UNIVERSIDADE FEEVALE LEONARDO BRUNETTI MACEDO

A EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE NA INTERNET E A INSTIGAÇÃO À APLICAÇÃO DO SUPLÍCIO NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES

NOVO HAMBURGO 2017

LEONARDO BRUNETTI MACEDO

A EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE NA INTERNET E A INSTIGAÇÃO À APLICAÇÃO DO SUPLÍCIO NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES

Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Processos e Manifestações Culturais, da Universidade Feevale.

Professora Orientadora Dra. Anelise Rublescki.

NOVO HAMBURGO 2017

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: UMA VISÃO SISTEMÁTICA DO SUPLÍCIO ...... 24 FIGURA 2: UMA SÍNTESE DOS SINAIS-OBSTÁCULOS DA PENA NO PERÍODO HUMANITÁRIO ...... 27 FIGURA 3: PLANTA DE UM PRESÍDIO BASEADO NO PANÓPTICO ...... 29 FIGURA 4: O PANÓPTICO APLICADO A UMA PRISÃO...... 30 FIGURA 5: SÍNTESE ESQUEMÁTICA DO PANÓPTICO E DE SUAS VARIAÇÕES .... 40 FIGURA 6: REQUISITOS (CONDIÇÕES) E O PRESSUPOSTO PARA O ESPALHAMENTO DAS INFORMAÇÕES NA INTERNET...... 60 FIGURA 7: RESULTADO DE BUSCA SOBRE O CASO FESTA THE BOX REVEIÃO . 66 FIGURA 8: RESULTADO DE BUSCA SOBRE O CASO FESTA THE BOX REVEIÃO (CONTINUAÇÃO) ...... 67 FIGURA 9: RESULTADO DE BUSCA SOBRE O CASO O PORQUINHO-DA-ÍNDIA NO FORNO MICRO-ONDAS ...... 68 FIGURA 10: RESULTADO DE BUSCA SOBRE O CASO O PORQUINHO-DA-ÍNDIA NO FORNO MICRO-ONDAS (CONTINUAÇÃO) ...... 69 FIGURA 11: RESULTADOS DA BUSCA SOBRE O CASO DA SUSPEITA DE AGRESSÃO NO BRASIL 2017 ...... 70 FIGURA 12: PROCEDIMENTOS DA FASE DE PRÉ-ANÁLISE ...... 75 FIGURA 13: SIGNIFICADOS DE SUPLÍCIO SEGUNDO O MICHAELIS MODERNO DICIONÁRIO BRASILEIRO DA LÍNGUA PORTUGUESA (2017)...... 76 FIGURA 14: CATEGORIAS DE ANÁLISE DO ESPALHAMENTO DE INFORMAÇÕES ...... 79 FIGURA 15: TRECHO 1 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.1...... 81 FIGURA 16: TRECHO 2 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.1...... 82 FIGURA 17: TRECHO 3 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.1...... 82 FIGURA 18: COMENTÁRIOS DE INTERNAUTAS À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.1...... 84 FIGURA 19: COMENTÁRIO DE INTERNAUTA À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.1...... 84 FIGURA 20: TRECHO 1 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.2...... 85 FIGURA 21: TRECHO DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.3...... 86 FIGURA 22: NÚMERO DE COMENTÁRIOS À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.3...... 87 FIGURA 23: COMENTÁRIO 1 À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.3...... 87 FIGURA 24: COMENTÁRIO 2 À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.3...... 87 FIGURA 25: COMENTÁRIO 3 À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.3...... 88 FIGURA 26: COMENTÁRIO 4 À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.3...... 88 3

FIGURA 27: TRECHO 1 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.4...... 90 FIGURA 28: COMENTÁRIOS À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.4...... 90 FIGURA 29: IMAGEM EXTRAÍDA DA PÁGINA NO FACEBOOK DA ESTUDANTE DA UNB...... 91 FIGURA 30: TRECHO 1 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.6...... 92 FIGURA 31: BUSCA FEITA NO GOOGLE UTILIZANDO COMO CRITÉRIO O NOME DO SUJEITO...... 93 FIGURA 32: DÉCIMO RESULTADO DA PESQUISA FEITA ATRAVÉS DO GOOGLE. 93 FIGURA 33: COMENTÁRIOS DE INTERNAUTAS À NOTÍCIA PUBLICADA POR SOARES E CALCAGNO (2016) ...... 94 FIGURA 34: OUTROS COMENTÁRIOS DE INTERNAUTAS À NOTÍCIA PUBLICADA POR SOARES E CALCAGNO (2016) ...... 94 FIGURA 35: TRECHO 1 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.7...... 96 FIGURA 36: TRECHO 2 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.7...... 97 FIGURA 37: DESCRIÇÃO DA FONTE DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.8. .. 98 FIGURA 38: TRECHO 1 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.8...... 98 FIGURA 39: TODOS OS COMENTÁRIOS DE INTERNAUTAS À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.8...... 100 FIGURA 40: TRECHO 1 DA NOTÍCIA ANALISADA NO SUBCAPÍTULO 5.1.9...... 101 FIGURA 41: TRECHO 2 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.9...... 101 FIGURA 42: TRECHO 3 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.9...... 102 FIGURA 43: COMENTÁRIO DE INTERNAUTA À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.9...... 103 FIGURA 44: TRECHO 1 DA NOTÍCIA DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.2.1 .. 104 FIGURA 45: IMAGEM RETIRADA DE UMA REDE SOCIAL PELO AUTOR DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.2.1 ...... 105 FIGURA 46: TRECHO 2 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.1.2 ...... 106 FIGURA 47: TRECHO 3 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.2.1 ...... 107 FIGURA 48: TRECHO 1 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.2.2 ...... 108 FIGURA 49: IMAGEM EXTRAÍDA DE PÁGINA NO TWITTER ...... 108 FIGURA 50: TRECHO 2 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.2.2 ...... 109 FIGURA 51: IMAGEM EXTRAÍDA DE PÁGINA PESSOAL DA JOVEM EM SITE DE REDE SOCIAL...... 110 FIGURA 52: PRINT DO VÍDEO TRANSLADADO DO TWITTER PARA A NOTÍCIA DA SEÇÃO 5.2.3 ...... 112 FIGURA 53: TWEET 1 TRANSLADADO PARA A NOTÍCIA DA SEÇÃO 5.2.3 ...... 112 FIGURA 54: TWEET 2 TRANSLADADO PARA A NOTÍCIA DA SEÇÃO 5.2.3 ...... 113 FIGURA 55: TWEET 2 TRANSLADADO PARA A NOTÍCIA DA SEÇÃO 5.2.3 ...... 113 FIGURA 56: TRECHO 1 DA NOTÍCIA DA SEÇÃO 5.2.3...... 114 FIGURA 57: TÍTULO DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.2.3 ...... 114 FIGURA 58: COMENTÁRIO 1 À NOTÍCIA DA SEÇÃO 5.2.3 ...... 115 4

FIGURA 59: OUTROS COMENTÁRIOS À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.2.3 .. 115 FIGURA 60: TÍTULO DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.3.1 ...... 117 FIGURA 61: TRECHO 1 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.3.2 ...... 118 FIGURA 62: TRECHO 2 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.3.2 ...... 119 FIGURA 63: NÚMERO DE COMENTÁRIOS À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.3.2 ...... 119 FIGURA 64: NÚMERO DE COMENTÁRIOS À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.3.3 ...... 120 FIGURA 65: COMENTÁRIOS À NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.3.3 ...... 121 FIGURA 66: COMENTÁRIOS EM DEFESA DO PROTAGONISTA DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.3.3 ...... 122 FIGURA 67: ÍNTEGRA DE TEXTO PUBLICADO PELO PROTAGONISTA EM SUA PÁGINA NO TWITTER...... 123 FIGURA 68: ESPAÇO DEDICADO AO CADASTRAMENTO PARA ACESSAR E ESCREVER COMENTÁRIOS...... 125 FIGURA 69: TRECHO 1 DA NOTÍCIA ANALISADA NA SEÇÃO 5.3.6...... 125 FIGURA 70: RELEMBRANDO AS CATEGORIAS DE ANÁLISE ...... 128

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1: NOTÍCIAS SOBRE O CASO DA FESTA "THE BOX REVEIÃO" ...... 73 TABELA 2: ENDEREÇOS ELETRÔNICOS DAS MATÉRIAS SOBRE O CASO DO PORQUINHO-DA-ÍNDIA NO FORNO MICRO-ONDAS ...... 73 TABELA 3: ENDEREÇOS ELETRÔNICOS DAS MATÉRIAS SOBRE O CASO DO PARTICIPANTE EXPULSO DO REALITY SHOW 17 ...... 74 TABELA 4: CATEGORIAS DE ANÁLISE DA APLICAÇÃO DO SUPLÍCIO POR MEIO DA INTERNET ...... 76 TABELA 5: SÍNTESE DA ANÁLISE DE CONTEÚDO ...... 129 TABELA 6: RESUMO DAS CONCLUSÕES DA PESQUISA ...... 132

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LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1: NÚMERO DE OCORRÊNCIAS – CATEGORIA POR NOTÍCIA...... 130

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...... 11 1. 1 JUSTIFICATIVA ...... 17 2 DO SUPLÍCIO AO PALINÓPTICO ...... 19 2. 1 O SUPLÍCIO: CASTIGO E DEMONSTRAÇÃO DE PODER ...... 19 2. 2 O PANÓPTICO: DA ORIGEM À INTERNET...... 26 2. 2. 1 O Ban-óptico, o Sinóptico e o Palinóptico ...... 34 3 O ESPALHAMENTO DAS INFORMAÇÕES: POR QUE AS COISAS SE ESPALHAM NA INTERNET? ...... 42 3. 1 PRIVACIDADE, INTIMIDADE E EXTIMIDADE ...... 44 3. 2 O ESPALHAMENTO DAS INFORMAÇÕES ...... 53 4 ROTEIRO METODOLÓGICO ...... 62 4. 1 PRIMEIRO PASSO DO PERCURSO METODOLÓGICO: A REVISÃO BILBIOGRÁFICA ...... 63 4. 2 SEGUNDO PASSO DO PERCURSO METODOLÓGICO: O ESTUDO MULTICASO ...... 63 4. 2. 1 A festa “The Box Reveião” ...... 65 4. 2. 2 O Porquinho-da-Índia no forno micro-ondas ...... 67 4. 2. 3 Suspeita de agressão no Big Brother Brasil 2017 ...... 70 4. 3 ANÁLISE DE CONTEÚDO...... 71 5 EXECUÇÃO DA ANÁLISE DE CONTEÚDO ...... 80 5. 1 ANÁLISE DO CASO “A FESTA THE BOX REVEIÃO” ...... 80 5. 1. 1 Mulher que disse ter sido estuprada em réveillon vira ré por falsa denúncia ..... 81 5. 1. 2 Jovem que denunciou suposto estupro em Réveillon vira ré na Justiça ...... 85 5. 1. 3 Mulher de 24 anos diz ter sido estuprada em festa de réveillon no DF ...... 86 5. 1. 4 Jovem acusa segurança de estupro em festa de Ano Novo em Brasília...... 89 5. 1. 5 Segurança suspeito de estuprar jovem em festa de Réveillon presta depoimento em Brasília ...... 91 5. 1. 6 Jovem que denunciou suposto estupro em festa é absolvida após ser acusada de calúnia ...... 92 5. 1. 7 Jovem alega ter sido estuprada por segurança em festa de Réveillon em Brasília ...... 96 8

5. 1. 8 Após denúncia de estupro em festa, acusado diz que ato foi consentido ...... 98 5. 1. 9 Após denúncia de estupro em festa, acusado diz que ato foi consentido ...... 100 5. 2 ANÁLISE DO CASO “O PORQUINHO-DA-ÍNDIA NO FORNO MICRO-ONDAS” ...... 103 5. 2. 1 Crueldade: youtuber posta vídeo colocando porquinho-da-índia em microondas...... 104 5. 2. 2 Adolescente posta vídeo de porquinho-da-índia dentro de micro-ondas ligado ...... 108 5. 2. 3 Adolescente que colocou porquinho no micro-ondas está „chorando muito e sem dormir‟ ...... 111 5. 3 ANÁLISE DO CASO “SUSPEITA DE AGRESSÃO NO BIG BROTHER BRASIL 2017” ...... 116 5. 3. 1 Após agressão, Marcos é expulso do “BBB17” ...... 117 5. 3. 2 Expulso do “BBB17”, Marcos pede desculpas em rede social ...... 118 5. 3. 3 “BBB 17”: Antes de ser expulso, Marcos foi notificado em processo por danos morais ...... 120 5. 3. 4 Marcos é o 3º participante expulso do “BBB”. Relembre outros casos ...... 123 5. 3. 5 Marcos é o 3º participante expulso do “Big Brother Brasil”; relembre outros casos ...... 124 5. 3. 6 Marcos diz sentir pena de quem acredita em um relacionamento dele com Emilly ...... 124 5. 3. 7 BBB 17: Marcos faz ato proibido, leva bronca grave e pode ser expulso ...... 126 5. 3. 8 BBB 17: Emilly e Marcos cometem infração gravíssima e podem ser expulsos ...... 126 6 SÍNTESE DOS RESULTADOS APÓS A ANÁLISE DE CONTEÚDO ...... 128 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 133 REFERÊNCIAS ...... 138

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RESUMO

A pesquisa discute o poder que os internautas têm de instigar a aplicação de uma punição corporal denominada suplício (FOUCAULT, 1999), utilizando, como meio, o espalhamento de informações na rede mundial de computadores. Além do conceito de suplício, que tanto pode ser físico, quanto psicológico, a pesquisa verticaliza a discussão sobre o espalhamento de informações (JENKINS, FORD e GREEN, 2014). Discutindo o funcionamento da internet, que facilita o espalhamento das informações e a instigação à aplicação do suplício, a dissertação aprofunda a discussão sobre o conceito de Panóptico (MILLER, 2008; FOUCAULT, 1999) e de suas variações contemporâneas: o Ban-Óptico (BIGO, 2006), o Sinóptico (MATHIESEN, 1997) e o Palinóptico (BRUNO, 2013). Finalizando a parte teórica, aborda-se a extimidade (SIBILIA, 2016), que consiste na superexposição da intimidade na web, que impulsiona o processo de espalhamento. Em relação à metodologia, a dissertação se desenvolveu por meio de revisão bibliográfica (PRODANOV e FREITAS, 2013) dos conceitos antes mencionados, bem como por meio de estudo multicaso, através de análise de conteúdo (BARDIN, 1977; GIL, 2008). Foram estudados três casos, constituídos de vinte notícias publicadas em portais na internet: nove sobre o primeiro caso, três sobre o segundo e oito sobre o terceiro. A partir disso, foi possível: a) alcançar o objetivo geral do trabalho, que consistia em avaliar se a aplicação do suplício pode ser instigada pelos internautas, tendo por base a superexposição na web e o espalhamento de informações na rede mundial de computadores; b) atingir os objetivos específicos, que eram: 1) analisar o conceito de suplício e seus requisitos; 2) demonstrar as relações que há entre a extimidade, o panoptismo e suas variações contemporâneas e o espalhamento de informações na internet. Os principais resultados desta pesquisa foram os seguintes: a) O espalhamento de informações na web contribui para que os internautas instiguem a aplicação de punições corporais, física ou psicológicas, em pessoas que são objeto desse conteúdo espalhado na rede mundial de computadores; b) matérias publicadas em portais de notícias, quando admitem comentários de internautas, tornam-se espaços propícios para a instigação à aplicação do suplício.

Palavras-chave: Suplício. Espalhamento. Extimidade. Panóptico. Internet. 10

ABSTRACT

The research discusses the power that internet users have to instigate the application of the torture (Foucault, 1999) by spreading information in the world-wide computer network. In addition to the concept of torture, which can be both physical and psychological, the research verticalizes the discussion about the spread of information (JENKINS, FORD and GREEN, 2014). Discussing the internet gears and tools, which facilitates the dissemination of information on the web and instigation of the application of torture, the research explores the Panopticon concept, (MILLER, 2008; FOUCAULT, 1999), the Ban-Optic (BIGO, 2006), the Synoptic (MATHIESEN, 1997) and the Palynoptic (BRUNO, 2013) concepts. Finishing the theoretical part, the study aims the extimity (SIBILIA, 2016), which consists of overexposing intimacy on the internet, which drives the spreading process. As a result of the methodological approach, the dissertation was developed through a bibliographic review (PRODANOV and FREITAS, 2013) of the concepts mentioned above, as well as through a multicase study (BARDIN, 1977) through content analysis (BARDIN, 1977; GIL, 2008). Three cases were studied, consisting of twenty news articles published in Internet portals, among them: nine on the first case, three on the second and eight on the third. From this, it was possible to: a) achieve the general objective of the work, which was to assess whether the application of the torture can be instigated by Internet users, based on overexposure on the web and spreading information on the world computer network; b) to achieve the specific objectives, which were: 1) to analyze the concept of torture and its requirements; 2) to demonstrate the relationships between eximity, panoptism and its contemporary variations and the spread of information on the Internet; The main results of this research were: a) The spread of information on the web contributes to Internet users instigating the application of corporal punishment, physical or psychological, in people who are the object of this content spread in the world wide computer network; b) journalistic articles published in news portals, when they admit comments from Internet users, become spaces conducive for users to instigate the application of the torture

Palavras-chave: Torture. Spreadable. Extimity. Panoptic. Internet. 11

1 INTRODUÇÃO

A rede mundial de computadores oferece aos seus usuários um amplo banco de dados, bem como a liberdade para criar e divulgar conteúdo. Trata-se do segundo meio de comunicação mais utilizado no Brasil, de acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2016), ficando atrás apenas da televisão. Em que pese parte da programação de algumas emissoras ser interativa e contemplar a participação do telespectador, a televisão não lhes permite criar conteúdo e divulgar, mas a internet, sim. A questão é: nem tudo o que se divulga na internet é verdade. O que dizer dos hoaxes1 e dos virais? Hoaxes são quaisquer mensagens que se apresentam como verdadeiras por quem as divulga e que chamam a atenção de quem as visualiza, geralmente por força do conteúdo dramático ou sensacionalista da informação que disseminam. Um hoax pode ser espalhado por inúmeras razões, dentre elas: por diversão da pessoa que a divulga, para fomentar debates e até para denegrir a imagem de alguém (VIMERCATE, 2013). Por sua vez, virais são as mensagens que têm a capacidade de se espalhar como vírus (DICIONÁRIO Priberam da Língua Portuguesa, 2013). Isso ocorre frequentemente na internet2. Mais importante do que essas definições são as razões pelas quais as informações se espalham e qual o efeito do espalhamento. Às vezes, sentindo-se legitimados a palpitar sobre tudo e a proferir julgamentos sobre determinado fato ou pessoa, os internautas ofendem-se uns aos outros e disseminam conteúdo falso, sem saber, muitas vezes, que o conteúdo que divulgaram não é verdadeiro. Esses são apenas alguns exemplos do que a internet permite. Há bons exemplos desse espalhamento de informações – que nem sempre são verdadeiras -, dentre eles, um texto que falava da prisão do Ex-Presidente da República

1 Hoaxes “são mensagens dramáticas ou alarmantes que acompanham imagens chocantes, falam de crianças doentes ou avisam sobre falsos vírus”, segundo Vimercate (2013). 2 Os vírus de computador são programas que alteram nocivamente e clandestinamente softwares instalados no computador. Conforme o site Uol Segurança Digital (2017), “eles têm comportamento semelhante ao do vírus biológico: multiplicam-se, precisam de um hospedeiro, esperam o momento certo para o ataque e tentam esconder-se para não serem exterminados”. 12

em razão da Operação Lava-Jato (REDAÇÃO Pragmatismo, 2015). Outro exemplo é a mensagem que circulou em redes sociais que anunciava a cobrança de anuidade da Carteira Nacional de Habilitação (G1, 2017). Falácias, apenas. O problema que decorre do espalhamento de uma informação falsa é que “uma mentira repetida mil vezes, torna-se verdade”. Essa frase, cuja autoria é atribuída à Paul Joseph Goebbels, que foi Ministro da Propaganda na Alemanha Nazista, faz muito sentido no atual contexto. Muitos boatos circulam na web e causam grandes impactos na vida das pessoas. É nesse contexto que está inserida a temática do trabalho. O tema da dissertação é o poder que os internautas têm de instigar a aplicação de uma punição corporal3, mais precisamente o suplício, por intermédio do espalhamento de informações na rede mundial de computadores, as quais outros usuários não precisam ter a certeza de que é verdadeira. O suplício – conceito abordado com mais profundidade no segundo capítulo -, conforme Foucault (1999), é uma punição corporal, aplicada de forma em um ambiente em que possa ser vista por um público heterogêneo, cujos efeitos são demonstrar que o apenado deve ser considerado culpado, bem como exercer o controle sobre o comportamento do apenado e das pessoas que assistem à aplicação da sanção. O objetivo imediato dessa punição é restaurar a soberania de quem detém o poder de aplicar essa pena, pois foi prejudicada, em tese, por aquele que é punido. O conceito de espalhamento de informações é aprofundado no terceiro capítulo. Por ora, convém destacar que, segundo Jenkins, Green e Ford (2014), espalhar uma informação significa fazer com que a notícia ou dados sobre determinado fato ou pessoa chegam ao conhecimento de uma grande quantidade de sujeitos e isso ocorre pelos seguintes motivos: existe uma infraestrutura tecnológica que permita a transmissão de informações; as informações espalhadas parecem verdadeiras; a circulação dessas informações se dá de forma gratuita; o internauta que espalha uma informação está externalizando um posicionamento pessoal acerca de determinado assunto a fim de deixar claro a outrem a que grupo pertence, a quais ideologias se filia,

3 De imediato, cumpre esclarecer que a punição que causa o sofrimento psicológico ou o abalo emocional é uma sanção corporal na medida em que a estrutura física do corpo humano não se dissocia do elemento psicológico. A propósito, no subcapítulo 2. 2. 1, essa noção de conexão indissociável de corpo físico e mente será melhor explicada. 13

quais os pensamentos que o tornam parte de um grupo, dentre outros motivos nesse sentido. Essas noções de suplício e de espalhamento de informações são contextualizadas com algumas manifestações na internet, nas quais se observa que os internautas usam a rede mundial de computadores para espalhar informações envolvendo o suspeito de ter praticado um crime, com o propósito de instigar a aplicação de uma punição que consiste no sofrimento corporal, ou seja, o abalo psicológico ou a dor física. Tem-se notado que há uma cultura punitivista, com a qual internautas se identificam e de acordo com a qual passam a agir na web. Dito de outra forma, há casos observados na internet em que se percebe a manifestação de uma cultura de que se deve atingir o suspeito de ter praticado um crime visando aplicar a justiça em substituição aos procedimentos policiais e judiciais determinados por Lei. O caso da mulher que foi espancada até a morte, em Guarujá, Estado de São Paulo, em 2014, é um exemplo do quanto o espalhamento de uma informação falsa na internet pode fazer mal a uma pessoa. Segundo Rossi (2014), uma dona de casa de 33 anos de idade foi confundida com uma pessoa que, segundo boatos que circularam na rede mundial de computadores, praticava magia negra e sequestrava crianças. Um retrato foi divulgado em sites de redes sociais e em portais de notícias e, com base nisso, a população de um Bairro do Guarujá/SP espancou, violentamente, uma mulher que acharam ser a suposta criminosa. A vítima acabou falecendo devido à gravidade dos ferimentos e somente após isso a dúvida transformou os vídeos do espancamento em uma cena indigesta: a vítima não era a pessoa que o retrato apresentava! As agressões praticadas por aquelas pessoas do exemplo citado têm uma relação direta com a web. Isso porque foi em razão de um boato associado a uma imagem, os quais se espalharam na internet, que uma mulher foi espancada até morrer. Isso indica que o segundo meio de comunicação mais utilizado no Brasil concedeu aos seus utilizadores o poder de proferir julgamentos e até de punir as pessoas, sem a intervenção daquele a quem é dada essa prerrogativa: o Poder Judiciário. A dimensão do acontecimento também pode ser percebida pela quantidade de links associados a uma busca feita no site Google, utilizando os seguintes itens de pesquisa: “mulher confundida com sequestradora Guarujá boato internet”. Aparecem 14

cerca de 4.700 resultados. Vale ressaltar que nesses resultados não estão contabilizados compartilhamentos, curtidas, comentários, posts ou qualquer ação possível através de um site de redes sociais como o Facebook, ou o Twitter. Esse caso citado como exemplo provoca o seguinte questionamento: quais os impactos dessas mensagens, que se espalham na internet, na vida das pessoas? Podem ser vários e foi daí que surgiu a questão de pesquisa da dissertação. O problema de pesquisa da dissertação, portanto, constitui-se no seguinte: os internautas são capazes de induzir a aplicação do suplício através do espalhamento de informações na internet? Para encaminhar a pesquisa, definiu-se, como objetivo geral, avaliar se os internautas instigam a aplicação do suplício, tendo por base a superexposição na web e o espalhamento de informações na rede mundial de computadores. Por sua vez, os objetivos específicos são: 1) analisar o conceito de suplício (FOUCAULT, 1999) e elencar os requisitos para que uma punição possa classificada como suplício; 2) demonstrar as relações que há entre a extimidade, o panoptismo e suas variações contemporâneas e o espalhamento de informações na internet; 3) verificar se os internautas instigam a aplicação do suplício a partir da rede mundial de computadores, tendo por base, principalmente, o espalhamento de informações na internet. Para discutir o tema, abordou-se o conceito de suplício (FOUCAULT, 1999) porque se trata de uma sanção que açoitava diretamente o corpo dos condenados, entre os Séculos XV e XIX, em espetáculos públicos convocados para o fim de apresentar a todos cada passo do iter dessa punição. Nesse mesmo contexto, mostrou- se necessário discutir o conceito de Panóptico de Bentham, conforme Foucault (1999), bem como as concepções contemporâneas de suas possíveis variações: o Ban-Óptico (BIGO, 2006), o Sinóptico (MATHIESEN, 1997) e o Palinóptico (BRUNO, 2013). Tratam- se de conceitos que permitem compreender a forma como a internet se estrutura em relação à possibilidade de que os usuários vigiam e podem ser vigiados constantemente, o que produz efeitos sobre como os internautas exercem seu poder de punir, que se acredita que tenham, segundo este trabalho. Esses conceitos estão abrangidos no segundo capítulo da dissertação e sua análise constitui o primeiro objetivo específico do trabalho. 15

No terceiro capítulo deste estudo, trata-se do segundo objetivo específico da dissertação, que é compreender o fenômeno da superexposição pessoal na internet e também como ocorre o espalhamento de informações na web. Por isso, no terceiro capítulo, são discutidos os conceitos de intimidade, bem como de extimidade – cuja principal referência, neste caso, é Sibilia (2016) -, diferenciando-os daquilo que se entende por privacidade. No mesmo tópico, discute-se o comportamento de autoexposição dos indivíduos na internet, o que está diretamente relacionado a esses conceitos, bem como quais as implicações da autoexposição no processo de aplicação de uma punição corporal por meio do espalhamento de informações na web. Ainda no terceiro capítulo desta dissertação, são apresentados os principais elementos que, segundo Jenkins, Green e Ford (2014), fazem-se necessários para que uma informação se espalhe, isto é, para que ela seja espalhável, conforme os autores citados. Já o quarto capítulo dá conta do percurso metodológico pelo qual foram alcançados os objetivos deste trabalho. É nesse tópico da pesquisa que são esclarecidos os detalhes das metodologias aplicadas, mais precisamente o estudo de caso através de análise de conteúdo e a revisão bibliográfica dos seguintes conceitos: suplício (FOUCAULT, 1999), espalhamento de informações (JENKINS, FORD e GREEN, 2014), extimidade (SIBILIA, 2016), Panóptico (MILLER, 2008; FOUCAULT, 1999) e suas variações contemporâneas, que são o Ban-Óptico (BIGO, 2006), o Sinóptico (MATHIESEN, 1997) e o Palinóptico (BRUNO, 2013). É no quinto capítulo desta dissertação que se aborda o desenvolvimento do estudo multicaso através de análise de conteúdo. Nele são discutidos os três casos eleitos para o estudo, dos quais foram extraídas as amostras cujo conteúdo submeteu- se à análise. No sexto capítulo, os principais resultados colhidos na investigação (estudo multicaso por meio de análise de conteúdo) encontram-se resumidos de modo que facilite a compreensão do leitor. O sétimo e último capítulo, considerando a ordem numérica desta dissertação, é o tópico em que são abordadas as considerações finais deste trabalho e discutidas as principais conclusões da pesquisa e as hipóteses do estudo, que são: 16

1) o suplício ressurgiu como forma de castigo corporal, porém com novas características, embora, segundo Foucault (1999), o suplício tenha sido extinto no final do Século XVIII porque o controle do comportamento passou a ser feito por meio de outras ferramentas, como o panoptismo aplicado a instituições, tais como: escolas, presídios, manicômios, entre outros; 2) o suplício adotou a forma de sofrimento psicológico: corpo e psique estão imediatamente ligados, pois um não se constitui sem o outro; 3) o espalhamento de informações na internet é parte do processo para que os internautas instiguem a aplicação dessa punição corporal, física ou psicológica; 4) o espalhamento da informação prolonga indevidamente a punição, pois as informações podem permanecer circulando na internet inclusive depois que o indivíduo, que se achava na condição de suspeito, tem declarada sua inocência, ou tem afastada sua responsabilidade por um suposto ato ilícito, em um processo judicial; 5) os internautas utilizam a internet como meio para espalhar informações e, assim, instigar a aplicação do suplício a pessoas que são vistas como suspeitas de terem cometido crimes, desprezando-se qualquer investigação ou processo judicial para afirmar que esses “suspeitos” são de fato “culpados”. A fim de compreender como o tema vem sendo abordado academicamente, buscou-se por teses e dissertações correlatas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD. No campo “Busque aqui”, inseriu-se os termos “suplício” e “internet”. Porém a busca não retornou resultados. Em seguida, optou-se por fazer uma busca a partir dos termos “espalhamento” e “internet”, mas nenhum dos 7 (sete) resultados – dentre teses e dissertações – tinha conexão com o tema abordado nesta dissertação. Por fim, optou-se por fazer uma busca utilizando apenas a palavra “suplício”. 21 (vinte e um) resultados foram obtidos, porém apenas 02 (dois) resultados guardam semelhança com o tema estudado, ambas da área jurídica. A dissertação de mestrado intitulada “Tecnologias de poder e corpo humano: imagens de cidadania criminal”, de Aldo Boatana Menezes, defendida em 2015, tem por objetivo analisar a preservação da cidadania diante da aplicação do Direito Penal. Esse trabalho discute o modo pelo qual a condição de cidadão pode ser garantida àquelas pessoas que são submetidas à investigação ou processo criminal e, nessas ocasiões, 17

“vestem” instrumentos que o autor trata como ferramentas de suplício: as algemas e a tornozeleira eletrônica. Em que pese discorra sobre o suplício, o trabalho não trata da aplicação do suplício como sanção corporal, tampouco fala da sua relação com a internet. O outro trabalho, de Luciano de Oliveira Souza Tourinho, também uma dissertação de mestrado, que foi apresentada em 2012, trabalha a questão da eficácia do sistema de monitoramento eletrônico da conduta dos apenados, isto é, se esse método tinha aptidão para garantir a eficácia do Direito Penal, bem como evitar a dispersão da criminalidade nos países onde foi aplicado. Nessa dissertação, o suplício é descrito apenas como parte do processo sancionatório no processo evolutivo do Direito Penal. Ocorre que nenhum dos trabalhos discute a aplicação dessa punição corporal na contemporaneidade, especialmente a partir da rede mundial de computadores, que é a proposta desta dissertação. Logo, o tema estudado é novo no ambiente acadêmico. Além disso, o estudo dessa temática se justifica porque um dos meios de comunicação mais utilizados no Brasil pode se tornar um ambiente de espetáculos punitivos sobre o qual se terá pouco controle, já que o grande número de usuários é um entrave para se identificar os verdadeiros responsáveis por atingir diretamente os indivíduos, punindo-os sem obedecer ao devido processo legal.

1. 1 JUSTIFICATIVA

A pesquisa tensiona um fenômeno sociocultural em pleno desenvolvimento e ainda carente de uma bibliografia mais robusta. Neste sentido, torna-se relevante por contribuir com novas referências teóricas e análise crítica sobre processos culturais- comunicativos que permeiam a sociedade. O tema abordado caracteriza aderência ao mestrado de Processos e Manifestações Culturais, no qual se insere. O objeto de estudo é, efetivamente, uma nova manifestação cultural, propiciada pela internet e sem a qual não existiriam os requisitos técnicos que propiciam a ocorrência ao fenômeno. 18

Percebe-se que as manifestações culturais que se pretende estudar têm potencial para gerar problemas que serão debatidos no âmbito jurídico, em tribunais, por juízes, advogados, promotores, entre outros. Na qualidade de advogado, também motiva o autor da pesquisa a maior compreensão do fenômeno, já que as leis vigentes não impedem os danos causados por intermédio da rede mundial de computadores. Logo, estima-se que serão mais frequentes, no cenário jurídico, os problemas relacionados ao sofrimento psicológico ou físico decorrente do espalhamento de informações na internet. O autor deste trabalho é advogado e no exercício de sua profissão se deparou com situações nas quais a internet serviu de meio para que usuários da rede mundial de computadores espalhassem informações com o propósito de atingir ofensivamente outras pessoas. Nessas ocasiões, o conhecimento da legislação e das técnicas interpretativas não foram suficientes para elidir as consequências práticas do espalhamento de informações depreciativas acerca de seu constituinte4. A opinião pessoal do autor desta dissertação é que essas situações mostram que há um abismo entre o a legislação e o que de fato se pratica no ambiente digital, isto é, a Lei e os instrumentos jurídicos que ela prevê não são suficientes para coibir as consequências negativas que decorrem do espalhamento de informações depreciativas sobre alguém. Entender essas manifestações culturais na rede mundial de computadores significa um avanço também para aqueles que se dedicam a carreiras jurídicas, cujo trabalho, em parte, esteja voltado a solucionar casos em que se discute a responsabilidade dessas pessoas que espalham informações na internet incitando a aplicação de castigos corporais, físicos ou psicológicos, a pessoas que são apresentadas como suspeitas de ter cometido algum crime.

4 Chama-se constituinte todo aquele que contrata os serviços de um advogado, outorgando a ele procuração com poderes para adotar as medidas jurídicas cabíveis no caso. Resumindo, trata-se do cliente do advogado. 19

2 DO SUPLÍCIO AO PALINÓPTICO

A definição de suplício está diretamente relacionada ao problema de pesquisa desta dissertação. Trata-se de um conceito que explica por que o indivíduo, que é absolvido em um processo criminal, sujeita-se, mesmo depois da absolvição formal – ou quando ainda nem foi submetido a um processo judicial -, a uma pena corporal que tem sua aplicação induzida por meio da internet. É o que se aborda no estudo multicaso, nos capítulos finais deste trabalho. A espetacularização da intimidade na rede mundial de computadores é parte desse processo que também pune o sujeito, embora tenha sido absolvido formalmente após decisão judicial, ou mesmo que não tenha sequer sido processado. Além disso, as características dessa sanção induzida e aplicada por internautas se amoldam perfeitamente ao conceito de suplício: pena corporal que, segundo Foucault (1999), era amplamente aplicada entre o Século XVI até o começo do Século XIX, principalmente na França; só que agora, na contemporaneidade retorna em função do espalhamento de informações na internet. Os conceitos de suplício e Panóptico, sobre os quais Foucault (1999) se debruçou até formar sua concepção de poder disciplinar, são conceitos-chave para esta dissertação. Outros conceitos e referências utilizados no primeiro e no segundo capítulo, além da definição de Panóptico e de suas releituras atuais, fundamentam a reflexão do último capítulo deste trabalho, que mostram a conexão existente entre panoptismo e suplício, na era digital.

2. 1 O SUPLÍCIO: CASTIGO E DEMONSTRAÇÃO DE PODER

Para todo crime há uma pena correlata a ser aplicada por um juiz de Direito. É o que estabelece o Código Penal brasileiro, mais especificamente no artigo 29 e no inciso I do artigo 59.5

5 Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984); 20

Segundo Ferreira (1995, p. 3), a palavra pena tem origem no latim, deriva do vocábulo “poena, significando castigo, expiação, suplício, ou ainda do latim punere (por) e pondus (peso), no sentido de contrabalançar, pesar, em face do equilíbrio dos pratos que deve ter a balança da Justiça”. A história das penas está intimamente ligada à do Direito Penal, que foi o primeiro ramo a surgir dentre outros vários que se originaram a partir da organização e sistematização das normas de convívio e controle social, segundo Fadel (2012). Isso tem uma razão lógica, uma vez que, também de acordo com Fadel (2012), a violência é inata ao ser humano, razão pela qual uma comunidade deve estabelecer regras para contê-la, e para que sejam obedecidas, uma consequência – ou seja, uma pena – deveria ser desencadeada em razão do seu descumprimento. Daí a conexão da história da pena à do Direito Penal. A pena não surgiu por invenção do legislador brasileiro e em 1940, data em que foi promulgado o Código Penal. Trata-se, na verdade, de uma criação humana bastante antiga, que antecede, inclusive, o surgimento das regras sistematizadas de convívio social. De acordo com Cunha (2015, p. 43),

Embora o Direito Penal tenha sua origem vinculada à própria organização do homem em sociedade, não se pode considerar a existência de normas penais sistematizadas em tempos primitivos. Nesse período, o castigo não estava relacionado à promoção de justiça, mas de vingança, revide contra comportamento de alguém, abundando penas cruéis e desumanas. Era a fase da Vingança Penal, dividida em: vingança divina, vingança privada e vingança pública.

Na sua origem, as principais características da sanção penal eram: o castigo infligido ao delinquente e a vingança, como forma de diminuir o sofrimento da vítima do crime punido.

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984): I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

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Sem desprezar outras classificações e entendimentos diversos6, é importante chamar a atenção para a forma como Cunha (2015) divide o período primitivo da história da aplicação da pena, que é chamado por ele de Vingança Penal, do qual se destacam três fases: vingança divina, vingança privada e vingança pública. A vingança divina decorria da ofensa aos Totens, representações das divindades responsáveis pelos fenômenos naturais. As sociedades primitivas não dominavam esses fenômenos, não sabiam explicá-los, acreditando ser tudo fruto da vontade de um ser superior, de poderes extraordinários que controlava suas vidas. Assim, ofender convenção ou regra da comunidade era o mesmo que ofender às divindades – representadas pelos Totens –, por isso eram punidas, para que o infrator se retratasse diante da autoridade divina, segundo Carvalho Neto (2008). Sucessivamente, a vingança divina deu espaço à vingança privada. Nesse período, toda regra infringida era punida pelos membros do grupo, não em razão da ofensa ao poder divino, mas por desobediência às regras impostas pela coletividade ou por regras vigentes entre as partes. Segundo Cunha (2015), a vingança privada é mais “equilibrada” quanto à aplicação da pena tal como era feita na fase anterior. Essa mitigação se deu a partir do Código de Hamurabi, na Babilônia, o qual previa a regra do talião como forma de tornar a punição proporcional à ofensa. Já a vingança pública foi o resultado da sistematização da punição, de modo que desobediência a uma regra era considerada uma ofensa ao Soberano7. A propósito, “a pena pública tinha por função principal proteger a própria existência do Estado e do Soberano” (CUNHA, 2015, p. 43).

6 Não há razões para discutirmos todas as fases da história da pena e do Direito Penal, que, segundo Fadel (2012), são as seguintes: vingança divina, vingança privada, vingança pública, período humanitário e período científico ou criminológico. Isso porque o objeto deste trabalho não é a História do Direito Penal ou das penas. Por isso, far-se-á a compilação de aspectos importantes de algumas fases da história da pena até o período em que surge o suplício, objeto do primeiro capítulo desta dissertação e um dos aspectos principais deste trabalho. 7 Convém lembrar que, segundo Dalari (1998), é na obra O Príncipe, de Maquiavel, que surge pela primeira vez a palavra Estado, cujo significado estava ligado a cidades independentes. Ainda de acordo com Dalari (1998), é no Século XVI que de fato surge o Estado, embora há quem entenda que o Estado tenha surgido apenas no Século XVII. 22

Na Idade Média e no Absolutismo, que fazem parte do período de vingança pública, a crueldade das penas e a publicização dos atos necessários a aplicá-las são as marcas mais evidentes, conforme Carvalho Neto (2008). Conforme Cunha (2015, p. 45), “grandes retrocessos marcaram o desenvolvimento do Direito Penal na Idade Média. Privilegiavam-se penas mordazes, com caráter eminentemente intimidador”. Segundo o que afirmam Prado e Bitencourt (1995, p. 27), “É forçoso reconhecer que a legislação penal dessa época se caracteriza pela grande crueldade na execução das penas (quase sempre corporais e aflitivas), com objetivo apenas de vingança social e intimidação”. É nesse período de vingança pública que surge o suplício, punição atrelada ao corpo do condenado, cujos efeitos visuais alcançavam os olhos da população que assistia ao espetáculo da aplicação da pena. O espetáculo era parte necessária do suplício. Conforme Candiotto (2012, p. 19),

Grosso modo, no direito monárquico clássico a punição inscreve-se em uma cerimônia de soberania. Até o final da Idade Média, quando um crime é cometido contra alguém privado, o lesado é o próprio Estado, mormente materializado no corpo do rei. Esse é investido de poder divino, razão pela qual o crime tem um caráter moral e religioso, associado ao sacrilégio. A punição para o sacrilégio é o suplício público e teatral que representa, ao mesmo tempo, a verdade do crime cometido e a superioridade da força real.

Tratava-se de uma cerimônia de demonstração do poder, por isso deveria ser ostentoso, isto é, tinha de deixar a marca no corpo do condenado para significar aos espectadores o porquê deveriam temer e obedecer ao Soberano, pois o crime o ataca assim como atinge a vítima do delito. Logo, como era ataque ao Soberano, o crime deveria ser reprimido com rigor. (FOUCAULT, 1999). Segundo Foucault (1999, p. 32),

O suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune: não é absolutamente a exasperação de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o controle. Nos “excessos” dos suplícios, se investe toda a economia do poder.8

Conforme Alvarez (2004, p. 171),

8 Quando Foucault (1999, p. 32) afirma que “o suplício penal não correponde a qualquer punição corporal (...)” quer dizer, na verdade, que mais do que uma sanção que atinge o corpo do apenado, o suplício é um instrumento de exercício e manifestação de poder. Mais do que isso, Foucault (1999) quis dizer que não é uma pena que se esgota em uma ação humana sobre o corpo daquele em quem se aplica a punição, pois o suplício é executado de modo estrategicamente organizado para cumprir funções que extrapolam o mero ataque ao suplicante. 23

As práticas do suplício, longe de serem apenas atos selvagens, revelam uma lógica específica: o suplício é, ao mesmo tempo, um procedimento técnico e um ritual. Como procedimento técnico, o suplício pretende produzir uma quantidade de sofrimento que possa ser apreciada, comparada, hierarquizada, modulada de acordo com o crime cometido. Como ritual, visa marcar o corpo da vítima, tornar infame o criminoso, ao mesmo tempo em que esta violência que marca é ostensiva, caracterizada pela demonstração excessiva do poder daquele que pune, pois no suplício o que está em jogo é o poder do soberano.

Para Foucault (1999, p. 31), o suplício não podia ser comparado “aos extremos de uma raiva sem lei”. Ao contrário, tratava-se de um conjunto de atos ordenados em que o apenado era submetido a doses de sofrimento que, de certa forma, os espectadores podiam perceber que aumentava gradualmente: do menor para o maior sofrimento possível. A marcação do corpo como forma de castigo não é coisa do passado. No dia 31 de maio de 2017, o vídeo de um jovem que teve a testa tatuada involuntariamente se destacou na internet. O caso aconteceu no interior de São Paulo, onde um rapaz de cerca de 17 anos de idade teria, supostamente, tentado cometer um furto, mas foi surpreendido por dois rapazes que tatuaram, na testa do garoto, a frase “eu sou ladrão e vacilão”. O menor teve de ser internado em uma clínica para tratamento e remoção da tatuagem (BEZERRA, 2017). O suplício também provava a verdade do fato, segundo Foucault (1999), estampando-a no corpo do condenado, que era cicatrizado ou dilacerado. Essa verdade marcada no corpo do apenado era tornada pública no ato de aplicação da pena. A punição era assistida por todos, assim poderiam ver com seus próprios olhos que a verdade foi descoberta e por isso o condenado devia sofrer a punição. Foi por isso que o suplício se consolidou como uma pena eficaz, porque revelava a verdade ao mesmo tempo em que era agente do poder, conforme Foucault (1999).9 Em resumo, o suplício, para ser tratado como tal, tinha de cumprir três requisitos: o aumento gradual do sofrimento, para que essa elevação da dor sentida pelo suplicante fosse percebida pelos espectadores; marcar ou atingir o corpo do suplicante, para que todos vissem que todo comportamento contrário era severamente punido, pois

9 “Deve-se conceber o suplício, tal como é ritualizado ainda no Século XVIII, como um agente político. Ele entra logicamente num sistema punitivo, em que o soberano, de maneira direta ou indireta, exige, resolve e manda executar os castigos, na medida em que ele, através da lei, é atingido pelo crime”. (FOUCAULT, 1999, p. 46) 24

atingir a vítima era também ofender o Soberano; registrar a verdade dos fatos, ou seja, que o Soberano obteve provas do crime e, portanto, o puniu com o rigor necessário10. Toda encenação atrelada à aplicação do suplício leva a concluir que se tratava de uma clara demonstração do poder a fim de exercer o controle sobre a população. Conforme Foucault (1999, p. 49), “nas cerimônias do suplício, o personagem principal é o povo, cuja presença real e imediata é requerida para sua realização. Um suplício que tivesse sido conhecido, mas cujo desenrolar houvesse sido secreto, não teria sentido”. A Figura 1 sistematiza o conceito de suplício, de modo que facilite, visualmente, a apreensão dos requisitos, bem como dos efeitos e do objetivo imediato para que uma sanção possa se dizer um suplício, nos moldes em que foi concebido por Foucault (1999).

Figura 1: Uma visão sistemática do suplício11

Fonte: Elaboração do autor.

10 Segundo Maffini (2009), vigia, no Século XVIII, a tese de total irresponsabilidade do Estado, resumida na passagem The King can not do wrong. Em outras palavras, o Soberano jamais errava, logo, se alguém estava sendo punido pela prática de um crime, havia a certeza de que a verdade tinha prosperado e sido descoberta pelo Soberano, que nunca se equivocava, então só poderia estar sempre certo. 11 O suplício só pode ser tratado como tal quando se tratar de um castigo corporal, aplicado em local público onde uma plateia heterogênea possa assistir o sofrimento daquele que sofre a punição. A falta dos objetivos ou efeitos não maculam a existência de um suplício, isto é, ele não deixa de sê-lo apenas porque o objetivo da punição não foi alcançado, ou porque os efeitos pretendidos não ocorreram. 25

Na segunda metade do Século XVIII, o suplício encontra a resistência de juristas e filósofos, que o contestavam por se tratar de um confronto físico, segundo eles, entre o Soberano e aqueles aos quais se aplicava essa punição. Outro motivo de rejeição dos suplícios era que, para o povo, revelava-se como a expressão concreta de um poder tirano e vingativo (FOUCAULT, 1999). Então, no fim do Século XVIII e no começo do Século XIX, o suplício começou a desaparecer, os espetáculos deixaram de existir e as penas passaram a ser aplicadas sem nenhuma ostentação. Nesse período, tudo o que se revelasse espetaculoso era logo rechaçado, pois tinha apenas impactos negativos e não se valorava mais a exaltação do poder com o controle social (FOUCAULT, 1999). Conforme Pimentel Filho e Vasconcelos (2015), os suplícios eram a concretização do poder de vida e morte dos cidadãos que o soberano tinha nas mãos, ou seja, como tinha o poder de matar, então exercia o controle sobre a vida. Ainda de acordo com Pimentel Filho e Vasconcelos (2015, p. 15), é no Século XIX que se instala uma nova forma de exercer o poder, na qual a ideia é “fazer viver e deixar morrer”. A questão central do desaparecimento dos suplícios é o abandono de um instrumento de significativo impacto favorável ao controle do povo pelo Soberano. Segundo Foucault (1999, p. 14), “o desaparecimento dos suplícios é, pois, o espetáculo que se elimina; mas é também o domínio sobre o corpo que se extingue”. Buscavam-se outras formas de punir, afastando o soberano do indivíduo, pois a relação entre o carrasco e apenado, mostrada no espetáculo do suplício, colocava o povo e o governante em posições opostas, submetendo o poder ao questionamento, à contestação (DE SOUZA LEMOS, 2014). Conforme Foucault (1999, p. 51), “para o povo que aí está e olha, sempre existe, mesmo na mais extremada vingança do soberano, pretexto para uma revanche”. Bem por isso é que havia uma necessidade premente de substituir o suplício por outro método de punição, para não pôr em risco a soberania e, simultaneamente, manter o controle sobre a sociedade. Era o início do período humanitário.

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2. 2 O PANÓPTICO: DA ORIGEM À INTERNET

O fim dos suplícios é a marca do encerramento de uma fase na história das penas, a fase da vingança pública. É também o termo inicial de um novo período do Direito Penal, que, segundo Fadel (2012), é chamado de período humanitário. Com o advento dos ideais iluministas, que sustentavam também que todo ser humano era detentor de direitos mínimos e inalienáveis por natureza, a aplicação da pena tinha de obedecer a certos critérios, especialmente, a proporcionalidade entre a punição e o mal causado pelo crime (DA SILVA ARAÚJO, 2009) Nesse período de transição, conforme Foucault (1999), vão se exaurindo todas as formas de suplícios e surgem novas punições, que devem ser proporcionais aos crimes que castigam. Essas novas penas também devem simbolizar a desvantagem de cometer um delito, funcionando como barreiras aos estímulos à prática criminosa. Ainda de acordo com Foucault (1999, p. 87), tratam-se de sinais-obstáculos, que “devem constituir o novo arsenal das penas, como as marcas-vinditas organizavam os antigos suplícios”. Para que cumprissem sua função, esses sinais-obstáculos12, de que deveriam se revestir as penas, segundo Foucault (1999), tinham de mostrar que as sanções penais eram: minimamente arbitrárias; proporcionais à gravidade do delito; precárias, ou seja, seus efeitos não seriam perpétuos; úteis ao Estado, fazendo com que o castigo não fosse apenas a vingança contra aquele que cometeu um crime, mas que o apenado servisse ao Estado cujas regras desobedeceu; não secretas em sentido amplo, isto é, tinha de ser dada a devida publicidade à condenação, que era a resposta não autoritária à desobediência às leis e, além disso, todos deviam saber que o indivíduo que as infringisse se sujeitaria à punição; infamantes e desonrosas para o criminoso, ou seja, não havia glória alguma ao atingir o resultado pretendido por meio da prática de um crime.

12 São signos transmitidos ao povo a fim de que os requisitos das penas sejam internalizados, cumprindo, por fim, a função de prevenção geral, isto é, a população não precisa ser aterrorizada, mas saber que as penas são aplicadas sempre que alguém desobedecer às leis. 27

Pode-se inferir, a partir de Foucault (1999), que os sinais-obstáculos que deveriam revestir as penas, no período humanitário, podem ser divididos nas seguintes classes: arbitrariedade equilibrada, proporcionalidade, precariedade ou temporariedade, utilidade, publicidade e infâmia (ou desonra do criminoso). Assim, a partir de uma interpretação baseada em Foucault (1999), elaborou-se a Figura 2.

Figura 2: Uma síntese dos sinais-obstáculos da pena no período humanitário

Fonte: Elaboração do autor.

A prisão, ao lado dos trabalhos forçados e das multas, tornou-se a principal forma de punição no Código Penal francês de 1810, bem como se generalizou rapidamente na Europa. Porém foi muito criticada pelos reformadores13 – embora fossem também contrários aos suplícios – em razão dos custos elevados de manutenção das penitenciárias e também porque seria incompatível com a ideia de pena-representação14. Além disso, os reformadores diziam se tratar de pena despótica,

13 Reformadores são assim chamados aqueles que, a partir do Iluminismo, debruçaram-se sobre o assunto – aplicação de punições corporais como forma de sanção penal – e que defendiam a proporcionalidade das penas, bem como o abandono da violência sobre o corpo como forma de castigar o condenado por praticar um delito. Um dos grandes nomes desse grupo de pensadores é Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, ou apenas Cesare de Beccaria (CUNHA, 2015, p. 46) 14 Uma pena-representação nada mais é do que uma punição com efeitos imediatos sobre o apenado, mas que irradia efeitos secundários, ou mediatos, atingindo o povo, que compreende todos os sinais- obstáculos que as penas emitem e, por isso, deixarão de cometer crimes. 28

pois ainda estava sujeita ao arbítrio do Soberano, ou seja, as prisões estavam frequentemente marcadas pelo abuso de poder (FOUCAULT, 1999). Na obra Vigiar e Punir: nascimento da prisão, Foucault (1999) questionou: “Como pôde a detenção, tão visivelmente ligada a esse ilegalismo que é denunciado até no poder do príncipe, em tão pouco tempo tornar-se uma das formas mais gerais dos castigos legais?”. A resposta ele deu logo em seguida: as prisões deveriam reajustar os apenados à sociedade, em vez de castigá-los até a exaustão, por meio do controle e da transformação do comportamento dos indivíduos submetidos ao cárcere; além disso, as detenções deviam se apresentar como uma consequência lógica do crime e, ao mesmo tempo, servir de símbolo da desvantagem que era cometer um delito. É nesse contexto de controle e ordenação de comportamento que surge a ideia do Panóptico (FOUCAULT, 1999). Segundo Mathiesen (1997), a palavra Panóptico se origina das expressões gregas pan, que significa todos, e opticon, que quer dizer o visual, ou o visível. Juntando ambas as expressões, pode-se afirmar que o Panóptico está diretamente relacionado com a possibilidade de ver a todos, ou de poder enxergar a tudo. Conforme Miller (2008, p. 89-90),

O Panóptico não é uma prisão. É um princípio geral de construção, o dispositivo polivalente da vigilância, a máquina óptica universal das concentrações humanas. (...) a configuração panóptica servirá tanto para prisões quanto para escolas, para as usinas e os asilos, para os hospitais e as workhouses. Ela não tem uma destinação única: é a casa dos habitantes involuntários, reticentes ou constrangidos.

Para compreender o funcionamento do Panóptico e, assim, do panoptismo, ainda de acordo com Miller (2008, p. 89),

É preciso, para começar, descrever o essencial do dispositivo. O dispositivo é um edifício. O edifício é circular. Sobre a circunferência, em cada andar, as celas. No centro, a torre. Entre o centro e a circunferência, uma zona intermediária. Cada cela volta para o exterior uma janela feita de modo a deixar penetrar o ar e a luz, ao mesmo tempo que impedindo ver o exterior e para o interior, uma porta, inteiramente gradeada, de tal modo que o ar e a luz cheguem até o centro. Desde as lojas da torre central se pode então ver as celas. Em contraposição, anteparos proíbem ver as lojas desde as celas. O cinturão de um muro cerca o edifício. Entre os dois, um caminho de guarda. Para entrar e sair do edifício, para atravessar o muro do cerco, só uma via é disponível. O edifício é fechado. 29

Miller (2008) descreveu o Panóptico a partir do projeto arquitetônico de Jeremy Bentham, representado na Figura 3, extraída da obra Vigiar e punir: nascimento da prisão.

Figura 3: Planta de um presídio baseado no Panóptico

Fonte: Foucault (1999, p. 44).

A Figura 3 mostra o projeto arquitetônico original elaborado por Jeremy Bentham, o Panóptico, cujos microartifícios do poder fizeram com que o esquema fosse utilizado em outras instituições sociais além de presídios, tais como escolas e hospitais psiquiátricos. Embora fosse aplicado, posteriormente, em outros segmentos da sociedade, pode-se ter uma noção de como o esquema do Panóptico funcionaria – quanto a sua forma, isto é, em relação à estrutura física - quando aplicado a uma prisão a partir da Figura 4.

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Figura 4: O Panóptico aplicado a uma prisão.

Fonte: Foucault (1999, p. 44).

O Panóptico é a estrutura de controle necessária a garantir a ordem dentro de um espaço destinado à detenção de criminosos e, devido a sua eficácia, serviu de base para cumprir essa mesma função – controle e ordenação de comportamento – em outras instituições. Segundo Foucault (1999, p. 166), o modo como está disposto o Panóptico “assegura o funcionamento automático do poder”. O poder que se exerce com base em uma estrutura panóptica depende, principalmente, da informação acerca daquele sobre o qual se quer exercê-lo, que deve se achar constantemente vigiado, independentemente de ser vigiado ininterruptamente. Trata-se de uma ideia bastante resumida, mas que abriga as ideias fundamentais do panoptismo: o saber (de quem vigia) e o estado consciente de se achar vigiado (de quem é vigiado). É importante destacar que, de acordo com Foucault (2002, p. 49), ao discorrer sobre o poder político nas sociedades europeias, entre o fim do primeiro milênio e o início do segundo, “saber e poder eram exatamente correspondentes, correlativos, superpostos. Não podia haver saber sem poder. E não podia haver poder político sem a detenção de um saber especial”. Daí a importância do conhecimento sobre algo a respeito de alguém como forma de permitir o exercício do poder. Partindo dessa 31

premissa, de acordo com De Sousa e De Meneses (2010, p. 21), “pode-se dizer que não há relação de poder que não esteja intrinsecamente vinculada a um campo de saber”. O conhecimento, ou seja, o domínio de informações acerca de alguém permite, em determinadas circunstâncias, o exercício de poder sobre esse indivíduo. Essas circunstâncias, dito de uma forma mais resumida, são: estar dentro de uma estrutura em que será visto, mas não poderá ver; é ser objeto de informação, mas não saber quando a fornece, nem a quem. Segundo Foucault (1999, p. 166), “esta é a garantia de ordem”, o fato de o sujeito ser visível para alguém que lhe é invisível. Ao discorrer sobre o panoptismo associado às prisões, Foucault (1999, p. 167- 168) assevera que:

Daí o efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; (...) Por isso Bentham colocou o princípio de que o poder devia ser visível e inverificável. Visível: sem cessar o detento terá diante dos olhos a alta silhueta da torre central de onde é espionado. Inverificável: o detento nunca deve saber se está sendo observado; mas deve ter certeza de que sempre pode sê-lo.

Conforme De Sousa e De Meneses (2010, p. 23) - que analisaram as descrições foucaultianas dos mecanismos de poder no Panóptico15 -, “a descrição de tais mecanismos tem como referência um domínio institucional (escola, hospital, prisão, quartel, entre outros), no qual o poder disciplinar é exercido por meio da norma produzida”. Ainda de acordo com De Sousa e De Meneses (2010, p. 3),

Das regiões superiores do poder, onde o poder é visível na figura do soberano, passa-se para as suas regiões inferiores, onde o poder é anônimo e funcional. O Panóptico cria nos indivíduos observáveis uma situação tal que eles mesmos se autovigiam.

Em que pese as instituições sociais tenham se modificado, a estrutura panóptica que envolve vigilância e poder continua sendo aplicada. Embora, num primeiro momento, pareça não haver um diálogo entre eles, o Panóptico está associado a ferramentas, aplicativos e suportes de comunicação que funcionam através da internet.

15 Por mecanismos de poder devem ser entendidos a visibilidade e a inverificabilidade, tal como descrito anteriormente a partir de Foucault (1999). 32

Segundo Possolli (2004, p. 6), “Nas sociedades atuais, o princípio do Panóptico continua plenamente ativo, mas agora se exerce nas novas formas de controle implementadas pelas novas tecnologias. A presença destas traz consigo novas práticas e relações de poder”. Ainda de acordo com Possolli (2004, p. 9),

O Panóptico é eletrônico. Sendo assim, é de primordial importância termos consciência de que somos produtores e produtos desta sociedade que criamos. Não somos simples marionetes deste jogo de poderes, mas co-autores (sic) por meio do silêncio que consente, na conformidade com que encaramos este estado das coisas.

Conforme a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2016), a internet ocupa a segunda posição como o meio pelo qual os brasileiros buscam informações sobre o que acontece no país, ficando atrás apenas da televisão. Aliás, segundo Hjavard (2012), a internet se consagrou como um dos meios de comunicação mais utilizados porque ela permite receber e transmitir dados muito rapidamente em relação aos demais meios. Pode-se considerar que, devido à obsessão que muitas pessoas têm de serem encontradas a todo o tempo (WOLTON, 2003), bem como pela exigência de acesso rápido às informações em qualquer lugar, o celular se juntou à internet para que os entusiastas possam estar sempre online. Por isso, os smartphones superaram outros mecanismos de acesso à rede mundial de computadores. Tanto é que, de acordo com Villela (2016), o celular já era o principal meio de acesso à internet no Brasil em 2014 e, até o final de 2014, o Brasil era o sexto país do mundo em número de smartphones vendidos, ficando atrás de Estados Unidos, China, Índia, Japão e Rússia, conforme o site Meio e Mensagem (2015). Outra pesquisa apontou que, até o início de 2016, 90% dos usuários com até 34 anos de idade e que utilizavam internet móvel, já eram possuidores de algum tipo de smartphone (EMARKETER, 2016). A todo tempo surgem novas aplicações e ferramentas de utilidade. O incremento das potencialidades que a internet oferece é bastante entusiasmante porque aumenta a capacidade e o poder das pessoas, porém fragilizam os usuários desse meio de 33

comunicação na medida em que os deixam mais vulneráveis à vigilância e à manipulação (WHITAKER, 1999). Na internet, os usuários não são meros espectadores. Devido à possibilidade que lhes é dada de criar conteúdos e publicá-los, participam ativamente na rede mundial de computadores, expondo-se para atingir uma ou mais finalidades. Uma delas é o reconhecimento social, segundo Bauman (2013). Ainda de acordo com Bauman (2013, p. 30),

A condição de ser observado e ser visto, portanto, foi reclassificada de ameaça para tentação. A promessa de maior visibilidade, a perspectiva de “estar exposto” para que todo mundo veja e observe, combina bem com a prova de reconhecimento social mais avidamente desejada, e, portanto, de uma existência valorizada – “significativa”.

Essa tentação de ser visto, de estar exposto, decorre da sensação de solidão que os usuários experimentam “fora” do computador. A experiência de ser visto e ter sua existência reconhecida por outros usuários fez com que a internet se tornasse uma rota de fuga da solidão e da sensação de não ser parte de uma sociedade por não ter sua própria existência reconhecida pelos outros. Segundo Bauman (2013, p. 30),

Ter o nosso ser completo, com verrugas e tudo, registrado em arquivos publicamente acessíveis parece o melhor antídoto profilático para a toxicidade da exclusão – assim como uma forma poderosa de manter distante a ameaça de expulsão; é, na verdade, uma tentação a que poucos praticantes da existência social, reconhecidamente precária, se sentiriam com força suficiente para resistir. Creio que a história do recente e fenomenal sucesso dos “websites sociais” é um bom exemplo dessa tendência.

Esse modo de agir dos indivíduos na internet – a exposição pessoal na rede mundial de computadores – é parte essencial de um processo pelo qual os usuários são monitorados. De acordo com Deleuze (2008, p. 216) “estamos entrando nas sociedades de controle, que funcionam não mais por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea”. Na internet, esse controle das informações sobre os usuários é chamado de vigilância digital que, de acordo com Bruno (2008, p. 10), consiste no “monitoramento sistemático, automatizado e à distância de ações e informações de indivíduos no 34

ciberespaço, com o fim de conhecer e intervir nas suas condutas ou escolhas possíveis”. É nesse contexto que se insere a figura do Panóptico, mecanismo perfeito para cumprir essa função de vigilância na rede mundial de computadores, afinal, a internet é um depositário riquíssimo de informações acerca dos usuários. Segundo Possolli (2004, p. 8-9),

A tecnologia em si não é controladora ou libertária; os usos culturais e sociais a que ela serve é que podem sê-lo. Quando a Internet opera como um banco de dados interconectado, ela tem um potencial para criar modos Panópticos de relações de reconhecimento tanto quanto o tem para melhorar nosso sentimento de liberdade e mobilidade.

Como visto, o Panóptico funciona plenamente no ambiente digital, mas não exatamente da mesma forma como foi concebido por Jeremy Bentham. Novas características se associaram à forma original devido a várias circunstâncias. É o que se verá a seguir.

2. 2. 1 O Ban-óptico, o Sinóptico e o Palinóptico

Depois do 11 de Setembro, data marcante na história dos Estados Unidos da América, surgiram novas ameaças à segurança internacional e, a partir disso, surgiram também novas estratégias e políticas a pretexto de garantir a paz mundial. Segundo Bigo (2006), os Estados Unidos e países aliados a eles têm sustentado um discurso de que o mundo está tomado por ameaças de destruição em massa, perpetradas por terroristas e por países que os financiam, e que esse ambiente de insegurança e apreensão justificaria a adoção de certas providências no sentido de garantir a segurança global. De acordo com Bigo (2006) essa conjugação de esforços para afastar essa sensação de insegurança mundial, proposta pelos norte-americanos e seus aliados, faria com que as fronteiras entre os países deixassem de existir, ao mesmo tempo em que deixariam de existir distinções entre problemas de ordem interna e questões de ordem externa. 35

É nesse estado de inquietação com problemas de segurança que surge a figura do Ban-óptico. Trata-se de um dispositivo, conforme Bigo (2006), cujo propósito é banir os indivíduos capazes de ameaçar a segurança dos cidadãos. Trata-se de um banimento político, que consiste na adoção de mecanismos para: evitar a entrada de pessoas de determinada etnia, origem nacional, religião, em algum país; proibir o acesso de indivíduos ou grupos de indivíduos a direitos ou a políticas públicas; restringir o direito de ir e vir; enfim, tudo o que se pode fazer para banir alguém capaz de oferecer perigo, segundo argumentos de autoridade. Segundo Bigo (2006, p. 34),

Esse termo, banimento, tem origem no alemão antigo e significa a exclusão decretada pela comunidade, simbolizando a soberania daquele grupo. É aquilo que é excluído pela força soberana, por contrariar a regra, é excluído como forma de rejeição, repulsão, banimento.16

O Ban-óptico, que se consolida como um modelo de gestão dos riscos e ameaças, tem determinadas características: práticas excepcionais (de exceção), atos de profiling17, atitudes para barrar estrangeiros e normas jurídicas de circulação no país. Assim, o Ban-óptico, bem como o medo inculcado a partir de informações que conferem verossimilhança a um perigo indesejável, não une as nações em favor da paz mundial, mas reafirma o poder dos países centralizadores dessa política de proteção contra ameaças. A ideia é controlar as informações por meio das quais seja possível banir os indesejáveis (BIGO, 2006). O estado de apreensão, de medo de que algo ruim aconteça, é construído por nações dominantes a partir de argumentos de autoridade, que legitimam a ameaça. Tratam-se, esses argumentos de autoridade, de dados estatísticos ou informações relevantes cuja verossimilhança cativa a atenção dos cidadãos e, assim, a ameaça legitima o empoderamento das instituições, pessoas e países que agem a pretexto de rechaçar ameaças, principalmente por meio do banimento de pessoas (BIGO, 2006). O Ban-óptico, diferente do Panóptico, não surte seus efeitos por meio de uma torre na qual se estabelece um observador central. Ao contrário, o Ban-óptico é um

16 Tradução livre do autor. 17 O profiling é o termo em inglês que expressa o ato de perfilar, ou seja, de traçar um perfil de um indivíduo, cujo objetivo pode ser de revelar um padrão para embasar determinada política. A perfilagem pode servir, por exemplo, para determinar o banimento de pessoas de um país a partir de suas características físicas, a religião que adota, a origem nacional da qual provém, etc. 36

dispositivo que abrange inúmeras pessoas, órgãos de segurança, ferramentas eletrônicas, a coleta de dados, tecnologia de monitoramento, enfim, todo o tipo de mecanismo que se ramifica e que forma uma rede de conhecimento. A partir disso é que se obtém o controle de como e por que banir (BIGO, 2006). Em que pese Bigo (2006) não tenha afirmado categoricamente que o Ban-óptico seja o oposto ou que ele se assemelhe ao Panóptico, cabe considerar que há, sim, uma ligação fundamental entre os dois. Segundo De Sousa e De Meneses (2010, p. 24),

Na Europa no século XVII, a internação passou a ser um movimento de reclusão e exclusão dos indivíduos, internando-se não só os loucos, mas também os pobres e os considerados vagabundos. São criadas as primeiras instituições disciplinares, nas quais todos aqueles que estavam à margem da sociedade, eram presos, e os loucos faziam parte desse grupo. Desta maneira, a prática médica se apresenta sob duas formas: o poder sobre o doente, e a representação do poder, ou seja, o médico, era um veículo do poder.

É por conta desse movimento de reclusão e exclusão que Panóptico e Ban- óptico se aproximam. A prisão, por exemplo, é uma estrutura destinada à reclusão dos indivíduos, controlando-os para que sirvam ao Estado cuja lei ofenderam, ao mesmo tempo que os exclui do convívio social. Assim é o Ban-óptico: obtém-se informações para controlar a atividade dos indivíduos, agregando-os em grupos de pessoas que configuram ameaça para, enfim, bani-los. Há também outro vocábulo que exprime uma releitura da concepção de Panóptico. Trata-se do Sinóptico, cujo conceito surgiu em um artigo escrito por Thomas Mathiesen, intitulado The viewer society: Michel Foucault’s “Panopticon” revisited, publicado na Revista Theoretical Criminology, em 1997, que se passa a discutir. Segundo Mathiesen (1997), na fase de transição dos suplícios para as prisões – ocasião em que aparece o Panóptico, como modelo estrutural de controle dos apenados -, passou-se de uma sociedade onde muitos viam poucos – o povo que assistia à aplicação do suplício a um condenado - para uma em que poucos viam muitos – o observador do Panóptico, que observava todos os prisioneiros nas celas ao redor da torre. A expressão Sinóptico, conforme Mathiesen (1997), serve para designar a situação em que um grande número de indivíduos dirige sua visão e atenção para algo 37

em comum, isto é, concentram-se naquela figura, que concentra os olhares de seus espectadores. Embora possa não parecer, o panoptismo e o sinoptismo não se anulam, ao contrário, interagem e dividem o mesmo espaço18. Segundo Mathiesen (1997), um exemplo disso é o funcionamento da Igreja Católica: o confessionário funciona como o Panóptico, onde o representante da Igreja ouve os fiéis, um a um (mas vários deles), que lhes confessam seus segredos; o templo, isto é, a Igreja propriamente dita, funciona como o Sinóptico na medida em que é uma construção suntuosa, que ocupa espaços privilegiados na cidade e que promove a reunião de inúmeros fiéis, os quais assistem atentamente à missa, voltando-se exclusivamente para o padre, que profere a palestra religiosa.19 Outro exemplo significativo é a obra 1984, escrita por George Orwell, cujo texto tem conexões com o tema vigilância e com o conceito de Panóptico. De acordo com Mathiesen (1997), Orwell descreveu ambos, panoptismo e sinoptismo. No romance 1984: o Grande Irmão observava cada indivíduo por meio de uma tela20 – expressão do panoptismo -, assim como cada indivíduo, embora em lugares distintos, observava atento o Grande Irmão, também através da mesma tela – é o sinoptismo. Há duas questões fundamentais em cada um desses exemplos citados por Mathiesen (1997): em uma das situações, os observadores estão todos concentrados em um mesmo espaço, isto é, estão todos juntos e observando ao mesmo tempo; na outra, os observadores estariam dispersos, ocupando espaços diferentes, mas todos atentos a uma figura central, no mesmo tempo, mas de lugares diferentes. Essa questão do espaço ocupado pelos observadores, bem como o fato de que vários sujeitos observam um indivíduo, são os aspectos centrais do conceito de Sinóptico.

18 Isso não ocorre com o Ban-óptico, cuja definição expressa, na verdade, a existência de um dispositivo capaz de colher, armazenar e produzir informações para servir ao propósito de banir indivíduos a pretexto de garantir a segurança nacional e internacional. 19 Nesse contexto, do confessionário, o princípio do panoptismo não está no ato em si, de se confessar, mas em se ver induzido a confessar os pecados pela internalização da ideia de pecado: a culpa diante de Deus, eternamente vigilante, é que faz o fiel se confessar. A vigilância onipresente de Deus induz a confissão. 20 O Grande Irmão incutia o medo através das telas que, espalhadas por vários lugares, dava aos cidadãos a sensação de que eram constantemente vigiados. 38

O panoptismo contemporâneo é diferente, segundo Mathiesen (1997), pois ele não implica ordenação de comportamento, especialmente porque - diferentemente da época em que surgiram as prisões -, mais recentemente surgiram limites a serem observados, visando preservar a integridade dos apenados.21 Um exemplo de que o panoptismo moderno contrasta com os contornos da época em que surgiu é o Macartismo, na década de 50, nos Estados Unidos. O Macartismo surgiu de medidas propostas por um senador norte-americano, Joseph Mccarthy, que visava investigar supostos comunistas com o propósito de aplicar-lhe as punições cabíveis por subversão. Segundo Mathiesen (1997), o Macartismo não fez com que os comunistas deixassem de ser comunistas, ou seja, as medidas de controle não conseguiram disciplinar ninguém ou controlar o comportamento dos comunistas, que não deixaram de agir como comunistas, embora tenham-no feito veladamente.22 O que une panoptismo e o sinoptismo, de acordo com Mathiesen (1997), é o objeto sobre o qual é exercido o poder por meio da vigilância23: o corpo do indivíduo, seja fisicamente (panoptismo), seja psicologicamente (sinoptismo). Segundo Mathiesen (1997, p. 230),

A questão é que o sinoptismo, no contexto da moderna mídia de massa em geral, e da televisão, em particular, primeiramente controla e disciplina a consciência. (...) A totalidade das mensagens inculcam ou produzem uma compreensão geral sobre o mundo, ou um mundo paradigmático, se preferirem, (...). O paradigma é um sucesso porque é recebido em um contexto de necessidades – satisfaz necessidades – para escapar das misérias do mundo, assim como a Igreja ofereceu resgate e salvação após a morte.24

Esse aspecto que distingue o panoptismo moderno de suas origens – o alvo a ser atingido pelo poder –, conforme discutido por Mathiesen (1997), deve ser visto com ponderação. Isso porque, segundo a psicologia contemporânea, não existe uma

21 O inciso XLIX do art. 5º da Constituição Federal brasileira diz que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. 22 Embora Mathiesen (1997) diga que o panoptismo contemporâneo não implica ordenação do comportamento, dando como exemplo o Macartismo, cumpre ressaltar que, nesse caso, os comunistas agiam veladamente, pois não se exercia a vigilância plena sobre os comunistas, pois eles agiam veladamente, ou assumindo o risco de serem reprimidos. 23 Mathiesen (1997) utiliza a expressão controle como sinônimo de disciplina. Além disso, também segundo Mathiesen (1997), controle é mais do que vigilância: controlar implica regular um comportamento ou atitude a partir da vigilância. 24 Tradução livre do autor. 39

dicotomia entre corpo e mente. Segundo De Castro, Andrade e Muller (2006), emoções podem desencadear doenças, logo, existe uma conexão lógica entre o corpo físico e essa fração imaterial do ser humano: o campo psicológico, das emoções. Existe ainda uma outra reapropriação do conceito de Panóptico para definir essas estruturas de vigilância contemporâneas, cujo principal suporte é a internet. O monitoramento na rede mundial de computadores permite a criação de bases de dados sobre pessoas, abrangendo informações sobre seu cotidiano, desde hábitos até preferências pessoais. Além disso, esse monitoramento conta com a participação ativa do indivíduo, usuário da internet. Segundo Bruno (2013, p. 47), “ser visto e ser vigiado, assim como ver e vigiar, são progressivamente incorporados no repertório perceptivo, afetivo, atencional, social, e associados a processos de prazer, diversão, sociabilidade”. De acordo com Bruno (2013, p. 47),

A visibilidade e a exposição deliberada do eu, da intimidade, da vida banal e quotidiana em reality shows, blogs, redes sociais são vetores de prazeres, entretenimento e sociabilidade. Nem Panóptico nem Sinóptico, mas um modelo reticular e distribuído onde muitos vigiam muitos ou onde muitos veem e são vistos de variadas formas. Algo como um Palinóptico, para brincar com o radical grego palin, que designa processo de dupla via.

O Palinóptico é, portanto, um termo figurativo que serve para designar esse processo de vigilância que ocorre em um ambiente em que o indivíduo monitora, ao mesmo tempo em que se submete ao monitoramento feito por um terceiro, que, muitas vezes, é desconhecido. É, por isso, um processo de via dupla, isto é, o monitoramento não ocorre apenas em um único sentido, pois ver e ser visto fazem parte do cotidiano do internauta. Por conta disso é que o Palinóptico se distingue do Panóptico, assim como do Sinóptico. De acordo com Bruno (2013), o panoptismo inverte o olhar, que sai do indivíduo suplicante e volta-se25 para os indivíduos comuns, submetidos ao controle dentro da estrutura panóptica, onde um observa muitos. Ainda conforme Bruno (2013), em razão do surgimentos e proliferação dos meios de comunicação de massa,

25 Revela-o ou o expõe. 40

especialmente a televisão, o foco do observador se volta às celebridades, ao pop star, ou seja, muitos observam poucos. Mas não para por aí. Segundo Bruno (2013, p. 47),

Essa transformação convive em nossos dias com outra mais recente e ainda em curso, que retorna novamente o foco da visibilidade sobre o indivíduo comum, embaralhando ainda mais as fronteiras entre vigilância e espetáculo. Seja na Internet e nos diversos dispositivos que constituem o ciberespaço, seja na própria televisão, assistimos a um crescente retorno da exposição do indivíduo comum à visibilidade, agora residente não mais nas instituições disciplinares, mas nos ambientes telemáticos e midiáticos (Grifos meus).

Como visto, há uma outra característica fundamental do Palinóptico que não apenas o fato de ser um caminho de mão dupla, onde quem vê também é visto. Trata- se do foco para o qual voltam-se os olhares dos observadores: o indivíduo comum, que vê, mas que também faz questão de ser visto.26

Figura 5: Síntese esquemática do Panóptico e de suas variações

Fonte: Elaboração do autor.

26 No Sinóptico, segundo Mathiesen (1997), o poder não se manifesta através de uma figura central, por exemplo os repórteres e figuras da mídia. Diferente do Panóptico, em que, de acordo com Foucault (1999), o poder se manifesta através de uma figura central (o que ocorre também no Ban-óptico, segundo Bigo (2006). Distingue-se também do Palinóptico, no qual, segundo Bruno (2013), o poder está nas mãos de todos os indivíduos e de cada um, ou seja, está espalhado entre os indivíduos comuns.

41

De acordo com Sibilia (2016, p. 22), “por toda parte, então, os usuários, leitores ou expectadores são convocados a participar, compartilhar, opinar e se exibir de um modo considerado proativo”. Conforme Bruno (2013, p. 55),

Desde a popularização do uso de webcams e das narrativas de si em blogs na Internet, juntamente com a proliferação de reality shows na televisão, o tema da exposição do eu e da intimidade em tecnologias e redes de comunicação tornou- se recorrente tanto na pesquisa acadêmica quanto na pauta midiática. Sites de compartilhamento e redes sociais de diferentes tipos se somam a esses ambientes nos últimos anos, diversificando a sua paisagem, sobretudo na Internet, envolvendo uma série de outras práticas que se adicionam à exposição da intimidade: sociabilidade, jornalismo, política, ativismo, comércio, trabalho, educação, pesquisa, marketing, etc.

A internet reúne entretenimento à vigilância, fazendo com que sujeitos comuns se apresentem como protagonistas das histórias que querem contar para outros internautas, visando criar laços de sociabilidade. De acordo com Bruno (2013, p. 67), “ver e ser visto não implica apenas circuitos de controle, mas também de prazer, sociabilidade, entretenimento, cuidado consigo e com o outro”. A questão é: os indivíduos expõem informações acerca de sua intimidade, mas sem que tenham o controle exato sobre quem as verá e até quando verá. Essas informações se espalham pela internet e isso pode ter consequências que também fogem do domínio dos seus titulares. Mas, como e por que as informações se espalham? No capítulo seguinte, far-se-á a enumeração das principais razões pelas quais a informação se espalha na internet. A partir disso, explicar-se-á, no último capítulo desta dissertação, a razão para afirmar que a internet reinseriu o suplício como uma sanção aplicada àqueles que são suspeitos de terem cometido um crime.

42

3 O ESPALHAMENTO DAS INFORMAÇÕES: POR QUE AS COISAS SE ESPALHAM NA INTERNET?

As novas tecnologias, bem como as novas relações sociais que surgem em decorrência do uso dessas inovações são características marcantes da atualidade. O Facebook, que “pode ser caracterizado como um Panóptico do mundo contemporâneo”, demonstra bem isso, segundo Alves e De Moura (2016, p. 4).

(...) vale lembrar que as características basilares do Panóptico são: posição central da vigilância e sua invisibilidade. Partindo dessa perspectiva, quem pratica o ato de postar comentários no Facebook assume o papel de observado, mas como no Panóptico, não sabe quem o observa. (ALVES; DE MOURA, 2016, p. 4).

Também de acordo com Alves e De Moura (2016, p. 4), “as postagens corriqueiras, os likes (curtir), fotos, compartilhamentos e outras ferramentas disponibilizadas pelo Facebook favorecem a vigilância e o controle social.” Conforme Carvalho e Viana (2016, p. 172),

A internet proporcionou nos últimos anos uma superexposição de informações antes inimaginável, atingindo patamares de evolução a ponto de interferir na privacidade e intimidade das pessoas, mais especificamente em relação àqueles que desejam ter seus dados sobre fatos passados definitivamente apagados em contraposição a permanência de conteúdos privativos à persecução penal que percorrem em ambiente virtual amplamente acessível.

Ainda segundo Carvalho e Viana (2016), a internet permite a distribuição praticamente ilimitada de conteúdo, o que é um risco ao direito à preservação da intimidade, ao qual se reporta a Constituição Federal.

Os novos riscos tecnológicos advindos da sociedade da informação são capazes de interferir na intimidade e dignidade das pessoas correspondem a novas formas de ofensa a bens jurídicos na esfera penal. Essa ofensa demonstra a necessidade de verificar os efeitos da superexposição de dados pessoais e da manutenção de informações sobre indivíduos que foram absolvidos ou que, condenados, já cumpriram suas penas. Há, portanto, a perpetuação infinita destes eventos no ambiente virtual. (CARVALHO; VIANA, 2016, P. 176)

As relações sociais permeadas pela rede mundial de computadores precisam ser discutidas sob vários aspectos, pois há desdobramentos do espalhamento de informações cujos efeitos podem ser imensuráveis. Juridicamente, a exploração do 43

assunto ainda é modesta, mas já se reconhece que “curtir”, “compartilhar”, “comentar”, “postar” têm efeitos que devem ser repreendidos pelo Poder Judiciário porque são capazes de lesar um indivíduo. Exemplo disso é o que ocorreu em Piracicaba, no Estado de São Paulo. Duas mulheres foram condenadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a indenizar um veterinário, uma por fazer publicação depreciativa no Facebook sobre o profissional, a outra por ter curtido e compartilhado a publicação. Segundo Rover (2013), autor de matéria jornalística sobre o caso, um dos Desembargadores que julgou o processo afirmou: “Há responsabilidade dos que compartilham mensagens e dos que nelas opinam de forma ofensiva, pelos desdobramentos das publicações, devendo ser encarado o uso deste meio de comunicação com mais seriedade (...)”. Também no Estado de São Paulo foi proferida decisão judicial sobre um conflito que se originou na internet. O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas, entendeu como válida a demissão por justa causa de um funcionário que “curtiu” publicação ofensiva e participou de conversa pública no Facebook, na qual se ofendia uma das proprietárias da empresa na qual trabalhava. De acordo com a notícia publicada pelo site Consultor Jurídico (2015), a Juíza Patrícia Glugovskis Penna Martins, que participou da decisão proferida no processo judicial em que se discutiu essa hipótese de demissão por justa causa, afirmou o seguinte:

O fato é grave, posto que se sabe o alcance das redes sociais, isso sem contar que o recorrente confirma que outros funcionários da empresa também „eram seus amigos‟ no Facebook. A liberdade de expressão não permite ao empregado travar conversas públicas em rede social ofendendo a sócia proprietária da empresa, o que prejudicou de forma definitiva a continuidade de seu pacto laboral.

Vê-se daí a relação do Direito com essas manifestações culturais contemporâneas, bem como o quanto se precisa debater o tema a fim de subsidiar soluções para problemas que se originam dessas novas formas de se comunicar. Diante disso, a preocupação deste capítulo é expor os motivos pelos quais se entende que as informações se espalham na internet, especialmente aquelas que tem a ver com a intimidade das pessoas. A propósito, a exposição da intimidade é outro assunto a ser debatido neste capítulo, afinal, está intrinsecamente ligado à ideia de superexposição e de espalhamento das informações na rede mundial de computadores. 44

A discussão que se fará neste trecho é uma sequência lógica do primeiro capítulo deste trabalho, não apenas por sua posição topológica neste documento, mas porque os conceitos abordados em ambos são indissociáveis no sentido de explicar a relação entre espalhamento da informação, intimidade e suplício. Em outras palavras, este capítulo servirá de base para compreender o porquê se pode afirmar que o suplício foi reintroduzido, no âmbito da internet, como forma de aplicação de uma pena corporal – pois, como visto, mente e “corpo físico” estão interconectados – àquele que é acusado em processo criminal, embora não tenha sido de fato condenado judicialmente, como determina a legislação. Far-se-á uma exposição acerca dos conceitos de intimidade – diferenciando-o do conceito de privacidade – e de extimidade, bem como sobre a ideia do palinóptico e sua influência sobre a exposição da intimidade. Feito isso, ainda neste capítulo, serão discutidos os conceitos de espalhamento e convergência da informação, associando-os às definições de palinóptico, intimidade e extimidade. Isso tudo será necessário para explicar o penúltimo capítulo desta dissertação, que versará sobre um estudo multicaso, no qual serão abordadas todas as questões e especialmente o seguinte: a internet e toda a influência que ela exerce sobre os usuários reintroduziu o suplício como meio para punir aqueles que são processados criminalmente pelo Poder Judiciário?

3. 1 PRIVACIDADE, INTIMIDADE E EXTIMIDADE

Uma pesquisa feita em 2014, por uma organização não governamental, a Safernet, mostrou um aumento de 120%, em relação ao ano de 2013, no número de casos de compartilhamento de fotos íntimas através da internet (CALDAS, 2015). Em 2013 e 2014, a palavra selfie – que em português, em tradução não literal, significa autorretrato – foi eleita a palavra do ano, primeiro pelo dicionário Oxford, depois pela BBC. A propósito, um estudo feito no Brasil indicou que 90% das pessoas que tem acesso à internet tem o hábito de fazer selfies e, dentre esses, pouco mais de 50% o fazem utilizando smartphones (IG SÃO PAULO, 2015). 45

Esse hábito do autorretrato, que não é apenas dos brasileiros, fez aumentar o número de cirurgias plásticas nos Estados Unidos. As mais procuradas agora são a rinoplastia – 10% em um ano – e os implantes capilares – 7% de aumento, justamente em 2014, quando a BBC elegeu a palavra selfie como a palavra do ano (MATSUURA, 2014). Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, feita em 2015 e publicada em 2016, apontou que cresceu o número de domicílios brasileiros com acesso à internet em 57,8%, seja o acesso por meio de computadores, seja por meio de aparelhos celulares. Além disso, o mesmo estudo acusou que, de 2013 a 2015, houve um crescimento de 38% no número de pessoas com 60 anos de idade ou mais que têm acesso à internet. Esse aumento é relativo a 2015, portanto, não se desconsidera a hipótese de que esses números tenham aumentado ainda mais (PENNAFORT, 2016). Privacidade e internet sempre tiveram uma relação conturbada. O tema ainda é recorrente e não há sinais de que o fim do embate esteja próximo. Portanto, ainda há muito a ser discutido. No meio acadêmico, especificamente no Brasil, a preocupação com a privacidade na internet começou a ser discutida no final da década de 90, especialmente devido ao crescimento do comércio eletrônico. Segundo Albertini e Moura (1998), destacava-se o problema da violação do sigilo das conversas por e-mail, no sentido de que o desenvolvimento tecnológico daquele período permitiria devassar as conversas por correio eletrônico a fim de obter informações sobre segredo industrial ou comercial e, até mesmo, sobre preferências de consumidores. O meio jurídico também se ocupou da privacidade no ambiente digital e passou a discutir o assunto no começo do ano 2000. Segundo Silva Neto (2001), teve início um período em que todos podiam ter acesso irrestrito a um número elevado de informações e que, por isso, o direito à privacidade estaria se dissolvendo aos poucos. Sendo um direito, logo conflitos jurídicos demandariam respostas e soluções, por isso o interesse em estudar o assunto. Mais tarde, em 2006, houve uma sucessão de incidentes que marcaram essa relação entre internet e a privacidade. Nesse ano, o australiano Julian Assange criou o 46

website denominado Wikileaks, cujo objetivo era reunir informações, contando com a colaboração de hackers, a fim de denunciar práticas de governos – como o norte- americano e também de nações europeias - que pudessem implicar algum tipo de ofensa à privacidade de cidadãos nacionais ou estrangeiros. Dentre as informações que criaram mais polêmica está um vídeo de soldados americanos atirando em civis em Bagdá, no Iraque (SOPRANA, 2016). Alguns anos depois, após acirradas discussões em que se destacava a preocupação com a privacidade na rede mundial de computadores, mais precisamente em 2009, o Ministério da Justiça deu início aos debates oficiais, no Brasil, sobre a criação de um instrumento regulatório da atividade de usuários e provedores na internet. Por meio de uma consulta pública feita por meio da própria internet, o Ministério da Justiça buscou agregar à proposta do governo as opiniões dos internautas sobre a criação de Lei para regulamentar toda a atividade na rede mundial de computadores (ASSOCIAÇÂO SOFTWARE LIVRE, 2009). Depois dessa fase de consulta e de intensos debates, a Presidência da República propôs o Projeto de Lei nº 2.126/2011, que após os trâmites legais, foi aprovado e deu origem à Lei nº 12.965, publicada em 23 de abril de 2014. Essa Lei foi apelidado de Marco Civil da Internet e assim que é popularmente conhecida.27 Entre o início as discussões que deram origem ao Marco Civil da Internet até a efetiva publicação da Lei Federal, houve um novo incidente que teve impactos substanciais sobre a relação entre internet e privacidade no mundo todo. Trata-se do caso Edward Snowden. Em 2013, o analista de sistemas de um órgão governamental de inteligência estadunidense, a Central Intelligence Agency, mundialmente conhecida pela sigla CIA, divulgou segredos norte-americanos que envolviam a espionagem de indivíduos do país e também de estrangeiros. Edward Snowden revelou que as informações coletadas pela

27 Há vários dispositivos na Lei nº 12.965/14 que tratam expressamente da proteção à privacidade do usuário. O primeiro deles, o inciso II do art. 3º do Marco Civil, dispõe que “A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: proteção da privacidade”.

47

agência de inteligência dos Estados Unidos eram coletadas, principalmente, dos servidores das empresas Google, Apple e Facebook (G1, 2013). A espionagem e a coleta de informações dos usuários sem prévia autorização aumentaram a preocupação com a privacidade. Assim, o Marco Civil da internet, que nasceu um ano depois do caso envolvendo coleta não autorizada de dados particulares de usuários pelos norte-americanos, prestou-se a dar amparo a essa grande preocupação dos internautas: a preservação da privacidade. A propósito, a quantidade de informações pessoais disponíveis na rede mundial de computadores mostra a importância de se estudar o que significa privacidade – mais especificamente na internet - e qual seu alcance. Conforme Wolton (2003, p. 91), “as informações especializadas e os bancos de dados, através da informática doméstica, oferecem o meio para gerar uma quantidade crescente de informações e de conhecimentos”. Segundo Guerra (2012, p. 23), tantas informações disponíveis na internet, assim como a superexposição pessoal abrem espaço para ingerências indesejadas à privacidade,

(...) face ao poder das teleobjetivas que invadem o espaço secreto das pessoas, possibilitando uma devassa na intimidade das mesmas, provocando, muitas vezes dor, sofrimento e discórdia pela revelação de certos dados e particularidades.

Mas afinal, o que é privacidade? A primeira formulação científica do que vem a ser privacidade foi escrita por dois juristas, Samuel Warren e Louis Brandeis, em trabalho publicado pela Harvard Law Review em 1890. Para eles, privacidade significava o direito de ser deixado só (MACHADO, 2014, p. 338-339). Aproximadamente cem anos depois, alguns estudiosos do meio jurídico passaram a se dedicar ao estudo do conteúdo do que entenderam se tratar de um direito na rede mundial de computadores. Segundo Pereira (1980, p.15), a privacidade é um direito que consiste no “conjunto de informações acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem a isso poder ser legalmente sujeito”. Todavia, essa definição não é pacífica e ainda há divergências, especialmente entre aqueles que a veem apenas sob o aspecto jurídico, isso porque, a própria 48

Constituição Federal de 1988 usa, indiscriminadamente, os conceitos de vida privada, privacidade e intimidade no principal dispositivo que trata do assunto: o inciso X do art. 5º.28 De acordo com Silva (2006, p. 206),

(...) o dispositivo põe, desde logo, uma questão, a de que intimidade foi considerada um direito diverso dos direitos à vida privada, à honra, e à imagem das pessoas, quando a doutrina os reputava, com outros, manifestação daquela. De fato, a terminologia não é precisa. Por isso, preferimos usar a expressão direito à privacidade, num sentido genérico e amplo, de modo a abarcar todas essas manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade, que o texto em exame consagrou.

O trecho acima transcrito mostra apenas uma preferência em relação ao método de abordagem jurídica da privacidade, mas não nos diz qual é seu conteúdo. Esse é um problema, pois o que se deseja saber, afinal, é no que consiste a privacidade e o que é intimidade: distinção que se faz necessária, como será visto a seguir. Segundo Lafer (1988, p. 239), a intimidade é o direito que indivíduo tem de ser deixado só29, bem como “a possibilidade que deve ter toda pessoa de excluir do conhecimento de terceiros aquilo que a ela só se refere, e que diz respeito ao seu modo de ser no âmbito da vida privada”. Vê-se, nessa definição, que é contemporânea à promulgação da Constituição Federal vigente no Brasil, que vida privada, ou privacidade é diferente de intimidade. Essa diz respeito ao modo de ser do indivíduo, isto é, os seus sentimentos, suas vontades e tudo o que se encontra no âmbito dos seus pensamentos. Já aquela se refere às atividades explícitas do indivíduo, ou seja, tudo aquilo que o indivíduo faz e que não invade interesses alheios, por isso pode protegê-las do “campo de visão” de outras pessoas. Conforme Wendt e Wendt (2015), privacidade diz respeito ao ambiente em que o sujeito convive, às suas atividades e com quem se relaciona, isto é, aos aspectos

28 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 29 Confunde-se com o conceito de privacidade que Samuel Warren e Louis Brandeis determinaram em seu artigo publicado pela Harvard Law Review em 1890, segundo Machado (2014). 49

materiais da vida do indivíduo, ao contrário da intimidade, que envolve subjetividade, os sentimentos e reflexões pessoais de uma pessoa. Tudo isso serve para discutir o modo como os usuários têm se comportado diante das telas dos smartphones e de seus computadores conectados à internet. Segundo Bauman (2013), existe um interesse em mostrar todos os detalhes pessoais, inclusive com os detalhes mais íntimos, tudo para que a existência daquele que se expõe seja reconhecida por outros. Afinal, é pela existência do outro que nos reconhecemos como somos.30 De acordo com Woodward (2014), o indivíduo encontra sua identidade a partir das diferenças que percebe sobre si em relação ao outro. Trata-se de uma relação de comparação, pela qual o sujeito descobre o que é a partir do que vê no outro. É assim que o indivíduo compreende sua identidade: se vê como o outro, ou diferente do outro. Essa é a conclusão de Woodward (2014) a partir de estudo baseado em relato de um jornalista que se deparou com a situação na qual sérvios e croatas discutem por que se identificam com uma, ou com outra etnia: soldados sérvios dizem que não são croatas porque não fumam o mesmo cigarro que eles; soldados croatas dizem que são croatas porque não fumam o mesmo cigarro que os sérvios; assim, uns se diferenciam dos outros, embora todos tenham uma origem comum; é o que diz um trecho do relato sobre o qual se deu o estudo antes mencionado. Segundo Cuche (1999), a identidade significa, simultaneamente, duas coisas: é fenômeno que pelo qual o sujeito se sente parte de um sistema social; é também o conjunto de características de um grupo social por meio do qual ele é percebido por seus integrantes e pelos indivíduos que não fazem parte do grupo. Conforme Recuero (2012), no ambiente digital, os usuários se aproximam uns dos outros a partir de um processo de identificação, isto é, conversam uns com os outros quando se sentem parte do mesmo grupo, quando compartilham características

30 Cita-se como exemplo, o caso de uma mãe que relatou a experiência que teve no aniversário de seu filho, quando nenhum dos convidados apareceu. A tristeza da mãe – e do filho, conforme relato feito por ela – estampou um texto publicado por ela em um site de rede social. Após a publicação, outras pessoas – dentre elas amigos e desconhecidos – se solidariazaram e, abaixo do texto da mãe frustrada, publicaram seus comentários, relatando experiências parecidas. (VEJA.COM, 2016). 50

comuns, ou, até mesmo, quando precisam externalizar um pensamento contraposto a fim de mostrar que são sujeitos diferentes. Segundo Recuero (2012, p 58-59),

No ciberespaço, os indivíduos não se dão a conhecer de forma imediata. É preciso que essa “presença” seja construída através de atos performáticos e identitários, tais como a construção de representações do eu. Estas se dão através de elementos que representam os indivíduos no ciberespaço, mesmo quando não estão conectados naquele momento. Essa representação pode ser constituída de um perfil em um site de rede social, um weblog personalizado, um nickname em uma sala de chat, uma foto, etc. Ela delimita o indivíduo naquela ferramenta.

É nesse contexto – de marcar presença no ambiente digital, conforme Recuero (2012) – que se vê a importância do conceito de identidade. Ele serve para explicar parte desse fenômeno de autoexposição. Os usuários da rede mundial de computadores utilizam-se de diversas estratégias, dentre elas, expondo detalhes de sua intimidade, para registrar sua presença e, principalmente, sua existência. Estar visível a outros usuários é sinônimo de existir e a prova de que são vistos restam consubstanciadas nos comentários, as curtidas, as opiniões contrárias, as críticas, as palavras de consolo, etc. Segundo Wolton (2003), esse fenômeno é o que se chama de solidão interativa, ou seja, o indivíduo é péssimo em manter relacionamentos fora do computador, é incapaz de conversar normalmente com vizinhos ou de fazer amigos fora do ambiente digital; porém o mesmo indivíduo é muito hábil em fazer amizades na rede mundial de computadores e construir laços, que são criados e desfeitos muito rapidamente, mas logo surgem de novo e assim seguem um movimento circular efêmero de relações que em nada mudam a realidade extravirtual do sujeito: permanece solitário “fora” do computador, mas precisa “existir”, ser percebido por alguém no ambiente digital para afirmar sua existência no mundo. Sobre isso, Wolton (2003, p. 88) faz a seguinte reflexão:

A Net como suporte de uma nova solidariedade mundial se encontra, aliás, no centro de vários debates, obras, proposições políticas e culturais. Por que não encontrar na rede mundial uma oportunidade para uma nova solidariedade, uma nova consciência?

Conforme Sibilia (2016, p. 151), 51

Nessa cultura das aparências, do espetáculo e da visibilidade, já não parece haver motivos para mergulhar naquelas sondagens em busca dos sentidos abissais perdidos dentro de si mesmo. Em lugar disso, tendências exibicionistas e performáticas alimentam a procura de um efeito: o reconhecimento nos olhos alheios e, sobretudo, o cobiçado troféu de ser visto. Cada vez mais, é preciso aparecer para ser. Pois tudo aquilo que permanecer oculto, fora do campo da visibilidade – seja dentro de si, trancado no lar ou no interior do quarto próprio -, corre o triste risco de não ser interceptado por olho algum.

Na verdade, o que se quer dizer é que os indivíduos expõem sua intimidade como forma de marcar sua identidade no ambiente digital, devido à necessidade de experimentar a sensação de existência, de ser percebido pelos outros. Embora tenham essa facilidade de fazer amigos na internet, uma quantidade significativa de internautas tem extrema dificuldade de se relacionar fora da rede mundial de computadores. Por isso, a internet é o caminho mais fácil para que o sujeito se sinta percebido, isto é, sinta que é visto e, consequentemente, que existe.31 De acordo com Sibilia (2016, p. 21-22),

A visibilidade e a conexão sem pausa constituem dois vetores fundamentais para os modos de ser e estar no mundo mais sintonizados com os ritmos, os prazeres e as exigências da atualidade, pautando as formas de nos relacionarmos conosco, com os outros e com o mundo.

Ainda segundo Sibilia (2016), está havendo uma mudança radical no eixo do eu a partir do exibicionismo na internet, em razão do qual a intimidade deixa de estar protegida pelas paredes para se transformar em uma extimidade bem editada nas telas de computador. Esse exibicionismo exacerbado no ambiente digital, em razão do qual o indivíduo devassa sua própria intimidade e a apresenta aos outros, é denominado extimidade, segundo Sibilia (2016). Conforme Bauman (2013, p. 30),

A condição de ser observado e ser visto, portanto, foi reclassificada de ameaça para tentação. A promessa de maior visibilidade, a perspectiva de “estar exposto” para que todo mundo veja e observe, combina bem com a prova de

31 De acordo com Sibilia (2016, p. 126), “acompanhando as complexas transformações econômicas, sociais, políticas, culturais, tecnológicas e morais das últimas décadas, cujas sacudidas desmancharam boa parte das velhas certezas, também estaria se deslocando o eixo em torno do qual as subjetividades se edificam. Assim, por exemplo, hoje é colocada em questão a primazia da vida interior, uma entidade que desempenhou um papel fundamental na conformação subjetiva moderna. Fatores como a visibilidade e as aparências – ou seja, tudo aquilo que costumava ser avaliado como enganosa a exterioridade do eu – balizam, com uma insistência crescente, a definição do que é cada sujeito”. 52

reconhecimento social mais avidamente desejada, e, portanto, de uma existência valorizada – “significativa”.

Segundo Bruno (2013), há diversas pesquisas que demonstram o aumento do número de indivíduos que utilizam a internet em busca de oportunidades, novos relacionamentos, envolvimento com a comunidade a qual pertence, mas isso as leva a expor uma quantidade significativa de informação na internet. Ainda conforme Bruno (2013, p. 66), “esta exposição da vida pessoal desperta, de imediato, questões relativas aos limites entre o público e o privado, ao sentido de intimidade, às práticas de vigilância, entre outras”. De acordo com Vaz (2013),

É nas redes sociais que podemos perceber com clareza o fenômeno da extimidade. Este diário fugaz e universal tornou-se espaço que exposição das mais vastas intimidades, de corriqueiras a desabafos terapêuticos. Casais (sim, pessoas que compartilham o mesmo lar) se „comunicam‟ pelas redes sociais, em público. Declaram-se apaixonados e trocam ofensas. Pais colocam a foto dos filhos com uniformes escolares. Solteiros procuram parceiros em sites de relacionamento. Velórios são anunciados na rede mundial de computadores. Em shows as pessoas vêm o espetáculo através de suas lentes. Não há mais a valorização das experiências pessoais.

Nesse contexto, a estrutura palinóptica da Web serve como facilitador do resultado pretendido pela maioria desses usuários: ser, de alguma forma, percebido pelos outros. Como visto anteriormente, o palinóptico é um esquema baseado no Panóptico de Jeremy Bentham e consiste no complexo incontável de relações entre usuários (indivíduos comuns), que vigiam uns aos outros a partir de informações (íntimas, inclusive), voluntariamente expostas de uns para os outros, mas sem saber em que momento são vigiados - embora saibam estar sempre sob o olhar atento dos outros. A conjugação desses elementos – o palinoptismo, a superexposição da intimidade, a solidão interativa e a pretensão de afirmação da identidade – produz um acúmulo de informação pessoal considerável que fica à disposição de um número incontável de pessoas na rede mundial de computadores. Por isso, segundo Wolton (2003, p. 92),

O verdadeiro problema não é a satisfação das necessidades preexistentes, mas a ampliação considerável do campo de informação. Isto é, a automação, a organização, a sistematização da informação tradicional e a criação de novas 53

informações. A Web leva a crer na urgência de satisfazer as necessidades de informação do público, e que todo mundo precisaria ser informado a qualquer hora, mas no conjunto a oferta supera em muito a demanda.

Essa ampliação do campo de informação sobre pessoas na internet conduz a uma reflexão importante: não é apenas o indivíduo, que expõe sua intimidade na rede mundial de computadores, quem sofrerá possíveis consequências de permitir o acesso a essas informações, mas também aqueles sobre os quais o indivíduo disse algo serão parte nesse processo. Além disso, pode-se imaginar que a extimidade e o espalhamento das informações são capazes, portanto, de ter efeitos sobre intimidades alheias, mesmo que as informações não sejam verídicas Segundo Greco (2013, p. 761),

Não somente a divulgação de fatos inéditos pode atingir o direito de intimidade das pessoas. Muitas vezes, mesmo os fatos já conhecidos publicamente, se reiteradamente divulgados, ou se voltarem a ser divulgados, relembrando acontecimentos passados, podem ferir o direito à intimidade.

Mas por que razão, mesmo nesses casos, as informações se espalham incontrolavelmente pela internet? É no sentido de responder esta pergunta que o subcapítulo 3.2 destaca os requisitos ou condições de espalhamento das informações.

3. 2 O ESPALHAMENTO DAS INFORMAÇÕES

Segundo Jenkins, Green e Ford (2014, p. 37), “nessa cultura conectada em rede, não podemos identificar uma causa isolada que leve as pessoas a propagar informações”, mas também de acordo com Jenkins, Green e Ford (2014, p. 23), “se algo não se propaga, está morto”. Isso vem ao encontro da ideia de que o fenômeno da exposição com o propósito de estar ao alcance da visão dos outros. A extimidade, processo de exteriorização da intimidade, segundo Sibilia (2016), é o fenômeno recorrente nas manifestações na Web, afinal, ser visto é sinônimo de existir, conforme Wolton (2003), Sibilia (2016) e Bauman (2016). Mas a extimidade não é um requisito de espalhamento, mas um meio de se alcançar empatia de outros usuários da internet. Em outras palavras, trata-se de um 54

chamariz, uma estratégia para atrair a atenção de internautas nesse ambiente de vigilância contínua e descentralizada – o palinoptismo – que é a rede mundial de computadores. O conceito de extimidade será retomado mais adiante, quando se for tratar da aparência de realidade das informações que circulam e se espalham na Web. Antes disso, convém destacar as condições pelas quais ocorre o espalhamento das informações na internet, que são quatro: a infraestrutura tecnológica, a verossimilhança da informação32, a gratuidade da circulação das informações e a identidade cultural. De acordo com Shirky (2011, p. 129), há quatro condições para que o conhecimento ou informação seja compartilhado: o baixo custo de circulação – tratada neste trabalho sob a denominação gratuidade da circulação das informações -, a clareza da informação – que é tratada neste estudo como verossimilhança das informações -, uma comunidade e a cultura. Quanto às duas últimas, neste trabalho, cultura e comunidade serão abordadas como uma categoria única, pois, segundo Lévy (1999), uma comunidade que se forma no ambiente digital depende do compartilhamento de interesses comuns entre os usuários que a ela se afiliam. Além disso, conforme Hall (1997), compartilhar interesses comuns significa se identificar com uma cultura, isto é, sentir-se pertencente a ela. Portanto, com base nesses dois teóricos, optou-se, neste trabalho, por tratar comunidade e cultura como uma categoria única. Além disso, entende-se, no presente estudo, que nem sempre a circulação da informação se dará pelo membro de uma comunidade, embora exista uma relação de identidade parcial e efêmera entre indivíduos no ambiente digital. Por conta disso, atraída a atenção de outros usuários para si por meio da extimidade, deve-se dar atenção às condições a partir das quais as informações prestadas pelo sujeito se espalham na internet. No que diz respeito à infraestrutura tecnológica, tudo começou com o e-mail, depois, vieram os chats e também as ferramentas de trocas de mensagens instantâneas (ICQ, MSN). E seguida, surgiram as redes de interação social (Twitter,

32 Verossimilhança, segundo Abbagnano (1982, p. 962), significa “o que é semelhante à verdade, sem ter a pretensão de ser verdadeiro (no sentido por ex. de apresentar um fato ou um conjunto de fatos), (...) é o caráter de enunciados, teorias e expressões que não contradizem as regras da possibilidade lógica ou as das possiblidades técnicas ou humanas”. 55

Orkut, Facebook, Instagram, etc) e sites de compartilhamento de vídeos amadores (YouTube). Além disso, aplicativos de comunicação móvel instantânea, como o WhatsApp, e equipamentos eletrônicos como câmeras fotográficas em smartphones e em laptops com acesso à internet sem fio também estimularam essa prática de espetacularização da intimidade. Os blogs, espécie de diários íntimos virtuais, cumpriram um papel bastante significativo nesse processo de rompimento de barreira entre o íntimo e secreto e a informação de conhecimento público (SIBILIA, 2016). Segundo Wolton (2003, p. 87),

Mais ainda, as novas tecnologias encorajam a capacidade de criação. Existe na realidade um imaginário, e uma criação ligada à Net, que retoma um pouco a cultura dos quadrinhos, as imagens da televisão, a velocidade, os grafites e se interessa em descobrir uma outra escrita. A Internet, após a televisão e o rádio em suas épocas, relança um imaginário, uma procura de estilos e de forma que exprimem a modernidade. Estas técnicas são ao mesmo tempo veículos de outras formas de cultura e de espaços de criação da cultura contemporânea.

Ainda de acordo com Wolton (2003, p. 88),

Não somente a história não terminou como também a multimedia abre uma outra história da comunicação, do trabalho, das relações pessoais, dos serviços. Tudo se abre novamente, tudo pode ser redesenhado, tudo é possível, por pouco que se tenha de imaginação, e isso, como já vimos, sem o peso da hierarquia social.33

Tudo isso se consolidou no que passou a ser chamado de Web 2.0. Trata-se de um conceito que designa a participação e a interação do usuário com as ferramentas de comunicação e aplicações na internet. Conforme Jenkins, Green e Ford (2014, p. 74),

Os princípios da Web 2.0 motivam o público a participar da construção e da customização de serviços e mensagens, em vez de esperar que as empresas lhes apresentem experiências completas formadas em sua totalidade.

Conforme Bruno (2013, p. 60), “nas atuais plataformas da web 2.0, passamos da tentativa de ingresso na mídia para a possibilidade de o indivíduo ser sua própria mídia e criar, consequentemente, seu próprio público”.

33 Comunicação, de acordo com Abbagnano (1982, p. 148), “vem a ser sinônimo de coexistência ou de vida com os outros e indica o conjunto dos modos específicos em que pode empostar-se a coexistência humana”. A propósito, também conforme Abbagnano (1982, p. 148), “os homens formam uma comunidade porque se comunicam, isto é, porque podem participar reciprocamente dos seus modos de ser, que assim adquirem novos e imprevisíveis significados”. 56

Essa mudança – de distribuição para circulação – sinaliza um movimento na direção de um modelo mais participativo de cultura, em que o público não é mais visto como simplesmente um grupo de consumidores de mensagens pré- construídas, mas como pessoas que estão moldando, compartilhando, reconfigurando e remixando conteúdos de mídia de maneiras que não poderiam ter sido imaginadas antes. E estão fazendo isso não como indivíduos isolados, mas como integrantes de comunidades mais amplas e de redes que lhes permitem propagar conteúdos muito além de sua vizinhança geográfica. (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 24).

Segundo Jenkins, Green e Ford (2014, p. 66), “muitas das principais ferramentas e plataformas, através das quais o material é difundido, operam de acordo com os princípios da Web 2.0”. A Web 2.0 permite uma ampla participação do usuário na criação e na difusão da informação pela internet, é uma prática denominada do it yourself (ou, faça você mesmo), conforme Jenkins, Green e Ford (2014, p. 92):

O material que surge a partir do DIY (Do it yourself, ou “faça você mesmo”) ou das comunidades de fãs fornece um veículo através do qual as pessoas compartilham suas opiniões particulares com o mundo, opiniões essas muitas vezes não representadas na mídia de massa. Quando os membros do público propagam esse conteúdo de uma comunidade para outra é porque têm interesse na circulação dessas mensagens. Eles estão adotando um material significativo para si em função de este ter um valor dentro de suas redes sociais, além de facilitar as conversas que querem manter com seus amigos e familiares.

Nesse contexto, destaca-se outra condição de propagabilidade das informações na internet. Além da infraestrutura tecnológica, a circulação gratuita, sem dúvida, tem um forte impacto sobre o espalhamento na rede mundial de computadores. Tome-se como exemplo o sucesso que fez o Napster. Segundo Shirky (2011), o triunfo dessa ferramenta de compartilhamento de músicas por meio da internet decorreu de três fatores: a gratuidade do compartilhamento, ou seja, custo “zero” para enviar e receber músicas; a simplicidade da ferramenta, isto é, a facilidade de operar a sua principal funcionalidade: compartilhar música; a criação de um sistema que pudesse unir os dois primeiros fatores. Conforme Shirky (2011, p. 129),

Nossas ferramentas tecnológicas para tornar a informação globalmente disponível e encontrável por amadores, a custo marginal zero, representam, assim, um enorme choque positivo para a combinabilidade do conhecimento.

De acordo com Jenkins, Green e Ford (2014, p. 66), 57

Muitas vezes, as mídias que favorecem a mobilidade também são de baixo custo, permitindo sua distribuição por mais pessoas e entre mais pessoas, o que resulta numa comunicação mais descentralizada.

Os sites e aplicativos de redes sociais mais utilizados pelos brasileiros – Facebook, Instagram e WhatsApp -, de acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2016), são todos gratuitos. Segundo Shirky (2011, p. 134), narrando um caso real de uso de um desses sites de redes sociais, o Facebook “distribui informação por um grupo social conhecido de maneira barata, instantânea e sem a necessidade de que os participantes estejam num mesmo tempo e espaço”. Esses sites e aplicativos de redes sociais consagram os princípios da chamada Web 2.0, porque conferem aos seus usuários o poder de criar e fazer circular as informações que produzem sem depender de outras pessoas ou ferramentas. De acordo com Jenkins, Green e Ford (2014), as empresas e os gestores das marcas estão ficando mais atentos à essa nova realidade em que o usuário participa ativamente, criando o conteúdo que vai ser publicado e respondendo àqueles que são disponibilizados, inclusive, por outros usuários. É por isso que organizações se voltaram para os usuários no processo de publicidade de seus produtos. Segundo Sibilia (2016, p. 47), sabe-se, por exemplo, que

(...) quando a pessoa que recomenda um produto é funcionária da empresa em questão, o impacto de sua fala pode ser oito vezes superior ao que consegue um canal oficial, e esse tipo de anúncio chega a ser compartilhado muito mais vezes nas redes sociais.

Essas proposições de Jenkins, Green e Ford (2014) e de Sibilia (2016) se conjugam e demonstram que a razão do interesse das organizações pela atividade dos usuários na internet diz respeito à fidelidade de tudo aquilo que esses sujeitos publicam na internet. Dito de outra forma, as empresas estão cada vez mais interessadas nos usuários porque são eles que comentam, curtem e publicam vídeos, textos, fotos e comentários sobre produtos e serviços. Logo, parecem mais reais os discursos desses indivíduos que usam a internet e que falam dos produtos e serviços dessas empresas porque também os consomem, isto é, não é a organização falando sobre aquilo que produz, mas o destinatário final falando sobre o produto ou serviço que experimentou. Por isso tudo o que esse usuário disser a respeito dos produtos na internet parecerá 58

mais verdadeiro do que a propaganda encomendada e feita pelo próprio comerciante. Essa é a segunda condição de propagabilidade das informações na internet: a verossimilhança ou aparência de realidade da informação. Convém destacar que não é apenas por interesses comerciais que as informações circulam e se espalham pela internet. De acordo com Jenkins, Green e Ford (2014, p. 63),

(...) a circulação de conteúdo de mídia dentro da cultura participativa pode servir a uma variedade de interesses, alguns deles culturais (como promover um dos sexos ou um artista), outros pessoais (como fortalecer os laços sociais entre amigos), ou políticos (como criticar a construção do gênero e da sexualidade dentro da mídia de massa) e econômicos (como os que servem às necessidades imediatas de indivíduos comuns, assim como aqueles que atendem às necessidades das indústrias de mídias).

A informação prestada pelo usuário da internet está diretamente ligada à figura do influenciador, ou influencer. De acordo com Sibilia (2016), quanto mais honesto parecer o gesto daquele que fala, maior será o potencial de influência do que se disse. Sibilia (2016) cita dois exemplos de como a aparência de veracidade de um discurso é um elemento-chave para seu espalhamento. O primeiro deles é o da blogueira Gabriela Pugliesi, cujas publicações tinham relação com estilo de vida fitness, dicas sobre dieta, vestimenta, entre outros. Seus milhares de seguidores, sempre atentos aos posts, passaram a vê-la com “maus olhos” quando a blogueira decidiu abandonar seu trabalho em um escritório para “viver” das publicações em blog e sites de redes sociais. Para os seguidores, a atitude de Pugliesi se mostrou um atentado à fidelidade das publicações, afinal, a profissionalização da atividade de postar não é real como o discurso de uma pessoa “comum”. Outro exemplo é de Essena O‟Neill, blogueira australiana que, em 2015, decidiu contar “a verdade” sobre suas publicações. A celebridade da internet afirmou que aquilo não era a vida real e que recebia cerca de cinco mil dólares para fazer publicações, escrever na internet e divulgar fotos suas. O ato de hostilidade contra aqueles que supostamente a contratavam gerou diversas reações nos internautas, mas o principal efeito foi aumentar o número de seguidores, considerando aqueles que a moça já tinha antes da “revolta”: cerca de 700 mil. A veracidade dos enunciados dos influencers, então, está diretamente ligada ao contexto no qual o sujeito enunciador – o influencer – se encontra. É a pessoa comum, 59

não a celebridade, que passa a ser seguida e a influenciar pessoas. Como o “lugar” do qual fala ou enuncia é igual ao de seu espectador, ouvinte ou interpretante, então seu enunciado ou fala parecerá mais real àqueles que experimentam a mesma situação, que estão no mesmo contexto ou “local” de fala. Por isso, segundo Sibilia (2016), o sucesso das campanhas publicitárias que têm como agentes pessoas comuns – embora, muitas vezes, sejam contratadas pelas empresas interessadas na divulgação de seu produto – se deve à autenticidade do discurso ou enunciado, ou seja, a aparência de realidade do que diz por ser alguém comum é o combustível no marketing dessas empresas. Mas por que razão uma pessoa comum passa a ser seguida ou a receber a atenção de outros usuários na internet? Isso ocorre por um processo de adesão. Segundo Jenkins, Green e Ford (2014, p. 37), “as pessoas em geral são receptivas a conteúdos de mídia propagados por amigos (pelo menos os que são divulgados pelos que têm discernimento), pois isso reflete interesses em comum”. Amigos, ou não, os usuários são mais receptivos às mensagens cujo conteúdo revelem algo que lhes interesse, conforme as teorias apresentadas inclusive neste subcapítulo. Essa comunhão de interesses envolve aquilo que a que se dá o nome de identidade. De acordo com Tavares (2010, p. 02),

Através da Web 2.0 o internauta encontrou um grande espaço para debater suas idéias (sic), de maneira democrática, estabelecendo conexões com outros usuários da rede. Para um interagente sobressair-se diante dos demais, é necessário que seu persona se torne popular na rede, mesmo que essa construção de identidade não esteja condizente com sua personalidade no mundo real.

Conforme Da Silva (2000, p. 01),

Em uma primeira aproximação, parece ser fácil definir "identidade". A identidade é simplesmente aquilo que se é: "sou brasileiro", "sou negro", "sou heterossexual", "sou jovem", "sou homem". A identidade assim concebida parece ser uma positividade ("aquilo que sou"), uma característica independente, um "fato" autônomo. Nessa perspectiva, a identidade só tem como referência a si própria: ela é autocontida e auto-suficiente (sic). Na mesma linha de raciocínio, também a diferença é concebida como uma entidade independente. Apenas, neste caso, em oposição à identidade, a diferença é aquilo que o outro é: "ela é italiana", "ela é branca", "ela é homossexual", "ela é velha", "ela é mulher". Da 60

mesma forma que a identidade, a diferença é, nesta perspectiva, concebida como auto-referenciada (sic), como algo que remete a si própria. A diferença, tal como a identidade, simplesmente existe.

Ainda de acordo com Da Silva (2000), a identidade carrega consigo uma afirmação e uma negação simultaneamente, pois o sujeito diz “ser assim” ou “ser aquilo”, mas porque ele “não é daquele outro jeito” ou “não é aquele outro”. Por isso, conforme mencionado anteriormente, segundo Woodward (2014), a identidade é referencial, pois parte de pontos de referência. Na internet aparece nas demonstrações de adesão a um determinado ponto de vista, o apoio a determinadas pessoas, a afirmação de um posicionamento acerca de determinado fato, dentre outros. A identidade, na rede mundial de computadores, surge em todas as manifestações, inclusive naquelas em que o indivíduo expõe sua intimidade, pois são nessas ocasiões que o usuário apresenta aos demais sua subjetividade, isto é, como pensa, o que prefere, como se sente, etc. Segundo Recuero (2012), conforme visto anteriormente, os indivíduos constroem suas identidades na internet de diversas formas, dentre elas, comentários, fotos, nomes ou nicknames, pessoas que seguem em uma determinada rede social, likes ou curtidas, e tantas outras que não seria possível enumerar em tão breve espaço. Em resumo, as informações se espalham por essas razões, que foram resumidas na Figura 6 a fim de retomar as causas de espalhamento em forma de síntese.

Figura 6: Requisitos (condições) e o pressuposto para o espalhamento das informações na internet.

Fonte: Elaboração do autor.

61

As informações que se espalham pela internet carregam consigo muito da identidade daqueles usuários que as propagam. Dito de outra forma, a opinião pessoal, as preferências individuais, as pessoas de que gosta e as pessoas de que não gosta, as fotografias, os fatos da vida privada e qualquer aspecto da intimidade estão amplamente presentes na rede mundial de computadores, sem que sua divulgação possa ser totalmente sob o controle de seu titular. Essa falta de controle pode trazer malefícios àqueles que são objeto da informação, bem como àqueles que divulgam a informação que se espalha, dentre eles, as pessoas que estão sendo acusadas de cometerem um crime, embora não tenham sido condenadas formalmente pelo Poder Judiciário, como determina a legislação. Utilizando a revisão bibliográfica e o estudo multicaso, o capítulo deste trabalho que versa sobre a metodologia tratará do espalhamento das informações na internet como base para reinserção do suplício como forma de punir. Baseando-se nos dois primeiros, o último capítulo deste trabalho versará sobre as relações entre espalhamento das informações, palinoptismo e suplício a fim de demonstrar que aquela sanção passa a ser novamente aplicada no ambiente digital.

62

4 ROTEIRO METODOLÓGICO

Trata-se de uma pesquisa exploratória porque, após um levantamento feito através da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD, como apontado no capítulo introdutório desta dissertação, não foram encontradas dissertações ou teses tratando do tema desta proposta de estudo. Logo, pretende-se realizá-lo para criar uma base teórica sobre o assunto para compreender os fenômenos e conceitos envolvidos na pesquisa, dando suporte para novos trabalhos acerca do tema. A propósito, segundo Prodanov e Freitas (2013, p. 52), uma pesquisa exploratória é aquela que

(...) tem como finalidade proporcionar mais informações sobre o assunto que vamos investigar, possibilitando sua definição e seu delineamento, isto é, facilitar a delimitação do tema da pesquisa; orientar a fixação dos objetivos e a formulação das hipóteses ou descobrir um novo tipo de enfoque para o assunto. Assume, em geral, as formas de pesquisas bibliográficas e estudos de caso.

Assim, tendo em vista o problema de pesquisa, que consistia em saber os internautas são capazes de induzir a aplicação do suplício através do espalhamento de informações na internet, o objetivo geral do trabalho era avaliar se a aplicação dessa punição corporal, física ou psicológica, pode ser induzida pelos usuários da web através do espalhamento de informações na rede mundial de computadores. Por conseguinte, eram três os objetivos específicos desta dissertação: 1) analisar o conceito de suplício (FOUCAULT, 1999) e elencar os requisitos para que uma punição possa classificada como suplício; 2) demonstrar as relações que há entre a extimidade, o panoptismo e suas variações contemporâneas e o espalhamento de informações na internet; 3) verificar se o suplício é aplicado pelos internautas a partir da rede mundial de computadores. Em relação à metodologia necessária a alcançar os objetivos propostos, utilizou- se a revisão bibliográfica e o estudo multicaso através de análise de conteúdo.

63

4. 1 PRIMEIRO PASSO DO PERCURSO METODOLÓGICO: A REVISÃO BILBIOGRÁFICA

Conforme Prodanov e Freitas (2013), a revisão bibliográfica consiste na consulta de material já publicado, em vários suportes materiais, pelos quais o pesquisador tomará conhecimento do assunto abrangido pelo estudo. Os conceitos abordados na pesquisa, que dependem de revisão bibliográfica, são: o suplício (FOUCAULT, 1999), o panoptismo e suas variações contemporâneas (FOUCAULT, 1999; MATHIESEN, 1997; BIGO, 2006; BRUNO, 2013), a extimidade (SIBILIA, 2016) e o espalhamento das informações (JENKINS, FORD e GREEN, 2014). Todos eles são discutidos a partir das obras dos autores de base, bem como de artigos científicos que versem sobre cada um deles em contextos próximos ao tema da dissertação. No capítulo 2 são abordados os conceitos de suplício e de Panóptico, bem como dos desdobramentos contemporâneos desse: o Ban-Óptico, o Sinóptico e o Palinóptico. Ainda no capítulo 2, por meio de revisão bibliográfica, esclarece-se a relação entre o corpo e a mente, pois o suplício pode consistir, como visto, em sofrimento físico, ou no abalo psicológico. No capítulo 3, a revisão bibliográfica contempla o conceito de espalhamento de informações e dos requisitos necessários para que uma informação seja espalhada pelos internautas.

4. 2 SEGUNDO PASSO DO PERCURSO METODOLÓGICO: O ESTUDO MULTICASO

Simultaneamente à revisão bibliográfica, que foi elencada como o primeiro passo do percurso metodológico, a pesquisa também utilizou o estudo multicaso, afinal foram três os casos submetidos a estudo. Segundo Gil (2008, p. 57-58), o estudo de caso, em geral

(...) é caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira a permitir o seu conhecimento amplo e detalhado, tarefa praticamente impossível mediante os outros tipos de delineamentos considerados. 64

De acordo com Prodanov e Freitas (2013, p. 60),

O estudo de caso consiste em coletar e analisar informações sobre determinado indivíduo, uma família, um grupo ou uma comunidade, a fim de estudar aspectos variados de sua vida, de acordo com o assunto da pesquisa. É um tipo de pesquisa qualitativa e/ou quantitativa, entendido como uma categoria de investigação que tem como objeto o estudo de uma unidade de forma aprofundada, podendo tratar-se de um sujeito, de um grupo de pessoas, de uma comunidade etc. São necessários alguns requisitos básicos para sua realização, entre os quais, severidade, objetivação, originalidade e coerência.

O trecho acima citado mostra que há quatro requisitos básicos para a realização de um estudo de caso, quais sejam: severidade, objetivação, originalidade e coerência. A severidade diz respeito ao rigor técnico da pesquisa consistente na seleção do objeto de estudo e da escolha das amostras desse objeto, bem como à elucidação do contexto no qual eles (o objeto e as amostras) estão inseridos. A objetivação está diretamente relacionada à delimitação exata do propósito da pesquisa a fim de que não se realize o estudo de caso sem um pretexto bem definido. A originalidade está conectada à novidade do trabalho, o que no caso em tela se verifica a partir da inexistência de dissertações e teses sobre o tema deste trabalho. Por fim, a coerência está ligada à adequação do meio e do fim. A esse requisito, deve-se dar um pouco mais de atenção. Conforme Yin (2001, p. 32), o estudo de caso é um exame empírico “que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto na vida real”. Sendo assim, a utilização do estudo multicaso34 nesta dissertação é, sim, coerente. Isso porque há um fenômeno da vida real em curso – as manifestações culturais na internet pelas quais pode-se inferir que o suplício voltou a ser aplicado – que ainda não foi elucidado teoricamente. Por isso o estudo de caso é adequado. De acordo com Prodanov e Freitas (2013, p. 62),

(...) o estudo de caso vem sendo utilizado com frequência pelos pesquisadores sociais, visto servir a pesquisas com diferentes propósitos, como: - explorar situações da vida real cujos limites não estejam claramente definidos; - descrever a situação do contexto em que está sendo feita determinada investigação; - explicar as variáveis causais de determinado fenômeno em situações muito complexas que não possibilitem a utilização de levantamentos e experimentos.

34 Trata-se da aplicação do estudo de caso a mais de um caso, por isso o nome estudo multicaso em vez de estudo de caso, simplesmente. 65

Considerando o tema e os objetivos da presente dissertação, foi escolhido mais de um caso para realizar o estudo. Para isso, autor do trabalho buscou informações, através do Google, de três casos eleitos aleatoriamente porque tiveram repercussão em portais de notícias na internet. Esses casos ocorreram entre 2015 e 2017 e têm a ver com o tema do presente estudo, pois, além de terem repercutido, apontaram indícios de que ao menos um dos protagonistas35 de cada caso foi submetido ao prejulgamento de internautas, mediante manifestações na web. Nos subcapítulos a seguir, far-se-á a descrição resumida dos casos, bem como a descrição do método de busca de informações relativas a cada um deles.

4. 2. 1 A festa “The Box Reveião”

Em janeiro de 2016, uma jovem de 24 anos e o segurança da festa na qual ambos estavam se envolveram em um incidente que se espalhou na internet. O fato ocorreu em Brasília, Distrito Federal, durante uma festa de reveillon chamada The Box Reveião. No dia seguinte ao evento, a jovem publicou em sua página pessoal, no site de redes sociais Facebook, uma foto de um kit de medicamentos antirretrovirais associado ao texto que ela escreveu, onde narrou uma suposta agressão sexual sofrida de um segurança que trabalhava na festa em que ela estava. Informações sobre o ocorrido se espalharam pela rede mundial de computadores. A partir da publicação no site de redes sociais, as informações sobre o caso se espalharam, tendo sido noticiadas, por exemplo, pelos portais eletrônicos de notícias R7.COM (2016), TVUOL (2016), CORREIO Braziliense (2016). Dentre eles, há entrevista com o suspeito da agressão, bem como menções à publicação que a jovem fez no Facebook, por intermédio do recurso print screen. Há também no site TVUOL

35 Protagonista, no sentido pretendido neste estudo, é toda pessoa que praticou o fato narrado na notícia que, em tese, pode ser considerado um crime, independentemente de investigação policial ou processo judicial, iniciados ou concluídos. 66

(2016), um vídeo da matéria realizada pelo Jornal Band News, que foi transmitida em canal de televisão aberta da emissora Bandeirantes. Para encontrar essas informações, utilizou-se o Google e no campo de inserção dos critérios de pesquisa, foram inseridos os seguintes: “festa” e “the box reveião”. Feito isso, clicou-se na aba “Notícias” do referido site. Nas configurações da pesquisa, selecionou-se a opção “10 resultados por página”. Foram encontrados aproximadamente 1.080 resultados e, dentre os dez primeiros links que aparecem na primeira página de resultados, sete deles têm relação com o caso narrado. Entre os resultados da primeira página de respostas à busca, encontram-se matérias sobre o caso nos sites dos portais Globo.com, Folha de São Paulo, R7, Jornal de Brasília, Catraca Livre e Diário de Pernambuco (Figuras 7 e 8).

Figura 7: Resultado de busca sobre o caso Festa The Box Reveião

Fonte: Google.36

36 Disponível em: . Acesso em: 28 mai. 2017.

67

Figura 8: Resultado de busca sobre o caso Festa The Box Reveião (continuação)

Fonte: Google.37

4. 2. 2 O Porquinho-da-Índia no forno micro-ondas

Outro caso selecionado para estudo ocorreu em Estância Velha, Município da Região Metropolitana de , no Estado do Rio Grande do Sul. Naquela cidade, em 2017, uma adolescente foi destaque em sites de redes sociais e em notícias

37 Disponível em: . Acesso em: 28 mai. 2017.

68

espalhadas pela internet, depois que supostamente colocou um Porquinho-da-Índia no forno micro-ondas ligado. De acordo com buscas preliminares sobre o caso, a jovem teria colocado o animal dentro do eletrodoméstico ligado para transmitir as cenas em sua página pessoal no Twitter (STÜRMER, 2017). O incidente repercutiu rapidamente e ganhou grandes proporções. Começou nos comentários à publicação no Twitter feito pela adolescente. Segundo a matéria publicada por Stürmer (2017), uma hashtag no Twitter, que pedia a punição da suspeita de ter praticado a ação apareceu na primeira posição dos trending topics do site de redes sociais. Portais de notícias, como por exemplo a matéria feita por Szpacenkopf (2017a), publicaram destaques jornalísticos sobre o assunto. Esses dados foram obtidos seguindo o mesmo procedimento adotado no caso do subcapítulo 4. 2. 1, isto é, utilizou-se o Google e o critério “Notícias”. No campo de inserção dos critérios de pesquisa, foram inseridos os seguintes termos: “porquinho-da- índia” e “Estância Velha”. A busca retornou oito resultados, sendo que três tratam sobre caso, conforme apresentado nas Figuras 9 e 10.

Figura 9: Resultado de busca sobre o caso O Porquinho-da-Índia no forno micro-ondas

Fonte: Google.38

38 Disponível em: .Acesso em: 28 mai. 2017. 69

Figura 10: Resultado de busca sobre o caso O Porquinho-da-Índia no forno micro-ondas (continuação)

Fonte: Google.39

39 Disponível em .Acesso em: 28 mai. 2017. 70

4. 2. 3 Suspeita de agressão no Big Brother Brasil 2017

Na 17ª edição do programa intitulado Big Brother Brasil, transmitido pela Rede Globo, houve um incidente envolvendo dois participantes. O caso se tornou caso de polícia e informações sobre ele se espalharam na internet. Conforme os relatos que se alastraram na rede mundial de computadores, um dos participantes, que é médico, teria supostamente agredido uma participante do reality show, com quem mantinha um relacionamento afetivo. O protagonista do episódio foi expulso do programa e passou a ser investigado pela Polícia Civil. Várias manifestações em páginas de sites de redes sociais e também em matérias publicadas em portais de notícias se espalharam. Adotando-se a mesma estratégia dos dois subcapítulos anteriores, a partir dos termos de pesquisa “participante”, “expulso” “big brother brasil” e “17”, obteve-se aproximadamente 4.540 resultados, conforme a Figura 11.

Figura 11: Resultados da busca sobre o caso da suspeita de agressão no Big Brother Brasil 2017

Fonte: Google.40

40 Disponível em: . Acesso em: 28 mai. 2017. 71

4. 3 ANÁLISE DE CONTEÚDO

Nesta dissertação, o estudo dos casos propostos foi realizado através da análise de conteúdo (AC). A análise de conteúdo, segundo Bardin (1977, p. 31), “é um conjunto de técnicas de análise das comunicações”, cujos objetivos, dentre outros inúmeros possíveis, podem ser:

Pôr em evidência a “respiração” de uma entrevista não directiva; -Desmascarar a axiologia subjacente aos manuais escolares; -Estabelecer uma tipologia das aspirações maritais, nos anúncios matrimoniais do chasseur français; -Medir a implicação do político nos seus discursos (BARDIN, 1977, p. 31-32).

Ainda conforme Bardin (1977), a análise de conteúdo pode ser definida com um complexo de técnicas voltado para a análise de comunicações, através de procedimentos objetivos pelos quais se procede à descrição do conteúdo analisado. Trata-se, então, de um modelo esquemático pelo qual se faz uma análise descritiva das comunicações. A principal função da análise de conteúdo, enquanto metodologia, é revelar o sentido das comunicações que se analisa, por uma perspectiva crítica com que se deve proceder à aplicação dessa técnica (BARDIN, 1977). Segundo Gil (2008, p. 152), “O grande volume de material produzido pelos meios de comunicação de massa e a criação de técnicas para sua quantificação determinaram o desenvolvimento da análise de conteúdo (...)”. Isso vem ao encontro da fonte de amostras deste trabalho, a internet, sobre a qual se falará mais com mais detalhes depois. De acordo com Chizzotti (2006, p. 98), “o objetivo da análise de conteúdo é compreender criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas”. Conforme Herscovitz (2007, p. 127),

A análise de conteúdo pode ser empregada em estudos exploratórios, descritivos ou explanatórios. Os pesquisadores que utilizam a análise de conteúdo são como detetives em busca de pistas que desvendem os significados aparentes e/ou implícitos dos signos e das narrativas jornalísticas, expondo tendências, conflitos, interesses, ambiguidades ou ideologias presentes nos materiais examinados. 72

A análise de conteúdo se desdobra em três fases, que são: (1ª) pré-análise; (2ª) exploração do material; (3ª) tratamento dos dados, deduções e interpretações (GIL, 2008). Ainda conforme Gil (2008, p. 152-153), esses desdobramentos podem ser assim esmiuçados:

A pré-análise é a fase de organização. Inicia-se geralmente com os primeiros contatos com os documentos (leitura flutuante). A seguir, procede-se à escolha dos documentos, à formulação de hipóteses e à preparação do material para análise. A exploração do material constitui, geralmente, uma fase longa e fastidiosa que tem como objetivo administrar sistematicamente as decisões tomadas na pré- análise. Refere-se fundamentalmente às tarefas de codificação, envolvendo: o recorte (escolha das unidades), a enumeração (escolha das regras de contagem) e a classificação (escolha de categoria). O tratamento dos dados, a inferência e a interpretação, por fim, objetivam tornar os dados válidos e significativos. Para tanto são utilizados procedimentos estatísticos que possibilitam estabelecer quadros, diagramas e figuras que sintetizam e põem em relevo as informações obtidas. À medida que as informações obtidas são confrontadas com informações já existentes, pode-se chegar a amplas generalizações, o que torna a análise de conteúdo um dos mais importantes instrumentos para a análise das comunicações de massa.

Obedecendo às fases acima citadas, a partir dos casos escolhidos para estudo através de análise de conteúdo, foi realizada a escolha dos objetos a serem analisados: notícias publicadas em portais de notícias na internet, que versam sobre os casos selecionados para estudo. Na ocasião, também foi realizada uma pré-leitura de informações sobre os casos selecionados, conforme visto nas seções 4. 2. 1, 4. 2. 2 e 4. 2. 3. Delimitado o objeto - notícias sobre os casos a serem estudados, publicadas em portais de notícias na internet -, ainda na primeira fase da análise de conteúdo (pré- análise), foram selecionadas as amostras do objeto (corpus) para serem submetidas à análise.41 Foram escolhidas como amostras (corpus) todas as notícias que aparecem na primeira página de resultados da busca feita sobre cada caso no Google. Convém destacar que, no processo de busca realizada através do referido site, foi escolhida a opção de mostrar dez resultados por página, na aba “Configurações”. Sobre o caso

41 Para garantir que os dados necessários estivessem disponíveis ao autor do trabalho quando fosse executar as demais fases da análise de conteúdo, optou-se por salvar no computador todas as notícias, em arquivo com a extensão .PDF. Tal processo não comprometeria a integridade das informações, tampouco desnaturaria seu conteúdo, caso não estivessem mais disponíveis na web. 73

descrito na seção 4. 2. 1, foram escolhidas nove notícias, segundo o procedimento antes mencionado, cujos links de acesso constam na Tabela 1.

Tabela 1: Notícias sobre o caso da Festa "The Box Reveião" 1) Mulher que disse ter sido estuprada em réveillon vira ré por falsa denúncia.42 2) Jovem que denunciou suposto estupro em Réveillon vira ré na Justiça.43 3) Mulher de 24 anos diz ter sido estuprada em festa de réveillon no DF44 4) Jovem acusa segurança de estupro em festa de Ano Novo em Brasília.45 LISTA DAS NOTÍCIAS 5) Segurança suspeito de estuprar jovem em festa de Réveillon presta 46 SOBRE O CASO depoimento em Brasília. 6) Jovem que denunciou suposto estupro em festa é absolvida após ser RESUMIDO NA SEÇÃO acusada de calúnia.47 4. 2. 1 7) Jovem alega ter sido estuprada por segurança em festa de Réveillon em Brasília.48 8) Após denúncia de estupro em festa, acusado diz que ato foi consentido.49 9) Sem provas, polícia rejeita indiciar segurança por suposto estupro no DF.50 Fonte: elaboração do autor.

Quanto ao caso resumido na seção 4. 2. 2, foram escolhidas três notícias, adotando-se aquele mesmo procedimento51. Os links de acesso às matérias constam na Tabela 2. Também foram salvas em arquivo de extensão .PDF todas as três matérias.

Tabela 2: Endereços eletrônicos das matérias sobre o caso do Porquinho-da-Índia no forno micro-ondas LISTA DAS 1) Crueldade: youtuber posta vídeo colocando porquinho-da-índia em microondas.52

42 Fonte: G1 DF (2016A). 43 Fonte: ALMEIDA (2016). 44 Fonte: G1 DF (2016B). 45 Fonte: FOLHA de São Paulo (2016). 46 Fonte: R7.COM (2016) 47 Fonte: JORNAL de Brasília (2016). 48 Fonte: CATRACA Livre (2016). 49 Fonte: DIÁRIO de Pernambuco (2016). 50 Fonte: G1 DF (2016c). 51 Todas as matérias jornalísticas que aparecem como resultado de busca no Google, nas dez primeiras páginas. 52 Fonte: BLASTING News (2017). 74

NOTÍCIAS SOBRE O 2) Adolescente posta vídeo de porquinho-da-índia dentro de micro-ondas CASO RESUMIDO ligado.53

NA SEÇÃO 4. 2. 2 3) Adolescente que colocou porquinho no micro-ondas está “chorando muito e sem dormir”.54 Fonte: elaboração do autor.

Por fim, sobre o terceiro caso, que foi narrado na seção 4. 2. 3, foram escolhidas oito notícias, adotando-se aquele mesmo procedimento adotado nos dois primeiros casos55. Na Tabela 3 estão os links para cada uma das oito matérias selecionadas, todas salvas no computador, em arquivo de extensão .PDF.

Tabela 3: Endereços eletrônicos das matérias sobre o caso do participante expulso do reality show Big Brother Brasil 17 1) Após agressão, Marcos é expulso do “BBB 17”.56 2) Expulso do “BBB 17”, Marcos pede desculpas em rede social.57 3) “BBB 17”: Antes de ser expulso, Marcos foi notificado em processo por danos morais.58 LISTA DAS NOTÍCIAS 4) Marcos é o 3º participante expulso do “BBB”; relembre outros casos.59 SOBRE O CASO 5) Marcos é o 3º participante expulso do “Big Brother Brasil”!. Relembre RESUMIDO NA SEÇÃO outros casos.60 4. 2. 3 6) Marcos diz sentir pena de quem acredita em um relacionamento dele com Emilly.61 7) BBB 17: Marcos faz ato proibido, leva bronca grave e pode ser expulso.62 8) BBB 17: Emilly e Marcos cometem infração gravíssima e podem ser expulsos.63 Fonte: elaboração do autor.

Em resumo, dos três casos que estudados, foram escolhidas nove notícias sobre o primeiro, três sobre o segundo e oito sobre o terceiro. Em que pese tenha sido

53 Fonte: Stürmer (2017). 54 Fonte: Szpacenkopf (2017a). 55 Todas as matérias jornalísticas que aparecem como resultado de busca no Google, nas dez primeiras páginas. 56 Fonte: O Globo (2017). 57 Fonte: Estado de Minas (2017). 58 Fonte: Szpacenkopf (2017b) 59 Fonte: Neves (2017). 60 Fonte: Almeida (2017). 61 Fonte: Mundo de Notícias (2017). 62 Fonte: É Manchete! (2017a) 63 Fonte: É Manchete! (2017b) 75

selecionado um número distinto de notícias acerca de cada caso submetido a estudo, vale lembrar que houve rigor metodológico no processo de escolha, pois foi adotado o mesmo procedimento, em todos os três casos, para procurar notícias sobre eles através do Google. Além disso, as amostras selecionadas foram escolhidas dentre aquelas que aparecessem entre os dez primeiros da primeira página de resultados e que, no seu contexto, tivessem relação direta com os casos estudados. A Figura 12 sintetiza esses passos da pré-análise.

Figura 12: Procedimentos da fase de pré-análise

Fonte: elaboração do autor.

Feita a seleção das amostras (corpus), determinou-se as categorias de análise que, conforme Yin (2001), servem de bússola para a análise das amostras selecionadas, bem como embasam outras fases da análise de conteúdo: a exploração do material e o tratamento dos dados. Para melhor orientar o estudo, fez-se a separação das categorias em duas: àquelas que se referem à instigação da aplicação do suplício por meio da internet, e àquelas que se referem ao espalhamento das informações. 76

Quanto às categorias de análise da instigação ou induzimento à aplicação do suplício através da internet, foram selecionados termos que remetem ao significado de suplício. Para tanto, buscou-se, primeiro, o significado de suplício segundo a versão online do MICHAELIS Moderno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (2017), de acordo com a Figura 13.

Figura 13: Significados de suplício segundo o MICHAELIS Moderno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (2017).

Fonte: MICHAELIS Moderno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (2017).

A partir da Figura 13, foram selecionadas as principais palavras que fazem remissão ao significado de suplício: (1) punição, (2) dor, (3) sofrimento, (4) aflição e (5) tortura. Depois, buscou-se o significado de cada uma das cinco palavras escolhidas (Tabela 4).

Tabela 4: Categorias de análise da aplicação do suplício por meio da internet PALAVRA SIGNIFICADOS 1) Ato de punir. 2) Castigo imposto a alguém. Punição 3) Pena prescrita por um juiz a uma pessoa que cometeu algum delito. 4) Qualquer situação dolorosa ou desagradável que alguém tem a obrigação de 77

suportar. 1) Sensação desagradável ou penosa, de intensidade variável, causada por um estado anômalo do organismo ou parte dele e mediada pela estimulação de fibras nervosas que levam os impulsos dolorosos para o cérebro; sofrimento físico. 2) Estado de espírito caracterizado por decepção, desgosto ou desgraça; sofrimento moral; decepção, dissabor, mágoa: A dor de saber que nunca mais o veria. A dor que a consome é a de não ter aproveitado a vida. Dor 3) Sentimento de quem lamenta ter cometido um erro, uma falta, prejudicando a si mesmo ou a outrem; arrependimento, pesar, remorso: Convive com a dor de saber que delatou o melhor amigo. A dor dos pecados.

4) Sentimento de pesar com relação a alguém ou a si mesmo; comiseração, dó, piedade: A dor de acompanhar a degradação física do irmão doente.

1) Ato ou efeito de sofrer; sofrença.

2) Dor causada por doença ou ferimento; padecimento. Sofrimento 3) Grande aflição do espírito; tormento, tortura. 4) Dificuldade financeira; penúria 1) Padecimento físico; tormento, tristeza pungente: “Também foi só chegar e atirar- se à primeira cama, gemendo e resbunando ao peso de uma grande aflição” (AA2). Aflição 2) Grande sofrimento; afligimento, agonia, angústia, desassossego, indisposição, inquietação: “[…] afigurava-se-lhe terem decorrido já três dias pelo menos durante aquela aflição” 1) Ato ou efeito de torturar. 2) Volta tortuosa; dobra; curvatura.

3) Sofrimento físico ou moral imposto a alguém, geralmente para obter alguma revelação; suplício, tormento: “A expressão adotada, „limpeza do terreno‟, já estava em processo, com a truculência do governo Médici, que praticamente oficializou a Tortura tortura […]”

4) Grande aflição do espírito; angústia, sofrimento: A espera pela libertação do filho sequestrado foi uma tortura.

5) Situação que apresenta dificuldade; complicação, embaraço: Enfrentar o trânsito desta cidade é uma tortura.

Fonte: elaboração do autor.

Tendo em vista que a busca por palavras exatamente iguais àquelas da Tabela 4 poderia limitar demasiadamente o estudo multicaso proposto, excluindo termos com significados idênticos, elencou-se como subcategorias expressões com significados idênticos aos daquelas expressões, bem como palavras compostas a partir delas, por exemplo, o plural de cada uma delas. 78

Dito de outra forma, considerou-se como subcategorias de análise todas as palavras que derivem daquelas da Tabela 4, bem como expressões sinônimas dos termos ou dos significados das palavras contidas na Tabela 4. A aplicação das categorias e subcategorias de análise da instigação ou induzimento à execução do suplício através da internet foi feita da seguinte forma: 1) analisou-se, nas amostras selecionadas, a ocorrência de palavras contidas na Tabela 4, bem como sinônimos dessas palavras ou termos delas derivados; 2) verificou-se também a relação dessas categorias e subcategorias com o protagonista da notícia analisada; 3) quando foi verificada a não ocorrência das categorias e subcategorias em uma ou mais notícias dentre as amostras selecionadas, fez-se o levantamento, nessas notícias, de sinônimos das palavras e termos relacionados como categorias e subcategorias. Estimou-se que a ocorrência dessas categorias e subcategorias, quando relacionadas com os protagonistas da notícia, indicarão que houve induzimento à aplicação do suplício por intermédio da internet. Inicialmente, não foi prevista a possibilidade de se encontrar subsídios importantes para a discussão do trabalho em espaços para comentários de internautas nas notícias analisadas. Entretanto, durante a realização do estudo multicaso, verificou- se que esses comentários conectavam as categorias de análise da instigação à aplicação do suplício ao protagonista da notícia64. Em outras palavras, esses comentários de internautas se mostraram determinantes no sentido de indicar a postura dos usuários da internet em relação a pessoas que são suspeitas de terem cometido algum crime e cujas informações se espalham na web, caracterizando-se como elemento-chave para verificar a instigação à aplicação do suplício. Por conta disso, sempre que a notícia analisada continha espaço apropriado para comentários de internautas, esses foram objeto de discussão, pois são manifestações impregnadas de intencionalidade e, quando se relacionavam com as categorias e subcategorias de análise da Tabela 4, tinham aptidão para mostrar se esses internautas instigavam, ou não, a execução do suplício.

64 O conceito de protagonista foi explicado ao final da seção 4.2 deste trabalho. 79

Quanto às categorias de análise do espalhamento de informações, estabeleceu- se o seguinte: 1) a notícia analisada extraiu imagem, texto ou vídeo da página pessoal do protagonista da matéria jornalística em site de rede social? 2) a notícia fez remissão ou alusão a informações publicadas em outros sites da internet?

Figura 14: Categorias de análise do espalhamento de informações

Fonte: elaboração do autor.

Em todos os casos em que as respostas foram positivas para essas categorias mostradas na Figura 14, pôde-se concluir que houve espalhamento de informações por meio da internet.

80

5 EXECUÇÃO DA ANÁLISE DE CONTEÚDO

Este capítulo é dedicado ao estudo multicaso que dá materialidade à pesquisa e por meio do qual se pretende alcançar os objetivos propostos. Nesse sentido, vale lembrar que o estudo multicaso é realizado por meio de análise de conteúdo. Por sua vez, a análise de conteúdo leva em consideração as notícias mencionadas nas Tabelas 1, 2 e 3, que se referem, respectivamente, aos casos referidos nas seções 4.2.1, 4.2.2 e 4.2.3. A fim de tornar a leitura mais fluida, a análise subdivide-se em 3 subcapítulos - um para cada um dos três casos estudados -, sendo que cada subcapítulo se desdobra em seções, tantas quantas forem as notícias analisadas65.

5. 1 ANÁLISE DO CASO “A FESTA THE BOX REVEIÃO”

Na virada de 2015 para o ano 2016, em Brasília/DF, ocorreu uma festa de reveillon denominada The Box Reveião. No dia 02 de janeiro de 2016, uma mulher de 24 anos publicou, em sua página pessoal no Facebook, um texto relatando ter sido agredida sexualmente por um segurança que trabalhava na referida festa. O caso foi apurado pela autoridade policial local, que ouviu a moça, uma estudante da Universidade de Brasília – UNB, bem como o suposto agressor, proprietário da empresa que fazia a segurança do evento. Segundo o relatório final da investigação, não houve estupro e, por conta da publicação feita pela mulher no site de redes sociais, o Ministério Público a acusou criminalmente por denunciação caluniosa. A moça que disse ter sido vítima de violência sexual, foi processada por denunciação caluniosa, mas, ao final, foi absolvida pelo Tribunal de Justiça do Distrito

65 O número de seções é proporcional ao número de notícias sobre cada um dos casos estudados. Assim será nos demais subcapítulos que tratam especificamente das notícias submetidas à análise de conteúdo. 81

Federal e Territórios (TJDFT). Ao final, ambos foram absolvidos: ele, da acusação de agressão sexual, ela, da imputação de denunciação caluniosa.

5. 1. 1 Mulher que disse ter sido estuprada em réveillon vira ré por falsa denúncia

A primeira de todas as notícias selecionadas para análise foi publicada em setembro de 2016 e o título é “Mulher que disse ter sido estuprada em réveillon vira ré por falsa denúncia”66. A notícia analisada divulgou, na íntegra, o print67 do texto publicado pela estudante em sua página pessoal no Facebook. Nesse texto, verificou-se a ocorrência de subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício através da internet: “dores” (Figura 15), “sofrendo” e “sofrimentos” (Figura 16).

Figura 15: Trecho 1 da notícia analisada na seção 5.1.1.

Fonte: G1 DF (2016A).

66 Fonte: G1 DF (2016A). 67 Print, ou print screen é um recurso pelo qual se pode gravar a imagem que aparece na tela de um computador. 82

Figura 16: Trecho 2 da notícia analisada na seção 5.1.1.

Fonte: G1 DF (2016).

Há um terceiro trecho desse texto que merece considerações. Trata-se de uma parte da narrativa da mulher em que ela diz ter sido estuprada, que queria que tudo acabasse logo e que estava com medo (Figura 17).

Figura 17: Trecho 3 da notícia analisada na seção 5.1.1.

Fonte: G1 DF (2016A).

Nas Figuras 15, 16 e 17, observam-se palavras que cumprem a função de exprimir os sentimentos da autora do texto, protagonista da notícia analisada, e enfatizam as principais características da narrativa: a descrição de um drama pessoal por meio de informações aparentemente verdadeiras. Ao “contar” aos seus potenciais leitores o que aconteceu, a autora do texto “fala” ter sentido dores e sobre estar sofrendo, assim como seus familiares, em razão de tudo o que diz ter acontecido a ela. Nas Figuras 16 e 17, a autora do texto relata uma 83

experiência pessoal negativa que lhe fez sofrer física e psicologicamente, especialmente quando diz: “estou fazendo a minha parte para evitar outros dores e outros sofrimentos”, “Meus amigos e familiares estão sofrendo junto comigo (...)”, “Só desejo que nunca aconteça nada semelhante nem à pessoa que vocês mais odeiam” (Figura 16); e “Eu tive medo, não reagi (...)”, “(...) só queria que acabasse logo” (Figura 17). Na Figura 17 há um trecho em que ela relata “só queria que acabasse logo”, o que mostra o quanto a situação relatada foi torturante para a mulher, completando o sentido do que foi relatado por ela, de acordo com as Figuras 15 e 16. Esses trechos indicam que a protagonista se sentiu torturada e que passou por um sofrimento psicológico. Na narrativa que publicou no Facebook, a qual foi reproduzida pela notícia analisada, a internauta associou o texto a imagens com o propósito de “provar” a verdade de tudo que estava dizendo. É o que se verifica no trecho “seguem algumas imagens, que comprovam o narrado, nos comentários”, na Figura 16. Também na Figura 16, há um trecho que a autora do texto diz ter deixado as informações relacionadas à sua publicação em status público, ou seja, acessível a qualquer outra pessoa com conta no Facebook. Essas partes do texto mostradas na Figura 16 tem relação direta com os pressupostos do espalhamento de informações na internet, conforme Jenkins, Green e Ford (2014). Além de ser um texto publicado gratuitamente na rede mundial de computadores, a tentativa da autora em “provar” o ocorrido por meio de imagens, bem como o fato de que recebeu mensagens de apoio de pessoas desconhecidas mostra a concretização daqueles quatro pressupostos: a gratuidade das informações, a existência de infraestrutura tecnológica, a verossimilhança das informações e a identidade cultural. Além da presença desses requisitos, convém destacar que o espalhamento teve início a partir da autoexposição da intimidade, ou exploração da extimidade, segundo Sibilia (2016), em um site de rede social. Também é notório que houve espalhamento porque a notícia analisada divulgou integralmente a narrativa publicada no Facebook, 84

isto é, os fatos se “moveram” de um ambiente na internet (o Facebook) para outro (portal de notícias). Essa transição de um ambiente na web para outro atingiu outros internautas que se manifestaram negativamente a fim de atingir a protagonista da notícia por meio de comentários, conforme Figuras 18 e 19.

Figura 18: Comentários de internautas à notícia analisada na seção 5.1.1.

Fonte: G1 DF (2016A).

Figura 19: Comentário de internauta à notícia analisada na seção 5.1.1.

Fonte: G1 DF (2016A).

Percebe-se a relação entre a narrativa da protagonista, estudante da UNB que disse ter sido estuprada (Figuras 15, 16 e 17), com os comentários dos internautas (Figuras 18 e 19). Na narrativa da mulher ocorrem as categorias de análise da instigação à aplicação de um suplício, enquanto os comentários à notícia endossam o sentimento de sofrimento e as dores que a mulher disse ter sofrido. A partir daí verifica- se a relação da protagonista com as categorias de análise do induzimento à execução do suplício.

85

5. 1. 2 Jovem que denunciou suposto estupro em Réveillon vira ré na Justiça

A segunda notícia analisada leva o título “Jovem que denunciou suposto estupro em Réveillon vira ré na Justiça” e foi publicada em setembro de 2016. A matéria trata do desdobramento do caso da mulher que disse ter sido vítima de estupro, porém virou ré em processo judicial por falsa acusação. Na notícia desta seção 5. 1. 2 não foi verificada a ocorrência das categorias selecionadas para avaliar se houve induzimento à aplicação do suplício. Entretanto, em relação às categorias indicadas para verificar se houve espalhamento de informações na internet, há um trecho da notícia analisada que merece atenção (Figura 20).

Figura 20: Trecho 1 da notícia analisada na seção 5.1.2.

Fonte: ALMEIDA (2016).

De acordo com o trecho selecionado, percebe-se que a notícia analisada buscou uma narrativa publicada em outro ambiente da rede mundial de computadores. Mais do que isso, a parte da notícia mostrada na Figura 20 dá conta de que “o caso ganhou repercussão depois que ela relatou, por meio de redes sociais, supostamente ter sido estuprada (...)”. Por conta desse trecho, observa-se que há elementos na notícia da seção 5. 1. 2 que permitem afirmar ter ocorrido o espalhamento de informações através da internet, 86

pois a matéria jornalística se reportou expressamente ao texto publicado em site de rede social.

5. 1. 3 Mulher de 24 anos diz ter sido estuprada em festa de réveillon no DF

A notícia que dá o nome do título dessa seção é de autoria do G1 DF (2016a) e está relacionada no item 3 da lista de notícias da Tabela 1. Trata-se de matéria jornalística que inicia mostrando um trecho da publicação que a mulher de 24 anos fez em sua página pessoal em site de rede social, no dia 02 de janeiro de 2016. A matéria dá ênfase à publicação que suposta vítima fez no Facebook, contando o que havia lhe acontecido. É o mesmo relato do qual foram extraídas as Figuras 15, 16 e 17. Além disso, foi enfatizado o contato que os autores da reportagem tiveram com o suspeito de ter praticado o estupro que a mulher de 24 alega ter sofrido, conforme a Figura 21.

Figura 21: Trecho da notícia analisada na seção 5.1.3.

Fonte: G1 DF (2016B).

Na notícia 3 da Tabela 1 há dois protagonistas, a mulher de 24 anos que diz ter sido estuprada, cujos relatos publicados em site de rede social foram reproduzidos pela matéria, e o suspeito de ter cometido o estupro, cujo breve depoimento prestado à reportagem foi reproduzido no texto da notícia, conforme Figura 21. Exceto a palavra estupro, que é a denominação de uma agressão sexual capaz de causar sofrimento físico e psicológico, não foram encontrados no texto da notícia 87

outros termos que fizessem remissão direta às categorias e subcategorias eleitas no trabalho para averiguar a ocorrência de instigação à aplicação do suplício68. Contudo, há nos comentários de internautas – foram 344 comentários, ao total, até o dia 13 de agosto de 2017 (Figura 22) -, que são parte integrante da matéria jornalística publicada no portal de notícias, palavras que se incluem dentre aquelas das subcategorias selecionadas, isto é, sinônimos das palavras que definem suplício.

Figura 22: Número de comentários à notícia analisada na seção 5.1.3.

Fonte: G1 DF (2016B).

As palavras encontradas nos comentários relacionadas à notícia 3 da Tabela 1 foram as seguintes: punida (Figura 23), cadeia (Figura 24), preso (Figura 25) e prisão (Figura 26).

Figura 23: Comentário 1 à notícia analisada na seção 5.1.3.

Fonte: G1 DF (2016B)

Figura 24: Comentário 2 à notícia analisada na seção 5.1.3.

Fonte: G1 DF (2016B)

68 Vide subcapítulo 4.3 e Tabela 4. 88

Figura 25: Comentário 3 à notícia analisada na seção 5.1.3.

Fonte: G1 DF (2016B)

Figura 26: Comentário 4 à notícia analisada na seção 5.1.3.

Fonte: G1 DF (2016B)

Os significados dessas 4 palavras que aparecem nas Figuras 23, 24, 25 e 26 são todos relacionados a castigo, pena, ou ato de punir, conforme os itens 1, 2 e 3 da palavra punição, que aparece na Tabela 4. Logo, são subcategorias, dentre as eleitas para avaliar se houve induzimento à execução de um suplício. Quanto à subcategoria que aparece na Figura 23, vale destacar que se refere à mulher de 24 anos, que alega ter sido estuprada. No trecho selecionado e que aparece na referida figura, há evidências pelas quais se pode afirmar que o internauta deseja que a moça seja punida. Assim, o internauta está incitando a aplicação de uma pena, bem como tentando “mostrar” que a protagonista é culpada. A publicação do internauta permanece existindo no ambiente online – 2 anos de existência, como mostrado na figura 23. Isso indica que o prolongamento da existência de um comentário negativo dirigido àquela mulher, uma das protagonistas da notícia analisada, pode estender também o sofrimento psicológico dela. Além disso, o fato de permanecer online por tanto tempo e disponível para qualquer pessoa que acesse a internet, indica que a instigação à aplicação da punição ocorre em espetáculo público. Por conta disso, a mensagem mostrada na Figura 23 reúne características da aplicação de um suplício: o castigo gradual, que se protrai no tempo e a aplicação em forma de um espetáculo (FOUCAULT, 1999). Também é possível notar alguns dos 89

efeitos da aplicação de um suplício: a intenção de controlar o comportamento dos espectadores e “provar” a culpa daquele que está condenando (FOUCAULT, 1999). Diferentemente, as Figuras 24, 25 e 26 se reportam ao outro protagonista, o suspeito de ter praticado o estupro. Nas três Figuras constam comentários à notícia 3 da Tabela 1, nos quais se verifica a presença de palavras que integram as categorias eleitas, conforme destacado no subcapítulo 4.3. Nas três situações (Figuras 24, 25 e 26), há termos que designam uma espécie de punição. O contexto no qual estão inseridos mostra a intencionalidade do internauta, autor do comentário, que incita a aplicação de uma sanção corporal ao suspeito de ter praticado um estupro. Cumpre notar também os sinais que indicam “curtidas” a cada um dos comentários mostram que outros internautas compartilham o mesmo pensamento: o suspeito deve, sim, sofrer uma punição. Trata-se de indicativo de um processo de identidade cultural, um dos requisitos do espalhamento de informações, segundo Jenkins, Green e Ford (2014). Nesse sentido, deve-se atentar para o fato de que a notícia analisada reproduziu, integralmente, a publicação que a mulher de 24 anos fez em site de rede social. Então, além de elementos que permitem afirmar que os internautas se identificaram uns com os outros, através dos comentários, o espalhamento de informações ficou claro devido à concretização dessa categoria de análise, isto é, a transposição de um texto de um ambiente na web para outro, de uma rede social para um portal de notícias. A partir do texto reproduzido na íntegra na matéria jornalística analisada, internautas passaram a incitar a aplicação de punições corporais aos protagonistas. Sendo assim, pode-se afirmar que, nesse caso, o espalhamento de informações serviu de base para a instigação à aplicação do suplício.

5. 1. 4 Jovem acusa segurança de estupro em festa de Ano Novo em Brasília

Nessa notícia publicada pela Folha de S. Paulo, faz-se menção expressa à narrativa que a estudante da UNB fez na sua página pessoal no Facebook, bem como ao fato de que o acontecimento repercutiu naquele site de redes sociais (Figura 27). 90

Figura 27: Trecho 1 da notícia analisada na seção 5.1.4.

Fonte: FOLHA de São Paulo (2016).

Ao longo da notícia, não foi observada a ocorrência das categorias de análise da instigação à aplicação de um suplício – ou seja, as palavras “dor”, “tortura”, “aflição”, “punição” e “sofrimento” -, tampouco das subcategorias de análise. É importante destacar que no final da notícia, na parte dedicada aos comentários dos internautas, não foi possível verificar informações relevantes, pois o “espaço” é dedicado apenas assinantes desse portal de notícias online (Figura 28).

Figura 28: Comentários à notícia analisada na seção 5.1.4.

Fonte: FOLHA de São Paulo (2016).

O que se observa na Figura 28 vai de encontro a um dos requisitos do espalhamento de informações na web: a gratuidade da circulação dos dados (JENKINS, GREEN e FORD, 2014). Mas o espalhamento não fica prejudicado, pois a notícia reproduziu e divulgou gratuitamente partes do texto publicado pela estudante da UNB que alegou ter sido violentada. Assim, como o caso repercutiu, conforme informado na própria matéria (Figura 27), é possível afirmar que as informações contidas nessa notícia ainda têm potencial para se espalhar, conforme os requisitos estabelecidos por Jenkins, Green e Ford (2014).

91

5. 1. 5 Segurança suspeito de estuprar jovem em festa de Réveillon presta depoimento em Brasília

Essa matéria feita pelo R7.COM (2016) contém a íntegra do relato da mulher de 24 anos que alegou ter sido estuprada, uma nota de esclarecimentos da produção do evento “The Box Reveião”, que também foi publicada no Facebook e uma imagem (Figura 29), extraída da página do Facebook da estudante da UNB, a qual acompanhava a narrativa dela na qual alegava ter sido violentada.

Figura 29: Imagem extraída da página no Facebook da estudante da UNB.

Fonte: R7.COM (2016).

O print do texto publicado pela moça em sua página pessoal em site de rede social foi integralmente reproduzido nesta notícia, assim como na notícia da seção 5. 1. 1, e mostram a ocorrência das mesmas subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício através da internet: “dores”, “sofrendo” e “sofrimentos”. Entretanto, não há comentários de internautas ao final dessa matéria, por isso, não há como relacionar essas subcategorias à protagonista. As subcategorias de análise ocorrem no texto escrito pela própria protagonista, o que faz pensar que ela foi submetida a um suplício, mas não que alguém, através da internet, tenha instigado a aplicação de um suplício à mulher.

92

5. 1. 6 Jovem que denunciou suposto estupro em festa é absolvida após ser acusada de calúnia

A notícia 6 da Tabela 1 foi publicada pelo portal Jornal de Brasília e dá conta apenas do desfecho do caso. Diferente das demais notícias até aqui analisadas, essa não reproduz a narrativa publicada no Facebook pela suposta vítima da agressão sexual, tampouco de outros envolvidos no incidente. Não se verificou a ocorrência das categorias, ou subcategorias eleitas para fins de averiguar a instigação à aplicação do suplício por meio da internet. Mas há dois trechos da notícia precisam ser discutidos. O primeiro é o que aparece na Figura 30.

Figura 30: Trecho 1 da notícia analisada na seção 5.1.6.

Fonte: JORNAL de Brasília (2016).

A matéria jornalística à qual foi dedicada esta seção dá ênfase ao nome do suspeito de ter cometido o estupro, que não foi processado por razões jurídicas. Trata- se de uma forma de superexposição da intimidade alheia, ou seja, de promoção da extimidade, conforme Sibilia (2016), que pode ensejar represálias pessoais e invasão indevida à privacidade do sujeito, isso porque basta lançar o nome do sujeito em mecanismos de busca da internet, ou buscar perfis relacionados a ele em sites de redes sociais. A partir daí, é possível obter inúmeras informações suficientes para “chegar” ao indivíduo. A exposição da intimidade é um pressuposto do espalhamento de informações, conforme referido no subcapítulo 3.2 (Figura 6). Nesse sentido, verificou-se que o espalhamento na web pode ser um caminho para a instigação à aplicação do suplício. Isso fica demonstrado a partir de busca feita no Google69, utilizando como critério de pesquisa o nome completo do sujeito divulgado na notícia analisada (Figura 31).

69 Disponível em: . 93

Figura 31: Busca feita no Google utilizando como critério o nome do sujeito.

Fonte: Google.

Houve aproximadamente 384.000 resultados para a busca realizada no modo padrão70. Nessa configuração, o décimo resultado encontrado na busca é uma notícia sobre o caso estudado nesse subcapítulo (Figura 32).

Figura 32: Décimo resultado da pesquisa feita através do Google.

Fonte: Google.

Essa reportagem que aparece na Figura 32 – publicada por Soares e Calcagno (2016) – foi acessada e, ao final dela, foram encontrados vários comentários de internautas dirigidos ao indivíduo, acusado pela estudante da UNB de ter praticado, contra ela, uma agressão sexual, bem como dirigidos à suposta vítima do segurança da festa. De fato, no capítulo dedicado ao percurso metodológico a ser seguido neste trabalho, não se previu a análise de portais de notícias além daqueles previamente selecionados (Tabelas 1, 2 e 3). Contudo, como uma das discussões desta dissertação envolve o espalhamento de informações na internet, decidiu-se proceder como o relatado, fazendo busca no Google pelo nome do indivíduo – mencionado em uma das notícias selecionadas para a análise – e acessando um dos links que aparecem na página de resultados.

70 Por modo padrão, deve-se entender que não foram modificadas as configurações do mecanismo de busca, ou seja, para cada pesquisa deve aparecer uma página com os primeiros dez resultados dentre todos aqueles encontrados. 94

Figura 33: Comentários de internautas à notícia publicada por Soares e Calcagno (2016)

Fonte: Soares e Calcagno (2016).

Figura 34: Outros comentários de internautas à notícia publicada por Soares e Calcagno (2016)

Fonte: Soares e Calcagno (2016).

Na Figura 33, verifica-se a ocorrência de uma subcategoria para avaliar a instigação à aplicação do suplício por meio da internet, mais precisamente no trecho “Cadeia para este estuprador”. Cadeia é uma forma de punição, que, por sua vez, é uma palavra eleita como categoria de análise do induzimento à execução dos suplícios por meio da web. Além disso, segundo o MICHAELIS Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (2017), um dos significados da palavra cadeia é “pena”, logo, consideramos esse termo uma subcategoria porque um de seus significados é “punição”, que é uma categoria eleita para verificar se houve instigação à aplicação de um suplício. Essa subcategoria aliada à intencionalidade dos autores dos comentários à notícia (Figura 33), demonstra que, para eles, o suspeito de ter praticado a agressão 95

sexual é mesmo culpado, ou seja, há na matéria jornalística indícios – para esses internautas – de que os fatos narrados pela suposta vítima são verdadeiros.71 Vale destacar que a matéria jornalística mostrada no link da Figura 32 - sobre a qual os internautas fizeram os comentários analisados (Figura 33) – não reproduz o inteiro teor da narrativa da suposta vítima no Facebook, tal como fizeram as notícias discutidas nas seções 5.1.5 e 5.1.1. Isso indica que os usuários da internet que comentaram a notícia e se reportaram aos fatos narrados pela suposta vítima de estupro (Figura 33) tiveram acesso ao relato da moça por outros sites da web, ou por outros meios. Por fim, convém repetir que não ocorreram as categorias, ou subcategorias de análise para avaliar se houve instigação à aplicação do suplício por meio da internet na notícia desta seção 5. 1. 6. Mas essa notícia traz elementos que permitem identificar um dos protagonistas da matéria jornalística, bem como para “descobrir” outras reportagens sobre o mesmo assunto. Foi assim, aliás, que se obteve acesso à matéria sobre a qual os internautas fizeram os comentários das Figuras 33 e 34, onde ocorrem categorias de análise do induzimento à aplicação do suplício. Quanto às categorias de análise da ocorrência do espalhamento de informações na internet, verificou-se que ocorreram na matéria desta seção, que foi publicada pelo portal Jornal de Brasília, porque a matéria faz alusão a texto publicado por terceiros em site de rede social, nos quais à referência a informações sobre o protagonista da notícia.

71 A prova da verdade, segundo Foucault (1999) é um dos efeitos da aplicação do suplício, isto é, de uma punição corporal, física ou psicológica. Neste caso, os internautas que comentaram a notícia creem que tudo o que a suposta vítima narrou em sua página pessoal no Facebook era verdade e, por alguma razão, identificaram-se com a estudante da UNB e voltaram-se contra o suspeito de ter cometido a agressão sexual. Trata-se de um processo identitário, de aproximação (os internautas e a suposta vítima de estupro) e de repulsão (os internautas e o suspeito de ter cometido o estupro). Conforme Woodward (2014), a identidade é relacional, por isso, no caso dos comentários mostrados nas Figuras 33 e 34, aqueles que defendem a suposta vítima são os mesmo que atacam o suspeito. Aplicando-se com a teoria de Woodward (2014), nesse caso, pode-se afirmar que o sujeito que defende alguém (Figura 34), ataca outrem. 96

5. 1. 7 Jovem alega ter sido estuprada por segurança em festa de Réveillon em Brasília

Nessa notícia, logo após o título da matéria, ocorre a categoria de análise do espalhamento de informações na rede mundial de computadores, ou seja, há menção a um texto publicado por terceiro em outro site da internet. Ocorre no trecho em que a reportagem publicada por CATRACA Livre (2016) menciona que “uma mulher de 24 relatou, em um texto no Facebook (...)”, conforme Figura 35.

Figura 35: Trecho 1 da notícia analisada na seção 5.1.7.

Fonte: CATRACA Livre (2016).

Mais adiante, também nessa mesma notícia publicada por Catraca Livre, aparece, mais uma vez, a categoria de análise da ocorrência de espalhamento de informações na web. Isso porque a reportagem reproduz trecho do texto publicado pela mulher em sua página pessoal no Facebook (Figura 36).

97

Figura 36: Trecho 2 da notícia analisada na seção 5.1.7.

Fonte: CATRACA Livre (2016).

No final da matéria foi reproduzida integralmente a publicação feita pela mulher, em sua página pessoal, em site de rede social. Trata-se do mesmo recurso utilizado pelas matérias analisadas nas seções 5.1.1 e 5.1.5. Não é necessário mostrar, mais uma vez, todo o texto publicado no Facebook e que foi reproduzido pela notícia desta seção porque, na seção 5.1.1, isso já foi feito (Figuras 15 e 16). Nessas figuras são destacadas as palavras “dores” (Figura 15), “sofrendo” e “sofrimentos” (Figura 16), subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício através da internet. Então, na matéria jornalística desta seção, aparecem as subcategorias de análise do induzimento ou provocação à aplicação de um suplício: dores, sofrendo e sofrimentos. Porém não há elementos que permitam correlacionar essas subcategorias à categoria de verificação do espalhamento de informações na internet, que também aparecem na manchete analisada.

98

5. 1. 8 Após denúncia de estupro em festa, acusado diz que ato foi consentido

Na manchete publicada pelo portal de notícias Diário de Pernambuco, consta o detalhe de que as informações que sustentam a matéria foram obtidas de outra fonte, outro portal de notícias: o Correio Braziliense (Figura 37).

Figura 37: Descrição da fonte da notícia analisada na seção 5.1.8.

Fonte: DIÁRIO de Pernambuco (2016).

A partir daí se verifica a ocorrência da categoria de análise do espalhamento de informações, pois, conforme a Figura 37, a manchete analisada menciona que extraiu informações de outro texto publicado na rede mundial de computadores. Da mesma forma, essa categoria de análise também aparece na Figura 38, trecho da notícia que se reporta ao texto publicado pela estudante da UNB no Facebook.

Figura 38: Trecho 1 da notícia analisada na seção 5.1.8.

Fonte: DIÁRIO de Pernambuco (2016).

A matéria do Diário de Pernambuco também reproduz integralmente o texto que a mulher de 24 anos divulgou em sua página pessoal no site de redes sociais, da 99

mesma forma que fizeram as manchetes discutidas nas seções 5. 1. 1, 5. 1. 5 e 5. 1. 772. Nessa matéria jornalística também foram procuradas as categorias e subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício por meio da web, entretanto, não foram encontradas outras, senão aquelas mesmas que aparecem nas notícias analisadas nas seções 5. 1. 1, 5. 1. 5 e 5. 1. 7. Além disso, os comentários de internautas à notícia (Figura 39) não são explícitos quanto à intenção, isto é, não fica claro, nos comentários deles se desejavam que os protagonistas - o segurança da festa e mulher que disse ter sido estuprada – sentissem dor, que sofressem ou ficassem aflitos, que fossem punidos ou torturados. Em outras palavras, não há como correlacionar as subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício, que aparecem na notícia desta seção, com as categorias de análise do espalhamento de informações na internet, que também aparecem na notícia publicada pelo Diário de Pernambuco.

72 Além das seções 5.1.1, 5.1.5 e 5.1.7, nessa notícia publicada pelo DIÁRIO de Pernambuco (2016), seção 5.1.8, também foi reproduzido o texto que a estudante da UNB publicou no Facebook. 100

Figura 39: Todos os comentários de internautas à notícia analisada na seção 5.1.8.

Fonte: DIÁRIO de Pernambuco (2016).

5. 1. 9 Após denúncia de estupro em festa, acusado diz que ato foi consentido

Na notícia desta seção 5. 1. 9, verificou-se a ocorrência da categoria de análise do espalhamento de informações na internet, mais precisamente nos trechos mostrados nas Figuras 40 e 41. 101

Figura 40: Trecho 1 da notícia analisada no subcapítulo 5.1.9.

Fonte: G1 DF (2016C).

Figura 41: Trecho 2 da notícia analisada na seção 5.1.9.

Fonte: G1 DF (2016C).

Nas Figuras 40 e 41 ocorrem a categoria de análise do espalhamento, que consiste na menção, ou reprodução de texto publicado em outro site da internet. Na Figura 40, há o destaque para a publicação da jovem, que disse ter sido vítima de estupro, em uma rede social na web. Na Figura 41, destaca-se, no início do texto, que o caso se espalhou a partir de uma “denúncia em rede social”. Essa denúncia na rede social foi, na verdade, um relato de fatos íntimos. Segundo Sibilia (2016), a superexposição da intimidade - ou extimidade, como a autora denomina – é algo comum no contexto da internet, onde se popularizaram as performances exibicionistas, cujo objetivo principal é o reconhecimento de si pelos olhos dos outros. Ser reconhecido significa que houve sucesso no processo pelo qual se estabelece a identidade cultural, um dos requisitos do espalhamento de informações, conforme Jenkins, Green e Ford (2014). Além desse, fazem-se presentes os outros requisitos do espalhamento: 1) gratuidade da circulação das informações, tendo em vista que o acesso ao site onde está hospedada a notícia desta seção é de acesso grátis, assim como o espaço para comentários dos internautas; 2) verossimilhança das informações, isto é, tudo sobre o que se fala na notícia da seção 5.1.9 “parece” ter sido verdade. O que se quer dizer é que os fatos relatados na matéria estão suportados por 102

relatos aparentemente verdadeiros e até por argumentos de autoridade, como mostra a Figura 40, na parte em que diz “O caso era investigado pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher”; 3) existência de uma infraestrutura tecnológica, por onde vão circular e se espalhar as informações. O que está evidente nesse caso, afinal, a notícia e as informações nas quais se baseia estão, ou estavam disponíveis na internet. Quanto à instigação à aplicação do suplício, não ocorrem, nessa notícia, as categorias eleitas para a análise, mas apenas as subcategorias, conforme as Figuras 42 e 43. Na Figura 42 é mostrado73 um trecho da notícia copiado do texto publicado pela mulher, que alegou ter sido vítima de estupro, em sua página pessoal no Facebook. Diferente do que fizeram as matérias das seções 5.1.1, 5.1.5, 5.1.7 e 5.1.8, nesta só aparece um trecho da publicação da moça na rede social.

Figura 42: Trecho 3 da notícia analisada na seção 5.1.9.

Fonte: G1 DF (2016C).

A linguagem utilizada pela autora do texto da Figura 42, publicado pelo G1 DF (2016C), leva a crer que o estupro que relata ter sofrido lhe causou sofrimento psicológico e lhe fez sentir como se estivesse sendo submetida à tortura.74 O trecho “eu fui estuprada (...), eu poderia apanhar, poderia demorar mais (...) só queria que acabasse logo” contém palavras utilizadas pela autora do texto para descrever a sensação desagradável, o desgosto, a sensação de desgraça e outros sentimentos negativos que podem ser igualmente designados pelos termos que são significados das palavras “dor”, “sofrimento” e “aflição”, e apenas são subcategorias de análise da instigação à aplica do suplício quando são conjugadas aos comentários de internautas à notícia (Figura 43).

73 Esse trecho já foi apresentado em Figuras que aparecem nas seções 5.1.1, 5.1.5, 5.1.7 e 5.1.8 74 Cumpre destacar que restou provado que, após o devido processo legal, conforme determina a Constituição Federal, ficou comprovado que não houve violência sexual e que o suspeito não praticou crime algum. É o que referem, por exemplo, as notícias analisadas nas seções 5.1.1, 5.1.2 e 5.1.9. 103

Figura 43: Comentário de internauta à notícia analisada na seção 5.1.9.

Fonte: G1 DF (2016C).

Ao se referir à protagonista da notícia como “sirigaita” e ao dizer “espero nunca pegar essa piriguete bandoleira tranqueira”, o autor do comentário (Figura 43) à matéria jornalística se mostra favorável ao sofrimento da moça75. Dessa forma, ao expor seu pensamento publicamente, provocando novos comentários no sentido de exaltar que protagonista da matéria deve sofrer, o autor do comentário que aparece na figura 43 está instigando a aplicação de um suplício, isto é, a execução de uma pena corporal – seja pelo sofrimento físico, seja pelo sofrimento psicológico – em um espetáculo público, isto é, visível a todos, característica marcante da internet. Essa característica da rede mundial de computadores – ser uma espécie de palinóptico, conforme Bruno (2013) –, onde todos podem “enxergar-se” uns aos outros, facilita a exposição pública de alguém. Quando o indivíduo é feito a sofrer, física ou psicologicamente, em ambiente público, acessível a inúmeros sujeitos, pode-se dizer que houve a aplicação de um suplício. Segundo Foucault (1999), essas são as características determinantes de um suplício: o sofrimento corporal (físico ou psicológico) em espetáculo ou em local ao qual inúmeras pessoas tenham acesso.

5. 2 ANÁLISE DO CASO “O PORQUINHO-DA-ÍNDIA NO FORNO MICRO-ONDAS”

As seções a seguir dizem respeito ao segundo caso do estudo multicaso feito neste trabalho. Trata-se de uma menina, moradora da cidade de Estância Velha, no Rio

75 Convém deixar claro que a moça foi absolvida da acusação de calúnia e que o objetivo deste trabalho não é discutir se algum dos protagonistas das notícias é culpado ou não. Isso deve ser discutido pelos órgãos competentes do Poder Judiciário. 104

Grande do Sul, que foi acusada de ter colocado um Porquinho-da-Índia dentro de um forno micro-ondas ligado. O objetivo da menina, segundo notícia publicada por Stürmer (2017), era publicar, o vídeo do animal dentro do eletrodoméstico ligado, em sua página pessoal no site de redes sociais Twitter. Há informações assegurando que a menor foi hostilizada na internet, em razão do ato supostamente praticado, bem como no Município onde reside com sua família. O desfecho do caso não se sabe e não foi objeto de análise deste estudo. Sabe-se que o animal de estimação passa bem e não corre perigo.

5. 2. 1 Crueldade: youtuber posta vídeo colocando porquinho-da-índia em microondas.

Na matéria do portal de notícias Blasting News, há um trecho em que se faz referência expressa ao espalhamento de informações acerca do caso “o Porquinho-da- Índia no forno micro-ondas” (Figura 44).

Figura 44: Trecho 1 da notícia da notícia analisada na seção 5.2.1

Fonte: BLASTING News (2017).

A Figura 44 mostra uma parte da matéria que, com letras em negrito, diz “viralizou”. Logo a seguir, a notícia dá conta de que “o vídeo viralizou nas redes sociais”. Essa constatação de quem redigiu a matéria jornal teve por base sua percepção pessoal sobre as informações a respeito do caso na internet. Por exemplo, ao final do texto mostrado na Figura 44, nota-se o trecho “Veja a indignação dos usuários das redes sociais, que fizeram campanha para que a garota seja punida”. Depois dele, o 105

autor da notícia apresenta uma imagem, a Figura 45, na qual é mostrado um post de um internauta em um site de rede social, com entonação de protesto contra a menina que supostamente colocou um Porquinho-da-Índia em um forno micro-ondas.

Figura 45: Imagem retirada de uma rede social pelo autor da notícia analisada na seção 5.2.1

Fonte: BLASTING News (2017).

Mesmo ampliada, a imagem (Figura 45) ficou bastante distorcida, dificultando a leitura do texto que há nesse post, o qual diz “Eu n (sic) consigo nem pisar na pata do meu cachorro e n (sic) pedir desculpas e essa embuste coloca um porquinho no micro- ondas (sic) #PuniçãoParaVitoria”. Além da Figura 44, onde aparece a palavra “punida” no trecho “Veja a indignação dos usuários das redes sociais, que fizeram campanha para que a garota seja punida”, na Figura 45 também ocorre uma das subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício, no trecho “Eu n consigo nem pisar na pata do meu cachorro e n pedir desculpas e essa embuste coloca um porquinho no micro-ondas #PuniçãoParaVitoria”. As palavras que se destacam por constituírem subcategorias de análise do induzimento à execução de um suplício são “punida” e “punição”, ambas associadas à protagonista da matéria, a menina que filmou seu animal de estimação dentro de um micro-ondas ligado. Especialmente no texto da Figura 45, fica clara a intenção do 106

internauta de que a jovem sofresse uma punição, que expôs sua opinião publicamente para que todos pudessem ver e para que, talvez, exprimissem na internet a mesma opinião da pessoa que escreve o texto da Figura 45. Além dessa, verifica-se a ocorrência da categoria de análise do espalhamento de informações quando o autor da notícia escreve “Veja a indignação dos usuários das redes sociais, que fizeram campanha para que a garota seja punida” (Figura 44) e, logo em seguida, apresenta a imagem extraída de um post feito em um site de rede social. O portal de notícias Blasting News, de onde foi extraída essa notícia da seção 5.2.1, é de acesso gratuito, um dos requisitos para o espalhamento de informações na web, segundo Jenkins, Green e Ford (2014). Além disso, há uma clara demonstração de que houve sucesso no processo em que se estabeleceu a identidade cultural entre o autor da matéria analisada (Figura 44) e aquele que fez o post na rede social (Figura 45), outro requisito para o espalhamento (JENKINS, GREEN e FORD, 2014). Isso fica evidente quando quem redigiu a matéria escreveu: “(...) a punição para esse tipo de crime acaba sendo abrandada e reiterada por pessoas “frias” e que agem com desprezo para com os animais. (...) Esse tipo de conduta é inadmissível por parte dos donos e merece reprimenda da sociedade. #crueldade” (Figura 46).

Figura 46: Trecho 2 da notícia analisada na seção 5.1.2

Fonte: BLASTING News (2017).

Na Figura 46 faz-se menção a uma categoria e a uma subcategoria de análise da instigação à aplicação do suplício, que são, respectivamente, as palavras “punição” – 107

que aparece mais de uma vez – e reprimenda, que, nesse contexto (Figura 46), significa punição. A incitação ao castigo de alguém em ambiente público, o qual agregam as características de um palinóptico como é a internet (BRUNO, 2013), reúne os dois principais elementos ou requisitos de configuração de um suplício, conforme Foucault (1999). Além disso, toda a instigação à aplicação de uma punição à menina, aparentemente culpada76 de ter colocado um animal dentro de um micro-ondas ligado, ocorre em um ambiente aberto ao público que, através de um computador ou outro equipamento conectado à internet, pode ter acesso gratuito. Há outro trecho da matéria na qual aparece a categoria de análise do espalhamento de informações na web, que é translado de um vídeo, publicado originalmente em site de rede social, para “dentro” da notícia. É o que se verifica no trecho mostrado na Figura 47, onde se lê “(...) algum internauta acabou salvando e compartilhando o vídeo. (...) Veja o vídeo:”.

Figura 47: Trecho 3 da notícia analisada na seção 5.2.1

Fonte: Blasting News (2017).

Assim, estão presentes as categorias de análise da instigação à aplicação de um suplício e do espalhamento de informações, as quais estão diretamente relacionadas à protagonista da matéria analisada.

76 A verossimilhança das informações também é um requisito ou condição para o espalhamento de informações na rede mundial de computadores, de acordo com Jenkins, Green e Ford (2014). 108

5. 2. 2 Adolescente posta vídeo de porquinho-da-índia dentro de micro-ondas ligado

Na matéria publicada por Stürmer (2017), no portal de notícias online do Diário Gaúcho, há indícios de que informações sobre o caso do Porquinho-da-Índia colocado em um micro-ondas ligado se espalharam na web. Isso acontece no trecho em que o autor da notícia escreve “A brincadeira de uma adolescente com um animal tomou as redes sociais brasileiras e virou caso de polícia e ameaças de morte em Estância Velha, no Vale do Sinos” (Figura 48).

Figura 48: Trecho 1 da notícia analisada na seção 5.2.2

Fonte: Stürmer (2017).

A seguir, a notícia traz um print de publicação77 feita pela jovem em sua página pessoal no Twitter. Esse print, mostrado na Figura 49, não pôde ser ampliado sem prejuízo da nitidez das informações escritas que nele aparecem.

Figura 49: Imagem extraída de página no Twitter

Fonte: Stürmer (2017).

77 Trata-se de um vídeo divulgado por uma menina em sua página pessoal no Twitter, no qual aparece um Porquinho-da-Índia sendo colocado dentro de um forno micro-ondas ligado. 109

Na Figura 49 aparecem as seguintes informações: 1) o post foi feito em 25 de abril de 2017, em Estância Velha, às 6:13 da tarde; 2) houve 136 retweets, ou seja, outros usuários do Twitter compartilharam a publicação em suas páginas pessoais na rede social; 3) a publicação recebeu 238 likes, ou curtidas, isto é, 238 usuários “gostaram” do post. A partir dessas informações que aparecem na Figura 49, verificou-se o seguinte: 1) a imagem (Figura 49) foi extraída de outro site da internet e foi trazida para dentro da notícia publicada por Stürmer (2017), indicando, por isso, a ocorrência da categoria de análise do espalhamento de informações; 2) o número de compartilhamentos do vídeo postado no Twitter pela menina, bem como o número de curtidas indica que o caso se espalhou por aquela rede social. Sobre o espalhamento, também deve-se considerar o que diz a notícia sobre esse o vídeo que a jovem de Estância Velha postou em sua página pessoal no Twitter, conforme mostrado na Figura 50.

Figura 50: Trecho 2 da notícia analisada na seção 5.2.2

Fonte: Stürmer (2017).

A Figura 50 apresenta trecho da matéria jornalística analisada onde aparece expressamente a remissão a um vídeo publicado em outro site, o Twitter. Essa é mais uma ocorrência da categoria de análise do espalhamento de informações, que consiste na remissão a texto e vídeo hospedados em outro endereço eletrônico da web. Nessa notícia da seção 5.2.2, há outra imagem que também foi extraída da página pessoal da menina que divulgou o vídeo do Porquinho-da-Índia no Twitter. Mas o que mais chama a atenção nela não é o fato de mostrar a ocorrência da categoria de análise do espalhamento de informações na internet, mas os comentários de outros internautas dirigidos à jovem, conforme Figura 51. 110

Figura 51: Imagem extraída de página pessoal da jovem em site de rede social.

Fonte: Stürmer (2017).

Mais uma vez, a nitidez da imagem foi comprometida pela ampliação. Por isso, convém destacar as partes do texto que aparecem na Figura 51 para, sobre elas, fazer algumas considerações. Na ordem em que ocorrem na Figura 51, as mensagens de internautas publicadas na página pessoal mantida pela jovem em rede social, na internet, são as seguintes: 1) “MORRA DESGRAÇA DA HUMANIDADE”; 2) “sua escrota fazer isso com os animais pra q sua vaca retardada...tomara q vc tbm morra torrada!!!”; 3) “Mano, só tenho vontade de te socar tanto mais tanto que quem ia entrar no microondas era você, vadie!”; 4) vagabunda maldita...tomara que te achem antes da polícia e te deixem toda quebrada seu lixooooooo”. Além das graves ofensas dirigidas à menina, observa-se, na Figura 51, mensagens de ódio, mostrando que a intenção de quem as escreveu era que a jovem de Estância Velha fosse cruelmente punida e que sofresse. Em que pese as mensagens não conterem palavras idênticas àquelas contidas na lista de termos classificados como categorias análise da instigação ao suplício, a intencionalidade dos internautas mostra-se clara quanto à vontade de que a garota fosse castigada fisicamente e que morresse. Nesse caso, expressões como “(...) te deixem toda quebrada (...)”, ou “(...) tomara q vc tbm morra torrada” exprimem sentidos idênticos aos das palavras que são elencadas como significados de suplício, segundo o MICHAELIS Moderno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (2017). Logo, são subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício, que ocorrem nesta notícia da seção 5.2.2. 111

Outra vez, retomam-se aqui os requisitos de um suplício, que, segundo Foucault (1999) são a aplicação de um castigo corporal em alguém na forma de um espetáculo público, para que o maior número de pessoas possa assisti-lo. O castigo pode consistir no atentado à integridade física ou psicológica do indivíduo submetido à punição, pois, conforme De Castro, Andrade e Muller (2006), o campo psicológico e o corpo material, ou físico, estão intimamente conectados, revelando-se como um único corpo. Além de trechos e imagens da notícia analisada, que foram encontrados em outras fontes da internet, a acessibilidade gratuita ao portal de notícias sediado na web mostra a presença dos requisitos para o espalhamento de informações na rede mundial de computadores, segundo Jenkins, Green e Ford (2014). Não só esses dois requisitos – a gratuidade das informações e a existência de infraestrutura tecnológica por onde elas circulam -, mas também a verossimilhança das informações, que está baseada em vídeo divulgado pela própria protagonista da notícia em sua página no Twitter, e a identidade cultural, que aparece na sequência de comentários ao post, todos com significados idênticos78 (Figura 51). A partir disso se verifica um liame entre as subcategorias de análise da instigação à aplicação de um suplício, presentes nesta notícia da seção 5.2.2, e a categoria de análise do espalhamento de informações na internet.

5. 2. 3 Adolescente que colocou porquinho no micro-ondas está „chorando muito e sem dormir‟

Nesta seção, discutir-se-á a matéria jornalística produzida por Szpacenkopf (2017a), publicada no portal de notícias EXTRA, que também se refere ao caso da menina de Estância Velha que supostamente colocou um animal de estimação dentro do forno micro-ondas ligado.

78 Diz-se que existe um laço identitário entre indivíduos quando eles compartilham pensamentos, ideologias, conhecimentos sobre algo, etc. Nesse caso, da Figura 51, há elementos que permitem afirmar que os internautas dividem a mesma ideia sobre a jovem em relação ao que ela fez ao animal de estimação. 112

A notícia disponibilizou, na íntegra, o vídeo publicado pela jovem em sua página no Twitter, conforme o print que aparece na Figura 52, em que se revela a ocorrência da categoria de análise do espalhamento de informações na internet, que consiste no translado de um vídeo, de um site para outro.

Figura 52: Print do vídeo transladado do Twitter para a notícia da seção 5.2.3

Fonte: Szpacenkopf (2017a)

Além desse print (Figura 52), há outras imagens extraídas das redes sociais e que foram transladas para a notícia analisada. São posts (Figuras 53, 54 e 55) feitos no Twitter por internautas que manifestaram seu repúdio à atitude supostamente praticada pela garota de Estância Velha.

Figura 53: Tweet 1 transladado para a notícia da seção 5.2.3

Fonte: Szpacenkopf (2017a) 113

Figura 54: Tweet 2 transladado para a notícia da seção 5.2.3

Fonte: Szpacenkopf (2017a)

Figura 55: Tweet 2 transladado para a notícia da seção 5.2.3

Fonte: Szpacenkopf (2017a)

Em todos esses tweets (Figuras 53, 54 e 55), aparece a expressão “#PuniçãoPara (...)”, onde ocorre uma das categorias de análise da instigação à aplicação do suplício, que consiste na palavra “punição”, dirigindo-se à protagonista da notícia analisada. Embora a palavra “punição” apareça uma vez ao longo da matéria produzida por Szpacenkopf (2017a), conforme mostrado na Figura 56, ela não configura 114

uma categoria porque, no contexto em que está inserida, não tem relação com uma sanção corporal, requisito necessário para ser um suplício, segundo Foucault (1999).

Figura 56: Trecho 1 da notícia da seção 5.2.3.

Fonte: Szpacenkopf (2017a).

A frase que dá o título da matéria, que aparece logo no início do texto da notícia, conforme Figura 57, também denota o suposto sofrimento pelo qual os pais da jovem, segundo Szpacenkopf (2017a).

Figura 57: Título da notícia analisada na seção 5.2.3

Fonte: Szpacenkopf (2017a).

As expressões contidas na frase “chorando muito e sem dormir”, no contexto no qual estão inseridas, significam “sofrimento”, portanto, devem ser tratadas como subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício. Foram analisados também os cinquenta e seis comentários de internautas à notícia. Dentre eles, destacam-se os que são mostrados nas Figuras 58 e 59, pois trazem, em seu conteúdo, subcategorias de análise do induzimento à execução de um 115

suplício, que são as expressões que são significados de suplício, segundo o MICHAELIS Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (2017).

Figura 58: Comentário 1 à notícia da seção 5.2.3

Fonte: Szpacenkopf (2017a).

Figura 59: Outros comentários à notícia analisada na seção 5.2.3

Fonte: Szpacenkopf (2017a).

Assim como na Figura 58, na Figura 59 aparecem comentários de internautas à notícia analisada, nos quais a principal marca é a intencionalidade de quem os escreveu: que a protagonista da matéria fosse punida com sanção que lhe causasse 116

sofrimento até a morte. O uso de expressões que significam dor, sofrimento, tortura e punição marca a presença de subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício. Por exemplo, na Figura 58, o trecho “tinha de jogar gasolina nessa vaca e tacar fogo só pra ver se ela ia queimar lentamente ou rapidamente (...)” mostra que o internauta deseja dor e sofrimento à jovem. Além disso, atear fogo em alguém, sem dúvida é um ato de tortura como caminho para se aplicar uma punição. Na Figura 59, não é diferente. Os trechos “tomara que você tenha uma morte lenta”; “(...)vou desejar a morte dessa adolescente, e vai acontecer” e “(...) tomara que peguem ela e quebrem ela toda (...)” também denotam a ocorrência de subcategorias de análise da instigação à aplicação de um suplício: expressões que remetem aos significados de suplício, segundo o MICHAELIS Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (2017). A correlação entre as subcategorias de análise da instigação ao suplício e da categoria de análise do espalhamento de informações fica evidente a partir dos comentários dos internautas sobre vídeo e fato que teve destaque em outro site, o Twitter.

5. 3 ANÁLISE DO CASO “SUSPEITA DE AGRESSÃO NO BIG BROTHER BRASIL 2017”

Nas seções deste capítulo, foram analisadas as notícias que tratam do caso de uma suspeita de agressão à mulher, que supostamente ocorreu dentro da casa onde foi produzido o programa Big Brother Brasil. Dois participantes da 17ª edição da atração da Rede Globo, que tiveram um vínculo afetivo durante o programa, envolveram-se em um incidente no qual o rapaz, um médico gaúcho, supostamente agrediu fisicamente sua companheira dentro do programa, uma jovem, também gaúcha. O caso foi bastante comentado na internet e, por fim, passou a ser investigado pela Polícia. Até a data de realização desta pesquisa, não havia informações suficientes sobre o desfecho, entretanto, um dos protagonistas do caso, o médico que supostamente 117

agrediu a jovem gaúcha foi convidado a participar de um outro reality show, de outra emissora de televisão, a Rede Record, intitulado . Segundo o portal de notícias Jc Online79, o ex-BBB – como são chamados aqueles que participam da atração Big Brother Brasil, da Rede Globo – receberá o cachê mais alto dentre os demais participantes da nova edição de A Fazenda.

5. 3. 1 Após agressão, Marcos é expulso do “BBB17”

Nessa notícia não foram encontradas palavras cujo significado tenha relação direta com os sentidos de suplício, conforme o MICHAELIS Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (2017), que estão dispostos na Figura 13 e na Tabela 4. Também não foram achados sinônimos ou expressões formadas a partir dos termos que dão significado à palavra suplício. O título da matéria (Figura 60) contém a palavra “agressão” e “expulso”. A primeira designa um meio de atingir a integridade física de alguém, a segunda, uma espécie de punição.

Figura 60: Título da notícia analisada na seção 5.3.1

Fonte: O GLOBO (2017).

Analisando a Figura 60, o termo “agressão”, neste caso, não está ligado a uma forma de sanção, assim como “expulso” não tem a ver com uma punição corporal. Logo, não têm relação com suplício, que, segundo Foucault (1999), deve ser uma punição corporal, aplicada em espetáculo público. Além disso, não foram observados outros elementos nesta notícia que indicassem ter havido comentários ou referências à instigação à aplicação de uma sanção corporal ao protagonista.

79 Fonte: Jc Online (2017). 118

Por fim, também não ocorreu a categoria de análise do espalhamento de informações na internet, isso porque não há, na matéria desta seção, vídeo, imagem ou texto extraídos de outro site da rede mundial de computadores, ou informações sobre o protagonista da matéria contidas em outro endereço eletrônico. Em outras palavras, não ocorreram as categorias de análise da instigação à aplicação do suplício, nem da categoria eleita para averiguar o espalhamento de informações na web.

5. 3. 2 Expulso do “BBB17”, Marcos pede desculpas em rede social

No título da notícia desta seção, aparece menção a informações obtidas em outro site da internet. Já é um indício de informações espalhadas, que se confirma mais adiante, quando a reportagem destaca, expressamente, mediante citação direta, texto extraído da página pessoal do protagonista mantida no Twitter (Figura 61).

Figura 61: Trecho 1 da notícia analisada na seção 5.3.2

Fonte: Estado de Minas (2017).

Na Figura 61, consta que “Marcos Harter, participante expulso do Big Brother Brasil 17 na segunda-feira (10), usou o Twitter para publicar uma carta com um pedido de desculpas”. Adiante, ainda nesse trecho da matéria do Estado de Minas, publicada pelo portal Uai, cita-se texto escrito pelo próprio protagonista em sua rede social: “Como todo casal, passamos por momentos de alegria (...)”. Pouco depois, a reportagem introduz a íntegra do texto escrito pelo médico gaúcho no Twitter (Figura 62).

119

Figura 62: Trecho 2 da notícia analisada na seção 5.3.2

Fonte: Estado de Minas (2017).

A Figura 62 reproduz a totalidade do texto escrito e publicado pelo protagonista em sua página pessoal no Twitter. Isso é a concretização da categoria de análise do espalhamento de informações, pois foi feito o translado de informações de um site da web para outro, do Twitter para um portal de notícias. Mais adiante, na notícia analisada nesta seção, há comentários dos internautas sobre todo o conteúdo da matéria. Na Figura 63, mostra-se que foram 8 comentários sobre essa reportagem.

Figura 63: Número de comentários à notícia analisada na seção 5.3.2

Fonte: Estado de Minas (2017).

Dentre todos os comentários, não há um em que se façam presentes as categorias e subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício, pois em 120

nenhum deles se verificou a ocorrência de palavras que remetam ao significado do termo suplício, tampouco expressões que tivessem relação com o protagonista, no sentido de manifestar o apoio à punição dele. Aliás, a maioria dos comentários a essa notícia são no sentido de atacar a idoneidade do reality show do qual o protagonista da notícia participou e também de defender o médico. Logo, não foram observados indícios de que os internautas desejam que o protagonista da matéria fosse punido corporalmente e, por isso, não houve instigação à aplicação de um suplício.

5. 3. 3 “BBB 17”: Antes de ser expulso, Marcos foi notificado em processo por danos morais

No texto da matéria jornalística desta seção não foram encontradas palavras ou expressões que remetessem ao significado de suplício: dor, sofrimento, punição, aflição e tortura, segundo consta na Figura 13. Contudo, dentre todos os 20 comentários à matéria (Figura 64), um deles chamou bastante a atenção, pois revela a posição de um internauta em relação ao protagonista do caso de suposta agressão física no programa de televisão (Figura 65).

Figura 64: Número de comentários à notícia analisada na seção 5.3.3

Fonte: Szpacenkopf (2017b). 121

Figura 65: Comentários à notícia analisada na seção 5.3.3

Fonte: Szpacenkopf (2017b).

Nesse comentário (Figura 65), verifica-se, ao final, que o internauta entendia que o correto seria punir o protagonista, o médico, que supostamente agrediu a moça com quem manteve um relacionamento afetivo durante o reality show. Isso fica claro no trecho final em que o internauta afirma “Que seja julgado e condenado pra aprender como se deve tratar uma mulher”. Nesse caso, o internauta utilizou expressões – “julgado” e “condenado”- que têm relação com a palavra punição, um dos significados de suplício, segundo o MICHAELIS Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (2017). A condenação por um crime, no Brasil, leva a uma punição, que é a prisão. Trata-se de uma punição corporal na medida em que atinge o estado de liberdade, provocando no indivíduo a sensação desconfortável de não poder ir e vir livremente. Como o estado psicológico está intimamente ligado ao corpo como um todo, segundo De Castro, Andrade e Muller (2006), então é possível afirmar que a prisão é também uma pena corporal, pois atinge o campo das ideias do sujeito. Sendo assim, o comentário do internauta pregava a aplicação de uma punição corporal ao médico, suposto agressor da companheira durante o programa de televisão, logo, instigava a aplicação de um suplício. Interessante notar a reação de outros internautas ao comentário mostrado na Figura 65, que recebeu 151 “curtidas”, mas que foi “159” vezes “não curtido”. Isso mostra que houve adesão ao posicionamento do internauta. Em contrapartida, mostra também que não se trata de um pensamento uníssono, isto é, a maioria dos internautas não comunga da mesma ideia sobre “punir” o protagonista da notícia. Pode-se dizer, 122

então, que o processo de estabelecimento de identidade cultural, conforme proposto por Jenkins, Green e Ford (2014), nesse caso, não foi unidirecional80 e não foi suficiente para propagar esse posicionamento acerca da situação. Tanto é que outros comentários à reportagem levaram adiante manifestação de apoio ao protagonista, em vez de indicar sua punição (Figura 66).

Figura 66: Comentários em defesa do protagonista da notícia analisada na seção 5.3.3

Fonte: Szpacenkopf (2017b).

Com relação à categoria de análise do espalhamento de informações na internet, observou-se que, assim como a notícia da seção 5. 3. 2, esta também trouxe a íntegra

80 Unidirecional no sentido de homogeneidade de pensamento, ou seja, nem todos pensam da mesma forma, no mesmo sentido. 123

do texto publicado pelo protagonista em sua página pessoal no Twitter, conforme mostrado na Figura 67.

Figura 67: Íntegra de texto publicado pelo protagonista em sua página no Twitter.

Fonte: Szpacenkopf (2017b).

Sendo assim, na notícia analisada nesta seção, verificou-se a ocorrência de subcategoria de análise da instigação à aplicação de um suplício (Figura 65), bem como da categoria de análise do espalhamento de informações na rede mundial de computadores (Figura 67).

5. 3. 4 Marcos é o 3º participante expulso do “BBB”. Relembre outros casos

A notícia desta seção não se reporta a nenhum outro site que trate de informações sobre o protagonista da matéria e, diferentemente do que fizeram as outras, esta reportagem não reproduz o texto que o médico, acusado de praticar uma agressão contra sua companheira durante o reality show, publicou em sua página no Twitter. Além disso, após analisar a matéria, não foram encontradas palavras, termos ou expressões que remetessem ao significado de suplício, tampouco sinônimos desse vocábulo. Logo, não foi constatada a presença de categorias ou subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício por meio da internet. 124

Por conta da ausência de elementos que constituem as categorias de análise do espalhamento e da instigação à aplicação de uma punição corporal, pode-se concluir, preliminarmente, que não se pode falar induzimento à execução do suplício sem que se fale em punição ao protagonista da matéria, no texto da reportagem ou nos comentários à notícia.

5. 3. 5 Marcos é o 3º participante expulso do “Big Brother Brasil”; relembre outros casos

Embora seja de um autor diferente e tenha um conteúdo diferente, as observações sobre esta notícia são as mesmas da matéria jornalística comentada na seção anterior. Isso porque não foi contatada a transposição de imagem, texto ou vídeo de um outro site da internet para a notícia analisada, bem como não foram encontradas palavras, termos ou expressões que fizessem alusão ao significado do vocábulo suplício, ou a sinônimos dele. Também não foram observadas remissões ou alusões a informações sobre o protagonista publicadas em outros endereços eletrônicos. Portanto, não foram encontradas, nesta reportagem, as categorias de análise do espalhamento de informações, tampouco da instigação à aplicação do suplício.

5. 3. 6 Marcos diz sentir pena de quem acredita em um relacionamento dele com Emilly

Feita a análise, verificou-se que não há, nesta notícia, categoria ou subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício. Em que pese conste, no título desta notícia, a palavra “pena”, essa não faz alusão à punição, castigo, sanção, etc. Como nos outros casos, procurou-se, no espaço “comentários”, indícios da presença de palavras, termos ou expressões da categoria e subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício. Porém não foi possível acessar esse espaço no 125

site que abriga a notícia analisada, pois depende de cadastramento por intermédio de conta de e-mail ou do Facebook (Figura 68).81

Figura 68: Espaço dedicado ao cadastramento para acessar e escrever comentários.

Fonte: Mundo de Notícias (2017).

Sendo assim, não se concretizam nesta reportagem categorias ou subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício. Entretanto, constatou-se que a notícia fez remissão a informações publicadas pelo protagonista em sua página pessoal no Facebook, ou seja, em outro site da web. Em razão disso é possível afirmar que ocorreu a categoria de análise do espalhamento de informações, conforme Figura 69.

Figura 69: Trecho 1 da notícia analisada na seção 5.3.6.

Fonte: Mundo de Notícias (2017).

81 Embora não se exija um pagamento em dinheiro, compreende-se que há um “custo” envolvido no acesso aos comentários sobre a matéria analisada porque o site demande cadastramento através da conta de e-mail, ou em site de rede social. Em outras palavras, há uma troca de dados necessária para que se possa ter acesso aos comentários (lê-los, ou escrevê-los). Portanto, não é “gratuito” o acesso a essa parte da matéria, pois depende desse câmbio de informações, cujo valor deve ser avaliado, principalmente, por seu titular. Afinal, a informação pode ter um valor econômico substancial para empresas que atuam no ramo do e-commerce, mas isso não é assunto a ser abordado neste estudo. 126

Por fim, nessa notícia houve espalhamento, considerando o fato de que a reportagem fez remissão a texto publicado em outro ambiente na internet. Contudo, não houve instigação à aplicação do suplício, pois não foram encontradas palavras, termos ou expressões ligadas ao significado de suplício, ou a sinônimos desse vocábulo, e que estivessem se referindo ao protagonista da notícia.

5. 3. 7 BBB 17: Marcos faz ato proibido, leva bronca grave e pode ser expulso

No caso desta seção, verificou-se que a notícia analisada preza pela mesma estética de apresentação que a da seção 5. 3. 6. Em outras palavras, a forma como estão dispostos texto e imagens é idêntica à da matéria intitulada “Marcos diz sentir pena de quem acredita em um relacionamento dele com Emilly”. O espaço para comentários, inclusive, repete o que foi mostrado na Figura 69, na seção anterior. Por isso não se trará, novamente, uma imagem que mostra o mesmo que já foi apresentado anteriormente. Diferente da notícia da seção passada, nesta não há remissão ou alusão a publicações feitas pelo protagonista, ou referências a informações coletadas em outros sites da internet. Então, não se fizeram presentes as categorias de análise do espalhamento de informações. Também não ocorreram, nesta notícia, as categorias e subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício.

5. 3. 8 BBB 17: Emilly e Marcos cometem infração gravíssima e podem ser expulsos

Assim como as notícias das seções 5. 3. 6 e 5. 3. 7, a desta seção utilizou a mesma estrutura estética de apresentação. Além disso, da mesma forma que as anteriores, não contém nenhuma palavra, termo ou expressão que signifique suplício, conforme o MICHAELIS Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (2017), ou que sejam sinônimos. Logo, não foi constatada a ocorrência das categorias e subcategorias de análise da instigação da aplicação do suplício. 127

No mesmo sentido do que foi dito sobre o espalhamento de informações na notícia da seção 5. 3. 7, observou-se que o acesso ao espaço para comentários de internautas à matéria jornalística analisada também depende de cadastro: através da conta de e-mail do usuário, ou de perfil no Facebook. Então, por não ser um “espaço” de acesso livre, ou seja, mediante conexão com a internet e sem outras exigências, eventuais comentários à matéria não foram considerados nesta análise. Neste caso, não foram encontradas categorias ou subcategorias de análise da instigação à aplicação do suplício, tampouco de espalhamento de informações na rede mundial de computadores. No capítulo seguinte, apresenta-se uma síntese dos resultados encontrados na execução da análise de conteúdo feita nas últimas seções, revelando, através de figuras, tabela e gráfico, os principais dados obtidos na aplicação da metodologia proposta.

128

6 SÍNTESE DOS RESULTADOS APÓS A ANÁLISE DE CONTEÚDO

Feita a análise de todo o conteúdo selecionado, a resposta ao problema de pesquisa82 é: sim, os internautas instigam a aplicação do suplício por meio da internet, tendo por base a superexposição da intimidade e o espalhamento de informações na rede mundial de computadores. Chegou-se a essa conclusão após a confrontação dos dados levantados durante a análise de conteúdo. Confrontação no sentido de apurar o significado das informações colhidas durante a pesquisa, levando em consideração, principalmente, as categorias de análise selecionadas, resumidamente desenhadas na Figura 70.

Figura 70: Relembrando as categorias de análise

Fonte: elaboração do autor.

82 O problema de pesquisa desta dissertação é o seguinte: o espalhamento de informações na internet reintroduziu o suplício, induzindo a aplicação dessa punição?

129

Fez-se questão de destacar as categorias de análise por letra e números na Figura 70 a fim de facilitar a visualização dos resultados da análise, conforme expostos na Tabela 5.

Tabela 5: Síntese da análise de conteúdo CATEGORIAS E SEÇÃO OBSERVAÇÕES SUBCATEGORIAS

5. 1. 1 A2; B1

5. 1. 2 B2

5. 1. 3 A2; B1

*O acesso ao espaço para comentários de internautas 5. 1. 4 B2* depende de pagamento ou cessão de dados cadastrais de e- mail ou de perfil em site de rede social.

**Embora tenha sido observada a ocorrência de 5. 1. 5 A2**; B1 subcategorias de análise, não há conexão entre essas subcategorias e o protagonista da notícia.

A partir de informações contidas nesta notícia, obteve-se 5. 1. 6 B2 acesso a outro site.

**Embora tenha sido observada a ocorrência de 5. 1. 7 A2**; B1; B2 subcategorias de análise, não há conexão entre essas subcategorias e o protagonista da notícia.

**Embora tenha sido observada a ocorrência de 5. 1. 8 A2**; B1; B2 subcategorias de análise, não há conexão entre essas subcategorias e o protagonista da notícia.

5. 1. 9 A2; B2

5. 2. 1 A1; A2; B1; B2

5. 2. 2 A2; B1; B2

5. 2. 3 A2; B1; B2

***Embora tenha sido observada a ocorrência de 5. 3. 1 A2*** subcategorias de análise, não há conexão entre essas subcategorias e o protagonista da notícia.

5. 3. 2 B1; B2

5. 3. 3 A2; B1

5. 3. 4 130

5. 3. 5

No texto da notícia aparece palavra que tem relação com o significado de suplício, porém não faz alusão a castigo. 5. 3. 6 A2* *O acesso ao espaço para comentários de internautas depende de pagamento ou cessão de dados cadastrais de e- mail ou de perfil em site de rede social.

*O acesso ao espaço para comentários de internautas 5. 3. 7 depende de pagamento ou cessão de dados cadastrais de e- mail ou de perfil em site de rede social.

*O acesso ao espaço para comentários de internautas 5. 3. 8 depende de pagamento ou cessão de dados cadastrais de e- mail ou de perfil em site de rede social. Fonte: elaboração do autor.

A Tabela 5 resume o que foi observado em cada notícia analisada. Por exemplo, na notícia da seção 5. 1. 1, foram encontradas palavras que remetem ao significado do vocábulo suplício, bem como verificou-se que a matéria jornalística analisada continha texto, imagem ou vídeo extraído da página pessoal do protagonista em site de rede social. A fim de evidenciar quantitativamente esses dados coletados durante a análise de conteúdo, elaborou-se o Gráfico 1, no qual é mostrado em quantas notícias83 aparece cada uma das quatro categorias de análise (Figura 70).

Gráfico 1: Número de ocorrências – categoria por notícia. B2, 10, A1, 1, 3% 30%

A2, 12, 37%

B1, 10, 30%

Fonte: elaboração do autor.

83 Ao total, foram vinte notícias, dentre as quais, nove do primeiro caso (Tabela 1), três do segundo (Tabela 2) e oito do terceiro (Tabela 3). 131

De um modo geral, a instigação à aplicação do suplício na internet, de acordo com a análise de conteúdo realizada, somente ocorre quando, além da ocorrência daquelas categorias e subcategorias de análise da letra “A” da Figura 70, é possível verificar o posicionamento dos internautas em relação ao protagonista de determinada notícia. Constatou-se que as ideias dos internautas - ou seja, seu posicionamento diante de algum fato ou sobre alguém - podem ser deduzidas a partir de suas manifestações acerca do que se publica na internet. Dentre essas manifestações, destacam-se os comentários às reportagens publicadas em portais de notícias. Assim, dependendo do conteúdo da matéria, pode-se correlacionar o comentário do usuário da web a ela. Isso porque, às vezes, esses internautas expressam suas opiniões em relação a outros temas que não têm relação direta com o site onde estão alojados a notícia e seus comentários a ela. Essa observação sobre o posicionamento dos internautas como elo de ligação entre a opinião do usuário da web – agente da instigação à aplicação do suplício – e as categorias e subcategorias de análise do induzimento à execução de uma pena corporal, é uma novidade, isto é, não estava inicialmente prevista no início da pesquisa. Entretanto, revelou-se de fundamental importância para se afirmar que em um caso, ou outro, há instigação à aplicação do suplício.84 Apurou-se também que instigação à aplicação do suplício tem como condição necessária a superexposição da intimidade na internet, bem como o espalhamento de informações na rede mundial de computadores. A superexposição, ou extimidade, pode ser provocada pelo próprio titular das informações divulgadas na web e também por terceiros, dentre eles, os portais de notícias. Exemplo disso é o que ocorre na notícia da seção 5. 1. 6 (Tabela 5). Nesse caso, a matéria divulgou o nome completo do envolvidos no caso narrado pela reportagem, informações que foram suficientes para se chegar a outras notícias nas quais internautas aproveitaram o espaço apropriado de comentários para explorar suas opiniões, quase todas no sentido de que o protagonista

84 Embora nas notícias das seções 5. 3. 1 e 5. 3. 6 (Tabela 5) tenham aparecido palavras, termos ou expressões abrangidas por categoria ou subcategoria de análise da instigação à execução de uma punição corporal, física ou psicológica (Figura 70), não foi possível correlacioná-las ao protagonista. Portanto, essa relação é essencial para verificar se houve ou não instigação à aplicação do suplício. 132

deveria sofrer um castigo corporal, ou seja, um suplício. Mas a superexposição pode ser provocada pelo próprio titular das informações sobre as quais os portais de notícias produzem suas matérias. Em razão da exploração da extimidade pela própria acusada de colocar seu animal de estimação em um micro-ondas ligado, internautas tomaram conhecimento dos fatos e os espalharam. Nesse contexto, instigavam a aplicação do suplício a ela, a suposta agressora. Além disso, concluiu-se que a instigação à aplicação do suplício não depende estritamente do espalhamento de informações na internet, mas da relação entre a opinião dos internautas e o protagonista da notícia, em uma relação na qual aqueles desejam, genericamente, que esse seja punido corporalmente. O espalhamento contribui para que a informação sobre alguém se perpetue ou que, no mínimo, alcance outros internautas, mas não tem uma relação imediata com a instigação à aplicação do suplício, isto é, pode haver um, mas não o outro. Foi o que se verificou nos casos das seções 5. 1. 2, 5. 1. 4, 5. 1. 6, 5. 3. 1 e 5. 3. 6. Nelas não há relação lógica entre ambos, isto é, onde se verifica o espalhamento, nem sempre se verifica a instigação à aplicação do suplício e vice e versa. Por fim, todas as principais conclusões deste estudo podem ser resumidas nas afirmativas arroladas na Tabela 6.

Tabela 6: Resumo das conclusões da pesquisa

(1) A instigação à aplicação do suplício só ocorre quando se pode ser verificado que os internautas desejam a punição corporal do protagonista da notícia

(2) O espalhamento de informações não é condição para a instigação à aplicação do suplício, mas contribui para a perpetuação dessas informações na web

(3) O efeito da instigação só ganha destaque quando o posicionamento dos internautas que fazem os comentários é homogêneo, ou, no mínimo, revelam um processo de identificação cultural pelo qual a maioria é levada a pensar da mesma forma. Fonte: elaboração do autor.

A seguir, no último capítulo desta dissertação, apresentar-se-ão as considerações finais à pesquisa, dando o desfecho necessário às discussões que até aqui foram feitas. 133

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A internet já não é mais uma novidade, porém não deixa de surpreender com suas inúmeras aplicações, que também não param de aumentar e se modificar para permitir novos usos, novas possibilidades. São tantas as possibilidades na web quantos são os debates que surgem a partir de cada nova forma de utilização daquela que, em 2015, alcançou o posto de segundo meio de comunicação mais utilizado no Brasil, segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2016). Outras manifestações culturais surgem sempre que internautas revelam um novo jeito de explorar a rede mundial de computadores. Veja-se, por exemplo, o jeito de se comunicar e o comportamento de muitos usuários da internet quando o aplicativo ICQ foi lançado, em 1996, era diferente de quando surgiu o Facebook, em fevereiro de 2004 (REDAÇÃO OLHAR DIGITAL, 2012). No período compreendido entre 1996 e 2004, o jeito de consumir mídia através da internet, por exemplo, modificou-se bastante. Para fazer o download85 de uma música, na década de 90, era necessário dedicar muito tempo procurando-a em diversos sites: isso mudou. Os populares programas de computador que utilizavam a web para que funcionassem como mecanismos de compartilhamento de arquivos, como o Napster, deram lugar a sites de redes sociais onde é possível ouvir música imediatamente, logo ao acessar o endereço eletrônico, a exemplo do que o YouTube, atualmente, permite fazer. A propósito, os sites de redes sociais, que popularizaram o termo web 2.086, mostraram que a comunicação entre as pessoas modificou o modo como a intimidade também passou a ser vista. A extimidade, expressão utilizada por Sibilia (2016), é o termo pelo qual se define essa postura do internauta, que consiste em deixar translúcida toda sua intimidade em um ambiente acessível a outras pessoas. É assim

85 De acordo com Brito (2012), o download “é um termo que corresponde à ação de transferir dados de um computador remoto para um computador local”. 86 A Web 2.0 designa uma geração de serviços e aplicações da internet, que permitem acessar e, ao mesmo tempo, criar conteúdo, distribuindo-o por meio da rede mundial de computadores.

134

que agem os internautas, expondo voluntariamente cada aspecto de sua vida privada e explorando a intimidade uns dos outros. Nesse ambiente de constantes mudanças, tornaram-se práticas comuns a exposição da vida íntima e a emissão de opiniões sobre tudo o que acontece nesse reduto pessoal ao qual, em razão de aplicações como o Facebook, o Instagram, o Twitter e outros, tantas pessoas desconhecidas podem ter acesso. Assim como podem ter acesso ao que o outro usuário faz, ou vê, os internautas têm a seu dispor mecanismos para exercer influência sobre a paz alheia e até sobre a integridade física alheia. Tome-se de exemplo o caso citado no início deste trabalho, sobre uma mulher que foi espancada violentamente, até a morte, no Estado de São Paulo, em razão de boatos espalhados na internet, os quais davam conta de que ela era uma criminosa, que sequestrava crianças para a prática de rituais de magia negra. Do poder que youtubers87 exercem sobre seus seguidores ao modo como as pessoas se comportam porque acharam uma pessoa na rua parecida com outra, cujo rosto foi estampado em uma foto divulgada no Facebook como sendo o de um criminoso, é evidente a influência que os indivíduos passaram a exercer, uns sobre os outros, por meio da internet. A instigação à aplicação do suplício, da mesma forma, é oriunda dessas novas manifestações que, diante da instabilidade política do país, tornaram-se frequentes no ambiente virtual. Os efeitos dos insultos e das declarações de ódio propagadas na rede mundial de computadores foram desprezados em favor de uma nova ordem instaurada por aqueles que clamam por renovação, mudanças e “justiça” onde qualquer pessoa pode dizer praticamente tudo o que quiser. É verdade que há lei federal que protege o cidadão de ingerências do Estado sobre o modo como pode usar a internet e, principalmente, sobre o direito que o indivíduo tem de manifestar seu pensamento na rede mundial de computadores. Trata- se do Marco Civil da Internet, nome dado à Lei Federal nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Logo no segundo artigo dessa lei, estabeleceu-se que a disciplina do uso da internet no país deve garantir o respeito à liberdade de expressão, que é princípio

87 Segundo Nogueira (2015), youtuber é um indivíduo formador de opinião, que influencia seus seguidores por intermédio de vídeos publicados no site de redes sociais denominado Youtube. 135

básico e também condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet, conforme dispõem os artigos 3º e 8º daquela que é chamada de Constituição da Internet. A par dos instrumentos jurídicos para proteger o direito de se manifestar livremente na internet, existem outros para garantir a proteção contra danos e ingerências sobre a intimidade. É o que se encontra no próprio Marco Civil da Internet (art. 7º, inciso I), bem como nos Códigos Penal e Civil. O primeiro criminaliza a injúria e a invasão a sistemas de informática. O segundo, por sua vez, garante a indenização para aqueles que tiverem seus direitos lesados. São regras importantíssimas para manter – ao menos formalmente – o equilíbrio das relações entre os indivíduos, permitindo que exerçam livremente seu direito à manifestação do pensamento, mas sem desproteger aqueles que podem ser ofendidos em decorrência dessas manifestações. Mesmo assim, têm se mostrado insuficientes. A lei, que é a ferramenta necessária para garantir a paz em um Estado que se diz de Direito, isto é, no qual todos, inclusive o Governo e seus agentes devem obedecer às regras jurídicas, não alcança, porém, aqueles que, por meio da internet, ostentam discursos de ódio e defendem a agressão contra os “malfeitores” do país a título de punição exemplar. A web se tornou palco para “justiceiros” defenderem seus pensamentos publicamente e, por meio de palavras, imagens e outros recursos, atacar aqueles que ousaram agir de modo contrário às convicções dos “justos”, dos que se dizem cidadãos de bem. Mas e quem são os cidadãos do mal? Aqueles sobre quem se fala na internet e sobre os quais há informações “incontroversas”, imputando-lhes a prática de algum injusto àqueles que são “do bem”? É fácil encontrar no Facebook, um dos sites de rede social mais utilizado no Brasil (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2016), publicações cujo texto “pede” que se compartilhe uma imagem ou mesmo uma narrativa para ajudar a encontrar uma pessoa que se perdeu, ou para que todos vejam o rosto de um suposto criminoso que circula pelas ruas de um bairro e, então, tomem o devido cuidado. Os recursos para chamar a atenção de outros usuários da internet são vários e as consequências podem ser 136

imensuráveis. Isso porque, nem tudo o que se “fala” na web é verdadeiro, mas basta que o fato pareça verídico para ser “distribuído” e se multiplique através da rede. Nesse contexto, o espalhamento de informações, a estrutura palinóptica da web e a exposição na rede mundial de computadores convergem e facilitam esse processo de “fazer justiça” do qual internautas alegam participar ativamente. Mesmo aqueles que não se expõem voluntariamente na web estão sob o olhar vigilante dos internautas, basta que alguma informação seja publicada por um terceiro que, espalhando-se, passará a fazer parte do banco de dados virtual. Os internautas têm acumulado poder de influência sobre a vida alheia, pois a rede mundial de computadores lhes permite criar conteúdo e divulgá-lo (sem restrições, em princípio), espalhando informações pela rede, suficientes para induzir pessoas a agir de uma ou de outra forma. Nesta dissertação, na qual foi realizado estudo multicaso através da análise de conteúdo, demonstrou-se que essas novas manifestações na internet, que instigam a aplicação de castigos corporais, devem ser vistas com olhares cuidadosos. Elas merecem toda a atenção, porque são capazes de gerar danos irreparáveis a pessoas sem envolvimento nenhum com aquilo de que são acusadas e que, mesmo depois de absolvidas em processo judicial, ou que sequer foram processadas ou investigadas, são submetidas a sofrimento e a perdas irrecuperáveis. Mais uma vez, vale o exemplo da dona de casa espancada por ter sido confundida com praticante de magia negra. O objetivo geral do trabalho, que era avaliar se os internautas podem instigar a aplicação do suplício com base na superexposição na web e o espalhamento de informações na rede mundial de computadores, foi alcançado, assim como também foram atingidos os objetivos específicos, que consistiam em: 1) analisar o conceito de suplício e seus requisitos; 2) demonstrar as relações existentes entre extimidade, espalhamento de informações na internet e o panoptismo e suas variações contemporâneas; 3) verificar se os internautas instigam a aplicação do suplício a partir da rede mundial de computadores, utilizando-se do espalhamento de informações na internet. 137

Considerando os objetivos estabelecidos, esta pesquisa confirmou as hipóteses inicialmente propostas88, dando conta de que, nesse ambiente em que as pessoas agem como “justiceiras”: 1) o suplício é uma forma de castigo corporal, que pode adotar a forma de sofrimento físico, ou psicológico; 2) o espalhamento das informações contribui para a perpetuação da instigação à aplicação do suplício, de modo que aquilo que se publica na internet e passa a ser propagado pelos internautas não é “esquecido” e permanece por tempo indefinido na rede, sendo objeto de comentários depreciativos; 3) os comentários dos internautas em notícias publicadas na web, ou sobre elas, – cuja veracidade não é comprovada - são fundamentais para a instigação à aplicação do suplício; 4) os internautas utilizam a internet como meio para instigar a aplicação do suplício a pessoas que são classificadas pelos usuários da web, em seus comentários e manifestações na rede, como culpados de ilícitos que não se sabe se efetivamente cometeram. Ao final, o que se observa é que os internautas julgam, condenam e, ao que tudo indica, estão dirigindo a execução de uma pena sem qualquer medida. Muitas vezes, a balança de Thêmis89 está nas mãos dos usuários da web, mais do que sob o comando dos juízes, a quem incumbe o poder de dizer o que é, ou não é devido.

88 Há que se fazer uma ressalva quanto a uma das hipóteses elencadas: o espalhamento de informações, após a realização da análise de conteúdo, na verdade, potencializa os efeitos da instigação à aplicação do suplício, porém não é parte intangível do processo de induzimento à execução daquela pena corporal, física ou psicológica. 89 Deusa da Justiça e personificação da ordem e da Lei (CRUZ e ABREU, 2016). 138

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