De Paulo Freire a Ferréz: Razão E Construção Do Saber Das Populações Oprimidas
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1 De Paulo Freire a Ferréz: Razão e construção do saber das populações oprimidas 2 Eliabe Gomes de Souza Instituição: Universidade Nove de Julho Resumo: O ensaio apresenta a perspectiva de criação cultural de populações oprimidas e manifestações de liberdade através do conhecimento e interversão de seus produtos culturais. Como meio de investigação o ponto de partida é a música rap e a literatura marginal, e com base em FREIRE (2011), FANON (1979), BONNICI (2009) e SAID (1995), desenvolve-se aqui a reflexão de produções e resistência cultural da periferia de São Paulo, assim como a tomada de consciência através da Leitura do Mundo de suas realidades para mudanças sociais e individuais. Palavras-Chave: populações oprimidas; literatura marginal; música rap; resistência cultural. Summary: The paper presents the perspective of cultural manifestations and the oppressed peoples of freedom through knowledge and introversion of their cultural products. As a means of investigating the point of departure is the marginal rap music and literature, and based on Freire (2011), FANON (1979), BONNICI (2009) and SAID (1995), is developed here the reflection of cultural production and resistance from the periphery of Paul, as well as awareness through Reading World realities for their individual and social change. Keywords: oppressed populations; marginal literature, rap music, cultural resistance. Introdução Se você não tomar cuidado, a mídia vai te fazer odiar pessoas oprimidas e amar as pessoas que oprimem. (Malcolm X) A continuidade de um sujeito deve-se a capacidade que se tem em organizar e promover sua própria história de maneira a manter vivo sua ancestralidade e perspectivas de conhecimentos para com outros indivíduos. Neste sentido todos os sujeitos são interferências e, também, influenciados pelo meio em que vivem compondo assim um 1 -Publicação realizada ao “Colóquio Internacional – Culturas Jovens: Afro Brasil América” – 2012 da Faculdade de Educação da USP. 2 -Eliabe G. De Souza é educador do Instituto Paulo freire, aluno de mestrado da Universidade Nove de Julho (Uninove) com bolsa Capes e pesquisador na área de educação com foco na Literatura marginal. No ano de 2011 lançou o Disco com o grupo “Caos do Subúrbio” intitulado “Canibais do Novo Tempo” com selo independente, é ex- professor da rede pública do estado de São Paulo e possui publicações literárias em coletâneas de literatura, publicações na área de educação e é membro do grupo de pesquisa Razões Literárias com apoio da CNPq. movimento entre a razão individual ligado a outras razões que pode ou não ser utilizadas por outras realidades. É diante deste conhecimento que opressor age, tirando dos sujeitos sua própria história e adestrando-o de maneira que ele passe a ver o seu próprio opressor como um exemplo a ser seguido e não combatido. Foi com essa estratégia de tirar e ausentar a cultura do outro que muitas populações se tonaram vitimas de interesses alheios e de beneficio próprio dos opressores. Como exemplo para esta questão, pode-se utilizar a escravidão que houve no Brasil por cerca de 300 anos, e logo depois a entrada da apropriação do trabalho capitalista, ou o escravismo moderno com a exploração de mão de obra em troca de salário, que causou uma desigualdade que é visível ainda na atualidade com questões ligadas ao racismo, preconceito, e intolerância para com as populações negras de todo o país. Na questão da escravidão a relação de violência em todas as suas formas, fizeram com que homens, mulheres e crianças em quase sua totalidade fossem afastados de suas origens e cultura, destruindo o que daria a essas populações a continuidade dentro da 3 necessidade de sua própria razão . Dessas populações foram “roubadas” diversas marcas de composição de suas culturas, do idioma a arte, de suas organizações sociais até seus modos de pensar e agir segundo seus próprios critérios, forçando escravizados a se comporem de outra cultura de maneira obrigatória. É neste sentido que muitas populações da América Latina, África, Oriente Médio, e Asia, sofreram intensas apropriação e interferência cultural violenta por parte de europeus durante séculos. Dentro de um processo de colonização desses povos, foram arrancados de suas crenças e verdades de modo que suas culturas fossem sendo extinta para a valorização e aceitação de seus opressores que lhe tirando verdades e trazendo as suas verdades puderam controlar e alienar o oprimido. Fanon (1979, p. 16) descreve em sua obra “Os condenados da terra”, o processo de descolonização como que o surgimento de homens com anseio de liberdade ou “homens novos”, uma maneira de se recriar e buscando essa essência, já estaria dentro do processo de sua libertação. Porém, quando não controlado de modo alienatório ou pela 3 - Utiliza-se o termo razão no que classifica Romão (2008) como mais do que uma racionalidade é também o “ter razão” nos argumentos e juízos. 2 ideologia do opressor, o oprimido se torna um alvo e possível vitima de violência física e moral desconstruído o respeito e dignidade do sujeito para a desestruturação de sua resistência. Para tanto Fanon descreve que: "A descolonização jamais passa despercebida porque atinge o ser, modifica fundamentalmente o ser, transforma espectadores sobrecarregados de inessencialidade em atores privilegiados, colhidos de modo quase grandioso pela roda-viva da história. Introduz no ser um ritmo próprio, transmitido por homens novos, uma nova linguagem, uma nova humanidade. A descolonização é, na verdade, criação de homens novos. Mas esta criação não recebe sua legitimidade de nenhum poder sobrenatural; a 'coisa' colonizada se faz no processo mesmo pelo qual se liberta" (Fanon, 1979, p. 26-27). Todo esse processo de opressão implica na desumanização e subordinação do oprimido que para Franz Fanon é o processo envolvendo “colonizado e colonizador”, portanto se descolonizar é reconstruir-se como um novo sujeito, desenvolvendo sua cultura e ideias de maneira livre sem a interferência violenta de outros. Com isso a liberdade de muitos países e populações ocorreu a partir do momento que esses grupos criaram suas próprias maneiras de resistências em manifestações artísticas, culturais, políticas entre outras, é dessa forma que o oprimido pode tomar consciência de suas condição de subordinação e reivindicar a sua liberdade. Nesta questão a juventude das Periferias de São Paulo através do movimento Hip Hop, transformou suas realidades compondo um cenário próprio baseado em suas experiências locais e também na ancestralidade africana, indígenas, e hispano- americana. O Movimento Hip Hop impulsionou nas periferias de São Paulo movimentações artísticas ligadas a música (rap), dança (break), artes plasticas (Grafitti), literatura (literatura marginal), trouxe à tona reflexões culturais a partir de suas próprias experiências desenvolvendo um movimento critico e feito sempre dentro de um contexto de comunidade, mas que se articula com movimentações culturais globais e de outros movimentos de juventudes de diversos locais do Brasil e do mundo. Nesta perspectiva é que um estudo com base nas canções de rap e também na literatura marginal, torna possível o desenvolvimento de bases de estudos para esses movimentos que trazem à tona maneiras diversificadas de apropriação cultural e de educação popular dentro de espaços diversos das periferias de São Paulo. É com a investigação de produções e mobilizações desta juventude que se pode compreender essa nova formação 3 e criação cultural nas periferias geradas pelo capitalismo e desigualdade social, e também para se compreender e inclusive aprender com esse movimentos considerados marginalizados. Razão e Liberdade nas produções oprimidas de resistência intelectual e cultural A cidade de São Paulo tem desde a década de 60 desenvolvido importantes produções intelectuais e culturais que se tornaram referenciais em diversos espaços pelo mundo. Não se trata aqui apenas de movimentos de cultura popular, ou mesmo de produções científicas, e sim dessa relação entre ambas que desencadeou em diversas produções que vão desde a literatura, passando pela produção acadêmica e por movimentos de resistência e intervenção sociocultural. Nomes como o de Florestan Fernandes, Maria Carolina de Jesus, Paulo Freire, Ferréz, Sérgio Vaz, Mano Brown, constituem uma gama de assuntos que a um primeiro olhar trata-se de temas distintos, mas que se unem dentro de um ideal que é a resistência cultural, social, ou a resistência das populações oprimidas. Nesses nomes aqui citados e em outros mais a serem discutidos, surgem em diferentes momentos da história de São Paulo a reação contra um sistema político impositivo, desigual e que não busca nas camadas populares relações de conhecimento e aprendizado. No que desrespeito a questão de produção cientifica Florestan Fernandes trouxe uma visão a sociologia através de mais de 40 obras que discutem assuntos da sociedade dentro de um olhar que até então se omitia, ou pelo menos, pouco se discutia dentro dos espaços acadêmicos. Assim como Florestan, Paulo Freire também trouxe novos rumos a intelectualidade acadêmica do Brasil e de certo do Mundo; Freire publicou diversas obras que se tornaram referenciais de educação e mobilização em diversos países, e com um grande efeito na América do Sul e África, continentes esses que viveram e vivem a exploração durante séculos, sua obra Pedagogia do Oprimido, repensou não só o modo de se gerir a educação assim como o modo de agir em e nas relações de nossa sociedade para não nos transformamos nos próprios opressores. Uma questão importante de se citar é que Paulo Freire recebeu diploma de doutor causa honoris de importantes universidades do mundo, sem ter em sua trajetória defendido uma tese de doutorado, sua causa, luta e produção intelectual foi tão importante quanto 4 pesquisas realizadas em grandes universidades de vários países. Florestan Fernandes sempre vinculou seu trabalho intelectual com a aprendizagem e formação que teve durante a sua infância e adolescência em bairros pobres de São Paulo, além de trabalhos que exerceu como alfaiate, padeiro, entre outros que para ele o formaram inclusive a pensar e sempre problematizar a sua vida como professor universitário.