#3 Revista da Disciplina Técnica de Reportagem II • ECO/UFRJ DEZ/2017

Sonhos e pesadelos de Presidente da Câmara dos Deputados fala de seu interesse no Palácio do Planalto e da reforma da Previdência

MULHERES NA POLÍTICA: Brasil tem um dos piores índices de participação feminina no Executivo e no Legislativo

O que fazer para O mundo se move: Projeto incentiva A paixão pelos times evitar os suicídios imigração no Brasil mulher na ciência de menor investimento ANÚNCIO

2 É pecial da turma de Jornalismo Político, da qual tivemos pecial daturmadeJornalismoPolítico,qualtivemos UFRJ. Neste número, contamos com a participação es Técnica deReportagemIIdaEscolaComunicação da reportagens produzidaspelosalunosdasduasturmasde cídio eaimigração.OBrasilédestaquenosdois.No ciências exatas,sãooshomensqueaindadominam. as regiõesdopaís,quandosetratadecursosdaáreadas estejam em maior número nas universidades, em todas gem masculinizadadocientista.Mesmoqueasmulheres portagem sobreoprojetoquetentadesconstruiraima rankings daparidadeentreossexosnessaárea. ca. Não por acaso o Brasil amarga as piores posições nos entre asparticipaçõesfemininasemasculinasnapolíti nas o sintoma clássico do desequilíbrio já costumeiro Dilma Rousseffem2016,eraape do impeachmentdapresidenta mado sóporhomens,logodepois ministério deMichel Temer for tivo eLegislativo.Afotografiado mens ocupandocargosnoExecu entre onúmero demulheres eho discrepante ehistóricadiferença através daabordagemsobrea atual dopaís. importante nocenáriopolítico arte daentrevista,aindamaiscomumpersonagemtão o(a)s jovensestudantespuderamexercitaraimportante Sob aorientaçãodaprofessoraFernanda daEscóssia, te daCâmaradosDeputadosRodrigoMaia(DEM-RJ). a grataalegriadereceberumaentrevistacomopresiden Outros doistemassensíveisabordadosforamosui O papeldasmulheres continua empautacomare A políticaseguecomotema

EXPEDIENTE Zoom, umespaçovoltadoparaapublicaçãodas com ele, apresentamos a 3ª edição da revista chegado ofimdosemestreletivode2017-2e, Capa Projeto Gráfico Professores responsáveis Coordenadora deJornalismo Vice-Diretora Diretor Turma Jornalismo Político Turma 2 Turma 1

F

ernand A maury

P F ernando aulo E F C

stevam C ristina ernandes P aulo ésar E werton - - - - C R C ésar ego astro Avenida Pasteur, 250 As reportagens encontram-sehospedadas nositedadisciplina: www.parlamidia.com M news precisamos paraqueas C

onteiro astro F ern C qualidade é tudo o que qualidade étudooque “ ristiane informação ética e de informação éticaede a nd nãoprosperem. EDITORIAL a

d Nos tempos atuais, Nos temposatuais, a C ECL383 Revista daDisciplina

E osta s c Universidade FederaldoRiodeJaneiro óssi • a ------Fundos E scola # GabrielaSilva # GabrielaMorgado # GabrielNacifPaes # GabrielMonteiro # GabrielLeite # FabianodaSilveiraFerreira # DiegoKlein # CamilaFonseca # CaioBrasil # BrunaVilardosS.Pereira # BeatrizVianna # AnaCaroline Almeida # AnaCarolina Souza # AnaCarolina Santos aqui vindos de outros países. Se os brasileiros recebem aqui vindosdeoutrospaíses.Seosbrasileirosrecebem cita ideiadequeoBrasilé“legal”comoschegam de suicídio,eseomitirsobreaquestão. forma sensacionalista,podendoincentivarnovoscasos limite, paraojornalismo,entredaratençãoaotemade um tema tão sensível. Eles aprenderam quão tênue é o reportagem ficaramoscuidadosnecessáriosparacobrir os estudantesquepropuseramapautaeproduziram 12% de2011a2015.Comoatividadejornalísticapara que atentam contra aprópria vida –umcrescimento de primeiro porquevemregistrandoaumentodepessoas perem. Boaleitura! tudo oqueprecisamosparaas a informaçãoéticaedequalidade.Nostemposatuais,é no trabalhodereportar,masdesdejápreocupadoscom forços dejovensqueestãodandoseusprimeirospassos mar, da melhor forma possível. Ela é o produto dos es gue subiràcabeçadosapaixonadostorcedores. equipes demenorinvestimento, senãoquiserfazerosan outros times“pequenos”.Pequenos,não!Chame-asde ca ostentarabandeiradeBangu,America,Bonsucessoe O esforçodareportagemfoiparamostraroquesignifi www.eco.ufrj.br •

PraiaVermelha de No caso da imigração, foi necessário não aceitar a tá Esperemos quearevistacumpraseupapeldeinfor C omunicação

T ” écnica fake fake  • Urca/RiodeJaneiro

Participaram destaedição: de # MarianaMartins # MariaPaula Diniz # ManuelaCarpenter # Lusiane SousadaSilva # Luciano Ferreira # Lavinya Andrade # Larissa InfanteHecht # KarinyLeal # JulianaCastro # JúliaSena # IsabelaMeiraAleixo # IngridMariz # GuilhermeMoreno # GabriellyAlves R eport xão dos torcedores pelos times do xão dostorcedorespelostimesdo Janeiro, maisprecisamenteapai África, AméricaLatinaeÁsia. e detraçosindígenas,oriundosda para osestrangeirosdepelenegra as mesmascordiaissaudações europeia, nemsempredispensam bem imigrantesbrancosdeorigem Brasileiro. Por essas é fácil torcer. Brasileiro. Poressaséfáciltorcer. tizadas dasérieAdoCampeonato coração. Masnãopelasequipeseli Por fim, o futebol do Rio de Por fim,ofuteboldoRiode agem • II RJ fake news # VitóriaSouzaMartins # StellaSacramentoV. Soares # Roanna AzevedoCunha # RaianeCardoso Pinto # RafaelaQ.D’EliaSampaio # PriscilaFirminoCarneiro # Pedro Umberto # Pedro AquinoPaiva # Paulo HenriqueA.dosSantos deM.Pessoa# MikaellArthur # MatheusPicinatti # MatheusAntonioF.Dantas nãopros 2017-2 /dezembro #3 ------Tomada aérea do campus Praia Vermelha da UFRJ, na Urca, zona Sul do

4 #3 • 2017-2 :: Dezembro

De olho no Palácio do Planalto À frente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) flerta com a 6 Presidência da República, mas diz que lhe faltam os votos para a candidatura

Política com M de mulher Apesar do maior contingente da população brasileira ser feminino, o Legislativo 12 e o Executivo continuam a ter ainda o domínio majoritário dos homens

Meninas nas Exatas Projeto da UFRJ busca mostrar que, apesar do peso da tradição, a 16 ciência não é sinônimo apenas da figura masculina

A vida nas próprias mãos Número de suicídios no Brasil cresce 12% entre 2011 e 2015, mas, 20 segundo a OMS, 90% dos casos podem ser prevenidos

De braços abertos, mas nem tanto... O Brasil até acolhe os imigrantes, mas se os traços físicos deles forem 28 negros e indígenas, o tratamento dispensado muda substancialmente

Time pequeno, paixão gigante A torcida por clubes de menor investimento ainda segue a tradição familiar e a 34 ligação com o bairro, mas a internet tem ajudado muito a captar novos torcedores

5 A agenda de Foto: Isabela Aleixo POLÍTICA I Rodrigo Maia

O presidente da Câmara dos Deputados sonha com a Presidência da República, mas diz que ainda lhe falta voto para isso

Participaram da entrevista: Ana Carolina Santos, Ana Carolina Souza, Ana Caroline Almeida, Beatriz Vianna, Bruna Vilar dos Santos Pereira, Fabiano da Silveira Ferreira, Gabriela Morgado Dias, Gabriel Nacif Paes, Ingrid Mariz, Isabela Meira Aleixo, Kariny Leal, Larissa Infante Hecht, Luciano Ferreira, Lusiane Sousa da Silva, Maria Paula Diniz, Manuela Carpenter, Mariana Martins, Matheus Antonio Fontes Dantas, Mikaell Arthur de M. Pessoa, Paulo Henrique Assad dos Santos, Pedro Aquino Paiva, Priscila Firmino Carneiro, Rafaela Queiroz D´Elia Sampaio, Raiane Cardoso Pinto, Roanna Azevedo Cunha, Stella Sacramento Valverde Soares, Vitória Souza Martins Orientação: Professora Fernanda da Escóssia

le chama o presidente da República pelo prenome – Michel – e defende todas as medidas impopulares de um governo com 3% de aprovação. Mais que defender, é ele quem decide quais serão votadas: aos 47 anos, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi alçado ao posto de presidente da Câmara em meio a uma crise po- lítica e tornou-se o dono da pauta de votações na Casa. Não à toa, em uma hora e meia de entrevista a alunos da UFRJ, usou 53 vezes a palavra agenda como síntese do que, em sua opinião, o governo precisa aprovar. EPrimeiro na linha sucessória do presidente Michel Temer, Maia é repetidamente cogitado como candidato do DEM ao Pla- nalto, e as articulações para sua candidatura vêm crescendo. Em novembro passado, Maia antecipou aos estudantes: sonhar com a Presidência ele sonha, mas diz que não tem votos para isso. Afirma que, para transformar o sonho em realidade, pre- cisa construir uma aliança em torno de seu nome: “Quando a gente aparece com traço, a gente tem sonho, não pretensão”. Fiador de um governo fraco, Maia é taxativo ao afirmar que não porá em votação outros pedidos de impeachment contra Temer , porque acha que o principal, depois das delações de Joesley Batista, já foi votado. Na Câmara, começou como filho do ex-prefeito do Rio Cesar Maia, cresceu como negociador hábil e se fortalece como um líder de perfil . Defende a privati- zação de estatais, a reforma da Previdência e o corte de gastos públicos. É contra o casamento gay e adoção de crianças por casais do mesmo sexo: “Não é natural”. Em novembro de 2017, Maia recebeu no Hotel Guanabara, no Centro do Rio, alunos de Jornalismo Político da Escola de Comunicação da UFRJ, disciplina então lecionada pela professora Fernanda da Escóssia. A seguir, trechos da entrevista:

Eleições ce com traço, a gente tem sonho, não vesse intenção de voto, 6, 7, 8% numa pretensão. pesquisa, teria as condições de cons- • O senhor disse que todo deputa- truir uma aliança forte, porque tenho do quer ser presidente da Câmara. • O senhor gostaria de ser presi- um nível de relacionamento com os O senhor tem pretensão de ser pre- dente do Brasil? partidos políticos de muita confiança sidente do Brasil? RM​ :​ Tenho sonho, não tenho preten- dos dois lados, mas não tenho voto Rodrigo ​ Maia:​ ​ Pretensão eu não são. Pretensão posso ter no dia em que pra essa pretensão. Tenho sonho, cla- digo, sonho… Pretensão a gente tem eu tiver voto, pelo menos intenção de ro, todo mundo que tá na política tem quando a gente aparece na pesquisa voto pra me colocar como candidato e sonho de crescer. Cheguei até a presi- com 6, 7, 8%. Quando a gente apare- tentar construir uma aliança. Se eu ti- dência da Câmara... presidente da Re-

6 Foto: Isabela Aleixo

Rodrigo Maia, em entrevista para os alunos da ECO/UFRJ, disse que a sua agenda é a mesma do presidente Temer

7 pública claro que seria um sonho, mas ritmo de 100 metros rasos e chegar no a delação da JBS. O que tinha de mais por enquanto, como não tenho voto final. Falei inclusive isso pra ele. Se o forte era a primeira denúncia, que tinha pra isso, é só um sonho. DEM não tiver candidato, e se o Doria uma delação do dinheiro que o Rodrigo for o candidato do PSDB, é um ótimo Rocha Loures recebeu com o Michel. • Se o seu nome surgisse como candidato, certamente pode ter o apoio Seria irresponsabilidade a gente tratar opção de consenso, capaz de unir do DEM. Foi o que eu disse. Bem, eu desse tema novamente. Não sei se tec- DEM, PMDB, o senhor toparia? quero que o DEM tenha candidato e nicamente, do ponto de vista regimen- RM: Sabe​ o que acontece? Consenso acho que o candidato do PSDB vai ser tal, eu posso, mas minha vontade regi- em eleição… Se fosse consenso eu to- o Geraldo (Alckmin). Como não temos mentalmente é indeferir sem direito a paria, mas o problema é que nome de nome natural, o que estamos fazendo é recurso. A política, ainda mais com um consenso aparece quando você tem organizar o partido para ter uma base governo fraco, é de muita pressão. Tem chance de vitória. Quando você não para, lá na frente, decidir um candidato. 18 impeachments, não é só o da OAB, tem chance de vitória, não há consenso. Quer seja trazer um candidato, o que né. Tem 18 pedidos. Como sou o pri- Porque aí todo mundo acha: “Por que acho ruim, ou convencer um dos nossos meiro da linha sucessória hoje, também o Rodrigo com 1% é candidato e não eu a ser. Para que a gente tenha candidato não me sinto... até conversei outro dia que tenho 1,5%? Ou eu que tenho 0,5%, ou possa ser um player forte no próxi- com os advogados, acho que a legisla- qual é a diferença? Ah, o tempo de tele- mo ano apoiando um candidato, qual- ção brasileira, é claro que não vai mu- visão do DEM é x, o meu é x+20%. Por quer um que seja, a gente precisa ter dar isso agora, deveria ter previsão do que vai ser o Rodrigo Maia que vai…” uma estrutura pra que a gente possa, impedimento meu para deferir ou não Então, essa equação não se sustenta. se não tiver condição de ter candidato a indeferir impeachment. Porque como Por isso não é relevante eu falar disso, presidente, ter o vice. Naturalmente, o sou o beneficiado... ou não, né, porque sobre a candidatura a presidente da Re- assumir o Brasil nessas circunstâncias, pública. Entendeu? Se eu tivesse 5 ou eu não sei se é beneficiado. Mas como 6%, estaria trabalhando para me via- sou o primeiro interessado, talvez eu bilizar com outros partidos, mas acho Se eu tivesse 5 ou 6%, não tivesse nem condição, acho que eu que não tenho, não terei e acho que não deveria estar impedido no julgamento. tenho uma agenda… Ao contrário, a “estaria trabalhando para agenda que eu tô defendendo é uma me viabilizar com outros • Deputado, o senhor recebeu agenda árida, que é a Previdência. uma mensagem da sua mãe, falan- partidos, mas acho que do que não conspirasse contra o • E o governo do Rio? não tenho, não terei e governo Temer. RM:​ Não. No Rio, tanto o meu pai RM: Isso. quanto o , eles têm… acho que não tenho uma Nós temos um grupo. Nenhum dos agenda… • Qual a motivação do senhor em dois vai conseguir ter em Brasília a apoiar esse presidente que tem 3% força que tenho para ajudar o Rio, e de popularidade? Como pretende os dois têm toda a condição de ser me- ” explicar isso ao seu eleitorado? lhor governador do que eu. O Rio está PSDB… O PSDB é o mais próximo da RM: Todos que votaram a favor do completamente falido, a reorganização gente. A candidatura do Geraldo está impeachment da presidente Dilma é fundamental, a máquina não funcio- consolidada em umas três semanas, têm responsabilidade com o atual go- na… Principalmente o meu pai, que é acho eu, ela vai gerar um pólo. Então verno. Todo mundo sabia qual era a o melhor gestor público que o Rio tem, quem quiser gerar outro pólo no centro, agenda que o Michel ia propor. Quan- mas também o Eduardo, qualquer um acho que tem espaço. O Geraldo tem a do ele sentiu que a Dilma estava muito dos dois pode realizar o trabalho aqui vantagem de estar em São Paulo, tem a enfraquecida, no final de 2015, apre- igual ou melhor do que eu. Em Brasí- vantagem de ter muita experiência, mas sentou um documento na agenda eco- lia, nenhum dos dois tem 10% da con- tem a desvantagem porque eu acho que nômica, a agenda que eu sempre tra- dição de ajudar o Rio como eu tenho, a sociedade está querendo alguém de balhei a minha vida inteira na Câmara por isso eu acho que se eu ficar em Bra- uma geração anterior à dele. dos Deputados. Quando votei o im- sília ajudo mais o Rio. Construindo a peachment, eu sabia qual era a agenda candidatura com um dos dois a gente “Michel” que vinha para a pauta da Casa. Eu tem chance de ganhar e reorganizar o nunca imaginei que pudesse ser presi- Rio muito melhor. • A OAB entrou com um pedido dente da Câmara. Na primeira eleição de impeachment, que está parado, ele não me ajudou. Acabei construin- • O senhor disse que apoiaria a contra o presidente Michel Temer. do com alguns partidos a minha elei- candidatura do João Doria para O senhor pretende colocar isso ção e acabei consolidando com PSDB, presidente... para frente? PSB, PPS, DEM, PC do B e parte do RM:​ Não, eu não disse isso não. O que RM: Já votamos duas denúncias sobre PT, mas mais PC do B. E PDT. São os eu disse é o seguinte: se o DEM não o mesmo tema. Vamos parar o Bra- seis com que eu construí um número tiver candidato... Eu tava na casa dele, sil para votar uma terceira? Na minha de votos para ir ao segundo turno. né? Gosto dele, só acho que ninguém cabeça, esse assunto já foi votado. O consegue correr uma maratona com o mérito da OAB é o mesmo do Janot, • Aproveitando que o senhor fa-

8 Fotos: Matheus Dantas

O tímido e emotivo Maia é contra a descriminalização​ ​das​ ​drogas e a união homoafetiva

lou da votação do impeachment Era insustentável o governo dela. Ela segurar o crescimento do DEM. O de Dilma, no seu voto a favor, o se- não tinha mais condições de governar, DEM tem 9 deputados agora e depois nhor afirmou que foi em nome do de forma nenhuma. terá mais 5 deputados que estão vindo seu pai e que ele foi atropelado pelo pro DEM; de alguma forma, PMDB PT. Foi um voto de vingança? • Deputado, o senhor quer o pre- entrou pra inviabilizar. Eu sabia que RM: Não, mas quero deixar registrado sidente Temer no seu palanque em eles iam fazer isso. Conheço bem o que – olha como são as coisas – eu fiz 2018? entorno do Michel e avisei o DEM. Se esse voto e quem fez a intervenção aqui RM: Eu quero a agenda do governo você não impuser limite à ação do go- na saúde (do município do Rio, na se- no meu palanque. Não sou do PMDB verno apoiando o PMDB, você acaba gunda gestão de Cesar Maia) foi o José e não preciso ter o Michel no meu pa- sendo engolido por eles. Do ponto de Dirceu. Agora estou com a aposentado- lanque. Agora, a agenda colocada pelo vista pessoal, nunca tive problemas, ria dele no meu colo para decidir. Olha governo é a minha agenda. Defendo fui correto. Na primeira denúncia até como são as coisas. Não foi um voto de mais do que todos eles. Não tenho fui surpreendido pela forma agressiva vingança, mas quero deixar registra- nem como fugir dessa agenda. Acho que o entorno do Michel me tratou, do o que a gente passou quando o PT que ele não será um ator político na achando que eu estava trabalhan- estava superpoderoso porque é impor- eleição pela rejeição que ele tem, mas a do para derrubar o Michel e isso não tante pra isso ficar registrado. Pro nosso agenda dele está colocada e eu vou ser existia. Aí entrou o negócio da minha grupo foi importante meu voto daquela cobrado pela agenda. Vou defender a mãe. Eu nunca fiz um movimento pra forma. Mas não foi voto de vingança. agenda. Não tenho nenhum problema tirar o presidente. Como eu era o pri- Eu tinha certeza de que a Dilma, além em defender a agenda e fazer a crítica meiro da linha sucessória, segurei o de ter cometido o crime, não tinha mais em erros que ele cometeu. Cada um DEM pra não sair do governo porque nenhuma condição de governar o Bra- tem que responder pelos seus erros e achava que era importante não pa- sil. Porque o voto, o julgamento políti- ele vai responder pelos dele. recer que eu estava comandando um co, não é só técnico não. O meu voto foi processo de derrubada do presiden- uma mistura das condições técnicas por • Como é a sua relação com Temer? te. Eu achava que, se ele tivesse que óbvio, dos decretos ilegais, das pedala- RM: Muito boa. Tive desavença po- cair, caísse pelo ambiente. Eu não ia das, que geraram inclusive muitos des- lítica com o PMDB. O PMDB, no ficar negociando governo em cima de vios, somado a um julgamento político. meio dessa crise toda, estava tentando uma denúncia que acho que não cabia.

9 Na primeira denúncia fui um pouco um dos dois. As pessoas que ganham • O senhor defendeu a ​​privatiza- mais ativo exatamente pra não deixar mais conseguem se aposentar com 25 ção ​ da​ ​ Eletrobrás​ ​ e​ de outras​ ​ em​ - o DEM sair do governo naquele mo- anos de serviço. Elas se aposentam presas ​ afirmando​ que são​ “cabides​ ​​ mento. Podia até sair depois. Naquele com 50, 52, 53 anos. Os mais pobres, de ​ emprego​ ​ e​ ​ má​ ​ gestão”.​ Que em​ - momento eu achava que, pra mim, era por terem o trabalho mais precário e presas ​ acha​ ​ que​ ​ devem​ ser ​ privati​ - ruim pessoalmente e acho que, para o sem carteira assinada, não conseguem zadas ​ e​ ​ por​ ​ quê?​ partido, enfraqueceria minha posição completar os 25 anos. Na média, um RM: O governo tem centenas de como presidente da Câmara. A minha trabalhador mais pobre só consegue empresas menores que não deveriam relação com ele, pessoal, é muito boa. cumprir 15 anos de serviço e se apo- existir. Essas efetivamente são só ca- Michel tem um perfil que... ele sempre sentar com 65 anos. A reforma veio bides de emprego. A Eletrobrás, não. deixou toda a decisão dele pro último exatamente cobrir essa sangria. Só que Acabei generalizando e quando a minuto, para os 45 do segundo tem- a gente não consegue comunicar isso. gente generaliza nunca é bom. Tomo po. Isso acaba, em alguns momentos, A Previdência hoje consome 60% de a Vale como exemplo, porque é uma gerando estresse em algumas relações. todos os gastos obrigatórios do gover- empresa muito grande. O que acon- Agora, na hora que vem pra cima do no. A taxa de envelhecimento no Brasil teceu com a Vale, o faturamento, o lu- meu projeto político, aí eu… Até por- está crescendo de 3,5 a 4% ao ano, en- cro, a geração de emprego, salário. O que tô ajudando o governo. Aqui no quanto a entrada de novos participan- governo não vai vender todas as suas Rio tínhamos combinado que todas as tes é de apenas 0,8%. Isso significa que ações, vai vender o controle, vai con- ações do Rio passariam por uma con- em cinco ou seis anos, 80% de todas tinuar com 40% das ações, para vender versa comigo. Em alguns momentos as despesas obrigatórias do governo numa segunda parte, quando a empre- durante a denúncia ele fez direto. E aí serão previdenciárias. A Previdência sa tiver um valor maior de mercado, fui cobrar: “Nós tínhamos um combi- está consumindo tudo e vai continuar e isso é uma estratégia correta. O que nado aqui, não quero nada, só quero o consumindo. Do ponto de vista polí- muito se critica nas privatizações an- seguinte, os investimentos do Rio, eu tico, entrar em uma eleição pra fazer teriores é que se vendeu muito barato sou do Rio, tô ajudando o governo, proposta de alguma coisa sem passar e o governo perdeu oportunidade de quero também que eu tenha o ônus de ganhar dinheiro. ser governo e tem que ter o bônus tam- bém de poder liderar”. • Por que o senhor foi a favor da​ ​ Conseguir 308 votos PEC ​ do​ Teto dos ​ Gastos? • Os delatores da Odebrecht dis- RM: Você tinha dois caminhos no seram que o senhor teria recebido nessa“ matéria (reforma da Brasil. Se você não tem a PEC dos Gas- R$ 100 mil. O que que o senhor Previdência) não é tarefa tos, você não tem então a necessidade, tem a dizer sobre isso? por exemplo, de votar a Previdência, os RM: O cara fala o que ele quiser. O das mais fáceis gastos orçamentários podem continuar cara diz que foi no escritório do meu crescendo. Tem uma coisa chamada pai, do assessor do meu pai. A gente relação dívida-PIB, de todos os países. tinha uma sala juntos em Botafogo em ” É o grande indicador que os investi- 2008. Meu pai e o João Marcos não pelo obstáculo da Previdência é a po- dores no mundo observam, principal- vão nessa sala há 10 anos. O que que lítica de ir pra eleição mentindo pro mente nos países em desenvolvimento, eu vou fazer? Tá aí o inquérito. Eles eleitor, por isso que eu defendo tanto a como o Brasil. A PEC do Teto organi- vão ter que provar. O homem público reforma da Previdência. Não tem mais za os gastos públicos. É uma coisa que tem que saber que isso faz parte, gra- espaço pro populismo. Não tem mais eu nunca entendi, como é que o Brasil ças a Deus, do cotidiano da sociedade, espaço pra ficar prometendo o que não cresceu tanto com o Lula e cada ano cabe ao Ministério Público ter todas tem pra entregar. que passava a gente comemorava o au- as condições de avançar. O Ministério mento do número de pessoas no Bolsa Público trabalhou pra criminalizar a • Já tem data para a votação? Família. Tinha alguma coisa errada, se política. Ele não trabalhou focado nos RM: Não, porque não tem voto. É o Brasil estava ficando mais rico, por casos com prova material já existente uma crise muito grande para eu me que precisava de mais gente no Bolsa pra avançar, entendeu? No meu caso, livrar do problema de qualquer jeito. Família? Tinha que ser ao contrário: não vai provar, vai arquivar. O tem- Conseguir 308 votos nessa matéria se o Brasil está ficando mais rico, me- po vai provar que não é verdade. Mas não é tarefa das mais fáceis. E ano que nos pessoas precisam da Bolsa Família. quem está na vida pública tem que es- vem será mais difícil ainda. Tem uma Mas era o contrário porque o Estado tar preparado para isso. pressão, é um jogo meio difícil de coor- brasileiro é isso, o Estado paternalista. denar, porque você tem alianças que O problema nosso é que o Brasil aca- Reformas não são, do ponto de vista ideológico, bou sendo esse gigante que não serve afinadas nas três esferas, municipal, pra muita coisa. • Como o senhor encara a reforma estadual e federal. Essas distorções da Previdência? no sistema eleitoral brasileiro acabam Aborto, maconha, casamento gay RM: O sistema deveria ser idade mais também atrapalhando um pouquinho tempo de serviço, mas criaram uma a votação. Ano que vem (2018) é mais • O senhor declarou que proibir o interpretação no Judiciário que só cabe difícil ainda. aborto em caso de estupro não vai

10 passar na Câmara. Qual a sua opi- isso, mas eu de fato não sou a favor. meu ponto de vista, não é natural. É nião sobre o aborto? só isso. Agora, o casamento, você vai RM: Tem dois debates aqui: os extre- • Quando o senhor era candidato ficar brigando com as igrejas para o mos, que são aqueles que na verdade à prefeitura do Rio em 2012, afir- resto da vida. Quem ganha com isso? querem liberar o aborto, e tem aque- mou que era contra a união ho- Talvez os políticos: de esquerda, de les na ultradireita, que não querem moafetiva e a adoção de crianças direita, que tão aí se… O (Jair) Bolso- aborto pra nada. O que eu digo desde por esses casais. Eu queria saber se naro (presidenciável de direita radical, o início: o que está consagrado, está o senhor continua ​ com​ ​ esse​ ​ posi​ - do PSC) não cresce pela questão da consagrado. O risco da vida à mulher, cionamento. segurança pública, cresce no conflito o anencéfalo e o estupro, isso aqui está RM: ​Sou contra. O casamento é uma com a Maria do Rosário (PT) e o Jean consagrado. “Vocês colocarem um liturgia da igreja cristã, católica e evan- Wyllys (PSOL) nos valores. O tema marco fora dos temas consagrados gélica. Essa é uma disputa desnecessá- dos valores passou a ser muito forte. não tem problema, agora nós não po- ria. A união civil resolve o problema. Isso tem atrapalhado o Brasil. Esse demos recuar.” Sobre o texto que foi Duas pessoas do mesmo sexo querem radicalismo dos que pensam de uma aprovado, chamei a assessoria da Casa estar juntas: o casamento civil resolve forma como de outra, como o caso do e eles me disseram que não atinge. o problema. Essa disputa pela palavra aborto e da direita, isso não tem aju- Muito da polêmica é porque no fun- “casamento” é completamente desne- dado o Brasil. do, no fundo, tem uma parte impor- cessária, mais política do que efetiva. tante que quer liberar tudo. Essa é a E a adoção por pessoas do mesmo sexo • O senhor sabe se os seus amigos queda de braço. O que estou fazendo: só em casos muito excepcionais, como homossexuais têm filhos? peguei o texto, pedi a dois, três mi- de uma mãe que já tinha um filho de- RM: Os meus não, os meus não. Os nistros do Supremo com quem tenho pois que casou com outra mulher, por- meus amigos não. relação pessoal, pedi que cada um de- que ela já é mãe, não precisa da ado- les me desse a opinião deles, se aquele ção. Mas a adoção por duas pessoas do • Deputado, antes do discurso da texto de fato ele prejudica o que está mesmo sexo eu sou contra. posse da presidência da Câmara consagrado ou não. Pedi ao presidente o senhor tomou três calmantes. da comissão, um advogado de direita Como anda a sua saúde? Como respeitado, um cara muito inteligente, anda a sua rotina? ​ O​ ​ senhor​ ​ conse​ - o seguinte: “Ou você vai me dar uma A adoção (de crianças) gue, ​ por​ ​ exemplo,​ ​ ir​ ​ ao​ ​ cinema?​ saída pra respeitar o que está consa- RM: [risos] Não consigo, não. grado ou eu não tenho condição de “por duas pessoas do votar, porque quem pauta no plenário mesmo sexo eu sou • Assistir ​ ao​ ​ jogo​ ​ do​ ​ Botafogo?​ sou eu”. A gente está tentando cons- RM: Botafogo, outro dia, eu fui. Con- truir um texto que possa aprovar, res- contra tra o time do Uruguai no Engenhão. guardar pelo menos essas três coisas Mas só isso. A agenda... não tem que já estavam consagradas por deci- muito tempo, né. Tenho tentado fazer sões, inclusive, do Supremo. ” exercício, já que não consigo fazer die- • ​Por ​ quê?​ ta. Já ajuda... mas só. Não tomo remé- • O senhor é a favor da legalização,​ ​ RM: Acho que a família (...) é por- dio, minha mulher fica querendo que da ​ descriminalização​ ​ das​ ​ drogas?​ que eu acho que você não vai produzir eu tome... não tomo. Às vezes acordo RM: Sou contra. Vou criar uma comis- aquilo de forma natural. de madrugada com muita dor de cabe- são especial para discutir a questão da ça. Isso uma vez a cada 2 meses. Aí eu maconha, porque acho que, se a Câ- • O que é natural para o senhor? acordo, tomo um negócio pra dor de mara não fizer, o Supremo vai fazer. RM: Natural é um homem e uma cabeça e durmo. Pelo que conheço do dia a dia das co- mulher, que têm que ter um filho. munidades mais carentes do Rio, não Duas pessoas do mesmo sexo não vão • Vi que o senhor é meio retraído acho que a solução passa por liberar a conseguir gerar uma criança. Essa dis- ... e também o senhor já chorou maconha, porque todo mundo fala que puta de ideologia de gênero, que você em público algumas vezes. ​​Queria​ ​ a maconha é mais leve e tem o aspecto quer que uma criança de 6 anos tenha saber ​ se​ ​ o​ ​ senhor​ ​ se​ ​ acha​ ​ tímido​ ​ e​ ​​ medicinal. Discordo. A maconha é a uma certidão de nascimento sem de- emotivo. porta de entrada das outras drogas mais finição, para mim, é uma barbarida- RM: Sou tímido. Sou emotivo. Tími- pesadas e que têm gerado todo esse de. A criança nasce homem ou nasce do muito, pô. Na minha primeira elei- problema. A solução passa por proje- mulher. Nasce fêmea ou nasce macho. ção pra falar era uma dificuldade. tos com foco na juventude que é mais Se depois, durante a vida, vai ser ho- vulnerável a estar, nem consumindo, mossexual, o problema é dela, é direi- • ​E ​ emotivo?​ mas trabalhando para o tráfico de dro- to dela, não tem problema nenhum. RM: Sou. Bastante. Mais do que de- gas nas comunidades. O governo erra Tenho amigos homossexuais, muitos, veria. Tenho que me controlar às ve- nessa área social. Mas não vejo a libe- são meus amigos, frequentam minha zes. Eu aperto aqui o dedo às vezes ração da maconha como solução para o casa, não tenho problema com isso. assim (e aperta a ponta do polegar com problema. Entendo até que a maconha Acho é que se quer encaminhar, dar a unha). Já aprendi. tenha muita pressão para que se faça naturalidade para uma coisa que, do Versão online: www.parlamidia.com/rodrigo-maia

11 Política, substantivo POLÍTICA II FEMININO Maioria no Brasil, ao poucos as mulheres caminham para ocupar cada vez mais cargos no Executivo e Legislativo do país

Manuela Carpenter

O país tem um dos piores índices do mundo em paridade dos sexos na política, ocupando a 154ª posição entre 193 nações do mundo analisadas e a 3ª na América Latina, à frente apenas de Belize e Haiti, segundo a União Interparlamentar (UIP)

m mar de ternos e gundo o estudo, é o terceiro país com lho consciente e contínuo para susten- gravatas.” É assim menos parlamentares do sexo femini- tar a candidatura. Quando iniciei, não “ que Jandira Fegha- no no Congresso, estando acima ape- havia apoio a candidatas femininas e, li ilustra o dia a dia nas de Belize (183º) e Haiti (187º). O passadas quase três décadas, ainda há dentro da Câmara cenário não muda quando se analisa o pouco. Somos maioria da população e dosU Deputados, em Brasília (DF). A Executivo. Em pesquisa divulgada em lutamos por cota nos parlamentos”, deputada federal pelo Partido Comu- 2017, também pela UIP, dentre 174 afirma Gorete. nista do Brasil (PCdoB-RJ) é uma das países, o Brasil ficou na 167ª posição As cotas que a deputada mencio- mulheres que ocupam 55 dos 513 as- com apenas uma ministra - atualmen- na fazem parte da Lei nº 9.504/1997. sentos no plenário; no Senado, dos 81 te são duas. Uma nação onde mulhe- De acordo com o texto, “cada parti- eleitos apenas 12 são do sexo feminino. res são 51,6% dos 203,2 milhões de do ou coligação preencherá o míni- São os homens que dominam o debate habitantes entrega poucos resultados mo de 30% e o máximo de 70% para político em um país de maioria femi- quando o assunto é a pluralidade den- candidaturas de cada sexo”. O verbo nina, para o comando do qual foi eleita tro de seus salões de poderes. “preencherá” foi incluído na lei em uma mulher, logo depois derrubada, A vontade de ser candidata mui- 2009, em resposta a críticas ao artigo e que tem um dos piores índices do tas vezes fica em segundo plano na inicial que obrigava uma “reserva” de mundo em paridade dos sexos na po- vida de uma mulher. Gorete Pereira, vagas. Partidos não cumpriam a cota lítica. Dados da União Interparlamen- 65 anos, é deputada federal pelo Cea- sob o argumento de que reservavam tar (UIP) colocam o Brasil na 154ª po- rá, eleita como candidata do Partido as posições, mas as mulheres não se sição, dentre os 193 países analisados, Republicano (PR). Depois de ter es- candidatavam a ocupá-las. Jandira, de em relação a mulheres que ocupam colhido a carreira de fisioterapeuta, 60 anos, diz que a dificuldade para se espaços nos parlamentos. Ruanda, diz que foi a política que a escolheu, eleger existe por causa do sistema elei- Bolívia e Cuba impressionaram, con- ao decidir lutar por pautas sociais. toral brasileiro e seu histórico. “Mu- quistando os três primeiros lugares do Ingressou nesse universo em 1988, lheres são menos privilegiadas para ranking com 63,1%, 53,1% e 48,9% de quando se elegeu vereadora, reelegen- os pleitos, com dificuldade dentro dos presença feminina, respectivamente do-se logo em seguida. Foi também partidos de angariar recursos e estru- – à frente de sociedades com tradição deputada estadual e hoje está em seu tura de campanha. O financiamento de equidade entre homens e mulhe- quarto mandato como representan- acaba sendo majoritariamente voltado res como Suécia, Islândia, Dinamarca te, em Brasília, do estado nordestino. para os candidatos homens. É uma e Noruega. Comparado com outras “Não venho de família com tradição visão distorcida de que eles têm mais nações latino-americanas, o Brasil, se- política. Minhas candidaturas foram chances de se eleger. Geralmente, se lastreadas pelo trabalho. Até hoje é vê nos partidos mulheres candidatas * Reportagem produzida na turma 1 da disciplina Técnica de Reportagem II, ministrada pelo prof. Fernando Ewerton assim. A mulher precisa ter um traba- apenas para atingir a cota exigida pelo

12 Tribunal Superior Eleitoral (TSE).” te da política carioca durante o ano Em pesquisa de 2014 realizada Mulheres são menos de 1999. “Um mandato de vereadora pelo DataSenado e promovida pela muito produtivo”, segundo ela, que Procuradoria Especial da Mulher, os “privilegiadas para os continua filiada ao Partido dos Tra- resultados comprovam a fala da depu- pleitos, com dificuldade balhadores (PT). Envolvida com a te- tada: 62% das entrevistadas disseram mática da mulher desde o empodera- que estariam dispostas a se candidatar dentro dos partidos mento do movimento feminista, Ana caso tivessem a chance de se eleger; os de angariar recursos e enxerga até hoje várias das dificulda- homens responderam “sim” em 66% des que as mulheres de 20, 30, 50 anos dos casos. A falta de apoio dos parti- estrutura de campanha atrás enfrentavam. “A mulher geral- dos políticos foi apontada por 41% das mente não tem só dupla tarefa, ela tem participantes como o principal motivo Gorete Pereira, deputada federal” (PR-CE) tripla também. Ela nunca deixa de ter para que poucas mulheres ingressem as suas atividades como mãe, como na política; 23% apontam a falta de dona de casa, por mais que delegue interesse pelo tema; 19%, a dificuldade de mulheres para completar a cota es- para outras pessoas que a ajudam.” A de concorrer com um homem; e 5%, o tabelecida pela justiça. Mas é possível dificuldade financeira e outros fatores tempo dedicado às tarefas domésticas. alcançar a funcionalidade das cotas. comentados também pelas deputadas “Falta apoio dos partidos e há a ques- Foi graças a esse sistema que a Bolívia federais integram a lista de obstácu- tão da múltipla jornada. A mulher não chegou, hoje, ao segundo lugar no ran- los a serem ultrapassados. “A mulher tem tanta disponibilidade para fazer king da UIP, aumentado sua colocação nunca se viu em um papel preponde- política, participar de reuniões onde os em 42% de 1997 a 2015. Sua primeira rante. Ela sempre se viu como secun- debates acontecem”, comenta Gorete. política de cotas foi institucionalizada dária ao trabalho do homem, tanto Segundo os números do TSE, na em 1997, mas foi em 2009 que uma que se dizia que ‘atrás de um grande última eleição, em apenas 24 municí- norma de paridade política nos cargos homem existe uma grande mulher’. O pios dos 5.568 onde há disputa de voto representativos nacionais foi instituí- marido, o irmão é quem tem que ir pra as mulheres representaram a maioria da. É o único país a conseguir alcançar política. Ela fica na retaguarda, nunca dos eleitos para a Câmara dos Verea- um equilíbrio de homens e mulheres se viu como a primeira, como a prota- dores. Em 1.286 cidades não houve dentre todos os latino-americanos gonista”, diz a cardiologista. nenhuma mulher eleita para o cargo de que também instituíram a paridade Ana conta que observava, e ain- vereadora e mais de 18 mil candidatas – Equador, Costa Rica e Honduras. da observa, amigas sem se candidatar não receberam sequer um voto, conta- Por lá, o partido não consegue lançar porque se colocam como segunda op- bilizando uma entre cada oito figuras a candidatura se o percentual determi- ção para candidaturas de um homem, femininas a tentar ocupar um cargo no nado não for atingido. quando elas mesmas poderiam parti- legislativo de onde moram. O Minis- cipar do pleiro. “Leva um tempo pra tério Público Eleitoral investiga essas • Trajetória convencer uma mulher a sair candida- candidaturas, por acreditar que os Ana Maria Lipke é cardiologista, ta, ela não se julga capaz de concorrer partidos estejam fraudando a inscrição tem 74 anos e participou diretamen- com os homens”, avalia. Em sua pri- Foto: Reprodução Facebook

Deputada Jandira Feghali (PCdoB- RJ): a Câmara Federal é “um mar de ternos e gravatas” 13 Foto: Reprodução Facebook

Deputada Gorete Pereira (PR-CE): “Somos maioria da população e lutamos por cota nos parlamentos”

meira semana na Câmara, Ana se sen- chegamos a esses cargos sabemos bri- em 1990, para 23%, em 2016. Mas se- tiu triste. Entendeu que estava insatis- gar. Se existe algum tipo de desrespei- guindo esse movimento, o estudo con- feita com o despreparo e a maneira de to, a gente não ia deixar passar”. cluiu que o Brasil só alcançaria a igual- se fazer política dos outros vereadores. O Projeto Mulheres Inspiradoras dade de sexos dentro do Congresso em Mas então percebeu que era por isso se baseou em dados do TSE e do Banco 2080. São 30 anos de atraso em relação que estava ali, sendo minoria “para Mundial para indicar que a participa- à média atingida pelos países em 1990. levar alguma voz, alguma proposta ção de mulheres no parlamento federal “A aceitação da mulher na política está diferente.” Ela relata que, se houvesse brasileiro cresceu 87% entre janeiro de demorando muito para acontecer. As uma vereadora e um vereador, sem- 1990 e dezembro de 2016, passando de resistências perduram, mesmo após pre era dado um jeitinho para que o 5,3% para 9,9%. Assim, superou a mé- conquistas como o estabelecimento vereador aparecesse primeiro: “Mas dia de crescimento mundial no perío- de percentual mínimo de candidatu- não aparecia porque nós mulheres que do. A média mundial subiu de 12,7%, ras femininas para as eleições propor-

* Em 2014, o Senado foi renovado em 1/3 das vagas (27); foram eleitas 5 mulheres. Fonte: Livreto “Mais Mulheres na Política”, 2ª ed., rev. e atualiz.

14 cionais”, explica Gorete. Para ela, a importância dos partidos políticos na Foto: Reprodução Facebook evolução do processo é fundamental. Presidente do PR Mulher, ela acredita que são os políticos que devem contri- buir para a capacitação de mais mulhe- res e para encorajá-las a ocupar cargos na administração pública. Ana concorda que as dificuldades maiores estejam dentro do próprio par- tido e na iniciativa das mulheres. “Eu gostaria muito de que, quando entrasse em um ambiente desses, eu não pre- cisasse brigar pelo meu espaço, ele já estaria lá.” Ela afirma que as mulheres do PT se unem para exigir o respeito ao papel delas mas de maneira super- ficial: “Se tem uma reunião estadual ou municipal do partido para escolher o diretório, você só vê homem sentado na mesa. As mulheres reclamam em todos os fóruns, mas na hora de estar ali, elas não questionam. Cadê aquelas Deputada Norma Ayub (DEM-ES): mulheres que brigam pelo Facebook?” “Acredito que separar só gera discriminação” • As visões sobre ser mulher Assim como Ana, Norma Ayub foi eleita para o seu cargo atual como su- plente mesmo recebendo cerca de 65 mos, cada dia mais estamos crescendo. de casa tem uma visão mais global, mil votos, mais do que alguns homens Muitas mulheres que conquistaram ela sabe tudo da casa dela, adminis- eleitos. A deputada federal capixaba, vagas importantes na política, assim tra tudo aquilo. Já o homem tem uma eleita pelo Democratas (DEM), in- como nas empresas, não foi por serem visão mais segmentada. Não é aquela gressou na política para seguir o sonho mulheres, mas sim pelas qualidades coisa piegas, ela é mais humanizada no do pai e por influência do marido, polí- profissionais, pela determinação, pelo sentido mais amplo da palavra. Mas ticos do Espírito Santo. Ela foi prefeita trabalho que realizam.” tem muita mulher que não se importa, de Itapemirim (ES), durante dois man- As três deputadas concordam então não basta apenas ser mulher”, datos, em 2004 e em 2008. Em 2014, quando o assunto é a relação entre as explica Ana. A médica acredita ainda tentou a Câmara e ficou na suplência, mulheres: existe uma forte união na que a eleição de Dilma Rousseff “con- assumindo em 2017. Mas, diferente- Câmara federal, acima dos partidos templou a geração feminista, mas foi mente de Gorete e Jandira, Norma diz políticos. Norma conta que são ape- exemplo para uma geração mais nova que não enfrentou obstáculos para se nas duas as mulheres que represen- que se interessa por política”. Em dois eleger e sente que não existe discrimi- tam o DEM, mas que são todas “mui- municípios, Lucrécia (RS) e Planal- nação pelo fato de ela ser mulher e po- to solidárias”. Gorete explica que as to Alegre (SC), todas as candidatas a lítica. “Sou respeitada por todos. Acre- deputadas estão juntas para defender vereadoras – três em cada localidade – dito que separar só gera discriminação. e garantir a atuação no Congresso foram eleitas em 2016. Nós mulheres temos as mesmas res- Nacional. “Esse espírito de união pre- Gorete diz que o combate às dis- ponsabilidades e sempre nos destaca- valece na luta pelo empoderamento paridades é um estímulo para sua tra- feminino e pela ampliação da partici- jetória de luta. Ser mulher é “vencer pação da mulher na política nacional.” muitas outras batalhas para conquis- tar direitos tão básicos quanto o de • Política feminina? frequentar escolas e universidades; de Jandira usa uma música do Lenine votar e de ser votadas; e até o direito para explicar como se porta na políti- de trabalhar sem precisar da autoriza- ca: “Eu me envergo, mas não quebro”. ção de um homem. As oposições fo- Sim. Elas entendem que existe uma ram muitas e vieram de todos os lados maneira única de se fazer política en- – das autoridades ou mesmo de dentro quanto mulher. “Acho que mulher faz de casa. Mas ultrapassamos barreiras política diferente de homem no sentido e nos firmamos como integrantes ati- de que tem mais coração. Não no sen- vas da sociedade – qualificadas, pro-

* Em 2014, o Senado foi renovado em 1/3 das vagas (27); tido de que é mais boazinha, ela tem dutivas, dinâmicas e capazes de assu- foram eleitas 5 mulheres. Fonte: Livreto “Mais Mulheres na Política”, 2ª ed., rev. e atualiz. uma visão mais humanitária. A dona mir responsabilidades”, afirma.

15 MENINAS hoje, MULHERES CIENTISTAS amanhã Projeto da UFRJ incentiva alunas da rede pública a seguirem carreiras na área da ciência

Lavinya Andrade

Mesmo que o número de mulheres matriculadas na graduação seja maior que o dos homens, tanto na modalidade presencial quanto à distância, em cursos como Química, Física, Matemática e Medicina, a participação feminina é de 41%

cena projetada na tela Instituto de Química da UFRJ, com provoca risos e bur- Mesmo que levemos doutorado em Ciência e Tecnologia de burinhos entre as es- Polímeros, e coordenadora do projeto. tudantes. No curta- “em conta os avanços Esse objetivo parece estar sendo al- -metragem “Acorda recentes em termos de cançado com sucesso. Segundo Mau- ARaimundo, acorda”, de 1990, com ro Bruno Oliveira Mattos, professor roteiro e direção de Alfredo Alves, o acesso ao ensino médio de Química no Colégio Estadual An- marido cuida dos filhos, faz a comida e ao superior, as chances tônio Prado Júnior, uma das institui- e limpa a casa, enquanto a esposa tra- ções nas quais o projeto é realizado, balha fora e gasta o dinheiro bebendo não são variadas nem o Meninas na Química é “um grande com as amigas. Mas a “inversão” de igualmente distribuídas auxílio aos professores destas áreas, papéis dura pouco. Logo o marido pois muitos alunos já vêm com uma desperta do sonho e continua a explo- ideia negativa das nossas disciplinas”. Andrea Moraes Alves, professora da Escola rar a mulher, exigindo o café pronto, de Serviço Social da” UFRJ Destinado a alunas do 1º e 2º ano roupa passada e filhos de banho toma- do Ensino Médio, o projeto não impe- do. As estudantes que estão assistindo de meninos de participarem. “Quan- ao filme não ficam muito impressio- cias exatas, engenharia e computação, do o projeto chegou na escola só sendo nadas com o desfecho. Afinal, essa é o Meninas na Química se propõe a proposto para as meninas, tive um a realidade com a qual a maioria delas desmistificar a imagem masculinizada baque. Me perguntei: ‘por que só as está acostumada. Discutir o papel da do cientista, incentivando alunas da meninas?’. Então eu me inscrevi e lá mulher na sociedade contemporânea rede pública a seguirem carreiras na fui aprendendo que não se tratava de é um dos pilares do projeto Meninas área da ciência. algo específico para meninas, meninos na Química, desenvolvido pelo Labo- “Devido ao trabalho já realizado também podiam participar”, recor- ratório Didático de Química (LaD- no LaDQuim com alunos do ensino da Glaucio Henrique Evangelista de Quim) da Universidade Federal do médio, já era perceptível o distan- Freitas, de 18 anos, aluno do Colégio Rio de Janeiro (UFRJ). Criado em ciamento das meninas em relação ao Estadual Raul Ryff e participante do 2014, a partir de uma iniciativa da ensino de química, o que me levou projeto em 2015. “As discussões que Secretaria de Políticas para Mulheres, a propor um projeto que levantasse as meninas levantavam eram incrí- que buscava fomentar projetos de in- questões sobre esse desinteresse e que veis, acho que faziam muitas delas serção de meninas nas áreas das ciên- contribuísse para sua diminuição”, pensarem sobre o que podiam fazer, esclarece Viviane Gomes Teixeira, qual era seu dever na sociedade, que * Reportagem produzida na turma 1 da disciplina Técnica de Reportagem II, ministrada pelo prof. Fernando Ewerton professora de Química Analítica do deveriam buscar direitos iguais, além

16 Equipe do Projeto Meninas na Química: Lohrene Lima, Jenifer Novaes, Rayssa Furlanetto, Ester Barbosa, professora Viviane Teixeira, Monique Braz e Bárbara Maia (da esquerda à direita) de apresentar diversas mulheres que sentes durante todos os encontros da raça e classe são igualmente relevantes foram muito importantes na área da equipe com as participantes, aliados à para essa escolha, assim como o leque ciência. Tudo isso de uma maneira di- realização de experimentações cientí- educacional ofertado em cada contex- dática e divertida”, acrescenta. ficas. “O Meninas na Química busca to”, argumenta. Ester Barbosa, de 21 Para despertar o interesse das alu- mostrar que problemas sociais, cultu- anos, aluna do 3° período do curso nas, uma das estratégias do projeto é rais, políticos e econômicos, principal- de Filosofia da UFRJ e integrante da oferecer oficinas de produção de cos- mente focados no feminismo, podem equipe, é contundente sobre o assun- méticos, como creme hidratante, óleo ser discutidos em aulas que não sejam to: “Na história da Filosofia e de toda a corporal e batom. Esse foi um dos da área de humanas”, explica Lohrene academia, no geral, as mulheres foram motivos pelos quais Julia Adriane Oli- Lima da Silva, 22, integrante do pro- ignoradas e diminuídas, o machismo e veira, de 15 anos, resolveu participar jeto há dois anos. Por esse motivo, o o racismo são muito presentes. Diver- em 2017. “Me interessei pelo curso grupo que compõe o Meninas na Quí- sas vezes, durante um texto corriqueiro por causa dos cosméticos, mas não só mica é diverso: estudantes dos cursos em aula, eu me deparo com algum co- por isso. Os assuntos trabalhados me de Letras, Filosofia, Ciências Sociais, mentário do tal pensador estudado que interessavam e a gente não falava só de Química, entre outros, se unem para passa despercebido por meus colegas química, como de tudo: mulheres, fe- mostrar que a mulher poder ser tudo o homens. Para mim, é um lembrete de minismo e outras coisas”, diz a aluna que quiser, inclusive química. que eles não escreveram esperando que do Colégio Estadual Antônio Prado uma mulher negra e pobre fosse ler. Jr. A diversidade dos assuntos traba- • Disparidade de gênero e carreira Incomoda, mas também faz ter ainda lhados é um diferencial do projeto, Para a antropóloga Andrea Moraes mais vontade de ser melhor”. Além que não se limita a questões do campo Alves, professora da Escola de Servi- disso, no caso brasileiro, a passagem da ciência. Debates a respeito da rela- ço Social da UFRJ, existem diversos do ensino fundamental ao médio já é tividade do conceito de beleza, cons- fatores, além da dimensão de gênero, um filtro que impede a qualificação trução da auto-imagem, igualdade de que, combinados, explicam escolhas de um número ainda significativo de direitos e empoderamento estão pre- de carreira profissional. “Questões de adolescentes, e a passagem do ensino

17 feminina é de 41%. A desproporção se acentua quando os cursos de Engenha- ria são analisados separadamente: em 2015, apenas 29,3% das pessoas que se formaram eram do sexo feminino. O desequilíbrio de presença feminina em relação à masculina nos cursos da área de exatas da UFRJ reforça esse padrão. Das 747 pessoas classificadas na chamada regular do Sistema de Se- médio ao superior é ainda mais restri- por gênero do que foi no passado, mas leção Unificada (Sisu), do Ministério tiva. “Mesmo que levemos em conta os as chances de ascensão profissional da Educação (MEC), nos cursos de avanços recentes em termos de acesso ainda são muito marcadas por gêne- engenharia da Cidade Universitária ao ensino médio e ao superior, as chan- ro.” A especialista ainda salienta que no primeiro semestre de 2017, ape- ces não são variadas nem igualmente o cálculo dessas chances pode influen- nas 184 eram mulheres, equivalente distribuídas”, afirma Alves. ciar mulheres a “optar” por trajetórias a 24,6%. O curso com maior discre- Embora a questão de gênero pre- no mercado de trabalho e na profissão pância foi Engenharia Eletrônica e de cise ser discutida em todas as escolas, que sejam mais condizentes com as Computação, que contava com apenas a rede pública de ensino é priorizada exigências que a sociedade impõe a 3 mulheres classificadas para as 45 va- pelo projeto, pois tem menos possi- elas, como casamento e maternidade. gas ofertadas. O curso de Engenharia bilidade de iniciar debates sobre o assunto, além de não ter recursos para • Minoria nos as aulas que envolvem experimentos. cursos de exatas “Na realidade socioeconômica dos Segundo dados meus alunos, fazer uma faculdade é do Censo da Edu- considerado algo até impossível, prin- cação Superior de

cipalmente as que envolvem cálculo e 2015, as mulheres Fotos: Site da Unilab/Assecom raciocínio dedutivo maior. Porém o predominam em re- projeto mostrou uma parte do que é lação ao número de a universidade. Antes as meninas ti- estudantes matricu- nham uma ideia totalmente diferente lados em cursos de dela, e gostaram muito”, afirma o pro- graduação, tanto na fessor de química Mauro Mattos. modalidade presen- De acordo com Andrea Alves, é cial quanto à distân- na hora de migrar para a educação cia. No mesmo ano, superior e desta para o mercado de 60% dos estudan- trabalho que as injunções de gênero tes que concluíram começam a operar com mais clareza. cursos superiores “Mesmo aquelas (meninas) que es- no Brasil eram mu- colhem formações tradicionalmente lheres. Entretanto, masculinas, como as engenharias, por quando são conside- exemplo, acabam por ter trajetórias rados apenas os cur- profissionais mais erráticas do que a sos relacionados às dos homens e com menos oportunida- ciências, tais como des objetivas de chegar ao topo da car- Química, Física, reira. Nesse sentido, a escolha da car- Matemática e Medi- reira talvez seja hoje menos marcada cina, a participação Andréa Alves: ascensão profissional ainda muito marcada por gênero

18 de Alimentos foi o único com 50% de CIEP Brizolão 312 (Raul Ryff) e os mulheres classificadas. Uma vez eu estava no Colégios Estaduais André Maurois, Os cursos de Química da institui- Stella Matutina, Graciliano Ramos, ção (bacharelado, licenciatura e Quí- “laboratório e a monitora Coronel Francisco Lima, Nazira Sa- mica Industrial), no entanto, parecem que estava me auxiliando lomão e Antônio Prado Júnior. Pen- nadar contra essa corrente. No mes- sando nisso, a equipe do Meninas na mo processo seletivo, 54% e 53,4% dos esbarrou no cabo de uma Química está desenvolvendo um cur- classificados para os cursos de bacha- panela com óleo. Então, o ta-metragem e uma revista, que terão relado em Química e Química Indus- como objetivo documentar o projeto trial, respectivamente, eram mulhe- professor disse: ‘vocês são e apresentá-lo a um número ainda res. A participação feminina foi ainda mulheres, deviam saber maior de professores, para que estes maior no curso de licenciatura, com se sintam motivados e capacitados a 64,6%. Infelizmente, uma maior pre- que na cozinha deve se desenvolvê-lo em seus ambientes es- sença feminina não é o suficiente para colocar o cabo de panela colares de maneira autônoma. poupar as estudantes de ouvirem di- Segundo Ester, o plano é garantir versos comentários machistas, muitas para trás para evitar que o número final de meninas pen- vezes vindo dos próprios professores. acidente’ sando sobre carreiras científicas seja “Uma vez eu estava no laboratório e muito maior. Esse anseio de difundir a monitora que estava me auxiliando Lohrene Lima da Silva, 22 anos o projeto é compartilhado por todas esbarrou no cabo de uma panela com ” as integrantes da equipe. “Espera- óleo. Então, o professor disse: ‘vocês mos, dessa forma, conseguir espalhar são mulheres, deviam saber que na co- carregam”, afirma. Outro aspecto é o Meninas na Química para muitas zinha deve se colocar o cabo de panela o fato de certas profissões no campo outras escolas, não só públicas e não para trás para evitar acidente’”, lem- das ciências serem vistas como “mais só as do Rio de Janeiro”, diz Lohrene. bra Lohrene, estudante do 7º período masculinas”, ou seja, a racionalidade Desse modo, muitas meninas, como do curso de licenciatura em Química. e o uso da autoridade como formas Isabel Silva, de 15 anos, participante Para a antropóloga Andrea Alves, super valorizadas de exercício da ati- do projeto em 2017 no Colégio Es- o padrão de uso do tempo é um aspec- vidade científica. tadual Antônio Prado Jr., poderão to muito importante, que impede as Por ser um projeto que se dedica “descobrir como mulheres fizeram mulheres de avançarem em carreiras não somente ao trabalho de extensão, coisas muito importantes para a so- no campo das ciências. “O tempo de mas também ao de pesquisa, novas ciedade e para o mundo, mesmo que dedicação das mulheres é, em geral, atividades vão sendo criadas a fim de pouco reconhecidas”. Além disso, comprometido com horas de trabalho permitir o estudo sobre o ensino de aprenderão, como explica Isabel, que doméstico e de cuidado com filhos. ciência aliado às questões de gênero. “tudo é baseado em tentativas de al- Ter uma atenção dividida com outros No entanto, o alcance é ainda muito mejar o bom resultado, descobrir o aspectos da vida é julgado como um limitado. Atualmente, o projeto man- porquê de não se obter êxito e apri- defeito ou uma falta que as mulheres tém parceria com apenas sete escolas: morar até obtê-lo”.

19 Silêncio Informação é a melhor prevenção contra o não é uma suicídio, que, no Brasil, aumentou 12% entre opção 2011 e 2015

Camila Fonseca, Diego Klein, Gabriel Monteiro e Juliana Castro

Em 90% dos casos, segundo a Organização Mundial da Saúde, os atentados contra a própria vida podem ser prevenidos. Para quem lida com familiares ou amigos que enfrentam o problema, o mais importante é não julgar e saber ouvir

rata-se de sentimen- No Brasil, são 32 casos por dia, ou 1 tos desagradáveis, a cada 45 minutos, o que coloca o país “ com certeza, dos quais na oitava posição entre os países com qualquer pessoa pode 188 maior número de mortes por esta cau- facilmente desemba- sa. De acordo com o Sistema de In- raçar-se,T porque ninguém sabe até Telefone do CVV formação sobre Mortalidade (SIM), o onde vão suas forças, uma vez que número de suicídios no país aumentou ainda não as submeteu à prova.” O no AC, AM, AP, ES, 12% entre 2011 e 2015. No primeiro relato é parte da carta de um jovem GO, MS, MT, PI, RJ, RO, ano há registros de 10.490 mortes, do século XIX, Werther, na qual narra enquanto em 2015 o número chegou sua desilusão amorosa, devido a não RR, RS, SC, SP, TO e DF a 11.736. O suicídio está muito rela- ser correspondido por Charlotte, que Até 2020 será implantado em todos os cionado aos transtornos psiquiátricos, tinha sido prometida em casamento Estados. como a depressão, o transtorno bipo- a outro homem. Como achava que a lar, a esquizofrenia e o transtorno de vida tinha perdido o sentido, Werther personalidade. As doenças mentais atenta contra a própria vida, com uma devido ao tabu social. A obra, inaugu- foram por tanto tempo tão renegadas pistola. A citação é parte do romance radora do romantismo, passou então a que a própria pessoa não nota que epistolar “Os sofrimentos do jovem ser banida em vários países europeus, pode estar desenvolvendo alguma de- Werther”, publicado pelo escritor ale- inclusive sob uma campanha conde- las. Elas chegam devagar e aos poucos mão Johann Wolfgang von Goethe em natória da Igreja Católica. A partir do vão tomando conta. “Esses quadros, 1774. A narrativa apresenta tom tão fenômeno, mesmo que não tenha sido como a depressão, costumam levar a realístico que passou a ter cunho per- comprovada a relação entre o livro e um sofrimento muito grande dessas turbador, com registros de suicídios as mortes, o sociólogo David Phillips pessoas. A depressão pode ser tratada de jovens na Europa, após a publi- sugeriu em 1974 o termo “Efeito Wer- por medicação e terapia, e a tendên- cação, que apresentavam as mesmas ther”, ou efeito de imitação. cia é que ela tenha alta. Mas pode ser características da do protagonista da Por ano, atualmente, 800 mil que ocorra uma recaída, e tenha outro obra. Por tratar de questões de cunhos pessoas cometem suicídio no mun- episódio”, afirma Paula Rui Ventura, depressivo e passional, o romance ge- do, segundo dados da Organização professora associada do Instituto de rou identificação nos leitores que so- Mundial da Saúde (OMS). Ou seja, Psicologia da Universidade Federal friam com os mesmos problemas, mas a cada 40 segundos uma pessoa põe do Rio de Janeiro (UFRJ), em entre- não reportavam ou falavam a respeito, fim à própria vida deliberadamente. vista antes de começar a sua aula para

20 jovens futuros psicólogos. “O que acontece é que, quando a pessoa tem um transtorno desse tipo, a tendência é que esse seja o ponto fraco dela; cada um tem um ponto fraco. Um tem aler- gia, um tem diabetes, um tem depres- Fonte: Ministério da Saúde são, o outro, transtorno de ansiedade, e se a pessoa tiver um momento mais estressante o quadro pode voltar.” Contudo, não são todos casos de suicídio que apresentam um desses transtornos. “Quando a gente traba- lha com alguém com risco de suicídio, a gente avalia desde a ideação suicida, a vontade de não estar mais aqui, sem planejamento e sem fazer nada objeti- vamente, até começar a pensar a fazer Biológicas pelo Instituto de Biofísica acolhidos pela sociedade. Por meio algo mais concreto”, relata a psicóloga. também da UFRJ. da mídia, as pessoas têm uma noção Graduada em 1990 pela UFRJ, Paula O reconhecimento precoce dos do que são os transtornos mentais. A tem experiência com terapia cogniti- comportamentos de risco é muito im- pessoa percebe que não é só ela e que vo-comportamental e neurociência. portante para a prevenção. Uma esti- existem outras pessoas que têm casos Para uma pessoa próxima de alguém mativa da OMS afirma que 90% dos semelhantes, e isso é super importan- que tem ideações suicidas ou já tentou casos de suicídio podem ser preveni- te”, observa a psicóloga. se matar pode ser muito difícil perce- dos. Uma das ações mais importante Em uma sociedade complexa, en- ber o problema sozinho. O isolamento é a informação que chega à socieda- xergar oportunidades pode ser um social, as queixas constantes e a falta de de. Quando alguém sabe identificar grande começo para discutir assuntos esperança na vida são sinais de riscos que um amigo, irmão ou primo quer que ficam à margem do debate públi- comuns, que podem ajudar a identifi- se matar, ou fala que já pensou, é co e político. O suicídio é um deles. car se alguém precisa de ajuda. “Quem preciso agir de forma cautelosa, não Hoje, o número de debates aumentou. se mata dá sinais antes, que não foram julgar e saber ouvir. As redes sociais O apelo social, devido às mídias tradi- captados pelos amigos ou familiares, também são meios que podem indicar cionais ou digitais, propiciou a vários ou que o médico não percebeu. Na sinais importantes. Falar abertamente grupos começar a debater a ameaça, correria e nos problemas corriqueiros sobre esse problema é um ponto im- para a família, do sofrimento que jo- do dia a dia, esses sinais passam des- portante para a diminuição das taxas vens e pessoas de outras faixas etárias percebidos para aqueles que, muitas de suicídio. “O silêncio, a vergonha, o estão passando. O suicídio é um pro- vezes, convivem com eles”, atesta preconceito e o estigma só atrapalham blema multidimensional, que envolve Paula, cujo doutorado fez em Ciências aqueles que precisam ser ouvidos e a responsabilidade social e política e

Foto: Diego Klein

Dayse Miranda fala sobre as dificuldades de estudar e lidar com o suicídio 21 deve ser tomada como questão de saú- sistema de notificação confiável. Para tes que ainda não conseguimos chegar de pública. “Trabalhar a prevenção do melhorarmos nossas políticas públi- à causa. São cerca de 10 mil mortes suicídio e a intervenção envolve mui- cas, precisamos começar desde a co- que foram por causa externa, violenta, tos braços, porque requer uma cons- leta eficiente de dados, à comunicação mas não sabemos por quê. Por isso te- cientização, que é uma educação para de informação de qualidade.” O pre- mos esse subdiagnóstico do suicídio”, prevenir”, alerta Dayse Assunção Mi- conceito em torno do suicídio também complementou a especialista, entre- randa, doutora em Ciências Políticas é uma das razões para a grande taxa de vistada pela Agência Brasil em setem- pela Universidade de São Paulo (USP) subnotificações. O medo e a vergonha bro de 2017. O Brasil tem como meta e coordenadora do Grupo de Estudo de serem estigmatizadas por amigos reduzir o número de suicídios em 10% e Pesquisa em Suicídio e Prevenção e familiares fazem com que muitas até 2020 e faz parte da agenda estraté- (GEPeSP) da Universidade do Esta- famílias não notifiquem ou indiquem gica do Ministério da Saúde. do do Rio de Janeiro (UERJ), iniciado causa indeterminada. Nas classes so- O problema vai além dos registros em 2013. “A prevenção deve ser tra- ciais mais altas também estão envolvi- oficiais. O suicídio ainda é um tabu, balhada do nível micro ao macro. As das questões relacionados a seguros de principalmente por causa da ideia famílias, que são a rede de apoio, os vida e diagnósticos feitos por médicos propagada do efeito de imitação. As médicos, as redes de saúde, e, no caso da família. Nas classes mais baixas, a origens do tema acompanham a his- do jovem, a escola também precisa es- captação dos corpos é feita pelo Ins- tória. Há séculos, o suicídio era con- tar preparada.” tituto Médico Legal (IML), que, nos siderado uma questão religiosa ou fi- casos de suicídios, classifica-os como losófica. A Igreja Católica condenava • Subnotificação mortes violentas. veemente, não permitindo que o cor- Todavia, existe uma questão im- A diretora do Departamento de po fosse enterrado em terras santas. portante e que diz respeito ao grau Vigilância de Doenças e Agravos Em 1897 Émile Durkheim publicou de qualidade de informações sobre o Não-Transmissíveis e Promoção da o primeiro estudo mais detalhado e suicídio no país: os dados. No Brasil, Saúde (DANTPS), órgão do Mi- aprofundado sobre o assunto, no li- desde 2011 tornou-se obrigatória a nistério da Saúde, Fátima Marinho, vro “O suicídio”. E muitos anos de notificação de casos de tentativas de aponta que, em 2015, das 1,2 milhão estudo foram dedicados ao tema logo suicídio. Dayse, porém, alerta para de mortes, 17% tiveram causa exter- depois da obra do sociólogo francês, um problema que ainda é um empe- na, ou seja, 204 mil óbitos por fatores segundo Pablo Nunes, pesquisador cilho para a mensuração mais efetiva não-naturais. Desse número, 40% são GEPeSP, da UERJ, inclusive sobre dos casos no país, que são as subno- registradas sem a devida determina- o papel dos meios de comunicação. tificações. “No Brasil não temos um ção da causa. “Ainda tem 6% de mor- “Principalmente na década de (19)70,

A importância do Setembro Amarelo

urante todo o mês de setembro acontecem campa- (ABP). Para chamar a atenção das pessoas, os principais nhas de conscientização e prevenção do suicídio. pontos turísticos do país são iluminados com a cor amare- DO objetivo, com elas, é divulgar a causa e debater la, que representa vida, luz e alegria. Além disso, profissio- o preconceito e o estigma em torno do tema. As ações es- nais da saúde e grupos que lutam pela causa alertam que o tão vinculadas ao Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, suicídio é um problema de saúde pública e que o combate criado em 2003 pela Associação Internacional de Preven- dele precisa do apoio de todas as esferas da sociedade. ção do Suicídio e pela Organização Mundial de Saúde. O Em setembro de 2017 a campanha o CVV de preven- dia 10 de setembro foi escolhido para marcar a iniciativa. ção do suicídio teve como lema “Falar é a melhor solu- No Brasil, o movimento teve início em 2015 com o ção”. As informações sobre o tema podem ser acessadas Centro de Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal no site setembroamarelo.org.br e na página facebook. de Medicina (CFM) e Associação Brasileira de Psiquiatria com/setembroamarelo.

22 onde voltaram as preocupações entre meios de comunicação esse ano, tanto as relações de suicídio e mídia, a gente Trabalhar a prevenção pelo fenômeno da Baleia Azul, quanto tem uma convergência do resultado do“ suicídio e a intervenção da série 13 Reasons Why (13 Porquês, de pesquisas empíricas para a con- série da Netflix que aborda o suicídio clusão de que a mídia pode influen- envolve muitos braços, de uma adolescente), e a gente perce- ciar nas taxas de suicídio de um país, beu que não é impossível fazer uma estado ou cidade”, informa Nunes. porque requer uma cobertura responsável. A cobertura Um caso emblemático foi o ocorrido conscientização, que dos grandes meios foi muito certei- em Viena, na década de 1980. Após ra.” O jogo online Baleia Azul teria uma cobertura sensacionalista de um é uma educação para surgido na Rússia em 2015. Através incidente que aconteceu no metrô da prevenir. dele, os participantes eram levados a capital austríaca, foram registradas 22 se auto-mutilarem e, ao fim do cum- mortes em 18 meses. A Prefeitura da Dayse Assunção Miranda, coordenadora do Grupo de Estudo e primento dos desafios, deveriam se cidade tomou ações para melhorar a Pesquisa em Suicídio e Prevenção” (GEPeSP), da UERJ suicidar. cobertura de suicídios, como a indi- A internet e as redes sociais, com cação de um manual, produzido pela já que podem ocasionar um aumento sua rápida reprodutibilidade, tam- Associação Austríaca para a Preven- no número de casos de suicídio ou, ao bém são um desafio. O Comunica ção do Suicídio, sobre como profis- contrário, podem ajudar as pessoas Que Muda (CQM), iniciativa digital sionais deveriam abordar o assunto. que se encontram sob risco de suicí- da agência de publicidade nova/sb, Como resultado, houve uma queda dio ou enlutadas. Para a Organização realizou uma pesquisa nas principais drástica dos incidentes. Pan-Americana da Saúde (OPAS), da redes sociais, onde foram capturadas OMS, a cobertura responsável pelos 1.230.197 menções ao termo “sui- • Cobertura jornalística responsável meios de comunicação é um dos prin- cídio” entre abril e maio de 2017, o Para Nunes, as pessoas que se cipais pontos de prevenção e controle. ápice de buscas no Google dos últi- preocupam com o tema querem que Para ajudar a imprensa a lidar com mos cinco anos. Os principais tópicos ele seja debatido na imprensa, mas o tema, a Associação Brasileira de Psi- abordavam a Baleia Azul e a série 13 que seja abordado de forma conscien- quiatria (ABP) publicou um manual Reasons Why. Existe uma correlação te e responsável. “Existem diversas dirigido a veículos de comunicação, entre o volume de pesquisas de sui- regras que são simples e que podem disponível no site da entidade. A cídios e formas de cometê-lo com as causar efeitos muito benéficos para a OMS também possui um manual es- taxas de suicídios. A internet pode cobertura, já que não causam efeito pecífico para profissionais de mídia, ser usada como um canal de apoio e imitação.” Ao optar simplesmente assim como o Centro de Valorização divulgação de campanhas de preven- por não noticiar, diz o pesquisador, o à Vida (CVV) – www.cvv.org.br. “Os ção, mas também consegue ser um tabu em torno do assunto é cada vez desafios que a mídia precisa enfrentar ambiente de espetacularização e en- mais reforçado. Por isso, ele acha que são pequenos, não vejo grandes difi- corajamento do suicídio. A morte do os veículos devem ter cuidado com o culdades na mudança de cobertura. O adolescente Vinícius Gageiro Mar- foco dado às notícias que publicam, suicídio ficou muito em destaque nos ques, em 2006, virou notícia no Brasil

23 por causa de transmissão que ele fez deral do país quando chegam ao pro- Estudantes (DASE) da UFF, o pro- com sua câmera do computador. O grama para receber apoio psicológico. grama conta com quatro psicólogos, jovem de 16 anos, cujo pseudônimo Dados da OMS de 2014 apontam que sendo ela e outros três profissionais era Yoñlu, estava em internação domi- o suicídio é a segunda maior causa de da área de psicologia. Ela ressalta que ciliar por sugestão de seu psicanalista. morte entre jovens de 15 a 29 anos. está previsto, até o final de 2017, su- Quando decidiu tirar a própria vida Bullying, preconceito, difamação em perar o número de atendimento do na frente da câmera, alguns internau- redes sociais, pressão na escola ou ano anterior. “A universidade prega tas lhe pediram para parar; outros, en- na faculdade, problemas familiares e metas impossíveis em muitos casos, tretanto, o encorajaram a ir em frente. amorosos são alguns fatores que co- com a romantização de um esforço “As redes sociais são um fenômeno laboram para o desenvolvimento de sem limites, que, para se alcançar um muito complexo. Recentemente o transtornos mentais e, no pior dos ca- objetivo, deve-se abrir mão da vida jornal inglês The Guardian vazou al- sos, para a ideação suicida. O projeto social, família e sono, além da óbvia gumas normas que o Facebook utiliza psicossocial oferecido aos estudantes competição entre colegas de curso”, nesses casos, e uma delas foi a orien- da UFRJ é o “Vem pra roda”. Nele, disse Vinícius Ribeiro, 25, aluno de tação dos censores da plataforma para as terapias são feitas em grupos de Biblioteconomia e Documentação da não retirar pessoas que estavam co- cerca de 10 pessoas, sob supervisão de UFF. Ele buscou auxílio, pois estava metendo suicídio e transmitindo pela dois estagiários do curso de Psicologia insatisfeito com o curso e também vi- rede social. A gente sabe que tem um da própria instituição. Atualmente a nha enfrentando obstáculos que o fa- impacto, mas não sabe ainda qual é, Superintendência Geral de Políticas ziam se sentir incapaz. Relatos como o já que essa rede social é pouco trans- Estudantis (SuperEst), órgão respon- de Vinícius são frequentes dentro das parente aos dados produzidos”, diz sável por dar assistência e criar políti- universidades. Valviesse fala que os Nunes. No entanto, “além de olhar cas que auxiliem na permanência dos alunos chegam na roda de terapia com pelo viés negativo, a internet e as redes estudantes na universidade, disponi- os mais variados problemas, desde sociais têm um grande potencial para biliza 70 vagas para o projeto. questões relacionadas à própria uni- fornecer dados e tendências para nos Com o aumento dos casos de de- versidade, por estarem no mesmo am- adiantar informações úteis para pre- pressão e ansiedade, algumas univer- biente e compartilharem experiências, venção”, acrescenta. sidades têm apostado em programas até problemas como falta de moradia de prevenção e auxílio à saúde mental e o desgaste de morar longe da uni- • Saúde mental de estudantes nas de jovens que estão no ensino superior versidade. “Não somos a solução para universidades Na Universidade Federal Fluminense os problemas deles. O que tentamos é “Eles falam da vida. Eles choram. (UFF), em Niterói, são disponibili- fazer ser vida, a vida desses jovens que Copiosamente.” É assim que a psico- zados serviços de escuta terapêuti- têm problemas reais”, comentou. terapeuta Karla Valviesse, supervisora ca, entre outros programas gratuitos clínica da Divisão de Psicologia Apli- destinados a alunos que procuram • Onde procurar ajuda? cada (DPA) do Instituto de Psicologia por terapias individuais. Segundo a Segundo o Ministério da Saúde, da UFRJ, descreveu o estado dos alu- psicóloga Nathalia Lacerda, diretora a existência de Centros de Atenção nos da maior universidade pública fe- da Divisão de Atenção à Saúde dos Psicossocial (CAPS) no município do Rio reduz em 14% o risco de suicídio. Todavia, os especialistas dizem que é preciso uma melhor distribuição des- ses centros, principalmente nas áreas Fotos: Diego Klein com maior incidência de suicídios. O Brasil tem 5.570 municípios e apenas 2.463 CAPS em funcionamento. Res- ta a algumas pessoas as iniciativas de organizações não-governamentais, como o Centro de Valorização a Vida (CVV), uma das instituições mais im- portantes na luta contra a depressão e o suicídio. Fundada em São Paulo em 1962, é uma associação civil sem fins lucrativos, filantrópica, reconhecida como de utilidade pública federal em 1973. Presta serviço voluntário e gra- tuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob to- tal sigilo. Norma Moreira, coordena- dora do projeto, explica como é feito o trabalho: “Funcionamos 24 horas, todos os dias do ano. Mantemos sigilo da conversa da pessoa que entra em contato com o CVV e o anonimato, ou seja, se ela não quiser identificar-se, não precisa. Atendemos pelo telefone 188, chat, e-mail, Skype, presencial no horário comercial e até por cartas para os que não têm recursos eletrôni- cos, como presidiários por exemplo”. Qualquer pessoa acima de 18 anos e com disponibilidade de tempo, comprometimento e um treinamento mínimo de nove semanas pode se can- didatar a uma vaga de voluntário no CVV. A ideia inicial é que o voluntá- Após experiência na família, as irmãs Regina Magalhães e Rogéria Vieira idealizaram o projeto Biacolhe rio dedique, no mínimo, quatro horas semanais em horários fixos e pré-de- terminados. O curso preparatório é Já na parceria entre CVV, Face- quando saía daquele quadro de de- gratuito e feito pelos próprios volun- book e SaferNet Brasil (associação pressão e transtorno bipolar. Às vezes tários do posto de atendimento. Em para promoção e defesa dos direitos ela ficava três meses trancada dentro tempos de redes sociais, onde as pes- humanos), o objetivo é que sejam de- de casa, entrava em movimento com- soas compartilham experiências, um nunciados casos de apologia e incita- pulsivo, engordava e, quando saía da- novo desafio se apresentou para quem ção a crimes, de bullying, homofobia, quele movimento e queria se mostrar trabalha com a questão. O suicídio pornografia infantil, racismo, intole- pra vida, ela se sentia fora do padrão tem sido publicizado e às vezes até rância religiosa, violência contra ani- de beleza que a sociedade colocava.” encorajado por grupos no Facebook. mais, idosos, mulher, crianças, tráfico A Biacolhe desenvolve diversos ti- Para tentar evitar esse novo problema, de pessoas e outros. Há também or- pos de atividades lúdicas e terapias o CVV e a rede social fizeram uma ganizações de cunho voluntário com alternativas, como a arteterapia, com parceria, como conta Norma: “Qual- capacitação para acolhimento dessas a intenção de acolher o próximo, en- quer pessoa que constate uma posta- pessoas, como a Biacolhe, idealizado tendendo que falar é a melhor solução. gem com sinais de intenção suicida ou pelas irmãs Rogéria Vieira e Regina “Eu acordei no dia seguinte e minha mutilação pode denunciar a postagem Magalhães. “O grupo começou por vontade era ficar enterrada na cama, seguindo o passo a passo, onde o Fa- causa de uma experiência. Minha mas percebi que não podia me ren- cebook vai avaliar esta postagem em filha, Beatriz, cometeu suicídio em der ao risco de entrar em um processo que o autor recebe notificação com outubro de 2016. A partir daí, como depressivo também. Assim eu tive a uma listagem de instituições de ajuda, ela era filha única, parece que a vida ideia de criar a organização e fazer um e uma delas é o CVV. E a pessoa não fica meio sem sentido”, contou Rogé- trabalho voltado a atender as pessoas fica sabendo quem denunciou”. ria. “Eu via as angústias que ela tinha que sofrem com essas questões para

25 que, na hora que quiserem estabele- de 15 voluntários e passou por um trei- deixar. “Uma questão que o CVV e cer contato com a sociedade, a gente namento de quatro meses com o CVV o Biacolhe colocam é que as pessoas esteja próximo para oferecer passeios, para capacitação, já que, para a funda- próximas consigam observar, perce- filmes, piqueniques, saraus, entre ou- dora, tratar o tema é delicado. Assim ber e entender os sinais”, afirma Re- tras atividades de acolhimento”, con- como o CVV, a organização também gina. E, mesmo assim, observar os tou Rogéria. realiza atendimento por telefone. sinais pode ser uma tarefa complica- Em março, o grupo realizou o I “Um dia fiquei até quase 2 da manhã da. “Apesar da minha formação como Encontro Biacolhe de Música e Poesia atendendo uma moça que estava em psicóloga e apesar de estar lidando e, em julho, organizaram um sarau. crise, na varanda, um pouco alcooli- com o assunto por quase 12 anos com “Foi bem harmonioso porque o públi- zada, pensando em se jogar. Fiquei a minha filha, perceber os sinais de co ficou entusiasmado com a recitação mais de 3 horas conversando com ela, suicídio às vezes se torna muito com- de poesias, com as pessoas cantando, pedia para ela entrar para casa, falava plicado”, contou Rogéria. “Biacolhe as pessoas com as suas necessidades que queria ouvir ela passando a chave, pode ter muitos significados. Bia vem emocionais gostaram muito. Elogia- a porta fechando.” E acrescenta: “É do nome da minha filha e, também, ram bastante”, disse Regina. Já em desgastante, você tem que ter um cui- carregamos o significado de benevo- setembro, realizaram o I Seminário de dado com o que vai falar. Existe muito, lência, indulgência e amor. Como eu Valorização à Vida, no qual aborda- além do emocional, essa noção com as a chamava muito de bi, que é parecido ram assuntos como drogas e suicídio, palavras, porque qualquer deslize que com bee de abelha, por isso o símbolo depressão, CVV e Setembro Amarelo. você cometer pode ser um gatilho”. das abelhas”, disse Rogéria. “A ques- Em dezembro, encenaram peças tea- Nas cartilhas distribuídas pela tão da polinização, isso de você trazer trais especial de Natal, sempre abor- organização e pelo CVV pede-se que vida, então tem todo um significado”, dando a temática de forma empática e seja data atenção aos sinais que pes- acrescenta Regina. consciente. O grupo conta com cerca soas que pensam em suicídio podem Versão online: www.parlamidia.com/suicidio

Esclarecendo MITOS sobre o suicídio

• As pessoas que falam sobre o • Quando um indivíduo mostra suicídio não farão mal a si próprias, FALSO sinais de melhoria ou sobrevive a FALSO pois querem apenas chamar a uma tentativa de suicídio está fora atenção. de perigo. Um conselheiro deve tomar todas as precauções necessá- Na verdade, um dos períodos mais perigosos é imediata- Fonte: Organização Mundial da Saúde (OMS) rias sempre que confrontado com um indivíduo que fale mente depois da crise, ou quando a pessoa está no hospital, de ideação, de intenção ou de um plano suicida. Todas as na sequência de uma tentativa. A semana que se segue à alta ameaças de se fazer mal devem ser levadas muito a sério. do hospital é um período durante o qual a pessoa está par- ticularmente fragilizada e em perigo de se fazer mal. Como • O suicídio é sempre impulsivo e um preditor do comportamento futuro é o comportamento acontece sem aviso. FALSO passado, a pessoa suicida muitas vezes continua em risco. Morrer pelas próprias mãos pode le- var à ideia de ser o resultado de um ato impulsivo, mas o • Os indivíduos que tentam ou suicídio pode ter sido ponderado durante algum tempo. cometem suicídio têm sempre alguma FALSO Muitos indivíduos suicidas comunicam algum tipo de perturbação mental. mensagem verbal ou comportamental sobre as suas idea- Os comportamentos suicidas têm sido associados à de- ções da intenção de fazerem mal a eles próprios. pressão, abuso de substâncias, esquizofrenia e outras per- turbações mentais, além de aos comportamentos destru- • Os indivíduos suicidas querem tivos e agressivos. No entanto, esta associação não deve mesmo morrer ou estão decididos a FALSO ser sobrestimada. A proporção relativa destas perturba- matar-se. ções varia de lugar para lugar e há casos em que nenhuma A maioria das pessoas que se sentem suicidas partilham os perturbação mental foi detectada. seus pensamentos com pelo menos uma outra pessoa, ou ligam para uma telefone de emergência ou para um mé- • Se um conselheiro falar com um dico, o que constitui prova de ambivalência (sentimento “cliente” sobre suicídio, o conselheiro FALSO opostos em relação ao ato), e não de empenho em se matar. está transmitindo a ideia de suicídio à pessoa. Um conselheiro obviamente não causa comportamento • Após uma pessoa tentar cometer suicida simplesmente por perguntar aos “clientes” se es- suicídio uma vez, nunca voltará a FALSO tão considerando fazer mal a eles próprios. Na verdade, tentar novamente. reconhecer que o estado emocional do indivíduo é real e Na verdade, as tentativas de suicídio são preditores (an- tentar normalizar a situação induzida pelo stress são com- tecipações) cruciais do suicídio. ponentes necessários para a redução da ideação suicida.

26 ANÚNCIO

27 Toda a renda da família do venezuelano Jose Joaquim vem dos quitutes vendidos na feira um novo imigração Lar O Brasil recebe os imigrantes, mas, dependendo do país de origem deles, a acolhida nem sempre é das melhores

Gabriela Morgado, Matheus Picinatti, Júlia Sena, Guilherme Moreno e Caio Brasil

ardins da Escola Britâni- histórias de vida, mostram a tentativa e o islamismo, respectivamente) como ca, Humaitá, zona Sul do de cada participante do projeto em agravantes de suas tensões, estão lado Rio. É neste endereço que reconstruir suas vidas longe de seus a lado, por exemplo. acontece a tradicional feira países, todos em plena comunhão. Tal Passando de barraquinha em bar- Chega Junto, destinada a comunhão é tão grande que as rivali- raquinha, é impossível não notar a do Jimigrantes e refugiados que buscam dades históricas são deixadas de lado. venezuelano José Joaquim, localizada uma nova fonte de renda e reconexão A Índia e o Paquistão, que travam entre o portão de entrada da feira e a social, onde cheiros, aromas e sabores conflitos armados em uma disputa ter- Nigéria. José veio para o Brasil há dois se misturam. A simpatia e os sorri- ritorial pela região da Caxemira desde anos. A situação no seu país era insus- sos nos rostos, que carregam diversas 1947 e têm as religiões (o hinduísmo tentável. “Eu passei por extorsão, sob

28 ameaça de morte por parte de um grupo nossos produtos, bem seja nas feiras Janeiro (UFRJ), no campus da Praia

Foto: Guilherme Moreno criminoso no meu país. Durei pagando Chega Junto, Sacola Virtual da Junta Vermelha, na Urca (zona Sul). Durante extorsão (por) quase 9 anos, até que em Local ou recebendo encomendas”. uma semana, duas barracas com comi- 2015 decidimos ir embora para morar- A situação do país de Joaquim é das típicas formaram filas no meio do mos neste maravilhoso país”, comen- crítica. Além da acirrada crise política, espaço da faculdade. A cada dia, refei- tou, enquanto preparava, junto com a há anos a Venezuela enfrenta proble- ções de dois novos países. Na manhã mulher, um prato com quibe e falafel mas econômicos e sociais, agravados do dia 20, sexta-feira, duas mulheres – um bolinho frito ou assado de ori- pela alta dependência da importação de poucas palavras, mas semblantes gem árabe, feito de grão de bico ou fava de bens e pela queda do preço do pe- simpáticos, vendiam arepas (espécie de moídos, no qual podem ser adicionados tróleo, maior fonte de suas divisas. A pão) e empanadas feitas com massa de ainda alho, cebolinha, salsa, coentro e crise hospitalar e de saúde também milho e papas rellenas (batatas rechea- cominho, entre outros condimentos – afeta o país desde 2013. A falta de das), comidas típicas da Colômbia. para um dos frequentadores da feira. medicamentos, de produtos básicos Enquanto os estudantes faziam fila A Chega Junto foi iniciada em 2015 de saúde e a busca por uma melhor para comer suas arepas recheadas com a partir de uma parceria da Cáritas do qualidade de vida fizeram milhares de carne, frango, queijo ou camarão, dois Rio de Janeiro (organização criada pela venezuelanos atravessarem fronteiras homens chegaram e se organizaram ao Conferência Nacional dos Bispos do em busca de suprimentos. O número lado das colombianas. Logo que mon- Brasil – CNBB) e a Junta Local, um de hermanos que pediram refúgio no taram sua barraca, a do Paquistão, já coletivo de pequenos agricultores e Brasil aumentou 1.036% entre 2013 foram abordados por clientes. produtores artesanais. Para eles, a ideia e 2015, tendo sido Roraima a princi- A Feira acompanhou a progra- é produzir uma comida sem “gosto de pal porta de entrada no território na- mação da 9ª edição do Fórum de laboratório”, ou seja, a origem deve cional, segundo dados do Conselho Migrações/Migratic 2017, que, há ser natural. Além disso, o produtor e Nacional para Refugiados (Conare), cinco anos, acontece paralelamente o consumidor fazem parte de um pro- órgão ligado ao Ministério da Justiça. ao Simpósio de Pesquisas sobre Mi- cesso mútuo, no qual todos conhecem Mas na Feira, os sorrisos estampa- grações, realizados no campus Praia os processos da produção do alimento, dos desde o início do dia ainda eram Vermelha da UFRJ. Do dia 16 a 20 desde a colheita até a refeição. Após presenciados no final da tarde. As de outubro, enquanto pesquisadores um ano de “estágio” nas feiras orga- histórias do passado e presente con- apresentavam suas teses dentro de um nizadas pela Junta, que abriu espaço tinuavam a se cruzar pelos corredores auditório, quitutes eram vendidos por gratuito para refugiados com talentos da feira. No entanto, a tarde veio, co- participantes da Chega Junto, do lado culinários, estes participantes ganha- meçou a escurecer e os trabalhadores de fora. Apesar de ser uma iniciativa ram uma feira exclusiva, organizada iniciaram o encerramento de suas ati- de integração, o evento deixou clara sempre no último sábado de cada mês. vidades após mais um sábado intenso. uma das maiores dificuldades dos imi- Atualmente, a feira “Chega Junto” A volta ao mundo pelas barracas ia se grantes que vêm para o Brasil: a lín- reúne 18 famílias de refugiados e mi- encerrando. José fazia o mesmo com gua portuguesa. Os paquistaneses da grantes vindos de , Argentina, sua esposa, mas prometeu que sempre Chega Junto, por exemplo, não fala- Colômbia, Haiti, Índia, Japão, Nigé- retorna todo fim de mês. vam português, apenas urdu e inglês, ria, Paquistão, Peru, República Demo- línguas oficiais de seu país. O idioma crática do Congo, Síria, Togo, Uruguai • Imigração em foco na universidade é uma barreira até mesmo para os imi- e Venezuela. A cada edição, novos paí- Em outubro, a Feira Chega Jun- grantes com rica formação acadêmica. ses são convidados a participar. Além to levou toda sua diversidade cultural O idealizador e organizador do das barracas com comida, os eventos para a Universidade Federal do Rio de Fórum, Mohammed El Hajji, é mar- sempre contam com música ao vivo e até mesmo pequenas oficinas. Para José, conhecer a feira foi fun- damental e coincidiu muito bem com sua vinda ao Brasil. “Tivemos a opor- tunidade de participar na feira através Foto: Guilherme Moreno da Organização Não Governamental (ONG) Pares Cáritas RJ, onde pude conhecer o projeto, que é uma parce- ria conjunta com a Junta Local. Nossa primeira participação foi em abril do ano 2016. Já hoje em dia somos pro- dutores da Junta Local e integrantes do projeto Chega Junto.” Atualmen- te, ele se mantém financeiramente somente com o projeto, pelo qual tem um carinho especial: “Mantenho As opções da gastronomia de minha família somente trabalhando diferentes países faz sucesso com minha esposa através da oferta de

29 Fotos: Gabriela Morgado

No campus da UFRJ, imigrantes preparam arepa, iguaria típica da Colômbia (acima); roquino e veio morar e estudar no a feira durou 5 dias e reuniu barracas de Brasil em 1991. Em seu país, foi jor- várias partes do mundo (abaixo) nalista durante 12 anos, mas acabou se voltando para o meio acadêmico no Brasil. El Hajji nunca teve problemas legais com a Justiça brasileira e nunca precisou de ajuda de órgãos ou enti- dades de apoio a imigrantes. Não é, como ele mesmo diz, um exemplo de imigração, já que não faz parte de um fluxo migratório do Marrocos para o Brasil. Fala dos brasileiros na primeira pessoa do plural, sempre se incluindo: “nós”. Mesmo assim, ele não falava português. Logo que chegou ao país, dirigiu-se ao antigo Le Méridien Co- pacabana, hoje Hotel Hilton, pois Brasil é o país que teve o maior contin- O professor da ECO tem pele sabia que os funcionários falavam gente de gente escravizada na história escura, que no Brasil é chamado de francês. Alugou um apartamento no da humanidade e que teve o mais lon- “moreno”. Fala português carrega- bairro e fez um curso de português go regime escravocrata. Não é possível do de sotaque e já viajou por muitos para estrangeiros na Aliança France- deixarmos de ser racistas de uma hora lugares, estudando e trabalhando. sa, empresa de idiomas que hoje apoia para a outra. Dessa forma, o brasileiro Possui pesquisas na área de imigra- o Fórum e o Simpósio. Outros imi- gosta do estrangeiro em geral, mas dis- ção, como o estudo da relação ente a grantes, no entanto, não têm tantos crimina o haitiano, os africanos, gente mídia étnica comunitária nacional e recursos, nem tanta sorte. de pele negra em geral, e os latinos com a criação de identidades transnacio- Entre o Fórum e o Simpósio de fenótipo indígena.” São esses imigran- nais de imigrantes no estado do Rio quarta-feira, dia 20, atrasado para o tes, segundo o professor, que mais têm de Janeiro. Acredita que a falta de almoço e com sua pasta e óculos escu- problemas para “abrir uma conta no informação do brasileiro sobre os imi- ros na mão, El Hajji, que é professor e banco, receber ajudas institucionais às grantes é uma das principais causas pesquisador da Escola de Comunica- quais têm direito e matricular o filho na para que o preconceito continue. Para ção (ECO) da UFRJ, onde fez mestra- escola, por exemplo”. Sua fala pode ser ele, os brasileiros se informam prin- do e doutorado, foi categórico: “Não explicitada na relação dos brasileiros cipalmente pela grande mídia, que é somos xenófobos, somos racistas”. O com diferentes culturas: “Cultuamos sensacionalista e dominada por uma ex-jornalista afirmou que o preconceito os europeus e tratamos asiáticos, africa- lógica empresarial. “O Brasil é uma que os imigrantes sofrem no país está nos e mesmo outros latino-americanos, ilha com uma mídia autocentrada, de mais relacionado com os traços físicos com todas as suas diferenças regionais, qualidade técnica altíssima, mas com do que com o lugar de onde vêm. “O como exóticos, quando não inferiores”. conteúdo conservador extremamen-

30 te reacionário. Não temos programas • Saúde do refugiado culturais ou de preocupação social. O brasileiro gosta do Uma das conferencistas do Sim- Tudo é reduzido ao que vai vender estrangeiro“ em geral, mas pósio foi Julianna Coutinho, do Ins- ou não”, completa. Para ele, assim tituto de Medicina Social (IMS) da como o brasileiro tem sua imagem discrimina o haitiano, os Universidade do Estado do Rio de estereotipada internacionalmente, os africanos, gente de pele Janeiro (Uerj). Julianna faz mestrado imigrantes também são retratados por em Saúde Coletiva, na área de Ciên- nós de maneira muito generalizada e, negra em geral, e os latinos cias Humanas e Saúde, e levantou um muitas vezes, fora de contexto. “Tra- com fenótipo indígena debate muito importante: o acesso de balho com a questão migratória e vejo refugiados e solicitantes de refúgio o alarmismo na mídia brasileira sobre aos serviços de saúde do Rio de Ja- as migrações na Europa. Quando você Mohammed El Hajji, professor da” UFRJ neiro. Ela lembrou que os solicitantes vê a TV do país, acha que os europeus possuem documentação provisória, estão vivendo uma guerra civil, quan- ameaças ao bem-estar e à cultura do enquanto esperam a decisão da Justi- do a mídia fala do imigrante que vem povo nativo.” El Hajji diz ainda que ça em aprovar ou indeferir o processo para o Brasil, ou o trata como perigo o Fórum pretende ir contra esse tipo de pedido de refúgio. Mesmo assim, ou fala com paternalismo, quando na de pensamento, ao unir pesquisadores possuem os mesmos direitos dos que verdade são outras histórias. Aí é onde com línguas diferentes em suas “rou- já detêm o status de refugiados à saú- entra a mídia alternativa, que, nesse pas sociais”, estudantes brasileiros e de. Em março de 2017, o Rio abrigava caso, se configura através das redes estrangeiros, “com suas mochilas e tê- 4.288 refugiados e 2.899 solicitantes sociais”, comentou El Hajji. nis All-Star”, além de ouvintes de fora de refúgio, em sua maioria angolanos. Exemplos de alternativas aos cli- da área acadêmica. Os dados do Alto Comissariado das chês imigratórios retratados pela gran- Uma das organizadoras do even- Nações Unidas para os Refugiados de mídia, segundo ele, são, por exem- to é a colombiana Catalina Revollo (ACNUR) podem ser encontrados no plo, o grupo de debate do Facebook Pardo, que mora no Brasil. Ela Faz livro “Recomeço”, lançado em outu- “Brasil País de Imigração”, vinculado parte do Programa de Psicossociolo- bro pela Secretaria Municipal de Saú- ao Fórum; as páginas da rede social gia de Comunidades e Ecologia Social de do Rio (SMS) sobre as experiências “Eu, Imigrante”, focada no debate con- (EICOS), também da UFRJ, no qual dos profissionais do Sistema Único de tra o racismo, “Raízes da Imigração” e conheceu El Hajji, também integran- Saúde (SUS) da cidade com refugiados “Globalização, Imigração e Intolerân- te do Programa. De vestido florido e e solicitantes. A obra está disponível cia”; o blog “MigraMundo”, fundado trança no cabelo contrastando com no site da Secretaria, gratuitamente: pelo jornalista Rodrigo Borges Delfim, seu piercing abaixo dos lábios, Catali- elosdasaude.com.br. que participou do Fórum de 2017. O na contou sorrindo sobre a alegria que Apesar da lei brasileira garantir pesquisador da UFRJ defende que sentiu ao participar do seu primeiro a essas pessoas o direito ao acesso à essas iniciativas batem de frente com Fórum. “O espaço me proporcionou saúde, a situação real é diferente por a visão hegemônica criada pela grande encontrar com muitos migrantes que muitos motivos: preconceito, língua, mídia sobre a questão, o que abre um eu nunca tinha conhecido e ter uma localização das unidades de saúde e va- debate mais amplo. “A discussão se troca de experiências, dos processos riadas formas de tratamento de doen- torna muito importante no período em de entendimento do que a gente vi- ças em cada país. Por isso, em parceria que estamos vivendo, com ataques ter- venciava. Para mim, como migrante, com a Cáritas Brasileira, a SMS passou roristas pelo mundo acontecendo com foi muito emocionante.” a promover as chamadas Feiras de Saú- frequência e movimentos ultranacio- de. A Cáritas é uma entidade católica nalistas ganhando espaço. Ao mesmo de promoção e atuação em causas so- tempo que sentem pelas vítimas, os ciais, presente no mundo inteiro. O li- residentes locais, não só do Brasil, mas vro “Recomeço” explica as atividades de outros destinos de migrantes, ficam das Feiras, que ocorrem na sede da Cá- com medo das pessoas que chegam aos ritas, na Tijuca, Zona Norte da cidade. seus países, que poderiam representar Nelas, os profissionais de saúde do mu-

31 Histórico da imigração no Brasil Início da colonização portugesa Fim do tráfico negreiro -> 1,2 milhão de portugueses

Séc.XVI Séc.XIX

Mão de obra branca Descobrimento do Brasil Tráfico negreiro -> Política de clareamento -> 5 milhões de africanos

nicípio dão orientações sobre doenças, fazem atividades lúdicas com crianças e distribuem kits de saúde bucal e pre- Brasil volta novamente à servativos. Os refugiados e solicitantes também fazem o seu referenciamento rota migratória mundial para as unidades de Atenção Primária mais próximas de onde moram e rece- história do Brasil é mar- em 1888, o Estado incentiva a imigra- bem uma caderneta com orientações cada por intensos fluxos ção de povos brancos, sobretudo euro- em seu idioma. Amigratórios. Ainda no sé- peus, numa tentativa de “embranque- Além disso, Julianna comemo- culo XVI, em 1532, para povoar as cer” a população. Com a economia em rou outra iniciativa, do Governo do terras recém descobertas, evitando crescimento, eram oferecidos aos imi- Rio de Janeiro, de instituir o Comitê invasões de outras nações e para grantes – que fugiam das instabilida- Estadual Intersetorial de Políticas de desenvolver atividades extrati- des políticas, econômicas e das guerras Atenção aos Refugiados (CEIPAR) vistas, a Coroa portuguesa inicia nas quais a Europa estava imersa –, em 2010 e, através dele, criar o Plano a colonização do território. Antes a possibilidade de ter seus próprios Estadual de Atenção aos Refugiados disso, as terras eram ocupadas por pedaços de terra. Segundo o IBGE, do Rio, em 2014. As medidas, segun- índios e pelas feitorias de extração entre 1820 e 1975, 5,6 milhões de do ela, têm por objetivo promover os do pau-brasil. O Instituto Brasilei- imigrantes chegaram ao país. Na dé- direitos e a integração social dos re- ro de Geografia e Estatística (IBGE) cada de 1960, após o golpe militar de fugiados e solicitantes de refúgio no estima que até a proclamação da 1964, o país deixa de receber números Rio. E se baseiam em seis diretrizes: República, em 1889, mais de 1,2 significativos de imigrantes. Depois documentação, educação, emprego e milhão de portugueses desembar- das crises econômicas das décadas de renda, moradia, saúde e ambiente so- caram no país para fixar residência. 1980 e 1990, o país passa a “exportar” ciocultural/conscientização. Julianna No mesmo século em que os co- mais do que “importar” cidadãos. Os acredita que essas iniciativas são o lonos portugueses começam a de- principais destinos dos brasileiros são início de um caminho de melhoria de sembarcar em grande número, tem Estados Unidos, Japão, Europa e Pa- vida para os refugiados e solicitantes início o tráfico negreiro. O processo raguai. Apenas em meados dos anos no Estado e podem ser um incentivo de captura do negro na África para 2000, durante o governo Lula, com o para a criação de novas leis e medidas escravização não se configura como aquecimento da economia nacional e sobre o tema. Ela falou sobre elas com imigração, pois foram trazidos ao a retomada do crescimento, houve in- otimismo: “São duas iniciativas da Brasil compulsoriamente. Porém, versão no quadro emigratório. gestão aqui no Rio que estão aconte- até a Lei Euzébio de Queiroz, em Após a construção do bloco eco- cendo: a aproximação da SMS com a 1850, que pôs fim ao comércio de es- nômico composto por Brasil, Rússia, Cáritas e esse Comitê que se formou cravos, quase 5 milhões de africanos Índia, China e, posteriormente, África no Estado para conseguir, enfim, dis- entraram no país. Segundo o censo do Sul, os BRICS, em 2006, e o iní- cutir as demandas, não só na saúde, de 1872, 58% da população brasilei- cio da crise imobiliária nos Estados mas na assistência social em outros ra da época, cerca de 10 milhões de Unidos, em 2008, que se alastra pelo níveis e tentar encaminhar isso da me- habitantes, era negra ou parda. mundo, o Brasil se posiciona como lhor maneira possível”. Após a abolição da escravatura, uma potência em desenvolvimento. Versão online: www.parlamidia.com/migracao 32 Histórico da imigração no Brasil Brasileiros passam a imigrar Fim do tráfico negreiro Brasil na rota mundial de imigração Séc.XX Séc.XXI

Mão de obra branca Redução da imigração para o Brasil Redução da imigração brasileira -> Política de clareamento Mais de nove mil refugiados

As recentes crises humanitárias põem de quem atua na área é de que ajude a enviados ao Conare, que entrará em o país novamente na rota migratória agilizar os processos e principalmen- contato com o solicitante para agendar mundial. Segundo dados da Polícia te proporcione segurança jurídica aos uma entrevista, durante a qual devem Federal, entre 2006 e 2016, o núme- solicitantes de refúgio enquanto aguar- ser apresentadas todas as provas e ro de imigrantes aumentou 160%, e o dam a análise de pedidos. A nova legis- razões para a solicitação, a fim de de- Conare aponta que existem mais de lação garante ao migrante, em condição monstrar que se enquadra no conceito 9 mil refugiados atualmente no país. de igualdade com os nacionais, a invio- de refugiado. Nesta etapa é fundamen- Apesar da questão ser socialmen- labilidade do direito à vida, à liberdade, tal detalhar os riscos de se voltar ao país te importante, o Brasil não é um dos à igualdade, à segurança e à proprieda- de origem e as perseguições sofridas. principais destinos para refugiados em de. Além disso, instituiu o visto tempo- Outra novidade no tratamento da escala mundial. Seja pela distância dos rário para acolhida humanitária, a ser questão de refugiados é a criação da principais países de origem de refugia- concedido ao apátrida ou ao nacional de Política Migratória Humanitária para dos, pela situação econômica brasileira país que, entre outras possibilidades, se cidadãos venezuelanos, aprovada nes- ou por outros fatores diversos, o país encontre em situação de grave e gene- te ano pelo Conselho Nacional de Imi- recebeu pouco mais de 10 mil solicita- ralizada violação de direitos humanos, gração (CNIg), através da Resolução ções de refúgio em 2016. Um número possibilitando assim o reconhecimento Normativa nº 126, que “dispõe sobre muito pequeno considerando que, no da condição de refugiado, tema de ou- a concessão de residência temporária mesmo ano, 3,2 milhões de pessoas fo- tra lei, a 9.474, de 1997. a nacional de país fronteiriço”. Apesar ram forçadas a sair de seus países devi- Para requerer o refúgio, é neces- do nome, a resolução não se aplica ex- do a conflitos ou perseguições. sário dirigir-se a qualquer posto da clusivamente a venezuelanos; apenas Uma nova lei de migração, sancio- Polícia Federal, com o formulário de foi motivada pelo expressivo número nada em maio de 2017, substitui o Es- solicitação devidamente preenchido e de solicitações de refúgio por cidadãos tatuto do Estrangeiro criado no perío- assinado e realizar a coleta de informa- da Venezuela em 2016, atingindo a do da ditadura militar, e a expectativa ções biométricas. Todos os dados são marca de 3.375 pedidos.

Desembarque de imigrantes no Porto de Santos (SP), em 1907

33 Foto: Doze Futebol

PLANETA BOLA PLANETA PAIXÃO sem tamanho

O amor inabalável dos torcedores por times como America, Bangu, Bonsucesso e outros de menor investimento mostra que nem só de equipes elitizadas vive o futebol brasileiro

Gabriel Leite, Gabriela Silva, Gabrielly Alves e Pedro Umberto

Os clubes ganham o coração dos torcedores que moram nos bairros onde estão sediados ou por conta da tradição familiar transmitida de pai para filho, mas a informação fácil sobre eles na internet tem sido a porta para arrebatar novos adeptos

s 15h07 no Shopping Mesmo assim, sem a menor expressão das contratações milionárias, dos de- Nova América, locali- de sono, chega oito minutos adianta- bates diários na televisão e das cons- zado no bairro de Del do, ostentando orgulhosamente sua truções das “arenas”. Anderson faz Castilho, zona Norte do camisa rubra e uma barba longa e den- parte da resistência. Uma resistência à Rio de Janeiro, o movi- sa, preta. Ele me pergunta detalhes elitização daquele que é um dos maio- Àmento na praça de alimentação não sobre a matéria e não consegue fugir res patrimônios culturais do brasileiro. foge muito do que se pode imaginar da inevitável pergunta: “E você, tor- Torce para o America, o primeiro, nas- para uma quinta-feira comum. Idosos ce para que time? Ah, é? O Flamengo cido na Tijuca, que inspirou sua cole- andando lentamente, olhando pou- ção de cópias – são 33 oficiais – por to- cas vitrines, funcionários almoçando dos os estados do país. Um dos clubes apressados, grupos de adolescentes a mais tradicionais na história do futebol caminho do cinema com refrigerantes brasileiro, mas que se vê hoje rebaixa- em mãos, e umas figuras estranhas, O meu do (literal e subjetivamente) à posição claramente desconfortáveis na espe- maior“ prazer de “segundo time” de todo carioca. ra de alguém que ainda não chegou. Para os torcedores dos clubes de Situação parecida com a do jornalista não é a vitória, menor poder aquisitivo – não ouse que escreve essa reportagem. “Pode- é ver o America em chamar de “time pequeno”, pode lhe mos marcar às 15h15? Sei que é um custar a negativa a uma entrevista –, horário meio ruim, mas trabalho de campo a lógica de torcer vai na contramão madrugada, então assim dá para dor- do que se vê ser cultivado nos times mir umas cinco horinhas.” Depois de Anderson Martins” de Castro, 34 anos que disputam os maiores campeo- mais de dez anos trabalhando como natos. Enquanto os lucros decolam e jornaleiro, Anderson Martins de Cas- as médias de público diminuem para tro, 34 anos, hoje trabalha nos Cor- nunca ganhava em Edson Passos. Só estas potências, a paixão inabalável de reios. Seu celular havia quebrado na ganhou aquela vez em 2008”. torcedores de clubes como America, noite anterior, então decidiu acordar O conhecimento afiado sobre fatos Bangu e Bonsucesso, todos do Rio, um pouco mais cedo para conseguir como esse faz parte de toda a mística implica numa luta diária para man- combinar os detalhes da entrevista. que ainda respira fora dos holofotes ter viva toda uma maneira de viver

34 Foto: Doze Futebol

Torcedor do America acompanha jogo no Estádio Giulite Coutinho O desmedido amor pelo America

Gabriela Silva e Gabrielly Alves

Foto: Arquivo Pessoal dicionário moderno define paixão como um sentimento O descomedido em relação a algo, seja ele um ser vivo, inanima- do ou uma temática. Diz ainda que é uma força contrária ou favorável a alguma coisa, que cega e impede a razão; é considerada também um fanatismo. Vem do latim passio, que remete a “sofrimento, ao ato de su- portar”, e de pati, que é sinônimo de “sofrer, aguentar”. E tem origem em pathe, que os gregos antigos usavam para expressar o ato de “sentir” (tan- tos sentimentos bons quanto ruins). No século XIV, a palavra ganhou o sentido de “forte emoção, desejo”; e mais tarde, teve acrescido o signifi- cado de “entusiasmo, grande apreço, predileção”. Mesmo com todas essas definições, a palavra não consegue Charles Calomino (à esquerda) e o pai, Newton Zarani: paixão pelo America de uma geração à outra abranger toda a extensão, no sentido amplo da palavra, dos sentimentos que o futebol propor- (Campeonato) Brasileiro... eu tava na geral... ainda tinha ciona; e muito menos para quem torce para um dos times geral no Maracanã... Nossa, parece que o escudo do Ame- de menor investimento, sentimento que consegue ser rica tava dentro do meu peito... Eu queria entrar no cam- ainda mais peculiar. po pra proteger os jogadores pra ganhar o jogo. Aquele Mas pode ser que no dicionário de Charles Calomi- mexeu muito comigo... esse dia mexeu”. A partida que no a palavra paixão tenha ganhado significado próprio. fez o coração de Calomino bater ainda mais forte era a se- E o entusiasmo do professor de futsal é todo voltado ao mifinal do conturbado Brasileiro de 1986 (o campeonato America, já tendo inclusive no passado ostentado ban- só chegou ao fim no ano seguinte) e terminou empatada deiras e esmurrado tamborins em 1 x 1 (o gol do alvirrubro foi da torcida organizada “Inferno de Renato). O resultado levou à Rubro”. Calomino tem quase eliminação do time carioca, pois a mesma idade de fundação da Nossa, parece que o escudo ele já havia perdido de 1 x 0 no torcida do “Mecão” – ele tem “do America tava dentro do meu Morumbi. O “Mecão” termi- 52 anos e a torcida, 47. Sua re- nou em 4º lugar. lação com o futebol também já peito... A relação apaixonada de tem muito tempo. Dedica-se à Calomino pelo esporte bretão modalidade de salão desde os é ainda mais forte por causa do 14 anos – foi inclusive atleta do Charles” Calomino, 52 anos pai. O jornalista esportivo Ne- America –, atividade que lhe wton Zarani, também torcedor rendeu mais de 600 alunos, no ferrenho do America, é conside- clube do coração e no Club Municipal – Associação dos rado o único jogador vivo no mundo, aos 91 anos, a ter Servidores Públicos, que fica também na Tijuca, zona disputado o primeiro campeonato de futebol de salão. Norte do Rio. O “Charles Miller do futsal” – título dado pelo clássico Quando questionado sobre o momento mais emocio- Jornal dos Sports, já extinto – é um dos responsáveis pela nante como torcedor do America, Calomino faz um lon- criação e desenvolvimento do futebol jogado em quadra, go suspiro. Em seguida, passa a mão pelos cabelos rentes e foi um dos criadores, em julho de 1954, da Federação aos ombros, molhados de suor, frutos de um dia quente Metropolitana de Futebol de Salão, que tornou oficiais as e longo de trabalho como professor da equipe de futsal regras da modalidade em todo o mundo. O filho orgulho- sub-12, e viaja de volta ao dia 18 de fevereiro de 1987: so, além de seguir os passos do pai, faz a curadoria dos “America e São Paulo no Maracanã na década de 1980, artefatos alvirrubros dele.

36 o futebol. Foi um amigo, num dia de são alternativas para os times de me- clube a alguns cliques de distância, e jogo, que falou: “a gente não é segun- nor investimento, que regularmente cria seus próprios laços pelo time que do time de ninguém, não, a gente é acabam tendo que recorrer à venda quiser, ainda há os tradicionalistas, orgulhoso!”. Anderson vem de uma de seus melhores jogadores para con- os bairristas, a “velha guarda” do fu- família vascaína, mas nunca se apegou seguir fechar as contas. Mesmo tendo tebol carioca. É o caso do professor de muito ao cruzmaltino. O único jogo certa aversão à política, hoje Ander- geografia George Joaquim Machado, de que lembra ter ido foi a despedi- son é sócio deliberativo do clube. Ele torcedor do time sediado no bairro de da do atacante Edmundo, em março compreende que, para superar o mo- mesmo nome na zona Norte do Rio. de 2012, e porque era fã do jogador. mento de crise, é preciso que o torce- “Isso aí é uma herança, uma boa he- Mas a paixão pelo futebol o acom- dor não se limite às arquibancadas, rança, por sinal, do meu querido avô panhava desde o berço, e o interesse e que o America também vá além e que já está lá no céu, torcendo entre as pelos times fora do eixo principal do volte a ser parte do cotidiano de cada nuvens pelo meu querido Bonsuces- Rio de Janeiro já era cultivada quan- um deles. E para contribuir com isso, so Futebol Clube.” Ele não consegue do começou a escanear escudos para o o jornaleiro vai voltar a usar a internet desatrelar a própria paixão da do avô website que um amigo estava criando. como ferramenta de exposição. Está Benjamin, sócio do “Bomsucesso” Foi através da internet também que desenvolvendo com um amigo ame- (grafia antiga do nome do time) du- o torcedor começou a criar laços com ricano um site, o Sanguenet, que irá rante toda a vida e responsável por sua maior paixão. Numa era em que a reunir todas as notícias e informações ter passado essa tradição ao neto. Mas internet era discada e seu horário no- publicadas na mídia sobre o time. para George, torcer para um time de bre era após a meia-noite, Anderson menor poder aquisitivo é algo que tem criava comunidades no extinto Orkut uma origem singular; não é necessário para clubes de menor expressão. O nenhum tipo de pressão familiar ou que mais fez sucesso foi o do Ame- Isso aí (a midiática. “Para torcer por um clube rica. “Foi a partir dali que comecei a de menor investimento tem que ser conhecer os torcedores de verdade, os paixão“ pelo time) amor à primeira vista. É bater os olhos fanáticos. Só então comecei a ir aos jo- é uma herança, nas cores, é bater os olhos na tradição gos e me sentir um americano.” e sentir o coração bater mais forte. É Em pouco tempo o “Mecão”, uma boa herança, por assim que se torce para Bonsucesso, como o time é carinhosamente cha- sinal, do meu querido Madureira, Olaria...”. mado, virou a maior prioridade. “Jogo Diferentemente do resto da famí- oito horas da noite em Campos (dos avô, que já está lá no lia, seduzida a torcer por algum dos Goytacazes, cidade a 280 km do Rio) céu, torcendo entre as quatro maiores do Rio (Flamengo, eu vou no gerente, peço folga, negocio, Vasco, Fluminense e Botafogo), o ca- trabalho no final de semana, mas vou nuvens pelo meu querido rinho do professor pelo Leão da Leo- de qualquer jeito. Porque o Flamengo Bonsucesso Futebol poldina não foi colocado em segundo joga duas vezes por semana o ano intei- plano. “Eu passei minha juventude ro. O América joga 30 vezes e acabou. Clube toda vendo o Bonsucesso na segun- O meu maior prazer não é a vitória, é da divisão. Foram 18 anos de segun- ver o America em campo.” Para com- da divisão.” Tomando o calendário George Joaquim Machado provar sua paixão, mostra as fotos dos ” marcado por campeonatos estaduais, ingressos de todos os jogos do “Diabo” o momento de destaque na atuação (símbolo do clube) na Série B do Cam- do clube, gravado na memória de peonato Carioca desse ano. O preço • Do torcedor da web aos bairristas George, foge da regra: “Geralmente, baixo do ingresso, que normalmente Anderson mostra como é torcer o torcedor de time de menor inves- sai entre R$ 10 e R$ 20, não significa fanaticamente no século XXI, ou mais timento tem um jogo marcante com vida fácil para Anderson; às vezes ele precisamente como cada torcedor deve time grande. Eu não tenho nenhum, gasta quase R$ 200 só com passagem ser ativo em todas as esferas para con- apenas sei pela história”, ele respon- de ônibus para as cidades no norte flu- seguir manter vivo o seu clube de co- de. E elege uma partida justamente minense. “Não tem jeito, é uma plan- ração, ou ainda como uma paixão pode contra o America de Anderson, em tinha que tem que regar. Porque quem surgir de uma pesquisa na Wikipedia e 2013, quando havia a crença de que o vai segurar esse pepino somos nós, a se transformar em algo muito maior. A time subiria para a primeira divisão: geração mais nova. Por isso a torcida história de Anderson destoa do que se A partida foi no Giulite Coutinho, es- tem que botar a camisa, ler o estatuto, espera normalmente de um torcedor: tádio do adversário em Mesquita, ci- participar politicamente...” de que teria crescido perto do clube, dade da Baixada Fluminense. George A construção de um shopping do estádio, oriundo de gerações que acha que, como o America é o segun- center no terreno da sede do clube, cultuam seus times de bairro e parti- do time de todo mundo, então a mídia na rua Campos Sales, na Tijuca (zona cipam das torcidas como uma tradi- “dá uma moral para eles”. “Tínhamos Norte), é uma alternativa encontrada ção familiar especial. Mas enquanto sido prejudicados pelo árbitro num para tentar contornar as dificuldades esse americano apaixonado ilustra as jogo decisivo contra a Cabofriense, financeiras. Projetos como esse, cujas possibilidades de uma nova geração, então estava todo mundo cabisbaixo obras devem começar em dezembro, que tem acesso a toda a história de um indo para a partida. Mas foi um joga-

37 ço, lá e cá, merecia ser transmitido em refletido em campo, com temporadas serviços prestados ao clube, sabe que, rede nacional!” O Bonsucesso conse- seguidas de luta contra o rebaixamen- para manter viva essa história, é preci- guiu fazer 2x1 e foi pressionado até os to para a série C do Campeonato Ca- so doar um pouco do tempo e da vida 40 minutos do segundo tempo, quan- rioca. O outro problema crucial apon- pessoal por seu clube de coração. do o atacante do America se livrou da tado por George para essa situação diz marcação e bateu para o gol. “A bola respeito ao Estádio Leônidas da Silva • A voz dos times de menor passou pelo goleiro. Ela ia entrar de- (conhecido pela torcida como o “Tei- investimento vagarinho, chorando, mas o nosso za- xeira de Melo”, nome da avenida onde Assim como Anderson, Geor- gueiro chegou na hora e tirou na linha. se situa), que vem tendo dificuldades ge também tem sua contribuição na Deu um chutão para onde apontava para conseguir os laudos liberatórios rede. É a Folha Rubro-Anil, blog qua- o nariz e depois virou para a torcida, para a realização das partidas. “Nós se diário que divide o tempo dele com balançou a camisa, urrou e bateu no sofremos muito quando o Bonsuces- a preparação das aulas de geografia, peito, como se tivesse feito a jogada do so é proibido de jogar na sua casa. A dando todas as notícias, opiniões e ano. Quando olhei em volta, percebi torcida sempre é o décimo segundo curiosidades sobre o “Bonsuça”. Os que não era o único emocionado com jogador, seja para time grande ou time dois torcedores sabem que a internet é aquilo. Tinha muita gente chorando pequeno. Mas para a gente os estádios uma das únicas maneiras de conseguir comigo. Nem quando o Bonsucesso são mais acanhados, apertadinhos, en- disseminar a cultura e a história de ti- subiu para a Série A em 2011 foi emo- tão a torcida tem que estar ali para fa- mes que não aparecem naturalmente cionante assim”, narrou George. zer a pressão, faz parte do jogo.” E por nos canais tradicionais de mídia. E Mas não é só de alegrias que vive isso, mesmo levando em conta todas as ambos reconhecem a importância que essa paixão. Uma série de problemas dificuldades de acompanhar um time um site – o FutRio – teve para o início jurídicos recentes – com direito a um com problemas tão sérios, nenhum dessa trajetória. Contando hoje com presidente afastado tentando se candi- tipo de arrependimento passa pela ca- uma equipe de 7 jornalistas apaixo- datar pela chapa de oposição – prejudi- beça do torcedor rubro-anil. “Às vezes nados por futebol, completou 10 anos cou ainda mais a situação financeira do eu tenho arrependimento de não inva- de existência em abril deste ano. Em clube. Durante três anos essa crise in- dir o campo e não sentar a mão na cara 2007, Cláudio Burger e Stéfano Salles terna imobilizou as medidas adminis- do juiz que nos rouba” é sua única ob- lançaram o blog “Tribuna da Bola”, trativas para buscar uma recuperação servação sobre o assunto. O professor, que cobriria a Copa Rio e as séries B dos cofres do time, e isso acabou sendo que recebeu o título de benemérito por e C do Campeonato Carioca. No mes-

Foto: FutRio

Equipe de transmissão do FutRio em ação 38 mo ano, o blog foi absorvido pelo site Foto: Gabriela Silva SRZD, do também jornalista Sidney Rezende, onde virou uma editoria e começou a crescer em público e re- conhecimento. Emancipando-se em 2010, o FutRio virou um dos pilares fundamentais para manter as torcidas dos times de menor investimento in- formadas, expandindo sua cobertura do campeonato estadual. No ano se- guinte, lançou a Rádio FutRio, que transmite até hoje todas as divisões do Carioca ao vivo e alguns jogos do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil, além de ter uma programação diária com debates, entrevistas e pro- gramas especiais. Renan Mafra, editor, comentaris- ta e presente desde 2011 na equipe da qual tanto se orgulha de trabalhar, já conhecia todos os torcedores entrevis- tados pela nossa reportagem. Inclusi- ve ofereceu o contato de mais seis que achou que seriam interessantes para a matéria. Figurinha carimbada nos jo- gos dos times de menor investimento, ele participa das transmissões da rá- dio, e mantém esse contato caloroso com os torcedores porque sabe que todos estão fazendo um esforço extra para estar ali: “A torcida dos times grandes e dos pequenos é parecida, mas é preciso ter aquela paixão a mais Estátua de Thomas Donohoe, para conseguir acompanhar um time em frente ao Bangu Shopping que não sai no jornal. Um torcedor do Flamengo não precisa ir ao estádio nem ao clube e sabe de tudo que está acontecendo se ligar a TV num canal de esportes. Em qualquer jogo dos quatro grandes vai ter uma equipe de observa uma recente emergência de pectro, dá o exemplo do America, que transmissão. Já para os menores, mui- times de cidades do interior. Enquan- vendeu sua tradicional sede na Tijuca tas vezes nós somos os únicos. O pú- to times como o São Cristóvão FC, e se mudou para Edson Passos, no blico reconhece isso, dá um valor para primeiro campeão carioca rebaixado município de Mesquita. Desde então, a gente, e a gente dá muito valor a esse para a Série C, caminham com per- as médias de público diminuíram e a torcedor também.” nas bambas, surgem exemplos como relevância do clube para sua fiel torci- Ele avalia que os clubes devem re- o Boavista, clube fundado em 2004 na da vem sendo lentamente apagada do conhecer esse momento de crise como cidade de Saquarema (na região dos bairro, agravando ainda mais a crise uma oportunidade de abraçar uma Lagos) e presente na elite do futebol que vive o clube. das singularidades de torcer para um carioca há 11 anos. “Algumas cidades Mas Renan se mantém otimista. time de menor investimento: a rela- são colocadas no mapa por causa do “Esses times com mais tradição vão ção com o bairro, a comunidade e a futebol, como por exemplo, Cardoso chegar no que eles acham ser o fundo tradição. “Tem times, como o Bangu Moreira (no Norte Fluminense), que do poço, mas verão que têm mais poço e o Bonsucesso, homônimos de seus jogou a primeira divisão do Carioca embaixo e vão conseguir se reerguer. bairros, que têm uma história cente- em 2008. As pessoas não sabiam que A gente vê um monte de times empre- nária, conseguem manter uma iden- o nome da equipe era o nome de uma sas, como o Audax [time comprado tidade de bairro, e acabam virando cidade. A mesma situação aconteceu pelo grupo Pão de Açúcar, com o pro- centros para suas comunidades. Essa com Quissamã (também no Norte pósito de desenvolver e vender joga- é uma das saídas para conseguir um Fluminense). E essas cidades acabam dores], aparecendo nos campeonatos público novo, porque os resultados abraçando o time. O time coloca a ci- estaduais, mas isso não vai durar, não. não vão conseguir fazer isso ainda”, dade no mapa, e acaba que a cidade Os times tradicionais têm algo que diz Renan. Talvez por efeito disso, ele abraça o time.” No outro lado do es- não dá pra comprar: o amor do torce-

39 dor, que vai apoiar não importa o que dos, e está aí, na Série B do Carioca”. glorioso. Perdeu a grande final nos pê- aconteça.” O jornalista acredita que é Ele cita o exemplo de um torcedor da naltis para o Coritiba, diante de 91 mil esse amor incondicional que vai con- Portuguesa-SP, entrevistado quando torcedores que vibraram e apoiaram o seguir trazer de volta a energia para os esteve no Rio para um jogo contra o alvirrubro até a última cobrança con- estádios de bairro, que abrigam tanta Bangu, que estava indignado com a vertida pelo zagueiro Gomes, do clu- tradição. gestão anterior e com a Confederação be paranaense. Nas arquibancadas do E esse amor contagia muita gente, Brasileira de Futebol (CBF) – o time Maracanã estava Clécio Régis. Hoje como os cariocas Diego Mello e Ra- declarou falência e, em novembro de com 57 anos, Clécio tem construída fael Machado. O que começou como 2016, leiloou seu estádio para quitar uma carreira premiada como cenó- a cobertura de um jogo em Madureira dívidas. “Ele falou: ‘se a Portuguesa grafo, mas suas habilidades artísticas (na zona Norte do Rio) para um traba- acabar, pode mandar me procurarem, já lhe rendiam alguma notoriedade lho da faculdade de Diego virou hoje a porque ou eu vou estar morto ou ten- naquele dia, 32 anos atrás: “Eu soltei Doze Futebol, empresa que tem como tando me matar’. É por causa dessas um balão com um escudo do Bangu missão “defender a cultura da arqui- pessoas que não vão acabar. É essa tei- escrito ‘Tóquio’ na frente, está lá re- bancada que se perdeu nas arenas mosia da torcida.” gistrado, na matéria do Globo sobre modernas”. Ambos com 23 anos – um A opinião geral é que é difícil para os trinta anos da final. Fui eu que fiz fez jornalismo, o outro, design –, mas alguns desses clubes voltarem a ser aquele balão. Entrei com ele escon- decidiram juntar suas câmeras para o que foram em seus tempos de gló- dido na jaqueta, e meu irmão levou idealizar o projeto, que vem crescen- ria. Em parte, porque muito do que a faixa, também na jaqueta. Naquele do em reconhecimento depois de um foi escrito em suas histórias vem de tempo não tinha muito essa coisa de vídeo viralizar nas redes sociais e entre conquistas estaduais. Com um amplo revista no Maracanã, entrávamos até veículos tradicionais da mídia. A pági- debate em voga sobre a reforma do ca- com fogos de artifício.” na no Facebook começou apenas com lendário no futebol brasileiro, e uma Hoje, Clécio ainda recebe pedidos imagens, mas logo se especializou na série de problemas na gestão de fede- de entrevistas de jornalistas e de uni- produção de vídeos, com um formato rações, esses campeonatos, tão parti- versitários. Parte por causa de seu tra- que procura expor o porquê de torcer balho, parte pela sua inesgotável fonte por um time de menor investimento. de conhecimento sobre o time que ama “As pessoas ficam felizes de ver que tanto. Foi ele o escultor da estátua de tem gente ali que se importa em pas- Às vezes nós pedimos Thomas Donohoe, imigrante escocês sar a imagem do seu clube de coração “para um torcedor falar que, de acordo com alguns historia- adiante. Às vezes nós pedimos para dores, organizou as primeiras partidas um torcedor falar sobre o amor ao seu sobre o amor ao seu de futebol do Brasil em 1894, no pátio clube e ele diz que não pode porque clube e ele diz que não da Fábrica de Tecidos Bangu, que hoje vai chorar muito.” Rafael acha que abriga o Bangu Shopping, e onde está esse tipo de amor não é mais visto nas pode porque vai chorar exposta a estátua. “Patrick Donohoe, grandes arenas, principalmente com muito filho do Thomas, foi o primeiro a fazer aumento do preço dos ingressos, que fez um gol de bicicleta, em 1912! Vinte acabam selecionando apenas o torce- e seis anos antes do Leônidas da Silva! Rafael Machado, 23 anos (Doze Futebol) dor que pode pagar, deixando uma ” (jogador da seleção brasileira nas Co- parcela de fanáticos fora do estádio. pas de 1934 e 1938)”. Durante quase Mas é uma relação que também vai dez minutos, dá uma aula completa além da arquibancada. É o hábito de culares do futebol brasileiro, perdem sobre os pioneirismos e recordes do acompanhar os treinos, conhecer os força a cada ano. E com isso, os times Bangu Atlético Clube: primeiro time a jogadores, esperar na porta do vestiá- perdem sua principal fonte de receita escalar um jogador negro, participante rio para celebrar uma vitória ou con- e o pouco de exposição que conse- do primeiro campeonato carioca, cam- solar uma derrota. É esse tipo de inte- guem nos grandes canais de mídia. peão do primeiro campeonato carioca ração que fascina Diego, Rafael e boa Porém, um desses clubes conseguiu na era profissional, primeiro a ter pa- parte dos seguidores da página. “Ele ter o seu momento de estrelato no ce- trocínio na camisa, primeiro a desen- sente que faz parte do clube, e o clube nário nacional, e não faz tanto tempo volver segundo e terceiro uniformes, é parte do seu bairro, da sua cidade. É assim. Em 1985, a Taça Ouro (corres- primeiro campeão no Maracanã... Os por isso que o torcedor desses times se pondente ao Campeonato Brasileiro) olhos que brilham enquanto fala fa- apaixona tanto.” teve a participação de 44 times, mais zem parecer que ele se emociona com a Rafael tem a convicção de que es- que o dobro dos 20 que competem na história do clube como se ouvisse tudo ses clubes não vão acabar. “Enquanto primeira divisão no formato atual. E pela primeira vez. houver torcida e algum nível de reno- dentre todas maiores potências do fu- Seu tom sério conseguiu convence vação, eles vão continuar aí”, defende. tebol nacional, certamente não foram que não poderia se ser de outro jeito. Ele cita o “bom” exemplo do Serrano muitos que apostaram num tradicio- Desde a infância dura no Morro do FC [clube centenário fundado na ci- nal clube de bairro, oriundo da zona Juramento (no bairro de Vicente de dade de Petrópolis], que passou muito Oeste do Rio. No dia 31 de julho, o Carvalho, na zona Norte), Clécio já tempo apagado: “de repente recebeu Bangu amargou talvez sua mais do- tinha uma afeição pelo time que ves- uma leva de torcedores entusiasma- lorosa derrota, em seu momento mais tia a camisa alvirrubra, e o sentimento

40 se transformou quando, aos 11 anos, clube – a torcida tem abraçado mais se mudou com a mãe para o Conjun- Estamos 29 o time, especialmente os mais jovens: to Habitacional Dom Jaime Câmara, “anos apagados, “É questão de tempo isso aí, as torci- no bairro que vive e cultua até hoje. das estão se renovando, tudo está se re- “Quando dei de cara com a Vila Ope- mas tudo o novando”. E depois completa, com es- rária, pensei: ‘Isso aqui é um paraíso, perança: “Estamos 29 anos apagados, estou em Londres!’ Nós temos um que o Bangu mas tudo o que o Bangu fez no passado clube que se confunde com a história fez no passado não vai se não vai se apagar. Como um clube de do bairro, um bairro operário, que se tradição, histórias e glórias fantásticas confunde com a história da fábrica apagar vai ser apagado? Jamais!” de tecidos que exportou moda para É o desafio que confronta diaria- o mundo. Ainda temos um estádio ”Clécio Régs, 57 anos mente estes torcedores, jornalistas, que vai completar 70 anos, feito por fãs do futebol e de seus times de co- operários, para operários e inaugura- envolve a ainda presente torcida do ração. Com seu amor desafiado cada do por Luiz Carlos Prestes(, olhe que clube, que segue fiel ao seu clube de vez mais por todos os tipos de pro- coisa fantástica!” bairro: “Eu posso dizer que nós somos blemas, os clubes tentam apoiar-se Entre as fotografias que lotam mais fanáticos até mesmo que tor- em suas histórias e glórias do passado as paredes de seu atelier, que vão de cedores de Corinthians e Flamengo, para tentar não virar vítimas delas. celebridades a momentos importan- porque eles têm motivos para isso, são Seja através das iniciativas como as tes da carreira, figuram imagens do títulos em cima de títulos, mídia... E o de Anderson e George ou projetos ex-presidente Lula e do Partido dos Bangu? O Bangu pode jogar no quinto como o FutRio e o Doze, é possível Trabalhadores. De repente é mais fácil dos infernos e leva a torcidinha dele, vislumbrar um mercado em potencial compreender a paixão que sente pelo a bandinha dele.” O filho Yuri, de que talvez consiga resgatar e manter bairro que mora, construído na déca- 19 anos, é banguense, nem pela sele- viva toda essa tradição que marcou, da de 1890, imitando a arquitetura dos ção brasileira torce. Clécio conta que, e ainda marca, a vida de muitos apai- bairros operários ingleses, e sua devo- contrariando as expectativas, a partir xonados pelo clubes de menor inves- ção ao clube a partir desta perspecti- do rebaixamento no Campeonato Ca- timento. Z va. E essa sensação de pertencimento rioca em 2004 – ano do centenário do Versão online da reportagem: www.parlamidia.com/torcidas

41 Escola de Comunicação UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 50 anos