BBB e : a mídia enaltece agressores de mulheres, por Iara Moura

Um agrediu a parceira, o outro chegou a ser detido pelo mesmo motivo. Os dois ganham status de celebridade e “nova chance” em reality da Record

(CartaCapital, 15/09/2017 – acesse no site de origem)

A estreia da 9ª edição do reality A Fazenda, pela Record, emissora do bispo Edir Macedo, ocorreu nesta terça-feira (12). O burburinho já comum em torno do fato, alimentado por anúncios da própria emissora em seus veículos e por reportagens, artigos e discussões em fóruns da internet, foi potencializado pela notícia de que dois dos 16 participantes, Marcos Harter e Yuri Fernandes, protagonizaram episódios públicos de violência contra a mulher.

O primeiro chegou a ser expulso da casa, após diversas agressões contra sua parceira na edição deste ano do BBB que culminou com a intervenção da Polícia Federal. Yuri, por sua vez, foi detido sob acusação de bater na então namorada, Angela Sousa, na época dançarina do Domingão do Faustão.

No episódio que levou Marcos a ser expulso ressaltamos,neste blog, a necessidade de não só responsabilizar o agressor, mas também a própria TV Globo, que postergou a expulsão do participante, semana após semana, enquanto lucrava com a “polêmica” gerada pelo relacionamento abusivo, acompanhado todos os dias por milhares de brasileiras e brasileiros. A Rede Mulher e Mídia, articulação da qual o Intervozes faz parte, chegou a solicitar a intervenção do Ministério Público Federal na responsabilização da emissora neste e em outros casos.

A banalização da violência na televisão brasileira não é tema novo nem privilégio dos realities. Porém, tais programas, justamente por se basearem num jogo de “imitação da realidade”, são espaços por excelência de reprodução do machismo, do racismo, da LGBTfobia e de outras opressões. O problema, neste caso, reside justamente na maneira de lidar com estas questões.

Como era de se esperar, em sua busca incansável por audiência e lucro, as emissoras não têm tido uma atitude ativa no sentido de prevenir e combater violações de direitos humanos. E tal atitude não seria um favor ou uma ação de caridade cristã por da parte das empresas: é previsão claramente colocada na Constituição Federal e em diversos pactos e tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

A própria Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, estabelece como tipos de violência contra a mulher a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral. E determina, em seu artigo 8º, inciso III, “o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar”.

Ao contrário, num jogo de regras próprias que operam a despeito dos princípios constitucionais e legais, as emissoras dão uma roupagem sensacionalista às opressões, alimentando uma atmosfera que explora a violência como “polêmica” e, pior, eleva agressores ao status de celebridade. É muito simbólico, e até jocoso, que a 9ª temporada de A Fazenda se intitule “Nova chance”. Que mensagem nada subliminar tal atitude da emissora contém?

Em A Fazenda, Marcos Harter tem encontrado espaço e audiência para se defender da acusação de agressão e ainda acusar a ex-parceira, Emilly, de tê- lo usado para vencer o BBB. O argumento é de que a mulher teria se vitimizado: “Fiquei com medo de ela inventar que eu a estuprei”, falou Marcos no episódio que foi ao ar nesta semana.

O pesquisador Bruno Campanella, em livro que trata do BBB, ressalta que há, por parte das emissoras, a produção de uma atmosfera de cotidiano nesse tipo de programas que mescla as ideias de realidade, ficção e jogo e que, em sua relação com as audiências, constituem valores morais muito caros à sociedade atual. Entre eles, estão o esmaecimento da divisão entre a esfera pública e a privada, a valorização do comum, o desejo de retorno ao real e a premiação pelo mérito. Assim, conceder aos agressores uma segunda chance de acesso aos programas não diz respeito somente à possibilidade de ganhar o prêmio em dinheiro, mas simboliza uma nova oportunidade de que atuem e se visibilizem enquanto sujeitos políticos e midiáticos, legitimando atitudes de machismo e violência.

Nos diversos episódios em que a sociedade, os/as telespectadores/as e os movimentos feministas cobraram respostas das emissoras quando das violências vivenciadas e transmitidas nesses programas, em geral não houve retorno a contento. Por um lado, as emissoras buscam ignorar a todo custo as denúncias, os pedidos de direito de resposta, os escrachos online e offline e, por outro, seguem argumentando que não têm parcela de culpa nas violações de direitos humanos cometidas em seus estúdios e veiculadas por suas antenas.

Tais violações não se restringem aos direitos das mulheres. Noreality A Casa, também da TV Record, assistimos a uma competição entre 100 participantes que são colocados numa casa de 120 metros quadrados, com infraestrutura e espaço para uma família de quatro pessoas e que devem sobreviver em condições degradantes e humilhantes com falta de lugar para dormir, comida escassa e sem condições mínimas de higiene.

Quando se fala desse “tirar o corpo fora” por parte das emissoras, experiências de outros países apontam no sentido contrário. Na França, por exemplo, em 2011, o Conselho Superior do Audiovisual (CSA), após realizar dezenas de audiências públicas sobre o tema, lançou um documento com recomendações às emissoras relacionadas à proteção dos direitos humanos no contexto dos realities.

O documento solicita aos produtores dos programas cuidados na seleção dos/as participantes que incluam acompanhamento médico e psicológico antes, durante e depois do programa; encoraja a identificação da faixa etária indicada; lembra que, qualquer que seja o conceito do programa, os/as participantes não deverão ser colocados em situações degradantes ou que os/as levem a adotar ou se submeter a atitudes humilhantes; pede que os contratos com os/as participantes fiquem sujeitos à análise do CSA nas questões de sua competência.

Além disso, solicita que “os produtores e diretores reflitam sobre a sua responsabilidade social e ética em relação aos valores que veiculam os reality shows, susceptíveis de serem assistidos pelo público jovem, qualquer que seja a faixa etária definida, e que podem encontrar eco particularmente forte na internet, notadamente nos espaços comunitários (fóruns, blogs, redes sociais…) onde os conteúdos são menos regulados”.

No Brasil, diante da ausência de um órgão regulador efetivo para analisar o conteúdo da programação veiculada nos meios de comunicação de massa – que, no caso do rádio e da TV são concessões públicas – a quem cabe definir junto às emissoras as regras do jogo? Vale tudo? A que situação extrema esperaremos chegar – além de um estupro presumido, da convivência forçada com um agressor e com um abusador de adolescente, da submissão a rotinas e provas humilhantes e degradantes – para tomar uma atitude?

*Iara Moura é jornalista, mestra em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense e integra o Conselho Diretor do Coletivo Intervozes

**Erramos: publicamos há pouco o texto relatando que o ex-BBB Laércio, condenado por estupro de vulnerável, estaria participando da nova edição de A Fazenda. Laércio não está nessa edição do programa e responde a processo na Justiça.

MP entra com recurso para que ex-BBB Marcos Harter responda por violência doméstica

Promotores pedem que caso seja enquadrado na Lei Maria da Penha

(R7, 08/06/2017 – acesse no site de origem)

O polêmico caso de agressão envolvendo os ex-participantes do Brasil Marcos Harter e Emilly Araújo ganhou um novo capítulo nesta quarta- feira (7). O MP (Ministério Público) do Rio entrou com recurso contra a decisão da Justiça que desqualificou os delitos do ex-BBB como crimes de violência doméstica. Marcos foi denunciado em abril por lesão corporal, nos moldes da Lei Maria da Penha, segundo o MP.

Durante o programa, ele e Emilly, com quem mantinha um relacionamento dentro do reality show, protagonizaram cenas de discussões acaloradas. Em uma das brigas, Marcos teria agredido a jovem.

Entretanto, o Juizado da Violência Doméstica da Capital, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, declinou a competência do caso para o Juizado Especial Criminal.

Para os promotores de Justiça Barbara Salomão Spier e Mauricio Cesar do Couto o fato do agressor manter ou ter mantido relacionamento íntimo de afeto com a vítima é o que enquadra o caso na aplicação da Lei Maria da Penha. O recurso do MP pede que se dê prosseguimento normal ao processo criminal e ressalta que não resta dúvida de que havia uma relação amorosa entre Marcos e Emilly.

“Vale salientar que tanto o recorrido quanto a vítima, ouvidos em sede policial, referiram-se ao namoro mantido, por aproximadamente dois meses, durante a edição do programa”, diz o documento, que também inclui imagens de cenas do programa, nas quais as agressões teriam acontecido.

De acordo com a denúncia, na festa Retrô, que aconteceu no programa, Marcos agrediu a jovem com fortes beliscões, que causaram um hematoma no braço esquerdo da vítima, por motivo fútil, que seria ciúmes. Em outro momento, teria ofendido novamente a integridade corporal de Emilly, de acordo com os procuradores, ao dar um apertão no antebraço direito, que acarretou um novo hematoma roxo. As lesões constam em laudo de corpo delito.

Para o promotor de Justiça Gianfilippo Pianezzola, os crimes foram praticados no âmbito de uma relação íntima de afeto, já que Marcos mantinha um relacionamento amoroso com Emilly. Segundo ele, as agressões físicas e psicológicas suportadas pelas vítimas, causadoras de dano físico e emocional, consistem forma de violência doméstica e familiar.

Ex-BBB Marcos é denunciado pelo Ministério Público por agressão a Emilly

Em nota enviada ao UOL, a assessoria esclarece que a agressão aconteceu durante a festa Retrô do reality da TV Globo. “Marcos agrediu Emilly com fortes beliscões, que causaram um hematoma no braço esquerdo da vítima, por motivo fútil, que seria ciúmes. Em outro momento, o denunciado ofendeu novamente a integridade corporal de Emilly, com um apertão no antebraço direito, que acarretou um novo hematoma roxo. As lesões constam em Laudo de Corpo Delito”. Segundo o promotor de Justiça Gianfilippo Pianezzola, “os crimes foram praticados no âmbito de uma relação íntima de afeto, já que Marcos mantinha um relacionamento amoroso com Emilly”.

(Compromisso e Atitude, 25/04/2017 – Acesse o site)

De acordo com ele, “as agressões físicas e psicológicas suportadas pelas vítimas, causadoras de dano físico e emocional, consistem forma de violência doméstica e familiar”.

O caso agora segue para a Justiça, que após análise decidirá se Marcos vira réu do processo.

Marcos foi indiciado por lesão corporal

O BBB Marcos Harter foi indiciado após investigação de agressões contra sua companheira de confinamento Emilly Araújo durante o reality show. O médico foi indiciado por lesão corporal com base na Lei Maria da Penha.

Márcia Noeli, chefe da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher (DPAM), confirmou que as investigações do inquérito policial foram concluídas pela delegada Viviane Costa Pinto, titular da DEAM de Jacarepaguá, e encaminhou o caso para o Ministério Público. “Após análise das imagens, das declarações prestadas e do teor do laudo pericial positivo, os quais não deixaram dúvidas quanto à autoria e materialidade delitiva, constatando que as lesões da vítima se deram em razão das ações intencionais do autor, a Autoridade Policial indiciou formalmente Marcos de Oliveira Harter, relatou o Inquérito Policial e o encaminhou à Promotoria de Justiça.”

A violência contra a mulher ganha mais um capítulo na rede Globo

Expulso do Big Brother, Marcos responde inquérito por agressão de sua companheira Emily

Nesta segunda-feira, uma semana depois da TV Globo ter afastado o ator José Mayer, acusado de assédio sexual, a edição do Jornal Nacional já anunciava que algo diferente aconteceria no , reality show de maior sucesso da televisão brasileira. Poucas horas depois, quando o programa veio ao ar, o apresentador Thiago Leifert anunciou que o competidor Marcos Harter, 37 anos, estava sendo expulso da competição. O motivo foram as contínuas discussões entre Marcos e a estudante Emily Araújo, 20, que terminaram, em diferentes ocasiões, em gritos, apertões, beliscadas e terror psicológico.

(El País, 12/04/2017 – acesse no site de origem)

As cenas, em que Emily reclamou de dor diferentes vezes, impressionaram um país já sensível com a temática do assédio sexual desde que a denúncia da figurinista Sullem Tonani veio a público. Alguns internautas e telespectadores já cobravam ações da TV Globo para o caso, mas foi na última discussão, em que Marcos encurralou Emily e gritou em seu rosto, que as redes sociais foram tomadas por pedidos de expulsão do competidor.

Leia mais: Caso de Emilly é comum: dificuldade de enxergar que vive relação abusiva (UOL, 11/04/2017) Experimente trocar a palavra Emilly por “sua filha”, por Lia Bock (UOL, 11/04/2017) Após expulsão no ‘BBB’, web discute relacionamento abusivo (O Estado de S.Paulo, 11/04/2017) Nota de repúdio sobre BBB 2017 e Rede Globo: Por que expulsar o agressor não basta, por Rede Mulher e Mídia Após agressão, Marcos é expulso do ‘BBB 17’ (O Globo, 10/04/2017)

Nas imagens, vê-se que num primeiro momento o participante tentou passar uma impressão de autocontrole. Deu risada do nervosismo de Emily, que reclamava de falta de apoio do parceiro na competição, e fez gestos para que, em português corrente, ela abaixasse a bola. Se a tentativa foi mostrar que controlava a situação, não conseguiu. A atitude exalava cinismo. Não à toa, daí ao momento em que ele encurralou seu par contra a parede, botou o dedo em seu rosto calando sua boca, e começou a gritar, foi uma virada de centésimos de segundos.

As cenas correram a internet até chegarem à delegada Márcia Noeli, diretora da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher, do Rio de Janeiro. “Eu não assisto ao programa, mas quando vi as imagens logo percebi que se tratava de um caso clássico de violência doméstica que poderia ser enquadrado na Lei Maria da Penha”, diz Noeli. Para ela, a intimidação e o fato de ele não deixar espaço para Emily falar são sinais claros de violência. Ao pesquisar na internet sobre a relação dos dois, Noeli descobriu uma série de outros vídeos em que os dois discutiam e Emily reclamava de dores. Em um deles, depois de ter o braço apertado, a estudante aparecia com um roxo.

“Quando a coisa fica na agressão verbal, na intimidação, não é possível abrir inquérito sem a denúncia da vítima, mas ao ver a imagem em que ela aparecia ferida, levei o caso para a delegada Viviane da Costa que abriu o inquérito”, diz Noeli. Ao anunciar a expulsão de Marcos, Leifert disse que com base na abertura de inquérito, a Globo teve uma “nova e profunda conversa com Emily, inclusive com exame médico” e que “comprovados os indícios de agressão física”, a Globo resolveu tirar o competidor do programa. Agora, o caso segue em investigação. Em seu Facebook, Marcos disse que “como todo casal” eles passaram “por momentos de alegria, ansiedade, euforia e tensão” e que ele nunca teve “a intenção de machucar física ou emocionalmente” a parceira.

Para a promotora de Justiça Gabriela Manssur, especializada em violência contra a mulher, as imagens não deixam dúvidas sobre a intenção de Marcos. Ao saber da expulsão dele, contudo, Emily chorou copiosamente e disse “não saber por que aquilo estava acontecendo”. “Hoje, entre 25 pessoas que atendi, ao menos cinco mulheres estavam na mesma situação de Emily: eram vítimas de um relacionamento abusivo que não conseguiam reconhecer, assumindo para si a culpa pela ação deles”, diz Manssur. Segundo ela, se há algo de positivo no episódio é deixar claro do que se trata o abuso dentro de relacionamentos. “Toda mulher ao assistir essas imagens lembra-se de algo que já viveu ou presenciou”, reflete a promotora.

Não por acaso, quando o programa do dia foi encerrado e durante toda a madrugada e manhã desta terça-feira, a hashtag #EuViviUmRelacionamentoAbusivo dominou as redes sociais. Com ela, inúmeros relatos pessoais de casos de abuso começaram a ser compartilhados. A palavra sororidade, que significa a empatia e companheirismo entre mulheres, passou a ser repetida. Para Manssur, o caso acabou trazendo um salto de percepção: o discurso defendido por ativistas e profissionais ligadas aos direitos das mulheres ganhou uma dimensão nova ao aparecer tão claramente em um programa de massa que oferece ao telespectador a possibilidade de interferir no destino dos participantes. “Ficou claro o que é abuso e ficou claro também que não é apenas uma questão de defender uma causa, mas de conhecer seus direitos”, diz.

A conduta da TV Globo e o papel dos homens

Entre a agressão de Marcos e a expulsão do participante do programa, um dia se passou. Por isso, e por ter emitido sinais trocados – em que o apresentador Leifert chegou a dizer que, “o comportamento do casal nos preocupa” para logo depois afirmar que “as atitudes do Marcos nos preocupam” –, a emissora foi criticada em um primeiro momento. Depois, quando se decidiram pela expulsão, disseram que só o fizeram com certa demora, pois estavam esperando o parecer técnico da Polícia Civil.

Seja como for, a verdade é que a conduta da Globo foi bem diferente do que havia sido em 2012, quando um competidor do mesmo Big Brother Brasil, foi acusado de estupro. Na ocasião, o suposto agressor foi excluído do programa por “comportamento inadequado”. O caso acabou encerrado quando a vítima negou abuso sexual no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Dessa vez, a emissora deixou claro o motivo da expulsão. “A nossa casa está inserida em um contexto maior, que é o da lei”, disse Leifert. E, dirigindo-se ao público, falou que espera que o episódio faça as famílias que assistem ao programa refletirem sobre o que ocorreu.

“É claro que é valoroso que a discussão seja levantada em um programa de tamanha audiência e que a Globo tenha, no final, tomado a atitude correta, mas algumas coisas precisam ser ponderadas”, diz Letícia Bahia, editora institucional da revistaAzMina, publicação independente feminista. “É de se questionar porque a emissora não interviu antes sendo que as agressões vinham acontecendo sistematicamente. A Emily reclamou de dor, reclamou dos apertões, e a produção deixou o programa seguir? É importante lembrar que o Big Brother Brasil é um reality show, mas que ele também é roteirizado”, diz Bahia. Para ela, não se trata de condenar a emissora, mas de problematizar o papel dela no meio do caso. Por fim, Bahia levanta o papel dos homens em episódios como esse. “Ao mesmo tempo em que surgiu a hashtag de apoio, surgiu também a hashtag #ForçaMarcos. Para além da culpa do Marcos, como fazemos para atingir esses homens que não refletem sobre o ocorrido e levam a questão como uma briga entre opostos?”, diz. A promotora Gabriela Manssur concorda: “A espada da lei não basta, não basta penalizar os Marcos, mas é preciso que eles enxerguem o abuso em suas ações, além de ser necessária a criação de mecanismos efetivos de ressocialização”. Bahia lembra que tais ações estão previstas na Lei Maria da Penha, mas que não fica claro qual órgão é responsável por tocar isso. “Em São Paulo existe um grupo de atendimento psicológico para homens acusado de agressão, mas é o único caso que conheço”, diz.

André de Oliveira

No Big Brother, o reality show da violência doméstica

Marcos agrediu a companheira Emilly e foi expulso após intervenção da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher do Rio de Janeiro

Demorou, mas a TV Globo expulsou Marcos Harter do Big Brother Brasil 17. O cirurgião plástico foi eliminado do reality show na noite de segunda-feira 10 por agressão contra a estudante Emilly Araújo, com quem mantinha um relacionamento na casa.

(CartaCapital, 11/04/2017 – acesse no site de origem)

Para Jacira Melo, diretora-executiva do Instituto Patrícia Galvão, não poderia haver outro desfecho. “Nós temos no Brasil uma cultura da violência contra as mulheres, que é um problema sério. Então nós não podemos ter, ao vivo e em cores, na maior emissora do País, um ato como esse”, disse. Leia mais: A misoginia da Rede Globo, por Janaína Penalva (Jota, 11/04/2017) Nota de repúdio sobre BBB 2017 e Rede Globo: Por que expulsar o agressor não basta, por Rede Mulher e Mídia

“A transmissão dessas cenas é um estímulo a essas atitudes, que são vistas como atitudes do homem. A mulher não obedece e o homem vai perdendo o controle e o limite, como se isso fosse um padrão da atitude masculina a ser aceito”, continuou Melo.

A expulsão de Marcos não foi uma inciativa imediata da Globo e só ocorreu após a intervenção da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher (DPAM) do Rio de Janeiro, que iniciou uma investigação na segunda-feira a pedido de sua diretora, a delegada Márcia Noeli. O caso foi assumido pela delegada Viviane da Costa, que foi até a casa do BBB e concluiu que houve agressão.

No programa de segunda-feira, o apresentador Tiago Leifert justificou a demora da eliminação dizendo que a produção do programa tinha consultado “especialistas” na tentativa de tomar uma decisão “justa”.

Marcos vinha se comportando como um abusador há algum tempo. As discussões do casal eram frequentes, mas as atitude do cirurgião na madrugada de domingo 9 deixaram perplexos os telespectadores.

No auge da discussão, ele perdeu o controle: encurralou a jovem em um canto da sala e lhe apontou o dedo na cara enquanto gritava – o que já havia acontecido em outra ocasião. Em outro momento da briga, Emilly reclamou de apertos e beliscões. “Marcos, está doendo”, disse.

As cenas ganharam as redes sociais, e a hashtag #MarcosExpulso chegou a liderar os trending topics do Twitter no domingo. À noite, ao vivo, Leifert disse que as atitudes de Marcos “preocupavam” a todos e que as cenas, exibidas pela edição, acontecem “no mundo real, porém sem as câmeras”.

A Globo, na ocasião, transferiu a responsabilidade para Emilly e se limitou a dizer que ela poderia procurar a produção caso entendesse que havia sido vítima de agressão. Em uma situação de violência doméstica, o motivo pelo qual muitas mulheres são agredidas e mortas é que as vítimas resistem a denunciar seus agressores, de quem geralmente são íntimas. Isso acontece por uma série de motivos, que vão de medo a vergonha.

“Pela Lei Maria da Penha, quando não se trata de lesão corporal (violência psicológica, por exemplo), apenas a vítima pode fazer uma denúncia. Mas quando envolve lesão corporal, não, e é nosso dever de ofício abrir essa investigação”, disse a delegada Noeli. “Olhando os vídeos, conseguimos perceber que ele segura as mãos, segura os braços dela. É uma questão de lesão corporal”, afirmou.

Para Jacira Melo, a Globo prestou um desserviço com seu posicionamento inicial. “O registro da ocorrência pode ser feito por pessoas que assistiram, presenciaram ou têm conhecimento da agressão, não depende da vítima. Não vale fazer uma nota burocrática e ao mesmo tempo deixar o espetáculo rolar. Foi um desserviço.”

A diretora do Patrícia Galvão disse, ainda, que a mídia precisa fazer uma reflexão sobre o papel que desempenha na sociedade. “A Globo e todas as emissoras de TV, como concessão pública, têm responsabilidade no campo da educação social. E o episódio do Big Brother é um importante exemplo para estimular a capacidade de limites nas relações sociais e afetivas.”

Culpa e sororidade

Após receber a notícia da expulsão de Marcos, Emilly adotou um comportamento próprio das vítimas de abuso e passou a se culpar pelo que havia acontecido. Embora a vítima queira se livrar da violência, nem sempre ela quer se livrar do agressor.

Vivian e Ieda, as duas participantes que vão disputar a final do programa com Emilly, tentaram mostrar à colega que ela foi vítima de um relacionamento abusivo e deram ao vivo uma demonstração de sororidade. “Talvez você não estivesse enxergando que estava precisando de ajuda”, disse Vivian. por Débora Melo Caso de Emilly é comum: dificuldade de enxergar que vive relação abusiva

“Ele nunca teria a intenção de me machucar” foi a frase que Emilly usou para expressar sua contrariedade diante da expulsão de Marcos do “Big Brother Brasil”. Ao não se reconhecer como vítima de um relacionamento abusivo, a estudante reproduz um comportamento bastante comum, segundo a professora de psicologia Jaqueline Gomes de Jesus, coordenadora do curso de extensão Feministas nas Trincheiras da Resistência do Instituto Federal do Rio de Janeiro.

(UOL, 11/04/2017 – acesse no site de origem)

“A dificuldade acontece até com mulher que é ameaçada com faca, com arma de fogo. É comum se ouvir: ‘Ah, ele me ama, só estava irritado’. É uma distorção da realidade”, afirma a especialista.

Leia mais: Experimente trocar a palavra Emilly por “sua filha”, por Lia Bock (UOL, 11/04/2017) Após expulsão no ‘BBB’, web discute relacionamento abusivo (O Estado de S.Paulo, 11/04/2017) A violência contra a mulher ganha mais um capítulo na rede Globo (El País, 12/04/2017) Nota de repúdio sobre BBB 2017 e Rede Globo: Por que expulsar o agressor não basta, por Rede Mulher e Mídia Após agressão, Marcos é expulso do ‘BBB 17’ (O Globo, 10/04/2017)

Relacionar comportamentos como o de Marcos com violência também é difícil porque, em geral, começam gradativamente. “Vão acontecendo permissões sutis”, fala Jaqueline. Começa com pressão psicológica, gritos e ofensas, que viram empurrões, beliscões, até que formas mais graves de violência aconteçam.

De acordo com a juíza Teresa Cristina Cabral Santana Rodrigues dos Santos, integrante da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, relacionamentos abusivos iniciam-se, em geral, com violência psicológica.

“Primeiro, o homem diz ‘você não pode isso ou aquilo’. E até a violência física começa aos poucos. Um dedo em riste, um chacoalhão, para depois chegar em chutes e socos”, declara Teresa Cristina.

O fato de Emilly encarar de forma “natural” o que aconteceu com ela tem explicações variadas. Há um componente pessoal que só se pode esclarecer ao se conversar com a pessoa sobre sua história de vida, mas há outros culturais.

“O primeiro ponto é que a sociedade atual banaliza a violência, por isso um apertão ou um chacoalhão podem não ser considerados agressões físicas. Esse tipo de percepção vem de homens e mulheres”, fala Jaqueline.

A cultura do “príncipe encantado” também colabora para essa “cegueira” em relação à violência, na opinião da professora. “Como existe a ideia de que a mulher só se completa em um relacionamento, a ideia de que ela tem de perdoar, de que o homem vai melhorar um dia, é reforçada.”

Por Adriana Nogueira

Após expulsão no ‘BBB’, web discute relacionamento abusivo

Pela hashtag #EuViviUmRelacionamentoAbusivo, mulheres relatam situações em que foram vítimas de agressões psicológicas e até físicas

“Quando consegui arrumar emprego, percebi que ele não ficou feliz. Dava impressão de que se sentia inferior a mim. Quando eu saía, enviava fotos da roupa para ele saber o que eu estava vestindo.” O relato de Mayara, de 21 anos, é um entre várias manifestações de mulheres sobre relacionamentos abusivos.

(O Estado de S.Paulo, 11/04/2017 – acesse no site de origem)

O tema ganhou as redes sociais nesta terça-feira, 11, após Marcos Harter, de 37 anos, ser expulso da 17.ª edição do reality show Big Brother Brasil (BBB) supostamente por agredir Emilly Araújo, de 20 anos. Pela hashtag #EuViviUmRelacionamentoAbusivo, mulheres relataram situações em que foram vítimas de agressões psicológicas e, em alguns casos, até mesmo físicas por parte dos parceiros. A discussão entrou nos Trending Topics – lista dos assuntos mais comentados – do Twitter nesta terça. Harter aproveitou a rede para se defender. “Jamais tive intenção de a machucar física ou emocionalmente.”

Leia mais: Mulheres usam hashtag no Twitter para relatar casos de relacionamentos abusivos (Agência Brasil, 11/04/2017) Após expulsão de Marcos do BBB, mulheres relatam relações abusivas (O Globo, 11/04/2017) Mulheres contam histórias de relacionamento abusivo após eliminação no BBB (UOL, 11/04/2017)

Na web, as vítimas denunciaram abusos por parte dos parceiros como o controle sobre dinheiro, amizades e senhas. “Na minha festa de aniversário, ele não foi, mas eu tinha de conversar o tempo inteiro com ele pelo celular”, conta Mayara, que trabalha no setor financeiro de uma empresa. O relacionamento foi o segundo em que a jovem se sentiu agredida psicologicamente. “No primeiro, eu aceitava migalhas porque achava que ele era o melhor. Ele ia à minha casa quando queria e eu ficava à disposição dele”, diz.

De acordo com a psicóloga Raquel Silva Barretto, nos relacionamentos abusivos há uma concentração de poder. Identificar o problema, no entanto, é um desafio. “Os sinais são sutis. Parece um conto de fadas, mas, desde o começo há um excesso de controle mascarado sob forma de zelo”, explica ela, doutoranda em Saúde Pública, com ênfase em saúde e violência, pela Fundação Oswaldo Cruz, e colaboradora do blog Livre de abuso.

Para a estudante Ana Luiza Costa, o início do namoro foi como muitas histórias de princesas. “No começo é sempre aquele ‘mar de rosas’. Ele me dava presentes e queria muito que eu os usasse. Quando não usava o tempo todo, ele ficava chateado, e então foi piorando: queria que eu usasse somente o que ele me dava”, conta a jovem de 18 anos.

“Fui me percebendo cada vez mais sem amigos, sozinha, ouvia sempre que ele era a melhor pessoa que eu já tinha ficado e que nunca ia achar alguém melhor. Me sentia mal quando fazia algo melhor do que ele, o que muitas vezes me levava a mentir para ele se sentir melhor consigo mesmo.” Segundo Raquel, o controle emocional das vítimas – que na maioria dos casos é mulher – pode desembocar em agressões físicas.

“Ele dizia que ia se matar”, conta a estudante Bruna Ogliari, de 18 anos, sobre a tentativa de por fim a um relacionamento abusivo. Após dois envolvimentos desse tipo, ela se sente insegura para se relacionar novamente. “Não consigo confiar.” Os términos não foram fáceis. “Sabia que estava em um relacionamento abusivo, mas não conseguia sair. Terminei depois de um tempo e com ajuda de pessoas próximas”, diz ela. Apesar de ter conseguido encerrar os namoros, relata que passou a reproduzir o comportamento dos parceiros. “Passei a ser abusiva em meus outros relacionamentos. Fiquei insegura a ponto de não conseguir confiar e ter senhas de tudo.”

Cópia. Para Mayara, as agressões também criaram o temor de que ela reproduzisse abusos com outras pessoas. A jovem conta que teve crises de choro ao notar que estava se comportando com o atual namorado da mesma forma que os ex-companheiros. “Tenho medo de ser abusiva porque nunca fui tratada diferente disso.”

Ela acredita que a visibilidade do tema nas redes sociais pode ajudar outras vítimas. “Acho que, quanto mais a gente falar, mais as pessoas vão ver que não estão sozinhas. Hoje tuitei três frases que o meu último ex me dizia e uma menina me mandou uma DM (mensagem no Twitter) para falar que estava na mesma situação.”

CONHEÇA AS CARACTERÍSTICAS DE UM RELACIONAMENTO ABUSIVO

1. Zelo em excesso. Os sinais de um relacionamento abusivo são sutis e podem ser confundidos com cuidado. “O parceiro se faz muito presente, na porta da universidade, no trabalho, o tempo todo”, diz a psicóloga Raquel Silva Barretto. 2. Ciúmes de tudo e todos Outro ponto em comum é ciúme extremo. “No meu consultório, clientes relatam ciúmes de tudo: da família, dos amigos de infância, das roupas que elas usam e dos lugares que vai.” 3. Controle. O abusador passa a querer mudar o comportamento da companheira. “Começam a haver brigas e ele tenta usar características pessoais para diminuí-la.” 4.Violência. No auge, o parceiro se torna explosivo e pode partir para agressão física e sexual. Pessoas nessa situação devem procurar ajuda de amigos e familiares e apoio psicológico.

Júlia Marques, O Estado de S. Paulo