Porto Maravilha: Memória Nos Discursos Da “Marca Rio”1

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Porto Maravilha: Memória Nos Discursos Da “Marca Rio”1 Anais do XI Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp 2017) 15 e 19 de maio de 2017 PORTO MARAVILHA: MEMÓRIA NOS DISCURSOS DA “MARCA RIO”1 Flávia Barroso de Mello 2 Vania Oliveira Fortuna3 Resumo: O presente artigo aborda aspectos associados à Marca Rio, a partir da reurbanização do Porto do Rio. A análise conjuga teorias sobre comunicação institucional, branding e memória para identificar, nos discursos institucionais veiculados no site portomaravilha.com.br, pistas sobre a interseção entre os grandes projetos de revitalização urbana patrocinados pelo poder público e as disputas e tensões que envolvem os diversos atores sociais na produção de uma memória coletiva do porto e, consequentemente, de uma identidade cultural da região e da cidade do Rio de Janeiro, com vistas a um processo de (re)construção da “marca Rio”. Palavras-Chave: Comunicação institucional; Porto Maravilha; Discurso; Memória; “Marca Rio”. 1. Considerações iniciais “... gostaria de ser lembrado: — Um urbanista à la Pereira Passos com um coração à la Pedro Ernesto (que foi interventor entre 1931 e 1935 e prefeito de 1935 a 1936, lembrado por grandes feitos na saúde e na educação). Sob o ponto de vista da modernização da cidade, de grandes intervenções que possam melhorar e recuperar o Rio, acho que tem muita coisa acontecendo como aconteceu no governo Passos.”4 Em discurso público no lançamento das obras do Porto Maravilha, parcialmente reproduzido acima, Eduardo Paes, então prefeito do Rio de Janeiro, recorre às memórias da reforma urbana realizada pelo prefeito Francisco Pereira Passos (1902-1904) para legitimar as mudanças impostas à cidade, a partir da reurbanização do porto, iniciada em 2010. Fato é que 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação, Identidade, Discursos, do XI Congresso Abrapcorp 2017, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),de 15 a 19 de maio de 2017. 2 Mestranda em Comunicação Social no PPGCOM UERJ, na linha pesquisa Cultura de Massa, Cidade e Representação Social, jornalista, especialista em Marketing, e em Mídia-Educação. E-mail: [email protected] 3 Doutora em Comunicação Social pela UFF, mestre em comunicação pela UERJ, jornalista e relações públicas. Professora dos cursos de jornalismo e publicidade e propaganda da UVA. E-mail: [email protected] 4 Declaração de Eduardo Paes (O GLOBO. 9/7/2012): “Em campanha Paes tenta vincular sua imagem às transformações feitas por Pereira Passos” In: http://oglobo.globo.com/rio/em-campanha-paes-tentavincular-sua- imagem-as-transformacoes-feitas-por-pereira-passos-5433676 acessado em jul/2016). 1 ISBN: 978-85-397-1078-2 1 Anais do XI Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp 2017) 15 e 19 de maio de 2017 a atual metrópole, cujos 450 anos foram recém comemorados, obviamente é muito distinta do Rio de Janeiro do início do século XX, e que as obras realizadas por Pereira Passos tiveram tal relevância a ponto de reordenar a forma de viver e se locomover na cidade (com perdas e ganhos) que perdura, grosso modo, até os dias atuais. Guardadas as devidas ressalvas e para além das rupturas e continuidades que se observam entre a atual reurbanização do Porto do Rio e o período de modernização da então Capital da República - denominado pela imprensa da época de “Regeneração”-, a referência de Eduardo Paes oferece pistas sobre uma estratégia discursiva institucional da Prefeitura do Rio que propõe associar modernidade e tradição, numa dinâmica entre presente, passado e futuro, entre memória e esquecimento (Pollack, 1989), para dar conta de um novo projeto de cidade que se pretende inserir no cenário global. A importância do Porto do Rio para a cidade remonta ao período cafeeiro, na segunda metade do século XIX, quando o Brasil desempenhava um papel importante na crescente divisão internacional do trabalho com a produção e comercialização do café. Papel este que foi impulsionado pela Abolição da Escravatura e pelo advento da República (CHALHOUB, 2001). Com a queda na produção cafeeira, no entanto, as mudanças que ocorreram na economia afetaram o país e, em especial a Capital da República, que se transformou “num grande centro cosmopolita, ligado intimamente à produção e ao comércio europeus e americanos” (CHALHOUB, 2001, p. 250). Assim, o porto da cidade perdeu sua importância como exportador de café e passou a se configurar em um mercado de consumo, um centro distribuidor de artigos importados, o que justificaria sua remodelação no que se configurou como a primeira grande intervenção urbanística pela qual passou o Rio de Janeiro – a “Reforma Passos”. Cerca de cem anos mais tarde, a região passa por novas intervenções, numa parceria entre a prefeitura da cidade, os governos estadual e federal e a iniciativa privada. A empresa de capital misto Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária (CDURP) administra a operação urbana do Porto Maravilha5, cujo projeto contempla quatro eixos na sua execução - estímulo ao uso residencial da região; melhoria na infraestrutura; incentivo às atividades de comércio e à indústria que se desenvolvem na área; e promoção da cultura e entretenimento na região. Observa-se, no entanto, um interesse especial pelas diretrizes relacionadas à cultura e entretenimento, evidenciado tanto pelos discursos de sujeitos 5 Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Lei Municipal complementar n. 101/2009. Disponível em http://www.portomaravilhario.com.br/media/legislacao/2010/06/LC101__23112009.pdf. 2 ISBN: 978-85-397-1078-2 2 Anais do XI Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp 2017) 15 e 19 de maio de 2017 envolvidos no processo, como pela materialização desses discursos, através, por exemplo, da construção de dois monumentais equipamentos culturais que abrigam o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã, ambos localizados na Praça Mauá, bem como da criação do Circuito Histórico e Arqueológico da Herança Africana, cujo grupo de trabalho curatorial se propõe a construir diretrizes para implementação de políticas de valorização da memória e proteção do patrimônio cultural da região6. Mas, para além de sua relevância comercial e do resgate de uma história dita oficial, o Porto é um espaço de disputas simbólicas em busca da construção de sua memória e seus significados e, consequentemente, da (re)construção de uma identidade da cidade do Rio de Janeiro. O projeto de cidade implementado pela gestão Paes começou a ser delineado na década de 1990 pelo prefeito César Maia (1993-1996/ 2001-2004 /2005-2008), que inspirado nas intervenções urbanas de Barcelona para receber os Jogos Olímpicos de 1992, introduziu o modelo de planejamento estratégico. Cesar Maia pretendia transformar o Rio numa cidade global a partir de um modelo neoliberal aplicado em cidades internacionais que se tornaram paradigmas. Nessa concepção de cidade, os megaeventos esportivos se convertem em poderoso argumento para que grandes intervenções urbanas sejam autorizadas. O apelo simbólico que eles incitam, aflorando sentimentos de pertencimento, patriotismo e união entre os povos, é fortemente capturado pelos discursos institucionais em busca do apoio popular. César Maia planejava qualificar a cidade para que ela fosse forte candidata à sede dos Jogos Olímpicos de 2004, mas a cidade foi eliminada. O fracasso da candidatura desencadeou políticas mais agressivas de marketing urbano. Em 2002, o Rio foi eleito sede dos Jogos Pan- americanos de 2007, megaevento que virou prioridade para César Maia, pois o sucesso desse empreendimento seria fundamental para a candidatura aos Jogos Olímpicos de 2016. A eleição da cidade como sede das Olimpíadas foi determinante para que a “revitalização” da zona portuária saísse do papel na gestão de Paes, visto que tal intervenção urbana fora idealizada por Cesar Maia. Com efeito, estamos diante do agendamento de uma concepção de cidade que se estende há mais de 20 anos. O Porto Maravilha, o Parque Olímpico, em Jacarepaguá, e as obras de mobilidade urbana visando à abertura de vias expressas para a implantação dos BRTs7, bem como do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), ligando Centro e Região Portuária, foram compromissos assumidos com a organização dos Jogos Olímpicos e, 6 Ver http://www.portomaravilha.com.br/circuito 7 Bus Rapid Transit – corredor exclusivo de ônibus articulados, divulgado como modal de massa para desafogar o trânsito na cidade. 3 ISBN: 978-85-397-1078-2 3 Anais do XI Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp 2017) 15 e 19 de maio de 2017 portanto, também fizeram (e fazem) parte de um repertório discursivo dos legados, fortemente explorado pela comunicação institucional da prefeitura. Importante ressaltar que o conceito de comunicação institucional é pensado aqui pelas perspectivas teóricas de Gaudêncio Torquato do Rego (1985) e Margarida Maria Krohling Kunsch (2003). Para Torquato do Rego, “a comunicação institucional objetiva conquistar a simpatia, credibilidade e confiança, realizando, como meta finalista, a influência político- social”, utilizando “estratégias de relações públicas, tanto no campo empresarial como no governamental, de imprensa, publicidade, até técnicas e práticas de lobby” (1985, pp. 183 e 184). Kunsch compartilha das ideias de Torquato do Rego e afirma que a comunicação institucional está “ligada aos aspectos corporativos institucionais que explicitam o lado público das organizações,
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