UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE CAMPUS DE FRANCISCO BELTRÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CCH PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM GEOGRAFIA

RESGATE HISTÓRICO E ANÁLISE ESPAÇO-TEMPORAL DA OCUPAÇÃO DA TERRA INDÍGENA DE MANGUEIRINHA, PARANÁ (1975 A 2019)

PATRICIA FERNANDA DERLAN

FRANCISCO BELTRÃO – PR 2020

PATRICIA FERNANDA DERLAN

RESGATE HISTÓRICO E ANÁLISE ESPAÇO-TEMPORAL DA OCUPAÇÃO DA TERRA INDÍGENA DE MANGUEIRINHA, PARANÁ (1975 A 2019)

Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós Graduação em Geografia – área de concentração: “Produção do Espaço e Meio Ambiente”, na linha de pesquisa “Dinâmica, Utilização e Preservação do Meio Ambiente”, para a obtenção do título de Mestre em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Luciano Zanetti Pessôa Candiotto.

Coorientador: Prof. Dr. Juliano Andres.

FRANCISCO BELTRÃO – PR 2020

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos que vêm da luta, e que vão à luta; Aos que entendem que política se faz com livros, não armas; Aos indígenas que constantemente saem em defesa de seu território; e Aos que acreditam que a educação pública é uma forma de inserção e resistência.

AGRADECIMENTOS

Aos indígenas que se dispuseram a colaborar com o desenvolvimento da pesquisa e que nela viram uma forma de defesa de sua terra. Ao Professor Doutor Luciano Zanetti Pessôa Candiotto, orientador deste trabalho, por todo o encaminhamento, paciência, indicações e interesse com a pesquisa. Ao Professor Doutor Juliano Andres, coorientador desta pesquisa, por não medir esforços quanto ao desenvolvimento dos mapas e análise das imagens. À banca de qualificação e defesa, Professor Doutor Elvis Rabuske Hendges e Professor Doutor Fernando Cesar Manosso pelas grandes contribuições. À Universidade Estadual do Oeste do Paraná pela oferta do programa, colegas e professores que vieram contribuir em minha formação. À família, pela compreensão e apoio em toda essa jornada, meus pais Neviani e Aureo, irmão Carlos Henrique. Ao Edinei, por todas as vezes que se fez presente acalmando-me e sendo meu alicerce.

EPÍGRAFE

Quem me dera ao menos uma vez Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem Conseguiu me convencer que era prova de amizade Se alguém levasse embora até o que eu não tinha

[...]

Quem me dera ao menos uma vez Provar que quem tem mais do que precisa ter Quase sempre se convence que não tem o bastante Fala demais por não ter nada a dizer

Quem me dera ao menos uma vez Que o mais simples fosse visto Como o mais importante Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente

[...]

Quem me dera ao menos uma vez Como a mais bela tribo Dos mais belos índios Não ser atacado por ser inocente

Renato Russo

RESGATE HISTÓRICO E ANÁLISE ESPAÇO-TEMPORAL DA OCUPAÇÃO DA TERRA INDÍGENA DE MANGUEIRINHA, PARANÁ (1975 A 2019)

RESUMO

O atual cenário de exploração e degradação da natureza no Brasil é resultado histórico de um modelo agroexportador implementado desde o início da ocupação territorial do país, mas que, após a década de 1960, com os efeitos da Revolução Verde, ampliaram as áreas de cultivo agrícola, bem como, o uso de agroquímicos (agrotóxicos e fertilizantes sintéticos). Desde o início da colonização brasileira, os povos nativos vêm sendo dizimados e empurrados aos espaços menos aproveitáveis para práticas agrícolas. Diante deste cenário, e de maneira a contribuir com as pesquisas nas áreas de meio ambiente e território, surgiu a proposta desta pesquisa de mestrado, que buscou analisar a evolução da cobertura florestal na Terra Indígena de Mangueirinha e a situação atual do uso da terra na referida área. Inicialmente, a pesquisa aborda assuntos pertinentes aos objetivos e à metodologia utilizada, seguida de uma fundamentação teórica pautada em pesquisa bibliográfica, e da produção de mapas (político; físico; mapas de cobertura florestal e uso da terra das últimas cinco décadas; entre outros). A parte teórica, trata da relação sociedade e natureza, degradação social e natural histórica do Brasil e Revolução Verde. Na perspectiva de compreender as territorialidades que envolvem a Terra Indígena de Mangueirinha, localizada no Sudoeste do Estado do Paraná, há uma pesquisa teórica documental que trata da sua localização, vegetação, divisão das glebas, disputas judiciais e áreas que estão sendo degradadas pelo avanço da agricultura capitalista. Em seguida, discute-se a análise da cobertura florestal do território, a partir de mapas criados para os anos de 1975, 1984, 1994, 2003, 2011 e 2019, sendo possível, também, estimar os espaços que deixaram de ser floresta primária, os que se tornaram locais de floresta em estágio avançado e os espaços que permaneceram sendo floresta entre os anos analisados. Verificou-se que, nos últimos anos, houve inúmeras mudanças na cobertura florestal da Terra Indígena de Mangueirinha, principalmente frente ao corte de espécies nativas da vegetação, sobretudo a Araucária Angustifolia. Atualmente, percebe-se que grande parte do território é composto por florestas, mas que, boa parte delas é constituída por florestas secundárias, que se regeneraram em áreas que foram desmatadas no passado. Palavras-Chave: Mapeamento; cobertura florestal; uso da terra; guarani; kaingang.

HISTORICAL RESCUE AND SPACE-TEMPORAL ANALYSIS OF MANGUEIRINHA’S INDIGENOUS LAND OCCUPATION, PARANÁ (1975 TO 2019)

ABSTRACT

The current scenario of exploitation and degradation of nature in is the historical result of an agro-exporting system implemented since the beginning of the country territorial occupation, but which after the 1960s, with the effects of the Green Revolution, expanded agricultural cultivation areas, as well as the use of agrochemicals (pesticides and synthetic fertilizers) allied to this exporting matrix. Since the beginning of Brazilian colonization, native peoples have been decimated and pushed into less usable spaces for agricultural practices. In view of this scenario, the master's degree proposal research has emerged, in order to contribute to the surveys in the environmental and territoral areas, which sought to analyze the forest cover and land use in the Mangueirinha Indigenous Land. Initially, the research addresses issues relevant to the objectives and the methodology used, followed by a theoretical basis based on bibliographic research and maps (political; physical; maps of forest cover and land use in the last five decades; among others). The theoretical part deals with the relationship between society and nature, the social and natural degradation in Brazil and the Green Revolution. With a view to understand the territorialities that surround the Mangueirinha Indigenous Land, located in the Southwest of Paraná State, there is a theoretical documentary research dealing with its location, vegetation, plots division, legal disputes and areas that are being degraded by the advance of capitalist agriculture. Then, the analysis of the territory forest cover is analyzed, based on maps generated for the years 1975, 1984, 1994, 2003, 2011 and 2019, and it is also possible to estimate the spaces that are no longer primary forests, those that became forest places in an advanced stage and the spaces that remained as forest between the analyzed years. Based on the analyzes, therefore, it was found that in recent years, there have been numerous changes in the forest cover of the Mangueirinha Indigenous Land, mainly in view of the logging of native vegetation species, especially Araucária Angustifolia. Currently, it was noted that a large part of the territory is made up of forests, but that a good part of them is made up of secondary forests, which have been regenerated in areas that were deforested in the past.

Keywords: Mapping; forest cover; land use; Guaraní; Kaingang.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Localização da Terra Indígena de Mangueirinha...... 36

Figura 2 – Aldeia Palmeirinha...... 49

Figura 3 – Análise temporal dos mapas...... 96

Figura 4 – Análise temporal das cartas imagens...... 97

Figura 5 – Linha do tempo com os principais acontecimentos...... 98

LISTA DE FOTOS

Foto 1 – Floresta de araucárias na TI de Mangueirinha...... 48

Foto 2 – Vista aérea de parta de TI de Mangueirinha...... 48

Foto 3 – Entorno da Aldeia Palmeirinha, de comunidade Guarani...... 50

Foto 4 – Escola da Aldeia Palmeirinha...... 51

Foto 5 – Uma das igrejas da Aldeia Palmeirinha...... 51

Foto 6 – Aldeia Passo Liso...... 52

Foto 7 – Posto de saúde na Aldeia Passo Liso...... 53

Foto 8 – Ginásio poliesportivo...... 53

Foto 9 – Floresta Ombrófila Mista (FOM)...... 65

Foto 10 – Floresta Estacional Semidecidual (FES)...... 66

Foto 11 – Área recentemente queimada e desmatada para plantio de lavoura de milho...... 67 Foto 12 – Área recentemente queimada e desmatada para plantio de lavoura de milho com floresta ao fundo...... 67 Foto 13 – Paisagem com vegetação rasteira (campo)...... 68

Foto 14 – Paisagem com lavoura (milho seco e soja verde)...... 69

Foto 15 – Rodovia PR 281, que dá acesso à cidade de Mangueirinha...... 72

Foto 16 – Paisagem da Aldeia Sede, às margens da Rodovia PR 281...... 72

Foto 17 – Floresta com supressão parcial de árvores a partir de queimada...... 73

Foto 18 – Floresta secundária abaixo da linha de transmissão de energia...... 74

Foto 19 – Lavoura abaixo da linha de transmissão de energia...... 74

Foto 20 – Floresta secundária em estágio avançado...... 80

Foto 21 – Área de regeneração florestal...... 81

Foto 22 – Floresta em estágio avançado (ao fundo da paisagem)...... 86

Foto 23 – Solo exposto na margem do reservatório no Rio Iguaçu...... 90 Foto 24 – Pinheirão dentro da TI de Mangueirinha...... 91 Foto 25 – Paisagem atual com três classes de uso da terra presentes nos mapeamentos...... 92

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Evolução temporal do uso da terra na TI de Mangueirinha...... 93

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Mapa Político da Terra Indígena de Mangueirinha...... 37 Mapa 2 – Hipsometria da Terra Indígena de Mangueirinha...... 39 Mapa 3 – Delimitação da Terra Indígena de Mangueirinha, com fotos de paisagens representativas de usos da terra...... 61 Mapa 4 – Uso da terra na TI de Mangueirinha em 1975...... 64 Mapa 5 – Uso da terra na TI de Mangueirinha em 1984...... 70 Mapa 6 – Uso da terra na TI de Mangueirinha em 1994...... 76 Mapa 7 – Uso da terra na TI de Mangueirinha em 2003...... 79 Mapa 8 – Uso da terra na TI de Mangueirinha em 2011...... 85 Mapa 9 – Uso da terra na TI de Mangueirinha em 2019...... 88 Mapa 10 – Áreas que deixaram de ser floresta entre 1984 e 1994...... 101 Mapa 11 – Áreas que se tornaram florestas entre 1994 e 2019...... 103 Mapa 12 – Áreas de florestas preservadas e em regeneração entre 1994 e 2019...... 105

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Hierarquia política na TI de Mangueirinha...... 54

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

APP: Área de Preservação Permanente CAR: Cadastro de Imóvel Rural CBERS: China-Brazil Earth-Resources Satellite CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico DDT: Diclorodifeniltricloroetano DNA: Ácido desoxirribonucleico EMBRAPA: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EMBRATER: Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural FAO: Food and Agriculture Organization FES: Floresta Estacional Semidecidual FOM: Floresta Ombrófila Mista FPCI: Fundação Paranaense de Colonização e Imigração FUNAI: Fundação Nacional do Índio IBAMA: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS: Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviço INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ITCG: Instituto de Terras, Cartografia e Geologia do Paraná Landsat: Land Remote Sensing Satellite OGM: Organismos Geneticamente Modificados PIBIC: Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PSS: Processo Seletivo Simplificado RL: Reserva Legal SAF: Sistema Agroflorestal SIG: Geographic Information System

SPI: Serviço de Proteção aos Índios TI: Terra Indígena TRF: Tribunal Regional Federal UHE: Usina Hidrelétrica UNICENTRO: Universidade Estadual do Centro-Oeste VANT: Veículo Aéreo Não Tripulado

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 15 CAPÍTULO I – A DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO DA RELAÇÃO SOCIEDADE E NATUREZA...... 20 1.1 – A racionalidade Ocidental e a crise ambiental...... 20 1.2 – O modelo agrícola exportador...... 24 1.3 – Revolução Verde...... 26 1.3.1 – A Revolução Verde no Brasil...... 28 1.4 – A riqueza natural brasileira em contraste com a degradação ambiental...... 30 CAPÍTULO II – TERRA INDÍGENA DE MANGUEIRINHA...... 36 2.1 – Caracterização da área de estudo...... 36 2.2 – Resgate histórico...... 41 2.2.1 – Ocupação do território...... 42 2.3 – O território...... 43 2.4 – A Terra Indígena de Mangueirinha hoje...... 47 CAPÍTULO III – USO DA TERRA NA TERRA INDÍGENA DE MANGUEIRINHA...... 55 Sensoriamento Remoto e a importância do SIG...... 55 Procedimentos Metodológicos...... 58 3.1 – Avaliação sobre a cobertura florestal e o uso da terra em 1975...... 63 3.2 – Avaliação sobre a cobertura florestal e o uso da terra em 1984...... 69 3.3 – Avaliação sobre a cobertura florestal e o uso da terra em 1994...... 75 3.4 – Avaliação sobre a cobertura florestal e o uso da terra em 2003...... 78 3.5 – Avaliação sobre a cobertura florestal e o uso da terra em 2011...... 84 3.6 – Avaliação sobre a cobertura florestal e o uso da terra em 2019...... 87 3.7 – Espacialização do desmatamento e da regeneração florestal na TI de Mangueirinha...... 99 3.7.1 – Desmatamento entre 1984 e 1994...... 100 3.7.2 – Regeneração florestal (1994-2019)...... 102 3.7.3 – Florestas em estágio avançado preservadas entre 1994 e 2019...... 104 CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 107 REFERÊNCIAS...... 110

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INTRODUÇÃO

Ao final do século XX e início do século XXI, a sociedade apresenta-se em uma profunda crise humanitária e ambiental. Humanitária, pois, com a hegemonia do capitalismo no mundo, grande parte da população sofre em níveis de extrema pobreza, devido ao viés dominador e imperialista dos países desenvolvidos. Ambiental, pois a lógica da economia e do desenvolvimento econômico global trouxe sérias consequências ao ambiente. A industrialização desenfreada, promovida após a Revolução Industrial, passou a emitir grandes quantidades de gás carbônico na atmosfera, através da utilização de combustíveis fósseis. Isso contribuiu para fenômenos como o aquecimento global e a intensificação do efeito estufa no planeta. O processo de industrialização também alavancou a Revolução Verde na segunda metade do século XX, que foi responsável pelo aumento gradativo na produção de gêneros agrícolas, na incorporação de novas técnicas e ferramentas de cultivo, no desenvolvimento de biotecnologias, insumos/fertilizantes químicos e agrotóxicos. Sabe-se também que, a partir de então, inicia-se no mundo um processo de concentração de terras, objetivando o lucro, levando a um crescente processo de desmatamento. Assim, é possível afirmar que o planeta tem sido transformado pelo ser humano. A mecanização agrícola tem papel fundamental nesse processo, já que o uso de maquinários (para o desmatamento e na agricultura) ampliaram a velocidade do avanço das fronteiras agrícolas. Tira-se a vegetação original, abrigo de inúmeras espécies animais, para que determinada área, sobretudo as mais planas, possam ser destinadas às atividades agrícolas e pecuárias. Soma-se a esse processo, o fato de que a agricultura moderna se utiliza de insumos químicos (fertilizantes e agrotóxicos), que contaminam solos e cursos d’água. Junto às consequências ambientais, têm-se também danos sociais, onde, principalmente com o emprego de maquinário agrícola, inúmeras famílias de camponeses que não tinham condições financeiras para aderir à modernização da agricultura (aquisição de máquinas e insumos), nem acesso a crédito para isso, foram deixando o campo e migrando para as cidades, em busca de trabalho e de uma vida melhor. Percebe-se então, que a dinâmica capitalista, aliada à ciência e a suas técnicas, transformou o meio em que vivemos, tornando a agricultura uma atividade voltada ao lucro, que utiliza insumos químicos desde o plantio até o processo de industrialização. 16

Já as sociedades indígenas, tradicionalmente, têm uma relação direta com o meio ambiente, pois os sujeitos indígenas costumam depender diretamente do que a natureza lhe oferece para a alimentação e para a obtenção da matéria prima, utilizada em sua sobrevivência (construções, artesanato, ferramentas etc.). Entretanto, os povos nativos estão inseridos nesse mundo capitalista, de modo que, de forma variada, possuem contato e relações com o mercado, necessitando de dinheiro para sobreviver e incorporando valores culturais da sociedade moderna. Assim, tem sido comum que grupos indígenas busquem sua reprodução social e econômica sob influência da lógica capitalista e do mundo moderno, de modo que suas técnicas tradicionais de manejo agrícola vão sendo modificadas a partir da convivência com indivíduos não indígenas e do acesso a técnicas da agricultura convencional. As sociedades indígenas, assim como as não-indígenas, sofrem com os adventos do capitalismo e da globalização e, por esse motivo, é pertinente conhecer como as sociedades indígenas utilizam seus territórios e se relacionam com instituições públicas locais e outros sujeitos sociais. Inicialmente, um dos objetivos dessa pesquisa estava em conhecer como grupos indígenas têm utilizado o território da Terra Indígena de Mangueirinha, para identificar as territorialidades que envolvem a evolução da cobertura florestal da região. Todavia, no decorrer da pesquisa, percebeu-se que a ocupação da área abrangida pela Terra Indígena, se deu, majoritariamente por brancos, que, de forma irregular, foram desmatando as florestas e substituindo esses ecossistemas por atividades agrícolas e pecuárias. Após anos de disputas judiciais, os indígenas tiveram seu território reconhecido, porém, os efeitos do desmatamento se mantiveram na paisagem. Portanto, a história de ocupação da Terra Indígena de Mangueirinha é permeada por um processo de degradação promovido, sobretudo, pelo homem branco, contando também com a conivência de indígenas. Não obstante, como as disputas territoriais que foram ocorrendo ao longo do século XX na região fazem parte de um tema complicado para se analisar, devido a dificuldades em se obter informações qualitativas precisas, optou-se por enfocar, nessa dissertação, a evolução do uso da terra e da cobertura florestal, com base na análise de imagens de satélites, que permitissem identificar tal evolução e realizar uma avaliação mais objetiva. A Terra Indígena de Mangueirinha, localizada nos municípios de , e Mangueirinha, localizada na Mesorregião Sudoeste do estado do Paraná, é um local marcado por ampla atividade madeireira durante o século XX. As indústrias madeireiras pertenciam aos descendentes de imigrantes europeus, sobretudo alemães e italianos, que empregavam um grande número de funcionários, utilizados para o corte das árvores, seu 17 transporte, fabricação de tábuas e comercialização. Após o corte das espécies florestais de maior porte (árvores), as áreas serviam às atividades agrícolas e pecuárias, sendo impulsionadas, sobretudo, na segunda metade do século XX, com a Revolução Verde. Apesar de um significativo processo de desmatamento, a Terra Indígena de Mangueirinha ainda possui exemplares centenários da Araucária Angustifolia, de modo que a área é considerada pelos indígenas, como a maior reserva de araucária nativa do mundo. A partir dessa riqueza ecológica, surgiu o interesse pela pesquisa de mestrado em Geografia, que foi direcionada a compreender como se deu, ao longo das últimas décadas, a evolução do uso da terra e da cobertura florestal nesse território, considerando desmatamentos e regeneração florestal. Deste modo, o objetivo geral desta pesquisa consistiu em analisar o contexto histórico da Terra Indígena de Mangueirinha, a fim de compreender a evolução do uso da terra, sobretudo as áreas de cobertura florestal através de imagens de satélite das últimas cinco décadas. Os objetivos específicos foram: • Realizar um resgate histórico a fim de compreender a estrutura histórica, social, produtiva e econômica da Terra Indígena de Mangueirinha; • Compreender a disputa territorial da Gleba B na Terra Indígena de Mangueirinha; • Mapear a evolução no processo de ocupação do solo, entre as décadas de 1970 e 2010, utilizando imagens de satélite; • Produzir mapas de monitoramento a fim de diagnosticar as dinâmicas das áreas de floresta. Em termos de estrutura, esta dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro aborda assuntos decorrentes do processo histórico exploratório do território brasileiro e como as sociedades indígenas acabam tendo que adotar modelos não-indígenas de produção agrícola. O segundo capítulo, consiste em apresentar as informações sobre a Terra Indígena de Mangueirinha, sua localização, população, organização interna e disputas judiciais. O terceiro capítulo apresenta inicialmente uma explanação sobre o sensoriamento remoto e a importância do SIG, a explicação sobre procedimentos metodológicos, bem como, as análises da evolução da cobertura florestal da Terra Indígena de Mangueirinha através de mapas, gráficos e fotos. Ao final, as considerações finais apresentam os resultados obtidos com a pesquisa. 18

A pesquisa possui como escala de análise espacial, toda a área que compreende a Terra Indígena de Mangueirinha/PR, devidamente reconhecida pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Nesse recorte, foi analisada a evolução do uso da terra por décadas, a partir de 1975 até o ano de 2019. Apesar de existirem diversos elementos que envolvem a questão indígena, abordados por diferentes áreas do conhecimento, entre elas, a Geografia, essa dissertação se limitou a sistematizar e analisar, a partir de imagens de satélite, a evolução da cobertura florestal da Terra Indígena de Mangueirinha/PR. O desenvolvimento da pesquisa pode ser dividido em dois momentos: o primeiro fundamenta-se em uma consulta documental e de entrevistas para compreender a formação da Terra Indígena de Mangueirinha e alguns elementos de sua evolução histórica. O segundo e mais relevante, diz respeito ao processo de análise de evolução da cobertura florestal e do mapeamento de outros tipos de uso da terra, através da interpretação de imagens de satélite e da classificação para gerar mapas temáticos por década. Foram utilizadas imagens de satélite dos anos de 1975, 1984, 1994, 2003, 2011 e 2019. Isso permitiu conhecer como a área tem sido utilizada e, sobretudo, analisar os remanescentes florestais atuais, buscando também, considerar processos históricos que influenciaram no aumento ou na redução de florestas, ao longo das últimas décadas. Para compreender o processo de ocupação territorial, nesse primeiro momento, foi necessário coletar informações com lideranças indígenas e instituições do poder público municipal, sobretudo a prefeitura de Chopinzinho, pelo fato de ser o município e a cidade mais próxima ao território indígena, bem como de abarcar a maior porção de área da TI. A fim de cumprir com os objetivos propostos, a metodologia envolveu, além de revisão bibliográfica sobre o tema do capítulo 1, a consulta e análise dos seguintes dados secundários e primários: - Dados secundários: consistem em uma pesquisa de obras, conceitos e autores que tratam dos assuntos relacionados à criação da Terra Indígena de Mangueirinha; aos grupos étnicos que a habitam; a alguns conflitos territoriais e ambientais e a disputas judiciais ocorridas, bem como, a atividades agrícolas desenvolvidas, oriundas de materiais já existentes. Também fez-se necessária a investigação das informações da área analisada junto à FUNAI, IBGE e prefeituras dos municípios de Chopinzinho, Coronel Vivida e Mangueirinha. Contudo, as fontes de dados mais importantes para a realização da pesquisa foram as imagens de satélite, pois foram elas que permitiram a interpretação da evolução da cobertura florestal e das diferentes classes de uso que foram possíveis identificar através do sensoriamento remoto na 19

Terra Indígena de Mangueirinha. Para tanto, foram utilizadas imagens do Satélite Landsat, dos anos de 1975, 1984, 1994, 2003 e 2011; e do Satélite Cbers 4, do ano de 2019, devido a sua maior precisão. Apesar das imagens serem fontes secundárias de informação, sua interpretação e a geração de mapas decorrentes delas, se constituiu na principal contribuição da pesquisa. - Dados Primários: decorrentes de atividades práticas. Estão divididas em conversas com os responsáveis das prefeituras e indígenas que vivem na TI, para compreender como se dá a relação entre as questões administrativas; lideranças e população indígena, a fim de investigar as práticas atuais e anteriores de cultivo agrícola, conflitos que perpassam – inclusive questões judiciais – e a relação com a população não-indígena. Neste item, também estão os trabalhos de campo, com o objetivo de validar as informações das imagens de satélite, fotografar os diferentes tipos de uso identificados através da interpretação da imagem de 2019, além de observar a presença de objetos técnicos, a exemplo de maquinários e equipamentos agrícolas, bem como de construções que servem a população: igrejas, atividades comerciais e escolas. Durante a pesquisa, encontrou-se alguns problemas, principalmente no que se refere a quantidade de materiais e informações, poucas são “as pesquisas” produzidas na área, seja pelas prefeituras dos municípios, seja pela FUNAI e mesmo em trabalhos acadêmicos e científicos oriundos de universidades. Os detalhes sobre os procedimentos metodológicos serão discutidos no início do Capítulo 3.

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CAPÍTULO I – A DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO DA RELAÇÃO SOCIEDADE E NATUREZA

1.1 A racionalidade Ocidental e a crise ambiental As grandes descobertas surgiram para facilitar a sobrevivência humana ao longo dos séculos. Se considerarmos a sociedade humana pré-histórica de aproximadamente 2,5 milhões de anos atrás, existia um povo vivendo no continente africano, adaptado a um modelo de sobrevivência básico, mas que necessitava de mais. Necessitava de técnicas e instrumentos em que fosse possível aperfeiçoar seu modelo de vida, a exemplo da utilização de fragmentos rochosos como ferramentas. À medida que as primeiras migrações começam a acontecer, o homem foi ocupando novas áreas, melhorando suas técnicas e povoando locais até então inabitados e assim acabam colonizando até mesmo as áreas mais remotas do globo terrestre.

Desde os primórdios de sua existência, a humanidade se desloca pela superfície terrestre. Primeiro o homem migrava por ser nômade e não ter moradia fixa, precisando se mudar de um lugar para o outro em busca de caça, pesca e outros elementos fornecidos pela natureza para sua sobrevivência (CONTE, 1997, p. 306).

Entretanto, ao longo dos séculos, um local apresentou um desenvolvimento muito maior em parâmetros científicos e econômicos. A região hoje intitulada como Europa prosperou, não apenas pelo avanço mencionado anteriormente, mas por algo muito maior: domínio territorial. Ao final do século XV os desbravadores europeus chegaram ao então denominado continente americano, e, desde então, diversas outras caravelas com navegadores aqui chegaram. Estabeleceram colônias de povoamento e/ou exploração e, definitivamente, exploraram o que puderam. Extraíram riquezas naturais, sobretudo minerais, mas foram além, pois exploraram a vida humana, transformando as sociedades aqui estabelecidas – muitas vezes avançadas – em escravos, catequizando-os, domesticando-os e muitas vezes causando genocídio do nativo americano.

Com o avanço do processo de colonização e das expedições naturalistas no Brasil, os conhecimentos científicos sobre a natureza local também foram intensificados. No entanto, para a coroa portuguesa, responsável pelo processo de colonização, interessava muito mais a exploração dos recursos naturais existentes e a subjugação das etnias indígenas do que estudos e pesquisas sobre a exuberante natureza brasileira (CANDIOTTO, 2016, p. 606).

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O europeu, ao estabelecer seu modo de vida na América Central e do Sul, acabou influenciando o ambiente e a própria cultura da região.

Las ideas latinoamericanas sobre la Naturaleza derivan directamente de las visiones europeas. Por un lado, los europeos que llegaron a América Latina impusieron sus concepciones de la Naturaleza sobre las culturas originarias. Por otro lado, desde la colonia, los principales políticos, empresarios e intelectuales de la región se nutrían educativa e informativamente de las posturas europeas (GUDYNAS, 2004, p. 10).

Boa parte da sociedade que estava sendo construída em terras americanas, sobretudo os próprios europeus colonizadores, trouxeram seu modelo de desenvolvimento, percebendo os povos nativos como selvagens e inimigos, fato que justificou processos de conflitos, massacres, exploração e submissão desses povos nativos aos interesses dos colonizadores. O nativo, especialmente o indígena brasileiro produzia para subsistência, ou seja, caçava, pescava e praticava agricultura de acordo com sua necessidade. Dessa forma, não havia muitos excedentes e, portanto, pressão sobre os recursos naturais, de modo que muitas áreas de vegetação primária continuavam existindo. O pensamento econômico implantado sob os moldes estruturais europeus era extremamente expansivo e conservador, pois neste ponto de vista, apenas o sujeito branco era considerado detentor de poder e a partir dele, teria apropriação de áreas de cultivo. No processo de colonização e expansão da produtividade agrícola brasileira, como a extração do pau-brasil, cultivo da cana-de-açúcar, do café e dos gêneros agrícolas atuais, percebe-se, ao longo dos séculos, a plena vigência do modelo monocultor de produção, com gêneros voltados à exportação. Assim sendo, atualmente tem-se um modelo de desenvolvimento gestado no mundo ocidental, modelo este voltado à utilização massiva do meio ambiente sob os moldes capitalistas e que não respeitam a própria dinâmica natural. Percebe-se áreas de mineração que contaminam fontes de água e solo, desmatamento excessivo que são propulsores de mais problemas ambientais, legislação falha que permite a exploração por parte de empresas transnacionais e grandes áreas destinadas às atividades agrícolas e pecuárias, que utilizam de forma massiva produtos químicos sintéticos, como fertilizantes e agrotóxicos. O objetivo central do modo de produção capitalista é a apropriação de lucros. Leff (2012, p. 40) refere-se a essa problemática afirmando que a “[...] globalização econômica está gerando uma retotalização do mundo sob o valor unidimensional do mercado, 22 superexplorando a natureza, homogeneizando culturas, subjugando saberes e degradando a qualidade de vida das maiorias”.

[...] Com a marcha do capitalismo, amplia-se a tendência a que, sobre a diversificação da natureza, operada pelas forças naturais, se realize uma outra diversificação, também à escala global, mediante forças sociais. Primeiro, o "social" ficava nos interstícios; hoje é o "natural" que se aloja ou se refugia nos interstícios do social (SANTOS, 2006, p. 85).

Desde a existência da espécie humana, a natureza foi utilizada como fonte de recursos primordiais à sobrevivência. No entanto, os moldes atuais de produção, geração e acumulação de capital acabam colocando a natureza como eixo central da dinâmica atual de produção, esgotando-a. Leff (2012) problematiza esse paradigma como crise ambiental:

A crise ambiental é a crise do pensamento ocidental, da metafísica que produziu a disjunção entre o ser e o ente, que abriu caminho à racionalidade científica e instrumental da modernidade, que criou um mundo fragmentado e coisificado em seu afã de domínio e controle da natureza. A problemática ambiental é um questionamento da ontologia e da epistemologia com as quais a civilização ocidental compreendeu o ser e as coisas; da ciência e da razão tecnológica com as quais foi dominada a natureza e economizado o mundo moderno (LEFF, 2012, p. 416).

Ao passo que detemos de conhecimento técnico-científico para suprir as necessidades do mundo moderno, nós não possuímos controle total da natureza, mas, nos colocamos como atores fundamentais no processo de desfrute e exploração da mesma.

[...] a expressão dominar a natureza só tem sentido a partir da premissa de que o homem é não-natureza. Mas se o homem é também natureza, como falar em dominar a natureza? Teríamos que falar em dominar o homem também [...]. E aqui a contradição fica evidente. Afinal, quem dominaria o homem? Outro homem? Isso só seria concebível se aceitássemos a ideia de um homem superior, de uma raça superior, pura – e a História já demonstrou à farta as consequências destas concepções (PORTO-GONÇALVES, 2002, p. 26).

Aqui se tem uma grande dicotomia: o homem deve ser analisado apenas como integrante da natureza, ou o homem, mesmo integrante dela, está destruindo-a?

Um dos problemas da ecologia e do pensamento ecológico tem sido a questão do tratamento dado ao homem. Já vimos que essa dificuldade tem profundas raízes no processo civilizatório. Não é raro ouvir frases do tipo: “o homem está destruindo a natureza!”, ao mesmo tempo que se evoca o exemplo de 23

comunidades indígenas como modelo e paradigma da relação homem- natureza. E aqui cabe a interrogação: não são os indígenas homens? Se o são, e essa é uma verdade inquestionável pelo menos para a biologia, de que tipo de homem estamos falando quando se afirma que o “homem está destruindo a natureza”? Claro que quando se trata dos indígenas está-se falando de uma outra sociedade – de uma outra organização social, de uma outra cultura. Ora, se isso é verdadeiro, não são os homens enquanto categoria genérica que estão destruindo a natureza, mas sim o homem sob determinadas formas de organização social, no seio de uma cultura (PORTO-GONÇALVES, 2002, p. 75).

Dessa forma, Porto-Gonçalves (2002) determina que nossa sociedade instituiu o modelo de relação homem X natureza, separando, de forma arbitrária, o homem da natureza. No entanto, se esse modelo não nos agrada, devemos superá-lo. Consoante ao pensamento apresentado por Leff e Porto-Gonçalves, Guattari também fala sobre a crise ambiental.

Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Esta revolução deverá concernir, portanto, não só as relações de forças visíveis em grande escala mas também os domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo (GUATTARI, 1990, p. 9).

Quando se considera a natureza como objeto, há uma falsa ideia de que estamos separados da natureza, de que não somos natureza. Portanto, a morte da natureza implica, mesmo que de forma indireta, na deterioração da vida humana.

Do movimento ecológico parte um brado que precisa adquirir um contorno político-cultural profundo: nossa sociedade está destruindo as fontes vitais à sua própria sobrevivência. E esse brado traz em si uma das características mais especificamente humanas: a consciência da morte. Sabemos que muitos animais deixaram de existir porque, como predadores, extinguiram suas presas [...]. Nós, ecologistas, chamamos a atenção para a possibilidade de reversão dessa tendência eco-suicida enquanto há tempo, desenvolvendo outras formas de relação com a extensão de nosso corpo que é a natureza, o que, como já vimos, implica a adoção de outras técnicas, de outras relações entre os homens, enfim, o desenvolvimento de uma outra cultura (PORTOGONÇALVES, 2002, p. 99).

Porto-Gonçalves (2002), também afirma que a existência humana já esteve à beira de um colapso: em 1945 com as bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki, Auschwitz e 24 bombardeios no Vietnã. Esses fatos não podem ser analisados como símbolos de progresso social. Portanto, a racionalidade ocidental que levou a atual crise ambiental predomina há alguns séculos, levando a ideia de que a natureza é composta por produtos e mercadorias a serem comercializados. Quanto maior é o desenvolvimento econômico, maior tem sido a pressão sobre a natureza e seus recursos. Dessa forma, surge o grande impasse: é possível continuar priorizando o crescimento econômico em detrimento da manutenção dos ciclos naturais que são fundamentais para a sobrevivência da humanidade e de outras formas de vida? Como compatibilizar as dimensões econômica, ambiental e a social? Sabemos que o crescimento econômico necessita de matérias-primas provenientes da natureza. No entanto, para diminuir a pressão sobre a natureza, seria imprescindível que houvesse reformulação na consciência social, na economia e nas ações políticas. Além da pressão ao ambiente e o consumo exacerbado, a modelo de colonização e dependência econômica que caracteriza a história do Brasil, influencia e é influenciado pela política agrícola vigente.

1.2 O modelo agrícola exportador A sociedade humana nem sempre se organizou sob os moldes econômicos atuais, da mesma forma em que a produtividade agrícola seguia objetivos diferentes. Pode-se dizer que, com a expansão capitalista, a agricultura passou a ser vista como algo lucrativo, deixando de suprir as necessidades locais para formar uma cadeia econômica global.

Hasta antes del surgimiento de la economía mercado —que funda la racionalidad económica como hoy la conocemos—, todas las sociedades tenían mercados y podría decirse que de algún modo contaban con una vida económica. Sin embargo, ninguna de esas economías había sido dependiente del mercado, y estaban lejos de regirse por criterios estrictamente económicos. Aunque es cierto que la institución del mercado puede fecharse desde finales de la Edad de Piedra, su papel en la vida humana había sido siempre secundario, pues aunque en estas sociedades se incluía la economía, de ninguna manera se determinaban por ella (GIRALDO, 2018, p. 45).

As civilizações humanas desenvolvem atividades comerciais há muito tempo, porém, atualmente, somos demasiadamente dependentes da produção, do comércio e do dinheiro. Com o tempo, tudo foi passível de comercialização: bens, gêneros alimentares, força de trabalho, e a natureza. A força de trabalho e a natureza tornaram-se mercadorias disponíveis para comercialização (GIRALDO, 2018). 25

Se a natureza pode ser comercializada, logicamente, tudo que nela é produzido também é suscetível à comercialização, ou seja, a produção alimentícia deixa de ter o caráter de subsistência e passa a ser uma agricultura direcionada à geração de lucro.

De ese modo, los alimentos devienen productos a ser tranzados en los mercados de commodities y quedan supeditados a regirse por las leyes del mercado al igual que todos los “sectores de la economía global”. Una vez sumergidos en ese raciocinio ya no se indaga por una producción y una alimentación saludable, equitativa y acorde a las características culturales de los pueblos y las condiciones ecosistémicas. Lo que importa es la producción de materias primas para la industria a fin de obtener un beneficio económico, porque el asunto que realmente le interesa a la racionalidad económica del capitalismo es que el dinero entre a la dinámica del proceso productivo para salir incrementado en lo que más se pueda. El capital se refugia donde las posibilidades de obtener rentabilidad sean las más sustanciosas. Por eso, si la inversión se hace en agricultura o en alguna otra cosa, es una decisión que tiene que ver con lo atractivo que pueda resultar el negocio para el capital (GIRALDO, 2018, p. 47).

Quando há mudança nas leis da produtividade, concomitantemente, há mudanças na forma de produção. Porto-Gonçalves (2012, p. 213) afirma que “o advento de uma agricultura monocultora, voltada exclusivamente para o mercado, tem sido responsável pela dissociação entre agricultura, pecuária e extrativismo (caça, coleta e pesca), cuja consorciação, até muito recentemente, estava amplamente disseminada pelo mundo”. É imprescindível mencionar que países que foram colonizados pelos europeus, entre os séculos XV à XX, tiveram seu território subordinado aos interesses externos (GIRALDO, 2018). Esse foi o caso do Brasil e dos países da América Latina. Desde a chegada da Coroa Portuguesa no Brasil, em 1500, este território passou a ter atividades exploratórias que serviam à Coroa Portuguesa e a interesses estrangeiros. Inicialmente, com a exploração do pau-brasil, utilizando sua madeira para ornamentação e fabricação de tintas, depois com a monocultura da cana-de-açúcar, produzida aqui e comercializada na Europa, e, mais tarde, com a exploração de ouro e outros minérios. Posteriormente, o extrativismo e a produção agrícola continuaram direcionados para a exportação, com a extração de látex e o cultivo de algodão e café, gerando produtos e lucros.

Así, ecosistemas enteros fueron arrasados para la instauración de monocultivos como la caña de azúcar, el café, el cacao, el algodón, el tabaco o la ganadería extensiva. Lo que hasta el momento habían sido ecosistemas 26

biodiversos o complejos agroecosistemas - como los andinos o los mesoamericanos -, se devastaron para establecer en su lugar extensos latifundios que operaron como haciendas o plantaciones, los cuales fueron posibles gracias a la fuerza de trabajo de las mismas comunidades originarias y de los esclavos de la diáspora africana. Mediante una política de organización de los territorios colonizados la estructura agraria se adecuó hacia el comercio exterior con el objetivo de satisfacer la demanda europea (GIRALDO, 2018, p. 49).

Posteriormente, a produção agrícola e pecuária passou também a abastecer as populações dos países agroexportadores.

Como indica la racionalidad de la emergente “economía”, nace una agroindustria especializada en generar utilidades, y orientada a reconstituir la naturaleza según lo ordena la dinámica de la demanda de los mercados [...] en el momento en que empezó una nueva oleada de cercamientos que permitió a los nuevos terratenientes producir solo para el mercado aprovechando las necesidades alimentarias y de materia prima destinada a la creciente población urbana (GIRALDO, 2018, p. 51).

É evidente que temos um modelo agrícola que serve diretamente a um modelo capitalista de produção, subordinado aos demais setores econômicos, onde não há preocupação com a má distribuição alimentar e, menos ainda, com a dinâmica ambiental e problemas que decorrem da agricultura capitalizada. Em meados do século XX, a agricultura mundial passou por outro salto. Com a ampliação de máquinas e insumos, surgiu a chamada Revolução Verde.

Apoiada em uma promessa de aumento da oferta de alimentos que proporcionaria a erradicação da fome, a Revolução Verde resultou em um novo modelo tecnológico de produção agrícola que implicou na criação e no desenvolvimento de novas atividades de produção de insumos (químicos, mecânicos e biológicos) ligados à agricultura (ALBERGONI; PELAEZ, 2007, p. 32).

1.3 Revolução Verde Para Andrades e Ganimi (2007, p. 45): “a Revolução Verde não é apenas um avanço técnico para aumentar a produtividade, mas também existe uma intencionalidade inserida dentro de uma estrutura e de um processo histórico”. Dessa forma, cabe compreender que o modelo atual de prática agrícola não surge do nada, e, muito pelo contrário, serve como base para a nossa sociedade atual.

27

A Revolução Verde, modelo baseado no uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos na agricultura, é um fato corrente no campo e está presente na vida de muitos produtores em diversas áreas do mundo, porém, para se chegar ao atual estágio, exigiu-se toda uma gama de fatores que marcaram a sociedade no instante de seu surgimento. Para tanto, faz-se necessário compreender em qual contexto se vivia, para então desvendar os reais objetivos do processo de modernização da agricultura e, por conseguinte, os impactos provocados por ela, no espaço nacional (ANDRADES; GANIMI, 2007, p. 44).

Durante o período da Segunda Guerra Mundial, instituições privadas lançaram técnicas de melhoramento genético, gerando variedades de alta produtividade, especialmente para as culturas de trigo, milho e arroz. Ao final da Guerra, houve o incentivo da utilização em larga escala dos agrotóxicos, bem como, de novos maquinários na produção agrícola (ANDRADES; GANIMI, 2007). Quando se junta o melhoramento genético, a utilização de agrotóxicos (herbicidas, fungicidas e insumos químicos) e o uso de máquinas agrícolas modernas, tem-se o chamado “pacote tecnológico”:

O pacote tecnológico, em outras palavras, é uma linha de montagem onde o agricultor é dependente na produção agropecuária, entre outras coisas: - da mecanização intensa com redução da mão-de-obra ao mínimo; - do uso maciço de produtos químicos artificiais tanto para repor os nutrientes absorvidos pelas plantas (fertilizantes sintéticos), como para combater os inimigos destas (herbicidas, inseticidas, fungicidas, etc.); - da adoção do regime agrícola de monocultura, com concentração de capital e recursos físicos (ZAMBERLAM; FRONCHETI, 2001, p. 15).

A partir da década de 1990, outra tecnologia empregada na agricultura esteve relacionada à biotecnologia e aos organismos geneticamente modificados (OGM), sobretudo as sementes transgênicas. A transgenia consiste na ciência que estuda e desenvolve sementes modificadas em laboratório, ou seja, sementes com modificações em seu DNA.

Retomando el ejemplo de los cultivos transgénicos, una evaluación ambiental debería considerar múltiples aspectos. Se deberían estudiar la variedad cultivada, el atributo genético implantado, sus consecuencias directas o indirectas, los ecosistemas donde se aplican (incluyendo su estructura y dinámica), los umbrales diferenciales de las respuestas ante esas modificaciones de impacto, prolongadas escalas de tiempo para detectar impactos sumados, etc. En el caso de la salud humana sucede otro tanto, debiéndose atender los distintos productos que se consumen, las características de las poblaciones humanas que los aprovechan, sus umbrales de reacción, etc (GUDYNAS, 2004, p. 120). 28

Desse modo, a utilização dos transgênicos não leva em conta a biodiversidade local, podendo também, afetar a saúde da população em longo prazo. Além disso, há uma tendência de domínio e controle do uso de sementes por parte das grandes empresas do setor, através da venda de sementes transgênicas e da tentativa de proibição do uso de sementes crioulas. Tendo como consequência a diminuição da produção familiar, contrapondo-se à produção voltada à exportação.

As transnacionais durante décadas condicionaram a agricultura ao uso exagerado e mesmo indiscriminado dos agrotóxicos. Agora, no início do novo milênio e de implantação de novo pacote tecnológico, preparam-se para arrebatar do produtor agrícola um dos últimos fatores do que lhes sobra de autonomia – a semente (ZAMBERLAM; FRONCHETI, 2001, p. 16).

Portanto, a Revolução Verde trouxe consigo diversas inovações que contrariam o “verde” presente em seu título. Ela abriu espaço para a fertilização química do solo, uso de defensivos químicos, sementes modificadas e, consequentemente, para a aceleração do processo de degradação ambiental, ligado, sobretudo ao desmatamento para a ampliação de áreas agrícolas e pecuárias.

Pero los afanes del agronegocio de sojuzgar la naturaleza y modificarla de acuerdo con los mandatos de la acumulación del capital para maximizar rendimientos, han mostrado que la aparente eficacia y utilidad de la tecnología de la revolución verde ha terminado por trastocarse en su antítesis: la devastación de la Tierra, la desertización de las fuerzas vitales, y el progresivo derrumbamiento de las condiciones ecológicas que necesitamos para permanecer (GIRALDO, 2018, p. 32).

1.3.1 A Revolução Verde no Brasil O Brasil, país tropical de dimensões continentais, com características naturais propícias para o desenvolvimento da agricultura em larga escala não passa despercebido neste processo.

No Brasil, início da década de 60, discutia-se dois caminhos para atingir a elevação da produção de alimentos: - fazer reforma agrária, para mais agricultores terem terra para produzir (evitando o êxodo rural), retirando-a das mãos dos latifundiários; - adotar “pacotes tecnológicos” para aumentar a produção via produtividade, sem mexer na estrutura da posse de terra (ZAMBERLAN; FRONCHETI, 2001, p. 16). 29

Como se sabe, o segundo caminho foi escolhido, mas para executá-lo algumas medidas foram tomadas:

O Governo Federal Brasileiro e os Governos Estaduais assumiram a implantação da “modernização da agricultura” via pacotes tecnológicos, tomando as providências de: - divulgação das propostas e investimentos; - concessão de espaços para os organismos internacionais; - envio de professores, técnicos e pesquisadores para o exterior, a fim de serem treinados, e vinda de técnicos desses centros internacionais para efetuarem treinamentos no Brasil; - atração de empresas transnacionais para o país a fim de produzirem insumos (químicos), máquinas e equipamentos e de indústrias processadoras de matérias-primas agrícolas. Chegaram a Ford, Shell, Ciba-Geicy, ICI, UNILEVER, Du Pont, Bayer, Basf, Stauffer, Dow Química, Pfizer, Union Carbide, Hoechst, Monsanto, Rhodia, entre outras; - criação de centros e órgãos de pesquisa, no Brasil, para “adequarem os produtos” à realidade do solo e do clima. Surge a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias), a EMBRATER (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural) e as cooperativas fundam seus centros de pesquisa também com a mesma finalidade. - estímulo ao surgimento de cooperativas de comercialização agrícola para organizar os agricultores e introduzi-los às novas práticas; - reformulação do papel do Banco do Brasil, passando a ser um órgão financiador por excelência desse novo modelo (ZAMBERLAN; FRONCHETI, 2001, p. 16).

Desde a adoção de tais medidas, o Brasil aumentou sua produtividade e elevou seu caráter monocultor, mantendo prioridade para a produção voltada para a exportação. Mas o grande problema que o pacote tecnológico traz incluído, refere-se à questão ambiental e social.

O avanço da agricultura convencional dentro do modelo da Revolução Verde trouxe profundas sequelas, como: - Alto custo social, econômico e ambiental; - Efeitos nocivos sobre a população por contaminação e envenenamento do solo, ar e água; - Destruição do equilíbrio natural dos ecossistemas por erosão e morte dos solos, o desaparecimento dos inimigos naturais das pragas...; - Eliminação, inibição ou redução sensível da flora microbiana do solo; - Maior dependência e custos de produção pela perda da fertilidade dos solos, da biodiversidade, e pelo aumento da resistência das pragas, traz consigo aumentos crescentes nas doses de fertilizantes, de pesticidas e do grau de toxidade. Isso provoca absorção desequilibrada de nutrientes, produzindo alimentos desnaturados; - Queda das exportações, devido ao uso dos pesticidas cada vez mais tóxicos, altas doses de fertilizantes químicos e por implantação de barreiras ambientais e sistema de protecionismo de países desenvolvidos. [...] 30

- Concentração de rendas; - Processo permanente de quebra financeira, marginalização e emigração do campo, para as cidades, de milhões de pequenos agricultores, devido ao encarecimento do custo de produção em razão do aumento dos insumos básicos como fertilizantes, defensivos e maquinaria; - Deteriorização das condições sociais e de trabalho, com êxodo rural, baixos salários, instabilidade de emprego, aumento de intoxicações (ZAMBERLAN; FRONCHETI, 2001, p. 21).

Assim, fica evidente que a Revolução Verde aumentou a produtividade, mas, distanciou o produtor rural dos ciclos naturais da natureza, trouxe uma nova estratificação social, gerou uma grande elevação dos problemas de saúde e intensificou problemas ambientais decorrentes do aumento da área produtiva e da quantidade de químicos utilizados no sistema produtivo.

1.4. A riqueza natural brasileira em contraste com a degradação ambiental A natureza brasileira é reconhecida mundialmente em função da sua grande biodiversidade vegetal e animal, ao passo que o território passou a ser explorado ainda no século XVI, nos primeiros anos após seu descobrimento. O Brasil, em virtude de sua dimensão territorial e consequente diversidade climática, apresenta uma grande variedade biológica as quais, aos poucos, foi sendo mercantilizada.

O território brasileiro, devido a sua magnitude espacial, comporta um mostruário bastante completo das paisagens e ecologias do Mundo Tropical. Pode-se afirmar que um pesquisador ativo, entre nós, em poucos anos de investigações, poderia percorrer e analisar a maior parte das paisagens que compõe o mosaico paisagístico e ecológico do país. Trata-se de uma vantagem que se acrescenta a outras, no incentivo dos estudos sobre as potencialidades paisagísticas regionais brasileiras. Essa possibilidade de “trânsito livre” difere muito, por exemplo, daquela que diz respeito ao território tropical africano, onde existem sucessivas fronteiras separando parcelas dos espaços tropicais e dificultando o desenvolvimento de pesquisas mais amplas e comparativas (AB’SÁBER, 2003, p. 10).

Para que exista tamanha biodiversidade, alguns fatores estão interligados – estrutura geológica predominante, tipo de solo, variabilidade climática, adaptação vegetal e animal - que contribuem para formar a diversidade biológica brasileira. No entanto, percebe-se que a biodiversidade também é integrante do processo econômico, pois o homem utiliza-se de recursos naturais para desenvolver a estrutura social.

El concepto de biodiversidad encierra tres diferentes tipos de elementos: por un lado a las distintas especies de fauna, flora y microorganismos; en segundo 31

lugar, a la variabilidad genética que posee cada una de esas especies; y finalmente, a los ecosistemas, incluyendo a las especies vivientes pero también a los elementos físicos inanimados. Es obvio que este concepto está lejos de describir un único atributo del ambiente, sino que es extremadamente amplio. Sin embargo también ofrece una imagen de unidad y coherencia; genera la ilusión de un todo gestionable. Pero a la vez enfatiza la particularidad de la diversidad, donde el ambiente encierra múltiples pluralidades y cada representación de la vida es singular y debe ser conservada. De toda manera no evita una visión fragmentada del entorno natural, sea como conjunto de seres vivos como en sus diferentes atributos genéticos. Por esta razón, el concepto de biodiversidad puede igualmente ser manejado sin problemas por las perspectivas economicistas, enfatizando sus valores económicos (GUDYNAS, 2004, p. 20).

Ao longo dos séculos de apropriação e exploração social sobre o meio natural, perpetuou-se a ideia de que desenvolvimento é sinônimo de dominação da natureza, o que leva ao maior domínio e pressão sobre os recursos naturais. No entanto, Porto-Gonçalves (2012) afirma que há limites para a dominação da natureza, pois não temos condições de controlar ou dominar todos os fenômenos naturais. Para o autor, não devemos lutar contra a natureza, mas sim contra os efeitos da intervenção nela feita pelo sistema técnico. Conforme o colonizador ia tomando posse territorial, retirava matérias-primas para comercialização na Europa, bem como, desterritorializava a população nativa. Nesse grande viés do ser humano dominador, tem-se também o grande domínio cultural de uma sociedade sobre outra. O maior exemplo ocorre na forma de exploração dos países metrópole sobre suas colônias e a forma que controlaram a população existente nestes locais. Zibechi (2015) descreve que o controle dos dominadores deu-se exacerbando o medo, e que, mesmo passado quinhentos anos, na atualidade, as sociedades nativas ainda precisam lutar contra formas de domínio.

[...] en la America Latina india/negra/mestiza, históricamente, el principal modo de disciplinamiento no fueron el panóptico nilos satanic mill, sino la masacre o la amenaza de masacre (léase eterminio), tanto en la colonia como en el período republicano, en dictaduras o en democracias, hasta el día de hoy (ZIBECHI, 2015, p. 108).

Estamos, sim, diante de uma mudança da escala na crise atual de escassez (por poluição) do ar, de escassez (por poluição) de água, de escassez (limites) de minerais, de escassez (limites) de energia, de perda de solo (limites) que demandam um tempo, no mínimo, geomorfológico, para não dizer geológico, para se formarem, enfim, elementos (ar, água, fogo, terra) que estavam dados e que a cultura ocidental e ocidentalizada acredita poder não depender. O efeito estufa, o buraco na camada de ozônio, a mudança climática global, o 32

lixo tóxico, para não falar do lixo nosso de cada dia, são os indícios mais fortes desses limites colocados à escala global. Agora não é mais uma cultura ou um povo colocando em risco sua própria existência, como a história registra. Não, a globalização de uma mesma matriz de racionalidade comandada pela lógica econômica em sentido estreito nos conduz inexoravelmente a uma economia que ignora sua inscrição na terra, no ar, na água, no solo, no subsolo, nos ciclos vitais das cadeias alimentares, de carbono, de oxigênio... e, assim, a humanidade toda, embora de modo desigual, está submetida a riscos derivados de ações decididas por alguns e para benefícios de alguns (PORTOGONÇALVES, 2012, p. 72).

Como se sabe, a evolução dos processos econômicos levou aos graves problemas ambientais atuais e, o desmatamento, figura como um dos mais importantes. A introdução do modelo agrícola voltado à comercialização e acúmulo de riquezas, necessitou, entre outras coisas, de grandes áreas para cultivo. Dessa forma, muitos espaços antes naturais tomaram a forma de campos de cultivo.

Un nuevo giro en las concepciones de la Naturaleza se inicia en la década de 1980 con una perspectiva originada en la economía. Desde diferentes puntos de partida y opciones conceptuales, varios autores comenzaron a considerar a la Naturaleza como una forma de capital. [...] Este intento es una “economización” de la Naturaleza, en el sentido de ampliar el concepto de capital hasta englobarla (GUDYNAS, 2004, p. 18).

Dentre as espécies arbóreas que sofreram grande processo de supressão vegetal, tem-se a Araucaria Angustifolia, que se destaca em virtude de seu endemismo e da grande exploração madeireira que essa vegetação sofreu no último século.

No Brasil, antes da colonização, as matas de araucária chegaram a estender-se por 185 mil quilômetros quadrados. Na Região Sul, um terço da superfície estava coberta por araucárias. Porém, começaram a tombar ainda na segunda metade do século 19 e, por mais de 100 anos, sua madeira de excelente qualidade (resistente e maleável), serviu para erguer casas, fabricar móveis, construir ferrovias e levantar cidades. Cerca de 100 milhões de araucárias nativas viraram toras nas serrarias do Sul e do Sudeste e, em 1963, a espécie representava 92% das exportações de madeira do país. A derrubada da araucária para uso da madeira atingiu seu auge na década de 1970 e a falta de plantios encerrou este importante ciclo econômico da região Sul do Brasil. Da área original de floresta de araucária, que antes cobria as serras meridionais brasileiras, restaram apenas 2%, tornando-se o ecossistema mais devastado do país (ZANETTE et al, 2017, p. 15).

Nota-se, portanto, que a natureza passa a ser vista ao longo dos séculos como mercadoria do capital, e que por poder ser capitalizada, sofre graves consequências. O desmatamento 33 passou a ser o primeiro grande dano, visto que, para utilizar as áreas territoriais para outros fins, é muito comum a retirada da vegetação. No que se refere à Araucaria Angustifolia, os problemas são ainda maiores, mesmo com a proibição do corte em 2001, grande parte dos produtores rurais inibem o crescimento da espécie. O fato de não poder mais cortar as araucárias faz com que muitos agricultores, ao verem uma planta ainda pequena, a eliminem com medo de perder um pedaço de terra para cultivo no futuro. Ter um pinheiro adulto na propriedade significa a perda de 80 m2 a 100 m2 de terra para uso. Com esse cenário, a possibilidade de preservação da espécie no Brasil fica dependente de plantios porque, dentro da floresta, não há regeneração por falta de luz e, fora dela, o proprietário a elimina ainda jovem e as existentes, um dia, morrerão devido à idade avançada (ZANETTE et al, 2017, p. 16).

Atualmente, a Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012, dispõe sobre a proteção da vegetação nativa em território brasileiro, afirmando que todos os imóveis rurais devem ter o Cadastro de Imóveis Rurais (CAR), um documento em que devem constar as áreas de Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APP). O Código Florestal regulamenta que áreas de margem de rios, topos de morros e terrenos inclinados devem estar protegidos para evitar maiores danos ambientais, sendo estes considerados como APP, e que, todo imóvel rural teve possuir uma porcentagem de suas terras destinadas à preservação, consideradas como áreas de RL, as quais são de obrigatoriedade e variam de tamanho de acordo com a quantidade de módulos rurais, sendo seu principal objetivo a manutenção da flora. O documento também norteia as áreas urbanas com intuito de diminuir locais de ocupação irregular e direcionar as políticas ambientais urbanas. Entretanto, a legislação ainda é falha porque a alíquota protegida é extremamente pequena e nem sempre possibilita corredores verdes para manter a biodiversidade. Além disso, a não conformidade com o Código Florestal diminui ainda mais as áreas florestais, principalmente nas áreas de grande produção agrícola e pecuária.

A não conformidade ocorre por diversas razões, incluindo as constantes mudanças nas exigências da legislação, a definição imprecisa de alguns mecanismos, a falta de fiscalização e a não aceitação das restrições pelos produtores rurais. O passivo acumulado ao longo dos anos é com certeza grande o suficiente para gerar dúvidas sobre a capacidade econômica da restauração da vegetação natural, os custos envolvidos e os possíveis benefícios implicados (econômicos e ecológicos). A conversão de 85 Mha de terras atualmente em uso produtivo em florestas pode gerar impactos socioeconômicos enormes e o desmatamento de novas áreas. Provavelmente, não haveria capacidade técnica ou logística implantada para executar a 34

restauração nesta imensidão de terras, considerando os prazos curtos. Uma das alternativas possíveis é utilizar o mecanismo da restauração preferencialmente nas áreas de maior relevância ecológica, como, por exemplo, as APP ou regiões indicadas por estudos ecológicos e econômicos, e aplicar mecanismos de compensação como alternativas à restauração (SPAROVEK, et al., 2011, n,p.).

Sabe-se também que o desmatamento traz consequências como o lixiviamento do solo, assoreamento dos cursos d’água, agrava processos erosivos e causa deslizamento de terra. Portanto, freá-lo traz a garantia da manutenção dos recursos naturais. Além disso, os impactos provenientes da Revolução Verde aceleraram ainda mais esse processo.

Para o agricultor se adaptar às exigências da agricultura capitalista moderna, torna-se necessário investir pesado em tecnologia, para que estas plantas possam aumentar sua produtividade, requerendo assim o uso de produtos químicos que auxiliam tanto na recuperação do solo degradado – como no caso dos fertilizantes sintéticos - quanto no controle de animais e ervas “daninhas”, através do uso de herbicidas, fungicidas e inseticidas. Além disso, é crescente a tecnologia aplicada em máquinas agrícolas e ferramentas, que auxiliam no processo de produção alimentar (CANDIOTTO, CARRIJO, OLIVEIRA, 2008, p. 12).

Dessa forma, a degradação ambiental, decorrente, sobretudo, de um modelo de exploração de minérios e florestas, leva a perda da biodiversidade e abre caminho para outros problemas ambientais e sociais, já que nem todos os produtores rurais tiveram capital suficiente para se adequarem ao novo modelo produtivo, causando um endividamento em massa dos pequenos produtores. Muitos acabaram vendendo suas propriedades, passando a ocupar as áreas urbanas, contribuindo assim, com o êxodo rural. Ao adequar-se a outras atividades econômicas, foram vítimas do desemprego e de processos de favelização. A sociedade indígena, ao ser influenciada pelos valores do homem branco, também acaba fazendo uso das técnicas desenvolvidas com a Revolução Verde. Em algumas regiões, como no caso do Sudoeste do Paraná, a adoção pelos grupos indígenas do modelo de agricultura convencional, tenha sido talvez a única opção, pois o próprio poder público acaba incentivando isso através do repasse de ICMS Ecológico sob a forma de sementes, químicos e maquinário1. A adoção do modelo de agronegócio tem sido algo histórico, pois o mesmo vem sendo

1 Esses dados foram obtidos por meio de conversas informais com representantes da prefeitura de Chopinzinho/PR. 35 construído com o passar dos séculos, através da conquista e domínio de novos territórios, da exploração econômica da natureza e da dizimação das sociedades tradicionais. Contudo, na contramão dessa forma de produção, a agroecologia e as agroflorestas podem ser alternativas para os grupos indígenas resgatarem práticas de uso da terra e produção de alimentos que causam menores danos ao meio ambiente.

Considerando a agroecologia e os sistemas agroflorestais não somente como métodos de cultivo agrícola, mas principalmente como estilos de vida decorrentes de um processo de politização e de acesso ao conhecimento por parte dos agricultores familiares/camponeses, urge ao Estado, às entidades representativas da agricultura familiar, e à própria sociedade civil, promover ações que incentivem a transição da agricultura convencional, para práticas agropecuárias menos degradadoras (CANDIOTTO, CARRIJO, OLIVEIRA, 2008, p. 14).

Nessas formas alternativas de produção, o agricultor aproveita seus conhecimentos, troca informações e experiências com outros agricultores (pois o apoio público é muito pequeno) e busca produzir e conservar o ambiente ao mesmo tempo. Para isso, a participação em espaços coletivos de organização e debate é fundamental, para qualificar a produção, a certificação e a comercialização de alimentos orgânicos. Porém, infelizmente, praticar agroecologia, tem sido uma resistência, pois vai à contramão da agricultura predominante no Brasil (o agronegócio), marcado pela concentração fundiária, uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes químicos e monocultoras.

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CAPÍTULO II – TERRA INDÍGENA DE MANGUEIRINHA

2.1 Caracterização da área de estudo A Terra Indígena (TI) de Mangueirinha, localizada entre os municípios de Chopinzinho, Coronel Vivida e Mangueirinha, que fazem parte da Mesorregião Sudoeste do Paraná (IBGE), foi institucionalizada como reserva regularizada – De acordo com a Constituição Federal (1988) são “Terras que, após o decreto de homologação, foram registradas em Cartório em nome da União e na Secretaria do Patrimônio da União” –, sendo área doada aos indígenas em 1903, conforme explicação no item 2.3. A TI, possui atualmente, 16.376 hectares de terra (FUNAI, 2019). Nela, vivem aproximadamente 1.341 indígenas (IBGE, 2010) pertencentes às etnias Guarani e Kaingang, com predomínio de Kaingangues. No entanto, os dados populacionais indígenas sofrem grande mudança, em virtude de muitos movimentos migratórios entre as aldeias brasileiras. A Figura 1 apresenta a localização da Terra Indígena de Mangueirinha no estado do Paraná, enquanto, o Mapa 1, corresponde à um mapa político desse território.

Figura 1- Localização da Terra Indígena de Mangueirinha.

Fonte: INPE. Elaboração: ANDRES e DERLAN (2019). 37

Mapa 1 - Mapa político da Terra Indígena de Mangueirinha.

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O território em questão não apresenta homogeneidade. A parte norte, correspondente à Gleba A ocupa 19,81% da TI e abriga indígenas da etnia Guarani, concentrados na Aldeia Palmeirinha. A Gleba B, ocupa 54,10% da TI e localiza-se na parte central. A Gleba C, situada no trecho Sul, ocupa 25,10% da TI. Nas Glebas B e C predomina a população Kaingang, concentrada nas Aldeias Sede e Passo Liso. Não há uma demarcação entre as glebas no território. As maiores aldeias indígenas localizam-se próximo às rodovias. A Aldeia Palmeirinha, de comunidade Guarani, e a Aldeia Passo Liso, de etnia Kaingang, ficam às margens da BR 373. Já a Aldeia Sede, também de etnia Kaingang, está localizada na rodovia PR 281. A rodovia BR 373 corta a Terra Indígena de Mangueirinha no sentido norte-sul, passando pelas três glebas e fazendo a ligação entre as áreas urbanas dos municípios de Coronel Vivida e Candói. Já, a PR 281 faz o limite entre as Glebas B e C, ligando a área urbana do município de Mangueirinha à região conhecida como “Trevo”, na Aldeia Passo Liso. A qual se reinicia na BR 373, no trevo que dá acesso ao município de Chopinzinho. É evidente o quanto as rodovias interferem no cotidiano das comunidades, uma vez que, é através delas, que ocorre toda a circulação da população indígena local e onde ocorre a comercialização de artesanatos, especialmente na BR 373, aldeias da Palmeirinha e Passo Liso, já que o fluxo de veículos é maior. Aqui se percebe a ilegalidade de determinadas práticas de comercialização de espécies animais e vegetais, as quais não fazem parte da cultura indígena. É no entorno das Aldeias e das rodovias que estão concentradas as maiores áreas de supressão vegetal, acredita-se que nas áreas em que a ocupação humana é maior, existe mais pressão antrópica, por isso havendo mais práticas de desmatamento. Na área da Gleba B, nota-se uma linha de transmissão de energia, a qual se faz presente em imagens de satélite desde a década de 1980. Trata-se de uma linha de transmissão de energia proveniente da Usina Hidrelétrica (UHE) de Salto Santiago, inaugurada em 1980 e sendo responsável pelo reservatório do Rio Iguaçu, a qual influencia na ausência de cobertura florestal nessa parte da TI. A área da Terra Indígena de Mangueirinha localiza-se na divisa entre três municípios. 65,69% da TI está no município de Chopinzinho; 25,47% em Mangueirinha e 8,85% em Coronel Vivida. O relevo também é fator marcante na região, em virtude de seu significativo gradiente altimétrico da parte Sul (com áreas acima de 1.000 metros de altitude), em direção ao Norte (500 metros de altitude), com limite no reservatório da Usina Hidrelétrica de Salto Santiago (Mapa 2). 39

Mapa 2 - Hipsometria da Terra Indígena de Mangueirinha

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Pode-se analisar a altimetria da região dividindo-a por suas glebas. Pelo fato de estar mais próxima do Rio Iguaçu, especificamente da área do reservatório da Usina Hidrelétrica de Salto Santiago, a Gleba A apresenta menor altitude, entre 500 e 801 metros. A Gleba B apresenta maior amplitude altimétrica, variando de 500 metros nas áreas mais baixas de seu setor nordeste (fundos de vale), a mais de 900 metros nas áreas mais altas, situadas a sudoeste da Gleba. Já a Gleba C apresenta a maior altitude, com grande parte da área acima de 801 metros, chegando a mais de 1.000 metros de altitude no seu setor sul e sudeste. Como existe grande variação altimétrica, há variação climática e, consequentemente, variação vegetacional, de modo que não se observou ocorrência de espécimes de araucária na Gleba A. No entanto, considerando que a FOM ocorre a partir de 800 metros de altitude (RODERJAN et al. 2002), e que a TI de Mangueirinha possui aproximadamente ¼ de sua área (75%) acima desta altitude (Mapa 2), supõe-se, que a FOM ocupava: - Gleba A: Áreas com encostas e topos de morros, concentradas a sudoeste da Gleba e no centro dela. - Gleba B: A maior parte da área, com exceção do setor nordeste da Gleba. - Toda a Gleba C. A Terra Indígena de Mangueirinha é composta por um grande número de canais de drenagem, que percorrem todo o território, desaguando em curso d’água maior, chamado Rio Grande dos Índios, no limite leste da TI, o qual tem sua foz no reservatório da UHE de Salto, no Rio Iguaçu. Pode-se observar que dois canais escoam de sul para norte e desaguam diretamente no reservatório da barragem, enquanto poucos canais escoam de leste para oeste e abastecem outras bacias hidrográficas. Pelo Mapa 2 também é possível observar que rede de drenagem possui influência significativa no modelado do relevo, em especial na porção norte da TI. De acordo com os produtos cartográficos do ITCG (2020), pode-se compreender a dinâmica natural do território da Terra Indígena de Mangueirinha: - O clima classifica-se como clima Cfb, trata-se de um clima temperado com verão ameno, chuvas bem distribuídas e sem estação seca. - O solo é dividido em: Neossolo, sendo pouco evoluído e presente na Gleba A e norte da Gleba B; Cambissolo, também é pouco desenvolvido e é encontrado na Gleba B; Latossolo em avançado estágio de intemperismo, encontrado ao sul da Gleba B e Gleba C. - A formação fitogeográfica é composta por FOM Montana, ou seja, de 400 a 1000 metros de altitude. 41

- A geologia trata-se da formação Serra Geral, período Mesozoico, formada por derrames de vulcanismo de fissura continental. Mais detalhes sobre a caracterização podem ser encontrados no site do ITCG. Quanto à questão humana, o território, hoje pertencente aos indígenas, nem sempre foi caracterizado como atualmente. O item 2.2 a seguir traz uma breve explicação sobre o processo de ocupação territorial da área.

2.2 Resgate histórico Para compreender melhor as territorialidades que envolvem a Terra Indígena de Mangueirinha, é necessário conhecer como se deu a ocupação de territórios indígenas da Região Sudoeste do Paraná. Almeida (2013, p. 62) expõe que a Carta Régia de 1808 – Lei do Extermínio Indígena – causou uma ofensiva aos indígenas que eram vistos como estorvos ao avanço econômico da época, e dessa forma, foi regulamentada a posse das áreas e, consequentemente, o massacre/escravidão da população indígena, especialmente no território das Regiões dos Campos Gerais de e de .

Por fim, a repercussão negativa em relação à publicação do documento régio de 1808 foi geral, na colônia e na província paranaense, o que fez imediatamente D. João VI mudar a estratégia e editar uma outra Ordem Régia de em 01 de abril de 1809. Este documento, diferentemente da proposta extremista anterior, apregoava a aproximação com os nativos, com base no projeto político “salvacionista” e “pacificador” (ALMEIDA, 2013, p. 63).

Almeida (2013, p. 66) destaca ainda que “a formalização deste último documento dava- se em três etapas: conquista, catequização e civilização. Onde, em 17 de junho de 1810, foi celebrada a primeira missa no território desejado: os Campos de Guarapuava”. Ou seja, acreditava-se que o indígena, através da religião, poderia ser “domado” e assim, dominado enquanto sujeito, transformando-se em mão-de-obra barata. Assim, o colonizador teria a posse de seu território.

O colonialismo português cobiçava os Campos de Guarapuava por dois motivos: o primeiro, expandir os territórios sertão adentro por meio de construção de estradas e demarcação de fronteiras geográficas; segundo, difundir o catolicismo e a civilização entre os indígenas resistentes ao processo colonizador (ALMEIDA, 2013, p. 71).

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Através do contato com líderes indígenas já “domesticados”, houve o avanço não indígena sobre os territórios dos Campos de Palmas, onde se acredita que existia interesse agropecuário, e deste local, destaca-se uma parcela: a Terra Indígena de Mangueirinha.

2.2.1 Ocupação do território As territorialidades que envolvem a Terra Indígena (TI) de Mangueirinha são complexas e se arrastam desde o final do século XIX, quando, conforme relatos, a população Kaingang, teria recebido as terras da área em pagamento aos serviços prestados na Colônia Militar do Chopim em 1882 (HELM, 1996).

No que tange à historiografia regional, as primeiras referências históricas sobre a TI Mangueirinha podem ser encontradas nos pareceres jurídicos e documentos governamentais do Estado do Paraná sobre a construção da estrada que haveria de ligar a Região dos Campos de Palmas à Colônia Militar do Chopim realizada principalmente pelos índios Kaingang durante o século passado. Os relatos dos mais velhos na região atestam que a terra indígena foi conquistada através de trabalhos prestados pelos Kaingang e comandados pelo Major Antônio Joaquim Cretãn (ALMEIDA, 2013, p. 132).

A população Kaingang tomou posse da terra pelo trabalho desenvolvido na construção das primeiras estradas da região, não aceitando pagamento em moeda, mas sim, reivindicando a propriedade de seu território.

Tal área havia sido doada e reservada aos indígenas de Mangueirinha em 02 de março de 1903, através do Decreto nº 64 do Governo do Estado do Paraná, que em seu artigo estipulava: Fica reservada para o estabelecimento de tribus indígenas as terras ocupadas pelas cabildas do cacique Cretãn com as seguintes divisas: a partir da cabeceira do Ribeirão do Lageado Grande à cabeceira do Ribeirão Palmeirinha e por estes dous rios abaixo até o Iguassú que será a divisa norte, respeitados os direitos de terceiros. Ass. Francisco Xavier da Silva (HELM, 1996, p. 25).

Já, a população Guarani, foi remanejada das margens do Rio Iguaçu, após a construção da Usina Hidrelétrica de Salto Santiago, em operação desde 1980.

Com a construção da barragem no rio Iguaçu os Guarani foram os mais prejudicados. Já haviam sido expulsos dos aldeamentos Butiá e Sete Voltas e estavam vivendo às margens do rio Iguaçu. Devido às obras da Usina Salto Santiago foram removidos para uma faixa de terras localizada junto a BR 373. Em 1979, em consequência do fechamento das comportas, perderam mais uma porção da área. 43

Uma parte dos recursos naturais das aldeias Guarani foi devastada e a população teve de ser desalojada e reassentada em outro local. Tal impacto abalou a organização social desses índios. Informam que 22 famílias perderam suas casas e roças. Algumas migraram para outros Postos Indígenas a procura de parentes e de “Terra Sem Males”. As famílias Guarani foram assentadas em uma “vila” construída pela FUNAI dentro do padrão de casas perfiladas que contraria sua tradição. Devido às mudanças ocorridas, intensificaram ainda mais a confecção de artesanatos. Passaram a depender também das jornadas de trabalho que os empreiteiros da região, geralmente sitiantes vizinhos, contratam junto à população ativa (HELM, 1994, p. 5).

Os indígenas sempre habitaram o território em questão, mesmo antes da chegada do colonizador, e mesmo sendo duas etnias diferentes no que tange a organização interna e costumes, buscam manter o equilíbrio, servindo inclusive, de modelo para outras áreas.

2.3 O território Para compreensão maior da disposição territorial da área, se faz importante observar o Mapa 1, referente ao Mapa político da Terra Indígena de Mangueirinha. Antes do remanejamento da população Guarani, o território da TI Mangueirinha já passava por conflitos de ordem judicial.

Apesar do acordo de 1903, a TI Mangueirinha novamente entrou em disputas jurídicas, pois, em 12 de maio de 1949, o governador Moysés Lupion e a União reduziram a área em 7.400 ha, intitulada Gleba “B”, conhecida como a Gleba do Conflito. Assim, a área ficou repartida em três porções de terras denominadas Glebas A, B e C; a Gleba “B” foi desmembrada e entregue à Fundação Paranaense de Colonização e Imigração (FPCI) intermediadora da venda de parte das terras sob o pretexto de áreas devolutas. Assim, a empresa compradora foi o grupo econômico Forte/Khury (integrado por empresários do ramo madeireiro) que repassou aos grupos econômicos-políticos F. Slavieiro & Filhos S/A e Comércio de Madeiras, em 1961 (ALMEIDA, 2013, p. 136).

É importante destacar que o desmembramento territorial da Gleba “B” ocorreu com aval do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), o qual julgou que o território da TI de Mangueirinha era muito grande para o número de população local (Tribunal Regional Federal, 2009). Antes do grupo F. Slaviero & Filhos deter a Gleba “B”, a área, após ser doada para a Fundação Paranaense de Colonização e Imigração (FPCI), foi de posse de pequenos produtores.

Em cumprimento ao compromisso de compra e venda firmado, a FUNDAÇÃO PARANAENSE DE COLONIZAÇÃO E IMIGRAÇÃO alienou em 26/05/1960 para OSWALDO FORTE e outros 37 (trinte e sete) 44

colonos a gleba ‘C’ da Colônia K (3), exigindo posterior modificação da escritura, pois aquela área pertencia aos índios caingangues. Na data de 19/01/1961 o documento de transferência foi retificado para constar gleba ‘B’ ao invés de gleba ‘C’, o que foi averbado na transcrição nº 12.226 do Registro Imobiliário de Palmas aos 10/02/1961 (TRF, 2009, on-line).

No entanto, os colonos reorganizam-se:

Pouco tempo depois, todos os trinta e sete colonos se reuniram – estranhamente sem exceção – para vender a cobertura vegetal (pinheiros) para ERCÍLIO SLAVIERO E OUTROS (fls. 534/540), o que aconteceu em 26/02/1961, e para, em 03/03/1961 alienar à empresa F. SLAVIERO E FILHOS S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS as terras que diziam ocupar e cultivar (03/03/1961 – fls. 527/529 e fls. 532/533). Portanto, com a divisão da antiga Reserva de Mangueirinha as terras ficaram assim distribuídas: a) Gleba ‘A’, [...], destinadas aos índios Guaranis; b) Gleba ‘B’, [...] para OSWALDO FORTE E OUTROS e, posteriormente, para F. SLAVIERO E FILHOS S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS; e c) Gleba ‘C’[...], para os índios Caingangues (TRF, 2009, on-line).

Portanto, a Gleba “B”, que corresponde à área de litígio, era densamente composta pela vegetação de Ombrófila Mista (Floresta de Araucárias), que na época, detinha grande valor comercial, fato que justifica o interesse madeireiro pela região.

A luta dos indígenas por suas terras levou o grupo Slaviero & Filhos a tentarem comprar com presentes o aval Kaingang e Guarani para a retirada de madeira, os agrados eram distribuídos nas comunidades em dias festivos, como o dia do índio. No início dos anos 1970, a FUNAI chegou a proibir os indígenas de coletarem pinhão e erva mate nas terras da gleba “B”, e na tentativa de apaziguar, o grupo Slaviero & Filhos permitiu de forma amigável a prática tradicional dos indígenas em “suas” terras. Mas as boas ações dos donos da madeireira não convenceram os indígenas, que, em 20 de novembro de 1974, por iniciativa de Ângelo Cretãn e respaldo dos advogados da FUNAI, deram início a demanda na esfera judicial da defesa das terras indígenas. Causa que os indígenas chegaram a ganhar em primeira instância, mas que, em 1979, o juiz Lício Bley Vieira, da Segunda Vara da Justiça Federal de Curitiba, deu ganho de Causa ao grupo Slaviero & Filhos (CAVALHEIRO, 2015, p. 46).

Para resolver a questão judicial da posse definitiva da Gleba “B”, as populações Guarani e Kaingang, começaram a articular formas de ganho de causa.

Kaingang e Guarani lutavam juntos, e de forma ativa, pela desativação de serrarias instaladas pela FUNAI, fruto de políticas impositivas, que contradiziam os direitos e princípios indígenas. Então, alguns dias antes de sua morte, Ângelo Cretãn convocou indígenas de Nonoai – RS e de Chapecó – SC, para unirem-se a eles e ocuparem as terras que estavam sob a posse da 45

madeireira. A invasão aconteceu em meados de 1980, ainda sob o impacto da morte de Cretãn, e fazia parte de uma estratégia maior que ele havia planejado (CAVALHEIRO, 2015, p. 46).

Segundo reportagem divulgada na plataforma Tribuna PR (2006), no ano de 1974, a Fundação Nacional do Índio formalizou uma ação de oposição contra Carlos Gemin e outros e F. Slaviero & Filhos S/A, requerendo posse e usufruto de Gleba “B”, Colônia “K”, área da TI de Mangueirinha. A sentença julgou oito ações que tramitavam na Justiça Federal sobre a mesma área de terras. A decisão, que contém quase 200 laudas, concluiu que a execução violou a Constituição Federal de 1946, pois os indígenas detinham a posse territorial da área em questão.

A primeira das ações, ação de interdito proibitório, foi ajuizada em 1974 e mais de trinta juízes federais atuaram no feito. Uma sentença foi proferida em 1979 e anulada pelo extinto TFR, em 1986, em virtude da necessidade de dilação probatória. Hoje são 67 volumes, totalizando mais de 14 mil páginas. Inúmeras testemunhas ouvidas, realizadas quatro perícias nas ações que envolvem conhecimentos científicos e técnicos multidisciplinares, antropologia, arqueologia, engenharia, cartografia, documentologia, assim como foi oportunizada plenas condições às partes para a mais ampla defesa e contraditório (TRF, 2009, on-line).

Desde então, houve diversas disputas judiciais envolvendo os indígenas e o Grupo Slaviero. Em 1986 os indígenas conseguiram expulsar os madeireiros, conforme relato obtido por Castro (2011):

Aí comunicamos uma reunião em Curitiba, a superintendência era lá, reunimos todos os caciques, e os caciques deram força para nós. Daí marcamos o dia e viemos, a meia-noite se reunimos tudo na sede, eram 3.000 índios mais ou menos. Foi em 1986 ou 1987, quando foi ali pela meia-noite nós reunimos todo o pessoal, viemos e tiramos tudo os Slaviero da reserva. E já ficamos morando. E ganhamos na justiça, e ganhamos de novo. Mas parece que eles estão recorrendo de novo... (CASTRO, 2011, p. 64).

É importante observar que inúmeros conflitos judiciais ocorreram na Terra Indígena nesse período histórico.

A demanda na esfera judicial em defesa das terras indígenas, contou com respaldo dos advogados da FUNAI, e foi iniciada no dia 20 de novembro 1974 por iniciativa de Ângelo Cretã, então cacique de Mangueirinha. Havia inclusive grupos como Carlos Gemin & Outros, que alegavam posse daquela 46

mesma área, e também brigavam nos tribunais com os advogados da empresa Slaviero. Situação que tornava a questão sobre a legitimidade dos documentos de posse da Gleba C, um emaranhado de ações envolvendo grileiros, madeireiros, políticos, o governo estadual, a FUNAI e os índios. Os Kaingang e Guarani foram vencedores em primeira instância, mas em setembro de 1979, o juiz Lício Bley Vieira, da Segunda Vara da Justiça Federal em Curitiba deu ganho de causa a empresa Slaviero & Filhos. A partir de então, esta e outras sentenças foram proferidas, para posteriormente, serem anuladas judicialmente. E assim novos recursos e apelações foram sucessivamente interpostos pelas diversas partes envolvidas. Atualmente com mais de trinta anos de tramitação, este processo é composto por 70 volumes com mais de 14 mil folhas, segundo dados da 7ª Vara Federal de Curitiba. Um dos mais fortes argumentos em defesa dos índios apoia-se na constituição de 1934 (vigente na época do esbulho), que reza ser nulo qualquer negócio jurídico que busque ceder ou alienar terras ocupadas em caráter permanente por “silvícolas” (CASTRO, 2011, p.61).

Castro (2011, p. 62) afirma ainda que Ângelo Cretã convocou os índios de Chapecó – SC e Nonoai – RS, para ocuparam a área tomada pela empresa Slaviero, a chamada “Terra do Meio”, fato ocorrido em meados da década de 1980. Dentre as disputas de ordem judicial, a decisão final sobre a posse da Gleba “B”, ocorreu apenas em 2009, onde os indígenas garantiram seu direito à propriedade, conforme o documento abaixo:

EMENTA

1. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. OPOSIÇÃO. LEGITIMIDADE. COMUNIDADE INDÍGENA. DOMÍNIO. FAIXA DE FRONTEIRA.A alienação da coisa não altera a legitimidade. A substituição está autorizada, contudo, desde que haja consentimento da parte contrária, o que não ocorre nos autos. 2. Desde a Constituição de 1934, é nulo qualquer negócio jurídico que busque ceder ou alienar terras ocupadas em caráter permanente por silvícolas. 3. A perícia antropológica, depois de identificar os principais grupos indígenas que se encontram na Reserva de Mangueirinha (Kaingang e Guarani), de traçar as árvores genealógicas das respectivas famílias e de cruzar documentos históricos com a memória dos entrevistados, chegou à conclusão de que os índios que atualmente se encontram na área em disputa descendem daqueles que nela se encontravam em 1937, e mais, de que referida área é de grande relevância à reprodução cultural daquela comunidade. 4. Conclui-se que nem CARLOS GEMIN E OUTROS nem o assistente JONE RODRIGUES LIMA detiveram algum dia domínio sobre a área em questão. Os títulos dominais ostentados não gozam de validade, pois obtidos mediante documentos ideológica e materialmente falsos. Além disso, mapas posteriores aos trabalhos do Eng. Duílio Beltrão demonstram que a Concessão Delgado situa-se próxima ao município de São João, distante alguns quilômetros da área em disputa. 47

5. Ainda que não fosse demonstrada a posse permanente dos índios sobre a Gleba ‘B’, pertenceria à União a propriedade da mesma, porquanto eivado de vício o ato de transmissão dos domínios das terras situadas na faixa de 150 quilômetros da fronteira.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e aos recursos de apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 23 de setembro de 2009.

Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER Relatora (TRF, 2009, on-line).

Desde então, as populações indígenas Guarani e Kaingang que residem no local desde antes da chegada do “homem branco”, tomaram a definitiva posse da Gleba “B” da TI de Mangueirinha, e continuam sua luta para a preservação cultural, ambiental e ainda buscam prevenção da proteção territorial.

2.4 A Terra Indígena de Mangueirinha hoje Como mencionado anteriormente, a Terra Indígena (TI) de Mangueirinha está localizada no Sudoeste do estado do Paraná, entre os municípios de Chopinzinho, Coronel Vivida e Mangueirinha, sendo que Chopinzinho é o município com a maior proporção territorial da TI (Foto 1). A TI situa-se na região do Terceiro Planalto paranaense, com predomínio da Floresta Ombrófila Mista (FOM), em áreas acima de 800 metros de altitude; e da Floresta Estacional Semidecidual (FES) (abaixo de 800 metros) (RODERJAN et al. 2002); e do clima Subtropical. Nas Fotos 1 e 2, é possível ver o porte da FOM, através de imagens captadas com auxílio de VANT (veículo aéreo não tripulado), que retratam parte da área da TI, com destaque para a presença da vegetação de araucárias.

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Foto 1 - Floresta de araucárias na TI de Mangueirinha

Fonte: PREFEITURA MUNICIPAL DE CHOPINZINHO (2018).

Foto 2 - Vista aérea de parta da TI de Mangueirinha

Fonte: PREFEITURA MUNICIPAL DE CHOPINZINHO (2018).

Através das imagens, também pode-se observar áreas que são destinadas à produção agrícola. Questões referentes à área florestal serão abordadas no capítulo seguinte. 49

A organização espacial está dividida de acordo com as aldeias indígenas, separadas por etnia, sendo os Kaingang com maior número de habitantes.

A população indígena da Área Mangueirinha está distribuída em várias aldeias: Iguaçu e Palmeirinha habitadas principalmente pelos Guarani; Mato Branco, Fazenda, Água Santa, Paiol Queimado e Campina, (sede do Posto) são ocupadas pelos Kaingang (HELM, 1996, p. 32).

As aldeias são os locais de maior concentração de casas. A Figura 2 exemplifica a composição da Aldeia Palmeirinha.

Figura 2 - Aldeia Palmeirinha.

Fonte: Google Earth (2018). Elaboração: DERLAN (2019).

Alguns locais de edificações foram destacados, sendo eles: em amarelo, a BR 373, principal via de ligação que perpassa na TI; em vermelho, a Escola Estadual Indígena Verá Tupã, que comporta Educação Infantil e Ensino Fundamental I e II; em azul, observa-se a presença de uma igreja evangélica; em pink, percebe-se o barracão do maquinário agrícola da comunidade; em laranja, tem-se o centro cultural indígena guarani, denominado “Piaí”; em verde claro, o posto de saúde; em rosa, a casa de reza, sendo ela o principal local de cerimônias e rituais; em verde escuro, o campo de futebol, local utilizado frequentemente para a prática esportiva e, em roxo, áreas destinadas às práticas agrícolas, voltadas ao cultivo de grãos. 50

É permitida a frequência de indígenas em outras crenças religiosas. Segundo conversa com um indígena guarani, nos foi relatado: “atualmente a igreja faz um comunado com a pessoa que se converteu, estes, porém, não pedem nenhum tipo de autorização para fazer a igreja, hoje é assim que acontece”. Observa-se que a população indígena, em sua maior parte, não se utiliza de hortas e pomares, porém, as escolas indígenas costumam manter hortas em funcionamento no período escolar, contribuindo com a merenda da instituição. Áreas de pastagem também não são facilmente encontradas. Dá-se preferência à pecuária extensiva de galináceos e, em algumas propriedades, porcos em pequenos chiqueiros. Sobre a atividade extrativa de madeira, o mesmo indígena relatou-nos: “hoje não existe nenhum tipo de empresa que faz esse tipo de trabalho, pelo menos o que se sabe”. Dessa forma, é possível encontrar escolas, igrejas de religiões diversas, a casa de reza, campo de futebol, posto de saúde, e demais edificações. Sendo, portanto, o local de maior convívio social, visto que, nem todos os habitantes indígenas conhecem a área urbana dos municípios, que estão distantes há alguns quilômetros. A Foto 3 ilustra uma área de borda oeste na Gleba A, local que passou a ser utilizado para prática agrícola desde a criação da Aldeia Palmeirinha e migração de indígenas da etnia guarani da margem do Rio Iguaçu para esse local. Ao fundo da imagem, a rodovia BR 373, que corresponde ao limite territorial da TI nesta área.

Foto 3 – Entorno da Aldeia Palmeirinha, de comunidade Guarani

Fonte: DERLAN, 2020.

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A Foto 4 ilustra a escola da Aldeia Palmeirinha e a Foto 5, uma das igrejas da Aldeia.

Foto 4 – Escola da Aldeia Palmeirinha

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

Foto 5 – Uma das igrejas da Aldeia Palmeirinha

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

Na Foto 6 observa-se parte de outra aldeia existente na TI de Mangueirinha, denominada Aldeia Passo Liso, da comunidade kaingang. Nela, é notável a presença de uma igreja evangélica, comércio e casas. Ao fundo, a presença da área de floresta.

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Foto 6 - Aldeia Passo Liso.

Fonte: DERLAN, 2019.

As fotos 7 e 8 fazem alusão à infraestrutura, percebe-se a existência de um posto de saúde e de um ginásio poliesportivo

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Foto 7 - Posto de saúde na Aldeia Passo Liso.

Fonte: DERLAN, 2019.

Foto 8 - Ginásio poliesportivo.

Fonte: DERLAN, 2019.

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No que se refere à organização política, as terras indígenas, e dessa forma as aldeias, detêm de um modelo diferente de estrutura. O poder político é divido em cacique, vice-cacique e liderança indígena.

No tocante à estrutura política, a TI de Mangueirinha é centrada na figura principal do cacique e na nomeação de uma rede de lideranças de confiança escolhida por ele após o processo eleitoral para ajudar na gestão. Não há um número exato para compor o quadro de conselheiros ou genericamente chamados membros da Liderança, uma espécie de conselheiro local (ALMEIDA, 2013, p. 143).

Tabela 1: Hierarquia política na TI de Mangueirinha.

Fonte: Almeida (2013).

Almeida (2013) afirma ainda que o cacique é poder supremo da terra indígena, o vice- cacique o auxilia, principalmente em assuntos internos, e as lideranças cumprem funções específicas, podendo ser relacionadas ao controle social e/ou aos processos de decisão. Através de conversa informal com alguns indígenas é nítido que há um grande incentivo para que os mesmos continuem seus estudos e possam ter novas profissões que venham a somar com a organização política e o desenvolvimento das aldeias. Observou-se também, que os jovens optam por cursar Pedagogia na UNICENTRO (Universidade Estadual do Centro-Oeste), campus de Chopinzinho. Assim, os indígenas que estudam e concluem o ensino superior passam a trabalhar nas escolas da TI, sendo contratados pelo sistema PSS (Processo Seletivo Simplificado) do Estado do Paraná. Após compreender como se deram as relações territoriais que levaram ao contexto atual da área, o próximo capítulo evidencia o uso da terra na Terra Indígena de Mangueirinha.

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CAPÍTULO III – USO DA TERRA NA TERRA INDÍGENA DE MANGUEIRINHA

Para o desenvolvimento dos mapas foi necessário o uso dos conceitos e das ferramentas dos Sistemas de Informações Geográficas e do Sensoriamento Remoto, com o intuito de construir mapas de uso da terra por décadas, para entender a evolução na ocupação da TI. Essa parte dos procedimentos por ser dividida em quatro etapas: aquisição das imagens; tratamento e composição; classificação e validação; e monitoramento do uso da terra.

Sensoriamento Remoto e a importância do SIG Sensoriamento Remoto é uma técnica para a obtenção de imagens a partir de sensores instalados em aviões e satélites.

Sensoriamento Remoto é a tecnologia que permite obter imagens e outros tipos de dados, da superfície terrestre, através da captação e do registro da energia refletida ou emitida pela superfície. O termo sensoriamento refere-se à obtenção dos dados, e remoto, que significa distante, é utilizado porque a obtenção é feita à distância, ou seja, sem o contato físico entre o sensor e a superfície terrestre (FLORENZANO, 2002, p. 9).

No entanto, não se trata somente da obtenção de uma fotografia espacial. Os sensores utilizados captam a energia emitida e/ou refletida pela superfície terrestre, para assim construir a imagem. Dessa forma, os sensores captam imagens não apenas da superfície terrestre, mas também de elementos atmosféricos, a exemplo das nuvens. Após a interpretação das imagens provenientes dos sensores, é possível interpretar tais imagens para gerar mapas diversos, como os políticos e rodoviários, assim como mapas temáticos, que analisam diversos elementos naturais ou antrópicos, como a evolução da urbanização, hidrografia, declividade, relevo, usos da terra, entre outros. É imprescindível evidenciar que existe uma grande variabilidade climática que deve ser levada em conta quanto à sazonalidade proposta para a obtenção de imagens. Quando se pretende realizar uma análise espaço-temporal de determinada área, as condições atmosféricas momentâneas podem causar alterações, ou seja, nuvens podem atrapalhar a visibilidade e a captação de energia da superfície terrestre. Após a definição da área estudada e da sazonalidade, as imagens são coletadas e analisadas, considerando possíveis fatores que possam interferir na interpretação das imagens, como por exemplo, o tipo de cobertura vegetal, o relevo e as condições atmosféricas. Também é importante delegar os pontos de controle da imagem. 56

A área compreendida numa imagem de satélite não é uma unidade referencial, para fins cartográficos ou estatísticos. Dessa forma, os resultados de interpretação visual devem ser expressos numa unidade cartográfica conhecida e aceita pela comunidade de modo geral. Assim, é aconselhável, antes de realizar a fotointerpretação, transcrever os limites para o papel sobreposto à imagem (overlay), seja das cartas topográficas necessárias para abranger a área da imagem, seja dos municípios, dos estados e da federação contidos na cena, quando for o caso. Além disso, deve-se traçar rede de drenagem, as principais estradas e a localização de pontos de controle, como usinas, destilarias e barragens (MOREIRA, 2005, p. 241).

Para analisar de forma mais eficaz as imagens de satélite através do Sensoriamento Remoto, são utilizados programas computacionais que buscam maior exatidão e confiabilidade no material produzido. O SIG (Sistema de Informação Geográfica) é empregado para realizar o geoprocessamento das imagens, dentre eles, o Spring, criado em 1991, que unifica o tratamento das imagens e as transforma em cartas e mapas (MOREIRA, 2005). Quanto às suas características, o SIG apresenta duas:

• Permite inserir e integrar, numa única base de dados (banco de dados), informações espaciais provenientes de diversas fontes, como: cartografia, imagem de satélites, dados censitários, dados de cadastro rural e urbano, dados de redes e de MNT (Modelo Numérico de Terreno). • Oferece mecanismo para combinar várias informações através de algoritmos de manipulação e análise, bem como de consulta, recuperação, visualização e plotagem do conteúdo dessa base de dados georreferenciados (MOREIRA, 2005, p. 258).

Portanto, o SIG reúne técnicas que permitem a representação do espaço através de uma base digital. A manipulação dos dados permite ao pesquisador a produção de inúmeros documentos para análise ambiental e/ou social.

O uso de diferentes técnicas de investigação e avaliação que permitam extrair informação de uma base digital de dados georreferenciados, provenientes de diferentes fontes, níveis e acuidade de informação, e cujo processamento se aplica como ferramenta de suporte à tomada de decisão, darão maiores possibilidades de delineamento ao estudo. Os métodos intrínsecos a estas ferramentas e as inúmeras alternativas inerentes à sua aplicação podem resultar na construção de um diagnóstico dos problemas que afetaram e estão afetando as paisagens de uma determinada região. De outra parte, as técnicas do Geoprocessamento adotadas, ao possibilitarem a integração dos dados, permitem apontar as análises para os objetivos definidos, de configurar sugestões e soluções em apoio à decisão, como contribuição à sustentabilidade da paisagem (TABACOW; XAVIER DA SILVA, 2011, p. 41).

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Dessa forma, para desenvolver um estudo sobre o uso da terra é indispensável que o pesquisador consiga expressar seus objetivos de forma concreta e acessível, a exemplo da construção de cartas e mapas que ilustrem graficamente as mudanças ocorridas na paisagem. Para identificar mudanças na paisagem, técnicas de análise espacial foram desenvolvidas a partir da década de 1970, tal como o monitoramento de uso da terra implementado no Brasil por Jorge Xavier da Silva, em 1982, com o desenvolvimento do Sistema de Análise Geo- Ambiental (SAGA), técnica que o autor denominou como “monitoria ambiental”.

O apoio à decisão sobre problemas ambientais não pode basear-se apenas na informação sobre ocorrências territoriais; esta é a dimensão espacial do fenômeno ambiental. É preciso obter conhecimento sobre a evolução, ou seja, sobre a variação, no tempo, dos fenômenos territorialmente expressos. Em consequência, a monitoria (ou monitoramento ou monitorização) ambiental precisa ser eficientemente executada sobre o modelo digital do ambiente. Este procedimento consiste no levantamento exaustivo das alterações ambientais ocorridas em uma determinada situação ambiental. Registros sucessivos de fenômenos ambientais, utilizando taxonomias correspondentes (classificações iguais ou correlacionáveis), podem ser usados para o acompanhamento da evolução territorial de processos e ocorrências de interesse. É o caso do acompanhamento da devastação de florestas, da expansão de áreas de favelas, entre outros fenômenos, muitos de direta e óbvia importância para a gestão ambiental (XAVIER DA SILVA, 2001, n.p).

Através do monitoramento ambiental é possível identificar áreas que sofreram ações antrópicas, a exemplo do desmatamento, queimadas, áreas que passaram a ser destinadas para práticas agrícolas, locais com solo exposto, mas, também se pode identificar a evolução da regeneração florestal e espécies existentes. Para efetivar este trabalho desenvolveu-se duas formas de monitoramento, o monitoramento simples e o monitoramento múltiplo. O primeiro:

Consiste na definição de alterações de localização e extensão de características ambientais determinadas, ao longo de um período definido. Pode ser feita através da comparação da ocorrência da mesma característica ambiental ao longo de duas ocasiões registradas e contidas nos dados inventariados (XAVIER DA SILVA, 2001, n.p).

O monitoramento simples foi utilizado para compreender como uma única classe permaneceu, deixou de ser e tornou-se outra classe. Dessa forma, analisa-se, por exemplo, as áreas que permaneceram sendo solo exposto, as que deixaram de ser solo exposto e as que se tornaram solo exposto. 58

Já o monitoramento múltiplo é utilizado para investigar uma área, considerando especialmente quais alterações que nele ocorrem, ou seja, “[...] áreas em que uma característica deixou de existir [...], e os locais onde uma característica passou a existir”. (XAVIER DA SILVA, 2001, n.p). Essa forma de monitoramento foi utilizada para compreender como cada classe deixou de ser o que era, para tornar-se outra classe, por exemplo, uma área que deixou de ser solo exposto e tornou-se vegetação rasteira.

Procedimentos Metodológicos Para a aquisição das imagens, foi definido um intervalo temporal de aproximadamente uma década, porém, esse período teve algumas mudanças em função da disponibilidade de imagens em condições atmosféricas satisfatórias para posterior interpretação e classificação. No que se refere à sazonalidade, procurou-se imagens preferencialmente dos meses de agosto e setembro, em virtude desse período do ano ser praticada a colheita das culturas de inverno (trigo e aveia) e o início da preparação do solo para as culturas de verão, o que permite identificar com maior facilidade e precisão as áreas com vegetação rasteira (cultivo agrícola) ou de solo exposto (com aragem do solo ou sem cobertura vegetal). Os produtos foram buscados no Catálogo de Imagens do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e os sensores procurados foram do mesmo programa espacial (LandSat - Land Remote Sensing Satellite - NASA). Mesmo havendo diferenças entre as ferramentas do Landsat ao longo dos 44 anos da análise, trata-se do satélite que capta e fornece as imagens espaciais mais antigas e com as menores variações das características entre os períodos. As imagens adquiridas foram de 08 de novembro de 1975 (LandSat 1); de 22 de setembro 1984 (LandSat 5); de 18 de setembro de 1994 (LandSat 5); de 11 de setembro 2003 (LandSat 5); de 1° de setembro de 2011 (LansSat 5); e de 7 de agosto de 2019 (LandSat 8). Na segunda etapa, procedeu-se o tratamento das imagens no aplicativo SPRING (Sistema de Processamento de Informações Geográficas – INPE), inicialmente com a conversão das imagens para formatos compatíveis com o aplicativo e, em seguida, com o ajustamento espacial em relação ao limite da TI. As bandas selecionadas para posterior processamento foram: LandSat 1 – sensor MSS (b4 - 0,5 a 0,6 µm; b5 - 0,6 a 0,7 µm; b6 - 0,7 a 0,8 µm; e b7 - 0,8 a 1,1 µm), LandSat5 – sensor TM (b1 - 0,45 a 0,52 µm; b2 - 0,52 a 0,6 µm; b3 - 0,63 a 0,69 µm; b4 - 0,76 a 0,9 µm; e b5 - 1,55 a 1,75 µm), LandSat 8 – sensor OLI (b2 - 0,45 a 0,51 µm; b3 - 0,53 a 0,59 µm; b4 - 0,64 a 0,67 µm; b5 - 0,85 a 0,88 µm; e b6 - 1,57 a 1,65 µm). 59

Além da seleção das bandas para o processamento, também foram elaboradas composições falsa cor para identificar visualmente os diferentes usos da terra, bem como para elaborar cartas imagem que permitem interpretar visualmente os usos na parte interna da TI e comparar com a ocupação no seu entorno. As cartas imagem obtidas foram de 1975 (LandSat 1 - composição: b4 azul, b5 verde e b6 vermelha), de 1984, 1994, 2003 e 2011 (LandSat 5 - composição: b3 azul, b4 verde e b5 vermelha) e de 2019 (LandSat 8 - composição: b4 azul, b5 verde e b6 vermelha). Na terceira etapa, procedeu-se a classificação automática das imagens e a validação dos parâmetros de classificação. Nesse sentido, foram feitos testes com diferentes classificadores no ambiente SPRING e seus resultados exportados para o aplicativo QuantumGIS, para comparação com imagens de alta resolução espacial do Google Earth. Para validação pelas imagens Google, foram gerados 100 pontos aleatórios dentro dos limites da TI no QuantumGIS a partir de ferramenta automática, estabelecido como parâmetro distância mínima de 500 metros. Os 100 pontos amostrais foram sobrepostos as classificações de uso da terra de 2003, 2011 e 2019, bem como imagens de alta resolução espacial do Google em datas próximas aquelas usadas como base para classificação: 18 de setembro de 2003; 7 de março de 2012; e 15 de janeiro de 2019. A partir da interpretação visual das imagens de alta resolução e verificação da classe correspondente nos planos de informação de uso da terra, os critérios de classificação automática foram ajustados até obter-se sucesso em 91 amostras para o ano de 2003, 86 para o ano de 2011 e 88 para o ano de 2019. A partir dessa validação, as amostras foram consideradas satisfatórias e foi estabelecido como parâmetros de classificação o método estatístico “K-Médias”, pixel a pixel, com 25 classes automáticas e interação 10, as quais foram reagrupadas para as cinco classes finais de uso da terra. Como padronização, os mesmos parâmetros foram usados para a classificação de uso da terra dos anos de 1975, 1984 e 1994, pois, nesses anos, não há imagens de alta resolução espacial disponíveis e, embora a imagem de 1975 seja obtida por sensor com características diferentes, as imagens de 1984 e 1994 possuem características semelhantes das imagens validadas. O Mapa 32 foi desenvolvido para validar a pesquisa, sendo produzido após a realização de três trabalhos de campo. O primeiro, em 04/05/2019, percorrendo a rodovia BR 373 e as aldeias indígenas de Palmeirinha (Guarani), Passo Liso e Sede (Kaingang), sendo possível uma

2 As fotos do Mapa 3, bem como, as fotos inseridas no Capítulo III correspondem aos anos de 2019 e 2020, tendo por objetivo caracterizar as classes de uso, não o período analisado. 60 conversa com lideranças indígenas na aldeia Palmeirinha. O segundo trabalho de campo foi realizado no dia 20/06/2019, na Aldeia Passo Liso, para conversa com indígenas locais, bem como, adentrar à floresta por meio de trilhas até árvores centenárias. O terceiro trabalho de campo foi desenvolvido dia 20/02/2020, juntamente com o orientador da pesquisa, Prof. Dr. Luciano Zanetti Pessôa Candiotto, e o coorientador Prof. Dr. Juliano Andres, sendo possível percorrer as rodovias BR 373 e PR 281, fixando doze pontos de observação que foram fundamentais para a verificação das classes identificadas nas imagens de satélite.

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Mapa 3 – Delimitação da Terra Indígena de Mangueirinha, com fotos de paisagens representativas de usos da terra

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As cinco classes obtidas foram: 1) “florestas primárias” ou “florestas em estágio avançado” que diz respeito às áreas com arborização densa. Como até 1994 houve uma redução das áreas florestais, inferiu-se que as florestas identificadas nas imagens até 1994, seriam “florestas primárias”. Após 1994, como foi identificado aumento da área florestal, optou-se por substituir a classe denominada “florestas primárias” para “florestas em estágio avançado”. Nesta classe, estão inseridas florestas primárias e florestas em regeneração que se apresentam em estágio avançado, haja vista que não foi possível diferenciar esses dois tipos de fitofisionomias florestais; 2) “floresta com supressão parcial de árvores”, que representa áreas de florestas que se apresentaram nas imagens de forma mais clara, correspondendo a florestas mais abertas, onde certamente ocorreu intervenção humana. Até 1994, inferiu-se que, nessa classe, houve a supressão parcial de algumas árvores. Após 1994, optou-se por denominar essa classe como “florestas em regeneração”, devido a seu porte ser menor que o da classe “florestas em estágio avançado”; 3) “vegetação rasteira”, correspondente a áreas com cobertura por cultivos agropecuários, roçadas em meio a floresta ou pastagem; 4) “solo exposto”, que são as áreas com aragem do solo, sem cobertura vegetal (podendo estar temporariamente sem cobertura, como no caso de áreas de lavoura em períodos pré ou pós colheitas) ou áreas com vegetação queimada. Considera-se que as áreas de solo exposto e vegetação rasteira correspondem às áreas de uso agrícola. 5) “lâmina de água”, que diz respeito as áreas cobertas por água, sobretudo, na parte norte da TI, onde há influência do lago da usina hidrelétrica. Na quarta e última etapa, foram desenvolvidos os monitoramentos de uso da terra em ambiente SAGA-UFRJ (Sistema de Análise Geo-Ambiental). A partir da intenção de diagnosticar as dinâmicas das áreas de floresta densa, os fatores dessas mudanças e, entendendo que houve redução de florestas até o ano de 1994 e aumento da arborização após esse recorte temporal, foram estabelecidos três monitoramentos: 1) monitoramento múltiplo do que deixou de ser floresta primária de 1984 a 1994, que permite verificar o que se tornou floresta com supressão, vegetação rasteira e solo exposto; 2) monitoramento múltiplo do que se tornou floresta em estágio avançado de regeneração de 1994 a 2019, que permite verificar o que deixou de ser floresta em estágio inicial de regeneração, vegetação rasteira e solo exposto; 3) monitoramento simples de floresta densa entre 1994 e 2019, que permite verificar o que permaneceu floresta densa nesse período e que pode ser considerada floresta primária e o que se tornou floresta densa e pode ser considerada floresta regenerada. Na perspectiva de desenvolver um trabalho a respeito da evolução temporal do uso da terra na Terra Indígena de Mangueirinha, com ênfase na cobertura florestal, optou-se por uma 63 pesquisa que fizesse uso de mapas temáticos. Dessa forma, desenvolveu-se seis mapas de uso da terra, que serão discutidos sequencialmente. Na sequência, são apresentadas seis cartas imagem, que permitem uma comparação com da área de estudo com o entorno da Terra Indígena. Tais cartas permitem uma análise que excede a área da TI, sendo possível comparar a pressão exercida pelo modelo agrícola vigente. Ao final, discute-se o que ocorreu em relação à cobertura, através de três mapas de transição: o primeiro, de 1984 a 1994 permite verificar o que se tornou floresta com supressão, vegetação rasteira e solo exposto; o segundo, de 1994 a 2019, aponta o que deixou de ser floresta em estágio inicial de regeneração, vegetação rasteira e solo exposto; e o terceiro, entre 1994 a 2019, evidencia o que permaneceu floresta densa e pode ser considerado floresta primária, e o que se tornou floresta densa e pode ser considerada floresta regenerada.

3.1 Avaliação sobre a cobertura florestal e o uso da terra em 1975

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Mapa 4 - Uso da terra na TI de Mangueirinha em 1975

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No mapa de 1975 observa-se, em tom verde escuro, áreas de Floresta Primária localizadas em todo o território da TI de Mangueirinha, especialmente no sul da Gleba B e na Gleba C. Praticamente toda a área da TI era coberta por florestas primárias, divididas em Floresta Ombófila Mista (FOM), ou seja, Floresta de araucárias, com ocorrência acima de 800 metros de altitude; e Floresta Estacional Semidecidual (FES) (abaixo dos 800 metros). Nas imagens de satélite, não foi possível diferenciar esses dois tipos de fitofisionomias, porém, 75% da área da TI, sobretudo nas Glebas B e C, eram cobertas por florestas primárias em 1975. A Foto 9, traz, ao fundo, exemplares de araucária em uma área que, originalmente, era de Floresta Ombrófila Mista (FOM). Contudo, como a foto é de 2020, percebe-se que a paisagem da foto teve parte de suas árvores retiradas. Essa foto foi a de uma paisagem mais próxima de uma FOM que se encontrou durante o trabalho de campo. Todavia, a foto retrata bem a paisagem de uma FOM.

Foto 9 – Floresta Ombrófila Mista (FOM)

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

A Foto 10 é de uma paisagem atual coberta com Floresta Estacional Semidecidual (FES), próxima a lâmina d´água do reservatório da UHE de Salto Santiago.

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Foto 10 – Floresta Estacional Semidecidual (FES)

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

Em 1975, 25% da TI não possuía mais florestas primárias, indicando que o processo de supressão florestal já era existente. Em 13% da área, ainda existia uma cobertura relativamente densa, porém com nítidos sinais de supressão de árvores, sobretudo por queimadas e retiradas de exemplares maiores, concentrados na Gleba A. Essa classe foi denominada Floresta com supressão parcial de árvores e está representada na cor verde claro do Mapa 4. Observa-se a seguir, dois exemplos de paisagens com supressão parcial de árvores. A Foto 11 é de uma paisagem com supressão de boa parte das árvores para ocupação com uma pequena lavoura de milho. Na Foto 12, uma paisagem bem próxima, com floresta ao fundo e com um toco de árvore queimado no centro.

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Foto 11 – Área recentemente queimada e desmatada para plantio de lavoura de milho

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

Foto 12 – Área recentemente queimada e desmatada para plantio de lavoura de milho, com floresta ao fundo

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020. 68

Os demais 12% eram ocupados com uso agrícola, sendo vegetação rasteira (11%) e solo exposto (1%), representados no Mapa 4 pelas cores amarelo e vermelho, respectivamente. As áreas com vegetação rasteira e solo exposto, cobriam principalmente as Glebas B e C, com maior destaque para a Gleba C, especialmente na borda Sudoeste e Sudeste da TI. Na Gleba A, essas áreas situavam-se às margens do Rio Iguaçu. Na época, a vegetação rasteira poderia ser um campo (Foto 13), uma área de pastagem, ou mesmo de lavoura (Foto 14).

Foto 13 – Paisagem com vegetação rasteira (campo)

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

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Foto 14 – Paisagem com lavoura (milho seco e soja verde)

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

A norte do mapa está o Rio Iguaçu, sendo que, nesse período, o mesmo encontrava-se ainda em seu leito natural. Na margem esquerda do Rio, percebe-se que o processo de supressão florestal se destacava, considerando-se a área da Gleba A. No entanto, com a construção da Usina Hidrelétrica de Salto Santiago, inaugurada em 1980, e a formação de seu reservatório, parte das margens do Rio Iguaçu foram inundadas. Em relação ao solo exposto, supõe-se que tais áreas estariam localizadas próximas a aldeias indígenas e na borda sudoeste da TI. Conforme o mapa, a maior parte das áreas de solo exposto estava no meio de áreas com vegetação rasteira.

3.2 Avaliação sobre a cobertura florestal e o uso da terra em 1984

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Mapa 5 – Uso da terra na TI de Mangueirinha em 1984

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No mapa de 1984, um grande destaque é o aumento da área ocupada com água, correspondente a lâmina d´água formada na margem esquerda do Rio Iguaçu (extremo norte do mapa 5), oriunda do reservatório da UHE de Salto Santiago. O deslocamento da população Guarani para o trecho noroeste da TI, assim como a pressão exercida nas bordas da TI, foram responsáveis pela expansão da área de solo exposto. Essa migração de indígenas guaranis se deu em virtude da perda de suas terras localizadas à margem do Rio Iguaçu, a partir da formação do reservatório. Esse fenômeno evidencia um processo de desterritorialização e reterritorialização deste grupo indígena, ocorrido dentro da TI de Mangueirinha. Portanto, além da perda de uma parte do território, em virtude do alagamento proporcionado pelo reservatório, observa-se que o desmatamento nas proximidades do mesmo foi grande. Todavia, o deslocamento de indígenas para esta área não é suficiente para explicar as manchas que vão surgindo na imagem, Certamente, iniciou-se um processo maior de supressão florestal, vinculado, provavelmente, a interesses de indivíduos e grupos não indígenas por madeira ou pela ocupação irregular de áreas da TI com lavouras. Através do Mapa 5, é possível visualizar a ocupação da TI em 1984. Enquanto o Mapa 4, de 1975, indicava, ao menos, 75% de área ocupada com florestas primárias, o mapa de 1984, mostra que houve uma perda de 14% em 11 anos. Em 1984, os remanescentes florestais nativos e preservados, se encontravam ao norte da TI, e nas regiões mais centrais das Glebas B e C, sobretudo ao sul da Gleba B e norte da Gleba C. A supressão das florestas primárias foi se dando, de forma mais significativa, nos entornos das rodovias e nas bordas da TI. Destaca-se a supressão no setor sul da TI, ao entorno da rodovia que dá acesso à cidade de Mangueirinha (PR 281) (Foto 15), correspondente à área de localização da Aldeia Sede (Foto 16).

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Foto 15 – Rodovia PR 281, que dá acesso à cidade de Mangueirinha

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

Foto 16 – Paisagem da Aldeia Sede, às margens da Rodovia PR 281

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

As florestas com supressão parcial de árvores passaram a ocupar 20% da TI, estando concentradas na metade norte (Gleba A e norte da Gleba B). Mesmo sem a supressão total das florestas, essas áreas eram alvo da retirada parcial de árvores. Essa retirada poderia ser seletiva, ou seja, de árvores com maior valor comercial ou de maior porte, ou aleatória, simplesmente para se abrir clareiras – com tratores ou queimadas - para ocupação agrícola ou pecuária. A Foto 17 ilustra uma área que teve parte de sua vegetação florestal recentemente queimada, para ser ocupada com lavoura.

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Foto 17 – Floresta com supressão parcial de árvores a partir de queimada

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

Já as áreas de uso agrícola como lavouras, pastagens e campos (vegetação rasteira/herbácea), se mantiveram relativamente estáveis em termos percentuais (10%). Contudo, a área com solo exposto, também de uso agrícola, aumentou para 8% do total da TI. Ambas, estavam concentradas na Gleba A e na Gleba C. Também fica evidente que as áreas limítrofes, com exceção do extremo sul e parte do sudeste, eram alvos dos maiores desmatamentos para ocupação agropecuária. A presença de pessoas no entorno da TI aumentava a pressão sobre sua ocupação, mesmo que irregular. No mapa de 1984, um trecho contínuo a norte da Gleba B aparece com solo exposto. Tal trecho corresponde a uma área que foi desmatada para a construção da linha de transmissão de energia da UHE de Salto Santiago. Atualmente, esse trecho se encontra com vegetação secundária em regeneração (capoeira) (Foto 18) e com lavouras (Foto 19).

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Foto 18 – Floresta secundária abaixo da linha de transmissão de energia

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

Foto 19 – Lavoura abaixo da linha de transmissão de energia

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

Assim, é nítido que parte das florestas primárias que existiam na década de 1970, foram sendo suprimidas em toda a área da TI, sobretudo nas suas margens e nas margens das rodovias. 75

Essas florestas foram suprimidas parcialmente, substituídas por lavouras agrícolas, pastagens e solo exposto, indicando uma ampliação da ocupação agropecuária na TI de Mangueirinha. Cabe ressaltar que a classe denominada solo exposto pode ter áreas que não estavam sendo utilizadas naquele momento, mas que foram posteriormente ocupadas com atividades agrícolas ou pecuárias.

3.3 Avaliação sobre a cobertura florestal e o uso da terra em 1994

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Mapa 6 - Uso da terra na TI de Mangueirinha em 1994

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A transição ocorrida entre os anos de 1984 e 1994 é bem marcante, sobretudo no tocante a supressão de florestas primárias. Nesse período de 10 anos, houve supressão de florestas nativas em 3.670 hectares, ou seja, 22% da TI de Mangueirinha. É interessante observar que não houve aumento significativo populacional dentro da TI neste período. Porém, a área ocupada com floresta primária, que era de 10.421 hectares em 1984, foi reduzida para 6.751 hectares em 1994. As bordas de toda a TI foram sendo amplamente desmatadas, seja na Gleba A, B ou C. Ao verificar que a área com florestas onde houve a supressão parcial de árvores foi reduzida em 1% entre 1984 e 1994, percebe-se que os 21% de área ocupada com florestas primárias em 1984, foi transformada em área agropecuária com vegetação rasteira ou com solo exposto, somando 41%. Se em 1984 havia 1.781 hectares ocupados com vegetação rasteira, em 1994 essa área passou a ser de 4.532 hectares, correspondente a 17% de toda a área da TI. Já a área com solo exposto aumentou em 1.000 hectares nesse período de 10 anos, passando de 8 para 14% da área da TI. Portanto, esse período foi marcado pela supressão total de mais de 1/3 da área de floresta primária que existia em 1984. Em conversa com um indígena da etnia guarani, sobre a supressão florestal ocorrida na década de 1990, perguntou-se quem comandava essas empresas madeireiras e se havia alguma resistência indígena. Ele respondeu: “na história existia sim, empresas de madeira que comprava dos próprios indígenas as madeiras ilegais! Muitas delas, aqui da região mesmo, compravam as madeiras a preço de banana. E muitas mortes havia por causa de alguns que lutavam contra isso”. Portanto, segundo o relato, parte da população indígena lutava contra a extração de madeira ilegal, sofrendo com ameaças, perseguições e mortes. Alguns ateavam fogo nos equipamentos e caminhões carregados com madeira. Outros preferiram fugir após serem ameaçados de morte. Entretanto, alguns indígenas estavam mancomunados com os madeireiros, autorizando a retirada de vegetação nativa e vendendo para empresários e outros interessados, através de um mercado ilegal. Assim, o ano de 1994 corresponde ao período analisado em que se identificou o maior índice de desmatamento dentro da TI. Grande parte das classes florestais do mapa do ano de 1984 dá lugar às áreas de solo exposto e extensos espaços de agropecuária em 1994. Destacam- se o setor norte e oeste da Gleba A, de ocupação Guarani e limites com o município de Chopinzinho. O setor oeste da Gleba B, com aldeias Guarani e Kaingang, e todo o entorno da 78

Gleba C, pertencente aos municípios de Coronel Vivida e Mangueirinha. Assim, a pressão externa parece ter sido preponderante nesse processo de ocupação agropecuária da TI de Mangueirinha. É importante conhecer os motivos e os responsáveis por tamanha redução na área de florestas primárias nesse período. Para tanto, indígenas que já viviam na TI nesse período, expuseram sua opinião. Segundo conversa com moradores locais, na década de 1990, chegou a existir, dentro da Terra Indígena, 22 madeireiras, as quais retiravam e comercializam madeira de araucárias e de outras espécies arbóreas, de forma irregular, sem a autorização dos indígenas ou com a conivência de alguns indivíduos. Portanto, o grande objetivo na área não era a exploração agropecuária, mas sim, a supressão vegetal condicionada à posterior comercialização de madeira, haja vista que a espécie arbórea de destaque local é a araucária angustifólia, na época, muito utilizada, junto com outras espécies de árvores, como cedro, angico, canela, entre outras, com grande valor comercial. Entre as décadas de 1980 e 1990, houve intensa atividade exploratória dentro da TI, pois todo seu entorno já havia sido desmatado, abandonado ou substituído por práticas agropecuárias.

3.4 Avaliação sobre a cobertura florestal e o uso da terra em 2003

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Mapa 7: Uso da terra na TI de Mangueirinha em 2003

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Em 2003, ocorreu uma recomposição florestal em parte da área da TI de Mangueirinha, devido a uma redução das áreas com vegetação rasteira (de 2.091 hectares) e com solo exposto (de 985 hectares). No entanto, o que era floresta primária, passou a ser classificado como floresta em estágio avançado, pelo fato de parte da área classificada até 1994 como floresta com supressão parcial de árvores, ter atingido um porte maior, sendo composta por árvores primárias e secundárias que foram se regenerando. Assim, se em 1994 foram identificados 6.751 hectares de florestas primárias/nativas, em 2003, existiam 8.402 hectares de florestas em estágio avançado (primárias e secundárias). Como a imagem não permitiu diferenciar as florestas primárias e secundárias em estágio avançado, elas foram englobadas em uma única classe. A Foto 20 ilustra uma área com floresta secundária em estágio avançado.

Foto 20 – Floresta secundária em estágio avançado

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

Outra mudança ocorreu com a classe floresta com supressão parcial de árvores. Como boa parte dessas passou a ser classificada como floresta em estágio avançado em 2003, optou- se por utilizar o termo floresta em regeneração, que corresponde a um estágio inicial de regeneração florestal, ou seja, uma floresta secundária em estágio inicial, popularmente 81 chamada de capoeira. Isso explica a ocupação de 28% da área da TI com floresta em regeneração. Considerando que, no mapa de 1994, 41% da área da TI estava ocupada com vegetação rasteira e solo exposto, e que no mapa de 2003 essas duas classes passaram a ocupar somente 23% da área total, fica perceptível que 18% da TI tornou-se floresta em regeneração, devido ao abandono dessas áreas, provavelmente ocorrido após decisões da justiça, que frearam continuidade da supressão de florestas e da ocupação agropecuária irregular de parte da TI de Mangueirinha. O Mapa de 2003 indica que esse processo de regeneração florestal se deu principalmente, no setor norte e nas bordas leste e oeste da TI. As áreas centrais da TI também apresentaram evidências de regeneração florestal, porém, certamente com perdas em termos de diversidade de espécies e de diversidade genética. A Foto 21 ilustra uma paisagem na Gleba A, onde, atualmente, há regeneração florestal. Essa paisagem era ocupada em 1994, com solo exposto.

Foto 21 – Área de regeneração florestal

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

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Portanto, o expressivo aumento de áreas verdes deve-se, principalmente, ao fato de que, entre os anos de 1994 e 2003, houve redução da atividade das madeireiras. Quando se questiona sobre a saída de empresas madeireiras da TI aos indígenas, eles evidenciam a redução de conflitos, que geralmente ocorriam entre empresários e indígenas. O maior líder indígena foi Ângelo Cretã, que dedicou sua vida à luta contra as invasões de madeireiros. Cretã foi assassinado em 29 de janeiro de 1980. “Ainda assim, a coragem do cacique Cretã e os avanços por ele conquistados nas demandas que abria em várias frentes, desde as denúncias contra as serrarias da FUNAI3 até a com Slaviero & Filhos Comércio de Madeiras S/A, colocavam em risco sua vida” (CASTRO, p. 139, 2011). As terras pertencentes à Gleba B foram retomadas pelos indígenas através de uma ação judicial, anos após o falecimento de Cretã. O fato envolveu várias lideranças.

A invasão das terras ocupadas pela madeireira Slaviero & Filhos, além de outros intrusos como Jone Rodrigues de Lima, vinha sendo planejada pelos índios desde o tempo em que Ângelo Cretã liderava seu povo. Porém esta atitude radical efetivou-se apenas seis anos após seu falecimento, como nos conta o próprio Ambrósio dos Santos: [...] Na época tinha um senhor que era o chefe do Posto, um tal de Isaac Bavaresco, e a mulher dele fazia parte desses Slaviero. Então daí quando a gente entrava para cá (área em litígio), pra mór de fazer um movimento, aí esse Isaac da FUNAI dava contra nós. E já comunicava a polícia, e eles tiravam nós. Aí foi que eu assumi de cacique, depois da morte do Ângelo, e nós conseguimos tirar esse Isaac Bavaresco de chefe do Posto, aí a FUNAI mandou um tal de..., me esqueço o nome dele, e nós não conseguimos tirar o Slaviero, por que ele só dava contra. Aí veio outro chefe de Posto, um tal de Rômulo, aquele, nossa, fazia tudo pelos índios. Aí ele também incentivou nós: “A terra de vocês tá pequena, tá aumentando a população e eu sou a favor de nós tirar os Slaviero”. Aí, comunicamos uma reunião em Curitiba, a superintendência era lá, reunimos todos os caciques, e os caciques deram força para nós. Daí marcamos o dia e viemos, a meia-noite se reunimos tudo na sede,

3Não foi possível obter informações sobre essa afirmação, mas, a partir dela, percebe-se que havia algum tipo de conflito entre os indígenas e a FUNAI, devido a um certo aparelhamento da instituição. Nesse sentido, surgem alguns questionamentos: - Historicamente, ou seja, ao longo do tempo, qual foi o poder da FUNAI no território da TI de Mangueirinha? - Quais as pessoas e outras instituições que exerceram alguma influência política na gestão da área que compõe a TI? - Qual a influência política que cada chefe da FUNAI tinha? - Quais as intencionalidades daqueles que foram chefes da FUNAI, com poderes para atuar na gestão do território da TI? - Quais as ações que cada chefe empreendeu e suas consequências? - A FUNAI teve serrarias? Com qual finalidade? - Essas serrarias eram legais? - Qual foi a área de florestas desmatadas dentro da TI pela FUNAI, ou melhor, por seus gestores, ou por outros órgãos estatais? 83

eram 3.000 índios mais ou menos. Foi em 1986 ou 1987, quando foi ali pela meia-noite nós reunimos todo o pessoal, viemos e tiramos tudo os Slaviero da reserva. E já ficamos morando. E ganhamos na justiça, e ganhamos de novo. Mas parece que eles estão recorrendo de novo... (CASTRO, 2011, p. 64).

De acordo com o Mapa 7, as áreas denominadas como floresta em estágio avançado correspondiam a 49% da TI em 2003. Conforme mencionado, os espaços de floresta em estágio avançado correspondem às áreas em que a vegetação primária foi mantida desde 1975, e também a alguns locais em que a floresta com supressão pôde desenvolver-se e tornar-se floresta em estágio avançado. Contudo, florestas secundárias que se regeneraram ao ponto de serem consideradas como uma floresta em estágio avançado, certamente não possuem a mesma diversidade biológica e genética, se comparada às florestas primárias/nativas. Somando as florestas em estágio avançado com as florestas em regeneração, em 2003, 77% da área da TI de Mangueirinha era composta por florestas. Já as áreas com lavouras e pastagens, locais de atividades agropecuárias, correspondiam a 14%. O aspecto mais relevante em termos de alteração ocorrida entre 1994 e 2003 esteve na redução das áreas de vegetação rasteira, de 27% para 14%, bem como das áreas com solo exposto, de 14% para 9%. Desta forma, se em 1994, 41% da TI de Mangueirinha era ocupada com lavouras, pastagens ou áreas sem florestas, em 2003 a área de uso agrícola foi reduzida para 23%. Isso indica, que entre 1994 e 2003, houve uma significativa desaceleração no processo de desmatamento na área da pesquisa. Conforme se pode observar no Mapa 7, as áreas de floresta concentram-se na borda leste da TI, especialmente na área central. Cabe ressaltar que o centro da TI, de acordo com as linhas geradas no Mapa 1, corresponde à Gleba B, local que, devido a impasses jurídicos, possivelmente tenha ficado em situação de abandono. Logo, os locais de agropecuária e solo exposto estão localizados principalmente na área limítrofe da borda oeste e no setor sul da TI, local de maior concentração populacional. Essas duas classes de uso, provavelmente relacionadas a atividades agropecuárias, estavam concentradas no setor norte, com maior expressão no oeste da Gleba A, e no setor sul (Gleba C). Muitos locais que em 1994 eram de solo exposto e agropecuária, ao serem abandonados, tiveram uma relativa regeneração florestal característica de florestas secundárias. No entanto, por mais que exista regeneração florestal, não se trata, em termos qualitativos, de um mesmo tipo de floresta se comparado a florestas primárias, pois espécies com centenas de anos não se regeneram facilmente, sobretudo em termos genéticos. Da mesma forma, a biodiversidade animal em uma floresta em regeneração não é a mesma de uma floresta primária. 84

3.5 Avaliação sobre a cobertura florestal e o uso da terra em 2011

85

Mapa 8 - Uso da terra na TI de Mangueirinha em 2011

86

Na imagem do ano de 2011, fica nítido que houve ampliação das florestas na TI de Mangueirinha, de modo que 87% da área total, ou seja, 14.923 hectares possui cobertura florestal. Percebe-se, em todo o território, uma maior consolidação da área florestal, principalmente nos espaços de antigas clareiras. Contudo, o mais importante é que a área de floresta em estágio avançado foi ampliada em 805 hectares entre 2003 e 2011 (5% da área da TI). Dessa forma, a principal mudança de 2003 para 2011 são as classes de recomposição florestal, onde, florestas que estavam em estágio de regeneração, passaram para florestas em estágio avançado. A Foto 22 demostra uma área de floresta que estava em regeneração e que agora pode ser considerada como uma floresta em estágio avançado.

Foto 22 – Floresta em estágio avançado (ao fundo da paisagem)

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

De acordo com o Mapa 8, as áreas com florestas em estágio avançado totalizam 54% do território, enquanto, em 2003, somavam 49%. Os espaços com florestas em regeneração ocupavam, em 2011, 33% do território. Portanto, entre 2003 e 2011, houve uma ampliação de 10% da área florestal na TI. Os locais com solo exposto, também foram reduzidos de 9% para 5% da área total da TI, enquanto a classe vegetação rasteira, também foi reduzida de 14% para 7%. É importante evidenciar que a categoria solo exposto possivelmente seja local de práticas agropecuárias, mas que, no momento da captação da imagem de satélite, encontrava-se com solo desnudo. De qualquer forma, no século XXI não houve registro de avanço no desmatamento da TI de 87

Mangueirinha, sendo que as áreas agropecuárias foram reduzidas de 23% em 1994 para 12% em 2011. Ou seja, os 11% de redução nos espaços de vegetação rasteira e solo exposto, foram acrescidos aos espaços florestais, comprovando assim a redução do desmatamento em sua totalidade. Provavelmente, isso se deu em virtude da saída de pessoas não indígenas da área da TI, após a decisão judicial de 2009, que garantiu, até o momento, a posse da área da TI para os indígenas.

3.6 Avaliação sobre a cobertura florestal e o uso da terra em 2019

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Mapa 9 - Uso da terra na TI de Mangueirinha em 2019

89

No ano de 2019, data do mapeamento mais recente dessa pesquisa, a qualidade da imagem permitiu comprovar que, atualmente, há uma vasta cobertura florestal na área da TI de Mangueirinha. Nem mesmo as margens do reservatório no Rio Iguaçu fora da TI, possui vegetação tão densa, pois existem apenas algumas manchas de mata ciliar. Contrapondo-se às inúmeras opiniões de populares, nos últimos anos, a TI teve sua cobertura florestal ampliada, sendo que a maior parte é composta por florestas em estágio avançado. O Mapa 9 indica que 58% da área da TI se encontra ocupada por florestas em estágio avançado, sendo, no máximo 39%, de florestas primárias (conforme o Mapa 6, de 1994), e 19% com florestas secundárias. As áreas com floresta em regeneração correspondem a 28% da área total da Terra Indígena. Locais que em 2011 foram classificados como solo exposto, em 2019, apresentam-se como espaços de floresta em regeneração. Desta forma, têm-se, em 2019, 86% de área florestal na Terra Indígena de Mangueirinha. Contudo, no ano de 2011, havia 87% de área florestal, indicando uma redução de 1% da área florestal. Entre 2011 e 2019 verificou-se um aumento de 4% da área ocupada com florestas em estágio avançado. As áreas de agropecuária e solo exposto situam-se majoritariamente em espaços próximos às aldeias indígenas e rodovias, de modo que 7% da TI está ocupada com vegetação rasteira e 6% com solo exposto, somando 13% de área com uso agrícola. Também se observa grande área de solo exposto próximo ao reservatório no Rio Iguaçu, ao norte da Gleba A. Tal fato se dá devido à variação do nível de água (Foto 23).

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Foto 23 – Solo exposto na margem do reservatório no Rio Iguaçu

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

Estima-se que aproximadamente 13% da TI seja ocupada com práticas agrícolas da população indígena, porém, podem ocorrer casos de arrendamento de terras de indígenas para plantio por parte de não-indígenas. Não foi possível verificar essa hipótese, mas a existência de lavouras convencionais de soja no entorno das aldeias, indica que os indígenas aderiram ao agronegócio e a cultura de grãos, ou que essas áreas foram arrendadas para o cultivo de terceiros. As áreas com atividades agropecuárias estão concentradas em parte na borda oeste da Gleba A (próximo à aldeia Guarani); borda oeste, nos limites com áreas agropecuárias de Chopinzinho; bem como em partes do setor sul, especialmente ao sul da Gleba B e Gleba C (áreas próximas às aldeias Kaingang). É nítido que os locais que apresentam florestas em estágio de regeneração, localizam-se próximos aos locais de agropecuária. Portanto, observa-se que as áreas agropecuárias têm sido reduzidas e substituídas, naturalmente, por florestas secundárias em estágios inicial, médio e avançado. No entanto, mesmo com o grande processo de desmatamento ocorrido na década de 1990, a floresta manteve importantes resquícios vegetais. A Foto 24 refere-se ao chamado 91

“Pinheirão”, espécie de araucária angustifólia de aproximadamente 614 anos, segundo os indígenas locais que acompanharam as pesquisas do IBAMA.

Foto 24 - Pinheirão dentro da TI de Mangueirinha

Fonte: DERLAN, 2019.

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Por fim, a Foto 25 indica uma paisagem de 2020, onde é possível identificar três classes de uso presentes nos mapeamentos: floresta em estágio avançado (parte central ao fundo), floresta em regeneração (árvores mais baixas) e lavoura de soja na base da foto (vegetação rasteira).

Foto 25 – Paisagem atual com três classes de uso da terra presentes nos mapeamentos

Fonte: CANDIOTTO e DERLAN, 2020.

Para evidenciar a evolução de cada classe de uso e das áreas florestais na Terra Indígena de Mangueirinha, foi organizado o Gráfico 1, que sintetiza em ordem cronológica, as alterações no uso da terra entre 1975 e 2019. Esse gráfico reúne todas as informações contidas nos gráficos inseridos nos mapas de uso anteriormente apresentados e discutidos.

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Gráfico 1 - Evolução temporal do uso da terra na TI de Mangueirinha

80 75 % 70 61 % 58 % 60 54 % 49 % 50

40 39 % 33 % 28 % 30 27 % 28 % 20 % 19 % 20 13 % 14 % 10 % 14% 7 % 7 % 10 11 % 8 % 9% 5% 6 % 1 % 0 % 1 % 1 % 0 % 1 % 0 1 % 1973 1984 1994 2003 2011 2019

Floresta primária (1975 a 1994)/Florestas em estágio avançado (1994 a 2019) Floresta com supressão parcial (1975 a 1994)/Florestas em regeneração (1994 a 2019) Vegetação Rasteira Solo Exposto Lâmina de Água

Fonte: INPE. Elaboração: DERLAN (2020).

Ao analisar o gráfico, compreende-se que a classe que se destaca é a floresta primária (até 1994), que passou a ser denominada floresta em estágio avançado a partir de 1994. Em 1975, 75% da TI era ocupada com florestas primárias, que foram reduzidas para 61% da área total em 1984, e para drásticos 39% em 1994. Já em 2003, a cobertura florestal primária e secundária (na classe de florestas em estágio avançado), aumentou para 49% da área total, sendo, hipoteticamente, 39% composta por florestas primárias e 10% por florestas secundárias em estágio avançado. Já em 2011, acredita-se que a cobertura de florestas secundárias em estágio avançado subiu para 15% e, em 2019, para 19%3. As áreas de floresta com supressão parcial de árvores correspondiam a 13% da TI em 1975, aumentando para quase 20% em 1984, e mantendo-se estável até 1994 (19%). Já em 2003, quando essa classe passa a ser considerada floresta em regeneração, há uma ampliação da área para 28% da TI, chegando em 33% em 2011, e reduzindo para 28% em 2019. Todavia, essa redução se deu em virtude do aumento da área de florestas em estágio avançado.

3 Essa estimativa foi feita considerando a hipótese de que, a partir de 1994, não houve supressão de florestas primárias. Contudo, a dificuldade de se encontrar remanescentes significativos de florestas primárias nos trabalhos de campo, pode ser um indício de que desde 1994 tem ocorrido supressão de florestas primárias na área da Terra Indígena de Mangueirinha. 94

Quando se analisa os espaços florestais como um todo, percebe-se que, em 1975, a TI de Mangueirinha possuía 88% do seu território composto por florestas, sendo 75% por florestas primárias, ou seja, Floresta Ombrófila Mista (FOM), onde se destacam das espécies Araucaria angustifalia, e Floresta Estacional Semidecidual (FES). Devido à intensa atividade madeireira dentro da TI entre a década de 1970 até o início do século XXI, houve redução das áreas de floresta primária para 39% em 1994, de modo que não é correto dizer que mais do que 39% da área da TI é ocupada por florestas primárias, pois o último dado que temos é a respeito desta classe de uso é o de 1994, chegando a 58% em 2019. O crescimento no índice reflete que a floresta em regeneração passou a apresentar características de uma floresta em estágio avançado, contudo, não reflete as mesmas características de variabilidade de espécies de uma floresta primária. Partindo do pressuposto de que houve avanço das áreas de florestas em estágio avançado, mantendo-se a importante ressalva de que, no máximo, 39% podem ser consideradas áreas com floresta primária, em 2003 o percentual total de áreas florestais voltou a subir para 77% da área da TI. Acredita-se que houve regeneração florestal em razão da saída de madeireiras e serrarias da área da TI. No ano de 2011 o processo de regeneração continuou, de modo que a área florestal total aumentou para 87% da TI, caindo para 86% em 2019. Os espaços de vegetação rasteira e solo exposto, provavelmente ocupados com atividades agropecuárias, residências e áreas de recentemente abandonadas ou desmatadas, também tiveram mudanças. Em 1975, somavam 12% do território, aumentando para 18% em 1984, e para 41% em 1994, maior percentual registrado para essas duas classes no período 1975- 2019. Em 2003, houve redução para 23%, continuando a diminuir para 12% em 2011 e, aumentando para 13% em 2019. Nota-se que esse 1% de aumento corresponde ao 1% de redução de áreas florestais, onde, possivelmente alguma área de floresta foi incorporada para prática agrícola. Essas duas classes de uso da terra podem ser analisadas em conjunto, visto que locais de solo exposto podem ser considerados espaços de agropecuária, pois devido à sazonalidade respeitada para obtenção das imagens, os mesmos poderiam apenas estar sem plantio, mas, em outras épocas do ano, servirem a atividades agrícolas. A fim de tornar a análise de uso da terra de maior compreensão, os mapas construídos foram dispostos lado-a-lado em um mosaico (Figura 3). Já, a Figura 4, apresenta as cartas imagem que foram produzidas no mesmo período analisado, com o objetivo de demonstrar visualmente que o entorno da TI de Mangueirinha também passou por processos de supressão 95 vegetal devido ao avanço extrativista e agropecuário na região, mas que, diferente do território indígena, não houve regeneração florestal.

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Figura 3 – Análise temporal dos mapas (anexo) A3.

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Figura 4 – Análise temporal das cartas imagens (anexo) A3.

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Para sintetizar todos os eventos históricos e mudanças no uso da terra que envolveram a Terra Indígena de Mangueirinha foi desenvolvida a Figura 5, reunindo todas as informações relevantes desde o século XIX.

Figura 5 –Linha do tempo com os principais acontecimentos

1979 - Ganho de causa ao 1980 - Morte do líder Grupo Slaviero; 1808 - Lei de Extermínio Ângelo Cretã; Ocupação População Guarani é Indígena da Gleba "B" pelos remanejada para a Gleba indígenas "C"

1975 - Terra Indígena de 1984 - Terra Indígena de Mangueirinha somava Mangueirinha somava 1810 - Primeira missa nos 88% de áreas com 81% de áreas com Campos de Palmas florestas e 12% de uso florestas e 18% de uso agrícola agrícola

2019 - Terra Indígena de 1974 - Ângelo Cretãn deu 1882 - Kaingang Mangueirinha somava início a disputa judicial 1986 - Expulsão dos trabalham na abertura de 86% de áreas com pelo território, ganhando madeireiros estradas florestas e 13% de uso em primeira instância agrícola

1961 - Colonos vendem a 1994 - Terra Indígena de 2011 - Terra Indígena de cobertura vegetal e Mangueirinha somava Mangueirinha somava 1903 - Posse do território alienam as terras para a 58% de áreas com 87% de áreas com pela população Kaingang empresa Slaviero e Filhos florestas e 41% de uso florestas e 12% de uso S/A Indústria e Comércio agrícola agrícola de Madeiras

2003 - Terra Indígena de 2009 - Decisão final da 1960/61- Alienação da Mangueirinha somava 1949 - Desmembramento disputa pela Gleba "B", Gleba "B" da FPCI para 77% de áreas com da Gleba "B" sendo favorável aos colonos florestas e 23% de uso indígenas agrícola

Elaboração: DERLAN (2020).

Conforme se pode observar, a análise do uso da terra acontece em um período histórico que envolve muitos agentes. A Lei do Extermínio Indígena de 1808 passou a regulamentar o massacre/escravidão da população nativa, até que em 1809, outro documento pregava os ideais de catequização indígena afim de “domesticá-los”. Os kaingangues tomam posse do território de 1903, após trabalho na abertura de estradas, permanecendo até 1949, onde a Fundação Paranaense de Colonização e Imigração desmembra a Gleba “B” e a repassa para colonos, que, em 1961 vendem a cobertura vegetal e alienam as terras para uma indústria madeireira intitulada Grupo Slaviero. Na tentativa de 99 impedir o golpe, os indígenas se reorganizam e em 1974 ganham a disputa judicial em primeira instância. É importante lembrar que em 1975, a Terra Indígena de Mangueirinha somava 88% de sua área composta por florestas de grande valor comercial, e 12% destinada ao uso agrícola. No ano de 1979, o Grupo Slaviero ganha à causa judicial sobre a Gleba “B”. Neste mesmo ano a população Guarani é remanejada para a Gleba “C”, após o alagamento de suas terras com o reservatório da Usina Hidrelétrica Salto Santiago. A população kaingangue passa a ocupar apenas a Gleba “A”, diminuindo drasticamente seu território. Em 1980, um acidente de trânsito – considerado por muitos um atentado - acaba vitimando o cacique Ângelo Cretã. Nesse período passou a existir a supressão da área florestal, somando em 1984, 81% da área, contra 18% de uso agrícola. Após a morte do líder e início da supressão, em 1986 os indígenas conseguem a expulsão dos madeireiros, no entanto, como visto no item 3.3 sobre o uso da terra na década de 1994, havia muitas madeireiras trabalhando na TI de Mangueirinha, ocorrendo uma grande redução de área florestal, chegando a somar apenas 58%, e 41% de uso agrícola. Em 2003 passa a existir recomposição florestal, chegando a 77% de área florestal e 23% de uso agrícola. Apenas em 2009 há uma decisão definitiva sobre a disputa da Gleba “B”, sendo favorável aos indígenas. Após a definição, a área florestal aumentou em 2011 para 87%, tendo variação de 1% em 2019, quando correspondeu à 86%. Já as áreas de uso agrícola, em 2011 somavam 12%, subindo em 2019 para 13%.

3.7 Espacialização do desmatamento e da regeneração florestal na TI de Mangueirinha As mudanças de uso da terra encontradas ao longo da análise da Terra Indígena de Mangueirinha trouxeram questionamentos no sentido de compreender quais foram os locais com as maiores transformações espaciais. Nesse sentido, optou-se por desenvolver mapas que demonstrem as transições ocorridas em relação à perda de cobertura florestal primária entre 1984 e 1994 (Mapa 10) e ao aumento da cobertura de florestas em estágio avançado entre 1994 e 2019 (Mapa 11). Em seguida, foi produzido o mapa de monitoramento das áreas de floresta em estágio avançado (Mapa 12). Assim, os mapas a seguir indicam quais classes de uso substituíram as florestas primárias (1973-1994) ou em estágio avançado (2003-2019).

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3.7.1 Desmatamento entre 1984 e 1994 O Mapa 10 mostra todas as áreas que deixaram de ser floresta primária entre 1984 e 1994. Em toda a área da TI, nesse período, 4.453,47 hectares foram desmatados, parcial (florestas com supressão parcial) ou totalmente (vegetação rasteira e solo exposto).

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Mapa 10 - Áreas que deixaram de ser floresta entre 1984 e 1994

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Observa-se que 39% desses 4.453,47 hectares, ou seja, 1.750,41 ha foram parcialmente desmatados, tornando-se florestas com supressão parcial de árvores, especialmente nas Glebas A e B, sendo, a última, objeto de disputa judicial devido a invasões irregulares por madeireiros. Esse desmatamento parcial, provavelmente está ligado ao interesse por árvores de grande porte e de alto valor comercial, com destaque para a Araucaria Angustifolia, comumente conhecido como Pinheiro do Paraná. Em relação ao desmatamento total, ele foi de 2.703 hectares, onde, 43% da área desmatada de floresta primária no período foi transformada em vegetação rasteira (sobretudo atividades agropecuárias), dispersas na borda oeste da TI, principalmente na Gleba B. Os 18% restantes, correspondentes a cerca de 806 hectares, foi classificado como solo exposto, também com maiores ocorrências no setor oeste da TI e na Gleba B.

3.7.2 Regeneração florestal entre 1994 e 2019 Apesar do amplo desmatamento de floresta primárias ocorrido entre 1973 e 1994, a partir de 1994, houve um processo de regeneração florestal na TI de Mangueirinha. Não foi possível avaliar a biodiversidade dessas florestas e, supõe-se que são áreas bem menos ricas que as de floresta primária. Contudo, o fato de ter havido regeneração florestal, é positivo. O Mapa 11 especifica onde ocorreu essa regeneração.

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Mapa 11 - Áreas que se tornaram florestas entre 1994 e 2019

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Entre 1994 e 2019, 4.368,15 hectares da TI tornaram-se florestas (em estágio avançado ou em regeneração). A regeneração florestal foi bem mais intensa nas Glebas A e B, com manchas mais contínuas, se comparadas com a Gleba C. Enquanto 38% dessa área deixou de ser floresta em regeneração e passou a ser classificada como floresta em estágio avançado, 45% da área de regeneração, era composta por vegetação rasteira (atividades agropecuárias) e passou a ser classificada como floresta em regeneração. Da mesma forma, 17% da área florestal regenerada estava classificada como solo exposto, sobretudo na borda oeste da Gleba B e no centro da Gleba A.

3.7.3 Florestas em estágio avançado preservadas entre 1994 e 2019 O Mapa 12 mostra que em 2019, 50% da área regenerada da TI era composta por florestas em estágio avançado, primárias ou secundárias.

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Mapa 12 - Áreas de florestas preservadas e em regeneração entre 1994 e 2019

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A área regenerada ocorreu, principalmente, na Gleba B. Por outro lado, 39% da área regenerada, estava composta, em 2019, na classe de floresta em regeneração, dispersas em toda a área da TI, mas concentradas nas Glebas A e B. No entanto, também houve redução da área florestal nos espaços em vermelho, correspondente a 11% no período de 1994 a 2019, ocorrendo, sobretudo, na Gleba C, que é o local com maior concentração populacional na TI.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As investigações que surgem com o desenvolvimento dessa pesquisa sinalizam alguns pontos importantes, que compõem essas considerações finais: 1) Existe toda uma história de luta pelo território da TI por parte dos indígenas, com ações de diversos sujeitos sociais. Alguns são mencionados no trabalho, mas essa história precisa ser detalhada e registrada através de outros estudos; 2) Atualmente, por razões que não se conhece, práticas agrícolas convencionais têm sido adotadas em parte da TI, seja pelos indígenas ou, que sabe, por outros sujeitos. Essas práticas, historicamente, levaram ao desmatamento de cerca de 70% das florestas da TI de Mangueirinha; 3) Apesar do desmatamento, os dados das imagens de satélite, mostram que ocorreu uma restauração florestal de parte da área da TI, de modo que, em 1994, as áreas florestadas correspondiam a 58% e, em 2019, corresponde a 86%. Contudo, conforme salientado, a qualidade biológica e ecológica dessas florestas deve ser bem menor que a de uma floresta nativa, apesar de existirem áreas com florestas nativas atualmente.

No que tange as informações do primeiro capítulo, compreende-se que, além de uma dicotomia sociedade X natureza, onde a natureza é vista enquanto objeto e a sociedade, enquanto sujeito, existem sujeitos que interferem diretamente neste processo de relação da sociedade com a natureza, através do desmatamento e da ocupação de áreas, da legislação, do uso de técnicas e da busca por lucro. Nesse contexto, têm-se indivíduos, instituições e outros grupos. As prefeituras dos municípios de Chopinzinho, Coronel Vivida e Mangueirinha recebem anualmente certo valor de ICMS Ecológico, do qual uma parcela deve ser utilizada na TI de Mangueirinha. Contudo, geralmente, este repasse é feito através de sementes convencionais, maquinário, barracões, insumos e agrotóxicos, ou seja, produtos da Revolução Verde. Dessa forma, há um grande desafio pela frente: efetivar usos sustentáveis da TI, com base no respeito à cultura das sociedades indígenas e em uma interação com outros setores para um manejo mais adequado da área. Nesse sentido, abre-se um viés para continuação da pesquisa: investigar como se dá esse processo econômico, que gêneros agrícolas são produzidos, propondo novas alternativas de 108 repasse às prefeituras e novas formas de obtenção de dinheiro às comunidades através da agroecologia, agroflorestas e práticas turísticas. Essas atividades visam diminuir os impactos ambientais sem desconsiderar a importância das atividades econômicas, o que seria muito importante considerando a relevância ambiental local. Além disso, algumas questões ficam: há influência da declividade no processo de supressão vegetal e mecanização agrícola? Quais sujeitos interferem no território e como possuem posse de terras? Quantas madeireiras ainda existem nas proximidades da Terra Indígena de Mangueirinha? Onde se localizam? Houve supressão de quais espécies vegetais? Apesar da grande dificuldade em encontrar bibliografia a fim de compreender como se deu a demarcação da Terra Indígena de Mangueirinha e as territorialidades que a envolvem, o capítulo II foi desenvolvido para elucidar as questões do passado e compreender as relações atuais na região, principalmente quanto à situação da cobertura florestal. O território foi doado aos Kaingang em 1903 como forma de pagamento aos serviços prestados na construção de estradas para a antiga Colônia Militar do Chopim no final do século XVIII, a colônia foi construída a fim de garantir a disputa territorial do Brasil contra a Argentina, sendo atualmente o município de Chopinzinho. Já, a população Guarani ocupou a Terra Indígena de Mangueirinha na década de 1980 após o represamento do Rio Iguaçu na Usina Hidrelétrica de Salto Santiago, que veio a alagar suas terras. Contudo, em 1949 a Gleba B foi desmembrada e entregue a Fundação Paranaense de Colonização e Imigração, ficando como área de litígio. A situação resolveu-se definitivamente apenas em 2009, quando os indígenas garantiram seu direito à propriedade da terra. Ao longo desses sessenta anos, a Terra Indígena de Mangueirinha foi golpeada de várias formas, muitos não-indígenas passaram a ocupar o território, ocorreram disputas internas e principalmente, houve uma intensa atividade de extração de madeira, que levou a diversos conflitos entre indígenas e madeireiros, culminando na morte do grande líder Kaingang Ângelo Cretã em 1980. A extração da madeira no século XX foi realizada por empresas e outros sujeitos, que objetivavam sua comercialização. Sabe-se que na época o Sudoeste do Paraná estava formando diversos núcleos populacionais e a matéria-prima utilizada neste período era a madeira, especialmente a madeira proveniente da araucária pela sua dureza, durabilidade e poder de queima. Inicialmente a extração madeireira se deu nos arredores da Terra Indígena de Mangueirinha, mais próximo aos núcleos populacionais, mas, com o advento das tecnologias e 109 novas formas de transporte, a extração passou a ser realizada em locais mais distantes dos núcleos, a exemplo da TI. Através da análise dos mapas do uso da terra produzidos entre os anos de 1975 e 2019, verificou-se que, em 1975, havia grande parte da área coberta por vegetação primária, que passou a ser suprimida, chegando ao ápice em 1994. A partir de então, inicia-se a regeneração florestal, e florestas passam a ser consideradas como de estágio avançado (ao menos, a partir da interpretação das imagens de satélites). Ao mesmo tempo, houve redução de vegetação rasteira e solo exposto. Neste cenário, observa-se que foram abertas diversas clareiras em meio às áreas florestais, se tornando espaços de produção agrícola com grande uso de insumos químicos e OGMs para produção comercial, configurando a maior e constante ameaça às áreas com florestas. Assim, pode-se concluir que, em meio às dinâmicas que envolvem a Terra Indígena de Mangueirinha, é evidente que as disputas judiciais contribuíram para a supressão da vegetação primária, especialmente de araucárias. Mesmo havendo regeneração florestal entre os anos de 1994 e 2019, não há evidências de que houve uma recuperação da vegetação, considerando que muitas espécies levam anos para se desenvolver e que, possivelmente árvores centenárias foram retiradas. Nesse sentido, é preciso buscar alternativas que possam conciliar o viés econômico com a proteção ambiental, especialmente à cobertura florestal. Uma vez que a sociedade indígena se viu obrigada a adotar esse modelo economicista e agora precisa encontrar formas para se adequarem a ele, sem que isso cause danos culturais e ambientais. No entanto, esse método precisa ser elaborado considerando os saberes tradicionais dos indígenas, dialogando com eles sobre a importância da proteção da cobertura florestal.

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