fez ao mar. Super Étendard da Marinha Argentina Nesta situação, a Argentina precisava manter os seus pilotos com uma série de fortes edificados para qualificados nos 12 Super Étendard adqui- protegê-la. ridos da França e, por esta razão, solicitou A bordo do Minas, estavam embarcados apoio ao Brasil. dois esquadrões de helicópteros navais e o Sendo eu o chefe do Estado-Maior da Grupo de Aviação Embarcado (GAE) da Esquadra, fui escolhido para comandar Força Aérea Brasileira (FAB), com quatro um Grupo-Tarefa brasileiro, composto aviões Grumman S2-E / Tracker. pelo nosso Minas Gerais e pelo Contra- Agradou-me positivamente o perfeito torpedeiro Mariz e Barros, incorporando entrosamento entre a nossa gente marinhei- uma corveta argentina da classe Meko 140 ra e os militares da FAB, numa confraterni- quando chegássemos a Puerto Belgrano. zação extraordinária, tanto no campo pro- Suspendemos do Rio de Janeiro no dia fissional como na área de convívio, como 17 de novembro de 1993, atracando três se fosse uma única força, muito diferente dias depois em Rio Grande para abasteci- de 1964, quando presenciei problemas entre mento. O meu staff era muito bom, a co- as nossas duas forças. meçar pelo comandante do Minas Gerais, Chegando a Puerto Belgrano, apresen- Capitão de Mar e Guerra Wilson Jorge tei-me ao comandante de la Flota (Co- Montalvão e tendo como meu braço direito mench), Contra-Almirante Fusari, que me o excepcional Capitão de Mar e Guerra recebeu com grande cordialidade. João Afonso Prado Maia de Faria, como O Minas estava em estado quase perfei- meu chefe do Estado-Maior. to, tendo apenas o problema da catapulta, Saindo de Rio Grande, chegamos três e não tínhamos certeza de poder lançar os dias depois a Puerto Belgrano, base da Super Étendard. Pessoalmente, o nosso co- Esquadra argentina. Eu nunca lá tinha es- mandante de Operações Navais, Almirante tado e me surpreendi pela grandeza dessa Cézar de Andrade, determinou-me que não base, construída no início do século XX, corresse risco operando com a mesma.

RMB1oT/2017 13 ARAEX – UNO

Assim, combinei com o Almirante Fusa- ses entraram no Estreito de São Carlos, ri que a qualificação dos pilotos se limitaria visando iniciar o desembarque, o General ao toque e à arremetida. Menendez, comandante das ilhas, pediu Já havia algum tempo que os pilotos apoio aéreo, que só chegou horas depois, argentinos não operavam em um navio- devido à cadeia burocrática de comando, -aeródromo. Determinei, assim, que o atrasando a solicitação para que os aviões comandante do GAE, Tenente-Coronel decolassem de suas bases, o que provocou (AV) Reale, fosse à Base Aeronaval Capi- a chegada deles à área já tendo ocorrido o tan Espora para presenciar o treinamento desembarque inglês, e assim a prioridade dos pilotos argentinos. Lá foi feita na pista dos alvos passara a ser os escoltas e não uma pintura reproduzindo o convés de voo os navios com tropa. do nosso navio. O Almirante Fusari explicou-me que No terceiro dia, o Tenente-Coronel a Argentina não possuía Distritos Navais Reale me deu o pronto, participando que e sim Comandantes de Áreas Marítimas os pilotos estavam aptos a operar de bordo. e aconselhou-me a não deixar ser criada Fui então à mencionada base aeronaval, a Guarda Costeira, pois a mesma, que onde fui apresentado ao Capitan de Navio lá é chamada de Prefeitura Naval, tinha (CMG) Colombo, comandante da Aviação sugado em muito os recursos e a projeção Naval argentina. Ele me levou a um salão da Marinha. para mostrar-me um grande mural na No dia 27 de novembro, suspendemos parede, reproduzindo as façanhas extraor- para a realização das operações com os dinárias dos aviadores navais argentinos aviões Super Étendard. Antes de sair do na Guerra das Malvinas (Falklands), que Rio, meu saudoso amigo e chefe Almirante partiam das bases de Rio Grande e Rio Oliveira, em sua sensibilidade e vocação Galego, no extremo sul da Argentina, jurídica, conversou comigo sobre, caso para alcançarem os navios ingleses, tendo houvesse um acidente, a quem caberia de fazer dois reabastecimentos em voo, a apuração do inquérito – à Armada da um na ida e outro na volta. Ao todo eram Argentina ou a Marinha do Brasil. O pri- sete horas de voo, sentados em cabines meiro avião que tocou no convés do Minas desconfortáveis de um caça e sob ameaça correu por todo ele e, ao decolar, ficou de não encontrarem o avião reabastece- oculto pelo casco do navio, dando a im- dor e caírem no mar, em águas geladas pressão que tinha caído ao mar, vindo-me que garantiriam apenas sete minutos de logo a mente a preocupação do Almirante sobrevivência. Oliveira. Pouco depois, o avião apareceu Convidei o Almirante Fusari para as- e com ele desapareceu o nosso susto. Foi sistir à operação de seus pilotos a bordo o único contratempo que tivemos em inú- do Minas. Ele perguntou-me se poderia meros toques e arremetidas. levar mais dois almirantes, o comandante No fim do dia, o Comandante Colombo dos Fuzileiros Navais e o comandante da deu por satisfeita a qualificação de todos Área do Atlântico. Claro que concordei. os pilotos e sugeriu que se encerrasse a Ele me explicou que antes das Malvinas operação, regressando à base. a Marinha argentina tinha cerca de 30 No dia seguinte, suspendemos de almirantes, mas agora estava reduzida a Puerto Belgrano, onde fomos muito feli- 11, pela experiência vivida naquela guerra. zes e iniciamos o retorno, passando por Explicou-me que, quando os navios ingle- Montevidéu.

14 RMB1oT/2017 ARAEX – UNO

Na viagem de volta, o comandante do comandante da aeronave colocava o trem GAE convidou-me para voar em um dos de pouso dianteiro e seguia diretamente seus aviões. Aceitei, com a condição de por ela, não podendo cometer o menor ficar na cabine. Então ele informou-me que desvio, pois a ponta da asa de boreste era o único piloto a bordo, que podia voar passava a menos de cinco metros da ilha sem copiloto e que consequentemente, eu do navio. O piloto só se concentrava nesta teria de ser submetido a um treinamento tarefa, e as outras mais simples eram feitas para realizar umas poucas tarefas na oca- pelo copiloto. Fizemos ao todo 16 decola- sião da decolagem do avião. gens e pousos. O Minas tinha cinco cabos O Tracker não era catapultado, ele de parada. No pouso, o Tenente-Coronel decolava em corrida livre. Era um avião Reale perguntava-me qual dos cabos eu muito grande para operar a bordo do Mi- escolheria, e ele pousava exatamente no nas. O piloto levava o avião para a popa, cabo escolhido. Era fantástica a sua perícia acelerava à máxima potência, segurando como piloto. com os freios até atingir a maior acelera- No dia 7 de dezembro de 1993, o querido ção, quando então soltava os freios. No e saudoso Minas entrou barra adentro na convés do Minas existia uma linha preta Baía de Guanabara, com mais uma missão pintada da popa até o final da proa, onde o bem cumprida.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Marinha da Argentina; Marinha do Brasil; Navio-Aeródromo; Aviação Naval;

RMB1oT/2017 15 A SEGUNDA MAIS ANTIGA DO MUNDO

A Revista Marítima Brasileira completou 166 anos em 1o de março de 2017. Fundada em 1851 pelo Primeiro Tenente Sabino Elói Pessoa, foi a segunda revista mais antiga do mundo a tratar de assuntos marítimos e navais. Conforme os registros obtidos, a Rússia foi o primeiro país a lançar uma revista marítima, a Morskoii Sbornik, (1848). Depois vieram: Brasil – Revista Marítima Brasileira (1851), França – Revue Maritime (1866), Itália – Rivista Marittima (1868), Portugal – Anais do Clube Militar Naval (1870), Estados Unidos – U.S Naval Institute Proceedings (1873) República Argentina – Boletín Del Centro Naval (1882). MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA

ELCIO DE SÁ FREITAS* Vice-Almirante (Refo-EN)

SUMÁRIO

Apresentação Introdução Marinha, Engenharia e Capacitações Militarização e Navios de Guerra Expectativas e Realidades Pendores Educação Contínua Especialistas Organização e Hábitos de Trabalho Documentação Técnica Responsabilidades Liderança Oficiais Engenheiros e o Pensamento Naval Confiança

APRESENTAÇÃO “A Amazônia Azul apresenta impor- tância política, estratégica e econômica, Comandante do Centro de Instrução Al- pelos seus recursos naturais e por ser a Omirante Wandenkolk (CIAW), Contra- principal via de transporte do comércio -Almirante Paulo Cesar Demby Corrêa, fez exterior. Para a garantia do emprego a seguinte apresentação do Vice-Almirante desses espaços, sem interferências exter- (Refo EN) Elcio de Sá Freitas, que ministrou nas que possam contrariar os interesses aula inaugural, em dezembro de 2016, para brasileiros, é necessário um Poder Naval o Curso de Formação de Oficiais no CIAW. moderno, equilibrado e balanceado.

* Serviu na Diretoria de Engenharia Naval de dezembro de 1981 a agosto de 1990, tendo sido seu diretor de abril de 1985 a agosto de 1990. Colaborador frequente da RMB. Autor do livro A Busca de Grandeza. MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA

Uma Força Naval dotada de tais pressupostos demanda o desenvolvimento de tecnologias autóctones, com suporte de ins- tituições nacionais públicas e privadas. Em que pese a escassez dos recursos financeiros, a Mari- nha do Brasil (MB) tem auferido resultados importantes, tanto no que se refere à reestruturação do setor de Ciência, Tecnologia & Inovação (C,T&I) quanto para fa- zer frente aos desafios da gerência tecnológica e ao desenvolvimento de equipamentos e sistemas. A In: http://image2.slideserve.com/4125171/navy-ships-are-a-highly- estratégia adotada permitiu alcan- complex-product-t.jpg çar resultados relevantes, como os bem-sucedidos projetos das fragatas primeiros-tenentes do Corpo de Engenheiros classe Niterói, das corvetas classe Barroso da Marinha, em 17 de dezembro de 2016. e dos submarinos classes Tupi e Tikuna, Esses oficiais cumprem a etapa inicial de um construídos no Arsenal de Marinha do Rio período de reestruturação e aperfeiçoamento de Janeiro (AMRJ); o desenvolvimento do de carreira, realizando o Curso Especial de míssil antinavio (MAN-SUP) e de sensores, Atividades de Engenharia, e que será proce- tecnologias de materiais para aplicações dido, ao longo de 2017, por estágios de quali- militares e sistemas informatizados; e o ficação profissional a bordo dos meios navais domínio do ciclo de combustível nuclear. e de fuzileiros navais, nas Organizações Entretanto, persiste a dependência de com- Militares Prestadoras de Serviço (OMPS) E ponentes e insumos produzidos no exterior, e I e nas Diretorias Especializadas. frequentemente submetidos a cerceamentos. O diretor-geral do Pessoal da Mari- Nesse contexto, considerando a cons- nha deixou patente que “não há Marinha tante necessidade do aprimoramento da de guerra sem uma Engenharia forte capacidade de manutenção, com ênfase na e estruturada”. Essa realidade pode recuperação da capacidade operativa da ser sumarizada pela figura acima, que Marinha do presente, assim como na gestão ilustra os complexos e desafiantes es- dos programas estratégicos para as Marinhas forços de engenharia para um país que do amanhã e do futuro, o diretor-geral do se propõe a construir um submarino pessoal da Marinha, Almirante de Esquadra com propulsão nuclear. Ilques Barbosa Júnior, formulou um convite Antes de passarmos à aula inaugu- ao Vice-Almirante (Refº-EN) Elcio de Sá ral propriamente dita, é oportuno citar Freitas para ministrar uma aula inaugural que “há uma relação forte, embora não sobre aspectos primordiais que devem nor- evidente, entre projeto, construção e tear a carreira dos oficiais que concluíram reparo de navios de guerra. Abolidas as com aproveitamento o Curso de Formação duas primeiras atividades, a terceira se de Oficiais no Centro de Instrução Almiran- degrada”. (VA-EN ELCIO, in “A Busca te Wandenkolk (CIAW) e dos nomeados de Grandeza”, p. 43).”

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No Auditório do CIAW (esq/dir): CA (EN) Ricardo, VA (Refo-EN) Elcio, VA (EN) Neves, AE Ilques, VA Garcez e CA Demby

INTRODUÇÃO MARINHA, ENGENHARIA E CAPACITAÇÕES aros novos tenentes do Corpo de CEngenheiros da Marinha, Engenharia é cada vez mais impor- Proferir esta aula inaugural é honra e tante em todas as Marinhas. Navios de responsabilidade. É honra por ser convite guerra são densas concentrações das da Marinha. E é responsabilidade porque mais diversas engenharias. Projetá-los, devo iluminar a carreira que vocês agora construí-los, apoiá-los, mantê-los e mo- iniciam. dernizá-los é missão Tentarei imagi- que doravante tam- nar as expectativas Este curso que hoje iniciam bém será a de vocês. de vocês; recorrerei Para bem cumpri-las às minhas própria é apenas o primeiro numa vocês terão de capa- expectativas quando longa série destinada a citar-se mais e mais, me tornei engenhei- capacitá-los. tanto técnica como ro; refletirei sobre gerencialmente, des- minha vida como Capacitação resulta de de os passos iniciais chefe de engenhei- estudo e prática até os dos escalões ros e sobre os anos mais elevados. Este como professor de curso que hoje ini- Engenharia para alunos civis e militares; ciam é apenas o primeiro numa longa e tentarei transmitir um resumo do que série destinada a capacitá-los. vivi e aprendi como engenheiro de campo Capacitação resulta de estudo e práti- e de projeto, como subordinado e como ca. Vocês possuem a necessária forma- chefe, tanto no Brasil como no exterior. ção básica. Mas terão que aplicá-la em

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tarefas práticas, desde as mais simples curso para oficiais engenheiros, procurem às mais complexas. Além disso, deverão obter o máximo conhecimento possível ampliar, aprofundar e manter atualizada sobre os vários sistemas de engenharia sua formação, não só mediante cursos de navios de guerra. E não deixem de programados pela Marinha, mas princi- aprofundar esse conhecimento em todas palmente por iniciativa própria, estudan- as oportunidades de estudo e prática. do em livros, revistas técnicas e cursos a distância. Para tanto, terão que renunciar EXPECTATIVAS E REALIDADES a muitas horas de lazer. A compensação será tornarem-se competentes e valori- Quais são suas expectativas neste mo- zados, tanto na Marinha como no meio mento? Certamente esperam ter uma carreira civil, de onde todos viemos. estável, progresso profissional, meios de vida aceitáveis e contribuir para obtermos o MILITARIZAÇÃO E NAVIOS DE poder naval indispensável a um País como o GUERRA nosso. Acima de tudo, esperam ser felizes. Em apenas um ano O mundo evolui Porém, ao longo da vocês militarizaram- carreira, expectativas -se. Não tiveram a velozmente, principalmente se defrontarão com re- longa formação naval nos setores tecnológicos. alidades. Os primeiros de gerações que os anos costumam ser os precederam. Poderia Nestes, a obsolescência mais difíceis, como haver dúvidas sobre profissional só pode ser em todas as carreiras. militarização assim evitada por educação Mas os primeiros anos tão rápida. Quanto também serão os da a isso, lembro as pa- contínua juventude que vocês lavras atribuídas a têm e terão por mais Benjamin Constant, de uma década. Ela é eminente prócer da República: “Os mi- extraordinariamente resistente e resiliente. litares são o povo de uniforme”. E real- Resiste a grandes esforços e choques. Rapi- mente são. Ouso explicitar as palavras de damente se recupera de tensões e embates. Benjamin Constant: os militares são civis Regida por pensamentos positivos, sempre que acrescentaram virtudes militares às sai vitoriosa. Portanto, empreguem bem seus virtudes civis. Constatei essa verdade em anos de juventude. Tenham sempre pensa- meu serviço na ativa, chefiando oficiais mentos positivos e construtivos. engenheiros oriundos deste centro de formação: eles eram ótimos militares, PENDORES portadores de virtudes civis. Só lhes fal- tava a vivência em navios de guerra, que Num conjunto amplo como o de vocês vieram a obter em atividades de engenha- existem vários pendores profissionais. To- ria a bordo. Logo perceberam que o alvo dos serão valiosos para a Marinha, desde de sua dedicação profissional tinha que que bem cultivados. Alguns sentem ou ser o navio e toda a sua infraestrutura de sentirão forte atração por projetos de enge- projeto, construção, apoio, manutenção e nharia; outros, por construção, apoio e ma- modernização. Portanto, neste primeiro nutenção; outros, ainda, por gerenciamento

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técnico ou por pesquisa e desenvolvimento. A maior parte da educação contínua Alguns já terão identificado seu pendor, deve ocorrer quase sem interrupção das e outros não. Mesmo os que já o tenham funções de cada profissional. Os períodos identificado poderão ter-se enganado. De- de interrupção têm que ser curtos. Do con- verão confirmá-lo. Seja qual for o pendor, trário, grandes empresas faliriam. Muitos todos deverão estar prontos a empenhar-se deles realizam-se a distância, via internet, nas tarefas e funções que lhes forem atri- até mesmo em universidades americanas. buídas, sem com isso renunciarem às suas Em alguns cursos é necessária presença preferências, que normalmente a Marinha apenas durante poucas horas semanais. atenderá diante de bons serviços prestados. Porém em todos, cada participante tem que Empenhando-se, ampliarão sua capacidade subtrair horas ao seu lazer para obter mais e visão profissional, sempre importantes, que um mero certificado de participação. principalmente nos postos mais altos da Em qualquer curso de educação con- carreira. Seu valor será reconhecido. tínua, as horas de estudo individual são a base para eficácia. EDUCAÇÃO Este curso que agora CONTÍNUA Enquanto a Marinha não iniciam é o primeiro na educação contínua O mundo evolui puder formar e manter de vocês. Dediquem- velozmente, princi- engenheiros especialistas -se intensamente ao palmente nos setores estudo individual. tecnológicos. Nes- em seus quadros civis, o Ajam sempre assim. tes, a obsolescência Corpo de Engenheiros terá Isso os tornará mais profissional só pode que suprir essa importante capazes. ser evitada por edu- cação contínua. Mas lacuna, tanto quanto ESPECIALISTAS essa educação não possível se consegue apenas Marinhas de guerra com cursos de pós- são organismos am- -graduação, embora eles sejam indispen- plos e complexos. Possuem vários siste- sáveis para todos vocês que demonstrarem mas: operacionais, administrativos, educa- aptidão e mérito. cionais e técnicos-financeiros-gerenciais. Educação contínua é uma sequência Todos esses sistemas requerem diversas quase ininterrupta de obtenção de conhe- capacitações em vários níveis, a serem cimentos, desde os mais técnicos aos mais obtidas por educação contínua e prática gerenciais, desde os imediatos até os de em diversos órgãos da Marinha. Oficiais longo alcance, desde processos de exe- passam a funções de comando ou chefia à cução até os de planejamento, controle e medida que ascendem. avaliação. Inclui obtenção e atualização Quase todas as capacitações e níveis de conhecimentos. Abrange teorias e necessários conseguem-se nos Corpos e práticas. Realiza-se em universidades, Quadros militares da Marinha. Mas neles em centros tecnológicos ou gerenciais, é muito difícil formar e manter engenhei- em fábricas, em sociedades técnicas e ros militares especialistas. Especialistas em grupos especializados. E também nos são os que se dedicam exclusivamente a locais de trabalho. um setor estreito da engenharia durante

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pelo menos 15 anos ininterruptos. Mu- são óbvios, mas verifiquei que ainda assim danças de funções e comando ou chefia, são esquecidos. Eles serão úteis em toda a requisitos indispensáveis da carreira carreira de vocês. militar, praticamente impedem a obten- 1º – O propósito de quem organiza deve ção de engenheiros especialistas. Eles ser multiplicar sua ação pessoal. Evitem têm que pertencer aos quadros civis da burocracias e centralização excessiva. Marinha, mas a questão transcende as 2º – Datem todos os documentos de decisões navais. trabalho e neles registrem referências úteis. Enquanto a Marinha não puder for- Exijam o mesmo de seus subordinados. mar e manter engenheiros especialistas 3º – Obtenham informações suficientes em seus quadros civis, o Corpo de En- antes de iniciar qualquer trabalho não genheiros da Marinha (CEM) terá que rotineiro: antecedentes técnicos e opera- suprir essa importante lacuna, tanto cionais, situação atual, fatores técnicos quanto possível. Vocês tomarão parte no envolvidos, condições de segurança esforço, que exigirá ainda mais de suas necessárias, normas e instruções técnicas capacitações. pertinentes etc. Sempre que possível, examinem o sistema ou equipamento a ORGANIZAÇÃO E HÁBITOS DE ser instalado ou reparado e obtenham TRABALHO informações dos operadores. 4º – Elaborem, mantenham e preser- Provavelmente a primeira comissão de vem registros técnicos de trabalhos im- vocês na Marinha será também o primeiro portantes. Eles serão úteis para trabalhos ou o segundo trabalho como engenheiros. futuros. Mantenham e preservem instru- Tendo obtido êxito num curso de gradu- ções e registros técnicos que receberem ação e no concurso ao CEM, cada um de seus antecessores. de vocês já possui seu modo aprovado 5º – Planejem, tanto quanto possível, de organizar-se e trabalhar. Porém, do- dias, semanas e meses. Ao final de cada ravante o trabalho não será acadêmico, dia, replanejem o dia seguinte. exceto quando realizarem cursos de pós- 6º – Planejem e controlem a execução -graduação. Mesmo para aqueles que de tarefas. Em muitos casos o controle forem designados para setores de projeto, presencial é indispensável. Não as dei- mais próximos de tarefas acadêmicas, xem incompletas. será conveniente reajustar os modos de 7º – Observem bem os subordinados. organizar-se e os hábitos de trabalho. Avaliem seus desempenhos. Aprendam Para os que forem enviados para a “linha com os melhores dentre eles. de frente” (estaleiro, estação naval, base 8º – Avaliem resultados e deles tirem naval) a conveniência do reajuste será lições. ainda maior. Ele é necessário porque 9º – Elogiem seus subordinados sem- agora não trabalharão apenas para vocês pre que merecerem. mesmos, mas para uma organização com 10º – Se necessário, requeiram assistên- determinadas condições. cia técnica, principalmente diante de requi- Cada um saberá fazer seu reajuste. sitos de segurança. A assistência técnica Mas eis alguns princípios, que obtive em necessária poderá ser a de base, estaleiro, leituras e experiência pessoal e também na Diretoria Especializada ou a do fabricante. observação de novos engenheiros. Alguns 11º – Nunca aceitem argumentos que

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tentem justificar práticas duvidosas. Boas esforços de controle de avarias. Utilizei práticas de engenharia nunca se opõem às essas informações mais tarde, no projeto ciências de engenharia. e na construção do Navio-Escola Brasil 12º – Aprendam com os chefes. Em e das corvetas classe Inhaúma. cada função, deverão preparar-se para 2º – Uma de minhas primeiras tarefas substituí-los e preparar subordinados que como engenheiro, em 1964, foi retirar e substituirão vocês. substituir um tampão no casco resistente 13º – Verifiquem quais são os tópicos de um submarino que recebêramos da de engenharia e gerência cujo estudo po- Marinha americana. Qualquer falha derá melhorar seus desempenhos pessoais. no casco resistente, quando submerso, Procurem estudá-los em livros, revistas pode destruir o submarino e toda a sua técnicas, cursos na internet etc. tripulação. Como retirar e substituir o 14º – Instruam os subordinados. Procu- tampão? Felizmente dispúnhamos da rem identificar meios para instruí-los. documentação técnica necessária, que a Marinha americana DOCUMENTAÇÃO também fornecera. TÉCNICA Sem um eficiente sistema 3º – Durante um mês de 1967, estive Engenharia se faz de elaboração, distribuição, no arsenal da Mari- com documentação utilização, revisões e nha americana em técnica, tanto em pro- Filadélfia, preparan- jeto como em cons- preservação de documentos do-me para substituir trução, manutenção, técnicos, o progresso é lento o chefe do recém- modernização e geren- e difícil. Documentação -criado Grupo de Re- ciamento. Sem um efi- paros de Submarinos ciente sistema de ela- técnica é capital acumulado do AMRJ. Ainda no boração, distribuição, Brasil, dediquei mui- utilização, revisões e tas horas a copiar, preservação de documentos técnicos, o estudar e organizar um extenso conjunto de progresso é lento e difícil. Documentação instruções técnicas da Marinha americana técnica é capital acumulado. Citarei três para reparos em submarinos, muitas já vá- exemplos de minha própria experiência: rias vezes revisadas. Elas haviam sido obti- 1º – Em 1963, no Instituto de Tecnolo- das pelo oficial que eu viria a suceder, meu gia de Massachusetts (MIT), tive que me antigo chefe. Contudo, havia um problema: informar sobre danos de guerra impostos muitas das instruções faziam referência a a contratorpedeiros no Pacífico. Recorri outras, que não possuíamos. Anotei todas ao Arquivo Técnico que a Marinha ame- essas referências e também fiz uma lista ricana lá mantinha e logo descobri vários de dúvidas que me surgiram durante o es- relatórios de comandantes desses navios. tudo. No arsenal de Filadélfia, diante desse Eles me alertaram sobre a vulnerabilida- material, programaram-me uma sequência de dos sistemas automáticos da época a de consultas a engenheiros experientes em impactos e sobre a gravidade da toxidez e cada um dos tópicos em questão. Deles perda de visibilidade causada pela queima recebi as explicações de que necessitava, de cabos elétricos em incêndios durante e cada um prontamente me entregou as combates, dificultando ou frustrando referências que eu procurava obter. Eles

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as tinham à mão. Para eficiência e boas máximo conhecimento possível sobre os práticas de engenharia, documentação vários sistemas de engenharia de navios técnica é ferramenta de trabalho. de guerra. E não deixem de aprofundar Ainda não formamos a necessária esse conhecimento em todas as oportu- cultura de documentação técnica. Ela nidades de estudo e prática. deve ser instilada em todos, desde os seus 2º – Obtenham informações sufi- primeiros anos na Marinha. Buscamos cientes antes de iniciar um trabalho não capacitação tecnológica. Mas capacitação rotineiro: antecedentes técnicos e opera- tecnológica tem três elementos princi- cionais, situação atual, fatores técnicos pais: cérebros, documentação técnica e envolvidos, condições de segurança ne- hardware. A documentação é que permite cessárias, normas e instruções técnicas o acesso de cérebros a experiências e pertinentes etc. Sempre que possível, conhecimentos acumulados. examinem o sistema, equipamento ou instalação a ser reparado ou instalado e RESPONSABILIDADES obtenham informações dos operadores. 3º – Planejem e controlem a execução Estejam atentos a e tarefas. Em mui- seus deveres milita- tos casos o controle res, mas não esque- Como oficiais de Marinha, presencial é indis- çam das responsabili- temos que nos empenhar pensável. dades técnicas. Como 4º – Se necessário, oficiais de Marinha, para que os navios operem. requeiram assistência temos que nos empe- Como oficiais engenheiros, técnica, principalmen- nhar para que os navios temos a responsabilidade de te diante de requi- operem. Como oficiais sitos de segurança. engenheiros, temos que operem em segurança A assistência técnica também a responsabi- necessária poderá ser lidade de que operem a de base, estaleiro, em segurança. Normalmente essas duas Diretoria Especializada ou a do fabricante. imposições não colidem. Mas há casos 5º – Nunca aceitem argumentos que críticos, em que a responsabilidade de tentem justificar práticas duvidosas. engenharia tem que prevalecer para ga- Boas práticas de engenharia nunca se rantir indispensável segurança pessoal opõem às ciências de engenharia. ou material. Vocês perguntarão como 6º – Verifiquem quais são os tópicos poderão identificar esses casos, ainda de engenharia e gerência cujo estudo mais com a diversidade de engenharias poderá melhorar seus desempenhos pes- concentradas num navio e a impossibi- soais. Procurem estudá-los em livros, lidade de conhecer bem todo esse vasto revistas técnicas, cursos na internet etc. campo. Não há uma resposta infalível para essa pergunta. Mas vocês terão alta LIDERANÇA probabilidade de identificar e solucionar esses casos críticos se adotarem as se- Liderança é a capacidade de galva- guintes diretrizes, que novamente citarei: nizar vontades e esforços de um grupo 1º – Neste primeiro curso para ofi- ou de uma organização para cumprir um ciais engenheiros, procurem obter o propósito desejado.

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Em sua recente formação, vocês conhe- pelidas por seus pensamentos navais. ceram este tema de grande importância no Pensamento naval é uma força mental meio civil e militar. Para nós, militares, só é resultante. Tem várias e distintas forças liderança a que une as virtudes da liderança componentes. Requer estudos, análises civil às virtudes militares. e reflexões sobre uma Marinha e sua Liderança é técnica e arte. Em parte é missão no presente e no futuro. inata, e em parte é adquirida. Cada um de Pensamentos navais devem abran- vocês possui liderança inata, em maior ger todos os aspectos relevantes para ou menor grau. Doravante, todos deverão o poder naval, desde os de geração de ampliar suas lideranças inatas, median- meios até os de consecução de fins; te leituras, reflexões e, principalmente, desde exames de oportunidades até os mediante a observação de suas próprias de identificação e superação de dificul- atitudes e resultados. Daí poderão fazer dades; desde a geopolítica do momento correções úteis em até a geopolítica previsível em futuro procedimentos, mas próximo. que não afetem suas Em todas as Ma- personalidades. Marinhas evoluem rinhas, oficiais nos A parte inata da impelidas por pensamentos postos mais ele- liderança é muito vados, com lastro importante. Ela de- navais. Pensamento de conhecimento e termina os setores naval é uma força mental experiência, contri- e os limites em que resultante. Tem várias buem para a evolu- pode ser ampliada. ção do pensamento Assim, é improvável forças componentes. naval. E nos países que um líder natural Num mundo cada vez mais de vanguarda, po- para grandes empre- derosas bases téc- endimentos de campo tecnológico, a componente nico-científico-in- se torne líder numa científica-tecnológica- dustriais de defesa organização de pes- industrial é fundamental também influem in- quisa e desenvolvi- tensamente no pen- mento. No entanto, samento naval. militares têm o dever Pensamentos na- de dar o melhor de si em todos os setores vais são tão mais importantes quanto de atividade, ainda que só em alguns mais pertinentes forem suas forças possam ser líderes naturais. componentes. Num mundo cada vez Cultivem seus dons de liderança. Assim mais tecnológico, a componente se tornarão mais capazes. científica-tecnológica-industrial é fundamental. Ela ainda é incipien- OFICIAIS ENGENHEIROS E O te no pensamento naval brasileiro. PENSAMENTO NAVAL Desenvolvê-la é parte essencial da missão do CEM. Incluirá vocês. Neste “The empire of the future is the em- primeiro curso, e nos cursos e práticas pire of the minds” dos próximos 15 anos, vocês estarão Winston Churchill criando a base para suas contribuições Marinhas de guerra evoluem im- pessoais.

RMB1oT/2017 25 MENSAGEM AO CORPO DE ENGENHEIROS DA MARINHA

CONFIANÇA suas próprias valorizações profissionais. Os trechos serão menos árduos quando Do que eu dis- temperados por ide- se, certamente vo- alismo pragmático, cês concluíram que Mantenham pensamentos indispensável para a carreira de oficiais positivos e construtivos. os que desejam real- do CEM é árdua. Em mente vencer. verdade tem trechos Acima de tudo, mantenham Haverá momen- árduos, como quase confiança em vocês mesmos tos de quase euforia, todas as carreiras. e alguns de pouco Neles será necessá- ânimo. Não se dei- rio dedicar ao serviço e ao estudo muitas xem levar nem por uns nem por outros. horas que pertenceriam ao lazer e a ou- Mantenham pensamentos positivos e tras conveniências pessoais. Mas vocês construtivos. Acima de tudo, mantenham também estarão dedicando essas horas às confiança em vocês mesmos.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Ensino; Formação de oficial; Engenharia naval;

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ARMANDO DE SENNA BITTENCOURT ** Vice-Almirante (Refo-EN)

SUMÁRIO

Introdução Aviões O Interesse Militar O Período entre Guerras O Helicóptero Considerações Finais

INTRODUÇÃO Prêmio Deutsch, realizando o feito de con- tornar a Torre Eiffel, pilotando um balão di- conquista do ar se tornou efetiva rigível, saindo e regressando a Saint-Cloud, A com balões e Santos Dumont foi em menos de 30 minutos. Desde o início do um importante pioneiro entre os que lhes uso de balões, imaginou-se a possibilidade deram dirigibilidade. Em 1901, ganhou o de seu emprego militar. Foram utilizados

* Palestra proferida pelo autor no Seminário do Centenário da Aviação Naval, no Instituto Histórico e Geográfico Brasi- leiro, em 17 de novembro de 2016. ** Engenheiro Naval pela Universidade de São Paulo e Mestre em Arquitetura Naval pela Universidade de Londres. Membro dos Institutos Histórico e Geográfico Brasileiro, Geografia e História Militar do Brasil e História Militar Terrestre, membro da Academia de Marinha de Portugal e do Conselho Internacional de Museus. Foi diretor de Engenharia Naval e do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha. Presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval e vice-Presidente do Comitê Internacional de Museus de História Militar e Coleções de Armas. Autor de capítulos nos livros: Atlântico – A História de um oceano; Guerra no Mar, Batalhas e Campanhas Navais que mudaram a História; e Charles Darwin. Coordenador e colaborador do livro A Importância do Mar na História do Brasil; coordenador e um dos autores do livro Introdução à História Marítima Brasileira. É autor de artigos sobre História Naval e Arquitetura Naval. Colaborador assíduo da RMB. INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS

com bom êxito em guerras no passado, resolveu também iniciar suas aquisições servindo como postos de observação, como de zepelins.3 na Guerra Civil americana e na Guerra da Em seu artigo já citado, “Ce que je ferai, Tríplice Aliança contra o Paraguai, por ce que l’on fera”, do início de 1905, Santos exemplo. A dirigibilidade lhes deu um novo Dumont prevê também como possível e potencial. Alberto Santos Dumont publi- provável, além dos dirigíveis, a existência cou, no número de 15 de fevereiro de 1905 futura de aviões com motores potentes. Ele do periódico francês Je Sais Tout, um artigo já estava voltando sua atenção e criativida- intitulado “Ce que je ferai, ce que l’on fera” de para eles. (“O que farei, o que se fará”)1, em que ele comenta seus projetos e suas esperanças. AVIÕES Entre eles, prevê que existirão “cruzadores aéreos”, balões dirigíveis militares com 200 No ano seguinte, 1906, Santos Dumont metros de comprimento e 28 de diâmetro, decolou, na França, com o 14 Bis, um ae- que “realizarão ações sensacionais durante roplano de configuração canard, ou seja, uma guerra”. Seus sonhos refletiam uma com as asas atrás, que saiu do solo por genialidade notável2. meio de seu próprio motor e hélice e voou Nessa mesma época, um oficial aposen- a pequena distância do chão, na presença tado do Exército alemão, o Conde Ferdi- de muitas testemunhas. Chamava-se 14 Bis nand von Zeppelin, passou a se dedicar a porque ele pretendia testar seus controles dirigíveis. Construiu o primeiro em 1900, inovativos em voos em que estaria pendu- pensando em grandes aeronaves, cheias rado no seu balão 14. Utilizou nesse avião com hidrogênio, para transportar passagei- um motor novo, potente e leve, que estava ros e carga, mas seu passado o fez perceber disponível na França, o Antoinette4, desen- o potencial militar dessas aeronaves, que volvido pelo engenheiro Léon Levavasseur logo passaram a ser chamadas de zepelins. para motorizar barcos de corrida. O Exército alemão fez suas encomendas e, Depois Levavasseur se associou a Louis antes do início da Primeira Guerra Mundial, Blériot, criando, em 1906, a empresa An- já possuía sete em serviço, principalmente toinette, primeira a se dedicar à fabricação destinadas a missões de reconhecimento. de motores para a aviação. Seus motores A Marinha Imperial da Alemanha, por foram empregados em quase todos os novos sua vez, não estava confiante na eficácia aviões fabricados na Europa. desse meio e mantinha os recursos financei- Longe dali, nos Estados Unidos da ros a ela disponíveis, principalmente con- América (EUA), os dois irmãos Wright, centrados na obtenção de grandes navios Wilbur e Olliver, também desenvolviam de guerra que pudessem disputar o domínio aeroplanos e já haviam voado com pla- do mar. Considerando, porém, a falta de nadores. Em seguida, no final de 1903, cruzadores ligeiros, tradicionalmente uti- experimentaram um avião motorizado, lizados para missões de reconhecimento, que decolou de uma rampa com trilho na

1 DUMONT, Alberto Santos. “O que farei, o que se fará”, in Revista Marítima Brasileira, v.134 n.07/09, jun./ set. 2014. 2 Além de sua notável contribuição pioneira para o desenvolvimento da aviação, Santos Dumont inspirou Cartier para fabricar para ele um relógio de pulso, que é o primeiro dos usados a partir de então. 3 MASSIE, Robert K. Castles of Steel, p. 361, 362. 4 Em homenagem a Antoinette Gastambide.

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Praia de Kitty Hawk, com o auxílio de um vencedor, juntou-se aos pioneiros aéreos vento de 30 a 40 nós, e fez um pequeno prediletos da imprensa internacional: San- voo5. Mais tarde, repetiram o feito com tos Dumont, Voisin, Farman e, depois de novos modelos de aviões, sempre com sua apresentação na França, também em auxílio de rampa e trilho para decolar, 1908, os irmãos Wright. o que, no entanto, não desmerece seus Blériot, que se associara a Levavaseur feitos, que somente foram reconhecidos na Fábrica Antoinette, em 1909, atravessou na França em 1908. o Canal da Mancha com um avião monopla- Santos Dumont, por sua vez, tinha no, voando cerca de 35 km entre Calais e apresentado um novo avião monoplano, Dover, a 80 metros de altura, com uma ve- que voou em 1906, o Demoiselle, assim locidade de 60 km/h9. Foi um feito notável, batizado por se assemelhar a uma libélula6. que chamou muito a atenção do público na Provavelmente, essa foi sua contribuição época e fez com que este pioneiro recebesse mais significativa para o desenvolvimento encomendas de particulares para reproduzir do avião. Em minha opinião, foi também seu protótipo exitoso. Iniciava-se assim seu projeto mais importante. uma indústria aeronáutica, a Blériot Aero- Sem dúvida, ele e os irmãos Wright nautique, que produziu mais de 800 aviões foram importantes pioneiros da aviação, entre 1909 e 191410. mas logo outros se juntaram a eles, como Desde 1909, oficinas artesanais que os irmãos Gabriel Voisin, Henry Farman e fabricavam aviões começaram a receber Ferdinand Ferber. encomendas comerciais e a se converter em Na América, enquanto os irmãos Wri- indústrias. Em poucos anos, a aviação se ght garantiam suas patentes, que depois difundiu por meio de associações e clubes causaram dificuldades e atrasos para os esportivos, e voar deixou de ser uma ativi- outros pioneiros americanos, um grupo de dade exclusiva de pioneiros, disseminando- empreendedores, aviadores e engenheiros -se pelo mundo. liderados por Alexander Graham Bell7 O sucesso no desenvolvimento dos fundou uma associação para empreendi- aviões11 deve-se a um patamar tecnológico mentos aéreos. Fazia parte desse grupo existente nessa época. Sem esse patamar Glenn Hammond Curtiss, que, mais tar- de tecnologia disponível e conhecimento de, ficou famoso por seus motores para acumulado e compartilhado, não haveria aviação e projetos de aviões. Incentivado capacidade para desenvolver e obter por Bell, ele participou de concurso ins- paulatinamente o progresso do avião. tituído pela revista americana Scientific O sucesso alcançado pelo 14 Bis, por American8, em 1908. Consagrando-se exemplo, dependeu da existência de um

5 CROUCH. Tom D., p. 81, 82 e 92. 6 Também denominada Demoiselle, em inglês, mais especificamente para as libélulas do gêneroAgrion , da família Calopteryx, que inclui numerosas espécies. 7 Bell, também conhecido por ter desenvolvido o telefone e um aerobarco pioneiro, o Bras D’Or, para águas tranquilas, tornara-se um próspero empresário que residia no Canadá. 8 A Scientific American,também uma iniciativa de Bell, continua sendo publicada e pode ser encontrada no Brasil, traduzida para o português, em muitas bancas de jornal. 9 CROUCH, Tom D. Asas, p. 126. 10 CROUCH, Tom D. Asas, p. 141. 11 Todos contribuíram para o desenvolvimento do avião, alguns até realizando feitos notáveis. É difícil definir o que seria “inventar o avião”.

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motor potente e leve, da disponibilidade de O INTERESSE MILITAR materiais leves adequados e da experiência obtida por Santos Dumont no desenvolvi- O interesse militar inicialmente não mento da dirigibilidade de balões, entre foi significativo. Em 1908, os irmãos muitas outras coisas. Decididamente, avi- Wright foram contratados pelos EUA ões não resultaram de um invento fortuito para desenvolver um avião que atingisse de um indivíduo ou do produto de uma a velocidade de 64 km/h e voasse uma feliz descoberta ocasional que em inglês distância de 200 km, transportando duas se define como serendipity, mas sim de pessoas. Entregaram a primeira unidade um processo árduo de desenvolvimento em meados de 1909. Mais tarde, os Wright científico e tecnológico, que ocorreu ao ofereceram a patente de seu novo avião ao longo do tempo. Cada nova experiência Almirantado britânico, que, no entanto, realimentava o conhecimento que, como não se entusiasmou com a oferta. Voar é cumulativo, levava ao progresso para era visto como uma atividade de entre- patamares tecnológicos mais elevados. tenimento, um esporte. A única utilidade Concorreu para isso o resultado do que viam nos aviões e balões dirigíveis era trabalho dos cientistas que criaram as ba- para eventuais tarefas de reconhecimen- ses da aerodinâmica. Destacam-se: Lord to. Somente próximo à Primeira Guerra Rayleigh (1842-1919), que demonstrou Mundial ficaram evidentes a importância a existência de uma força de sustentação do reconhecimento aéreo para a guerra e a que aparece em um cilindro girando sub- possibilidade de outros empregos. metido ao fluxo de um fluido; Frederick Em 1909, o Reino Unido construiu um Lanchester (1868-1946), que publicou dirigível rígido, que, ao se preparar para sobre essa sustentação que é gerada pelo o voo inaugural, foi destruído pelo vento, fluxo de ar em asas convexas12; Ludwig o que fez arrefecer ainda mais o interesse Prandt (1875-1953), que demonstrou britânico nessas aeronaves14. Porém o de- a existência da camada limite, criou a senvolvimento de zepelins pelos alemães teoria da circulação e deu condições à causou-lhes uma grande preocupação. Universidade de Göttingen, na Alemanha, Perceberam que este tipo de aeronave de desenvolver a teoria dos aerofólios poderia bombardear suas indústrias, esta- (formas das seções retas das asas grossas leiros, portos, bases navais e depósitos de de um avião); e Theodor von Kármán, que combustível. A sensação de insegurança aprofundou o trabalho de Prandt. Criaram- se refletiu em sensacionalismo nos meios -se, assim, as bases científicas que foram de comunicação do Reino Unido, e logo essenciais para impulsionar o desenvolvi- zepelins, produtos da imaginação das mento tecnológico do avião, a partir das pessoas, foram “avistados” sobrevoando primeiras décadas do século XX.13 a Grã-Bretanha e noticiados pelos jornais.

12 Muito simplificadamente: o percurso maior do ar na superfície superior, convexa, da asa, quando comparado com o percurso do ar na superfície inferior, faz com que o fluxo de ar que percorre a parte superior tenha que aumentar sua velocidade, ou seja, sua energia cinética, para depois encontrar o fluxo de ar da parte inferior. Para que se conserve a mesma energia inicial, é necessário que ocorra uma diminuição de pressão no fluxo superior. Como não se alterou a pressão da parte inferior, consequentemente resulta na asa uma força de sustentação, que a mantém em voo, se for igual ou superior ao peso do veículo. 13 CROUCH, Tom D. Asas. 14 MASSIE, Robert K. Castles of Steel, p. 362.

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Os zepelins tinham, então, desempenho poder aéreo do inimigo, ele poderia causar superior ao dos aeroplanos, e pouco se danos, que não se limitariam à frente de podia fazer contra eles. Mesmo assim, combate. Em sua opinião, isso poderia Churchill acreditava que os aviões eram até levar a uma possível futura dissua- militarmente mais promissores, inclusive são do emprego da força para resolver para combater os zepelins, que, carregados conflitos entre países. O futuro mostrou, de hidrogênio, eram muito vulneráveis. no entanto, que bombardeios não foram Isso ainda era um palpite, pois os zepelins suficientes para dissuadir a violência entre podiam operar à noite, tinham raio de países. Mas, curiosamente, supõe-se ter ação superior ao dos aviões e alcançavam alcançado esse efeito dissuasório no final altitudes maiores. Mesmo assim, o esforço do século XX, com a ameaça das armas da Marinha Real bri- nucleares. Mesmo as- tânica, da qual Chur- sim, isto somente se chill se tornou first Desde 1910 os tornou uma possibili- lord of the Admiralty dade provável quando durante sua prepara- aviões estavam em não foi mais possí- ção para a Primeira desenvolvimento para vel ganhar vantagens Guerra Mundial, se emprego militar. Diversos decisivas ao atacar concentrou em avi- primeiro e passou a ões para emprego em exércitos começaram a ser conveniente evitar reconhecimentos e explorar seu emprego em uma guerra nuclear. como arma defensi- Desde 1910, porém, va. Logo o Exército reconhecimentos aéreos os aviões estavam em do Reino Unido tam- desenvolvimento para bém passou a se interessar neles. emprego militar. Diversos exércitos come- Herbert Wells, jornalista, historiador e çaram a explorar em manobras seu emprego escritor famoso por suas obras de ficção em reconhecimentos aéreos. Com o bom científica15, em um de seus livros, publi- resultado obtido, vários países os incorpo- cado em 1908, previu que, com o empre- raram a suas Forças Armadas17. go de aeronaves, haveria uma alteração Em 1911 começaram, de fato, a realizar no caráter da guerra: “... nenhum lado missões de guerra. Durante um conflito fica imune aos mais graves prejuízos; e entre a Itália e a Turquia na Líbia, os ita- enquanto acontece um vasto aumento da lianos os utilizaram para reconhecimentos, capacidade destruidora da guerra, há tam- e um dos aviões lançou granadas contra o bém uma grande indecisão”16. A indecisão inimigo, num ato precursor do bombar- a que ele se refere seria causada pelas deio aéreo. Daí para diante, aviões foram consequências da grande potência de des- empregados em guerras, inclusive nos truição em ambos os lados conflitantes. Bálcãs, onde a Turquia tinha 20 aviões e Enquanto não se eliminasse totalmente o a Bulgária 2518.

15 Wells é considerado o “pai da ficção científica”. 16 WELLS, H. G. The War in Air, and Particulary How Mr. Bert Smallways faired While It Lasted, G. Bell, Londres, 1908. 17 CROUCH, Tom D. Asas, p.166. 18 CROUCH, idem, p. 168.

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O desempenho da aviação nesses episó- em 1914, os britânicos atacaram a base dios impressionou favoravelmente alguns de Nordholtz, próxima a Cuxhaven, na líderes militares, que perceberam que a Alemanha, sem alcançar bom êxito. Outra utilização de aviões seria imprescindível incursão, que chegou mais próxima do nas guerras futuras, porém havia ainda os sucesso, ocorreu em dezembro, com sete que permaneciam céticos. hidroaviões da Marinha Real. Esta ope- A partir de 1913, os navios de guerra da ração teve vários percalços, inclusive um Marinha Real britânica começaram a ser ataque de um zepelim e de aviões alemães adaptados para levar a bordo hidroaviões19, à Força Naval britânica que apoiava os com o propósito de realizarem reconheci- sete hidroaviões. Foi o primeiro combate mentos no mar, procurando navios inimi- entre navios de superfície e meios aéreos gos. Após a missão, pousariam na água e da História. Esse ataque demonstrou que os seriam recolhidos a bordo por um guindaste zepelins não seriam eficazes contra navios do seu próprio navio. de guerra no mar, por falta de agilidade nas No Brasil, essas novidades eram re- manobras, mesmo sem artilharia antiaérea, cebidas com entusiasmo por alguns, que o navio manobrando no momento certo, defendiam a ideia podia se esquivar de de criar um serviço seus ataques. aeronáutico para a Em 1914 vários países já Durante a Primei- Marinha. Em 1914, possuíam aviões militares ra Guerra Mundial, fundou-se uma Esco- no entanto, ocorreram la Brasileira de Avia- e balões dirigíveis em suas dezenas de ataques de ção, de iniciativa pri- Forças Armadas zepelins a cidades dos vada, na qual o então países envolvidos no ministro da Marinha, conflito, com mortes e Almirante Alexandrino de Alencar, man- destruição. Em 1916, um avião britânico dou inscrever 25 alunos e para a qual derrubou um deles, provando sua vulnera- designou um fiscal, o Primeiro-Tenente bilidade. Mais tarde, a artilharia antiaérea Jorge Henrique Moller, que foi o primeiro progrediu e se mostrou eficaz, atingindo militar brasileiro brevetado como aviador. zepelins no ar e derrubando-os. Eram alvos Em 1914, vários países já possuíam grandes, pouco ágeis e cheios de hidrogênio aviões militares e balões dirigíveis em inflamável. suas Forças Armadas. Quando se iniciou Os aviões foram empregados também a Primeira Guerra Mundial, eles causaram para caça a outros aviões, combatendo no muita preocupação, pela possibilidade de ar e derrubando inimigos. Para isso, foi emprego para bombardeios aéreos de cida- preciso armá-los com uma metralhadora des, principalmente os zepelins, que foram frontal, que atirasse entre as pás do hélice utilizados pelos alemães contra alvos em girante, sincronizando a cadência do tiro terra na Bélgica logo nos primeiros dias com a rotação do propulsor. do conflito. Com a aviação de caça, nasceu o culto Como destruir os zepelins no solo, em do aviador herói, do ás dos combates suas bases, utilizando aviões era a solução entre aviões, como os franceses Adolphe óbvia para o problema, no início da guerra, Pégoud, Roland Garros e Georges-Marie

19 MASSIE, Robert K. Castles of Steel, p. 362, 363.

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Guynemer e os alemães Max Immelman, tecimento e à exaustão, pois ela e os outros Oswald Boelcke e Manfred von Richtho- países beligerantes não haviam se preparado fen, o famoso “Barão Vermelho”. Com a para uma guerra longa. Curiosamente, uma guerra terrestre paralisada nas trincheiras e guerra continental que deveria ser resolvida atolada nos lamaçais, a aviação se tornou o em terra, com o impasse dos exércitos nas refúgio daqueles que se alistavam buscan- trincheiras, foi resolvida no mar. A última do aventuras e querendo se tornar heróis. esperança dos alemães, então, era utilizar A utilidade da aviação militar, no en- seus submarinos sem restrições, atacando tanto, não era ainda uma opinião unânime também os navios neutros que abasteciam nas Forças Armadas. Existe uma anedota o Reino Unido e seus aliados. Isso levou em que um oficial superior britânico, a que países até então neutros, vendo seus dirigindo-se aos pilotos, lhes disse que navios mercantes atacados e afundados, podiam se divertir à vontade, mas que declarassem guerra à Alemanha e a seus tomassem cuidado para não assustar os aliados. Em 1917, os EUA, o Brasil e ou- cavalos. A tradição da cavalaria, com tros países entraram no conflito mundial. seus ataques fron- O Brasil participou da tais heroicos, ainda Primeira Guerra Mun- povoava a mente de Em 1916, a MB se dial enviando: uma alguns, mas os tem- interessou em ter uma missão médica à Fran- pos haviam mudado. ça, que é lembrada pe- Com a metralhadora Aviação, criando sua los franceses até hoje; e outras armas de Escola de Aviação Naval e uma Força Naval para repetição, que se de- adquirindo seus primeiros substituir os ingleses senvolveram após o no patrulhamento entre aparecimento relati- aviões Dakar, no Senegal, e o vamente recente das Estreito de Gibraltar; pólvoras “sem fu- nove oficiais aviado- maça”. A cavalaria perdera seu destaque. res, que se integraram à Royal Air Force Em 1916, a MB também se interessou (RAF) na frente europeia; dois oficiais e em ter uma Aviação, criando sua Escola de um suboficial para os EUA; e uma missão Aviação Naval e adquirindo seus primeiros aérea para a Itália, chefiada pelo Capitão de aviões, os Curtiss F, nos EUA. Eram hidro- Corveta Protógenes Guimarães. aviões produzidos pela fábrica Curtiss, que A indústria aeronáutica mundial se era então a principal fornecedora das Forças desenvolveu e produziu durante a guerra Armadas dos Estados Unidos e que também aproximadamente 230 mil aviões20, incluin- exportava para a Europa, principalmente do os países que não eram beligerantes. A para a Marinha Real britânica. indústria francesa enfatizou a padronização Após a Batalha Naval da Jutlândia, entre e a produção e fabricou 51.700 aviões; a a Grande Esquadra Britânica e a Esquadra alemã, a pesquisa e o desenvolvimento, de Alto-Mar alemã, em 31 de maio e 1º de com apoio de suas universidades – Göttin- junho de 1916, a Alemanha concluiu que gen e Aachen –, produzindo cerca de 38 mil o bloqueio exercido pelos navios de super- aeronaves. A britânica também se baseou fície do Reino Unido a levaria ao desabas- em pesquisa e desenvolvimento, mas com

20 CROUCH, Tom D. Asas, p.191.

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menor capacidade de inovação do que a arte da guerra e até previram que a guerra alemã, e produziu 55.092 aviões21. terrestre e a naval poderiam se tornar ob- A Alemanha conseguiu, com seus mode- soletas com o progresso da aviação militar. los mais avançados, estar tecnologicamente Giulio Douhet22 (1869-1930), um ofi- na frente dos franceses e ingleses, utilizan- cial do Exército italiano, desde o início do novos materiais e desenvolvendo ino- percebeu o que poderia ocorrer e disse, an- vações, como as asas grossas com secções tes de 1914, que “uma nova arma surgiu. O retas de perfil de aerofólio. Destacou-se céu se tornou um novo campo de batalha”. no emprego de novas estruturas de avião, Mais tarde, ele foi um dos grandes teóricos que foram muito importantes para o futuro do emprego do Poder Aéreo e até acredi- da aviação. Utilizaram tubos estruturais tou que tudo se resolveria no futuro nesse de aço soldados, cobertura de alumínio e novo ambiente. Caberiam às outras Forças aviões inteiramente metálicos – como os Armadas tarefas defensivas, enquanto uma desenvolvidos por Hugo Junkers – e caças força aérea destruiria os centros vitais e de estrutura de duralumínio. Os alemães abateria a moral do inimigo, inclusive continuaram produzindo, mesmo quando o atacando cidades e fazendo com que sua bloqueio inimigo fez com que não tivessem população perdesse a vontade de lutar. mais matérias-primas importadas, como a No futuro, essa profecia se mostrou borracha, por exemplo, o que exigiu que exagerada, apesar de ter se confirmado par- fabricassem, como alternativa precária, cialmente. As outras Forças Armadas conti- rodas para aviões em madeira. nuaram muito importantes, principalmente Ainda nessa guerra, a fábrica de por sua maior capacidade de permanência Junkers se uniu à Fokker. Um de seus em um local distante. As reações humanas, aviões, o Fokker D.VII, de 1918, é con- por sua vez, nem sempre são previsíveis, e siderado o melhor caça da guerra e foi o bombardeio de cidades pode não abater utilizado durante anos depois do con- o ânimo das tropas que estão combatendo, flito por vários países, em suas Forças como o tempo mostrou ser verdade. Armadas. Tinha as asas desenvolvidas As ideias de Douhet, embora bem por Junkers e duas metralhadoras de tiro conhecidas na Itália, por ter publicado ar- frontal. Fabricaram-se cerca de 3.300 tigos desde 1910, um livro em 1918 e por desses aviões durante o conflito. seu clássico Comando dos Ares, de 1921, Esses fatos comprovam que a capaci- custaram a ser traduzidas e consideradas dade tecnológica produtiva e inovadora nos cursos de estratégia das escolas de al- de um país já tinha adquirido uma impor- tos estudos militares dos EUA e do Reino tância vital para a guerra, e a dependência Unido e só ganharam atenção e importância do Poder Militar em tecnologia, inclusive na década de 1930. Enquanto isso, as ver- a tecnologia aeronáutica, também se tor- dadeiras campanhas para divulgar a impor- nou crescente. tância futura da aviação militar, realizadas Algumas pessoas, como Giulio Douhet, por Mitchell, nos EUA, e Trenchard, no Billy Mitchell e Hugh Trenchard, perce- Reino Unido, tiveram maior repercussão beram a mudança que estava ocorrendo na nos seus respectivos países.

21 CROUCH, Tom D. Asas, p.191. 22 DOUET, Giulio, general italiano e teórico aeronáutico, conhecido internacionalmente por sua estratégia de emprego do Poder Aéreo, em que ele afirma que a potência que conseguir dominar o ar dominará o mundo.

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O PERÍODO ENTRE GUERRAS Saint Exupery, que desapareceria pilotan- do um avião na Segunda Guerra Mundial, A indústria aeronáutica, no Período En- as imortalizou em seus livros, como tre Guerras, inevitavelmente sofreu com Correio Sul, Voo Noturno e outros, que a diminuição das encomendas militares, se tornaram famosos internacionalmente. pois não existia ainda uma demanda civil Nos EUA, o transporte aéreo iniciou- de vulto. Era preciso abrir mercados. -se nos correios, em uma rota entre Wa- A aviação civil mundial iniciou-se shington e Nova Iorque. Depois, com a formalmente em 1919, quando foi assi- expansão dos serviços, tornou-se possível nada a Convenção Internacional sobre enviar por via aérea uma carta de São Navegação Aérea e estabeleceu-se, na Francisco para Nova Iorque, transpor- Liga das Nações, uma Comissão para a tando-a em menos de 30 horas. As rotas Navegação Aérea, com a finalidade de do correio aéreo foram as pioneiras das arbitrar sobre disputas. rotas comerciais que mais tarde seriam Os zepelins, que antes da guerra já criadas no território americano. haviam transportado muitos passageiros, No Brasil, o serviço regular de Cor- deram ensejo para reio Aéreo Nacional que a Alemanha fos- começou somente em se a primeira a resta- No Brasil, o serviço regular 1936, entre Rio-San- belecer o transporte tos-Florianópolis. comercial, em 1919. de Correio Aéreo Nacional Outros mercados, Logo aviões rema- começou somente em além do transporte nescentes da guerra de passageiros, car- começaram também 1936, entre Rio-Santos- gas e correio aéreo, a prestar serviços de Florianópolis também se abriram, transporte e, ainda como o de fotografias em 1919, companhias aéreas e o de serviços de países como a França e o Reino Unido para a agricultura. abriram seus serviços, inclusive para trans- O empreendimento comercial de trans- posição do Canal da Mancha. porte aéreo, no entanto, criava dificuldades Na busca por mercados, o correio aéreo econômicas para as empresas de inicia- era uma boa opção. A Aerospaciale fran- tiva privada. Essas companhias aéreas cesa, por exemplo, iniciou um serviço de precisavam de subsídios governamentais correio da cidade de Toulouse, na França, para manter a regularidade dos voos e se até Casablanca, no Marrocos. Em 1925, sustentar. Consequentemente, algumas a rota foi ampliada, através do Saara, até delas foram estatizadas, ou obrigadas a se Dacar, no Senegal. Além disso, a com- fundir com outras. O sucesso do transporte panhia estabeleceu uma rota separada, aéreo, nesse período entre as duas guerras na América do Sul, de Natal, no Brasil, mundiais, no entanto, foi inegável. primeiro até Montevidéu, no Uruguai, e Na União Soviética, as lutas internas que depois até o Chile, voando sobre os Andes. se seguiram à Revolução fizeram com que o Notabilizaram-se nessas rotas pioneiras governo incentivasse a produção e o cresci- do correio aéreo da Aerospaciale, quando mento de sua indústria aeronáutica militar. voar ainda era uma aventura, pilotos como A França, apesar das dificuldades orça- Jean Mermoz e Antoine de Saint Exupery. mentárias, manteve uma Força Aérea bem

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superior às de outras nações, empregando-a Mitchell, no cargo de vice-comandante do principalmente em suas colônias. Serviço Aéreo dos EUA, fez uma demons- No Reino Unido, onde o General Tren- tração empregando aviões contra navios, chard criou o conceito de “controle aéreo” utilizando navios de guerra que seriam e defendeu a formação da primeira Força sucateados, e os aviões mostraram do que Aérea independente do mundo, a RAF, a eram capazes, afundando alguns deles. maior parte do emprego da Força Aérea Em 1919, a MB já possuía uma Flotilha ocorreu também nas colônias britânicas, de Aviões de Guerra, com 31 hidroaviões, atuando em revoltas e outros conflitos. na época chamados de aerobotes, sendo Nos EUA, porém, para manter a sete deles fabricados na Itália (Macchi atenção, foi necessário persistir com a rea- M-9 e 7 e Ansaldo ISV A). Pouco tempo lização de feitos notá- depois, começou tam- veis, como a travessia bém a obter aviões do Atlântico, viagens que pousavam em ter- de longa distância e Tanto a segurança do ra. Mas as atividades mesmo competições sistema globalizado de aéreas da Marinha e espetáculos de acro- transporte marítimo como foram precárias até bacias. Mitchell se 1930, quando o Al- empenhou em divul- a guerra de litoral levam ao mirante Protógenes gar a importância do mesmo fim: a permanente Guimarães, futuro avião, o que, infeliz- patrono da Aviação mente, confirmou sua mobilização de forças Naval brasileira, tor- fama de exibicionista. navais de vários Estados nou-se ministro da Tanto na Primeira para propósitos comuns Marinha, tomando di- Guerra Mundial como versas providências e nesse emprego em iniciando uma grande guerras coloniais, as Forças Aéreas tam- aquisição de aviões. Chegou-se a ter 84 bém mostraram que, nos bombardeios que aviões na MB em 1933. se fizeram necessários, não era possível A instrução de voo foi atualizada, utili- distinguir combatentes dos não combaten- zando como modelo a Escola de Gosport, tes e que a população civil também sofreria do Reino Unido – segundo o Almirante baixas. Tanto Mitchell quanto Trenchard Helio Leoncio Martins, em História Naval e Douhet apontaram isso como inevitável, Brasileira23, com excelentes resultados, intrínseco do emprego do Poder Aéreo, formando os primeiros oficiais pilotos o que, para horror da opinião pública, com mentalidade militar. Ainda segundo evidenciou-se nos conflitos anteriores à ele, em 1938, “a Aviação Naval tinha Segunda Guerra Mundial, como na Guerra atingido apreciável nível de eficiência; Civil espanhola (Guernica, por exemplo) bem equipada, com excelente treinamento, e na conquista de Shanghai pelo Japão. boa organização, manutenção satisfatória e O importante, no entanto, era provar doutrina de operações”. que esse Poder Aéreo era necessário para Em 1941, seguindo uma tendência o futuro do Poder Militar. O Brigadeiro mundial, criou-se no Brasil o Ministério da

23 Martins, Helio Leoncio. História Naval Brasileira, Quinto Volume, Tomo II. Serviço de Documentação Geral da Marinha, Rio de Janeiro, 1985, pg.117.

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Aeronáutica, incorporando todo o material, teste com o XR-4, em cujo projeto introduzira equipamentos e instalações aeronáuticas da várias inovações, foi um completo sucesso. Marinha e do Exército. Diversos outros fabricantes, além da Essa medida radical copiava o que ha- empresa de Sikorsky, inclusive franceses via ocorrido em países de regime totalitá- e britânicos, também produziram novos rio, como a Alemanha. Por outro lado, as helicópteros. Em sua aplicação militar, Forças Aéreas unificadas da França e do primeiro encontraram emprego evacuando Reino Unido foram criadas mantendo as feridos da linha de frente, transportando forças aeronavais, de natureza tática, sob pessoas e em outras tarefas auxiliares. Na o controle de suas respectivas Marinhas. Guerra da Coreia e em outros conflitos dessa época, sua utilidade se mostrou O HELICÓPTERO crescente, e na Guerra do Vietnã já exerceu Se o desenvolvi- Com os desenvolvimentos tarefas operativas im- mento do avião de- ocorridos na segunda portantes. pendeu de um longo Para as Marinhas, processo evolutivo, metade do século XX, os o helicóptero demons- que necessitou da evo- meios aéreos se mostraram trou ser um excelente lução de um patamar meio para a guerra de conhecimento e imprescindíveis para antissubmarino, tanto desenvolvimento tec- emprego tático nas na detecção acústica nológico para que se Marinhas à distância como uti- obtivesse um resulta- lizando torpedos para do satisfatório, sendo destruir os submari- controverso apontar um inventor, no caso nos. Tornou-se, portanto, um meio orgânico do helicóptero esse fato ainda é mais imprescindível para elas. evidente. São vários os pioneiros que tentaram CONSIDERAÇÕES FINAIS conseguir uma decolagem e um pouso vertical, ou quase vertical. A primeira O progresso das indústrias aeronáuti- máquina de asa rotativa que logrou subir cas e das companhias de aviação ocorreu alguns centímetros com um piloto, apesar aceleradamente entre 1926 e 1941. Nas de descontrolada, foi a de Louis Breguet, Marinhas, também foi nesse período que em 1907. Seguiram-se muitos outros que se desenvolveram os navios-aeródromo, alcançaram sucessos relativos, até que, que durante a Segunda Guerra Mundial, em 1923, o engenheiro Juan de la Cier- na frente do Oceano Pacífico, se tornaram va buscou uma solução intermediária, os novos navios capitais das esquadras. o autogiro, que chegou a ser industrial- Lá, na Batalha de Mar de Coral, pela mente produzido e comerciado, sendo primeira vez, não houve combates de que alguns foram vendidos para Forças superfície entre navios, mas ataques de Armadas dos EUA. aviões às duas forças navais, america- É possível que os resultados obtidos por na e japonesa, e também, durante essa Igor Ivan Sikorsky (1889-1972) com o desen- guerra, os navios-aeródromo mostraram volvimento de um novo helicóptero tenham que eram capazes de projetar poder sobre sido os melhores até então. Em 1942, seu terra, por meio de suas aeronaves.

RMB1oT/2017 37 INÍCIO DO EMPREGO MILITAR DOS MEIOS AÉREOS

Com os desenvolvimentos ocorridos e helicópteros, tanto para sua proteção na segunda metade do século XX, os quanto para projetar poder. Assim, nesse meios aéreos se mostraram imprescindí- novo ambiente, que nos é contemporâ- veis para emprego tático nas Marinhas. neo, a Marinha do Brasil voltou a ter sua As forças navais necessitam de aviões Força Aeronaval.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Aviação Militar;

38 RMB1oT/2017 INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

Amateurs study strategy, professionals study logistics. (General Omar Bradley, in T. Pierce, Proceedings of the US Naval Institute, Vol. 122, No 9, p. 74)

RUY BARCELLOS CAPETTI* Vice-Almirante (Refo)

SUMÁRIO

Sumário Introdução Sobre o apoio logístico integrado Que padrão deve ser adotado, levando em conta a Base Industrial de Defesa? Obtenção de informações e dados referentes ao apoio logístico Evolução do gerenciamento das informações específicas Padrão adotado (EUA) Padrão adotado na Europa e outros países A ISO 10303 – Step Considerações finais

SUMÁRIO gística entre os componentes do Ministério da Defesa, os elementos da Base Industrial artigo trata da necessidade de serem de Defesa e todos os demais atores envolvi- O estabelecidas regras para o intercâm- dos no processo de obtenção de complexos bio de dados técnicos de engenharia e de lo- sistemas de defesa.

* Foi chefe do Departamento Industrial da Base Almirante Castro e Silva; assessor no reparo de submarinos no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro; comandante da Corveta Caboclo, do Submarino Humaitá, da Força de Apoio e dos Centros de Instrução Almirante Alexandrino e Almirante Átila Monteiro Aché. Foi diretor de Ensino da Marinha. Publicou o livro Logística Pura e vários artigos sobre logística. INTERCÂMBIO DE DADOS TÉCNICOS E DE LOGÍSTICA NA OBTENÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA

INTRODUÇÃO Esses tópicos, cujos reconhecimento e aprofundamento são essenciais para a Muito embora o texto que se segue faça obtenção dos produtos de defesa, estão ocasionais referências ao preparo do Poder inseridos na técnica de engenharia bastante Naval, tratanto-se de material de emprego difundida nos países de cultura avançada militar destinado à pauta da Defesa, a – o Integrated Logistics Support – ILS1 amplitude da sua abrangência alcança as e fazem parte do contexto da qualidade. Forças Armadas nacionais, o Ministério da A principal ferramenta dessa técnica é a Defesa e todos os atores envolvidos com o Análise de Apoio Logístico. aparelhamento da expressão militar do País. Deles somente o do item 4 é abordado, Tal característica indica a necessidade por não ter sido encontrada muita literatura de órgão superior de controle que oriente sobre tal tema na língua pátria. Neste texto, e supervisione os muitos processos pratica- quando nos referirmos a produto estaremos dos por todos os citados atores, de modo a nos referindo a qualquer plataforma, siste- alcançar padronização necessária, da qual ma ou equipamento (sistemas, equipamen- resulte desempenho otimizado da Logística tos, instalações de apoio ou veículos aéreos, de Defesa. terrestres, marítimos, Quando se trata civis ou militares), e do preparo dos pode- No preparo dos poderes projeto – terá a defini- res militares compo- militares, um dos mais ção básica de tarefa de nentes, um dos mais desenvolver, manter importantes, se não o importantes, se não o e descartar o produto. mais importante pro- mais importante processo cesso a ser considera- SOBRE O APOIO do, é o de obtenção. a ser considerado, é o de LOGÍSTICO Para sua condução, obtenção INTEGRADO certas áreas de co- nhecimentos devem Para efeitos neste ser perfeitamente dominadas, devendo ser texto, ILS é Apoio Logístico como enfatizada a atenção dos atores envolvidos, praticado em países atualizados tecnica- nos principais pontos relacionados a seguir: mente, o mesmo que “ALI nos moldes 1. como a engenharia de sistemas se do ILS”. ALI é o processo praticado na adequa ao processo de obtenção; Marinha do Brasil e diverge do conceito 2. a análise de apoiabilidade como parte original, conforme exposto no artigo ILS do processo de engenharia de sistemas; x ALI (ver nota 1). 3. como desenvolver os requisitos de O ILS foi conceitualmente derivado apoiabilidade; da técnica de análise custo-benefício, nos 4. a obtenção e a geração de dados refe- Estados Unidos da América (EUA), no rentes ao apoio; início dos anos 60 do século passado e, 5. considerações logísticas nos contra- modernamente, se constitui em notável tos; e ferramenta de uso na engenharia de sis- 6. papel da logística nas Equipes Inte- temas, voltado para a maximização da gradas de Produtos. produtividade.

1 ILS: “ILS x ALI”. Revista do Clube Naval, ano 112, nr. 325, jan/fev/mar 2003, p. 38-42.

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O conceito se desenvolveu a partir da comunicação com clientes internos e exter- complexidade cada vez maior dos produtos nos, com coerência e ampla possibilidade e das consequentes dificuldades de esti- de reutilização. mativas com vistas à alocação de recursos No processo, cuja principal ferramenta necessários ao apoio logístico, ao longo de de realização é a Análise de Apoio Logís- seus ciclos de vida, até seus descartes (ou tico, a armazenagem de mais de 600 dados redistribuições). era inicialmente feita (e ainda é em alguns Se o apoio logístico ao produto não países) em bancos de dados relacionais, fosse cogitado a partir da sua fase con- denominados LSAR3, dos quais se podia ceitual, resultaria em sérios problemas, extrair diversos relatórios padronizados principalmente de manutenção, ao longo sobre o produto, ou outros relatórios ad dos períodos de utilização, e encarece- hoc, por meio de queries (consultas) es- ria o custo de posse. pecíficos. O planeja- Diante da crescente mento da manutenção escassez, cada vez Se o apoio logístico ao é o foco principal das mais acentuada, dos produto não fosse cogitado atividades logísticas recursos para asse- desenvolvidas. gurar a otimização em sua fase conceitual, As primeiras ma- de suas disponibili- resultaria em sérios nifestações nativas de dades, isso se tornava interesse pelo Apoio inaceitável. problemas, principalmente Logístico Integrado Instruções especí- de manutenção, ao longo na Marinha do Bra- ficas nos EUA (a Di- dos períodos de utilização, e sil (MB), cunhadas retiva DoD 4003, e as de ALI, ocorreram ali MIL-STD 1388-1A e encareceria o custo de posse pelos idos de 70/80, 1388-2B) orientaram no período do boom o estabelecimento da da construção naval estrutura do ILS, sua organização segundo militar. Embora tradução da sigla da mes- elementos logísticos, o dicionário dos da- ma metodologia, já usada por Marinhas de dos a serem considerados e a estrutura da países de elevada competência militar de base de armazenamento, no início bancos língua inglesa, qual seja o Integrated Logis- de dados relacionais. tics Support (ILS), os conceitos respectivos Além da grande quantidade de informa- da expressão nativa e da sua tradução para ções e dados de engenharia, proveniente das a língua pátria não coincidiam. atividades de CAD/CAM/CAE2, o ILS é a As primeiras referências ao ALI o principal fonte de outra grande quantidade caracterizavam como uma atividade lo- de dados de natureza logística. Todos esses gística de integração de qualquer novo dados devem ser armazenados em bases ativo de defesa complexo (principalmente de dados convenientes, que proporcionem supersistemas, como navios, e sistemas, acesso em cada caso particular, por meio da como carros anfíbios de desembarque, e

2 Computer-aided design (CAD), Computer-aided manufacturing (CAM), Computer-aided engineering (CAE), Product Data Management (PDM)/Enterprise Data Management (EDM), bem como outros sistemas CAx (termo genérico para descrever o uso da tecnologia da informação para auxiliar no projeto, na análise e na fabricação de produtos). 3 LSAR – Logistics Support Analysis Record, em português Banco de Dados da Análise de Apoio Logístico.

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tantos outros) ao sistema de apoio logístico QUE PADRÃO DEVE SER vigente, entendimento este em desacordo ADOTADO, LEVANDO EM com o conceito original do ILS, expresso CONTA A BASE INDUSTRIAL DE pela definição na origem. DEFESA? Curso realizado na Diretoria de En- genharia Naval (DEN)4, ministrado por No passado, numa proposta de instrução colaborador da Marinha dos EUA nos sobre adoção do “ALI nos moldes do ILS”, anos de 1982-1984, já disseminava os sugerimos que a autoridade decisora optas- conceitos corretos, mas estes não moti- se por um modelo de ILS – EUA ou Reino varam a MB como um todo. Não houve Unido (UK). A escolha, agora, é entre EUA disseminação apropriada. e Europa, mas em ambos os casos o padrão Ainda hoje, muito embora se encon- de intercâmbio de dados derivados deve trem nas Forças Armadas referências à atender também ao que é usado na indústria Apoio Logístico Integrado, tradução de nacional, por razões óbvias. Portanto, esse Integrated Logistics Support, parecendo, tópico deve ser discutido num ambiente em à primeira vista, que se trata da mesma que a indústria esteja presente. coisa, há pontos conceituais muito di- Tecidas tais considerações sobre o ILS vergentes na sua aplicação. Por isso, ao e sobre o ALI, retomemos o foco principal longo do artigo, e quando necessário, a do artigo. expressão na língua originária – Integra- ted Logistics Support (ILS) – será usada OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES preferencialmente. E DADOS REFERENTES AO Essas diferenças conceituais5 na APOIO LOGÍSTICO aplicação do ILS e do ALI brasileiro geram muitas dificuldades, uma vez que Importantes aspectos a serem consi- o processo, como praticado no ambiente derados na interação entre as instituições militar nacional, vem sofrendo vários componentes do Poder Militar de um país empecilhos, por falta de orientação e (principalmente no que diz respeito ao pre- supervisão centralizadas, o que resulta na paro) são as trocas de informações e dados não padronização de uso de ferramentas de natureza técnica e os de natureza logística apropriadas, e de processos, padrões, referentes aos seus diferentes produtos, instruções, modelos, análises e várias levando em consideração, principalmente, outros instrumentos necessários para as a necessidade de padronização com vistas boas práticas de execução do “ALI nos à interoperabilidade. Não só internamente, moldes do ILS”. no ambiente militar, mas por razões óbvias, O ALI nacional, para refletir a natureza essa preocupação deve se estender à Base In- de metodologia analítica e o processo ge- dustrial de Defesa6, no sentido de serem es- rencial internacionalmente aceitos, deve tabelecidos padrões e comportamentos que seguir um padrão também internacional- normatizem toda comunicação empresarial mente aceito. entre as diversas instituições participantes.

4 O primeiro curso, sob auspícios da DEN, foi ministrado em 1982 pelo CDR (USN) Cowdrill sob o título de Gerência de Projeto na Obtenção de Meios Flutuantes. O terceiro, por oficiais da MB, aconteceu em 1984. 5 Sobre essas diferenças, ver artigo “ILS x ALI”, Revista do Clube Naval no 325/2003, p. 38-42. 6 Sobre Base Industrial de Defesa, artigo do autor sobre emprego do CALS. Consultar RMB v. 134 no 07 jul/set 2014, p.203, Seção Artigos Avulsos. O artigo completo está disponível na Biblioteca da Marinha.

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Embora de natureza variada, as comuni- ou abrir um rasgo de chaveta num eixo cações organizacionais aqui focadas são as recém-fabricado, numa oficina do sistema que têm como objetivo facilitar a integração de apoio. Nesses casos, de acordo com a entre os colaboradores para que estejam programação da produção, a matéria-prima, comprometidos com os objetivos da orga- ou a peça, seria encaminhada a um torno nização (pela padronização e consequente ou a uma fresa, onde seria feito o serviço. aumento da produtividade). O material seria encaixado na máquina Aqui, o foco são as comunicações das por competentes torneiros-fresadores (às informações e dados técnicos de engenha- vezes operários um pouco envelhecidos), ria e os dados de logística provenientes que consultariam os dados geométricos da gestão do ciclo de vida dos produtos indicados no desenho técnico da peça, fa- de emprego militar. Por exemplo, na riam as medições e ajustagens necessárias obtenção de um material de emprego e executariam o serviço. Como a máquina militar, a partir da iniciativa privada, será era velha, podia apresentar algum tipo de necesssário transmitir folga inaceitável, o à instituição fornece- que obrigava a para- dora (uma prestadora O foco da abordagem da do processo várias de serviços de manu- vezes para controle de tenção, um estaleiro são as comunicações das qualidade. de construção, uma informações e dados Ao término do ser- manufatura etc.) in- viço, o produto final formações e dados técnicos de engenharia seria encaminhado a técnicos de engenha- e os dados de logística um centro de custos ria e de apoio logís- provenientes da gestão do (acondicionamento e tico que permitam o transporte, por exem- fornecimento do pro- ciclo de vida dos produtos plo) e devolvido ao duto desejado com a de emprego militar solicitante do serviço, qualidade requerida. sem nenhuma infor- Num passado não mação de natureza muito remoto, e até mesmo nos dias técnica ou logística. atuais, ainda se encontra em países tecni- De meados do século passado ao camente atrasados a prática ultrapassada início do atual, contudo, alguns setores de fornecer os elementos de informação da iniciativa privada brasileira, como a técnica e os dados necessários por meio de indústria automobilística, a da construção documentos escritos, tais como desenhos naval, aeroespacial e outras semelhantes, técnicos, relatórios, descrição de serviços, se modernizaram. instruções de fabricação, entre tantos Após a Segunda Guerra Mundial e o outros, de modo a orientar o fornecedor desenvolvimento dos recursos computa- na entrega do objeto ou serviço desejado. cionais, as máquinas NC, ou máquinas Citamos aqui um exemplo para ilustrar de controle numérico e, em seguida, as como sucedia na nossa época de serviço máquinas CNC, ou de controle numérico ativo (final do século passado). Imagine- computadorizado, se tornaram comuns. Os mos a necessidade de usinar uma peça em robôs de fabricação nas montadoras de au- aço, como um punho de periscópio, abrir tomóveis se tornaram realidade. Surgiram furos, fazer o recartilhado indicado etc., os routers (tupias) CNC. Os softwares de

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CAD/CAM/CAE entraram nas rotinas de (subconjunto do Standard Generalized design e de produção. Mais atualmente, Markup Language – SGML7) e no uso de surgiram as impressoras 3D, até com ca- navegadores, a internet proporcionava que pacidade de usinagem. informações voassem de ponto a ponto do Se fosse necessário realizar os serviços planeta, com a velocidade da luz. Porém a de fabricação da peça ou do eixo acima linguagem para codificar suas páginas não exemplificados, o solicitante enviaria um se prestava bem para o manuseio dos dados arquivo digital à mecânica selecionada, e de informações que não fossem texto, daí com instruções ou comandos que seriam criou-se um novo subconjunto conhecido diretamente inseridos na máquina CNC como XML8, proporcionando uma maneira apropriada, e a matéria-prima seria con- mais adequada de veiculação dos dados vertida na peça desejada com alto grau de e das informações por meio dos recursos qualidade. A econo- computacionais. mia daí decorrente Entretanto, mui- seria notável. A Tecnologia da Informação to trabalho teve que A Tecnologia da permitiu às comunicações se ser realizado para Informação (TI) per- se chegar ao estágio mitiu às comunica- expandirem na quantidade de desenvolvimento ções se expandirem de armazenamento e de atual, em função de quase que ilimitada- transmissão de dados e muitas dificuldades. mente na quantidade Tratando-se da área de armazenamento informações, e na qualidade, industrial, a maioria e de transmissão de velocidade e segurança delas provinha da falta dados e informações, de padronização de e na qualidade, ve- no intercâmbio dos diversos softwares, locidade e segurança pacotes de dados originados de diferen- no intercâmbio dos tes desenvolvedores e pacotes de dados. Fo- que não se comunica- ram desenvolvidas técnicas como a de hi- vam, bem como as diferentes tecnologias perlinks, linguagens de marcação (markup que cada interessado usava para resolver o languages), diferentes linguagens de com- problema da comunicação das informações putador, programas aplicativos em auxílio e dados peculiares a cada ramo de atividade a diferentes áreas de conhecimentos, enfim, industrial praticada. uma verdadeira avalanche de inovações Qualquer que fosse a área industrial, tecnológicas, que seria aqui impossível de contudo, além da necessidade das ativida- serem elencadas. des típicas de engenharia, surgia a imperio- O aparecimento da internet e de seus sa necessidade de projetar e fornecer apoio diferentes serviços foi praticamente fru- logístico aos produtos disponibilizados, to dessas tecnologias. Baseada em uma o que gerava uma imensa quantidade de linguagem de marcação conhecida como dados logísticos e, consequentemente, Hypertext Markup Language – HTML criava a necessidade de ações no sentido

7 A SGML é uma norma ISO: ISO 8879:1986 Information processing – Text and office systems – Standard Ge- neralized Markup Language (SGML). 8 XML (eXtensible Markup Language) é uma recomendação da W3C para gerar linguagens de marcação para necessidades especiais.

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de gerenciá-los. Surgia uma disciplina de uma iniciativa conhecida como Computer grande importância, a Logistics Manage- Aided Logistics Support (CALS)9. A Mari- ment Information (LMI), ou gerenciamento nha americana iniciou esforços similares das informações logísticas. em 1987 e prosseguiu em 1991. Esses pro- gramas foram combinados e expandidos a EVOLUÇÃO DO GERENCIAMENTO todos os serviços sob o nome de Joint CALS DAS INFORMAÇÕES ESPECÍFICAS (JCALS). O uso do JCALS foi aprovado em agosto de 1998. O Programa que possibilitou a racio- Em 1996, como consequência da Re- nalização da obtenção do apoio logís- forma do Sistema de Obtenção do DoD tico nas atividades EUA (DoD Acqui- de construção/produ- sition Reform Act), ção/manufatura foi o As especificações militares entre outras razões Integrated Logistics em vigor nas duas últimas visando descomplicar Support Program, o relacionamento com desenvolvido no am- décadas do século passado a indústria civil (redu- biente militar do De- eram de uso limitado aos zindo as exigências de partment of Defense contratos, dando pre- dos EUA (DoD EUA), seus países de origem, ferência aos padrões em 1964, de acordo e por isso os MIL- da indústria em vez com a Diretiva DoD STD-1388, mesmo depois dos padrões militares, 4100.35, e segundo os muito mais rigorosos MIL-STD-1388-1A e de cancelados, continuaram e que encareciam, se 2A. A base de dados a ser requisitados como não inviabilizavam, inicialmente adotada a obtenção dos siste- foi o Logistics Sup- padrões em muitos mas, equipamentos port Analysis Record contratos de obtenção de e produtos), o MIL- (LSAR), provenien- diferentes países STD-1388-2B foi te das diretrizes do cancelado e passou a MIL-STD- 1388-2A servir de referência (1984), depois MIL-STD-2B (1991). O no gerenciamento das informações prove- repositório desses elementos de dados nientes do ILS a MIL-PRF-49506, embora (mais de 600) foram os bancos de dados re- por pouco tempo. Com a mesma finalidade, lacionais, e as informações que produziam no Department of Defense do Reino Unido eram apresentadas por meio de relatórios, (DoD UK), o DEF-Stan 00-60 (1998), mais alguns padronizados, outros obtidos ad hoc. tarde DEF-STD-0600 (2010) e, na Austrá- Além do DoD EUA a tecnologia disse- lia, a DEF (AUST) 5692 (2003). minada pelo ILS foi adotada pela indústria Essas especificações militares eram de e propagou-se internacionalmente, tanto no uso limitado aos seus países de origem, e meio militar, como no civil. por isso os MIL-STD-1388, mesmo depois Em 1986, o Exército dos EUA começou de cancelados, continuaram a ser requisita- a trabalhar na transformação dos LSAR, dos como padrões em muitos contratos de produto intensivo em papel, no contexto de obtenção de diferentes países.

9 CALS - Ver nota 6.

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Desde a implantação da MIL- características, também fora dela, tanto -PRF-49506, contudo, já era vislumbra- em projetos civis como militares. da uma especificação substituta a partir No DoD EUA, o padrão Geia foi ado- do meio civil. De fato, pelo cancelamen- tado no dia 15 de outubro de 2007 para to dos MIL-STD-1388 surgiram duas uso como novo e melhorado substituto do iniciativas de substituição da Análise cancelado MIL-STD-1388-2B. Segundo de Apoio Logístico (LSA), processo o documento de adoção, “esse standard nuclear do ILS. A primeira, desenvol- Geia-STD-0007 define os dados de obten- vida dentro da estrutura do Government ção necessários para estabelecer o sistema Electronics and Information Technology de apoio para sistemas, equipamentos, Association (Geia), e da qual resultou produtos…”. a publicação do Geia-STD-0007 (e do Como se trata de um padrão que esta- manual associado Geia-HB-0007, for- belece normas gerais para o gerenciamento necendo informações adicionais sobre do fluxo de informações técnicas e de apoio o uso e dimensionamento dos dados no sobre diversos produtos finais, e levando Geia-STD-0007) elaborada pela SAE em conta a variedade desses produtos, International, em 2007) e a segunda foram criados diversos “protocolos’’ para iniciativa, originada na Aerospace and permitir o enquadramento das informa- Defence Industries Association of Eu- ções específicas para cada caso particular. rope (ASD), em 2005, da qual resultou Assim, nasceram vários protocolos de a publicação do S3000L - International aplicação, entre eles o protocolo AP239 Procedure specification for Logistics da ISO 10303, que trata especificamente Support Analysis (LSA). dos Product Life Cycle Support (PLCS). Ambas especificações contêm instru- Em outras palavras, tal protocolo trata par- ções para a criação e desenvolvimento dos ticularmente das informações e dos dados dados provenientes da Análise de Apoio de apoio de qualquer produto, por todo o Logístico segundo modelos de intercâmbio seu ciclo de vida. semelhantes – os DEX10. Muito embora esse padrão não imponha o uso de uma específica metodologia ou PADRÃO ADOTADO (EUA) ferramentas técnicas de análise de apoia- bilidade, deixando a escolha ao critério O padrão adotado como referência da atividade de obtenção, o importante é no campo militar nos EUA, em 2007, que, em decorrência dos dados que pres- passou a ser a Government Eletronics creve, o resultado será o detalhamento and Information Technology Association dos produtos finais necessários ao apoio Standard Logistics Product Data, ou Geia- logístico, tais como, por exemplo, manuais -STD-0007. Enquanto ele é principalmen- de operadores e mantenedores, listas de te usado naquele país, e somente para fins sobressalentes, programas de treinamen- dos programas militares, a especificação to para operadores e mantenedores etc., S3000L tem sido usada mais amplamente, requeridos para apoiar o sistema ou o principalmente na Europa e, pelas suas equipamento final em obtenção.

10 DEX - Data exchange: É o processo de estruturar dados segundo um schema (fonte) e transformá-los em dados estruturados sob a forma de um schema (alvo) que seja a representação precisa do primeiro. O processo per- mite que os dados sejam compartilhados por diferentes programas de computador. Schema X é a descrição da estrutura de um documento X, sendo X uma linguagem de esquema, por exemplo XML.

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PADRÃO ADOTADO NA EUROPA CA-Computer-aided manufacturing e Pro- E OUTROS PAÍSES duct Data Management PDM, e tem como alvos os designs dos sistemas mecânicos e A S3000L é uma especificação que elétricos, focalizando principalmente nos faz parte do esforço de padronização dados de geometria e suas tolerâncias e desenvolvido pela ISO, sob os auspícios nos dados provenientes de análises e de de entidades tanto civis como militares, manufaturas de indústrias, expandindo-os de grande cultura e larga experiência no em informações específicas para várias campo das atividades industriais em seus indústrias já estabelecidas (automotiva, diferentes setores. Seu propósito é definir aeroespacial, construção naval, plantas de os processos, os requisitos gerais e o in- processamento de óleo e gás, entre outras). tercâmbio de informações relacionadas, A ISO em questão pode ser referida, que regulam a aplicação da Análise de então, “como o padrão para a representação Apoio Logístico ao longo do ciclo de vida e troca de informações na fabricação do dos produtos aeroespaciais e de defesa. A produto” e é um aspecto vital a ser levado abrangência dessa especificação é tal que em consideração na gestão do ciclo de vida ela também pode ser usada em proveito de qualquer produto. de complexos produtos técnicos de outros Para cada caso particular da área in- domínios industriais. dustrial a tecnologia Step gera um modelo Sua concepção baseia-se geralmente de informações do Produto (Product In- nos processos do MIL-STD-1388-1A, formation Model) usando a linguagem de MIL-HDBK-502 e DEF-STD-00-60 e nos modelagem Express. Esse modelo deve ser modelos de atividades da ISO 10303-239 o registro mestre dos tópicos integrados e PLCS. Foi concebida e elaborada para modelos de aplicação relativo à informa- também servir de manual na criação e no ção. É um processo tão complexo que tem desenvolvimento das ferramentas de inter- que ser dividido em várias partes. Geram-se câmbio dos dados provenientes da Análise assim protocolos de aplicação AP, cada um de Apoio Logístico, por meio de DEX, com voltado para uma área industrial específica. vistas aos relevantes dados indicados pela Os de maior interesse para esse texto são MIL-STD-1388-2B. o AP233 Early Requirement Analysis e o AP239 Maintenance and Repair. A ISO 10303 – STEP O protocolo AP239 ou Product Life Cycle Support – PLCS, refere-se às infor- A ISO 10303 – Step: também conhecida mações concernentes ao design do sistema informalmente como Step (de Standard for de apoio logístico de novos produtos em the Exchange of Product model data), é um obtenção. É orientado pela tecnologia do padrão internacional para a integração, a ILS. É usado atualmente para registro das apresentação e o intercâmbio de dados de informações e dos dados provenientes da produtos industriais, via computador. Análise de Apoio Logístico e como proto- Ela foi elaborada e é mantida pelo colo de intercâmbio de informações e dados comitê técnico ISO TC 184 (sistemas de técnicos e logísticos. automação e integração industriais), sub- Como deve haver a transformação de comitê SC4 Industrial Data, sendo usada diferentes recipientes de dados, dos LSAR para padronizar o processo de intercâmbio (a grande maioria ainda sob a técnica dos de dados entre os diversos sistemas CAx, bancos de dados relacionais) para Data

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Modules, segundo o emprego da linguagem de centralizar o controle sobre a Logística de marcação XML, surgiu a necessidade do de Defesa, enquanto esta é mantida descen- estabelecimento de especificações (DEX) tralizada da execução. para o intercâmbio de dados entre várias B – É recomendável a criação, no disciplinas de engenharia (tais como a âmbito do Ministério da Defesa, de uma engenharia do design, a engenharia de comunidade de profissionais de logística, manutenção, a engenharia de confiabilida- para exporem e discutirem os problemas de e a produção de publicações técnicas). inerentes. A organização acima sugerida Tais especificações regulam a construção em A, além de contribuir também para a dos Data Exchanges, modelos que são interação com a Base Industrial de Defe- esquemas de interação entre o processo de sa, poderia assumir a responsabilidade e Análise Logística e os processos particu- tarefas inerentes ao gerenciamento dessa lares de uma área industrial específica, e o comunidade a ser criada. intercâmbio de infor- C – É recomendá- mações e dados usan- vel a indicação de uma do computadores. Cabe ao Ministério da organização de ensino Defesa assumir o papel de que mantenha a base CONSIDERAÇÕES de conhecimentos das FINAIS orientação e supervisão disciplinas de Logís- das atividades logísticas tica de Defesa, que Seguem-se algu- centralize a dissemi- mas considerações que ocorrem dentro do seu nação da doutrina con- segundo o ponto de contexto cernente e propague vista do autor, inferi- os conhecimentos de das a partir da matéria caráter gerencial e téc- apresentada no texto, levando em conta a nico, além de quaisquer outras disciplinas sua complexidade, indicativo da necessida- de interesse. de de orientação e supervisão superiores: D – Tratando-se do tópico específico abordado nesse artigo (intercâmbio de De natureza genérica dados), são recomendáveis iniciativas no sentido de estabelecer um protocolo A – Cabe ao Ministério da Defesa assu- de entendimentos com a Base Industrial mir o papel de orientação e supervisão das de Defesa, visando às comunicações de atividades logísticas que ocorrem dentro dados técnicos, levando em consideração do seu contexto: nas Forças Armadas e a documentação citada, para permitir a no próprio Ministério (segundo sua dupla padronização de conhecimentos e facilitar personalidade, tanto como órgão da gestão o entendimento entre as partes. pública quanto como órgão de gerencia- mento das peculiares atividades militares Relativas ao ILS de defesa). Por razões claras, nele deveria ser criado uma organização para gerenciar A – Enfatizar a forte polarização nos as tarefas logísticas específicas, tanto as do conceitos e princípios da qualidade em contexto militar como também fora deste, todos os processos relatados. Assim, con- no trato com o componente civil da Base siderar o ciclo PDCA (Planejar, Executar, Industrial de Defesa. Trata-se, ainda mais, Controlar a ação planejada e Corrigir)

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como a fórmula mágica permanente para priado11) para haver sempre entendimento gerenciar o processo de intercâmbio de preciso entre as partes, evitar falhas de dados (mas não só ele), visando sempre à tradução ou evitar que sejam criados termos melhoria contínua. e expressões que não reflitam a fase do B – Tornar equivalentes as metodologias processo a que se referem. Tal medida pode do ALI e do ILS. Para isso é preciso, prin- contribuir muito para a uniformização de cipalmente, perceber e separar as diferentes procedimentos e, pela simplicidade decor- áreas em que atividades específicas aconte- rente, para a economia de meios. cem. Muito embora tudo ocorra no campo E – Eliminar o inconveniente do Setor administrativo, diversos assuntos têm ca- do Material fazer distinção entre Organi- racterísticas distintas. Por exemplo, definir zações Militares no trato do material. Uma uma necessidade de meio ou material de Gestão, ou Gerência do Material, deve ser emprego militar tem enfoque predominan- centralizada, enquanto descentralizada a temente estratégico; definir requisitos para execução. O trato do material deve ter, pois, desenvolver a concepção (fase conceitual) supervisão centralizada num único órgão, que resolve uma necessidade cai prelimi- que ditará as normas a serem seguidas, até narmente no campo da pesquisa e de mer- mesmo em relação aos suprimentos. Isso cados; definir uma estratégia de obtenção não implica alterar subordinações e cargos, e iniciar o processo de desenvolvimento que são atividades administrativas do setor de um sistema recai na área da Engenharia do pessoal. de Sistemas; um programa de ILS recai F – Atribuir ênfase, na Gerência do na área da Engenharia de Sistemas e mais Material, ao caráter sistêmico, em ou- especificamente da Engenharia Logística; o tras palavras, Diretorias Especializadas, gerenciamento de um período operacional principalmente na área do material. Estas recai na esfera administrativa-operativa; o devem ser Diretorias de Sistemas (exem- apoio logístico diz respeito ao campo da plos, na MB: Diretorias de Sistemas de Logística; idem quanto ao descarte ou à Armas, de Sistemas de Comunicações, de realocação de um material de emprego mi- Sistemas de Navios – tratando dos siste- litar etc. Tal seleção contribuirá, em muito, mas de casco, sistemas da propulsão, das para separar aspectos técnicos dos aspectos auxiliares etc. –, de Sistemas de Propulsão gerenciais em fluxogramas elucidativos dos Nuclear etc.). diferentes processos. G – Evitar confundir a fase de identi- C – Tornar permanente o processo do ficação da necessidade de um novo meio ILS ao longo de todo o ciclo de vida dos sis- (problema estratégico/tático, da alçada do temas, embora devidamente dimensionado Sistema de Requisitos) com o processo que para cada caso particular. Tal processo não se segue, que é de Engenharia de Sistemas deve ser interrompido, nem mesmo depois (da alçada dos Sistemas e Orçamentação e da avaliação global dos sistemas. de Obtenção), e que vai da concepção ao D – Tornar prioritário o estabelecimento fim do ciclo de vida do sistema solução. de cultura (pelo menos por meio de um H – Buscar estabelecer, na medida do glossário e pela adoção de inglês apro- possível, a padronização (de nomenclatura,

11 ASD Simplified Technical English, Specification ASD-STE100 (STE), especificação internacional para a preparação de documentação técnica, numa linguagem controlada. Consultar na internet o STEMG STE Maintenance Group.

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principalmente) das fases de um processo Análise de Apoio Logístico). Tais medi- de obtenção de sistemas complexos, no das visam à simplicidade de organização, âmbito das Forças Armadas. Da mesma supervisão e controle pelo órgão superior forma, estabelecer categorias de obtenção (Ministério da Defesa) e contribuem para (para facilitar o planejamento e estabelecer a absorção de conhecimentos pela leitura o devido dimensionamento – tailoring – da de material estrangeiro.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Logística; Poder militar; Apoio logístico;

50 RMB1oT/2017 SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

TIUDORICO LEITE BARBOZA * Contra-Almirante (Refo-EN)

SUMÁRIO

Introdução Definições O projeto de sistemas oceânicos A divisão de tipos de embarcações/navios e demais sistemas oceânicos em famílias Descrição dos principais tipos de embarcações/navios e demais sistemas oceânicos Conclusão

INTRODUÇÃO de leitores da revista: a produção naval mercante e offshore, principalmente con- ste artigo se propõe a abrir espaço na siderando as atribuições e a atuação da ERevista Marítima Brasileira para um Diretoria de Portos e Costas (DPC). Este assunto ligado ao Poder Marítimo que enfoque se deve, principalmente, ao fato se supõe ser de interesse da comunidade de que tem havido uma procura perma-

* Serviu na Diretoria de Engenharia Naval e no Centro de Projetos de Navios. Um dos principais participantes dos projetos das corvetas classe Inhaúma e Barroso. D.S.C. em Engenharia Oceânica, pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe- -UFRJ). Faz, atualmente, parte do Corpo Docente do Centro de Instrução Almirante Wandenkolk (CIAW). SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

nente pela reativação da indústria naval Há, assim, duas alternativas para o pro- mercante brasileira. Por se tratar de um as- jetista: enquadrar o novo sistema flutuante a sunto global e abrangente, que ocuparia um ser obtido numa das famílias já existentes ou volume de leitura relativamente extenso, se lançar num processo de inovação em ter- invocando assuntos correlatos, este artigo mos de projeto, razão pela qual é importante aborda somente os tipos de produtos finais que se tenha o conhecimento do espectro que são resultantes da cadeia produtiva na de famílias de meios flutuantes existentes. construção naval mercante e offshore, e que são os objetos do seu planejamento. A DIVISÃO DE TIPOS DE EMBARCAÇÕES/NAVIOS E DEFINIÇÕES DEMAIS SISTEMAS OCEÂNICOS EM FAMÍLIAS Os termos embarcação e navio, embora possam ter o mesmo significado, não têm Para esta divisão, vamos explorar três o mesmo uso na prática. Atualizando a referências. De Eyres [2] temos os tipos de definição de Fonseca [1] para abranger os embarcações/navios e sistemas oceânicos materiais atuais, teríamos: em nove grandes famílias, a saber: Embarcação: “construção feita de ma- – barcos de alta velocidade; deira, concreto, ferro, aço, alumínio, ma- – navios offshore; teriais compósitos ou combinações desses – navios pesqueiros; que flutua e é destinada a transportar, pela – embarcações (crafts) de apoio oceâ- água, pessoas ou objetos”. nico e de porto; Navio: “embarcação de grande porte”. – navios de carga geral; Como podemos ver, as definições acima, – graneleiros; embora sejam emanadas de uma referência – navios de passageiros; consagrada, não estabelecem a fronteira – submersíveis; e entre embarcação e navio e deixam de – navios de guerra. fora os demais sistemas oceânicos, como Essas nove grandes famílias acima plataformas offshore, que serão também mencionadas contemplam, ao todo, 44 tipos objeto deste artigo. de navios diferentes, sendo que alguns dão origem a subtipos, como, por exemplo, o O PROJETO DE SISTEMAS caso dos submersíveis e navios de guerra. OCEÂNICOS Já de Lamb [3] temos os tipos de em- barcações/navios e sistemas oceânicos O projeto de embarcações/navios e siste- divididos em três grandes famílias abaixo mas oceânicos é, talvez, a mais demandante relacionadas, não havendo referências a de todas as tarefas de engenharia, pois, navios de guerra: normalmente, são grandes e complexos – navios comerciais; produtos manufaturados. Antes que o pro- – navios industriais; e jetista possa iniciar o projeto, o armador – navios prestadores de serviços. precisa especificar a natureza do meio Essas três grandes famílias citadas, por sua flutuante do qual precisa e que deseja, as vez, contemplam ao todo 36 tipos de navios. áreas de operação e outras considerações Finalmente, de Watson [4] temos os ti- especiais, que vêm a constituir os chamados pos de embarcações/ navios e sistemas oce- “Requisitos do Armador”. ânicos em seis grandes famílias, que são:

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– navios de carga geral, subdivididos em rebocadores, divididos em rebocadores navios transportadores de carga refrigerada, de alto-mar (ou oceânicos) e rebocadores porta-contêineres e roll-on /roll-off; de porto. – navios-graneleiros, subdivididos em petroleiros, graneleiros propriamente ditos, DESCRIÇÃO DOS PRINCIPAIS transportadores de gás liquefeito (gás natu- TIPOS DE EMBARCAÇÕES/ ral, com 75% a 95% de metano) e gás não NAVIOS E DEMAIS SISTEMAS natural constituído de propano, propileno, OCEÂNICOS butano ou mistura); – navios de passageiros; Tendo em vista que não é exequível – rebocadores; descrever, em termos de um artigo, todos – barcos de alta velocidade; e os tipos de navios/embarcações e demais – navios de guerra. sistemas oceânicos existentes, ou mesmo Como pode ser visto, a divisão em aqueles abordados em [2], [3] e [4] já grandes famílias é um tanto ou quanto citados, a descrição em pauta é limitada subjetiva, mas em cada grande família de àqueles meios flutuantes que são objetos uma ou outra referência há características de interseção dos conjuntos discutidos específicas de cada tipo. Também a seleção pelas três referências, tomadas, no mínimo, de que tipos de navios são mais relevantes, duas a duas. no que diz respeito a descrever e detalhar as suas características, não é a mesma para as Navios de carga geral três referências citadas, mas há uma inter- seção de interesse comum. Assim, temos o Possuem vários grandes e desobs- seguinte quadro para cada referência: truídos porões de carga, e um ou mais I- Por Eyres [2] são selecionados quatro conveses podem fazer parte do interior tipos de embarcações/navios para objeto de dos porões. Como normalmente são dois suas descrições: os navios de carga geral, conveses que fazem parte, são conheci- os graneleiros propriamente ditos, os petro- dos como navios twin-decks, os quais leiros e os navios de passageiros; permitem grande flexibilidade no que diz II- Por Lamb [3] são selecionados: respeito ao carregamento e descarrega- – oito entre os 13 da família de embar- mento. Permitem segregação de cargas e cações/navios comerciais: porta-contêiner, têm aprimoradas características de estabi- roll-on/roll-off, barcaças transportadoras lidade. Têm deslocamentos típicos entre de contêiner, petroleiros, graneleiros pro- 15 mil e 20 mil toneladas, velocidades na priamente ditos, transportadores de gás faixa de 12 a 18 nós e, embora possa não liquefeito (LNG), barcaças com integração ser a divisão mais costumeira, segundo ao rebocador e ferryboats; Watson [4], podem ser subdivididos – cinco entre os 13 da família de em- como abaixo: barcações/navios industriais: pesqueiros – Navios para transporte de carga para pesca com rede, unidades perfura- refrigerada: são navios providos de sis- doras offshore, plataformas de perfuração temas de refrigeração nos porões para semissubmersíveis, navios para perfuração transporte de cargas perecíveis. Os porões e plataformas oceânicas; são isolados termicamente para reduzir – um entre os oito da família de navios/ a transferência de calor e, assim, a carga embarcações prestadores de serviços: os pode ser transportada congelada ou frigo-

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rificada; os porões podem ter diferentes temperaturas, de acordo com os requisitos da carga. Os possíveis efeitos de baixas temperaturas nas estruturas vizinhas é um fator que deve ser levado em conta no projeto. Juntamente com os tipos de navios roll-on/roll off , são navios mais rápidos que os demais navios de carga geral, com velocidades de até 22 nós. A Figura 1 ilustra um navio para transporte de carga refrigerada.

Figura 2 - Navio porta-contêiner

forma de trailers. Podem ser rapidamente carregados por meio de portões na proa, na popa e, às vezes, nos bordos para veículos menores. Alguns têm sido adaptados para o transporte de contêineres. A seção de trans- porte do navio é um grande porão aberto, com uma rampa usualmente na seção de popa, existindo rampas internas que con- Figura 1- Navio para transporte de carga refrigerada duzem a carga do convés de carregamento para outros espaços do twin-deck. O porte – Navios porta-contêiner: são navios destes navios se estende até a ordem de destinados a transportar caixas reusáveis, 28.000 t de deslocamento e 16.000 t de com seções quadradas de 2.435 mm (8 porte bruto (deadweight), com velocidade pés) de lado, com comprimentos padrões na faixa de 18 a 22 nós [4]. A Figura 3 de 6.055mm (20 pés), 9.125mm (30 pés) ilustra um navio roll-on/roll-off. e 12.190mm (40 pés). São usados para transporte da maioria das cargas, estando em uso as cargas líquidas e refrigeradas, estas últimas podendo ser transportadas em contêineres com sistemas de refrigera- ção próprios ou providos pelo sistema de refrigeração do navio. Os navios porta-contêiner têm capaci- dade de carga entre 1.000 a 2.500 TEU (twenty equivalente unit), em que o TEU representa a capacidade do contêiner pa- drão de 6.055mm ou 20 pés [4]. A Figura 2 ilustra um navio porta-contêiner. – Navios roll-on/roll-off: são projetados para carga sobre rodas, usualmente na Figura 3 - Navio roll-on/roll-off

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A Figura 4 ilustra um navio de carga geral.

Figura 4 - Navio de carga geral Figura 5 - Navio-petroleiro Navios-graneleiros de cargas a serem transportadas. Possuem O chamado granel pode ser sólido, líqui- um porte bruto que vai desde pequenas do ou gás liquefeito, e assim, dentro desta capacidades até 200.000 t e velocidade na classificação, são graneleiros os navios faixa de 12 a 16 nós. listados a seguir [4]: Os graneleiros ditos combinados são – Petroleiros: tipo de navio transpor- aqueles projetados para transportar qual- tador de óleo cru cujo porte tem crescido quer uma das várias cargas a granel numa significativamente de modo a permitir eco- particular viagem, e os petroleiros/mine- nomias de escala e a responder às demandas raleiros são os mais populares e comuns por óleo cada vez maiores. Petroleiros com [4]. A Figura 6 ilustra um navio graneleiro designações como ULCC (Ultra Large propriamente dito. Crude Carrier) com porte bruto acima de 320.000 t e deslocamento até a ordem de 2.000.000 t e VLCC (Very Large Crude Carrier) com porte bruto entre 200 mil e 320.000 t têm sido construídos, embora a tendência corrente seja por um porte bruto menor, na faixa entre 20 mil e 150.000 t, com velocidade entre 12 e 16 nós [4]. A Figura 5 ilustra um navio-petroleiro. – Graneleiros para grãos sólidos ou graneleiros propriamente ditos: navios de um único convés, com as seções de carga divididas em porões e tanques que têm Figura 6 - Navio graneleiro apresentado grandes economias de escala no transporte de carga como grão, açúcar – Graneleiros para gás natural (gaseiros) e minério. Os arranjos de tanques e de líquido: realizam o transporte de gás natu- porões variam de acordo com o espectro ral, o qual compreende entre 75% a 95%

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de metano na forma líquida (liquefeita). tanques semipressurizados operam numa O uso desses navios começou em 1959 e pressão de cerca de 8 bar e temperatura na tem crescido regularmente desde então. faixa de -7º C, sendo necessário isolamento Navios especiais com variações deste tipo térmico e uma planta de reliquefação para são utilizados para transportar vários gases, que a carga não fique em ebulição. Os tan- simultaneamente, numa variedade de tan- ques totalmente refrigerados operam a uma ques combinados dotados de sistemas de temperatura de cerca de - 45º C e requerem refrigeração voltados para transportar o gás uma construção com casco duplo. Esses natural na forma líquida a pressão atmosfé- navios existem em portes com capacidade rica e temperatura no entorno de -164º C. O de transporte de até 95.000 m3 e velocidade projeto desses navios deve fazer com que a na faixa entre 16 e 19 nós. A Figura 7 ilustra estrutura do casco seja protegida contra as um navio gaseiro. baixas temperaturas, reduzir a perda de gás ao mínimo e evitar a condensação deste gás fugaz nas regiões do navio ocupadas pelos tanques. Os tanques e seus isolamentos térmicos são envoltos por uma estrutura de casco duplo e são constituídos de duas paredes estruturais em que a primeira, que fica em contato com o líquido, constitui- -se de uma liga de aço com 9% de níquel, enquanto a segunda barreira é feita de aço inoxidável. Esses navios existem numa grande variedade de porte e podem chegar Figura 7 - Navio gaseiro a transportar até 130.000 m3 de gás, numa faixa de velocidade entre 16 e 19 nós. – Graneleiros para gás não natural Navios de passageiros líquido (gaseiros): realizam o transporte de gás não natural, que pode ser propano, Podem ser classificados em duas ca- propileno e butano ou uma mistura deles. tegorias: os de cruzeiro e os ferries. Os Todos os três têm uma temperatura crítica navios de cruzeiro foram desenvolvidos (acima da qual o gás não pode ser liquefeito a partir dos liners transoceânicos e têm por pressurização) acima da temperatura crescido muito em porte e popularidade nos ambiente normal e podem ser liquefeitos a últimos anos, enquanto os ferries proveem baixas temperaturas na pressão atmosférica uma ligação no sistema de transporte e ou em temperatura normal sob alta pressão frequentemente têm recursos roll-on/roll- ou em uma condição intermediária de tem- -off em adição aos recursos destinados ao peratura não tão baixa e pressão acima da transporte de passageiros. pressão atmosférica, em tanques que podem Os navios de cruzeiro ficam na faixa de ser pressurizados ou semipressurizados e porte em que a capacidade de transporte ainda parcialmente refrigerados ou total- pode atingir 3.500 passageiros e a arquea- mente refrigerados à pressão atmosférica. ção bruta pode chegar a 130 mil (arqueação Os tanques totalmente pressurizados ope- é um adimensional) e a velocidade na faixa ram numa pressão aproximada de 17 bar e de 22 a 25 nós. O porte dos ferries varia são usualmente cilíndricos ou esféricos; os de acordo com os requisitos da rota, e a

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assistir a manobras de grandes navios em águas confinadas e participar de operações de socorro, salvamento e combate a incên- dio. Podem ser classificados, grosso modo, como de porto e oceânicos. A característica principal de um rebocador é a sua capaci- dade de bollard-pull (empuxo do hélice na velocidade zero). A Figura 10 ilustra Figura 8 - Liner moderno um rebocador.

Barcos de alta velocidade

Possuem um número de configurações do casco e sistemas de propulsão variados em função dos seguintes aspectos: – o uso de hidrofólios traz benefícios de- vido à redução da resistência ao avanço pelo fato de levantar o casco para fora d’àgua; – os catamarãs evitam a perda de esta- bilidade a altas velocidades; Figura 9 - Ferry – veículos sobre colchões possibilitam operações anfíbias; velocidade fica usualmente na faixa de 20 – o efeito de ondas é minimizado nos a 22 nós. As Figuras 8 e 9 ilustram um liner barcos tipo Swath (small waterplane area moderno e um ferry. twin hull); – alguns barcos são projetados de modo Rebocadores a reduzir o embarque d’água e permitir as suas operações em águas restritas. Desenvolvem uma grande quantidade A Figura 11 ilustra um barco de alta de tarefas, como movimentar barcaças, velocidade com casco do tipo catamarã.

Figura 10- Rebocador Figura 11 - Barco de alta velocidade

RMB1oT/2017 57 SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

Unidades ou plataformas perfuradoras estrutura é formada, basicamente, por um não eleváveis e autoeleváveis convés onde são instalados os principais equipamentos de produção e perfuração e Atualmente são consideradas as unidades colinas de sustentação do convés que, na móveis mais complexas que operam em maior parte das vezes, são cilindros com se- ambiente hostil nas plataformas continentais ção circular sobre flutuadores denominados do mundo, com equipamentos de perfuração pontoons [3]. A Figura 13 ilustra uma pla- e metodologia desenvolvidos para atender taforma de perfuração semissubmersível. aos requisitos mais exigentes aplicáveis à operação em águas relativamente profundas, com ondas, ventos e correntes. As unidades não eleváveis são basicamente estruturas em treliças que são projetadas individualmente para localizações específicas, levando em conta as condições de fundo do mar, pro- fundidade média da água e intensos estados de mar e vento. As unidades autoeleváveis, mais conhecidas como jack-up, são descritas como um tipo de unidade com casco em forma de barcaça e reserva de flutuabilidade para transportar com segurança os equipa- mentos de perfuração para uma localização Figura 13- Plataforma de perfuração determinada em que a unidade inteira é ele- semissubmersível vada até a uma posição predefinida acima da superfície oceânica [3]. A Figura 12 ilustra uma plataforma autoelevável. Navios de perfuração

As principais características que os distinguem de outros navios são os gran-

Figura 12 - Plataforma autoelevável

Plataformas de perfuração semissubmersíveis

Estruturas flutuantes projetadas para perfuração ou produção de petróleo e cuja Figura 14 - Navio de perfuração

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des guindastes com estruturas massivas se – sistema de amarração feito por meio estendendo acima do convés principal e a de turret; existência de um grande poço se estenden- – sistema de movimentação de fluidos; do para baixo do casco, de modo a acomo- – comportamento no mar (seakeeping) dar as operações de perfuração. Possuem com impacto no desempenho da planta de movimentos maiores de arfagem, jogo e processamento e no conforto. caturro do que uma plataforma semissub- As Figuras 15 e 16 mostram o perfil e o mersível, devido às maiores excitações arranjo de operação típicos de uma FPSO. dos estados de mar e diferentes respostas a estes, o mesmo ocorrendo para movimentos de avanço e caimento. A Figura 14 mostra um navio de perfuração.

Plataformas FPSO (Floating Production Storage and Offloading)

Sistema flutuante para exploração de petróleo que reúne, numa única unidade, as funções de produção, armazenamento e descarregamento para outros navios. A sua principal diferença, em relação a um navio comum, está no fato de não navegar, permanecendo numa posição predeterminada. Os principais aspectos, que são objeto de desafio no projeto des- ses sistemas, são: Figura 15 - FPSO

Figura 16- Arranjo de operação de uma FPSO

RMB1oT/2017 59 SISTEMAS OCEÂNICOS NÃO MILITARES

CONCLUSÃO vêm surgindo no campo da construção naval não militar, não somente porque esta faz O espectro de tipos de sistemas oceânicos parte do Poder Marítimo, mas também pela é grande e abrangente e merece um acom- possibilidade de que técnicas, tecnologias, panhamento de perto, sob pena de perda da métodos e processos possam ser absorvidos atualização com relação às inovações que no campo da construção naval militar.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Marinha Mercante; Navio Mercante; Classificação de navio;

REFERÊNCIAS

[1] FONSECA, M.M. Arte Naval. Rio de Janeiro: Editora SDM, 2005. [2] EYRES, D.J. Ship Construction. 6th Edition. Oxford: Elsevier, 2007. [3] LAMB, T.T. Ship Design and Construction. Jersey City: Sname, 2004, Vol II [4] WATSON, D,G.M. Practical Ship Design. Elsevier, Ocean Engineering Book Series, 1991, Vol I. [5] VASCONCELOS, J. M. Estabilidade de Sistemas Flutuantes. Rio de Janeiro: Instituto de Ciências Náuticas, 2005.

60 RMB1oT/2017 PIRATARIA MARÍTIMA ALAVANCA ARQUITETURA DE SEGURANÇA MARÍTIMA NA ÁFRICA OCIDENTAL E CENTRAL

HENRIQUE PEYROTEO PORTELA GUEDES* Capitão de Mar e Guerra (Marinha de Portugal)

SUMÁRIO

Introdução União Africana Organização Marítima da África do Oeste e do Centro Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental Comunidade Econômica dos Estados da África Central Comissão do Golfo da Guiné Grupo do G7 dos amigos do Golfo da Guiné Universidades marítimas A Cimeira de Yaoundé Algumas reflexões

INTRODUÇÃO de ilicitude tem crescido paulatinamente ao longo dos cerca de 7.700 km de costa assados quatro anos do final doboom do Golfo da Guiné (GG). Este Golfo, cujas Pde pirataria marítima na Somália, o águas banham países de duas grandes re- continente africano continua, ainda, a giões da África, a Ocidental e a Central, ser assolado quotidianamente por esta estende-se, genericamente, do Senegal a hedionda atividade ilícita, agora na sua Angola, incluindo 17 países costeiros e costa ocidental. A verdade é que este tipo dois arquipelágicos.

* N.R.: Autor do livro A Pirataria Marítima Contemporânea: as duas últimas décadas. Colaborador costumeiro da Revista Marítima Brasileira, em especial sobre Pirataria Marítima (2o e 4o trim./2008, 3o trim./2010, 3o trim./2011, 3o trim./2013, 3o trim./2014, 3o trim./2015, e 1o trim./2016). PIRATARIA MARÍTIMA ALAVANCA ARQUITETURA DE SEGURANÇA MARÍTIMA NA ÁFRICA OCIDENTAL E CENTRAL

A pirataria na re- gião do GG tem es- tado mais ativa nas últimas duas déca- das, nomeadamente nas águas da Nigéria, em geral, e no delta do Rio Níger, em particular. Começou pelo pe- queno roubo, con- tudo foi evoluindo para situações que já denotam planeja- mento e organiza- ção, como o roubo de combustível (bunke- ring) e o sequestro Piratas nigerianos (Foto: CCTV África) de tripulantes para a obtenção de resgates. Esta mudança no mar territorial ou em águas interiores) gradual no modus operandi dos piratas e instiga os países da região a partici- do GG, associada ao aumento da violên- parem ativamente no combate a este cia durante os seus atos e, ainda, o fato fenômeno; e a Resolução 2.039 (2012), de o protagonismo de 29 de fevereiro, da pirataria no con- que veio mostrar a tinente africano ter O Conselho de Segurança da grande preocupação passado para esta do CSNU com esta região, devido ao seu ONU manifestou profunda problemática e que declínio nas águas preocupação com os atos de exorta a Comunidade da Somália, levaram pirataria e com os assaltos à Econômica dos Es- o Conselho de Se- tados da África Oci- gurança das Nações mão armada contra navios dental, a Comunidade Unidas (CSNU) a no mar do Golfo da Guiné Econômica dos Esta- aprovar duas Reso- dos da África Central luções neste âmbito: e a Comissão Golfo a Resolução 2.018 (2011), de 31 de ou- da Guiné a trabalharem conjuntamente tubro, que condena os atos de pirataria na elaboração de uma estratégia regional marítima (atos ilícitos1 cometidos fora do de luta contra a pirataria e os assaltos à mar territorial2) e os assaltos à mão arma- mão armada contra navios e contra outras da contra navios (atos ilícitos do mesmo atividades ilícitas praticadas no mar, em gênero dos da pirataria, só que cometidos cooperação com a União Africana. Esta

1 De violência e/ou de detenção e/ou de pilhagem cometidos, para fins privados, pela tripulação e/ou pelos passa- geiros de um navio privado, e dirigidos contra um navio e/ou pessoas e/ou bens a bordo do mesmo. 2 O mar territorial consiste numa zona marítima, sob soberania nacional, que vai até às 12 milhas náuticas, contadas a partir da “linha de costa” (linha de base reta ou normal) de um Estado. Uma milha náutica são 1.852 metros.

62 RMB1oT/2017 PIRATARIA MARÍTIMA ALAVANCA ARQUITETURA DE SEGURANÇA MARÍTIMA NA ÁFRICA OCIDENTAL E CENTRAL

agendas a segurança e a defesa do espaço marítimo.

UNIÃO AFRICANA

Sucessora da Or- ganização da Unidade Africana3, a União Africana (UA) foi fundada em 2002 em Durban, na África do Sul, e encontra-se se- diada em Adis Abeba, Boarding team da Marinha dos Camarões no Exercício Obangame Express na Etiópia. O seu pre- (Foto: US AFRICOM) sidente em exercício, desde 30 de janeiro Resolução incitava ainda os Estados deste de 2016, é o atual Presidente da República Golfo a fazerem uma Cimeira. Esta foi do Chade, Idriss Déby Itno. Em 9 de julho realizada em 19 de março de 2013, no de 2011, o Sudão do Sul tornou-se o 54º Benim, para delinearem uma estratégia estado-membro. comum para combater este fenômeno. A UA tem como principais objetivos, O CSNU, em 25 de abril de 2016, por entre outros, obter meio de uma declara- maior solidariedade ção presidencial, vol- entre os vários países tou a manifestar a pro- Logo após a sua criação, da África, defender a funda preocupação a UA começou a delinear integridade territorial da ONU com os atos uma Arquitetura de e independência dos de pirataria e com os estados-membros e assaltos à mão armada Paz e Segurança para o acelerar a integração contra navios no mar continente africano política, social e eco- do GG, salientando a nômica da África. necessidade de uma Logo após a sua abordagem abrangente, liderada pelos Es- criação, a UA começou a delinear uma tados da região com o apoio internacional, Arquitetura de Paz e Segurança para o de forma a fazer face à atual situação que continente africano. É curioso notar que, se vive neste Golfo. inicialmente, no arranque de todo este Neste momento existe um grande processo, a segurança marítima não era número de organizações ativas na região considerada como estratégica. Contudo, do GG, conforme se pode ver a seguir, as o mar, que vem ganhando protagonismo quais, ao contrário do que acontecia no nos últimos anos, tornou-se também palco passado, já começaram a incluir nas suas de diversos conflitos, dos quais se salienta

3 Criada em 25 de maio de 1963, em Adis Abeba, na Etiópia.

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a pirataria marítima, o que levou a UA, – a África como um ator forte, influente constituída na sua maioria por Estados e parceiro a nível mundial. litorâneos, a preocupar-se verdadeiramente A aprovação desses documentos estra- com o mesmo. Isso demonstra a aprovação, tégicos vem mostrar a preocupação comum em 31 de janeiro de 2014, da Declaração de dos Estados africanos com o seu cresci- Adis Abeba4, na qual os ministros africanos mento econômico e com a sua segurança, adotaram a Estratégia Marítima Integrada da fazendo refletir nestes escritos os desafios, África 20505 e o seu Plano de Ação de Ope- as ameaças e as oportunidades que têm racionalização. Esta Estratégia não aborda pela frente. só aspectos de segurança relacionados com a pirataria marítima, mas também da pesca ORGANIZAÇÃO MARÍTIMA DA ilegal, do tráfico de pessoas e do terrorismo ÁFRICA DO OESTE E DO CENTRO marítimo, apontando também um conjunto de oportunidades em termos de economia. A Organização Marítima da África do Um ano mais tarde, em janeiro de 2015, a Oeste e do Centro6 e 7 (Mowca), constituída Conferência da União Africana, na sua 24ª por 20 estados costeiros e cinco não cos- Sessão Ordinária, realizada em Adis Abeba, teiros, encontra-se sediada em Abidjan, na estabeleceu a Agenda 2063, identificando Costa do Marfim, e o seu secretário-geral as aspirações africanas até o ano de 2063, é Alain Michel Luvambano. Foi estabe- mencionadas a seguir: lecida em 7 de maio de 1975, em Lagos, – uma África próspera, baseada no cres- na Nigéria, pelos ministros africanos dos cimento inclusivo e no desenvolvimento Transportes dos Estados da África Ociden- sustentável; tal e Central, que resolveram criar um orga- – um continente integrado, politica- nismo permanente de concertação, ao qual mente unido com base nos ideais do pan- atribuíram a designação da Conferência -africanismo e na visão do renascimento Ministerial dos Estados da África Ocidental da África; e Central para o transporte marítimo. O seu – uma África de bom governo, democra- nome atual foi adotado, na sequência das cia, respeito pelos direitos humanos, pela reformas feitas pela Assembleia-Geral dos justiça e pelo estado de direito; Ministros dos Transportes, numa sessão – uma África pacífica e segura; extraordinária que decorreu em Abidjan, – uma África com uma forte identidade entre 4 e 6 de agosto de 1999. cultural, herança, valor e ética comuns; O papel principal desta organização – uma África onde o desenvolvimento deveria ser um pouco o de autoridade ma- seja orientado para as pessoas, confiando rítima regional, devendo servir de elo no especialmente no potencial da mulher e da estabelecimento de contatos e na negociação juventude; e entre o setor privado, os portos, as autorida-

4 Esta foi colocada à consideração a 6 de dezembro de 2012, durante a 2.ª Conferência dos Ministros africanos responsáveis pelos assuntos marítimos. 5 Em inglês Africa´s Integrated Maritime Strategy 2050 - AIM 2050. 6 Do inglês Maritime Organization of West and Central Africa (Mowca). Em francês: Organisation Maritime de L´Afrique de L´Ouest et du Centre (Omaoc). 7 Países costeiros: Angola, Benim, Camarões, Cabo Verde, Congo, República Democrática do Congo, Costa do Marfim, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Libéria, Mauritânia, Nigéria, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa e Togo. Países não costeiros: Burkina Faso, República Centro Africana, Chade, Mali e Níger.

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des marítimas e os organismos de ensino. com sede em Abuja, na Nigéria, é com- Contudo isso não tem acontecido. Apesar posta por 15 países10 situados na região da do seu tempo de existência, e do apoio que África Ocidental, desde o Senegal à Nigé- tem tido por parte da Organização Marítima ria, unidos por laços culturais, geopolíticos Internacional (IMO), a Mowca não tem tido e interesses econômicos em comum. A uma posição de destaque até a presente data, Cedeao existe para promover a cooperação o que é comprovado pelo fato de não lhe ter econômica, política e de segurança entre sido atribuído nenhum papel de relevo na os Estados. Em junho de 2007, na sua 32a arquitetura da nova estrutura de segurança Conferência de chefes de Estado e do go- marítima que resultou da Cimeira de 2013, verno, ocorrida em Abuja, a Cedeao adotou realizada em Yaoundé, nos Camarões. No a “Visão 2020”, um documento estratégico entanto, em 2008, a Mowca, com a con- cujo objetivo principal é contribuir para a tribuição da IMO, emitiu um Memorando criação de uma união econômica regional de Entendimento para o estabelecimento sustentável e segura, com a participação, no de uma Guarda Costeira integrada para a processo de integração, de toda a população África Ocidental e Central, com vista ao dos países da região. Muitos dos objetivos melhoramento da segurança marítima em da Visão 2020, assim como do Tratado geral. Contudo, o mesmo não teve sucesso, revisto da Cedeao, de 23 de julho de 1993, pois a adesão dos Estados costeiros foi muito têm sido minados pelos desafios que têm diminuta, em muito devido à falta de meios aparecido no domínio marítimo, tais como por parte dos países, assim como à ausência a exploração descontrolada dos recursos de uma consciência marítima. No entanto, marinhos, a poluição, o contrabando, os o memorando veio alavancar a criação de tráficos de drogas e de pessoas, a pirataria Centros Regionais de Coordenação de Sal- marítima, os assaltos à mão armada contra vamento Marítimo8 (RMRCC), indispensá- navios etc. Para fazer face a estes novos veis para uma boa articulação na segurança desafios, e na sequência do lançamento da marítima. Espera-se que esta organização Estratégia Marítima Integrada de África ainda possa vir a ter um papel ativo nas áreas 2050 por parte da UA, iniciou também a da educação marítima e segurança portuária Cedeao a elaboração de um documento es- e na relação com as autoridades marítimas tratégico semelhante, a Ecowas, Integrated nacionais para a implementação de normas Maritime Strategy (EIMS). Este foi direcio- marítimas internacionais. nado para os países desta comunidade com o objetivo de regulamentar as atividades e a COMUNIDADE ECONÔMICA utilização do domínio marítimo, bem como DOS ESTADOS DA ÁFRICA identificar as medidas para o combate às OCIDENTAL suas ameaças. Esse documento veio a ser adotado na 44ª Conferência de chefes de Criada em 28 de maio de 1975, pelo Tra- Estado e do governo, ocorrida em Yamous- tado de Lagos, a Comunidade Econômica soukro, na Costa do Marfim, em 28 e 29 de dos Estados da África Ocidental9 (Cedeao), março de 2014.

8 Do inglês Regional Maritime Rescue Coordinating Centre. 9 Em inglês Economic Community Of West African States (Ecowas). Em francês Communauté Economique Des Etats de l’Afrique de l’Ouest (Cedeao). 10 Países: Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo.

RMB1oT/2017 65 PIRATARIA MARÍTIMA ALAVANCA ARQUITETURA DE SEGURANÇA MARÍTIMA NA ÁFRICA OCIDENTAL E CENTRAL

COMUNIDADE ECONÔMICA DOS COMISSÃO DO GOLFO DA GUINÉ ESTADOS DA ÁFRICA CENTRAL A Comissão do Golfo da Guiné13 (CGG) O tratado que instituiu a Comunidade foi estabelecida em 3 de julho de 2001, por Econômica dos Estados da África Central11 um tratado assinado em Libreville, com o (Ceeac) foi assinado em 18 de outubro de objetivo de defender os interesses comuns, 1983 em Libreville, no Gabão. Contudo, harmonizando as políticas no que diz res- só entrou em vigor em 18 de dezembro peito à gestão do petróleo e dos recursos de 1984, tendo a Ceeac sido considerada naturais em geral, assente no diálogo e operacional em janeiro de 1985. Esta Co- na concertação, tendo como base os laços munidade esteve inativa entre 1992 e 1997. de amizade, solidariedade e fraternidade É composta atualmente por 11 países12. O entre os Estados que a constituem. Fatores seu objetivo inicial foi promover e reforçar externos, resultantes de uma conjuntura a cooperação harmoniosa e o desenvolvi- em permanente mudança, fizeram com que mento equilibrado e autossustentado nas esta Comissão ultimamente, à semelhança áreas da atividade econômica e social, das comunidades econômicas da região, com vista a alcançar a economia coletiva, se direcionasse mais para os aspectos elevar o nível de vida, aumentar e manter relacionados com a paz e a segurança, a estabilidade econômica, reforçar as re- nomeadamente com a pirataria marítima lações pacíficas entre Estados-membros e os assaltos à mão armada contra navios e contribuir para o progresso e desenvol- no mar do GG. vimento do continente africano. Só mais O Presidente da República da Guiné tarde é que esta comunidade ampliou a Equatorial, Teodoro Obiang Mbasogo, é sua visão de integração para poder passar o atual presidente da CGG, desde 10 de a incluir a promoção da paz, da segurança agosto de 2013. A República do Gana e da estabilidade na sua sub-região. Os manifestou vontade de vir a aderir à CGG. países da Ceeac adotaram, em outubro de 2007, um plano estratégico de integração GRUPO DO G7 DOS AMIGOS DO e uma Visão para 2025, com vista a tornar GOLFO DA GUINÉ a região um local de paz, de solidariedade, de desenvolvimento equilibrado e de livre Este Grupo do G7 dos amigos do Golfo circulação de pessoas, bens e serviços. da Guiné14 e 15, que tem como principal foco

11 Em inglês Economic Community of Central African States (Eccas) e em francês Communauté Economique des Etats de l’Afrique Central (Ceeac). 12 Países: Angola, Burundi, Camarões, Chade, Gabão, Guiné Equatorial, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Congo, Ruanda e São Tomé e Príncipe. 13 É composta por oito países: Angola, Camarões, República Democrática do Congo, Congo, Gabão, Guiné Equatorial, Nigéria e São Tomé e Príncipe. 14 Do inglês G7 Friends Of the Gulf of Guinea Group (G7++Fogg). 15 É composto pelo G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), pelo Grupo de Amigos [(Bélgica, Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, Noruega, Países Baixos, Portugal, Suíça, Austrália (observador), Brasil (observador), União Europeia, UNODC, Interpol e IMO (observador)] e pelos Estados da região (Angola, Benim, Burkina Faso, Camarões, Cabo Verde, República Centro-Africana, Chade, Re- pública Democrática do Congo, Costa do Marfim, Guiné Equatorial, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné-Bissau, Guiné, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Congo, Senegal, S. Tomé e Príncipe, Serra Leoa e Togo). A Grécia, a Turquia e o Uruguai foram como observadores para a reunião.

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a pirataria marítima, nasceu em 2011, na uma nova arquitetura regional de segurança sequência do G8 ter discutido pela primeira marítima para o GG. A região considerada vez, durante uma reunião, a situação da vai desde o Rio Senegal, no Senegal, até a segurança marítima no GG. O Grupo do foz do Rio Cunene, em Angola. Para perce- G7 dispõe de um grupo de trabalho que tem ber melhor esta arquitetura é preciso recuar auxiliado na coordenação das diferentes ini- ao ano 2009, quando a Ceeac decidiu de- ciativas marítimas, nomeadamente na cria- senvolver uma estratégia marítima baseada ção de capacidades, evitando duplicações em seis princípios: gestão da informação, entre os doadores e os Estados da região. vigilância coletiva por meio da deteção e Este Grupo reuniu-se em Portugal em partilha de informação, harmonização legal 6 e 7 de junho de 2016, sob a presidência e funcional da ação dos Estados no mar, portuguesa. autofinanciamento por meio da contribui- ção dos Estados da re- UNIVERSIDADES gião e apoio logístico MARÍTIMAS Na região do Golfo da e institucionalização Guiné existem pelo menos de uma conferência Na região do GG marítima para a África existem pelo menos três universidades ligadas Central. três universidades li- a assuntos do mar e que Na sequência do gadas a assuntos do lançamento desta es- mar em geral e que vêm se preocupando com tratégia, foi criado, vêm se preocupando os aspectos da segurança em outubro de 2009, com os aspectos da marítima o Centro Regional segurança marítima de Segurança Maríti- em particular. Temos ma da África Central então a Regional Academy of Science and (Cresmac)16, em Ponta Negra, no Congo, Technology of the Sea, em Adidjan; The passando este a ser o responsável pela co- Regional Maritime University, em Accra, ordenação da segurança marítima na África no Gana; e The Maritime Academy of Central. Esta estratégia incluiu também a Nigeria, em Oron, na Nigéria. A existência criação de três zonas de segurança marítima destas universidades vem contribuindo de (A, B e D), tendo sido previsto, para cada forma decisiva para maior conscientização uma, um centro de operação marítima, marítima na região. designado por Centro de Coordenação Multinacional17 (CCM). As zonas ficaram A CIMEIRA DE YAOUNDÉ distribuídas da seguinte forma: a Zona A abrangerá Angola e a República Demo- Esta Cimeira dos chefes de Estado e crática do Congo; a Zona B, o Congo e de governo dos Estados da África Central o Gabão (parte) e a Zona D, São Tomé e e Ocidental, sobre segurança no domínio Príncipe, o Gabão (parte), a Guiné Equa- marítimo comum, realizou-se em 24 e 25 de torial e os Camarões. Contudo, com a nova junho de 2013 nos Camarões e dela resultou arquitetura regional de segurança marítima,

16 Em inglês Regional Coordination Centre for Maritime Security in Central Africa e em francês Centre Régional de Securité Maritime de l’Afrique Central (Cresmac). 17 Em inglês Center for Multinational Coordination (CMC).

RMB1oT/2017 67 Arquitetura regional de segurança marítima após a Cimeira de Yaoundé (Foto adaptada a partir da imagem original da OBF) PIRATARIA MARÍTIMA ALAVANCA ARQUITETURA DE SEGURANÇA MARÍTIMA NA ÁFRICA OCIDENTAL E CENTRAL

na sequência da Cimeira de Yaoundé, está sediado em Cotonou, no Benim. Tudo in- praticamente assumido que a Zona D irá dica que o CCM da Zona F possa vir a ser integrar a Zona B. A confirmar-se esta últi- instalado em Accra, no Gana. ma situação, o Congo, que pertencia à Zona A arquitetura regional de segurança B, irá passar a fazer parte da Zona A – que marítima para a África Ocidental e Central também abrange Angola e a República De- assenta-se, assim, em dois centros regio- mocrática do Congo –, e o Gabão, país que nais, o Cresmac, para a África Central, e estava dividido parcialmente pelas Zonas o Cresmao, para a África Ocidental, cada B e D, passará a fazer parte só da Zona D. um deles responsável por coordenar três O CCM para a Zona D foi o primeiro a zonas de segurança marítima (o Cresmac entrar em funciona- as Zonas A, B(?) e D mento, em setembro e o Cresmao as Zo- de 2009, e ficou se- Apesar do elevado número nas E, F e G). Por sua diado em Douala, nos de organizações existentes vez, estes dois centros Camarões. Existem são coordenados pelo fortes indícios de que no continente africano, Centro de Coordena- o CCM para a Zona A os aspectos da segurança ção Inter-Regional19 venha a ser instalado (ICC), que já entrou em Luanda. marítima estão ainda longe em funcionamento em A Cedeao, após a de um controle efetivo. Yaoundé, em 11 de Cimeira de Yaoundé, Será justo afirmar que setembro de 2014. O resolveu adotar para a ICC, devido a alguns África Ocidental uma começaram a ser dados constrangimentos fi- estrutura semelhante os primeiros passos no nanceiros, de pessoal e à da CEEAC, estabe- logísticos, ainda não se lecendo também três sentido da criação de uma encontra, até a presente zonas de segurança consciência marítima na data, completamente marítima (E, F e G), África operacional. prevendo, para cada Apesar das grandes uma um CCM, coor- preocupações atuais denado pelo Centro Regional de Segurança destas duas regiões serem a pirataria ma- Marítima da África Ocidental (Cresmao)18, rítima e os assaltos à mão armada contra cuja instalação está prevista em Abidjan. navios, tendo a própria arquitetura regional Estas zonas compreendem os seguintes de segurança marítima sido desenhada países: a Zona E, a Nigéria, o Benim e o pensando nestas, existem outros aspetos Togo; a Zona F, o Gana, a Costa do Marfim, de segurança marítima que preocupam os a Libéria, a Serra Leoa e a Guiné; e a Zona países destas regiões. Isso fica evidenciado G, a Guiné-Bissau, a Gâmbia, o Senegal e pela aprovação, nesta Cimeira de Yaoundé, Cabo Verde. do Código de Conduta de Yaoundé, que O primeiro CCM da África Ocidental a foi elaborado tendo como principais ob- entrar em ação foi o da Zona E, que ficou jetivos a pirataria marítima e os assaltos à

18 Em inglês Regional Coordination Centre for Maritime Security in Western Africa e em francês Centre Régional de Securité Maritime de l’Afrique de l’Ouest (Cresmao). 19 Em inglês Interregional Coordination Centre (ICC).

RMB1oT/2017 69 PIRATARIA MARÍTIMA ALAVANCA ARQUITETURA DE SEGURANÇA MARÍTIMA NA ÁFRICA OCIDENTAL E CENTRAL

mão armada contra navios. Contudo, este aprovados, o desenvolvimento e a imple- também leva em consideração aspectos mentação de novas estratégias, a arquitetura mais latos da segurança marítima, como a de segurança marítima adotada e a instalação pesca ilegal, o terrorismo e os vários tipos e operacionalização dos diversos centros de de contrabando. Este código de conduta e coordenação marítima são bons exemplos do a troca de informação que o apoia têm sido que está sendo feito em prol da segurança um precioso auxílio no âmbito da coopera- marítima. O fato de todas estas iniciativas te- ção entre Estados regionais. rem por trás essencialmente países africanos demonstra bem a vontade e o compromisso ALGUMAS REFLEXÕES destes na construção de um futuro melhor para o continente. Torna-se pois de vital Apesar do elevado número de organiza- importância que as várias organizações ções já existentes no continente africano, africanas juntem sinergias na procura do em geral, e na África Ocidental e Central bem comum e não atuem de forma isolada e em particular, os aspectos da segurança rival na procura de protagonismo. Será justo marítima estão ainda muito longe de um afirmar que já começaram a ser dados os controle efetivo. Contudo, o conjunto de primeiros passos firmes no sentido da cria- reuniões no mais alto nível, os documentos ção de uma consciência marítima na África.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; África; Pirataria; Segurança;

70 RMB1oT/2017 CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?*

NELSON MARCIO ROMANELI DE ALMEIDA** Capitão de Mar e Guerra (IM)

SUMÁRIO

Introdução Conflito – Conceituação A Guerra como Fenômeno Social - Breve Análise Considerações Finais

INTRODUÇÃO Estados, no cenário internacional ainda não existe uma entidade formalmente designada apel de juiz é resolver conflitos e não para exercer o controle do comportamento “Pde criar”1. Essa afirmação recente de humano. Entre os Estados observa-se tão- um ministro do Superior Tribunal Federal -somente uma postura de relacionamento se adequa bem à sociedade, mas não aos transversal, sem ocorrer qualquer tipo de Estados. Em que pese ser válido o con- submissão, ou seja, não existem “juízes” ceito hobbesiano do sistema anárquico de que “resolverão os conflitos”.

* Adaptação do trabalho apresentado na Escola de Guerra Naval-CPEM-2016, com o título:“Em uma era de múltiplas transformações sociais, econômicas e na política internacional, os conflitos são inevitáveis?”. ** Vice-Diretor de Coordenação do Orçamento da Marinha. 1 MOREIRA, Rene. “ ‘Papel de juiz é resolver conflitos e não de criar’, diz ministro do STF”. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 mar. 2016 disponível em < http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministro-do- -stf-alfineta-sergio-moro-no-interior-de-sp>. Acesso em 18 mar. 2016. CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

O relacionamento entre os Estados é incompatibilidade acerca de objetos, de dinâmico e traz em seu bojo os mais varia- desejos ou de propósitos diferentes, mas dos interesses, que são inerentes a cada um em geral sobre opiniões, juízos de valor dos envolvidos, podendo tais interesses ser ou simplesmente impressões que se tem uníssonos ou díspares. Quando existe a con- sobre uma questão ou conjunto de fatos; o cordância de ideias está presente o estado conflito é de ordem vivencial, imediato ou de paz, mas quando emergem dissonâncias repetido ao longo do tempo; e, o conflito de pensamentos poderá surgir o conflito. é uma forma possível de relação social2. E, nesse sentido, considerando que os Nesse sentido, depreende-se que o con- Estados “não têm amigos, mas interesses” e flito é uma elaboração social que nasce da que os conflitos são uma realidade em nível natureza humana e que pode, dependendo global, há que se pensar se as múltiplas das suas razões, da forma como as partes o transformações sociais, econômicas e na percebem e da maneira como se desenrola, Política Internacional (PI) podem exercer ser entendido como positivo ou negativo. alguma influência na forma como os Esta- A caracterização de um conflito dependerá, dos percebem e efetuam o gerenciamento dentre outros aspectos, das experiências de conflitos. pessoais dos líderes, dos seus anseios e Chega-se, então, às questões em investi- de motivações em buscar soluções menos gação no presente estudo. Até que ponto as danosas. dinâmicas mudanças impostas pela globali- Em termos de conceituação de conflito, zação contribuem para evitar um conflito? Freund (1995, p. 58), assim se expressa: E os exemplos de conflitos passados podem “El conflicto consiste en un enfrenta- nos ajudar a entender o tema? miento por choque intencionado, entre Inspirado por essa realidade, o presente dos seres o grupos de la misma especie trabalho tem o propósito de analisar se os que manifiestan, los unos respecto a los conflitos são realmente inevitáveis à luz otros, una intención hostil, en general dessas mudanças. E, para tal, será estrutu- a propósito de un derecho, y que para rado da seguinte forma: inicialmente será mantener, afirmar o reestablecer el de- apresentado um breve marco teórico acerca recho, tratan de romper la resistência do termo conflito, contextualizando-o no del outro eventualmente por el recurso escopo deste trabalho; seguir-se-á a expo- a la violencia, la que puede, llegado el sição da guerra enquanto fenômeno social caso, tender al aniquilamiento fisico e uma breve análise; e, por fim, serão feitas del otro.” as considerações finais à luz da literatura estudada. Assim, da análise desse conceito, depre- ende-se que: o enfrentamento deve ser mani- CONFLITO – CONCEITUAÇÃO festo entre as partes; não há conflito entre um homem e um animal; há de estar presente a O sociólogo alemão Julien Freund determinação de causar algum dano na outra (1921-1993) lança algumas ideias para parte; os direitos violados são a causa principal reflexão antes de partir para a definição do início dos conflitos; e o uso da violência é de conflito, quais sejam: o conflito não previsto, ou seja, não existe conflito de ideias nasce necessariamente por conta de uma para se fazer valer seus direitos.

2 FREUND, 1995, p. 20-23.

72 RMB1oT/2017 CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

Em síntese, são elencadas algumas li- legal e uma forma de conflito envolvendo ções acerca do conflito que merecem desta- um alto grau de paridade legal, de hostili- que, a saber: o atual regime internacional de dade e de violência dos grupos humanos Estados em que vivemos guarda uma seme- organizados”4. lhança com o estado da natureza proposto Observa-se que o autor acima já prevê por Hobbes, ou seja, trata-se de um sistema o ponto de vista sociológico para o trata- anárquico de Estados, sem uma instância mento da guerra enquanto fenômeno social. superior; o conflito é intrínseco às socieda- Dessa forma, já em 1945, Gaston Bouthoul des e pode vir a contribuir de alguma forma (1896-1980) cunhou o termo polemologia para a unidade do grupo, ou até mesmo para designar uma nova possibilidade de exercer um papel de equilíbrio no cenário incluir na sociologia o estudo científico das mundial; o conflito é uma relação social, guerras e da agressividade organizada, no um fenômeno social, em que a presença intuito de que se pudesse perceber como de seres humanos com suas características esse fenômeno violento ocorria e permitir pessoais no processo pode ser considerada que, a par desses estudos, se pudesse efetuar um fator potencializador para a consecução algum controle nos futuros acontecimentos. desses; e o conflito é Nesse sentido, o resultado do anseio nasceu a polemologia subjetivo de pessoas e Entre outras coisas, o como sendo “o estu- grupos para defender conflito é o resultado do do objetivo e científi- seus direitos e suas co das guerras como pretensões. anseio subjetivo de pessoas fenômenos sociais e grupos para defender seus suscetíveis de obser- A GUERRA direitos e suas pretensões vação igual a outro COMO qualquer”5. FENÔMENO Enquanto fenôme- SOCIAL – BREVE ANÁLISE no social, e por ser considerada a forma mais grave e profunda de conflito social O Manual de Doutrina Militar, do (presença da violência extremada), a guerra Ministério da Defesa, conceitua a guerra, pode ser observada desde os primórdios da que será objeto desse estudo, como sendo o civilização humana. Seja por sobrevivên- conflito no seu grau máximo de violência, cia, busca de comida, motivos territoriais, podendo implicar a mobilização do Poder políticos, étnicos ou religiosos, entre ou- Nacional, com relevância para o Poder tros, o homem usou, usa e usará a violência Militar, para fazer valer a vontade de uma como forma de resolução desses conflitos. das partes3. Essa afirmação encontra eco nas pala- De modo a que se possa melhor entender vras de Howard6 (2004, citado por BAL- o fenômeno da guerra, ao se combinar os TAZAR, 2006, p.169), que afirma que pontos de vistas jurídico, sociológico, mi- provas arqueológicas, antropológicas e litar e psicológico tem-se que é “um estado documentais assinalam que a guerra sempre

3 BRASIL, 2007, p.21. 4 WRIGHT, 1988, p.5. 5 BOUTHOUL, 1984, p. 66-67. 6 HOWARD, Michael, A Invenção da Paz – Reflexões sobre a guerra e a Ordem Internacional,Lisboa: Guimarães Editores. 2004.

RMB1oT/2017 73 CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

foi “a norma universal” ao longo da história de um hormônio que induz à agressivida- humana, sendo irrelevante investigar se de. A guerra, como já mencionado, é um resultava de uma agressividade natural ou fenômeno social, e para que possamos obter se essa hostilidade nasceu da necessidade os melhores rumos a seguir no processo de lutar pela posse de itens escassos, como decisório, há que se recorrer à polemologia a água e a terra. como ferramenta para obtenção de infor- Já no plano científico, em 2008, foi mações que contribuirão para controlar ou, apresentada uma teoria em universidades quem sabe, evitar os conflitos. americanas e no Reino Unido que sugere Outro ponto que muito se observa nos que a guerra é um produto da cultura hu- dias de hoje é a tentativa de redução de mana e, por isso, um fenômeno recente.7 arsenais dos Estados. Simplesmente redu- Esse estudo sugere que a questão da so- zir o poderio bélico dos Estados por meio brevivência dos mais fortes nas lutas como da assinatura de tratados ou convenções parte do instinto de preservação pode ser internacionais não parece ser a panaceia explicada até mesmo sob a ótica biológica, que tornará as guerras inevitáveis. Se científica e não somente no que tange aos não houver a preocupação de se trabalhar aspectos sociológicos questões como cultura, e psicológicos. valores e crenças dos Entretanto, Bona- indivíduos, todos os nate (2001, p. 274) já Simplesmente reduzir o esforços poderão ser apresentava um con- poderio bélico dos Estados inócuos. traponto a esse estudo, por meio da assinatura de No mundo contem- na medida em que porâneo, vive-se uma afirma que o compor- tratados ou convenções espécie de culto aos tamento humano não internacionais não parece conflitos, na medida é constante e que a em que a competição e guerra pode ser consi- ser a panaceia que tornará o desejo de vencer su- derada um fenômeno as guerras inevitáveis peram, muitas vezes, mais sociológico, ou a questão racional que seja, é consequência envolve o processo da dos costumes e das tradições das socie- guerra. A violência pode ser observada dades e não da estrutura orgânica do ser nas diversas etapas desse processo, desde humano em si. a questão psicológica até a física. Conside- Os hormônios que o organismo humano rando o atual sistema anárquico de Estados produz podem até ser controlados, mas não em que se observa uma espécie de horizon- se consegue atuar sobre todas as variáveis talização de relações, não havendo vínculos que estão presentes no comportamento do de subordinação e nem o estabelecimento ser humano, desde a vaidade, passando por de um órgão de controle (“juiz supremo”), interesse e culminando com a necessidade os Estados mais fortes acabam por buscar de poder. Dessa forma, não basta traçarmos as formas mais fáceis de resolução de que- as possíveis diretrizes ou linhas de ação que relas, qual seja a possibilidade de aplicação poderão compor o processo da guerra ou da violência nos conflitos desencadeados aplicarmos formas de reduzir a produção por esses Estados.

7 Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/bbc/2008/11/12/ult4432u1812.jhtm>

74 RMB1oT/2017 CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

Da observação da história percebe-se Mais recentemente, a imprensa noticiou que as guerras podem possuir as mais que a Argentina voltou a avocar a sobera- variadas motivações, desde econômicas, nia das Ilhas Falkland, sob o pretexto de busca de poder, vaidade dos líderes, orgu- que ainda existiam “questões coloniais” lho ou até políticas. Não se pode admitir mal resolvidas em pleno século XXI. Essa que somente motivações, por exemplo, de iniciativa tem criado constrangimentos di- cunho nacionalista ou puramente questões plomáticos entre os dois países. Tal atitude territoriais possam vir a ser o estopim de pode, se não for corretamente gerenciada conflitos. Interesses materiais e tangíveis no plano diplomático, escalar e até mesmo de uma nação podem fomentar ou ser fo- conduzir a um possível recrudescimento de mentados por meio da guerra. conflito que foi encerrado em 1982. Nesse Na visão de alguns autores, a guerra sentido, cabe mencionar que nesse processo exerce um papel fundamental para o de- estão presentes sentimentos nacionalistas senvolvimento da humanidade, uma vez de perda do lado argentino. Entretanto, o que contribui para o progresso, em lugar que dizer da exploração pelo Reino Uni- de prejudicá-lo. A do (RU) das recentes própria Atenas as- descobertas de hidro- cendeu ao tope da sua Na visão de alguns autores, carbonetos na área das civilização não so- a guerra exerce um Ilhas? Essa questão de mente pelas guerras, cunho econômico não mas devido a elas. Já papel fundamental para é recente, na medida no que tange à Ale- o desenvolvimento da em que o RU já estu- manha, é dito que os humanidade, uma vez que dava aquela área desde preparativos para as a crise do petróleo de guerras não foram um contribui para o progresso, 1970 e sabia que o desastre econômico, em lugar de prejudicá-lo óleo daquela região mas sim impulsiona- era de boa qualidade, dores da economia.8 aliado ao fato de que a Em outras palavras, questões de cunho Argentina também tem conhecimento dessa econômico podem ser, ainda que veladas, informação. Fica o questionamento: será as causas mais profundas de uma guerra. Os que esse aspecto econômico foi levado em decisores podem considerar a possibilida- conta por ocasião da “invasão” das Ilhas de, por exemplo, de se deflagrar uma guerra pela Argentina em 1982? Estaria o RU quando um Estado que está em uma situa- protelando a “devolução” da soberania à ção confortável em termos de economia se Argentina por conta dessas reservas de sente pressionado por aquele “aventureiro” hidrocarbonetos? Esse pode ser um exem- que se “atreve” a crescer, tornando-se uma plo de questões econômicas “veladas” que ameaça. Essas situações foram observadas podem ser a motivação de guerras ou do ao longo da história, sendo relevante men- recrudescimento delas. cionar que, de alguma forma, ocorreram Entretanto, existem correntes que transformações no plano econômico no apregoam que os verdadeiros motivos que interregno desses conflitos (por exemplo, impelem as nações à guerra não são ex- Peloponeso e Grande Guerra). clusivamente de cunho econômico. Estão

8 ANGELL, 2002, p. 140.

RMB1oT/2017 75 CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

presentes as causas naturais da guerra, ou sob o enfoque também das questões que são ainda aquelas que são “estranhas ao influxo inerentes ao ser humano e não somente da da razão”, podendo-se citar a vaidade; o comparação de poderes combatentes. espírito de competição; o desejo de sobres- O General Homer Lea (1876-1912) sair, de ocupar uma posição influente e de afirma “não só que a guerra é inevitável, ostentar poder e prestígio; um impulso de mas que qualquer esforço sistemático ira; o desejo de dominar um rival a qualquer para aboli-la atenta, inutilmente, contra as preço, entre outros. E, de modo geral, o fato leis universais”. O General John J. Storey de que tanto os seres humanos como as na- (1869-1921) assevera que alguns idealistas ções sempre se digladiaram e continuarão sustentam o seu ponto de vista afirmando a fazê-lo porque “esta é a sua natureza”9. que, com o avanço da civilização, a guerra Para ilustrar este ponto cabe a seguinte não mais existirá. Entretanto, ressaltam reflexão: Realmente existiam armas de que “a civilização não mudou a natureza destruição em massa no Iraque? Ou seria humana. É a natureza humana que torna o perfil excessiva- a guerra inevitável. mente “explosivo”, A luta armada não combinado com as “Não só que a guerra desaparecerá da terra causas acima cita- é inevitável, mas que enquanto a natureza das, do ex-presidente humana não mudar”.10 “texano” George W. qualquer esforço Os idealistas pare- Bush que contribuiu sistemático para aboli-la cem se equivocar ao para se levar a cabo a declarar que as múl- II Guerra do Iraque? atenta, inutilmente, contra tiplas transformações Enfim, constata-se as leis universais” nas mais variadas áreas que a presença de General Homer Lea (por exemplo, sociais, um ser humano no econômicas e na po- complexo processo lítica internacional) decisório da guerra pode vir a ser o motivo poderiam tornar as guerras evitáveis. Re- de sua inevitabilidade. almente, tais mudanças podem ser mais um Dessa forma, as ditas causas naturais elemento que contribuirá para a montagem apontam para que não se trate o fenômeno do mosaico da guerra. Entretanto, olvidam- da guerra como um simples modelo carte- -se do fato que alterações nas culturas, siano de escolhas. Quando existe a presença nos valores e na natureza humana têm um do ser humano não podemos implementar tempo de maturação bem maior do que as um modelo simplório que toma como base demais alterações. Os indivíduos sempre a capacidade cognitiva da razão, mas que terão interesses, vaidades, vontades, espíri- não parece ser adequado à compreensão da to competitivo, orgulho etc., que moldarão realidade como um todo. Há que se levar suas atitudes. em conta todos aqueles fatores psicológicos Para ilustrar esse ponto, relembra-se a e sociológicos envolvidos na guerra, con- Guerra do Peloponeso. Naquela ocasião, o forme já abordado. Quando se está diante dilema de segurança fez com que a guerra do tabuleiro de xadrez que é a guerra, o fosse altamente provável (o que é diferente cálculo dos movimentos deve ser estudado de inevitável), mas as decisões humanas

9 Ibidem, p. 135. 10 Ibidem, p. 139-140.

76 RMB1oT/2017 CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

foram bastante importantes naquele mo- por si só acabam por justificar uma guerra mento, relevando mencionar que o acaso ou torná-la inevitável. e as personalidades dos líderes tiveram O conflito, tanto entre as nações (que importância elevada nas decisões11. Nesse são as guerras) como entre os demais ponto, mais uma vez o “fator humano” organismos, pode ser considerado uma prescindiu a razão e alterou o rumo da his- “condição de vida e de sobrevivência”. tória, na medida em que, se fosse adotada E essa lei biológica que é inerente ao ser uma postura pragmática e livre de emoções, humano acaba por vedar a humanidade de o referido conflito poderia ter sido evitado. obedecer à máxima de oferecer ao inimigo No tocante à Primeira Guerra Mundial, o a outra face, fazendo com que essa afirma- livro de Churchil retrata bem esse ponto ao ção não seja aceita pela natureza humana. afirmar que as nações estavam insatisfeitas Assim surge a disposição para o conflito, com a prosperidade material e se voltaram que deve perdurar enquanto subsista a para a guerra. Mas, naquela ocasião, “os nossa espécie13. homens é que estavam desejosos por ar- Mas, enfim, são as guerras inevitáveis riscar”12. à luz das transforma- Na verdade, na- ções que o mundo quele período impe- São as guerras inevitáveis sofre constantemente rava a crença de que à luz das transformações em todas as esferas? os Estados estariam Antes de buscar essa prontos a agir no sen- que o mundo sofre resposta, há que se tido de resolver os constantemente em procurar entender as problemas da Europa todas as esferas? lições que o passado tão-somente com o nos proporciona, de uso da força. Essa modo a antever pos- ideia estava na mente dos homens (líderes) síveis situações que possam evoluir para que se achavam “indestrutíveis”, e não conflitos. Os conflitos existem desde o houve a possibilidade de se buscar uma início dos tempos e continuarão a existir solução pacífica para as questões que se enquanto a civilização estiver presente no avizinhavam. mundo. Logo, as atenções e os esforços de- Os conflitos são de caráter universal vem ser dirigidos para encontrar formas de e existem desde que o homem é homem, extingui-los, diminui-los ou, pelo menos, mas atualmente pode-se inferir que os controlá-los, a fim de reduzir os efeitos Estados envolvem-se em conflitos por nocivos decorrentes. conta do antagonismo de ideias ou quanto à interpretação de um direito violado. E CONSIDERAÇÕES FINAIS é essa dissonância de interpretação que acaba por fazer aflorar os sentimentos da Com base na literatura pesquisada, tem- natureza humana que desencadeiam os -se que os conflitos são de caráter universal conflitos (por exemplo, vaidade, orgulho e emergem no seio da sociedade, sendo algo da sua posição, rivalidade e necessidade de inerente a esta, e podem assumir um papel grandeza, entre outros). Esses sentimentos de estabilizador nas relações. Os conflitos

11 NYE, 2002, p.22. 12 Ibidem, p. 98. 13 ANGELL, 2002, p.143.

RMB1oT/2017 77 CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

tendem a surgir como anseios subjetivos o andamento da guerra; e, na Primeira de grupos e pessoas, de modo a buscar o Guerra Mundial, em que pese haver alter- atingimento de suas pretensões ou a reivin- nativas, “os homens estavam desejosos por dicação de direitos. arriscar”. Relevante mencionar também o No escopo deste trabalho, foi utilizado espaço decorrido entre essas duas guerras o conceito de guerra que significa um tipo e que nesse período, certamente, ocorreram de conflito no seu grau máximo de violên- transformações econômicas, sociais e na PI. cia, podendo implicar À luz do pensamen- mobilização do Po- to acadêmico exposto der Nacional. Como Os conflitos existem desde no presente trabalho, a estrutura mundial os primórdios da civilização infere-se que questões guarda uma seme- econômicas premen- lhança com o sistema e continuarão a existir tes e causas naturais anárquico de Estados enquanto a natureza da guerra que são es- proposto por Hobbes, tranhas ao influxo da a polemologia, que humana estiver presente razão (e.g. vaidade, estuda o fenômeno da no mundo. Assim, todos orgulho, brio, neces- guerra, pode oferecer os esforços devem ser sidade de poder, entre ferramentas valiosas outras) são variáveis para que as decisões direcionados na incessante que conduzem ao ra- futuras possam ser busca de formas de ciocínio de que, mes- mais bem avaliadas. mo ocorrendo múlti- Questões de cunho extingui-los, diminui-los plas transformações econômico podem fo- ou, pelo menos, controlá- sociais, econômicas e mentar um conflito los, a fim de minimizar os na PI no cenário mun- e torná-lo inevitável, dial, permanece válida pois os líderes podem eventuais efeitos danosos à a afirmação de que a enxergar uma even- sociedade civilização ainda não tual “oportunidade de alterou a natureza hu- negócios” na guerra. mana, e os motivos Da análise dos pontos de vista abordados denominados muitas vezes de irracionais no presente trabalho, aduz-se que os confli- acabam por justificar uma guerra ou torná- tos possuem um elemento que exerce uma -la inevitável. influência grande no processo da guerra, Por fim, observa-se que os conflitos qual seja, o ser humano. Suas caracterís- existem desde os primórdios da civilização ticas intrínsecas acabam por introduzir e continuarão a existir enquanto a natureza um ingrediente que pode ser incontrolável humana estiver presente no mundo. Assim, nesse processo. Alguns exemplos históri- todos os esforços devem ser direcionados cos de guerras que não seriam inevitáveis na incessante busca de formas de extingui- acabam por enriquecer tal afirmação: no -los, diminui-los ou, pelo menos, controlá- Peloponeso, as “decisões humanas” e “as -los, a fim de minimizar os eventuais efeitos personalidades dos líderes” influenciaram danosos à sociedade.

78 RMB1oT/2017 CONFLITOS SÃO INEVITÁVEIS?

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Conflito;

REFERÊNCIAS

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RMB1oT/2017 79 ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL*

MARCUS VINICIUS DE CASTRO LOUREIRO** Capitão de Mar e Guerra

SUMÁRIO

Introdução O setor cibernético Setor militar naval Identificação de vulnerabilidades A proteção Considerações finais

INTRODUÇÃO cibernéticos. A constante evolução tecno- lógica nos equipamentos militares, nem ão se pode ignorar que a nossa sempre acompanhada do nível de segurança Ncrescente dependência de sistemas, cibernética necessária, permite inferir que a equipamentos e serviços conectados a uma ação de um único hacker pode ser decisiva rede tem aumentado a nossa exposição e para burlar e/ou abalar as defesas de um consequente risco aos incidentes e ataques adversário. Em virtude disso, as grandes

*N.R.: 1o colocado no Concurso da Revista Passadiço de 2016. ** Adjunto do Estado-Maior Conjunto do Comando de Defesa Cibernética – Comando do 7o Distrito Naval. ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL

potências militares e, também, países firewall, ou a instalação de um antivírus com dificuldades para manter os custos de nos computadores. É necessário reforçar Forças Armadas convencionais estão se as capacidades de segurança cibernética aprofundando na guerra cibernética. com foco na gestão de riscos e analisar, As forças navais não se encontram conjuntamente, as vulnerabilidades de to- alheias a este cenário, pois a proteção dos os sistemas controlados e monitorados contra ataques maliciosos aos sistemas por softwares. computadorizados, a bordo dos navios, está O SETOR atingindo o topo da É necessário reforçar as CIBERNÉTICO agenda das principais capacidades de segurança Marinhas do mundo. A conectividade Renomados exer- cibernética com foco na global, a existência de cícios combinados, gestão de riscos e analisar vulnerabilidades e o como o Joint War- anonimato são caracte- rior, já contemplam as vulnerabilidades de todos rísticas que favorecem a ameaça e execução os sistemas controlados e a utilização do espaço de ações cibernéticas. monitorados por softwares cibernético. É um setor Os desafios, atu- que cresce em com- almente, estão em plexidade e em que se aprimorar a doutrina de defesa cibernética, observa, ainda, um déficit de conhecimento encontrar a melhor estratégia para a capa- especializado. É quase uma regra esperar citação dos recursos humanos frente a esta que a atividade dos hackers supere a tec- nova ameaça, e a mitigação dos riscos, nologia de prevenção. já que a evolução desses sistemas torna Os ataques cibernéticos, cada vez mais imperativo que os ativos de informação1, sofisticados, vêm sendo considerados uma a bordo dos navios, estejam seguros contra ameaça emergente em face de serem uma todas as formas de incidentes cibernéticos. alternativa de baixo custo e não necessi- Entretanto, a ação de proteção passa por tarem de logística (recursos tecnológicos um conjunto complexo de questões, e complexos). As motivações dos ataques não apenas sobre o funcionamento de um são imprecisas e variam entre ganho pes-

1 Ativos de informação – meios de armazenamento, transmissão e processamento de dados e informação, os equi- pamentos necessários a isso, os sistemas utilizados para tal, os sistemas de informação de um modo geral, bem como os locais onde se encontram esses meios e as pessoas que a eles têm acesso.

RMB1oT/2017 81 ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL

soal, cunho político, roubo de informações, dade fornece às Marinhas plataformas e hacktivismo2, sabotagem, negação ou de- sistemas de armas com precisão, agilidade gradação do acesso ao espaço cibernético e velocidade sem precedentes, também e o mapeamento das redes. abre vários vetores de ataque para os ha- Ressalta-se, ainda, que os impactos ckers. O sistema de arma dos Tomahawk, sobre o pessoal militar e a população civil, por exemplo, utiliza o espaço cibernético hoje, influem de forma crucial nos plane- para receber dados em voo dos centros de jamentos, nas decisões e no andamento dos comando operacionais. conflitos. Essa perspectiva leva a se vis- Fruto disso, a preocupação com a ame- lumbrar a priorização da ação cibernética, aça cibernética só aumenta, a ponto do quando comparada à incremento do nível de cinética3. De acordo proteção dos sistemas com Richard Clarke Os ataques cibernéticos computadorizados e (2010), “o espaço ci- representam uma ameaça automatizados tornar- bernético é vital para -se foco na constru- os conflitos atuais e tão grande quanto os ção naval dos navios para a vantagem mi- mísseis e os torpedos militares. Para o es- litar futura”. pecialista em defesa Ben Farmer (2015), SETOR MILITAR NAVAL os ataques cibernéticos representam uma ameaça tão grande quanto os mísseis e os As Marinhas necessitam de acesso e uso torpedos. Novos navios, como o Litoral irrestrito do seu espaço cibernético de inte- Combat Ship, da Marinha dos Estados resse (por ex: segurança nas comunicações, Unidos da América (US Navy), e o futuro manutenção do C2, aquisição de informa- Type-26 (Global Combat Ship), da Marinha ções de inteligência) para bem executar as do Reino Unido (RN), já foram projetados suas tarefas militares. com proteção cibernética integrada para os Cabe destacar que os sistemas empre- seus equipamentos e sistemas. gados nos novos navios vêm se tornando Os navios mais antigos, em que a cada vez mais dependentes de uma rede preocupação com sistemas e softwares é de computadores. Enquanto a conectivi- menor e nem sempre é fácil substituir sis-

2 Hacktivismo – Junção de hacking com o ativismo político (bloqueios virtuais, bombardeios de e-mail, invasões de computadores e do uso de vírus e worms, para infectar redes computacionais). 3 Cinética – envolve equipamentos, armamento e/ou forças militares.

82 RMB1oT/2017 ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL

dos sistemas de rastre- amento e embarcações não existentes apare- cessem, bem como sur- gissem falsos alertas de socorro, colisão e informações alteradas do curso dos navios; b) interceptações nas comunicações via Inmarsat (telecomu- nicações via satélite), a ponto de a empresa Trustwave, braço de segurança cibernética da Singtel (Singapore Telecommunications Limited), ter sido con- tratada para fornecer o serviço UTM (Unified Threat Management − firewall avançado, antivírus, prevenção temas antiquados, ou já sem atualizações de intrusão e filtros web, com suporte pelos fabricantes, também demandam global 24 horas), baseado em software e significativa atenção. Essas características integrado com o hardware da Inmarsat a os convertem nos alvos mais frágeis para bordo de navios, para proteger os dados e ações dos hackers. reduzir o risco cibernético de companhias da Marinha Mercante; IDENTIFICAÇÃO DE c) alterações em informações de satéli- VULNERABILIDADES tes, do GPS (Global Positioning System) e do ECDIS (Electronic Chart Display Dentre as possibilidades das ações ci- and Information System), sendo possível bernéticas sobre os meios do Poder Naval, a modificação de rota dos navios. Em de- encontram-se: corrência, afirma Mollman (2015), algumas a) alterações no AIS (Automatic Identifi- academias de formação militar naval estão cation System), sistema de monitoração de recrudescendo e enfatizando o ensino da curto alcance utilizado em navios e Servi- navegação astronômica e a navegação pelo ços de Tráfego de Embarcações. Segundo sistema Loran4; Bartlett (2015), testes já foram efetuados d) comprometimento da malha de redes no sistema AIS e fizeram, por exemplo, de comunicação, seja de voz, dados ou ví- com que navios inteiros desaparecessem deo, que trazem consigo vulnerabilidades

4 Loran – sistema terrestre de radionavegação, baseado na utilização de emissões coordenadas de impulsos ra- dioelétricos de ondas MF e LF.

RMB1oT/2017 83 ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL

que podem ser exploradas por um inimigo A US Navy está desenvolvendo o sis- ou oponente, que pode atacar as redes tema Rhimes (Resilient Hull, Mechanical, de comando e controle de uma imensa and Electrical Security). Trata-se de um sis- variedade de sistemas militares, buscando tema de proteção cibernética projetado para a desestabilização ou a degradação da ca- tornar seus sistemas de controle mecânicos pacidade militar; e elétricos (controle de danos/combate a in- e) afetar os sistemas mecânicos, como cêndios, máquinas de suspender e fundear, os de energia e de controle de propulsão. geração de energia, hidráulicas, máquina do Um navio poderia perder o controle sobre leme e controle da propulsão) resistentes a a alimentação dos equipamentos, encalhar, ataques cibernéticos. O Rhimes se baseia mudar de direção etc.; e em técnicas avançadas de resiliência ciber- f) comprometimento dos sistemas de nética para se defender desses ataques. A combate. A perda ou a degradação do poder maioria dos controladores físicos possui combatente. Um radar, hoje, é uma porta aber- backups redundantes (cópias de segurança) ta em um computador. A mesma frequência que permitem que o sistema permaneça poderia ser utilizada para transmitir um operacional em caso de falha. pacote de dados de volta ao computador e Em caráter geral, a mitigação de riscos alterar o funcionamento do sistema de de- de um ataque cibernético, no mínimo, fesa antiaérea, por exemplo. Especialistas deve identificar as ameaças, elaborar um militares da Airforce-Technology (2008) e programa de conscientização da tripulação o escritor Richard Clarke (2010) garantem e desenvolver padrões e diretrizes a fim de que o sistema de ataque cibernético dos resolver as questões de segurança ciber- EUA, chamado de Senior Suter, possui esta nética. O caminho passa pelo incremento capacidade. Afirmam que essa tecnologia, de inspeções para minimizar falhas, im- inicialmente testada pelos EUA nas guerras plementar controle de acesso de usuários do Iraque e do Afeganistão, foi utilizada por e soluções de segurança adequadas para Israel num ataque sobre uma instalação de os sistemas de bordo, instituir planos de armas nucleares na Síria, em 2007. contingência e também estar preparado para gerenciar incidentes que possam vir A PROTEÇÃO a acontecer. Além disso, é preciso manter os sistemas atualizados e aperfeiçoados Os países com maior tradição e cultura ao longo de toda sua vida útil e trocar de defesa já sinalizam medidas para reduzir informações com o setor privado (for- as vulnerabilidades e os riscos neste impor- necedores), para o desenvolvimento de tante flanco estratégico. melhores práticas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS recuperação e resposta diante dessa nova ameaça no ambiente marítimo. No âmbito da cibernética, quanto A proteção dos navios passa pela ela- maior o grau tecnológico e a dependência boração de ações de conscientização e da interconexão por redes de comunica- sensibilização neste domínio específico, ção de dados, maior será a vulnerabilida- bem como por ações preventivas e redução de dos equipamentos das vulnerabilidades, a e sistemas. Os ata- fim de garantir que os ques estão cada vez Sob o ponto de vista ativos de comunicação mais sofisticados, e doutrinário, pode-se e informação existen- nota-se o crescimen- tes a bordo possuam a to no universo de dizer que as operações adequada segurança e atores e alvos. das Marinhas no espaço resiliência cibernética5. A preparação para cibernético enfrentam hoje Em médio prazo, todas garantir a utilização as Marinhas necessi- com segurança do os desafios típicos de outras tarão ser capazes de espaço cibernético disciplinas emergentes na mitigar o impacto dos pelas forças navais ataques por ações de trata-se de uma ten- História, tais como foram proteção e, se neces- dência mundial. É a Guerra Antiaérea e a sário, de defesa ativa. imperativo organizar Guerra Antissubmarino Sob o ponto de vista e treinar equipes de doutrinário, pode-se profissionais em de- dizer que as operações fesa cibernética para êxito contra os pos- das Marinhas no espaço cibernético en- síveis adversários no espaço cibernético, frentam hoje os desafios típicos de outras e que se desenvolvam ações destinadas disciplinas emergentes na História, tais a aumentar as capacidades de prevenção, como foram a Guerra Antiaérea e a Guerra defesa, detecção, exploração, análise, Antissubmarino.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Guerra cibernética;

REFERÊNCIAS

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5 Resiliência Cibernética – capacidade de manter as infraestruturas críticas de tecnologia da informação e comu- nicações operando em condições de ataque cibernético ou de restabelecê-las após uma ação adversa.

RMB1oT/2017 85 ATAQUES CIBERNÉTICOS: AMEAÇAS REAIS AO PODER NAVAL

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86 RMB1oT/2017 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL*

JOSÉ AUGUSTO ABREU DE MOURA** Capitão de Mar e Guerra (Refo)

SUMÁRIO

Introdução O despreparo e suas consequências O Brasil na Guerra Fria As alterações globais As alterações no Brasil A situação atual As prioridades Conclusão

INTRODUÇÃO mobilização popular – a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870). Depois dele, temos A Defesa Nacional é assunto de baixa vivido este invejável período em harmonia prioridade no Brasil, fato evidenciado mais com os vizinhos. uma vez nas eleições presidenciais de 2014, Esses aspectos provocaram crenças pela falta de qualquer menção relevante a que até hoje (fevereiro/2017) permeiam o respeito nas campanhas. imaginário nacional, como: É bem verdade que já faz 146 anos des- –­ não há demandas críticas de Defesa de o último conflito em que houve grande que superem as graves demandas socio-

* Publicado na Revista da Escola de Guerra Naval (EGN) em 2015 e revisto pelo autor em fevereiro de 2017. * Comandou o CT Pernambuco. Instrutor de Centro de Jogos de Guerra da EGN. Professor do Programa de Pós- -Graduação em Estudos Marítimos da EGN. Doutor em Ciência Política. TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL

econômicas do País – opinião expressa Unidos da América (EUA), dada a preca- até mesmo por uma autoridade militar há riedade das capacidades nacionais, numa alguns anos (FLORES, 2002, 79); e condição benevolamente tratada como – ­guerra só seria possível com os vizinhos aliança, o que por si só já é uma situação – é comum a frase: “Porque alguém de fora desgastante. O contexto, porém, envolveu viria aqui nos incomodar?”. Por essa crença, se outras questões sensíveis para líderes e vivemos em harmonia e se temos superiorida- marinheiros brasileiros. de regional, ainda que pequena, não temos por Esses fatos devem ser lembrados com o que nos preocupar; além do mais, resolvemos propósito de evitar situações semelhantes todos os problemas de fronteiras até o início no futuro – em especial em tempos de do século XX. crise econômica como Sobre esta última a atual, recordando o afirmação, poucos O País era constituído que muito justamente evocam hoje que o por “arquipélagos o ministro da Defesa momento histórico fez constar do Livro imediatamente ante- populacionais” ao longo da Branco da Defesa Na- rior à Segunda Guerra costa, carentes de ligações cional (LBDN): “... Mundial talvez tenha defesa não é delegável constituído o ápice da terrestres entre eles; havia e devemos estar prepa- descrença em amea- que proteger os navios rados para combater ças extrarregionais mercantes nacionais qualquer agressão” entre as elites nacio- (Brasil, 2012b, 8). nais, o que, aliado a fatores econômicos e de política interna, O DESPREPARO E SUAS conduziu ao grande despreparo do País CONSEQUÊNCIAS quando “alguém de fora veio aqui nos incomodar”, sob a forma de submarinos Os anos 1930 foram pródigos em difi- alemães e italianos afundando mercantes culdades econômicas típicas de uma eco- brasileiros em nosso litoral. nomia agroexportadora, dramaticamente Com a guerra, aguçava-se o problema aumentadas pela quebra da bolsa de Nova de manter o abastecimento das grandes Iorque em 1929, o que nos levou duas cidades – então realizado primordialmente vezes à moratória da dívida externa, em pelo transporte marítimo, pois o País era 1932 e 1937. Esses problemas estenderam constituído por “arquipélagos popula- aos maiores centros urbanos o ciclo de cionais” ao longo da costa, carentes de convulsões da década anterior: a Revolu- ligações terrestres entre eles; havia que ção de 1930, cuja vitória trouxe alterações proteger os navios mercantes nacionais fundamentais nas instituições nacionais; a contra as unidades da força submarina da Revolução Constitucionalista de São Paulo Alemanha, provavelmente a melhor do (1932), praticamente uma guerra civil; a mundo na época; e dar resposta à agressão Intentona Comunista de 1935 e o putsch sofrida, como o clamor popular – que então integralista de 1938, estas duas últimas apareceu – passou a exigir (Pereira, 2015, devidas também à influência das ideologias 141-181, 135-136). comunista, fascista e nazista, que mobili- Tais necessidades custaram ao Brasil a zavam boa parte da elite pensante do País dependência total em relação aos Estados (Pereira, 2015, 18-19).

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Nessas condições, não é difícil supor por de 1939 ocorrera a batalha naval do Rio que a Marinha do Brasil (MB), no início dos da Prata, na costa do Uruguai, envolvendo anos 1940, estava longe de ser a força po- navios ingleses e o encouraçado de bolso derosa do início do século XX, construída alemão Graff Spee. Em consequência, com os recursos do auge da exportação de realizou-se a conferência de julho de 1940 borracha e sob os auspícios do Barão do Rio em Havana, em que os chanceleres e re- Branco, que convencera o poder político presentantes americanos declararam a neu- das vantagens de uma boa esquadra para a tralidade das Américas, e foi estabelecida política externa (Pereira, 2015, 128). uma zona de segurança marítima em torno Alguns desses navios ainda estavam do continente para a proteção da navega- em atividade, mas não ção costeira contra as eram apropriados para possíveis extensões da as operações antissub- O real envolvimento guerra que se travava marino, como então se brasileiro ocorreu em na Europa (Pereira, necessitava, por não 2015, 62). terem sido para isso janeiro de 1942, quando No início de 1941, especificados. Além foram rompidas as relações começaram a ser rea- disso, estavam em lizadas, nessa zona de péssimo estado por diplomáticas com os segurança, as “patru- não terem recebido a países do Eixo, seguindo- lhas da neutralidade” necessária manuten- se o torpedeamento de por uma força-tarefa ção devido à constante da Marinha norte- falta de recursos entre mercantes nacionais -americana1 que, a os dois momentos, culminando, em agosto, partir de maio, passou o que também era a a frequentar o porto causa das reduzidís- com os cinco afundamentos de Recife, o qual se simas e inadequadas próximos à costa da Bahia e tornou sua base naval dotações de munições de Sergipe em outubro (United então disponíveis (Pe- States, 2015 “Chrono- reira, 2015, 128-134). logy”, iii). A MB até tentara se reequipar – entre O real envolvimento brasileiro ocorreu algumas outras tentativas, houvera um com o rápido crescimento das tensões a “plano naval” elaborado em 1932 e imple- partir de janeiro de 1942, quando foram mentado apenas em diminuta parte nos dez rompidas as relações diplomáticas com os anos seguintes também pela notória falta países do Eixo, seguindo-se o torpedeamen- de recursos, mas com foco exclusivamente to de mercantes nacionais por submarinos regional – visando reduzir a inferioridade alemães e italianos, culminando, em agosto, diante dos poderes navais do Chile e da com os cinco afundamentos próximos à Argentina (Vidigal, 1982, 93-97). costa da Bahia e de Sergipe, fato que pro- Alguns fatos indicavam que as hostilida- vocou violentas manifestações populares des se aproximavam do País. Em dezembro contra alemães, italianos e japoneses e a

1 Os EUA também eram neutros, e assim permaneceram até o ataque japonês à base naval de Pearl Harbour, em 7 de dezembro de 1941, tendo declarado guerra ao Japão no dia seguinte e no dia 11 do mesmo mês à Alemanha e à Itália, que declararam guerra, nesse mesmo dia, aos EUA.

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declaração de guerra contra Alemanha e a Força Naval do Nordeste (FNN), não a Itália2 (United States, 2015, “Narrative autorizando o comando da força norte- Outline”, 11). -americana a “controlar a administração e Nessas condições, o despreparo nacio- a disciplina das forças brasileiras”. nal custou ao País medidas amargas, mas Com isso, o almirante norte-americano inevitáveis: tornou-se o comandante de todas as forças - em 22 de abril de 1942, após o afun- que operavam contra o Eixo no Atlântico damento de mais um navio pelos alemães, Sul (United States, 2015, “Narrative Outli- o Presidente Vargas determinou a cessação ne”, 13; Pereira, 2015, 229-232). de todas as viagens de mercantes brasilei- Os fatos acima demonstram que o poder ros (que se dirigiam principalmente aos político, simplesmente, não podia contar EUA, levando materiais estratégicos). com o poder naval nacional na dura con- Após isso, articulou um encontro seu com juntura com que se defrontava, fato que o comandante da força naval que fazia as só tem paralelo durante a consolidação patrulhas da neutralidade (Vice-Almirante da Independência (1822-1824), quando Jonas Howard Ingram) e lhe propôs assumir Cochrane e seus oficiais foram contratados a responsabilidade para formar a Marinha pela navegação bra- brasileira, prestes a se sileira se ela fosse O Presidente Vargas defrontar com a arma- reiniciada, recebendo da da metrópole. resposta afirmativa, ofereceu – e a Marinha O Brasil permitiu com a ressalva de que Americana aceitou aos norte-americanos não poderia garantir – completo controle a implantação de bases o êxito total (Pereira, navais, aéreas e outras 2015, p. 64; United operacional sobre todas as estruturas em vários States, 2015 “Win- forças de defesa do Brasil pontos do Nordeste, ning over President destacando-se que a Vargas”, 48-50); base aérea de Natal foi - em 12 de setembro de 1942, a MB foi decisiva para a vitória aliada e que, após o colocada sob o comando do Almirante In- conflito, todas as instalações foram devol- gram por ordem do Presidente, via ministro vidas às forças brasileiras. da Marinha. (United States, 2015, “Narra- Durante a guerra, a MB recebeu 24 tive Outline”, 13; Pereira, 2015, 231§2); e navios de escolta dos EUA. O Almirante - em 28 de setembro de 1942, o Pre- Ingram revelou-se um ótimo interlocutor sidente do Brasil ofereceu ao Almirante entre as autoridades brasileiras e as norte- Ingram – e ele aceitou – completo controle -americanas; assessorou informalmente o operacional sobre todas as forças de defesa Presidente do Brasil; organizou a defesa do Brasil –, acordo que chocou o secretário do País, dividindo as forças disponíveis da Marinha norte-americana, Frank Knox, em forças-tarefa, e chegou a fornecer ma- presente ao encontro, no Rio. A formaliza- terial e munição de suas forças para a FNN ção desse entendimento, contudo, reduziu (bombas de profundidade e calhas para seu tal amplitude às forças efetivamente en- lançamento) (Pereira, 2015, 65, 131, 234, volvidas em operações de guerra, como 243, 246, 291).

2 A guerra contra o Japão só seria declarada em 6 de junho de 1945.

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A MB partiu do zero e, com essas imensa força de submarinos procuraria operações, atingiu considerável eficiência interromper o comércio ocidental. (United States, 2015, “Liaison, American- Esse papel coincidia com a expertise da -Brazilian-British”, 72,73), tornando-se MB, resultante das ações naquele conflito, assim a principal Marinha sul-americana, e servia para exorcizar o trauma dele resul- pela disponibilidade de material atua- tante, numa época em que a manutenção lizado e experiência prática recente na ininterrupta da navegação marítima conti- guerra naval (Alves, 2005, 11§3), ainda nuava sendo uma necessidade vital do País, que apenas em guerra antissubmarino e por incluir o abastecimento de petróleo. no nível tático. Em meados dos anos 1960, porém, as Cumpria-se assim, mais um dos “ciclos duas superpotências rivais atingiram o dos 40 anos” de expansão moderada e enco- equilíbrio estratégico e passaram a pra- lhimento que perseguem a MB desde o século ticar uma política de congelamento da XIX (Pesce, 2013, 438), sendo que a nova partilha do poder mundial para preservar a expansão então iniciada resultou da pressão distribuição da segurança e da riqueza, si- dos acontecimentos, tuação que se traduzia sem que a escolha dos em restrições a seus meios houvesse obede- O governo deu a subordinados para a cido a prioridades ou máxima prioridade ao obtenção de tecnolo- considerações prévias gias sensíveis (princi- das autoridades brasi- desenvolvimento, para palmente a nuclear), leiras, voltadas, antes tanto orientando a política que tivessem potencial do conflito, exclusiva- para arranhar a bipola- mente para os contextos externa a buscar o interesse ridade – a lógica que regional e interno. nacional, a despeito do produziu o Tratado de conflito Leste-Oeste Não-Proliferação Nu- O BRASIL NA clear (TNP), em 1968 GUERRA FRIA (Cervo, 2008, p. 132). Na época, o Presidente Costa e Silva Credite-se também ao despreparo acima (1967-1969) considerava tais tecnologias exposto a situação de dependência logística necessárias ao progresso e rechaçou o con- e doutrinária em relação aos EUA, que ceito de segurança coletiva que orientava perdurou por algumas décadas, eufemisti- a política de segurança do País, também camente reduzida para militares e políticos criticando a bipolaridade como parâme- pela crença de que o País era um “aliado tro obsoleto de política exterior (Cervo, especial” (Alves, 2005, 2, 15). 2008, p.133, 131). Assim, o governo deu Nesse período, a MB recebia navios a máxima prioridade ao desenvolvimento, norte-americanos antiquados, principal- para tanto orientando a política externa a mente contratorpedeiros (destroyers, na buscar o interesse nacional, a despeito do terminologia em inglês), veteranos da conflito Leste-Oeste ou qualquer outro Segunda Guerra Mundial e especializados condicionamento (Gonçalves; Miyamoto, em guerra antissubmarino (Vidigal, 1982, 1993, p. 221). 118 – 124) – o papel que cabia às Marinhas Como esse desenvolvimento e a política periféricas numa possível guerra contra o externa então praticada iriam incomodar bloco soviético, quando, esperava-se, sua outros atores do sistema internacional,

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havia a necessidade de possuir uma maior da criação da Petrobras (Brasil, 2010). Na parcela do poder mundial. Assim, foi inicia- época da implementação do Plano de Reno- da, também naquele governo, uma política vação (anos 1970), o País importava – em de nacionalização da segurança, posterior- longas viagens por mar – mais de 80% do mente incluída no Segundo Plano Nacional petróleo que consumia, o que o tornava de Desenvolvimento emitido durante o go- fortemente dependente do contexto econô- verno Geisel (1974-1979), que, procurando mico internacional e acarretava importância aumentar as capacidades nacionais, previa primordial à defesa da navegação mercante a eliminação da dependência estrutural nas considerações estratégicas (Corrêa, (energia, infraestrutura, indústrias de base) 2010, 33), além dos aspectos ligados ao e o domínio das tecnologias de ponta que conflito Leste-Oeste. eram negadas pelas potências, como as Em coerência, o plano deu maior atenção ligadas à energia nuclear e à fabricação de à proteção do tráfego marítimo, consideran- armamentos (Cervo, do como ameaças os 2008, 132,133,134, ataques de submarinos 136). O Plano de Renovação e a obstrução de portos O País vivia uma e terminais por ações época de bonan- continuava rigorosamente de minagem. Assim, os ça econômica – o na linha de pensamento principais navios cons- “milagre brasileiro” estratégico norte- truídos – as fragatas (Magalhães, 1976, classe Niterói – tiveram 11-12; 128, tab.V-1)3 americano, preparando- priorizada sua capacida- – e nesse contexto foi se para a defesa coletiva de antissubmarino, em aprovado, em 1967, o detrimento das capaci- Plano de Renovação do hemisfério contra os dades antissuperfície e de Meios Flutuantes, soviéticos antiaérea, e foram tam- pelo qual a Marinha, bém adquiridos navios- a partir do fim dessa -varredores (de minas) década, passou a negociar com firmas da e submarinos. Europa a construção de modernos navios, Além disso, reconhecida a incapaci- submarinos e aeronaves, recebidos até dade financeira de criar uma força naval início dos anos 1980, fugindo dos padrões que satisfizesse a todas as necessidades, da assistência militar norte-americana de considerou-se que sua preparação previa a enormes dificuldades para o fornecimento participação na proteção do tráfego maríti- de equipamentos sofisticados (Vidigal, mo interamericano, em conjunto com meios 1982, 123). navais das Marinhas amigas, que nela Durante a Segunda Guerra Mundial também estariam presentes por força dos (1939-1945), o Brasil era importador, não tratados existentes. Desta forma, o Plano de petróleo, mas de seus derivados, pois a de Renovação, mesmo com os principais primeira refinaria só começaria a operar meios construídos na Europa, continuava em setembro de 1950 (Refinaria Landulpho rigorosamente na linha de pensamento Alves, em Mataripe, BA), três anos antes estratégico norte-americano, preparando-se

3 Período de alto crescimento econômico: 9,3% em 1968; 9,0% em 1969; 9,5% em 1970; 11,3% em 1971; 10,4% em 1972 e 11,4% em 1973.

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para a defesa coletiva do hemisfério contra sobre o tráfego marítimo, quadruplicando os soviéticos (Vidigal, 1982, 120 – 123). o número de navios entre 1992 e 2012 E esta foi a última vez que se investiu (Worldwide, 2014). com peso na aquisição de meios navais para Segundo a United Nations Conference o atendimento a necessidades estratégicas de on Trade and Development (Unctad), o um contexto bem definido. É bem verdade transporte marítimo é, atualmente, o prin- que, em fins dos anos 1970 e nos anos 1980 cipal motor da globalização, respondendo tentou-se a continuidade com um “minipro- pelo comércio global em cerca de 80% do grama”, empregando os parcos recursos então volume e 70% do valor, sendo esses quan- disponíveis, pelo qual foram construídas no titativos ainda maiores no caso dos países País cinco corvetas aqui projetadas e cinco em desenvolvimento (Panitchpakdi, 2012, submarinos de projeto alemão, mas com “Highlight”). Geoffrey Till afirma que ele tal lentidão de desembolsos que o último tende a continuar crescendo com o aumento submarino (Tikuna) só da população mundial, foi lançado ao mar em sendo que os mares 2004 e a última corveta Os mares constituem a constituem a única via (Barroso) em 2008. única via capaz de suportar capaz de suportar tal Durante esse pe- crescimento para que ríodo, em fins dos o crescimento para que sejam mantidos os atu- anos 1980 e nos anos sejam mantidos os atuais ais padrões de vida 1990, premidos pela padrões de vida (Till, 2006, 8). falta de meios flutuan- Cabe notar que esse tes, fizemos algumas crescimento também aquisições de oportunidade, como os quatro se reflete no porte dos navios e na frequência contratorpedeiros norte-americanos antigos das viagens, o que vem impactando drama- da classe Garcia, que duraram pouco, e ticamente as infraestruturas portuária e de quatro fragatas britânicas da classe Bro- transferência de cargas de/para o interior. adsword, das quais duas continuam em Recentemente houve congestionamento em atividade atualmente (Vidigal, 2002, 56; portos da Costa Oeste norte-americana, da MARINHA, 2017). Ásia Oriental e do Norte da Europa, regiões em que tais infraestruturas são excelentes, AS ALTERAÇÕES GLOBAIS evidenciando que esse problema é global, exigindo novos arranjos dos governos e das Muita água passou sob a ponte depois firmas transportadoras (principalmente na daquele último grande investimento. área de contentores), com investimentos No plano econômico, a globalização ini- que ultrapassam a capacidade da maioria ciada nos anos 1980 se acentuou, questio- dos países, mas cuja falta trará graves nando o modelo industrial de substituição entraves ao desenvolvimento econômico de importações adotado por vários países, (Stratfor, 2015). inclusive o Brasil, e multiplicando o comér- Pelo exposto, Geoffrey Till considera cio internacional, com efeitos expressivos que existe atualmente um “sistema globa- sobre o transporte marítimo, que saltou de lizado de comércio marítimo”, pelo qual “o 3.704 milhões de toneladas em 1980 para que acontece em qualquer parte do mundo 9.548 milhões em 2013 (Developments, pode produzir consequências graves e 2014, 5, tab. 1.3), um aumento de 158%; e imediatas na segurança e na economia de

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qualquer outro país”, exigindo dos Estados Nesse mesmo ano, logo após a Guerra “provedores de segurança” a capacidade de do Golfo (agosto/1990-abril/1991), os projeção de poder sobre terra (ações mili- EUA emitiram uma estratégia de seguran- tares sobre terra a partir de meios navais), ça nacional que transmitia o propósito de a fim de restaurar ou manter a estabilidade estabelecer uma “Nova Ordem Mundial”, internacional, questão fundamental para o assumindo como indispensável a lide- sistema (Till, 2006, 9-13). rança norte-americana e incluindo várias Till fornece, assim, a fundamentação instruções prevendo a presença avançada das estratégias navais dos países desen- e a projeção de poder por suas forças onde volvidos, de suas alianças e também de fosse necessário (United States of America, vários países em desenvolvimento, como 1991, V, 27- 28). Portugal (que pertence a uma dessas alian- O documento implicou profundas altera- ças, a Organização do Tratado do Atlântico ções para a Marinha e o Corpo de Fuzileiros Norte – Otan) (Rodri- Navais norte-america- gues, 2014, 2-4). Seus nos, cujas estratégias, argumentos, a par de O fim da Guerra Fria em vez de uma ame- procedentes, servem à trouxe a redução das verbas aça global, passaram manipulação política a focar os desafios e da ética, pela veicu- e dos meios navais; e os oportunidades regio- lação de ações para atentados terroristas de nais, a fim de moldar benefício de Estados 11 de setembro de 2001 o futuro de forma fa- mais poderosos como vorável aos interesses realizadas em provei- acarretaram a Guerra do país, reforçando as to do bem comum, Global ao Terror alianças, impedindo a aspecto previsto na formação de ameaças lógica da harmoni- e ajudando-o a pre- zação de interesses identificada por Carr servar a posição estratégica conquistada (Carr, 1981, 52). com o fim da Guerra Fria (United States A Guerra Fria terminou formalmente of America, 1992, 2). com a Paz de Paris quando, em novembro Em decorrência, a Marinha norte-ameri- de 1990, os membros da Conferência cana alterou, por meio de dois documentos de Segurança e Cooperação da Europa – From the Sea (1992) e Forward From the (CSCE), entre eles os que haviam iniciado Sea (1994) –, o foco estratégico e as priori- a Segunda Guerra Mundial – Alemanha dades de aplicação de recursos das operações (já reunificada), União das Repúblicas no mar (“on the sea”) para as operações a Socialistas Soviéticas (URSS), França, partir do mar (“from the sea”) –, ações de Reino Unido e EUA –, firmaram um acordo projeção de poder com o propósito de in- estabelecendo instituições parlamentares fluenciar os eventos nas regiões litorâneas em todos os Estados, consagrando a vitória do mundo, considerando que, como nação da superpotência ocidental. O evento não marítima, a estratégia de segurança dos EUA foi muito noticiado, em virtude da grande era necessariamente transoceânica e seus relevância dos acontecimentos que se se- interesses vitais estavam nas extremidades guiram, concernentes ao colapso da URSS, finais das “estradas do mar” (“highways of que veio a se dissolver em 25 de dezembro the sea”), que começavam em seu território de 1991 (Bobbitt, 2003, 56). e chegavam a todos os quadrantes do mundo.

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Tal medida seria implementada princi- (International, 2015) –, até incentivos a palmente por forças navais desdobradas em outros países para cooperarem com suas todas as regiões de maior importância estra- forças navais numa espécie de governança tégica do planeta (Atlântico, Mediterrâneo, marítima global. Pacífico, Índico, Mar Vermelho, Golfo Pér- Entre essas últimas estão a Prolifera- sico e Caribe), para demonstrar a intenção tion Security Initiative (PSI), baixada em e a capacidade de juntar aliados e potências 2003, pela qual os EUA e países que a ela amigas na defesa de interesses comuns e aderissem assumiriam o direito de “realizar também para permitir reação a crises se interdições no mar, no ar e em terra” com essa dissuasão falhasse, intervindo em o propósito de coibir litorais alheios (United States Of America, “carregamentos de armas biológi- 1994, “The Strategic Imperative”), numa cas, químicas e nucleares, assim como concepção que, neste estudo, é tratada pelo materiais que poderiam ser usados para nome da doutrina operacional que daí se fornecer ou produzir tais armas, para originou – Guerra de terroristas e países sus- Litoral. Esses con- peitos de tentar adquirir ceitos foram reafir- Tanto a segurança do armas de destruição em mados na Estratégia massa” (Arms Control Cooperativa para o sistema globalizado de Association, 2013). Século XXI, lançada transporte marítimo como em 2007 e revisada a guerra de litoral levam ao A iniciativa recebeu em 2015 (United Sta- críticas por usar as tes Of America, 2015, mesmo fim: a permanente fórmulas “armas de Introduction §5 e 6; mobilização de forças destruição em massa” Section II – Forward e “combate ao terro- Presence and navais de vários Estados rismo” para: Partnership). para propósitos comuns “simplesmente O fim da Guerra estender a presença Fria trouxe, porém, a naval e a capacidade redução das verbas e, consequentemente, combatente dos EUA e de seus aliados dos meios navais; e os atentados terroris- às linhas de comunicações marítimas, tas de 11 de setembro de 2001 em Nova hidrovias, regiões costeiras, rotas de Iorque e Washington acarretaram a Guerra trânsito militar e de energia vitais e Global ao Terror, na qual os EUA, além de cobiçadas e para dentro de quaisquer se lançarem em duas grandes campanhas mares a qualquer tempo se considerar militares, no Afeganistão e no Iraque, bus- que é necessário para atingir exigências caram envolver a comunidade internacional políticas e estratégicas” (Rozoff, 2009). numa série de medidas, desde a instituição de novos procedimentos portuários inter- Outra iniciativa foi a Marinha de Mil nacionais, como o Código Internacional Navios (Thousand Ship Navy – TSN), de Segurança de Navios e Facilidades lançada em 2006, que congregaria Portuárias (International Ship and Port forças navais, operadores portuários, Facility Security Code – ISPS Code) – um armadores e agências internacionais, de abrangente conjunto de medidas de segu- governos e não governamentais, num es- rança de navios e facilidades portuárias forço contra problemas comuns (adress

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mutual concerns), patrulhando os mares de cerca de 31 países, que se destinam a do mundo (Rozoff, 2009). prover segurança marítima, realizando Ambas as iniciativas obtiveram êxito. A ações contra o terrorismo (FT150), contra PSI começou com 11 países e, em junho de a pirataria (FT151) e para promover a se- 2013, contava com 102; a TSN, formalmen- gurança e a cooperação no Golfo da Arábia te chamada Global Maritime Partnership, (FT152) (Combined, 2017). é atualmente voltada contra a pirataria e As tecnologias também viveram revolu- sua principal expressão é a Força-Tarefa ções no período em questão. A revolução 151, uma das que operam na região da da Tecnologia da Informação (TI) foi ini- Somália (Arms Control Association, 2013; ciada nos anos 1970, provocando grande Dunnigan, 2014). impacto sobre a atividade humana com Vê-se, desta forma, que tanto a segu- a generalização do uso de computadores; rança do sistema globalizado de transporte depois, a partir dos anos 1980, com o uso marítimo como a guerra de litoral levam ao dos microcomputadores; a partir dos anos mesmo fim: a permanente mobilização de 1990, com a Internet e, a partir dos anos forças navais de vários Estados para propó- 2000, com os sistemas miniaturizados – sitos comuns, assim julgados por critérios smart phones, i-pads e tablets, que não estabelecidos pelos EUA, tendo por prin- param de ser renovados em várias gerações, cipais acólitos os países da Organização do tudo se assemelhando a uma sucessão de Tratado do Atlântico Norte (Otan). revoluções ou a uma revolução permanente. As chamadas “novas ameaças” – pi- Uma outra revolução, a Revolução nos rataria, tráficos ilícitos (drogas, armas e Assuntos Militares (RAM) foi detectada pessoas) e o crime organizado –, apesar nos anos 1980, embora tenha conquistado de realmente constituírem um problema notoriedade a partir do início dos anos 1990 atual, têm sido exageradas para justificar a (WATTS, 2011, 1-3). Em vários aspectos pertinência dessa mobilização (Noto, 2011, ela consistiu na aplicação da revolução da 86, 87, 91). TI aos sistemas militares, e se fez sentir As ações na região da Somália, por inicialmente em três importantíssimos pon- exemplo, envolvem cinco Forças-Tarefa tos, que tinham potencial para alterar forte- (FT), sendo uma da União Europeia (UE), mente – como efetivamente alteraram – os uma da Otan e três sob o comando da Ma- paradigmas de emprego e mesmo de cons- rinha dos EUA. tituição das Forças Armadas: o progresso A FT da União Europeia (European das munições de grande precisão (como os Union Naval Force – EU Navfor) conduz mísseis), os sistemas de sensores capazes uma operação permanente contra a pira- de cobrir grandes áreas e os sistemas de taria (Operação Atalanta) (EU Navfor, comando e controle (C2) computadorizados 2017); e a da Otan realiza a operação Oce- (Watts, 2011, 2, 5). an Shield, de controle de áreas marítimas Desde então, a RAM já abrangeu tantos para coibir a ação de piratas, incluindo aspectos que também há divergências sobre a identificação de navios e a escolta de se continua como uma revolução perma- mercantes (North, 2017). nente, com uma sucessão de paradigmas As três comandadas pela marinha norte- em decorrência do progresso científico- -americana – FT150, FT151 e FT152 – -tecnológico ou se passou à fase de evo- constituem a Combined Maritime Forces, lução acelerada, a partir da consolidação e incluem navios e oficiais de estado-maior dos novos paradigmas – nos vários campos

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da atividade militar, tendo produzido, em lançados da costa contra alvos no mar. É o conjunto com as concepções estratégicas caso dos mísseis DF21, balístico antinavio antes citadas, relevantes alterações no (Watts, 2011, 9-10) e DF10, de cruzeiro campo naval, como: antinavio (Want, 2015), ambos chineses. – Enorme expansão das possibilidades ­– Emprego de submarinos e de navios da vigilância sobre terra e mar por meio de de superfície de porte médio em ações de um sem número de sistemas que empregam projeção de poder sobre terra, empregan- principalmente satélites e, mais recente- do mísseis não nucleares de muito longo mente aeronaves remotamente pilotadas alcance e grande precisão, orientados por (ARP), proporcionando aos decisores navegação satelital (GPS). Os submarinos possibilidades de ação proativa antes não podem lançá-los em imersão a partir de pon- imaginadas e criando, na guerra naval, tos inusitados, por vezes próximos à costa conceitos como “Consciência Situacional inimiga, o que possibilita inúmeras aplica- Marítima” e “Consciência do Domínio ções operacionais, como fogos precursores Marítimo” (Maritime Domain Awareness). sobre aeródromos e centros de comando, Esses conceitos referem-se, com pequenas em operações de intervenção. É o caso dos variações, à efetiva compreensão de tudo o submarinos nucleares de ataque (SNA)4 que está associado com o meio marinho que norte-americanos e britânicos e contratorpe- possa causar impacto na defesa, na segu- deiros (Destroyer Guided Missiles – DDG) rança, na economia e no meio ambiente do norte-americanos que lançam os Tomahawk entorno estratégico. Trata-se da formação Land Attack Missiles (TLAM), de 1.400 da percepção advinda do processamento milhas (2.600 km) de alcance. de dados disponíveis que podem afetar Cabe notar que com tais armas, am- as Linhas de Comunicações Marítimas pliaram-se enormemente as possibilidades (LCM), a exploração e o aproveitamento de emprego estratégico dos submarinos, dos recursos no mar; o meio ambiente; a também deram aos navios de superfície soberania nas áreas de jurisdição nacionais de porte médio um papel estratégico in- e a salvaguarda da vida humana no mar dividual nas ações de projeção de poder, na região de responsabilidade de Busca e considerando que tais unidades eram ante- Salvamento, resultando em informações riormente empregadas basicamente como acuradas, oportunas e relevantes (Brasil, escoltas de unidades maiores, como navios- 2014a, 1-4, item1.2.5). -aeródromos, os quais, estes sim, com a – Integração em rede de plataformas aviação embarcada, detinham a primazia geograficamente muito dispersas – com o nessas ações. emprego de comunicações por satélite – Este último aspecto permitiu à Marinha otimizando o emprego de seus sensores e norte-americana otimizar a capacidade sistemas de armas. Esta possibilidade (que estratégica de suas forças, nas atuais con- inclui os submarinos), em conjunto com a dições de redução do número de meios. acima citada, pode permitir o controle de grandes áreas marítimas ou sua negação a AS ALTERAÇÕES NO BRASIL vetores hostis. ­– Emprego de mísseis balísticos e de O Brasil também viveu muitas experi- cruzeiro não nucleares de longo alcance, ências desde os anos 1960.

4 Trata-se de um submarino a ser empregado primariamente contra navios e forças navais, cujo armamento básico consta de torpedos, minas e mísseis táticos não nucleares.

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No plano econômico, após o “mila- da década de 2000 a 2010, aumentou gre”, que terminou ainda nos anos 1970, sensivelmente seu nível de interlocução seguiu-se, na década seguinte, uma grave no concerto das nações, fazendo parte crise, notando-se o esgotamento do mo- do relevante subgrupo dos emergentes delo de substituição de importações, que conhecido como Brics (Brasil, Rússia, implicava sensível protecionismo indus- Índia, China e África do Sul), que procura trial e teve fim com a abertura comercial coordenar políticas e tem se distinguido iniciada no final da década, como efeito por iniciativas inovadoras, como o Banco das pressões da globalização econômica dos Brics, de apoio ao desenvolvimento (UNAMA, 2007). (Corrêa, 2014). Seguiram-se, a partir de meados dos No tocante às iniciativas para a redução anos 1990, o fim da hiperinflação, outra da dependência do petróleo importado, crise econômica no além da exploração fim dessa década e de petróleo em ter- uma notável ascensão Após o “milagre”, nos ra firme, os investi- entre 2003 e 2010, mentos na prospecção quando o Produto anos 1970, seguiu-se, na marítima obtiveram Interno Bruto (PIB) década seguinte, uma grave seu primeiro êxito em quadruplicou (em dó- crise, com o esgotamento 1968 (Guaricema-SE) lares), tendo o País (Corrêa, 2010, 34), chegado a atingir a do modelo de substituição seguindo-se vários ou- posição de sexta eco- de importações e seu tros, como a Bacia de nomia do mundo em Campos, que, tendo 2011 e se mantido protecionismo industrial seu primeiro campo na sétima entre 2012 e teve fim com a abertura descoberto em 1974, e 2014 (IPRI, 2016; comercial do final da passou a ser conti- Nakagawa, 2016). nuamente explorada, Atualmente, o País década, pelas pressões da com várias outras des- passa novamente por globalização cobertas nas décadas dificuldades na eco- seguintes, e hoje é a nomia, tendo caído principal província pe- para a nona posição em 2015 (IPRI, 2016; trolífera do País (Dados, 2015). Nakagawa, 2016). Tais dificuldades são O paradigma da defesa coletiva hemis- atribuídas por alguns à conjuntura inter- férica, com prioridade à defesa do tráfego nacional, agravada, no caso do Brasil, por marítimo, perdurou durante a Guerra Fria, uma condução questionável da política eco- mas a partir de inícios dos anos 1970 tam- nômica e, ineditamente, pela crise hídrica bém ganhou força a possibilidade de um provocada pela falta de chuvas em 2014 e conflito no Cone Sul, em virtude da contro- 2015, que reduziu drasticamente o nível vérsia com a Argentina sobre a construção dos reservatórios do Sudeste, com graves da usina de Itaipu. consequências para o abastecimento de Nos anos 1980, porém, essa possibili- água e de energia elétrica (Caldas, 2015). dade foi substituída pela ameaça de países No campo político, o País alcançou desenvolvidos (o eterno conflito Norte- a estabilidade democrática e, por esse -Sul), em face das pressões originadas na motivo e mais os êxitos econômicos globalização econômica e do exemplo

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da Guerra das Malvinas (abril-junho de a autossuficiência, o que só viria a ocorrer 1982), percebida como mais uma de suas em 2006 (Dias, 2008, slide 9). manifestações (Vidigal, 2002, 27-29; No tocante à tecnologia, o início da re- Reuveny;Thompson, 2002)5, perspectiva volução da TI foi acompanhado pela MB, esta que ultrapassou o período restante da pois coincidiu com a construção dos navios bipolaridade e vige até os dias atuais. do Plano de Renovação – as fragatas classe Nesse novo contexto, a Marinha passou Niterói foram os primeiros navios da Mari- a se preparar, com o material disponível, nha dotados de sistemas digitais de controle para a defesa de pontos da costa – portos de dados táticos e de armas. Posterior- e regiões petrolíferas litorâneas, em espe- mente, contudo, apesar de serem mantidos cial a maior delas, a Bacia de Campos –, quadros de pessoal a par das tecnologias principalmente contra a aproximação de de ponta, a limitação na construção de outros submarinos, meios e o fato de as mas raciocinando estruturas necessárias também com a ame- A proteção ao tráfego (satélites, por exem- aça de forças navais plo) ultrapassarem o agressoras de países marítimo continuava âmbito da Marinha res- desenvolvidos contra sendo priorizada, tanto tringiram pesadamente setores limitados da para a obtenção de bens esse acompanhamento fronteira marítima, em termos de imple- como ocorrera nas e divisas, acentuada pelo mentação prática. Malvinas. aumento do comércio A Revolução em Essa concepção, Assuntos Militares preconizada pelo Al- exterior provocado pela (RAM) não foi acom- mirante Flores (Flo- globalização, quanto para a panhada pela MB. O res, 2002, 80), dera obtenção de petróleo, pois Plano de Renovação força, no início dos foi anterior a ela, e às anos 1980, à ideia a autossuficiência só viria a fragatas classe Niterói, preexistente de cons- ocorrer em 2006 apesar de terem sido do- truir o Submarino tadas de mísseis, tinham Nuclear de Ataque concepção de emprego (SNA), arma que se mostrara decisiva no semelhante à de quando essa arma começou citado conflito e que proporcionaria grande a ser instalada em meios navais, na década vantagem a seus detentores em confronta- de 1950 – como arma tática cujo alcance e ções semelhantes (Corrêa, 2010, 88). eficácia superavam os canhões. A então nova Apesar dessa concepção, a proteção possibilidade das fragatas classe Niterói – um ao tráfego marítimo continuava sendo enlace que permitia passar automaticamente priorizada, tanto para a obtenção de bens e para o sistema de dados táticos das outras divisas, acentuada pelo aumento do comér- fragatas um alvo detectado e acompanhado cio exterior provocado pela globalização, por apenas uma delas –, apesar de ter dado quanto para a obtenção de petróleo, pois a origem a alguns procedimentos operativos, já crescente produção doméstica não atingira era um sistema em uso em várias Marinhas.

5 O conflito Norte-Sul é o que ocorre entre países pobres e ricos e aparece sob algumas formas, inclusive a de co- lônia versus metrópole e varia de intensidade segundo alguns fatores, como ciclos de crescimento econômico mundial, conflitos entre grandes potências e conflitos entre países ricos.

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Assim, o Plano de Renovação represen- taformas cujo afastamento da costa chega a tou uma importante atualização da MB, 302 km (163 milhas) (Brasil, 2013a) e que mas para um estágio anterior à RAM. As se espalham por diversas partes do litoral. capacidades eram fundamentalmente as Assim, a quase totalidade da produção da Segunda Guerra Mundial: priorizadas de petróleo e gás – insumos vitais à vida para o engajamento de alvos submarinos do País – depende de instalações estáticas e razoavelmente aumentadas contra alvos e isoladas no mar, vulneráveis tanto a de superfície (principalmente pela adoção ameaças assimétricas como estatais. As de mísseis e dos helicópteros de ataque assimétricas, ainda que teoricamente li- Linx), mas ainda bastante limitadas contra mitadas, são objeto das patrulhas navais alvos aéreos. A Força Naval, além disso, se e medidas correntes de monitoramento e ressentia de apoio aéreo, bastante restrito controle do tráfego marítimo, incluindo o devido aos parcos meios da Força Aérea de pesqueiros. Brasileira (FAB), e mais ainda após 1996, No que toca às estatais, cabe lembrar quando essa força de- que as plataformas, sativou suas aerona- por sua importância ves antissubmarino A quase totalidade da e vulnerabilidade, P-16, as únicas ade- constituem objetivos quadas a tal tarefa, e produção de petróleo e convidativos a ações que operavam de terra gás depende de instalações de coerção – típicas e embarcadas (Palma; estáticas e isoladas no mar, de quadros de crises Carneiro, 2012). político-estratégicas vulneráveis tanto a ameaças – ou de destruição, no A SITUAÇÃO assimétricas como estatais caso de um conflito ATUAL aberto. Elas podem ser ameaçadas por forças A década de 2000 trouxe para o Brasil navais que naveguem ostensivamente ou importantes alterações em termos de ne- submarinos, sendo que todos esses vetores cessidades estratégicas. Em 2004 foram podem se aproximar ou não, se dispuserem descobertas as reservas de petróleo do de armas de longo alcance, as quais também pré-sal, cuja extensão, posteriormen- podem ser lançadas contra instalações em te determinada, abrange as bacias de terra, como tem ocorrido em praticamente Santos, Campos e Espírito Santo; e, em todas as intervenções do pós-Guerra Fria, 2006, atingiu-se a autossuficiência no em que o Tomahawk Land Attack Missile produto, a qual foi perdida entre 2012, (TLAM) foi o carro-chefe. em face do aumento de consumo e da O maciço tráfego marítimo da atuali- paralisação das licitações de campos dade, por sua vez, é objeto de acompanha- petrolíferos desde 2008, mas retomada mento por vários sistemas e organizações em 2015 (Dias, 2008, slide 9; Teixeira, regulados pela Organização Marítima 2013; Jasper, 2016). Internacional (International Maritime Or- Hoje as jazidas marítimas são decisi- ganization – IMO – órgão da Organização vamente importantes, respondendo por das Nações Unidas – ONU), que, em âm- 93,44% do petróleo e 76,12% do gás pro- bito nacional, multilateral e privado (pelas duzidos no País (percentagens de 2015) companhias de navegação), monitoram (Brasil, 2016, tabelas 2.9 e 2.13), em pla- continuamente os navios no mar.

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No Brasil, esse serviço fica a cargo provida, em muitos casos, pelos sistemas da Marinha e é realizado pelo Comando existentes, dos quais eventualmente fazem do Controle Naval do Tráfego Marítimo parte vários países, enquanto que a prote- (Comcontram), diretamente subordinado ção dos ativos litorâneos corre por conta ao Comando de Operações Navais, a quem apenas do dono do litoral, pois acordos que compete prover os meios de defesa eventu- envolvessem outro Estado provavelmente almente necessários. acarretariam perda de soberania. O Comcontram acompanha diutur- O provimento de energia a um país envol- namente o tráfego marítimo de interesse ve a segurança energética – a disponibilidade nacional no mundo e o tráfego marítimo de fontes de energia suficientes e a segurança nacional e estrangeiro nas águas de jurisdi- da energia –, a capacidade de fazer com que ção brasileira, empregando vários sistemas, os insumos energéticos dessas fontes che- tais como o Automatic Identification System guem efetivamente aos utilizadores, apesar (AIS), o Long-Range Identification and Tra- de eventuais ameaças de qualquer natureza, cking (LRIT), o Programa de Rastreamento o que muitas vezes envolve esforço militar, de Embarcações Pesqueiras por Satélite especialmente em casos de conflito (India, (Preps) e o Sistema de Informações sobre 2007, 46). o Tráfego Marítimo (Sistram), cujos dados O Brasil, sendo praticamente autossu- são fornecidos às companhias de navegação. ficiente em petróleo, teria garantida sua Existem vários outros sistemas pelo segurança energética e, dispondo da maior mundo afora, e, além disso, o tráfego ma- parte de suas fontes no mar, em posições rítimo pode contar com as medidas de pro- por vezes muito afastadas da costa, teria teção ou defesa por forças navais de vários condições de prover sua segurança da ener- países em locais especialmente perigosos, gia inferiores às dos países cujas fontes se como as forças-tarefa que operam na área situam no próprio território, mas superiores da Somália, já comentadas. às dos que importam grande percentagem Tais recursos provêm, assim, razoável do que consomem de fontes distantes que, segurança contra as “novas ameaças” – em além de necessitarem proteger as linhas tempo de paz e mesmo contra as ameaças de comunicações marítimas, têm as fontes estatais em tempo de crise ou conflito, sob o controle de outros Estados, o que se o país estiver do lado favorável na pode comprometer também sua segurança governança internacional, pois se não for energética, situação que já foi a nossa no assim, a situação será oposta. Evoque-se passado recente. aqui o bloqueio do Iraque, decretado pelo Conselho de Segurança da ONU em 25 AS PRIORIDADES de agosto de 1990, por ocasião da Guerra do Golfo (United, 1990), exercido pela Pelo exposto, vê-se que as prioridades Marinha norte-americana e várias outras e para a preparação do poder naval, ou sua que anulou a única linha de comunicações determinação, têm variado nos três últimos marítimas daquele país. ciclos da MB: a Segunda Guerra Mundial, o Vê-se, assim, que, como as plataformas Plano de Renovação dos anos 1960-70 e o petrolíferas, a navegação mercante também atual Plano de Articulação e Equipamento está sujeita a ameaças e necessita de prote- da Marinha do Brasil (Paemb), elaborado ção, por vezes militar. Ocorre, porém, que, para permitir o cumprimento da Estratégia na segunda situação, essa proteção pode ser Nacional de Defesa (END).

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No primeiro, não houve escolha de prio- A negação do uso do mar, o controle ridades; a precedência da ameaça sobre a de áreas marítimas e a projeção de poder preparação das forças impôs providências devem ter por foco, sem hierarquização reativas que demandaram muito mais a de objetivos e de acordo com as cir- ação política do Presidente da República cunstâncias: para viabilizá-la do que qualquer ação da – defesa proativa das plataformas MB para seleção dos meios navais, o que petrolíferas; não houve, pois correu por conta do que a – defesa proativa das instalações na- Marinha norte-americana julgou disponível vais e portuárias, dos arquipélagos e das para fornecimento. ilhas oceânicas nas águas jurisdicionais No segundo, a determinação das prio- brasileiras; e ridades foi realizada pela MB, mas com – prontidão para responder a qualquer predominância dos ameaça, por Estado ou aspectos logísticos li- por forças não conven- gados à modernização As prioridades para a cionais ou criminosas, dos meios, porque os às vias marítimas de estratégicos estavam preparação do poder comércio. fortemente condicio- naval têm variado nos três Antes mesmo, nas nados pela conjun- Diretrizes, o docu- tura internacional da últimos ciclos da MB: a mento determina às bipolaridade. Segunda Guerra Mundial, três Forças Armadas No terceiro, a de- o Plano de Renovação dos a dissuasão de forças terminação das prio- hostis nos limites dos ridades está sendo anos 1960-70 e o atual espaços jurisdicionais realizada pela MB, Plano de Articulação e do País (marítimo, aé- com base em novas reo e terrestre) (Brasil, orientações políticas Equipamento da Marinha 2012, 2) e, em coerên- e estratégicas defini- do Brasil cia, também prioriza das domesticamente a preparação para a – pela END, emitida negação do uso do mar em dezembro de 2008, revisada em 2012 sobre a preparação para o controle de áreas (Brasil, 2012; Brasil, 2013) –, num contexto marítimas e para a projeção de poder (Bra- internacional em que não existe filiação sil, 2012, 10). rígida a qualquer ditame externo. Tal prioridade implica importantes Nessas orientações, ainda que a navega- alterações doutrinárias e culturais para ção mercante tenha sua grande importância uma Marinha que, desde sua participação reconhecida, a END definiu a prioridade à na Grande Guerra, sempre esteve voltada defesa contra ações de projeção de poder para o controle de áreas marítimas a fim de contra as plataformas petrolíferas e outros proteger o tráfego mercante. ativos litorâneos. Nos Objetivos Estratégicos A priorização atual tem a ver com a pers- para a MB (Brasil, 2012, p.10), estabeleceu pectiva do conflito Norte-Sul vislumbrada a a “defesa proativa” das plataformas petrolí- partir dos anos 1980, que pressupõe adver- feras e de outros ativos litorâneos, enquanto sários extrarregionais mais poderosos – a determinou apenas uma postura reativa em pior ameaça –, já que a postura de negação relação às linhas de comunicações marítimas: do uso do mar assume a inferioridade ante

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o oponente e, sendo realizada nas águas os aspectos tecnológicos (considerando que jurisdicionais e suas proximidades, é for- houve uma RAM) e estratégicos nela envol- temente condicionada pela necessidade de vidos, o que envolve, além de meios – mais garantir a segurança da energia, defendendo numerosos e muito mais modernos, como o as vulneráveis plataformas petrolíferas. submarino de propulsão nuclear; novas es- Configura-se, assim, uma diferença truturas, como o Sistema de Gerenciamento básica entre a elaboração do Plano de Re- da Amazônia Azul (SisGAAz), a nova base/ novação dos anos 1960 e a do atual Paemb, estaleiro de submarinos, a 2a Esquadra e a mas existem outras, e importantes: 2a Divisão de Fuzileiros Navais. –­ O Plano de Renovação foi elaborado –­ O Plano de Renovação, ao se verificar num contexto em que os principais fatores que não havia recursos para a obtenção que condicionavam a aplicação do poder do grande número de meios, assumiu a militar brasileiro provinham de acordos estratégia da defesa coletiva, prevendo que internacionais interpretados diretamente sua tarefa principal – proteger o tráfego pelas Forças Armadas, que, a partir daí, re- marítimo hemisférico – seria dividida com alizavam independen- as demais Marinhas da temente seu “projeto região. de força” – a previsão Verifica-se que a evolução Hoje, ainda que a dos meios considera- proteção do tráfego dos necessários, sem das prioridades navais marítimo continue maior envolvimento corresponde ao progresso sendo preparada, e do poder político. O institucional do País e à envolvendo parceiros Paemb foi elaborado regionais, ela não é para permitir à Ma- evolução da conjuntura mais a tarefa principal rinha o cumprimento internacional da MB, mas sim de- da END – um docu- fender proativamente mento emitido pelo as plataformas e ativos poder político para orientar a preparação costeiros e dissuadir forças inimigas de do poder militar, ou seja, das três forças adentrarem nos espaços jurisdicionais do coordenadamente, levando em conta o País, o que implica, em princípio, ação atendimento da Política Nacional de Defesa isolada e, consequentemente, despesas (PND) (Brasil, 2012a), documento também exclusivamente nacionais. emitido pelo poder político, aspectos que Quanto a este aspecto, note-se que a conferem legitimidade aos esforços. legitimidade dos esforços não está sendo – O Plano de Renovação envolveu, correspondida pela destinação de recur- basicamente, meios, com reduzido acrés- sos por parte do governo, que se mantém cimo de capacidades novas – a operação em cerca de 1,4% do PIB (SIPRI, 2017), de modernos helicópteros foi uma delas quando o necessário seria cerca de 2%, – e um aspecto condicionante primordial: como observado pelo ministro da Defesa a modernização de sistemas. Tanto o (Amorim, 2013). número de meios visualizados como os Cabe observar que a prioridade à nega- aspectos estratégicos e operacionais não ção do uso do mar, que distingue a concep- variavam muito – os navios deveriam ser ção atual da antiga, implica tão-somente a principalmente antissubmarinos. O Paemb forma de iniciar a implementação da END, tem que considerar, além da modernização, obtendo sua capacidade atualmente mais

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importante – defesa contra oponentes mais mas também podem operar em apoio direto poderosos, pois tanto a capacidade de con- de forças navais, participando de ações de trolar áreas marítimas como a de projetar controle de áreas marítimas e, eventual- poder continuam presentes na END e no mente, de projeção de poder. Paemb, ainda que em proveito da defesa dos ativos e de interesses nacionais, sem CONCLUSÃO quaisquer propósitos intervencionistas, como disposto na PND e na Constituição Verifica-se que a evolução das priorida- Federal (Brasil, 2012a, item 5.12). des navais corresponde ao progresso insti- Assim, estão sendo priorizados a cons- tucional do País e à evolução da conjuntura trução de submarinos – SNA e convencio- internacional. nais, ora em andamento, apesar dos cortes A Segunda Guerra Mundial surpre- orçamentários –, e o SisGAAz, que, em endeu o País com a necessidade de uma fase final de especificação, teve que ter seus Marinha atualizada, e a MB reagiu, ain- trabalhos sustados em da que sem qualquer 2015 devido a esses priorização de meios, cortes (Stochero, Cabe enfatizar que, tornando-se uma for- 2015), sistemas desti- ça adequada para a nados primariamente em caso de uma época. No Plano de à tarefa de negação, necessidade real, Renovação dos anos enquanto outros mais a cobrança de um mau 1960-70, houve crite- específicos para as riosa priorização dos outras tarefas (cons- desempenho recairá meios e conseguiu-se trução de escoltas e de sobre a Marinha modernizar a Força, navios-aeródromos, sob o condicionamen- por exemplo) aguar- to estratégico interno dam disponibilidade financeira. Cabe, con- da maior necessidade de proteger o tráfego tudo, lembrar que, apesar dessa destinação marítimo e externo da bipolaridade. Estes primária, o SNA e o SisGAAz também têm últimos aspectos constituíram a diferença emprego nas outras tarefas: básica para a elaboração do atual Paemb, ­ O SisGAAz previsto é um sistema de voltado prioritariamente à defesa dos monitoramento de alto nível, que deverá ativos litorâneos vitais em um contexto permitir aos comandos conhecer as po- internacional ainda unipolar, mas sem sições e prováveis intenções dos vetores constrições externas. amigos e hostis navegando em boa parte do A percepção da necessidade de prepa- Atlântico Sul, podendo, assim, aumentar a ração para a defesa dos ativos litorâneos e eficiência dos meios operativos (SNA, sub- costeiros começou nos anos 1980, intensi- marinos não nucleares, navios e aeronaves), ficou-se com o crescimento da exploração fornecendo-lhes apoio de comunicações marítima de petróleo e teve seu ápice com e vigilância para que obtenham posições a descoberta das grandes reservas do pré- vantajosas em relação aos oponentes. -sal, fato presente na gênese da vontade Os SNA podem exercer dissuasão contra política de investir na defesa naval e na forças navais e submarinos em grandes citada alteração de prioridade, cabendo áreas, como o Atlântico Sul, operando destacar que, pela primeira vez, se faz uma isoladamente com o apoio pelo SisGAAz, priorização de meios e infraestrutura de

104 RMB1oT/2017 TRÊS CICLOS DA MARINHA DO BRASIL defesa – um projeto de força – com base por parte do governo. Cabe, porém, enfati- em necessidades e orientações determina- zar que, em caso de uma necessidade real, das pelo poder político, o que lhe confere a cobrança de um mau desempenho recairá a necessária legitimidade. sobre a Marinha. Existem também, como acima exposto, Nunca é demais evocar o testemunho de sensíveis diferenças entre as condições para um velho marinheiro sobre os idos de 1942: elaboração e implementação dos dois pla- “O povo chegava na Praça Mauá e nos, todas apontando para a complexidade tinha um velho encouraçado lá, que não e custos muito maiores na situação atual, o tinha mais serventia e o povo falava: Vai que, apesar da legitimidade, não encontra pro mar, o que tá fazendo isso aí? Vai correspondência na destinação de recursos pro mar!” (Pereira, 2015, citação p.134)

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Marinha do Brasil; História da Marinha do Brasil; Estratégia; Política nacional;

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108 RMB1oT/2017 COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR

ARCHIMEDES FRANCISCO DELGADO* Capitão de Mar e Guerra (RM1)

SUMÁRIO

Senso de justiça – competência do líder avaliador O feedback como fator de melhoria de desempenho As componentes da competência senso de justiça

A competência é conceituada, segundo a de cada componente desse conjunto, neces- escola dos Estados Unidos da América, como sários para a obtenção de competência para o conjunto de conhecimentos, habilidades e cargos ou funções de liderança. atitudes que devam ser praticadas por uma pes- Assim, foi apresentado que os conheci- soa que busque atingir um bom desempenho mentos mínimos que um líder deve procurar profissional em determinado cargo ou função obter referem-se aos Liderados, ao Ambiente (RABAGLIO, 2014). Na primeira parte deste no qual o grupo está inserido, à Profissão e artigo, na edição anterior desta revista, foram ao próprio Autoconhecimento, formando o enumerados e analisados os aspectos mínimos acrônimo LAPA.

* Comandou o Aviso de Instrução Aspirante Nascimento, o Rebocador de Alto-Mar Tridente e a Base Fluvial de Ladário. MBA em Gestão Internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Curso Superior de Guerra Naval no Instituto de Guerra Marítima da Itália e Curso Superior de Estado-Maior Interforças na Itália. Autor do livro Liderança – A arte de conduzir ao sucesso, professor de Liderança e de Jogos de Guerra na Escola de Guerra Naval. COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR

de fomentar a confiança das pessoas, sen- do, portanto, imprescindíveis a qualquer LÍDER. Foi mostrado, então, que o conjunto des- ses conhecimentos, habilidades e atitudes remete às cinco competências consideradas mínimas do líder contemporâneo: a agili- dade de raciocínio, de modo a ser capaz de adaptar-se rapidamente a novas e inespera- das situações; a disposição para trabalhar em equipe, atuando como motivador, coordenador e conciliador; a resiliência, No que se refere às habilidades, foram evitando sucumbir ante as primeiras dificul- enumeradas as de Reconhecimento, Ousa- dades; o empreendedorismo, estabelecendo dia, Coragem (com ênfase no seu aspecto objetivos e metas ousadas e orientando moral), Humildade, os liderados para o Estímulo (classifi- caminho do sucesso; e cando o líder como A principal atividade do a atuação como culti- um criador de estresse vador de novos líderes, em nível adequado ao líder, decorrente do seu que é a mais importan- aumento da produtivi- senso de justiça, é a de te tarefa de um líder, dade), Delegação (no notadamente o militar, intuito de preparar avaliador do desempenho no sentido de preparar seus liderados para de seus liderados seus futuros eventuais novos desafios) e de substitutos. ser bom Ouvinte, for- Entretanto, há mais mando o acrônimo ROCHEDO. uma competência do líder que, por ser de Finalmente, a componente da atitude importância especial, foi reservada para foi relacionada à Lealdade, à Integridade,à este artigo específico: o senso de justiça, Determinação, ao Equilíbrio e ao Respeito, que possibilita ao líder analisar as reais uma vez que, independentemente da cultura necessidades de seus liderados e atendê-las organizacional do grupo de liderados, essas (e não às vontades) e, ainda, atuar como atitudes são sempre importantes e capazes um desenvolvedor de competências e ava- liador justo e sensato do desempenho dos liderados, com o cuidado de lhes fornecer feedback sobre seus pontos fortes, buscan- do potencializá-los, e sobre os aspectos em que precisem melhorar, de modo a eliminá- -los ou, pelo menos, minimizá-los. Essa avaliação individual que o líder realiza de cada liderado é a chamada avalia- ção absoluta, que visa ao desenvolvimento pessoal do liderado, e difere da avaliação re- lativa, realizada por um colegiado, com foco no desenvolvimento da carreira do avaliado.

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Considerando que o escopo do presente organização, aproximando o desempenho artigo restringe-se à atuação individual do real do avaliado daquele que a organização líder, será abordada apenas a avaliação deseja e espera. Assim, para que a avalia- absoluta como sexta competência do líder ção reflita realmente o desempenho dos contemporâneo, correlacionando-a aos subordinados e tenha a utilidade apontada, conhecimentos, às habilidades e às atitudes é preciso que o avaliador tome o cuidado de apontadas no artigo anterior. A avaliação “não confundir produtividade com o grau relativa, por ser executada por um colegia- de integração e aceitação dos indivíduos do, comparando as avaliações absolutas de às normas e aos procedimentos da orga- várias pessoas, não será objeto deste estudo, nização onde estão inseridos”, conforme apesar da necessidade de que cada um dos ressalta Frederick Herzberg, citado em componentes do colegiado possua também AGUIAR (2005, p.362). essa sexta competência. Em face disso, a avaliação de desem- penho dos integrantes de uma organização SENSO DE pode ficar distorcida JUSTIÇA – caso o líder deixe-se COMPETÊNCIA Cabe ao líder, incentivar levar pela tendência DO LÍDER a criatividade de seus de avaliá-los de acordo AVALIADOR com o grau de acomo- subordinados, levando dação ao ambiente de Esta competência em conta que isso pode trabalho, em vez da é de fundamental im- capacidade técnico- portância para a mo- provocar falhas e erros -profissional, do com- tivação dos liderados, na execução das tarefas, prometimento, da ca- na medida em que os quais devem ser pacidade de inovação envolve, prioritaria- ou, em última análise, mente, as habilidades considerados como fontes da produtividade. Tal do líder referentes de aprendizado distorção, comum nas à coragem e ao re- grandes organizações, conhecimento, além inibe a iniciativa e a daquela de ser um bom ouvinte. Isso porque capacidade de inovação dos liderados, pois a principal atividade do líder, decorrente do costuma premiar aqueles que não causam seu senso de justiça, é a de avaliador do de- desconforto ao chefe por não trazerem sempenho de seus liderados. Dessa forma, novas ideias que o obrigue a pensar de apesar da predominância das habilidades maneira diferente à que está acostumado. acima citadas, para bem desempenhar esta Portanto, é importante que o avaliador competência o líder precisa praticar todas conscientize-se de que os colaboradores as habilidades e atitudes selecionadas como que não arriscam e não se aventuram a reali- mínimas e necessárias ao exercício da lide- zar uma tarefa de modo inovador, buscando rança, além de conhecer todos os aspectos um resultado sempre melhor, em nada con- apontados anteriormente. tribuem para o crescimento da organização Neste ponto, vale enfatizar que a e para o aumento de sua eficiência, seja ela avaliação deve ser útil para o avaliado, medida em termos de serviços prestados ou contribuindo para o seu desenvolvimento de materiais produzidos. Cabe, portanto, profissional e pessoal, e também para a ao líder, incentivar a criatividade de seus

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subordinados, levando em conta que isso Além disso, para que a avaliação seja pode provocar falhas e erros na execução fiel ao nível de desempenho do avaliado, das tarefas, os quais devem ser considera- ela deve estar pautada em um sistema estru- dos como fontes de aprendizado. turado, capaz de unificar os critérios pelos Vale lembrar que diversos estudiosos e quais os subordinados são avaliados, o que pensadores chamam a atenção para o fato constitui a tarefa mais simples da avaliação, de que os erros são, na verdade, tentativas sendo feita por técnicos especializados. de acerto; e só acerta quem tenta. É desta No entanto, a parte mais difícil da forma que o líder deve encarar os eventuais avaliação é aquela feita pelo líder, pois se erros cometidos por seus liderados na ten- baseia em aspectos intuitivos e subjetivos. tativa de, com boa fé, realizar uma tarefa Dessa forma, o líder deve avaliar cada um de modo mais eficiente. de seus subordinados levando em conta Ao perceberem que a avaliação é feita o grau de complexidade das tarefas que com base no grau de acomodação dos executa (diretamente proporcional ao de- avaliados às normas e aos procedimentos senvolvimento profissional), os resultados da organização, os subordinados dispostos que obtém na execução dessas tarefas, ou a inovar e efetivamente contribuir para seja, a performance, e o comportamento, a evolução da organização sentem-se caracterizado pelo grau de adesão aos desmotivados para a realização do seu tra- valores da organização, pelo grau de com- balho. Essa desmotivação é explicada por prometimento com os objetivos a alcançar, Herzberg, conforme citado em AGUIAR pelo tipo de relacionamento com pares, (2005, p.362), ao ensinar que os fatores subordinados e superiores etc. motivadores inerentes ao trabalho desen- Assim, para desenvolver seu senso volvido pelas pessoas são “a liberdade de justiça e atuar como avaliador, o líder de criar, de inovar, de procurar formas deve conhecer profundamente cada um de próprias e únicas de atingir os resultados seus liderados, deixando de lado a vaidade das tarefas acometidas”. própria, a fim de evitar ser influenciado por Assim, o líder que avalia seus liderados bajuladores, sem se deixar levar por impres- segundo o critério do grau de acomodação sões superficiais e imediatistas, que podem às normas e aos procedimentos em vigor, conduzir a erros importantes de julgamento. considerando o comportamento cauteloso, Dentre os erros mais comuns de ava- pouco criativo e conformista como maduro liação, cabe citar: os efeitos halo e horn, e integrador, dificilmente conseguirá que nos quais o avaliador considera que, se um sua equipe tenha um desempenho acima colaborador é bom ou ruim em determinada de mediano. tarefa, terá desempenho semelhante em Para que obtenha sempre uma melhoria todas; a tendência central, segundo a qual no desempenho de sua equipe, o líder deve o avaliador procura avaliar todos os cola- avaliar seus colaboradores de maneira a boradores como medianos; o efeito de re- incentivar o comportamento independente, centicidade, no qual o avaliador baseia suas inovador e criativo, aceitando os eventuais observações apenas nos fatos mais recentes, erros que possam vir a acontecer como sejam bons ou ruins; a autoidentificação, fases do aprendizado e evitando cair na que ocorre quando o líder tende a avaliar armadilha de considerar o liderado com melhor os colaboradores que possuam a iniciativa e capacidade de inovação como mesma formação ou os mesmos interesses desintegrador ou “criador de casos”. que ele; e o erro de fadiga, em que, devido

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ao grande número de avaliações feitas, o critérios estabelecidos. Em outras palavras, líder perde o foco e tende a mudar os cri- é preciso que o líder forneça ao liderado um térios, ao avaliar os últimos colaboradores feedback da sua atuação, indicando-lhe o que (CHIAVENATTO, 2010). considera seus pontos fortes e os aspectos Todavia, como este artigo não tem a em que precise melhorar. Somente com este intenção de analisar processos de avaliação feedback o avaliado poderá corrigir seus ou os erros a eles inerentes, a exemplifi- procedimentos considerados fracos e aper- cação acima, de forma bastante sumária, feiçoar e explorar cada vez melhor aqueles dos erros mais comuns de avaliação tem a considerados fortes, aproximando-se do finalidade apenas de ressaltar a importância desempenho dele esperado pela organização. do desenvolvimento da competência do O feedback pode ser fornecido diaria- senso de justiça, de modo a “vacinar” o mente, de modo informal, mas é fundamen- líder contra esses e outros erros comuns no tal que também o seja em uma entrevista processo de avaliação dos subordinados. periódica formal entre avaliador e avaliado, para a qual o primei- O FEEDBACK ro deve preparar-se COMO É de suma importância cuidadosamente. Esse FATOR DE que o líder incentive seus preparo é importan- MELHORIA DE te porque o feedback DESEMPENHO liderados a adquirir um não pode ser encarado comportamento inovador como uma sessão de O processo de e observe como cada um censura e críticas, mas avaliação de desem- sim como uma conver- penho visa, primor- deles lida com a inovação e sa amigável e sincera dialmente, aproximar os desafios que ela provoca com a finalidade de o desempenho real ajudar o desenvolvi- do avaliado daquele mento profissional e esperado pela organização. Entretanto, pessoal do avaliado. esse processo tem sido empregado, em Existe uma tendência natural de trans- muitas organizações de maneira limitada, formar o feedback em uma resenha dos servindo apenas para subsidiar processos erros e acertos passados do avaliado, sem de escolha ou de designação de cargos ou foco no futuro. Esses erros e acertos podem, funções, normalmente realizados, na fase eventualmente, ser abordados no feedback, de avaliação relativa, por um colegiado. porém apenas de modo a servir de orienta- Uma vez que a principal finalidade da ção para definir os aspectos em que o lidera- avaliação é buscar a melhoria do desem- do precise se desenvolver para lidar com os penho dos avaliados, ou seja, o seu desen- futuros desafios que irá enfrentar. Para isso, volvimento profissional, não basta ao líder é de suma importância que o líder, atuando avaliar seus liderados individualmente e como avaliador, incentive seus liderados encaminhar suas observações para o cole- a adquirir um comportamento inovador giado encarregado da avaliação relativa. e observe como cada um deles lida com É fundamental que converse com cada um a inovação e os desafios que ela provoca. dos avaliados individualmente, indicando- Para a realização de um feedback provei- -lhes os motivos pelos quais os avaliou toso, deve existir entre avaliador e avaliado de determinada maneira, em cada um dos uma relação de confiança mútua, típica da

RMB1oT/2017 113 COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR

relação entre líder e liderado, que faça com a organização ou instituição a que ambos que o receptor interprete as observações pertencem. Para isso, o líder deve procurar apresentadas pelo avaliador como contri- ser o mais descritivo possível em relação ao buições para o seu próprio aperfeiçoamento, comportamento do avaliado e ao que dele sejam essas observações positivas ou nega- se espera no futuro, evitando expressões tivas. Visto dessa forma, o feedback torna- ambíguas ou vagas. -se uma fonte de energia tanto para o líder Resumidamente, ao final do feedback, quanto para os liderados, incentivando-os a líder e liderados devem deixar estabelecido aperfeiçoar seu comportamento e a produzir um conjunto de metas e compromissos a se- ótimos resultados, além de fortalecer a lide- rem cumpridos durante o próximo período rança exercida pelo avaliador. de avaliação, visando ao desenvolvimento A realização desse feedback demonstra, profissional do liderado e ao seu preparo por parte do líder, consideração e respeito para novos desafios e para o cumprimento pelos seus subordinados, minimizando suas de tarefas mais complexas. incertezas e ansiedades, além de reconhe- Assim, para desenvolver a competência cimento com seu esforço em realizar suas do senso de justiça e avaliar corretamente tarefas de maneira seus liderados, o líder correta, fortalecendo precisa agir com leal- o exercício da lide- Para desenvolver a dade, integridade, equi- rança. Além disso, competência do senso líbrio e respeito. Além orienta os liderados disso, é necessário que quanto ao comporta- de justiça e avaliar tenha bem desenvol- mento e ao desempe- corretamente seus liderados, vidas as habilidades nho deles esperados, o líder precisa agir com de coragem moral, de fazendo com que reconhecimento, de saibam como estão lealdade, integridade, ouvinte e de estimu- sendo vistos no seu equilíbrio e respeito lador, tendo em vista ambiente de trabalho, que as críticas contidas o que contribui para o no feedback devem ser seu autoconhecimento. feitas com sinceridade, honestidade e res- Dessa forma, para realizar uma avalia- peito, evitando desmotivar o avaliado, a ção isenta e fornecer um feedback útil ao quem deve sempre ser concedida a palavra, avaliado e à organização ou instituição a quer seja para este expor suas dificuldades que pertença, o líder precisa preparar-se no cumprimento das tarefas em que seu adequada e previamente. É inaceitável desempenho tenha deixado a desejar, quer que, durante o feedback, o líder venha a seja para contribuir para o aperfeiçoamento descontrolar-se ou a empregar expressões dos processos nos quais tenha apresentado que possam ofender o avaliado ou afetar bom desempenho. negativamente sua autoestima. As críticas que eventualmente serão feitas durante a AS COMPONENTES DA conversa de feedback precisam ser cuida- COMPETÊNCIA SENSO DE dosamente preparadas, medindo-se as pa- JUSTIÇA lavras, sem deixar de expressar a verdade, com clareza, honestidade e lealdade para Concluindo, para adquirir a competência com o avaliado e, principalmente, para com do senso de justiça, de modo que possa

114 RMB1oT/2017 COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR

avaliar corretamente o desem- penho de seus subordinados, o líder precisa exercitar todos os conhecimentos, habilidades e atitudes listadas no artigo ante- rior, conforme alguns exemplos abaixo. Para identificar os pontos fortes e fracos de cada colabo- rador, o líder precisa conhecer não só as tarefas que cada um deles executa (conhecimento profissional), como também a personalidade e o potencial profissional de cada um deles em particular (conhecimento dos liderados), além dos valores, da ética e só poderão ser criadas se o líder delegar da cultura da organização a que pertencem tarefas importantes a seus subordinados, (conhecimento do ambiente). Além disso, demonstrando estar sempre disponível para o líder somente será capaz de realizar um orientá-los, e, ao mesmo tempo, tiver hu- feedback proveitoso mildade para reconhe- para os liderados e cer o valor das novas para a organização se O líder precisa desenvolver soluções e acatá-las, tiver consciência dos e praticar conhecimentos, se for o caso. Além seus próprios pontos disso, somente pode- fortes e fracos e de habilidades e atitudes rá realizar um bom sua maneira de enca- de maneira autêntica e feedback se for capaz rar situações inespe- de ouvir com atenção radas e um absoluto sincera, pois somente a as dificuldades e su- autocontrole (autoco- autenticidade é capaz gestões dos liderados, nhecimento). de gerar confiança, que procurando ajudá-los No que se refere a vencer essas dificul- às habilidades, é ne- é a base sobre a qual se dades e avaliando com cessário que o líder sustenta a liderança isenção as sugestões. seja capaz de exter- Finalmente, as ati- nar reconhecimento tudes apontadas no quando o subordinado realizar um bom artigo anterior são de fundamental impor- trabalho, assim como precisa ter coragem tância, pois é preciso que o líder seja leal e moral para demonstrar as eventuais falhas, íntegro, não só no momento da avaliação, caso o trabalho tenha sido feito de maneira mas principalmente no feedback, quando insatisfatória. Por outro lado, o líder pre- o respeito e o equilíbrio emocional são cisa ter ousadia para testar novas práticas também de absoluta importância. E, para desenvolvidas pelos colaboradores, além que tenha condições de executar as tarefas de estimulá-los a desenvolver novas solu- que lhe cabem em um eficiente sistema de ções. Essas novas soluções, por sua vez, avaliação de desempenho, é preciso ser

RMB1oT/2017 115 COMPETÊNCIAS DO LÍDER CONTEMPORÂNEO (PARTE II) – O LÍDER COMO AVALIADOR

determinado, pois poderá ser obrigado a en- é capaz de gerar confiança, que é a base frentar situações difíceis e constrangedoras. sobre a qual se sustenta a liderança. Enfim, o líder precisa desenvolver e Agindo dessa forma, o chefe constituirá praticar conhecimentos, habilidades e um exemplo para seus subordinados, que atitudes apontadas de maneira autêntica passarão a enxergá-lo não apenas como e sincera, pois somente a autenticidade chefe, mas como líder.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Liderança; Comportamento;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, Maria Aparecida Ferreira de. Psicologia aplicada à Administração: uma abordagem in- terdisciplinar. São Paulo: Saraiva, 2005. CHIAVENATTO, Idalberto. Gestão de pessoas. 3o ed. Rio de Janeiro: Campus, 2010. GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteli- gente. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. GOLEMAN, Daniel. Liderança. A Inteligência Emocional na formação do líder de sucesso. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015. RABAGLIO, Maria Odete. Gestão por competências: ferramentas para atração e captação de talentos humanos. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2014. SIQUEIRA, Wagner. Avaliação de Desempenho: como romper amarras e superar modelos ultrapas- sados. Rio de Janeiro: Reichman Affonso, 2002.

116 RMB1oT/2017 A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ENERGIA E ÁGUA

LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES* Capitão de Mar e Guerra (RM1-EN)

A produção de energia depende da água, crescentes em muitas regiões, como con- principalmente para o resfriamento de sequência do crescimento populacional, usinas termelétricas, mas também na pro- do desenvolvimento socioeconômico e das dução, no transporte e mudanças climáticas. no processamento de Sua interdependên- combustíveis fósseis. cia tende, portanto, Além disso, cada vez a amplificar a mútua mais a água é usada vulnerabilidade. na irrigação de cul- Para o setor de turas para produção energia, as restrições de biomassa de uso à água podem pôr em energético. Por outro causa a confiabilida- lado, a energia é vital Bandeira da Agência Internacional de de das operações das para o funcionamento Energia Atômica (AIEA), usinas termelétricas 1 de sistemas que co- uma organização das Nações Unidas existentes, bem como letam, transportam, a viabilidade física, distribuem e tratam a água, garantindo seu econômica e ambiental de futuros projetos. fornecimento para seus diversos usos. Igualmente importante em termos de riscos Tanto a energia como a água são recur- relacionados à água enfrentados pelo setor sos que enfrentam demandas e restrições energético, o seu uso para a produção de

* Doutor em Engenharia, diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da Eletrobrás Eletronuclear e membro do Grupo Permanente de Assessoria do Diretor-Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Colaborador assíduo da RMB. 1 Em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Agência_Internacional_de_Energia_Atómica A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ENERGIA E ÁGUA

energia pode afetar os recursos de água de estresse. Além disso, pela primeira vez o doce, tanto na sua quantidade como na sua WEO 2016 observa a relação energia-água, qualidade. Por outro lado, a dependência analisando as necessidades energéticas para dos serviços de abastecimento de água da diferentes processos no setor de água, in- disponibilidade de energia afetará a capa- cluindo abastecimento, distribuição, trata- cidade de fornecer água potável e serviços mento de águas residuais e dessalinização. de saneamento às populações. As principais conclusões foram divulgadas no Global Water Forum, na COP22, em 15 de novembro de 2016.

Marrakesh COP223

As interdependências entre energia e água deverão ser intensificadas nos pró- ximos anos, uma vez que as necessidades destas no setor energético e as necessida- des energéticas do setor de água crescem simultaneamente. A água é essencial para Capa do Sumário Executivo do World Energy todas as fases da produção de energia: este Outlook WEO 20162 setor é responsável por 10% das retiradas mundiais de água, principalmente para o O World Energy Outlook – WEO funcionamento das centrais termelétricas, 2016, lançado pela Agência Internacional bem como para a produção de combustíveis de Energia (IEA) em 16 de novembro de fósseis e biocombustíveis. Estas necessida- 2016, tem um capítulo dedicado ao nexo des aumentam, especialmente para água entre energia e água e analisa como as que é consumida (isto é, que é retirada de complexas interdependências entre esses uma fonte, mas não devolvida a ela). No dois recursos se aprofundarão nas próximas setor de energia há uma mudança para décadas. Esta análise atualiza o trabalho tecnologias avançadas de resfriamento que anterior, realizado em 2012, e avalia as retiram menos água, mas que, por sua vez, necessidades atuais e futuras de água doce consomem mais. para a produção de energia, destacando O crescimento da procura por biocom- potenciais vulnerabilidades e pontos-chave bustíveis aumenta o consumo de água e

2 Em :https://www.iea.org/publications/freepublications/publication/WorldEnergyOutlook2016ExecutiveSum- maryEnglish.pdf 3 Em: http://www.cop22-morocco.com

118 RMB1oT/2017 A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ENERGIA E ÁGUA uma maior utilização da energia nuclear realização bem-sucedida de uma série de aumenta os níveis de retirada e de consumo. metas de desenvolvimento e de mitigação No outro lado da equação energia-água, a das mudanças climáticas. Há várias cone- análise do WEO 2016 fornece uma primeira xões entre os novos Objetivos de Desen- estimativa global sistemática da quantidade volvimento Sustentável das Nações Unidas de energia usada para fornecer água aos (SDG) sobre água limpa e saneamento (SDG consumidores. Em 6) e energia limpa e 2014, cerca de 4% acessível (SDG 7), que, do consumo global Em 2040, a quantidade de se bem geridos, permi- de energia elétrica foi tem alcançar os dois utilizado para extrair, energia usada no setor de conjuntos de metas. distribuir e tratar água água é projetada para mais Existem também e esgoto, juntamente do que o dobro muitas oportunidades com 50 milhões de to- economicamente vi- neladas de óleo equi- áveis para economias valente de energia térmica, principalmente de energia e água que podem aliviar as diesel, usado para bombas de irrigação e pressões sobre ambos os recursos, se con- gás em usinas de dessalinização. siderados de forma integrada. Os esforços Até o período de 2040, a quantidade de para combater as alterações climáticas energia usada no setor podem exacerbar o de água é projetada estresse hídrico ou ser para mais do que o A dessalinização nuclear limitados pela dispo- dobro. A capacidade é muito competitiva em nibilidade de água em de dessalinização au- alguns casos. menta acentuadamente termos de custos, e somente Algumas tecnolo- no Oriente Médio e os reatores nucleares são gias de baixas emis- no Norte da África, e capazes de fornecer energia sões de carbono, como a demanda por trata- a energia eólica e solar, mento de águas residu- necessária para projetos em requerem muito pouca ais (e níveis mais altos grande escala água, mas quanto mais de tratamento) cres- uma via de descarbo- ce especialmente nas nização se baseia nos economias emergentes. Em 2040, 16% do biocombustíveis, concentrando a energia consumo de eletricidade no Oriente Médio solar, a captura de carbono ou a energia estará relacionado ao fornecimento de água. nuclear, mais água é consumida. A gestão das interdependências água- Possivelmente, a gestão combinada -energia é crucial para as perspectivas de e harmônica da energia e da água seja o maior desafio para uma efetiva transição para uma economia de baixo carbono, reque- rida pela mitigação das Metas do Desenvolvimento Sustentável4 mudanças climáticas.

4 Em: http://www.un.org/sustainabledevelopment/sustainable-development-goals/

RMB1oT/2017 119 A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE ENERGIA E ÁGUA

Tendo em vista que a gestão desses recursos campo para a aplicação da dessalinização tem um forte componente transnacional, os em grande escala, para a qual a energia efeitos geopolíticos dessa transição se tor- nuclear seria uma alternativa viável. narão cada vez mais pronunciados. Com efeito, a energia nuclear já está Note-se, finalmente, que a água do mar sendo usada para dessalinização e tem é um recurso praticamente inesgotável. potencial para um uso muito maior. A Seu efetivo uso, entretanto, depende da dessalinização nuclear é muito competitiva disponibilidade de energia abundante e a em termos de custos, e somente os reatores baixo custo para dessalinização e posterior nucleares são capazes de fornecer as copio- transporte e distribuição para os locais ca- sas quantidades de energia necessárias para rentes em água doce. Isto abre um amplo projetos em grande escala no futuro.

Dessalinização Nuclear5

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Energia nuclear; Ciência; Política nuclear; Água;

5 Em: https://www.oecd-nea.org/ndd/workshops/nucogen/presentations/8_Khamis_Overview-nucleardesalination.pdf

120 RMB1oT/2017 DAS FORÇAS ARMADAS E DO PODER JUDICIÁRIO SOB O PRISMA DOS DISCURSOS PRESIDENCIAIS DURANTE A REPÚBLICA VELHA

REIS FRIEDE* Desembargador Federal

SUMÁRIO

Introdução Dos discursos dos Presidentes da República Velha (ou Primeira República) Deodoro da Fonseca Floriano Peixoto Prudente de Moraes Campos Sales Rodrigues Alves Afonso Pena Nilo Peçanha Hermes da Fonseca Wenceslau Braz Epitácio Pessoa Arthur Bernardes Washington Luís Conclusão

* Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal (TRF)/2ª Região. Ex-membro do Ministério Público e professor titular da Universidade Veiga de Almeida e do mestrado em Desenvolvimento Local do Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam). Colaborador costumeiro da RMB. DAS FORÇAS ARMADAS E DO PODER JUDICIÁRIO SOB O PRISMA DOS DISCURSOS PRESIDENCIAIS DURANTE A REPÚBLICA VELHA

INTRODUÇÃO relacionado com o tema de fundo abordado no trabalho. construção do presente artigo partiu de A uma premissa: a de que os discursos, DOS DISCURSOS DOS notadamente aqueles articulados por oca- PRESIDENTES DA REPÚBLICA sião da assunção do mandato presidencial, VELHA (OU PRIMEIRA abarcam, representam e refletem parte REPÚBLICA) da história nacional, o que nos inspirou a analisar os pronunciamentos de posse A República Velha (ou Primeira Re- realizados pelos presidentes durante a Re- pública) abarca a fase compreendida pública Velha, desde Deodoro da Fonseca entre a Proclamação da República (15 de até Washington Luís. novembro de 1889) até a Revolução de Nesse sentido, Fernando Lyra, então 1930, movimento que depôs o Presidente deputado federal, na qualidade de líder do Washington Luís, em 24 de outubro do antigo Movimento Democrático Brasileiro mesmo ano. Trata-se, como cediço, de um (MDB), em discurso publicado no Diário período extremamente conturbado da histó- do Congresso Nacional de 2 de abril de ria nacional, caracterizado pela ocorrência 1975, afirmou que os discursos, como de diversas revoltas que, volta e meia, testemunhos de uma época, “integram o redundavam numa intervenção militar, evi- acervo histórico de qualquer povo civiliza- denciando, assim, o papel desempenhado do, valendo como fonte das mais originais pelas Forças Armadas de então, enquanto e autênticas para fixar o grau de desenvol- instrumento de estabilização política, bem vimento político”. (BRASIL, 1975, p. 2) como a incapacidade de o Poder Judiciário Tendo em vista o escopo a ser alcançado atuar como mecanismo de solução de cri- pelo texto ora introduzido, a empreitada ses, apesar de formalmente independente. limitou-se a identificar, fragmentar e ana- lisar, especificamente, o ponto de vista DEODORO DA FONSECA anunciado pelos presidentes da época em relação às Forças Armadas e ao Poder Ju- Laurentino Gomes, discorrendo sobre diciário, de modo a buscar informações que o período imediatamente antecedente aos possibilitassem verificar a respectiva traje- 15 de novembro de 1889, traçou o seguinte tória institucional em momentos pretéritos. quadro: Para tanto, foram examinados diversos Na última eleição parlamentar do discursos presidenciais, sendo que, em Império, realizada em 31 de agosto de alguns casos, tendo em vista a inexistência 1889, o Partido Republicano elegeu de uma preleção de posse, outros, relativos somente dois deputados e nenhum a momentos posteriores, foram sopesados senador. Os votos colhidos pelos seus em substituição, adotando-se, em qualquer candidatos em todo o País não chegaram caso, o critério cronológico. a 15% do total apurado. O resultado era Obviamente, como não poderia dei- pior do que o obtido quatro anos antes, xar de ser, permitimo-nos, em alguns no pleito de 1885 [...]. Sem eco nas ur- momentos, extrair certas inferências dos nas, os civis encontraram nos militares fragmentos textuais transcritos, para, em o elemento de força que lhes faltava seguida, consignar a nossa própria obser- para a mudança do regime. (GOMES, vação acerca dos fatos, tudo historicamente 2013, p. 19)

122 RMB1oT/2017 DAS FORÇAS ARMADAS E DO PODER JUDICIÁRIO SOB O PRISMA DOS DISCURSOS PRESIDENCIAIS DURANTE A REPÚBLICA VELHA

Laurentino (2013, p. 175) menciona, para a defesa da integridade da pátria e como um dos antecedentes históricos ao da ordem pública, o governo provisó- advento da República, o episódio da Questão rio, por todos os meios a seu alcance, Militar, ou seja, uma série de conflitos envol- permite e garante a todos os habitantes vendo o Exército e o governo imperial entre do Brasil, nacionais e estrangeiros, a agosto de 1886 e maio de 1887, cujos des- segurança da vida e da propriedade, o dobramentos ocasionariam profundas fendas respeito aos direitos individuais e polí- nas relações hierárquicas, de modo que a ticos, salvas, quanto a estes, as limita- Monarquia não possuía mais condições de ções exigidas pelo bem da pátria e pela impor disciplina aos quartéis. Por conta legítima defesa do governo proclamado desse e de outros fatores, criou-se, assim, o pelo povo, pelo Exército, pela Armada “caldo de cultura” que viabilizou diversas nacional. (BONFIM, 2004, p. 29-30) intervenções militares ocorridas no Brasil, no Notemos a força qual as Forças Arma- O povo, o Exército e das palavras de Deo- das figuraram como as doro, que nenhuma dú- grandes responsáveis a Armada nacional vida deixam a respeito pela fundação da Re- [...] acabam de do status e do poder pública brasileira, evi- decretar a deposição das Forças Armadas denciando, ademais, no final do século XIX: certa incapacidade da dinastia imperial “O povo, o Exército e da sociedade civil da e consequentemente a Armada nacional [...] ocasião em conduzir acabam de decretar a os rumos do Estado a extinção do sistema deposição da dinastia liberal. Com efeito, o monárquico representativo imperial e consequen- advento republicano Deodoro da Fonseca temente a extinção do consolidou definitiva- sistema monárquico mente a importância representativo”. institucional das Forças Armadas. Ademais, o Marechal, ao mesmo tem- Quando da Proclamação da República, po em que confere às Forças Armadas a o Marechal Deodoro da Fonseca (15 de denominação de depositárias da vontade novembro de 1889 a 23 de novembro de nacional, realça o compromisso de lhes 1891) fez expressa referência ao Exército e assegurar o papel de principais mantene- à Armada (não existia a Força Aérea, ainda, doras da ordem e das instituições. Como por razões óbvias): comprova a história, tal concepção quanto Concidadãos – O povo, o Exército à missão das Forças Armadas iria se repetir e a Armada nacional, em perfeita co- ao longo do século XX, possibilitando, munhão de sentimentos com os nossos como veremos nos registros subsequentes, concidadãos residentes nas províncias, diversas intervenções na cena nacional, tais acabam de decretar a deposição da di- como as de 1937 e 1964. nastia imperial e, consequentemente, a extinção do sistema monárquico repre- FLORIANO PEIXOTO sentativo [...]. No uso das atribuições e faculdades Deodoro, como se sabe, governou provi- extraordinárias de que se acha investido soriamente de 15 de novembro de 1889 a 25

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de fevereiro de 1891. Era preciso, portanto, Paulista e representante da elite cafeeira eleger o Presidente da República para um paulista, na pasta da Fazenda. Como não mandato regular de quatro anos. Sem se poderia deixar de ser, ao discursar, Floriano afastar do governo, Deodoro candidatou- destacou o papel do Exército e da Armada. -se ao pleito, o que lhe facilitava, a toda Sinteticamente, afirmou o militar: evidência, o eventual manejo das Forças São conhecidos os fatos que se rea- Armadas em seu benefício, caso viesse lizaram nesta cidade [Rio de Janeiro] e a perder as eleições para o candidato da no seu porto durante a noite de 22 e na oposição, Prudente de Moraes. A bem da manhã do dia seguinte, precedidos de verdade, havia um sentimento de que De- levantamento do heroico estado do Rio odoro, uma vez derrotado, não entregaria o Grande do Sul, e atitude francamente poder. Eleito indiretamente com 129 votos, hostil do estado do Pará. A Armada, contra 97 de Prudente, o Marechal toma grande parte do Exército e cidadãos de posse aos 26 de fevereiro de 1891. diversas classes promoveram pelas ar- Em 3 de novembro de 1891, no episódio mas o restabelecimento da Constituição que restou historicamente conhecido como e das leis suspensas pelo decreto de 3 o Golpe de 3 de Novembro, Deodoro da deste mês [novembro], que dissolveu Fonseca dissolve o Congresso Nacional e o Congresso Nacional. A história re- instaura o estado de sítio, suspendendo as gistrará esse feito cívico das classes disposições da Constituição republicana re- armadas do País em prol da lei, que não ferentes aos direitos individuais e políticos, pode ser substituída pela força; mas ela possibilitando, assim, que qualquer pessoa registrará igualmente o ato de abnegação fosse presa sem direito a habeas corpus, e patriotismo do generalíssimo Manoel o que motivou uma nova intervenção do Deodoro da Fonseca resignando o poder Exército. Por sua vez, unidades da Armada, a fim de poupar a luta entre irmãos, o tendo como um dos líderes o Almirante derramamento do sangue de brasileiros, Custódio de Mello, ameaçam bombardear o choque entre os seus companheiros de o Rio de Janeiro (Distrito Federal), caso armas, fatores gloriosos do imortal mo- Deodoro não voltasse atrás e restaurasse vimento de 15 de novembro, destinados as condições políticas, acontecimento que a defender, unidos, a honra nacional e restou conhecido como a primeira Revolta a integridade da pátria contra o estran- da Armada (1891). geiro e a defender e garantir a ordem e Pressionado devido à crise política e as instituições republicanas no interior econômica que havia se instalado no País, do País. causada, notadamente, pela política do En- Esses acontecimentos que não têm cilhamento, Deodoro renuncia ao mandato muitos modelos nos anais da humani- presidencial em 23 de novembro de 1891, dade e dos quais podemos nos gloriar, assumindo o vice Floriano Peixoto (23 de como justamente nos gloriamos das novembro de 1891 a 15 de novembro de duas revoluções pacíficas que operaram 1894), que inaugura uma fase de governo pela República, a transformação de antideodorista, na qual se constata uma todo nosso direito político e pela aboli- coalizão político-militar, tendo em suas ção do elemento servil, a transformação fileiras, por exemplo, o Almirante Custó- do trabalho nacional, atestarão aos dio de Mello como ministro da Armada, e vindouros o amor do povo, da Marinha Rodrigues Alves, do Partido Republicano e do Exército pelas liberdades consti-

124 RMB1oT/2017 DAS FORÇAS ARMADAS E DO PODER JUDICIÁRIO SOB O PRISMA DOS DISCURSOS PRESIDENCIAIS DURANTE A REPÚBLICA VELHA

tucionais, que formam e enobrecem a decide permanecer no cargo até o fim do vida das nações modernas. [...]. quadriênio para o qual Deodoro havia sido No governo do Estado, que me foi eleito, provocando uma ferrenha oposição conferido pela Constituição, confio na por parte de alguns segmentos da sociedade retidão de sua consciência para promo- e dos militares. Diante do impasse suces- ver o bem da pátria. Da confiança do sório, novamente a embrionária República povo, do Exército e da Marinha espero vê-se perante uma nova investida militar, não desmerecer. Das forças de terra agora contra a permanência do florianismo. e mar conheço o valor realçado pela Assim, diante desse ambiente conturba- disciplina e pelo respeito aos direitos do, em março de 1892, 13 oficiais-generais da sociedade civil. Admirei e admiro do Exército e da Marinha assinam um mani- os meus bons companheiros na guerra festo (conhecido como o Manifesto dos 13 e na paz. Generais) questionan- A coragem e do a legitimidade do a constância que Das forças de terra e mar governo de Floriano, mostraram [os mi- bem como pleiteando litares] nos com- conheço o valor realçado a imediata realização bates se transfor- pela disciplina e pelo de eleições para Pre- maram nos anos respeito aos direitos da sidente da República. de paz, que temos Em reação, Floriano fruído, no amor da sociedade civil. Admirei determina a prisão e Liberdade e da Re- e admiro os meus bons a reforma de vários pública, que com militares. o povo fundaram companheiros na guerra Com efeito, en- e com ele querem e na paz quanto a primeira su- manter e conso- Floriano Peixoto blevação da Marinha lidar. (BONFIM, atuou contra Deodoro 2004, p. 36-37) da Fonseca, que pre- tendia permanecer no poder e foi impedido Da análise do discurso de Floriano de seu intento, o segundo levante, por seu Peixoto extrai-se, com muita evidência, turno, guarda relação com a questão da o protagonismo das Forças Armadas de sucessão de Floriano, tema que encontrava outrora, cujo poder detinha as condições interpretação e solução jurídica junto ao art. de apoiar ou rejeitar o governo que se ins- 42 da Carta de 1891, o que, evidentemente, talava, deixando patente, assim, o respeito não aconteceu sob o agasalho do Poder do Presidente em relação aos militares, por Judiciário daquela quadra. ele chamados de companheiros. Assim, em 6 de setembro de 1893, ofi- Mas a assunção de Floriano ainda ciais da Força Naval, novamente liderados provocaria outro imbróglio. O art. 42 da por Custódio de Mello, deflagram, no Rio Constituição de 1891 previa que, no caso de Janeiro a segunda Revolta da Armada, de vaga, por qualquer causa, da Presidência cujo objetivo era depor Floriano, cujo de- antes de completados dois anos do período sejo, contrariando o texto constitucional, presidencial, nova eleição deveria ser rea- era completar o mandato do Presidente lizada. Não obstante, Floriano faz ouvidos anterior. O movimento, que contou com o moucos para tal regra constitucional e apoio do Almirante Eduardo Wandenkolk,

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ministro da pasta da Marinha no governo nível de envolvimento das Forças Armadas de Deodoro, bem como do Almirante com a política na incipiente República Saldanha da Gama, então comandante da brasileira, aspecto que acabava por gerar o Escola Naval, ameaçava destruir a capital, quadro abaixo descrito por Tobias Monteiro: sofrendo, então, forte oposição do Exérci- [...] nas forças militares onde penetra to, fato que comprova a falta de consenso o vírus da política, forças que subvertem político entre os próprios militares. regimes, depõem autoridades e mudam Interessante registrar um dado histórico, situações, os legalistas e os revolucio- qual seja o fato da Armada não ter parti- nários revezam-se na sua dupla tarefa. cipado efetivamente da Proclamação da Muitos dos que o levaram [refere-se a República (1889), mas ter se envolvido, Floriano] ao poder em nome da Cons- num curto lapso temporal, e sob a liderança tituição depressa passaram a arrogar- de Custódio, em dois episódios (1891 e -se o poder de interpretá-la e impor a 1893). A explicação, segundo o que o pró- decisão dos canhões; do mesmo modo, prio Almirante registrou, seria a seguinte: alguns dos que contra eles o defenderam Na monarquia nunca nos filiamos a e dos mais próximos à sua pessoa já nenhum partido político, nem uma só preparavam as armas para substituí-los vez exercemos o direito de voto nos e conspiravam para opor-se ao advento comícios eleitorais, jamais ocupamos do governo civil. lugar político, e muito menos nos pres- Era em tudo o espetáculo tão cons- tamos a manejos militares eleitorais nos tante na vida política do Brasil, desde a cargos de administração, inerentes ao Independência, de verem-se os homens serviço militar, que nos foram confiados. caídos do governo trocar os papéis com Íamos, sim, sempre que o dever militar e os da oposição vencedora; as palavras o desejo de gratidão o exigiam, ao Paço e as ações passam de uns a outros, pro- Militar cumprimentar o chefe da Nação, feridas e praticadas com a mesma falta de quem nunca sofremos desgostos de de convicções e a mesma paixão de inte- uma só injustiça. Mas, se é certo que resse ferido ou satisfeito. (MONTEIRO, nossas ideias republicanas, ainda que 2005, p. 46-47) platônicas, nos afastavam das lutas partidárias e do convívio dos homens E essa relação militarismo-política, políticos e dos cortesãos, não é menos como veremos durante o presente texto, se certo de que servimos a nosso país com repetiria em outras ocasiões. a maior dedicação, lealdade e patriotis- mo, do que nossa fé de ofício fornece PRUDENTE DE MORAES inequívocas e exuberantes provas. [...] servindo nós agora a República, princi- Prudente de Moraes (15 de novembro palmente depois de termos por duas [as de 1894 a 15 de novembro de 1898), um Revoltas da Armada, em 1891 e 1893] advogado, quebra a sequência de militares vezes arriscado nossa vida para salvá-la. no poder. Não obstante, também consagra (MELLO, 1938, p. 25-26) a atuação e o apoio das Forças Armadas na sua alçada à Presidência. Ao ser empossado O cenário relativo à transição e respecti- e discursar, registrou: vos embates ocorridos à época entre deodo- Assumindo hoje a Presidência da ristas e florianistas demonstra justamente o República, obedeço à resolução da sobe-

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rania nacional, solenemente enunciada pel exercido pelas forças militares de terra pelo escrutínio de 1o de Março. [...]. e mar sobre os denominados inimigos da O lustro de existência que hoje com- República, vitória que, segundo o transcrito pleta a República brasileira tem sido de pronunciamento, possibilitou a estabilidade lutas quase permanentes com adversá- republicana. No entanto, ao longo de seu rios de toda a espécie [...]. governo, Prudente de Morais realizou cor- Como expressão concreta desse tes no orçamento militar, o que acarretou período de funestas dissensões e lutas, problemas quanto ao ensino e à formação rememoro com amargura a revolta de 6 da oficialidade militar, impedindo, ainda, a de setembro do ano próximo passado. modernização das instituições castrenses. Essa revolta, que foi o mais CAMPOS SALES violento abalo A vitória da República de que se podia foi decisiva para provar O Presidente Cam- ressentir o regi- pos Sales (15 de no- me proclamado a a estabilidade das novas vembro de 1898 a 15 15 de Novembro instituições, que tiveram de novembro de 1902), de 1889, iniciada ao discorrer por oca- sob o pretexto de para defendê-las a sião de sua posse, não defender a Cons- coragem, a pertinácia e a se referiu às forças tituição da Repú- dedicação do benemérito militares. Em nenhum blica e de libertar momento citou termos a Pátria do jugo chefe de Estado, auxiliado semelhantes aos pro- de uma suposta eficazmente pelas forças feridos por Deodoro, ditadura militar, Floriano e Prudente. reuniu, sob a sua militares de terra e mar Tratou, principalmen- bandeira, todos os Prudente de Moraes te, de aspectos per- elementos adver- tinentes à economia, sos à ordem e à paz tendo em vista que, ao pública, concluindo por caracterizar-se assumir, herdou uma grave crise econômi- em um movimento formidável de ataque ca. De importante para o presente estudo, às instituições nacionais, arvorando o cabe registrar que o discurso de 15 de estandarte da restauração monárquica. novembro de 1898, de certo modo, teceu Mas, por isso mesmo que essa luta tre- considerações a respeito da harmonia que menda foi travada pela coligação de todos deve existir entre os poderes republicanos, os inimigos, a vitória da República foi de- embora tenha conferido uma função ex- cisiva para provar a estabilidade das novas tremamente acanhada ao Poder Judiciário, instituições, que tiveram para defendê-las reveladora mesmo de uma independência a coragem, a pertinácia e a dedicação do institucional meramente formal: benemérito chefe de Estado, auxiliado Desde que, sob a influência de funes- eficazmente pelas forças militares de terra tas tendências e dominado por mal enten- e mar [...]. (BONFIM, 2004, p. 44) dida aspiração de supremacia, alguns dos poderes tentarem levar a sua ação além Como se vê novamente, um Presidente, das fronteiras demarcadas, em manifesto ao ser investido no cargo, faz alusão ao pa- detrimento das prerrogativas de outro,

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estará nesse momento substancialmen- exercer em nome do sufrágio direto da te transformada e invertida a ordem Nação, afirmo aqui, desde já, o meu constitucional e aberto o mais perigoso mais profundo respeito ante a conduta conflito do qual poderá surgir uma crise dos demais poderes, na órbita de sua cujos perniciosos efeitos venham afetar soberania. Esta atitude, que será rigo- o próprio organismo nacional. rosamente observada, dará forças ao Este perigo é mais para temer-se nas depositário do Executivo para, de seu urbanizações novas, sobretudo nas fases lado, opor obstinada resistência a todas que precedem às experiências definiti- as tentativas invasoras. vas, quando ainda não se tem alcançado, O papel do Judiciário no jogo das por um longo pro- funções constitucio- cesso de aplicação, nais torna mais remo- estabelecer no pró- As linhas que separam tas as suas relações prio terreno, isto é, com os outros poderes. praticamente, as as respectivas esferas É um poder que não linhas que sepa- de competência. Isto luta; não ataca; não se ram as respectivas indica bem o cuidado, o defende: julga. Sem esferas de compe- a iniciativa que aos tência. Isto indica zelo patriótico, a sincera outros cabe, a sua ação bem o cuidado, o solicitude, a isenção de não se manifesta se- zelo patriótico, a não quando provocada. sincera solicitude, ânimo e o sentimento de Fora desta região de a isenção de âni- justiça que, em cada um paz e pureza, a única mo e o sentimento dos órgãos da soberania em que reina a justiça, de justiça que, em o seu prestígio moral cada um dos ór- nacional, devem presidir o desfaz-se ao sopro das gãos da soberania exame e assinalamento das paixões. nacional, devem São mais diretas presidir o exame funções respectivas e mais frequentes as e assinalamento Campos Sales relações entre o Exe- das funções res- cutivo e o Legislativo. pectivas. Estes são os poderes Não ceder nem usurpar. que colaboram em estreita aliança na Fora daí, em vez de poderes coorde- dupla esfera do governo e da adminis- nados, não teremos senão forças rivais, tração; a eles, pois, compete manter, no em perpétua hostilidade, produzindo a desdobramento de sua comum atividade, perturbação, a desordem e a anarquia uma contínua e harmônica convergência nas próprias regiões em que paira o de esforços a bem da República. (BON- poder público para vigiar pela tranqui- FIM, 2004, p. 58-59) lidade e pela segurança da comunhão nacional e garantir a eficácia de todos Cumpre destacar quão palidamente os direitos. Campos Sales concebia o status do Poder Defendendo intransigentemente e Judiciário, cuja posição de isolamento, se- com o mais apurado zelo as prerro- gundo o governante, tornava remota a sua gativas conferidas ao poder que vou relação com os outros poderes.

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RODRIGUES ALVES Esperando ser um Governo justo, confio na disciplina dos espíritos, no Rodrigues Alves (15 de novembro de espírito de ordem dos meus concida- 1902 a 15 de novembro de 1906) foi o dãos, na ação legal das Forças Armadas Presidente da República seguinte. Dife- e no seu nunca desmentido patriotismo. rentemente de seu antecessor, referiu-se (BONFIM, 2004, p. 81-82) às forças militares. De relevante para a nossa pesquisa, destaca-se, outrossim, ter Ao afirmar que pretendia “dedicar es- feito menção ao princípio da separação pecial atenção aos interesses das classes dos poderes: armadas”, Rodrigues Alves preocupa-se Não permitem as nossas condições em demonstrar, desde logo, alguma de- financeiras grandes promessas, que ferência pelas forças de terra e mar. Da não poderiam, ali- mesma forma, ao dizer ás, ser satisfeitas. de sua confiança na Espero, todavia, Todos se acham “ação legal das For- poder dedicar ças Armadas e no seu especial atenção convencidos de que a nunca desmentido pa- aos interesses das ordem e a tranquilidade triotismo”, demonstra classes armadas, geral são indispensáveis o mandatário empos- de terra e mar, pro- sado quão frequente curando acudir às para a marcha normal dos era o emprego das ins- suas mais urgen- negócios públicos e para o tituições castrenses em tes necessidades matéria de sustentação e promovendo os aproveitamento regular dos do poder político. melhoramentos grandes recursos do País que forem compa- Rodrigues Alves AFONSO PENA tíveis com os nos- sos recursos. [...]. Em seguida, Afon- Adstrito aos encargos que lhe in- so Pena (15 de novembro de 1906 a 14 de cumbe e bem disposto a não abrir mão junho de 1909) alcança a Presidência da dos direitos e atribuições que lhe são República, tomando posse em sessão solene assegurados pela Constituição de 24 no Congresso Nacional. Da mesma forma, de fevereiro, o Governo há de respeitar cita as Forças Armadas em seu discurso: como lhe cumpre, a esfera da ação em Por nossa parte, temos mantido que tiverem a girar os demais poderes tradicionalmente uma política de paz e da República. de concórdia, conseguindo dirimir, na A ação do Governo, estou certo, não calma dos gabinetes ou dos tribunais, há de ser embaraçada por tendências questões herdadas dos tempos coloniais. perturbadoras de qualquer natureza. O A conservação do mesmo quadro das período das agitações passou. Todos se forças de mar e terra, durante longos acham convencidos de que a ordem e a anos, apesar do grande aumento da nos- tranquilidade geral são indispensáveis sa população e do incremento que tem para a marcha normal dos negócios pú- tido o nosso comércio interno e externo, blicos e para o aproveitamento regular dá testemunho eloquente dos intuitos dos grandes recursos do País. pacíficos que nos animam.

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Não quer isto dizer, entretanto, que A Justiça Federal, pairando na es- devemos descurar de colocar as nossas fera serena e garantidora dos direitos e forças militares, de tradições tão ricas de guarda da Constituição, vai firmando em bravura e patriotismo, em condições de sábios arestos alguns pontos duvidosos bem desempenharem a sua nobre e eleva- desta, mal compreendidos no início de da missão de defensoras da honra nacional sua execução. É a prova mais eloquen- e guardas vigilantes da Constituição e te de que não é prudente promover das leis. A perda de valiosas unidades reformas antes de pedir à experiência de combate sofrida pela nossa Marinha, e à aplicação leal da Constituição indi- de anos a esta parte, justifica de sobejo cações seguras sobre o alcance dos dis- o ato do Governo brasileiro procurando positivos, que se afiguram imperfeitos substituí-las de acordo com as exigências ou deficientes. A alta cultura jurídica dos modernos en- dos nossos juízes deve sinamentos da arte inspirar a mais com- naval. Da mesma No regime presidencial, pleta segurança de que forma, melhorar a o Supremo Tribunal, organização militar mais que em outro colocado na cúpula da e renovar o material qualquer, o Poder organização judiciá- de guerra, dentro ria, pode desempenhar dos limites impos- Executivo deve dar com lustre o brilhante tos pela situação exemplo de respeito e papel representado na financeira, é dever cordialidade em suas União Americana pelo comezinho do nos- Instituto que serviu so como de todo relações com os outros de modelo ao nosso Governo cônscio Poderes que a Constituição legislador constituinte. de suas responsa- (BONFIM, 2004, p. bilidades, sem que criou, independentes e 100-101) se possa atribuir ao harmônicos seu cumprimento Afonso Pena A transcrição supra propósito de ame- possibilita observar aça ou intuito de alguns pontos interes- agressão a povo algum, pois que a nossa santes do discurso de Afonso Pena, o qual, preocupação foi e sempre será angariar num momento, destacou a missão outrora e estreitar relações com todas as nações. consagrada às forças de terra e mar, ou seja, No regime presidencial, mais que a de “defensoras da honra nacional e guar- em outro qualquer, o Poder Executivo das vigilantes da Constituição e das leis”. deve dar exemplo de respeito e cordia- Em seguida, afirma que a “Justiça Federal, lidade em suas relações com os outros pairando na esfera serena e garantidora Poderes que a Constituição criou, dos direitos e guarda da Constituição, vai independentes e harmônicos. firmando em sábios arestos alguns pontos Assim praticarei, convencido da duvidosos desta, mal compreendidos no sabedoria desta norma consagrada em início de sua execução”. todas as legislações e que se impõe de Vê-se, portanto, que a mesma missão modo iniludível a qualquer espírito aten- (guarda da Constituição) foi atribuída to na história política dos povos cultos. simultaneamente às Forças Militares e

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ao Poder Judiciário, o que, a nosso ver, não surgirá o sol do cesarismo; mas, ao mesmo tempo em que reflete o antigo sob a égide de um soldado, o País há protagonismo daquelas, traduz o incipiente de ver firmar-se de vez a mais civil das status institucional deste. repúblicas, pela abrogação das práticas e dos hábitos contrários ao regime e de NILO PEÇANHA tudo que tem servido para deturpar o espírito e a inteligência da Constituição Com a morte de Afonso Pena, ocorrida de 24 de Fevereiro. [...]. em 14 de junho de 1909, assume o vice- E ser-me-á fácil a tarefa porque, -presidente Nilo Peçanha (14 de junho de soldado, só tenho uma aspiração – o 1909 a 15 de novembro de 1910), que não cumprimento inflexível da lei; cidadão, realiza discurso de posse, muito prova- só tenho um ideal – a estabilidade do velmente por conta regime e a felicidade do momento de luto da pátria. (BONFIM, nacional. Ser-me-á fácil a tarefa 2004, p. 113; 119) porque, soldado, HERMES DA Sobre a importân- FONSECA só tenho uma aspiração – cia das Forças Arma- o cumprimento inflexível das, dando especial Posteriormente, de destaque à missão de 15 de novembro de da lei; cidadão, só tenho defesa nacional e ao 1910 a 15 de novem- um ideal – a estabilidade respectivo orçamento bro de 1914, o militar do regime e a felicidade militar, disse Hermes Hermes da Fonseca, da Fonseca: que havia sido minis- da pátria Mas o fato de haver tro da Guerra durante Hermes da Fonseca sido sempre de paz e de o governo de Afonso fraternidade a política Pena, é eleito para o internacional do Brasil cargo de Presidente da República, tendo to- e o propósito formal de prosseguir em mado posse em sessão solene do Congresso tão sábia política, não significam nem Nacional. Sua condição marcial foi devida- impõem que nos descuremos dos legí- mente registrada numa das passagens de timos meios de defesa do País. seu discurso, mormente ao dizer, em tom de Na medida dos recursos financeiros esclarecimento, que sua origem castrense da República, cumpre persistir no apa- não o afastaria dos “princípios republicanos relhamento da nossa Marinha, não só e dos reais interesses da nação”: pela inteira execução do plano adotado A minha qualidade de soldado, assim como pelo preparo intensivo do pessoal como não influiu para que os elementos incumbido, para isto, as escolas técnicas civis do país me julgassem digno de pre- de eletricidade, maquinistas e marujos. sidir aos destinos da República, também, Não basta, porém, a aquisição de afirmo-o sob a fé de todo o meu passado, navios de guerra, que largos sacrifícios não será causa para que me divorcie, le- custam à nação; é necessário, para que vando por estreito sentimento de classe, se conservem em condições de desem- dos verdadeiros princípios republicanos penhar o papel a que podem ser cha- e dos reais interesses da nação. Comigo mados um dia, que a Esquadra, apesar

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das despesas que isso acarreta, esteja se tornar Presidente da República, quando em constante movimento, pois é no ocupava a pasta da Guerra no governo incessante labutar em alto-mar, no per- Afonso Pena, dedicou-se a um projeto manente funcionamento das máquinas e de modernização do Exército, o qual, no nos exercícios de toda a espécie que os início do século XX, segundo a maioria da oficiais e tripulação se habilitarão para oficialidade, encontrava-se militarmente o perfeito desempenho de suas funções. atrasado. À época, entre outras medidas No que diz respeito às forças de terra, postas em prática, um grupo de oficiais estou ainda convencido de que, executa- foi enviado para estagiar junto ao Exér- do integralmente o plano de organização cito alemão. Retornando ao Brasil, esses delineado na última reforma, poderemos oficiais deflagraram uma campanha pelo preparar, em pouco tempo, um exército aperfeiçoamento profissional da instituição. em condições de enfrentar o mais forte Conforme explica Cristina Monteiro de e mais disciplinado adversário. Andrada Luna: A lei do sorteio, com a criação das Devido ao afã modernizador, o linhas de tiro, que muito se tem desen- grupo foi pejorativamente apelidado volvido, preparará, dentro em pouco, de “jovens turcos” por uma parcela numerosa e excelente reserva para o de militares e civis que se opunham Exército. às suas ideias. O apodo fazia alusão a Estou certo de que, no limite das do- oficiais turcos que haviam estagiado no tações orçamentárias, estabelecendo-se Exército alemão e, que, ao retornar à verbas parceladas e convenientes, pode- Turquia, engajaram-se em um partido remos, em poucos anos, pelo desenvol- nacionalista e reformista, oficialmente vimento paulatino de arsenais e fábricas, conhecido como Comitê de União e Pro- aquisição de armamentos e material gresso, mas informalmente conhecido bélico, constituídas as unidades táticas como Jovens Turcos, por ser formado que pela reforma foram criadas, formar por estudantes universitários e jovens uma nação militarmente forte, sem que oficiais progressistas. Na Turquia, os haja necessidade de se manterem os Jovens Turcos participaram de uma nossos quartéis repletos de soldados, rebelião contra o sultanato e de um pois que, pelos processos adotados, cada processo de transformações que acabou um dos nossos patrícios se transformará por resultar, em 1923, na Proclamação em cidadão-soldado. (BONFIM, 2004, da República sob a liderança de Mustafá p. 117-118). Kemal, após o Império Otomano ter sido extinto pela derrota na Primeira Guerra Cumpre notar que o discurso de Hermes Mundial, em 1918. da Fonseca enaltece o clássico papel ins- Contudo, o apelido que surgiu de titucional de defesa nacional. Pelo menos forma pejorativa passou a ser visto como no que se refere aos discursos de posse, um símbolo de abnegação e patriotismo, pode-se dizer que, de todos os presidentes conforme destacou Estevão Leitão de da República, Hermes da Fonseca é o Carvalho em sua autobiografia intitulada primeiro a abordar de modo tão claro a Memórias de um soldado legalista. missão das Forças Armadas em matéria de Em relação ao pensamento dos jo- defesa nacional. Cabe destacar, inclusive, vens turcos, é importante notar que o que Hermes da Fonseca, mesmo antes de grupo considerava o Brasil uma nação

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incipiente, desprovida de nacionalidade tornar-se, em dados momentos, um fator e de instituições verdadeiramente nacio- decisivo de transformação política ou de nais. O referencial para suas conclusões estabilização social”. era a Nação e o Estado-Nação tal como se desenvolveram nos países da Eu- O trecho destacado pela autora revela ropa Ocidental e nos Estados Unidos. um dado interessante já naquela ocasião: Dessa forma, os jovens turcos não se malgrado o profissionalismo que se des- preocupavam apenas com o Exército, pertava no seio castrense, o sentimento mas também com a compleição física de que as Forças Armadas deveriam atuar do brasileiro e sua educação; com o como instrumento de “transformação estágio agrário da política ou de estabili- economia nacional zação social” não ha- e com a dependên- O sentimento de que as via cessado, afirmação cia e o atraso do Forças Armadas deveriam comprovada por meio País em relação às das diversas interven- grandes potências atuar como instrumento de ções militares ocorri- e a países da Amé- “transformação política ou das desde então, tais rica Latina como como o Tenentismo Chile e Argentina, de estabilização social” não da década de 1920 e o cujos exércitos já havia cessado, afirmação movimento de 1964. contavam com o comprovada por meio Por ocasião do dis- auxílio de missões curso de posse, agora estrangeiras. das diversas intervenções em relação ao Judiciá- Sendo assim, os militares ocorridas rio, Hermes da Fonse- jovens turcos aca- ca afirma que: baram desenvol- desde então, tais como o Uma das maiores vendo uma nova Tenentismo da década de preocupações dos paí- concepção a res- 1920 e o movimento de 1964 ses policiados deve ser peito da atuação à boa e pronta distri- política do militar, buição da justiça [...]. à medida que recusaram a intervenção [...] é necessário: elevar cada vez individual do militar na política, mas mais o nível intelectual e moral da consideraram válida a intervenção do magistratura, melhorando não só as Exército, como corporação, na política condições de independência dos juí- nacional. Tal concepção foi explicitada zes, como o critério para a sua inves- pelo primeiro editorial de A Defesa Na- tidura e promoção, do qual resulte o cional, quando seus fundadores afirma- preenchimento efetivo dos requisitos ram que “nas nacionalidades nascentes de competência moral e profissional; como a nossa, em que os elementos mais facilitar a justiça colocando-a mais ao variados se fundem apressadamente para alcance dos jurisdicionados, sobretudo a formação de um povo, o Exército, pela diminuição dos ônus que lhes são única força verdadeiramente organiza- impostos; torná-la mais rápida, princi- da, no seio de uma tumultuosa massa palmente nos julgamentos definitivos efervescente, vai às vezes um pouco das causas; dar-lhe, no Distrito Federal, além dos seus deveres profissionais para instalação condigna em edifício que

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satisfaça às mais rigorosas exigências salvas, está entendido, as prerrogativas e onde funcionem todos os serviços do Poder Executivo. Assegurado o res- subordinados aos tribunais; dispor sobre peito mútuo entre os poderes públicos a uniformização da jurisprudência, para e agindo todos eles livre e desapaixona- que a igualdade judiciária perante a lei damente dentro da órbita constitucional, atinja ao seu fim, segundo a essência do levaremos definitivamente ao espírito princípio constitucional que se não res- popular a convicção da eficácia do regi- tringe à inadmissibilidade de privilégios me em que vivemos. O que se deve que- pessoais, mas é extensivo ao reconheci- rer, e eu quero, é um Poder Executivo mento igual do direito sempre que for súdito da lei; um Poder Legislativo de- idêntico o fenômeno jurídico sujeito à sassombrado fiscalizador do Executivo; decisão judiciária. e um Poder Judiciário (BONFIM, 2004, com verdadeira garan- p. 113-114) Refiro-me às nossas Forças tia de todos os direitos: Armadas, quer de terra, poderes harmônicos O retrato insti- e independentes, sem tucional exposto no quer de mar, de tradições concessões nem usur- trecho em destaque tão cheias de bravura e de pações. [...]. indica que alguns Não terminarei sem dos problemas que patriotismo no desempenho fazer uma referência afligem o Judiciário da incumbência especial a um dos mais brasileiro já eram pre- constitucional da defesa sérios problemas no ocupação desde o iní- nosso país. Refiro-me cio do século passado, da Pátria no exterior e da às nossas Forças Ar- tais como: investidura manutenção das leis no madas, quer de terra, na magistratura, capa- quer de mar, de tra- citação da carreira, in- interior dições tão cheias de dependência, acesso Wenceslau Braz bravura e de patriotis- à Justiça, celeridade, mo no desempenho da segurança quanto às incumbência constitu- decisões judiciais etc. Registre-se, ademais, cional da defesa da Pátria no exterior que nenhum discurso de posse presidencial e da manutenção das leis no interior. havia tratado de tão importantes questões. (BONFIM, 2004, p. 130-131; p. 139)

WENCESLAU BRAZ Os dois destaques anteriores versam sobre o princípio da separação dos poderes Wenceslau Braz, um advogado, preside e as condições das forças militares, cujas o País de 15 de novembro de 1914 a 15 atribuições constitucionais, segundo o dis- de novembro de 1918. De seu discurso de curso de Wenceslau Braz, seriam a defesa posse extraem-se, em especial, os seguintes da Pátria (no exterior) e a manutenção fragmentos: das leis (no interior), discurso que reflete Pela minha parte me comprometo a, bem aquele momento, quando o mundo mantendo as relações constitucionais se encontrava em plena Primeira Guerra, com os outros poderes, não concorrer conflito que ensejou uma revisão do con- para a diminuição de qualquer deles, ceito de beligerância, trazendo consequ-

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ências ímpares para as Forças Armadas, de austeridade, destaca-se, no que concerne notadamente por acentuar o debate quanto às forças militares, o seguinte: à necessidade de se modernizá-las, nisso Devemos fugir de agravar os nossos residindo, como veremos, a importância da compromissos com despesas que não denominada Missão Francesa, enviada ao sejam reclamadas pela necessidade de Brasil pelo Governo francês em 1920, com assegurar a integridade da Nação, e o escopo de analisar e estudar as necessida- desenvolver as suas fontes de riqueza, des de modernização como sejam o apa- do Exército brasilei- relhamento da nossa ro, estendendo-se até Nota-se o valor atribuído defesa militar [...]. A 1940. por Epitácio Pessoa à estas despesas deve- mos acudir ainda com EPITÁCIO questão da defesa nacional, sacrifício, porque [...] PESSOA cujas despesas, ainda que são a garantia da nossa realizadas com sacrifício, própria existência [...]. Rodrigues Alves é (BONFIM, 2004, p. eleito para um segun- não poderiam ser evitadas 161) do mandato (15 de novembro de 1918 a Nota-se o valor 15 de novembro de 1922), mas falece antes atribuído pelo Presidente Epitácio Pessoa mesmo de assumi-lo. Até que fossem con- à questão da defesa nacional (e, por via de vocadas novas eleições, Delfim Moreira, consequência, às forças militares), cujas vice-presidente eleito, despesas, ainda que assume provisoria- realizadas com sacri- mente a Presidência A preleção de Bernardes fício, não poderiam (15 de novembro de ser evitadas. Segura- 1918 a 28 de julho de destacou a importância mente, esse trecho do 1919). da Justiça, do Direito e discurso guarda rela- Em seguida, Epi- da Ordem, o que, de certa ção com a ocorrência tácio Pessoa (28 de da Primeira Guerra julho de 1919 a 15 de forma, não deixa de ser Mundial, que definiti- novembro de 1922) uma alusão, ainda que vamente inseriu o as- sucede Delfim Mo- sunto defesa nacional reira, que, como vis- implícita, ao Judiciário e às na pauta estatal, quan- to, havia assumido a instituições militares do, então, o governo Presidência interina- despertou e começou mente. Ressalte-se a dar maior atenção à que Epitácio Pessoa concorreu ao pleito necessidade de modernização das nossas eleitoral mesmo estando fora do Brasil, uma instituições militares. vez que representava o País na Conferência de Versalhes, em Paris, França, realizada ARTHUR BERNARDES em 1919, por ocasião do fim da Primeira Guerra Mundial. De sua Mensagem ao Em seguida, a sucessão presidencial leva Congresso Nacional, datada de 3 de se- Arthur Bernardes (15 de novembro de 1922 tembro de 1919 e permeada por medidas a 15 de novembro de 1926) ao poder. Em seu

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discurso de posse não há qualquer referência aos que possam contratar advogado e que, expressa às instituições militares, embora a sobretudo, tenham recursos para esperar. preleção de Bernardes tenha destacado a im- É bem de ver-se que, nessas con- portância da Justiça, do Direito e da Ordem, dições, só interesses de certo vulto o que, de certa forma, não deixa de ser uma poderão valer-se de juízes e tribunais, e alusão, ainda que implícita, ao Judiciário e às que, portanto, só uma restrita, mas muito instituições militares, envolvidas que estão restrita, parte dos brasileiros poderá com os temas em questão: fazer respeitar os seus direitos. No meio dessas delicadas obrigações, A grande maioria, a multidão dos que tornam hoje tão difícil a tarefa de humildes, esses que sofrem as injustiças governar [...], uma existe que sobrele- diárias [...], não tem entre nós, na ordem va bastante às outras, e vem a ser a de judicial, por falta de meios, a proteção garantir o edifício social atual nos seus das leis. fundamentos jurídicos próprios. A estru- Só contam com a proteção dos pa- tura política vigente, para ser melhorada, tronos que assim formam clientela, di- não carece aderir a ideias subversivas, minuindo o valor moral da nossa gente. que importam na destruição total da lei. Todas as nações civilizadas tiveram A obra da civilização só se acelera com e têm, e terão sempre, para os pequenos eficácia dentro da ordem. Fora daí, tudo e para as pequenas causas, justiça rápida é incerteza e predomínio das paixões e barata, sem delongas processuais, sem violentas, contra as quais o mundo inteiro artifícios dos saberes, dada pelos iguais precisa estar em guarda, para salvar, com quando os iguais pedem. liberdade, a Justiça e o Direito, isto é, a É a justiça do Vir probus que, na Fran- porção mais valiosa do patrimônio destes ça, ainda hoje se faz com o Conseil des vinte séculos da cultura da humanidade. Prudhommes, e que os nossos “homens (BONFIM, 2004, p. 176) bons” distribuíam nos tempos coloniais. Feita semelhante organização para o WASHINGTON LUÍS Distrito Federal, servirá ela de exemplo para os Estados que a quiserem adotar. Washington Luís, o último Presidente (BRASIL, 1927, p. 50-51) da República Velha, toma posse em 15 de novembro de 1926. Alçado ao poder por Washington Luís, no trecho anterior, meio de eleição direta, é deposto, em 24 de discorre sobre questões relativas ao acesso outubro de 1930, por forças militares co- ao Judiciário e à celeridade da prestação mandadas por Vargas. Analisando o teor de jurisdicional, problemas que, segundo ele, sua Mensagem Presidencial, encaminhada impediam que a grande maioria da popula- ao Congresso Nacional em 3 de maio de ção (“a multidão dos humildes”) tivesse a 1927, por ocasião da abertura da 1a Sessão “proteção das leis”. Ademais, impressiona da 13a Legislatura, verifica-se novamente a como o retrato acima ainda é encontrado preocupação de um mandatário quanto ao em discursos mais contemporâneos. acesso à Justiça e à prestação jurisdicional: Outrossim, na mesma data, Washington Reclama a atenção solícita do Con- Luís dedicou atenção às Forças Armadas: gresso à organização da justiça para os É desejo do Governo colocar as pequenos. A nossa organização judiciária, Forças Armadas no pé que, pelo nosso pesada, lenta e dispendiosa, só dá justiça código fundamental, lhes compete.

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Nesse sentido, e com esse fim, posso blica Velha, espera-se que o frequente afirmar-vos que já se trabalha com fun- emprego das mesmas enquanto instru- dadas esperanças. mento de estabilização desta natureza Com a França vai ser renovado o con- não volte a ocorrer. trato para permanência da Missão Militar Diante da moldura do atual Estado De- do exército francês [...]; como também com mocrático de Direito, cremos que as Forças os Estados Unidos da América do Norte foi Armadas devem permanecer absolutamente prorrogado o contrato para a Missão Naval subordinadas aos poderes constitucionais, da Marinha de Guerra norte-americana [...]. somente atuando nos exatos termos da Lei Com esses elementos, e com a Nação, Maior, cuja exegese final há de ser extraída poderemos contar, não pelo homem polí- dentro de alguns tico, mas pelo Supre- anos, com Forças Poderemos contar, dentro mo Tribunal Federal, Armadas dignas de alguns anos, com Forças restando impossível, do destino que a hodiernamente, que nossa Constituição Armadas dignas do destino elas sejam “convida- Política, em propo- que a nossa Constituição das”, como acontecia sição lapidar, lhes em épocas passadas, traçou, fazendo-as Política, em proposição a executar tarefas des- instituições nacio- lapidar, lhes traçou, tinadas à tomada (e nais permanentes fazendo-as instituições respectiva entrega) do para defesa da Pá- poder a determinados tria no exterior e nacionais permanentes para atores políticos. para manutenção defesa da Pátria no exterior Numa verdadeira das leis no interior. democracia, cumpre à (BRASIL, 1927, e para manutenção das leis sociedade, pelo meca- p. 59) no interior nismo do sagrado di- Washington Luís reito de voto, e jamais Novamente, as atri- por meio das armas de buições constitucio- militares, decidir a res- nais das Forças Armadas (defesa da Pátria, peito de quem deve ocupar legitimamente no exterior; manutenção das leis, no interior) os Poderes Executivo e Legislativo, resi- são mencionadas num discurso presidencial. dindo, neste aspecto, a importância capital do Poder Judiciário. CONCLUSÃO As urnas, elas sim, são a força e as baionetas da democracia e da mudança. De tudo o que foi dito a respeito da Usemos, então, a nossa força para provocar participação das Forças Armadas na vida as transformações e a alternância do poder política brasileira no decorrer da Repú- que se fazem necessárias.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Poder Executivo; Poder Militar; Poder Judiciário; Poder Político; Forças Armadas; Poder nacional; História do Brasil;

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REFERÊNCIAS

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138 RMB1oT/2017 O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

DANTE RIBEIRO DA FONSECA* Historiador

SUMÁRIO

Introdução A navegação no Rio Madeira Os vários Guajarás: mercantes e de guerra, a vela e a vapor O Guajará do Rio Madeira A família Miranda A viagem pioneira e o destino do Guajará O Guajará na província do Amazonas Considerações finais

INTRODUÇÃO o comércio. Foi impedido de realizar seu intento pelo governo do Pará. Após esse processo de estabelecimento da na- frustrado tentame de comércio fluvial, O vegação a vapor na parte brasileira seguiram-se diversas outras empreitadas da bacia do Rio Amazonas iniciou-se em para o estabelecimento de linhas de nave- 1826, quando o navio norte-americano gação a vapor, todas também frustradas. Amazon, o primeiro movido a vapor de que Na segunda metade daquele século, a temos notícia na região, aportou em Belém navegação a vapor e a produção da goma e tentou penetrar naquele rio para praticar elástica cresceram juntas na Amazônia. Em

* Dante Ribeiro da Fonseca é graduado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em Ciências: Desenvolvimento Socioambiental pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). É professor no Departamento de História da Fundação Universidade Federal de Rondônia (Unir). O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

1843, o Guapiaçu, pertencente à Marinha participação no comércio regional, percep- de Guerra, foi o primeiro barco a vapor a tível inclusive pelo interesse do governo singrar as águas do Rio Amazonas entre provincial do Amazonas em nele estimular Belém e Manaus. Em 1852, o imperador a navegação a vapor. do Brasil concedeu ao Barão de Mauá o Em 1855, o presidente daquela provín- privilégio da constituição de uma compa- cia, Sebastião do Rego Barros, reclamava nhia de navegação para explorar naquele do “luxo demasiado” em realizar a com- rio a linha Belém/Manaus/Nauta (Peru). panhia de Mauá duas viagens mensais Pretendia conter, com essa iniciativa, a ao Rio Negro, por estarem as povoações pressão internacional pela livre navegação daquele rio decadentes e quase desabitadas. no Rio Amazonas e atender ao interesse Propunha então que “[...] convertesse uma do comércio regional, crescentemente dessas viagens em favor do Rio Madeira envolvido com o negócio da borracha. No [...]” (Jornal Treze de Maio no 489 de ano seguinte, essa empresa, a Companhia 19/5/1855). Em 1861, outro presidente de Navegação e Comércio do Amazonas, da mesma província pede a extensão inaugurou suas opera- da navegação a vapor ções com a viagem do pelos afluentes do Rio vapor Marajó. Em 1860, o Rio Madeira Amazonas, ressalvan- Nos volumosos do: “Em quanto não tributários do Grande contribuiu com se consegue a de todos Rio a navegação a va- aproximadamente 25% da os rios, a que primeiro por seria também im- renda provincial e em 1862 deve ser attendida, é plantada, porém com a do Rio Madeira”. dificuldades. Sobre já participava com pouco (CUNHA, 1861, p. 44) esse ponto, declarava, mais de um terço de todos Tais declarações em 1853, o presidente revelam a importância da província do Pará os produtos exportados pela daquele rio nos anos que os quatro grandes província iniciais de crescimento afluentes do Amazo- da produção da borra- nas, os rios Madeira, cha, confirmada pelas Tapajós, Tocantins e Xingu, possuíam estatísticas econômicas e fiscais. Em 1860, obstáculos que impediam a navegação a o Rio Madeira contribuiu com aproximada- vapor em toda sua extensão, somente supe- mente 25% da renda provincial (CUNHA, ráveis com muito trabalho e despesa “[...] 1861, p. 44) e em 1862 já participava com podendo-se então fazer a navegação por pouco mais de um terço de todos os produ- meio de barcos pequenos e apropriados”. tos exportados pela província. Isso conferia (CUNHA, 1853, p. 20). a ele destacada posição (CUNHA, 1864, p. É evidente que essa preocupação e a pos- 27). Refletia essa importância as falas dos terior implantação das linhas de navegação presidentes da província do Amazonas. a vapor ligavam-se diretamente à importân- Em 1861, Manoel Clementino Carneiro cia comercial ou geopolítica atribuída pelos da Cunha afirmava sobre o Rio Madeira: governos provinciais a cada um daqueles “É hoje talvez o ponto mais importante da tributários. No que tange ao Rio Madeira, Província pelo seo commercio, e industria” os dois interesses se apresentavam. Já nos (CUNHA, 1861, p. 44). Adolfo de Barros anos de 1850 nota-se o crescimento da sua Cavalcanti de Albuquerque Lacerda ates-

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tava passar o Rio Madeira: “[...] com razão p. 341). Nessas propostas iniciais para o por ser de todos o mais rico e mais povoado estabelecimento da navegação regular a [...]” (LACERDA, 1864, p. 42). vapor no Rio Madeira, o ponto final da na- Naqueles anos, os produtos da Bolívia in- vegação era sempre a localidade do Crato. crementavam esse comércio pelo Rio Madei- Era em Santo Antônio que terminava a ra. No relatório de 1865, o mesmo presidente livre navegação. Então, qual a razão de des- da província declarava ser a Bolívia, mais carregar os vapores em Crato e seguir a remo do que qualquer outro dos nossos vizinhos, por mais 38 léguas? É que, ao menos até o necessitada da saída fluvial pelo Brasil através ano de 1872, não havia em Santo Antônio do Rio Madeira, o que prenunciava o grau que povoação que desse suporte à navegação rio um dia atingiriam essas relações comerciais acima, papel este que seria cumprido pelo (LACERDA, 1865, p. 17). Crato. Outro elemento importante é que Assim é que transitaram no Rio Madeira a fronteira do Brasil com a Bolívia corria no ano de 1864, provenientes da Bolí- a partir do ponto médio do Rio Madeira. via, 70 ubás (cano- Crato ficava próximo as) com mercadorias desse limite. avaliadas em cerca de Tempestades, ataques 12:000$ em produtos A NAVEGAÇÃO agrícolas e pecuários dos nativos, doenças que NO RIO MADEIRA como: couros, graxa, dizimavam as tripulações, cacau, charutos, açú- Até a primeira me- car, charque, gado fugas dos remadores eram tade do século XIX, etc.” (LACERDA, elementos da realidade era a navegação nos 1865. p. 23). Um re- adversa àquele que se rios da Amazônia feita latório da Companhia a remo e vela e apre- de Navegação e Co- aventurava pelas águas do sentava perigos e di- mércio do Amazo- Rio Madeira ficuldades de toda or- nas informava que, dem, inclusive ataques no ano de 1865, 98 de salteadores. Além canoas, transportando 32 mil arrobas de desses “piratas”, mencionados pelo ilustre mercadorias e impulsionadas por 1.276 intelectual amazonense Mário Ypiranga índios remeiros provenientes da Bolívia, de Monteiro (Os piratas do Rio Madeira, Cuatro Ojos, no Rio Piraí, e de Exaltación, Caiari), o cônego Francisco Bernardino no Rio Mamoré, desceram o Rio Madeira de Souza relaciona uma série de ataques para comercializar seus produtos (Apud realizados por indígenas às embarcações BASTOS, 1866, p. 253). e aos estabelecimentos rurais, ou mesmo Nesse mesmo ano, havia no Rio Madeira aos povoados, na Amazônia nos anos de três localidades com alguma importância. 1860. Destacaremos dois no Rio Madeira: Estavam situadas às seguintes distâncias “Em 1860, no Crato, Rio Madeira, perpe- de sua foz: Borba, 25 léguas; Canumã, 47 traram os Parintintins cinco mortes. [...] Em léguas; e Crato, 130 léguas. A cachoeira 1869, na foz do Rio Machado, assaltaram de Santo Antônio, onde iniciava o trecho os Parintintins a uma canoa e mataram a encachoeirado para quem subia o rio, ficava flechadas dous dos tripolantes, conduzindo a 168 léguas da foz do Rio Madeira, ou os cadáveres para suas malocas” (SOUZA, seja, a 38 léguas do Crato (MELLO, 1866, 1875, pp. 136-137). O Rio Machado, ou

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Ji-Paraná, é o principal afluente do Rio o objetivo de pesquisar as condições de Madeira, que deságua no alto do seu curso. trânsito e colonização por aquele rio foram Além disso, desbarrancamentos das tomadas nos anos de 1860 e seguintes. O margens dos rios nas vazantes (terra caída) engenheiro João Martins da Silva Coutinho faziam naufragar canoas. Tempestades, ata- viajou pelo Rio Madeira em 1861, no vapor ques dos nativos, doenças que dizimavam Pirajá, da Marinha de Guerra brasileira. as tripulações, fugas dos remadores, entre Partiu o vapor de Manaus no dia 1o de outras dificuldades, eram elementos da re- julho de 1861, com destino às localidades alidade adversa que povoava o cotidiano de de Serpa, Silves, Canumã e Rio Madeira. todo aquele que se aventurava pelas águas Coutinho, nessa viagem, foi “[...] procurar do Rio Madeira naqueles anos. A navega- pontos para assentar colonias [...]” (Estrella ção a vapor poderia evitar a maior parte do Amazonas no 558, de 6/7/1861). desses riscos ou minimizá-los e tornar-se Em 1864, Coutinho repetiu a viagem ao um meio mais rápido e eficiente de trans- Rio Madeira, também no vapor Pirajá até o porte de cargas e passageiros. Crato, prosseguindo o trajeto dali de canoa. Em 1858, programou o presidente da Entre a cachoeira de Santo Antônio e Salto província do Amazonas uma viagem para do Teotônio a canoa naufragou, sem perda aquele rio. Solicitou então ao Ministério de vidas. Em razão de avaria no Pirajá, foi da Marinha a disponibilização de um vapor fretado o vapor Inca, da Companhia de que o levaria nessa viagem. A concessão da Navegação e Comércio do Amazonas, para embarcação foi anunciada em 3 de setembro repor os instrumentos e demais aprovisiona- de 1858, mas em 18 de novembro a conces- mentos perdidos. Reconstituída, a expedição são foi negada, visto que o vapor designado seguiu viagem pelo trecho encachoeirado teve outra destinação (FURTADO, 1859, do Rio Madeira (LACERDA, 1864, pp. 33- p. 11). Naquele mesmo ano, pouco depois 34). Ambas as viagens tiveram como ponto dessa frustrada tentativa, temos notícias de final dos vapores a localidade do Crato. Os um vapor de nome Guajará que subiu o registros pesquisados revelam então os três Rio Madeira. É possível que seja a primeira primeiros vapores que percorreram aquele embarcação utilizando essa tecnologia a na- rio até o Crato, a saber: o Guajará (1858), o vegar naquele rio. Sobre o episódio, informa, Pirajá (1861 e 1864) e o Inca (1864). em 1859, Francisco José Furtado, presidente Que navio Guajará era esse? A quem da província do Amazonas, que: pertencia? Onde foi construído? Quais suas A navegabilidade do importante Rio características? Pelas parcas informações Madeira ficou demonstrada até o Crato, contidas no relatório provincial, soubemos pela viagem do vapor mercante – Gua- que era um barco a vapor e que navegou jará – que em Dezembro o percorreo pelo Rio Madeira em dezembro de 1858. até àquelle ponto, informando-me o Commandante que pode ser navegado OS VÁRIOS GUAJARÁS: por vapores que demandem maior MERCANTES E DE GUERRA, A calado que o Guajará. (FURTADO, VELA E A VAPOR 1859, p. 12) Houve diversas embarcações com esse Notícias sobre esse evento, com teor nome na Amazônia no século XIX. Na idêntico, foram publicadas em vários jor- primeira metade do século XIX, existiu uma nais naqueles dias. Outras iniciativas com embarcação da Marinha de Guerra do Brasil:

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a Escuna Guajará, que em 1835 estava no vés de Dwarte, Potter & Co, de Liverpool” Pará e no ano seguinte fez parte das operações (LOUREIRO, 2007, p. 248). Essa informa- contra os cabanos (MENDONÇA, 1959. p. ção confere com a “Lista de embarcações 114-115). Há referência ainda a duas outras construídas nos estaleiros da Cammell embarcações militares com esse nome: a Laird” (LVCCLS). As questões que se colo- Fragata Guajará, que foi desmontada sem cavam agora eram: 1) Quando esse Guajará que tivesse sido concluída sua construção, e iniciou a operar na Amazônia? e 2) A quem o Patacho Guajará, que teve sua construção esse Guajará pertencia em 1858? iniciada no Arsenal de Marinha do Pará em Constatamos então que havia somente 1886 e ali concluída em 1922 (TELLES, um vapor Guajará que começou a navegar 1998, parte IV, p. 199). Essas três primeiras dentro da Amazônia em 1858 e que foi enco- embarcações encontradas eram embarcações mendado à Inglaterra. Também que somente militares e a vela, nenhuma podia ser então houve um vapor construído pela Cammell aquele navio que subiu o Rio Madeira em Laird em 1858 com o nome Guajará. No 1858. Houve também um navio mercante de relatório lido para a Assembleia Legislativa nome Guajará, de nacionalidade francesa, Provincial no dia 15 de agosto de 1858, o que operava na Amazônia no ano de 1858. presidente da província do Pará, Ambró- Era impulsionado a vela e possuía três mas- sio Leitão da Cunha, informou: “Chegou tros. Embora de utilização mercante e com o ultimamente um Vapor de propriedade do mesmo nome, não é esse o Guajará buscado, lavrador José Antonio Miranda, cujo destino pois não era um navio a vapor. consta que será a navegação no rio Capim e Quanto aos vapores mercantes, houve visinhos” (CUNHA, 1858, p. 37). Os rela- um vapor Guajará que fez a linha São tórios provinciais demonstram que, exceto Luís-Belém. Não foi aquele que subiu o Rio os navios da empresa de Mauá, apenas o Madeira, em razão de que apenas em 31 de Guajará operava naquele ano na Amazônia. maio de 1861 foi entregue à Companhia de Ocorre, porém, que, em outubro de 1858, Navegação a Vapor do Maranhão. Outro é atribuída a outra pessoa a propriedade do vapor com esse nome fez linha na Amazônia vapor Guajará. Em uma publicação “a pe- no século XIX: o Laurium, lançado ao mar no didos”, cujo título é Vapor Guajará, lemos: dia 2 de agosto de 1879. Passou por diversos “Um abastado proprietário manda vir de proprietários na Europa até que, no Brasil, foi Inglaterra um vapor à sua custa, [...] o Ilm. adquirido pela Cia. de Cabotagem do Grão- Sr. Commendador Miranda dono do vapor -Pará, em 1897, quando recebeu o novo nome Guajará satisfaz a vontade do publico, re- de Marajó; em 1900 foi renomeado Guajará sultando pequena viagem à Vigia” (Gazeta (Tyne Built Ships e LOUREIRO, 2007, pp. Official no 124 de 7/10/1858). O Comendador 115 e 248). Assim, o Guajará II somente Miranda de que nos fala o jornal não era José foi construído 21 anos depois daquele outro Antônio de Miranda, mas seu irmão de nome vapor Guajará, de 1858. muito parecido, o Comendador Antônio José de Miranda. Nos jornais consultados, tanto O GUAJARÁ DO RIO MADEIRA a embarcação como sua carga, quando esta aparece consignada, são registradas ora em Temos notícia ainda de outro vapor com nome de um, ora de outro. Assim, os registros o nome de Guajará que operou dentro da que encontramos vinculam o nome dos dois Amazônia. Foi um “navio de pás construído irmãos como proprietários da embarcação por Cammell Laird, nº 229, em 1858, atra- desde o ano de 1858.

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A FAMÍLIA MIRANDA

Já assentado que o vapor Guajará perten- ceu aos irmãos Antô- nio José de Miranda e José Antônio de Mi- randa a partir de 1858, resta falar sobre seus proprietários. Eram prósperos comercian- tes paraenses daquela segunda metade do século XIX. O vapor Guajará transporta- va, para comercializar Figura 1: O convés do “Guajará”. nos armazéns da firma Fonte: BROWN; LINDSTONE, 1878, p. 423. Miranda Irmãos & Companhia (BATISTA, 2004, p. 149), que fez entre os anos de 1858 e 1859. Em em Belém, tanto a produção da fazenda de novembro de 1858, cogitava o Comendador José Antônio de Miranda, localizada no Rio Antônio José de Miranda candidatar-se à Capim (Gazeta Official no 62, de 19/3/1859) subvenção de 12:000$000 oferecida pelo quanto produtos agrícolas e extrativos que governo da província do Amazonas com adquiriam no interior amazônico. Além vistas à navegação entre o Porto de Moz, disso, o vapor Guajará fretava cargas para Almerin, Alenquer, Monte Alegre e Faro, terceiros e conduzia também passageiros, enviando para viagem a esses portos o seu tanto para particulares como para o governo, vapor Guajará (Correio Mercantil no 311, conforme demonstram vários anúncios nos de 17/11/1858). A viagem iniciada no mês jornais paraenses e amazonenses da época. seguinte ao Rio Madeira objetivava tam- Aparentemente, dos dois irmãos, An- bém investigar a possibilidade de explorar, tônio José era a figura de maior destaque sob subsídio governamental, esses portos. e posses. Afora comendador, foi deputado Assim, no dia 11 de novembro de 1858, o provincial por diversas vezes e vice-prove- Guajará partiu para o Amazonas. Segundo o dor da Santa Casa de Misericórdia (Treze de Correio Mercantil: “Tem que tocar em todos Maio no. 55, de 14/8/1861). Abrangiam os os pontos de escala dos vapores da compa- negócios desse notável irmão um espectro nhia do Amazonas até Manaos” e seguia mais amplo que o de José Antônio. “[...] sobremaneira carregado [...]” (Correio Mercantil no 329, de 6/12/1858). Em razão A VIAGEM PIONEIRA E O de todas essas escalas, chegou a Manaus no DESTINO DO GUAJARÁ dia 1o de dezembro de 1859 e no dia 3 de janeiro daquele ano chegava a Serpa, locali- Mas a viagem mais importante, que dade próxima à embocadura do Rio Madeira, reservará para a história do Rio Madeira de retorno do Crato (Gazeta Official no 15, esse ignorado vapor, foi aquela pioneira de 20/1/1859). Estava de volta a Belém no

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dia 10/1/1859. Assim, fez o percurso de da província do Amazonas foi autorizada, volta do Crato até Belém, com paradas em pela Lei no 158, de 7 de outubro, a: “[...] portos intermediários, em 12 dias e 22 horas. contractar com Alexandre Paulo de Brito Nesse retorno, ocupou 22 tripulantes, condu- Amorim, ou com qualquer outro, a incor- zia dois passageiros brasileiros, um francês poração de uma companhia de navegação e um inglês e transportava 81 toneladas de a vapor nos rios Madeira, Purus e Negro” carga de vários produtos consignados em (MATTOS, 1869, p. 51). nome de Antônio José de Miranda (Gazeta Requereu então o Comendador Brito Official no 7, de 11/1/1859). Amorim ao governo brasileiro a concessão para a navegação a vapor naqueles rios e as O GUAJARÁ NA PROVÍNCIA DO obteve por meio do Decreto no 3.898, de 22 AMAZONAS de junho de 1867, assinado pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da Agri- Nos anos de 1860, continuou o vapor cultura. Partindo do porto de Manaus, essas Guajará a fazer viagens pelo Rio Madeira, linhas teriam seus términos nas seguintes lo- inclusive transportan- calidades: no Madeira, do passageiros entre em Santo Antônio; no as diversas localida- A importância comercial Purus, em Iutanan; e no des daquele rio ou Negro, em Santa Isabel. próximas. Antônio dos rios Madeira e Purus A importância comer- José de Miranda já é novamente revelada pelo cial dos rios Madeira e havia falecido no ano número de viagens anuais Purus é novamente re- de 1867, pois no rol velada pelo número de dos imóveis urbanos a serem realizadas pela viagens anuais a serem arrolados pela rece- empresa: 12 viagens para realizadas pela empre- bedoria provincial do sa: 12 viagens para o Pará consta a indica- o Madeira e o Purus e seis Madeira e o Purus e ção dos seus herdei- para o Rio Negro seis para o Rio Negro ros. No mesmo ano, (CLIB, 1867, p. 215, José Antônio abriu Tomo XXX, pt. II). outra firma, em sociedade com Leonardo A 6 de abril e 2 de dezembro de 1869, Augusto de Farias Vivas e Gentil Augusto entraram no porto de Manaus, respectiva- P. de Farias, a qual tomou a razão social mente, os vapores Madeira e Purus, da de José Antônio de Miranda & Cia. Nela, Companhia Fluvial. Eram vapores gêmeos, continuou a negociar gêneros como açúcar, possuindo as mesmas dimensões, com cacau e cachaça, além dos diversos outros lotação absoluta de 800 toneladas, sendo gêneros extrativos (Jornal do Pará no 93, mais de 300 toneladas livres para carga, e de 24/4/1867). movidos por motores de 150 cavalos. Fica- O orçamento nacional de 1865-1866 ram estabelecidas pelo governo provincial dotava recurso para subvenção de linha re- as seguintes escalas, na subida e na descida gular de navegação entre Manaus e o Crato do Rio Madeira: Manaus, Canumã, Borba, (Lei no 1.245, de 28 de junho de 1865, SF/ Tabocal, Manicoré, Baetas, Juma, Crato, SIL). Em 1866, Alexandre Paulo de Brito Cavalcanti e Santo Antônio (MATTOS, Amorim criou a Companhia Fluvial do Alto 1870, 38). Estava inaugurada a navegação Amazonas. No mesmo ano, a presidência regular a vapor no Rio Madeira, mais de

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dez anos depois da viagem pioneira do Guajará. Em 1871, a Com- panhia de Navegação e Comércio do Ama- zonas ficou autorizada a negociar com uma empresa estrangeira os direitos e as obrigações que possuía com o go- verno brasileiro (De- creto Imperial no 4.735, de 7/6/1871, CLIB de 1871, tomo XXXIV, parte II, pp. 341-342). Em 1872, a Amazon Steam Navigation Co. Figura 2: O salão do Guajará Ltd. adquiriu o patri- Fonte: BROWN; LINDSTONE, 1878, p. 422 mônio e os encargos contratuais havidos pela Cia. de Navegação por lei, e bem assim os respectivos encargos e Comércio do Amazonas com o governo e (CLIB de 1874, tomo XXXVII, parte II, p. foi autorizada por este a operar no Império 220). A Amazon Steam havia promovido do Brasil (Decreto no 5.020, de 18/7/1872, em 1873 uma expedição de pesquisa no vale CLIB de 1872, Vol. XXXV, parte II, p. 617). amazônico. Os expedicionários, depois de Quanto ao Guajará, em dezembro de utilizarem dois dos seus navios, o Belém e o 1871 já não pertencia mais aos Miranda, Beija-Flor, embarcaram, em agosto de 1874, estava incorporado à Companhia Fluvial do no navio que iria conduzi-los à parte final da Alto Amazonas (Jornal do Pará, 1871). Em expedição, o Guajará (SÁ, 1996, pp. 67 e 1873, a sucessora da Companhia de Nave- 105), que naquele momento já compunha o gação e Comércio do Amazonas, a Amazon patrimônio da Amazon Steam Navigation Steam Navigation Co. Ltd., começou a Co. Ltd. em razão de essa empresa ter operar no transporte fluvial da Amazônia. comprado a Cia. Fluvial do Alto Amazonas. Em janeiro de 1874, continuava o Guajará As últimas notícias que obtivemos do a ser utilizado nas linhas da Cia. Fluvial do Guajará datam de 1878. Contudo, já desde Alto Amazonas, partindo para uma viagem 1872 era apontada sua inadequação para de Manaus a Tefé (Rio Solimões) no dia 20 operar nas linhas de navegação da província daquele mês (Commercio do Amazonas no do Amazonas “[...] pelo seu grande calado e 126, de 17/1/1874). escassez de acomodações [...]” e também em Ocorre, contudo, que, em 21 de março razão de ser considerado um [...] velho vapor do mesmo ano, o Decreto Imperial nº 5.575 [...]” (REIS, 1872, pp. 35-36). Em março de concedeu à Companhia Fluvial do Alto 1877, continuava o Guajará a prestar serviços Amazonas autorização para transferir à à Companhia de Navegação a Vapor do Ama- Amazon Steam Navigation Company Limi- zonas Ltda. (Amazon Steam Navigation Co. ted todos os direitos e favores que possuía Ltd.), servindo à linha de Belém para Abaeté.

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Em maio de 1877 o Guajará foi aprovado na vistoria feita no Arsenal de Marinha de Belém, juntamente com os vapores Beija- -Flor, Inca, Andirá e Marajó, que recebe- ram permissão para continuar navegando (Diário de Belém no 105, de 10/5/1877). Em fevereiro do ano seguinte, foram visto- riadas no Arsenal de Marinha as embarca- Figura 3: O barco fluvialGuajará , pioneiro da navegação a vapor no Rio ções Tocantins, Andi- Madeira rá e Guajará, sendo as Fonte: BROWN; LINDSTONE, 1878, pp. 418-9 duas primeiras consi- deradas aptas a navegar, mas “ [...] o vapor da inauguração da navegação mercante a Guajará foi condemnado a não emprehender vapor no Grande Rio. Resultado disso é viagem sem primeiro calafetar o convez e a que, com muita frequência, a navegação tolda” (Jornal do Pará a vapor “particular”, no 66, de 21/3/1878). aquela promovida No final daquele ano, Consultando cerca de uma por comerciantes ou o Guajará completaria dezena de dissertações, teses, seringalistas, que não 20 anos de construção compunham o mate- e serviços prestados artigos acadêmicos e obras rial flutuante dessas à Amazônia Brasilei- de referência sobre o tema, a empresas, fica co- ra ­já não navegava locada em segundo mais para a província impressão que se tem é que plano. Contudo, essa vizinha. Desde então, este navio não existiu. modalidade de nave- não encontramos mais O Guajará terminou sua gação, não regular, quaisquer referências também representou a essa embarcação nas vida útil na obscuridade em importante papel no fontes que tivemos dis- que permaneceu até hoje, esforço que condu- ponibilizadas. ziu a Amazônia Bra- embora tenha participado sileira ao posto de CONSIDERAÇÕES de um evento histórico virtual monopolista FINAIS e, portanto, maior fornecedor mundial A literatura sobre o surgimento e a ex- de goma elástica até a segunda metade pansão da navegação a vapor na bacia do do século XX. Amazonas tem se empenhado em estudar A história do vapor Guajará ilustra bem as empresas que surgiram após 1852, ano essa opção preferencial dos pesquisadores

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pelas empresas de navegação, que explo- Conseguimos rastrear sua história de ravam a navegação regular, de linha, nos 1858, ano em que foi construída na Ingla- rios da Amazônia. Em toda a bibliografia terra e entregue no Pará, até 1878, quando consultada para a realização desse pequeno os sinais de sua decadência já eram visíveis. trabalho, apenas vemos referência a ele em Após esse ano não encontramos mais qual- uma fonte secundária: História da navega- quer referência ao Guajará. É possível que ção no Amazonas, de Antônio José Souto tenha sido sucateado ou vendido a um país Loureiro (2007). Essa ausência reflete a vizinho, desaparecendo dos registros bra- opção de pesquisa, que antes destacamos, sileiros. O fato é que na “Lista alphabetica em virtude de que, como vimos, o vapor dos navios de guerra e mercantes do Impe- Guajará é citado em diversas fontes primá- rio do ”, publicada em 1886, não está rias, fato que a conclusão de nossa pesquisa registrado qualquer navio com esse nome. vem comprovar. Terminou sua vida útil na obscuridade em Consultando cerca de uma dezena de que permaneceu até hoje, embora tenha dissertações, teses, artigos acadêmicos participado de um evento histórico. e obras de referência sobre o tema, a Assim, teve o Rio Madeira os seus impressão que se tem é que este navio pioneiros e o seu Guapiaçu: os empre- não existiu. Nosso esforço neste pequeno sários paraenses José Antônio e Antônio trabalho foi trazer à luz o que pudemos, José de Miranda e o vapor Guajará. Uns até agora, resgatar sobre a história dessa e outros ficaram, pela força do tempo, embarcação e sua participação no comér- fora das atividades que inauguraram e cio regional amazônico. na obscuridade.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: <ÁREAS>; Amazônia; Rio Madeira; Navegação fluvial; Linha de navegação;

FONTES CONSULTADAS

BASTOS, Aureliano Candido Tavares. O valle do Amazonas: estudo sobre a livre navegaçao do Amazonas. estatistica, produccoes, commercio, questoes fiscaes do valle do Amazonas. Rio de Janerio: B. L. Garnier, 1866. BATISTA, Luciana Marinho. Muito além dos seringais elites, fortunas e hierarquias no Grão-Pará c. 1850 c. 1870. (Dissertação de Mestrado) Programa de Pós-Graduação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2004. BROWN, Charles Barrington; LIDSTONE, William. Fifteen thousand miles on the Amazon and its tributaries. London: Edward Stanford, 1878. CLIB - Collecção das Leis do Imperio do Brasil de 1867. Tomo XXX, parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867. CLIB - Collecção das Leis do Imperio do Brasil de 1872. Tomo XXXV, parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1872. CLIB - Collecção das Leis do Imperio do Brasil de 1874. Tomo XXXVII, parte. II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875.

148 RMB1oT/2017 O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

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RMB1oT/2017 149 O GUAJARÁ E O INÍCIO DA NAVEGAÇÃO A VAPOR NO RIO MADEIRA

MATTOS, João Wilkens (ten.-cel.). Relatorio com que o exm. o sr. presidente da provincia do Amazo- nas abrio a Assembléa Legislativa Provincial no dia 4 de abril de 1869. Manáos, Typographia do Amazonas do Antonio Cunha Mendes, 1869. MELLO, Antonio Epaminondas de. Relatório com que o Exmo. Snr. Dr. Antonio Epaminondas de Mello entregou a administração da Provincia do Amazonas ao Exmo. Snr. Dr. Gustavo Adolpho Ramos Ferreira, vice-presidente da mesma. Recife: Typographia do Jornal do Recife, 1866. MENDONÇA, Mário F. Repositório de Nomes dos Navios da Esquadra Brasileira. 3a ed., ampliado e atualizado pelo Serviço de Documentação-Geral da Marinha. Rio de Janeiro: Ministério da Marinha, 1959. MONTEIRO, Mário Ypiranga. Os piratas do Rio Madeira (Caiari). Biblioteca Virtual do Amazonas. Disponível em: http: //bv. cultura. am. gov. br/templates/areatematica/seriememoria/pdfs/1b6f fc2ca2c1a3eab5e9755f37f53d68. pdf. NASCIMENTO, José Maria do. Lista alphabetica dos navios de guerra e mercantes do imperio do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886. REIS, José de Miranda da Silva (Gal.). Relatorio apresentado a Assembléa Legislativa Provincial do Amasonas na primeira sessão da 11a legislatura no dia 25 de março de 1872 pelo presidente da província. Manáos: Typographia de Gregorio José de Moraes, 1872. SÁ, Magali Romero. James William Helenus Trail: A British Naturalist In Nineteenth-Century Amazonia. A Dissertation Submitted for the Degree of Doctor of Philosophy, Department of Philosophy, University of Durham, United Kingdom, 1996. SF/SIL- Senado Federal. Secretaria de Informação Legislativa. Lei no 1.245 de 28 de junho de 1865. Fixa despeza e orça a receita geral do Imperio para o exercicio de 1865 - 1866, e dá outras providencias. Disponível em: http: //legis. senado. gov. br/legislacao/ListaPublicacoes. action ?id=73703&tipoDocumento=LEI&tipoTexto=PUB SOUZA Francisco Bernardino de (cônego). Comissão do Madeira: Pará e Amazonas. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875. TELLES, Pedro Carlos da Silva. “História da Construção Naval no Brasil”, Parte IV. In: RMB - Revista Marítima Brasileira / Serviço de Documentação Geral da Marinha. V. 118, nos. 7/9, jul. /set. 1998, Trimestral. Rio de Janeiro: Ministério da Marinha. Treze de Maio, Pará, [Periódico], Belém, no 489, 19 de maio de 1855. Treze de Maio, Pará, [Periódico], Belém, no 55, 14 de agosto de 1861. Tyne Built Ships A history of Tyne shipbuilders and the ships that they built. Disponível em: http: // www. tynebuiltships. co. uk/L-Ships/laurium1879. html.

150 RMB1oT/2017 AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO*

ALESSANDRO PIRES BLACK FERREIRA** Capitão de Fragata

SUMÁRIO

Introdução Operações Ribeirinhas Apoio à Hidrografia Busca e Salvamento Patrulha Naval e Inspeção Naval Guerra Eletrônica e AA Operação Antártica Operações de Paz – Apoio Humanitário Conclusão

INTRODUÇÃO agora, procurar essa mesma agulha com um equipamento que permita ampliar xperimente procurar uma agulha num a sua visão de muito longe, perceber a Epalheiro. Não será um serviço fácil. variação de temperatura dos materiais ali Demandará tempo e energia. Imagine, presentes e, principalmente, evitar que

*Artigo publicado na Revista Passadiço, 2016. ** Gerente de Obtenção e Modernização de Meios Aeronavais – Diretoria-Geral do Material da Marinha. Aperfeiçoado em Aviação Naval. AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO

você exponha os seus dedos à possibili- visibilidade e compreensão do sentido das dade de furá-los ao remexer no palheiro. operações em curso) Para executar tarefas parecidas com essa O leque de aplicações que será aqui no ambiente terrestre e no marinho em apresentado é ampliado a cada dia, prin- operações militares, as Aeronaves Re- cipalmente em função da dualidade de seu motamente Pilotadas (ARP) de pequeno emprego (uso civil e militar), alavancando porte têm ganhado, a cada dia, mais força o entendimento usual das operações que e importância, permitindo que seus sen- se utilizam, historicamente, do binômio sores ampliem a consciência situacional navio-aeronave. dos comandantes e, quando necessário, Diversos fabricantes vêm se dedicando reduzam a exposição ao perigo das aero- ao setor, principalmente com equipamen- naves orgânicas e suas tripulações. tos nas CAT 1 (peso < 2Kg) e CAT 2 (peso Essas operações militares, sejam elas re- entre 2 e 25Kg), seguindo classificação alizadas no campo de batalha ou para aten- recentemente divulgada por meio da Nor- der a atividades subsidiárias dos militares ma ICA 100-40 − Sistemas de Aeronaves em tempo de paz pelo mundo, têm contado Remotamente Pilotadas, sistemas estes com a crescente participação desses equipa- que possibilitam o acesso ao espaço aéreo mentos remotamente brasileiro. O merca- pilotados, no céu, no do internacional vem mar ou até abaixo da Para executar tarefas no crescendo, também superfície, criando a cada dia, o que é inúmeras e promisso- ambiente terrestre e no exemplificado pela ras oportunidades de marinho em operações quantidade de feiras emprego e ampliando militares, as Aeronaves e eventos de equipa- de forma significativa mentos militares ou o entendimento e a Remotamente Pilotadas não, com grandes es- percepção do binô- (ARP) de pequeno porte paços ocupados por mio navio-aeronave, empresas e equipa- principalmente pelas têm ganhado, a cada dia, mentos do setor. Marinhas e guardas mais força e importância A recente publica- costeiras. ção indicou uma varie- Neste artigo, serão dade enorme de possi- sucintamente abordadas essas promissoras bilidades duais para o emprego das ARP: oportunidades de emprego, apresentando – ferramenta de Comando e Controle (C2); usos que já podem ser identificados em – ferramenta de inteligência (aerolevanta- alguns países, podendo até mesmo, um mento e aerofotogrametria); dia, serem incluídas nos diversos meios de – vigilância marítima, aérea e terrestre; superfície da Marinha do Brasil (MB), não – repetidor de telecomunicações; só na Esquadra, mas também nos meios – suporte aéreo para busca e salvamento; distritais, nos navios hidrográficos e até – segurança pública; mesmo nos navios polares. – plataforma de desenvolvimento Este trabalho propõe uma visão de de sistemas; futuro e um exercício de inteligência – avaliação de catástrofes naturais; operacional (análise dinâmica da atuali- – monitoramento de trânsito; dade, em tempo real, e que nos traz maior – monitoramento patrimonial; e

152 RMB1oT/2017 AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO

– monitoramento de linhas de gás e Em relação à problemática do pou- linhas de transmissão. so em locais restritos, já existem hoje Observando essa listagem, podemos diferentes recursos para receber, com imaginar algumas possibilidades às quais segurança, esses equipamentos a bordo. o conhecido binômio navio-aeronave, du- Engenhosos sistemas foram desenvol- rante muitos anos, tem oferecido suporte vidos: redes de recolhimento, sistemas às operações aeronavais pelo mundo. óticos, sistemas por GPS, linha de reco- Essas promissoras oportunidades tem lhimento, equipamentos à prova d´agua, sofrido, a cada dia, um incremento nas uso de ganchos e tantos outros. A escolha suas questões técnicas e operacionais, dependerá do modelo adotado, do seu ta- principalmente em função da crescente manho e do tamanho da unidade marítima integração das ARP em si e seus sistemas, que o operará. mantendo níveis de segurança compatíveis Antes de começarmos, um alerta: de com a atividade aérea das operações atu- forma alguma, as oportunidades aqui almente executadas com aeronaves pilo- apresentadas representam a supressão tadas, o que facilitaria a transição quando da necessidade das nossas aeronaves da da sua inclusão no rol dos equipamentos Aviação Naval na maioria dessas ativida- a bordo dos navios da MB. des, contando com seu inestimável apoio. Aspectos como interoperabilidade, Mas, num país de dimensões continentais, modularidade, sistemas de comunicação, onde encontramos meios de superfície se- espectro eletromagnético, resiliência e diados em localidades afastadas do apoio logística COTS (Commercial off-the-shelf, de aeronaves dos esquadrões distritais ou termo usado para descrever produtos da nossa única Base Aérea Naval, em São fabricados de forma padrão e unificada, Pedro da Aldeia, ou que não possuam a em vez de customizados para um cliente capacidade de operações aéreas regulares, específico) farão parte da lógica para esta estas oportunidades reveladas farão com identificação das oportunidades, em uma que muitos comandantes pensem: o que eu verdadeira consequência de uma singela faria se tivesse uma dessas oportunidades análise SWOT (fatores de força e fraqueza, transformadas em realidade? oportunidades e ameaças). Essas promissoras oportunidades de em- OPERAÇÕES RIBEIRINHAS prego, sejam elas de ARP ou de equipamen- tos remotamente pilotados de emprego na Rios sinuosos e com grande cobertura superfície ou abaixo dela, vislumbradas de- vegetal nas margens impedem a visão e vido às inovações tecnológicas embarcadas, dificultam a navegação, trazendo a teoria já encontram na bibliografia especializada a da “névoa da guerra” (incerteza ou falta avaliação de atuarem como uma revolução de informações adequadas no campo de nos assuntos militares (RAM). Elementos batalha) para as operações ribeirinhas. O como inovação, desenvolvimento de sis- emprego de ARP de pequeno porte, rápido temas, conceitos operacionais e adaptação lançamento e independente de posições organizacional, quando em sinergia, refor- favoráveis poderia ajudar na dissipação çam o sentido dessa quebra de paradigma, dessa “névoa”, contribuindo para o auxí- tornando-se até mesmo, na mente de visio- lio à navegação e para a antecipação de nários, uma competência fundamental nos problemas para a segurança do navio e futuros currículos dos cursos de formação. sua tripulação.

RMB1oT/2017 153 AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO

APOIO À HIDROGRAFIA* Esses sensores embarcados poderão ser utilizados em apoio ao monitoramento de Os incrementos dos sensores ópticos desastres ambientais no mar, lançamento voltados para o sensoriamento remoto e recolhimento de instrumentação, ma- poderão fornecer ferramentas importantes peamento da coloração do mar, medição para os hidrógrafos na sua nobre missão. atmosférica, derivação de batimetria e Sempre haverá muito o que fazer num país muitos outros. de dimensões continentais como o nosso, e com o tamanho do nosso litoral e das águas interiores navegáveis.

* NR- Por exemplo, na cartografia e oceanografia.

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BUSCA E SALVAMENTO e interiores. A utilização das ARP de pe- queno porte no serviço de identificação de Voltamos àquela história de achar uma possíveis perigos, aumentando a área de agulha num palheiro. A dificuldade em atuação dos meios navais, poderia reduzir o localizar pessoas e pequenas embarcações tempo de resposta a graves delitos. Os Dis- (como botes salva-vidas) no mar é grande. tritos Navais que não possuem esquadrões As ARP poderiam apoiar navios-patrulha de helicópteros em sua sede poderiam se distritais, por meio de rápido deslocamento valer deste benefício a partir de seus navios. para a área de um sinistro, ao cobrir uma Em localidades como o arquipélago de maior área de busca e diminuir o tempo de Fernando de Noronha e a Ilha de Trinda- resposta, contribuindo para a salvaguarda de, esse tipo de equipamento permitiria da vida humana no mar. ampliar o perímetro de segurança e de presença da MB de forma mais constante e atemporal, contribuindo para a melhor efetividade das ações com fatores como velocidade e surpresa. Em Fernando de Noronha, especifi- camente, local onde está instalado um aeródromo com baixa carga de utilização, o emprego de ARP de maior autonomia e consequente maior tamanho, utilizando- -se da pista existente, poderia ampliar a atuação da MB na fiscalização das Águas Jurisdicionais Brasileiras. PATRULHA NAVAL E INSPEÇÃO NAVAL GUERRA ELETRÔNICA E AA

Uma das nobres missões da MB é a ma- Uma das maiores dificuldades para nutenção da segurança no tráfego aquaviá- o treinamento de nossas guarnições é a rio, cumprido de forma exemplar pela rede indisponibilidade de meios aéreos em de agências, delegacias e Capitanias dos quantidade e periodicidade suficientes Portos espalhadas em território nacional, para atenderem ao treinamento de todos distribuídas pelas nossas águas costeiras nas áreas de guerra eletrônica e antiaérea (AA). Equipamentos ARP de baixo custo poderiam ser utilizados para preencher esta lacuna. Sem a necessidade de um grande planejamento prévio, meios navais poderiam dispor, operados por pessoal qualificado e quando da sua necessidade in- terna, desses equipamentos para o treinamento nesses ambientes da guerra, a baixo custo e com maior periodicidade.

RMB1oT/2017 155 AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO

OPERAÇÃO ANTÁRTICA

O ambiente antártico é inóspito, e sua climatologia muda rapidamente. O emprego de ARP poderá proporcionar a cientistas e comandantes uma variada gama de empregos, desde o auxílio à navegação em campos de gelo até medição meteoro- lógica, lançamento e recolhimento de ins- trumentação na água, apoio à salvaguarda da vida humana no mar em águas frias, monitoramento ambiental, monitoramento de fauna marinha e apoio a pessoal em terra, dentre outros.

direito humanitário. A MB tem participado ativamente nessas operações, e esses recur- sos seriam interessantes na ampliação dos resultados já alcançados. Nesse sentido, e após consulta de alguns países, a Organiza- ção das Nações Unidas (ONU), inclusive, lançou uma política específica para orientar a sua utilização pelos países membros.

CONCLUSÃO

Muitas das promissoras oportunidades aqui apresentadas precisam ter sua ideia de efetividade ampliada e discutida. A semente foi lançada. A capacitação de pes- soal para desenvolvimento, implantação, operação e manutenção desses equipa- mentos é essencial para que a verdadeira contribuição dessas tecnologias-chave e dessas novas competências aqui vislum- bradas se tornem realidade um dia na MB. Após este exercício de identificação, OPERAÇÕES DE PAZ – APOIO os leitores tiveram a oportunidade de co- HUMANITÁRIO nhecer um pouco mais sobre o mundo das ARP em apoio às operações navais e para Poderão ser utilizadas em apoio ao ge- emprego subsidiário em tempo de paz, renciamento de desastres ambientais, com tendo ampliado o seu atual entendimento consequências humanitárias e para fiscali- do reconhecido binômio navio-aeronave zação da aplicação das leis internacionais de junto com a nossa Aviação Naval.

156 RMB1oT/2017 AERONAVES REMOTAMENTE PILOTADAS: IDENTIFICANDO PROMISSORAS OPORTUNIDADES DE EMPREGO

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Aeronave; Veículo aéreo não tripulado; Operações;

REFERÊNCIAS

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RMB1oT/2017 157 LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO*

MARCOS VALLE MACHADO DA SILVA** Capitão de Fragata (RM1)

SUMÁRIO

Sumário Introdução Considerações conceituais Estudo de caso das aeronaves F/A-18 da U.S. Navy e do U.S. Marine Corps Pensando a PBL no âmbito da MB Considerações Finais

INTRODUÇÃO de um círculo vicioso que reduz a confiabi- lidade e a disponibilidade dos meios navais, contexto de recorrentes restrições aeronavais e de fuzileiros navais. Essa Oorçamentárias e o envelhecimento dos realidade configura um dos desafios que a meios que constituem o Poder Naval bra- Marinha do Brasil (MB) tem de enfrentar sileiro apresentam-se como fatores causais nessa segunda década do século XXI.1

*Título original: Logística baseada em desempenho – Performance Based Logistics (PBL): uma aproximação teórica e contextual à sua utilização ** Docente da Escola de Guerra Naval (EGN). Doutor em Ciência Política (Universidade Federal Fluminense) com MBA em Gerenciamento de Projetos (Pontifícia Universidade Católica-RJ). 1 A questão foi debatida na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (27/8/2015), em que o comandante da Marinha declarou: “Evidentemente, a Marinha sentiu fortemente o corte. Nós saímos de um orçamento de R$ 5,2 bilhões para R$ 3,9 bilhões [...]”. (BRASIL. Senado Federal. Agência Senado) Em 14 de junho de 2016, com jornalistas no navio Cisne Branco, o comandante da Marinha discorreu sobre diversos temas, entre os quais a questão da idade dos navios: “Nossos navios estão envelhecidos, são de manutenção cara – essa é nossa preocupação para ameaças de maior nível”. (Empresa Brasil de Comunicação S/A – EBC. Agência Brasil) LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

Consciente dessa realidade, a alta admi- aeronaves F/A-18 Hornet e Super Hornet, nistração naval tem incentivado a pesquisa da U.S. Navy e do U.S. Marine Corps. Es- e a eventual adoção de inovações que sas duas seções estão pautadas na pesquisa contribuam para reduzir os efeitos supra- realizada no âmbito da experiência das citados. Diversos setores têm participado Forças Armadas dos EUA, uma vez que desse esforço, entre eles a Escola de Guerra são os maiores usuários da logística base- Naval (EGN), responsável pela condução ada em desempenho e, além disso, existe dos cursos de altos estudos militares da farta documentação ostensiva relativa à MB. No âmbito das pesquisas conduzidas experiência do DoD com a PBL. A terceira tanto por docentes quanto discentes da e última seção tem como foco alguns pontos EGN, a logística baseada em desempenho, basilares que devem ser considerados ao ou PBL2, tem despontado como objeto de se pensar na eventual aplicação da PBL na estudo capaz de contribuir para reverter o Marinha do Brasil. círculo vicioso vivenciado pela MB. A PBL é estudada com profundidade CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS por algumas outras Marinhas, bem como no universo acadêmico de países como os A pesquisa relativa ao conceito intrín- Estados Unidos da América (EUA), sendo seco à PBL foi iniciada nas publicações o tema deste artigo que busca responder ostensivas do Estado que é o maior usuário às seguintes questões basilares: O que é a da logística baseada em desempenho em PBL? Como, por que e onde surgiu? Como suas Forças Armadas, isto é, os EUA. O tem sido utilizada na área de defesa? A PBL Glossary of Defense Acquisition Acronyms pode ser útil para a MB? O que deve ser and Terms foi o ponto de partida para a considerado para a sua eventual aplicação? apreensão do conceito logístico presente Para responder às questões supracitadas, na PBL. Essa publicação, elaborada pela o artigo busca evidenciar e analisar o con- Defense Acquisition University (DAU),3 ceito da logística baseada em desempenho, define a logística baseada no desempenho suas origens e seu emprego na área militar, da seguinte forma: bem como a sua eventual aplicação aos PBL – Sinônimo de performance contextos presente e futuro da MB. Para a based product support, em que os consecução do objetivo proposto, o texto resultados são adquiridos por meio foi estruturado em três seções. Na primei- de acordos baseados no desempenho ra delas são apresentados os conceitos e que atendam aos requisitos do setor as definições basilares acerca da PBL e operativo e incentivem os provedores o contexto que levou à sua utilização no do apoio logístico a reduzir os custos, âmbito do Departamento de Defesa (DoD) por meio da inovação. Esses acordos dos EUA. Na seção seguinte é apresentado são formalizados por meio de contratos um estudo de caso relativo à aplicação da com a indústria ou mesmo com outros PBL na área de defesa. O caso aqui analisa- órgãos do governo. Seu foco primário do tem como foco a aplicação da PBL nas consiste em otimizar o apoio contratado

2 Do original em inglês Performance Based Logistics (PBL). 3 A Defense Acquisition University (DAU) foi criada em consonância com a Diretiva 5000.57, do Departamento de Defesa, em 1991, visando à formação de uma força de trabalho qualificada na área de aquisições (UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Directive Number 5000.57 - October 22, 1991. Disponível em:. Acesso em: 12 nov. 2016).

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e a disponibilidade do sistema de armas em vez de contratos que visavam apenas objeto do contrato, bem como reduzir à compra de sobressalentes ou equipa- os custos de propriedade desse sistema4 mentos de apoio). [...] A contratação da (Tradução nossa). logística baseada em desempenho é um processo de múltiplas etapas que pode A aplicação da PBL no âmbito do De- ser aplicado tanto a sistemas novos como partamento de Defesa dos EUA está inseri- àqueles já em uso. O detalhamento desse da no contexto da Diretiva 5000.01 daquele processo é apresentado na plataforma de órgão, expedida em 12 de maio de 2003 e acesso virtual denominada PBL Toolkit. que, no item E1.1.17 do seu anexo, requer É um processo já testado e que se con- que os gerentes de programas das Forças centra em programas em uso e pode ser Armadas “desenvolvam e implementem customizado tanto para componentes estratégias logísticas baseadas no desempe- quanto para subsistemas e sistemas de nho, que otimizem a disponibilidade total armas […]7 (DAG, 2003, p 412-413, do sistema considerado e, paralelamente, tradução nossa). diminuam os custos e o esforço logístico”5 À luz do exposto, (Tradução nossa). A contratação da logística percebe-se que desem- Alinhado com o baseada em desempenho é penho (performance) conteúdo dessa Di- é a palavra-chave no retiva, o Defense Ac- um processo de múltiplas conceito da PBL, sen- quisition Guidebook etapas que pode ser aplicado do definida noGlossa - (DAG)6 dedica à PBL ry of Defense Acqui- boa parte do seu ca- tanto a sistemas novos como sition Acronyms and pítulo 5 (Life Cycle àqueles já em uso Terms como “aquelas Logistics), no qual é características ope- apontada a posição do racionais, bem como DoD em relação à utilização da logística as de apoio requeridas pelo sistema que baseada em desempenho. lhe permite executar de forma eficiente e A intenção do DoD é utilizar o apoio eficaz a missão para a qual foi concebido”8 logístico baseado em desempenho, vi- (Tradução nossa). sando prover o melhor resultado a longo Uma vez que a PBL está pautada em prazo, adotando contratos baseados em contratos de aquisição de desempenho, desempenho em vez de contratos basea- um dos processos essenciais para a sua dos em transações (isto é, passar a utilizar utilização consiste em estabelecer requisi- contratos que adquiram disponibilidade tos de desempenho, usualmente expressos

4 UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Defense Acquisition University. Glossary of Defense Acquisition Acronyms and Terms. Performance-Based Logistics (PBL). Disponível em: < https://dap.dau. mil/glossary/pages/2510.aspx>. Acesso em: 10 nov.2016. 5 UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Directive Number 5000.01 – May 12, 2003. Disponível em:. Acesso em: 12 nov. 2016. 6 Publicação voltada para alinhar as práticas de aquisições com as diretivas emitidas pelo DoD. 7 DAG, 2013, p. 412-413. 8 UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Defense Acquisition University. Glossary of Defense Acquisition Acronyms and Terms. Performance. Disponível em: < https://dap.dau.mil/glossary/pages/2372. aspx>. Acesso em: 10 nov.2016.

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em termos de disponibilidade, bem como como foco a entrega de desempenho, das métricas que vão permitir a sua corres- e não de sobressalentes e serviços10 pondente mensuração. Há que se ressaltar (Tradução nossa). que esses requisitos serão estabelecidos pelo próprio setor operativo em função De forma convergente com o contido no das suas demandas em relação aos com- DAG e no PBL Toolkit, William A. Ko- ponentes, subsistemas e sistemas de armas bren11, em seu artigo “What Performance considerados. Nesse sentido, o PBL Toolkit Based Logistics is and What it is not – And aponta que What it Can and Cannot Do (2009)”, apon- A PBL tem como foco solucio- ta quais são os pontos centrais relativos à nar a demanda de PBL, a seguir sumari- apoio que atenda zados: aos requisitos do A PBL tem como foco – a PBL tem como combatente, ge- foco a aquisição de ralmente expres- solucionar a demanda resultados de desem- sos em termos de de apoio que atenda aos penho (Performance disponibilidade9, requisitos do combatente, Outcomes), não sendo e não no consumo a simples aquisição de de recursos ou no geralmente expressos em sobressalentes e/ou ser- detalhamento de termos de disponibilidade, e viços para manutenção; quem executará – para que contratos esse apoio. Assim, não no consumo de recursos de PBL possam ser métricas mensurá- ou no detalhamento de firmados, é essencial veis e gerenciáveis quem executará esse apoio que o contratante tenha relativas aos requi- a capacidade de definir sitos estabelecidos os requisitos de desem- pelo combatente são essenciais para penho desejados para os componentes, estruturar e executar adequadamente subsistemas e sistemas de armas; e qualquer PBL. […] A PBL delineia – o Governo e as Forças Armadas devem metas de desempenho de componentes, ter a capacidade de identificar e convencer subsistemas e sistemas de armas; forne- empresas da Base Industrial de Defesa ce incentivos para que essas metas sejam (BID) a engajar na PBL, haja vista que alcançadas; define responsabilidades e serão as empresas as partes contratadas facilita o gerenciamento da confiabi- com a adoção da PBL. lidade do sistema, do apoio logístico Além disso, Kobren (2009) também necessário, bem como dos custos do aponta que a PBL não é apropriada para ciclo de vida. Em síntese, a PBL tem todos os sistemas de armas:

9 Disponibilidade (Availability) é definida noGlossary of Defense Acquisition Acronyms and Terms como: “Uma medida do grau em que um item se encontra disponível para operar e pode ser alocado para uma missão que foi solicitada de forma tempestiva” (Tradução nossa). UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Defense Acquisition University. Glossary of Defense Acquisition Acronyms and Terms. Availability. Dis- ponível em:. Acesso em: 10 nov.2016. 10 UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Defense Acquisition University. Performance Based Logistics Community of Practice – PBL Toolkit. The Basics – PBL Overview – Definitions & Overview. Disponível em: < https://acc.dau.mil/CommunityBrowser.aspx?id=527126>. Acesso em: 10 nov. 2016. 11 Diretor do Logistics and Sustainment Center, na Defense Acquisition University.

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– em alguns casos, particularmente Uma vez evidenciados os fundamentos aqueles envolvendo sistemas muito antigos, conceituais da PBL, tal como definido por próximos ao fim do ciclo de vida, a PBL seu maior usuário na área de defesa, bem pode não ser a melhor solução para o apoio como inferidos os pontos centrais presentes logístico; e na logística baseada em desempenho, é – em outros casos, a iniciativa privada pertinente observar o contexto que levou pode não ter interesse em participar de um o DoD a colocar a PBL como objeto de projeto baseado em PBL, caso avalie que uma de suas diretrizes13, incentivando a sua os riscos sejam muito grandes, ou que o adoção pelos gerentes de programas da área retorno (lucro) seja muito pequeno. de defesa. Nesse sentido, cabe um breve Assim, a análise da definição e dos retorno ao ano 2000, quando Jacques S. conceitos extraídos Gansler, então subse- das fontes supracita- cretário de Defesa para das permitiu inferir A PBL, se corretamente Logística, Aquisição e os seguintes pontos aplicada, pode contribuir Tecnologia (under se- centrais presentes na cretary of Defense for logística baseada em para a redução do custo Acquisition, Technolo- desempenho: do ciclo de vida de um gy, and Logistics), de- – a PBL tem como clarou em audiência no foco os resultados de componente, subsistema ou Congresso dos EUA: desempenho (Per- sistema de armas O nosso material formance) e pode está envelhecendo. ser aplicada no nível Não podemos substi- componente, subsistema ou sistema de tuir grande parte desse material num armas; futuro próximo. Consequentemente, – a PBL tem como propósito atender nossos custos de operações e manuten- a requisitos de desempenho estabelecidos ção continuarão a aumentar. Isso resulta pelo setor operativo; em uma menor prontidão14, mas com – os contratos de PBL apresentam res- custos crescentes. Se não revertermos ponsabilidades claras e possuem métricas essa tendência de forma rápida e deli- bem definidas para os requisitos de desem- berada, enfrentaremos o que eu descrevi penho desejados; e como uma “espiral da morte” – uma – a PBL, se corretamente aplicada, pode situação em que uma menor prontidão contribuir para a redução do custo do ciclo exige que continuemos a retirar cada de vida12 de um componente, subsistema ou vez mais dólares da modernização de sistema de armas. equipamentos para custear as despesas

12 “O custo do ciclo de vida de um item (Life-Cycle Cost – LCC) inclui todos os custos diretos e indiretos relativos à obtenção, à operação, ao apoio e à alienação do mesmo” (BRASIL, 2013, Cap. 8, p. 1). 13 A já citada Diretiva 5000.01 de 12 de maio de 2003. 14 Prontidão (Readiness) é definida no Glossary of Defense Acquisition Acronyms and Terms como: “Estado de preparação das forças, sistemas, ou de sistemas de armas para cumprir uma missão ou para realizar operações militares. É baseado em pessoal adequado e treinado, bem como na condição do material, nos suprimentos/ reservas do sistema de apoio logístico, número de unidades disponíveis etc.” (Tradução nossa). UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Defense Acquisition University. Glossary of Defense Acquisition Acronyms and Terms. Readiness. Disponível em: . Acesso em: 10 nov.2016.

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com a operação e manutenção dos meios programas do DoD e avaliam os resultados existentes, o que atrasa a modernização, alcançados. Segundo Gansler e Lucyshyn fazendo com que o material envelhecido (2006, p. 3), até a década de 1990 a logística seja ainda mais empregado, o que reduz associada à manutenção dos meios milita- ainda mais a prontidão e aumenta os res dos EUA tinha como foco a obtenção de consequentes gastos de operação e ma- sobressalentes e serviços, visando garantir nutenção, ou seja, um círculo vicioso15 a máxima disponibilidade dos diversos (Tradução nossa). sistemas de armas. A lógica subjacente a essa abordagem era ter sobressalentes que A forma identificada por Gansler para atendessem a qualquer necessidade. No romper a “espiral da morte” passava por entanto, um resultado não tão desejável uma reavaliação da forma como o apoio lo- dessa abordagem logística era a existência gístico era executado pelas Forças Armadas de grandes inventários e custos associados dos EUA. Gansler relatou ao House Armed ao seu gerenciamento. Além disso, outro Services Committee as ações em curso no resultado subjacente, porém deletério, DoD para fazer frente ao círculo vicioso dessa abordagem logística era a tendên- descrito. Essas ações buscavam reduzir cia dos fabricantes (Original Equipment os custos com operação e manutenção do Manufacturer — OEM) e demais forne- material em uso pelas Forças Armadas dos cedores de sobressalentes buscarem, na EUA. Para tanto, estavam sendo colocados prática, vender o máximo de sobressalentes em prática 30 programas-piloto voltados e serviços de manutenção. Essa tendência para melhorar o apoio logístico, reduzir era também um dos fatores que implicava o os custos e aumentar a confiabilidade do custo crescente da manutenção do material material coberto por esses programas. das Forças Armadas dos EUA, não só dos Todas essas iniciativas estavam pau- novos sistemas de armas, mas principal- tadas em requisitos de desempenho e em mente dos mais antigos. métricas que possibilitariam avaliar os No conjunto, todos esses fatores levaram resultados alcançados. As lições aprendidas o DoD a repensar e transformar a aborda- com esses programas-piloto seriam a base gem logística então em vigor nas Forças de conhecimento para ampliar essa nova Armadas dos EUA. A transformação forma de apoio logístico a outros compo- vislumbrada envolvia a identificação do nentes, subsistemas e sistemas de armas das posicionamento dentro de uma faixa cuja Forças Armadas dos EUA.16 amplitude variava da total execução do Seis anos depois, Gansler, juntamente apoio logístico pelo usuário, isto é, as For- com William Lucyshyn,17 escreveu o ar- ças Armadas, ao completo apoio executado tigo “Evaluation of Performance Based pelo fabricante ou empresa fornecedora Logistics” (2006), no qual reconstituem o de sobressalentes e serviços, dentro de um processo de implantação da PBL em alguns contrato baseado em desempenho a alcan-

15 UNITED STATES DEPARTMENT OF DEFENSE. Defense Acquisition University. Gansler testifies before Congress on transformation of DoD logistics. Statement before the House Armed Services Committee Rea- diness Subcommittee Logistics Transformation Hearing held June 27, 2000. Disponível em: < http://www. dau.mil/pubscats/PubsCats/PM/articles00/gans2s-o.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2016. 16 Ibid. 17 Pesquisador do Center for Public Policy and Private Enterprise na School of Public Policy, da University of Maryland (GANSLER; LUCYSHYN, 2006, p. 47).

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Figura 1 – Espectro considerado ao se avaliar a adoção de uma abordagem logística baseada na PBL Fonte: GANSLER; LUCYSHYN, 2006, p. 6

çar. Em outras palavras, a questão subja- – os requisitos de desempenho desejados cente à PBL envolvia identificar o quanto para o componente, subsistema ou sistema de terceirização do apoio logístico seria de armas considerado; ideal para um determinado componente, – os requisitos de desempenho já alcan- subsistema ou sistema de armas integrante çados com a abordagem tradicional; do inventário do DoD. – os custos envolvidos com a aborda- A Figura 1 permite a visualização da gem em vigor e com a eventual adoção amplitude a ser considerada, dentro de um da PBL; e quadro relativo à adoção de uma aborda- – o interesse das empresas em participar. gem logística voltada para a PBL. Feitas essas considerações conceituais Nesse contexto, Gansler e Lucyshyn acerca da PBL, bem como evidenciados (2006, p. 6-7) apontam alguns fatores a os fatores basilares a serem considerados considerar quanto à decisão do melhor em relação à sua eventual adoção para um posicionamento na faixa supracitada: determinado componente, subsistema, ou – a “idade” do componente, subsistema sistema de armas, cabem algumas con- ou sistema de armas considerado; siderações acerca de experiências da sua – a estrutura de apoio logístico já exis- utilização efetiva na área de defesa. Para tente; tanto, será apresentado e analisado um – a capacidade de apoio logístico, orgâ- caso de domínio público relativo à adoção nica e comercial, existente; e da PBL no âmbito da Marinha e do Corpo – a legislação em vigor. de Fuzileiros Navais dos EUA. Esse caso Com base nas fontes já apontadas neste foi selecionado tanto pela quantidade de artigo, outros fatores podem ser acrescenta- informações ostensivas disponíveis quanto dos na avaliação do melhor posicionamento pela considerável experiência da U.S. Navy em relação à amplitude de terceirização com contratos envolvendo a PBL.18 Assim, inerente à PBL: trata-se de um estudo de caso que permite

18 Por ocasião da palestra proferida no Simpósio de Logística, realizado durante a Latin America Aerospace and Defense (LAAD), em abril de 2015, o então chief da Sustainment Division, U.S. SouthCom, Larry Burton, apontou que, em 2015, 25 % dos contratos da U.S. Navy envolviam a PBL.

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Figura 2 – Componentes e subsistemas das aeronaves F/A-18, objeto de contratos iniciais de PBL Fonte: GANSLER; LUCYSHYN, 2006, p. 17

evidenciar os resultados passíveis de al- mental em 2001 e desde então aprimorados. cançar com a correta aplicação da logística Por ocasião do primeiro contrato envolvendo baseada em desempenho. a aplicação do conceito de PBL para as aeronaves F/A-18, a abordagem escolhida ESTUDO DE CASO DAS foi a de não adotar um único contrato (isto AERONAVES F/A-18 DA U.S. é, no nível de sistema de armas), mas sim NAVY E DO U.S. MARINE CORPS de aplicar o conceito de PBL no nível de subsistemas e componentes. Assim, foram O caso19 será apresentado por meio de implementados múltiplos contratos de PBL quatro tópicos: a abordagem considerada para com vários Original Equipment Manu- adoção da PBL; os contratos firmados; as facturers (OEM), no nível de subsistemas principais métricas e os resultados alcançados. e componentes das aeronaves F/A-18. A Com relação à abordagem adotada, é figura 2 apresenta uma visão dos compo- pertinente destacar que as aeronaves F/A-18, nentes e subsistemas das aeronaves F/A-18 em todas as suas versões, foram objeto de que foram objeto da PBL por ocasião dos contratos de PBL iniciados de forma experi- primeiros contratos firmados.

19 O caso foi preparado com base nas informações disponíveis no já citado Evaluation of Performance Based Logistics (2006, p. 11-22) de Jacques S. Gansler e William Lucyshyn.

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No que tange aos contratos firmados, o e do U.S. Marine Corps compreendia os pilar central é o F/A-18 Integrated Readi- seguintes quantitativos nas diversas versões ness Sustainment Team (First), assinado em uso da aeronave: com a Boeing, pela primeira vez, em 1o de – 151 F/A-18 A/Bs; maio de 2001. O contrato estabelecia que – 530 F/A-18 C/Ds ; a Boeing fosse responsável por obtenção, – 228 F/A-18 E/Fs; e armazenagem, transporte, distribuição, – 90 EA-18Gs. gerenciamento de obsolescência e melho- Além disso, existiam 409 aeronaves rias de confiabilidade dos componentes e F/A-18 em uso pelas Forças Armadas de subsistemas objeto do First. (GANSLER; sete Estados (Austrália, Canadá, Finlândia, LUCYSHYN, 2006, p. 14-15). Kuwait, Malásia, Espanha, Suíça e Tailân- O contrato inicial foi assinado em dia), o que representava um potencial de 2001, com duração de um ano, podendo expansão de contratos de PBL, reforçando ser renovado por até três anos. Em abril o interesse dos OEM em participar do First. de 2003, foi assinado um complemento As métricas a alcançar para cada compo- ao First ampliando as responsabilidades nente e subsistema das aeronaves F/A-18, da Boeing, que passava a ser responsável objeto dos contratos em pauta, foram esta- pelo gerenciamento do Apoio Logístico belecidas pelos Commanders of the Strike Integrado, bem como pelo apoio ao ge- Fighter Wings (Atlântico e Pacífico); rati- renciamento do programa e por publica- ficadas pelo Commander Naval Air Forces ções técnicas e sistemas de informações e formalizadas em um Performance Based gerenciais integrados para as aeronaves Agreement (PBA), junto ao gerente do Pro- F/A-18 E/F Super Hornet (GANSLER; grama F/A-18 (GANSLER; LUCYSHYN, LUCYSHYN, 2006, p. 15). 2006, p. 14). Em dezembro de 2005 foi assinado um No que tange aos resultados alcançados, novo First, desta feita com duração de cinco o Naval Air Systems Command (Navair) anos, com opção de mais cinco anos. O destacou que o First proporcionou um valor do contrato perfazia o montante de U$ aumento progressivo da Mission Capable 995 milhões e englobava 73% de todos os Rate20 das aeronaves F/A-18, saltando de componentes das aeronaves (GANSLER; 57% para 72%. LUCYSHYN, 2006, p. 15). O Gráfico 1 apresenta o aumento daMis - É pertinente destacar que, em 2005, o sion Capable Rate das aeronaves F/A-18 no inventário de aeronaves F/A-18 perfazia período de 2000 a 2005, isto é, entre o ano um quantitativo de monta, sob quaisquer que antecedeu a assinatura do primeiro First aspectos considerados. Isso proporciona- (2000) até o ano em que o contrato atingiu va valores extremamente atrativos para o a sua maturidade (2005). main contractor (Boeing) e pelos Original Os diversos contratos de PBL para os Equipment Manufacturers, subcontratados. vários subsistemas e componentes das Conforme apontam Gansler e Lucyshyn aeronaves F/A-18 também apontaram para (2006, p. 11-12), em 31 de julho de 2005 o um incremento na disponibilidade desses número de aeronaves F/A-18 da U.S. Navy itens, sumarizados no Quadro 1.

20 Mission Capable Rate corresponde ao “total de aeronaves capazes de cumprir todos os tipos, ou parte dos tipos, de missões para as quais foram concebidas” (Tradução nossa). UNITED STATES AIR FORCE. Air Education and Training Command Instruction 21-105 (18 March 2013), p. 12. Disponível em:. Acesso em: 15 nov. 2016.

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ao ano. Com o First, assinado em 2005, não só os custos em pauta foram estabili- zados, como foi esti- mada uma economia de aproximadamente 150 milhões de dó- lares, em relação à abordagem tradicio- nal de manutenção, no período de cinco anos de duração do contrato. O Gráfico 2 apre- Gráfico 1 – Mission Capable Rate das aeronaves F/A-18 (2000 – 2005) Fonte: GANSLER; LUCYSHYN, 2006, p. 20 senta a estabilização projetada no período Analisando o Quadro 1, percebe-se o compreendido entre 2001 e 2006, bem aumento da disponibilidade de compo- como a estimativa de redução nos custos nentes e subsistemas críticos, como, por de manutenção das aeronaves F/A-18 para exemplo, as turbinas GE F404, que pas- o período 2006-2010. saram de 43% para 96% após a adoção do Essa projeção de redução de custos não First. Esse percentual, segundo Gansler e foi confirmada nas fontes consultadas para Lucyshyn (2006, p. 21), é o maior índice a pesquisa aqui conduzida. No entanto, se alcançado desde o início da utilização dessa de fato ocorreu, a aplicação da PBL no pro- turbina pela U.S. Navy. As Unidades de grama do F/A-18 aponta para um impacto Partida Auxiliar (APU) também tiveram positivo em termos de redução dos custos sua disponibilidade aumentada de forma de manutenção das aeronaves. significativa, passando de 70% para 90%. Em síntese, a análise do caso apresenta- do permite inferir que: – a adoção da PBL foi gradual e remete à ideia de curva de aprendizagem relativa a essa abordagem de manutenção. O caso das aeronaves F/A- 18 evidenciou que Quadro 1 – Aumento de disponibilidade decorrente do First Fonte: GANSLER; LUCYSHYN, 2006, p. 22 os contratos de PBL, notadamente o First, No que tange aos custos, a continuidade obedeceram a sequência de menor para da tradicional abordagem de manutenção, maior complexidade; centrada na aquisição de sobressalentes – os contratos foram firmados com e serviços, apresentava uma estimativa empresas da Base Industrial de Defesa de aumento de custo da ordem de 7% dos EUA;

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formar uma “massa crítica” em termos de Recursos Humanos com expertise nessa abordagem logística. Isso pode ser feito por meio do envio de pes- soal da MB para cursos em centros como a De- fense Acquisition Uni- versity, bem como pela presença e participação Gráfico 2 – Estimativa de estabilização e redução de custos com manutenção em simpósios, semi- decorrentes do First nários e congressos Fonte: GANSLER; LUCYSHYN, 2006, p. 21 que abordem a PBL, notadamente aqueles – aparentemente, foram alcançados re- que discutam e analisem casos em que a sultados expressivos em termos de redução logística baseada em desempenho esteja de custos em relação ao que se projetava sendo aplicada. gastar com a abordagem tradicional de A característica intrínseca da PBL é a manutenção; e compra de resultados de desempenho de – foram alcançados resultados expres- um componente, subsistema ou sistema sivos em termos de de armas. A sua ado- aumento da disponibi- ção, tal como aponta lidade das aeronaves É mandatório que o Apoio a experiência de outras F/A-18, notadamente Logístico Integrado (ALI), Marinhas, deve seguir em termos de compo- a lógica da menor para nentes e subsistemas principalmente para a maior complexidade. críticos, como as tur- os novos componentes, Portanto, programas- binas GE F404. -piloto, envolvendo subsistemas e sistemas de inicialmente compo- PENSANDO A armas da MB, passe a ser nentes e subsistemas PBL NO ÂMBITO efetivamente implementado menos complexos, DA MB configuram-se como pontos iniciais do À luz dos fundamentos conceituais apre- aprendizado e de avaliação da PBL em sentados, bem como da análise decorrente sua aplicação por parte da MB. do caso apresentado, foram inferidos alguns Igualmente importante como ponto pontos basilares que podem ser considera- de partida para se pensar na aplicação da dos ao se pensar na eventual aplicação da PBL na MB é o domínio do ciclo de vida PBL na MB. do componente, subsistema ou sistema de Como ponto de partida, é fundamental armas considerado. A estimativa confiável entender o que é a PBL, isto é, o que pode dos custos do ciclo de vida é essencial como ser obtido e o que não pode ser obtido com elemento comparativo entre o custo daqui- sua aplicação. Para tanto, é necessário lo que está sendo obtido com abordagem

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logística vigente e o custo do que poderá interesses desses interlocutores podem ser ser obtido com a eventual adoção da PBL. sintetizados da seguinte forma: Nesse sentido, é mandatório que o Apoio – as Forças Armadas almejam o melhor Logístico Integrado (ALI), principalmente desempenho, notadamente a confiabili- para os novos componentes, subsistemas dade e a disponibilidade dos seus meios e sistemas de armas da MB, passe a ser materiais; efetivamente implementado. – o Governo busca atender às necessi- A capacidade de identificar e formular dades das Forças Armadas, com um orça- requisitos de desempenho é essencial para mento limitado; e se pensar em termos de logística baseada – as empresas (fabricantes/fornece- em desempenho, haja vista que os requisi- dores) procuram atender aos contratos tos desejados, bem como as métricas para firmados com as Forças Armadas, obtendo a sua quantificação, são fundamentais para a maior margem de lucro possível. os contratos de PBL. Além disso, eles são Portanto, é essencial que todas as partes a expressão daquilo que o setor operativo interessadas tenham a percepção conver- precisa ou deseja obter de um componente, gente de que a lógica subjacente à PBL é: subsistema e sistema de armas. menos gastos com sobressalentes e reparos, Tais requisitos devem ser compatíveis mais disponibilidade e confiabilidade dos com as reais necessidades operativas, sistemas de armas e ganhos financeiros uma vez que os custos de um contrato de médio e longo prazo que permitirão a de PBL estarão diretamente associados permanência dos fabricantes e fornecedores a eles. Por exemplo: estabelecer como na atividade empresarial. requisito de desempenho para um navio, Os contratos são outro ponto central a se uma disponibilidade de 300 dias de mar pensar na PBL. O contratante, no caso aqui por ano, terá um custo diferente de um pensado como a MB, deve ter a capacidade requisito que estabeleça como meta a de formular, redigir, firmar e fiscalizar os disponibilidade de 180 dias de mar no contratos de PBL. Essa talvez seja a maior mesmo período. Em outras palavras, o de- vulnerabilidade em um eventual contrato sempenho a alcançar deve refletir aquilo de PBL para a MB e que, provavelmente que, de fato, o setor operativo necessita implicará uma curva de aprendizado, haja do componente, subsistema e sistema de vista que os primeiros contratos não terão armas objeto da PBL. escopo similar com outros já firmados pela Convencer as empresas da Base Indus- Marinha. trial de Defesa é um desafio a se pensar na Os casos estudados na EGN21 apontam PBL integrada e alinhada com a política e que os contratos de PBL, usualmente, apre- estratégia nacional de defesa brasileira. A sentam as seguintes características: PBL é uma relação tipo “ganha-ganha-ga- – uma moldura temporal de longa du- nha” entre três grandes partes interessadas: ração (cinco anos em média, com opção as Forças Armadas, o Governo e as em- de renovação por um ou dois períodos presas. Em termos singelos, os principais subsequentes);

21 Com base nas informações disponibilizadas por Jacques S. Gansler e William Lucyshyn em Evaluation of Per- formance Based Logistics (2006, p. 23-35), dois outros casos foram preparados e analisados na EGN. Esses casos abordam, respectivamente, o contrato firmado com a Michelin, para o gerenciamento completo dos 23 tipos de pneus utilizados pelos 16 tipos de aeronaves da U.S. Navy e do U.S. Marine Corps; e o contrato com a Lockheed Martin Maritime Systems & Sensors para o sistema sonar dos submarinos da U.S. Navy.

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– envolvem a transferência de risco para va à tradicional abordagem logística de o contratado; manutenção, centrada na aquisição de – possuem cláusulas precisas com resul- sobressalentes e serviços. Em contratos tados mensuráveis a alcançar; e de PBL, o contratante “paga” por desem- – utilizam com frequência a modalidade penho alcançado e não por sobressalentes de preço fixo com remuneração de incenti- e/ou reparos. vo. Essa modalidade de contrato é aquela A ideia subjacente à PBL é que em que o preço do produto/serviço é defini- minimizar reparos e sobressalentes do e não está sujeito a alterações, a menos aumentará tanto a disponibilidade que o escopo do trabalho seja modificado, quanto a confiabilidade dos sistemas porém contém incentivos financeiros vin- de armas, bem como o lucro do contra- culados ao cumprimento de determinadas tado. Portanto, estratégias de sucesso métricas estabelecidas utilizando a PBL re- (PMI, 2014, p. 363). presentam relações Correlata a essas Mesmo com a expertise tipo “ganha-ganha- características, está em todos esses pontos, a -ganha” para as For- presente a legislação ças Armadas, para em vigor com os tipos inexistência de recursos o Governo e para a de contratos permiti- adequados inviabilizará iniciativa privada. dos aos órgãos públi- Há que se desta- cos, isto é, as limita- não só a PBL, mas toda car que a PBL não é ções e regulações aos e qualquer abordagem e um conceito novo ou contratos que podem estratégia logística de um um modismo. Con- ser firmados entre a forme exposto, a PBL MB e empresas nacio- componente, subsistema ou vem sendo pensada, nais e/ou estrangeiras. sistema de armas aplicada e aprimorada Em outras palavras, o no âmbito do DoD conhecimento e domí- dos EUA por cerca de nio do marco legal é também basilar para o duas décadas.22 No entanto, o caso aqui êxito da adoção da PBL. apresentado e analisado deve ser lido com Há que se ressaltar que, mesmo com a pensamento crítico, uma vez que as fontes expertise em todos esses pontos, a inexis- disponíveis ressaltam apenas pontos positi- tência de recursos adequados inviabilizará vos da experiência da U.S. Navy e do U.S. não só a PBL, mas toda e qualquer abor- Marine Corps com a aplicação da PBL nas dagem e estratégia logística de um com- aeronaves F/A-18. Assim, o conteúdo deste ponente, subsistema ou sistema de armas. artigo, longe de esgotar o tema, representa uma contribuição inicial para pesquisas CONSIDERAÇÕES FINAIS e estudos subsequentes voltados para as possibilidades e limitações da eventual Ao longo deste artigo foi evidenciado aplicação da PBL por parte da Marinha que a PBL desponta como uma alternati- do Brasil.

22 Tal como atesta o caso das aeronaves F/A-18 apresentado, bem como apontam Benjamin Ertel, Mike Jones e Ted Seymour em Performance-Based Logistics Perpective (2009, p. 1), “desde 2000, o DoD tem indicado, de forma consistente, que a PBL deve ser priorizada, tanto para as novas aquisições quanto para o apoio aos meios já existentes” (Tradução nossa).

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O aprofundamento de pesquisas tendo a Além disso, a inexistência ou insuficiência PBL como objeto de estudo pode e deve ser de recursos financeiros tornará inexequíveis levado a cabo. É importante que o tema seja os contratos de PBL vislumbrados. Proble- aprofundado, visando à criação da massa mas de longa data, relacionados como baixo crítica de recursos humanos, necessária para desempenho e disponibilidade, bem como viabilizar uma futura decisão quanto à utili- falta de confiabilidade de sistemas de armas zação da PBL, mesmo em programas-piloto, não podem ser corrigidos ou mitigados sem por parte da MB. os recursos financeiros É também perti- necessários. nente apontar que, O ponto central a ser No entanto, a pes- dentre os vários se- destacado é que a PBL não é quisa realizada aponta, tores da Marinha que ainda de forma pre- possuem vocação para uma panaceia. A sua adoção liminar, que, se uma a pesquisa, o Centro de não vai eliminar ou superar abordagem logística Estudos Político-Es- baseada em desem- tratégicos da Marinha a falta de planejamento penho for cuidadosa- do Brasil (CEPE-MB) estratégico ou a inexistência mente planejada e im- desponta como um de programas e projetos plementada paulatina- think tank que possui mente, tendo métricas estrutura para formar para os meios materiais em claras e bem definidas, grupos de pesquisa, uso ou em aquisição além do necessário envolvendo múltiplas suporte financeiro e organizações milita- de um contrato bem res e instituições de ensino superior, para redigido, alguns resultados significativos avançar com a produção acadêmica relativa poderão ser alcançados quanto à redução à logística baseada em desempenho. do custo do ciclo de vida dos meios da Finalizando, o ponto central a ser des- MB. Assim, a PBL apresenta-se como tacado é que a PBL não é uma panaceia. uma importante abordagem logística para A sua adoção não vai eliminar ou superar melhorar o desempenho e reduzir custos de a falta de planejamento estratégico ou a componentes, subsistemas ou sistemas de inexistência de programas e projetos para armas e que não pode ser desconsiderada os meios materiais em uso ou em aquisição. pela Marinha do Brasil.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Logística; Marinha do Brasil; Marinha dos EUA;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RMB1oT/2017 171 LOGÍSTICA BASEADA EM DESEMPENHO

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172 RMB1oT/2017 RADIOMONITORAÇÃO DE REDES DE SATÉLITES GEOESTACIONÁRIOS

PEDRO HENRIQUE RIBEIRO BARBOSA* Capitão de Corveta

SUMÁRIO

Introdução A necessidade da vigilância Comando e Controle Monitoração de satélites geoestacionários O problema das interferências A Estação Terrena de Monitoração de Satélites Geoestacionários (Emsat) Conclusão

INTRODUÇÃO nos dias atuais, sendo esta uma condi- ção imprescindível para o sucesso de importância dos satélites vem au- qualquer operação militar. A informação A mentando a cada dia. A velocidade na guerra faz parte da diferença entre o da informação nunca havia sido um sucesso do vitorioso e a perplexidade do fator tão importante e decisivo como perdedor, e sua importância sempre foi

* Serviu na Estação Rádio da Marinha no Rio de Janeiro. Atualmente serve no Comando da Segunda Divisão da Esquadra. Possui especialização em Eletrônica e aperfeiçoamento em Comunicações Navais. RADIOMONITORAÇÃO DE SATÉLITES GEOESTACIONÁRIOS

reconhecida ao longo dos tempos. Sun A fim de mitigar a ocorrência dessas Tzu já afirmava: interferências, foi desenvolvida e imple- Aquele que conhece o inimigo e a si mentada no Brasil em 2014, pela Agência mesmo, ainda que enfrente cem bata- Nacional de Telecomunicações (Anatel), a lhas, jamais correrá perigo. Aquele que Estação Terrena de Monitoração de Saté- não conhece o inimigo, mas conhece a si lites Geoestacionários2 (Emsat), motivada mesmo, às vezes ganha, às vezes perde. principalmente pela realização dos dois Aquele que não conhece nem o inimigo grandes eventos mundiais no país: a Copa nem a si mesmo está fadado ao fracasso do Mundo Fifa de 2014 e os Jogos Olím- e correrá perigo em todas as batalhas (A picos Mundiais de 2016 (ANATEL, 2014). Arte da Guerra, 2007, p.45). Neste artigo, veremos que este poderoso e moderno recurso poderá ser empregado A evolução da arte da guerra forçou o pelo País não somente para a manutenção homem a interagir com métodos, processos, da garantia das comunicações satelitais tecnologias e inovações, em situações e realizadas pelos meios civis, dentre outras cenários no campo de batalha, em prol da finalidades, mas também para fins militares, consecução de objetivos táticos, operacio- caracterizando-se assim num sistema dual, nais e estratégicos (BRASIL, 2015a). Nesse com aplicações civis e militares. ínterim, o domínio de novas tecnologias de informação, tais como as comunicações A NECESSIDADE DA via satélite, tornou-se fundamental para VIGILÂNCIA qualquer empreitada militar. Em um cenário de constantes mudanças, O litoral do Brasil possui cerca de 8.500 o aprimoramento do processo decisório km de extensão. As Águas Jurisdicionais garante ampla vantagem competitiva Brasileiras (AJB) são constituídas pelas àquele que o utiliza mais rapidamente e Águas Interiores e pelas áreas marítimas eficientemente. Neste aspecto, o Comando da Amazônia Azul, somando cerca de e Controle (C2) veio a se tornar um recurso 4,5 milhões de km². Sobre elas, o Brasil indispensável para o exercício da decisão, exerce direitos de soberania para fins de assessorando a complexa responsabilidade exploração e explotação de seus recursos do comando e diminuindo as incertezas. naturais (minerais e outros recursos vivos Em contrapartida a esse aumento signi- e não vivos do subsolo e leito marinhos, ficativo da importância das comunicações assim como suas espécies vivas sedentá- satelitais, cuja época foi denominada de a rias). Diante de tamanhas potencialidades “Era da Informação”, o número de interfe- e riquezas dessa gigantesca massa aquífera, rências1 associadas a esse tipo de comunica- o País possui a responsabilidade e a neces- ção também aumentou consideravelmente, sidade de protegê-la. constituindo-se em possíveis ameaças a O que define de fato a soberania do um país, trazendo consequências bastante Brasil sobre as AJB é a existência de na- negativas. vios patrulhando ou realizando ações de

1 Esse fenômeno é um dos fatores responsáveis pela limitação no tráfego das informações, produzindo ruídos que podem ser reduzidos com certos tipos de modulação. Disponível em , Acesso em 09 jul. 2106. 2 Órbita equatorial ou geoestacionária é aquela em que o satélite está sempre na mesma posição em relação à Terra. Ela possui uma inclinação de 0 (zero) grau e coincide com o plano do equador.

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presença, associada a um efetivo sistema às atribuições subsidiárias previstas em lei, de vigilância, garantindo o estabelecimento como, por exemplo a Patrulha Naval (Patnav). de maior consciência situacional sobre o Informações estratégicas e de inteligên- que realmente acontece na Amazônia Azul. cia operacional poderão ser obtidas otimi- O Sistema de Gerenciamento da Ama- zando o emprego dos meios navais, aéreos zônia Azul (SisGAAz) é um dos princi- e aeronavais utilizados nessas Patnav, pais projetos em desenvolvimento pela reduzindo o tempo de busca, identificação Marinha do Brasil (MB), com a missão de e interceptação de contatos de interesse. monitorar, de forma integrada, as AJB e as Tal sistema também poderá contribuir para áreas internacionais de responsabilidade o sucesso das Operações Conjuntas6, con- para operações de Socorro e Salvamento duzidas pelo Ministério da Defesa (MD), (SAR), a fim de contribuir para o controle e até mesmo das Operações Combinadas7. e a mobilidade estratégica3, representadas pela capacidade de responder prontamente COMANDO E CONTROLE a qualquer ameaça, emergência, desastre ambiental, agressão ou ilegalidade. Porém, Entender Comando e Controle não é em função de restrições orçamentárias, mais uma opção, mas sim uma exigência. o SisGAAz está com o seu cronograma Se quisermos ser bem-sucedidos ao en- original de execução adiado. frentar os desafios do presente e do futuro, O estudo em lide torna-se relevante na é hora de reconhecer que haverá maiores medida em que permite que sejam identifi- descontinuidades entre os conceitos e as cadas as capacidades operacionais da Emsat práticas de C2 sendo ensinadas e praticadas que possam de alguma forma contribuir hoje do que entre aqueles que o serão ama- para o incremento da capacidade de C2 da nhã (ALBERTS; HAYES, 2006). MB sobre a Amazônia Azul e nas áreas Os desafios das atuais missões mi- internacionais de responsabilidade SAR4, litares aumentaram significativamente. executando atividades de monitoração e O atentado terrorista de 11 de setembro vigilância, suprindo em parte a missão do de 2001, ocorrido nos Estados Unidos SisGAAz. da América (EUA) contra as chamadas Vislumbra-se que a Emsat poderá pro- Torres Gêmeas, representou um ponto de porcionar à MB uma relativa capacidade de inflexão entre o ambiente de segurança monitoramento das AJB, contribuindo para dominado pela simetria da Guerra Fria o exercício da soberania do País sobre essa (1947-1989) e as incertezas e assimetrias área e também para o cumprimento de sua do novo milênio. Os riscos e desafios de missão5, principalmente no que se refere um cenário de segurança incerto crescem

3 Mobilidade Estratégica é a aptidão para se chegar rapidamente ao teatro de operações (BRASIL, 2012). 4 As áreas internacionais de responsabilidade para operações de Socorro e Salvamento (SAR –Search and Rescue), acertadas junto a Organização Marítima Internacional (International Maritime Organization – IMO) somam cerca de 10 milhões de km2. 5 Missão da MB: “Preparar e empregar o Poder Naval, a fim de contribuir para a defesa da Pátria; para a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem; para o cumprimento das atribuições subsidiárias previstas em Lei; e para o apoio à Política Externa” (BRASIL, 2014). 6 Operação que envolve o emprego coordenado de elementos de mais de uma força singular, com propósitos interdependentes ou complementares, mediante a constituição de um Comando Conjunto (BRASIL, 2015b). 7 Operação empreendida por elementos ponderáveis de Forças Armadas Multinacionais, sob a responsabilidade de um comando único (BRASIL, 2015b).

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com a diminuição do tamanho e do custo processo de duas etapas: em primeiro lugar, das Armas de Destruição em Massa (ADM) obter conhecimentos compartilhados e, em e sua proliferação em um mundo cada vez segundo, alavancar o compartilhamento mais interdependente. Ao mesmo tempo, de conhecimentos (autossincronização), a complexidade das operações militares levando a um aumento substancial na agi- aumenta significativamente, à medida que lidade e na eficácia do processo decisório. os níveis estratégico, operacional e tático O segredo da NCW é a emergência de um se fundem em operações que mesclam comportamento de autossincronização. objetivos militares e civis. Vive-se em um Em última análise, a contribuição mais mundo mais perigoso, com menos meios importante das abordagens centradas em para defender os nossos interesses, com rede para o C2 será o seu fortalecimento instituições menos estruturadas para reali- ou a sua agilidade (ALBERTS; HAYES, zar operações, devido às “novas ameaças” 2006, tradução nossa). que não param de evoluir (ALBERTS; Felizmente, novas tecnologias de in- HAYES, 2003). formação e novos conceitos de operações No século XXI, as operações tornaram- e abordagens de C2 criaram um espaço no -se cada vez mais complexas e dinâmicas, qual indivíduos e organizações estão mais exigindo capacidades e esforços coletivos. aptos a prover um aumento significativo das As missões de hoje diferem das tradi- capacidades para lidar com esses desafios. cionais não apenas em sua essência, mas Essa realidade já pode ser observada no qualitativamente. Elas requerem o esforço âmbito nacional e está sendo implementada de capacidades coletivas de muitas organi- conforme orientação prevista na Estratégia zações para obter sucesso. As abordagens Nacional de Defesa (BRASIL, 2012). tradicionais de C2 estão desatualizadas, a A configuração da ordem internacional, estrutura e os conceitos de operação não caracterizada pela crescente assimetria de estão mais adequados, nem são ágeis o poder, produz tensões e instabilidades inde- suficiente para acompanhar as mudanças sejáveis para a paz. Os avanços decorrentes necessárias para o combate moderno. O da Tecnologia da Informação (TI), a utiliza- conceito de agilidade8 será a característi- ção de satélites, o sensoriamento eletrônico ca mais importante das forças militares. e outros aperfeiçoamentos tecnológicos Segundo Alberts e Hayes (2003, p. 2, tra- trouxeram maior eficiência aos sistemas dução nossa), “a estrada para a agilidade é administrativos e militares, sobretudo nos pavimentada com informações”. países que dedicam maiores recursos finan- Essas transformações possuem dois ceiros à Defesa. Em consequência, foram eixos principais: o primeiro focado na com- criadas oportunidades e vulnerabilidades preensão dos desafios das missões atuais e que poderão ser exploradas, com o objetivo outro focado nas Operações Centradas em de inviabilizar o uso dos nossos sistemas Redes, de onde vem o termo Guerra Cen- ou facilitar atuação a distância. Para superar trada em Rede, do inglês Network Centric essas vulnerabilidades, torna-se essencial Warfare (NCW). A NCW consiste num o constante investimento do Estado em

8 Agilidade é a capacidade de realizar com sucesso, lidar com, e/ou explorar mudanças nas circunstâncias. Enquanto outros fatores também influenciam os resultados, a agilidade em C2 permite que entidades empreguem de forma eficaz e eficiente os recursos que têm em tempo hábil em uma variedade de missões e circunstân- cias. (Disponível em:http://dodccrp.org/sas-085/sas-085_report_final.pdf, Acesso em 09 jun. 2016)

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setores tais como o da TI (BRASIL, 2012). no território nacional e, principalmente, so- Veremos que um dos objetivos da Emsat é bre as AJB, podendo identificar a presença mitigar a ocorrência de interferências nas de um contato de interesse onde pensava-se comunicações dos satélites nacionais e ainda não existir um sistema nacional capaz estrangeiros, localizados no Arco Orbital9 de efetuar qualquer tipo de vigilância. de alcance do Brasil, minimizando as vul- De forma a dissuadir as forças hostis nerabilidades desse tipo de comunicação. nas AJB, a MB deve estar preparada para Reforçada pela capacidade de mo- defender-se das agressões e das ameaças. nitorar/controlar, a Para que a MB tenha mobilidade estraté- condições de cumprir gica, associada com a sua missão, provendo a mobilidade tática10, A capacidade de pronta resposta para torna-se o objetivo monitoração de satélites defender-se das ame- principal do moni- geoestacionários constitui aças, deverá possuir toramento/controle uma efetiva capacida- e uma das bases do uma nova e poderosa de de monitoramento poder de combate, tecnologia que pode ser e controle das AJB, exigindo das Forças atividade fundamental Armadas (FA) ação empregada na Segurança para o êxito das opera- que, mais do que con- Nacional e em defesa da ções militares e para a junta, seja unifica- soberania de um país proteção dos recursos da, tendo em vista a naturais vivos e não vi- vastidão do espaço a vos da Amazônia Azul. defender e a escassez de meios para fazê-lo. Assim, para desenvolver as capacidades de MONITORAÇÃO DE SATÉLITES monitorar e controlar as AJB, necessita-se GEOESTACIONÁRIOS que o emprego da tecnologia de monitora- mento esteja sob domínio nacional. Com A capacidade de monitoração de satéli- base nessas tecnologias, desenvolver-se-á tes geoestacionários constitui uma nova e a capacidade de prover uma resposta rápida poderosa tecnologia que pode ser empre- para qualquer ameaça ou agressão que se gada na Segurança Nacional e em defesa apresente (mobilidade estratégica). O es- da soberania de um país. forço de presença a ser realizado pelas FA, Os primeiros sistemas satelitais surgi- sobretudo ao longo das fronteiras terrestres ram em 1960. Até o final daquela década, e nas partes mais destacadas do litoral, tem 74 satélites (civis e militares) tinham sido limitações intrínsecas, sendo a mobilidade lançados. Na década de 1970, com a evo- que permitirá superar o efeito prejudicial de lução da tecnologia e a redução nos custos tais limitações (BRASIL, 2012). de implantação, mais de 70 novos satélites A Emsat provê a capacidade de monito- foram lançados. Já na década de 1980, rar qualquer transmissão satelital originada aproximadamente cem países já prestavam

9 A dimensão do arco orbital de interesse brasileiro está entre os meridianos de 46,5° E e 163,2° W. (Disponível em: Acesso em 01 ago. 2016). 10 Mobilidade Tática é a aptidão para se mover dentro da região em questão (BRASIL, 2012).

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serviços com essa tecnologia, com o sur- construção da Emsat, concluída em 2014. gimento dos terminais VSAT (Very Small Com sua ativação, o Brasil tornou-se a Aperture Terminal)11. Na década de 1990, oitava nação a possuir a capacidade de fis- outro salto tecnológico permitiu a operação calizar e monitorar comunicações satelitais, em novas frequências, assim como o sur- passando a integrar o restrito grupo com- gimento do “processamento embarcado”, posto por Alemanha, Japão, Cazaquistão, que significa a alteração do comportamento Estados Unidos, Coreia do Sul, Ucrânia dos novos satélites de simples repetidores e China, além de ser a nação pioneira no para concentradores de telecomunicações hemisfério sul a possuir esta infraestrutura no espaço (JUNIOR, 2008). (ANATEL, 2014). Em um cenário de grande demanda por esse escasso e valorizado serviço, são O PROBLEMA DAS necessários planejamento e coordenação INTERFERÊNCIAS para o uso mais eficiente desta tecnologia. Surge assim a necessidade de monitorar As interferências normalmente não e fiscalizar a qualidade dos serviços e podem ser eliminadas facilmente. Nas recursos (órbita, equipamentos e mão de comunicações por satélites, elas aconte- obra) empregados. A União Internacional cem frequentemente, sendo observadas de Telecomunicações (UIT)12, agência com maior presença nas faixas mais altas. especializada da Organização das Nações Nesse caso elas devem ser administradas, Unidas (ONU), é um exemplo de colabo- mantendo-se uma relação sinal/ruído13 de ração cuja missão é estabelecer um padrão um canal dentro de limites toleráveis. internacional de qualidade e disponibilida- Organizações como o Grupo de Re- de desses serviços. dução de Interferências de Satélites (The O Brasil, com o objetivo de garantir a Satellite Interference Reduction Group – sua soberania e cumprir a Lei Geral de Te- Sirg) visam combatê-las de maneira contí- lecomunicações (LGT) no 9.472/97 (marco nua, uma vez que os recursos disponíveis legal para o setor de telecomunicações), são escassos e os investimentos elevados. devido à realização dos grandes eventos Atitudes como mudar o tráfego para a serem feitos em seu território (Copa do outro satélite ou até mesmo a frequência Mundo em 2014 e Jogos Olímpicos em da operação nem sempre resolvem o 2016) (ANATEL, 2015b), viabilizou pela problema e causam prejuízos por vezes Agência Nacional de Telecomunicações a de milhões de dólares, sem contar os

11 VSAT refere-se a qualquer terminal fixo usado para prover comunicações interativas, ou recepção apenas, sempre passando pelo satélite qualquer transmissão terrestre até o receptor (http://www.gta.ufrj.br/grad/02_2/ vsat/definicao.htm, Acesso em 20 jun. 2016). 12 A UIT é a Agência do Sistema das Nações Unidas dedicada a temas relacionados às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Coordena o uso global compartilhado do espectro de radiofrequência, promove a cooperação internacional na área de satélites orbitais, trabalha na melhoria da infraestrutura de telecomu- nicações junto a países em desenvolvimento e estabelece normas mundiais para prover interconexão entre vários sistemas de comunicação, além de dedicar especial atenção a temas emergentes mundiais, tais como mudanças climáticas, acessibilidade e fortalecimento da segurança cibernética (https://nacoesunidas.org/ agencia/uit/, Acesso em 02 jul. 2016). 13 O parâmetro “relação sinal/ruído” (signal/noise ratio) indica a diferença entre o nível mais alto de sinal que o equipamento pode operar e o nível de ruído existente no aparelho (http://www.midideejay.com/2009/05/ relacao-sinalruido-e-faixa-dinamica.html, Acesso em 02 jul. 2016).

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transtornos sociais e políticos (SMALL para promoção de democracia, liberdade MEDIA REPORT, 2012). de expressão e informações sem censura, São muitos os possíveis tipos de inter- principalmente naqueles governados por ferências presentes nas comunicações via regimes autoritários. Aproximadamente satélite: o erro humano, interferência em 120 canais de televisão na língua persa satélite adjacente, interferência terrestre, são transmitidos, o que, para o governo, é interferência deliberada, polarização cru- considerado uma afronta às suas crenças e zada, intermodulação, interferência solar aos seus costumes. e cintilação, que é a variação de energia Entre os anos de 2010 e 2012, foi do sinal. observado um aumento considerável de O tipo de interferência por satélite ad- interferências deliberadas no Oriente Mé- jacente normalmente é acidental, pois uma dio. Segundo dados da empresa Eutelsat pequena variação no azimute (direção) da (terceira maior operadora de comunicações antena (0,75º) de uma estação terrena pode via satélite), subiu de 54 para 340 o número acarretar numa variação de 3 dB (o dobro de casos em 2012. A área de ocorrência da potência) no receptor do satélite. Devi- do jamming foi do noroeste da Europa ao do ao fato de os satélites geoestacionários Afeganistão, afetando milhares de pessoas, encontrarem-se espaçados por somente 2º principalmente por conta do efeito colateral (dois graus), uma pequena variação nesse do jamming. Foram constatadas 90% das azimute pode causar uma transmissão ocorrências tendo origem no Irã e na Síria. indesejada no satélite adjacente. A ocor- rência desse tipo de interferência no satélite A ESTAÇÃO TERRENA DE adjacente é o que permite aos sistemas de MONITORAÇÃO DE SATÉLITES monitoramento efetuarem a geolocaliza- GEOESTACIONÁRIOS (EMSAT) ção14 de fontes transmissoras. A interferência deliberada é definida A Emsat foi inaugurada no dia 30 de como uma interferência intencional. Ela maio de 2014 pela Anatel e está localizada tem como objetivo gerar prejuízo finan- no interior da Estação Rádio da Marinha no ceiro, operacional ou político. Ela pode Rio de Janeiro (ERMRJ), Ilha do Governa- tornar inviável o uso de um canal, de um dor. Avaliações técnicas foram realizadas transpônder ou de até mesmo todo o satélite previamente nos estados de Goiás e São e está se tornando pior à medida que o nú- Paulo e no Distrito Federal, tendo sido mero de estações terrestres capazes de fazer escolhido o estado do Rio de Janeiro, em transmissões aumenta, particularmente em função da localização das operadoras, altas frequências, como na banda “Ku”, dos centros de controle de satélites, da com pequenas antenas. Desta forma, pode- avaliação de cobertura de satélites e do -se afirmar que a interferência deliberada compartilhamento de recursos. O projeto é um segmento da Guerra Eletrônica (GE) de construção foi executado pela empresa orientada para as comunicações satelitais. Alcatel-Lucent em aproximadamente sete Em alguns países como o Irã, por exem- meses, com um investimento da ordem de plo, o jamming é um problema real. Como R$ 15 milhões. em outros países, a mídia televisiva via sa- Seus três objetivos principais são: télite se caracteriza por ser uma ferramenta atender aos grandes eventos internacionais

14 Localização geográfica de um elemento.

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(Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016); detectado. Assim, pode-se deduzir que, se proporcionar um legado ao Brasil, com esse contato de interesse permanecer em uma nova ferramenta de gestão de espectro silêncio eletrônico durante toda a sua per- e órbita de satélites; e realizar coopera- manência ou passagem pelas AJB, ele não ção internacional com a UIT para o uso será detectado, a não ser que um navio ou eficiente do espectro eletromagnético e aeronave militar em atividade de Patrulha órbita internacional, com a capacidade de Naval esteja passando pelas suas proximi- combater interferências. dades. Vale ressaltar que a observação de Ainda na fase de sua concepção, foi sucessivas transmissões satelitais em um estabelecida uma parceria estratégica en- mesmo ponto ou região poderá significar a tre a Anatel e a Marinha do Brasil, pela presença de um contato de interesse parado própria localização da ou deslocando-se len- Emsat (dentro de uma tamente, havendo in- Organização Militar A Estação de dícios de envolvimen- da Marinha), além da to em atividades de possibilidade de seu Monitoração de Satélites pesca ou de pesquisa, emprego para a defesa Geoestacionários da cabendo, neste caso, nacional. uma investigação in- É importante res- Anatel poderá contribuir -loco e uma análise saltar que a Emsat significativamente para o das características de está licenciada para cumprimento da missão seus sinais, por meio efetuar medidas nas de um banco de dados bandas UHF, L, S, X, constitucional da MB e previamente obtido, C, Ku e Ka, porém também para o exercício da a fim de identificá-lo. está pronta somente Dentre as capaci- para efetuar medidas soberania do País sobre a dades da Emsat, po- nas bandas C, Ku e Amazônia Azul demos citar o forneci- Ka. Ela é constituída mento de informações de sete antenas, todas de Inteligência Opera- elas sendo utilizadas para a monitoração, cional, tais como a identificação da presen- dentre as quais, dois pares também são uti- ça de um contato de interesse, por meio da lizados para a geolocalização, sendo um par detecção de suas transmissões satelitais, e na banda C e outro na banda Ku. Além dis- a geolocalização dessa fonte emissora na so, a cooperação internacional no processo superfície da Terra. Isso poderá contribuir de radiomonitoração espacial é importante significativamente para o cumprimento da para a gestão do espectro e órbita de manei- missão da MB, principalmente no que se ra eficiente e livre de interferências, sendo a refere às suas atribuições subsidiárias pre- Emsat um recurso oportuno para a projeção vistas em lei, como, por exemplo a Patnav, do Brasil no contexto internacional. otimizando o emprego dos meios navais, Em função da Emsat ser uma estação de aéreos e aeronavais utilizados nessas monitoração, ela opera apenas na recepção. atividades e reduzindo o tempo de busca, Assim, para que ocorra a detecção de um identificação e interceptação dos contatos contato de interesse, faz-se necessário de interesse. que esse contato realize pelo menos uma Observa-se que a tecnologia empregada transmissão satelital para que possa ser na Emsat encontra-se no estado da arte em

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nível mundial em monitoração de satélites, nicações militares, a fim de possibilitar o sendo um recurso nacional, moderno e seu emprego em benefício das operações disponível para ser utilizado em atividades realizadas pelas Forças Singulares, Opera- de interesse da Defesa Nacional. Sua in- ções Conjuntas conduzidas pelo Ministério fraestrutura é bastante flexível, permitindo da Defesa (MD) e também das Operações ampliação para monitorar outras faixas de Combinadas. frequências, como, por exemplo, a banda X, utilizada nas comunicações militares, o CONCLUSÃO que permitirá o seu emprego em benefício das Operações Conjuntas, conduzidas pelo Diante da responsabilidade de proteger o Ministério da Defesa (MD), e até mesmo patrimônio da Amazônia Azul e em função das Operações Combinadas. da indisponibilidade de um sistema eficaz O Satélite Geoestacionário para Defesa de C2 para monitorar e controlar as AJB, e Comunicações Estratégicas (SGDC), o presente trabalho identificou que a Emsat construído pela Thales Alenia Space para poderá contribuir para o incremento da ca- o Brasil com investimento da ordem de pacidade de C2 da MB sobre a Amazônia R$ 1,3 bilhão, está pronto para embarque Azul, otimizando o emprego de seus meios para a plataforma de lançamento Kourou, nas atividades de Patnav, empregando-os na Guiana Francesa, de onde será lançado de maneira inteligente e direcionada para pelo foguete Ariane 5, com previsão para os pontos ou áreas possíveis ou prováveis março. Com duplo emprego (civil e mili- de se encontrarem contatos de interesse, tar), foi projetado para satisfazer dois ob- obtidas por meio do processo de geolo- jetivos principais: a implementação de um calização. sistema seguro de comunicações via satélite Uma vez que já foi estabelecida a in- para as Forças Armadas e para o governo teroperabilidade entre a Anatel e a MB, brasileiro, e para o suporte à instalação do os recursos da Emsat podem e devem Plano Nacional de Banda Larga (PNBL)15. ser explorados continuamente, tendo em O SGDC-1 está equipado com vá- vista que se trata de um sistema nacional, rios transpônderes em banda Ka e 5 com a capacidade de obtenção de dados e em banda X, trazendo mais segurança para informações estratégicas de inteligência as comunicações estratégicas do governo operacional, conseguidos por meio do mo- e para as comunicações militares, pois seu nitoramento dos satélites geoestacionários, controle será realizado no Brasil em esta- localizados sobre o arco orbital brasileiro. ções localizadas em áreas militares, sob a Caso sejam utilizados eficientemente, tais coordenação da Telebras e do Ministério recursos poderão contribuir significativa- da Defesa. mente para o cumprimento da nova missão Com o lançamento em órbita do SGDC- constitucional da MB e também para o exer- 1, vislumbra-se a necessidade de ampliação cício da soberania do País sobre a Amazônia da Emsat, atualmente pronta para efetuar Azul, evitando-se a exploração dos recursos medidas nas bandas C, Ku e Ka, para a vivos e não vivos da nossa Amazônia Azul Banda X inclusive, utilizada nas comu- sem a devida autorização.

15 Disponível em http://www.aereo.jor.br/2017/02/03/satelite-brasileiro-sgdc-sera-lancado-pelo-foguete-ariane-5- -no-proximo-mes-de-marco/ e https://pt.wikipedia.org/wiki/SGDC-1 (Acesso em 11 fev. 2017).

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1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Comunicações eletrônicas; Telecomunicação; Comunicações por satélite;

REFERÊNCIAS

ALBERTS, David S.; HAYES, Richard E. Power to the Edge: command and control in the information age. Washington, DC: Command and Control Research Program, 2003. 259 p. ALBERTS, David S.; HAYES, Richard E. Understanding Command and Control. Washington, DC: Command and Control Research Program, 2006. 222 p. BRASIL. Estação da Anatel para monitoração de comunicações por satélites está em operação. ANATEL, 2014. Portal da ANATEL, 30 de maio de 2014. Disponível em: “http://www.anatel. gov.br/Portal/exibirPortalNoticias.do?acao=carregaNoticia&codigo=33862”. Acesso em 05 de agosto de 2016. ______. Estado-Maior da Armada. EMA-305: doutrina básica da Marinha. 2a rev. Brasília, 2014. ______. MD-31-M-03: doutrina para o sistema militar de comando e controle. 3a ed. Brasília, 2015a. ______. MD-35-G-01: glossário das Forças Armadas. 5a ed. Brasília, 2015b. ______. Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa. 2a ed. Brasília, 2012. JUNIOR, Louis J. Ippolito . Satellite Communications Systems Engineering | Atmospheric Effects, Satellite Link Design and System Performance. ISBN: 978-0-470-72527-6 (cloth). Wiley Series on Wireless Communications and Mobile Computing, 2008. TZU, Sun. A Arte da Guerra: os treze capítulos originais. Edição Completa, adaptaçao e tradução de Nikko Bushidô. São Paulo: Jardim dos Livros, 2007. 138 p. SMALL MEDIA REPORT. Satellite Jamming in Iran: A War over Airwaves. November. UK: Small Media Report, 2012. Disponível em . Acesso em 05 jul. 2016.

182 RMB1oT/2017 PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL*

THIAGO RIBEIRO DE JESUS** Capitão-Tenente (FN)

SUMÁRIO

Introdução Cenário mundial atual Conceitos de projeção anfíbia Evolução no United States Marine Corps Evolução no Corpo de Fuzileiros Navais do Brasil A projeção anfíbia e a política externa brasileira Impactos na doutrina e nos recursos humanos e logísticos Conclusão

INTRODUÇÃO caracterizados pelos antigos padrões, esta- belecendo, pois, um cenário internacional A Projeção Anfíbia é a quinta modali- de incerteza e instabilidade. dade de Operação Anfíbia (OpAnf). Esta Neste contexto, as preocupações da polí- surge após o fim da Guerra Fria, quando tica de defesa dos países passam a ser com as os conflitos entre Estados deixam de ser “novas ameaças”, caracterizadas pela baixa

* Adaptação do Trabalho de Desenvolvimento Profissional apresentado ao Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo como complementação ao Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais do Corpo de Fuzileiros Navais. ** Comandante de Pelotão do GptOpFuzNav no Haiti. Oficial de Logística do 1o Batalhão de Infantaria de FN. Oficial do Estado-Maior do Batalhão de Infantaria do grupo de Assessoramento Técnico de FN na Namíbia. PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

intensidade e grande frequência, que até o de uma Incursão Anfíbia (IncAnf) de uma momento não estavam sendo consideradas Projeção Anfíbia em uma Operação de de importância na pauta de segurança. Evacuação de Não Combatentes (OpENC) Esta conjuntura passa a exigir o emprego Para que se possa inserir uma nova rápido de uma Força Expedicionária An- modalidade de OpAnf ou, até mesmo, um fíbia moderna, capaz de realizar variados novo tipo de operação em uma doutrina tipos de operações, característica assim já consolidada, faz-se necessário estudar apresentada por Monteiro (2010, p.13-14) seus fundamentos e realizar ajustes visando como “emprego tempestivo de força autos- a enquadrá-la nos capítulos das normas sustentável para cumprir missão por tempo brasileiras. Desta forma, não é válido limitado, sob condições austeras e em área apenas “copiar” as evoluções doutrinárias operacional distante de sua base”. do USMC, em cuja instituição a Projeção O presente trabalho estudará o cenário Anfíbia foi inserida inicialmente como um mundial no qual se insere a Projeção Anfí- tipo de OpAnf e posteriormente como uma bia, seu conceito e emprego, com o propósito modalidade, só que com denominações di- de identificar as situações, os contextos e ferentes. Neste contexto, será objetivo deste tipos de ambientes operacionais em que a trabalho também observar os impactos da utilização de uma tropa anfíbia seria a so- Projeção Anfíbia na doutrina e nos recursos lução do problema apresentado e elucidar o humanos e logísticos do CFN. surgimento da Projeção Anfíbia como uma A Projeção Anfíbia vem impulsionar nova modalidade de OpAnf, tanto no Uni- e flexibilizar o emprego da MB em um ted States Marine Corps (USMC) como no cenário internacional de incertezas, por Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) do Brasil. meio do Conjugado Anfíbio2, o qual é uma Este trabalho buscará também, por meio excelente ferramenta para o cumprimento de interpretações do manual que aborda o das tarefas básicas do Poder Naval, par- conceito do emprego deste tema na Mari- ticularmente da projeção de poder sobre nha do Brasil (MB), a Doutrina Básica da terra. Proporciona, ainda, ao Poder Naval Marinha (DBM), analisar se há necessidade características de mobilidade, permanência, de realizar alterações em definições no versatilidade e flexibilidade, que, somadas documento, fruto de questionamentos que à capacidade expedicionária, permitem o surgem ao ser empregada a Projeção Anfí- emprego em largo espectro de atividades. bia, como por exemplo: como empregar a O CFN, organizado em Grupamentos Ope- Projeção Anfíbia nas atividades em região rativos de Fuzileiros Navais (GptOpFuzNav)3 permissiva1, sendo que Operação Anfíbia, com características de versatilidade e flexi- em sua definição, não especifica que ela bilidade, os quais dispõem da combinação possa ser empregada neste tipo de ambiente dos meios de combate, apoio ao combate operacional e como diferenciar o emprego e apoio de serviços ao combate, ganha

1 Região permissiva ou ambiente permissivo “é aquele em que o país anfitrião, por meio de suas forças militares e de segurança pública, mantém o controle institucional, assim como a intenção e a capacidade de apoiar as operações militares desencadeadas em seu território”. (GAVIÃO, 2010, p. 166) 2 Conjugado Anfíbio “se traduz em uma Força Naval, com um GptOpFuzNav embarcado juntamente com os meios aeronavais adjudicados, em condições de cumprir missões relacionadas às tarefas básicas do Poder Naval”. (BRASIL, 2013, p. 2-2) 3 GptOpFuzNav “é uma forma de organização para o emprego de tropa de Fuzileiros Navais, constituída para o cumprimento de missão específica e estruturada segundo o conceito organizacional de componentes, que agrupa os elementos constitutivos de acordo com a natureza de suas atividades”. (BRASIL, 2013, p. 4-1)

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significativo grau de confiabilidade, sendo tráfico e o terrorismo tornam as ameaças projetado no cumprimento de importantes de pequena envergadura mais frequentes, tarefas nacionais e internacionais. com intensidade, localização e motivação Tendo em vista as “pequenas guerras”, desconhecidas e variáveis. Estas incertezas cujas operações são caracterizadas pelo alto apresentadas passam a exigir um Poder grau de flexibilidade, versatilidade e mo- Naval fortalecido “do mar” e não apenas bilidade, o estudo do conceito de Projeção “no mar”, e a projeção de poder sobre o Anfíbia contribuirá para uma futura análise litoral passa a ser importante, devido à do seu emprego pelo CFN do Brasil, que, finalidade de mitigar ou evitar crises que conforme estabelecido na Estratégia Na- possam ameaçar a estabilidade política e cional de Defesa (END), “consolidar-se-á econômica de determinada região de um como a força de caráter expedicionário por mundo globalizado. excelência” (BRASIL, 2008, p.8). Os conflitos se caracterizam por uma combinação híbrida de táticas padronizadas CENÁRIO e irregulares, planeja- MUNDIAL mento e execução des- ATUAL Os conflitos se caracterizam centralizados e atores não estatais, que usam O século XX ficou por uma combinação as tecnologias, tanto marcado pelos con- híbrida de táticas simples quanto sofis- flitos entre Estados, padronizadas e irregulares, ticadas, de maneira em que forças anta- inovadora. gônicas lutavam por planejamento e execução Acrescenta-se a ins- seus interesses em um descentralizados e atores tabilidade política em mundo bipolarizado, áreas com reduzida ou sendo normalmente não estatais, que usam as nenhuma presença do empregadas as quatro tecnologias, tanto simples Estado, onde Forças modalidades clássicas quanto sofisticadas, de Anfíbias modernas são de OpAnf: retirada, empregadas no comba- assalto, incursão e maneira inovadora te a grupos criminosos, demonstração anfíbia. como terroristas, trafi- Havia a real necessi- cantes e piratas. Estas dade de um Poder Naval fortalecido “no forças são capazes de atuar em natureza mar”, com a finalidade de enfrentar uma distinta de operações, desde Atividades ameaça clara e evidente. Benignas a Operações de Guerra Naval, Já no início do século XXI, com o fim da tanto em ambiente permissivo quanto par- Guerra Fria e um mundo multipolarizado, cialmente hostil ou totalmente hostil. Isto a corrida armamentista e as grandes amea- reforça a necessidade de uma força capaz ças foram reduzidas. Mesmo diante de um de alterar sua postura rapidamente, advinda cenário de relativa paz e harmonia, surgem da volatilidade do ambiente. as crises de menor envergadura capazes de A este cenário de incerteza e instabilidade ameaçar a segurança e a estabilidade das adicionam-se as disputas e demandas provo- relações internacionais. As disputas étnicas cadas pelo aumento da população litorânea, e o extremismo religioso, a perenidade conforme explicitado no artigo “A Cooperative dos conflitos no Oriente Médio, o narco- Strategy for 21st Century Seapower” (2007):

RMB1oT/2017 185 PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

A grande maioria da população mun- anseios da sociedade [...]. A participação dial vive próxima a algumas centenas em operações internacionais de paz ou de milhas dos oceanos. A instabilidade humanitárias, preferencialmente as de social em cidades cada vez mais habita- caráter naval, fora do território e das das, muitas das quais existem em partes Águas Jurisdicionais Brasileiras, em já instáveis do mundo, tem o potencial qualquer região que configure um cenário de criar perturbações significativas. Os estratégico de interesse naval, atuando efeitos da mudança climática podem isoladamente, em conjunto com outras também ampliar o sofrimento humano forças ou em coalizão multinacional, é [...]. As comunicações em massa ressal- outra possibilidade das tropas anfíbias, tarão o drama do sofrimento humano e que podem ser usadas como resposta as populações desprovidas ficarão cada imediata para respaldar a política externa vez mais penosamente cientes e menos brasileira. (MONTEIRO, 2010, p. 24) tolerantes de suas condições. (ESTADOS UNIDOS, 2007, p. 7, tradução nossa) Em ambos os países, observam-se a preocupação e a mudança de postura na Estes fatores contribuem para que os política de emprego das Forças Armadas países estejam preparados para responder diante do cenário mundial apresentado, rapidamente às situações de crises, visando caracterizado por conflitos de baixa inten- proteger seus Objetivos Nacionais. Neste sidade, advindos de inflexões geopolíticas, contexto, é com a flexibilidade do conceito econômicas e sociais. de emprego de meios em Operações Anfí- Com isso, no final da década de 80, o bias que suas forças poderão ser utilizadas USMC menciona em seus manuais dou- com poder não tão bélico, possibilitando trinários as Operações Anfíbias ditas não levar soluções às crises em ambientes que tradicionais, empregadas em conflitos de variam do permissivo ao hostil. baixa intensidade, resposta militar ante- Com as mudanças e demandas causadas cipada e outras operações relacionadas. por pressões decorrentes do crescimento Posteriormente, em 2014, na MB, o CFN populacional, aumento na busca por fontes passa a se referir ao tema em pauta como de recursos escassos, desastres naturais, uma nova modalidade de OpAnf, com o rápidas mudanças sociais, culturais e ge- nome de Projeção Anfíbia. opolíticas e com os avanços tecnológicos, os Estados Unidos da América repensam CONCEITOS DE PROJEÇÃO o preparo e emprego de seu poder militar ANFÍBIA com capacidade de responder prontamente e com flexibilidade a estas demandas, sendo O final do século XX apresenta um mun- capazes de atuar em conjunto com outras do em que a probabilidade de emprego de agências não governamentais e também uma Força Anfíbia em uma luta armada en- internacionais. tre Estados é bem menor do que a projeção No Brasil, estudo realizado pelo Coman- de tropas em terra visando à prevenção de do-Geral do CFN e divulgado pelo documen- conflitos e mitigação de crises, o que gera to intitulado “A Próxima Singradura” destaca: uma estabilidade internacional. Porém este O Corpo de Fuzileiros Navais, além equilíbrio tem sido afetado por elementos de contribuir para a defesa da Pátria, diversos e de menores proporções, como deverá se encontrar em sintonia com os os desastres físicos e humanitários citados.

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É neste período em que a doutrina te decorrentes de disputas internas, terroris- norte-americana, referência para diversas mo e criminalidade, atendendo aos anseios Marinhas do mundo, descreve a condução contemporâneos da sociedade mundial, conjunta das Operações Anfíbias de suas o USMC define, em 1992, OpAnf como Forças Armadas, abordando formas dinâ- sendo “um ataque lançado a partir do mar micas e evolutivas de combate de acordo por Forças Navais e Anfíbias, embarcadas com as novas tecnologias, as ameaças e os em navios ou embarcações, envolvendo o requisitos. desembarque em litoral hostil ou poten- Consequentemente, o Brasil, país que cialmente hostil” (ESTADOS UNIDOS, possui sua doutrina anfíbia fomentada 1992, p. GL-6, tradução nossa), passando com base nos manuais do USMC, passa a a mencionar dois tipos de ambientes ope- se referir ao assunto racionais. como sendo a Pro- O final da década de jeção Anfíbia uma O final da década de 90 é 90 é marcado por um quinta modalidade de marcado por um cenário de cenário de relativa paz. OpAnf. Com o fim da bipola- relativa paz. Com o fim da rização e o início da Evolução no United bipolarização e o início da globalização, surgem States Marine Corps globalização, surgem crises crises de menor enver- gadura e com grande As definições de de menor envergadura e frequência, ameaçando Operações Anfíbias com grande frequência, a segurança e a esta- no USMC começam bilidade das relações a ser escritas em ma- ameaçando a segurança e internacionais. O Po- nuais em 1933. E, no a estabilidade das relações der Naval passa a ser final da década de 80, internacionais fortalecido não apenas o manual norte-ame- “no mar”, onde eram ricano Joint Doctrine combatidas as esqua- For Landing Force Operations classifica dras inimigas, e sim “a partir do mar”, com as Operações Anfíbias não tradicionais preocupações na projeção de poder sobre como de manobras flexíveis e versáteis que o litoral. Nesta conjuntura, a US Navy atuam em conflitos de baixa intensidade; publica, em 1992, o artigo “From the Sea: respostas rápidas a crises; outras operações Preparing the Naval Service for the 21st que envolvam forças de desembarque, de Century”, com um novo direcionamento caráter naval, mas que não se configurem estratégico para o governo das operações como guerra anfíbia propriamente dita. conjuntas conduzidas “a partir do mar”. Nestas estão inseridos o socorro a desastres A partir do século XXI, a definição ambientais, a evacuação de não comba- de OpAnf passa por diversas alterações tentes e os desembarques administrativos, nos manuais do USMC. Segundo o Joint trazendo a ideia de que a doutrina e os Doctrine for Amphibious Operations (JP seus procedimentos devem se adaptar às 3-02), publicado em 2001, trata-se de “uma evoluções tecnológicas e às novas ameaças operação militar lançada a partir do mar por (ESTADOS UNIDOS, 1989). uma Força Anfíbia, embarcada em navios Com a intenção de levar soluções a esses ou embarcações com o objeto principal de conflitos de baixa intensidade, normalmen- introduzir uma Força de Desembarque em

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terra para cumprir uma missão determina- rápida resposta a crises, tanto interna quan- da” (ESTADOS UNIDOS, 2001, p. GL-5, to externa ao País. Esta denominação surge tradução nossa). Tal conceito, como visto, na revisão do manual norte-americano, em volta a não mencionar o tipo de ambiente, 2014, mesmo ano em que a MB passa a pois, com o cenário dos conflitos apresen- adotar uma quinta modalidade de OpAnf. tado, não terá mais importância o tipo de ambiente, sendo possível seu emprego nos Evolução no Corpo de Fuzileiros Navais três ambientes: hostil, incerto e permissivo. do Brasil Neste mesmo documento do ano de 2001, o USMC cita em suas modalidades O CFN, parcela intrínseca e indissociá- um quinto tipo de OpAnf não enquadrada vel da MB, por meio de sua doutrina anfí- como assalto, retirada, demonstração ou bia, confere diferencial valor estratégico ao incursão, não definindo nome, porém sendo País. A Força de Fuzileiros Navais, como designada como “outras Operações Anfí- núcleo do componente anfíbio do Poder bias”, com capacida- Naval brasileiro, vem de de conduzir outros desenvolvendo e apli- tipos de operações, A Projeção Anfíbia surge, cando sua doutrina em como evacuação de pois, como uma solução busca do cumprimento não combatentes e as- da missão da MB. sistência humanitária. para flexibilizar o conceito Na MB, a defini- Em sua nova edição, clássico de OpAnf, o qual, ção de OpAnf não so- em 2009, este manual freu muitas alterações passa a chamar estas na MB, está enquadrado como no USMC. Em “outras Operações entre as Operações de 1997, ela incluiu o ata- Anfíbias” de “Apoio Guerra Naval que lançado do mar Anfíbio a outras Ope- em litoral hostil ou rações Anfíbias”, um potencialmente hostil; tipo de OpAnf que contribui para a pre- e em 2014 lançou a definição que é usada venção de conflitos ou mitigação de crises. até os dias atuais: “uma operação naval Ainda assim, a definição de OpAnf não lançada do mar, por uma Força-Tarefa estava adequada no entendimento dos ame- Anfíbia (ForTarAnf), sobre região litorâ- ricanos. No mesmo ano de 2009, o artigo nea hostil ou potencialmente hostil, com intitulado “Amphibious Operations in the o efeito desejado de introduzir uma Força 21st Century” elenca os tipos de OpAnf em de Desembarque (ForDbq) em terra para ordem de probabilidade de adoção e passa cumprir missões designadas” (BRASIL, a se referir ao “Apoio Anfíbio a outras 2014, p. 3-4), a qual permanece com o Operações Anfíbias” como “Engajamento desembarque em regiões litorâneas hostis Anfíbio e Resposta a Crises”, sendo este ou potencialmente hostis, não tendo sido tipo o mais provável de ser empregado. incluídos os litorais permissivos. Atualmente, o USMC denomina essa Alinhada às potências marítimas mun- quinta modalidade, que nos últimos anos diais, a MB passou a adotar em 2014, em sua tem sido a mais comum no emprego de uma doutrina básica, uma quinta modalidade de OpAnf, de “Apoio de Força Anfíbia para OpAnf, denominando-a Projeção Anfíbia. Resposta a Crises e Outras Operações”, Com a mudança do cenário mundial, há sendo caracterizada como uma OpAnf de a necessidade de um Poder Naval versátil

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Figura 1 - Capacidades Militares 4

e com ampla possibilidade de emprego. A apoio a uma Operação de Guerra Naval, ou Projeção Anfíbia surge, pois, como uma seja, desde conflitos de baixa intensidade solução para flexibilizar o conceito clássico até conflitos de alta intensidade, de acordo de OpAnf, o qual, na MB, está enquadrado com a Figura 1. entre as Operações de Guerra Naval. Mesmo sendo enquadrada em uma O emprego do Poder Naval em amplo Operação de Guerra Naval, a Projeção espectro das operações militares exige uma Anfíbia permite que uma força anfíbia seja Força capaz de ser projetada em todo tipo empregada desde a Guerra Global até os de ambiente operacional, desde permissivo adestramentos, sendo necessário observar a hostil. E as características de versatilida- o uso limitado da força ou o não-emprego de, flexibilidade, permanência e mobilidade da força, fatores que caracterizam estas do Poder Naval brasileiro, por meio do operações. emprego do conjugado anfíbio, permitem Desta forma, a DBM define a Projeção realizar operações de diversas naturezas. Anfíbia como sendo uma operação que: A Projeção Anfíbia carrega essas ca- [...] utiliza-se das capacidades intrín- racterísticas de flexibilidade de postura, secas do conjugado anfíbio para introdu- podendo ser aplicada, conforme os capí- zir em área de interesse, a partir do mar, tulos da DBM, em Atividades Benignas, meios para cumprir tarefas diversas em passar a ser empregada em Atividade de apoio a operações de guerra naval ou re- Emprego Limitado da Força e finalizar em lacionadas, dentre outras contingências,

4 Figura fornecida pelo Contra-Almirante (FN) Nélio de Almeida, por ocasião da palestra realizada na Esquadra brasileira, em 2015.

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como prevenção de conflitos e distensão cenário de emprego, há uma necessidade de crises. É, também, apropriada para brasileira de mudar em suas publicações a condução de atividades de emprego a definição de OpAnf, mesmo que em limitado da força e benignas, tais como parágrafos seguintes da DBM seja men- Operação de Evacuação de Não Com- cionado que a “projeção de tropa anfíbia batentes (OpENC), resposta a desastres em terra é o que caracteriza a operação ambientais e Operação Humanitária. anfíbia contemporânea, não importando (BRASIL, 2014, p. 3-6) o grau de hostilidade do ambiente, nem o tipo de missão a ser cumprida” (BRASIL, Fato relevante observado no desen- 2014, p. 3-4). Na visão deste autor, esta volvimento deste trabalho é que a mesma alteração facilitará o entendimento durante publicação que define o que é Projeção o planejamento militar. Anfíbia insere o Apoio à Política Externa Portanto, sugere-se como enunciado da como uma Atividade Benigna, esta sendo definição de OpAnf: Operação naval lan- uma das possibilidades de emprego desta çada do mar por uma Força-Tarefa Anfíbia modalidade de OpAnf, conforme será (ForTarAnf), sobre uma região litorânea, abordado no próximo capítulo. Porém, em com o efeito desejado de introduzir uma sua definição, não deixa explícito que esta Força de Desembarque (ForDbq) em quinta modalidade poderá ser empregada terra para cumprir missões designadas, em Apoio à Política Externa do País, um não importando, desta maneira, o grau de dos propósitos elencados na missão da MB. hostilidade do ambiente operacional. Este autor propõe que seja alterada a defi- Com o gradual aumento de acordos, nição de Projeção Anfíbia, sendo inserido tanto na área de defesa quanto econômica, ao final desta o Apoio à Política Externa entre o Brasil e os países do oeste africa- como exemplo de emprego. Além disso, no, cresce significativamente o número é necessário que seja incluída nas explica- de nacionais naquele continente. Porém ções de OpENC, Operações Humanitárias e as chamadas “novas ameaças”, fruto da Apoio à Política Externa a possibilidade do instabilidade política, econômica e do emprego da Projeção Anfíbia na condução aumento da criminalidade local, ameaçam destas operações, ficando evidenciadas a segurança desses brasileiros. Por ser um as possibilidades de emprego desta nova dos objetivos nacionais a defesa de seus modalidade de OpAnf. cidadãos no exterior, há a necessidade de A atual definição de OpAnf menciona uma força em condições de realizar opera- o seu emprego em ambiente hostil e po- ção militar com o propósito de evacuá-los tencialmente hostil e não inclui o permis- em caso de crise (SIMIONI, 2014, p.26). sivo. Sendo a Projeção Anfíbia um tipo Como consequência do estudo das pos- específico de OpAnf, este fato restringe a sibilidades de emprego do CFN para evacu- utilização desta modalidade na condução de ar estes nacionais, surge o questionamento operações em região litorânea permissiva, de qual seria a modalidade mais apropriada como no caso de uma OpENC, Operação para a realização da evacuação dos não Humanitária ou em Apoio à Política Ex- combatentes: a recente Projeção Anfíbia ou terna do País. a já tradicional IncAnf? Após interpretação Semelhante ao ocorrido com o USMC da DBM por este autor, observa-se que há no decorrer dos anos ao alterar a defi- necessidade de definir exatamente o efeito nição de OpAnf, visando se adequar ao desejado de uma Projeção Anfíbia, para

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que ela não venha a ser confundida com Projeção Anfíbia com o planejamento da emprego de outras modalidades. Na ques- retirada, como em uma IncAnf. tão apresentada, tanto a Projeção Anfíbia Os efeitos desejados de obtenção de quanto a IncAnf podem ter como efeito de- informações e o apoio a operações em sejado a evacuação de pessoal de interesse, terra elencados na IncAnf, na opinião deste neste caso não combatente. autor, também poderiam ser enquadrados A OpENC é uma atividade enquadra- apenas na Projeção Anfíbia, por ser uma da no emprego limitado da força que, de modalidade de apoio a Operações de acordo com a doutrina da MB, trata-se da Guerra Naval ou relacionadas, coforme sua forma de aplicação da força, normalmente definição pela DBM. prescrita pela lei ou pelo mandato que estão sendo impostos e refletidos nas regras de A PROJEÇÃO ANFÍBIA E A engajamento, podendo ainda ser utiliza- POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA dos elementos das Operações de Guerra A Política de De- Naval, sendo o li- Atualmente, tem crescido fesa Nacional (PDN) mitado uso da força o interesse dos países descreve um ambiente o principal aspecto internacional no qual que as distingue. Este em desenvolvimento em as relações entre as autor propõe que se realizar uma inserção nações têm enfrentado pense no emprego desafios mais comple- da IncAnf para eva- positiva na economia e na xos no período pós- cuação utilizando o política internacional. Para -Guerra Fria, devido à máximo uso da for- isso é necessário um atuação de atores não ça, já que as regras estatais, a novas ame- de engajamento são cenário mundial seguro aças e à contraposição brandas ou inexisten- e estável, onde os entre o nacionalismo e tes nesta modalidade, o transnacionalismo, além de haver um ato inter-relacionamentos se além de disputas por declarado entre as tornam mais exequíveis áreas marítimas, do- nações envolvidas; e mínio aeroespacial e emprego da Projeção fontes de água doce e Anfíbia para evacuação com emprego limi- de energia cada vez mais escassas. tado da força, utilizando-se das regras de Atualmente, tem crescido o interesse dos engajamento mais detalhadas e conduzidas países em desenvolvimento em realizar uma em tempo de paz. inserção positiva na economia e na política Porém a interpretação fica ainda mais internacional. Para isso é necessário um ce- clara caso seja retirada dos efeitos dese- nário mundial seguro e estável, onde os inter- jados da IncAnf a evacuação de pessoas -relacionamentos se tornam mais exequíveis. ou material de interesse, pois a Projeção Logo, o Brasil, por meio da sua PDN, Anfíbia pode cumprir a missão em ambos documento de mais alto nível do planeja- os casos, tanto com limitado uso da força mento de defesa para ameaças externas, quanto com uso máximo da força, sendo estabelece entre seus objetivos nacionais em tempo de paz ou em guerra. Além dis- de defesa: a defesa de interesses nacionais so, há a possibilidade de ser realizada uma e pessoas, bens e recursos brasileiros no

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exterior; a contribuição para a manutenção 5-2). E um instrumento eficaz da Política da paz e da segurança internacionais; a Externa do Estado é o Poder Naval sendo projeção do Brasil no concerto das nações e empregado em atividades de Diplomacia sua maior inserção em processos decisórios Naval5, como em cooperação na formação internacionais. de Marinhas amigas, Operações Humani- Entre as suas orientações estratégicas, tárias ou em Operações de Evacuação de estabelece que o País deverá aperfeiçoar o Não Combatentes. preparo das Forças Armadas para desem- O CFN, por meio do conjugado anfíbio, penhar responsabilidades crescentes em é um dos principais eixos de emprego do ações humanitárias e em missões de paz Poder Naval, sendo, assim, imprescindível sob a égide de organismos multilaterais, de na esfera de influência da MB, conforme acordo com os interesses nacionais; deverá destacado por Monteiro (2010): dispor de capacidade de projeção de poder, A segurança da Amazônia Azul visando a eventual decorrerá da propa- participação em ope- gação da influência rações estabelecidas A MB, utilizando das do Poder Naval bra- ou autorizadas pelo características intrínsecas do sileiro pelo Atlântico Conselho de Segu- Sul, suas adjacências rança da Organização Poder Naval ‒ mobilidade, e ilhas oceânicas. A das Nações Unidas versatilidade, flexibilidade e presença crível do Po- (ONU). der Naval deverá ser A END, aprovada permanência ‒, percebida não apenas em 2008, vem cor- atua como um dos principais no mar, mas também roborar a PDN. Re- vetores no apoio à Política nos litorais de nosso afirma, entre as suas entorno estratégico. diretrizes, a necessi- Externa do País Nessa presença, uma dade de: força que avance sobre Desenvolver, terra, a partir de bordo, lastreada na capacidade de monitorar/ seja para combater, seja para oferecer controlar, a capacidade de responder apoio humanitário, será uma ferramenta prontamente a qualquer ameaça ou imprescindível no balanço de poder da agressão: a mobilidade estratégica; [...] futura esfera de influência da Marinha Preparar as Forças Armadas para desem- do Brasil. (MONTEIRO, 2010, p. 33) penharem responsabilidades crescentes em operações de manutenção da paz. A Projeção Anfíbia proporciona flexibi- (BRASIL, 2008, p. 3-6) lidade no emprego do conjugado anfíbio no cumprimento de uma OpAnf, sendo possí- A MB afirma em sua Doutrina Básica vel ser empregada também na Diplomacia que, “desde o tempo de paz, ressalta-se Naval, pois permite que uma mesma Força o íntimo relacionamento existente entre assuma diferentes posturas decorrentes do os assuntos de Defesa e de Relações cenário apresentado, partindo desde o as- Exteriores do País” (BRASIL, 2014, p. sessoramento na formação de uma Marinha

5 Diplomacia Naval – “Influenciar a opinião pública e as elites dirigentes do país-alvo, reforçar laços de amizade, garantir acordos e alianças e demonstrar intenções em áreas de interesse, contribuindo para a adoção de ações favoráveis e dissuadindo as desfavoráveis.” (BRASIL, 2014, p. 5-2)

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amiga até o combate às “novas ameaças” com o uso da força. A Figura 2 ilustra o entorno estratégi- co brasileiro definido pela PDN, o qual ex- trapola a região sul- -americana e inclui o Atlântico Sul e os países lindeiros da África, assim como a Antártica, além de exigir atenção pela proximidade do Mar do Caribe ao Norte. Partindo da análise da figura apresentada, o Atlântico Sul surge como prioridade es- tratégica e elemento Figura 2 - Entorno Estratégico Brasileiro fundamental na in- Fonte: ROCHA (2013) serção internacional brasileira. cações marítimas. Um país com a extensão Como parte desta importância estratégi- de litoral como o Brasil tem a necessidade ca, a MB vem ampliando sua participação de um Poder Naval fortalecido e apto a na formação de Marinhas amigas, receben- garantir esta liberdade, favorecendo o seu do militares estrangeiros em suas escolas de comércio exterior e a exploração dos seus formação e enviando militares brasileiros recursos marinhos, contribuindo, portanto, para acompanhar e assessorar na formação para o crescimento da economia do País. de marinheiros e fuzileiros navais. Exemplo De acordo com Leite (2014, p. 16), da presença naval no continente africano é “[...] o país que renuncia ao apoio do a Missão de Assessoria Naval na Namíbia Poder Naval à Política Externa limita seu e o Grupo de Assessoramento Técnico de Poder Naval e debilita sua Política Exter- Fuzileiros Navais na Namíbia e em São na”. A MB, utilizando das características Tomé e Príncipe. Essa presença brasileira intrínsecas do Poder Naval ‒ mobilidade, contribui para a estabilidade da região e versatilidade, flexibilidade e permanência fortalece os laços diplomáticos, atendendo ‒, atua como um dos principais vetores no ao estabelecido nas diretrizes da END. apoio à Política Externa do País. Dedicada ao cumprimento do estabe- Portanto, alinhada aos documentos que lecido pela END em preservar a paz e a direcionam o emprego do Poder Naval, segurança internacionais, particularmente como a PDN, a END e a DBM, e diante da no entorno estratégico brasileiro, a MB importância estratégica representada pelo utiliza-se do seu conjugado anfíbio para Atlântico Sul, a Projeção Anfíbia será a proporcionar a livre utilização das comuni- modalidade de OpAnf mais empregada em

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apoio à Política Externa do País, mantendo A Projeção Anfíbia, por ser uma mo- e salvaguardando os interesses nacionais dalidade que possibilita ao conjugado em seu entorno estratégico. anfíbio atuar em amplo espectro do campo de batalha, deverá possuir maior flexibi- IMPACTOS NA DOUTRINA E lidade em seu planejamento, permitindo NOS RECURSOS HUMANOS E realizar uma mudança rápida em sua es- LOGÍSTICOS trutura, decorrente da missão recebida. E esta flexibilidade é proporcionada quando A inclusão da Projeção Anfíbia como a Força de Desembarque é organizada quinta modalidade de uma das operações em Grupamento Operativo de Fuzileiros de Guerra Naval suscita a necessidade de Navais (GptOpFuzNav). Esta estrutura or- realizar alguns estudos com o objetivo de ganizacional constituída por componentes adequar essa evolução a uma doutrina já propicia à Força uma célere alternância em consolidada e avaliar o preparo e o em- sua organização de acordo com as tarefas a prego necessários dos recursos humanos serem executadas, seja atuando em apoio e logísticos. a Operações de Guerra Naval, seja na con- “A doutrina militar representa, de forma dução de Atividades Benignas. ampla, o conjunto de valores, princípios fun- Ainda na fase do planejamento de uma damentais e organizacionais, conceitos bási- Projeção Anfíbia, a relação de comando e de cos, métodos e procedimentos que orientam controle operacional e tático e a relação de a organização, o preparo e o emprego das apoio deverão ser estabelecidas de acordo atividades de uma Força Armada”, conforme com a ideia de manobra inicial, permitindo, descrito na DBM (BRASIL, 2014, p. VII). porém, uma possível mudança em virtude da Apesar disso, ela não deve ser consi- demanda da operação desencadeada, visto derada um dogma; este preceito é aper- que o poder de combate estabelecido em feiçoado com as evoluções tecnológicas e terra será conforme a necessidade da Força bélicas e com as demandas do combate. A para o cumprimento da missão. MB deverá aproveitar as lições aprendidas As fases de planejamento, embarque, com o emprego da Projeção Anfíbia em ensaio, travessia e assalto das clássicas países com expertise no assunto e buscar Operações Anfíbias estão muito bem sedi- uma constante evolução doutrinária. mentadas nos conhecimentos profissionais A manutenção e o aperfeiçoamento da dos combatentes anfíbios e bastante deta- capacidade de realizar OpAnf garantem às lhadas nos manuais que abordam o assunto. Forças de Fuzileiros Navais aptidão para Contudo, a Projeção Anfíbia traz com ela conduzir operações de diversas naturezas e uma peculiaridade para essas fases, parti- envergaduras, uma vez que parte das mais cularmente para a fase do assalto. complexas manobras em relação a plane- A fase do assalto corresponde ao perío- jamento e execução para as mais simples. do entre a chegada do Corpo Principal da Ao inserir uma variante nas Operações Força-Tarefa Anfíbia (ForTarAnf) à Área Anfíbias, um dos eixos estruturantes do de Desembarque e o término da OpAnf, CFN que direcionam o desenvolvimento compreendendo o movimento navio para da doutrina, dos recursos humanos e da terra e as ações conduzidas em terra. logística, os impactos serão analisados e Por ser uma modalidade que permite o aprimorados com o passar dos anos e as seu emprego em apoio a uma Operação de experiências adquiridas. Guerra Naval na condução de Atividades

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de Emprego Limitado da Força e Benigna, operação e uma versátil resposta à mudança o planejamento da fase do assalto deverá de postura. E isto vem sendo incentivado acompanhar as particularidades do tipo de e aprimorado nos cursos de carreira reali- operação a ser realizada, visto que uma zados pelos militares, particularmente na Projeção Anfíbia, sendo realizada na con- Escola de Guerra Naval, escola de Altos dução de uma OpENC, por exemplo, terá Estudos Militares. o seu planejamento desta fase diferente do A Projeção Anfíbia não modifica em realizado para a condução de uma Operação grande escala os adestramentos já reali- Humanitária. Este fato não ocorre nas de- zados pelas unidades, porém, devido à mais modalidades, por serem empregadas escassez de pessoal e à gama de atividades apenas em um tipo de operação. desempenhadas, atualmente verifica-se Além disso, as medidas de coordenação uma redução significativa destes. Mesmo e controle da Projeção Anfíbia deverão com a limitação encontrada nos meios estar em condições navais, aeronavais e de permitir o empre- de fuzileiros navais, go da Força em toda A interação com uma há a necessidade de amplitude, desde uma diversificada população de retomar o rotineiro entrada forçada em adestramento de pro- litoral hostil até o de- diferentes culturas exige cedimentos emprega- sembarque em praia do Fuzileiro Naval, além dos em uma OpAnf. sem resistência inimi- Esta modalidade ga para realização de de um aprimoramento permite conduzir ativi- ajuda humanitária em profissional, uma crescente dades para as quais as um país amigo. competência cultural regras de engajamento A partir do momen- ditam o planejamento e to em que o CFN visu- a execução. Portanto, aliza a necessidade de se reestruturar diante seu conhecimento deve ser disseminado do cenário mundial, as atenções são voltadas e constantemente cobrado em todos os para os recursos humanos, ferramenta de níveis de comando, evitando que a decisão execução do empreendimento da Instituição. errônea de militares provoque consequ- A interação com uma diversificada popu- ências negativas no emprego das Forças lação de diferentes culturas exige do Fuzilei- Armadas em determinada operação. Uma ro Naval, além de um aprimoramento profis- ação inadequada de qualquer militar pode sional, uma crescente competência cultural. causar reflexos em níveis mais altos, como Nesse contexto, o aprendizado de línguas o estratégico ou político. estrangeiras, objetivando a interação com Devido à complexidade dos ambientes as diversas nacionalidades componentes da operacionais, com a crescente urbanização missão, é fator relevante na formação de e consequente presença de não combatentes parcerias com a comunidade internacional. nos litorais, são necessárias coordenações Internamente, no âmbito das Forças com atores governamentais e não governa- Armadas e até mesmo dentro da própria mentais. A interação com a população de MB, a interoperabilidade visando operar diversas crenças e demandas exige um com- em amplo espectro, conhecendo as possi- batente com competência cultural diversifi- bilidades e limitações de cada meio, é um cada. A Projeção Anfíbia, por sua vez, exige fator importante para o planejamento da uma força capaz de multiplicar rapidamente

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seu poder de combate, sabendo conjugar ope- rações de informação, de combate e civis- -militares, facilidade proporcionada pelas características do Po- der Naval. Esta atuação efi- ciente do recurso hu- mano em uma Proje- ção Anfíbia se dará por meio de constan- tes adestramentos e Figura 3 - NDM Bahia preparo no uso gradu- al da força, agindo de forma legítima, humana e respeitosa, não A aquisição recente do Navio-Doca sendo objeto de uso da mídia onipresente Multipropósito (NDM) Bahia, Figura 3, para fins de propaganda negativa do em- após acordo entre Brasil e França, propor- prego das Forças Armadas. cionou maior mobilidade estratégica para Para que uma força seja capaz de re- a Força, permitindo ampliar a capacidade alizar uma projeção de tropa anfíbia em de transporte de tropas com seus meios terra, é necessário possuir não só milita- logísticos para a Área de Operações. res capacitados profissionalmente, mas O NDM Bahia ampliou sobremaneira também meios adequados e aprestados a capacidade de atuação do Poder Naval, para este fim. que poderá cumprir missões desde opera- O Livro Branco de Defesa Nacional ções de guerra até respostas humanitárias. (2012), documento que amplia o acompa- No entanto, não se pode parar o esforço nhamento dos temas militares pela sociedade, para modernização e aquisição dos demais apresentando as potencialidades e as necessi- meios navais anfíbios da Esquadra, os quais dades de Defesa, corrobora essa necessidade: ampliarão o emprego do Poder Naval, aten- Para assegurar a prontidão e sal- dendo às diretrizes da END, que, em muitas vaguardar a soberania e os interesses delas, apresenta a importância da mobili- brasileiros, tanto no País quanto no dade e flexibilidade. Cumpre ressaltar a exterior, a Marinha manterá forças em importância dos vetores de Embarcações condições de emprego imediato (Força de Desembarque e Viaturas Blindadas, de Emprego Rápido) em operações e fundamentais na projeção do Poder Naval ações de guerra naval, tanto no período em áreas de interesse, proporcionada pela de paz, quanto no de crise e conflito. mobilidade tática. (BRASIL, 2012, p. 99) A importância de possuir diversificados Esta condição de emprego da MB por meios para projetar poder sobre terra é meio da Projeção Anfíbia em amplo espec- reforçada pelas atuais ameaças, às quais a tro das operações requer recursos logísticos Força Naval está suscetível. Segundo Flynn amplos, proporcionando mobilidade estra- (2009, tradução nossa), a experiência ope- tégica e tática para a Força. racional do USMC tem demonstrado, por

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diversas vezes, que o sucesso das Opera- qual a maior parte do comércio é conduzido, ções Anfíbias é o resultado da rápida proje- portanto é o local onde as ameaças estão ção de poder de combate em terra. Essa ra- localizadas e, assim, se torna a arena natural pidez tem sido dificultada pela proliferação para operações marítimas pós-modernas. mundial de armas antiacesso, mesmo que O objetivo de flexibilizar o emprego seja para realização de atividades benignas. de uma OpAnf na prevenção de confli- Flynn exemplifica citando o fato ocorrido tos e mitigação de crises do cenário pós contra navio israelense durante a crise do Guerra Fria fomentou estudos de como Líbano em 2006, quando a embarcação foi esta necessidade poderia se enquadrar na alvejada por míssil do Hezbollah. doutrina anfíbia; desta forma, diversas A Projeção Anfíbia surgiu de uma neces- denominações e tentativas foram realiza- sidade estratégica diante do cenário mundial. das até surgir essa “nova” modalidade. O entendimento doutrinário em traduzir os A Marinha norte-america, por meio do ditames estratégicos em táticas, técnicas e USMC, foi pioneira neste desafio, criando procedimentos padronizados será um dos em 1989 as Operações Não Tradicionais, fatores de sucesso no emprego desta nova que posteriormente foram sendo designadas modalidade de OpAnf, alinhado ao preparo com outras nomenclaturas e atualmente se e emprego dos recursos humanos e à dispo- referem a um tipo de OpAnf com o nome nibilidade dos recursos logísticos da MB. de Apoio de Força Anfíbia para Resposta a Crises e Outras Operações. CONCLUSÃO No CFN esta necessidade de mudança foi estimulada a partir de 2009, após a As Forças Armadas, como instituições publicação, pelo USMC, do artigo “Am- nacionais destinadas à defesa da Pátria, phibious Operations in the 21st Century”, à garantia dos poderes constitucionais e, que posteriormente foi traduzido e adapta- por iniciativa de qualquer destes, da lei do por Gavião (2010). Este artigo buscou e da ordem, têm sua política de emprego inspirar o “renascimento intelectual” do norteada pelos documentos elaborados pensamento anfíbio, fruto do cenário de nos mais elevados níveis de decisão. E, na insegurança e incerteza. constante busca de soluções pacíficas das A DBM flexibiliza o emprego das controvérsias mundiais e de fortalecimento Operações Anfíbias, alinhada ao contexto da paz e da segurança internacional, o Bra- internacional atual, com a ideia de que a sil publicou a PDN, documento corrobora- projeção de tropa anfíbia em terra é o que do posteriormente pela END. A MB vem caracteriza a operação anfíbia contemporâ- buscando se enquadrar nos rumos tomados nea, não importando o grau de hostilidade pelo contexto internacional de emprego do do ambiente nem o tipo de missão a ser Poder Naval, e o CFN, parcela intrínseca e cumprida. Acrescenta, ainda, a Projeção indissociável da MB, contribui para que tal Anfíbia como uma quinta modalidade de propósito seja alcançado. OpAnf. A fim de aprimorar tal documento O Brasil, por possuir mais de 7 mil quilô- doutrinário, foram apresentadas por este au- metros de litoral, deve manter um aprestado tor as necessidades de alterações em algu- Poder Naval para sua defesa. De acordo com mas definições da DBM, como, por exem- Till (2013, p. 37), o litoral é a área onde plo, o enunciado da definição de OpAnf: a maioria das pessoas vive, a maioria das Operação naval lançada do mar, por uma indústrias pode ser encontrada e através do Força-Tarefa Anfíbia (ForTarAnf), sobre

RMB1oT/2017 197 PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL

uma região litorânea, com o efeito desejado nacionais e pessoas, bens e recursos brasi- de introduzir uma Força de Desembarque leiros no exterior; a manutenção da paz e (ForDbq) em terra para cumprir missões da segurança internacionais; a projeção do designadas. Desta maneira, não importa o Brasil no concerto das nações e sua maior grau de hostilidade do ambiente. inserção em processos decisórios interna- Após interpretação da DBM, há a ne- cionais. Além disso, a Projeção Anfíbia cessidade, visualizada por este autor, de contribui com um dos propósitos da MB: definir exatamente o efeito desejado de uma o apoio à Política Externa do País. Projeção Anfíbia para que ela não venha a Para estabelecer a doutrina de emprego ser confundida com outra modalidade, uma da Projeção Anfíbia, deve-se levar em consi- vez que tanto a Projeção Anfíbia quanto a deração a capacidade de recursos humanos e IncAnf podem ter como efeito desejado a materiais da própria MB. E por já ter a exper- evacuação de pessoal tise de planejamento do de interesse do País. Assalto Anfíbio, a mais O crescente de- É imprescindível que o complexa das Opera- senvolvimento de um Poder Naval disponha de ções Anfíbias, o CFN país é fruto de um deverá apenas detalhar relacionamento amis- ferramenta de projeção em alguns assuntos que toso com as nações amplo espectro e em todo este trabalho julgou em seu entorno, e o importante por fazerem maior meio de comu- o seu entorno estratégico, parte da peculiaridade nicação entre estes mostrando a importância de uma modalidade Estados é o modal do surgimento da Projeção que permite o emprego marítimo. A MB tem em amplo espectro das papel fundamental Anfíbia como modalidade operações militares, neste relacionamento, de OpAnf tais como: o estabe- pois permite que esta lecimento da relação comunicação ocorra de comando, controle sem interferência de elementos adversos, operacional e tático, a relação de apoio, o servindo de elo ao íntimo relacionamento planejamento da fase do assalto e as medidas das Relações Exteriores com a Defesa. de coordenação e controle. Visando ao poder dissuasório, o País O aprestamento dos meios navais, precisa estar permanentemente preparado aeronavais e de fuzileiros navais torna-se para prevenir e responder rapidamente às imprescindível para a cooperação regional crises que possam ocorrer em seu entorno na defesa do Atlântico Sul, atendendo aos estratégico, além de estar em condições interesses nacionais. para prestar apoio humanitário a locais que Concluindo, cumpre ressaltar que o venham precisar, no caso de danos causados CFN, atualmente dotado de flexibilidade por desastres ambientais ou por crises. Isso e mobilidade, constituído por militares contribui para que o Brasil consiga se inserir profissionais, é um dos eixos do conjunto no contexto internacional de maneira pacífica. que representa o Poder Naval brasileiro O preparo dos meios e o emprego do capaz de se projetar em qualquer parte Poder Naval por meio da Projeção Anfíbia do território nacional ou internacional, contribuem para a consecução de objetivos estando permanentemente pronto para nacionais, como: a defesa de interesses responder às crises, assim corroborado

198 RMB1oT/2017 PROJEÇÃO ANFÍBIA: SUA EVOLUÇÃO NO UNITED STATES MARINE CORPS E NO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS DO BRASIL nas palavras do comandante da Marinha, aspirações da sociedade. Não podemos Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar ser seduzidos pela crença na perenidade Leal Ferreira, em sua Ordem do Dia alu- da paz. A constante vigilância é o preço siva ao 151º Aniversário da Batalha Naval da liberdade! (BRASIL, 2016) do Riachuelo: A defesa de nossos interesses marí- Nesse contexto, é imprescindível que timos requer, desde o tempo de paz, a o Poder Naval disponha de ferramenta de precisa interpretação de que é funda- projeção em amplo espectro e em todo o mental preparar-se para o emprego real, seu entorno estratégico, mostrando a impor- por meio de um Poder Naval moderno, tância do surgimento da Projeção Anfíbia capacitado e crível, com respaldo nas como modalidade de OpAnf.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Operação anfíbia; Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA; Es- tratégias; Política internacional;

REFERÊNCIAS

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RMB1oT/2017 199 PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB*

CHRISTOVAM LEAL CHAVES** Capitão-Tenente (EN)

SUMÁRIO

Introdução Manutenção nas edificações Custo da manutenção Planejamento e controle da manutenção Vida econômica ótima Estudo de caso Conclusão

INTRODUÇÃO atividade-fim que os meios navais, aerona- vais e de fuzileiros navais tenham o apoio manutenção das instalações terrestres necessário prestado pelas organizações A da Marinha do Brasil (MB) é respon- militares de terra. sável por parte considerável dos recursos Assim, o conceito de gestão da manu- financeiros da Administração. Além dis- tenção aplicado às instalações passa, prin- so, é indispensável para a consecução da cipalmente, pela otimização dos recursos da

* N.R.: Título original: Estudo da Vida Econômica Ótima nas instalações terrestres da Marinha do Brasil sob a perspectiva da Gestão da Manutenção. Todas as figuras do artigo foram elaboradas pelo autor. ** Encarregado da 2a Seção de Instalações Mecânicas da Diretoria de Obras Civis da Marinha (DOCM). Gradu- ado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Realizou Programa de Mestrado Integrado pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto – Portugal (Feup). Possui Curso de Extensão em Engenharia do Ar-Condicionado – Instituto Militar de Engenharia (IME) e MBA em Gestão de Projetos – Universidade Cândido Mendes. PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB

Administração por meio do planejamento, ser extensivas a todas as especialidades do investimento em uma filosofia preventi- envolvidas, tais como: Mecânica, Elétrica, va e da utilização de ferramentas gerenciais Hidrossanitária, Incêndio (Controle de para controle e melhoria constante. Avarias – CAV) e correlatas. Os propósitos deste artigo são apresentar É possível classificar as rotinas de manu- ao leitor uma descrição sucinta das principais tenção, basicamente, em planejadas (preven- rotinas de manutenção, descrever a importân- tiva e preditiva) e não planejada (corretiva). cia de seu planejamento e controle e, por fim, apresentar uma ferramenta para avaliação da Manutenção preventiva vida econômica ótima de uma instalação. Para isso, será feito um estudo de caso Trata-se das rotinas realizadas de manei- em que um sistema de ar-condicionado de ra preventiva, que visam reduzir ou evitar a uma edificação específica terá seus custos falha e queda no desempenho. Tais rotinas levantados para determinar a vida econô- são baseadas em intervalos definidos de mica ótima do sistema, demonstrando em tempo por meio de dados estatísticos ou que ponto faz-se necessária modernização, histórico disponíveis. substituição ou outra intervenção de grande porte, otimizando assim os recursos da Manutenção preditiva Administração ao agir no período certo. Esse tipo de manutenção consiste no MANUTENÇÃO NAS EDIFICAÇÕES monitoramento dos principais parâmetros operacionais. Trata-se da intervenção no Segundo a Norma NBR 5674 da As- momento adequado, antes que o equipa- sociação Brasileira de Normas Técnicas, mento apresente falha e, diferentemente da que disserta sobre o procedimento para preventiva, não ocorre necessariamente em manutenção de edificações, a manutenção períodos determinados de tempo. consiste em um conjunto de atividades a se- rem realizadas para conservar ou recuperar Manutenção corretiva a capacidade funcional da edificação e de suas partes constituintes a fim de atender Consiste na atuação para retomar a ope- aos requisitos de segurança e às necessida- racionalidade após a ocorrência da falha. des dos seus usuários. É a correção da falha de modo aleatório, a Entretanto, o conceito de manutenção fim de evitar outras consequências indese- de edifícios não deve ter como objetivo jáveis, uma vez que não há preparação nem exclusivo manter as condições de desem- planejamento do serviço. penho originais do edifício construído, Embora os custos de correção geralmen- mas também acompanhar a evolução de te sejam menores do que o custo de pre- necessidades dos seus usuários, aspectos venção, a interrupção da operacionalidade de modernização, desenvolvimento tecno- devido a falha acarreta um custo superior, lógico e referências normativas ou legais. que é o custo de falha. Cabe ressaltar que, tratando-se de ma- nutenção em edificações, tais atividades CUSTO DA MANUTENÇÃO não se restringem à habilitação em Enge- nharia Civil, pois, para que a capacidade Os custos da manutenção englobam a funcional seja atendida, as rotinas devem mão de obra especializada, o ferramental

RMB1oT/2017 201 PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB

adequado, a subcon- tratação eventual de especialistas e toda a instalação física necessária. Pode-se classifi- car, de forma sucinta, os custos de manuten- ção em três grandes famílias: custos dire- tos, custos indiretos e custos de perda.

Custos diretos Figura 1: Evolução dos custos de manutenção

São aqueles diretamente ligados ao manutenção corretiva. Para atingir um produto e necessários para manter os equi- nível de disponibilidade total, os recursos pamentos em operação, ou, no nosso caso, empregados seriam infinitos. A evolução as edificações. Têm como característica a dos custos é mostrada na Figura 1. individualização em referência ao objeto. De maneira geral, a Figura 1 mostra que Neles se incluem: as rotinas de manutenção o investimento em manutenção preventiva preventiva, preditiva e corretiva. tende a reduzir os custos de manutenção corretiva. Entretanto, ela demonstra que, Custos indiretos a partir de um ponto de inflexão, o inves- timento para aumento da disponibilidade São custos que não podem ser diretamente deixa de reduzir significativamente a ocor- relacionados a quantidade produzida, ou rência de falhas, acarretando no aumento serviço realizado. Ou seja, a divisão de tais dos custos para a Administração. custos pela quantidade final não é proporcio- nal e objetiva. Neles se incluem: depreciação, PLANEJAMENTO E CONTROLE custos com análises, estudos para otimização, DA MANUTENÇÃO gerenciamento da manutenção e correlatos. Considerando reduções eventuais nos Custos de perda orçamentos, tal como no momento atual vi- vido, o procedimento legal para contratação São os custos oriundos da perda de pro- e aquisição de sobressalentes ou mão de obra dução, causados, por exemplo, por falhas faz do planejamento e controle da manuten- ou interrupção da operação. ção atividade vital, devendo receber a maior atenção dos comandantes e diretores, uma vez Custos totais de manutenção que “a correta manutenção da Organização Militar (OM) como um todo é o que melhor Quanto maior a disponibilidade de um se pode fazer para caminhar no sentido do seu equipamento, ou instalação, maiores serão aprestamento” (DGMM-0601, 1997, p. 1-1). os recursos empregados e, consequen- Tal planejamento é, sem dúvida, um temente, menores serão os custos com aliado relevante nos sistemas de gestão

202 RMB1oT/2017 PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB

atuais. A manutenção deveria ter não Para uma melhoria gradual de uma apenas na teoria, mas também na prática, edificação são necessárias correções pe- devida importância nos órgãos públicos riódicas, visando identificar as diferenças que tenham como objetivo uma destina- entre os níveis de desempenho atingidos e ção eficiente de seus recursos, o que torna os pretendidos. Entretanto, deve ser sempre necessário que se tenha um Programa de verificada também a viabilidade econômica Controle da Manutenção (PCM). da solução proposta, por meio da análise da O PCM é um conjunto de atividades para relação custo x benefício. planejar, programar, coordenar e controlar Dentre as ferramentas e técnicas possí- a eficácia da execução da manutenção. Por veis para determinar tal custo x benefício, serem diversificadas as atribuições do PCM, este artigo limitar-se-á ao estudo da vida consequentemente sua execução ou imple- econômica ótima por meio da avaliação mentação pode variar de um ramo para outro. do custo de imobilização de capital. Por Os principais componentes dos custos definição, tal custo é formado pelos bens de manutenção são o material e o pessoal. necessários à manutenção das atividades de Com isso, o PCM atua diretamente em tais uma determinada instituição, apresentando- pontos críticos, uma vez que mitiga a falta -se de forma mensurável. de informação sobre os serviços, aumenta Com isso, espera-se demonstrar a impor- a eficiência do pessoal, reduz o tempo de tância da determinação de um tempo em que parada dos equipamentos e possibilita me- seja economicamente mais vantajoso à Admi- didas de correção. nistração, por exemplo, se desfazer do bem, A MB estabelece suas normas, instru- substituí-lo ou investir em uma modernização. ções e padrões para um sistema de manu- tenção das instalações terrestres, objeto Vida útil central deste artigo, por meio da Norma DGMM-0601, elaborada pela Diretoria de A vida útil de um bem pode ser definida Obras Civis da Marinha (DOCM). pelo tempo decorrido desde sua aquisição, Nesta perspectiva, a atividade técnica de ou entrada em operação, até o dia em que um PCM, aplicável ao patrimônio público o mesmo deixa de operar ou de atender aos da Administração Naval, deve fixar as con- requisitos esperados de desempenho. dições mínimas exigíveis na preservação das características funcionais das edifica- Vida econômica ótima ções, das instalações e dos equipamentos. Para o objeto central deste artigo, um A vida econômica ótima consiste no tempo PCM deve permitir a melhoria da qualidade decorrido desde a aquisição do bem, ou sua en- das instalações terrestres, sendo concebido trada em operação, até o ponto em que se obtém de maneira a possibilitar um processo con- o mínimo dos montantes gastos na utilização tínuo de correção. do ativo. Geralmente, a vida útil é maior que a vida econômica, pois nesta última o objetivo é VIDA ECONÔMICA ÓTIMA a otimização dos recursos financeiros.

Um dos desafios para a consecução da Determinação da vida econômica missão dos engenheiros navais é determi- nar um “ponto ótimo” para cada máquina, Quanto maior o tempo de utilização do sistema ou até mesmo edificação. ativo, maiores serão os recursos emprega-

RMB1oT/2017 203 PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB

dos para sua operação e manutenção. Tal O valor presente no ano zero é definido fato deve-se à depreciação física, funcional pela equação 5.3: ou tecnológica dos equipamentos. O custo de capital consiste nos valores empregados, descontando, ou agregando, a evolução de tais valores no tempo por meio de uma taxa de juros. A evolução do custo ESTUDO DE CASO de capital é mostrada na Figura 2. Como estudo de caso será utilizado o sistema de ar-condi- cionado do Edifício Almirante Tamanda- ré (EdAT). Instalado no ano de 1996, ele consiste em um sis- tema de expansão in- direta de água gelada com condensação da água por meio de tor- res de resfriamento. A capacidade insta- lada do sistema é de, Figura 2: Custo de imobilização de capital aproximadamente, 960 TR. Devido à restrição Para determinar tal custo, é necessário de recursos federais experimentada na- definir de forma sucinta alguns parâmetros quela época, a Administração Naval não econômicos e financeiros. teve recursos para firmar um contrato de A atualização para o ano zero (V0) de manutenção preventiva do referido sistema, um valor de algum ano posterior (Vk) será efetuando apenas rotinas corretivas quando definida pela equação 5.1: ocorriam quebras ou falhas. k Com isso, o sistema não era capaz de V0=r x Vk Onde, apresentar parâmetros operacionais ideais, k= número de anos; sendo a temperatura da água gelada na faixa r= fator de atualização; de 20ºC a 25ºC, valor muito superior ao patamar de 7ºC, conforme desejado. No V0 = atualização para o ano 0 de Vk; ano de 2009, quando firmado um contrato Vk= Capitalização para o ano k de V0; de manutenção geral, que englobava rotinas O fator de atualização é dado pela preventivas, o sistema restabeleceu seus equação 5.2: parâmetros operacionais. R=1/(1+I) A Central de Água Gelada do EdAT é, Onde, atualmente, uma das centrais em melhor i= taxa de capitalização estado de conservação da MB. Destaca-se assim, neste primeiro momento, a impor-

204 RMB1oT/2017 PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB

tância da manutenção preventiva e como esta influencia no desempenho de de- terminada instalação. O custo de ins- talação do sistema em questão, esti- mado por meio da Associação Brasilei- ra de Refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aqueci- mento (Abrava), é de aproximadamente R$ 7,5 milhões. O custo Figura 3: Vida econômica ótima anual de manutenção, obtido por meio de pesquisa de mercado pelo Índice Geral de Preços do Mercado para a contratação de tais serviços, é de (IGPM), com o valor de referência acumu- R$ 850 mil. lado para o presente ano, que é 6,6600 % Ao disponibilizar um recurso financeiro (Fundação Getúlio Vargas, janeiro de 2017). tanto na compra de um ativo quanto na ma- Com os dados coletados para este estudo nutenção de uma edificação, significa que de caso, tornou-se possível a avaliação da a União poderia disponibilizar tal recurso vida econômica ótima para o sistema em para algo que trouxesse algum retorno questão, que apresentou o tempo de 13 anos financeiro, o que caracteriza um custo de como vida ótima. A Figura 3 explicita os oportunidade, em que a taxa de referência resultados encontrados. considerada será a taxa Selic acumulada até A Tabela 1 mostra a planilha de cálculo o mês de janeiro de 2017, cujo valor é de utilizada no estudo para a confecção do grá- 13,27 % ao ano (Fundação Getúlio Vargas, fico presente na Figura 3, comprovando que janeiro de 2017). aos 13 anos é dada a inflexão nos valores Já a evolução do valor gasto com manu- da anuidade, constituindo a vida econômica tenção e operação do sistema será corrigido ótima da instalação.

TABELA 1: PLANILHA DE CÁLCULO DA VIDA ÓTIMA

RMB1oT/2017 205 PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB

Tal resultado mostra que, com as ta- O que ocorre, na verdade, é a ausência xas atuais que foram consideradas para a de um padrão amplamente difundido pelo avaliação do ativo, o tempo de 13 anos é a Governo Federal, junto com o desconhe- referência para que o sistema de ar-condi- cimento dos órgãos consultivos, que apre- cionado do EdAT sofra uma modernização sentam pareceres jurídicos que dissertam ou intervenção de grande escala. Sendo sobre questões técnicas. As exigências de assim, o sistema deveria ter passado por parâmetros de qualidade podem, erronea- uma grande intervenção no ano de 2009. mente, ser confundidas com restrição. Para se utilizar tal sistema por um tempo Para avaliar a contratação de serviços de superior, serão necessários cada vez mais re- manutenção das organizações de terra, os cursos, porém sem acréscimo da qualidade da órgãos consultivos baseiam-se na Instrução operação do equipamento, conforme demons- Normativa SLTI/MPOG nº 02/2008 (IN trado no tópico de custos de manutenção. MPOG 02/2008), que apresenta exigências Aplicando tal estudo em uma organiza- de forma muito genérica e que nem sempre ção de terra, conhecendo-se seus custos para são aplicáveis, dependendo do objeto. operação, a Administração poderia otimizar Por uma questão de justiça, cabe os recursos ao evitar gastos com manutenção ressaltar que os advogados dos órgãos e operação em uma faixa que, economica- consultivos igualmente buscam o melhor mente, não incrementam a qualidade. para a União. Porém aqueles devem ser assessorados por profissionais técnicos CONCLUSÃO para uma melhor avaliação, assim como os profissionais técnicos também necessi- Para a realização das atividades de tam de uma assessoria jurídica. Uma vez manutenção das OM de terra da MB, um que o advogado não conta com assesso- programa de manutenção é essencial para ria técnica, o mesmo fica restrito a uma manter as necessidades da edificação, oti- conferência fiel, item a item, de todos os mizando os recursos. quesitos da IN MPOG 02/2008, sendo eles A Administração Naval investe na fi- aplicáveis ou não. losofia de manutenção para as instalações Tais problemas podem acarretar na ten- terrestres. Porém, como em qualquer órgão dência do administrador público em abrir público, deve obedecer às referências legais mão do rigor de seus requisitos de qualida- nas contratações e, preferencialmente, se- de em prol de uma celeridade no processo guir as recomendações dos órgãos consul- de contratação, que terá como resultado tivos da União, previamente à contratação. serviços preventivos menos rigorosos e, Entretanto, não há publicações oficiais, consequentemente, maiores custos com de ampla divulgação nacional, que disser- manutenção corretiva. Nesta perspectiva, tem de forma específica sobre o assunto, a DGMM 0601, atrelada às ferramentas o que acaba por se tornar um empecilho de gestão, propõe, em suas especificações para contratação de serviços de manuten- e projetos, requisitos de controle, de qua- ção na MB, uma vez que as exigências da lidade e de melhoria, mantendo a isonomia Administração Naval, baseadas em seu na contratação. planejamento próprio, são em sua maioria Dentre tais ferramentas, o estudo da apontadas pelos órgãos consultivos, ou vida ótima, tema central deste artigo, licitantes, como exigências que poderiam além de ser uma ferramenta econômica restringir a participação de interessados. baseada em custos efetivos diretamente

206 RMB1oT/2017 PLANEJAMENTO DE MANUTENÇÃO EM INSTALAÇÕES DA MB relacionados ao setor técnico, constitui o que respaldaria a modernização de tal parte essencial para justificar uma mo- sistema a partir do ano de 2009. dernização, aquisição, baixa ou qualquer Por fim, tal estudo é válido como fer- outra intervenção em uma organização de ramenta integrada ao planejamento da terra ou em suas respectivas instalações. manutenção das instalações da MB, mos- Com o estudo de caso, ficou demons- trando que é possível reduzir os custos de trado a importância da implementação de manutenção nas instalações terrestres da rotinas preventivas e que a instalação em instituição por meio da avaliação da vida questão tem sua vida econômica de 13 anos, econômica ótima.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Organização militar; Gerência;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RMB1oT/2017 207 A VELA COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL

A VELA COMO INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL NO BRASIL*

SYLVIO SEOANE LANZELLOTTI Aspirante

SUMÁRIO

Introdução A importância da vela no Prolim A vela como ferramenta de educação e desenvolvimento social Conclusão

INTRODUÇÃO com a finalidade de permitir aos jovens que não tem acesso às condições adequadas de negavelmente, fica comprovado de forma educação uma oportunidade de inclusão Icada vez mais incisiva o poder transfor- social. Nesse contexto, o objetivo deste mador do esporte na sociedade. Em diver- estudo é explicitar as consequências e a sos países e até mesmo no Brasil, inúmeros importância do Programa Olímpico da projetos surgem em diversas áreas carentes Marinha (Prolim) no que tange ao impacto

* N.R.: Artigo classificado em 2o lugar na categoria Alunos dos Cursos de Formação de Oficiais no Concurso de Artigos Técnicos e Acadêmicos e de Redação – 2016 da Diretoria de Ensino.

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da formação militar de seus atletas e sua talar, fisioterapêutica e nutricional, além utilização como ferramenta de educação e de alimentação, a oportunidade de utilizar transformação social no Brasil. as excelentes instalações militares como Este artigo é relevante na medida em centro de treinamento e de ter o apoio que nos permite avaliar os impactos sociais profissional de renomados professores e causados pelo esporte como instrumento militares da área esportiva que pertencem de inclusão social e ao analisar a atuação aos quadros das Forças Armadas. das Forças Armadas como parceiras desta O Prolim, que surgiu em 2013, esti- empreitada e formadoras de cidadãos que mulado pelo PAAR na Marinha do Brasil representam o País em diversos âmbitos ­ (MB), tem sua importância constatada não militar, esportivo e social. somente pelos resultados estatisticamente Com o advento da realização dos Jogos contábeis nos quadros de medalha, mas, Mundiais Militares, em 2011, na cidade do acima de tudo, pelos benefícios do projeto Rio de Janeiro, com o intuito de reforçar sob a ótica dos impactos éticos e morais os quadros esportivos do país sede e de causados, na medida em que a MB, além de propiciar maior competitividade a este, proporcionar tamanha infraestrutura, não surge então o Progra- obstante, forja o atleta ma Atletas de Alto com os valores e pre- Rendimento (PAAR). O Prolim ganha relevância ceitos característicos Criado em 2008, o no cenário nacional na do militar. Assim, a programa consiste em Força passa a contri- uma parceria entre o medida em que desponta buir também com a so- Ministério da Defe- como um grande ciedade de uma forma sa e o Ministério dos fator de auxílio para o geral, tendo em vista Esportes, tendo como que entrega ao País objetivo central somar desenvolvimento dos atletas um cidadão que traz esforços de maneira de alto rendimento consigo uma gama de complementar e mú- princípios fomentados tua entre os atletas pela formação militar e as Forças Armadas brasileiras, com a recebida. Apesar de serem extremamente finalidade de contribuir para o desenvolvi- raros nos dias atuais, esses valores são mento do esporte nacional para, no futuro, fundamentalmente essenciais para o de- transformar o País em potência esportiva1. senvolvimento do Brasil como um todo. Tais programas, como o Prolim, foram Ao entrar na Marinha por meio de baseados em diversos outros de reconheci- um edital, o tempo de permanência é do sucesso em outros países considerados de oito anos no máximo. Nesse período potências esportivas, como, por exemplo, avaliações anuais são feitas para que China, Alemanha, Rússia, França e Itália. as performances sejam controladas. No Brasil, a ideia central é proporcionar Dependendo dos resultados, os atletas aos atletas que carecem de estímulos tanto prosseguem ou não no programa. [...]No estatais quanto da iniciativa privada uma entanto, a obtenção de uma graduação estabilidade econômica, viabilizando, de tem uma contrapartida. Para isso, os atle- forma integral, assistência médica, hospi- tas precisam ter um período de adaptação

1 Disponível em: . Acesso em: 25 ago, 2016.

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à vida militar. Nessa espécie de estágio, Inegavelmente, o Brasil é uma nação recebem os ensinamentos de técnicas de que nasceu pelo mar. A história do País é, orientação e sobrevivência, aprendem por essência, escrita pela força das águas e a manusear armas e vivem a rotina dos dos ventos. Sua descoberta pelas caravelas demais militares. (SANDER, 2016, p.8) portuguesas, sua colonização, a formação de sua Marinha, a formação de um povo Além disso, o Prolim ganha relevância extremamente miscigenado, sua indepen- no cenário nacional na medida em que des- dência como nação, a formação de seu ponta como um grande fator de auxílio para território, a sua relação econômica com o o desenvolvimento dos atletas de alto ren- mundo, todas essas passagens são relevan- dimento, pelo suporte que lhes é proporcio- tes para o entendimento do contexto deste nado, seja por uma estabilidade econômica país que tem em seu cerne uma relação por receberem um soldo de terceiro sargento, extremamente íntima e grandiosa com a seja pela utilização das navegação pelos bar- instalações de altíssi- cos a vela. mo nível nas suas Or- A vela sempre representou Entretanto, nos dias ganizações Militares. atuais, com o avanço Além disso, o progra- de forma significativa o País da tecnologia, o que ma se reveste de um em diversas competições era a mais evoluída viés fundamental para técnica de navegação o País no que tange à internacionais, inclusive no século XV passou utilização do esporte em Olimpíadas, na qual se a ser um esporte, ou como ferramenta de tornou a modalidade que um hobby para os que inclusão e desenvol- a esse fim se dedicam. vimento social, o que mais proveu medalhas ao No entanto, dada a é raro nos dias de hoje. Brasil na história, 18 no total complexibilidade dos Nesse contexto, barcos a vela e a es- a Marinha direciona pecificidade de seus também seu olhar para o mar e, como equipamentos, a prática deste esporte consequência de sua essência náutica, não naturalmente se tornou seleta na sociedade poderia deixar de incluir em tão valoroso brasileira. Consequentemente, apenas os projeto o esporte da vela, extremamente que possuem condições socioeconômicas vitorioso e representativo para o nosso favoráveis podem ter acesso ao esporte. país, símbolo já característico do desporto Não obstante, o esporte da vela sempre nacional e além de tudo, de relevância sig- representou de forma muito significativa o nificativa na sua aplicação como ferramenta País em diversas competições internacio- de educação e desenvolvimento social, nais, inclusive em Olimpíadas, na qual se fundamentalmente necessários no Brasil. tornou a modalidade que, por décadas, mais proveu medalhas ao Brasil na história, 18 A IMPORTÂNCIA DA VELA NO no total. Dada essa constatação de o País PROLIM ser uma potência esportiva nacional, conco- mitantemente com a importância histórica “Você não pode mudar o vento, mas e geográfica supracitados, inevitavelmente, pode ajustar as velas do barco para che- configurou-se um cenário no qual a vela gar onde quer.” (Confúcio) surge como relevante viés para investimen-

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to da MB, tendo em vista as perspectivas futuras do Prolim. Este programa não somente pode potencializar ainda mais a capacidade competitiva do esporte no contexto internacio- nal, como também ser capaz de provocar na sociedade verda- deiras transformações sociais e educacionais, oriundas do investimento na vela brasileira. Avaliando os resultados do programa, ainda recente, fica muito claro o sucesso expressivo já alcançado, assim como a potencialidade que o Atletas Martine Grael e Kahena Kunze – Medalhistas de ouro nas Olimpíadas mesmo tem de proporcionar ao esporte da vela grandes conquistas possui, de maneira evidente, uma enorme futuras, evoluindo o esporte nacional. Os capacidade de difusão dos conhecimentos resultados realmente são impactantes, e náuticos e marítimos essenciais a um país isto pode ser observado ao analisar-se o com o mar territorial tão rico e extenso quadro de atletas, composto por Martine como o do Brasil. Grael e Kahena Kunze, campeãs mundiais, Mas não só de atletas consagrados prata nos Jogos Panamericanos de Toronto vive o projeto. O programa Força no e medalhas de ouro nas Olimpíadas 2016, Esporte (Profesp) e o Projeto Marinha- além da medalhista de bronze panamerica- -Odebrecht trabalham sem tréguas para na Fernanda Decnop. formar atletas nas categorias de base dos esportes que aproveitam o Centro A VELA COMO FERRAMENTA de Educação Física Almirante Adal- DE EDUCAÇÃO E berto Nunes (Cefan) como centro de DESENVOLVIMENTO SOCIAL treinamento. O Almirante (FN) Carlos Chagas, comandante do Cefan, explica “O esporte tem a força de mudar o os objetivos das duas estratégias: “Para mundo.” termos resultados em 2016, necessitá- Nelson Mandela vamos pegar atletas em altíssimo ren- dimento. Este trabalho está sendo feito, Apesar da inegável profunda relação e temos autorizado um efetivo máximo histórica, geográfica, econômica, geopolí- de 242 atletas. Mas é crucial o trabalho tica e esportiva com a qual o Brasil interage de base de onde surgirão os atletas do com o mar, incoerentemente constata-se futuro”. Mas o programa, ainda segundo que o País não tem uma população com o Almirante, não para por aí: “Já estão uma mentalidade marítima consistente sendo abertos editais para novas vagas. e proporcional ao tamanho da influência Tudo vem dando certo, e nossa expec- do mar para seus indivíduos. Todavia, tativa é mantê-lo. Estamos procurando o Prolim, promovendo incentivo à vela, atuar com vigor na base, em projetos de

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longo prazo. Não temos dúvidas de que a vida é feita de sacrifícios, de escolhas, dessa forma os resultados serão cada vez e a gente tem que lutar para conseguir o maiores. (SANDER, 2016, p.7) que deseja”, afirma a campeã. Sacrifício e perseverança são as palavras-chave Não se trata somente de educar as gera- desse momento do esporte brasileiro. E, ções atuais e futuras, mas, principalmente, nesse sentido, a participação da MB tem é necessário, por meio do instrumento da sido de grande valia. Não só trazendo a vela, promover uma verdadeira revolução estrutura necessária para que os atletas cultural, iniciada na base educacional, in- consigam os resultados, mas sobretudo trojetando toda a importância do mar para pelo espírito de disciplina que permeia o Brasil e incutindo uma mentalidade que a filosofia militar. (SANDER, 2016, p.9) naturalmente se perpetue. De forma con- comitante, a vela se CONCLUSÃO reveste também como mais um portal de O Prolim, promovendo A importância da transformação social, incentivo à vela, possui uma vela no cenário na- na medida em que, ao cional é tão expressi- incentivar o esporte enorme capacidade de difusão va que até na Escola nacional, produz um dos conhecimentos náuticos Naval, instituição de aumento do número ensino superior mais de praticantes, bem e marítimos essenciais a um antiga do País, onde como torna a práti- país com o mar territorial tão se formam anualmente ca do esporte mais rico e extenso cerca de 200 novos acessível às camadas oficiais da Marinha, econômicas mais ca- a prática da vela se rentes, podendo servir como real instru- tornou obrigatória para todos os seus aspi- mento de inclusão social, possibilitando rantes. A prática deste esporte é de suma estender cada vez mais as oportunidades importância para que se possa adquirir de desenvolvimento dos jovens para uma a mentalidade marítima e a experiência nova perspectiva de vida. náutica, mas, sobremaneira, para incutir Natural do Piauí, Sarah hoje é um nos jovens oficiais situações reais de apli- verdadeiro exemplo para as novas ge- cação prática da liderança e valorização do rações de atletas que sonham em um trabalho em equipe, dos valores morais da dia se consagrar com uma medalha de competitividade sadia e dos ensinamentos ouro olímpica. Ela ressalta a necessidade empíricos dos momentos de sucesso e de se estimular desde cedo a prática do derrota, que podem ser muito bem compre- esporte entre as crianças, não só pelo endidos quando praticado o esporte. aspecto da competição em si, como Para o Almirante Carlos Chagas, é de também pela formação da cidadania: “O fundamental importância a renovação esporte faz mais do que estimular a ativi- da base de atletas: “A gente tem um dade física, ele ajuda a criança a se tornar planejamento constante de renovação um grande cidadão, ensina honestidade, dos nossos atletas de alto rendimento. respeito ao próximo, dedicação dentro e A Marinha é autorizada a contratar 242 fora da sala de aula. Mesmo quem não sargentos, estamos com um efetivo de se tornar atleta pode compreender que 219 e estamos aumentando e renovando.

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A gente sempre busca atletas de ponta, de carreiras no esporte pela falta de incentivo, forma a ter a melhor equipe possível. Ao estabilidade e ferramentas que garantissem mesmo tempo, existe uma preocupação seu desenvolvimento, o Prolim surge como muito grande em incentivar a criação de uma ferramenta para fomentar a prática do novos talentos. Isto aí a gente faz com os esporte nacional de forma profissional, na projetos de base, temos tido resultados medida em que possibilita um panorama muito bons nas categorias mais novas”. de perspectiva futura a estes jovens atletas. [...] O Almirante diz que a Marinha bus- Segundo palavras do Vice-Almirante (FN) ca, com estas ações, transformar o Brasil Paulo Zuccaro2, diretor do Departamento do em potência olímpica. “Nós acreditamos Desporto Militar, a avaliação sobre os resulta- no futuro do esporte por meio do desen- dos obtidos pelos atletas não poderia ser me- volvimento social. Quanto mais cedo a lhor. O sucesso do programa é inquestionável, gente conseguir identificar estes valores assim como é indubitável toda a contribuição e apoiar, especialmente na população direta e indireta do programa para a elevação mais humilde, aqueles que tenham mais do Brasil à condição de potência olímpica. dificuldades, talvez esta seja a única Além do mais, é importante considerar que oportunidade de acesso ao desporto. A o Prolim se caracteriza por ser um progra- gente tem que tra- ma inclusivo e flexível, balhar para Tóquio admitindo diversos mo- 2020. Estes atletas Das 19 medalhas delos de parceria com as de alto rendimento demais entidades liga- que temos hoje são conquistadas pelo Brasil das ao esporte, como, fundamentais para nos Jogos Rio 2016, 13 são por exemplo, os clubes, 2016, mas para de atletas militares as confederações e as 2020/2024 temos empresas. que trabalhar com Das 19 medalhas gerações e gerações cada vez mais novas. conquistadas pelo Brasil nos Jogos Rio E acreditamos que os Jogos de 2016 per- 2016, 13 são de atletas militares. De mitam ao Brasil uma grande virada em acordo com o Ministério da Defesa, essa termos de se transformar numa potência foi a melhor atuação do desporto militar olímpica, que é o objetivo principal do brasileiro em edições olímpicas. Com programa olímpico da Marinha”, conclui. o total de 19 medalhas, o Brasil teve (SERRÃO, 2016, não paginado) o melhor desempenho da história em Olimpíadas. A contribuição das Forças A inclusão dos atletas como militares Armadas para esse alcance foi de 68% pode gerar um aumento significativo do dos pódios. Os medalhistas brasileiros interesse pela prática esportiva, dada a es- que integram o Programa Atletas de Alto tabilidade que o programa possibilita para Rendimento (PAAR) do Ministério da o desenvolvimento do atleta profissional- Defesa se destacaram nas competições. mente, com toda a estrutura que fica à sua [...] O investimento anual do Ministério disposição para sua evolução. Nesse sen- da Defesa no Programa de Alto Ren- tido, em um país em que há algum tempo dimento é de aproximadamente R$ 18 inúmeros talentos esportivos não trilhavam milhões, entre salários, benefícios, aqui-

2 Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2016.

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sição de equipamentos, uniformes, parti- Portanto, o sucesso do Prolim é incon- cipação em eventos esportivos nacionais testável. Ao ser levado em consideração e internacionais e outros itens destinados seu relativo baixo custo, sua capacidade em ao aperfeiçoamento dos atletas. (Fonte: integrar atletas sem o apoio adequado para Portal Brasil, com informações do Mi- seu desenvolvimento e a disponibilidade nistério da Defesa) das Forças Armadas Isto posto, fica cada em ceder suas insta- vez mais claro o poten- A iniciativa se apresenta lações olímpicas de cial do Prolim como excelente condições, uma riquíssima fonte como ferramenta concomitantemente de oportunidade ex- eficiente para integração estimulando o esporte tremamente essencial e desenvolvimento social no País, acaba fazen- no cenário do esporte do com que os atle- nacional. O projeto por meio do esporte, em tas atuais e as futuras não só tende a evoluir consonância com os gerações projetem o e progredir, visto o Brasil como potên- sucesso alavancado, valores da formação cia olímpica. Dessa como também serve militar de atletas forma, a iniciativa de modelo para outras se apresenta, ainda, entidades e instituições como uma ferramenta que possam dar a devida importância ao extremamente eficiente para a integração viés do esporte no Brasil, tão carente de e o desenvolvimento social por meio do incentivos e reconhecimento, mesmo sendo esporte, em consonância com os valores tão forte e inquestionável forma de inclusão da formação militar dos atletas brasileiros e transformação social. do presente e do futuro.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Esporte; Olimpíadas;

REFERÊNCIAS

Atletas militares conquistam 68% das medalhas brasileiras. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2016. Entenda por que há tantos atletas militares. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2016. SANDER, R. O esporte olímpico na Marinha do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2016. SERRÃO, P. Patente alta: conheça a preparação dos atletas olímpicos e militares. Disponível em: . Acesso em: 23 ago. 2016.

214 RMB1oT/2017 CARTAS DOS LEITORES

Esta seção destina-se a divulgar ideias e pensamentos e incentivar de- bates, abrindo espaço ao leitor para comentários, adendos esclarecedores e observações sobre artigos publicados. As cartas deverão ser enviadas à Revista Marítima Brasileira, que, a seu critério, poderá publicá-las parcial ou integralmente. Contamos com sua colaboração para realizar nosso pro- pósito, que é o de dinamizar a RMB, tornando-a um eficiente veículo em be- nefício de uma Marinha mais forte e atuante. Sua participação é importante.

Recebemos do Professor Alvanir Bezer- casco e aos conveses de tais navios. Daí a ra Carvalho* a seguinte correspondência: minha esperança de que, em algum lugar do “No Arsenal de Marinha do Rio de Arsenal, abandonados, esquecidos, ainda Janeiro, há 150 anos, foram construídos possam existir alguns daqueles parafusos, alguns dos navios encouraçados que lutaram ou ao menos que, nos seus arquivos, exis- na Guerra do Paraguai: os encouraçados tam descrições técnicas, fotografias ou o Barroso, Rio de Janeiro e Tamandaré e o que seja sobre eles. monitor encouraçado Alagoas e seus irmãos. É de se esperar também que, em algum Os referidos navios, que tinham casco lugar destinado a guardar a memória do de madeira, receberam, sobre o convés Arsenal, existam fotografias do período e o costado, uma cobertura de chapas de de construção dos navios encouraçados. ferro, aparafusadas sobre tais superfícies Considerando-se que uma foto vale mil de madeira. Deduzi então que, se os navios palavras, encontrar fotos desse tipo também foram construídos no Arsenal (construção seria considerado um achado muitíssimo esta que incluiu a instalação de dezenas valorizado, visto que no arquivo de fotogra- de chapas de couraça), seria de se esperar fias da Diretoria do Patrimônio Histórico que o Arsenal mantivesse em estoque uma e Documentação da Marinha não existe quantidade elevada de parafusos longos, de material significativo sobre isto. formato conicular, por meio dos quais as Realizando pesquisas em vários museus grossas chapas de ferro eram afixadas ao do Rio de Janeiro, em três deles – Museu

* N.R.: Historiador, professor universitário e nautimodelista. É colaborador da RMB e Amigo da Marinha, com Mérito Tamandaré. CARTAS DOS LEITORES

Naval; Museu Histórico Nacional (no pátio canhões, ferindo e até mesmo matando dos canhões) e Museu Militar Conde de dezenas de marinheiros que se encontravam Linhares (na sala dedicada à Guerra do Pa- em suas proximidades. raguai) – encontrei aproximadamente uma Cabe ressaltar que, no meu entender, vintena de chapas de couraças de ferro, com parafusos coniculares faziam parte de um as mais variadas dimensões. Todas elas – volumoso estoque de uso do Arsenal de incluindo-se aí as chapas das couraças que Marinha, que construiu vários desses na- foram identificadas pelo Museu Histórico vios. Por sua vez, em Ladário (MS), após como pertencentes aos encouraçados Bra- o final da guerra, os navios encouraçados sil (corveta) e Silvado (monitor), ambos foram considerados obsoletos, levando-se construídos na França –, possuem furos em conta o elevado custo de sua transferên- de formato conicular – de diâmetro mais cia de volta para o Rio de Janeiro (além de largo na parte externa e mais fino na parte não mais se fazerem necessários). Assim, interna, junto ao costado do navio –, por todos os encouraçados – à exceção do Rio onde eram introduzidos os parafusos aqui de Janeiro, que afundou durante o con- mencionados. O formato conicular dos flito – foram desmontados e seus cascos furos – e também do corpo dos parafusos vendidos para particulares locais, que os – era mais uma precaução com o propósito empregaram como batelões de carga. Tal de impedir que, ao ser atingido por algum providência resultou, possivelmente, no disparo de canhão inimigo, o parafuso se acúmulo, na Base Naval de Ladário – de um projetasse para dentro do bojo do navio volume substancial de couraças e parafusos atingido, ferindo a quem estivesse em suas retirados dos navios que receberam baixa. imediações. Empenhado na preservação da história Relatos históricos sobre incidentes desse militar brasileira, solicito, assim, a cola- tipo com navios encouraçados da Guerra boração dos leitores para que forneçam Civil norte-americana dão conta de que, quaisquer informações, porventura do seu embora os parafusos tenham permanecido conhecimento, sobre detalhes da constru- preso às couraças externas, suas porcas se ção dos navios encouraçados brasileiros desprenderam, sendo projetadas em alta que tomaram parte na Guerra do Paraguay velocidade para o interior das torres de (Alagoas, Bahia, Barroso, Brazil, Cabral, Colombo, Herval, Lima Barros, Mariz e Barros, Rio de Janeiro, Silvado e Tamandaré), incluindo-se aí cópias de eventuais fotografias dos referidos navios ou de suas tripulações – por menos nítidas que possam estar as fotos. Em particular, se- ria interessante obter a descrição (bem como fotografias) dos pa- rafusos coniculares, Chapas de ferro que eram usadas em convés de madeira longos, que prendiam

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as couraças de ferro ao convés e costado Diâmetros daqueles navios, exemplares dos quais pos- entrada sivelmente ainda possam existir em algum e saída do furo lugar recôndito do Arsenal de Marinha do conicular Rio de Janeiro ou em algum depósito de material usado da Base Naval de Ladário. Aproveitando o ensejo, coloco à dispo- sição dos eventuais interessados o acervo de fotos, desenhos e informações técnicas e históricas por mim coletados.” E-mail: [email protected] Parafuso formato conicular

OS GRAÇA ARANHA, O ALMIRANTE E O IMORTAL

Recebemos do Capitão de Mar e Após o encaminhamento do texto à Guerra (Refo) Ney Dantas, a seguinte RMB, recebi fotografias da residência da correspondência: família Graça Aranha em São Luiz (MA), A Revista Marítima Brasileira v. 136, atenciosamente enviadas pelo Capitão dos no 07/09, jul/set 2016 publicou o artigo “O Portos do Maranhão. Surpreendeu-me a Farol Preguiças e o Comandante Graça foto com a placa afixada na parede frontal Aranha”, de minha autoria, que ora julgo da edificação com os dizeres “Nesta casa interessante complementar. viveu Graça Aranha nos anos de 1870 a

Residência da família Graça Aranha

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1884. Homenagem do Governo do Estado e faleceu aos 71 anos, após ter sido duas do Maranhão, São Luís, 21/6/1968”, que, vezes diretor-geral de Navegação (atual para minha surpresa não condiziam com Diretoria de Hidrografia e Navegação), du- o curriculum vitae do personagem foco rante sete meses em 1930 e entre 22/9/1932 de meu artigo, o Almirante Heráclito da e 11/7/1935. Graça Aranha, o que me levou a buscar A surpresa maior ocorreu ao comparar referências do imortal Graça Aranha autor a paternidade de um com a do outro. Eram de romance que eu já lera. filhos de Themistocles da Silva Maciel José Pereira da Graça Aranha Aranha e Maria da Glória da Graça Aranha. (21/6/1868-26/1/1931), escritor e diplo- O Almirante Graça Aranha é irmão cinco mata natural de São Luís, Maranhão, foi anos mais novo de Graça Aranha, o escritor, membro fundador da Academia Brasileira diplomata, imortal da Academia Brasileira de Letras em 20 de julho de 1897 e faleceu de Letras e autor do romance Canaã, sua aos 62 anos. única obra, publicada pela primeira vez em Heráclito da Graça Aranha (22/3/1873- 1902, na qual o autor aborda a imigração 4/8/1944), oficial de Marinha, natural da alemã no estado do Espírito Santo. mesma cidade. Formou-se na Escola Naval Ambos habitaram a casa, ainda existente, em 23 de novembro de 1891, foi promovido em São Luís do Maranhão, na mesma avenida a Vice-Almirante em 27 de outubro 1932 onde hoje se encontra a Capitania dos Portos.

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A RMB expressa o pesar às famílias pelo falecimento dos seguintes colaboradores e assinantes:

VA Ramon Gomes Leite Labarthe  22/11/1924 † 06/11/2016 VA Cláudio José Corrêa Lamego  24/05/1931 † 20/11/2016 CA Diocles Lima de Siqueira  27/01/1919 † 31/10/2016 CA Haroldo Lopes Pereira  06/08/1928 † 21/01/2017 CMG Carlos Borba  30/11/1921 † 27/01/2017 CMG Newton Ferreira Campos Junior  26/06/1931 † 13/11/2016 CMG (FN) Roberto Franco Keller  27/09/1935 † 09/01/2017 CMG (IM) Luiz Salomão Ribeiro  27/09/1938 † 29/12/2016 CMG (CD) Ivan de Moraes Lenzi  29/01/1927 † 03/01/2017 CMG Henrique Araujo de Souza  04/04/1941 † 17/10/2016 CMG (FN) Sergio Murilo de Castro Victorazzo  06/05/1944 † 14/12/2016 CF (T) Elesbão Ribeiro Soares Neto  28/02/1948 † 31/12/2016 CC (T) Luiz Cleber Cabral Barreto  12/09/1948 † 26/12/2016 CC Igor Simões Bastos  10/10/1980 † 21/10/2016

Nascido no Rio de Janeiro, filho de Renne Labarthe e de Hilda Gomes Leite Lopes da Costa. Promoções: a segundo-tenente em 11/8/ 1944; a primeiro-tenente em 24/8/1945; a capitão-tenente em 25/4/1949; a capitão de corveta em 22/5/1954; a capitão de fraga- ta em 20/3/1959; a capitão de mar e guer- ra em 19/8/1966; a contra-almirante em 28/4/1971; e a vice-almirante em 31/3/1975. Foi transferido para a reserva remunerada em 22/12/1976. Em sua carreira exerceu três coman- dos: Contratorpedeiro Pará; Cruzador Barroso; e Controle Naval do Tráfego Marítimo. Exerceu três direções: Escola de Mari- nha Mercante do Rio de Janeiro; Diretoria RAMON GOMES LEITE LABARTHE do Pessoal Militar da Marinha; e Arsenal Vice-Almirante de Marinha do Rio de Janeiro. NECROLÓGIO

Comissões: Escola Naval; Centro de as seguintes condecorações: Medalha de Instrução Almirante Wandenkolk; Estado- Serviço de Guerra – 2 estrelas; Medalha -Maior da Armada; Cruzador Barroso; da Força Naval do Nordeste – bronze; Cruzador Tamandaré; Escola de Guer- Ordem do Mérito Naval – Grande ofi- ra Naval; Comissão Naval Brasileira em cial; Ordem do Mérito Militar – Oficial; Washington; Gabinete do Ministro da Ma- Ordem do Mérito Aeronáutico – Comen- rinha; Comando da Força Aeronaval; Co- dador; Medalha Militar e Passador Ouro mando do 4o Distrito Naval; Estado-Maior – 3o decênio; Medalha Mérito Tamandaré; das Forças Armadas; Comando do Esqua- Medalha do Pacificador; PT-M2 Portugal drão de Minagem e Varredura; Diretoria – Medalha do Mérito Militar de 2a classe; do Pessoal Militar da Marinha; Comissão US-LM Estados Unidos da América – Or- Naval Brasileira em Washington; e Arse- dem da Legião do Mérito. nal de Marinha do Rio de Janeiro. À família do Almirante Ramon Gomes Em reconhecimento aos seus serviços, Leite Labarthe, o pesar da Revista Maríti- recebeu inúmeras referências elogiosas e ma Brasileira.

ALMIRANTE LABARTHE

Conheci Labarthe na Viagem da Coroação. resultado, mas a ideia causou um alvoroço O Cruzador Barroso, recebido pelo Bra- entre os armamentistas de bordo. Se não sil havia pouco tempo, foi designado para criou um novo método para ser posto em representar nossa Marinha na Grande Para- prática, mostrou bem a sua mente inquieta e da Naval de Portsmouth, em homenagem à inventiva. E foi assim que conheci Labarthe. coroação da Rainha Elizabeth II, em 1953. Logo após a Viagem da Coroação, Eu era primeiro-tenente encarregado da desembarquei do Barroso para cursar 5a Divisão, que tinha sob responsabilidade Armamento. E eis que lá, ensinando os os canhões de salva. Labarthe era um ar- segredos das torres principais dos cruza- mamentista sem curso de especialização1. dores, encontro Labarthe. Era um instrutor Naquele momento, talvez fosse o secretário que tornava de fácil entendimento qualquer do navio. complicação dos aparelhos de comando à Mesmo estando fora de uma divisão de distância das torres dos cruzadores. armamento, com seu amigo Bonoso, tenen- Embora bom aluno, sempre sofri do te encarregado da Divisão F, especulava terrível sono que abate nossos corpos após sobre a possibilidade de tomar a altura das o almoço (no meu caso, antes também). Era estrelas empregando a diretora MK.332, uma luta gigantesca que sempre travei em independente do horizonte do pôr do sol, todos os cursos que tive de fazer durante já que era estabilizada. a minha carreira. Fazia de tudo para per- Labarthe, como eu tenho na memória, manecer acordado, pois tinha, e tenho, a desenvolveu a nova utilização da direção de convicção de que, para tirar uma boa nota tiro e chegou a calcular a posição do navio e aprender a essência da aula, o caminho tendo visado às estrelas independente do era, e ainda é, ouvir bem atento as palavras horizonte estar visível. Não me lembro do do instrutor.

1 Durante a Segunda Guerra Mundial, os cursos foram suspensos. 2 Da bateria AA de 127 mm.

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Na aula do Labarthe, eu tive um auxiliar Nos últimos tempos, ainda trabalhava no “para me despertar”: o próprio instrutor, La- meio civil, onde também foi um vencedor. barthe, que lançava em mim pedaços de giz. Por causa das limitações impostas pela E, como era bom artilheiro e conhecedor do doença que o afligia, usava a cadeira de problema do tiro, seus petardos sempre me rodas para ir a seu escritório, no centro da atingiam. Apesar dessa brincadeira, nunca, cidade, e lá se movimentar. Nada poderia nem por um instante sequer, Labarthe se abalar seu espírito, seu ânimo, sua alegria vulgarizou ou foi desrespeitado por alguém de viver, seu dom de fazer amizades. – era um instrutor de peso, com moral bem lá Sou fã incondicional de Labarthe. Ele em cima em relação a todos que o cercavam. foi um vencedor, na Marinha e no meio Nasceu, pois, dos “projetis de giz” uma civil. Muito me honra poder contar uma forte amizade, com um sentimento de pequena faceta de sua vida, mas de enorme uma grande admiração entre o “alvo” e o significado para mim. “atirador”. Ah, Labarthe, que saudade de servir de Ele era uma dessas pessoas totalmente alvo para os seus projetis de giz... fora de série, era um especial em todos os grupos em que trabalhou. Ninguém lhe Luiz Edmundo Brígido Bittencourt tirava a liderança natural. Vice-Almirante (Refo)

Promoções: a segundo-tenente em 30/3/1954; a primeiro-tenente em 26/10/1955; a capitão-tenente em 4/11/1958; a capitão de corveta em 22/12/1962; a capitão de fragata em 17/4/1968; a capitão de mar e guerra em 30/4/1974; a contra-almirante em 31/3/1981; e a vice-almirante em 31/7/1985. Foi transferido para a reserva remunerada em 15/5/1987. Em sua carreira exerceu quatro co- mandos: 1o Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral; Centro de Adestramento Almirante Marques de Leão; Navio-Aeró- dromo Minas Gerais; e Força Aeronaval. Exerceu a direção da Aeronáutica da Marinha. Comissões: Cruzador Tamandaré; Navio-Escola Duque de Caxias; Centro de Instrução de Adestramento Aerona- val; Corveta Solimões; Base Aeronaval CLÁUDIO JOSÉ CORRÊA LAMEGO de São Pedro da Aldeia; Comissão Na- Vice-Almirante val Brasileira em Washington; Escola Nascido no Rio de Janeiro, filho de de Guerra Naval; Secretaria-Geral do Claudio Lamego e de Maria da Gloria Conselho de Segurança Nacional; Co- o Corrêa Lamego. mando do 1 Distrito Naval; Comando de

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Operações Navais; e Escola Superior de Ordem de Rio Branco – Oficial; Meda- Guerra. lha Militar e Passador Ouro – 3o decênio; Em reconhecimento aos seus serviços, Medalha Mérito Tamandaré; Medalha recebeu inúmeras referências elogiosas Mérito Marinheiro – 2 âncoras; e Meda- e as seguintes condecorações: Medalha lha do Pacificador. do Mérito Naval – Cavaleiro; Ordem do À família do Almirante Claudio José Mérito Militar – Comendador; Ordem Corrêa Lamego, o pesar da Revista Marí- do Mérito Aeronáutico – Comendador; tima Brasileira.

IN MEMORIAM Vice-Almirante Claudio José Corrêa Lamego Nos idos de 1958, o então Capitão- Passa o tempo e, em 1966, eu, que já -Tenente Lamego iniciou suas atividades estava na área desde 1964, fui movimen- aeronavais, ao concentrar no Centro de tado para o 1o Esquadrão de Helicópteros Instrução e Adestramento Aeronaval de Emprego Geral (EsqdHU-1), onde tive (CIAAN), para realização do Curso de a oportunidade de conhecer melhor o então Aperfeiçoamento de Aviação para Oficiais Capitão de Corveta Lamego, quando exer- (Caavo), como componente da terceira cia a função de imediato daquela unidade turma que teve formação regular naquele aérea da qual a seguir assumiria o comando. Centro. Naquela época, as instalações do Em 1969, na chefia do Departamento de CIAAN se situavam na Avenida Brasil, Manutenção do Esquadrão, meus contatos próximo ao antigo Quartel de Marinheiros com o comandante eram frequentes, visan- e de outras organizações da Marinha. do resolver de forma satisfatória os tantos Em junho de 1961, fruto da necessidade problemas das aeronaves e conseguir man- abrupta de transferir todo o material e o pes- ter um nível de disponibilidade adequada, a soal envolvido com a instrução de voo das fim de poder atender aos múltiplos pedidos instalações do CIAAN para São Pedro da de missões que chegavam ao Esquadrão. Aldeia, lá estava o Capitão-Tenente Lame- Assim, a possibilidade de considerar o go fazendo parte do grupo de quatro oficiais comandante na escala de voo, sempre encarregados da faina. Foi, portanto, um que possível, não era absurda, porque na dos pioneiros da nossa Aviação Naval em realidade éramos poucos e tínhamos que São Pedro da Aldeia, um dos primeiros a contar com todos; por essa razão, voamos conhecer a realidade da área que passamos juntos muitas vezes. Nas ocasiões em que a nominar como “Macega” e as instalações a situação da manutenção se complicava, em final de construção da futura Base com aumento da carga de trabalho, e em Aérea Naval de São Pedro da Aldeia. Foi que o esforço noturno era grande, o co- um início duro, as residências para oficiais mandante nos apoiava, com serenidade, e praças, como também os alojamentos e conhecimento e discernimento, sempre nos demais edificações, não estavam prontas passando confiança com suas orientações e, além disso, naquela época, o incipiente competentes e seguras. mercado imobiliário do lugarejo não tinha Em 1970, o Capitão de Fragata Lamego as mínimas condições de atender às nossas passou o comando do EsqdHU-1, desem- necessidades de moradia. barcou da área e, pouco mais tarde, foi

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premiado, designado para servir na Co- da Marinha (DAerM), onde tive a satisfa- missão Naval Brasileira em Washington ção de secundá-lo como seu vice-diretor. (CNBW). Naquele mesmo ano, também Naquela Diretoria, além das responsabi- desembarquei do EsqdHU-1 e fui trans- lidades inerentes à DAerM, atendeu, por ferido para a Diretoria de Aeronáutica da solicitação do Estado-Maior do Exército, à Marinha. realização de palestra visando à prestação Entre 1973 e 1974, estive alguns meses de assessoria sobre toda a problemática na Fábrica da Bell Helicopter para fiscalizar que envolveria a criação da Aviação do e receber os 18 helicópteros Bell Jet Ranger Exército, que se encontrava em fase de II, adquiridos pela Marinha para renovar a estudos para sua implantação. Também frota do 1o Esquadrão de Helicópteros de nesse período, recebeu a tarefa de repre- Instrução (EsqdHI-1). Na oportunidade da sentar a Marinha em um grupo de trabalho cerimônia de entrega das aeronaves, nos interministerial para estabelecer, em co- encontramos outra vez; esteve presente o ordenação com a Força Aérea Brasileira Capitão de Fragata Lamego representando (FAB), os requisitos para homologação a CNBW. de operações aéreas nas plataformas de Em 1979, já no posto de capitão de exploração de petróleo no mar, com suces- mar e guerra, assumiu o comando do so na empreitada. Mas o mais importante Navio-Aeródromo Ligeiro (NAeL) Minas mesmo, sob a ótica de aviador naval, foi a Gerais. Tempos difíceis aqueles em que, contratação e a aquisição de mais um lote após longo período de reparos, o NAeL de helicópteros de instrução, dessa vez dos voltava ao mar e às operações aéreas, com Bell Jet Ranger III, mais modernos que o o adestramento da guarnição prejudicado modelo adquirido anteriormente, tendo em pela longa interrupção de suas atividades vista que os recebidos no primeiro lote se precípuas. Pois ainda assim, na primeira achavam muito desgastados, devido à sua comissão de maior duração, conseguiu o intensiva utilização nos voos de instru- feito de se tornar o primeiro comandante ção. Foi então realizado um estudo para do NAeL a adentrar e atracar no porto decidir sobre o processo que deveríamos de Recife, o que até então não havia sido utilizar para trazer esses novos helicópte- realizado pelos comandantes que o antece- ros para o Brasil. Escolhido e aprovado deram. Na ocasião, eu estava embarcado no pelo Vice-Almirante Lamego, o traslado NAeL com helicópteros Lynx SAH-11 do das aeronaves foi realizado de forma até 1o Esquadrão de Helicópteros de Ataque então inédita na Marinha: foram traslada- (EsqdHA-1), que estava sob meu comando, dos em voo do Texas, nos Estados Unidos e pude testemunhar o fato. da América do Norte, até São Pedro da Em 1981, antevendo sua possível Aldeia. Posta em execução após minu- promoção ao posto de contra-almirante, cioso detalhamento, a ação transcorreu convidou-me para chefiar seu Estado- sem qualquer problema nem danos. Para -Maior no Comando da Força Aeronaval, coroar o trabalho, mostrou tratar-se na recomendando-me discrição porque a época, de processo mais econômico do notícia ainda não era oficial, tratava-se que os demais considerados. de intenção que, felizmente, acabou por Em 1987, por motivos exclusivamente se concretizar. particulares, o Vice-Almirante Lamego Promovido a vice-almirante, foi desig- solicitou seu desligamento do serviço ativo, nado em 1985 para diretor de Aeronáutica passando para a reserva.

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Com o seu falecimento, no mês de no- perdi um bom amigo. Sua falta será sen- vembro do ano de 2016, justamente o ano tida nos desfiles das “Velhas Águias” e em que a Marinha do Brasil comemorava nos almoços da “Confraria dos Aviadores o Centenário da sua Aviação Naval, ela Navais”. perdeu um oficial de escol, a Aviação Naval “No ar os homens do mar.” perdeu um de seus pioneiros e exemplo a ser seguido, e eu, que tive o privilégio de Carlos Frederico Vasconcellos da Silva conhecê-lo, perdi mais do que um chefe, Contra-Almirante (Refo)

Ladário; 4o Distrito Naval; Força de Trans- porte da Marinha; e Escola Naval. Exerceu a direção do Centro de Arma- mento da Marinha. Comissões: Encouraçado São Paulo; Navio-Auxiliar José Bonifácio; Navio Caça-Minas Camaquã; Tênder Belmonte; Cruzador Bahia; Cruzador Rio Grande do Sul; Cruzador Barroso; Centro de Instru- ção Almirante Wandenkolk; Base da Flo- tilha de Submarinos; Submarino Timbira; Submarino de Esquadra Humayta; Esta- do-Maior da Armada; Escola de Guerra DIOCLES LIMA DE SIQUEIRA Naval; Força de Alto-Mar; Comando do Contra-Almirante 6o Distrito Naval; Estado-Maior das For- ças Armadas; Escola Superior de Guerra. Em reconhecimento aos seus serviços, Nascido em São Paulo, filho de João recebeu inúmeras referências elogiosas e José de Siqueira e de Hipólita Lima de as seguintes condecorações: Medalha de Siqueira. Serviço de Guerra com 2 estrelas; Meda- Promoções: a segundo-tenente em 30/ lha da Força Naval do Nordeste – bronze; 1/1941; a primeiro-tenente em 6/11/1942; Ordem do Mérito Naval – Oficial; Ordem a capitão-tenente em 29/12/1944; a capi- do Mérito Militar – Comendador; Ordem tão de corveta em 22/3/1952; a capitão de do Mérito Aeronáutico – Comendador; fragata em 21/2/1956; a capitão de mar e Medalha Militar e Passador Platina – 4o guerra em 8/5/1963; e a contra-almirante decênio; Medalha Mérito Tamandaré; em 9/12/1969. Foi transferido para a reser- Medalha Ordem Militar de Avis – Grau de va remunerada em 14/3/1974. Grande Oficial (Portugal). Em sua carreira exerceu sete comandos: À família do Almirante Diocles Lima Submarino Tamoio; Submarino Riachuelo; de Siqueira, o pesar da Revista Marítima Flotilha de Mato Grosso; Base Fluvial de Brasileira.

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Estação Naval do Rio Negro e Flotilha do Amazonas. Comissões: Navio-Escola Almirante Saldanha; Curso de Especialização de Máquinas para Oficiais; Cruzador Bar- roso; Navio-Tanque Rijo (imediato); Co- missão Naval Brasileira em Washington; Comando da Força da Patrulha Costeira do Sul; Curso de Adestramento de So- corro Marítimo; Centro de Adestramento Almirante Marques de Leão; Comando do 1o Distrito Naval; Escola de Guerra Naval; Gabinete do Ministro da Marinha; Gabi- nete da Vice-Presidência da República; Comissão de Construção Naval da Mari- nha do Brasil; Diretoria de Engenharia da Marinha; Comissão Naval Brasileira na Europa e Estado-Maior da Armada. Em reconhecimento aos seus serviços, recebeu inúmeras referências elogiosas HAROLDO LOPES PEREIRA e as seguintes condecorações: Medalha Contra-Almirante Naval do Mérito de Guerra – Serviços de Guerra sem estrelas; Ordem do Mérito Nascido em Mato Grosso, filho de João Naval – Comendador; Ordem do Mérito Lopes Pereira e de Noemia Lopes Pereira. Militar – Comendador; Ordem do Mérito Promoções: a segundo-tenente em Aeronáutico – Comendador; Medalha Mi- 18/2/1952; a primeiro-tenente em 16/11/1953; litar e Passador Ouro – 3o decênio; Me- a capitão-tenente em 16/5/1956; a capitão dalha Mérito Tamandaré; Medalha Mérito de corveta em 6/7/1961; a capitão de fragata Marinheiro – 1 âncora; Medalha do Paci- em 20/5/1966; a capitão de mar e guerra em ficador; Medalha Mérito Santos Dumont; 19/6/1970; e a contra-almirante em 31/3/1977. Co-on Colômbia – Ordem Naval Almiran- Foi transferido para a reserva remunerada em te Padilha. 13/5/1981. À família do Almirante Haroldo Lo- Em sua carreira exerceu três coman- pes Pereira, o pesar da Revista Marítima dos: Rebocador de Alto-Mar Tridente; Brasileira.

ALMIRANTE HAROLDO LOPES FERREIRA – AGRADECIMENTO

Conheci o Haroldo em 1950, na Escola Voltamos a conviver no Cruzador Bar- Naval, ele aspirante do último ano e eu do roso. Como encarregado da Divisão R, fui Curso Prévio. seu subordinado no Grupo de Controle de

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Avarias, que ele chefiava, cumulativamente Ao regressarmos, Haroldo foi de- com a função de encarregado da Divisão A. signado encarregado do Casm, e eu seu Reencontramo-nos no Curso de Especiali- ajudante. Em março de 1964, o Casm foi zação de Máquinas para Oficiais (Cemo), incorporado ao Centro de Adestramento ele instrutor e eu aluno. Almirante Marques de Leão (CAAML), Dos encalhes da Corveta Angostura e passando a denominar-se Escola de Socor- do Rebocador Tritão resultou a criação do ro e Salvamento. Continuamos juntos até Curso de Adestramento do Socorro Maríti- que o Haroldo foi designado comandante mo (Casm). Antes de sua implementação, do Rebocador Tridente (R22). Em várias em 1962, foram designados para salvage ocasiões, pude apreciar o seu desempenho. officer course na Deep Sea Diving School, Segui as águias do guia, sucedendo-lhe no US Navy, em Washington, DC, o Capitão de comando do R22. Corveta Haroldo Lopes Pereira, o Capitão- Passam-se os anos. Em 1979, Haroldo -Tenente Ivan Simas de Oliveira e eu (tam- é contra-almirante, subchefe do Estado- bém capitão-tenente), todos constantes da -Maior da Armada (EMA) (M-50) e eu sou listagem de oficiais que haviam servido em capitão de mar e guerra, encarregado da rebocador. Mais uma coincidência agradável divisão da Subchefia de Logística e Mobi- de conviver com o Haroldo e com o Simas, lização (M-40). É no EMA que meu senti- meu colega da Turma Alhanati. mento de respeito pelo Haroldo, presente Tendo sido a duração do curso de 16 em todas as anteriores ocasiões, torna-se semanas, abrangendo o período do final ainda mais forte, por suas qualidades ma- de novembro de 1961 ao final de março de rinheiras, seu equilíbrio, seu discernimento 1962, tive a oportunidade de avaliar quão e sua bondade. importante foi a solidariedade para enfrentar o inverno, mormente quando nevava durante Carlos Augusto Vilhena de os mergulhos no Rio Anacostia, afluente do Magalhães Cunha Potomac. Tive grandes companheiros. Contra-Almirante (Refo)

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As histórias aqui contadas reproduzem, com respeitoso humor, o que se conta nas conversas alegres das praças-d’armas e dos conveses. Guardadas certas liberdades, todas elas, na sua essência, são verídicas e por isso caracterizam várias fases da vida na Marinha. São válidas, também, histórias vividas em outras Marinhas. Contamos com sua colaboração. Se desejar, apenas apresente o caso por carta, ou por e-mail (internet: [email protected] e intranet: dphdm-083@dphdoc).

VIAGEM A ASSUNÇÃO (PARAGUAI) E SANTA FÉ (ARGENTINA) – 1987 A viagem era rotineira, havia até check fundeando à noite, “porque era perigoso” (isso list de providências. Destinava-se a parti- me incomodava). Pegamos um prático militar cipar das celebrações das datas de indepen- paraguaio em Vallemy e chegamos sem pro- dência do Paraguai (15 e 16 de maio) e da blemas em Assunção, onde um Grupamento Argentina (25 de maio). de Desembarque, formado por fuzileiros Era grande a disputa por embarque nos navais do Grupamento de Fuzileiros Navais contados espaços de bordo. As listas de de Ladário e por marinheiros da FlotMT, embarcados eram preparadas em segredo, participou do desfile militar alusivo à data. em escalões elevados; afinal, era a viagem A representação do 6o DN sempre foi de ouro do pessoal pantaneiro. bem recebida e tratada com cortesia. O O trânsito por si só apresentava as preocu- comandante do 6o DN, habitualmente, pações com os “passos rasos” que, em viagens era condecorado e, às vezes, também o anteriores, haviam imobilizado a Flotilha. O comandante da Flotilha de Mato Grosso. Programa de Adestramento era bem suave, Comandantes e esposas eram hospedados para que as tripulações pudessem preparar os nos melhores hotéis da cidade, Excelsior navios. O comandante do 6o Distrito Naval e ou Guarany. Brindes eram ofertados com a sua comitiva se reuniriam à Flotilha de Mato assinatura, de próprio punho, do Presidente Grosso (FlotMT) em Assunção. Alfredo Stroessner. Visitas a museus eram E lá fomos nós, Parnaíba, Potengi, Pa- realizadas, com reverência especial ao raguassu e Piraim, navegando à luz do dia e Mausoléu de Solano López, construído à O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

imagem do de Napoleão, em Paris (mais em território argentino, foi percebida a bor- singelo, todavia). Havia celebrações diá- do. Houve protesto com base no acordo que rias. Um tradicional jogo de futebol Brasil permitia o exercício da atividade somente x Paraguai entre militares e uma esperada conduzindo embarcações paraguaias. Nos- feijoada de retribuição, promovida pela sas autoridades intercederam, e a situação FlotMT, encerravam os eventos. foi resolvida com algum mal-estar. Perma- A programação tinha o dedo do Presi- neceríamos com o assessor paraguaio, por dente em tudo. Era intensa, minuciosa. Para via das dúvidas, proibido de baixar a terra. mais bem cumpri-la, designamos um oficial Fizemos trânsitos diurnos e noturnos recém-embarcado para auxiliar no estudo sem problemas. Curioso é que o prático do protocolo e do cronograma. Este oficial, não prosseguia sem que visse a boia que porém, de formação técnica, se mostrou lhe seria referência, e, justiça seja feita, pouco adaptado às aventuras embarcadas, estavam todas lá, algumas apagadas, mas de modo que a vida a bordo lhe era um corretamente posicionadas. Estranho para martírio de incertezas. Sua preocupação em navegantes como nós a confiança irrestrita não errar fazia-o ler e reler todas as coisas de que depositava no balizamento, mormente maneira sem fim. Recorria a todos a quem se considerarmos que o Rio Paraná tem podia, insistentemente, na esperança de forte correntada. Certa tarde, fundeamos obter conforto para as dúvidas que lhe de- num local chamado Islã do Mal Abrigo. vastavam a mente. A “malta” logo percebeu Estava tudo calmo. À noite, entretanto, se essa vulnerabilidade, a partir do que sempre abateu sobre nós um forte e súbito vento sul injetava falsas incógnitas ao seu problema. que “levantou o mar”. Aí vimos a razão do Em Assunção, um jovem oficial para- nome. O Parnaíba resistiu bem ao desafio, guaio nos foi apresentado para apoiar o mas que ideia infeliz essa de escolher um cumprimento do protocolo. Foi o bastante local de tal nome para se abrigar! para se tornar o “ouvidor-mor” do nosso Chegamos às proximidades de Santa cerimonialista. Um alívio para nós, um Fé na véspera. Fizemos uma entrada de sacrifício para a desacostumada “vítima”, reconhecimento para identificar as carac- sempre solícita e disciplinada. No seio de terísticas do canal de acesso e do local de seus pares, entretanto, um indiscreto ouvi- atracação, no fundo de uma dársena. Uma do pôde identificar a expressão “incha la curiosidade: Santa Fé não fica bem no Rio pelota” (enche o saco), dita em referência Paraná, mas em braço interno do rio, cujo ao nosso sofrido oficial. Não precisa dizer acesso se dá através de um canal “feito a que a alcunha foi imediatamente adotada. pá”, como dizem os argentinos, muitos anos Findo o Programa de Eventos, partimos atrás – impressionante. de Assunção, Parnaíba e Potengi, com Em Santa Fé, a recepção foi igualmente destino a Santa Fé. Paraguassu e Piraim cortês. A Armada argentina colocou um de volta a Ladário. No Rio Paraná, outra oficial de ligação para o comando da FlotMT realidade nos esperava. Logo após deixar- e o comandante de um contratorpedeiro de mos Assunção, chamou atenção o perfeito escolta, atracado na mesma dársena, como controle que a Prefeitura Naval argentina cicerone do comandante do Parnaíba. Fo- exercia sobre as embarcações nos rios Para- ram feitas visitas protocolares a autoridades guai e Paraná. Esse controle nos causou um do Executivo, do Legislativo, do Judiciário pequeno problema quando a presença do e da Igreja e também foram visitados sítios prático paraguaio, exercendo sua atividade históricos. O oficial de ligação era um capi-

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tão de corveta da reserva ligado a assuntos Estávamos dispostos até a aceitar uma visita de História. No dia 25 de maio, assistimos pacífica, mas nunca intimidação de qualquer a um desfile cívico-militar no palanque de espécie, tal como ser alvo de lancha ou a honra. O Parnaíba retribuiu as atenções com presença de visitantes armados. Felizmen- um almoço a bordo. O adido naval brasileiro te, a lancha foi embora e tudo ficou como colaborou para que não faltassem recursos. estava. O sábio espírito do Parnaíba, acos- Iniciamos o regresso, e as boias apaga- tumado àquelas paragens e ao seu gentio, das na ida já funcionavam perfeitamente. O havia tomado as rédeas da situação e posto Parnaíba dependia, sobremodo, do Potengi a paz a reinar. Protegeu seu comandante e para garantir seu combustível. Usávamos evitou uma questão internacional. Hoje diria um bunker muito pesado e espesso. Se- “Ufa!”. Àquela altura não tenho dúvidas de guíamos um programa de reabastecimento o Parnaíba já me havia aceitado. O jovem que começou a se mostrar insuficiente. O comandante era adequado a um patrulha frio havia endurecido mais ainda o bunker, artilhado e encouraçado, faltava amadurecer. que fluía com dificuldades. Parecia chicle- Quase em Corrientes, o Potengi come- te. A frequência dos reabastecimentos foi çou a apresentar problemas de máquinas. aumentada, expondo o material a esforço Em razão dos compromissos protocolares não calculado. Numa bela noite, “ploft”, atinentes à visita, o Parnaíba seguiu só rompeu o mangote de transferência. Ainda para evitar atrasos. Tínhamos pequeníssima que bastante denso, lançamos muito óleo no reserva de velocidade. Vale lembrar que, Rio Paraná e no convés do Parnaíba. O cos- no ano anterior, o Parnaíba teve muitos tado ficou negro. Iniciamos uma demorada problemas de condensador na viagem a limpeza, que não passou despercebida pelas Rosário, em razão da água barrenta do Rio autoridades argentinas. Logo uma lancha da Paraná. Nesse ano estávamos tendo suces- Prefeitura Naval nos acompanhava. so. O chefe de Máquinas, em um hercúleo Naquele momento, passou-nos pela ca- trabalho, diariamente abria e limpava um beça um episódio em que o Navio-Escola condensador, de modo a garantir nossa ca- Custódio de Mello, nosso navio-escola, ao pacidade de processar o vapor das caldeiras. adentrar o Canal de Beagle, foi interceptado Chegamos a Corrientes no horário. O por lancha semelhante àquela que ali estava Potengi um pouco mais tarde, não muito. A e impedido de prosseguir viagem. Sob a programação foi igualmente formal e cortês. mira de metralhadoras, teve de esperar que Partimos de Corrientes. Com alívio, as autoridades diplomáticas intercedessem passamos a foz do Rio Paraguai. Ali está para mostrar que nada tínhamos a ver com a um passado de glórias. A margem esquer- questão de soberania disputada por chilenos da do rio é cheia de nomes conhecidos, a e argentinos em Beagle. Ora, o Parnaíba é começar por Passo da Pátria; seguem-se um encouraçado, e não nos pareceu correto Curuzu, Curupaiti e Humaitá. Nos campos sofrer a mesma humilhação. Raciocínio de batalha, os paraguaios ergueram monu- simplista e, convenhamos, errado, mas foi mentos em memória aos caídos. Alguns o que pareceu importante. Éramos também podem ser vistos do rio. O que era pura “de- convidados do Governo argentino e blá, blá, coreba” escolar agora desfilava como que blá... Coisa de jovem petulante e entusias- “em continência”, um em cima do outro, mado. O Parnaíba, então, guarneceu Postos praticamente, a cada curva do rio. Se em de Combate e assim permaneceria até que 1987 eram locais ermos, podemos imaginar a lancha da Prefeitura Naval se afastasse. como seriam as dificuldades logísticas de

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1865/1868. Eu ficava emocionado. Funde- cercada por um dique e possuidora de bombas amos em Humaitá. para retirar a água do Rio Paraguai nos perío- A Fortaleza de Humaitá desapareceu pe- dos de cheia. Ali só havia dois telefones, e uma las águas do rio, exceção para uma igreja em televisão era colocada no meio da pracinha. ruínas, hoje tornada memorial, cheia de pla- Em Forte de Coimbra, fizemos nossa tra- cas e flores. Há, ainda, um arganéu daqueles dicional raia de tiro no Morro da Marinha. que prendiam as correntes que bloqueavam o O comandante do forte havia limpado o rio. Existe também um cerimonioso silêncio. alvo que se encontrava à nossa espera. Forte Chegou o Parnaíba, depois o Potengi. de Coimbra também teve sua participação Como a querer permanecer ali, o motor de heroica na Guerra do Paraguai. Nas suas combustão principal adoentado do Potengi muralhas, pode-se ler a frase “Só pela honra negou-se a trabalhar por tempo indetermi- e sorte das armas entregaremos o forte”, nado. Agora tínhamos pela frente um sério dita pelo comandante à força paraguaia problema de avanço, já que sem o reabaste- que com ele cruzava espadas. Perdemos cedor não era possível ao Parnaíba cumprir o forte, mas o exemplo lá está até hoje, o avanço previsto no Programa de Eventos. lamentavelmente pouco lembrado ao nosso De qualquer forma, o Potengi não poderia povo. Não é por acaso que logo a jusante ficar só naquelas paragens vazias e despro- dele encontramos a fronteira boliviana. vidas de qualquer apoio. Então, decidimos O forte tinha seus encantos para as tri- rebocar o navio pelos mais de 2 mil quilôme- pulações. Havia uma antena parabólica que tros que nos separavam de casa. Coisa digna nos fornecia imagens de televisão, coisa de entrar no Livro de Recordes. Igualmente inexistente na calha do rio, e tinha carne digna a transferência de óleo, que durou fresca (bovina e suína) que trocávamos por enquanto o reboque transcorria. Reboques óleo diesel, uma perdoável irregularidade em rios se dão a contrabordo. Aproveitando que diminuía as agruras do isolamento. O a presença tão perto do reabastecedor, fomos gerador era ligado só oito horas por dia, bombeando o tempo todo. Isso valeu uma e nosso óleo era um significativo reforço. charge com os dois navios colados, tendo o Existiam também entes folclóricos, como Potengi a forma de uma mamadeira, na qual aquele oficial do Exército que, respondendo o Parnaíba ia deglutindo o seu leite negro. à indagação se queria tomar uma cerveja, Passamos por Lomas Valentina, já nos respondeu que “quem toma é galinha, aceito subúrbios de Assunção. O memorial da beber uma cerveja”. Pela limitação de ener- batalha é visto do rio. Ali, último bastião gia, a possibilidade de contar com produtos da capital de Solano López, o exército pa- perecíveis frescos e gelados era especial- raguaio foi aniquilado defendendo a cidade. mente apreciada. Sempre que passávamos Em Vallemy, nos despedimos do nosso pelo forte, lhes deixávamos sorvetes. Como prático-militar paraguaio, grande companhia a felicidade se faz com coisas pequenas! e contador de muitos “causos”. Estava inte- E, finalmente, chegamos a Ladário: grado à equipe. Com pesar, o vimos partir. reencontro com as famílias e a satisfação Atracamos em Porto Murtinho, cidade do dever cumprido. INSPEÇÃO DE EFICIÊNCIA NO NTFlu PARAGUASSU Na Força de Submarinos, fazíamos Adestramento (PAD-Ciasa) e inspeções nossos Programas de Adestramento da para mudança de Condição de Adestramen- Comissão de Inspeção de Assessoria de to com muito realismo. Simulávamos as

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avarias de modo que os seus efeitos fossem ser laborado manualmente. A válvula também efetivamente sentidos. serviria para gerar a avaria real. Então, quando No ano de 1988, o Paraguassu seria ordenado pelo chefe da comissão, o inspetor de submetido a Inspeção de Eficiência, e o máquinas abriria o by-pass. E veríamos o que oficial de Operações do Estado-Maior do se sucederia. Se algo não saísse a contento, o Comando do 6º Distrito Naval foi desig- inspetor restabeleceria o sistema. nado chefe da comissão que realizaria a Suspendemos para a inspeção em direção inspeção. O comandante do navio e o oficial ao Rabicho. Aproveitando o estirão entre a de Operações eram submarinistas. Fazenda do Rabicho e a Foz do Paraguai- A comissão se reuniu para elaborar o -Mirim, o inspetor de máquinas recebeu programa de eventos a ser cumprido pelo ordem para abrir o by-pass. Em que pese Paraguassu e, como de praxe, não poderia o “fora de leme” ser esperado, acho que o faltar o tradicional “fora de leme”, em que timoneiro aguardava receber a informação seria verificado o preparo da tripulação de avaria, jamais ser o “detector da avaria”. na comunicação da avaria, tramitação de A surpresa o fez “gelar” diante da roda do ordens pertinentes, transferência e governo leme, onde ficou estático, sem nada dizer ou a partir da estação de emergência. fazer. O Paraguassu, inicialmente, seguiu Em seguida, o chefe da comissão e o reto para então, lentamente, tomar direção a inspetor de máquinas foram a bordo para boreste, justo rumo à margem mais próxima. verificar como simular a avaria. O sistema de Vendo que teríamos uma emergência de fato, governo em emergência do Paraguassu era o comandante e o inspetor de máquinas foram muito simples: um arco que se fazia de cana avisados. O comandante fez o que pôde, do leme, ligado a dois aparelhos de força, um inverteu máquinas e recuperou o controle, po- em cada bordo, para ser laborado por tripu- rém não antes de o navio estampar a proa na lantes escalados em tabela-mestra. A única lama da barranca, em perfeito baixo-relevo, providência mais sofisticada era saber onde digno de um trabalho de Michelangelo. se localizava a válvula by-pass que aliviava o sistema hidráulico normal, sem o que o Gilson Antonio Victorino da Silva* sistema, de tão duro, se tornava impossível de Capitão de Mar e Guerra

O BURCA**

Há décadas, quando servia numa ilha ela, nem queria morar com o genro. Mas para os lados do Mocanguê, havia um fazer o quê? O infeliz era a única renda da graduado, morador da Tijuca, tido como família! exímio paquerador. Esta característica A vida atribulada era motivo para desaba- causava-lhe frequentes desentendimentos fos com os colegas de trabalho. Vitimizava- com a esposa, ampliados pelas constantes -se, dizendo ser um verdadeiro burro de intervenções da sogra. Na verdade, dizia carga, o que lhe rendeu o apelido de Burca.

* Foi comandante do Navio-Varredor Atalaia, do Monitor Parnaíba e da Flotilha de Mato Grosso e capitão dos Portos do Espírito Santo. Foi também adjunto do adido militar na República Popular da China. É aperfeiçoado em Submarinos e Mestre em Ciências Navais (EGN). ** N.A.: O fato foi narrado em Praça D’armas pelo Capitão de Fragata (IM) Márcio Abel da Silva Longo, que, autorizou a publicação, fazendo questão que o fosse com a minha autoria.

RMB1oT/2017 231 O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

Situação insustentável, com cobrança o médico me vem com essa loucura. Oh das duas “chefes”, forçou o “Dom Juan” prejuízo! Voltarei à rotina. a consultar um psicólogo. O especialista Dito e feito. Após o expediente da sexta- desfiava um rosário de aconselhamentos e -feira, saiu com a mais recente conquista. sugestões, sempre refutados pelo paciente, Tarde da noite chegou em casa; levou mais que contrapunha com mirabolantes e infin- uma bronca da esposa e da sogra, apesar da dáveis argumentações, todas em seu favor. boa justificativa de sempre. Estava em reu- O doutor não acertava. nião de trabalho – a culpa era do chefe, não Eram tantas as complicações, que o podia fazer nada, reclamassem com ele; afi- psicólogo ficou descompensado. Para não nal, era o seu trabalho que sustentava a casa. dispensar o paciente, resolveu consultar No dia seguinte, ainda amuada, a mulher um colega de especialidade. Não surtiu comunicou-lhe que um casal amigo, morador efeito, o insucesso do tratamento de ambos de São Gonçalo, havia convidado para um continuou. Não sabia mais o que fazer, aniversário naquela noite. Sempre de butuca sentiu-se incapacitado. Pensou em mudar nas conversas do casal, a sogra gritou logo: de profissão, mas tentaria a última linha de “Eu vou também, eu vou. É hora de inaugurar ação: entrevistar a esposa do militar. minha roupa e meus sapatos novos.” – Melhorou nada, nadinha; está cada Que raiva! Pensou em estourar, mas, vez pior. para aliviar a barra, o Burca sugeriu que ela – Não é possível! A senhora tem que almoçasse bem e fizesse um bom lanche à participar, precisa manter um diálogo em tarde, pois o aniversário poderia demorar. casa. – A sua mãe conversa com ele? – Não vou comer nada. Eu quero é saborear – Desisti, doutor. A minha mãe, tadinha, todos os doces e salgados da festa, ora mais! ele nem olha, tem jeito não. Só o senhor Cedo da noite, a família embarcou no mesmo; é a minha esperança, porque nem carro. A sogra, no banco de trás, com os pés reza e nem promessa resolveram. doloridos, descalçou os sapatos. Ao parar – Vou confessar à senhora. Nunca vi no pedágio da Ponte Rio-Niterói, o genro um caso desse. Estou quase desistindo da sentiu que algo tocou-lhe o pé. Olhou para profissão, mas, enfim, vamos lá. Aguarde o assoalho e deparou-se com um sapato. O lá fora e mande ele entrar. coração quase parou! – E aí, meu caro, como está? “Arre! A doida de ontem deixou o sapato – Tudo bem, doutor, não tenho nenhum no carro”, pensou. “Minha mulher me mata, problema, nunca estive melhor. haja confusão e adeus aniversário”. Fingiu – Que bom! Ótimo, parabéns! Pra melho- não ouvir o funcionário do pedágio, entrea- rar mais, pense na sua família; o senhor tem briu a porta e com o pé empurrou o sapato que olhar para as mulheres como se fossem pra fora. “Que alívio! A noite tá salva.” homens. Faça isto e volte daqui a 30 dias. Ao chegar no destino, notou que a sogra O Burca saltou da cadeira! não estava bem. Não saía do carro. Supera- – Eu volto é nunca, doutor. Creio que o gitada, revirava tudo, fazia uma tremenda senhor é que tem problema, achando que confusão. mulher é o mesmo que homem. – Vamos, vamos, gente. Estamos atrasa- Voltou pra casa injuriado, reclamando dos. O que foi, minha sogra, algum problema? da mulher e da sogra que encheram a cabe- – Problema é pouco! Não estou encon- ça do doutor. Tanto tempo perdido; perdi trando o meu sapato, estou só com um pé. oportunidades por causa das consultas e Foi bem você que escondeu.

232 RMB1oT/2017 O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

– Pelo amor de Deus, até isso sou eu? O Burca não retrucou. Nem precisava, Como? A senhora não estava calçada? sentia-se no paraíso. Chorou de gargalhada. – Não, eu tirei pra descansar os pés. A estimada sogra não participou do ani- Vasculharam o carro e nada de sapato. versário. Ficou no carro até a madrugada, – E a senhora trouxe mesmo? saboreando toda fome que Deus lhe dera. – Claro, não sou doida. Como viria só Manoel Cardoso da Silva com um sapato? Capitão de Corveta (Refo-T)

VULTO ESTRANHO NA PISCINA

Ladário, situado no estado do Mato acordar mais cedo e dar um mergulho na Grosso do Sul, é um município minúsculo excepcional piscina do clube, antes do localizado dentro de outro município, deno- início do expediente. Pelo horário, o clube minado Corumbá. Na realidade, o município estava deserto, então tranquilamente ele de Corumbá é imenso, sendo o 11o em área deu um mergulho nas águas límpidas, sendo territorial no Brasil. O município de Ladário, que, enquanto nadava, observou um vulto com cerca de 20 mil habitantes, corresponde no fundo da piscina. Achou estranho, pois a 0,5% do território de Corumbá, estando a piscina estava sempre muito bem tratada encravado na cidade de Corumbá, que tem e não poderia ter sujeira no fundo. Incomo- cerca de 105 mil habitantes. dado com o que viu, resolveu ir olhar com O Complexo Naval em Ladário é lin- mais atenção e surpreendeu-se com um deiro ao Rio Paraguai, e na outra margem filhote de jacaré. Imediatamente chamou há uma planície que se alaga no primeiro os empregados de serviço do clube, que, semestre do ano. Esta planície é uma área muito surpresos, munidos de uma peneira pouco habitada por ribeirinhos, mas que de limpar piscina, foram ao local para res- tem, além de gado bovino, uma fauna gran- gatar o animal. diosa composta de aves, mamíferos, ofídios Felizmente, com um telefone celular e répteis. Este cenário imenso que alterna fotografaram este resgate para que não entre períodos de cheias e secas sofre com passassem por mentirosos. O jacaré foi grandes alagamentos e queimadas, o que solto no riacho citado anteriormente. Pro- provoca a fuga dos animais para outras vavelmente ele adentrou ao clube, durante regiões. Daí é que, atravessando o rio a a sua andança noturna, atraído pelo cheiro nado, de repente o animal se vê dentro da da água da piscina. cidade. Na realidade, o risco de vida para o Obviamente, o oficial ficou bastante animal aumenta, pois ele entrará em contato assustado e sentiu-se o lendário “Jim das com o homem. Selvas”. Durante um período conviveu Dentro do Complexo Naval de Ladário com as brincadeiras engraçadas dos existe o Clube dos Oficiais (Marisco), amigos. separado por um riacho, que deságua no Rio Paraguai, das instalações da Casa do Ronald dos Santos Santiago Marinheiro de Ladário (Camala). Capitão de Mar e Guerra (RM1) Em abril de 2008, um oficial do Estado- Chefe do Estado-Maior do Com6oDN -Maior do 6º Distrito Naval resolveu na época

RMB1oT/2017 233 O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL NAUFRÁGIO Ao término do curso da Escola de De repente, foi chamado. Ia participar Aprendizes-Marinheiros do Ceará, nos dos 100 metros de nado livre. Foi tomado anos 70, um grupo de marinheiros embar- de grande empolgação. Antevendo o suces- cou no Cruzador Barroso (C-11), um dos so, via-se como o herói da equipe. Ô glória! expoentes da Marinha do Brasil à época. Competidores alinhados, o juiz passou No grupo, um marinheiro destacava-se as instruções: no primeiro apito os nadado- pela baixa estatura e por ser muito franzino, res ocupam seus lugares; no segundo, larga. credenciais que, a priori, não o indicavam a – Largar o quê, chefe?, questionou o ser selecionado para nenhuma modalidade marujo. desportiva. O dito-cujo, porém, alardeava ser – Saltar, meu filho, cair na água. De muito bom nadador, habilidade que desen- onde tu veio? volvera em riachos no interior do Nordeste. – Humm! Sendo assim é fácil, não há Com apenas três semanas de embarque, dúvida, matutou. a turma foi surpreendida com a presença de – Primeiro apito, preparar! Segundo um velha-guarda, suboficial antigão cursa- apito, largar. do em Educação Física. Estava escalando O representante do C-11 saiu inconti- atletas para participar da competição de nenti. Largaria bem, não fosse a barrigada natação, realizada anualmente entre as tri- na água. Recuperou o fôlego, impôs ritmo pulações dos navios da Esquadra. A prova frenético nas braçadas. Mesmo no estilo seria disputada na tarde daquele mesmo dia, nado de rio, conseguiu acompanhar os na piscina da Escola Naval. concorrentes. Aparentando simplicidade, o marinheiro Com o extenuante esforço, o atleta perdeu em questão não se voluntariou para partici- o gás na volta, pregou. Nadava quase em pé, par, no entanto os colegas imediatamente o engolia água com as marolas. Não brigava indicaram ao dirigente técnico: “Seu Sub, mais por posições, mas para não se afogar. seu Sub, esse nada, esse nada, é dos bons!”. Tocou desespero! Tentava sair pela O jovem marujo tentou convencer o lateral da piscina. Gozação geral, ovação suboficial de que não era tudo aquilo que da torcida: “Nada pra frente, pra frente, se falavam, mas, a bem-dizer, não era um sair fica preso!” afogado, dava suas braçadas, mas... Sentiu-se no meio do mar. Não via mais O suboficial, que estava “na onça” [com nada, não sabia onde estava e nem o que dificuldade] para conseguir competidores, acontecia. No limite, lutando pela vida, con- não iria dispensá-lo, especialmente depois seguiu chegar à borda, sem forças pra sair da da garantia unânime daqueles que mais o água. Então os “amigos” resolveram dar-lhe conheciam – os colegas de turma. Usando uma força: “Olha o tubarão, olha o tubarão!” da autoridade, esbravejou: “Mas coisa ne- Mais que isso não era preciso! Pulou nhuma! Você vai, se sabe nadar vai. Não fora que nem um raio. Aturdido e apavora- aceito escamação [corpo mole]. Ou vai ou leva uma parte de ocorrência. É ordem”. do, perguntou: “O navio afundou, afundou? Bem, desse jeito não tinha como escapar Cadê o navio?” da faina. Foi. O técnico aloprou: “O navio não, mas Começou a competição: nado peito, tu, peste, afundou a equipe. Tá de castigo. costas, revezamento, e o jovem nadador Vai pegar uma semana de faxina extra, após inconformado com os pífios resultados da o expediente”. sua equipe: “Eu aqui, à disposição, sem participar. Poderia salvar a equipe. Se fosse Manoel Cardoso da Silva nadar mostraria resultado, iam ver”. Capitão de Corveta (Refo-T)

234 RMB1oT/2017 DOAÇÕES À DPHDM JANEIRO A MARÇO DE 2017

DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECA DA MARINHA

DOADORES

Almirante de Esquadra Ilques Barbosa Junior Vice-Almirante (Refo) Armando de Senna Bittencourt Contra-Almirante Ricardo Albergaria Claro Coronel Nylson Reis Boiteux Suboficial (Refo) Clóvis Matias Alves

Sr. Gerson Antônio Fonseca Sr. Aurélio Augusto F. de Meira Sr. Leonardo Henrique Galvão Sr. Julio Heilbron Comando de Desenvolvimento Doutrinário do Corpo de Fuzileiros Navais (CDDCFN) Centro de Mísseis e Armas da Marinha (CEMASM)

Sociedade de amigos da Biblioteca Nacional (SABIN) République Francaise Ministère de la Dèfense Instituto de Estudos Legislativos Brasileiro (IDELB) Fundação Roberto Marinho Editora Casa da Palavra

LIVROS E PERIÓDICOS RECEBIDOS

ALEMANHA Naval Forces: International fórum for maritime power – v. 37 no 4, no 5 – 2016

CHILE Patrimonio del Museo Marítimo Nacional

CUBA Revista bimestre Cubana: de la sociedad económica de amigos del país – no 44 jan./ jun.– 2016

ESPANHA Revista de História Naval – v. 34, no 135 – 2016

FRANÇA Ètudes marines: marines d’ailleurs – no 10 – 2016 DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDOS

ITÁLIA Rivista Marittima – v. 149, nos 5, 6, 7 e 8; mai./jun./jul./ago. – 2016

PORTUGAL Revista de Marinha – v. 78, no 986, set./out; v. 78, no 988, nov./dez. – 2015; v. 79, no 989, jan./fev. – 2016 Anais do Clube Militar Naval – v. 145, tomos 7 a 12

BRASIL Revista do arquivo geral da cidade do Rio de Janeiro – no 10/11 – 2016 Cadernos do CHDD – v. 47, no 27, 2o semestre – 2015; v. 15, no 18, 1o semestre – 2016 Revista ADESG – no 287, set./out. 2014; v. 40, no 289, jan./abr.; no 290, jul./ago.; e no 291 nov./dez. – 2015 Âncoras e Fuzis – v. 15, no 47 – 2016 Informativo Marítimo – v. 24, no 2, mar./jul. – 2016 Revista da Biblioteca Nacional – v. 8, nos 90 a 96, mar. a set. – 2013; v. 9, nos 97, 98 e 99, out./nov./dez. – 2013; v. 9, nos 100 a 111, jan. a dez. 2014; v. 10, nos 112 a 120, jan. a set. – 2015; v. 11, nos 121/122, out./nov. – 2015; v. 11, nos 123/124/125, mai./ jun./jul. – 2016 Revista do Clube Militar – v. 88, no 459, jan./fev./mar. – 2016 Tecnologia Militar – v. 38, nos 2, 3 e 4 – 2016 Revista Âncora Social – v. 9, no 9 – 2016 Revista do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil – v. 74, no 101 – 2015 Educação Física – v. 16, no 62, dez. – 2016 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – v. 176, no 469, out./dez. – 2015 Tecnologia e Defesa – v. 33, no 147 – 2016 Mistérios da pré-história americana – 2015 “Uma vasta Caieira”: um estudo sobre os fabricantes de cal da Freguesia da Ilha do Governador (1861-1900) – 2016 Aspectos logísticos da guerra do Paraguai – 2015 A China e os chins: recordações de viagem – 2016 Pedro Teixeira, a amazônia e o tratado de Madri – 2016 Ilha da Trindade: veo de mysterio à flôr dagua – 2010 Memórias de um soldado legalista – 2016 O soldado e o estado: teoria e política das relações entre civis e militares – 2016 Fé e poder; religião e política no Oriente Médio – 2016 Estratégia moderna – 2016 A Amazônia e eu – 2016 Direito marítimo reflexões doutrinárias: sugestões para monografias, dissertações e teses – 2015 Processo marítimo formalidades e tramitação – 2013 Catálogo Filatélico Portugal – 2016 A defesa do ouro negro da Amazônia Azul – 2016 Escola de Artilharia de Costa Antiaérea 80 anos – Ed. especial EsACosAAe O X da questão – 2011 O mensageiro milionário – 2012

236 RMB1oT/2017 DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDOS

Heaven – 2012 Hades – 2012 A vida imortal de Henrietta Lacks – 2011 A primeira luz da manhã – 2010 A filosofia explica as grandes questões da humanidade – 2013 Fahrenheit 451 – 2012 Ser rico é possível: como administrar seu dinheiro em tempos difíceis – 2010 A história do poder legislativo do Brasil através do tempo – 1826-2009 – 2016 Belém: riquezas produzindo a Belle Èpoque 1870-1912 – 2010 Francisco Caldeira de Castelo Branco: capitão-mor e primeiro descobridor, conquistador e povoador do Grão-Pará – notas sobre o fundador de Belém – 2016 Dissertação de mestrado profissional em administração: um estudo sobre o consumidor de museus no Rio de Janeiro – quem são e o que esperam – 2015 Plano de ação Florianópolis sustentável – 2015 Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará – 2015, 2 Exs. Contos e encontros piratas – 2016 O pesadelo do príncipe – 2016 O poeta voador – 2016 Narrativas, biografias e fontes da guerra da Tríplice Aliança (Subísidios para a história maritima do Brasil) – v. 1, 2015 Narrativas, biografias e fontes da guerra da Tríplice Aliança (Subísidios para a história maritima do Brasil) – v. 2, 2015 Ministros do Superior Tribunal Militar oficiais-generais da Aeronáutica oriundos da Marinha e do Exército Dicionário de cinema brasileiro: os que vieram de outras terras – 2015, 3 Exs. Nossa Senhora do Desterro: os primeiros anos – 2015 Construção Aeronáutica no Brasil – no 42, 2016 Ministros do Superior Tribunal Militar oficiais-generais da aeronáutica oriundos da marinha e do exército – 2016 A defesa do ouro negro da Amazônia Azul – 2016 A caçada: como os serviços de inteligência americanos encontraram Osama bin Laden – 2013 Guerra santa: como as viagens de Vasco da Gama transformaram o mundo – 2012 Roquete Pinto o corpo a corpo com o Brasil – 2017 Mossad os carrascos do Kidon: a história do temível grupo de operações especiais de Israel – 2014 Soldados sobre lutar, matar e morrer – 2014 1789 a história de Tiradentes e dos contrabandistas, assassinos e poetas que lutaram pela independência do Brasil – 2014 A fênix islamita: o estado islâmico e a reconstituição do Oriente Médio – 2015 Doutrina Básica de mobilização nacional Reflexões políticas: uma visão da saga brasileira – 2012 Mestres da batalha a guerra de Monty, Patton e Rommel – 2014 A Defesa Nacional – v. 104, no 831 – 2016 O esporte e as forças armadas na primeira república: das atividades gymnasticas às participações em eventos esportivos internacionais – 2014

RMB1oT/2017 237 ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Esta seção tem o propósito de trazer aos leitores lembranças e notícias do que sucedia em nossa Marinha, no País e noutras partes do mundo há um século. Serão sempre fatos devidamente reportados pela Revista Marítima Brasileira. Com vistas à preservação da originalidade dos artigos, observaremos a grafia então utilizada.

AS RESERVAS DA ARMADA (RMB, jan/fev 1917, p. 433)

A utilidade das “Reservas Os navios da nossa Marinha Navaes” mesmo n’uma peque- do commercio tem sido traçados na Marinha como a do Brazil, – como tudo quanto diz respeito constitue interessante objecto á construcção naval entre nós – de estudo. sem a minima consulta ou mesmo Sob esse nome, precisamos en- sciencia do Estado Maior. Dahi carar as reservas de material e as resulta que, sob o ponto de vista reservas de pessoal. do aproveitamento militar, elles Em nosso paiz não há possibi- não satisfazem a nenhum dos lidade de organisar “reservas” de requisitos necessarios a permittir navios de guerra, porque nosso o seo emprego como “cruzadores material de primeira linha é muito auxiliares”. resumido. O “Barroso”, cruzador Todavia, as leis brazileiras antiquado, e os dois guarda- estabelecem que “a Marinha Mer- -costas de typo “Deodoro” já não cante é a reserva da Marinha de merecem figurar nessa categoria Guerra”, e isso deve conduzir o e constituem apenas recursos de nosso Estado Maior naval a exigir instrucção. que as companhias de navegação ACONTECEU HÁ CEM ANOS não se arroguem a liberdade de Os civis na Esquadra traçar planos de navios sem o seu consentimento e ingerencia No que se prende, porém, á “Re- na determinação dos respectivos serva Naval” – sob o ponto de vista caracteristicos. da possivel mobilisação e emprego Os nossos paquetes não tem ve- do pessoal civil a bordo dos navios locidade nem – o que é talvez ainda de guerra, para a utilisação das mais importante – o raio de acção armas, confesso as minhas duvi- conveniente. das, não só sobre a sua convenien- Tudo isso, porém, tem reme- cia, mas, principalmente, sobre a dio facil e com tempo, energia sua necessidade. e patriotismo, resolveremos o Está bem claro que, assim fa- problema do “auxilio” que a lando, quero exprimir a minha Marinha Mercante pode e deve incerteza sobre a tal efficiencia, prestar, com o seo material, á no momento preciso, de um pes- Marinha de Guerra, em caso de soal sem a instrucção technica e mobilisação. sem a disciplina indispensaveis A nossa Marinha Mercante para o seo aproveitamento nos já representa um papel salien- navios de linha, onde official e tissimo na grandeza economica marinheiro exercem hoje uma do paiz e será um poderoso funcção especialisada, exigindo elemento na solução dos nossos qualidades que não podem ser problemas estrategicos, em caso adquiridas senão no serviço effec- de guerra: a concentração das tivo a bordo, por melhor que seja nossas forças terrestres, de cuja a boa vontade das autoridades e rapidez e perfeição depende a a intelligencia e dedicação pa- certeza do castigo a inflingir a triotica dos homens. quem suppuzer-nos presa facil; Entre os problemas actuaes da a manutenção do commercio Marinha de Guerra do Brazil não interestadual e com o exterior; o figura a deficiencia de pessoal sob aprovisionamento da esquadra o ponto de vista do numero, nem etc. por certo, da capacidade indivi- N’esta conformidade, todo o dual, no que se refere ao valor nosso carinho e todas as nossas profissional dos seos homens attenções devem ser voltadas – officiaes, sub-officiaes, mari- para a sua organisação como nheiros e foguistas. Os que vivem elemento militar “auxiliar”, fa- em contacto com os tripulantes zendo com que o material seja dos navios de guerra da nossa o mais conveniente possivel esquadra, tem d’isso uma idéa ao aproveitamento efficaz dos absolutamente perfeita. navios. (...)

RMB4oT/2016 239 ACONTECEU HÁ CEM ANOS

A FUSÃO DOS QUADROS DA MARINHA* (RMB, jan/fev 1917, p. 449)

O Congresso Nacional, na sua Corpo Unico, como a solução mais presente legislatura, deverá occu- acertada para resolver o problema par-se de um problema de impor- complexo que envolve as questões tancia capital para os quadros do serviço naval e do commando. da nossa Marinha de Guerra: É preciso que a Nação se interes- referimo-nos á fusão dos officiaes se por tudo quanto de perto se rela- de machinas e de marinha, pro- ciona com a efficiencia de suas for- priamente ditos, em um Corpo ças armadas, e nenhuma medida Unico. affectará mais do que essa o valor A questão já tem sido abor- profissional e technico dos quadros dada na imprensa, em alguns de officiaes da Marinha. Ella ne- dos seus aspec- cessita, portanto, tos de opportu- ser ventilada e nidade, como É preciso que a Nação se discutida ampla- naquelle que se interesse por tudo quanto mente, para que prende á situa- de perto se relaciona a opinião possa ção dos officiaes formar-se com se- mais modernos com a efficiencia de suas gurança, despida do actual quadro forças armadas de preconceitos e de machinas, em immunisada con- face da nova lei. tra argumentos Propomo-nos a mostrar aos nos- capciosos, apresentados com arte sos leitores a questão como ella para impressionar. se apresenta entre nós, expondo o Do assumpto ha, em geral, modo de ver da numerosa corrente entre nós, um desconhecimento que acompanha a orientação ven- profundo, embora julguem muitos cedora nos Estados Unidos e na conhecel-o de perto... E discute-se, Inglaterra, paizes nos quaes, si a varias vezes, com bases comple- fusão é praticada de modo diverso, tamente falsas, chegando-se a re- e aceito, entretanto, desde bastan- sultados lastimaveis, a confusões te tempo, o mesmo principio do inevitaveis.

* Com este mesmo titulo publicou esta Revista no seu numero de Setembro – Outubro do anno proximo findo um excellente artigo do Sr. Capitão de corveta Frederico Villar. Em reforço, ou como um complemento, das idéas ali preconisadas, julgamos de toda opportunidade transcrever igual- mente alguns artigos publicados, no decorrer do mesmo anno, na edição da tarde do “Jornal do Commercio” por um nosso camarada, collaborador militar desse vespertino sob o pseudonymo de Coronel Z. Agora que o Governo cogita estabelecer entre nós essa fusão, certamente será o assumpto lido com redobrado interesse – N. R.

240 RMB4oT/2016 ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Ha em nosso meio partidarios do para o emprego harmonico e convictos de reforma, como os ha a utilisação coordenada, sob a do actual systema; avulta, porém, direcção una do commandante; o numero dos duvidosos, que, este precisa commandar, não só por falta de cogitação séria do de direito, mas tambem de facto e problema, na incerteza do futuro, conscientemente. preferem o estado de cousas que Os serviços variados de bordo, encontraram, no qual se formaram cuja execução é confiada á direc- e ao qual se adaptaram pela força ção e á fiscalisação directa dos das circumstancias. officiaes subalternos, são todos Em dous pontos de vista parti- relacionados entre si; é manifesta culares podemos nos collocar para a sua interdependencia, muitas encarar a questão: – na ligação dos vezes intima. Confiar essa direcção serviços e no commando. Em cada e essa fiscalisação a officiaes de um desses aspectos, o primeiro quadros distinctos, sem dependen- fusionista impõe-se como principio cia immediata, é um contrasenso da unidade de direcção, da uni- que urge corrigir. dade de acção e da coordenação Mas, apressemo-nos em collocar de esforços. diante do leitor a situação actual, O navio de guerra é um ins- de maneira succinta, antes de en- trumento de combate de acção trarmos em detalhes. individual; nelle tudo está liga- (...)

VALOR MILITAR E TACTICA DO MODERNO SUBMARINO (RMB, jan/fev 1917, p. 509) Pelo Lieut. C. W. Nimitz (U.S. Navy)

O valor militar de qualquer na- do navio, ou seu poder de manter vio destinado para fins da guerra uma guarnição em saúde normal depende em grande parte dos se- e em condições de peleja. guintes factores: C – Invulnerabilidade, ou o po- A – Communicação, ou poder de der de resistir um ataque. transmittir e receber informações D – Poder offensivo, ou o poder ou ordens de combate antes ou de dar um decisivo golpe quando durante o contacto com o inimigo. em contacto com o inimigo. B – Mobilidade, ou o poder de Comparando-se o valor militar mover-se rapidamente de um pon- do submarino ou submersivel com to a outro em todas as condições o moderno encouraçado, vemos de tempo. Neste factor póde ser que cada um tem o seu distincto e incluida a condição de habitação determinado valor; o encouraça-

RMB4oT/2016 241 ACONTECEU HÁ CEM ANOS do devido ao seu modo de agir e submarina do futuro augmentará ás suas condições de navio, póde mais rapidamente do que para a operar em pontos onde os subma- embarcação navegando na superfi- rinos ou submersiveis modernos cie, vemos que aquella preencherá ainda não possam ir, devido tão perfeitamente as condições de mo- sómente á sua falta de mobilidade. bilidade, senão melhor do que esta. Por outro lado, não entrando em (...) consideração com o factor da mo- (Trad. de C. Lavigne – Capitão- bilidade, que para a embarcação -Tenente)

A FALLENCIA DA UNIDADE DE DOUTRINA NA GUERRA NAVAL* (RMB, mar/1917, p. 565) Armando Burlamaqui – Capitão de Fragata

Relutei bastante no modo de que deve guiar os profissionaes em traduzir as minhas observações estudos technicos. sobre a guerra naval, e relutei O que se conhece officiosamente ainda mais no titulo a dar-lhes. da grande guerra nos habilita, en- A preferencia sobre o titulo tretanto, a assegurar a fallencia de adoptado explica sufficientemente uma unica doutrina na conducta a que criterio subordinei as mi- da guerra. nhas observações. Anterior a esta guerra, domina- O titulo rival – “As metamor- va em todos os estados maiores a phoses da guerra no mar” – impu- necessidade de uma doutrina. nha-me a obrigação de detalhes, A unidade de doutrina sobre a de confronto minucioso, de estudo conducta da guerra era condição parallelo, que a carencia de infor- indispensavel para a victoria. mações exactas não me permitte Não se podia comprehender es- ainda fazer, não obstante a abun- tado maior sem uma doutrina, dancia dos dados e elementos que a sua doutrina, dentro da qual já illustram os factos da grande deviam mover-se chefes e officiaes. guerra. A grande missão do estado maior Estes elementos, porém, não era preparar a força para agir de possuem o cunho official, unico accôrdo com a sua doutrina, a dou-

* O presente artigo é reproduzido do “Jornal do Commercio”, desta Capital, a pedido e sobre a exclusiva responsabilidade do seu illustrado autor. Em opposição ás idéas nelle expostas, publicamos logo em seguida ao mesmo e na ordem em que nos chegaram ás mãos dois outros artigos igualmente dignos de leitura attenta e do maior interesse por parte de todos os nossos camaradas a quem directamente affecta o importantissimo assumpto. – N.R.

242 RMB4oT/2016 ACONTECEU HÁ CEM ANOS trina official, que devia presidir O fetichismo pela unidade de a conducta das operações, tanto doutrina acabou por dominar to- no dominio estrategico como no dos os espiritos, em toda a parte. campo tactico. Marinha que não fosse governa- Em busca desta doutrina, da da por doutrina, na qual imperas- doutrina verdadeira, labutavam se uma doutrina, em que o corpo de com esforço todas as forças vivas de officiaes não tivesse a unidade da uma marinha. Para que ella tomasse doutrina, seria fatalmente vencida corpo, tivesse existencia garantida, pela rival, que agisse em obedien- formou-se a Escola de Guerra Naval, cia ás regras fixas e indiscutiveis por nós impropriamente chamada da doutrina. Escola Naval de Guerra. A guerra seria conduzida exclu- O fim desta escola de altos estu- sivamente segundo a orientação dos navaes era e é pregar uma dou- doutrinaria do estado maior. Este trina, propagar a doutrina julgada guiaria os chefes da força naval em indispensavel à conducta efficaz da operações, deixando-lhes tão somen- força naval em campanha. te a execução summaria dos proble- As ordenanças e regulamentos mas préviamente estabelecidos. teriam de prescrever em suas dis- A doutrina official que estaria no posições os principios capitaes da conhecimento de todos os officiaes, doutrina unica. previa, provia tudo, tudo resolveria. O espirito da officialidade tinha Achava-se que o mundo naval de estar imbuido das regras essen- dominado por esta concepção, ciaes da doutrina acceita e impos- quando surge esta grande guerra. ta pelo estado maior, de accôrdo Aos primeiros choques da luta, com os professores da Escola de a unidade da doutrina fallio. Os Guerra Naval, e as suas theorias. principios por ella preconizados, A esquadra agiria segundo a as regras estabelecidas, a conducta doutrina sagrada. da guerra por ella traçada, abri- As instrucções para exercicios, ram fallencia. os themas para manobras, a Em vez da doutrina unica, que conducta da guerra, tudo, enfim, formaria a unidade de acção, veio devia ser traçado em obediencia á ter applicação a pluralidade de doutrina. E o era. doutrinas com o corollario imme- Não se comprehendia um mo- diato da diversidade de conducta vimento de força em discordancia da guerra. com a doutrina. A mais completa liberdade de Nos actos administrativos a iniciativas succedeu á obediencia doutrina official projectaria tam- passiva aos preceitos da doutrina bem a sua sombra, sem o que tudo official, e isto porque encontrou estaria errado. a mentalidade dos belligerantes

RMB4oT/2016 243 ACONTECEU HÁ CEM ANOS affeita a todas as doutrinas, e pude- A conducta da guerra não com- ram os estados maiores libertar-se porta fixidez de preceitos e regras. com promptidão dos mares de uma A guerra tem de ser feita segundo unica doutrina, da famosa unidade condições e circumstancias que não de doutrina, que só subsiste nos podem ser traçadas de antemão. principios capitaes, de ser mais Não póde, portanto, ser condu- forte que o adversario no momento zida segundo os bons principios dado e no ponto opportuno. de uma unica doutrina, mas deve A guerra veio provar que nenhu- ser guiada pelos sãos principios de ma doutrina tem em si o poder da todas as doutrinas. victoria. (...)

O FETICHISMO DA DOUTRINA* (RMB, mar/1917, p. 575) Firmino C. Santos

O illustre commandante Ar- me convenceu o seu minucioso mando Burlamaqui, no seu bem estudo. architectado ar- Ha, porém, um tigo – A fallencia preambulo que se da doutrina na A Escola é Naval de impõe, antes de guerra naval**, Guerra e nunca de entrar no assump- editado no “Jor- Guerra Naval, porque to capital. nal do Commer- desta nada existe senão O titulo appos- cio” de 5 do cor- to á nossa Escola rente, procurou o campo maritimo, como Supperior de arte demonstrar que um outro theatro de lutas. militar da guerra, tudo quanto de A guerra é e será em todos na sua parte ma- ha feito no do- ritima, foi, a meu minio da “arte os tempos uma só e unica, ver e em minha da guerra” sob o variando o taboleiro de fraca mentalida- imperio de uma sua acção, conforme os de, perfeitamente “doutrina” ruio, factores em jogo escolhido. A Es- em face da con- cola é Naval de flagração actual. Guerra e nunca de Não concordo com S. S., e Guerra Naval, porque desta nada procurarei dizer porque não existe senão o campo maritimo,

* Publicado no Imparcial de 9 de Março. ** E o que ora vem publicado nesta revista sob o titulo “A fallencia da unidade de doutrina na guerra naval”.

244 RMB4oT/2016 ACONTECEU HÁ CEM ANOS como um outro theatro de lutas. só: Exercito e Marinha são os seus A guerra é e será em todos os tem- instrumentos. pos uma só e unica, variando o Não creio justificada a expro- taboleiro de sua acção, conforme bração do illustre commandante os factores em jogo. A. Burlamaqui ao titulo da nossa Ela se desdobrará em campanhas Escola Superior. Ella é, repito, Na- terrestres e campanhas maritimas, val de Guerra, porque, frequentada de accordo com o desenrolar dos por officiaes de Marinha (o que não factos, não sendo raro, nas guerras impede que officiaes do Exercito a passadas, bem como na que assisti- frequentem para o estudo das opera- mos, acções em que entram os dois ções combinadas, expoente maximo elementos combinados, com o em- da arte da guerra, e para formação prego conjuncto das forças militares de uma “doutrina”) tem por objec- terrestres e maritimas. tivo facultar-lhes o estudo mais Houvesse uma guerra entre a acurado das campanhas maritimas Suissa e qualquer das nações fron- de cada guerra havida. Ella não se teiriças e todas as batalhas teriam resume sómente no conhecimento um unico theatro e a campanha das campanhas maritimas e no es- seria terrestre: o estado de guerra, tudo das batalhas navaes. Tambem ou melhormente a guerra, existiria se estudam, ou se devem estudar, entre os dois belligerantes, se bem as campanhas terrestres, as gran- toda a acção devesse desenrolar-se des acções guerreiras havidas nos em pleno continente. campos de batalhas terrestres e Uma guerra que estalasse entre preferentemente aquellas em cujo a Inglaterra e o Japão, provavel- desenvolvimento entraram as duas mente se decidiria, de preferencia, forças combinadas. no mar e não em terra: a guerra, Guerra naval é uma expressão porém, seria sempre a guerra, em- impropria sem base racional, bora a campanha fosse essencial- tomando-se a parte pelo todo, e mente maritima e as principaes que vive porque relaxamos a boa batalhas navaes. applicação das expressões e dos Entre o Japão e a Russia houve vocabulos, ou por um effeito do me- a guerra de 1904 que teve por ac- nor esforço. É um caso “simile” ao ção os dois theatros: o terrestre e o das cartas maritimas, que sendo maritimo, e as campanhas terres- uma só a geral e todas as outras tres e maritimas se decidiram com particulares, chamamos, ainda acções em terra e no mar. assim, carta geral do Brasil, do Dahi se infere, como logicamen- Atlantico Norte e outras. te demonstrou, na Escola Naval de A meu ver, denominarmos Es- Guerra, o commandante Liberato cola Naval de Guerra tem inteiro Bittencourt, que a guerra é uma cabimento e nunca o erroneo titulo

RMB4oT/2016 245 ACONTECEU HÁ CEM ANOS de Escola de Guerra Naval. Nada a “sem razão”, quando diz que a teria que oppor se dessem o nome “doutrina na guerra naval fallio”. de Escola ou Curso de “campanhas Porque? – pergunto eu. Para ar- maritimas” ou mesmo de “batalhas gumentar, porém, eu estabeleço navaes”. Neste caso significaria que o meu modo de ver, suppondo o seu objectivo era estudar as campa- que o illustre commandante haja nhas maritimas e as acções navaes escripto: “A fallencia da doutrina das guerras havidas e nas quaes o na campanha naval da presente mar foi um dos theatros da contenda. guerra.” Como denominarmos á Escola de Peza-me dizer que S. S. edificou Estado Maior do Exercito? Estará para seu uso a doutrina de que o titulo errado? Será mais proprio a “doutrina” na arte da guerra denominal-a “Escola de Guerra substituio tudo que antigamente Terrestre”? Não creio haja quem dividiamos em, “grosso modo”, acceite tal nome. E que estudam estrategia e tactica, tanto que nella? Frequentada por officiaes do firma como principio basico de Exercito é justo que ahi predomine “doutrina” o que sempre admit- o estudo das campanhas terrestres timos como preceito maximo da e dos combates travados na parte estrategia, subsistindo atravez do solida do globo. Nem por isso, toda- tempo e do espaço: ser mais forte via, estão os alumnos prohibidos de que o adversario no momento dado estudar as campanhas maritimas e no ponto opportuno (sic). e as grandes acções navaes, não “Ser mais forte nem sempre quer sendo menor a attenção dada ás dizer ser maior em numero, e a boa operações combinadas de terra e concepção da maxima indestruc- mar. Escola Naval de Guerra ou tivel que é, quando acceita sem Escola Militar de Guerra (titulo relutancia e praticada por todos acceitavel) em ambas se estuda os chefes e subordinados, leva-os a “guerra” nas suas duas moda- ao “endoutrinamento” isto é, á lidades: campanhas terrestres e assimilação da “doutrina”. campanhas maritimas. Facil é o acceitar-se o princi- Parece-me o bastante para de- pio referido; mas difficilimo é fender plenamente a propriedade que todos os chefes e sub-chefes do titulo de “Escola Naval de pratiquem-no “conscientemente” Guerra”. e saibam realizal-o no ponto dado e no momento opportuno. Este é o A “doutrina” papel da “doutrina”. Não é crear um dogma um credo, tão infallivel Rejeitando “in limine” a ex- como o da Egreja Catholica, mas pressão “guerra naval” eu devera trazer todos os individuos ao regi- concluir que da parte de S. S. está men uniforme de comprehender e

246 RMB4oT/2016 ACONTECEU HÁ CEM ANOS praticar os mesmos principios, di- A “doutrina”, propriamente, não fferenciando-os para cada nação. se resume no modo de conduzir a O exemplo typico do que é “dou- guerra, mas no todo do problema trina” é aquelle que permittiu nacional, e é estabelecida desde aos allemães e aos francezes es- os primeiros passos dados para tabelecerem-se uma “doutrina”, definir claramente qual é o objec- extractificando-a das campanhas tivo politico do Estado, nas suas napoleonicas”. relações internacionais. Quer dizer A prevalecer a these do illustre que a “doutrina” para cada nação commandante Burlamaqui, fran- é a resultante das multiplas e va- cezes e allemães deveriam ter um riadas possibilidades de guerra mesmo systema de “fazer a guer- que ella possa ter com toda e qual- ra”, ou seja a mesma “doutrina”, quer outra nação e mesmo com os pois S. S. a quer invariavel. aggrupamentos provaveis. A “doutrina de guerra”, como Por isso é que a “doutrina de a comprehendo eu, não é difficil guerra” de qualquer paiz, deve ser assentar-se, não é rigida nem im- assentada para casos concretos, mutavel, não póde ser uma unica admittindo-se as variações prova- para todos os casos e só tem uma veis e estudando-se a “offensiva” grande e difficilima barreira a e a “deffensiva” para cada caso vencer, que é trazer todos os indi- especial, a fim de se obter a sua viduos á mesma concepção do pro- maxima vantagem: “endoutrinar” blema politico-militar da nação. os chefes e os subordinados de Dahi outra conclusão evidente: a modo que, sem lhes quebrar a ini- “doutrina de guerra” de um paiz ciativa, permitta por parte delles não interessa sómente aos indivi- a observancia fiel, mas não servil, duos das classes militares, mas a do que está approvado e acceito. todos os cidadãos. (...)

A DOUTRINA NA GUERRA NAVAL (RMB, mar/1917, p. 583) Frederico Villar – Capitão de Corveta O senhor Capitão de Fragata desta cidade, no qual pretendeu Armando Burlamaqui, a quem, provar a fallencia da unidade de interessantes trabalhos publi- doutrina na guerra naval. cados nesta Revista e em varios Se bem que os argumentos do periodicos nacionaes, dão re- nobre Commandante já tenham nome de estudioso e illustrado, sido vantajosamente refutados surprehendeu-nos com um longo pelo habil Capitão-Tenente Fir- artigo no “Jornal do Commercio” mino dos Santos, pelo “O Impar-

RMB4oT/2016 247 ACONTECEU HÁ CEM ANOS cial”, julgo, todavia, do meu dever S. S. reconhece que “anterior a contrariar as suas idéas, das esta guerra, DOMINAVA em todos quaes transparece um provavel os Estados Maiores a necessidade desconhecimento da significação de uma doutrina, necessidade que da “unidade de doutrina” e do va- na opinião do nosso presado Com- lor do “endoutrinamento” de uma mandante, “desappareceu inteira- Marinha, – alma de sua orientação mente... sem que de tal cousa, no scientifica e synthese do seu prepa- entanto, ao que parece, se tenham ro para a guerra. appercebido os referidos Estados O digno Commandante des- Maiores... virtuou com a “magie des mots “A unidade de doutrina sobre a la magie des chiffres” e, como diz conducta da guerra, diz elle, “ERA” Daveluy, “veut habiller la Marine condição indispensavel para a vic- á sa façon”, quando S. S. não póde toria. Não se “PODIA” comprehen- ignorar que “a sound, comprehen- der Estado Maior sem doutrina, sive, all-pervading doctrine of war dentro da qual “DEVIAM” mover- is as important to a navy as its -se chefes e officiaes”... organisation”, como ficou ampla- “A grande missão do Estado mente provado pelo Commander Maior “ERA” preparar a força Dudley W. Knox, no seu notavel para agir de accordo com a sua trabalho “The role of doctrine in doutrina, “a doutrina official”, que naval warfare”, lido perante o “U. “DEVIA” presidir á conducta das S. Naval Institute”, de Annapolis, operações, tanto no dominio da es- e publicado no “Proceedings” de trategia como no campo tactico”... Abril de 1915. “Em busca desta “doutrina”, Diz S. S. que o “que se conhece da doutrina verdadeira, “LABU- officiosamente da grande guerra, TAVAM” com empenho todas as nos habilita a assegurar a fallen- forças vivas de uma Marinha”. cia de uma unica doutrina na con- Para que ella tivesse corpo, tives- ducta da guerra”! e “D’uma unica se existencia garantida, affirma doutrina na conducta da guerra”, o nosso presado Commandante, ou da “unidade de doutrina” em “formou-se a “Escola de Guerra uma mesma Marinha? São cousas Naval”, por nós “impropiamente” bem diversas – me parece... (?!) chamada “Escola Naval de Percebe-se que, talvez por não Guerra”... ter ainda cursado a Escola Naval “O fim desta Escola, “ERA” e de Guerra, o Commandante Bur- é PREGAR UMA DOUTRINA, lamaqui não tem idéa perfeita propagar a doutrina julgada do que seja “doutrina” e prefére indispensavel á conducta efficaz o esforço improductivo do alar da força naval em campanha”... “d’escacha”, á bôa “lupada”! “Propagar” ou “impôr”?

248 RMB4oT/2016 ACONTECEU HÁ CEM ANOS

“O espirito dos officiaes “TI- E conclue: “AOS PRIMEIROS NHA” de estar imbuido das CHOQUES DA LUTA, A UNI- regras essenciaes da “doutri- DADE DE DOUTRINA FALLIU!” na” acceita e “IMPOSTA” pelo “Os principios por ela preco- Estado Maior, DE ACCORDO nisados, as regras estabelecidas, COM OS PROFESSORES DA A CONDUCTA DA GUERRA, ESCOLA DE GUERRA NAVAL POR ELLA TRAÇADA, ABRIU e as suas theorias”... “Acceita” FALLENCIA!”... ou “imposta”? “E os belligerantes “PUDE- “A esquadra “AGIRIA” segundo RAM” libertar-se com promptidão a “doutrina sagrada”... dos MALES DE UMA UNICA “Não se “COMPREHENDIA” DOUTRINA!”... um movimento de força com dis- “A GUERRA VEIO PROVAR cordancia da doutrina”... QUE NENHUMA DOUTRINA “O fetichismo pela unidade de TEM EM SI O PODER DA doutrina “ACABOU POR DOMI- VICTORIA!”... NAR TODOS OS ESPIRITOS EM TODA PARTE”... *** “Marinha que não FOSSE governada pela doutrina, na A simples leitura dessas “sen- qual NÃO IMPERASSE UMA tenças” no illustre Commandan- DOUTRINA, em que o corpo te, bastará para provar de S. S. de officaes NÃO TIVESSE A está completamente deslocado UNIDADE DE DOUTRINA, e desorientado, no que diz res- SERIA FATALMENTE VENCI- peito ao valor e á utilidade do DA PELA RIVAL, que agisse em endoutrinamento da Marinha e obediencia ás REGRAS FIXAS E ás funcções do Estado Maior – a INDISCUTIVEIS da doutrina”... “ALMA DOS SERVIÇOS” – na Quaes são essas regras “fixas e paz e na guerra! indiscutives”?! O nobre Commandante avançou “A guerra “DEVIA” ser condusi- proposições sem a menor exactidão da segundo a orientação do Estado scientifica, nega verdades indiscu- Maior! Este “GUIARIA” os Chefes tiveis, embrenha-se confusamente da força naval em operações, dei- pelos dominios da tactica e põe em xando-lhes “TÃO SOMENTE” a duvida os principios que sempre execução summaria dos problemas predominaram e predominarão estabelecidos”. eternamente em todas as guerras! “ACHAVA-SE O MUNDO NA- Em todos os tempos – OS QUE VAL DOMINADO POR ESTA SE AFASTARAM DA DOUTRI- “FALSA” CONCEPÇÃO, quando NA FORAM VENCIDOS PELOS surge esta grande guerra”... QUE A ELLA SE CINGIRAM!

RMB4oT/2016 249 ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Mas ninguem jámais affirmou sente e será eternamente no futuro, que doutrina alguma “tem em si emquanto a victoria depender dos o poder da victoria” – o que seria factores que em tão alto gráo ca- absurdo! racterisaram os grandes chefes mi- A simples leitura dos classicos, litares de todos os tempos – todos criticos da historia naval, e ou- orientados, infallivelmente, pelos tros autores dos altos estudos que mesmos principios que definem a caracterisam o programma das UNIDADE DE DOUTRINA! Escolas Navaes de Guerra, mostra (...) os erros palmares em que labuta o “Hoje uma armada se decompõe Commandante Burlamaqui, cujo em esquadras, QUE AGEM AFAS- artigo não nos julgariamos no TADAS UMAS DAS OUTRAS, dever de refutar se não o vissemos ligadas entre si pelo “principio” agora entregue a esta Revista, que unico e verdadeiro de “correr ao além de ser de caracter official é a fogo e pratical-o com o maximo expressão do cultivo intellectual e dos seus recursos no ponto em que do preparo technico da Marinha estiver”. (?!!) do Brasil. Isso é positivamente “kolossal”! No nosso modo de ver, as idéas Não são menos bizarras as do illustre Commandante são dis- suas appreciações sobre a bata- solventes e altamente perniciosas! lha da Jutlandia, onde, ao con- Esposal-as, importaria em tor- trario do que S. S. affirma e na nar inutil a existencia da mais opinião de um dos nossos mais bella das nossas instituições na- illustres officiaes* “de accordo vaes – a Escola Naval de Guerra com a equação do successo, se o – que é o berço das idéas discipli- factor “material” dos Allemães nadas pelo endoutrinamento, cujo era inferior e o factor “moral” proveito se pretende negar! igual, foi incontestavelmente a A justificação da necessidade de preponderancia do factor “in- um conjuncto de doutrinas funda- tellectual”, REPRESENTADO mentaes, as opiniões dos grandes PELO “COMMANDO” E PELA mestres, tão brilhantemente re- “DOUTRINA”, que lhes permittio sumidas por DARRIEUS na sua feito tão brilhante: Von Hipper magistral “La guerre sur mer” manobrou de accordo com a bôa (“La doctrine”), de nada valem na doutrina e, mesmo não querendo opinião do Commandante Burla- apurar “quem venceu em Jutlan- maqui, que conjuga no passado o dia, somos, entretanto, forçados que a Historia transmittio ao pre- a reconhecer que os Allemães

* “Theses curtas” do Capitão-Tenente Nobrega Moreira, Escola Naval de Guerra após a analyse de batalha no taboleiro do “jogo da guerra”.

250 RMB4oT/2016 ACONTECEU HÁ CEM ANOS d’ella se sahiram como não se damente – as suas opiniões. Não podia prever, dada a sua enorme podemos concordar com S. S. inferioridade material”! Não foi “a unidade de doutrina” Terminamos aqui para não que “fallio”! abusar da bondade dos leitores, Falliram, sim, os argumentos agradecendo, muito sinceramente, com que o estimavel Commandan- ao Commandante Burlamaqui te pretendeu provar tão abstrusa a sua benevolencia, permittindo- asserção! -nos contrariar assim – tão ousa- Isso, senza rancore...

REVISTA DE REVISTAS

JANEIRO/FEVEREIRO – 1917 tambem delineados planos para a construcção de diques fluctuantes CONSTRUCÇÃO DE NAVIOS pelo methodo previlegiado de Mr. DE CONCRETO – Encontramos Fougner. Consta que Mr. Fougner no “Shipping Illustrated” de vem a Nova York nos principios Nova York, de 23 de Setembro do anno vindouro afim de formar do corrente anno, o que se segue uma companhia semelhante para o referente á construcção de navios seu previlegio na America, conjuc- de concreto, o que, por acharmos tamente com o seu irmão em Nova curioso, transcrevemos: York e com Mr. A. C. Holzapfel. O – “Annunciou-se na semana pro- primeiro annuncio, feito em con- xima passada que havia chegado nexão com a chegada do primeiro a Christiania, do estaleiro cons- navio de concreto a Christiania, fez tructor, um navio de concreto. Esse parecer que era a primeira vez que navio, conforme estamos agora in- um tal navio era visto. O Bureau formados por Mr. A. C. Holzapfel, de Navegação, Departamento do foi construido por uma companhia Commercio, entretanto, assignala organisada na Noruega pelo seu ir- que as chatas A. S. e G. Co. ns. 33 mão Mr. Max Holzapfel afim de ex- e 36 foram construidas em concreto plorar o previlegio de Mr. Fougner, em Fairfield, Maryland, respectiva- um joven engenheiro norueguez. Ao mente em 1912 e 1913 por “Arundel todo, seis navios foram construidos Sand & Gravel Co”, de Baltimore, no estaleiro de construcção naval, Maryland. Esses navios medem em Moss, Noruega, o qual foi ad- approximadamente 112 pés de quirido pela companhia, tendo comprimento e 28 pés de bocca e sido firmado um contracto para a accredita-se que tenham sido os construcção de um navio de alto primeiros navios construidos de mar de 3.000 toneladas. Foram concreto. O n. 66 foi abandonado

RMB4oT/2016 251 ACONTECEU HÁ CEM ANOS como incapaz para o serviço nos para os 20 compartimentos, como principios do corrente anno e o n. também por 20 pilares de 6 polle- 33 ainda está em serviço. Apresen- gadas quadradas, estando cada tamos aqui uma photographia da um d’elles collocado no centro de chata de concreto acima referida*. cada compartimento. Quando a Ellas teem uma capacidade para primeira embarcação de concreto carga de cerca de 500 toneladas appareceo, disseram que o preço e calam 4 pés e 9 pollegadas em foi mais elevado que seriam os das lastro. O fim para o qual ellas subsequentes, por causa do preço foram construidas foi para remo- da construcção dos modelos, mas ção de area e cascalho da bahia. que usando os modelos originaes, As quinas do casco, como se pode agora em mãos, poderão ser cons- ver na gravura, são arredondadas truidas outras embarcações muito em logar de serem quadradas. O mais baratas do que com madeira. casco do navio tem cavilhadas em Como, entretanto, só uma outra seu bordo e nas suas extremidades embarcação foi construida n’este fortes vigas de madeira que prote- paiz, os dados sobre tal assumpto gem a sua estructura de concreto. são um pouco insufficientes”. Na construcção da embarcação foi adoptado o methodo identico ao GAZES ASPHIXIANTES E empregado nas construcções terres- PROJECTIS INCENDIARIOS – tres. O reforço consiste em barras a “Revista Militar” de Lisboa, tra- de ferro variando entre 1/4 e 1/8 duzio do “Memorial de Ingenieros de pollegada de diametro e que del Ejercido” o seguinte artigo que, são tecidas como uma rede. Para por muito interessante, por nossa dar resistencia á embarcação e ao vez reproduzimos: mesmo tempo augmentar o seu va- Os gazes venenosos empregados lor para o mar o interior é dividido pelos alliados e allemães consti- em 20 compartimentos, na entrada tuem uma nova munição de guer- de cada qual existe uma escotilha ra que, sem duvida alguma, não no convez. As paredes lateraes da se deve considerar muito nobre, embarcação teem 4 pollegadas de quando uns e outros accusam o grossura, as extremidades teem 6 adversario de ter sido o primeiro a pollegadas, o fundo tem 6 polle- utilisal-a para pôr fóra de combate gadas e o convez ou coberta tem um bom numero de homens. 3 pollegadas. A cobertura é sup- Em 23 de Abril de 1915, o gran- portada não só pelas paredes de 6 de quartel allemão dava conta do pollegadas que formam as divisões ataque que, no dia anterior, havia

* N.R.: Foto não reproduzida aqui. A revista original encontra-se à disposição na Biblioteca da Marinha.

252 RMB4oT/2016 ACONTECEU HÁ CEM ANOS emprehendido contra as posições de dos submarinos inglezes, ou então N e NE. de Ipres. Um avanço de 9 um telegramma de Roma portador kilometros, a tomada do desfiladei- de noticias de algum encontro en- ro de Steentraat, no canal daquelle tre pequenas esquadras alliadas nome, a de 4 povoações, e por fim a franco-italiana e alguma força captura de 1.600 prisioneiros e 30 austriaca e particularmente nós canhões, foi o resultado obtido pelos estamos plenamente convencidos allemães no seu brioso avanço. da collaboração tão francamente O estado maior francez, ao dar dada pelos couraçados e cruzado- conta do facto, confirmando a res francezes os quaes participaram noticia, accrescentava que os al- dos trabalhos e perigos da nossa lemães haviam empregado abun- propria frota nos Dardanellos. dantemente bombas asphyxiantes, Apezar do plano geral designado cujos effeitos se fizeram sentir a para a frota de cada um dos nossos 2 kilometros á retaguarda das valentes alliados as informações linhas dos alliados; um espesso teem sido muito insufficientes, fumo amarelento, que partia das mas os artigos que constituem os trincheiras allemães, foi impellido capitulos VI a IX do “The Annual” pelo vento norte reinante e produ- preenchem esta lacuna. ziu nas tropas um completo effeito A Liga tem sido realmente feliz de asphyxia que se estendeu até ás em alistar os serviços de um corpo posições de 2ª linha. de collaboradores cujos requisitos para o trabalho estão fora de du- MARÇO/1917 vida, como sufficientemente appa- recerá no registro dos titulos dos A PARTE TOMADA PELAS diversos capitulos que se seguem: FROTAS ALLIADAS NA GRAN- Capitulo VI A Marinha Franceza DE GUERRA – Da “The Nautical na Guerra, 1914-1916 (coordenado Magazine”, de Glasgow, extrahi- pela Direcção do Estado-Maior de mos o seguinte: Guerra Naval Francez). Capitulo “Não menos importante foi o va- VII A Marinha Russa na Guerra lioso serviço prestado pelo “Annual (Um official da Marinha Imperial of the Navy League” (1915-1916), Russa). Capitulo VII A Marinha recentemente publicado, em relação Italiana e a sua atitude na Guerra com o trabalho effectuado pelas fro- (R. Mazzinghi, contra-Almirante tas das forças alliadas em diversas da Marinha Real Italiana). Ca- partes do mundo. Constantemente pitulo IX Um curto esboço das chegam noticias de Petrograd de operações navaes imperiaes Japo- successos obtidos no Baltico por nezas na Guerra (Um official da couraçados ou cruzadores russos, Marinha Japoneza). secundados pelos brilhantes feitos (...)

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Esta seção tem por propósito levar ao conhecimento dos leitores matérias que tratam de assuntos de interesse marítimo, contidas em publicações recebidas pela Revista Marítima Brasileira e pela Biblioteca da Marinha. As publicações, do Brasil e do exterior, são incorporadas ao acervo da Biblioteca, situada à Rua Mayrink Veiga, 28 – Centro – RJ, para eventuais consultas.

SUMÁRIO (Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃO ENTREVISTA Coordenador-geral do Prosub fala à T&D (256)

ÁREAS CANAL O “novo” Canal do Panamá (256)

ARTES MILITARES ESTRATÉGIA Análise Estratégica do Conflito no Mar da China Meridional (258)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA SENSOR Satélites de observação terrestre na América do Sul (259)

FORÇAS ARMADAS ADESTRAMENTO A 25a versão do maior exercício naval do mundo (260) FORÇA NAVAL Forças navais na América do Sul (261) SUBMARINO ICN integra tecnologia 3D para construção de submarinos (261) Um programa gigante para um país continental (262) REVISTA DE REVISTAS

HISTÓRIA HISTÓRIA DOS EUA A origem da “Mensagem a Garcia” (263) Washington: Um olhar do Império sobre a Guerra Civil Americana, 1861-1862 (264)

VALORES ÉTICA Comandantes valentes, ou não... (265)

RMB1oT/2017 255 REVISTA DE REVISTAS COORDENADOR-GERAL DO PROSUB FALA À T&D (Tecnologia & Defesa – T&D, ano 33 – no 147, p. 24-26)

O artigo apresenta detalhada entrevista de Defesa. A concretização do programa concedida pelo Almirante de Esquadra fortalece, ainda, setores industriais na- (RM1) Gilberto Max Roffé Hirschfeld, cionais de importância estratégica para coordenador-geral do Programa de De- o desenvolvimento econômico do País. senvolvimento de Submarinos (Prosub) da Priorizando a aquisição de componentes Marinha do Brasil (MB). fabricados no Brasil para os submarinos, Nascido de um acordo de transferência de o Prosub é um forte incentivo ao parque tecnologia entre Brasil e França, em 2008, o industrial nacional. programa viabilizará a produção de quatro Além dos cinco submarinos, o Prosub submarinos convencionais, que se somarão à estabelece a construção de um complexo frota de cinco submarinos já existentes. Cul- de infraestrutura naval, que engloba o Esta- minará na fabricação do primeiro submarino leiro e a Base Naval (EBN) e a Unidade de brasileiro com propulsão nuclear. Fabricação de Estruturas Metálicas (Ufem), O Prosub vai dotar a indústria brasileira no município fluminense de Itaguaí. de defesa com tecnologia nuclear de ponta, Na entrevista, o Almirante Max aborda conforme destacado na Estratégia Nacional suas responsabilidades no Prosub; os ga- nhos tecnológicos que o progra- ma proporcionará à MB; o con- trole dos investimentos públicos nesse vultoso empreendimento; e a face socioambiental do pro- grama, com ações em prol da recuperação do meio-ambiente marinho na Baía de Sepetiba e daquelas voltadas para a quali- dade de vida da população da municipalidade. O entrevistado finaliza explanando o planeja- mento para formação das tripu- Coordenador-Geral do Prosub, Almirante de Esquadra (RM1) Max lações dos novos submarinos.

O “NOVO” CANAL DO PANAMÁ Jorge D’Almeida* (Revista de Marinha, Portugal, novembro/dezembro 2016, no 994, p. 26-28)

Neste artigo, o autor analisa a importân- Portugal. O Canal sofreu um processo de cia do novo Canal do Panamá, inaugurado alargamento e ganhou novas eclusas, o que com pompa em 26 de junho de 2016, e o passou a permitir a navegação para navios seu impacto na Europa, especialmente em de maior porte e em maior quantidade diária.

* Consultor.

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Trânsito pelo Canal do Panamá

Esse alargamento consistiu na constru- do que a expansão realizada se justifica, ção de uma eclusa em Gatun e outra em sobretudo, pelo mercado norte-americano. Miraflores, além de dragagens em vários Ele observa também que o aumento da pontos, passando a permitir o trânsito capacidade dos navios irá gerar economias de navios com dimensões máximas de de escala com redução do frete marítimo, 366 metros de comprimento, 49 de boca criando maior concorrência ao transporte e 15 de calado. Os maiores navios que ferroviário. Para ele, os principais portos passaram a transitar pelo Canal vêm das costas leste e sul dos Estados Unidos sendo denominados neopanamax, numa da América (EUA) deverão investir em associação aos antigos panamax. O tempo dragagens e acessibilidades diante desse médio de trânsito pelo Canal é de cerca cenário novo. de 12 horas, e seu complexo sistema de Ao final, o autor, além de sucintamente eclusas visa equalizar a diferença de analisar os impactos das novas possibili- nível de cerca de 20 cm entre o Mar do dades representadas pelo alargamento do Caribe e o Oceano Pacífico e permitir aos Canal no tráfego mercante para a Ásia, navios vencerem a elevação de cerca de Europa, Costas dos EUA, Oriente Médio 26 m acima do nível do mar do Istmo do e outras regiões, estuda especificamente Panamá. As mudanças realizadas permi- Sines, em Portugal, único porto Atlântico tiram duplicar para aproximadamente 70 da Península Ibérica que funciona como navios por dia a capacidade de trânsito hub, onde espera efeitos positivos, “quer pelo Canal. na reorganização dos tráfegos existentes, Dentre outros dados, D’Almeida analisa quer, sobretudo, na abertura de novos mer- a quantidade e o tipo de cargas que lá tran- cados, tornados mais competitivos com o sitam e sua origem e seu destino, concluin- alargamento do Canal”.

RMB1oT/2017 257 REVISTA DE REVISTAS ANÁLISE ESTRATÉGICA DO CONFLITO NO MAR DA CHINA MERIDIONAL* Luis Andrés Silberberg Schovelin** (Revista de Marina, Chile, edição no 5/2016, p. 32-39)

Este artigo proporciona uma análise lograr soberania sobre as ilhas, recifes e estratégica das atuais tensões no Mar da águas desse Mar terá acesso a essas enor- China Meridional e busca identificar a mes reservas de energia”, afirma. A China intenção estratégica da China na região, se tornou o segundo maior importador de estabelecendo uma visão geral da manei- petróleo do mundo e se prevê que essa de- ra como o país vem dando forma à sua manda aumente nas próximas décadas. Ter narrativa naquela área. Propõe, ainda, livre acesso a essas reservas é fundamental uma estratégia alternativa com o pro- para a segurança energética do país. Além pósito de contribuir para a proteção da desse aspecto, o autor cita o transporte estabilidade, segurança e prosperidade marítimo e a sua necessidade de controle naquele Mar. do mar para evitar transtornos ao comércio Segundo o autor, as reivindicações chi- por via marítima e a proporção significativa nesas de soberania no Mar Meridional são de recursos de pesca extraídos na região, vistas como nucleares de seus interesses fundamentais para a política de segurança nacionais e, assim, é presumível que o país alimentícia nacional. não tolere disputas territoriais regionais e Sob o enfoque militar, o Mar da China que possa usar de força para defender esses Meridional é entendido por Beijing como interesses. Ele divide em dois âmbitos os uma buffer zone (zona de amortização), interesses estratégicos chineses: o econô- pois é considerado que o controle desse Mar mico e o militar. poderia criar barreira militar de proteção, No âmbito econômico, Schovelin cita mitigando futuras ameaças militares: um a existência de 105.000 bilhões de barris bloqueio comercial contra a China só pode- de reservas de hidrocarbonetos no Mar ria ser alcançado por meio do controle desse da China Meridional. “Quem controlar e espaço marítimo, é parte do pensamento predominante. Ademais, esse controle permitirá ao país esta- belecer e desenvolver posições militares estratégicas a partir das quais poderá projetar forças militares contra adversários re- gionais ou externos. A presença militar chinesa na região tem o propósito estratégico de negar o acesso e dificultar atividades militares estrangeiras na área. A dissuasão é a chave da sua Conflito no Mar da China Meridional estratégia regional.

* Análise extensa sobre este assunto pode também ser encontrada em artigo do Capitão de Mar e Guerra (Refo) Fernando Malburg da Silveira, publicado na RMB V. 131 no 10/12 – out./dez. 2011. ** Capitão de Mar e Guerra (Chile) e membro do Royal College of Defence Studies (UK).

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O autor prossegue analisando os meios existentes e finaliza seu artigo apresen- que vêm sendo adotados pela China para tando proposta de estratégia global para a alcançar seus objetivos nacionais, aspectos solução de controvérsias no Mar da China do Direito Internacional ligados às questões Meridional.

SATÉLITES DE OBSERVAÇÃO TERRESTRE NA AMÉRICA DO SUL André M. Mileski* (Tecnologia & Defesa, ano 33 – nº 146, p. 78-84)

Este artigo apresenta um panorama dos dados o Venesat-1, comprado da China e programas e projetos de satélites de obser- colocado em órbita em 2008, e o VRSS-1 vação terrestre de sete países da América do (Venezuelan Remote Sensing Satellite), Sul: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, lançado em 2011. Chile, Peru e Venezuela. O autor aborda mais detidamente a situ- Em relação à Argentina, cita, dentre ação do Brasil, citando seu pioneirismo na outras coisas, que o programa daquele país exploração espacial regional, inclusive com é, ao lado do brasileiro, um dos mais avan- sensoriamento remoto a partir do espaço. çados da região. Aborda o desenvolvimento Cita que a estação terrena de imagens de pelo país, no âmbito do projeto SAO-COM, satélite instalada em Cuiabá (MT) foi a de satélites com tecnologia de radar de terceira do mundo, logo após a norte-ame- abertura sintética com capacidade de gerar ricana e a canadense. Mileski percorre todo imagens da superfície independentemente um histórico do desenvolvimento do setor de luz e de cobertura de nuvens. Esse proje- espacial brasileiro, trazendo ao seu texto as to prevê a construção de duas constelações, informações mais recentes, inclusive um cada uma composta por dois satélites. É breve status do campo militar. ressaltada também a intenção de construção de um satélite argentino-brasileiro de infor- mações ambientais marítimas, o Sabia-Mar, que vem sendo discutida desde 1998, mas que recentemente ganhou novo impulso para viabilização. Sobre a Bolívia, a matéria analisa sucintamente o projeto Tupac Katari; em relação à Colômbia, cita a interrupção do desenvolvimento de seu programa de satéli- tes; do Chile é citado o Sistema Satelital de Observación de la Tierra (SSOT), lançado no final de 2011; referente ao Peru, destaca e analisa a aquisição e o lançamento do PeruSAT-1; e sobre a Venezuela são abor-

* Editor adjunto da Tecnologia & Defesa.

RMB1oT/2017 259 REVISTA DE REVISTAS A 25a VERSÃO DO MAIOR EXERCÍCIO NAVAL DO MUNDO Capitão de Fragata (Chile) Sergio Gómez Weber* (Revista de Marina, Chile, edição no 6/2016, p. 20-25)

A importância que o exercício Rim of pode permitir uma futura participação com the Pacific (Rimpac), que significa contorno unidades navais. ou borda do Pacífico, veio adquirindo desde Este artigo da chilena Revista de Marina sua primeira realização, em 1971, se rela- apresenta histórico de países participantes, ciona fundamentalmente com a conversão datas e eventos significativos ao longo da do Oceano Pacífico em centro de gravidade história desse grande evento militar inter- de assuntos mundiais no século XXI. nacional e a tabela aqui apresentada. Esse exercício naval foi iniciado por Analisa ainda, detalhadamente, a parti- poucos países – Estados Unidos, Canadá, cipação chilena, que ocorre desde 1996, e a Austrália, Reino Unido e Nova Zelândia – e contribuição desses exercícios para a polí- tica exterior daquele país. Ao final, o autor tinha como propósito a contenção da expan- apresenta dados relativos ao Rimpac 2016, são comunista para o Pacífico no período da tais como a participação de 27 países, 45 Guerra Fria. Hoje ele se converteu no maior unidades de superfície, cinco submarinos, exercício naval internacional, permitindo mais de 200 aeronaves e de 25 mil militares oportunidade única de adestramento e de das diversas forças armadas. desenvolvimento de relações de cooperação Em sua conclusão, Gómez Weber ressal- para assegurar as linhas de comunicações ta a consolidação do Rimpac como o maior marítimas e a segurança nos oceanos. Além exercício naval do mundo após mais de 45 das Armadas, ele integra fuzileiros navais, anos de existência e como promotor da po- exércitos, forças aéreas e guardas costeiras lítica internacional dos Estados envolvidos, dos países convidados. O Brasil já partici- assegurando o livre uso dos espaços oceâ- pou desse evento como observador, o que nicos em defesa dos interesses nacionais.

Participação 1998 2000 2002 2004 2014 2016 Países 6 7 9 7 23 27 Pessoal 27.000 22.000 11.000 18.000 25.000 25.000 Navios e 64 50 36 47 53 54 submarinos Aeronaves 220 200 26 100 200 + 200 +

Países e meios participantes

* Oficial de Estado-Maior e colaborador daRevista de Marina desde 2015.

260 RMB1oT/2017 REVISTA DE REVISTAS FORÇAS NAVAIS NA AMÉRICA DO SUL Massimo Annati* (Naval Forces, no VI, vol. XXXVII, p.56-60)

Políticas e obrigações sul-americanas Neste artigo, o Almirante Annati apre- apresentam desafios peculiares às suas senta uma abordagem sucinta do status das forças navais. A região é rica em recursos forças navais dos seguintes países: Argen- marítimos como petróleo, gás e pescados, tina, Brasil, Chile, Colômbia, Venezuela, o que exige constante patrulha e vigilância. Uruguai e Peru. Mas as questões de segurança também são Em sua abordagem sobre o Brasil, especifi- muitas, tanto nacionais como transnacio- camente, apresenta um quadro de cortes drás- nais, incluindo o tráfico de drogas e de ticos com diminuição do ritmo de andamento pessoas, a pesca ilegal, atividades crimi- do Programa de Desenvolvimento de Subma- nosas, terrorismo e insurgências. Há ainda rinos (Prosub) e paralisação do Programa de algumas questões de fronteiras e de direitos Obtenção de Meios de Superfície (Prosuper), de exploração, afirma o autor. que pretendia construir no País cinco navios- Assim, é alta a necessidade tanto de -escolta, cinco navios-patrulha oceânicos e um plataformas de combate como de navios navio de apoio logístico. Afirma ainda que a de patrulha e de meios com capacidade construção das corvetas classe Tamandaré é anfíbia. Porém dificuldades orçamentárias incerta e sinaliza que o evento mais importante crescentes vêm forçando cortes ou até da Marinha do Brasil foi a incorporação, em cancelamentos de programas navais lon- 2016, do Navio-Doca Multipropósito (NDM) gamente acalentados nos países da área. Bahia, ex-LPD Siroco, da França.

ICN INTEGRA TECNOLOGIA 3D PARA CONSTRUÇÃO DE SUBMARINOS (Tecnologia & Defesa, ano 33 – no 146, p. 6)

Segundo a matéria, a Itaguaí Constru- Essa metodologia, por refletir os re- ções Navais (ICN), empresa com partici- sultados da programação e execução de pação da organização Odebrecht e partici- serviços na maquete 3D dos submarinos, pante na construção de cinco submarinos além de agregar novos conceitos de 4D para Marinha do Brasil, implantou a meto- (tempo) e 5D (custos), torna tangível o dologia BIM (Built Information Modeling) status de todos os itens de engenharia, no SisEPC-Manufatura, sistema de gestão suprimentos e da programação/sequen- desenvolvido por aquela organização. ciamento das atividades de fabricação e

* Massimo Annati é contra-almirante da reserva da Marinha italiana e a ela serviu por 38 anos, principalmente na área de aquisições de armamento e de cooperação internacional.

RMB1oT/2017 261 REVISTA DE REVISTAS montagem, elevando a produtividade e a âmbito do Programa de Desenvolvimento eficiência operacional. de Submarinos da Marinha do Brasil (Pro- De acordo com o artigo, a citada cons- sub), parte de acordo estratégico entre o trução de cinco submarinos está prevista no Brasil e a França, assinado em 2008.

Tecnologia 3D para o Prosub

UM PROGRAMA GIGANTE PARA UM PAÍS CONTINENTAL REVISITANDO O PROSUB Roberto Caiafa* (Tecnologia & Defesa, ano 33 – no 147, p. 16-23)

Este artigo apresenta, por meio de Como parte do programa, um acordo imagens e texto bastante completo e atual, de transferência de tecnologia foi firmado a evolução do Programa de Desenvol- com a França para a construção de quatro vimento de Submarinos da Marinha do submarinos convencionais e um com pro- Brasil (Prosub). O Prosub, de acordo com pulsão nuclear. E para que isso pudesse ser a matéria, é parte essencial na expansão e materializado, foi construído um complexo no desenvolvimento da indústria de defesa de infraestrutura industrial e de apoio nacional e pretende dotar o País com tec- à operação, englobando os estaleiros, a nologia nuclear atualizada, fortalecendo Base Naval e a Unidade de Fabricação de setores de importância estratégica para o Estruturas Metálicas (Ufem), localizada em desenvolvimento econômico. Itaguaí, a 69 km do Rio de Janeiro (RJ).

* Membro da equipe de reportagem da Tecnologia & Defesa.

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Revisitando o Prosub

O artigo aborda também as dificuldades atrasos e ajustes realizados foram devidos a pelas quais o programa vem passando e as contratempos tecnológicos, tanto no Brasil soluções que pretendem mitigá-las. Cita, como na França. ainda, que a Marinha do Brasil afirma Ao final da matéria é informada a previ- que o cronograma dos submarinos não foi são de que o primeiro submarino convencio- afetado por cortes orçamentários e que os nal seja lançado ao mar em julho de 2018.

A ORIGEM DA “MENSAGEM A GARCIA” Arturo Fuenzalida Prado* (Revista de Marina, Chile, edição no 5/2016, p. 46-49)

“... O mais importante que necessitava origem à tradição de que ordens devem ser a juventude nessa época era a inspiração cumpridas sem questionamentos. pelo amor ao dever, a fidelidade à confian- Já no preâmbulo, o autor ressalva que ça em si depositada, o fazer prontamente, essa compreensão é parte da formação o concentrar todas as suas energias em inicial na Escola Naval de seu país, trans- bem fazer o que há que ser feito, con- mitida dos mais antigos aos mais modernos, cluindo que isso se sintetiza em: ‘Levar a mas que, futuramente, na carreira naval, ela mensagem a Garcia’...”. Esta é a citação é complementada pela compreensão de que inicial deste artigo que analisa o texto indicar o porquê inspira os subordinados “Uma mensagem a Garcia1”, o qual deu a cumprirem a tarefa da forma desejada

* Oficial de Estado-Maior e colaborador daRevista de Marina desde 2009. 1 Calixto Garcia Iñiguez, general do Exército Libertador cubano.

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pelo superior. “Desde nosso ingresso na para que ele bem se desincumbisse da ta- Escola Naval escutamos que ‘Mensagem refa, analisa detalhadamente as principais a Garcia’ significava incentivo a se cum- diferenças que observou entre a versão prir uma tarefa sem que se possuíssem os escrita pelo Almirante Hubbard e a do meios adequados e com poucas orientações, próprio Rowan, escrita em 1922 – Como empregando-se apenas iniciativa e criativi- Levei a Mensagem a Garcia. dade”, afirma Prado. Entre suas conclusões, se destaca que Segundo versão escrita pelo Almirante Fuenzalida Prado considera que a apologia E. Hubbard, comandante do U.S. Marine à iniciativa e à boa disposição de Rowan Corps, e que foi leitura obrigatória pro- retratada em alguns textos não passam de fissional quando o autor era capitão de idealizações de situações que, mais tarde, se corveta, a tarefa original que inspirou o constatou não terem ocorrido. A ordem de levar a mensagem a Garcia não foi recebida texto foi atribuída pessoalmente pelo pre- diretamente do presidente dos EUA, e dela sidente dos Estados Unidos da América constavam todos os detalhes e pontos de (EUA), William McKinley (1897-1901), contato para apoio logístico e de transporte. ao Tenente Andrew Summers Rowan, do Conclui o autor: “A leitura do texto do Exército do país, em 1898, ao ser declarada Tenente Rowan – Como Levei uma Men- guerra à Espanha. Segundo essa versão, sagem a Garcia – nos permite conhecer o presidente teria colocado nas mãos de uma detalhada operação de inteligência Rowan uma carta e dito: “Leve esta men- realizada durante a guerra dos Estados Uni- sagem a Garcia”. Rowan teria escutado em dos com a Espanha, nas Antilhas, que mais silêncio, recebido a carta e se despedido tarde significou sua ascensão a tenente- sem qualquer questionamento. Não teria -coronel porque ‘... fez uma travessia por passado por sua mente perguntar quem era Cuba, esteve com o exército insurgente Garcia e onde o encontrava, por exemplo. junto ao Tenente-General Garcia e trouxe O artigo, além de apresentar um breve informação importante e valiosa para o currículo do protagonista, ressaltando, em governo...’, como ficou consignado em sua especial, as comissões que contribuíram recomendação para promoção”.

WASHINGTON: UM OLHAR DO IMPÉRIO SOBRE A GUERRA CIVIL AMERICANA, 1861-1862 (Cadernos do CHDD*, Ano 15, no 28, 1o semestre/2016, p. 12-545) Fundação Alexandre de Gusmão

O título reúne um conjunto de ofícios Lisboa informa, em sua correspondên- do chefe da Legação Imperial do Brasil cia, como evoluíram os acontecimentos em Washington, Miguel Maria Lisboa. Os que levaram à Guerra. Em seu trabalho documentos datam de 1861 e 1862, perí- de colher informações sobre os diversos odo inicial da Guerra Civil americana – a aspectos da política americana e passá-las Guerra de Secessão. à chancelaria de seu país, o diplomata co-

* Centro de História e Documentação Diplomática, órgão da Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao Ministério das Relações Exteriores. A publicação dos ofícios de Miguel Maria Lisboa sobre a Guerra Civil americana foi iniciada em volume anterior dos Cadernos do CHDD e prossegue em edição posterior a esta, abrangendo o período de 1859 a 1865.

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bre os trabalhos do Congresso, mostra os interesses em jogo e acompanha episódios da Guerra. Junto com os ofícios, foram enviados mapas e um quadro sinótico sobre a evolução do comportamento dos Estados americanos no conflito. “Os ofícios de Lisboa podem acrescen- tar conhecimento à amplíssima literatura acadêmica sobre a Guerra de Secessão, já que, lidos em conjunto, trazem um valioso ‘sentimento do cotidiano’ ao longo de seis anos cruciais para compreender a evolução histórica dos Estados Unidos”, comenta Gelson Fonseca Jr., diretor do CHDD, em sua apresentação ao conjunto documental. Usando fontes jornalísticas e contatos pes- soais para fundamentar seus relatos, que, na avaliação de Fonseca, são de “qualidade literária”, Lisboa aborda, em seus ofícios, fatos relacionados à Guerra e ao período, tais como: a invasão do México por potên- cias europeias; o comércio bilateral com os panhado de dois sobrinhos que desejavam EUA e a preocupação com o aumento das alistar-se no Exército federal; e o pedido taxas sobre o café; o caso do Sumter, navio para que a Marinha imperial deslocasse um confederado que passou pelo Brasil; a ida navio para a eventualidade do agravamento do Príncipe de Joinville à América, acom- da Guerra, entre outros.

COMANDANTES VALENTES, OU NÃO... Arturo Pérez-Reverte* (Revista de Marina, Chile, edição no 5/2016, p. 29-31)

Este artigo, publicado no começo de Na noite de 14 de abril de 1912, 99 anos 2012 no jornal El País, da Espanha, foi e nove meses antes que o Costa Concordia republicado agora por iniciativa do Centro abrisse seu casco em uma pedra da ilha de Estudos Estratégicos de La Armada toscana de Giglio, o Titanic afundou no (Cedestra), do Chile. Ele é considerado Atlântico Norte, levando 1.503 pessoas. importante por enfrentar um tema que O abandono do navio foi um desastre. O dever-se-ia ter em mente permanentemente. Comandante Edward Smith, em que pese O texto é aqui traduzido e adaptado pela seus 34 anos de experiência profissional, Revista Marítima Brasileira: se comportou mais como um gerente tor-

* Escritor, navegante e autor de vários romances e livros de temas náuticos.

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pe de hotel de luxo do que como nauta e o Douro, concluía Conrad, era um navio de atrasou em 25 minutos o primeiro pedido verdade, tripulado por marinheiros profis- de socorro. Ademais, retardou a ordem sionais e disciplinados que não perderam a de abandonar o navio, dissimulando-a de humanidade ou o sangue frio. Não era um modo que a maior parte dos passageiros não monstruoso hotel flutuante arremessado a percebeu o perigo até que fosse demasiado 21 nós de velocidade em mar de icebergs, tarde. Depois, a falta de botes salva-vidas, guarnecido por seis centenas de pobres o mar gelado e os 25 minutos perdidos para diabos, entre moços, donzelas, músicos, a chegada do primeiro navio que acudiu animadores, cozinheiros e camareiros. completaram a tragédia. Escrito há quase um século, o comen- Quatro semanas mais tarde, em artigo tário conradiano poderia ser aplicado de memorável publicado no English Review, modo quase literal ao desastre do Costa Joseph Conrad comparava o final do Tita- Concordia. Considerando-se o tempo e os nic com o afundamento, recente naquela avanços técnicos entre um e outro navio, época, do Douro: um navio menor, mas são muitas as lições não aprendidas, as arro- com proporção semelhante de passageiros. gâncias culpáveis e as incompetências, evi- O Titanic afundou lentamente, com o des- dentes para qualquer marinheiro, apesar de concerto e a incompetência do comandante não o serem para armadores e engenheiros e da tripulação, enquanto que no Douro, navais: desatenção com os grandes navios que afundou em poucos minutos, a dotação de cruzeiro, fé cega e suicida na tecnologia, completa, do comandante ao marinheiro pouca preparação da tripulação e escassa mais moderno, excetuados o oficial co- competência de comandantes e oficiais ordenador dos botes salva-vidas e dois de manobra. Neste último aspecto, certos marinheiros da equipagem de cada bote, detalhes do comportamento do comandante afundaram com o navio, sem pestanejar, de- do Costa Concordia, Francesco Schettino, pois de salvarem todos os passageiros. Mas merecem ser considerados.

O Costa Concordia

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Todo comandante tem dois deveres do que aquelas em águas restritas, à noite, inescusáveis: conduzir seu navio com se- com nevoeiro ou mau tempo, com pedra ou gurança e destreza e, em caso de incidente recife próximo, ou, como no caso do Costa ou naufrágio, buscar o salvamento de pas- Concordia, a pouca distância da costa. sageiros, tripulação, carga e, se possível, Nos casos mencionados, mesmo com do próprio navio. Por essa razão, em outros aplicação ao comandante de todo o rigor tempos, um comandante digno às vezes legal que seu erro mereça, é possível com- afundava com seu navio, pois sua presença preender a tragédia do marinheiro e ter a bordo era garantia de que tudo se tentara empatia por ele, apesar de sua desgraça. até o último instante. Assim, um coman- Mas o que coloca qualquer comandante dante capaz de bem conduzir seu navio e longe de qualquer empatia possível é sua de assegurar, em caso de incidente ou de incompetência ou covardia na hora de tragédia, a maior parte possível de vidas e enfrentar as consequências do erro ou do bens é considerado, hoje como ontem, um azar. Uma desgraça pode advir do azar, marinheiro competente. mas não encará-la com dignidade é levian- No encalhe do Costa Concordia, em dade. Se um comandante existe para algo minha opinião, o conceito de incompetência é, sobretudo, para quando as coisas vão foi utilizado com certa leviandade. Não mal a bordo. Aí se é marinheiro, ou não. E creio que o Comandante Schettino fosse Francesco Schettino mostrou que não era. um incompetente. Trinta anos de experi- Escapar de seu dever e de sua consciência ência e ótima qualificação profissional o foi uma covardia inescusável que, em tem- levaram ao passadiço do navio de cruzeiro. pos menos politicamente corretos, diante Navegava rota conhecida, e a manobra de de um tribunal naval como os de outrora, aproximação de terra é comum nesse tipo de o levaria ao enforcamento. viagem. Ademais, uma vez ocorrida entrada Tenho uma opinião pessoal sobre isso. de água quase na alheta de bombordo – o Com o auge das comunicações fáceis via que significaria que estavam guinando para internet e telefonia móvel, a responsabili- boreste para evitar o perigo –, a manobra dade de um marinheiro se dilui em aspectos de largar o ferro a fim de que, com as má- estranhos às lides do mar e seus problemas quinas avariadas e sem propulsão, o navio imediatos. O oficial do Costa Concordia girasse 180º com seu último seguimento que foi verificar quanta água entrava na pra- para aproximar-se de terra e não afundar em ça de máquinas informou repetidas vezes águas profundas parece impecavelmente ao passadiço e não obteve resposta porque marinheira e própria de bons reflexos. O o comandante estava ocupado ao telefone. excesso de confiança, uma olhada superfi- Assim, boa parte dos 45 minutos transcor- cial nos instrumentos, teclar duas vezes em ridos entre o momento da colisão (21h58), vez de três, uma estrutura de 17 andares e as mentiras para a autoridade marítima 114.500 toneladas, a 16 nós e em local com de Livorno (22h10) e a confissão final pouca profundidade bastaram para que do de que estava embarcando água (22h43), erro ao desastre transcorressem poucos bem como o quarto de hora seguinte, até segundos. Nenhum marinheiro veterano que soassem os sete apitos curtos e um pode afirmar que jamais cometeu erro de longo para abandono do navio (22h58), navegação ou de manobra, ainda que não Schettino passou falando por telefone com tivesse consequências, ou que estas não fos- o diretor marítimo da Costa Crociere. Em sem as mesmas em águas livres de perigos outras palavras: em vez de se ocupar com

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o salvamento de passageiros e tripulantes, Enquanto isso, a água seguia embarcando, o comandante do Costa Concordia esteve e o que em outros tempos teria ocasionado com o celular grudado na orelha solicitando um “vão ao diabo, vou me ocupar do meu instruções à sua empresa. navio”, no caso do submisso comandante, Minha conclusão é de que o Comandan- próprio destes tempos “hipercomunicados” te Schettino não exercia o comando de seu e protocolizados, redundou em indecisão e navio naquela noite. Quando telefonou para leviandade. Além disso, por ser um covar- seu armador deixou de ser o comandante de, Schettino abandonou seu navio porque e se converteu em um pobre homem que não era seu. Porque, na realidade, nunca pedia instruções. E assim as modernas tec- havia sido. nologias tornam impossível a iniciativa de Sei que se pode fazer objeção a esta quem está no local, inclusive em situações hipótese, e que seria de índole histórica: de urgência. Nem sequer um militar que o comandante do Titanic também se com- tenha em sua mira um talibã que dispara portou com extrema incompetência no contra ele se atreverá a apertar o gatilho abandono de seu navio, e sua passividade até receber autorização de um ministro teve relação direta com a morte de milhar da Defesa que está em seu escritório, a milhares de quilômetros de distância. O e meio de passageiros; Edward Smith não Comandante Schettino estava pateticamen- possuía telefone celular. Em 1912 somente te consciente naquela noite de que o tempo havia telegrafia nos navios. Isso permitiria de marinheiros que tomavam decisões e supor que, nesse caso, as decisões errôneas assumiam a responsabilidade se extinguiu foram dele. Podem ter sido; nada é simples havia muito e de que as coisas não depen- no mar nem em terra. Mas não por falta de diam dele, mas de inumeráveis restrições comunicação direta com seus armadores da empresariais: cuidado com o departamento White Star. Na noite do iceberg e da tragé- de Relações Públicas, com o diretor ou o dia, viajava a bordo do Titanic o presidente conselheiro que não se localizou naquela da companhia de navegação. Ele esteve no noite, atenção para não alarmar os passa- passadiço e sobreviveu ocupando um lugar geiros e a possível reação das seguradoras. livre nos botes salva-vidas.

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Esta seção destina-se a registrar e divulgar eventos importantes da Marinha do Brasil e de outras Marinhas, incluída a Mercante, dar aos leitores informações sobre a atualidade e permitir a pesqui- sadores visualizarem peculiaridades da Marinha. Colaborações serão bem-vindas, se possível ilustradas com fotografias.

SUMÁRIO (Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃO COMEMORAÇÃO Dia da Marinha Mercante brasileira (272) NVe Cisne Branco atraca no cais do Museu do Amanhã (273) CONDECORAÇÃO Fuzileiros Navais agraciados com Medalha Sangue do Brasil (273) Tripulação da Fragata Liberal é condecorada pela ONU (274) DOAÇÃO Doação de livros sobre Direito Marítimo (275) INAUGURAÇÃO Inaugurado Centro Local de Tecnologia da Informação (276) POSSE Assume novo chefe do Estado-Maior da Armada (277) Assunção de cargos por almirantes (284) DGMM tem novo diretor (284) FTM-Unifil tem novo comandante (290) PRÊMIO 1o lugar nacional do Ensino Fundamental da Operação Cisne Branco (291) Prêmio Eficiência 2016 (291) Vencedora nacional da Operação Cisne Branco veleja pela Baía de Todos os Santos (292) NOTICIÁRIO MARÍTIMO

TRANSFERÊNCIA DE SETOR Transferência de subordinação do CPN (293) VISITAÇÃO Ministro da Defesa visita o Líbano (293)

ÁREAS ARQUIPÉLAGO S. PEDRO E S. PAULO RbAM Triunfo apoia a Estação Científica do Arquipélago de São Pedro e São Paulo (294)

ATIVIDADES MARINHEIRAS BUSCA E SALVAMENTO Fragata União resgata pesqueiro (295) Marinha coordena Evam de tripulante de navio grego (295) Salvamar Leste coordena resgate de veleiro (296) CARTOGRAFIA Belém é sede de encontro internacional de Cartografia Náutica (297) COMBATE A INCÊNDIO EsqdHU-1 combate incêndio na BAeNSPA (299) SALVAMENTO MB resgata pacientes em MS (299)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA SATÉLITE Marinha participará do projeto espacial (300)

COMUNICAÇÕES COMUNICAÇÕES VIA INTERNET Aplicativo Papem (301) Novo portal da Amazul está no ar (302) SIPM lança aplicativo para celulares (303)

CONGRESSOS REUNIÃO EGN promove reunião de colaboradores do Cepe (303)

EDUCAÇÃO ESPORTE Resultados esportivos (304)

FORÇAS ARMADAS AERONAVE Aeronaves SH-16 realizam voo ASW noturno tático (305) SUBMARINO AMRJ corta o casco do Submarino Tamoio (306) Prosub avança na construção do segundo submarino convencional (306)

270 RMB1oT/2017 NOTICIÁRIO MARÍTIMO

PESSOAL CORPO FEMININO Primeira mulher combatente integra tropa da ONU (307)

PODER MARÍTIMO MARINHA MERCANTE Marinha Mercante apresenta sinal de recuperação (308) Operação Ship to Ship (308) ORGANIZAÇÃO Autoridade Marítima bate recorde de atendimento (309) SEGURANÇA DA NAVEGAÇÃO DPC atualiza Normam (310) Normas da Autoridade Marítima para amadores são alteradas (311) TRÁFEGO MARÍTIMO Reunião Anual do PACIOSWG (312)

PSICOSSOCIAL AJUDA HUMANITÁRIA AgCSul apoia remoção de atingidos por cheias no Acre (312) LANÇAMENTO DE LIVRO Desafios gerenciais em defesa (313) A Defesa do Ouro Negro da Amazônia Azul (314) PUBLICAÇÃO Venda de publicações e livros da DPHDM (314) SOAMAR Soamar – Encontro dos presidentes, convenção nacional e posse do novo presidente (315)

RELAÇÕES INTERNACIONAIS COOPERAÇÃO MB apoia Timor-Leste na implantação da Autoridade Marítima (316)

SAÚDE ASSISTÊNCIA MÉDICA MB presta atendimento de saúde a indígenas da etnia Katukina (316) Pescador acidentado é tratado em câmara hiperbárica (317)

VALORES SÍMBOLO Criação e incorporação do estandarte da Marinha Mercante (317)

VIAGENS VISITA Militares da Fragata Liberal participam de audiência geral no Vaticano (318)

RMB1oT/2017 271 NOTICIÁRIO MARÍTIMO DIA DA MARINHA MERCANTE BRASILEIRA

Foi comemorado, em 21 de dezembro empregos para mais de mil operários, que último, o Dia da Marinha Mercante brasilei- produziam navios, caldeiras, engenhos de ra. Na ocasião, o diretor de Portos e Costas, açúcar, guindastes, prensas e armas, dentre Vice-Almirante Wilson Pereira de Lima outros equipamentos. Filho, emitiu a seguinte Ordem do Dia: A história das Marinhas mercantes, da “Com muito orgulho, celebramos em navegação e do comércio marítimo, em 28 de dezembro de 2016 o Dia da Mari- várias épocas, se confunde com a própria nha Mercante brasileira. Trata-se de um história da humanidade. A gênese de nosso setor de natureza estratégica que contribui comércio marítimo aconteceu, por certo, sobremaneira para o desenvolvimento de com a abertura dos portos brasileiros às na- nossa economia, uma vez que o transporte ções amigas, em 28 de janeiro de 1808, pelo marítimo é essencial para o comércio ex- príncipe regente Dom João, de Portugal. terior do País, características que o tornam Na República, três eventos foram deci- indissociável da atividade de navegação sivos para o desenvolvimento da Marinha marítima e fluvial, porquanto dispõe de Mercante, em particular da navegação de quase 8.000 km de costa, cerca de 13.000 cabotagem: em 1890, a fundação da Com- km de águas interiores navegáveis e in- panhia de Navegação Lloyd Brasileiro, teresses comerciais espalhados por todo estatal que ancorou o setor por quase um o mundo. século; e os fortalecimentos da Companhia Destarte, pode-se afirmar que a Institui- Nacional de Navegação Costeira, criada ção é um dos mais importantes segmentos em 1891, e da Companhia Comércio e do Poder Marítimo brasileiro. Por essa Navegação, fundada em 1905. razão, é mister destacar um dia específico No dia em que homenageamos a nossa para exaltá-la. A data, criada a partir de Marinha Mercante, não podemos olvidar 1962, consagra a figura de Irineu Evan- a sua brava participação nos dois conflitos gelista de Souza, o Visconde de Mauá, mundiais, especialmente na Segunda Guer- patrono de nossa Marinha Mercante, nas- ra Mundial, visto que durante este conflito cido em Arroio Grande (então Jaguarão), 35 embarcações nacionais foram torpede- no Rio Grande do Sul, em 28 de dezembro adas, vitimando cerca de 500 marítimos de 1813. brasileiros, os quais não abandonaram seus Mauá tornou-se um símbolo do em- postos e não fugiram ao dever de abastecer preendedorismo no Brasil do século XIX. o nosso país com suprimentos essenciais, Seu vínculo com a Marinha Mercante mesmo em tempos de guerra. decorreu da visão estratégica de dispor de Não obstante o protagonismo da Ma- capacidade logística para garantir o abas- rinha Mercante na evolução do Brasil, ao tecimento de um território abençoado por longo do processo desenvolvimentista, dimensões continentais e extenso litoral. ainda não conseguimos consolidar nossa Nesse sentido, em 1845 adquiriu o Estabe- capacidade de comércio marítimo arvo- lecimento de Fundição e Estaleiros Ponta rando o pavilhão nacional. Vivenciamos, da Areia, que é considerado o nosso berço até 2014, um período de crescimento eco- da construção naval. Em apenas um ano, nômico decorrente, entre outros fatores, se tornou proprietário da maior indústria das atividades de pesquisa e exploração de do País, havendo criado oportunidade de petróleo, mas que hoje estão submetidas a

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um período de readequação, em função da o Capitão de Longo Curso Álvaro José volatilidade do preço dessa commodity e da de Almeida Junior: “não existem grandes contração econômica, cujos reflexos impac- marinheiros sem grandes tormentas”. Os taram sobremaneira na atividade marítima. valentes marinheiros não temem os mares Nesse contexto, a Marinha do Brasil, tempestuosos e sabem que não são intermi- conforme previsto em suas atividades sub- náveis e logo vem a calmaria. sidiárias constantes na Lei Complementar no Marinheiros mercantes do Brasil, de 97/1999, prossegue nos esforços de orientar todas as categorias, sigam adiante, traba- e controlar a Marinha Mercante e suas ativi- lhando com determinação e otimismo, con- dades correlatas. E nesta data, por intermé- duzindo com segurança e profissionalismo dio da Diretoria de Portos e Costas, renova os seus navios, seja na nossa Amazônia a sua admiração e confiança em todos que Azul ou em mares distantes. O Brasil e o integram a briosa Marinha Mercante, com mar são o seu compromisso! a convicção de que dias melhores estão no Parabéns, Marinha Mercante brasileira! porvir. Como sempre declara um dos ícones (Fonte: Bono Especial no 963, de e patriarcas da nossa Marinha Mercante, 21/12/2017)

NVe CISNE BRANCO ATRACA NO CAIS DO MUSEU DO AMANHÃ

Por ocasião da Semana da Marinha, em dezembro último, o Navio Veleiro (NVe) Cisne Branco permaneceu atra- cado ao cais do Museu do Amanhã, na cidade do Rio de Janeiro, abrindo à visitação pública nos dias 11 e 13 (Dia do Marinheiro). Durante o período em que esteve enriquecendo o cenário da Praça Mauá, onde fica o cais, o navio foi visitado por mais de 10 mil pessoas, que puderam conhecer um pouco das peculiaridades de um navio veleiro e da Cisne Branco no cais do Museu do Amanhã vida de bordo. náuticos nacionais e internacionais e divul- O Navio Veleiro Cisne Branco tem gar a mentalidade marítima. como tarefa representar o País em eventos (Fonte: www.mar.mil.br)

FUZILEIROS NAVAIS AGRACIADOS COM MEDALHA SANGUE DO BRASIL

Foi realizada em 18 de novembro últi- Leste, General de Exército Walter Souza mo, no Salão Nobre do Palácio Duque de Braga Netto. Da Marinha do Brasil, foram Caxias (Rio de Janeiro-RJ), a cerimônia agraciados os seguintes fuzileiros navais: de imposição da Medalha Sangue do Bra- Capitão-Tenente (FN) Thiago Zaniboni sil, presidida pelo comandante militar do Lessa (do Centro de Instrução Almirante

RMB1oT/2017 273 NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Cabo Edivaldo Hungaro é agraciado Capitão-Tenente Thiago Zaniboni Lessa recebendo a medalha

Sylvio de Camargo), Cabo FN-IF Edival- do Hungaro (do 2o Batalhão de Infantaria de Fuzileiros Navais) e Soldado FN Luiz Romário Anacleto de Araújo (do 1o Bata- lhão de Infantaria de Fuzileiros Navais). Esses militares receberam a medalha por sua atuação na Operação São Francisco, de pacificação no Complexo da Maré, em que foram feridos. Soldado Luiz Romário Anacleto de Araújo recebe a A Medalha Sangue do Brasil foi criada Medalha Sangue do Brasil pelo Decreto-Lei no 7.709, de 5 de julho de 1945, com a finalidade de agraciar os tenham sido feridos em consequência de oficiais, praças, assemelhados e civis des- ação objetiva do inimigo. tacados para o teatro de operações e que (Fonte: www.mar.mil.br)

TRIPULAÇÃO DA FRAGATA LIBERAL É CONDECORADA PELA ONU

Após cinco meses de participação como capitânia da Força-Tarefa Marítima da For- ça Interina das Nações Unidas no Líbano (FTM-Unifil), sob a égide da Organização das Nações Unidas (ONU), a tripulação da Fragata Liberal foi condecorada, em 18 de fevereiro último, com a Peacekeeping Medal, ou Medalha Mantenedores da Paz das Nações Unidas. O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, outorgou a comenda aos militares da Fragata Liberal em reconhe- Comandante e tripulação condecorados

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cimento ao profissionalismo e ao profícuo e Guerra Ricardo Silveira Mello. Em 16 trabalho realizado pelo navio na contribui- de março, a Liberal encerrou sua missão ção da manutenção da paz no Líbano. A na FTM-Unifil, sendo substituída pela cerimônia foi realizada a bordo e presidida Fragata União. pelo comandante do Navio, Capitão de Mar (Fonte: www.mar.mil.br)

DOAÇÃO DE LIVROS SOBRE DIREITO MARÍTIMO

O Capitão de Longo Curso Matusalém para capacitação dos diversos profissio- Gonçalves Pimenta fez doação à Bibliote- nais da área. ca da Marinha de três publicações de sua Processo Marítimo – formalidades e autoria com os seguintes títulos: tramitação, 2a edição, lançado pela Editora Responsabilidade Civil do Prático, Manole em 2013. Nesta edição encontra- Editora Lumen Juris, 2007, acompa- mos várias análises dos procedimentos nhada da edição em espanhol Respon- administrativos, destacando aspectos prá- sabilidade Civil del Práctico, publicada ticos referentes aos processos marítimos pelo Centro de Capitanes de Ultramar da navegação com trâmite no Tribunal y Oficiales de la Marina Mercante de Marítimo. Buenos Aires em 2009. A obra traz uma As obras estarão disponíveis para abordagem pioneira e de elevado rigor consultas e empréstimos na Biblioteca científico para o Direito Marítimo, des- da Marinha, localizada na Rua Mayrink crevendo a profissão dos práticos, suas Veiga 28, Centro do Rio de Janeiro. Vi- origens históricas, leis reguladoras, seus sitação de segunda a sexta, das 8h às 16h. direitos e deveres e suas responsabilida- Telefones: (21) 2516-0265/ 2516-8784 e des administrativas e civis no âmbito da email: biblioteca@ marinha.mil.br. profissão. Direito Marítimo – reflexões doutri- nárias, sugestões para monografias, dissertações e tese, com co-autoria de Eliane M. Octaviano Martins, publicado pela Editora Lumen Juris em 2007. O li- vro apresenta diver- sas questões de di- reito marítimo, com soluções de inter- pretação de regras jurídicas, servindo como ferramentas complementares Publicações doadas à Biblioteca da Marinha

RMB1oT/2017 275 NOTICIÁRIO MARÍTIMO INAUGURADO CENTRO LOCAL DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO

Foi inaugurado, em dezembro último, o da Marinha, Diretoria de Engenharia Naval, Centro Local de Tecnologia da Informação Diretoria de Aeronáutica da Marinha, Di- do Edifício Barão de Ladário (CLTI EdBL). retoria de Sistemas de Armas da Marinha, O Centro possibilita otimização dos recur- Diretoria de Comunicações e Tecnologia da sos humanos de Tecnologia da Informação Informação da Marinha, Centro de Tecno- e Comunicação (TIC), consolidação da logia da Informação da Marinha, Diretoria centralização dos recursos computacionais, de Obras Civis da Marinha, Diretoria de diminuição do tempo de atendimento dos Portos e Costas, Procuradoria Especial da chamados e aumento da disponibilidade dos Marinha, Tribunal Marítimo, Comissão Na- serviços, permitindo um melhor atendimento val Brasileira na Europa, Comissão Naval e eficiência das atividades de TIC na Marinha. Brasileira em Washington, Adidâncias e O CLTI EdBL tem como responsabi- Representação Permanente do Brasil junto lidade o apoio, em primeiro e segundo à Organização Marítima Internacional. escalão, das atividades de suporte técnico A equipe do Centro foi formada pelo dos Serviços de Tecnologia da Informação remanejamento do pessoal dos STI das e Comunicações (STI) comuns às seguintes organizações militares apoiadas. organizações: Diretoria-Geral do Material (Fonte: www.mar.mil.br)

Inauguração do CLTI EdBL

276 RMB1oT/2017 NOTICIÁRIO MARÍTIMO ASSUME NOVO CHEFE DO ESTADO-MAIOR DA ARMADA

Foi realizada, em 6 de janeiro último, a A bordo do Aviso Rio das Contas, sus- cerimônia de transmissão de cargo do chefe pendi pela primeira vez rumo ao Colégio do Estado-Maior da Armada, no Grupamento Naval, integrando-me ao seleto grupo da de Fuzileiros Navais de Brasília. O Almirante “Esperança da Armada Brasileira”. Passa- de Esquadra Luiz Guilherme Sá de Gusmão dos três anos, já na Escola Naval, tornei-me assumiu o cargo, em substituição ao Almiran- um “Sentinela dos Mares”, e ao deixá-la, te de Esquadra Airton Teixeira Pinho Filho. fui à Pátria servir. O evento reuniu autoridades militares e civis. Diziam os antigos navegantes que O Estado-Maior da Armada é o órgão de somente mares tranquilos não fazem direção geral da Marinha e tem o propósito bons marinheiros. Verdade ou não, como de assessorar o comandante da Marinha na guardas-Marinha, a bordo do Navio-Escola direção do Comando da Marinha e no de- Custódio de Mello, a minha turma, a Turma sempenho de suas atribuições no Conselho Esperança, foi submetida ao primeiro gran- Militar de Defesa e no Conselho de Defesa de desafio ao deparar com um furacão, mar Nacional. Dentre as diversas atribuições es- 10, em área marítima próxima aos Estados tão: elaborar a doutrina, a política e o plane- Unidos da América. Passamos por ele, jamento estratégico da Marinha; controlar afinal, os verdadeiros marinheiros e o mar e coordenar a Política Marítima Nacional se respeitam. A partir de então, “sendo as e formular e acompanhar a execução do águas azuis nossos lares”, como consta do Programa de Reaparelhamento da Marinha, hino da querida Escola Naval, dediquei-me bem como coordenar, com o Ministério da por cerca de 18 anos à nossa razão de ser, Defesa e com os outros Comandos da For- a Esquadra, culminando com o comando ça, a participação de militares da Marinha da Fragata Greenhalgh, carinhosamente nas representações das Forças Armadas no chamada de “Lobo Guerreiro”. Quantas País e no exterior. lembranças. Momentos inesquecíveis. Só a vida no mar nos proporciona tanta emoção AGRADECIMENTOS E e tamanha satisfação. DESPEDIDAS DO ALMIRANTE Promovido a Almirante, cônscio das AIRTON responsabilidades e dos desafios dos impor- tantes cargos que exerci, dediquei-me com “Domingo, 9 de abril de 1967, no pátio afinco no limite de minha competência, externo do então Ministério da Marinha, a fim de bem assessorar meus chefes e o próximo ao Cais da Bandeira, ao lado dos nosso comandante. Já no Almirantado, foi- meus pais, Theresinha e Hailton, a quem -me dada a oportunidade ímpar de vivenciar dedico meu amor e minha eterna gratidão os assuntos da mais alta relevância para por tudo que fizeram, me apresentei para a Marinha e de participar dos processos a mais fantástica viagem da minha vida. decisórios que norteiam nossa instituição. Ainda me lembro das suas palavras de Lidar com as adversidades, com a vida incentivo: “Meu filho, não se preocupe, na e a carreira do nosso pessoal e decidir o Marinha terás uma carreira digna e mara- rumo a ser adotado não são tarefas fáceis. vilhosa. Faça por merecê-la. Se dedique No entanto, cabe lembrar que na jornada a ela. É o seu futuro”. Eles tinham razão. da vida não navegamos sozinhos, e isso Sempre tiveram. aprendemos muito bem a bordo dos nossos

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Cerimônia de posse do Almirante de Esquadra Gusmão como chefe do Estado-Maior da Armada navios. Somos uma equipe de marinheiros. terno relacionamento e pelos ensinamentos Todos dependem de todos, sejam oficiais e orientações ao longo da minha carreira. ou praças. Há aqueles que nos orientam, os Aos membros do Almirantado, externo que nos ensinam, os que nos auxiliam, os minha gratidão pelas amizade e ilibada que nos incentivam, enfim, os que de algum convivência. Coesos e concisos em suas modo contribuem para que possamos cum- deliberações, primam pelo correto as- prir nossa missão. A eles, por tudo que para sessoramento ao nosso comandante. Foi mim significam, passo a prestar os meus uma honra participar de tão unido e seleto mais sinceros agradecimentos. colegiado. Ao comandante da Marinha, Almirante Ao General de Exército Eduardo Dias da de Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferrei- Costa Villas Bôas e ao Tenente-Brigadeiro ra, meu amigo, colega de turma, expresso do Ar Nivaldo Luiz Rossato, respectiva- minha gratidão pelo elevado grau de con- mente comandantes do Exército Brasileiro fiança em mim depositado, pelas demons- e da Aeronáutica, aqui representados, pelo trações de carinho e amizade dedicadas a apreço e cordial convívio. mim e a minha família e pelas cordialidade Ao chefe do Estado-Maior Conjunto das e firme orientação. Tenha a certeza que Forças Armadas, Almirante de Esquadra sua ativa liderança, habilidade e intrepidez Ademir Sobrinho; ao secretário-geral do conduzem a nossa Marinha para um futuro Ministério da Defesa, General de Exército promissor. Joaquim Silva e Luna; ao chefe do Estado- Ao Almirante de Esquadra Alfredo -Maior do Exército, General de Exército Karam, ex-ministro da Marinha, pelas Fernando Azevedo e Silva; e ao chefe de afinidades, amizade e presença sempre Estado-Maior da Aeronáutica, Tenente-Bri- marcante como exemplo de chefe naval, e gadeiro do Ar , pela fidalguia e aos ex-comandantes da Marinha Roberto pelo trato cortês em nosso relacionamento, de Guimarães Carvalho e Julio Soares de os quais propiciaram a convergência de in- Moura Neto, pela elevada estima, pelo fra- teresses comuns e o perfeito entendimento

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profissional, de suma importância para as Às autoridades civis e militares, senho- nossas instituições. ras e amigos presentes, tenham a certeza Aos Almirantes de Esquadra Eduardo da minha gratidão pelo carinho e estímulo Monteiro Lopes e Wilson Barbosa Guer- com que sempre me distinguiram. ra, ex e atual representante permanente Neste momento de despedida, injusto do Brasil junto à Organização Marítima seria não nominar aqueles que me acom- Internacional; ao Almirante de Esquadra panharam por muito tempo, como meus (FN) Alvaro Augusto Dias Monteiro, pre- assistentes: Comandantes Assano, Calmon sidente do Conselho de Estudos Políticos- e Andréa, assim como meus auxiliares dire- -Estratégicos; ao Vice-Almirante Antonio tos, Suboficiais Marcelo, Clóvis e Miguel, e Fernando Garcez Faria e ao Contra-Almi- os Sargentos Mauro, Alex, Assunção, Paulo rante André Luiz Silva Lima de Santana Cesar, Giovanni, Fernanda, Janine, Suassu- Mendes, ex e atual diretor da Escola de na, Breno e Fábio Lins. Leais, dedicados e Guerra Naval; e ao Contra-Almirante (FN) com desempenho irretocável, foram eles os José Henrique Salvi Elkfury, secretário responsáveis pela minha tranquilidade na da Comissão de Promoções de Oficiais, labuta do dia a dia e pelo apoio irrestrito meus agradecimentos pela dedicação e pelo à minha família por ocasião das minhas notório trabalho que realizaram em suas ausências. respectivas áreas de atuação. À amada esposa Silvia, madrinha do Aos Almirantes Garcez, Fiuza, Paulo Navio-Doca Multipropósito Bahia, minha Ricardo, Renato Melo, Alan, Nelson, fiel companheira e incentivadora por mais Vazquez, Humberto e Montenegro e de 33 anos, sem a qual este marinheiro não aos oficiais, praças e servidores civis do teria chegado ao fim da carreira plenamente Estado-Maior da Armada, com destaque realizado, e aos meus queridos filhos André para o meu competente e incansável vice- e César, sou-lhes eternamente grato por -chefe, Vice-Almirante Edervaldo Teixeira tê-los ao meu lado e por tudo de bom que de Abreu Filho, agradeço pela lealdade, representam. Amo vocês. dedicação e inestimável colaboração na Ao estimado amigo Almirante de Es- condução das tarefas afetas a este órgão quadra Luiz Guilherme Sá de Gusmão, de direção-geral. companheiro de longa data, entrego em Aos oficiais e praças do meu Gabinete, suas competentes mãos a minha tripulação. com destaque para o chefe de Gabinete, Ca- Seus atributos profissionais e pessoais, tão pitão de Mar e Guerra Gilberto Santos Kerr, conhecidos pela Marinha, nos deixam con- e aos atuais assistente, Capitão de Corveta victos do pleno sucesso à frente do Estado- Magalhães, e ajudantes de ordens, Capitão -Maior da Armada. Desejo-lhe felicidades, de Corveta (FN) Rubem e Capitão-Tenente extensivas à digníssima família. (AA) Lopes, pelo prestimoso apoio e total Por fim, passados cerca de 50 anos, empenho, facilitando em muito a condução despeço-me do serviço ativo orgulhoso das minhas atividades. por ter ostentado este uniforme branco, Aos meus tão estimados amigos orgulhoso por ter carregado no peito as da Turma Esperança, em especial ao quatro âncoras, orgulhoso por ter servido Sacchielle, ao Dore e ao Abílio, compa- à Marinha do Brasil. nheiros de camarote e de tantas outras Feliz foi a minha chegada, feliz é a jornadas, pelo apreço, incentivo e ver- minha partida. Não cabe tristeza no meu dadeira amizade. coração. Só saudades.”

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AGRADECIMENTO E BOAS-VINDAS mirante, em um justo reconhecimento por DO COMANDANTE DA MARINHA seu irretocável desempenho e, em 2013, coroando a bela carreira, foi promovido a “Almirante Airton, ao som de um api- almirante de esquadra. to longo, indicando o encapelamento da Nos seus quase 12 anos de oficial-general, espia uno, inicia-se a última manobra de exerceu os relevantes cargos de chefe do atracação de sua fascinante singradura de Gabinete do Comandante da Marinha, co- quase 50 anos de doação e serviço à Pátria, mandante do 3º Distrito Naval, vice-chefe do caracterizada por grandes alegrias, desafios Estado-Maior da Armada e secretário-geral e realizações. Aquele jovem que, em 1967, da Marinha, culminando com a chefia do deixou o conforto do convívio familiar e Estado-Maior da Armada. Em todos esses, adentrou os portões do Colégio Naval em soube corresponder à confiança e às respon- busca do sonho de viver esta empolgante sabilidades depositadas pela instituição. carreira ligada às lides do mar encerra, hoje, Como almirante de esquadra, primeira- uma jornada brilhante, em que alcançou mente na Secretaria-Geral e, em seguida, a expressiva marca de 1.351 dias de mar no Estado-Maior, deparou-se com o enorme e galgou todos os postos, mercê de seus desafio de, como um dos principais res- esforços e de sua determinação e eficiência. ponsáveis pelas ações decorrentes, fazer Como comandante da Marinha, tenho a frente aos expressivos cortes orçamentários obrigação e, como seu amigo fraterno, me de quase 50%, que provocaram imensas reservo, com orgulho, a honra de registrar, restrições à manutenção do aprestamento em nome da Força, o reconhecimento a e aos programas estratégicos da Força. este experiente marinheiro por uma vida Sua firmeza, competência e criatividade de entrega e amor à nossa querida Marinha, permitiram que as consequências negativas vida essa marcada por retidão de caráter e para a Armada fossem muito menores do invejável honestidade de propósitos. que as inicialmente previstas. Desde suas primeiras comissões como Com notável capacidade gerencial e mi- oficial, o Almirante Airton demonstrou sua nucioso acompanhamento e controle, soube capacidade de liderança, aliada a um grande atribuir a correta prioridade no emprego dos espírito de companheirismo, o que o tornou recursos disponíveis, equilibrando, com sempre muito querido a bordo dos navios maestria, o atendimento das necessidades e das organizações de terra onde serviu. O da Marinha do presente com a continuidade convívio alegre, harmônico e profissional dos programas estratégicos que nos pro- nas praças d’armas dos contratorpedeiros porcionarão a Marinha do futuro. Estamos Espírito Santo e Mato Grosso, bem como vencendo a tempestade, e o Almirante do 2o Esquadrão de Contratorpedeiros, as Airton teve papel essencial nesta vitória. grandes escolas operativas daquela época, Adicionalmente, durante o período em forjou na sua alma a têmpera dos verdadei- que ocupou o honroso cargo que ora passa, ros homens do mar. são dignos de nota outros significativos Mercê de suas qualidades, foi selecio- avanços que, por dever de justiça, faço nado para o comando do Rebocador de questão de citar: Alto-Mar Triunfo e da Fragata Greenhalgh, – a coordenação da defesa da posição do além da direção do Centro de Educação Brasil no Plenário da Organização Maríti- Física Almirante Adalberto Nunes. Em ma Mundial referente à eficiência energé- 2005, recebeu as almejadas estrelas de al- tica no transporte marítimo internacional;

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– a atualização de inúmeras publicações E agora, com a flâmula de fim de comis- doutrinárias; são atopetada e a guarnição em postos de – a criação do Conselho de Estudos continência, só nos resta içar o sinal que Político-Estratégicos da Marinha; tantas vezes Vossa Excelência teve a honra – a ação no Comitê de Supervisão Es- e a felicidade de receber: tratégica, durante as revisões da Política Bravo Zulu! Bons ventos e que Deus o Nacional de Defesa e da Estratégia Nacio- acompanhe! nal de Defesa 2016; e Ao Almirante de Esquadra Luiz – na vertente que mais lhe toca, que são Guilherme Sá de Gusmão, apresento as Operações Navais, a Marinha incremen- as boas-vindas ao Estado-Maior da Ar- tou sua capacidade de conduzir Operações mada, com a certeza de que a assunção Anfíbias e de Ajuda Humanitária, com a de tão honroso cargo representa um aquisição do Navio-Doca Multipropósito devido reconhecimento da Marinha pela Bahia. excelência dos seus mais de 46 anos de Neste momento de despedida, em que serviço ativo, em que perfez 812 dias de recordamos as grandes aventuras vividas mar e angariou uma vasta e diversifica- e celebramos a solidez das amizades da experiência profissional, permeada formadas, não posso deixar de expres- de grandes realizações, dentre as quais sar a tristeza pelo afastamento do leal destaco os comandos da Embarcação de amigo e querido companheiro de turma Desembarque de Carga Geral Tambaú, e salientar minha grande admiração por da Corveta Inhaúma e do Navio-Escola seu entusiasmo, lealdade, patriotismo e Brasil; a Direção do Centro de Eletrônica sensatez no trato da coisa pública. Ao da Marinha; o prestigiado cargo de che- cruzar pela última vez a prancha deste fe da Representação do Brasil na Junta grandioso navio, tenha a certeza do Interamericana de Defesa; a Direção do dever bem cumprido e da significativa Centro de Inteligência da Marinha; a contribuição que prestou ao engrandeci- Direção de Obras Civis; o Comando do mento da Marinha. 8º Distrito Naval e, já como Almirante de Os atributos que o distinguiram, Esquadra, a complexa e importantíssima ao longo desta longa jornada, como Direção-Geral do Material da Marinha. respeitado líder e marinheiro na mais Formulo votos de que, no desempenho completa acepção da palavra, repre- desta nobre missão, possa ampliar o legado sentam agora o seu grande legado, de conquistas e assessoramento preciso dos objeto de inspiração e motivação para brilhantes oficiais que lhe antecederam, as futuras gerações e para todos aqueles utilizando-se de sua irrefutável competên- que tiveram a honra de conviver e servir cia e seus inúmeros atributos.” com Vossa Excelência. Cumprimento também a querida Silvia PALAVRAS INICIAIS DO e seus filhos André e César. Bem sei o ALMIRANTE GUSMÃO quão importantes eles foram para o seu sucesso, incentivando-o, acompanhando- “Hoje é um dia muito feliz para mim, -o e apoiando-o em todos os momentos da pois assumo a chefia do Estado-Maior da carreira. Desejo a eles e a você, meu amigo, Armada (EMA), órgão de direção-geral da muitas felicidades e realizações nesta nova Marinha e de assessoramento direto ao seu fase da vida. comandante.

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Almirante de Esquadra Luiz Guilherme Sá de Gusmão durante a cerimônia

Criado há mais de um século, o EMA a não esmorecer diante dos problemas aos se distingue, em toda sua existência, pela quais seremos apresentados. complexidade das tarefas a ele atribuídas, Devemos conhecer a nossa história, e assim como pelo grau de profundidade e dela tirarmos lições para compreendermos pela exigência de alta qualidade que os o presente e projetarmos o futuro, dentro seus estudos demandam. Portanto, é, sem de uma perspectiva realista do que o nos- dúvida, desafiadora e instigante a missão so país necessita e a sociedade brasileira de conduzi-lo. espera de sua Marinha. Somente desse A busca de soluções exige estudo, refle- modo poderemos prestar ao comandante xão, pensamento analítico e perseverança da Marinha assessoramento adequado, – foi assim que fizeram os nossos dignos com o melhor de nossos esforços, de modo antecessores. Se seguirmos na mesma dire- a propiciar a ele o quadro mais preciso ção, não erraremos. Isso não significa que possível da situação, a qual, na maioria devamos adotar atitude passiva, buscando das vezes, está encoberta por névoa, mas apenas copiar, sem qualquer visão crítica, o como bons marinheiros saberemos sugerir que já foi feito. Pelo contrário, imaginação, rumo e velocidade, de modo a propiciar as criatividade e liderança positiva e motiva- melhores condições ao nosso comandante dora devem ser incentivadas em todos os na condução da Marinha, com as suas níveis. Dessa forma, concito a todos os reconhecidas qualidades de competência, integrantes do Estado-Maior da Armada habilidade e equilíbrio.

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Assim, orgulhoso pela indicação para Agradeço as prestigiosas presenças do exercer tão honroso e nobre cargo, agradeço embaixador da Itália, Sr. Antonio Bernar- a confiança do comandante da Marinha, Al- dini, e de almirantes, generais, brigadeiros, mirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal membros do Corpo Diplomático, adidos Ferreira, estimado amigo e companheiro de estrangeiros acreditados no Brasil, oficiais, muitas jornadas. senhoras e senhores, colegas da Turma Aos ilustres chefes navais e às autori- Aspirante Cesar Henriques e amigos. As dades aqui presentes, sou-lhes grato pelo suas presenças enobrecem sobremaneira prestígio que emprestam a esta cerimônia, esta cerimônia. pedindo desculpas por não nominá-los Faço uma menção especial de agrade- todos, em proveito da desejada brevidade cimento a todos os amigos soamarinos, da cerimônia. aqui representados pelo presidente e pelo Ao Almirante de Esquadra Alfredo vice-presidente da Soamar Brasil, respec- Karam, ex-ministro da Marinha; e ao tivamente Sr. Orson Antônio Féres Moraes Almirante de Esquadra Julio Soares de Rêgo e Sr. Cesar Amorim Krieger, e pelo Moura Neto, ex-comandante da Marinha, representante da Soamar São Paulo, Sr. agradeço por suas presenças e pelos exem- Paulo Marinheiro. plos que nos legaram. Apresento, também, É chegado um momento difícil, qual o meu reconhecimento aos ex-chefes do seja o de apresentar as despedidas ao fra- Estado-Maior da Armada que aqui vieram terno amigo Almirante de Esquadra Airton e aos ex-ministros e aos atuais do Superior Teixeira Pinho Filho, companheiro desde a Tribunal Militar. Escola Naval, a quem agradeço pelo modo Agradeço aos estimados membros completo com que me transmitiu o cargo do Almirantado, caros amigos e compa- com esmero, fidalguia e cordialidade. nheiros desse colegiado extraordinário, Ao casal amigo – Silvia e Airton –, que tem como característica a liberdade desejamos, Maria Teresa e eu – votos de e a franqueza com que são discutidos as- muitas felicidades e expressamos a nossa suntos da maior relevância, tendo sempre perene amizade. Almirante Airton, temos em vista alcançar o melhor para a nossa certeza de seu sucesso como presidente Marinha. da Fundação de Estudos do Mar (Femar), Ao chefe do Estado-Maior Conjun- cargo que irá ocupar em março deste ano e to das Forças Armadas, Almirante de para o qual já começou a se preparar, o que Esquadra Ademir Sobrinho; ao secre- demonstra, mais uma vez, a sua incansável tário-geral do Ministério da Defesa, disposição para o trabalho. Sejam muito General de Exército Joaquim Silva e felizes, caros amigos. Luna; aos chefes dos Estados-Maiores À minha esposa Maria Teresa e aos do Exército e da Aeronáutica, General nossos filhos Diego, Daniela e Débora, de Exército Fernando Azevedo e Silva aos meus netos Letícia, Luisa e Guilher- e Tenente-Brigadeiro do Ar Raul Bote- me aos meus irmãos Antonio Carlos, lho, respectivamente, destaco a minha Tereza Cristina e Paulo Vitor, agradeço o disposição permanente para buscar permanente incentivo à minha profissão e soluções harmoniosas para as questões o carinho e o apoio sempre presentes em que nos afetam, com esforço sinérgico todas as ocasiões de nossas vidas e que apoiado no profissionalismo que nos sempre me revitalizaram nos momentos caracteriza. difíceis.”

RMB1oT/2017 283 NOTICIÁRIO MARÍTIMO ASSUNÇÃO DE CARGOS POR ALMIRANTES

– Contra-Almirante Alexandre Rabello – Contra-Almirante Humberto Cal- de Faria, superintendente de Manutenção de das da Silveira Junior, subchefe de Meios da Diretoria de Gestão de Programas Logística do Estado-Maior da Armada, Estratégicos da Marinha, cumulativamente em 12/1; com o cargo de superintendente de Obtenção – Contra-Almirante Luiz Octávio Barros de Meios da mesma Diretoria, em 7/12/2016; Coutinho, comandante do 6o Distrito Naval, – Almirante de Esquadra Leonardo em 13/1; Puntel, chefe de Logística e Mobilização – Contra-Almirante (IM) Sergio Hen- do Estado-Maior Conjunto das Forças rique da Silva Almeida, diretor do Centro Armadas, em 5/1/2017; de Controle de Inventário da Marinha, em – Almirante de Esquadra Luiz Guilher- 18/1; me Sá de Gusmão, chefe do Estado-Maior – Contra-Almirante (EN) Ricardo Soa- da Armada, em 6/1; res Ferreira, diretor do Instituto de Pesqui- – Vice-Almirante Almir Garnier Santos, sas da Marinha, em 10/2; e comandante do 2o Distrito Naval, em 9/1; – Almirante de Esquadra (RM1) Airton – Almirante de Esquadra Luiz Henrique Teixeira Pinho Filho, presidente da Funda- Caroli, diretor-geral do Material da Mari- ção de Estudos do Mar, em 10/3. nha, em 10/1; (Fonte: www.mar.mil.br)

DGMM TEM NOVO DIRETOR

Foi realizada, em 10 de janeiro último, AGRADECIMENTOS E DESPEDIDA a solenidade de transmissão do cargo de DO ALMIRANTE GUSMÃO diretor-geral do Material da Marinha. Na ocasião, o Almirante de Esquadra Luiz “No momento em que me despeço da Guilherme Sá de Gusmão transmitiu o Diretoria-Geral do Material da Marinha, cargo para o Almirante de Esquadra Luiz sinto-me gratificado pelo trabalho realizado Henrique Caroli. A cerimônia foi presidida junto a uma equipe dedicada e amiga. Mui- pelo comandante da Marinha, Almirante de tos foram os desafios vencidos; os ainda a Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, superar não perdem por esperar! no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro A tenacidade, perseverança e compe- (AMRJ) e contou com a presença de diver- tência dos que aqui trabalham é admirável. sas autoridades. Somente este espírito permitiu-nos fazer A Diretoria-Geral do Material da Ma- incontáveis ajustes aos programas ora rinha (DGMM) é um Órgão de Direção em curso, devido aos cortes e contingen- Setorial da Marinha, tendo como propósito ciamentos orçamentários muitas vezes contribuir para o preparo e a aplicação inopinados. Devo salientar que a política do Poder Naval no tocante às atividades de forte austeridade adotada pela Marinha relacionadas ao material e à tecnologia da já mostrou seus frutos, o que permitiu ao informação da Marinha. setor do Material concluir o ano de 2016

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em condições bastante satisfatórias diante mentos de transferência e de manutenção, dos compromissos assumidos. Entretan- cumprindo rigorosamente os trâmites to, falta-nos melhorar as perspectivas de legais e administrativos. Sua tripulação investimentos, de modo a prosseguirmos foi selecionada, enviada para a França, com a recuperação do Poder Naval, com a recebeu adestramento em terra e a bordo renovação de meios e sistemas. e operou junto com a tripulação francesa, A seguir mencionarei algumas conquis- sem qualquer incidente. Após um período tas significativas nas áreas de manutenção de quatro meses de manutenção, realizada e novos projetos. pela DCNS, construtora do navio, ele foi Primeiramente, a continuidade na ma- incorporado à Armada e veio para o Brasil, nutenção de submarinos, com a conclusão em travessia direta – de Toulon a Salvador do período de manutenção do Submarino – em 14 dias de navegação. Tupi, o que foi feito conjuntamente com a Também é necessário mencionar o re- instalação de novo sistema de combate para torno do Navio-Tanque Almirante Gastão lançamento do Torpedo MK 48. Também já Motta à atividade, após a substituição de estão em curso os períodos de manutenção seus três geradores de energia, além de dos submarinos Tikuna e Tamoio, sendo outros reparos importantes, tudo feito no que este último já foi submetido à rotina de AMRJ. corte e separação de seções pelo Arsenal de O Centro de Projetos de Navios (CPN) Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), feito concluiu o Projeto Básico da Corveta notável realizado com pleno êxito, pela Tamandaré, que agora está na Diretoria sexta vez, em submarinos desta classe. de Engenharia Naval para especificação Com o recebimento das duas últimas de aquisição. O NPa 500-Br teve sua fase aeronaves SH-16 (Seahawk), concluímos de exequibilidade concluída, em projeto o lote de seis helicópteros entregues à contratado pela Empresa Gerencial de Força Aeronaval. Elas estão entre as mais Projetos Navais (Emgepron) ao CPN. Ele modernas disponíveis no mercado mundial, irá atender aos requisitos da MB e também com emprego na guerra antissubmarino e incorpora sugestões de potenciais clientes antissuperfície. No ano passado ocorreu externos, de modo a disputar o mercado o lançamento, com sucesso, do míssil internacional. Penguin, tendo como alvo a ex-Corveta Quanto ao Navio-Aeródromo São Paulo, Frontin, o que demonstrou plenamente o durante todo o ano de 2015 foi realizada seu emprego contra alvos de superfície. minuciosa inspeção estrutural, inédita na Quanto a meios de superfície, incorpo- MB, certificada por uma Sociedade Clas- ramos o Navio de Pesquisa Oceanográfico sificadora. Foi constituído um grupo de 18 Vital de Oliveira, construído na China, e o engenheiros, de várias áreas da engenharia, Navio-Doca Multipropósito (NDM) Bahia, em grupo multidisciplinar, para o Estudo de ex-Sirocco da Marinha Nacional da Fran- Exequibilidade sobre a implementação da ça. O NDM Bahia foi uma aquisição por propulsão elétrica integrada e de um sistema oportunidade, após utilização por 16 anos de vapor dedicado às catapultas. Tal grupo pela Marinha francesa. O recebimento do técnico será o embrião do Programa de navio foi realizado com alto grau de efici- Obtenção de Navios-Aeródromos (Pronae). ência, com o envolvimento de praticamente A Corveta Júlio de Noronha deverá todos os setores da Marinha. Em menos de concluir ainda este ano os seus períodos de cinco meses foram prontificados os docu- modernização e de manutenção geral, com

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modernização de sistemas de propulsão, senvolvimento Nuclear e Tecnológico da dos auxiliares e de controle de avarias e a Marinha (DGDNTM), a qual também será revisão completa da turbina e dos motores a responsável pelos demais programas de combustão principais e auxiliares. científicos e tecnológicos. Como o PNM Estamos na segunda etapa do desenvol- e o Prosub estiveram sob a subordinação vimento do Míssil Antinavio Nacional de da DGMM até novembro do ano passado, Superfície – Mansup – com a participação permito-me falar um pouco do que já foi de três empresas nacionais – Avibras, Mec- realizado. tron e Omnisys –, do Centro Tecnológico É motivo de justificado orgulho ver da Marinha em São Paulo, com gerencia- que já temos inteiramente construídos os mento complementar pela Fundação Ezute cascos resistentes de dois submarinos con- e gerenciamento geral pela Diretoria de vencionais, com seis das suas oito seções Sistemas de Armas da Marinha. A primeira fabricadas no Brasil pela Nuclep e todas etapa do desenvolvimento do motor foguete elas já transferidas para o estaleiro cons- já foi concluída, tendo sido realizados qua- trutor – Itaguaí Construções Navais (ICN). tro lançamentos do míssil Exocet MM40 Prosseguem as obras de finalização do esta- Block1 com êxito, utilizando o motor leiro de construção, que estará inteiramente produzido pela Avibras. Para 2018 está prontificado em abril de 2018, de modo previsto o lançamento do primeiro protó- a possibilitar que o primeiro dos quatro tipo do Mansup. submarinos convencionais – o Riachuelo A DGMM teve alterada sua estrutura – seja lançado ao mar em julho de 2018, organizacional, de modo a diminuir a com entrega ao setor operativo em 2020, amplitude de controle e propiciar a inte- e o último – o Angostura – em 2022. O gração do apoio logístico. Para isso foram projeto do submarino de propulsão nuclear realizados muitos estudos, workshops e tem avançado, com o envolvimento direto simpósios, com a participação de órgãos de 190 engenheiros, técnicos e projetistas externos à MB para colher experiências brasileiros. Para se ter uma ideia do que de outras Marinhas, do Exército Brasilei- envolve um programa dessa natureza, o ro, da Força Aérea Brasileira e de grandes grau de complexidade e o número de horas empresas na manutenção de meios. Assim, trabalhadas necessários para o projeto e a a partir de 25 de novembro passado foram construção de um submarino nuclear de reorganizadas a composição da própria ataque, como o nosso, é equivalente ou até DGMM e das diretorias especializadas, mesmo superior ao de projeto e construção atribuídas novas tarefas a elas e criada a de uma estação espacial. Diretoria Industrial da Marinha, que tem O projeto do reator nuclear em terra – o sob sua subordinação o AMRJ, o Centro Labgene – está pronto, e muitos de seus de Manutenção de Sistemas da Marinha subsistemas já foram entregues e as obras (CMS) e o Centro de Mísseis e Armas civis estão em andamento, de modo a ter Submarinas da Marinha (CMasm). seu comissionamento iniciado em 2020. Com foco na reorganização do Progra- Parece muito ambicioso, e é, mas, sem ma de Desenvolvimento de Submarinos dúvida, chegaremos lá! (Prosub) e do Programa Nuclear da Mari- Este texto parece longo. O motivo é sua nha (PNM), estes dois grandes programas proporcionalidade aos três anos, quatro tiveram alterada sua subordinação da meses e dez dias em que fui o diretor-geral DGMM para a Diretoria-Geral do De- desta extraordinária Diretoria.

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É chegado o momento dos agradecimen- tivo à minha profissão, o carinho e o apoio, tos e despedida. presentes em todas as ocasiões de nossas Ao Almirante de Esquadra Eduardo vidas e que sempre me revitalizaram nos Bacellar Leal Ferreira, comandante da momentos difíceis. Marinha, agradeço o apoio, a compreensão A todos os integrantes da Diretoria- e as contínuas manifestações de apreço e -Geral do Material da Marinha, transmito amizade. uma mensagem de otimismo e confiança, Aos membros do Almirantado, agra- porque soubemos transformar óbices em deço as presenças nesta cerimônia e o desafios e superá-los, contribuindo para apoio mútuo nas soluções de problemas o lema do Material da Marinha: “Nossa intersetoriais e os motivadores e profícuos soberania em talento, aço e tecnologia”. debates em nossas reuniões. Aos antigos Deixo na DGMM amigos e levo sauda- chefes navais e aos meus superiores, pares e de. Muito obrigado.” subordinados, civis e militares, muitos dos quais aqui presentes, que de alguma forma AGRADECIMENTO E BOAS-VINDAS influenciaram a minha carreira, tornando DO COMANDANTE DA MARINHA possível este momento, agradeço pelos exemplos e ensinamentos transmitidos. “Após um período de aproximadamen- Ao Almirante de Esquadra Mauro Cesar te três anos e quatro meses de intensos e Rodrigues Pereira, ex-ministro da Marinha; produtivos trabalhos como diretor-geral ao Almirante de Esquadra Arnaldo Leite do Material da Marinha, o Almirante de Pereira, ex-ministro-chefe do Estado-Maior Esquadra Luiz Guilherme Sá de Gusmão das Forças Armadas; ao Almirante de transmite um dos mais complexos cargos Esquadra Julio Soares de Moura Neto, ex- da Alta Administração Naval, responsável -comandante da Marinha; aos ex-diretores- pelo gerenciamento de grande parte do -gerais do Material da Marinha, senhores Orçamento da Marinha e de uma vasta almirantes, oficiais, amigos, senhoras e gama de atividades técnicas relacionadas senhores, agradeço pelas presenças que com preparo do Poder Naval. fazem esta cerimônia ter um brilho especial. Sua excelente capacidade de articulação, Aos amigos e companheiros de jornada competência e diversificada experiência na Marinha, por mais de 46 anos, da Tur- profissional foi determinante para a defesa ma Aspirante Cesar Henriques, sinto-me dos interesses da Marinha na supervisão lisonjeado por suas presenças e amizade. dos diversos contratos de manutenção e Ao Almirante de Esquadra Luiz Henri- aquisição de meios e equipamentos, bem que Caroli, agradeço as fidalguias e o pro- como dos Programas Estratégicos, geran- fissionalismo que caracterizaram o período do inegáveis benefícios para o correto e de passagem de cargo. Caros amigos Caroli acurado emprego dos recursos destinados e Liliane, sejam muito bem-vindos à família à Força. do Setor do Material. Na incessante busca para o aumento da À minha esposa Maria Teresa e aos eficiência de gestão, conduziu minucioso nossos filhos Diego, Daniela e Débora, aos estudo que pavimentou a reestruturação nossos netos Letícia, Luisa e Guilherme, ao do Setor do Material, com vistas a reduzir genro Dario e à nora Fernanda, aos meus a elevada amplitude de controle de órgãos irmãos Antonio Carlos, Tereza Cristina e e coordenadorias subordinadas, aperfeiçoar Paulo Vitor agradeço o permanente incen- a integração do apoio logístico da MB e

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promover uma melhor gestão do Programa minação em bem conduzir e implementar de Desenvolvimento de Submarinos e do virtuosas mudanças no seu Setor. Agradeço Programa Nuclear da Marinha. sua lealdade e seu comprometimento e Suas elevadas qualidades pessoais e pro- espero contar com sua valorosa assessoria fissionais, notadamente a liderança, a corte- no cargo de chefe do Estado-Maior da sia, o espírito empreendedor e a ponderação, Armada. foram determinantes para as expressivas Desejo-lhe muitas felicidades nesta nova conquistas alcançadas, dentre as quais tenho etapa de sua vida, extensivas à sua esposa o dever e a satisfação de registrar: Maria Teresa, seus filhos Diego, Daniela – a inauguração do prédio principal e Débora e aos seus netos Letícia, Luiza do Estaleiro de Construção em Itaguaí; o e Guilherme. término das atividades de fabricação dos Bravo Zulu! cascos resistentes do primeiro e segundo Bons ventos e mares tranquilos! submarinos convencionais; a inauguração Ao Almirante de Esquadra Luiz Hen- da Plataforma de Integração em Terra para rique Caroli, apresento as boas-vindas à o Sistema de Combate dos submarinos; o Diretoria-Geral do Material da Marinha, recebimento da Seção de Qualificação do certo de que possui todos os atributos ne- casco resistente; e a conclusão de diversas cessários para o sucesso nesta desafiante outras obras estruturais do Estaleiro e Base e empolgante missão, forjados com muita Naval de Itaguaí; dedicação e competência ao longo de mais – O desenvolvimento e a fabricação de de 43 anos de serviço, em relevantes e des- ultracentrífugas de nova geração e o cum- tacadas comissões, dentre as quais ressalto primento de importantes etapas nas obras os comandos do Navio-Varredor Atalaia, do Laboratório de Geração de Energia do Navio-Patrulha Fluvial Pedro Teixeira, Nucleoelétrica (Labgene); do Navio-Aeródromo São Paulo, do Cen- – o recebimento de cinco aeronaves tro de Adestramento Almirante Marques de Emprego Geral UH-15 e o desenvol- de Leão, da 2a Divisão da Esquadra, da vimento de suas versões Combate SAR e Força-Tarefa Marítima Unifil, do o2 e do de Ataque; 1o Distritos Navais e, como almirante de – a continuidade da modernização das esquadra, a Chefia de Logística do Estado- aeronaves AF-1; -Maior Conjunto das Forças Armadas. – o início da modernização de três ae- Estou seguro que suas credenciais são ronaves Super Lynx; e a garantia de que manteremos a evolução – a incorporação do Navio de Pesquisa permanente desse relevante Órgão de Di- Hidroceanográfico Vital de Oliveira, do reção Setorial. Navio-Doca Multipropósito Bahia, do Na- Seja Feliz!” vio Hidroceanográfico FluvialRio Branco e de três embarcações de desembarque de PALAVRAS INICIAIS DO viaturas e material. ALMIRANTE CAROLI Prezado Almirante Gusmão, no momen- to em que Vossa Excelência se despede da “É com grande satisfação e orgulho Diretoria-Geral do Material da Marinha, profissional que retorno à Marinha para externo publicamente minha admiração assumir o honroso cargo de diretor-geral do pelo grande legado deixado, por seu jeito Material da Marinha. Esses sentimentos se conciliador e amigo e pela coragem e deter- justificam pela relevância das tarefas atribu-

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AE Caroli assume a DGMM

ídas à Diretoria-Geral e às suas Diretorias Cabe também mencionar a reestrutura- Especializadas e Organizações Militares ção organizacional do Setor do Material, subordinadas, seja na manutenção e as- que foi planejada e iniciada em 2016 e que sessoria técnica aos nossos meios navais será concluída este ano. A nova estrutura e aeronavais, na concepção e obtenção de possibilitará a concentração de tarefas cor- novos navios, aeronaves e sistemas, bem relatas, otimizando os processos logísticos como nas questões relacionadas à Tecno- decorrentes da obtenção dos novos sistemas logia da Informação. navais e da gestão do ciclo de vida desses A atuação do Setor do Material, respon- sistemas. sável por muitas conquistas no passado, Ademais, a mudança busca, ainda, reu- é importante não apenas para garantir a nir as atividades afetas à Função Logística operação de nossos navios e aeronaves, a Manutenção nas duas novas diretorias, Marinha do Presente, como também para criadas com o propósito de aperfeiçoar o projetar e incorporar os novos meios e planejamento, o controle e a execução da sistemas que serão legados ao Brasil e às manutenção de nossos meios. próximas gerações de marinheiros, a Ma- Desta forma, quero manifestar a alegria rinha do Futuro. de assumir a DGMM e registrar alguns Para isso, a DGMM prosseguirá o agradecimentos. trabalho de nossos antecessores, com de- – Ao Comandante da Marinha, Almi- dicação e profissionalismo, buscando dar rante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal continuidade aos projetos em andamento, Ferreira, pela confiança em mim depositada bem como propondo à Alta Administração ao me designar para o importante cargo de Naval os ajustes que se fizerem necessários. diretor-geral do Material da Marinha.

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– À minha esposa Liliane, minhas filhas, Ao Almirante de Esquadra Luiz Gui- e à minha família, pela compreensão e pelo lherme Sá de Gusmão, pelas demonstrações incentivo e apoio irrestrito. de consideração e pela forma profissional e – Ao Almirante de Esquadra Mauro Ce- criteriosa com que me transmitiu o cargo, sar, ex-ministro da Marinha; ao Almirante desejando-lhe votos de felicidades na nova de Esquadra Moura Neto, ex-comandante fase da carreira como Chefe do Estado- da Marinha; aos ministros do Superior -Maior da Armada, extensivos à sua esposa Tribunal Militar; aos membros do Almiran- Maria Teresa e família. tado; aos ex-diretores-gerais do Material; Por fim, aos integrantes da Diretoria- e aos antigos chefes navais e aos oficiais -Geral do Material, gostaria de externar a generais que nos prestigiam com suas minha plena confiança de que, fruto de sua presenças, sou grato pelas orientações e competência técnica e comprometimento, pela amizade que sempre me dispensaram. o Setor de Material será capaz de continuar Às autoridades civis e militares, aos a superar os óbices e buscar soluções que representantes das indústrias de defesa, aos contribuam para a construção de um Poder colegas de turma, companheiros e amigos, Naval que atenda às necessidades estraté- bem como a todas as senhoras e senhores, gicas do Brasil. agradeço por suas presenças, que trazem Muito obrigado.” prestígio a esta cerimônia. (Fonte: www.mar.mil.br)

FTM-UNIFIL TEM NOVO COMANDANTE

A Força-Tarefa Marítima da Força e do comandante da Marinha do Líbano, Interina das Nações Unidas no Líbano Contra-Almirante Majed Alwan, bem como (FTM-Unifil) está sob novo comando des- de diversas personalidades civis e militares de 27 de fevereiro último. Naquela data, locais e de países integrantes da missão. foi realizada, no cais do porto de Beirute, Sob o comando da Marinha brasileira Líbano, a cerimônia de transmissão de desde fevereiro de 2011, a FTM-Unifil pos- cargo de comandante do órgão. Na ocasião, sui um estado-maior multinacional e sete o Contra-Almirante Sergio Fernando de Amaral Chaves Junior recebeu o cargo do Contra-Almirante Claudio Henrique Mello de Almeida, que esteve à frente da FTM pelo período de um ano. A cerimônia foi presidida pelo force commander da Unifil, General de Divisão Michael Beary, do Exército irlandês, e contou com a presença do embaixador do Brasil no Líbano, Jorge Kadri; do coman- dante de Operações Navais, Almirante de Esquadra Sergio Roberto Fernandes dos Santos; do chefe de Logística do Estado- -Maior Conjunto das Forças Armadas, Contra-Almirante Sergio Fernando de Amaral Chaves Junior Almirante de Esquadra Leonardo Puntel; assume como Comandante da FTM-Unifil

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navios, de seis diferentes nacionalidades: missão de paz. Sua tarefa é a execução de Alemanha, Brasil, Bangladesh, Grécia, operações de interdição marítima, a fim de Indonésia e Turquia. A Força-Tarefa foi prevenir a entrada, por mar, de armas não criada em 15 de outubro de 2006, em aten- autorizadas em território libanês e apoiar a dimento à Resolução 1.701 do Conselho de qualificação dos militares daquela Marinha, Segurança das Nações Unidas, por solicita- contribuindo, assim, para a estabilidade na ção do governo libanês, tendo a peculiarida- região do Oriente Médio. de de ser a única FTM componente de uma (Fonte: www.mar.mil.br)

1o LUGAR NACIONAL DO ENSINO FUNDAMENTAL DA OPERAÇÃO CISNE BRANCO A aluna Beatriz da Silva Falcão, do Para participar do Concurso de Redação Colégio Militar de Manaus (CMM), foi a da Marinha do Brasil, a aluna contou com vencedora nacional do Ensino Fundamen- a orientação da Primeiro-Tenente (RM2- tal do Concurso de Redação da Operação -T) Larissa Batista, professora de Língua Cisne Branco 2016. Portuguesa do CMM. O Comandante do 9o Distrito Naval (Fonte: www.mar.mil.br) (Manaus-AM), Vice-Almirante Luís An- tônio Rodrigues Hecht, entregou à aluna os prêmios, que foram patrocinados pela Associação de Poupança e Empréstimo (Poupex): notebook, smartphone, HD ex- terno e mochila. Após receber o prêmio, Beatriz agradeceu e destacou a participação de seus familiares e do CMM em sua vida escolar. “Agradeço à minha família e à equipe do CMM que contribuíram para a minha formação, sem eles não seria meta- de do que sou e não teria conseguido essa vitória”, afirmou. Beatriz da Silva Falcão recebe a premiação

PRÊMIO EFICIÊNCIA 2016

O Comando da Força de Superfície – Navio de Desembarque de Carros de (ComForSup) entregou, em 6 de março Combate Almirante Saboia, do Comando último, o Prêmio Eficiência 2016. do 1o Esquadrão de Apoio. Foram os seguintes os navios pre- Criado em 4 de janeiro de 2013, miados: o Prêmio Eficiência é destinado aos – Fragata Constituição, do Comando do navios que mais se destacaram nos 1o Esquadrão de Escolta; níveis de aprestamento e de compro- – Fragata Rademaker, do Comando do metimento com a prontificação para 2o Esquadrão de Escolta; e o combate.

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Os comandantes dos navios agraciados receberam das mãos do comandante da Força de Superfície, Contra-Almirante Wladmilson Borges de Aguiar, um certificado e uma placa atinentes ao prêmio. Os navios premiados po- derão ostentar o símbolo “E” pintado na cor branca nas asas de seus passadiços até a próxi- Comandantes e tripulações dos navios agraciados ma premiação. (Fonte: www.mar.mil.br)

VENCEDORA NACIONAL DA OPERAÇÃO CISNE BRANCO VELEJA PELA BAÍA DE TODOS OS SANTOS

A vencedora nacional do concurso de equipe da tripulação e como tudo é tão bem redação da “Operação Cisne Branco 2015”, sincronizado”, destacou Janaína. Janaína Oliveira da Cruz, embarcou, na Após a atracação no porto de Salvador, manhã do dia 13 de novembro último, no Janaína e suas acompanhantes receberam os Navio Veleiro (NVe) Cisne Branco para cumprimentos finais do comandante do o2 uma velejada na Baía de Todos os Santos DN e do comandante do NVe Cisne Bran- (BA). Na ocasião, Janaína, aluna do 8o ano co, Capitão de Mar e Guerra João Alberto do Colégio Militar de Salvador, foi acom- de Araújo Lampert. panhada por sua mãe, Lucidalva Oliveira (Fonte: www.mar.mil.br) Cruz; por sua tia, Denise Souza de Oliveira; e pelo comandante do 2o Distri- to Naval (Salvador-BA), Vice-Almirante Cláudio Portugal de Viveiros. O embarque no Cisne Branco fez parte da pre- miação da estudante, que pôde acompanhar a nave- gação e as manobras de vela do navio, conhecendo de perto o trabalho dos militares sobre os quais escreveu em sua redação premiada. “O que mais me impressionou positi- vamente foi o trabalho em Estudante vencedora acompanhou as manobras do Cisne Branco

292 RMB1oT/2017 NOTICIÁRIO MARÍTIMO TRANSFERÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO DO CPN

No âmbito do processo de Reestrutu- A presente transferência de subordinação ração do Setor do Material, foi realizada, faz parte dessa reorganização, cujo propósito em 8 de fevereiro último, a Cerimônia de é alicerçar as estruturas técnicas da DGePEM, Transferência de Subordinação do Centro tornando-a peça fundamental para o exercício de Projetos de Navios (CPN) da Diretoria- de suas novas tarefas, dentre as quais estão as -Geral do Material da Marinha (DGMM) atribuídas ao CPN, que são de ‘gerenciar as para a Diretoria de Gestão de Programas atividades especializadas de projeto básico, Estratégicos da Marinha (DGePEM), em de projeto de integração de sistemas e de aná- consonância com o estabelecido pela Porta- lises e avaliações de engenharia, pertinentes ria no 14/2017, do Comandante da Marinha. aos processos de construção, modernização, Transcrevemos a Ordem do Dia do conversão, alteração e apoio de navios de diretor-geral do Material da Marinha, Al- superfície e submarinos’. mirante de Esquadra Luiz Henrique Caroli, Sendo assim, como diretor-geral, tenho alusiva ao evento: plena convicção de que esta alteração “Após cerca de 20 anos de excelentes administrativa representa uma relevante serviços prestados à Marinha do Brasil e mudança conceitual, que contribuirá para à Diretoria-Geral do Material da Marinha, que sejam alcançados os resultados espera- transfere-se hoje para a subordinação da dos pela Marinha. Essa certeza se justifica Diretoria de Gestão de Programas Estraté- pelo profissionalismo, pela criatividade, gicos da Marinha (DGePEM) o Centro de pela dedicação e pelo comprometimento Projetos de Navios (CPN), como resultado que todos os militares e servidores civis do estudo de reestruturação do Setor do do CPN têm demonstrado no desempenho Material, aprovado pela Alta Administra- de suas atribuições para superar os óbices e ção Naval. desafios inerentes às suas atividades. Em seu fulcro, tal reestruturação visa Por fim, apresento os cumprimentos à organizar as atividades técnicas e admi- DGePEM e ao CPN, formulando votos de nistrativas do Setor do Material, de modo a continuado êxito nas singraduras que ora não somente se obter maior efetividade nos iniciam, na certeza de que, com os reco- programas e projetos executados pela Ma- nhecidos atributos profissionais já demons- rinha, como também possibilitar introduzir, trados pelas suas tripulações, continuarão a de modo pleno, o conceito da manutenção cumprir com eficácia suas tarefas dentro da no ciclo de vida de sistemas, promovendo a nova estrutura do Setor do Material. integração do Apoio Logístico, desde a fase Bons ventos e mares tranquilos!” de concepção até o descomissionamento (Fonte: Bono Especial no115, de dos meios navais. 8/2//2017)

MINISTRO DA DEFESA VISITA O LÍBANO O ministro da Defesa, Raul Jungmann, fil), em missão de paz naquele país. A visita visitou Beirute, Líbano, entre 2 e 4 de no- também serviu para fortalecer a cooperação vembro último, para homenagear os cinco no setor de defesa entre as duas nações. anos da participação do Brasil na Força- Em encontro com o ministro da Defesa -Tarefa Marítima das Nações Unidas (Uni- do Líbano, Samir Moqbel, Jungmann deu

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início às negociações do futuro acordo de defesa entre os dois países e o convidou a visitar o Brasil em 2017. Por sua vez, Moqbel destacou a importância da coope- ração no âmbito das escolas militares e as recentes aquisições de aviões Super Tucano e carros de combate Guarani. O ministro Jungmann também se reuniu com o comandante das Forças Armadas libanesas, General Jean Kahwaji, quando recebeu os agradecimentos pela participação da Marinha do Brasil (MB) na missão de paz Fragata Liberal da Organização das Nações Unidas (ONU). atuaram como seu capitânia, alguns por até Kahwaji destacou o treinamento e a assistên- três missões intercaladas, como é o caso da cia mútua entre as forças navais do Brasil e do Fragata Liberal. Líbano e sugeriu que a cooperação também “O Brasil tem mantido a liderança da fosse feita com o Exército e a Aeronáutica. Força-Tarefa Marítima da Unifil não ape- No dia 2, o ministro da Defesa brasileiro nas por causa da eficiência com que nosso participou da cerimônia em comemoração aos pessoal vem desempenhando suas ativida- cinco anos da participação da MB na Unifil. des, mas também por não haver qualquer “Há cinco anos o Brasil assumiu o comando da restrição ao exercício dessa liderança por primeira Força-Tarefa Marítima a integrar uma parte da ONU ou de quaisquer dos partidos operação de paz na história das Nações Unidas. envolvidos no processo de paz”, assinalou. É uma enorme satisfação estar aqui, a bordo Ainda no discurso, Jungmann disse que, da Fragata Liberal, para celebrar esse lustro”, “em tempos de instabilidade geopolítica e disse em discurso. E acrescentou: “Criada há incerteza do ponto de vista da segurança dez anos com a missão de patrulhar a costa internacional, torna-se especialmente im- libanesa, evitar a entrada ilegal de armas portante o esforço de colocar-se no lugar do no país e contribuir para o adestramento da outro e de cultivar princípios como a solu- Marinha do Líbano, a Força-Tarefa Marítima ção pacífica de conflitos, que fundamentam soma esforços com os demais componentes as Nações Unidas desde sua criação e que militares e civis da Força Interina das Nações também norteiam a atuação externa do Bra- Unidas no Líbano, em prol da manutenção da sil”. O ministro lembrou também o episódio estabilidade na região”. ocorrido em setembro de 2015, em que a Nestes cinco anos, seis almirantes bra- Corveta Barroso resgatou 220 refugiados sileiros exerceram o cargo de comandante no Mar Mediterrâneo*. da Força e vários navios brasileiros já (Fonte: www.defesa.gov.br) RBAM TRIUNFO APOIA A ESTAÇÃO CIENTÍFICA DO ARQUIPÉLAGO DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO

O Rebocador de Alto-Mar (RbAM) transportou, no período de 16 a 24 de novem- Triunfo, navio subordinado ao Comando do bro último, pessoal e material necessários Grupamento de Patrulha Naval do Nordeste, para a realização de diversas tarefas de ma- * N.R.: Ver matéria de capa da RMB, v. 135, no 07/09-jul./set. 2015.

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nutenção das atividades da Estação Científica do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, localizada a aproximadamente 500 milhas náuticas do continente. A missão foi em apoio à Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Secirm). Além do apoio logístico imprescindível para a localidade estratégica do arqui- pélago, pesquisadores a bordo do navio realizaram a manutenção periódica de equi- pamentos essenciais à Estação Científica RbAM Triunfo e coletaram dados referentes à atividade sísmica na região, trazendo a presença da diversas tarefas do rebocador, contribuindo comunidade científica ao extremo leste das para a salvaguarda dos interesses nacionais terras brasileiras. Esta comissão reafirma a na Amazônia Azul. importância e capacidade de realização de (Fonte: www.mar.mil.br)

FRAGATA UNIÃO RESGATA PESQUEIRO

A Fragata União, que navegava rumo instalado dispositivo para reboque. Ao a Natal (RN), primeiro porto de escala a amanhecer do dia 31, já próximo ao porto caminho do Líbano, foi acionada, na noite de Tubarão, a Capitania dos Portos do Es- do dia 30 de janeiro último, pelo Salvamar pírito Santo enviou uma embarcação para Sueste para prestar apoio ao Barco de Pesca assumir o dispositivo e levá-la para Vitória Emanuel, que estaria à deriva 45 milhas a (ES), encerrando o evento com a tripulação leste do Porto de Tubarão (ES). Imediata- e a embarcação em segurança. mente, invertendo seu rumo (Fonte: www.mar.mil.br) e aumentando a velocidade, procedeu para a última posi- ção conhecida da embarca- ção. Ao localizá-la, foi feita a abordagem pela lancha orgânica do navio às 0h30. Constatando a impossi- bilidade de reparo do motor da embarcação pelo pessoal do navio, foi preparado e Fragata União encerrando o reboque do Emanuel

MARINHA COORDENA EVAM DE TRIPULANTE DE NAVIO GREGO O Comando do 1o Distrito Naval (Rio de resgate de um tripulante do navio Desert Janeiro-RJ), por meio do Salvamar Sueste, Melody, de nacionalidade grega, com coordenou, em 26 de janeiro último, o suspeita de derrame. Para realizar a Eva-

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Após o acionamento da tripulação de ser- viço, acrescida de integrantes do G-SAR e equipe médica, o helicóptero decolou para o ponto de encontro do navio, voando um total de 280 milhas náuticas e realizando um resgate de aproximadamente 20 mi- nutos sobre a embarcação. Em virtude da impossibilidade de realizar o pouso a bordo, houve a necessidade de realizar a manobra de resgate com a utilização do guincho da aeronave, pelo método HI Line, descendo Marinha resgata tripulante grego a 100 milhas de os militares do G-SAR e com posterior Cabo Frio resgate do tripulante por maca. Após o cuação Aeromédica (Evam) a 100 milhas embarque do enfermo, a aeronave seguiu náuticas (185 quilômetros) de Cabo Frio para o Aeroporto de Jacarepaguá, na capital (RJ), foi empregado o helicóptero Pégasus fluminense, onde já havia uma ambulância N-7106, do 2o Esquadrão de Helicópteros para realizar o transporte do mesmo para de Emprego Geral (HU-2). um hospital na Barra da Tijuca. Participaram da operação de salvamen- A execução dessa operação, envolvendo to o Comando da Força Aeronaval, que diversas áreas da Marinha, ao permitir a adjudicou a aeronave ao Comando do 1o remoção com segurança do enfermo que Distrito Naval, e a Capitania dos Portos estava em perigo no mar, reforçou a ca- do Rio de Janeiro, além do Comando pacidade do País de colaborar com ações do Controle Naval do Tráfego Marítimo de Busca e Salvamento (SAR). O repre- (Comcontram), que monitorou constan- sentante da agência marítima que presta temente a posição do navio grego no mar. serviços ao navio Desert Melody, Valter Porto, enviou mensagem ao Comando do 1o Distrito Naval em agradecimento à ação: “Em meio aos últimos acontecimentos de nosso país, é um orgulho saber que temos na Marinha do Brasil todo suporte que precisamos para as situações de extrema urgência e necessidade como essa em ques- tão. Um trabalho efetuado diuturnamente e de que nós brasileiros quase não temos conhecimento. Nosso muito obrigado a todos, e nos colocamos a vossa disposição sempre que necessário”, disse Valter Porto. Helicóptero sobrevoando o navio (Fonte: www.mar.mil.br)

SALVAMAR LESTE COORDENA RESGATE DE VELEIRO

O Serviço de Busca e Salvamento -BA), coordenou as buscas que resultaram Marítimo (Salvamar) Leste, operado pelo na localização do veleiro Don Diego III, Comando do 2o Distrito Naval (Salvador- em dezembro último. A embarcação tinha

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Don Diego III a 33 km da costa, na altura da foz do Rio dos Frades, ao sul de Porto Seguro (BA), reportan- do que a embarcação, com pane de máquinas e velas danificadas, esta- va sendo rebocada por uma lancha de pesca oceânica que navegava nas proximidades. Assim que informado, o Sal- vamar Leste determinou que o Guaratuba se dirigisse àquela posição para que, juntamente com a Delegacia da Capitania dos Portos Delegado da Capitania dos Portos com os tripulantes do veleiro em Porto Seguro (DelPSeguro), sinistrado e da lancha Shotgun, que auxiliou no socorro apoiasse o socorro do veleiro até que a embarcação chegasse em segurança àquela cidade. deixado Salvador com destino ao Rio de (Fonte: www.mar.mil.br) Janeiro (RJ) e escala em Vitória (ES), onde deveria ter chegado após cinco dias de navegação, o que não ocorreu. Dada a ausência de qualquer co- municação com o veleiro, o Salva- mar Leste enviou o Navio-Patrulha Guaratuba para efetuar buscas na área marítima compreendida entre Salvador e Vitória, em conjunto com uma aeronave de patrulha marítima P-3AM da Força Aérea Brasileira (FAB), que decolou da Base Aérea de Salvador. Pela manhã, a aeronave da FAB Veleiro Don Diego III chega a Porto Seguro rebocado por lancha estabeleceu contato com o veleiro de pesca e acompanhado por embarcação da DelPSeguro

BELÉM É SEDE DE ENCONTRO INTERNACIONAL DE CARTOGRAFIA NÁUTICA

Foi realizada em Belém (PA), de 14 a Internacional, para o triênio 2017/2019. Tal 17 de dezembro último, a 17a Reunião da fato contribui como fator de força para a can- Comissão Hidrográfica da Mesoamérica didatura do Almirante de Esquadra (RM1) e Mar do Caribe (MACHC), da Organi- Luiz Fernando Palmer Fonseca ao cargo de zação Hidrográfica Internacional (OHI). secretário-geral ou de diretor da OHI, em Na oportunidade, Brasil e Holanda foram eleição a ser realizada em abril de 2017. eleitos como os representantes da MACHC Simultaneamente a esse evento, foi no Conselho da Organização Hidrográfica realizado, no Salão Nobre da Associação

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Participantes da 17a Reunião da Comissão Hidrográfica

Comercial do Pará, um seminário sobre drografia e Navegação, Vice-Almirante a importância do Arco Norte* para o de- Marcos Sampaio Olsen; dos secretários senvolvimento sustentável da Amazônia estaduais de Desenvolvimento Econômico, e suas consequências para a segurança Mineração e Energia, Adnan Demachki, e da navegação. Este evento contou com a de Transporte, Kleber Ferreira de Menezes, presença do diretor-geral de Navegação, respectivamente, e de membros da comu- Almirante de Esquadra Paulo Cezar de nidade marítima local. Quadros Küster; do comandante Militar do Por ocasião da abertura, o Almirante Norte, General de Exército Carlos Alberto Küster ressaltou a importância da escolha Neiva Barcellos; do assessor da Diretoria da capital paraense para sede do evento. de Hidrografia e Navegação para Assuntos “Belém está situada estrategicamente no do Bureau Hidrográfico Internacional, portal de acesso à imensa e rica região Almirante de Esquadra (RM1) Luiz Fer- amazônica, inserida nos ambientes marí- nando Palmer Fonseca; do comandante do timo e fluvial, além de estar mais próxima 4o Distrito Naval, Vice-Almirante Alipio aos grandes centros comerciais mundiais, Jorge Rodrigues da Silva; do diretor de por meio do Canal do Panamá”. Portos e Costas, Vice-Almirante Wilson Esta Comissão foi originalmente es- Pereira de Lima Filho; do diretor de Hi- tabelecida em 1994, e o Brasil se tornou

* A RMB publicou na edição do 2o trimestre de 2010 matéria relevante sobre o Arco Norte – Corredores de Ex- portação, do economista Luiz Antonio Fayet.

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membro pleno em 2005. A Comissão sentantes de Antígua e Barbuda, Barbados, possui como principais propósitos promo- Belize, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, ver a cooperação técnica, a capacitação e República Dominicana, El Salvador, Fran- treinamento de pessoal e a condução de ça, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, investigações científicas no domínio de Holanda, Jamaica, México, Nicarágua, Pa- levantamentos hidrográficos, cartografia e namá, Santa Lúcia, São Cristovão e Neves, informações náuticas; estimular todos os São Vicente, Suriname, Trinidad e Tobago, seus membros a expandir suas atividades Reino Unido, Estados Unidos da América hidrográficas nas áreas de seu interesse e e Venezuela; e de membros da indústria. assessorá-los a buscar assistência técnica Durante a plenária da MACHC, diver- e assessoria da OHI, a fim de ampliar suas sos assuntos foram discutidos, cabendo capacidades hidrográficas; estimular a destacar: a cobertura cartográfica da participação dos seus membros nos comi- região – cartas em papel e eletrônicas; tês e grupos de trabalho da OHI; e realizar visualizadores de arquivos batimétricos estudos por meio de seus comitês e grupos para planejamento; criação de capacitação de trabalho. em hidrografia; infraestrutura de dados A MACHC faz parte do calendário ofi- espaciais; e a disseminação de informações cial da OHI e contou com a participação do de segurança marítima. Secretário-Geral da Organização; de repre- (Fonte: www.mar.mil.br)

EsqdHU-1 COMBATE INCÊNDIO NA BAeNSPA

A aeronave N-7088, do 1o Esquadrão último, para conter incêndio que seguia em de Helicópteros de Emprego Geral (Es- direção ao sítio radar, na Base Aérea Naval qdHU-1), foi acionada, em 10 de fevereiro de São Pedro da Aldeia (BAeNSPA), no estado do Rio de Janeiro. Em menos de 45 minutos, a aeronave foi reconfigurada com o equipamento de combate a incêndio bambi bucket e lançada, iniciando o pronto combate ao sinistro. O bambi bucket é um disposi- tivo de coleta, transporte e descarga de água aerotransportada, que é acoplado ao gancho de carga externa da aeronave, com capacidade de aproximadamente 300 litros. Após quatro lançamentos, o fogo foi debelado e a aeronave foi recolhida. Aeronave com equipamento de combate a incêndio (Fonte: www.mar.mil.br)

MB RESGATA PACIENTES EM MS

Um helicóptero do 4o Esquadrão de He- do 6o Distrito Naval (Ladário-MS), deu licópteros de Emprego Geral (HU-4), Orga- apoio, em 1o de março último, ao transporte nização Militar subordinada ao Comando de uma criança de três anos com ferimento

RMB1oT/2017 299 NOTICIÁRIO MARÍTIMO

por faca na coxa esquerda. O resgate foi paciente, também em Mato Grosso do Sul. realizado na Fazenda Tarumã, localizada José Batista Lima, 65 anos, apresentou na Região do Paiaguás, a cerca de 130 sintomas de princípio de infarto na Fazenda quilômetros do município de Ladário. Palmeira, localizada na região do Paiaguás, No dia 15 de fevereiro, o HU-4 já ha- a cerca de 130 quilômetros do Complexo via prestado apoio ao transporte de outro Naval de Ladário. Nos dois casos, a necessidade de atendi- mento foi informada inicialmente ao Corpo de Bombeiros, que solicitou o apoio de ae- ronave da Marinha do Brasil (MB), já que se tratavam de locais distantes e que demandaria muito tempo para chegar por via terrestre. Os voos contaram com o acompanhamento de um médico do Hospital Naval de Ladário para prestar os primeiros socorros aos pacientes. Em ambas as ocorrências, após a chegada ao heliporto do HU-4, os atendidos seguiram em ambulância para o Pronto-Socorro Municipal de Corumbá (MS). José Batista recebe atendimento na chegada ao heliponto do (Fonte: www.mar.mil.br) Complexo Naval de Ladário

MARINHA PARTICIPARÁ DO PROJETO ESPACIAL A Marinha do Brasil, a Telecomunica- Space, será lançado na Guiana Francesa no ções Brasileiras S.A. (Telebras) e a Força próximo dia 21 de março. Ele permitirá a Aérea Brasileira (FAB) assinaram, em 17 transmissão de internet banda larga para de fevereiro último, acordo que permitirá todo o Brasil continental, bem como para a operacionalização do primeiro Satélite as águas jurisdicionais brasileiras e com Geoestacionário de Defesa e Comunicações transferência de tecnologia. Estratégicas (SGDC). Em ceri- mônia realizada no Salão Histó- rico do Comando do 1o Distrito Naval (Rio de Janeiro-RJ), foi celebrada a assinatura do termo de cessão de uso do imóvel para implantação de um Centro de Operações Espaciais Secundário (Cope-S), que será construído pela Telebras em uma área de aproximadamente 25 mil metros quadrados da Estação Rádio do Rio de Janeiro (ERMRJ), na Ilha do Governador (RJ). Da esquerda para a direita: Major-Brigadeiro Fernando Cesar Pereira, O SGDC, construído pela Vice-Almirante Cláudio Portugal de Viveiros e o presidente da Telebras, empresa francesa Thales Alenia Antônio Kingler Loss Leite

300 RMB1oT/2017 NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Em seu discurso na cerimônia, o Major- visto que parte de sua capacidade de uso será -Brigadeiro Fernando Cesar Pereira, presi- destinada à banda X, uma faixa de frequência dente da Comissão de Coordenação e Implan- de uso exclusivo militar. tação de Sistemas Espaciais (CCISE), órgão O comandante do 1o Distrito Naval, Vice- da FAB, mencionou a importância de contar -Almirante Cláudio Portugal de Viveiros, re- com o apoio do Ministério da Defesa no conheceu a importância do evento: “O setor projeto. “O SGDC brasileiro vai permitir que espacial, destacado na Estratégia Nacional de a internet chegue aos lugares mais remotos, Defesa, alcança um novo patamar com esse podendo gerar desenvolvimento, melhores projeto, com impactos positivos para a defesa condições de saúde, educação e possibilidade do País”, afirmou. Ele também incluiu em seu de crescimento”, disse. Ele ressaltou ainda a discurso a importância de estabelecer parcerias dualidade na utilização do SGDC, que poderá em grandes projetos e o orgulho da Marinha servir tanto para a inclusão digital da socieda- em estar contribuindo para essa conquista. de quanto em benefício das Forças Armadas, (Fonte: www.mar.mil.br)

APLICATIVO PAPEM

A Pagadoria de Pessoal da Marinha (Papem) ativou o aplicativo para smartpho- nes e tablets que utilizam as plataformas Android ou IOS. O propósito é propiciar maior agilidade e flexibilidade às informa- ções relevantes do pagamento de pessoal, bem como alinhar a família naval com as tendências tecnológicas atuais. Por meio do aplicativo, o usuário poderá ter acesso aos seguintes itens: – site da Papem; – bilhete de pagamento online e com- provante de rendimentos para Imposto de Renda; – informações de pagamento; – margem consignável; – Sistema de Proteção Social dos Mili- tares (SPSM); – Carta de Serviços ao Cidadão; – Relatório Econômico da Diretoria de Finanças da Marinha; – telefones úteis; e – informativos Pagmar e Nomar. Para a instalação, basta realizar o do- wnload gratuito, buscando por Papem na Apple Store ou no Google Play. (Fonte: Bono no 136, de 14/2/2017) Aplicativo da Papem

RMB1oT/2017 301 NOTICIÁRIO MARÍTIMO NOVO PORTAL DA AMAZUL ESTÁ NO AR

Está no ar o novo portal da Amazônia de Desenvolvimento de Submarinos, dos Azul Tecnologias de Defesa S.A. (Amazul), quais a Amazul participa. em www.amazul.gov.br. A reformulação do O novo portal também destaca a gover- site buscou adequar o portal da empresa às nança, planejamento estratégico, projetos e exigências da Lei de Acesso à Informação áreas de atuação da empresa e traz informa- (Lei no 12.527/2011). Com visual atualizado ções sobre licitações e contratos, balanços e novas funcionalidades, o site facilita o financeiros, relatórios de administração, acesso a informações e documentos, con- quadro de empregados e editais de concur- ferindo mais transparência e visibilidade às sos e processos seletivos. atividades da empresa, além de melhorar a Segundo o diretor-presidente da Ama- comunicação com a sociedade. zul, Vice-Almirante (RM1) Ney Zanella Por meio do novo portal, o internauta dos Santos, um dos princípios que orienta- pode acessar o Sistema Eletrônico do ram a reformulação do site foi privilegiar Serviço de Informação ao Cidadão (e- a transparência ativa, ou seja, publicar o -Sic), o Sistema de Ouvidorias do Poder maior número possível de informações de Executivo Federal (e-Ouv) e as páginas de forma voluntária, independentemente de Transparência Pública do Governo Federal, solicitações por parte do cidadão. “Estamos além dos sites de instituições parceiras comprometidos com os princípios da Lei no âmbito do setor nuclear e da Marinha de Acesso à Informação, segundo a qual o do Brasil. O site traz seções fixas sobre o sigilo das informações deve ser a exceção Programa Nuclear da Marinha do Brasil, o e não a regra”, disse o Almirante Zanella. Programa Nuclear Brasileiro e o Programa (Fonte: www.mar.mil.br)

Visual atualizado e novas funcionalidades no portal da Amazul

302 RMB1oT/2017 NOTICIÁRIO MARÍTIMO SIPM LANÇA APLICATIVO PARA CELULARES

O Serviço de Inativos e Pensionistas fornecer ao seu público-alvo informações da Marinha (SIPM) lançou um aplicativo rápidas sobre locais de atendimento mais para smartphones que utilizam as platafor- próximos, horários de funcionamento e mas Android ou IOS, com o propósito de documentos necessários para solicitar serviços. O novo aplicativo permite que o usuá- rio realize consulta completa aos serviços prestados pelo SIPM antes de comparecer fisicamente à Organização Militar (OM), o que evita o transtorno de um retorno para apresentação de documentos complemen- tares. O aplicativo traz também, entre suas funcionalidades: consulta a notícias de interesse da família naval e ao Bilhete de Pagamento do Sistema de Pagamento de Pessoal da Marinha (Sispag) e a programa- ção para a emissão, no mês de aniversário, de lembrete/notificação para a realização de recadastramento anual, de forma a evitar indesejado bloqueio do pagamento. Para realizar o download gratuito do aplicativo, basta pesquisar por SIPM na Ferramenta disponibiliza todas as informações Apple Store ou no Google Play do celular. sobre os serviços do SIPM (Fonte: www.mar.mil.br)

EGN PROMOVE REUNIÃO DE COLABORADORES DO CEPE

Foi realizada, no auditório do Centro de Jogos da Escola de Guerra Naval (EGN), a reunião anual dos colaboradores do Conselho de Estudos Político-Estratégicos da Marinha (Cepe). Participaram, dentre autoridades navais e representantes civis do setor acadêmico, os Almirantes de Esquadra Mauro César Rodrigues Pereira (ex-ministro da Marinha) e Julio Soares de Moura Neto (ex-comandante da Marinha). Na ocasião, o Almirante de Esquadra (Refo-FN) Álvaro Augusto Dias Monteiro, presidente do Cepe, apresentou a concep- ção do futuro Conselho de Estudos Político- Reunião ocorreu no auditório do Centro de Jogos da EGN

RMB1oT/2017 303 NOTICIÁRIO MARÍTIMO

-Estratégicos da Marinha (Cepe-MB), um exemplo de outros já existentes, como o de think tank em Estudos Marítimos, cuja Ensino Naval; e o de Ciência, Tecnologia principal tarefa será a de realizar pesquisas e Inovação da Marinha, congregando o e estudos de interesse da administração conhecimento organizacional disponível na naval. MB, robustecido por meio da ampliação da O Cepe-MB será uma organização sem interlocução com a comunidade acadêmica personalidade jurídica, de natureza epis- e do desenvolvimento de parcerias nacio- têmica e estruturada como um sistema, a nais e internacionais. RESULTADOS ESPORTIVOS 71o CAMPEONATO BRASILEIRO DE sentada pelos seguintes atletas de base do BOXE MASCULINO ELITE Projeto Marinha/Odebrecht: Renan Sena Realizado em Salvador (BA), entre 3 e 9 – campeão no arranco com 120 kg, cam- de dezembro de 2016. A Marinha do Brasil peão no arremesso com 140 kg e campeão (MB) foi representada por seis atletas, com os no total olímpico com 260 kg; Vitória seguintes resultados: 3oSG Sergio Santos Dan- Rodrigues – vice-campeã no arranco com tas, Categoria 81 kg – 1o lugar; 3oSG Cosme 65 kg, campeã no arremesso com 90 kg e Henrique dos Santos Nascimento, Categoria vice-campeã no total olímpico com 155 kg; +91 kg – 1o lugar; 3oSG Leanderson Conceição e Laura Nascimento – campeã no arranco dos Santos, Categoria 52 kg – 2o lugar; 3oSG com 77 kg. Arilson Gonçalves, Categoria 56 kg – 2o lugar; 3oSG Arisson dos Santos Tavares, Categoria 16a TAÇA BRASIL DE SALTOS OR- 69 kg – 2o lugar; e 3oSG Brendo Alison Coelho NAMENTAIS da Costa, Categoria 75 kg – 3o lugar. Realizada entre os dias 8 e 11 de de- zembro no Centro de Educação Física o 13 CAMPEONATO MUNDIAL DE Almirante Adalberto Nunes, na cidade NATAÇÃO PISCINA CURTA do Rio de Janeiro. O 3oSG Hugo Pellicer Realizado entre 8 e 11 de dezembro, Parisi e o 3oSG Jackson André Rondinelli o em Windsor, Canadá. A 3 SG Etiene Pires de Oliveira conquistaram a medalha de Medeiros conquistou a medalha de ouro nos ouro no Salto da Plataforma Sincronizado. 50 metros costas, sendo bicampeã da prova, O 3oSG Jackson André conquistou, ainda, e a medalha de prata no Revezamento 4x50 o 2o lugar no Trampolim de 1 metro, o 2o metros Medley Misto. lugar por Equipe e o 2o lugar na Plataforma o MARATONA AQUÁTICA REI E Individual. A 3 SG Luana Wanderley Mo- RAINHA DO MAR reira Lira conquistou medalha de ouro no O 3oSG Allan Lopes Mamedio do Trampolim de 1 metro, prata no Trampolim Carmo conquistou a medalha de prata na Sincronizado e na Plataforma Sincronizado competição, ocorrida em 11 de dezembro, e bronze no Trampolim de 3 metros. em Copacabana, cidade do Rio de Janeiro. CAMPEONATO BRASILEIRO DE CAMPEONATO SUL-AMERICANO VELA 2016 SUB-17 DE LEVANTAMENTO DE Os atletas do Programa Olímpico da PESOS Marinha do Brasil classificaram-se em Realizado em Sucre, Bolívia, entre os 2o lugar geral no Campeonato nos barcos dias 5 e 11 de dezembro. A MB foi repre- classe J-24. As atletas 3oSG Juliana Senfft

304 RMB1oT/2017 NOTICIÁRIO MARÍTIMO

(timoneira), Renata Decnop, Gabriela Sá cipação de oito militares da MB, conquistou e Larissa Juk, com a orientação da 1oTen vaga para a Copa do Mundo Fifa Bahamas Martha Rocha (técnica da equipe), além da 2017, a ser realizada de 27 de abril a 7 de civil Gabriela Kidd, compuseram a tripula- maio deste ano. O Brasil sagrou-se hepta- ção vitoriosa. O campeonato, realizado no campeão das Eliminatórias da Conmebol Iate Clube do Rio de Janeiro, de 24 a 27 de em 12 de fevereiro, em Assunção, Paraguai, novembro, contou com a participação de 13 vencendo a Seleção Paraguaia por 7 a 5, barcos, alguns deles com a presença de uma mantendo, assim, uma invencibilidade de elite de velejadores consagrados, campeões 29 partidas. mundiais e pan-americanos. PRÊMIO BRASIL OLÍMPICO COPA AMÉRICA DE FUTEBOL DE Foi realizada em 29 de março último, AREIA na Cidade das Artes, Barra da Tijuca, A Seleção Brasileira de Futebol de cidade do Rio de Janeiro, a cerimônia de Areia sagrou-se campeã da Copa América premiação dos melhores atletas de 2016 de Futebol de Areia, na Praia do Gonzaga, em 43 modalidades esportivas, escolhidos em Santos (SP). Na final, o Brasil goleou o pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB). Paraguai por 12 a 2, com sete gols feitos por Onze atletas da MB foram contemplados: militares da MB, sendo dois gols do 3oSG Boxe – 3oSG Robson Conceição; Judô – Bruno Xavier, dois do 3oSG Maurício Braz, 3oSG Rafaela Silva; Lutas – 3oSG Aline dois do 3oSG Rafael Antônio e um do 3oSG Silva; Natação – 3oSG Etiene Medeiros; Diogo Catarino. O 3oSG Bruno Xavier foi Nado Sincronizado – 3oSG Luisa Borges eleito o “Melhor Jogador” da competição. e 3oSG Maria Eduarda Miccuci; Saltos Ornamentais – 3oSG Hugo Parisi; Vela – ELIMINATÓRIAS DA CONMEBOL 3oSG Martine Grael e 3oSG Kahena Kunze; A Seleção Brasileira de Beach Soccer e Vôlei de Praia – 3oSG Alison Cerutti e (Futebol de Areia), que conta com a parti- 3oSG Bruno Schmidt.

AERONAVES SH-16 REALIZAM VOO ASW NOTURNO TÁTICO

O 1o Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral realizou, em 15 de fevereiro último, operação Anti-Submarine Warfare (ASW) no período noturno, com duas aerona- ves SH-16 Seahawk, dentro de um cenário tático com várias unidades de superfície e aéreas, em oposição a uma ameaça submarina. Esse tipo de operação não era realizada desde 2007, quando o evento ocorreu ainda com o empre- go das aeronaves SH-3. Militares que participaram da operação (Fonte: www.mar.mil.br)

RMB1oT/2017 305 NOTICIÁRIO MARÍTIMO AMRJ CORTA O CASCO DO SUBMARINO TAMOIO

O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro a instalação do AN-BYG, que capacitará o (AMRJ) realizou, em dezembro último, Tamoio a efetuar lançamento de torpedos o corte do casco do Submarino Tamoio MK-48. (S-31), com a presença do diretor-geral O AMRJ é um dos poucos estaleiros da de Material da Marinha, Almirante de América Latina com capacidade técnica Esquadra Luiz Guilherme Sá de Gusmão. para a realização deste tipo de corte, fun- O corte, efetuado entre as seções 10 e 20, damental para possibilitar a retirada dos marca a fase inicial do segundo Período de equipamentos de grande porte. Esta é a Manutenção Geral (PMG) do submarino, sétima vez que o Arsenal corta o casco de que se prepara para retornar ao mar no um submarino – este procedimento já foi segundo semestre de 2019. realizado em meios da Marinha do Brasil Neste segundo PMG, serão realizados e no Submarino Santa Cruz, da Armada da diversos serviços importantes, dentre os República da Argentina. Após o período de quais se destacam a revisão geral dos manutenção, o Tamoio estará pronto para motores de combustão principais e dos iniciar outro ciclo operativo, registrando geradores, dos sistemas de ar comprimido e mais um marco na história do primeiro hidráulico, dos equipamentos eletrônicos e submarino fabricado no Hemisfério Sul, sensores, bem como a troca das baterias. O tendo sido construído pelo próprio AMRJ. sistema de combate será modernizado, com (Fonte: www.mar.mil.br)

PROSUB AVANÇA NA CONSTRUÇÃO DO SEGUNDO SUBMARINO CONVENCIONAL

A Nuclebrás Equipamentos Pesados casco resistente do S-BR2, Submarino Hu- S.A. (Nuclep) entregou à Itaguaí Cons- maitá, segundo dos quatro navios conven- truções Navais (ICN), em cerimônia no cionais deste tipo previstos no Programa de município de Itaguaí (RJ), a última seção do Desenvolvimento de Submarinos (Prosub).

Última seção do casco resistente do Submarino Humaitá é entregue pela Nuclep

306 RMB1oT/2017 NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Essa etapa representa um marco im- Durante a cerimônia, o coordenador- portante na construção dos submarinos -geral do Programa de Desenvolvimento convencionais no País. O casco resisten- de Submarino com Propulsão Nuclear, Al- te do S-BR2 é o primeiro com tecnologia mirante de Esquadra (RM1) Gilberto Max francesa integralmente produzido no Roffé Hirschfeld, parabenizou os operários, Brasil. Todas as seções do casco re- técnicos, engenheiros e gestores da Nuclep sistente do Humaitá estão na ICN para e da ICN pelo empenho de todos e por mais instalação de diversos equipamentos e essa conquista. sistemas. (Fonte: www.mar.mil.br)

PRIMEIRA MULHER COMBATENTE INTEGRA TROPA DA ONU

A Segundo-Tenente (AFN) Débora Fer- reira de Freitas, do Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais (GptOpFuzNav), é a primeira mulher combatente do Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) e das Forças Ar- madas brasileiras a integrar uma tropa em missão de paz. No ano passado, a Tenente Débora concluiu o curso de Especialização em Guerra Anfíbia e tornou-se a primeira mulher habilitada a comandar um pelotão de infantaria no Brasil. A oficial ingressou no CFN em 2004 no Quadro de Músicos, no qual as mulheres têm a oportunidade de entrar como terceiro- -sargento. Ao concluir o nível superior, ela prestou, em 2014, concurso interno para o Quadro de Oficiais Auxiliares da Marinha, sendo aprovada. Atualmente a Tenente Débora exerce Segundo-Tenente Débora Ferreira é a primeira mulher a função de oficial de Assuntos Civis e de habilitada a comandar um pelotão de infantaria no Brasil Comunicação Social do GptOpFuzNav, com e a integrar tropa em missão de paz a missão de planejar e executar ações de das Nações Unidas para Estabilização do coordenação civil-militar a fim de contribuir Haiti (Minustah) é formado por 850 mili- para a manutenção do ambiente seguro e tares, sendo 181 da MB, 639 do Exercito estável na área de atuação do Grupamento. Brasileiro e 30 da Força Aérea Brasileira. Como oficial de Comunicação Social, atua A maior parte do efetivo da Marinha, 175 na divulgação do nome da Marinha do Brasil militares, faz parte do GptOpFuzNav, peça (MB) e, consequentemente, dos Fuzileiros de manobra do Brabat. O Grupamento tem Navais para as nações e forças amigas. constituição semelhante à do Batalhão, com Os militares que compõem o 25o Con- um comando, estado-maior e frações de tingente do Batalhão de Infantaria de apoio e de combate. Força de Brasileiro (Brabat 25) na Missão (Fonte: www.mar.mil.br)

RMB1oT/2017 307 NOTICIÁRIO MARÍTIMO MARINHA MERCANTE APRESENTA SINAL DE RECUPERAÇÃO

Alunos da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante (Efomm) tiveram, em 3 de novembro último, um bom motivo para acreditar na recuperação do merca- do de trabalho da Marinha Mercante brasileira: na- quele dia, foi realizado o lançamento e batismo do PSV Pinguim, o mais novo navio pertencente à Wilson Sons UltraTug Offshore. A empresa de navegação é parceira do Centro de Instrução Almirante Graça Alunos da Efomm ao lado da madrinha do navio, Elisandra Tozatto Aranha (Ciaga) na tarefa de disponibilizar vagas O lançamento do 23o navio da Wilson aos recém-formados praticantes alunos que Sons, parte do pacote de modernização da necessitam do período de embarque para empresa, iniciado em 2000, é um alento completar sua formação. para o mercado, que enfrenta dificuldades consequentes do atual período eco- nômico brasileiro, e vem estimular os alunos da Efomm, futuros ho- mens e mulheres da Marinha Mer- cante, a acreditarem na melhora deste mercado no qual é realizado o transporte comercial e são explora- das as principais riquezas do Brasil. Navio Mercante PSV Pinguim (Fonte: www.mar.mil.br)

OPERAÇÃO SHIP TO SHIP

Os navios petroleiros Navion Stavanger rinha do Brasil, por intermédio de oficiais (Suezmax) e TI Hellas (Very Large Crude da Diretoria de Portos e Costas (DPC) e Carrier) realizaram, em 19 de janeiro últi- da Capitania dos Portos do Espírito Santo. mo, a operação piloto Ship to Ship, ao largo Com foco nos aspectos relacionados à do porto de Vitória (ES). A operação refere- segurança e à preservação do meio ambien- -se à transferência de carga entre navios a te, a ação aconteceu para que pudessem ser contrabordo e foi acompanhada pela Ma- comprovados os resultados dos estudos

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sileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), além de téc- nicos da Petrobras e da Transpetro, também estiveram a bordo dos navios. A Operação Ship to Ship é uma alternativa a utilizaço de portos ou terminais, o que evita os longos deslocamentos dos navios, promo- vendo a redução de custos operacionais. O local escolhido foi o litoral do Espírito Santo, que possui condições climáticas favoráveis para operações dessa natureza. A DPC encontra-se em fase de elabo- Com os navios emparelhados, a Primeiro-Tenente (T) ração de procedimentos específicos para Vanessa Luna, especialista em Segurança do Tráfego Aquaviário, acompanha a Operação Ship to Ship esse tipo de operação, que serão inseridos nas Normas da Autoridade Marítima sobre e das simulações no Tanque de Provas Tráfego e Permanência em Águas Juris- Numérico da Universidade de São Paulo dicionais Brasileiras – Normam-08/DPC. (USP). Representantes do Instituto Bra- (Fonte: www.mar.mil.br)

AUTORIDADE MARÍTIMA BATE RECORDE DE ATENDIMENTO

Gráfico de apresentação de atendimento

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O Sistema de Atendimento ao Público aos usuários, a fim de alertá-los sobre as (Sisap) utilizado pelos agentes da Autorida- mudanças de status em seus documentos. de Marítima constatou um aumento das de- Esta iniciativa, além de representar um mandas da comunidade marítima por mais acréscimo de 17,13% em relação ao ano de 160 tipos de serviços prestados pelas anterior, reduziu de forma expressiva a 27 capitanias, 14 delegacias, 22 agências e necessidade de ida de usuários a Organi- pelos dois Centros de Instrução – Almirante zações Militares para tomar conhecimento Graça Aranha (Ciaga) e Almirante Braz de do andamento de seus processos, agilizan- Aguiar (CIABA) – que integram o Siste- do o atendimento. ma de Segurança do Tráfego Aquaviário Dentre os serviços de prontificação de (SSTA) e o sistema do Ensino Profissional documentos mais procurados pela comu- Marítimo (EPM). nidade marítima, destacaram-se a obten- A Diretoria de Portos e Costas (DPC) ção de carteira de habilitação de amador observou que a demanda pela prontifica- (CHA), de carteira de inscrição e registro ção de documentos foi uma das que mais (CIR) e de certificados de cursos realizados se destacaram nas estatísticas, saltando de no âmbito do Ensino Profissional Marítimo; 184.143 no ano de 2015 para 217.250 em a transferência de propriedade de embarca- 2016, um acréscimo de 17,98 % no volume ções de esporte e recreio e as inscrições de de solicitações atendidas. O balanço do Si- embarcações, totalizando um número de sap também registrou que 398.113 emails 172.003 atendimentos em 2016. foram encaminhados automaticamente (Fonte: www.mar.mil.br)

DPC ATUALIZA NORMAM

A Diretoria de Portos e Costas (DPC) embarcações de apoio portuário. Também atualizou as Normas da Autoridade Maríti- foi incluída nova tabela contendo a defi- ma para embarcações empregadas na nave- nição de 61 tipos de embarcações e foram gação interior (Normam-02/ DPC). Tais mudanças foram necessárias para incrementar a segurança da navegação e salvaguardar a vida humana, bem como para esclarecer os processos de inscrição e transferência de propriedade de embarcações, que foram divulgadas em Diário Oficial da União por intermédio de portarias da DPC. Dentre as alterações pro- movidas, destaca-se o novo Anexo 1-D, que estabelece parâmetro mínimos de segu- rança para as tripulações de Fiscalização de embarcações pela Marinha

310 RMB1oT/2017 NOTICIÁRIO MARÍTIMO

estabelecidas novas validades para os que 20. A instalação de sistema de alto- Certificados de Segurança da Navegação -falantes para a divulgação de informações (CSN), de forma a harmonizar com a Nor- nas embarcações que transportam mais mam-01/DPC, específica para embarcações de 100 passageiros também faz parte das empregadas em mar aberto. atualizações. As atualizações incluem, ainda, as revi- Essas alterações representam um avan- sões das Listas de Verificação para Visto- ço especialmente na padronização de rias de CSN, do capítulo referente à dotação procedimentos previstos na Normam-02/ de material de segurança, registrando a DPC, não apenas nos aspectos técnicos, obrigatoriedade de rádio VHF fixo para as mas também nos burocráticos, uma vez embarcações de transporte de passageiros que foram listadas de forma detalhada as com propulsão, além da obrigatoriedade documentações a serem apresentadas nas de bombas de esgoto para embarcações de Capitanias dos Portos e suas Delegacias e passageiros com Arqueação Bruta (AB) Agências subordinadas. maior que 10 e de carga com AB maior (Fonte: www.mar.mil.br)

NORMAS DA AUTORIDADE MARÍTIMA PARA AMADORES SÃO ALTERADAS As Normas da Autoridade Marítima evitar manobras bruscas, uma vez que a para Amadores, Embarcações de Esporte e/ criança deverá ter condições de manter-se ou Recreio e para Cadastramento e Funcio- firme no dispositivo. namento das Marinas, Clubes e Entidades A Autoridade Marítima Brasileira revisa Desportivas Náuticas (Normam-03/DPC) constantemente suas normas, com o propó- foram alteradas, em 22 de dezembro último, sito de sempre contribuir para o incremento por meio da Portaria 426/2016, assinada da segurança em rios, mares e lagos. pelo diretor de Portos e Costas. (Fonte: www.mar.mil.br) Entre as alterações estão as no- vas regras para transporte de crian- ças em motos aquáticas, tal como a proibição na condução de crianças com idade inferior a 7 anos; as com idade igual ou superior a 7 anos e inferior a 12 deverão ser conduzi- das na garupa da moto aquática, acompanhadas ou autorizadas por seus pais ou responsáveis. Foi ainda recomendado como a melhor situação o transporte de crianças entre dois adultos, em moto aquá- tica de três lugares. Outra recomendação estabe- lecida pela norma é a condução da embarcação em velocidades Criança posicionada entre dois adultos em uma seguras e controladas, de modo a moto aquática para três lugares

RMB1oT/2017 311 NOTICIÁRIO MARÍTIMO REUNIÃO ANUAL DO PACIOSWG

A Marinha do Bra- sil (MB), por meio do Comando do Controle Naval do Tráfego Ma- rítimo, sediou, de 23 a 27 de janeiro último, a Reunião Anual do Grupo de Trabalho so- bre Tráfego Marítimo dos Oceanos Pacífico e Índico (PACIOSWG, sigla em inglês). Es- tiveram presentes ao evento representantes dos seguintes países: Representantes dos países participantes na reunião Austrália, Canadá, Chi- O evento também se destinou a capaci- le, Estados Unidos da América, Equador, tar a MB para o planejamento e execução França, Nova Zelândia, Reino Unido e do exercício internacional de CNTM Bell República da Coreia do Sul. Buoy, de 8 a 12 de maio deste ano. Este O propósito da reunião foi compartilhar Exercício proporcionará a oportunidade de informações que visem à melhoria da se- aprimorar os conhecimentos sobre a dou- gurança do Tráfego Marítimo (TM), bem trina NCAGS e de testar os procedimentos como estreitar o relacionamento entre os sobre compartilhamento de informações órgãos internacionais responsáveis por essa sobre o TM com as Marinhas pertencentes atividade. Trata-se de um importante foro ao PACIOSWG, bem como com outras para a MB, pela oportunidade de acompa- instituições governamentais com interesse nhar as evoluções da Naval Cooperation no mar, buscando, assim, a vanguarda da and Guidance for Shipping (NCAGS), que Cooperação Multinacional e Multiagencial é a doutrina de Controle Naval de Tráfego em proveito do incremento da consciência Marítimo (CNTM) aplicada pela Organiza- situacional marítima brasileira. ção do Tratado do Atlântico Norte (Otan). (Fonte: www.mar.mil.br)

AgCSul APOIA REMOÇÃO DE ATINGIDOS POR CHEIAS NO ACRE

Militares da Agência Fluvial de Cruzei- dos rios Juruá e Moa, a maior cheia desde ro do Sul (AgCSul) prestaram apoio à De- o ano de 1995. fesa Civil e ao Corpo de Bombeiros Militar Durante as ações, os militares realiza- do Estado do Acre, em janeiro último, na ram as remoções de pessoas das áreas de retirada de famílias atingidas pelas cheias risco para os abrigos disponibilizados pela

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Prefeitura de Cruzeiro do Sul (AC). Na ocasião, participaram da ação outros órgãos, dentre eles: o 61o Batalhão de Infantaria de Selva, o Serviço de Aten- dimento Móvel de Urgência (Samu), o Instituto de Meio Ambiente do Acre, a Defesa Civil estadual e a Defesa Civil municipal. (Fonte: www.mar.mil.br) Militares durante o resgate de moradores

DESAFIOS GERENCIAIS EM DEFESA

Foi lançado, pela FVG Editora, o li- vro Desafios gerenciais em defesa, de Paulo Roberto Motta, Valentina Go- mes Haensel Schmitt e Carlos Antônio Raposo de Vasconcellos (organizado- res). A obra, de 367 páginas, reúne 15 textos de profissionais e estudiosos de políticas e gestão de Defesa e da ad- ministração militar, com abordagens diversas e interdisciplinares. O livro apresenta desafios em gerenciar grandes instituições, entre elas as Forças Armadas, em capítulos que abordam, de modo geral: aspectos contemporâneos da gestão estratégica da defesa nacional, a gestão de pesso- as, a relevância da cultura e do mul- ticulturalismo, o trabalho emocional e psicológico nas ações militares, a liderança e a logística. Além dos organizadores, assinam os artigos da coletânea os seguintes autores: Jacintho Maio Neto, Jorge Calvario dos Santos, Luís Moretto Neto, Rejane Pinto Costa, Flávio Sérgio Rezende Nunes de Souza, Armando Santos Moreira da Cunha, Edson Willian Trajano de Andrade Costa, Angela Gonçalves Lopes, Joaquim Rubens Fontes Maria Monteiro Silva, Fátima Bayma de Filho, José Francisco de Carvalho Rezande, Oliveira, Ândrei Clauhs, Moacir Fabiano Reinaldo Costa de Almeida Rêgo, Diego Schmitt, Neyde Lúcia de Freitas Souza e de Faveri Pereira Lima, Elias Ely Gomes Thales Mota de Alencar. Vitório, José Joaquín Clavería Gusmán, (Fonte: www.mar.mil.br)

RMB1oT/2017 313 NOTICIÁRIO MARÍTIMO A DEFESA DO OURO NEGRO DA AMAZÔNIA AZUL

A Escola de Guerra Naval (EGN) lan- A publicação traz como tema central a çou, em julho último, o livro A Defesa do segurança e a defesa das plataformas dos Ouro Negro da Amazônia Azul, de autoria campos marítimos de exploração e explota- do Capitão de Mar e Guerra Luciano Ponce ção de petróleo e gás. Abordando em duas Carvalho Judice e do Capitão de Fragata vertentes, uma estratégica-operacional e a (FN) Charles Pacheco Piñon, ambos mem- outra normativa e regulatória, os autores bros do corpo docente da EGN. apóiam-se em consistentes pesquisas, desenvolvidas no programa de Pós-Gra- duação em Estudos Marítimos da EGN, apresentando visões atuais e instigantes sobre as complexas questões que envolvem a região das águas jurisdicionais brasilei- ras de inegável importância estratégica e econômica. A obra reflete a necessidade de conver- gência das atividades de aplicação da lei, proteção de infraestruturas críticas, inteli- gência e Defesa, entre outras atribuições, para que uma grande estratégia nacional encare com profundidade os desafios e potencialidades de nossa Amazônia Azul. Leitura recomendada para todos aqueles que se interessam pelos temas nacionais de grande relevância para o país. O livro está disponível para consulta e empréstimo na Biblioteca da Marinha. Informações: www.mar.mil.br/dphdm/ biblioteca/servicos-da-biblioteca.

VENDA DE PUBLICAÇÕES E LIVROS DA DPHDM

A Editora Serviço de Documentação da Com esta nova facilidade, o antigo Marinha, da Diretoria do Patrimônio Históri- posto de venda da DPHDM, localizado co e Documentação da Marinha (DPHDM), no prédio do Arquivo da Marinha, na está comercializando, desde dezembro últi- Ilha das Cobras, não está mais em mo, sua produção editorial por meio de seu funcionamento. Informações adicionais site, em parceria com a Empresa Gerencial podem ser obtidas em http://www. de Projetos Navais (Emgepron). O catalógo dphdm.mb/ e https://www1.mar.mil.br/ de vendas está disponível em http://www. dphdm/. publicacoesnavais.com.br. (Fonte: Bono no 962, de 21/12/2016)

314 RMB1oT/2017 NOTICIÁRIO MARÍTIMO SOAMAR – ENCONTRO DOS PRESIDENTES, CONVENÇÃO NACIONAL E POSSE DO NOVO PRESIDENTE

A Sociedade Amigos da Marinha 2016, como a criação de três novas Soamar (Soamar), em parceria com o Comando regionais, e desejou êxito ao presidente do 4o Distrito Naval (Belém-PA), com o empossado. Centro de Comunicação Social da Marinha No dia 19, ainda na capital maranhense, (CCSM) e com a Capitania dos Portos do foi realizada a XXI Convenção Nacional Maranhão, promoveu, em 17 de novembro da Sociedade Amigos da Marinha, que último, em São Luís (MA), o II Encontro culminou na eleição, por aclamação, e Nacional de Presidentes de Soamar. O com a totalidade dos votos, do presidente evento foi presidido pelo diretor-geral de da Soamar-Florianópolis, César Amorim Navegação, Almirante de Esquadra Paulo Krieger, como vice-presidente da Soamar- Cezar de Quadros Küster, que, a convite, -Brasil para o biênio de 2016 a 2018. De representou o comandante da Marinha. acordo com o estatuto da instituição, o Após a abertura do encontro, o anfitrião vice-presidente eleito fica no cargo por dois e comandante do 4o Distrito Naval, Vice- anos e, subsequentemente, mais dois como -Almirante Alípio Jorge Rodrigues da Sil- presidente. Os soamarinos tiveram a opor- va, fez uma apresentação com o título “A tunidade de participar da cerimônia alusiva Marinha do Brasil”. O Encontro Nacional ao Dia da Bandeira, ocorrida na Capitania de Presidentes de Soamar é uma oportuni- dos Portos do Maranhão. A convenção dade de troca de experiências e integração foi encerrada com um evento de confra- entre militares da Marinha do Brasil e pre- ternização, durante o qual César Krieger sidentes das Soamar existentes no País. A recebeu das mãos de sua esposa, Raquel Sociedade Amigos da Marinha foi fundada Krieger, o broche de vice-presidente da em julho de 1979 e é uma instituição sem Soamar-Brasil. fins lucrativos composta por civis e mili- (Fonte: www.mar.mil.br) tares que têm por propósito colaborar e divulgar as ações da Marinha. Um dia após o encontro, também em São Luís, foi re- alizada a cerimônia de trans- missão de cargo de presidente da instituição. O comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, presidiu a ceri- mônia e declarou empossado como novo presidente Orson Antônio Féres Moraes Rêgo. Em seu discurso, o Almirante Leal Ferreira ressaltou reali- Comandante da Marinha acompanhado do ex-presidente da Soamar- zações do então presidente Brasil, Valter Porto (à sua esquerda), e o novo presidente empossado, Valter Porto no biênio 2014- Orson Féres

RMB1oT/2017 315 NOTICIÁRIO MARÍTIMO MB APOIA TIMOR-LESTE NA IMPLANTAÇÃO DA AUTORIDADE MARÍTIMA

Com o propósito de auxiliar o Timor- ração na área de defesa entre o Brasil e o -Leste na implantação da Autoridade Marí- Timor-Leste. Além dos cursos de formação tima, um oficial da Marinha do Brasil (MB) oferecidos aos oficiais timorenses no Brasil, passará a trabalhar como assessor militar do tanto pela MB quanto pelo Exército Bra- ministro da Defesa timorense. O Capitão de sileiro (EB), essa parceria agora também Fragata (CF) Jorge Silva Filho foi apresen- passa a contar com a presença de um oficial tado ao ministro da Defesa do Timor-Leste, da MB e dois do EB naquele país. Cirilo Cristovão, em dezembro último, du- (Fonte: www.mar.mil.br) rante reunião deste com o então adido brasileiro de Defesa Naval, do Exér- cito e Aeronáutico no Japão e no Timor-Leste, Capitão de Mar e Guerra (CMG) Flávio de Jesus Costa. Na ocasião, foi apresentado também ao ministro o CMG Mauro Castro Júnior, que assu- miu o cargo em 18 de janeiro de 2017. O embaixador do Brasil no Timor-Leste, Adelmo Garcia, também esteve presente duran- te a apresentação dos Da esquerda para a direita: Coronel Cavalcante (EB); embaixador do Brasil no dois oficiais e destacou Timor-Leste; CMG Castro Júnior; ministro da Defesa do Timor-Leste; CMG o crescimento da coope- Flávio; CF Silva Filho e assessores do ministro da Defesa timorense

MB PRESTA ATENDIMENTO DE SAÚDE A INDÍGENAS DA ETNIA KATUKINA

Vinte e cinco militares da Marinha do Brasil (MB) prestaram atendimento médico e odontológico, em 8 de fevereiro último, a indígenas da etnia Katukina das aldeias Campinas, Waninawa, Samauma, Masheya, Bananeira, Martins e Warinawa, localizadas na BR 364, a 55 km do municí- População indígena recebe atendimento médico

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pio de Cruzeiro do Sul, no estado do Acre. Sul e do Distrito Sanitário Especial Indí- Na ocasião, os indígenas também assistiram gena. Durante todo o dia, 234 indígenas a palestras de prevenção à saúde. receberam 2.904 procedimentos médicos, A ação aconteceu durante a Operação odontológicos e de enfermagem, gratui- Acre 2017, realizada pelo Navio de Assis- tamente, da equipe de saúde do navio, tência Hospitalar Doutor Montenegro, e que distribuiu 4.610 medicamentos aos contou com o apoio da Secretaria de Saúde pacientes. e da Prefeitura Municipal de Cruzeiro do (Fonte: www.mar.mil.br)

PESCADOR ACIDENTADO É TRATADO EM CÂMARA HIPERBÁRICA

O Comando do Grupamento de Patrulha O serviço foi prestado a um pescador debi- Naval do Nordeste, por meio do Grupo de litado pertencente à colônia de São Miguel Mergulho e com o apoio do Hospital Naval do Gostoso (RN), envolvido em um acidente de Natal (HNNa), realizou, em 12 de novem- de mergulho na pesca da lagosta. bro último, mais um tratamento hiperbárico. Ao longo de 2016, foram atendidos pescadores das colônias de Pirangi (RN), Rio do Fogo (RN), Caiçara do Norte (RN) e Aracati (CE) nos cuidados relacionados às doenças descompressivas e pacientes do HNNa para a realização de tratamento ba- seado na oxigenoterapia. A câmara hiper- bárica, única existente na área do Comando do 3o Distrito Naval (Natal-RN), dispõe de algumas possibilidades, tais como: recom- pressões pautadas em tabelas específicas, tratamento de doenças descompressivas e aplicação de oxigenoterapia hiperbárica alternativa. Médico do HNNa acompanhando tratamento do paciente (Fonte: www.mar.mil.br)

CRIAÇÃO E INCORPORAÇÃO DO ESTANDARTE DA MARINHA MERCANTE O Centro de Instrução Almirante Graça e membros da comunidade marítima. Aranha (Ciaga) realizou, em 2 de fevereiro Durante a incorporação do estandarte à último, a cerimônia de criação e incorpo- guarda-bandeira do Ciaga, o diretor-geral ração do estandarte da Marinha Mercante de Navegação, Almirante de Esquadra brasileira. O evento contou com a presença Paulo Cezar de Quadros Küster, convidou de autoridades militares, ex-comandantes o representante da comunidade marítima, do Ciaga, alunos da Escola de Formação Capitão de Longo Curso Álvaro José de de Oficiais da Marinha Mercante (Efomm) Almeida Jr., para a entrega oficial.

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de 1.20 m x 1.00 m, debruado com torçal de ouro, com o chefe de azul com a cons- telação do Cruzeiro do Sul e o contrachefe de prata separado do chefe por fronteira ondulada com a roda do leme e a silhueta de navio a vapor, de ouro e filetados de preto. O estandarte é firmado num mastro forrado de azul e ouro, encimado por ponta de lança, de ouro, e guarnecido por duas fitas, de azul e ouro, franjadas de ouro, com a inscrição “Marinha Mercante”, de prata, Estandarte da Marinha Mercante (em primeiro numa delas, ambas pendentes de uma roseta plano) incorporado à guarda-bandeira azul e ouro. O azul do chefe alude ao firmamento O estandarte da Marinha Mercante do litoral brasileiro; e o brasileira foi criado pelo representante da metal prata do contra- Autoridade Marítima em parceria com o -chefe, a esperança dos Centro de Capitães da Marinha Mercante, componentes da Mari- com apoio da Diretoria do Patrimônio nha Mercante. A roda do Histórico e Documentação da Marinha leme com a silhueta de (DPHDM). A criação do estandarte teve navio a vapor enaltece a os propósitos de valorizar os profissionais figura de Irineu Evange- da Marinha Mercante brasileira e reforçar lista de Souza, Visconde O estandarte os laços históricos que sempre uniram a de Mauá, Patrono da Marinha do Brasil e a Marinha Mercante Marinha Mercante bra- na formação de homens e mulheres que, sileira. A constelação do pelo mar, contribuem para o desenvolvi- Cruzeiro do Sul e a roda mento do Brasil. do leme determinam o rumo seguro a ser O estandarte da Marinha Mercante seguido pelos navios da Marinha Mercante. constitui-se num campo retangular de seda (Fonte: www.mar.mil.br)

MILITARES DA FRAGATA LIBERAL PARTICIPAM DE AUDIÊNCIA GERAL NO VATICANO

Uma representação de 150 militares da Fragata Liberal, em visita a Itália, foi recebida, em 31 de agosto passado, em audiência geral no Vaticano. Na ocasião, o comandante do navio, Capitão de Fra- gata Ricardo Silveira Mello, presenteou o Papa Francisco com uma pintura a óleo Comandante do navio entrega a pintura a óleo da Fragata da fragata. Liberal ao Papa Francisco

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A Fragata Liberal estava em trânsito na Força-Tarefa Marítima (FTM) da Força In- ocasião, após suspender da Base Naval do terina das Nações Unidas do Líbano (Unifil). Rio de Janeiro (BNRJ) no dia 7 de agosto O navio substituiu a Fragata Independência de 2016 com destino ao Líbano, a fim de na função, no décimo rodízio de navios da assumir a condição de navio capitânia da Marinha do Brasil integrantes da FTM/Unifil.

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