Juventude, libertação e história– um estudo a partir de letras de músicas de David Bowie (Starman a Blackstar)

EMÍLIA SARAIVA NERY*

A minha experiência pelo campo temático História e Música se iniciou com o meu trabalho de conclusão do curso de graduação em História1, quando estudei letras de música objetivando indagar sobre a relação entre o universo do rock e a ansiedade juvenil, a partir das produções lítero-musicais dos grupos de rock The Doors2 (1967-1971), Joy Division3 (1977- 1980) e Nirvana4 (1989-1994)5. Da mesma forma, no decurso da graduação em História, realizei, como bolsista de iniciação científica, pesquisa sobre a identificação musical da juventude brasileira com dois cantores que se destacaram no pop-rock brasileiro dos anos 1980 e 1990: Cazuza e Cássia Eller6. Nos trabalhos citados anteriormente, utilizei procedimentos de análise das músicas voltados, exclusivamente, para as suas letras. Pois, ao ouvir as músicas conseguia identificar, no máximo, os seus gêneros, tais como: rock, pós-punk, grunge e pop-rock. No momento da análise das canções selecionadas, importei os modelos teóricos de Sigmund Freud (FREUD, 1976: p.457-481), Helena Abramo (ABRAMO, 1994) e Mircea Eliade (ELIADE, 1989: p.43- 54) para compreender a ansiedade juvenil e os valores perdidos na passagem do mundo juvenil para o mundo adulto, tais como: grupo, música, amor, eu. Revelei, a partir da reflexão teórica dos citados autores que tratam da ansiedade do homem contemporâneo em relação ao tempo e à história, que a ansiedade desses jovens pode ser vista como um rito de passagem específico de nossa cultura e, numa perspectiva mais ampla, a existência de uma tensão do

* Doutora em História pela Universidade Federal de Uberlândia-UFU. Docente de Direito pela Faculdade de Ciências e Tecnologia do Maranhão e de História pela Secretaria de Educação do Estado do Piauí. 1Trata-se da monografia “Juventude, Ansiedade e a História – um estudo a partir de letras de música rock”, escrita sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Ângelo Meneses de Sousa, do Departamento de História da UFPI. 2 Banda de rock, que surgiu em 1967 na cidade norte-americana de San Francisco. O grupo era composto por Jim Morrison (vocal), Ray Manzarek (teclas), Robby Krieger (guitarra) e Jonh Desmore (bateria). 3 Banda pós-punk, que por volta de 1976 surgiu na cidade inglesa de Manchester. O grupo era formado por Ian Curtis (vocal), Bernard Sumner (guitarra), Peter Hook (baixo) e Stephen Morris (bateria). 4 Banda grunge que surgiu em 1986 na cidade norte-americana de Seattle. Sua formação principal era: Kurt Cobain (vocal e guitarra), Krist Novoselic (baixo) e Dave Grohl (bateria). 5NERY, Emília Saraiva. Juventude, ansiedade e a história: um estudo a partir de letras de música rock. 2005. Monografia. (Graduação em História) - UFPI, Teresina, 2005. 6Trata-se da pesquisa “Nas trilhas de Cazuza e Cássia Eller: a juventude antimonotonia dos anos 80 e 90”, desenvolvida entre os anos de 2003 e 2004 sob a orientação do professor Dr. Francisco de Oliveira Barros Junior, do Departamento de Ciências Sociais da UFPI.

homem contemporâneo entre a consciência do enraizamento na história e o desejo de ultrapassar essa condição histórica. Atualmente, na elaboração do meu projeto de pós-doutorado, “Juventude, libertação e história – um estudo a partir de letras de músicas de David Bowie (Starman a Blackstar)”, estou retornando aos estudos do gênero da música rock, a partir das canções do britânico David Bowie. Ele nasceu em 8 de janeiro de 1947 na cidade de Londres. Foi um dos precursores do punk rock dos anos 1970. As suas influências musicais mais evidentes eram: “[...] os cantores Jacques Brel e Scott Walker, além de Syd Barret, o primeiro vocalista do Pink Floyd (MARTHE e MARTINS, 2016: p. 67)”. Como também, foi marcado pelo jazz, a literatura beat dos anos 1950, os discos de Chuck Berry, Little Richard e de Fast Domino. Bowie ficou conhecido como “camaleão do rock”, pois, graças à sua formação em Artes Plásticas, criava histórias e personagens alienígenas. No seu álbum, intitulado como Space Oddity, o personagem Major Tom vagueia pelo espaço sem rumo.

Começou criando o alter ego Major Tom e, em seguida, encarnou personas com identidade visual e gestual bem definida: o alienígena Ziggy Stardust, o doidão Aladdin Sane e o Magro Duque Branco – este um enfant terrible que dava declarações bombásticas enaltecendo o nazismo, mas acabou inspirando um disco belíssimo, Station to Station, no qual o cantor, em luta contra o vício em cocaína, rogava a Deus por um norte para a sua existência (MARTHE e MARTINS, 2016: p. 67).

A música- título Space Oddity foi utilizada pelo canal de Televisão British Broadcasting Corporation - BBC de Londres - como trilha sonora da chegada do homem à Lua, em 1969. No ano da sua composição, Os EUA foram bem sucedidos no seu objetivo de alcançar a Lua antes da URSS, com a missão Apollo 11, através da qual o “astronauta libertado” Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar na Lua em 20 de julho de 1969. A corrida espacial e a conquista da Lua foram um épico moderno recheado de aventura, perigo, desconfiança e emoção. Milhões de pessoas acompanharam pela televisão os passos desta aventura e festejaram a chegada do homem à Lua como uma das maiores realizações da humanidade. O sujeito poético narra a viagem ao espaço realizada pelo astronauta Major Tom. Viajar para o espaço significa na referida música ultrapassar as milhas da razão e não retornar mais para o planeta Terra. David Bowie descreve o lançamento da nave espacial e a saída do astronauta da nave nos seguintes trechos:

This is Major Tom to ground control/I'm stepping through the door/And I'm floating in the most peculiar way/And the stars look very different today/For here am I sitting in a tin can/Far above the world/Planet Earth is blue, and there's nothing I can do (BOWIE, 1969)7.

As demais músicas tinham letras com temáticas pessoais, para além da psicodelia dos anos 1960 e relacionadas com a vida e o comportamento de Bowie. O ritmo sonoro predominante era de folk rock no estilo de Bob Dylan.

‘Letter to Herminone’ era uma balada leve dedicada à sua ex-namorada, Hermione Farthingle, que também era o tema de ‘An Occasional Dream’. ‘Memory of a Free Festival’ aludia a um evento que ele ajudara a organizar no verão de 1969 para o Beckenham Arts Lab, com o qual estava estreitamente envolvido. ‘Cygnet Committee’, que indicava com mais precisão o futuro rumo musical de Bowie, era uma crítica a hippies que seguiam líderes carismáticos dúbios (EVANS, 2016, p. 12).

Na música Starman (1972), que chegou a receber uma versão brasileira Astronauta de Mármore (1989) realizada pela banda Nenhum de Nós, o sujeito poético narra cantando, a partir de uma vocalização aguda e em piano e do dedilhar de um violão, a possibilidade do contato de um homem estelar com terráqueos através do rádio, da TV e da música, especialmente do rock in roll e soul. Em seguida, ele clama por esse encontro, apesar de afirmar que os seres humanos adultos não estarem prontos para tal, pois confundiria as suas mentes. Dessa maneira, somente as crianças e os jovens teriam a capacidade de usar a imaginação e mudar o mundo através da música, da paz e do amor.

There's a waiting in the sky /He'd like to come and meet us /But he thinks he'd blow our minds /There's a starman waiting in the sky /He's told us not to blow it /Cause he knows it's all worthwhile /He told me /Let the children lose it /Let the children use it /Let all the children boogie (BOWIE, 1972)8.

David Bowie se transforma no alienígena, Ziggy Stardust de The Rise and Fall of Ziggy Stardustand Spiders From Mars (1972), desde o seu figurino e corte de cabelo. Ele veste calça e blusa colorida e cabelo curto e levemente repicado no clipe oficial de Starman.