UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNIDADE ACADÊMICA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO NÍVEL MESTRADO

PEDRO BUGHAY ACETI

OPERAÇÕES DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM:

Imagens de Conflito, Imagens em Conflito

São Leopoldo 2020

PEDRO BUGHAY ACETI

OPERAÇÕES DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM:

Imagens de Conflito, Imagens em Conflito

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação, pelo Programa de Pós- Graduação em Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

Orientadora: Profa. Dra. Sonia Estela Montaño La Cruz

São Leopoldo 2020

A174o Aceti, Pedro Bughay. Operações de garantia da lei e da ordem: Imagens de

Conflito, Imagens em Conflito / Pedro Bughay Aceti. – 2020. 127 f. : il. color. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Comunicação, São

Leopoldo, 2020. “Orientadora: Profa. Dra. Sonia Estela Montaño La Cruz.”

1. Imagens como recursos de informação. 2. Recursos audiovisuais. 3. Smartphones. 4. Manifestações públicas. I. Título.

CDU 659.3

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Bibliotecária: Bruna Sant’Anna – CRB 10/2360)

PEDRO BUGHAY ACETI

OPERAÇÕES DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM:

Imagens de Conflito, Imagens em Conflito

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação, pelo Programa de Pós- Graduação em Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

Aprovado em 10 agosto 2020.

BANCA EXAMINADORA

Dra. Sonia Estela Montaño La Cruz - Unisinos

Dra. Ana Paula da Rosa - Unisnos

Dra. Cybeli Moraes - Unisinos

AGRADECIMENTOS À CAPES

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de prestar agradecimento à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa concedida para cursar o PPG de Comunicação da Unisinos e, assim, ser parte essencial na realização e concretização de meu objetivo, de cursar um mestrado na área da Comunicação. Na época, estava iniciando minha carreira como docente na instituição em que trabalho, UNIVALI. Meu salário era insuficiente para arcar com os custos da pós, porque já somava os gastos de percurso para frequentar as aulas, que incluíam as viagens entre SC e RS, estadia e alimentação. Logo, a bolsa permitiu que isto fosse possível. Percorrer este caminho somente foi possível com o apoio, incentivo e motivação de várias pessoas a quem dedico especialmente este projeto. Quero agradecer imensamente à minha orientadora, Profa. Dra. Sonia Montaño, por aceitar o convite de me orientar, em razão da saída de meu antigo orientador. Obrigado pela paciência, atenção, disponibilidade, visão crítica e por, durante o processo da elaboração desta dissertação, trazer novos olhares e maior qualidade à pesquisa, que me direcionaram à este momento de conclusão do meu projeto. Meus pais, Stael e Attilio, por todo o incentivo e apoio (também financeiro, com custos eventuais de viagem), por estarem ao meu lado e fazerem parte de mais uma conquista. Minha irmã Maria Luiza, que me ajudou quando tive problemas com meu computador. Prontamente me emprestou o dela, o que me ajudou a continuar meu processo de escrita da pesquisa. Minha namorada Anna, pela compreensão, o companheirismo e as revisões de texto, durante estes dois anos e meio de mestrado. A minha avó que incansavelmente rezou por mim e, felizmente, suas preces foram atendidas. Ela e as demais mulheres da minha família são minhas maiores referências e fazem parte do que sou hoje. A minha turma de mestrado 2019/1, que tornou o primeiro ano da pós muito mais leve e divertido, regado a muito café da linha 3 do PPG da Unisinos e cervejas no Bar do Alemão com os meus grandes amigos da linha 1, Jardel (o que nunca bebia), Madylene, Camila, Rodrigo Mattos – melhor companheiro de bar – e Evelyn, Renata, Isadora, Tiago, Luan, Ana e a Vivian, muito obrigado. As duas profissionais Saionara e Francieli que me ajudaram no meu transtorno de ansiedade e, por isto consegui chegar na defesa do mestrado. E não posso esquecer dois cachorros que me ajudaram a relaxar, o Brutos e o Freud. 4

Agradeço à banca pela disponibilidade na avaliação de minha dissertação. Finalizando, desejo a todos que fiquem em casa, usem máscaras e lembrem que somente a ciência nos salvará nesta pandemia.

RESUMO

A pesquisa a seguir aborda o filme Operações de garantia da lei e da ordem , de Júlia Murat e Miguel Augusto Ramos (2018), na perspectivas das teorias da montagem. O objetivo central deste trabalho é perceber os sentidos dados ao conflito no filme . Para atingir este objetivo revisamos as teorias da montagem na tecnocultura contemporânea com autores como Eisenstein (2002); Manovich (2001); Aumont (1995); Alabao (2014); Askanius (2015), entre outros. Como metodologia nos valemos da cartografia (CANEVACCI, 1997) e da dissecação de imagens. (KILPP, 2010). Entre as principais conclusões, percebemos que o conjunto de dispositivos que estão disponíveis hoje para imaginar, isto é: produzir, compartilhar, editar, voltar a usar as imagens entra em colisão com o modelo de imagens que corresponde à tecnocultura televisiva. Esta realidade técnica dinamiza uma realidade cultural que coloca a produção de imagens de questões cotidianas como relevante: desde um café da manhã a uma manifestação, tudo tem lugar entre smartphones e interfaces. Embora há um conflito permanente entre as características de imagens institucionalizadas pela televisão e as imagens produzidas por dispositivos móveis, o embate constante que a tecnocultura possibilita leva a que estas imagens vão sendo repetidamente associadas a determinados sentidos, nascendo assim a imagem de realidade, a imagem testemunha, as imagens extensões do corpo, as imagens de urgência presentes no documentário como formas de atualização do conflito eisensteniano. Palavras-chave: Videoativismo. Imagens de Conflito. Junho de 2013. Montagem. Audiovisual.

ABSTRACT

The following research addresses the film Law and Order Guarantee Operations, by Júlia Murat and Miguel Augusto Ramos, from the perspective of the theories of montage. The main objective of this work is to understand the meanings given to the conflict in the film. To achieve this goal, we reviewed the theories of montage in contemporary technoculture with authors like Eisenstein (2002); Manovich (2001); Aumont (1995); Alabao (2014); Askanius (2015), among others. As a methodology, we use cartography (CANEVACCI, 1997) and image dissection. (KILPP, 2010). Among the main conclusions, we realized that the set of devices that are available today to imagine, that is: to produce, share, edit, return to use images that collide with the image model that corresponds to television technoculture. This technical reality dynamizes a cultural reality that puts the production of images of everyday issues as relevant: from breakfast to a manifestation, everything takes place between smartphones and interfaces. Although there is a permanent conflict between the characteristics of images institutionalized by television and the images produced by mobile devices, the constant clash that technoculture makes possible means that these images are repeatedly associated with certain senses. Thus, the following images were born: the reality image, the witness image, the body extension images, the urgency images present in the documentary as ways of updating the Eisenstein conflict. Key-words: Video actvism. Imagens of conflict. June 2013. Editing. Audiovisual.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Animal cinemático ...... 49 Figura 2 - Os primeiros amadores ...... 56 Figura 3 - O acervo de dados de Dziga Vertov ...... 69 Figura 4 - Sony Portapak ...... 73 Figura 5 - Mapa 1 - sequência inicial e final do filme ...... 81 Figura 6 - Iluminação de três pontos ...... 85 Figura 7 - Paleta de cores ...... 86 Figura 8 - Desordem, o caos e a violência ...... 88 Figura 9 - Mapa 2 - Cartelas amarelas ...... 89 Figura 10 - Passo 1 - Estimular as lideranças comunitárias favoráveis às operações .. 92 Figura 11 - Ordem do enquadramento na rua ...... 93 Figura 12 - Sem o domínio de ser o primeiro a contar histórias ...... 94 Figura 13 - Passo 2 - Enfraquecer o ânimo e o moral das forças oponentes ...... 94 Figura 14 - Vandalismo, vandalismo e preciso gravar esta situação ...... 95 Figura 15 - Imagem testemunha ...... 97 Figura 16 - As cores da imagem testemunha ...... 98 Figura 17 - Comparação da paleta da desordem 01 com a 02 ...... 98 Figura 18 - Passo 3 - Utilizar-se dos meios necessários para coibir ações individuais ou coletivas ...... 98 Figura 19 - Versão grande imprensa e a versão militante...... 100 Figura 20 - A inocência vem da internet ...... 101 Figura 21 - O P2 por uma câmera de baixa resolução e outra com melhor resolução 102 Figura 22 - Passo 4 - Restringir a liberdade de atuação das forças oponentes ...... 103 Figura 23 - Os representados ...... 105 Figura 24 - Os representantes ...... 106 Figura 25 - Conflito espacial ...... 106 Figura 26 - Imagem representante do MIC ...... 107 Figura 27 - O curioso, o rosto para o espetáculo e o indiferente ...... 108 Figura 28 - Jornal Nova Democracia ...... 108 Figura 29 - Passo 5 - Fortalecer o sentimento de necessidade do dever na força empregada ...... 109 Figura 30 - Passo 6 - Fazer o uso progressivo da força ...... 112 8

Figura 31 - Passo 6 - Fazer o uso progressivo da força ...... 113 Figura 32 - Mapa 3 - A natureza das imagens como banco de dados ...... 115

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Dados técnicos do objeto de pesquisa ...... 18 Quadro 2 - Repetições de palavras ...... 95

SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO ...... 12 2 QUESTÕES DE PESQUISA ...... 20 2.1 Intuindo o Objeto ...... 21 2.2 Apontamentos Metodológicos ...... 25 2.3 Estado da Arte ...... 28 3 A MONTAGEM COMO CONFLITO ...... 39 3.1 Imagens de Smartphones e Tecnocultura Contemporânea ...... 45 4 SOFTWARE E AUDIOVISUALIZAÇÃO DO COTIDIANO ...... 53 4.1 O Remix, o Banco de Dados e as Imagens de Arquivo ...... 64 4.2 Práticas de Vídeoativismo ...... 70 5 OPERAÇÕES DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM: CARTOGRAFIA DO CONFLITO ...... 80 5.1 Mapa 1 - Ordem, Desordem e Construção de Sentidos ...... 81 5.2 Mapa 2 - Seis Passos para (Des)Construir a Lei e a Ordem ...... 89 5.2.1 Passo 1 - Estimular as Lideranças Comunitárias Favoráveis às Operações ...... 92 5.2.2 Passo 2 - Enfraquecer o Ânimo e o Moral das Forças Oponentes ...... 94 5.2.3. Passo 3 - Utilizar-se dos Meios Necessários para Coibir Ações Individuais ou Coletivas ...... 98 5.2.4 Passo 4 - Restringir a Liberdade de Atuação das Forças Oponentes...... 103 5.2.5 Passo 5 - Fortalecer o Sentimento de Necessidade do Dever na Força Empregada ...... 109 5.3.6 Passo 6 - Fazer o uso Progressivo da Força...... 112 6 MAPA 3 - A NATUREZA DAS IMAGENS COMO BANCO DE DADOS OU CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 115 REFERÊNCIAS ...... 119

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1 APRESENTAÇÃO

A presente pesquisa se propõe pensar as audiovisualidades de conflito no documentário Operações de garantia da lei e da ordem . O objeto surgiu do meu interesse pela montagem, pela percepção de que montar é construir conflito (EISENSTEIN, 2002) e pelos conflitos sócio-políticos que aconteceram em junho de 2013, no Brasil, nas diversas formas audiovisuais em que foram registrados e compartilhados. Se faz necessária uma revisão teórica da montagem como conflito, bem como uma qualidade audiovisual da vida. Com este estudo, objetivamos investigar o documentário Operações de garantia da lei e da ordem (MURAT; RAMOS, 2018) para conhecer as atualizações das imagens de conflito e o modo como estas imagens são colocadas em conflito (montagem). É importante analisarmos o filme sob aspectos de forma e conteúdo: identificando os mecanismos de linguagem audiovisual que foram utilizados para uma obra que reúne imagens de 1 ano (junho de 2013 a julho de 2014, mas que retratam 3 anos (2013 a 2016), já que as imagens finais registram um evento de 2016. O filme circula, principalmente, entre dois grandes ambientes: as imagens televisivas e as imagens produzidas por dispositivos móveis compartilhadas ou não em plataformas de redes sociais. Além de considerarmos que estas imagens são de conflito (gritos, acusações, confrontos), entendemos com Serguei Eisenstein (2002), que a montagem audiovisual, seja de imagens de conflito ou não, são um conjunto de elementos colocados em colisão, em conflito. Contudo, ambos os conflitos são de diferente natureza. Para formular o problema de pesquisa usou-se o método intuitivo de Henri Bergson, que busca excluir os falsos problemas e formular um problema verdadeiro: conhecer o modo como as imagens de conflito se atualizam em conflito no documentário Operações de Garantia da lei e da ordem. Para alcançar estes objetivos, nos valemos da cartografia (CANEVACCI, 1997) e da dissecação de imagens (KILPP, 2010) que explicaremos mais adiante. Para refletir sobre o objeto teórico do audiovisual que referencia esta pesquisa, buscou-se apoio teórico nos seguintes pesquisadores: Serguei Eisenstein (2002), Arlindo Machado (2007), Philippe Dubois (2004), Serge Daney (2007), Paul Virilio e Almir Labaki (2015), Suzana Kilp (2010), Ivana Bentes (2015), Jacques Aumont (1995), Tina Askanius (2012) e Gilles Lipovetsky (2009). Os processos de uso de dispositivos móveis e a internet serão tratados através dos autores Gustavo Fischer (2013), Walter Benjamin (1986), Arantes (2008) e Alabao (2014).

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Talvez as manifestações ocorridas entre 2013 e 2014 não somente impactaram politicamente o país, mas deixaram de manifesto uma cultura centrada nos dispositivos móveis que se conectam por diversas redes e que tem, no audiovisual, sua forma mais intensa de comunicação como confronto. Muitos manifestantes estavam com um smartphone registrando cenas e compartilhando-as em diversas redes sociais. Este modo de construir o conflito no filme, dá a ver um lugar para as instituições e o poder não instituído mediados pela construção de imagens. Em vez de desaparecer, assim como os protestos, o material audiovisual permanece disponível nos sites para quem deseja novamente assistir, gerando um grande banco de dados (MANOVICH, 2001), que, como em gavetas, jazem adormecidos a espera de serem ressurgidos e se atualizarem com novos significados. É o que faz Operações de garantia da lei e da ordem (2018). Todavia, alguns registros desta época permaneceram na principal plataforma de vídeos, o YouTube e, a partir do ano de 2014, começaram a ser lançados filmes por todo o país sobre esta temática. Os filmes atualizam as imagens de arquivo adormecidas com novos sentidos. A técnica de uso de imagem de arquivo não é nova na história do cinema documental mundial, contudo, o que chama a atenção é a utilização dos vídeos ainda disponíveis na internet, produzidos por amadores e com características técnicas e estéticas bem diferentes dos seus antecessores (televisão e cinema). Algo importante de salientar é que este fenômeno ou algo parecido já havia sido observado por este pesquisador durante o mês de junho de 2005, quando ainda morava em Santa Catarina, mais precisamente em Balneário Camboriú. Fui surpreendido, na televisão, pela violência policial contra manifestantes, que protestavam contra o aumento do preço das passagens de ônibus. As imagens lembravam o período da ditadura militar e a notícia condenava os manifestantes pela bagunça que causavam na cidade de Florianópolis. Posteriormente, tive conhecimento do link , do que poderia se chamar de websérie , dividida em cinco partes e intitulada: Amanhã vai ser maior (HANNA, 2006), que apresentava a visão das pessoas nas ruas sobre aquele período em Florianópolis, como uma atualização das imagens colocadas em diversos conflitos. Oito anos depois, estabelecido agora em Porto Alegre, e, também, no mês de junho, período em que trabalhava em uma produtora de publicidade, ao término de cada jornada, colegas de empresa certificavam-se que estavam de bateria cheia para filmar e compartilhar nas suas contas do Facebook, as manifestações que ocorriam na cidade. Durante aquele mês de manifestações, vários vídeos foram registrados em diferentes cidades pelas pessoas que reivindicavam, primeiramente, a redução do preço das passagens de

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ônibus em R$ 0,20. Estes vídeos, realizados por pessoas comuns com os seus celulares, sempre registrados na altura dos olhos, se deslocavam para obter um melhor ângulo da manifestação ou para fugir das bombas de gás lançadas pela polícia, para dispensar os manifestantes, leva a pensar neste dispositivo não só como o produtor de imagens e como uma extensão do corpo que o imprime nas imagens, como também uma arma de defesa dos mais fracos ou como uma testemunha. Devido à extinção de sites ou à mudança constante dos vídeos em canais de usuários, a pesquisa procurou, como alternativa, observar o catálogo de festivais de cinema com o objetivo de encontrar registros das manifestações e de acontecimentos políticos do país. Assim, o primeiro selecionado foi É tudo verdade , por ser o principal festival de documentários do país e o recorte adotado foram as edições de 2014 até 2018. O primeiro filme, deste tema encontrado no YouTube, foi o curta-metragem Com uma câmera na mão e uma máscara de gás na cara (AMARA, 2014), de Ravi Amara, que entrevista cinegrafistas amadores que estavam na cidade do durante as manifestações de junho de 2013 e compartilhavam imagens nas redes sociais. Considerou-se importante salientar um trecho mencionado pelo entrevistado (BELART apud AMARA, 2014): “mesmo que você não saiba o que fazer com aquilo, você grava, registra. Acho que o material bruto que a galera faz é mais importante que o material editado”. Esta fala ressalta um caráter significativo do uso da tecnocultura, ou seja, a fusão entre a tecnologia e a cultura. Neste sentido, o essencial é o registro com ausência de manipulação do conteúdo por um editor, como se a imagem falasse por si só, sem ter a interpretação e o olhar de determinada pessoa, tornando aquele conteúdo imparcial e aberto a conclusões próprias do espectador. O curta-metragem de Ravi Amara apresenta registros amadores das manifestações e entrevistas com manifestantes, um cinegrafista profissional, além de alguns diretores que também fizeram do registro de imagens dos protestos, uma obra cinematográfica. Dentre os filmes citados neste curta, destacou-se o de Michel Souza, diretor da obra No olho do furacão (SOUZA, 2013), a qual utilizou uma câmera modelo GoPro na altura dos olhos, buscando os momentos em que o autor julgava interessante fotografar os manifestantes. Ao tomar conhecimento deste material audiovisual, perguntei-me se havia outros filmes produzidos com imagens de manifestações políticas. Assim, a busca por filmes que percorreram o circuito de festivais brasileiros continuou e acabou por parar na 11ª Mostra de Cinema de Belo Horizonte, mais precisamente com o texto Das imagens que existem , escrito por Camila Vieira para a Revista Moventes . A partir desta leitura, foram definidos os seguintes filmes a serem analisados para esta pesquisa: Os

15 curta-metragem Com uma câmera na mão e uma máscara de gás na cara (2014), No olho do furacão (2013); e os longa-metragem: Com vandalismo (2014), Um dia de outubro (2014), Rio em chamas (2014), Junho – o mês que abalou o Brasil (2014) e Operações de garantia da lei e da ordem (2018). Todas estas obras trabalham com registros feitos a partir de celulares ou câmeras e que foram editados e incorporados a uma narrativa a respeito do acontecimento. Por sugestão da banca de qualificação, optou-se pelo filme Operações de garantia da lei e da ordem (MURAT; RAMOS, 2018), porque se trata de uma obra profissional que coloca em conflito imagens de conflito deixando de manifesto formas institucionais de retirar o poder de multidões, pela construção de sujeitos, de novos significados. Se observa reportagens do jornalismo da grande imprensa, do independente e do público, de coletivos audiovisuais, de pessoas comuns, empresas, TVs online no YouTube e alguns remixes disto tudo. O conflito é evidente pelas posições de confronto em cena, pelas contradições evidenciadas: numa imagem, a voz off afirma que os manifestantes foram violentos, porém, as imagens lhes mostram com cartazes e gritos de não violência e, finalmente, conflitos pela coalisão de tipos de imagens, de cores, de sequências. O filme foi produzido pela produtora de audiovisual intitulada Esquina Filmes, com direção de Júlia Murat e Miguel Antunes Ramos. O documentário trabalha sua narrativa através de uma lista de vídeos que apresenta eventos políticos importantes na história recente do Brasil. Estes acontecimentos formam um marco, começando com as manifestações em massa de milhares de pessoas, em junho de 2013, passando pela prisão preventiva de 23 manifestantes, por atividades que eles, supostamente, ainda cometeriam e, terminando, com a ordem estabelecida e as manifestações controladas durante a Copa do Mundo de 2014. Este último bloco, mostra o custo da instauração da lei e da ordem com a repressão brutal aos protestos. A produtora responsável pela obra audiovisual surgiu após o primeiro longa-metragem de Júlia Murat, o filme de ficção Histórias só existem quando são lembradas (2011), exibido em mais de 80 festivais no mundo. Júlia Murat funda, em 2011, sua própria empresa audiovisual, a Esquina Filmes. Dois anos depois da fundação da empresa, lançam o filme A vida privada dos hipopótamos (2013), de Matias Mariani e Maíra Bühler, que estreou na competição do Festival Internacional de FidMarseille. Seis anos depois, a empresa lança um novo filme intitulado Pendular (2017) e, um ano depois, exibe Operações de garantia da lei e da ordem (2018), que co-dirige com Miguel Antunes Ramos. Em 2018 lançou o documentário Excelentíssimos e, mais recentemente, a produtora, planeja o novo filme de ficção de Júlia Murat, bem como uma série para a TV.

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Cabe descrever a carreira dos diretores responsáveis pelo filme/objeto desta dissertação, logo, começaremos com a diretora Júlia Murat, que é filha da diretora de cinema Lúcia Murat, possui formação em Design Industrial, pela UFRJ (2003), e graduou-se em roteiro cinematográfico na Escola . Sua estréia, no audiovisual, acontece no curta-metragem intitulado A velha, o canto, as fotos (2001) e, três anos mais tarde, lança seu segundo curta, Ausência (2004). Em 2008, lança, no formato de longa-metragem, o documentário Dias dos pais , que foi selecionado para o festival É tudo verdade . Um ano depois, apresenta o filme de curta duração intitulado Pendular (2009), que será transformado em longa-metragem em 2017 com o mesmo nome. Por fim, em 2018, lança o documentário Operações de garantia da lei e da ordem , co-dirigido com o diretor Miguel Antunes Ramos. Conhecido por sua carreira no curta-metragem, os quais se destacam os filmes: Um, dois, três, vulcão (2012), Salomão (2013), E (2014), O castelo (2016), produzindo uma média de um curta por ano. Em 2017, Miguel lança seu primeiro longa-metragem intitulado Banco Imobiliário e, no ano, seguinte co-dirige com Júlia Murat o filme/objeto desta dissertação. O documentário foi um dos selecionados, entre outros, como material de debates a serem realizados na cidade de São Paulo. Esta seleção de filmes foi batizada de Cinema Urgente ou Filmes Urgentes, em que foram debatidos documentários produzidos, com a autora do texto, Maria Rosário Caetano (CAETANO apud AB’SABER; REWALD, 2017), que traz o relato de Thales Ab’Saber e Rubens Rewald, onde abordam o chamado “cinema da urgência”. Para os debatedores do evento, Operações de garantia da lei e da ordem (MURAT; RAMOS 2018), junto à outros documentários presentes na mostra, configuram “a retomada do engajamento, da força do cinema como dispositivo de discussão do mal social e propositor de perspectivas de trabalho sobre a vida”. (CAETANO, 2017). Segundo a matéria intitulada 41ª Mostra Internacional de São Paulo (2017) do jornal universitário intitulado Jornalismo Júnior, da ECA-USP, as imagens apresentadas no documentário citado reconstroem as manifestações de junho de 2013, bem como a morte do cinegrafista Santiago Andrade, da Band, a atuação dos chamados Black Blocks ou flagrantes forjados pela própria polícia. E salienta que “a linha narrativa, no entanto, escancara a cobertura tendenciosa da grande mídia, principalmente ao confrontá-la com a visão do jornalismo alternativo”. (JORNALISMO JÚNIOR, 2017). Além disto, resgata o pronunciamento da ex-Presidente da República, Dilma Rousseff, considerando as manifestações válidas e a postura de condenar os atos violentos de manifestantes que ameacem a ordem e a busca em mantê-la.

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Já, Júlia Rodrigues (2017), salienta a exibição de dois filmes da diretora Júlia Murat no 50 o Festival de Cinema de Brasília. Pendular (2017) e Operações de garantia da lei e da ordem (2018) que foram escolhidos para a exibição. A autora opta por “ressaltar a relação estabelecida entre os canais de informação na construção da realidade e do que representam os próprios fatos reais”. (MURAT, 2017). Em contrapartida, o site intitulado Vortex Cultural faz uma análise crítica ao filme. Conforme Pereira (2019) o trabalho dos diretores “é mais de curadoria e estudo do que de viés criativo” e comenta a sensação que o filme traz em causa, uma sensação medley dos melhores momentos sobre o que aconteceu em junho de 2013”. Por outro lado, Fabricio Duque (2017), na sua crítica em relação ao filme, utiliza o termo “filme colagem”, que constitui-se na apresentação de vídeos e reportagens, originados na internet, na qual investiga e também procura provar o despreparo da Polícia Militar em proteger os bens públicos do vandalismo, da baderna e da violência. O autor ressalta que o documentário “favorece os manifestantes e critica os policiais e a mídia que “manipula, forjando opiniões”. (DUQUE, 2017). Por fim, Murilo Simões (2018) comenta que o longa-metragem se encarrega de uma análise dos acontecimentos através de um ponto de vista crítico. Este olhar acontece através da montagem e da evidência.

Os vídeos de internet, realizados por coletivos e mídias independentes, aos quais o filme se alinha; do outro, o produto televisivo de uma mídia corporativa, em grande medida responsável pelo isolamento político dos manifestantes e consequentemente criminalização dos protestos […]. (SIMÕES, 2018).

Posteriormente, o autor cita uma fala da diretora Júlia Murat a respeito do filme e os usos das cartelas:

Não à toa a co-diretora afirma, em debate, ter revisto o material após o impeachment de 2016, muito embora o filme termine em 2014, tendo nessa ocasião inserido as cartelas mencionadas, responsáveis por explicitar o posicionamento da obra no processo histórico (inseriu-se também o pronunciamento de posse de Temer, que cumpre função de epílogo na narrativa). (SIMÕES, 2017).

Simões (2017) finaliza descrevendo que o documentário se trata de uma percepção talvez tardia, mas ainda importante. Expõe que o cinema ajuda na construção de imaginários, sendo a imagem apresentada como pura memória que remete a lutas que, por ora, estão adormecidas, bem como percebemos nossa vontade política e a capacidade de reações que estavam reprimidas. Simões (2017) salienta a respeito da 21 a Mostra de Cinema de Tiradentes, na qual se percebe que “reflete uma preocupação em manter as nossas pautas

18 vivas, mas, em geral, olhando-se para dentro, encolhendo-se em espaços e personagens fechados, recolhendo-se às divagações. Precisamos voltar a nos expandir, a atravessar estes espaços, a nos expor e nos impor”. Considera-se que a relevância de nossa abordagem para a pesquisa em comunicação tem a ver com a pergunta sobre como o conflito se atualiza nas montagens de Operações de garantia da lei e da ordem. A obra, conforme mostrou-se anteriormente, apresenta leituras, muitas vezes, dualistas centradas no conteúdo como se o objetivo fosse demonstrar uma verdade das ruas ressignificada pela imprensa. As imagens constroem sentidos para tudo o que nelas aparece, inclusive para elas próprias: imagens de televisão, imagens de dispositivos móveis e imagens de cinema que devoram as imagens televisivas e as de dispositivos móveis e as ressignificam em outras relações. Portanto, o objetivo geral deste trabalho é perceber os sentidos dados ao conflito em Operações de garantia da lei e da ordem. Como objetivos específicos assinala-se: a) Revisar as teorias da montagem em diversas mídias e as características técnicas e estéticas das imagens produzidas na contemporaneidade; b) Cartografar os principais confrontos, sejam eles no conteúdo das imagens, suas técnicas ou estéticas para perceber como se constroem os sentidos de conflito; c) Entender as relações estabelecidas entre a imagem e sua natureza conflitual e os conflitos construidos em outros campos sociais, específicamente o do Manual de Operações de Garantia da Lei e da Ordem (Op.GLO), já que este tipo de operação tem caráter excepcional e previsão expressa da Constituição Federal (Art. 142). Com estes objetivos, acreditamos que superamos as visões sobre o filme como cinema militante, ativista, ou de imagens que demonstram uma verdade para chegar a quais verdades as naturezas das imagens constroem com suas técnicas e estéticas. Neste sentido, o documentário apresenta, logo no início do filme, informações importantes para o espectador, ao afirmar que esta obra audiovisual é composta por “trechos de vídeos, reportagens e documentários retirados de canais do Youtube ou sites da internet”. (MURAT; RAMOS, 2018). Salienta que estes vídeos são identificados em cartelas cinzas, exibem a lista dos materiais audiovisuais e a ordem em que aparecerão, e também é informado o local em que o registro está localizado, seja o canal do YouTube ou site.

Quadro 1 - Dados técnicos do objeto de pesquisa Nome Operações de garantia da lei e da ordem Ano de lançamento 2018 Duração 01:24:21 Direção Júlia Murat e Miguel Antunes Ramos Produção Julia Murat e Douglas Duarte

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Montagem Nina Kopko Direção de Arte e Cartelas Guilherme Peters Pesquisa Isabella Motta e Antenor Martins Empresa Produtora Esquina Filmes Vídeos originados do YouTube 36 Vídeos do jornalismo independente 05 Material audiovisual originado da Globoplay 23 Material audiovisual de coletivos audiovisuais 08 Material audiovisual de canais de usuários 30 (pessoas) do YouTube Material audiovisual de canais de usuários (temas) 03 do YouTube Material audiovisual de canais de usuários (TVs 04 online) do YouTube Material audiovisual de canais de usuários 02 (empresas) do YouTube Material audiovisual do site UOL 03 Material audiovisual originado do site da TV 01 Senado Material audiovisual originado do site da TV NBR 01 Imagens de Interfaces de Redes Sociais 03 Quantidades remix no decorrer do filme 04 Fonte: Elaborado pelo autor.

A dissertação foi dividida em 4 grandes capítulos: no primeiro apresentamos as questões de pesquisa, explicando de forma mais fundamentada o problema de pesquisa e seu processo de resolução. No segundo capítulo, focamos nas teorias da montagem e refletimos sobre as características da imagem contemporânea. No terceiro capítulo, reconhecemos uma tendência à audiovisualização do cotidiano com os dispositivos móveis e a sociedade do software, que molda algumas características como a do banco de dados como forma cultural muito presente no filme. Na sequência, apresentamos a quarta parte, que é análise do filme, a partir da cartografia realizada de alguns trechos em que o conflito se atualiza como conteúdo e, sobretudo, como montagem e produção de sentidos. Recuperamos as questões centrais percebidas na cartografia para concluir o trabalho.

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2 QUESTÕES DE PESQUISA

Para criar problemas de conhecimento, nos valemos do método intuitivo em conformidade com Deleuze (2004), em que se utiliza do pensamento de Henri Bergson. Em consequência, observamos a utilização deste método que se observa no objeto a sua diferença de natureza, a relação entre a duração e a memória dos objetos e, por fim, a análise do misto do objeto de pesquisa, que, nas palavras de Deleuze (2004, p. 132), distingue que “um misto se decompõe em duas tendências, das quais uma é duração, simples e indivisível; mas ao mesmo tempo, a duração se diferencia em duas direções, das quais a outra é matéria”. Desta forma, se faz necessário separar o virtual e a atualização, logo, o atual as imagens de militantes, programas de TV e reportagens e a montagem entendida como conflito, se atualizam nas imagens do documentário Operações de garantia da lei e da ordem . (MURAT; RAMOS, 2018). Esta obra cinematográfica utiliza uma grande quantidade de vídeos que possuem entre 15 a 30 minutos de duração em estado bruto, sendo editados em pequenos fragmentos com objetivo de compor uma narrativa. Neste sentido, podemos utilizar a analogia apontada por Andrew (2002, p. 52): “eles são, em vez disso, blocos de construção ou, para usar sua analogia, célula . O cinema só é criado quando essas células independentes recebem um princípio de animação”. Aqui, o autor faz uma menção a Serguei Eisenstein que propõe destruir o “realismo” e decompor a aparência do fenômeno, reconstruindo uma nova realidade, para só assim tematizar e gerar os mais profundos efeitos emocionais. Por outro lado, estas imagens de junho possuem características distintas e, também, contextos, porque são colocadas não para recontar e analisar os protestos, mas desenvolve um sentido próprio, ou melhor, destrói o realismo dos vídeos para construir o seu. É claro que este não é o primeiro filme a utilizar imagens consideradas como “arquivo” ou “antigas”, obras cinematográficas, tais como, Videogramas de uma revolução (FAROCKI, 1992) e No intenso agora (SALLES, 2017) são dois exemplos de obras cinematográficas que se utilizam desta técnica, porém, o que distingue o nosso objeto, em relação aos demais, é a não utilização de películas ou fitas VHS para registrar o acontecimento; aqui o digital faz este papel. Todavia, não foi só o digital que mudou a maneira de filmar e distribuir conteúdos, bem como, o pensamento do que consideramos ser a estética do realismo, na qual, tem menos a ver com a capacidade do indivíduo em construir esta aparência, mas do cidadão estar dentro

21 do acontecimento, registrando com os seus dispositivos móveis e suas capacidades em resolução de imagem. Pensar a problematização das construções audiovisuais de 2013 se apresenta um grande desafio. Primeiramente, porque existe uma vasta pesquisa acadêmica a respeito dos protestos, a utilização de celulares, análise sobre filmes de arquivos, qual a significação das imagens tremendo em protestos, a história do cinema militante e, por fim, o midiativismo. Se há uma vasta produção teórica na área, surge uma responsabilidade de ser mais criterioso e escolher muito bem quais as imagens e conflitos que iremos escolher. Precisando ao mesmo tempo demonstrar uma originalidade da pesquisa e uma perspectiva diferente do que já foi realizado, estabelecendo limites de qual caminho este pesquisador pode seguir. Segundo, a formulação de problema de pesquisa aumenta a complexidade desta dissertação em trazer respostas ao cenário de pesquisa em audiovisualidade, tecnocultura e audiovisual. Assim, este capítulo será dividido em três partes: a primeira ligada ao problema de pesquisa, a segunda relacionada à metodologia, a terceira ao estado da arte que possui o objetivo de justificar esta pesquisa e contextualizá-la no mundo acadêmico brasileiro. O interessante deste trabalho, é que, a partir do objeto de pesquisa, pode-se observar debates a cerca de tecnocultura e as audiovisualidades, transportando uma visão a respeito de um período histórico importante brasileiro. Esta investigação possui uma relação entre o maquínico, digital, corpo e o olhar, na qual, algumas virtualidades se atualizam em diferentes pontos do espaço e do tempo, em muitas maneiras de maneira reversa, como podemos observar no banco de dados.

2.1 Intuindo o Objeto

Primeiramente, devemos relembrar ao leitor de uma característica dos registros de acontecimentos políticos bastante interessante, na qual o entrevistado diz: “mesmo que você não saiba o que fazer com aquilo, você grava, registra. Acho que o material bruto que a galera faz é mais importante que o material editado”. (BELART apud AMARA, 2014). Em vista disto, talvez podemos afirmar uma série de etapas até chegarmos no resultado final, o filme de protesto. Sendo a primeira parte, o indivíduo registrando o evento e depositando na internet, o material audiovisual em estado bruto, ou seja, sem a influência da edição, consequentemente se tornam dados. Na fase seguinte, realizadores audiovisuais observam estes registros, editam este material bruto, compõem um filme de gênero documental.

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Após a esta descrição deste processo tecnocultural, nos deparamos novamente com o misto e o problema desta dissertação que possui como objeto o documentário Operações de garantia da lei e da ordem . (MURAT, RAMOS, 2018). Desta forma, se dividirmos o misto entre o seu virtual e sua atualização, encontraremos no lado virtual, vários vídeos de protestos, reportagens e telejornais se enfrentando, ou seja, uma imagem conflitando com outra e que, através da montagem, constroem novos sentidos, portanto, chegamos a atualização, sendo esta a montagem entendida como conflito e de que forma se atualiza no objeto de pesquisa. A duração, a memória e o impulso vital marcam a filosofia bergsoniana, na qual Gilles Deleuze propõe a intuição como método através da relação entre três noções e o processo que elas implicam. Conforme Deleuze (1999, p. 8), este procedimento possui suas regras e se constitui através da intuição, pois “[…] intuição não é um sentimento nem uma inspiração, uma simpatia confusa, mas um método elaborado, e mesmo um dos mais elaborados métodos da filosofia”. Logo, o método intuitivo trabalha a distinção de três atos que determinam as regras do método, conforme Deleuze (1999, p. 6), “a primeira espécie concerne à posição e à criação de problemas; a segunda, à descoberta de verdadeiras diferenças de natureza; a terceira à apreensão do tempo real”. Inicialmente, será empregada a primeira regra, a qual visa aplicar o verdadeiro e o falso problema, denunciando os falsos, e assim, reconciliar verdade e criação no nível dos problemas. Desta forma, a constituição da verdadeira questão de pesquisa, implica tanto no esvaziamento de falsas interrogações, quanto na criação e no desenvolvimento de verdadeiros. Portanto, nas palavras de Deleuze (1999, p. 6, grifos do autor):

A verdade é que se trata, filosofia e mesmo atulhares, de encontrar o problema e, por conseguinte, de colocá-lo , mais ainda do resolvê-lo. Com efeito, um problema especulativo é resolvido desde que bem colocado. Ao dizer isso, entendo que sua solução existe neste caso imediatamente, embora ela possa permanecer oculta e, por assim dizer, encoberta: só falta descobri-la .

Isto posto, encontrar o problema não é descobrir, é inventá-lo, formular aquilo que se torna centro da pesquisa. Conforme Deleuze (1999, p. 7), a “colocação e solução do problema estão quase se equivalendo aqui: os verdadeiros grandes problemas são colocados apenas quando resolvidos”. O autor define que a noção do problema tem suas raízes para além da história, na própria vida e no impulso vital que se contornam os obstáculos de colocar e resolver os problemas. Primeiro, precisamos pensar nas questões do conhecimento e do ser e, também, do não ser, uma ideia de desordem e ordem. A partir disto, nas palavras de Deleuze (2002, p. 7), na

23 ideia de possível há mais do que na ideia de real, “pois o possível é o real contendo, a mais um ato de espírito, que retrógrada sua imagem no passado, assim que ele se produz”. Se voltarmos para a presente pesquisa, encontramos as imagens dos protestos de junho de 2013 inseridas e compartilhadas em sites como YouTube e Facebook , nos quais ficaram armazenadas como um enorme banco de dados disponível para quem deseje acessá-lo. Aparentemente, neste ambiente caótico e desorganizado não podemos encontrar uma ordem. Entretanto, se voltarmos nossos olhos para os objetos desta pesquisa, poderíamos pensar que estes filmes podem preencher e organizar todas estas imagens e pudéssemos enxergá-las retroprojetadas em si mesmas.

[…] O ser, a ordem ou o existente são a própria verdade; porém, no falso problema, há uma ilusão fundamental, um movimento retrógrado do verdadeiro”, graças ao qual supõe-se que o ser, a ordem e o existente precedam a si próprios ou precedam o ato criador do que os constitui, pois nesse movimento, eles retroprojetam uma imagem de si mesmos em uma possibilidade, em uma desordem em um não ser primordiais. (DELEUZE, 1999, p. 11).

A partir destas questões, além de pensar o misto, o movimento de viravolta e reviravolta nos ajuda a pensar o atual e o virtual deste objeto empírico a sua maneira. Conforme Deleuze (1999, p. 30), “[...] designa o momento em que as linhas, partindo de um ponto comum confuso dado na experiência, divergem cada vez mais em conformidade com verdadeiras diferenças de natureza”. Logo, foi possível pensar o problema inicial de pesquisa, que se construía em torno das características das imagens dos documentários a respeito das manifestações de junho de 2013, da influência das plataformas de vídeo e da montagem destes materiais audiovisuais e o que eles dizem a respeito da tecnocultura contemporânea. Durante o percurso da pesquisa, mais precisamente na busca destas imagens em plataformas de vídeo, observou-se que alguns sites haviam desaparecido, imagens mudaram de plataforma de vídeo ou de conta de usuários, demonstrando um ambiente caótico e, ao mesmo tempo, uma efemeridade deste ambiente. Diante destas evidências, nos deparamos com os primeiros falsos problemas que conforme Deleuze (1999, p. 13):

A idéia de desordem nasce de uma idéia geral de ordem como misto mal analisado etc. E o engano mais geral do pensamento, o engano comum à ciência e à metafísica, talvez seja concebem tudo em termos de mais e de menos, e de ver apenas diferenças de graus ou diferenças de intensidade ali onde, mais profundamente, há diferença.

Assim, a busca do reencontro das diferenças de natureza sob as diferenças de grau possibilita diferenciar os verdadeiros e os falsos. Aqui, precisamos lutar contra a ilusão de

24 encontrar estes materiais no estado puro ou atual, mas, também as diferenças de natureza ou do real. Logo, conforme Deleuze (1999), a intuição é um método de divisão do misto de acordo com tendências qualitativas e qualificadas, combinando a duração da extensão definidas como movimento de direções. Consequentemente, pensar a duração, a memória e o impulso vital são essenciais para a análise do modo do misto do objeto. “Um misto se decompõe em duas tendências, das quais uma é duração, simples e indivisível; mas ao mesmo tempo, a duração se diferencia em duas direções, das quais a outra é matéria.” (DELEUZE, 1999, p. 132). Partindo deste pensamento, podemos observar a materialidade dos registros de acontecimentos e, posteriormente, intuir aquilo que dura? O que pertence ao campo da memória e também se atualiza em obras fílmicas? Será que estas obras tentam reconstruir o período histórico? O método bergsoniano procura, em grande parte, diferenças de graus e natureza, colocando em duas direções. A primeira, a percepção que nos coloca na matéria e, a segunda, a representação e as articulações com o real. Consequentemente, segundo a reflexão de Deleuze (1999, p. 18), “[…] buscar a experiência em sua fonte, ou melhor, acima dessa viravolta decisiva, na qual, inflectindo-se no sentido de nossa utilidade, ela se torna propriamente experiência humana”. Também é preciso encontrá-la, ampliá-la e ultrapassá-la para encontrar as articulações das quais estas particularidades possuem um ponto de encontro, “mas sobretudo em um ponto virtual, em uma imagem virtual do ponto de partida, ela própria situada para além da viravolta da experiência, e que nos propicia, enfim, a razão suficiente da coisa, a razão do misto, a razão do ponto de partida”. (DELEUZE, 1999, p. 20). Em vista disto, ao encontrar este local de início, conseguimos observar essa imagem virtual, ou seja, a razão do misto, importante para realizarmos o movimento de viravolta e reviravolta em que objetivamos o momento do atual e do virtual de nossos objetos. Tanto o atual quanto o virtual compõem o misto do objeto, se tratando da adaptação do passado ao presente. Este movimento Bergson chama de “atenção à vida”. E, de acordo com Deleuze (2002, p. 55), “o primeiro momento assegura um ponto de encontro do passado com o presente: literalmente, ao passado dirige-se ao presente para encontrar um ponto de contato (ou de contração) com ele”. A partir de Bergson define-se a duração como virtual. De um lado, ela se divide por elementos de diferentes naturezas, e de outro, partes que só existem atualmente quando há divisão realmente feita da atualidade.

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O princípio da demonstração é o seguinte: quando admitimos a existência de vários tempos, não nos contentamos em considerar o fluxo A e o fluxo B, ou mesmo a imagem que o sujeito de A faz para si B, sabendo que B, para si, não pode viver assim. […] Bergson conclui daí que, tanto no nível das partes atuais quanto no nível do todo virtual, existe um Tempo, e somente um. (DELEUZE, 2004, p. 65).

Através destas afirmações, um novo misto foi constituído para formular o verdadeiro problema. Pelo viés virtual, as imagens e a montagem de e com conflito defendidas por Serguei Eisenstein (2002). Pelo viés atual, o documentário Operações de garantia da lei e da ordem . (MURAT; RAMOS, 2018). O método bergsoniano nos coloca em duas direções, sendo a primeira, a percepção que nos posiciona na matéria e a segunda, na representação e nas articulações com o real. Neste sentido, de acordo com Deleuze (1999, p. 18), “[…] buscar a experiência em sua fonte, ou melhor, acima dessa viravolta decisiva, na qual, inflectindo-se no sentido de nossa utilidade, ela se torna propriamente experiência humana”. É preciso encontrá-la, ampliá-la e ultrapassá-la para encontrar as articulações das quais estas particularidades possuem um ponto de encontro, “mas sobretudo em um ponto virtual, em uma imagem virtual do ponto de partida, ela própria situada para além da viravolta da experiência, e que nos propicia, enfim, a razão suficiente da coisa, a razão do misto, a razão do ponto de partida”. (DELEUZE, 1999, p. 20). Ainda, para Deleuze (2004, p. 55), “o primeiro momento assegura um ponto de encontro do passado com o presente: literalmente, ao passado dirige-se ao presente para encontrar um ponto de contato (ou de contração) com ele”. Com base na literatura mencionada, foi possível chegar ao seguinte problema de pesquisa: “Como a montagem audiovisual entendida como conflito se atualiza nas imagens de Operações de garantia da lei e da ordem ? (MURAT; RAMOS, 2018).

2.2 Apontamentos Metodológicos

Os procedimentos que vão instrumentalizar o movimento metodológico deste trabalho são a cartografia (CANEVACCI, 1997), e, em ocasiões, a dissecação (KILPP, 2010) de trechos do filme Operações de garantia da lei e da ordem . (MURAT; RAMOS, 2018). Canevacci (1997, p. 101), caracterizava Walter Benjamin como um cartógrafo da cidade de Paris. Quando ele andava entre ruas e prédios percebia o potencial da montagem, o poder do fragmento presente na cidade “[…] a cidade inteira é um cartaz imenso no qual se transita indiferentemente entre pontes, tapetes, cisnes, andrômedas. Este é o poder surreal do fragmento: ele pode viajar em qualquer direção”.

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Se tentamos descrever a experiência de uma cidade diferente da nossa, encontramo- nos diante de um problema sem medida: esta dimensão incomensurável está ligada ao fato de que o objeto da representação não pode ser a reprodução da própria cidade. Encontramo-nos perante o problema do mapa e do território: narrar uma cidade não pode significar realizar sua “réplica”, mas sim redesenhá-la, produzir desorientação. Narrar o que é familiar para o seu habitante como pode vê-lo um olhar estrangeiro: opaco. (CANEVACCI, 1997, p. 105).

Ainda, segundo Canevacci (1997), através da desorientação do pesquisador se pode contribuir para se conseguir constituir uma “ordem” ao processo exploratório de pesquisa, sustentando que é preciso tornar familiar o que é estranho e estranho o que familiar. Portanto, somente um processo de desfamiliarização daquilo que é costumeiro, se torna possível chegar a uma desdiscretização das imagens nos modos como elas se dão a ver. Em resumo, para o autor, “Desenvolver uma capacidade segundo a qual tudo aquilo que nos parece familiar, costumeiro, óbvio, deverá ser recebido, analisado e sistematizado como se fosse vivido pela primeira vez”. (CANEVACCI, 1997, p. 105) Conforme Canevacci (1997, p. 107), esta experiência de se perder no objeto empírico e procurando encontrar “dados” significativos e, também, uma montagem, ocasiona em uma interpretação e um certo desenvolvimento de sentido, sendo capazes de construir uma nova disposição à percepção. Portanto, “[…] a montagem, com sua justaposição dos fragmentos visuais isolados entre si – forma o contexto geral ( frame dentro do qual é produzida uma escolha epistemológica”. (CANEVACCI, 1997, p. 109). A nossa cartografia foi acontecendo ao nos deslocar no filme diversas vezes como o faríamos numa cidade, as primeiras exibições foram para compreender o conteúdo, na medida que revíamos, alguns detalhes fundamentais para a construção de sentido foram aparecendo claras para nós ao ponto de poder remontar, na análise, o filme, a partir destes elementos. O filme se mostrou assim como imagens de conflito, mas, também, imagens que colocam em coalisão as imagens de conflito e geram, assim, novos conflitos entre imagens. Ao nos aproximar de imagens/sons carregados de conflitos operamos uma dissecação conforme Kilpp (2015, p. 31), descreve-a como uma intervenção cirúrgica nos materiais empíricos para desdiscretizar digitalmente a imagem técnica que sempre é discreta em qualquer obra audiovisual. E, nas palavras da autora (2015, p. 31):

Ao intervir tecnologicamente nos materiais empíricos, ela dá a ver as montagens, os enquadramentos e os efeitos de imagens discretas que não tem sentido no vídeo, mas que são praticados para ingerir sobre os sentidos que, ao final, serão agenciados entre emissor e receptor.

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Ainda, segundo Kilpp (2015, p. 31), a dissecação resulta em dizer que para adentrar nas telas e ultrapassar os conteúdos, para conseguirmos perceber na imagem os procedimentos técnicos e estéticos, o qual, são os modos de, em cada uma das telas, disponibilizar os sentidos em que se veicula. Deste modo, acreditamos que cartografando e dissecando, possamos responder o problema de pesquisa e chegar às atualizações do conflito no filme Operações de lei e da ordem . (MURAT; RAMOS, 2018) . Na prática buscamos combinar duas metodologias sob a perspectiva de pensar a montagem e o que nela possui de conflito. Consequentemente, a pesquisa me conduziu a produzir três mapas, sendo dois nas análises e outro nas considerações finais. A produção destes mapas, foram devido as suas proximidades entre as imagens e transmitiam elementos importantes sobre o filme. Desta forma, pesquisamos ao longo do filme imagens produzidas através de dispositivos móveis que apresentassem algumas características, tais como: borrões, uso da câmera na mão e situações em que a câmera corre com o sujeito. Denominamos estas imagens como imagens de conflito, porque muitas vezes são utilizadas como uma arma de defesa contra a televisão, a qual representa uma arma institucional. Por outro lado, quando imagens em conflito se transformam pela montagem, lembramos de Eisenstein. Segundo o autor, tudo o que trabalhamos em qualquer montagem é um conflito de luz e sombra, de dois tipos de imagem, sendo imagem e som. Neste sentido, buscamos entender os diversos conflitos do objeto de pesquisa, como os mesmos se atualizam e os sentidos que se dá, ao analisar as imagens da lei e da ordem no período das manifestações de junho de 2013 até meados de 2015. Definimos imagens televisivas sob algumas características. Nas figuras de políticos e âncoras de telejornais deste contexto, há uma institucionalidade nas imagens que incorporam as imagens amadoras de determinada forma. E reportam a imagens institucionalizadas, através de cores, iluminação, apresentadores. Imagens essas que são hierquizadas, principalmente no áudio, porque são plenamente audíveis. Como, por exemplo, quando ouvimos os sujeitos falando a palavra "vândalo", é perfeitamente audível, onde a voz da autoridade pode ser escutada guiando a narrativa. Por fim, pode se concluir que as imagens televisivas estão em conflito pela montagem, com imagens de dispositivos móveis que são amadoras, não reportam a um indíviduo e não demandam uma institucionalidade ou autoria. Desta forma, para compreender estes conflitos e buscar responder o problema de pesquisa, apresentamos os principais conceitos teóricos.

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2.3 Estado da Arte

Foi realizado um levantamento na internet em diferentes PPGS de Comunicação, revistas acadêmicas, anais de congressos, repositórios de universidades, entidades mantenedoras de pesquisas, no qual, foi empregando um recorte dos trabalhos realizados nos últimos cinco anos. O recorte este, foi orientado pelas palavras-chaves como “estética amadora”, “imagens de conflito”, “celular e protesto”, “imagens que tremem”, “cinema militante”, “junho de 2013” e “material de arquivo”. Deste modo, foram encontrados um total de 37 trabalhos, sendo 11 teses, 11 dissertações e 25 artigos, demonstrando uma diversidade de temas nas pesquisas que analisam filmar com celulares, quais as consequências de usar o celular e a trepidação na imagem, ora como a película de 16 mm estimulou a sensação de realismo no documentário ou uma proposta de uma estética amadora, como também propostas de linha histórica do cinema militante e outros temas. Por outro lado, devemos fazer uma ressalva para alguns textos anteriores ao ano de 2015, porque foram escolhidos devido à temática e à ligação com esta dissertação, desta forma, dividimos em duas partes: a primeira com textos realizados nos últimos cinco anos e, segunda, os mais antigos. Primeiramente, começamos com Arlindo Machado (2017), visando analisar os filmes feitos em casa que mostram como o privado pode refletir o universal, através de uma tecnologia de baixa qualidade, e focando em temas como família, amigos, viagem de férias, bem como outros temas considerados triviais por parte dos críticos de cinema e também pela academia. No artigo Vídeo-ativismo: práticas digitais para narrar os movimentos sociais durante a Copa do Mundo da Fifa (2014), com autoria de Ana Lúcia Nunes de Sousa (2017), a pesquisadora argumenta que passamos de uma sociedade na qual predominavam os laços pessoais para uma hiperconectada, onde tudo é registrado pela fotografia, seja gravando e compartilhado nas redes sociais. Muitas vezes, estas imagens “[…] foram transmitidas ao vivo pelas câmeras cidadãs e, principalmente, por coletivos formados por ativistas que utilizavam o vídeo como ferramenta de luta”. (WELLER, 2014, p. 79). E complementa, afirmando que o ciberespaço transformou-se na principal arena de comunicação dos

29 movimentos sociais, tais como YouTube, Facebook e etc; sendo assim, investiga coletivos como o Rio 40 Caos 1, Coletivo Carranca 2 e o Jornal A Nova Democracia 3. O recorte adotado no artigo foi durante a Copa do Mundo Fifa de 2014, na qual foram estudados os coletivos durante o evento e a autora relembra que em 2013, 49,4% da população possuíam acesso à internet, sendo que 54,7% possuíam acesso às redes através dos aparatos móveis de comunicação, como tablets e telefones. Conforme apresenta Souza (2017, p. 86) baseado na pesquisa do IBGE (2013), outro dado indicador importante é taxa de conexão entre os jovens, 75,9% se conectam regularmente à internet, sendo que estes possuíam mais de 15 anos de estudo e representavam 89,9% da juventude presente nas ruas. Segundo Sousa (2017, p. 89), existe uma relação entre a velocidade de conexão e a quantidade de protestos que entre os dias 13 à 15 de junho de 2014, relatou que o Coletivo Carranca produziu 39 transmissões via streaming , o Jornal A Nova Democracia realizou 29 vídeos e o Rio 40 Caos criou apenas 2 registros audiovisuais, totalizando, em menos de um mês, o registro de 166 vídeos produzidos durante os protestos sociais, que foram inseridos nas plataformas YouTube e TwitCasting. Por outro lado, a autora relata que o streaming possibilita rever as manifestações. Outra informação apontada pela pesquisadora é a respeito da metodologia de trabalho dos vídeo-ativistas, em que editam o material registrado nas ruas, arquivam no YouTube e compartilham no Facebook, o mais rápido possível, com o objetivo de disputar a opinião pública. Deste jeito, a credibilidade na narrativa do indivíduo se origina na imersão nos eventos e da proximidade com os atores envolvidos nos protestos, ou como a própria autora (SOUSA, 2017, p. 94) define: “Os vídeos produzidos pelos ativistas obtém, assim, um status de autenticidade (PLANO e DEUZE) devido à proximidade com os sujeitos históricos, que compartilharam – lado a lado – o espaço e o tempo da manifestação com as câmeras”. Em outro artigo Eis o filme – o formato 16 mm e influência da estética amadora no documentário moderno , com autoria Fernando Weller, que aborda diferentes significações que a tecnologia do formato 16 mm assume entre os anos 1930 até 1960, até se tornar um elemento fundamental da legitimação do discurso intimista documental, defendido pelos cineastas do cinema direto. Sendo a sua hipótese central que os limites entre as esferas do amador e o profissional estão se tornando cada vez mais tênues, devido à profissionalização

1 Rio 40 Caos é um coletivo focado na produção de advocacy video em que se faz uma referência a uma larga categoria de vídeos que são parte de um esforço para dar visibilidade e impacto a uma campanha, que objetiva modificar comportamentos sociais, políticas públicas e leis. 2 Coletivo Carranca é um coletivo centrado na transmissão via streaming . 3 Jornal a Nova Democracia é outro grupo que trabalhava com reportagens e notícias.

30 dos equipamentos amadores, tal como o surgimento da TV nos anos 50, que segundo o autor, compuseram os elementos decisivos da revolução estética que inaugurou o documentário moderno. Em O que podem as imagens? Uma análise da tomada de registros testemunhais de manifestações de rua no Brasil , de autoria da Dra. Patricia Furtado Mendes Machado, é apresentada uma reflexão sobre as possibilidades de construção de sentidos que tornem a potencialidade política e sensorial de imagens de manifestações de rua. Nas quais, as imagens são realizadas de um olhar no evento, onde o cinegrafista possui ação direta na imagem e busca reconhecer alguns elementos que fazem parte de uma estética da urgência. Neste artigo, publicado em 2017, a autora apresenta a análise de cinco vídeos realizados durante as manifestações de 2013 e, principalmente, quando os manifestantes estão fugindo da polícia, neste momento de urgência, traços dos corpos e fisionomias se transformam em borrões, desenhos abstratos, funcionando bem como marcas testemunhais deixadas no registro do momento, em que o corpo e equipamento se movimentam juntos; porém, uma fala chama atenção “cara, eu tenho que filmar isso”, para Patrícia (2017, p. 54), “a frase, pronunciada de maneira enfática, traduz a convicção daquele que filma de que, em uma situação de perigo, é preciso investir na produção do registro audiovisual que possa servir como prova irrefutável do que está acontecendo”. Desta forma, possuir em mãos estas imagens pode proporcionar uma prova de violência que sofreu. Na qual, a autora relembra das fotografias de cenas de crime no século XIX, em que o poder de atestação das imagens passa a fazer parte de uma percepção comum de que “o poder de verdade da imagem é um instrumento de convicção essencial a serviço da Justiça. (DUFOUR, 2015, p. 5 apud MACHADO, P., 2017, p. 55). Posteriormente, a pesquisadora revela uma pergunta importante para a análise de arquivos audiovisuais de eventos públicos, políticos e históricos, “afinal, o que pode uma imagem?”. De acordo com Patrícia Machado (2017), estamos falando da possibilidade de explorar na imagem, o imprevisto, que não é absorvido no momento em que ela é produzida e, investigar nos seus detalhes, a possibilidade para os novos moldes de pensar e sentir o presente. E, ainda, as possibilidades de construção de significados com ponto de partida para estratégias éticas e estéticas, em que possam tornar sensíveis às potencialidades políticas e sensoriais das imagens do presente. E, de acordo com as reflexões da autora, “o interesse deve-se à peculiaridade desses eventos que irromperam de modo quase incontrolado, em determinados momentos históricos de tensão” (MACHADO, P., 2017, p. 56), sendo estes registros breves, fragmentados, muitas vezes de autorias desconhecidas e colocados em

31 plataformas digitais e que, apesar de circularem no momento do acontecimento, logo, facilmente, são esquecidos. Seguindo a mesma lógica, a Dra. Kênia Freitas (2017) escreve o artigo Ressonâncias do presente: as imagens das manifestações de junho de 2013 , em que investiga o impacto de acontecimentos recentes em imagens realizadas em junho de 2013. Esta análise parte do princípio de detenções policiais, filmadas por vídeo-ativistas, o qual o objetivo é pensar diferentes temporalidades e pontos de vistas que se entrecruzam nestes registros audiovisuais. Um dos corpus escolhidos pela pesquisadora é o caso de Bruno Teles, preso pela polícia por acusação de carregar e atirar coquetéis molotov 4 em policiais, contudo, durante a madrugada, a defesa solicita, via internet, imagens que comprovem a inocência de Bruno. Segundo a autora, várias versões foram postadas no YouTube e compartilhadas nas redes sociais durante a noite. Destes materiais audiovisuais muitos possuíam planos-sequências com durações variadas com somente um ponto de vista. A respeito Freitas (2017, p. 81) refere Pasolini: “o limite realista máximo de qualquer técnica audiovisual. Não é concebível ‘ver e ouvir’ a realidade no seu acontecer sucessivo, senão de um único ângulo de visão de cada vez: e este ângulo visual é sempre o de um sujeito que vê e ouve”. Ainda, trazendo Pasolini (2017) para o debate, Kênia Freitas (2017, p. 81-82) sugere que a realidade vista acontece sempre no tempo presente, contudo, ao editar a imagem e inserir vários planos-sequências subjetivos, acarretaria em uma multiplicação de pontos de vista e um esvaziamento do tempo presente, consequentemente, a montagem de filme possui o poder de morte, onde dá sentido ao material subjetivo e torna o passado acabado, encerra o acontecimento e se tornou outra coisa. Para Ana Cecília Costa Santos (2012, p. 16), o

[…] documentário em primeira pessoa: por deslocar o foco narrativo do mundo exterior para o mundo íntimo do sujeito, a representação do real é contaminada pelas impressões do artista. Assim como o ensaio literário, o documentário em primeira pessoa não costuma ser válido enquanto fonte de saber, por distanciar-se das regras de objetividade e impessoalidade que regem a ciência e o documentário clássico, por isso enquadra-se perfeitamente na categoria de ensaio audiovisual.

A autora revela que a ideia da imagem como espelho do real possui origem no Renascimento, com o surgimento, nas artes plásticas, da perspectiva:

A perspectiva organizou e homogeneizou o espaço a partir de um único ponto de vista centralizado, trazendo mudanças radicais e afetando definitivamente o olhar do homem ocidental. Anteriormente a organização do espaço na pintura era

4 O coquetel molotov ou cocktail molotov é uma arma química incendiária geralmente utilizada em protestos e guerrilhas urbanas.

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fragmentária, uma mesma imagem poderia ser vista sob diversos pontos de vista, não havia esse único olhar interno que direciona a forma como o espectador vê a obra. Para o teórico da comunicação Marschal Mcluhan, a pintura renascentista, bem como o alfabeto fonético, privilegiou o olhar em relação aos outros sentidos, restringindo a percepção humana a uma lei de causa e efeito. (SANTOS, 2012, p. 21-22).

Para Santos (2012, p. 7), a representação da realidade ganha uma versão metafórica e memorialista, expandindo a linguagem do documentário, na qual, “a câmera subjetiva é um dos dispositivos usados no documentário em primeira pessoa para resolver semioticamente o discurso do eu : a câmera funciona como os olhos da personagem (Der Keuken, em férias prolongadas”). A pesquisadora Isabel Padilha Guimarães (2010), apresenta um recorte de documentários que retratam a violência urbana, e, neste sentido, são examinadas questões como representação e impressão da realidade, sendo proporcionada pelas imagens cinematográficas, buscando compreender os temas culturais e a constituição de um imaginário. Outra pesquisa discute a representação da violência em outros filmes das décadas de 80 e 90, realizada por Hikiji (1998), em que traz uma problemática da violência, situando os filmes num contexto imagético e narrativo mais amplo. Por consequência, Carolina Amaral de Aguiar (2013), analisa os filmes do cineasta Chris Marker que indagaram sobre a Unidade Popular do Chile nos 1970. Por meio deste estudo identificou-se as estratégias narrativas utilizadas e qual o discurso político. É importante a reflexão que seus filmes situam-se na fronteira entre passado, presente e futuro em uma relação dialética entre o legado de uma experiência, suas consequências e a continuação da luta política. Além deste recorte, a autora relembra que Chris Marker idealizou curtos episódios de contrainformação, com o objetivo de dar voz a quem não possuía voz na grande mídia. Por outro lado, Amaranta Cesar (2017), traz uma análise de estratégias sensíveis e discursivas dos curtas-metragens Na missão, com Kadu (2016) e Kbela (2015), mas, principalmente, sobre os modos de articulação entre estética e política, engajamento militante e a invenção formal presentes em novas práticas audiovisuais, iniciando com o acirramento das lutas e os movimentos de minorias que lutavam por visibilidade e reconhecimento. Em outro artigo Cinema como ato de engajamento: documentário, militância e contextos de urgência ” (2015), possui como ponto de partida, pensar uma relação entre estética e política, onde esta ligação, na verdade, é mais uma mediação ou, como formulou Hebert Marcuse (1979, p. 12 apud CESAR, 2015, p. 13), “o potencial político da arte reside somente na sua

33 própria dimensão estética. Sua relação com a práxis é inevitavelmente indireta, mediatizada e decepcionante”. E, consequentemente, o melhor método para análise é pensar o estético a partir do político, não o inverso, pois um conjunto de filmes estão surgindo no Brasil, devido ao contexto acirrado na política. Ainda, avaliando o curta Na missão, com Kadu (2016) e o longa Era o Hotel Cambridge (2016), de acordo com Lima e Mello (2019), estes dois filmes utilizam uma estética que passa por uma intervenção social e conflita com o modo de militância e nas formas de performatividade dos corpos em cena, sugerindo um atravessamento da política e no cinema. Logo, existe um novo tipo de realismo em curso, porque já não revelava um mundo, agora ela se parte dele, sendo incorporado na infinidade de imagens produzidas, sem buscar uma afinidade com o real, a matéria-prima para a imagem. Portanto, é neste caminho em que se insere o expandido no campo teórico no documentário contemporâneo, onde significa que as fronteiras entre ficção e não-fição são deslocadas para uma questão principal, a representação do real, ou seja, mais que registrar ou documentar o cotidiano se encena pessoas em situações ficcionais. Para Frank Marcon (2018) que busca analisar se há uma possível estetização das formas de ativismo e de protestos articulados em junho de 2013, dar atenção aos usos das linguagens e das formas de expressões estéticas, utilizadas na internet, que resultam em uma caracterização às formas de ocupação e manifestação no espaço público. Resultando na representação da rua, no documentário, conforme Tatiana Vieira Lucinda (2019), a busca de compreender a construção de sentidos nos documentários passa por uma avaliação de sua estética e, também, da política que os atravessa sob as formas de encontro e enunciado, as operações na imagem e o seu impacto no espectador. Em Imagens em trânsito: o telefone celular e as novas estéticas audiovisuais , de Oswaldo Norbin Prado Cunha (2010), a pesquisa focou na ordem técnica e as evidências do seu impacto na sociabilidade contemporânea, demonstrando na autonomia em que os portadores de celulares possuem para produzir imagens, sons e mensagens que circulam na internet. Para Lima e Mello (2019), estamos vivendo uma nova construção da subjetividade que faz parte da construção da narrativa dos documentários, no qual, o diretor se torna um personagem da sua própria obra audiovisual, como nos filmes autobiográficos. E hoje, a produção de imagens, somada à proliferação de dispositivos de gravação (como os celulares), são muito importantes para estas mudanças, onde a preocupação a respeito de outras vidas e outros espaços, se faz através de uma aproximação radical e urgente a um problema estético e micropolítico; desta forma, se faz uma reflexão sobre os modos de operar entre o realizador,

34 personagem e espectador. Portanto, as linguagens audiovisuais, em seu modo, resultam em uma estetização do cotidiano por via de reality shows e documentários televisivos que desenvolvem uma mediação da experiência do real. Em Mobilidades errantes, corpos vulneráveis: o contato improvisação além da técnica , de Daniele Pires de Castro (2017), analisa o improviso se colocando diante de uma mobilidade sem orientação, objetivo e também de forma, em que o sujeito está vulnerável a toda sorte de afetos e transformações, e, consequentemente, aciona outra forma de mobilidade e o nosso modo de estar no mundo. Por outro lado, Gabriel Sotomaior (2014), apresenta um contexto das lutas sociais, em especial os documentários por sujeitos ligados a movimentos sociais, sindicatos, grupos culturais e etc. São abordados o cinema militante, o vídeoativismo e o vídeo popular, além de outras mobilizações sociais, com objetivos de fazer uma reflexão teórica sobre as lutas do campo do visível, utilizando as reflexões de Walter Benjamin sobre a relação entre imagem e história, especialmente o conceito de imagem dialética. Corroborando com a tese de Sotomaior (2014), a dissertação de Alvarenga (2014) apresenta uma pesquisa sobre a prática dos vídeos comunitários contemporâneos, realizados nos anos de 2003 e 2004, utilizando uma metodologia de uso do vídeo e a trajetória de dez grupos – três localizados em São Paulo, três no Rio de Janeiro, três em Belo Horizonte e um em Olinda. Saindo da contextualização histórica e pensando no papel dos ativistas pós-2011, Geoffrey Pleyers (2013) analisa os movimentos do ativismo online saindo da internet para as ruas. E, a partir da noção do filme processo, o artigo de Dieuzeide (2017) intitulado A cena do conflito, o processo na montagem: reflexões sobre cinco câmeras quebradas , na qual, propõe uma análise das imagens produzidas no documentário palestino-israelense Cinco câmeras quebradas (2011), onde as cenas são acompanhadas por violência e como se instaura nas imagens (suas falhas, defeitos e lacunas), regendo a concepção do filme. Consequentemente, o tremor das câmeras se dá neste filme, como também em outros e, neste fato, se baseia Anita Leandro (2010), para argumentar que o tremor destas imagens, acontecido por causa da pressa e, muitas vezes, de forma clandestina, tornando-se a assinatura física, corporal, de uma nova comunidade política que é fortalecida de forma anônima. Portanto, a autora resgata a importância do tremor como uma imagem de arquivo, porque “em seu filme como uma testemunha ainda vida do passado. Ao atribuir àquelas imagens o estatuto de um vestígio material da luta política, capaz de mediar uma atualização do passado, sem o recurso do discurso informativo […]”. (LEANDRO, 2010, p. 102). Ela salienta, ainda, que a trepidação da câmera capta e a montagem reforça, e não é uma questão ideológica e

35 tampouco uma questão estética, mas remete à gravidade do instante filmado e a uma escolha ética do cinegrafista diante do evento, portanto, a forma de tremor muda conforme o cinegrafista está diante da posição de combate, ou seja, estar defronte ao evento e ao perigo que o circunda. Em outro artigo, Anita Leandro (2014), comenta filmar os acontecimentos sociais de um ponto de vista interno, colocando em dúvida o papel do autor, do espectador e das próprias imagens, pois o digital permitiu todos nós registrar, filmar, editar e reutilizar um grande volume das imagens, somos todos arquivistas de nosso cotidiano. Isto posto, a autora resgata os pensamentos de Guy Debord, que defendia o fim de instituições artísticas (museus, cinema…), porque retiravam as obras de arte de nossa relação com o mundo. Debord procedeu com a armazenagem das imagens preexistentes e o seu desvio de função, e que na edição podemos devolver ao nosso convívio de forma bastante direta, ou seja, “[…] como simples munição para o espectador que surgiria dessa nova experiência política com o cinema”. (DEBORD, 1992 apud LEANDRO, 2014, p. 123). Para Leandro (2014), a apropriação da experiência do presente se dá através de imagens que interferem na aprendizagem e na construção de uma memória coletiva, ou seja, a compreensão do presente, o conhecimento do passado, a escrita da história são imagens. Desta forma, os excluídos, os que não possuem voz na grande mídia procuram as câmeras para contar a sua versão dos fatos; a autora os chama de os “sem imagens” pois foram atrás das câmeras para proteger suas vidas, resgate de identidades, construções de subjetividades ou a invenção de memória. Como consequência deste processo, há uma intensificação dos efeitos do real cada vez mais pregnantes, conforme Ilana Feldman (2008), muito devido à proliferação de vídeos flagrantes, reality shows , imagens amadoras e de acontecimentos não-ficcionais incorporadas por filmes, posteriormente. Este processo deslocou a vida cotidiana e, também, a experiência estética, como se o apelo à realidade fosse um selo de “autenticidade”. Por consequência, este apelo realista está cada vez mais hibridizado e se renovando a partir das narrativas do espetáculo. De acordo com Feldman (2008, p. 62) pode ser

[…] compreendido aqui como uma forma de mediação (DEBORD, 2000 apud FELDMAN, 2008, p. 62) pautada pela construção de efeitos de adesão e identificação – se afiguraria como um modo simbólico de reengajamento e reintegração dos sujeitos (produtores, consumidores, portadores e espectadores das imagens) à realidade.

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Por outro lado, Leites e Silva (2017) apresentam uma análise das imagens realizadas em protestos, na qual, retomam os conceitos de Jacques Rancière e a teoria de Dziga Vertov sobre o cine-olho, apresentando os agenciamentos estéticos políticos que estas imagens contém, bem como o apagamento da distinção entre o acontecimento e a imagem. Além destas análises a respeito das imagens de protestos, Chagas (2019) propõe uma reflexão entre o cinematógrafo e o smartphone e as produções imagéticas destes dispositivos móveis, onde estabeleceram uma relação com as imagens técnicas do cinema e da televisão e também propõe observar algo novo de usuários amadores, desconhecidos e inexperientes ou é exatamente ao contrário? Dialogando com este artigo, a tese de Felipe Polydoro (2016) intitulada Vídeo amadores de acontecimentos: realismo, evidência e política na cultura visual contemporânea . Investiga quais os operadores realistas e a historicidade destes efeitos de real, quais foram as maneiras de obter impressões do real e de evidência em uma chave discursiva. Por consequência, as políticas destas imagens e a emergência de novos sujeitos e novos lugares e novos lugares de fala na grande mídia, logo, e também importante, a forma como estas imagens se inserem na construção do acontecimento. E, por fim, o lugar destas imagens na cultura midiática e o se revela do regime visível contemporâneo. Videogramas de uma revolução: o acontecimento e as imagens de arquivo no cinema documentário , de autoria de Julia Gonçalves Declie Faglioli (2011), possui como objetivo responder a seguinte indagação a respeito de como o documentário, que dá nome ao título da dissertação, pode reescrever as imagens acionadas do acontecimento político que levou a queda do ditador Nicolae Ceasescu? Seguida de um amplo esforço teórico que visa o entendimento a respeito dos conceitos acontecimento e de imagem de arquivo . Pensando também nestes temas, Michael Abrantes Kerr (2008), analisa o filme Nós que aqui estamos por vós esperamos (MASAGÃO, 1999), faz uma abordagem das imagens de arquivo que se aproxima da duração audiovisual, onde o pensamento aqui desenvolvido parte de dentro de um filme através dos devires presentes nas imagens e editadas em fluxo. Ana Lúcia Nunes de Sousa (2017) reflete a respeito da potência da relação entre o audiovisual, a internet e as redes sociais online que parecem disputar o domínio das narrativas. Em sua tese, a pesquisadora procura compreender a prática videoativista que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro durante a Copa do Mundo de futebol de 2014. E, consequentemente, seus objetivos são: indagar as condições de produção, distribuição da narrativa ativista e entender melhor como a internet propaga a ação política destes movimentos. Ainda falando a respeito de engajamento político, Júlia Faglioli (2017), propõe uma investigação sobre a forma como o cineasta Chris Marker trabalha sua posição política e

37 a edição de imagens de arquivo, na qual, a pesquisadora compara as versões, a antiga e a mais recente, com o objetivo de observar as alterações na montagem e nos comentários, mas, também, para observar a relação entre a militância e a montagem. Saindo de junho de 2013 e suas consequências, o pesquisador Jamer Gutterres de Mello (2016), analisa os agenciamentos estéticos e políticos do uso de imagens na obra Harun Farocki, de modo a compreender como se constitui uma imagem documental que provém do arquivo, de qual forma se expande na cultura audiovisual contemporânea. Em uma perspectiva comparada, o pesquisador Arlindo Rebechi Junior observa dois filmes contemporâneos, Cinema novo , de Erik Rocha e No intenso agora (2017), de João Moreira Salles que se utilizam de imagens de arquivo dos anos 1960 com o objetivo de refletir sobre o tempo presente, sob as características políticas e estéticas. Da mesma forma, Diego Morais Vieira Franco (2019), investiga a relação estabelecida entre o argumento sobre o passado e rememoração dos eventos históricos, especialmente de maio de 1968. Em Filmes de arquivo: possibilidades para a construção de uma memória sobre as cidades , de Vanessa Maria Rodrigues, pressupõe um processo de cruzamento de informações como forma de recontextualização e assimilação de sentido dos arquivos e da própria memória. Como já foi descrito, neste capítulo, várias vezes o uso de smartphones esteve presente durante os protestos de junho 2013. Em Formas expressivas da contemporaneidade: a estética do processo em filmes realizados via celular , de Aline Lisboa (2015), propõe compreender de que forma se dá a constituição estética nos celulares, além das relações entre estética e as formas expressivas na contemporaneidade. Acerca deste tema, Adriano Chagas (2017) possui o objetivo de refletir a respeito das discussões sobre um novo modelo de imagem audiovisual e também perceber o smartphones como um ser onipresente na sociedade contemporânea, principalmente o hábito de produzir e compartilhar vídeos ou realizar transmissões em tempo real nas redes sociais, se tornando uma ação indissociável no comportamento das pessoas contemporâneas. Pensando na tecnologia e na representação homem e máquina, Bruno Evangelista da Silva (2010), investiga a construção imagética deste novo homem, moderno, consciente, produtivo e aliado a instrumentos tecnológicos. Por outro lado, o pesquisador Ronaldo Queiroz de Morais (2002) apresenta uma leitura particular do autor Paul Virilio que percebeu a guerra no interior das cidades e alerta para a inevitabilidade da tecnologia e do acidente, não contabilizando as baixas e as deformações causadas pela velocidade destas máquinas sobre nossos corpos. Corroborando com esta pesquisa, Rocha (2001) busca investigar a questão da

38 velocidade tecnológica se tornando paulatinamente do deslocamento do espaço físico, como também do seu imaginário. Tudo isto posto, a proposta nesta dissertação é estudar as formas de imagens de/em conflito no documentário Operações de garantia da lei e da ordem (MURAT; RAMOS, 2019) e de qual forma constribuiram para uma construção imagética de junho de 2013.

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3 A MONTAGEM COMO CONFLITO

Eisenstein (2002) e seu conceito de montagem, conforme mencionado anteriormente, é um dos autores mais produtivos para pensar a montagem como uma qualidade. O autor vê o fragmento da realidade factual com sentido neutro, sendo mais flexível a combinação, logo, “[…] quando colocados juntos, os fragmentos perdem todos os sinais visíveis da combinação, aparecendo como uma unidade orgânica” (EISENSTEIN, 2002, p. 16), contudo este convívio não é tão pacífico assim. Neste sentido, o autor observa que, muitas vezes, o propriamente cinematográfico (a montagem e ressignificação de fragmentos) está, em muitos momentos, mais presente fora do cinema do que nele próprio, na pintura, no teatro, na dança, na cultura em geral. A natureza da montagem é, conforme Eisenstein (2002, p. 41) o plano como território de confronto ou colisão, “A colisão […] Conflito dentro do plano é montagem em potencial que, no desenvolvimento de sua intensidade, fragmenta a moldura quadrilátera do plano e explode seu conflito em impulsos de montagem entre os trechos da montagem”. A combinação de tipos de planos, o confronto das direções gráficas, dos volumes, das cores é parte desta construção de conflito tipicamente cinematográfica.

Estes são os conflitos “cinematográficos” dentro do quadro: Conflitos de direções gráficas (linhas - ou estáticas ou dinâmicas). Conflitos de escalas. Conflitos de volumes. Conflito de massas (Volumes preenchidos com várias intensidades de luz). Conflito de profundidades. E os seguintes conflitos, que exigem apenas um impulso adicional de intensificação antes de formarem pares antagônicos de fragmentos. Primeiros planos e planos gerais. Fragmentos de direções graficamente variadas. Fragmentos resolvidos em volume, com fragmentos resolvidos em área. Fragmentos de direções graficamente variadas. Fragmentos resolvidos em volume, com fragmentos resolvidos em área. Fragmentos de escuridão e fragmentos de claridade. E finalmente, há conflitos inesperados como: Conflitos entre um objeto e sua dimensão – e conflito entre um evento e sua duração. (EISENSTEIN, 2002, p. 43, grifos nossos).

Deste mesmo modo, perceber a luz e o seu obstáculo, as direções de linhas, os volumes, etc. no quadro permite uma ampla abordagem teórica não somente na área teórica do audiovisual. Por outro lado, a posição da câmera é pensada como resultado da lógica organizadora do enquadramento, elementos todos que convergem para a produção de sentido. A sequência destes planos também é definitiva para construir sentidos. Portanto, a imagem em movimento (cinema) se constitui através de uma síntese de dois contrapontos, o espacial (arte gráfica) e o temporal da música que hoje estendemos como todo e qualquer som. Explicando melhor a ideia de montagem como conflito, Eisenstein (2002, p. 58), se

40 refere ao “conflito dentro de uma tese (uma idéia abstrata) – se formula na dialética da legenda – se forma espacialmente no conflito dentro do plano – e explode com crescente intensidade no conflito de montagem entre os planos isolados”. Sintetizando, o diretor enumera os seguintes conflitos:

1. Conflito gráfico. 2. Conflito de planos. 3. Conflito de volumes. 4. Conflito espacial. 5. Conflito de Luz. 6. Conflito de tempo, e assim por diante. 7. Conflito entre assunto e posto de vista (conseguido pela distorção espacial através do ângulo da câmera) (ver ilustração 5). 8. Conflito entre assunto e sua natureza espacial (conseguido pela distorção ótica das lentes). 9. Conflito entre um evento e sua natureza temporal (conseguido pela câmera lenta ou movimento parado) e finalmente 10. Conflito entre todo o complexo ótico e uma esfera bastarem diferente. Assim, o conflito entre a experiência ótica e acústica produz: cinema sonoro, que é capaz de ser realizado como contraponto audiovisual . (EISENSTEIN, 2002, p. 58, grifos do autor).

Ao se referir à estética, Bruno Polidoro (2008, p. 3) descreve: “Pensando na estética do audiovisual, o trabalho do diretor de fotografia com seu poder de manipulação dos escuros e das luzes é base essencial para essa nova visão e uso dos clichês”. Corroborando com esta fala e usando a acústica para demonstrar ao leitor como isso acontece, Eisenstein (2002, p. 74), comenta que “[…] a vibração de um tom dominante básico, vem uma série completa de vibrações semelhantes, chamadas de tons maiores e tons menores”. Deste jeito, Polidoro (2008) traz o exemplo da fotografia cinematográfica de filmes de terror que possui característica de utilizar-se de contrastes em lugares muito claros ou em locais muito escuros, além disto, o quadro possui uma luz dura5 para destacar os personagens na procura de solucionar seus objetivos. No entanto,

mantendo a mesma estrutura clássica descrita, mas utilizando uma luz mais suave, publicitária, poderíamos, ao contrário, construir um novo formato de filme de terror. As mortes quase sempre acontecem à noite, e o simples fato de levá-las para a luz do dia já teria um efeito novo. (POLIDORO, 2008, p. 3).

Arlindo Machado, importante autor da discussão sobre o vídeo e as novas tecnologias, questiona-se sobre a existência ou não de uma linguagem cinematográfica, videográfica ou audiovisual. Com o rompimento das fronteiras, “podemos chamar a isso linguagem ou sistema significante, como queiramos, desde que tenhamos em mente que se trata, como se costuma dizer na física contemporânea, de um sistema caótico”, híbrido, aberto, “que manifesta coerência

5 A luz dura tem como característica gerar uma sombra com contorno nítido no assunto fotografado, onde a passagem de luz para sombra é mais brusca, ou seja, gera um alto-contraste.

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em cada obra particular, mas não tem valor universal ou normativo, não pode ser reduzido a um conjunto de leis básicas de articulação. (POLIDORO, 1997, p. 193).

As reflexões dos autores, até aqui desenvolvidos, nos levam a pensar o quanto combinam a técnica audiovisual, vem com suas próprias estéticas e instaura suas possibilidades de montagens e novos elementos que entram no conflito. Portanto, entendemos o conflito como a dinâmica necessária realizada pela montagem, própria a cada mídia audiovisual, na qual provoca-se o confronto de elementos para produzir determinados sentidos. Inclusive, o próprio espectador como elemento desta montagem, deste conflito significante. Para Arlindo Machado (2007, p. 72), o espectador de uma obra audiovisual jamais será interpelado pelo personagem à frente da câmera, salvo quando se deseja revelar a presença da câmera, o objetivo central é preservar o estatuto de voyeurismo invisível do público. Portanto, a relação entre imagem e espectador, diante das mudanças de planos, que se articulam entre si, representa uma mudança de campo fílmico que se encadeia com um campo ausente/ imaginário do filme, em que há um sistema de trocas entre o ausente e o presente, formando um jogo de espelhos em que o sujeito e objeto de visão se alternam através dos dois lados do olhar. Consequentemente, o resultado para Arlindo Machado (2007, p. 72) é o seguinte:

A experiência visual do espectador é ordenada, portanto, por esse dispositivo especular, o seu campo visual é suposto e identificado com o da personagem vidente à medida que ele introjeta o portador do olhar no campo ausente. Pode-se dizer então que o contracampo sutura o buraco aberto na relação imaginária do espectador com um campo fílmico. A novidade em relação à pintura clássica é que no cinema a articulação do campo visível com o campo ausente é dada como uma articulação de planos: cada plano sutura a “quarta parede” do que o antecede ou o sucede, de modo que, ao longo de uma sequência montada em campo/contracampo, o visível e o invisível vão trocando de lugar nos dois lados do dispositivo especular (daí afirmar, endossando Robert Bresson, que as imagens cinematográficas só podem exprimir pelo seu “valor de troca’).

Logo, aqui encontramos uma definição defendida por Aumont (1995, p. 62), “a montagem é o princípio que rege a organização de elementos fílmicos visuais e sonoros, ou de agrupamentos de tais elementos, justapondo-os, encadeando-os e; ou organizando sua duração”. Ainda assim, Aumont (1995), defende que, dentro deste princípio, apresenta relações “formais” e fáceis de identificar, como os efeitos de ligação ou disjunção e cita o exemplo da dupla exposição 6, que durante muito tempo foi utilizada para pontuar o

6 A dupla exposição ou múltipla exposição, é uma técnica fotográfica que consiste em expor um negativo ou diapositivo múltiplas vezes. São utilizados os controles específicos da câmera fotográfica para tal, de forma a se obter imagens sobrepostas.

42 espectador de algo, como, por exemplo, o uso de flashbacks . E a segunda relação, intitulada de alternância, que nas suas palavras “podia significar a simultaneidade (caso da montagem alternada propriamente dita) ou podia exprimir uma comparação entre dois termos desiguais com relação à diegese (caso da montagem paralela) etc”. (AUMONT, 1995, p. 67). Jacques Aumont (1995) vai mais além das relações e sugere duas funções semânticas da montagem, a primeira ligada à produção de sentido denotado que compreende a categoria de montagem narrativa e a produção de um espaço fílmico e de maneira geral toda diegese. E, a segunda função, a produção de sentidos conotados, que corresponde à produção de causalidade, de paralelismo e de comparação. Posteriormente, Aumont (1995) apresenta uma função rítmica que nada tem a ver em comum entre o andamento fílmico e musical, mas, como aconteceu na história do cinema, principalmente nos anos 20, a qual, se caracteriza como se encontrássemos uma música na imagem que se divide entre ritmos temporais e plásticos. Atemporal, instaurado pela trilha sonora e também pela possibilidade de jogar com as durações de formas visuais e, por fim, a plástica que corresponde à organização das superfícies no quadro ou de distribuição das intensidades luminosas e das cores. “O audiovisual também é uma virtualidade que se atualiza nas mídias, mas que as transcende”. (KILPP; FISCHER, 2010, p. 6). Desta forma, pensar a atualização nas mídias amplia a visão a respeito dos usos de transformações praticados pelas mídias, os seus usuários que, de acordo com Fischer (2013, p. 43), “pulsam nessas colocações – preservada a premissa não reducionista a qualquer mídia – uma evidente vontade de pensar as técnicas e estéticas do campo das materialidades on-line , […]”. E, consequentemente, estamos falando de tecnologia, e, de acordo com Shaw (2008, p. 1), de aparatos tecnológicos presentes em qualquer cultura. Conforme Lister (2008 apud FISCHER, 2013, p. 44), “geralmente referindo- se a fenômenos culturais em que tecnologias ou forças tecnológicas são um aspecto significante”. Isto posto, cabe a nós refletirmos como a tecnologia instaura um novo ambiente entre as pessoas e como os deterministas tecnológicos não avaliam a complexidade dos processos sociais. Corroborando a estas reflexões, Debora Shaw (2008 apud FISCHER, 2013, p. 48), propõe o entendimento a respeito de tecnocultura “precisa levar em consideração a forma como conhecimento sobre o mundo é produzido, os usos no qual ele é colocado e as epistemologias variadas que não apenas estruturam a sua conceituação mas nas quais também emergem formas culturais alternativas”. Também nos parece coerente pensar outro elemento a partir da ideia do objeto no mundo e o mundo no objeto. Conforme Fischer (2013, p. 50),

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“pensar o surgimento e o desenvolvimento dos meios de comunicação e representação como resultantes desses processos de articulação entre tecnologia e cultura”. Soma-se a isto a possibilidade de se produzir imagens ao extremo com o uso de dispositivos de olhar, que, em alguns casos, demonstram uma expansão da tela para sem tela. De acordo com Kilpp (2012, p. 8), “passando fortemente pelo uso do corpo como tela, mas chegando até a dissolução total desse último limiar (o do corpo – o de algum ou qualquer corpo físico)”. Um portador de smartphone exibe o protesto simultaneamente ao momento em que o espectador o assiste. “Assistimos na verdade ao desaparecimento de todo sujeito e de todo objeto: não há mais relação intensiva, só nos resta o extensivo; não há mais Comunhão, só nos resta a Comunicação”. (DUBBOIS, 2004, p. 47).

Máquina e aparelhos são extensões humanas que emergiram de diferentes mundos codificados. As máquinas emergiram na história de diferentes mundos codificados. As máquinas emergiram na história do mundo fabril das máquinas e da produção industrial; os aparelhos emergiram na pós-história do mundo da informação. (KILPP, 2012, p. 232)

Sem ainda encontrar respostas para estas perguntas, mas ampliando estes questionamentos, deve-se refletir, segundo Shaw (2008, p. 14), se o estudo da tecnocultura deve necessariamente se envolver com o sentido das mudanças de tecnologias, que fazem parte do nosso cotidiano e que produzem transformações na forma como nos percebemos.

Portanto, esta transformação passa pela inovação das técnicas e, também, por dispositivos produtores de imagens, mudando as relações entre os seres humanos que são mediadas por imagens. Colaborando com este pensamento, Gallas (2012, p. 2015) reflete que, “tanto

McLuhan quanto Benjamin identificam o papel das tecnologias no processo de ruptura com antigas formas de recepção do mundo”.

De acordo com Gerbase (2001, p. 59) “A grande mobilidade das câmeras de vídeo digital (muito menores e mais leves que as de 35 mm) e a relativa facilidade com que podem ser operadas levam alguns cineastas a considerá-las mais adequadas para projetos experimentais”. Em outro momento, o autor defende que em uma produção audiovisual, o custo, determinante é que acarreta uma mudança estética obrigatória. Entretanto, uma frase chama atenção.

Não podemos negar que os processos eletrônicos digitais provocarão uma transformação geral, completa, irreversível, de todas as fases de elaboração de uma imagem. Chegará um dia em que tudo será digitalizado e colocado em memória, e o

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suporte da imagem desaparecerá, tanto quanto o seu valor de revelação e referência. Ignorar ou fingir ignorar as modificações no sistema de informação-comunicação com o advento os processos de digitalização do sinal eletrônico significa ter uma concepção retrógrada dos processos tecnológicos e uma visão negativa da história. (PARENTE, 1993, p. 27 apud GERBASE, 2001, p. 60).

Este artigo talvez ilustre um momento muito importante para o audiovisual, pois demonstra um momento de sua transição, onde o suporte da imagem deixaria de existir e as câmeras digitais estariam mais baratas e disponíveis às pessoas comprarem e utilizarem. Porém, o mais importante que esta digitalização do audiovisual é a migração da película para o vídeo com mais definição de imagem “[...] possibilita democratizar uma imagem bela para quem produz vídeo [...]” (ALABAO, p. 58, tradução nossa) 7. E ainda, demonstra a “ideia do vídeo como estado, modo do pensamento (das imagens em particular), forma que pensa”. (DUBOIS, 2011, p. 110). Hoje, já estamos neste processo, a imagem não se encontram mais películas ou outros suportes para armazenagem, restando cartões de memórias, plataformas de vídeo (YouTube, Vimeo e similares), celulares e etc, demonstrando que talvez não exista mais um suporte físico para imagem, conforme Dubois (p. 116) defende que…

[…] o cinema enquanto grande forma, dispositivo, imagem, narração, fascinação, movimento, (im)matéria, duração etc., em suma, o cinema enquanto imaginário da imagem se vê assim interrogado, trabalhado, repensado, “exposto” no e pelo vídeo. O vídeo é, na verdade, esta maneira de pensar a imagem e o dispositivo, tudo em um. Qualquer imagem e qualquer dispositivo. O vídeo não é um objeto, ele é um estado. Um estado da imagem. Uma forma que pensa. O vídeo pensa o que as imagens (todas e quaisquer) são, fazem ou criam. (DUBOIS, 2011, p. 116).

Esta possibilidade do vídeo pensar a imagem e também o dispositivo, aumenta a possibilidade de “cruzar e utilizar diferentes tecnologias na produção audiovisual e da informação funciona por meio de uma dissolução dos limites de cada tecnologia/disciplina”. (MONTAÑO, 2015, p. 40). Este pensamento nos remete à reprodutibilidade técnica, onde Benjamin (1986, p. 171) afirma que, “a obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma obra de arte criada para ser reproduzida.”. Isto posto, não podemos pensar que estamos vivendo uma época que simplesmente há uma combinação de materiais, mas uma tradução da imagem analógica para o digital (MONTAÑO, 2015, p. 40) que resultada na

Transfiguração e transdisciplinaridade que não aparecem apenas no “efeito” dessas imagens, produzidas pela combinação de diferentes técnicas, mas estão na base da sua produção, que utiliza procedimentos emprestados aos saberes os mais díspares,

7 “[...] la posibilida de “democratizar” una umagens “bela” lo que produce son vídeos [...]”.

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da biologia à balística, passando pela topologia, neurociência, matemática, geometria factual etc.

Aqui cabe, talvez, pensarmos um outro elemento importante para a tecnocultura, que é o computador. Para Manovich (2012), o computador se converteu em algo que ninguém havia pensado, não como meio, como insistem alguns autores, mas como um “meta-medio”. Contudo, devemos entender o que é este termo, conforme sua reflexão:

O novo meta-meio é “ativo (pode responder a pesquisas e experimentos) de tal maneira que as mensagens podem envolver o aprendiz em uma conversa de ida e volta”. Para Kay, que estava profundamente interessado em educação e crianças, essa forma era particularmente importante porque “nunca havia sido alcançada antes, exceto no caso de professores individualizados. Além disso, o novo meta- meio pode suportar “praticamente todas as necessidades de informações do usuário”. Pode servir como uma “ferramenta de programação e solução de problemas” e “memória interativa para armazenamento e manipulação de dados. Mas talvez a maneira mais importante, do ponto de vista da história da mídia, seja o meio-termo do objetivo”. Computador é simultaneamente um conjunto de mídias diferentes e um sistema para gerar novas ferramentas de mídia e novos tipos de mídia. (KAY; GOLDBERG, p. 394 apud MANOVICH, 2001, p. 102, tradução nossa). 8

Em resumo, Manovich (2012) defende que o computador pode ser usado para criar ferramentas de trabalho com diferentes meios ou criar outros que ainda não foram inventados. E por outro lado, o autor afirma que esta tecnologia pode simular qualquer outro meio, incluindo meios que não existem fisicamente, portanto se trata de um meta-meio que possui níveis de liberdade para a representação e expressão ainda não investigados e vistos. Destacamos, então, diversos modos de montagem, de colocar em coalisão elementos diversos nos diversos estágios da técnica. Nos interessa, particularmente, o estágio atual da técnica, principalmente as imagens produzidas por smartphones .

3.1 Imagens de Smartphones e Tecnocultura Contemporânea

Partimos da ideia de que cada técnica instaura sua própria cultura. Pensando no smartphone como dispositivo de conexão e de produção, edição, compartilhamento de

8 “This metamedium is unique in a number of diferent ways. One of them I have already discussed in detail - it can represent most other media while augmenting them with many new properties. Kay and Goldberg also name other properties that are equally crucial. The new metamedium is “active - it can respond to queries and experi ments - so that the messages may involve the learner in a two-way conversation.” For Kay who was strongly interested in children and learning, this property was particularly important since, as he puts it, it “has never been available before except through the medium of an individual teacher.” Further, the new metamedium can handle “virtually all of its owner’s information-related needs.” (I have already discussed the consequence of this property above.) It can also serve as “a programming and problem solving tool” and “an interactive memory for the storage and manipulation of data.” But the property that is the most important from the point of view of media history is that the computer metamedium is simul- taneously a set of dierent media and a system for generating new media tools and new types of media.”

46 imagens, não só se inaugura uma outra dinâmica para as imagens, como também elas operam de outras formas, dando outros sentidos às imagens e a tudo aquilo que por elas é imaginado. Entre as questões mais imaginadas (transformadas em imagens) por este dispositivo está a mobilidade que tensiona os limites dentro/fora, casa/rua. A rua passa a ser um espaço particularmente imaginado, seja pelas selfies em lugares públicos, fotos e transmissões de grupos em paisagens diversas ou nas manifestações de rua. As imagens migram de uma câmera profissional que geralmente se enquadra de maneira equilibrada e externa aos ambientes que enquadra. O celular parece enunciar outro lugar de ver o mundo e outros sujeitos produtores de imagens. Particularmente, as imagens originadas de manifestações políticas, possuem impactos no campo estético pois “[…] são imagens que carregam a marca de quem afeta e é afetado de forma violenta, colocando corpo/câmera em cena e em ato”. (BENTES, 2013, p. 305 apud DIUZEIDE, 2017, p. 5). A importância desta citação demonstra que a câmera é parte da pele do indivíduo, conforme Diuzeide (2017), a câmera é utilizada como arma de combate e a presença do corpo na manifestação, onde o confronto se materializa na imagem e o resultado são os planos tremidos, fora de foco, pixelados, turvos e abstratos. Diuzeide (2017) utiliza o documentário Cinco câmeras quebradas 9 (2012, p. 5), para demonstrar melhor a relação corpo/câmera, onde “os planos que trazem ao espectador a consciência do lugar do corpo em luta e em risco: movimentos de fuga e de respiração, a imagem e o cinegrafista cegos ou ensurdecidos pelo ataque, os planos desnorteados pelo ambiente hostil”. Outro detalhe importante, apontado pela autora, é o próprio ato de filmar (ver Figura 1) que se posiciona na tentativa de intervir sobre o evento filmado, na forma de impedir mortes no conflito. E em outros momentos o cineasta não consegue chegar fisicamente próximo aos confrontos, então se utiliza do zoom da câmera. Porém, “a câmera, que acompanha a movimentação, não consegue evitar o abalo no momento do disparo: a imagem treme, vira para o chão, se recompõe em seguida”. (DIUEZEIDE, 2017, p. 6). A autora alerta, neste momento, para a presença do conflito entre a autoridade e o cinegrafista:

Na narração, o cineasta antecipa o fim da sequência: “a velocidade de uma bala de M16 é de 8500 metros por segundo. Uma bala leva 3 milissegundos e acerta minha câmera. Nesse espaço de tempo, antes da experiência se tornar memória. Nesse espaço de tempo, antes da experiência se tornar memória, tudo o que sei desaparece” (BURNAT; DAVIDI, 2011). Em seguida, o plano de três soldados sobre o muro

9 Diretor do filme Cinco câmeras quebradas , em que o diretor palestino registra a resistência de seu vilarejo contra a construção de assentamentos israelenses.

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retorno, e a ação se completa: logo depois do disparo, os ruídos de defeitos da câmera, os pixels que tomam conta do quadro, a instabilidade, a turbulência e o corte para o plano preto. (DIUZEIDE, 2010, p. 7).

Leandro (2010), resgata a experiência do Grupo Medvekine 10 em que tomaram uma certa tomada de poder pela imagem, onde “o cinema pode ser uma arma para operariado. Já está provado que ele é uma arma eficaz para a burguesia”. (LEANDRO, 2010, p. 105). A autora defende, ainda, que existem duas frentes de combate no campo estético promovidas pelos cineastas operários, sendo a inovação dos métodos de entrevista, utilizando expressões dos trabalhadores; de outro lado o intenso trabalho na montagem e criação de uma reserva de imagens de banco de imagens de arquivo que, posteriormente, irão migrar para outros filmes do grupo. Desta forma, esta retomada das cenas do massacre, reconhece e afirma o ato representado, autorizando o retorno do acontecimento já ocorrido, com sua presença sendo exibida no presente, segundo Leandro (2010). A montagem possui o papel de uma organização da narrativa histórica que também constrói uma memória coletiva. Poderíamos dizer com a autora, que o ato de montagem é ato de memória, já que: “A migração das imagens é um ato de memória da montagem, que atribui a essa filmografia o valor de um monumento histórico. Não só as imagens se repetem nos filmes de um mesmo grupo […]”. Consequentemente, a autora traz um exemplo empírico para entendermos.

As imagens do massacre de 68 aparecem em Week-end quase no final do filme, sem nenhum comentário. O arquivo ressurge como uma citação do passado, o vestígio material que permite rememorá-lo. O espectador já conhece a história, e o que dele se espera é apenas um trabalho de associação da imagem do passado às falas do presente, que não fazem mais uma alusão direta ao acontecimento. (LEANDRO, 2010, p. 111).

Aqui, vale pensarmos outros conflitos ligados a registros de manifestações como a câmera ressignificada como uma arma, ou, inclusive como alvo das tradicionais armas – não necessariamente vamos encontrar uma arma atirando em uma câmera, mas uma autoridade apreendendo ou destruindo o equipamento (hardware e software). Um outro conflito, que encontramos nestas imagens, é o de arquivo versus imagem ao vivo presente; estabilidade da

10 No final dos anos 1960, apoiados por Chris Marker, jovens cineastas e operários se associam para formar os Grupos Medvedkine de Sochaux e Besançon, na França, buscando retratar a vida dos operários franceses no contexto dos movimentos de 68. 50 anos depois, muitas homenagens ao período privilegiam a ação estudantil e ocultam a destacada participação operária nos levantes. Os documentários dos Grupos Medvedkine nos aproximam destes importantes protagonistas.

48 câmera versus instabilidade da câmera; câmera subjetiva versus figura em frente à câmera e, por enquanto, plano sequências versus edição de olhar. O próprio corpo dos manifestantes está presente nas imagens em forma de conflito:

A sobrevivência das imagens e sua captação está diretamente colada à sobrevivência de um corpo, de um anima-cinético, que filme enquanto combate e foge, enfrenta inimigos (polícia e suas armas, bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta, choque elétrico, bombas de som, armas de dissuasão, cassetetes, etc.) e também condições adversas, barulho, tumulto, corre-corre, a euforia e o pânico da multidão. (BENTES, 2013, p. 305).

Para Bentes (2013), podemos falar também que as imagens de protestos são construções de mundos próprios através e com a câmera, em que a experiência do cinema e da produção audiovisual se dá por um “ponto de vista interno”. E, por este ponto, a narrativa/emissão está baseada em uma estética em fluxo que acolhe os cansaços, respirações, borrões e qualquer outro fenômeno da experiência de estar no acontecimento. A partir desta visão, e inserindo um outro diretor, o russo Dziga Vertov que, conforme Leites e Silva (2017) defendem, “Vertov procurava o centro dos acontecimentos com a sua câmera, mas tinha que lidar com um equipamento pesado e uma equipe mínima de captação”, ou seja, Vertov buscava inserir sua câmera no fluxo dos acontecimentos, “como nos trens e nos carros em movimento”. (LEITES; SILVA, 2017). Fazendo um paralelo com os dias atuais, Bentes (2013), defende que durante as transmissões ao vivo pela internet, observamos surgir uma função de vigiar o acontecimento e que o seu objetivo é o de ter uma câmera combate, uma ferramente/arma capaz de “ferir” o inimigo para vigiá-lo. Assim como as imagens de registro, “fichamento” visual e as realizadas por policiais. Para Leites e Silva (2017), “[…] qualquer pessoa de dentro do protesto torna-se um produtor potencial de imagens”. E este ser, está sujeito a responder a qualquer movimento sutil ou bruto, pois segura a câmera com a palma da sua mão. Ou, simplesmente, conforme Bentes (2013), muitos vídeos ativistas ou policias acoplam suas câmeras Go Pro em capacetes, com o objetivo de fazer uma varredura do espaço, territórios e pessoas no seu entorno , porém, nos deparamos com uma câmera “sem olhar” ou “na palma da mão, no alto da cabeça, ou dependuradas em dispositivos (varas) se inventam pontos de existência, mais que pontos de vista, lugares para se estar, para se percorrer e tomar posse do território”. (BENTES, 2013, p. 2016). Ivana Bentes (2013, p. 306) sugere um termo para essa prática de vigilância:

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Essa prática, de vigiar a polícia com câmeras e fotos, conhecida como copwatch , é uma estratégia midiativista de usar transmissões online para expor e monitorar a polícia. Essa diferença do midiativismo para o jornalismo de relato que dá a notícia e vai embora, alheio às suas consequências. Além de “sofrer” todas as violências, a câmera de combate usa o poder/potência de exposição online contra as autoridades policiais, com o monitoramento dos muitos e a multidão em tempo real.

Figura 1 - Animal cinemático

Fonte: produzido pelo autor.

Segundo Leites e Silva (2017), “as imagens feitas em fluxo de protestos borram a fronteira entre o fato e a cobertura do fato […]”. Ou seja, o valor da imagem é estar junto com o fluxo do acontecimento, onde, muitas vezes, não se sente uma presença do olhar que organiza a imagem, portanto, o olhar não impera sobre a imagem que resulta em um material bruto. Porém, devemos observar que, mesmo sem ter um olhar para organizar o enquadramento, existe uma “intencionalidade, o ligar da câmera, o virar-se para um lado, para o outro”. (LEITES; SILVA, 2017). Entretanto, podemos perceber nestes eventos, diversas pessoas segurando seus dispositivos na altura dos olhos e movendo seus corpos para obter uma melhor visão do acontecimento. Xavier (1983, p. 248, grifo do autor), lembrando o modo de pensar o audiovisual de Vertov, destaca as “inversões temporais, aceleração, congelamento e ralenti da imagem, sobreposições, animações, justaposições infinitesimais – de até um único fotograma – choque de angulações, intensas variações rítmicas […]”, pois o diretor utiliza a montagem para reconstruir o mundo visual. Dziga Vertov não pensou no avanço tecnológico, muito menos nos celulares e na sua capacidade de armazenamento e transmissão ao vivo, o que possibilitou registrar uma

50 manifestação através de grandes planos-sequênciais que o olho/máquina está presenciando. Nas palavras de Manovich (2001, p. 236, tradução nossa) 11 :

Os filmes de Vertov são estruturados ao redor da atividade da câmera durante a exploração dos lugares da cidade, e não somente porque há um fetiche sobre a mobilidade da câmera. Para Vertov que desejava superar os limites da visão e o movimento humano, através dos lugares para se aproximar mais eficientemente do objeto para criar os seus dados.

Se o cineasta russo fazia uma experimentação do ver como um explorar outros espaços e velocidades, o smartphone traz incrustado, nas suas funcionalidades (hardware e software), estas características. Por mais que exista um corpo que filma, a identidade do realizador tende a perder importância, na qual, estas imagens possuem uma singularidade que é a presença no fluxo do protesto, ou seja, estar no acontecimento e o filmar já possui uma autoria, pois ele olha/assina a imagem, conforme sugerem Leites e Silva (2017). As relações entre olhar num corpo em fluxo e com um dispositivo colado a este corpo, gera um tipo de imagem que podemos constatar tanto em imagens produzidas por participantes de um show, como de uma festa ou de uma manifestação de rua. Outra forma de montagem de/em conflito que poderíamos buscar é duas colisões entre o que a autora Anita Leandro descreve, a partir de uma descrição histórica, o que pretendemos apresentar como conflito.

No calor da confrontação, os estudantes realizam Sans images (Sem imagens), filme anônimo, de 30 minutos, feito entre 2006 e 2007, cujo título evoca um duplo problema contemporâneo: as representações midiáticas oficiais são excludentes, produzindo cidadãos sem imagens ; e produção autônoma desses mesmos cidadãos, quando ela torna-se possível, precisa às vezes, paradoxalmente, ser feita sem imagens , ou seja, sem ostentação, com economia de meios, sem afirmação de autoria, a fim de resguardar para si uma margem estratégica de clandestinidade. (LEANDRO, 2014, p. 126).

Segundo Leandro (2014), os Sans images não utilizam imagens de arquivo pois eles são o arquivo, porque se trata da construção de filmes no presente que oferecem elementos muito grandes para o alcance de político e pedagógico, de tomada de posição das imagens no acontecimento histórico. Outro elemento bastante importante são as vozes e os ruídos, pois, muitos destes registros, estão fixados em uma narrativa/conversa infinita – até a bateria do aparelho celular

11 “Vertov’s film is structured around the camera’s active exploration of city spaces, and not only because it fetishizes the camera’s mobility. Vertov wanted to overcome the limits of human vision and human movement through space to arrive at more efficient ways of data access. However, the data he worked with is raw visible reality.”

51 acabar – com alguém que não sabemos quem seja, porque não sabemos seu nome e também o formato do seu rosto. Sobre esta constatação, Bentes (2013, p. 307) defende que:

Em emissões como as do Peixe Ninja, de São Paulo, ouvimos uma voz sem rosto, absolutamente perdida nas ruas da cidade, com dificuldades de localização. Voz urgente, angustiada, de tateamento no escuro, cuja percepção do território e construção da sua posição se dá muitas vezes em interação com a audiência e pela própria projeção de outras vozes que chegam ou passam no espaço-ambiente. Vozes que conversam no extracampo e que nunca sabemos de quem são, vozes-máscaras, que liberam as suas falas das suas identidades, São falas e conversas livres do Peixe Ninja com transeuntes, passantes, desconhecidos, em meio a outros momentos sonoros: acessos de tosse, relatos, trocas de impressões em estado bruto, declaração de medo, confusão, ansiedade.

Ainda, para Bentes (2013), muitas vezes há uma interação entre os espectadores e o sem imagem com perguntas dentro da cena – com quem está no acontecimento com ele – e os demais que o acompanham pela transmissão online, funcionando “como um GPS humano, rede-rua, e mais do que isso, parte de uma experiência de subjetivação coletiva singular, uma audiência que interage, comenta, informa, analisa, dialoga com o cinegrafista/performer nas ruas [...]”. Além disto, as transmissões que funcionam como um “material bruto” são editadas, montadas coletivamente e a ao vivo, sendo compostas por dois tipos de imagens:

As imagens parciais, numa correria pelas ruas, mostram muitas vezes apenas o escuro e os traços de luzes. Imagens quase abstratas, estéticas que resta não como esteticismo, mas como traço e rastro de uma câmera em combate e embate, à espreita, em estado de urgência ou apenas relaxada, à espera de um acontecimento. (BENTES, 2013, p. 309).

A prática destas imagens vai nos acostumando com uma estética e com um sentido. Determinadas luzes e imagens borradas cercadas de sentido e movimentos bruscos de câmera significam perigo, fuga, situação de emergência e, de alguma forma, cativeiro dentro desta situação, já que as imagens estão no âmago do tsunami. Contudo, o smartphone parece, na colisão de elementos, ser preservado ainda como instrumento de poder, de auto-defesa, de testemunha. É neste estado de urgência que Anita Leandro (2014) defende que, através da invisibilidade, o anonimato, ponto de vista interno e único, a frontalidade do quadro e o tremor da imagem, encontramos uma estética proveniente do imediatismo das situações filmadas que também atendem às exigências políticas dos acontecimentos. Portanto, o tremor não só remete a uma técnica, um hardware e software, mas a uma urgência que se deve a confrontação direta e arriscada com o poder. A estética dos Sans images , produz um deslocamento do papel de espectador para realizador.

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O dispositivo-multidão cria orientação e desorientação espacial, contribui para a decifração de situações de risco e entendimentos políticos, a identificação de policiais infiltrados, indicações de lugares, partilha de vivências do território. Informações que vêm de um extracampo radical que é essa audiência em situações muito próprias: em casa, no escritório, nas ruas, com acesso a outros dispositivos de informação e acesso às imagens. (BENTES, 2013, p. 309).

Para Bentes (2013), o que exige do olhar do espectador/audiência o qual monta, edita, completa a baixa resolução das imagens e se dispõe a intervir no território. E incorpora-se a outros manifestantes e das transmissões ao vivo e que esteja junto ao fluxo da multidão virtualizada nas redes. Portanto, “o percurso e a deriva da câmera/dispositivo se tornam a cena que mobiliza o pensamento político, indissociável desta forma que pensa e sente”, como Ivana Bentes (2013) define. Todo este fluxo, materializa as imagens e “se imprime em rastros, testemunhos, operações poéticas, fluxo informe, pixelado, ruídos, rastros de luzes, telas pretas, que se confundem e são operações de ordem subjetiva”. (BENTES, 2013, p. 311). Toda esta estética da urgência demonstra o que a autora define de “Animal Paranóide”, conforme ela diz: “expressam o posicionamento do corpo que precisa parar para respirar, correr ou parar momentaneamente desnorteado, cego, surdo pelos ataques recebidos ou pelo ambiente hostil que tem que percorrer. Animal paranoide que combate e foge”. (BENTES, 2013, p. 311). Para Leites e Silva (2017, p. 8), existe uma outra característica na estética das imagens em fluxo e de urgência que é a sua dinâmica de apropriação, montagem e narrativização. Portanto, “há um território de disputa na apropriação dessas imagens em sua montagem e, principalmente, na construção de narrativas midiáticas”. A utilização de imagens da mídia hegemônica e a anti-hegemônica e o embate entre elas, são temas recorrentes dos filmes, onde imagens de fluxo e da mídia tradicional estão lado a lado. Conforme Fagioli (2017, p. 30) “reutilizar um arquivo passado é encontrar as condições necessárias para reinscrevê-lo no curso da história, de modo a alterar o modo como ela é lida e de modo que essa leitura se ligue a uma possibilidade de redenção”. O documentário aqui abordado, de alguma forma, reinscreve imagens na descontextualização produzida ao ponto que as imagens não são mais do Fantástico , da Rede Globo ou de x canal do YouTube ou de tal coletivo, elas são reinscritas em outros confrontos: um confronto entre imagens que dá sentidos a estas imagens, as memórias e os sentidos que elas carregam a partir de conflitos e montagens.

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4 SOFTWARE E AUDIOVISUALIZAÇÃO DO COTIDIANO

Com a multiplicação de dispositivos de produção de imagens e suas características, já abordadas nos capítulos anteriores, a audiovisualização do cotidiano vem tomando diversas formas sejam elas com fotografia, áudio ou audiovisual. Filmes caseiros geralmente são percebidos como um gênero menor do cinema, pois pertencem a amadores em ambientes domésticos, com equipamentos audiovisuais de baixa qualidade, retratando temas como família, amigos, as viagens de férias e coisas deste tipo que, muitas vezes, podem ser consideradas inferiores. Contudo, para esclarecermos o que seria o cinema do cotidiano, primeiro precisamos descrever a respeito do cotidiano, Michel de Certeau (1990, p. 60) começa seu estudo através da “[…] modernidade, no século XVI, o homem ordinário aparece com as insígnias de uma desventura geral que ele transmuda em derrisão”. Desta forma, o autor explicita que , este indivíduo que coloca a sorte comum do dia a dia, pode ser chamado de “Cada um” – nome que trai à ausência de nome – é um anti-herói ou um ninguém que não possui responsabilidades, mas o destino possui, onde o lugar-comum destes “Cadas uns” é a morte que apaga todas as diferenças. E o seu próprio estatuto, sendo apenas um simulacro, onde se representa um mundo de prestígios em que todos estão condenados à morte, consequentemente, nas palavras do autor:

O “não importa quem” ou “todo o mundo” é um lugar-comum, um topos filosófico. Esta personagem geral (todo o mundo e ninguém) tem como papel dizer uma relação universal das ilusórias e loucas produções escritas com a morte, lei do outro. Ele joga em cena a própria definição da literatura como um mundo e do mundo como literatura. Além de não ser mais representado ai, o homem ordinário dá como representação o próprio texto, no e pelo texto, e ele reconhece ainda por cima o caráter universal do lugar particular onde permanece o louco discurso de uma sabedoria sábia. (CERTEAU, 1990, p. 60).

Michel de Cearteu (1990, p. 61), traz o pensamento de Sigmund Fred que estabelece um contrato entre “o homem ordinário” e conjuga a sua fala com a multidão cujo destino comum consiste em enganada, frustrada, forçada ao trabalho cansativo, submetida a lei e ao tormento da morte. Assim, “o homem ordinário representa em primeiro lugar a tentação moralista de Freud, o retorno de generalidades éticas ao campo profissional, um acréscimo ou decréscimo em relação aos procedimentos psicanalíticos”, segundo Cearteau (1990). Ainda o autor sugere que a

Figura de um universal abstrato, o homem ordinário desempenha aqui ainda o papel de um deus que se pode reconhecer por seus efeitos, mesmo acanalhado e confundido com o comum supersticioso: fornece ao discurso o meio de generalizar

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um saber particular e garantia por toda a história a sua validade. (CEARTEAU, 1990, p. 62).

Por outro ponto de vista, Cearteau (1990, p. 62), salienta que:

[…] nas visões otimistas de Michelet sobre o Povo, o homem ordinário presta ao discurso o serviço de aí aparecer como princípio de totalização e e como princípio de reconhecimento: permite-lhe dizer “é verdade a respeito de todos” e “é a realidade da história”.

Após apresentação do homem ordinário, podemos seguir o pensamento de Michel de Cearteu (1990) que sugere como as práticas cotidianas, tais como falar, ler, circular, fazer compras ou preparar as refeições e etc, são do tipo de tática. ou de modo mais geral, são “maneiras de fazer”. E, por consequência, as vitórias sobre o mais fracos ou fortes, tais como os poderosos, a doença, a violência das coisas e receber uma ordem são pequenos sucessos, bem como a arte de dar golpes, caçar, habilidades de mão de obra, simulações polimorfas, sendo encontrados, provocam tanto euforia poética quanto bélica. Portanto, todo este potencial enunciativo e criativo do indivíduo, em relação a outro, que durante esta interação, remete ao que Cearteau (1990) descreve de antidisciplina e se encontra a ideia de vigilância, de limites e combinações restritas e previsíveis. A instituição do real, que é descrita por Michel de Cearteu (1990), se observa por todos os lados através de notícias, informações, estatísticas e sondagens a respeito de relatos do que está acontecendo no cotidiano das pessoas, sendo que estas revelações e regras são nomeadas pelo autor de atualidade. E, desde manhã até a noite, o cotidiano é povoado de histórias que articulam nossas existências ensinando o que elas devem ser, logo, existem profissões que se apresentam como mensageiros de um “real”, como jornalistas, mídias ativistas, publicitários e etc. E o resultando para o autor, é que

Esses relatos têm o duplo e estranho poder de mudar o ver num crer, e de fabricar real com aparências. Dupla inversão. De um lado, a modernidade, outrora nascida de uma vontade observadora que lutava contra a credulidade e se fundava num contrato entre a vista e o real, transforma agora essa relação e deixa ver precisamente o que e deve crer. A ficção define o campo, o estatuto e os objetos da visão. Assim funcionam os mass media, a publicidade ou a representação política. Sem dúvida, também ontem havia ficção, mas em lugares circunscritos, estéticos e teatrais: ali a ficção se indicava a si mesmo (por exemplo graças à perspectiva, arte da ilusão); ela fornecia, com as regras de seu jogo e as condições de sua produção, a sua própria metalinguagem. (CEARTEAU, 1990, p. 288).

Para finalizarmos, Cearteau (1990) defende que a ficção pretende presentificar o real, isto é, se estabelece uma forma de fatos em que se deve assumir uma semelhança que produz.

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E os receptores destes conteúdos não estão mais obrigados a crer em algo que não veem, mas acreditam no que possam ver. Neste novo ambiente, as “[…] investigações óticas e de uma pulsão escópica, subsiste ainda a estranha coalizão entre crer e a questão do real. Mas agora ela se joga no elemento visto, do observado ou do mostrado”. (CEARTEAU, 1990, p. 289). Um elemento importante no cotidiano se destaca a noção de acontecimento, em especial para eventos políticos. O autor François Dosse (2010, p. 10) traz algumas visões a respeito desse assunto:

Para Borges, o acontecimento é o instante irrompido, indizível que remete à multiplicidade, ao irrompido plural da individualização. No seu livro O Aleph , que é um conjunto infinito, uma esfera que contém um espetáculo vertiginoso, borges apresenta o escritor como impotente diante dos limites da linguagem para informar o que ele percebe: “O que meus olhos viram foi simultâneo: o que eu transcreverei, sucessivo, porque a linguagem é assim. O enunciado é incapaz de traduzir o visível. Em outro aspecto, o filósofo, toda a obra de Michel Foucault se dedicará a averiguar esse enigma, essa defasagem. Borges extrai daí uma crítica radical das noções tradicionais praticadas pelos historiadores que interpretam o passado como uma simples sucessão ou sob forma de simultaneidade.

Outra importante contribuição a respeito sobre o que é “o acontecimento nos atinge abalando o fundo do mundo onde se encontra nossa sustentação e o horizonte do mundo sob o qual temos um significado”. (DOSSE, 2010, p. 87). Ainda, para este estudioso, o seu significado é trivial e, também, irredutível, logo, o acontecimento possui sua própria marca além de todas as formas de determinismo. Ou seja, o evento é aquilo que remete a um verdadeiro encontro com a alteridade, pela primeira vez e com aproximação plena e inteira. Portanto, “o vivido ou melhor, o viver do acontecimento tem como única modalidade histórica a subitaneidade explosiva da primeira vez” . (HUSSERL, 1905, p. 81 apud DOSSE, 2010, p. 87). Ampliando estes conceitos, Françoius Dosse (2010, p. 87), cita Bergson na qual descreve: “Bergson antecipa uma concepção do tempo altamente inovadora porque ela é baseada na concepção contemporâneo do presente que ele foi. Em decorrência disto, o passado nunca desaparece realmente e persiste no presente do qual ele é inseparável”. Aqui cabe pensarmos os conceitos propostos descritos neste capítulo. O que pretendemos é pensar este homem/mulher ordinário no seu cotidiano e o momento em que se depara com um evento, seja família, entre amigos ou até mesmo político. Ele se utiliza da tecnologia para registrar o cotidiano, bem como “[…] os primeiros passos do bebê, a festa de aniversário, a viagem de férias, o retorno do(a) namorado(a), a cerimônia de casamento e assim por diante”. (MACHADO, A., 2017, p. 6). Desta forma, a fotografia doméstica tornou-

56 se possível a partir do momento em que a câmera fotográfica tornou-se mais acessível e se generalizou para todos os lares, como consequência se configura o ato de fotografar como promover o objeto diante da máquina, conforme o repertório de situações e eventos fotografáveis para cada grupo social, de acordo com o que apresenta Arlindo Machado (2017). Ainda, muitas vezes, nestes filmes caseiros possuem uma dramaturgia do cotidiano, como por exemplo: será que o bebê falará de novo o nome do pai e da mãe? Qual será a reação do cachorro ao ver o seu dono? Portanto, Arlindo Machado (2017, p. 4) comenta que “[…] a dramaturgia é um campo de acontecimentos narrativos que, embora amplo e fértil de criatividade, se circunscreve dentro de um fechado, onde certas ações são aceitas como legítimas e outras não”. Porque, afinal, o autor , comenta que toda dramaturgia significa um desenvolvimento de uma intriga, porque não haveriam conflitos capazes de iniciar uma ação narrativa, porque, se resgatarmos na memória os primeiros filmes do cinema mundial, observaremos nos curtas-metragens dos irmãos Lumière, a chegada do trem, os trabalhadores saindo da fábrica e, por último, um menino fecha a com o pé, enquanto um homem mais velho olha para dentro dela e, neste momento, o garoto, solta a vazão de água. Sendo assim, observaremos, na Figura 2 que os primeiros filmes foram pequenos momentos do cotidiano.

Figura 2 - Os primeiros amadores

Fonte: produzido pelo autor.

Desde os anos 1980, os historiadores Philipe Ariès e Georges Duby, demonstram em seu livro História da Vida Privada , que a história acontece não apenas nas rupturas violentas de padrões, mas também no cotidiano onde constitui grande parte da humanidade, segundo afirma Arlindo Machado (2017). E, consequentemente, estamos falando do filme caseiro (home movie ) que não se fotografa ou filma a agonia, o amor e outros sentimentos, mas se observa a vida em seu movimento ininterrupto e, aparentemente, inofensivo, sendo uma modalidade pouca estudada pela academia. Porém, há exceções como:

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Flávio de Carvalho, ao lado do leito da mãe, mostrando o sofrimento desta última em seu momento final. Mas o mais comum é que o vídeo/filme doméstico se concentre no instantâneo plácido: os primeiros passos do bebê, a festa de aniversário, a viagem de férias, o retrato do(a) namorado(a), a cerimônia de casamento e assim por diante. Houve um momento em que surgiu a fotografia doméstica, a fotografia feita amadoristicamente, focalizando a família, o entorno, os parentes, os amigos, e isso só se tornou possível a partir da etapa em que a câmera fotográfica se tornou acessível e se generalizou para todos os lares. Ora, examinar a maneira como cada comunidade fotografa e se deixa fotografar constitui, sem dúvida, um ótimo exercício de antropologia do cotidiano. Se o ato de fotografar é concebido como promoção do objeto fotografado, o repertório de situações e eventos fotografáveis constitui um inventário precioso dos valores de cada grupo. (MACHADO, A., 2017, p. 6).

Esta visão de Arlindo Machado (2017), se baseia em Bordieu, que define que a fotografia popular é um culto doméstico, onde ela se inscreve no ritual e tem a função de sancionar a união familiar através da imagem; contudo, deve-se fazer uma ressalva que ali presentes não são indivíduos, mas papéis sociais que cada um desempenha, sendo pai, mãe e etc. Este comportamento foi também adaptado para o filme popular (9,5 mm, 8 mm, super 8 mm e 16 mm) sob o mesmo pretexto, a celebração da vida doméstica ou do lazer do cotidiano. (MACHADO, A., 2017). E segundo este mesmo pesquisador, este tipo de registro costuma-se enquadrar como amador, uma categoria que abrange o experimental, o pornográfico, o militante ou os caseiros, sendo estes audiovisuais que possuem uma circulação fora do circuito oficial. Por outro lado, Arlindo Machado (2017) comenta que quanto à conservação, estes filmes estão condenados apenas às famílias. E nenhuma cinemateca, museu, ou centro cultural se interessam por eles, salvo algumas exceções, mas, mesmo assim, não catalogam ou disponibilizam a pesquisadores. Outro detalhe importante, é a dificuldade de categorização do que é o filme amador, porque da mesma forma que o cinema experimental, o pornográfico e o militante, os filmes caseiros possuem uma distribuição fora do circuito oficial, ou seja, salas de cinema. Além de que o nome “amador”, possui uma conotação pejorativa conforme o autor sugere:

O nome (amador) já é em si pejorativo, denotando algo mal feito, sem ideia e sem interesse a não ser para quem fez o filme. Mas qual seria a diferença de fundo entre o cinema “amador” (desprezível) e o “profissional” (o que tem valor)? Não seria muito absurdo que alguém pudesse formular uma definição melhor que essa: o cinema amador, como o próprio nome diz, é o cinema feito por amor, por alguém que ama o que faz, enquanto o profissional é feito para ganhar dinheiro. (MACHADO, A., 2017, p. 9).

O estudioso recorda que, no início do cinema, os seus inventores eram profissionais na técnica fotográfica e amadores em cinema, deste jeito, registravam a própria família, os seus

58 empregados e o seu entorno, e com uma tecnologia que não dominavam a sua linguagem e a sua estética. Para nós espectadores, talvez seja costume um filme mal feito de amador, sendo este feito por amor, pois quem o produz acredita no que está fazendo e, por outro lado, o “amadorístico” ganha algum dinheiro. Entretanto, se compararmos o filme caseiro, experimental, pornô ou militante, percebe-se que eles possuem seus esquemas de produção e distribuição para os seus produtos, enquanto o filme/cinema caseiro tem seu alcance mais preciso, conforme Arlindo Machado (2017, p. 9) sugere referindo Odin (1995, p. 27): “Por filme de família eu entendo (ou um vídeo) realizado por membro de uma família a propósito de personagens, de acontecimentos ou de objetos ligados de uma maneira ou outra à história dessa família e ao uso privilegiado dos membros dessa família”. E, conforme Arlindo Machado (2017, p. 10) elenca algumas características, como a “fotografia em movimento parado” em que as pessoas posam para a câmera em uma posição da forma que dissesse “Eu estive lá” para o realizador ou para quem irá ver aquela imagem; mas, conforme o tempo houve mudanças na posição das pessoas. O segundo traço é o “olhar dirigido à câmera” que corresponde ao indivíduo olhar direto para a câmera, onde esta posição é duplicada, uma vez que aqueles que posam diante da máquina, dirigem o olhar para outro ou o motivo fotografado e, portanto, não há ilusão de realidade como no filme de ficção, mas uma denúncia a si mesmo como uma representação; o terceiro atributo intitulado de “imprecisão da percepção”, o qual consiste em uma dificuldade de perceber as imagens como foram registradas, pois apresentam problemas de fora de foco, apagadas, rastreadas (quando se faz uma panorâmica muito rápida), sem falar de imagens negras, que são o resultado de não tirar a tampa da objetiva e o exagero no uso de zoons. A partir destas descrições, citadas por Arlindo Machado (2017), o autor Fernando Weller (2014) relembra que, a partir de 1960, o domínio cinematográfico presenciou grandes transformações devido ao surgimento de novos cinemas que buscavam romper as limitações econômicas, políticas e autorais do cinema hollywoodiano. Além disto, os limites entre os universos amador e profissional, por consequência a imagem pública e privada, se tornaram mais tênues com a profissionalização dos equipamentos portáteis, sobretudo, após o surgimento da TV, nos anos 1950, em que pode-se observar uma mudança estética no documentário moderno. Em resumo, para o autor:

A evolução das tecnologias cinematográficas leves de captação de imagem e som fez do discurso amador (ou apaixonado, no sentido posto por Rouch) o motor das

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mudanças dos anos 1960 e, paradoxalmente, trouxe aos cineastas a promessa de um retorno às origens idealizadas do gênero […]. (WELLER, 2014, p. 02)

Nesta mesma época, a Kodak começou a produzir a película de 16 mm e seu uso foi limitado ao universo amador, experimental, filme científico ou etnográfico, conforme apresenta Fernando Weller (2014). Weller (21014) refere Winston (1996, p. 66) ao salientar que este formato possuía um papel marginal no cinema durante a década de 1930, porque o 16 mm viveu de limbo, principalmente devido à falta de mercado consumidor na época. Diferentemente do que ocorreu nos anos sessenta, por causa das câmeras portáteis e, também, da forte rejeição dos documentaristas, por causa de um possível estigma amadorístico que o 16 mm carregava. Outro fator importante é a portabilidade, pois as câmeras de 16 mm eram de três a quatro vezes mais pesadas que as câmeras fotográficas e o seu manuseio exigia um nível técnico mais complexo, conforme Fernando Weller (2014). Ele descreve que a “Kodak e cujo slogan, emblemático, era você aperta o botão e nós fazemos o resto ”. (WELLER, 2014, p. 4, grifos do autor). Para Weller (2014, p. 4), esta oposição entre o amadorismo e o profissionalismo reflete um embate mais amplo entre o público e o privado, no qual, precisamos compreender o documentário como um lugar de púlpito, em que ele está situado como um “[…] movimento britânico ao lado do Estado e tornou o gênero um auxiliar do governo tanto nas reformas para a implementação de uma política de bem estar social [...]”.Em compensação, “a abordagem da vida doméstica, familiar ou individual atendia, quase sempre, a esse apelo público ou à noção de um interesse geral […]”, conforme descreve Weller (2014, p. 4). Outro detalhe para o aumento da compra de equipamentos de 16 mm ou câmeras portáteis foram:

[…] mudanças como a diminuição da jornada de trabalho, a generalização das férias, o crescente automatismo do trabalho e da vida cotidiana norte-americana como fatores que favorecem a expansão do mercado amador e fornecem as condições sociais para uma estética amadora no âmbito cultural norte-americano, sobretudo no cinema. (WELLER, 2014, p. 6).

Assim, muitas empresas adaptaram o 16 mm para um equipamento semiprofissional com o objetivo de suprir a demanda de filmes educacionais e industriais na década de 1960, enquanto o 8 mm foi criado para o uso exclusivo amador, segundo Weller (2014). E, consequentemente, estes “novos equipamentos aproximaram o documentário de um regime de intimidade próprio do regime amador, investido de um ideal de transparência da imagem e, ao

60 mesmo tempo, marcado pela posição participante daquele que opera a câmera”. (WELLER, 2014, p. 6). A relação entre a estética dos filmes amadores e de conflitos armados se dá:

A estética dos filmes de guerra e a estética dos filmes amadores são como memórias agregadas à tecnologia do 16 mm. Na prática, isso significa dizer que as formas de uso das câmeras (dispensa do tripé, a agilidade de enquadramento, a claridade das lentes), os modos de exibição (os projetores portáteis que dispensam salas profissionais de exibição, o afastamento da imagem perfeita nos moldes hollywoodianos) que atendiam às demandas da guerra e dos universos amador continuam a sugerir formas de uso no momento em que esse equipamento é posto a serviços de novos projetos cinematográficos. (WELLER, 2014, p. 7).

Para Fernando Weller (2014), o chamado Cinema Direto surgido no final da década dos anos 1950, pode ser caracterizado como um documentário com um ideal objetivista de captar a imagem do cotidiano, com uma obsessão da vida privada e, também, pela face íntima do personagem ou evento filmado. Com relação a tudo isto a pesquisadora Ana Cecília Costa Santos (2012, p. 20), sugere que o “documentário em primeira pessoa: por deslocar o foco narrativo do mundo exterior para o mundo íntimo do sujeito, a representação do real é contaminada pelas impressões do artista”. Portanto, a subjetividade revela-se como condutora da câmera ou conforme ela apresenta:

A Câmera subjetiva é um dos dispositivos usados no documentário em primeira pessoa para resolver semioticamente o discurso do “eu”: a câmera funciona como os olhos da personagem (Der keuken, em Férias Prolongadas ). Outro procedimento comum é o uso da locação (voz over ) na primeira pessoa (Derek Jarman, em Blue ). O ‘eu” também pode revelar-se mediante o texto inscrito sobre a imagem, muitas vezes usando a caligrafia do artista, para salientar o caráter indicial do relato pessoal. (SANTOS, 2012, p. 26).

Esta reflexão pode ser observada na prática, através da narrativa de Patrícia Furtado Mendes Machado (2017), em que um grupo de jovens em fuga por túnel, no centro da cidade do Rio de Janeiro, participavam das manifestações de junho de 2013, conduz uma câmera que filma e narra o que está acontecendo. Em determinado momento uma pessoa aparece na imagem e grita “a Pm tá (sic) vindo correndo”, e aquele que registra tudo começa a correr e gritar e o clima de tensão aumenta. E, de acordo com as palavras da autora acontece um fenômeno:

Nesse instante de urgência, quando a polícia, de fato, se aproxima, os traços dos corpos e das fisionomias captados pela câmera transformam-se em borrões, desenhos abstratos que, apesar da opacidade, funcionam como marcas testemunhais deixadas no registro do momento em que o corpo e equipamento se movimentam juntos de maneira vertiginosa. Apesar da necessidade de mais agilidade para a fuga e

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da dúvida sobre o que está captado, a câmera não é desligada pelo jovem, que afirma categoricamente: “cara, eu tenho que filmar isso”. (MACHADO, P., 2017, p. 54).

Aqui podemos observar uma outra função deste cinema amador que, “em uma situação de perigo, é preciso investir na produção do registro audiovisual que possa servir como prova irrefutável do que está acontecendo”. (MACHADO, P., 2017, p. 54). Contudo, isto não é algo novo, para a autora, a fotografia desde o século dezenove, registrava cenas de crimes e demonstrava o poder de atestação das imagens, passando a fazer parte de uma percepção comum, a qual “o poder de verdade da imagem é um instrumento de convicção essencial a serviço da Justiça”. (DUFOUR, 2015, p. 5 apud MACHADO, P., 2017, p. 55). Para o cinema do cotidiano, ou melhor, para as pessoas que registram acontecimentos, a imagem pode auxiliar em um processo judicial, desta forma, Maria Ines Diuzeide (2017), relata o caso do cinegrafista amador chamado Emad Burnat, que começa a filmar o seu cotidiano e os protestos de palestinos contra os assentamentos israelenses na Palestina, porém, ainda não havia uma intenção de realizar um filme que culminou, posteriormente, no documentário Cinco câmeras quebradas (2012). Ainda, segundo a autora, a intenção de Burnat era de tentar proteger a população de abusos, violências ou arbitrariedades do exército israelense. Sendo o único cinegrafista no local, registra festas ou outros eventos populares, “nestas imagens caseiras, o cotidiano familiar vai se mostrando inseparável do contexto social da aldeia, que sofre e luta contra a ocupação”. (DIUZEIDE, 2017, p. 3). Uma questão também bastante importante, no cinema do cotidiano e no militante, é o tremor das imagens. Para Anita Leandro (2010, p. 101, grifos da autora), o “tremor dessas imagens feitas às pressas, muitas vezes clandestinamente, é a assinatura física, corporal, de uma nova comunidade política, fortalecida no anonimato das práticas solidárias constituíram uma verdadeira comunidade cinematográfica ”. Aqui poderíamos pensar a respeito no momento em que o indivíduo se depara com o evento, seja uma festa familiar ou uma manifestação política, porém, ainda não dimensionamos um fator do aumento deste tipo de produção que é o celular. Para Adriano Chagas (2019, p. 28), “o celular, por sua vez, é elemento central na reconfiguração das práticas de produção, distribuição e exibição das imagens, com autonomia e qualidade técnicas semelhantes às dos recursos profissionais [...]”. Entretanto, não podemos negar que há algumas que tenham limitações muito em particular à produção e distribuição, na qual, o imediatismo ocasionado pela cultura da mobilidade traz provocações em outros meios mais experimentais de realização, segundo Andrade, Carvalho e Lisboa (2013).

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Entretanto, para Andrade, Carvalho e Lisboa (2013), a expansão das imagens, nos últimos anos, muito por causa de espaços híbridos que determinam as provas da sua onipresença no campo visual, e com a somatória do imediatismo, mobilidade e o celular, imprimem elementos visuais transfigurados e rearticulados, permitindo outro componente, o nomadismo tecnológico inerente à portabilidade do dispositivo, que possibilita o indivíduo deslocar-se e o manter próximo do corpo em qualquer lugar que esteja. Esta característica “móvel”, de celulares, acontece do corpo do indivíduo, ou seja, “se o corpo não transitasse, a tecnologia móvel perderia seu caráter móvel”. (YERGUI, 2011, p. 119 apud ANDRADE, CARVALHO, LISBOA, 2013, p. 5). Corroborando com esta fala, Adriano Chagas (2019, p. 30) salienta que

Meros registros de situações do cotidiano, os vídeos curtos realizados pelas câmeras dos telefones celulares de atualidade apresentam características semelhantes às das obras do primeiro cinema. Se, antes, o tempo de duração dos filmes era reduzido pela indisponibilidade de tecnologia, agora, com os celulares, são as condições de audiência na tela do próprio que ditam este prazo. A imagem produzida por celular no dia a dia, na rua, é instável, suja, vertical ou horizontal, nem sempre tem o objeto focalizado e em evidência no quadro para apoiar a narrativa, da linguagem clássica do audiovisual da forma como o espectador foi habituado a acompanhar.

Devemos lembrar que, muitas vezes, estes registros amadores possuem a mão como “sistema estabilizador” da imagem, porque a captação é feita por pessoas próximo ao acontecimento, resultando, segundo Chagas (2019), em imagens desestabilizadas e planos imprecisos, onde estes, registros produzidos por celulares, possuem a característica de ser um plano-sequência, ou seja, sem cortes. Não possui nenhum sistema de gravação de áudio que não seja do próprio celular, iluminação ou maquiagem, sendo sua duração muito pequena, facilita o compartilhamento nas redes sociais e, consequentemente, sua visualização. Portanto, Chagas (2019, p. 49) defende que “esta imagem, por exemplo, subverte a condição do pixel, de elemento característico de uma imagem de baixa resolução a uma espécie de referência estética ou de amadorismo”. Arlindo Machado (2017) diz que todas estas características do caráter “amador” também podem ser encontradas nos filmes ditos experimentais, documentários, etnográfico, bem como, nas reportagens e ninguém as classifica como defeito. E, por outro lado, a esfera do vídeo amador amplia o seu espaço através da internet pois existem os indivíduos que compartilham seus momentos íntimos para o espaço público, que para ele, domestica a esfera pública. Desta forma, nas palavras de Arlindo Machado (2017, p. 16):

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[…] As fotos caseiras e os home movies são postados em páginas pessoais na internet ou compartilhados amplamente através de canais digitais como Youtube ou semelhantes. Nisso reside a diferença principal em relação à prática anterior do home movie : estes últimos não apenas eram praticados privadamente, mas também apreciados privadamente. Os espectadores do home movies eram os próprios parentes e amigos do realizador, que assistiam a esses pequenos filmes em casa, ao lado de um café ou um vinho, como se fosse uma pequena festa familiar. Hoje, ao contrário, os realizadores amateurs buscam visibilidade máxima através da rede mundial e expõem sem escrúpulos a sua intimidade. Ou seja, os sites de compartilhamento levam a intimidade da família para o exterior e expõe publicamente o que antes era privado e secreto. O meio de expressão doméstico por excelência acaba por “domesticar” a esfera pública.

Devemos lembrar que, muitas vezes, estes registros do cotidiano trazem na sua bagagem um apelo do real, ou seja

O que significaria dizer que essa hipertrofia dos campos da comunicação e do audiovisual, na forma de uma saturação midiática, simultaneamente nos distanciaria de uma “real” experimentação – seja dos espaços públicos, das instâncias decisórias ou da própria vida vivida – Enquanto nos aproximaria dessa mesma experimentação, agora apresentada a nossos olhos. (FELDMAN, 2008, p. 62).

Outro detalhe importante apontado por Feldman (2008, p. 65, grifos da autora) refere- se à autenticidade das imagens amadoras em relação a intimidade:

À exposição de uma suposta intimidade e à indexicalidade dos espaços, do tempo e da presença do aparato, essa espécie de “realismo-naturalista” repaginado, comprometido historicamente com a aproximação descritiva das aparências do real, mas não com a expressão de um significado crítico da realidade (para usarmos os termos da histórica querela entre naturalismo e realismo crítico), inclui, predominantemente, além dos registros caseiros – em que a vida ordinária e cotidiana adquire uma importância e um valor de mercados inauditos -, a nova pornografia, marcada pela simulação de flagras e de imagens supostamente roubadas.

Para finalizar, Lipovetski e Serroy (2009), comentam que os registros do cotidiano atendem ao desejo individualista de ser aparticipativo e autônomo, sem uma orientação de narrativa cujo começo e o fim estão definidos. E sugerem que parte do cinema cotidiano, reside “uma parte do gozo do espectador reside então nessa liberdade da imaginação subjetiva que recompõe, para uso íntimo, um relato mais pessoal, mais secreto [...]”. E os autores completam “[...] é a singularidade dos indivíduos com quem podemos nos identificar que nos seduz e nos toca”. (LIPOVETSKI; SERROY, 2009, p. 149).

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4.1 O Remix, o Banco de Dados e as Imagens de Arquivo

Entre as formas de montagem (não só audiovisual, mas também cultural), o banco de dados vem se generalizando. Manovich (2001) a define como uma forma cultural, porque não só é uma forma técnica muito recorrente, ela se torna uma forma de ver o mundo. Para o autor, o banco de dados não é algo novo, podemos ver ele nos modos de organização de bibliotecas, arquivos e museus, mas também num índice de um livro ou na lista telefônica. Só que, com as técnicas contemporâneas, o nosso olhar se acostuma a ver o mundo como um conjunto de elementos: conjunto de links, conjunto de imagens e sons, conjunto de operações (cortar, colar, copiar e etc). Segundo Kerr (2012), a estética audiovisual, baseada em imagens de arquivo, é baseada na pós-produção e no banco de dados como forma, isto é, a web é vista como um acervo ou coleção de vídeos, como uma plataforma para a construção dos audiovisuais distribuídos na internet. Um grande acervo para novas construções e significações. Resultando em obras audiovisuais que não necessitam mais da câmera para a sua realização, tendo os arquivos como plataforma de reprogramação a partir da montagem. Desta forma, o realizador que utiliza este tipo de imagem é descrito por Kerr (2012), como um arqueólogo audiovisual, onde a lógica está baseada na montagem de imagens de diferentes contextos e colocadas em uma nova utilização para trazer novas mensagens. Portanto, a lógica deste produto audiovisual se dá através do banco de dados, em que o seu resultado se dá por imagens de diferentes suportes onde a imagem está mais entre telas do que nas telas. Por outro lado, precisamos entender o que são imagens de arquivo:

As imagens de arquivo são como esse duplo, pois são imagens que, em princípio estavam mortas, mas ao terem uma nova utilidade, voltam à vida. Portanto, temos imagens duplas, espectrais, mortas e vivas ao mesmo tempo. Imagens de arquivo são imagens congeladas na sua morte e que voltam ao movimento na sua vida. Portanto, há a coexistência de morte e vida. Passado e presente coexistem, assim como o futuro está dado. (KERR, 2012, p. 51).

Estas imagens documentais ou imagens fantasmas, como as chama o autor, estão sempre aguardando o momento em que serão atualizadas em novos produtos audiovisuais, contudo, mesmo que o sentido seja alterado, o resultado não muda sua característica de devires audiovisuais, sua natureza de banco de dados. Ainda segundo Kerr (2012), o desafio para o arqueólogo audiovisual, é pensar o que pode ser combinado, com o quê e como fazer isso, onde o audiovisual se torna um jogo e que o software de edição possibilita a confecção de um filme, em que o homem deixa de ser um

65 trabalhador para ser um jogador e o objetivo é o compartilhamento de sentido. E, nas palavras do autor (p. 55): “é nessa relação que é colocada a imagem de arquivo como uma imagem fantasma”. (KERR, 2012, p. 55). Na qual, os jogadores produzem e recebem, aceitam os lances do jogo da montagem, onde estas imagens, de diferentes contextos, ressurgem em vida através de uma nova forma. Essas imagens fantasmas carregam memórias e, dependendo do conflito que são colocadas (montadas), elas atualizam memórias diferentes. Para Jacques Rancière (2010, p. 179), a memória não é um conjunto de lembranças de consciência, mas um conjunto ou arranjo de signos, de vestígios, de monumentos e etc. Na atualidade, a multiplicação de registros de depoimentos e imagens do cotidiano de pessoas comuns e dos acontecimentos mais banais supõe que a memória seria a informação em abundância, contudo, o autor defende que:

A informação não é memória. Ela não se acumula para a memória, ela trabalha em seu próprio benefício. E seu interesse é que tudo seja esquecido imediatamente, de modo que só se afirme a verdade abstrata do presente e que ela, a informação, assegure sua potência como a única adequada a esta verdade. Quanto mais os fatos abundam, mais se evidencia sua indiferente semelhança. Mais se desenvolve, também, a capacidade de fazer de sua interminável justaposição uma impossibilidade de concluir, uma impossibilidade de neles ler o sentido de uma história. (RANCIÈRE, 2010, p. 180).

Claramente, podemos pensar com o autor para onde vão os gigabytes de tanta produção diária de celulares e outros dispositivos como câmeras de segurança? Com certeza grande parte vai para o esquecimento. No máximo, algum dia pode ter a expectativa de, em qualidade de fantasma/banco de dados, retornar em alguma forma audiovisual. Ainda, segundo Rancière (2010), a memória deve se constituir independente do excesso ou a escassez de informações, mas ela deve se construir como uma ligação de dados, entre evidências de fatos e de ações. Desta forma, “a memória é uma obra de ficção. A boa consciência histórica pode, aqui, denunciar novamente o paradoxo e opor a sua paciente busca da verdade às ficções da memória coletiva, que forjam os poderes em geral e os poderes totalitários em particular”. (RANCIÈRE, 2010, p. 180). Para Weschenfelder (2016), a memória pertence a sobrevivência das imagens passadas, e estas irão se misturar a percepções do presente que poderão inclusive substituí-las. E “ao registrar uma que passa no presente, nossa memória sobrepõe a essa imagem, imagens- lembranças, ou seja, imagens latentes, que podem ser entendidas como lembranças do

66 presente ”. (WESCHENFELDER, 2016, p. 32). Ou seja, estas imagens que estavam no plano virtual, na duração da memória pura, são atualizadas na percepção de imagens do presente. Outro elemento, levantado por Philippe Dubois (2004), é que cada uma destas últimas tecnologias como fotografia, cinematógrafo, da televisão e do vídeo e da imagem informática, ou seja, cada uma destas “máquinas de imagens”, a relação de técnica e estética se imbricam, dando lugar a ambiguidades e confusões deliberadamente cultivadas. Outra informação que Dubois (2004) traz a respeito da máquina de imagens é a respeito do “tempo real” ou da transmissão de algo que acontece em “tempo real” à frente da máquina, na qual, o realismo vem se acrescentar na formação da imagem, onde a preocupação em colar no acontecimento ou como o autor sugere:

[…] imagem-movimento do cinema e da televisão/vídeo parece assim levar o mimetismo do cinema e da televisão/vídeo parece assim levar o mimetismo e a reprodução do mundo ao seu extremo, até o absurdo: em última análise, o ponto de chegada desta lógica seria o de uma imagem tão fiel e exata que ela viria duplicar integralmente o real na sua totalidade. Velho mito da imagem total, que remonta a um passado distante, talvez ao nascimento mesmo das imagens, às origens da ideia de representação (um mundo “à sua imagem”. (DUBOIS, 2004, p. 53).

Por fim, o termo vídeo será mais utilizado nesta dissertação do que imagem, muito devido a uma característica do objeto e, também, do vídeo, porque segundo Dubois (2010, p. 116),

o vídeo é, na verdade, esta maneira de pensar a imagem e o dispositivo, tudo em um. Qualquer imagem e qualquer dispositivo. O vídeo não é um objeto, ele é um estado. Um estado da imagem. Uma forma que pensa. O vídeo pensa o que as imagens (todas e quaisquer) são, fazem ou criam.

Portanto, estamos lidando com imagens/vídeos que, por serem produzidos de forma digital, facilita as combinações através da montagem e, consequentemente, pensar somente a imagem, sem a utilizações de narrações ou outros artifícios cinematográficos de trabalhar o vídeo. É importante pensar o poder da montagem em entrelaçar e organizar as histórias e, consequentemente, as memórias, porém, no objeto de pesquisa se utilizam vídeos realizados durante as manifestações de junho de 2013, e, também, reportagens e etc, com o objetivo de reconstituir ou representar o que foi este acontecimento histórico brasileiro. De certa forma, Operações de garantia da lei e da ordem (2018) se utiliza da técnica do remix para ligar as imagens com os fatos históricos de maneira cronológica para época, mas, para a produção do filme, se passou alguns dos eventos do país.

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Na contemporaneidade, as imagens podem ser combinadas através de uma nova configuração e, por isto, no ambiente da cibercultura encontramos a “re-mixagem”, ou seja, para André Lemos (2006), esta prática representa uma série de colagens, cut-up de informação que ganha força devido às tecnologias digitais, na qual ganha contornos planetários com a globalização e alcança seu apogeu através das novas mídias. Em que existem três leis que norteiam esta técnica como a emissão, conexão e reconfiguração. E nas palavras do autor:

Essas três leis estão na base da “ciber-cultura-remix ”. A liberação da emissão, o princípio em rede e a reconfiguração são consequências do potencial das tecnologias digitais para recombinar. A novidade não é a recombinação em si mas o seu alcance. A recombinação e a re-mixagem têm dominado a cultura ocidental pelo menos desde a segunda metade do século XX, mas adquirem aspectos planetários nesse começo de século XXI. (LEMOS, 2006, p. 55).

O autor salienta que, na contemporaneidade, o usuário é estimulado a produzir, distribuir e reciclar os arquivos digitais – música, audiovisual, foto, livros, reportagens – desta forma, podemos chamar estes indivíduos de “ citizen media ”, pessoas que através de equipamentos digitais encontram suas vozes e compartilham pela internet. Em paralelo, Lucia Santaella (2011) define que o remix é uma forma de colagem de vídeos, com camadas de imagens bidimensionais, animações, imagens abstratas ocasionadas em tempo real e, desta forma, ele engloba não apenas o conteúdo de diferentes mídias ou estéticas, mas suas técnicas, métodos de trabalho e os pressupostos fundamentais como

remixibilidade, são os softwares, as interfaces de usuários, o fluxo do design que permitem combinar múltiplos níveis de imagens com vários graus de transparência. Os programas computacionais, hoje, permitem que uma composição imagética tenha centenas e mesmo milhares de camadas, cada uma das camadas com seu próprio nível de transparências. Além disso, cada elemento visual pode ser modulado independente: redimensionado, recolorido, animado, etc. Trata-se daquilo que o autor chama de “remixibilidade profunda”, que desloca o conceito de imagem em movimento para o de composição midiática modular”. (SANTAELLA, 2011, p. 44).

Manovich (2014, p. 213, tradução nossa), salienta que “o desenvolvimento dos meios computacionais (depois da primeira etapa da simulação dos meios físicos no computador), portanto devemos encontrar em várias áreas da produção dos meios nós nossos dias” 12 . E ainda as novas técnicas computacionais se encontram no mesmo ambiente do software que antigamente, ocorria em uma estação de trabalho comum ou nas velhas moviolas.

12 “el desarrollo de los medios computacionales (después de la primera etapa que fue la simulación de medios físicos en la computadora), entonces debemos encontrarla en varias áreas de las producción de medios de nuestros días. Y así es el caso.”

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O autor considera estudar o software de produção de imagens em movimento, para explicar o porquê surgem e o seu andamento. Sem esta análise não podemos sair dos elementos da cultura contemporânea, como o pós-modernismo, o remix e outras formas de linguagens que tiveram grande evolução no decorrer do tempo. Nas suas palavras: “este ambiente de produção híbrido, envolto em um mesmo software, possui uma influência direta em linguagem visual que habilita, especificamente no seu enfoque na exploração de possibilidades estéticas, narrativas e uma efetiva da hibridização”. (MANOVICH, 2010, p. 216). O remix e a remixabilidade profunda, nos modos de ver do autor, nos habituam a ver múltiplas linguagens, múltiplas técnicas e, portanto, múltiplas memórias, estéticas e tempos juntos. Como o processo de edição de uma obra audiovisual acontece, invariavelmente, em algum software , como por exemplo o Adobe Première, Final Cut e Avid, o editor cria um projeto, no qual será utilizado material da filmagem que, somado ao uso de material de arquivo, criam uma combinação de comportamentos e sentidos para o espectador. Será que pode-se pensar originando de vídeos das plataformas de vídeo como YouTube, Vimeo e etc, como uma fonte de material para filmes? Ou é possível afirmar que estes são bancos de dados? Por outro lado, as funções estão muito ligadas à compreensão do que está enquadrado em frente à câmera, ou seja, o evento, logo, Lev Manovich (2001, p. 210, tradução nossa) resgata o filme O homem com a câmera , como uma maneira de o cineasta trabalhar entre o paradigma e o sintagma, ou nas suas palavras, “o assunto é o cineasta que enfrenta para revelar (social) e estruturar entre a multidão, a sua observação do fenômeno. O projeto é uma tentativa corajosa através da epistemologia empírica de que cada um só possui uma ferramenta – a percepção” 13 . Em consequência, o diretor sai em busca de planos para compor um audiovisual, seja um documentário ou ficção, o importante é que não falte imagem sobre determinado evento, consequentemente, o diretor e o editor devem possuir um grande acervo de dados. Isto é evidenciado em O homem com a câmera , do diretor Dziga Vertov, em que há uma cena mostrando uma imagem de vários rolos de negativo das filmagens realizadas pelo diretor. Manovich (2001) descreve que, após apresentar o seu acervo de dados, se pode observar a esposa de Vertov, Elizaveta Svilova, editando as imagens e dando vida ao filme.

13 “Its subject is the filmmaker’s struggle to reveal (social) structure among the multitude of observed phenomena. Its project is a brave attempt at an empirical epistemology which only has one tool - perception.”

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Porém, o objetivo principal da editora é demonstrar como o cine-olho observa o mundo. Ainda, segundo este pesquisador, a editora de Vertov, trabalha quase como uma escritora que escolhe os personagens, cenários e todos os elementos necessários para construir uma narrativa, pois cabe ao editor escolher o que entra e o que não entra dos fragmentos encontrados no banco de dados.

Figura 3 - O acervo de dados de Dziga Vertov

Fonte: elaborado pelo autor.

Diferentemente do que apresenta Manovich (2001), Vertov era motivado por decodificar o mundo por meio do cine-olho, e o seu processo de realização consistia em manipular a imagem através da técnica elaborada por ele, de aparecer uma por uma no filme. Desta maneira, nas mãos do diretor, o banco de dados que, normalmente, é estático e objetivo, na perspectiva de Vertov se torna dinâmico e subjetivo. Ampliando a teoria do cine-olho, Manovich (2001, p. 236, tradução nossa) afirma:

O Homem com a Câmera não é somente um banco de dados da vida de uma cidade em 1920, mas um banco de dados de técnicas em um filme, com novas operações epistemológicas visuais, mas também é um banco de dados de operações na interface, cada um juntos visam ir além de uma simples navegação humana através de um espaço físico. 14

Além de mencionar o papel de Vertov, a narrativa também é algo importante a ser salientado. Segundo Manovich (2001), o usuário é atravessado pelas gravações estabelecidas pelo seu criador. Assim, poderia se formular uma narrativa interativa ou mais conhecida como hipernarrativa, sendo entendida por utilizar múltiplas trajetórias através dos dados. No entanto, a utilização da narrativa linear é uma das possibilidades para o uso de dados na internet, conforme o próprio autor se refere: Em resumo, o banco de dados e a narrativa não possuem o mesmo status da cultura da computação, mas se complementam. A narrativa, cada vez mais é uma montagem a partir de

14 “A Man with a Movie Camera is not only a database of city life in the 1920s, a database of film techniques, and a database of new operations of visual epistemology, but it is also a database of new interface operations which together aim to go beyond a simple human navigation through a physical space.”

70 um banco de dados. Uma das formas de audiovisualização do cotidiano vem sendo o chamado video-ativismo. (MANOVICH, 2001).

4.2 Práticas de Vídeoativismo

Entre as imagens em confronto em Operações de lei e da ordem (2018) vemos fortemente duas naturezas: as imagens televisivas e as imagens ditas amadoras ou semiprofissionais, produzidas por celular e inseridas em plataformas ou cedidas por coletivos. Dentro das imagens vemos a presença do dispositivo celular como central, como uma arma para os desarmados, conforme comentou-se em outros momentos neste texto. Este fato fala menos de vídeoativismo e mais sobre o estatuto e o lugar de testemunha que a imagem e seu compartilhamento vem adquirindo na cultura contemporânea. Contudo, o ativismo social e político centrado no vídeo não é algo novo. Fagioli (2017) aponta as vanguardas artísticas dos anos 1920 como um marco do cinema político e, também, como o desenvolvimento de seu pensamento, como a Revolução Russa de 1917, que, somada à estatização do cinema, possibilitou a reinvenção da linguagem e a montagem, na qual estas duas estavam submetidas às demandas ideológicas do governo. Ainda, segundo Fagioli (2017, p. 58), o primeiro filme deste uso político é o filme A greve (EISENSTEIN, 1925), onde não reconstitui uma greve específica, mas desenvolve através da montagem o uso político em que “através de uma construção metafórica, na montagem, o massacre dos trabalhadores é associado às imagens do sacrifício de um touro no matadouro”. E, ainda no mesmo ano, Eisenstein lança Encouraçado Potemkin que possui uma mudança significativa de estilo, pois apresenta uma narrativa linear com apelo emocional, tal qual reconstitui um episódio histórico importante para o governo comunista. Este período na história do cinema ficou conhecido como montagem soviética e possui Serguei Eisenstein, Vsevolod Illarionovich Pudovkin e Dziga Vertov como os principais ou mais famosos cineastas deste movimento. Entretanto, vamos ficar entre o embate entre Eisenstein e Vertov, em que, conforme Fagioli (2017, p. 58), este conflito “pode ser lido por suas implicações não só estéticas, mas também políticas”. Contudo, as diferenças entre os dois eram amplamente vistas nas suas obras cinematográficas, porque, nas palavras da autora,

[…] Vertov via na revolução a possibilidade (e a necessidade) de recomeço, o que o levou a uma produção mais contundente em seu questionamento das bases burguesas da linguagem cinematográfica. Dziga Vertov também desenvolveu um cinema ideológico, buscando porém uma estilística de ruptura que, para ele, exigia a

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recusa à encenação, contrapondo-se frontalmente ao que chamava de “velhos filmes romanceados”. (ALBERA, 2011 apud FAGLIOLI, 2011, p. 59).

Para Fagioli (2017, p. 58), “seus filmes eram considerados experimentos vertiginosos e, baseados na reivindicação do cine-olho, consistiam em uma negação da mera reprodução da aparência”. Além disto e conforme o autor, há uma diferenciação importante, no caso de Vertov, entre as palavras kinematogr 15 af e kinematografya 16 , porque a primeira se refere ao cinematógrafo como máquina, ou seja, o cinema. Em contraposição, Eisenstein, a lógica do seu cinema se relaciona fortemente a mise-en-scène e é entendida como a organização dos fragmentos a partir de um cálculo que visa mobilizar o espectador. Do ponto de vista de uma tecnocultura do vídeo, podemos pensar em ambos cineastas como experimentos de produzir sentidos através da montagem. Para além deste embate cinematográfico, estético e político de Eisenstein e Vertov, encontra-se a obra do diretor não tão famoso como estes dois apresentados até então, a diretora Esther Choub. De acordo com Fagioli (2017, p. 58), ela trabalha com materiais pré- existentes, e a história da sua vida demonstra o por quê desta metodologia de trabalho, pois era responsável de editar filmes estrangeiros na URSS, porque precisavam atender a ideologia do governo. Para a autora, a montagem era importante não apenas por um procedimento estético, mas também para a construção de um texto.

Assim como Outubro , Serguei Eisenstein (1928), o filme mais conhecido de Choub, La chute de la dynastie Romanov (1927), foi encomendado pelo governo, em função da comemoração dos dez anos da revolução de 1917. O filme faz parte de uma trilogia - com le grand chemin (1927) e la Russie de Nicolas II et de Leon Tolstói - consiste em uma reunião de arquivos de imagens da família Romanov encontrados por Choub em um trabalho extenso e minuncioso de pesquisa. (FAGLIOLI, 2017, p. 61).

A importância desta diretora, para Fagioli (2017), se faz pelo uso de arquivos e o seu uso não somente para a material ilustrativo no filme, mas como documento histórico, assim, encontramos uma montagem que se distingue dos demais diretores, mas que ainda se apoia no princípio construtivista da montagem. Nas palavras da autora “o material de arquivo não pode ser por ela deformado , respeitando por isso suas durações”. (FAGLIOLI, 2017, p. 61). Não foi só a URSS que produziu filmes políticos, mas agora, no outro lado do oceano Pacífico, os EUA possuiu um movimento semelhante, mas muito ligado à fotografia que,

15 Termo originado da Bónia para cinematográfo. 16 Termo originado da Bónia para cinematografia.

72 segundo Askanius (2012), o marco inicial de grupos que registravam as condições dos trabalhadores americanos por todo o país, começa de 1920 até 1930.

Exemplos de grupos desse movimento vão desde a Liga dos Trabalhadores de Cinema e Fotografia nos EUA, criado em 1928 e existiu até 1935 (NICHOLS, 1937), através dos noticiários soviéticos distribuídos por “agit-train”, “agit-boats” e exibições de cidades nas primeiras décadas do século XX, aos documentários socialistas griersonianos sobre as realidades cotidianas da vida durante a Grande Depressão (NICHOLS, 1991). A lista continua através dos coletivos de notícias do final da década de 1960 (BOYLE, 1992; NICHOLS, 1973; RENOV, 1987) até os vídeos sobre aids da década de 1980 (JUHASZ, 1999), a transmissão restrita à cúpula e a documentação sistemática em vídeo do início dos anos 2000, e os tipos de produção de notícias alternativas que esses eventos geopolíticos e seus descontentamentos estimularam. 17 (ASKANIUS, 2012, p. 68, tradução nossa).

Outro elemento apontado por Askanius (2019) é o lançamento da câmera de vídeo

Sony Portapak 18 de meia polegada em 1967, marcou do registro do cotidiano e também tecnológico que auxiliou o surgimento de surtos de movimentos culturais e políticos que se intitulavam de “televisão alternativa”.

17 “Examples of groups within this movement range from the Workers’ Film and Photo League in the US, organised in 1928 and existing until around 1935 (Nichols, 1973), through the Soviet newsreels distributed through ‘agit-trains’, ‘agit-boats’ and town screenings in the first decades of the 20th century, to the Griersonian social realist documentaries on the everyday realities of life during the Great Depression (Nichols, 1991). The list continues through the newsreel collectives of the late 1960s (Boyle 1992; Nichols, 1973; Renov, 1987) to the AIDS videos of the 1980s (Juhasz, 1999), the counter-summit narrowcasting and systematic video documentation of the early 2000s, and the kinds of alternative news production that these geo-political events and their discontents have spurred.” 18 Portapak é um sistema de gravação analógico de fita de vídeo independente, alimentado por bateria. Introduzido no mercado em 1967 podia ser transportado e operado por uma pessoa.

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Figura 4 - Sony Portapak

Fonte: Sony Portapak… (2019).

A década de 1960 foi marcada por um embate político e, também, ideológico muito forte, assim como por fatos históricos como a guerra do Vietnã, AI-519 no Brasil, maio de 1968 e etc. Desta forma, conforme Fagioli (2017) foram inúmeras iniciativas de produções coletivas cinematográficas como o Cinétracts , o grupo Dziga Vertov , o Grupo Medvedkine e, na América do Norte, se destacam o New American Cinema , fundado pelo cineasta Jonas Mekas em 1961, junto com outros cineastas. Outro grupo Newsreel , criado por Robert Kramer e que produziu filmes engajados a respeito da guerra Vietnã e os Panteras Negras. Por outro lado, a autora Gabriela Bustos (1999) relembra outros grupos como Nouvelle Vague na França, tal como Free Cinema na Inglaterra e o Novo Cinema da América-Latina, compõem um corpus teórico e prático muito distintos e, também, muito difícil de agrupar em uma mesma etiqueta; deste modo, estes cinemas operaram e articularam uma ruptura contra o cinema “velho”, ou seja, um cinema anti-industrial que a melhor forma de representação seria Hollywood. Logo, um elemento importante se destaca a respeito das mensagens ideológicas e políticas, como dizem as palavras de Bustos (1999, p. 21, tradução nossa):

19 Esse ato institucional foi apresentado à população brasileira em cadeia nacional de rádio e foi lido pelo Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva. Por meio deste decreto, foi proibida a garantia de habeas corpus em casos de crimes políticos. Também decretou o fechamento do Congresso Nacional, pela primeira vez desde 1937, logo se iniciou o seu período mais rígido, e a censura aos meios de comunicação e a tortura como prática dos agentes do governo consolidaram-se como ações comuns da Ditadura Militar.

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No nível das mensagens ideológicas, Micciché enfatiza: A recuperação total para a linguagem cinematográfica de seu potencial estético e, portanto, de sua independência dos encargos de ideologia, política e necessidades de informação e, no outro extremo, o cinema militante que é apresentado como uma opção alternativa com fortes conotações políticas e ideológicas e deliberadamente funcional com causas políticas (Micciché, 1994). 20

Já que estamos falando de novos cinemas e a sua influência pelo mundo, devemos contextualizar o processo na América Latina, mais precisamente na Argentina pois, segundo Bustos (1999), existiu nesta mesma época o grupo Cine Liberación que questionava com profundidade o próprio movimento, destacando-se como uma resposta ao cinema americano que o chamaram de Primer Cine. Por consequência a este grupo criou-se uma classificação para o “cinema militante”.

Nós temos, então, outra abordagem possibilidade a classificação dos processos de instituição do campo cinematográfico. O Primeiro Cinema, ligado a indústria de Hollywood; um Segundo Cinema, referências a um cinema de autor, mais pessoal porém com as limitações próprias como, por exemplo, não poder levantar a um projeto social coletivo, em termos de Solanas e Getino: “a negação retrógrada das estruturas”; e, finalmente, um Terceiro Cinema, cujo o máximo expoente de radicalização é o cinema militante. 21 (BUSTOS, 1999, p. 21, tradução nossa).

Neste contexto argentino, o grupo Cine Liberación, de acordo com as reflexões de Bustos (1999), resgata uma tradição cinematográfica da escola documental de Santa Fé e de Birri. com objetivo de escapar do novo populismo do Nuevo Cine e a busca de encontrar de um cine-comunicação. O núcleo formador deste grupo foi composto pelos cineastas Fernando Solanas e Octavio Getino, possuía suas raízes na esquerda nacionalista e, também, era ligado ao peronismo e alcançou o reconhecimento através do filme La hora de los hornos (SOLANAS; GETINO, 1968), na estreia da obra, na IV Muestra Internacional de Cinema Novo, em Pesaro, Itália. Bustos (1999, p. 23, tradução nossa) faz referência ao Cine Liberación (2006) e salienta uma declaração que os realizadores hastearam uma defesa do “cinema-militante”, onde disseram que “[...] o único papel válido que cabe ao intelectual, ao artista, é sua

20 “En el nivel de los mensajes ideológicos”, Micché subraya: “la total recuperación para el lenguaje cinemtográfico de su potencial estético, y por tanto, de su independecia de las cargas de la ideologia, de los deberes de la didático, de las obligaciones de la política, de las necessisidades de la información”.; y en el otro extremo, el “cine militante” que se presenta como una opción alternativa “cin furtes connotacciones políticas e ideológicas y deliberadamente funcional con las causas políticas (Micciché, 1994).” 21 “Tenemos, entonces, otro abordajeposible a la clasificación de los procesos de institucuión del campo cinematográfico. El Primer cine, ligado a la industria de hollywood; Segundo Cine, referido a un cne de autor, más personal personal pero con las limitaciones propias como, por ejemplo, no poder llegar a incorpoarse a un projecto social colectivo, en términos de Solanas y Getino: "la negación retrógrada de las estructuras"; y, finalmente, un Tercer Cine, cuyo máximo exponente de radicallizacón es el cine militante.”

75 incorporação a esta rebelião testemunhando e aprofundando” 22 . Consequentemente, a estratégia do grupo era de cineastas de intervenção política, o qual, não se limitava a impulsionar somente o trabalho de contrainformação e a formação de quadros políticos, mas visava construir um sistema integrado de cineastas que estavam interligados através dos meios e da contrainformação em um nível nacional e internacional. (BUSTOS, 1999). A autora aponta que o livro Cine, cultura y descolonización , reúne uma série de declarações e entrevistas realizadas pelos fundadores e demais realizadores, membros do grupo, entre maio de 1968 até janeiro de 1972, apresentando quatro eixos de discussão teórica proposta pelos militantes do Tercer Cine . O primeiro ponto é a respeito do “problema da cultura país dependente ou neocolonizado”; o segundo, sobre “o catálogo de artistas e intelectuais”; o terceiro, a respeito dos “objetivos do cinema e o conceito de espectador-ator”; e, por fim, o quarto ponto acerca de “a nova estética cinematográfica”. Nas palavras de Gabriela Bustos (1999, p. 24, tradução nossa), outra informação mencionada é:

O projeto fundamental do grupo Cine Liberación problematiza a busca de um circuito definido de circulação do filme, mas em desenvolvimento da prática onde se idealiza a idéia do acto do filme, que se eleva a partir dos debates originados nas projeções. A prática de difusão e instrumentalização (tema que excede a presente análise), ao analisado o hacia un Tercer Cine (1969), não dá conta do registro um aspecto interessante é distinto do grupo, que consistiu na utilização da Parte 1 e a Parte 2 de La hora de los hornos em função da conjuntura política e as estratégias dos grupos de exibição. A partir das entrevistas realizadas com os integrantes da exibição do filme, e em particular a unidade móvel Rosario, “Uma das experiências de exibição mais interessantes” (Mestiman, 2001). A unidade móvel trabalhava concretamente a Parte 1 e Parte 2, hierarquizando como destinatários de atividade a dos “intelectuais” e a dos operários. (BUSTOS, 1999, p. 24-25, tradução nossa). 23

Segundo Bustos (1999), com a apresentação do filme, também apresentou-se um projeto de cinema político distinto com cunho marxista, ligado politicamente ao Partido Revolucionário do Povo, o PRT. Outro detalhe foi a intervenção do partido na obra cinematográfica de Gleyzer, mais na área da distribuição do que na da produção, sendo assim, pode-se observar o que a autora transcreve na fala de dois membros do grupo que diz “[...]

22 “[...] el único papel válido que cabe al intectual, al artista, es su incorporación a esta rebelión testimoniándola y profundizándola.” 23 “Projecto de grupo cine liberación problematizaba la búsqueda de un circuito definido de circulación del filme, pero es en desarollo de la prática donde se gesta la idea del filme-acto, plateada a partir de los debates originados en las proyecciones. la prática de difusión-instrumentalización (tema que excede el presente análises), pese a ser analizada en hacia tercer cine (1969), no da cuenta del registro de un aspecto interesante y distintivo del grupo, que consistió en la "utilización" de la parte Parte I y Parte II de la hora de los hornos en función de la coyuntura política y las estrategias de los grupos políticos de exhición. A partir de entrevistas realizadas a los integrantes de los grupos de exhibición, y en particular de la unidad móvil Rosario, "una de las experiencia de exhibición más interesantes" (mestman, 2001).”

76 dado que a organização alcançou um desenvolvimento de uma verdadeira política cultural, a obra de Gleyzer somente se articulou com os seus alinhamentos em dois comunicados sobre ações determinadas” 24 (PEÑA; VILLINA apud BUSTOS, 1999, p. 27, tradução nossa). O diretor Gleyzer e o realizador Álvaro Melián, o desenhista de som Nerio Barberis, realizaram os comunicados do ERP (Exército Revolucionário do Povo), com o objetivo de fazer uma contrainformação, de forma clandestina, e também uma distribuição internacional para a organização, com o tema a respeito do frigorífico Swift, da cidade Rosario, e outro sobre o Banco de Desenvolvimento (BUSTOS, 1999). O fim do grupo se dá a partir de maio de 1976, de acordo com Bustos (1999), quando Gleyzer é preso por grupos da ditadura que resulta no seu desaparecimento e o restante dos integrantes percebe a grave situação do país e decide sair em exílio. Saindo da Argentina, voltando para o Brasil, as pesquisadoras Maria Teresa Bastos e Maria Guiomar (2013), apresentam o fotógrafo e cineasta Ruy Santos (1916-1989) que, no início de 1945, cria a produtora chamada Liberdade Filmes que era ligada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), possuindo sócios como Oscar Niemeyer e João Tinoco de Freitas. No mesmo ano, produziu três documentários: Comício: São Paulo a Luiz Carlos Prestes (1945), Marcha para a democracia (1945) e 24 anos de luta (1947), sendo que este último contava a história do PCB. Outro detalhe apontado pelas autoras é a ideia de uma influência do PCB sobre a comunidade cinematográfica brasileira, sendo o Ruy Santos escolhido para demonstrar em imagens a transformação do partido, que antes era composto por militantes de esquerda e agora é composto pelas massas, assim o PCB estava reestruturado e voltado para os anseios das massas, possuindo um líder, Luís Carlos Prestes, como o “cavaleiro da esperança” para estas pessoas. Nas palavras de Bastos e Guiomar (2013, p. 161):

Esses três documentários registram o momento em que o PCB se voltava para a mística de Prestes, quando ele passou a ser uma referência para a multidão que comparecia aos comícios. Essas imagens são representativas de um momento particular da história do PCB que, ao longo de seus setenta anos de existência, permaneceu mais tempo na ilegalidade do que com plenos direitos políticos.

Segundo Bastos e Guiomar (2013), no dia 27 de abril de 1964, Ruy Santos é preso pela polícia política brasileira, e, consequentemente, grande parte de seu acervo foi

24 “[...] dado la organización nunca acanzó a desarrolar una verdadeira política cultural, la obra e Gleyzer sólo se articuló con sus lineamientos en dos comunicados sobre acciones determinadas (Peña y Villina, 2000).”

77 apreendido. Este ato da polícia ocorreu devido à ligação entre o PCB e a produtora do diretor; outro detalhe importante foi que o Partido Comunista Brasileiro era considerado um dos maiores “inimigos internos” da polícia. Para Sotomaior (2014, p. 213), 1970 marca o crescimento dos movimentos sociais no Brasil o que surpreendeu o contexto político da época, porque havia poucas esperanças de resistências ao regime militar. Além disto, a censura estava em vigor e todas as estratégias em reprimir os operários, somava-se a uma estrutura sindical burocratizada, vinculada ao Estado, muito ligado a era Vargas. Mais tarde surge uma importante palavra que dá título a este capítulo, o videoativismo, segundo Askanius (2017) Thomas Harding, co-fundador do British media collective Undercurrents , afirma que o termo ativista de vídeo ou videoativismo foi amplamente usado nos anos 80 devido à proliferação das câmeras de vídeo. Sotomaior (1997, p. 219-220) afirma: “A necessidade de filmar o imediato só encontrou maior liberdade quando as tecnologias de comunicação, a partir dos anos 90, permitiram algumas facilidades de captação, edição e circulação”. Ainda o autor relata que o cinema militante ou videoativismo apresenta duas forma metodológicas: o instante e o processo, como percebe-se no pensamento a seguir:

Dentro do cinema militante sempre houve a presença destas duas formas metodológicas: o instante e o processo. A necessidade de filmar o imediato só encontrou maior liberdade quando as tecnologias de comunicação, a partir dos anos 90, permitiram algumas facilidades de captação, edição e circulação. O que não impediu projetos cinematográficos como o Cine-Trem de Medvedkine, que tinha como lema “filmar hoje, exibir amanhã”. Já a presença dentro de processos insurrecionais em curso, onde os realizadores acompanham o desenrolar dos fatos, para posterior edição do “todo” [...]. (SOTOMAIOR, 1999, p. 221).

Um dos exemplos apontados por Sotomaior (1999), é o filme A batalha do Chile , de Patrício Guzman (1979) que acompanha, no início do governo de Salvador Allende, o crescimento dos movimentos sociais, as brigas com forças da direita, finalizando por presenciar o golpe militar, liderado por Pinochet, em 1973. Conforme o próprio autor salienta:

Segundo o próprio Tapajós disse numa entrevista, “Greve de Março foi um filme feito quase que exclusivamente para intervenção imediata”. Como ele lembra, “não se tratava apenas de um registro ou de uma reflexão dos acontecimentos, mas um instrumento que interferisse diretamente no próprio curso dos acontecimentos”. Tavares, a partir das citações de Tapajós, afirma que Greve de Março “evidenciou a necessidade de se produzir um filme que pudesse interferir, diretamente, no processo de preparação da assembléia, que encerrava o período de negociações”. (SOTOMAIOR, 1999, p. 220).

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Askanius (2017, p. 69, tradução nossa) menciona Boyle (1985) quando afirma que o vídeo revolucionou “a imagem na televisão e as tecnologias das filmadoras abriram caminho para possibilidades sem precedentes para as pessoas comun s se tornarem praticantes e artistas de mídia” 25 . Ainda, o autor reitera que o desenvolvimento tecnológico fundiu-se com a cultura e o movimento político da época e se apoiando no pensamento de que as transformações sociais eram possíveis pela tentativa de coletivos. E deste jeito, o crescimento do tempo na mídia visual, que pode ser entendido como um processo singular, mas, também, como parte de uma maré de mídia alternativa que abala o rádio, a imprensa, a imprensa, as revistas e a publicação como um todo. O autor apresenta que:

No contexto norte-americano, a Top Value Television (TVT) foi um dos primeiros videoclipes significativos, datados de 1972. Plataformas como Paper Tiger TV, Free Speech TV e Deep Dish TV também serviram como importantes espaços de produção e distribuição. Em Nova York, São Francisco, Boston e além, ativistas de vídeo autoproclamados voltaram suas câmeras para as histórias que consideravam desconsideradas ou simplesmente ignoradas na cobertura noticiosa da mídia e, ao fazê-lo, desafiavam as estruturas de poder da mídia de difusão da época questionando quem decide que imagens do mundo vemos e que ‘verdades’ nos são apresentadas. 26 (BOYLE, 1992 apud ASKANIUS, 2017, p. 69, tradução nossa).

Estas divergências resultaram em outros dois grupos de fazer videoativismo, conforme descreve Askanius (2017, p. 70):

Os ativistas de vídeo, então, só foram posteriormente divididos em duas facções diferentes: vídeo comunitário e televisão guerrilheira. Essas facções persistem hoje e, em certa medida, resumem as diferenças em como o ativismo por vídeo é definido e diferenciado na literatura contemporânea sobre 'vídeo para mudança social'. “Comunidade de vídeo”, usado para capacitar as comunidades locais, é promovido e teorizado principalmente no contexto de estudos de desenvolvimento, enquanto o espectro das ciências sociais analisou o vídeo radical em termos de práticas alternativas de notícias, estratégias e ferramentas táticas em mobilização e discurso de propaganda, por exemplo em estudos de movimentos sociais.

Segundo Sotomaior (2014), revela que a utilização do vídeo dentro dos processos de debate, a formação e a difusão das lutas, encaminhou os movimentos sociais a preparar, em

25 “video revolutionised the televised image, and camcorder technologies paved the way for unprecedented possibilities for ‘ordinary’ people to become media practitioners and artists.” 26 “In a US context, Top Value Television (TVTV) was one of the first significant video collectives, dating back to 1972. Platforms such as Paper Tiger TV, Free Speech TV and Deep dish TV also served as important spaces of production and distribution. In New York, San Francisco, Boston and beyond, self- proclaimed video activists turned their cameras towards the stories they felt were disregarded or simply ignored in mainstream media news coverage and in so doing challenged the power structures of the broadcast media of the time by questioning who decides what images of the world we see and what ‘truths’ we are presented with.”

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1984, o primeiro Encontro Nacional de Grupos Produtores de Vídeo no Movimento Popular. Posteriormente, fundam a Associação Brasileira de Vídeo no Movimento Popular (ABVMP) e, depois, a Associação Brasileira de Vídeo Popular (ABVP). Uma das primeiras ações foi criar uma conexão entre os realizadores de vídeos populares com os documentaristas das greves do ABCD, com o objetivo de distribuir e exibir os filmes de Renato Tapajós, A luta do povo (1980), na qual, visava a circulação de movimentos sociais. Deste jeito, este projeto de união entre diferentes grupos sindicais se transformou no Projeto de Distribuição de Programas de Vídeo, o Cinevídeo, realizado entre a ABVMP em parceria com o CDI – Cinema Distribuição Independente, sendo um dos primeiros filmes importante para expor as lutas sociais conforme indica o autor. Não é pretensão nossa contar a histórias das relações entre ruas, movimentos políticos e vídeo, porém, as questões levantadas aqui, nos mostram que eles têm uma estreita relação que foi se intensificado até vermos o celular como protagonista de manifestações de rua e de imagens de manifestações de rua. É importante mencionar, embora não desenvolveu-se aqui, que, na tecnocultura contemporânea, tanto o ativismo como as manifestações de rua não são exclusivas de movimentos ditos de esquerda. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, de extrema direita, e movimentos responsáveis pela divulgação de suas ideias, criaram largos espaços audiovisuais nas diversas redes sociais, inclusive espaço em que são congregadas manifestações de rua com ampla cobertura audiovisual.

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5 OPERAÇÕES DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM: CARTOGRAFIA DO CONFLITO

Conforme comentou-se no Capítulo 2, ao longo da pesquisa assistiu-se o filme diversas vezes, primeiro com o único propósito de torná-lo familiar, seu modo de narrar, seus conteúdos, imagens, organização. Ao longo deste processo de revisitação novas observações foram percebidas para desfamiliarizar a forma primeira de ver o filme e chegar aos sentidos produzidos nele: as imagens de conflito e as imagens em conflito. Neste momento o filme pareceu adquirir outra ordem, que apresentamos a seguir, porque dá a ver com mais facilidades os sentidos dados ao conflito. Construímos mapas que desestruturam a ordem primeira e a mostram, ao mesmo tempo. Esta reorganização coloca alguns trechos que precisam de uma observação mais apurada e são estes trechos que dissecamos. O mapa 1 reúne as primeiras e últimas imagens do filme, nelas parece haver importante construção de sentidos extensivos a todo o filme. O segundo mapa, reúne as cartelas que se relacionam com a cor amarela e letras pretas ou pretas e brancas: o nome do filme e os seis passos que dividem os blocos. Ainda, teremos um mapa 3, que reúne as cartelas cinzas, mas, pelo caráter conclusivo que nos permitem estas imagens, será comentado no Capítulo 6, nas Considerações Finais. Os três grandes mapas foram construídos na medida em que percebemos princípios específicos que associavam as imagens destes mapas, as separavam do restante do filme e funcionavam, no filme, para dar sentidos ao conjunto das imagens.

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5.1 Mapa 1 - Ordem, Desordem e Construção de Sentidos

Figura 5 - Mapa 1 - sequência inicial e final do filme

Fonte: produzido pelo autor.

O filme apresenta uma certa simetria entre o início e o fim. Foi este o primeiro fato a chamar a atenção depois de assistir algumas vezes. Trata-se de uma construção de ordem, de equilíbrio para um filme que aborda a desconstrução do equilíbrio e o esvaziamento do poder junto com o lugar das câmeras e das imagens como conflito, como acusação e defesa. Inicia e finaliza com uma cartela em letras brancas e fundo preto. Na sequência, a segunda e a penúltima imagem são de pronunciamentos presidenciais. Só depois do pronunciamento da Presidenta Dilma Russeff aparece a cartela com o nome do filme, que volta a aparecer antes do pronunciamento do presidente interino Michel Temer. Na sequência, depois da cartela com o nome do filme, vem uma breve sequência de imagens de protestos que gritam “ei, Globo, vai tomar no cu” ou “ei Cabral, vai tomar no cu”. Continuando a simetria, mas em contraponto com estas imagens, aparecem como últimas imagens antes do nome do filme, uma sequência de torcedores que vão participar da Copa do Mundo, a inauguração da Copa com festejos e fogos de artifício, cujo som, no entanto, parece misturar- se com o som de balas. Imediatamente, depois desta sequência de abertura vem uma imagem na qual vamos fechar a simetria porque ela destoa de todo o filme como vemos no frame 5: uma cartela com fundo vermelho e letras pretas.

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O nome do filme operaria como uma fronteira que demarca um dentro e um fora. A pergunta é, dentro e fora do quê? Do próprio filme? Da lei e da ordem? Da ordem instaurada pela lei? Se as imagens televisivas e de outros dispositivos usadas no filme são entre junho de 2013 e julho de 2014, por que escutamos no final um pronunciamento do presidente interino de 2016? São as imagens de fora as que dão vida às imagens de dentro? O início e o fim aludem a outras imagens que não estão imaginadas no filme, mas aconteceram neste período (eleições, preparação de impeachment )? Poderemos ir respondendo a estas perguntas ao longo da cartografia/dissecação. As imagens “de fora”, a primeira e a última, operam como um manual de uso do próprio filme. Por um lado, porque usa-se e abusa-se do texto escrito, como nos manuais de eletrodomésticos ou nas bulas de remédios entre tantos outros. O plano inicial, por exemplo, dura bem mais do que um plano do audiovisual de tevê ou cinema. A primeira cartela lembra mais um cartaz colado numa coluna que nos detemos para ler. O plano ( frame 1) fica estático por 30 segundos, o que é uma duração que tensiona tanto as imagens televisivas quanto as de plataforma de vídeo. Nela, como um manual de instruções, somos informados que trata-se de uma obra documental que reúne os seguintes documentos: trechos de vídeos, reportagens e documentários de diversos sites. Embora os trechos são trazidos aqui com finalidade de: “informação, crítica e polêmica” (ou seja, imagens colocadas em crise), é esclarecido que eles (os trechos) “não são prejudicados, nem buscam causar prejuízos aos interesses dos autores”. A obra, então, não está interessada nos trechos em si, sua autoria, seus produtores ou proprietários e, sim na sua apropriação, na qualidade de banco de dados e potencialidade do fragmento se tornar uma outra coisa dentro do documentário. São anunciadas, também, as cartelas que identificarão a entrada de cada vídeo e seus autores, inclusive, avisa-se que, no final, haverá uma listagem completa. Cartelas em fundo cinza – que formam o Mapa 3 – aparecem recorrentemente com os créditos, como se fossem gavetas de um arquivo que se abrem novamente para outros usos. O recurso da cartela era muito usado nos filmes mudos para introduzir a fala, o que, automaticamente, nos levava a “ouvir” as personagens estendendo o quadro da cartela para a seguinte imagem. O recurso no filme está dando outra voz às imagens, além da que cada imagem entre cartolas tem. É uma das formas de colocar as imagens em coalisão: as vozes diegéticas gritadas ou ditas em cada quadro e as vozes das cartelas estendidas aos diversos quadros colocando-os em coalisão. Ao final ( frame 9), está escrito o nome do filme e, também, revela algo mais sobre os seis passos em que se divide. “O título e as cartelas de passos distribuídas ao longo deste filme reproduzem trechos da portaria normativa N o. 3461/Ministério de Defesa, intitulada

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Garantia da Lei e da Ordem , assinada pela presidenta Dilma Rousseff em 19 de dezembro de 2013”. Os pronunciamentos dos presidentes antecedem e seguem à abertura e fechamento oficial do filme, ao mesmo tempo que a decisão do uso desta lei fica a cargo da Presidência da República. A imagem que não apresenta simetrias na composição do filme está aqui no frame 5, tanto pela sua cor, chamativa e de urgência, que destoa das cores gerais do filme, quanto por ser o texto mais longo das cartelas e, também, o frame estático mais longo do filme. Lemos na cartela um texto atribuído ao Comitê Invisível. É difícil afirmar quem integra este grupo ou como ele se define, embora tenham publicado algumas obras. Trata-se de um grupo francês preocupado com a construção de um novo sujeito político e que nega as identidades políticas impostas pelo poder, defendendo a construção de formas descentralizadas de resistência. Como lemos na página Escola de Ativismo (2020) 27 , o Comité Invisível não de fende uma disputa do poder e sim um outro modo de nos organizar, amar, viver e trabalhar, que possa nos fazer prescindir do modo como o mundo está organizado. Esta cartela, portanto, estende sentidos a todo o filme. Pensemos ele (o filme) não como uma disputa de versões sobre o que realmente aconteceu nas manifestações de rua, ou sobre versões diversas dos acontecimentos de rua e, sim, como a criação de uma outra organização (montagem) do mundo. O texto que aparece na cartela do filme (frame 5) diz:

Cada vez que a polícia tenta, depois de uma grande manifestação, “isolar os violentos”, ela retira dos cidadãos seu poder de agir politicamente para esmagar uma insurreição, nada mais eficaz do que provocar uma cisão entre a população inocente, ou vagamente concordante, e a sua vanguarda militarizada [...]. Depois de isolar “os violentos” e banalizar diversas medidas de exceção, basta esperar que as manifestações se dissipem. (COMITÊ INVISÍVEL apud MURAT; RAMOS, 2018).

Por isto, quando a manifestação mais cega se abate sobre nós, temos que evitar enxergá-la como prova de nossa radicalidade. Em vez de partir da hipótese de que eles tentam nos destruir, devemos pensar que eles tentam nos produzir. Nos produzir enquanto sujeitos políticos, enquanto “anarquistas”, enquanto “ black blocs ”. Nos extraindo, assim, da população e nos imprimindo uma identidade política. Esta estratégia serve, sobretudo, para produzir a “população” como um “amontoado apático e apolítico”. Ao colocar esta cartela como singular no filme, de algum modo, sentidos estão sendo dados extensivos a todo o filme. Vamos destacar duas questões que dialogam mais com a nossa perspectiva: a) Imprimir identidade é um gesto político, inclusive quando a identidade impressa sobre a população seja a de um

27 Disponível em https://escoladeativismo.org.br/comite-invisivel-uma-apresentacao/.

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“amontoado apático e apolítico”; b) Toda montagem audiovisual é conflito, justamente, por ser um ato de imprimir identidade. Embora veremos agressões contra sujeitos em grande parte das imagens, alerta-se que aqui não é pensado como destruição e sim como produção. Produção de quê? Em primeiro lugar de imagens. Se por um lado o texto pode-se aplicar ao que a GLO e outras práticas realizam em seus diversos passos, esta produção é mediada pela técnica e, aqui, trata-se de imagens. Recortar, descontextualizar, dar novos sentidos, é o que viemos entendendo como montagem, como conflito. E eis o poder político das imagens: construir novos significados, dar identidade, dizer isso aconteceu. A produção de “anarquistas”, “ black blocs ”, “vândalos” ou “criminosos”, “manifestantes” ou “povo” é a criação de imagens, mas, também, de visões de mundo. A cartela vermelha é um convite a olhar para o filme na sua construção de imagens retiradas de um banco de dados e voltas à vida e uma afirmação que as imagens têm este poder de imprimir identidades de novo, em outras épocas, em novas vizinhanças, em novas montagens. O documentário imprime identidades outras a imagens que já disseram alguma coisa em outros contextos e ainda poderão dizer tantas e tantas outras coisas. Como lembra Didi-Huberman (1998, p. 57) “as imagens vivem muito mais do que aqueles que as olham”. O primeiro mapa também nos permite fazer cruzamentos significantes. Na diagonal se encontram as cartelas inicial e final com a do meio. Reforça a identificação do banco de dados e seu uso para colocar em crise as imagens e a compreensão do mundo como montagem. Se olhamos na outra diagonal, ambas cartelas com o nome do filme se encontram com o texto do Comitê Invisível, reforçando que ali está uma das chaves de decodificação da obra. Se nos determos na linha formada no meio, os pronunciamentos presidenciais se encontram no texto do Comitê Invisível. É o poder instituído que tem suas formas oficiais de produzir sujeitos de um modo em que se tornem n ada que apresente uma homogeneidade suficiente para admitir um representante. Nos aproximaremos agora a algumas das imagens que fazem parte dos trechos convocados no Mapa 1. O pronunciamento da Presidenta Dilma Rousseff, que segue à cartela inicial, é um dos clássicos pronunciamentos oficiais em rede nacional de um presidente da república. Com uma chamada inicial em que cada letra da palavra Brasil vai entrando em cena em amarelo e verde até formar a palavra e a figura da presidenta dirigindo-se às câmeras em plano médio. O pronunciamento destaca a importância dos protestos nas ruas brasileiras, bem como, o fato de possuírem jovens nas manifestações e alerta para duas possibilidades: a de aproveitar o momento em favor da democracia ou deixá-lo passar pela ação de vândalos.

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Refere-se a uma minoria, violenta e autoritária que destrói o patrimônio público e privado, incendeia carros. Afirma que a sociedade brasileira não pode ser refém desta minoria e que a violência envergonha o país. Defende que as instituições e órgãos de segurança devem coibir nos limites da lei e, ao final, pede a todos que mantenham a ordem. A um mundo formado por vândalos e cidadãos, os primeiros desordenam, os segundos fazem parte da ordem. Volta-se a afirmar que um audiovisual está falando sempre, principalmente, sobre imagens. As imagens da cartela dão espaço a imagens televisivas. Elas são limpas, focadas e sem nenhuma granulação. Uma imagem com profundidade de campo e estável como é próprio da imagem televisiva, salvo exceções. Pode-se perceber que a ex-Presidenta está sendo iluminada por dois refletores de luz, os quais, através de técnica amplamente utilizada em gravações, possuem gelatinas ou difusores para deixar a iluminação mais suave e com poucos contrastes. Isto pode ser afirmado através de outro trecho do pronunciamento. Consegue-se observar esta técnica mais facilmente na figura abaixo.

Figura 6 - Iluminação de três pontos

Fonte: produzido pelo autor.

Trata-se de uma imagem que segue a lógica televisiva. A luz de ataque ou principal, corresponde à função da atmosfera que se deseja dar ao personagem, ou seja, de que maneira a imagem está trabalhando com uma luz suavizada para transmitir uma sensação de calma, serenidade e, também, para reduzir as linhas de expressão no rosto. O segundo ponto de luz é o contra-luz, que consiste em um refletor sem difusores ou softboxes , que não pode ser suavizada, por possuir a função de destacar a pessoa do fundo e moldar o rosto dela. E é por isto que o refletor está posicionado atrás e acima da sua cabeça. E, por fim, a luz de

86 preenchimento, que possui a finalidade básica de suavizar as sombras existentes no rosto, bem como de preencher os vazios que são causados pela luz principal, por isto o nome preenchimento. Neste sentido, na Figura 7, inserimos o trecho do pronunciamento de Dilma Rousseff no site Color Adobe para encontrar o gradiente de cores presentes, com o objetivo de dissecar ainda mais a imagem. Figura 7 - Paleta de cores

Fonte: produzido pelo autor.

As cores são semelhantes ao longo de todo o filme. Parece que as imagens sofreram uma alteração, foram igualadas com filtros e o tom sépia que oscilam entre os extremos preto e amarelo. Ao lado esquerdo da ex-Presidenta, encontramos a bandeira do Brasil, que representa um símbolo visual representativo de um país soberano. Junto com ela, está a bandeira com o Brasão Nacional que representam a glória, a honra e a nobreza do Brasil, que está presente nos documentos dos Três Poderes e, também, do Exército.

Todas as instituições e órgãos de segurança públicas devem coibir dentro dos limites da lei, toda forma de violência e vandalismo. Com equilíbrio e serenidade, porém com firmeza, vamos continuar garantindo os direitos e liberdades para todos. E asseguro a vocês: Vamos manter a ordem. (ROUSSEF apud MURAT; RAMOS, 2018).

Além da intervenção nas cores, percebemos também um conflito entre imagem e som. As imagens televisivas parecem ser aquelas que vemos diretamente quando assistimos TV, contudo, o som, apresenta um eco próprio de quando gravamos a programação da TV de fora do aparelho. O som apresenta uma gravação ambiental, incluindo nesta montagem um ambiente onde estaria a TV, um momento específico de transmissão ao vivo, o eco habitual de fora do aparelho e um conjunto de cidadãos que assistiram e gravaram o pronunciamento. Se

87 tecnicamente isso é desnecessário, já que as imagens, com o som com que elas foram ao ar estão disponíveis nesse grande banco de dados que é a internet, o recurso foi adicionado tensionado imagens e som. Por que alterar o som e trazer este ambiente externo à TV no pronunciamento e em outros momentos televisivos? De alguma forma, as imagens institucionais (televisivas), de um pronunciamento institucional (presidencial), são intervindas, passíveis de ser questionadas na imagem (cor) e no som. Entre o primeiro pronunciamento e o último, do presidente interino da república, já referido, Michel Temer, revela-se um período de tempo de três anos: 2013-2016, embora as imagens dos conflitos, nas ruas, vão de junho de 2013 a julho de 2014. Tratam-se de três anos de uma realidade política e social extremamente conturbada. Não só manifestações civis reivindicando uma série de direitos, como também, uma eleição que reelegeu Dilma Rousseff neste cenário de muitas tensões, a realização da Copa do Mundo no Brasil, com inúmeros protestos contra e um movimento de impeachtman em gestação que desestabilizou o governo Dilma Roussef, em agosto de 2016, um ano e meio depois de sua reeleição. Isto é, um cenário institucional, chamado aqui o tempo inteiro de ordem em absoluto conflito, junto a um cenário nas ruas de protestos constantes entendida como desordem e combatida com a OpGLO. Nas cenas finais do filme, Michel Temer fala numa reunião de posse de ministros e caracteriza o momento como discreto, que é “urgente pacificar e unificar o Brasil”. Num discurso triunfalista fala de entusiasmo por parte de seus colegas ministros e da necessidade de não falar mais em crise e sim em trabalho. Ele encerra pedindo a bênção de Deus para todos e dizendo “um bom Brasil para todos nós”. Depois do pronunciamento da presidenta e antes da final com o presidente interino, aparece a cartela com o nome do filme ( frames 3 e 7 do Mapa 1). A cartela é uma imagem do nome do filme e do nome da lei de Operações de garantia da lei e da ordem (2018). No primeiro sentido, elas excluem os presidentes e destacam o poder do fragmento de imaginar outras formas de organização do mundo: a deste filme, mas tantas outras que possam ser construídas, já que ao final, por mais que as imagens tenham autor, elas e seu contexto tecnocultural, necessariamente, voltarão em outras montagens ou poderão fazê-lo. Como nome de uma operação instituída impressa nesta cartela, ela tem uma única direção: do poder instituído à repressão do que, no momento específico, este poder considere desordem. Após este plano vai entrando a cartela cinza que identifica os filmes que virão a seguir, conforme anunciado na cartela inicial. Seguem-se imagens de multidões gritando em protestos com imagens provindas de 5 vídeos diferentes. Observamos gritos de guerra como

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“ei Globo, vai tomar no cu!”, “Sérgio Cabral, vai tomar no cu!” e “resistir, resistir”. O som organizado na montagem televisiva dá lugar ao som caótico das imagens produzidas por dispositivos móveis. Algumas imagens são feitas de edifícios, outras no meio da multidão. Imagens de manifestantes chegando na Assembléia Legislativa, do Rio de Janeiro-ALERJ, a polícia que joga bombas de gás lacrimogêneo para dispersar a multidão, que revida com pedras, rojões, foguetes. Gritos, espaços sujos, com fumaça, com movimentos constantes e desparelhos. Se observamos as imagens da “desordem” podemos ver que as cores dominantes são semelhantes em todo o filme, como já comentado.

Figura 8 - Desordem, o caos e a violência

Fonte: produzido pelo autor.

Como podemos perceber neste frame do filme, a imagem se distorce por causa dos ruídos e da maneira como aparecem vultos pretos de pessoas, revelam-se como um mistério, pois não sabemos quem elas são e como são, apenas observamos que vibram perante o acontecimento, uma multidão de vultos que portam câmeras DSLR ou smartphones. Esta pessoa, junto com a sua câmera, seja ela uma DSLR ou um smartphone, se mistura com a multidão ao lado, que está em silhueta e não conseguimos identificar seus rostos e corpos, os quais comemoram o ato de expulsão da polícia do protesto. O interessante é que esta imagem existe por causa de uma pessoa que se encontra no local do evento político. Este corpo/imagem se move com a multidão, à deriva nas ruas brasileiras. Os registros das imagens destas manifestações ressignificam este cinema feito na rua, através de emissões ao vivo ( streaming ) que são viralizadas nas plataformas de vídeos e nas redes sociais que, de modo geral, possuem uma precariedade técnica muito grande e isto pode ser observado na Figura 8. Observemos que estes sentidos de precariedade de uma imagem sem gravidade, mexida, sem profundidade de campo é dado pelas imagens televisivas. As características das imagens de dispositivos móveis teriam tudo o que era considerado erro na produção de

89 imagens de TV, contudo, agora elas vão adquirindo outros significados. A urgência, o ao vivo, a testemunha. Nestas transmissões ao vivo, estes corpos/imagens coletam informações com pessoas nas ruas e interagem com quem está assistindo através de um chat . Na Figura 8, a pessoa que está atrás da câmera grita: “Isso é povo cansado de tanta injustiça!” (MURAT; RAMOS, 2018). Na multidão aparece alguém segurando uma placa com a inscrição “seguro morreu de tédio”. A desestebilização das imagens pelos corpos em ação, a estabilidade das imagens pelo corpo televisivo que inclui uma série de técnicas, estéticas, éticas e empresas são colocadas no mesmo universo e enunciam pensar o poder do fragmento que sempre vai retirar uma peça do lugar, dar um sentido outro, introduzir um desequilíbrio e, sobretudo, enuncia que qualquer estabilidade é temporária, imanente, construída.

5.2 Mapa 2 - Seis Passos para (Des)Construir a Lei e a Ordem

Figura 9 - Mapa 2 - Cartelas amarelas

Fonte: produzido pelo autor.

O segundo mapa, que faz parte de nossa cartografia, reúne as cartelas que estão dentro do filme com a cor amarela. Observando o filme, nos chamou a atenção a presença pontual da cor amarela em cartelas que atravessam todo o filme, as reunirmos, para tentar entender que identidade elas imprimem. Numa obra em que predominam as imagens noturnas e em cores marrons, sépia e em ocasiões com grandes componentes pretos, as imagens com fundo

90 amarelo destoam e se mostram centrais na construção do filme, com poder de desencadear acontecimentos diferentes. De um lado, por elas serem amplamente nítidas e claras associadas ao sol, à claridade e à luz; por outro, associadas culturalmente a um estado de alerta, como no caso das sinaleiras, de transição, de espera para uma sinalização de passagem ou detenção. Na primeira e última, mais uma vez, reunimos as cartelas com o nome do filme, nas outras 6 que são antecedidas também por uma cartela amarela com letras brancas e pretas que vão enumerando passos, vemos as formas institucionalmente indicadas para instaurar as operações de garantia da lei e da ordem (2018) e as formas que dão título aos seis blocos do filme. Fazemos um breve resumo do conteúdo de cada bloco para depois entrar mais profundamente na dissecação de cada passo. Durante o “Passo 01 - Estimular as lideranças comunitárias favoráveis às operações”, inicia com o programa Globo Repórter , de 21 de junho de 2013, o qual apresenta quem são os manifestantes das ruas brasileiras e mostra um dilema, se os manifestantes conseguem se separar dos atos violentos que aconteciam nas ruas. Onde apresentam manifestantes com os seus rostos pintados de verde e amarelo em contraste com pessoas em meio a carros pegando fogo ou, como a repórter descreve, “cenas de guerra”. No passo seguinte, intitulado “enfraquecer o ânimo e o moral das forças oponentes” apresenta um remix do Coletivo Tatu que possui imagens de protestos e veículos de imprensa duelando entre elas na busca de construir a figura do sujeito vândalo e o ato de vandalismo. Após, apresenta-se três telejornais, da Rede Globo, em que comentam sobre as cenas de violência nas ruas e como foi a atuação da PM nos protestos, em que sugerem que há uma mudança de postura do manifestante, pois quando está longe da polícia tornam-se vândalos, à medida que estão próximos dos agentes de seguranças, voltam a ser manifestantes. Posteriormente, apresentam uma comissão formada por policiais, políticos e membros da Secretaria de Segurança Pública, do RJ, na qual sugerem a perda de direitos, em especial a não utilização de máscaras em manifestações, e estas sugestões foram implantadas e comunicadas no último telejornal da TV Globo. Em “utilizar-se dos meios necessários para coibir ações individuais ou coletivas”, mais precisamente o passo 3, inicia com uma transmissão ao vivo do Mídia Ninja em que se busca encontrar um policial disfarçado que dá o sinal do conflito, as imagens tornam-se abstratas devido à fuga do cinegrafista das bombas de gás lacrimogêneo. Em seguida, descobrimos quem é o agente disfarçado, através de outro cinegrafista que é levado para um camburão e encaminhado para depor na delegacia.

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Por consequência, observamos a imagem do Jornal da Globo que apresenta imagens do confronto de policiais e manifestantes, a qual, apresenta o coquetel molotov como arma dos militantes e que pode matar um agente de segurança. Desta forma, apresentam o responsável dos atos de violência contra a PM, e esta pessoa solicita à internet, imagens em que demonstrem a não utilização de mochila pelo denunciado. Em resposta a este pedido, mostra-se algumas imagens do acusado sem portar a mochila ou qualquer artefato explosivo, logo, voltamos para um vídeo do Jornal Nacional que revela a mesma informação dada por pessoas que frequentam a internet. Através do passo 4, chamado de “restringir a liberdade de atuação das forças oponentes”, observamos as reportagens da Rede Globo que apresentam a proibição do uso de máscaras em manifestações nas ruas com autorização da justiça do Rio de Janeiro, logo, se amplia com uma fala da âncora do Jornal Nacional apresentando a nova lei de organização criminosa. Em uma imagem conflitante a esta, percebemos novamente o conflito de policiais e manifestantes, porém agora, a força policial coloca setenta pessoas em um ônibus para depor na delegacia. Desta forma, imagens de mídia-ativistas e da grande imprensa se conflitam na forma de construir o que foi o ato. Através do aumento dos conflitos nas ruas, chegamos ao passo 5, chamado de “fortalecer o sentimento de necessidade do cumprimento do dever na força empregada”, em que resulta no conflito das partes e ocasiona uma criação de um novo conflito, a morte do cinegrafista Santiago de Andrade; agora é entre manifestantes e agora contra os veículos de imprensa. Em consequência, este novo agente de conflito cria um inimigo, a militante política, chamada de Sininho, e, em resposta o jornal intitulado Nova Democracia entrevista a ativista para ela ter o poder de fala em contraposição à grande mídia. Em seguida, imagens realizadas nas ruas exibem o conflito entre polícia, pessoas e mídia-ativistas que aconteciam na cidade do Rio de Janeiro. Tenta-se vincular a militante ao político Marcelo Freixo, do PSOL. E, por fim, o passo 6 chamado de “fazer o uso progressivo da força” inicia com as imagens do Fantástico , as quais apresentam outra denúncia com a ativista Sininho que pretendia fazer atentados durante a Copa do Mundo de 2014, e em contraste, observamos vídeos das partidas de futebol com os jogadores e torcedores de diferentes etnias, celebrando a festa da copa. Enquanto isso, nas ruas, a polícia faz o uso da força para encerrar as manifestações contra a copa do mundo, e, por outro lado, o jornal RJTV celebra o evento esportivo, a ordem dada pela polícia e o exército nas ruas da cidade, e, por fim, o filme termina com a posse do então presidente interino Michel Temer em 2015.

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Figura 10 - Passo 1 - Estimular as lideranças comunitárias favoráveis às operações

Fonte: Operações da garantia da lei e da ordem (2018).

5.2.1 Passo 1 - Estimular as Lideranças Comunitárias Favoráveis às Operações

Como já referido tanto no filme quanto nesta pesquisa, a obra apresenta 6 passos que fazem parte do manual de diretrizes disponível no site do Ministério da Defesa. Devemos salientar que esta portaria normativa somente foi publicada no Diário Oficial em 19 de dezembro de 2013, ou seja, sete meses depois das manifestações de junho. No item “4.2.6. Emprego de Operações Psicológicas”, em específico o subitem 4.2.6.2 diz:

Em Op GLO, as Op Psc revestir-se-ão de suma importância e, sempre que possível, antecederão o emprego da tropa por meio de campanha psicológica a ser desenvolvida sobre o público-alvo considerado. Elas permanecerão ativas durante a operação e após seu término, perdurarão pelo tempo que for necessário podendo, inclusive, extrapolar a área de operações. (BRASIL, 2013).

Há uma cartela em cores amarela, preta e branca que anuncia o passo e o título (conforme Figura 7). Ambas cartelas entram e saem com um ruído sonoro e visual, um certo efeito glitch que, ao mesmo tempo, lembra o televisivo quando perde o sinal e um ato de interrupção, curto-cicuito, desconexão. Há um contraponto (“estimular operações” em branco, “lideranças comunitárias favoráveis”, em preto). O mundo televisivo parece mais favorável a lideranças, enquanto sujeitos personalizados. Seja repórter, entrevistado ou qualquer sujeito que entra nos mundos televisivos, geralmente, é praxe, o faz com nome e profissão ou cargo. Nas imagens dispersas na internet, produzidas por dispositivos móveis e, muitas vezes, integradas na TV construídas como desordem, assim como as próprias manifestações da época tendiam a não apostar em lideranças. Vemos sujeitos, atos, conjuntos, pessoas desenquadradas, sem nomes, sem identificação. Devemos lembrar que as manifestações não possuíam uma liderança a qual definia as pautas dos protestos e dos eventos. Geralmente, as funções de cinegrafista, repórter e,

93 inclusive, entrevistado, ficam embaralhadas ou sobrepostas na mesma pessoa no movimento das imagens dos dispositivos móveis.

Figura 11 - Ordem do enquadramento na rua

Fonte: produzido pelo autor.

O documentário se apropria de imagens televisivas que, por sua vez, se apropriaram de imagens produzidas por celular. Como podemos observar na Figura 11, o enquadramento está em plano médio e, através do braço esticado, a imagem cria uma perspectiva que direciona para algo ou alguém. Nesta parte, a voz off da jornalista Glória Maria, após descrever que os vândalos transformaram as ruas em cenários de guerra, procura mostrar jovens que condenam o caos que ocorre nos protestos. Vemos que quando a imagem televisiva se apropria das imagens de dispositivos as tornam televisivas e, como tal, as personaliza. Outra informação que se considera relevante, é o fato de que, muitas vezes, os repórteres das grandes emissoras de TV não eram permitidos a estarem perto dos manifestantes e, assim, buscavam capturar imagens do alto de prédios ou de helicópteros, conforme a Figura 12, que registra o caos e os coletivos de mídia que conseguiam se comunicar com o pessoal de frente do front . Contudo, podemos pensar que a distância das imagens profissionais se torna maior pela necessidade que a TV tem de enquadrar rostos, dar nomes e cargos, já que o telejornalismo nos acostumou, durante anos, a construir assim “sujeitos de credibilidade”. As imagens de dispositivos móveis pela excessiva proximidade (os manifestantes são protagonistas e produtores de imagens) resistem a dar formas definidas e, pela urgência em compartilhar, a dar nomes e cargos.

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Figura 12 - Sem o domínio de ser o primeiro a contar histórias

Fonte: produzido pelo autor.

Como podemos examinar acima, a imagem foi produzida por uma câmera dentro de um helicóptero e registra um grupo de pessoas cercadas de câmeras, smartphones e aparelhos similares que iluminam quem está no meio. De alguma forma, a imagem televisiva expressa seu desespero (normal em imagens de dispositivo) de não poder personalizar, dar rostos e nomes.

5.2.2 Passo 2 - Enfraquecer o Ânimo e o Moral das Forças Oponentes

Figura 13 - Passo 2 - Enfraquecer o ânimo e o moral das forças oponentes

Fonte: Operações de garantia da lei e da ordem (2018).

[…] não existe a caracterização de “inimigo” na forma clássica das operações militares, porém torna-se importante o conhecimento e a correta caracterização das

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forças que deverão ser objeto de atenção e acompanhamento e, possivelmente, enfrentamento durante a condução das operações. (BRASIL, 2013).

O segundo passo proposto para diluir as forças oponentes também aparece aqui no confronto de branco e preto. Enfraquecer oponentes (branco) e dar ânimo e moral às forças. É principalmente neste passo onde é construido um sujeito: o vândalo (preto).

Figura 14 - Vandalismo, vandalismo e preciso gravar esta situação

Fonte: produzido pelo autor.

A apresentadora da Rede Globo, Christiane Pelajo, olha diretamente à câmera e diz: “estes atos de vandalismo são uma afronta ao estado democrático de direito” (MURAT; RAMOS, 2018). Após esta fala se inicia um remix com vários trechos de telejornais, reportagens e entrevistas com políticos, comandantes da Polícia Militar e manifestantes. Todos mencionam as palavras “vandalismo”, “vândalos”, “bagunça”, “violência”, “atos de vandalismo”, “depredação e vandalismo”, “uma bela de uma bagunça”, “depredação”, “depredaram tudo que viram pela frente” e etc. O remix, produzido pelo Coletivo Tatu, repete as palavras acima à exaustão. Criamos uma tabela de quantas vezes as palavras são repetidas e em quantos veículos de imprensa aparecem, por políticos e assim por diante.

Quadro 2 - Repetições de palavras Palavras ou No Qual veículo Âncora Repórteres Entrevistados Comen- Políticos Policiais Frases de imprensa do jornal tarista TV Estes atos de 01 TV Globo 01 vandalismo são uma afronta ao Estado democrático de direito Vândalos 07 TV Globo 02 04 01 Vandalismo 16 TV Globo/ 06 07 02 02 TV Brasil/ Pronunciamento da Presidenta

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Depredação 14 SBT/TV Globo/ 05 03 01 01 02 02 TV Record Destruição 07 TV Globo/ 02 05 TV Gazeta/ TV Record Atos de 01 TV Globo 01 vandalismo Uma bela bagunça 01 TV Globo 01 Depredação e 01 TV Globo 01 vandalismo

Depredam tudo 01 SBT 01 que veem pela frente Atos de 01 TV Globo 01 vandalismo nas manifestações Cenas de 01 TV Globo vandalismo Atos criminosos 01 TV Globo 01 Protesto com 01 Band 01 baderna eu sou contra Quebra-quebra 05 TV Globo/ 02 02 01 TV Record Destruição e 03 TV Globo/ 01 02 depredação TV Gazeta Violência 02 Pronunciamento 01 da Presidenta Minoria violenta e 01 Pronunciamento 01 autoritária da Presidenta Fonte: elaborado pelo autor.

Os vândalos são produções construídas por imagens e sons que entram em coalisão: pessoas que denunciam os vândalos e são conhecidas, olham para a câmera, param, tem nome e sobrenome, versus vândalos que correm, gritam, cobrem o rosto e são anônimos. Os primeiros se preocupam com a ordem da sociedade, os segundos destroem o patrimônio público. Imagens mais claras, definidas, com a voz humana predominando na cena, versus sons sobrepostos que misturam tiros, palavrões, gritos e movimentos indiscerniveis que levam a decodificação da própria imagem ao limite. Imagens de dia, pacíficas, versus imagens de vândalos, noturnas. Estabilidade da imagem versus inestabilidade da imagem tremida e em movimento. No remix, não existe uma ordem das sequências das palavras/imagens, existe um bombardeio de imagens diversas repetindo palavras. De algum forma, o sentido de uma arma tão letal quanto uma de fogo está sendo sugerida nesta construção. Imagens (institucionais) que constroem vândalos (fora de qualquer instituição), imprimem identidade, gesto que pode ser uma arma letal.

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Figura 15 - Imagem testemunha

Fonte: produzido pelo autor.

Neste trecho em específico, Luiz continua a xingar a PM e o seu dispositivo chacoalha muito, assim, começamos a visualizar uma série de registros que se assemelham com pinturas do abstratismo, formas, cores, vultos. Um plano sequência, sem cortes, um plano de fuga bem diferente dos nítidos planos sequências de perseguições no cinema, por exemplo. Estas imagens, se montadas com uma trilha sonora suave, provavelmente seriam significadas com sentidos de imagens-arte. Acompanhadas com a simultaneidade de sons diversos, fazem com que os pontos de atenção da imagem se multipliquem ao ponto de produzir a desorientação de sentidos e de foco do olhar sobre a imagem. Desfoque, ruídos, imagem tremida que imprimem as características do corpo em situação de fuga, mas também, as características do dispositivo, leve, com câmera, segurado na mão e com bateria. Vândalos, então, são montagens que associam ao vandalismo as características visuais e sonoras mencionadas. Outro detalhe, se utilizarmos o Color Adobe para apresentarmos as cores presentes na imagem acima, encontraremos cores muito parecidas com a primeira figura que representa a desordem e o caos. Sendo assim, primeiramente, vamos demonstrar as cores utilizadas na Figura 15 e depois uma comparação com a primeira imagem da análise. Podemos perceber o predomínio do marrom com algumas tonalidades mais para o amarelo ou mais para o preto. Agora, se compararmos a paleta de cor da primeira imagem considerada em desordem e com a Figura 15, podemos ver algumas semelhanças que discutiremos a seguir, mas, observemos que se bem análogos à sépia estão no conjunto, eles incluem também o preto, a noite, ambiente do vandalismo.

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Figura 16 - As cores da imagem testemunha

Fonte: produzido pelo autor.

Figura 17 - Comparação da paleta da desordem 01 com a 02

Fonte: produzido pelo autor.

5.2.3. Passo 3 - Utilizar-se dos Meios Necessários para Coibir Ações Individuais ou Coletivas

Figura 18 - Passo 3 - Utilizar-se dos meios necessários para coibir ações individuais ou coletivas

Fonte: Operações de garantia da lei e da ordem (2018).

O Estado, com o objetivo de proteger os interesses da sociedade, poderá agir de forma coercitiva e utilizar-se dos meios necessários para coibir ações individuais ou coletivas contrárias ao ordenamento jurídico, cujos órgãos responsáveis pela sua preservação constam do art. 144 da CF. (BRASIL, 2013).

Um dos objetivos nesta parte do manual da GLO são:

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a) controlar a população; b) proporcionar segurança à tropa, às autoridades, às instalações, aos serviços essenciais, à população e às vias de transportes; c) diminuir a capacidade de atuação das Forças oponentes e restringir-lhes a liberdade de atuação; d) apreender material e suprimentos. (Brasil, 2013).

Mais uma vez o jogo de cores nos leva a pensar nas imagens e separar a utilização de ações individuais e coletivas (em preto) dos meios para coibir (branco). Aparecem aqui os registros realizados pelo canal do YouTube chamado Mídia Ninja, no momento das manifestações ocorridas no Rio de Janeiro, em que a polícia usa bombas de gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes. Neste acontecimento, prendem um “ninja” (cinegrafista do grupo). Logo após, se inicia uma cartela cinza com a lista de três telejornais da emissora de televisão Rede Globo, sendo eles o Jornal da Globo , o RJ TV e o Jornal Nacional . Nestes referidos telejornais são apresentadas as reportagens sobre a prisão de Bruno Ferreira Telles, o cinegrafista “ninja”, citado anteriormente, por carregar coquetel molotov . Posteriormente, entra em cena uma entrevista realizada pelo canal do YouTube, PósTV , na qual o acusado pela polícia revela que não estava vestindo máscara no protesto e muito menos uma mochila que carregava o explosivo. Bruno, solicita que os seguidores/espectadores do canal, divulguem vídeos que o mostram sem mochila e sem máscara para apresentar aos órgãos responsáveis, como prova de sua inocência. Ou seja, ele não se enquadraria nas imagens de vândalos. Em seguida, o documentário exibe dois vídeos que mostram Bruno sem os itens citados – máscara e mochila –, sendo um deles da própria Rede Globo. Ambos os vídeos se utilizam da cartela cinza, mencionada em parágrafo anterior, a qual o cinegrafista chama de “a verdade dói”. Através de uma filmagem panorâmica da esquerda para direita, pela técnica de edição slow motion , podemos observar o denunciado sem a mochila cheia de coquetéis molotov e sem a máscara. Posteriormente, em outra lista de registros audiovisuais dos protestos, o filme apresenta outra usuária do YouTube chamada de Maria Mar, com os seus dois vídeos intitulados, “caça ao Bruno, preso na manifestação do dia 22/07/13” e “Bruno é preso e carregado por policiais – Manifestação Rio 22/07/13”. Estes vídeos demonstram como alguns policiais deixam passar o seu P2 (forma de denominar o policial à paisana, sem uniforme), pela barreira montada por vários outros colegas de profissão. Após este ato, Bruno corre da polícia que o persegue até prendê-lo e exibi-lo para as câmeras da imprensa. A seguir, é exibida a imagem em que Bruno é apresentado para imprensa como o responsável dos artefatos explosivos. Esta escolha é importante para demonstrar qual foi a representação deste manifestante como violento, um vândalo.

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Figura 19 - Versão grande imprensa e a versão militante

Fonte: produzido pelo autor.

O centro deste passo está na construção de uma acusação e a sua defesa com as imagens testemunhas. Sendo que a Figura 19, mostra quando a polícia deteve Bruno por porte de coquetel molotov , sendo que na outra imagem colada a esta, se pode perceber o manifestante sendo exibido à imprensa para a opinião pública, o líder ou o responsável pelos ataques explosivos. Neste momento, se forma um círculo de fotojornalistas e cinegrafistas em volta deles (polícia e Bruno) que registram o então considerado criminoso e, consequentemente, os protestos. As imagens do fato disputam sentidos e elas darão o veredito. Elas darão um sentido hoje, outro amanhã. Há uma disputa de sentidos entre câmeras profissionais que “registram” e câmeras de dispositivos móveis que “testemunham”, que veriam mais de perto. Uma disputa de sentidos que estão incrustados nas câmeras e nas mídias em que elas se movem. O usuário LeitaoCarioca com o vídeo “Entenda como foi orquestrada a ação de um P2 pela polícia” e analisa um outro material audiovisual disponível no canal do YouTube do usuário Metalnoguns. O documentário se utiliza da narração para descrever as imagens e os atos de policiais e também de Bruno Ferreira. Isso será abordado em uma imagem que ampliaremos a seguir.

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Figura 20 - A inocência vem da internet

Fonte: produzido pelo autor.

Primeiramente, ouvimos a voz do usuário, o ruído do cooler do seu computador e o clique do seu mouse quando decide pausar o vídeo. A técnica das imagens mais uma vez se imprime nas suas superfícies. Neste momento, inicia sua análise de como a polícia utilizou um P2, que veste camisa preta com estampa, para jogar o artefato explosivo, ocasionando o confronto entre os policiais e os manifestantes. O narrador, parece estar em um ambiente silencioso, pois não ouvimos barulhos de carros, sirenes ou pessoas conversando na rua, o que seria um suposto típico ambiente sonoro de um centro urbano. O que torna interessante este caso de Bruno Ferreira Telles, é o tensionamento entre imagens e também entre plataformas de mídias pela busca da narrativa vigente dentro do filme. O documentário se vale de três vídeos diferentes realizados por ativistas, sendo dois localizados no YouTube e um no Facebook, datados de 2013, que buscam demonstrar a inocência de Bruno. Estas imagens integram agora um elemento importante da tecnocultura: as plataformas nas quais se compartilham os vídeos de imediato, enquanto se estão produzindo ou poucos minutos depois. O filme como um grande banco de dados de imagens resulta numa metáfora da diversidade de naturezas de imagens e sons que estão disponíveis hoje para “dizer” qualquer coisa, inclusive coibir (ou não) ações individuais ou coletivas. Neste trecho exibido na Figura 20, percebemos uma imagem do vídeo bastante pixelada e fora de foco. Pareceria que quanto mais desfocada e de baixa resolução for a imagem, mais sentidos de testemunha ela tem. Durante este fragmento do filme, observamos o usuário do YouTube intitulado Leitaocarioca, narrando como foi orquestrada a ação de um P2 pela polícia para coibir o manifestante. Em determinado momento, Leitao pausa o vídeo

102 para fazer uma comparação com outro vídeo que possui uma pessoa vestindo uma camiseta com estampa como se fosse a mesma pessoa do registro anterior. Porém, não fica claro, devido a imagem ser de baixa qualidade (muito pixelada) se a pessoa que joga o molotov é a mesma que caminha entre policiais, posteriormente. No lado esquerdo, o registro audiovisual apresenta o P2 como a pessoa de camiseta preta de estampa e no lado direito, o P2 caminhando entre os policiais, Leitaocarioca sugere, destacando através do mouse, ao ressaltar fazendo círculos com o cursor, sinalizando ser a mesma camiseta, e, concluindo, portanto, ser a mesma pessoa.

Figura 21 - O P2 por uma câmera de baixa resolução e outra com melhor resolução

Fonte: produzido pelo autor.

Como podemos observar, devido a baixa resolução da câmera, talvez não se consiga afirmar claramente que em ambas as imagens são a mesma pessoa, porque, além da diferença de nitidez, não apresenta-se outro tipo de imagem que mostra que tipo de estampa é. Explico. A imagem na esquerda, é enquadrada através do plano médio e com a sua composição de quadro, composta, por várias pessoas no entorno do incendiário, por outro lado, à direita, o enquadramento se inicia filmando os policiais e realiza uma panorâmica da direita para a esquerda em que observamos o rapaz se aproximando e a estampa da camiseta fica escondida por outros agentes de segurança do local. Outro motivo que dificulta a identificação, seria o movimento de câmera somado a uma dificuldade técnica que a câmera digital, em especial o modelo DSLR, acaba criando um rastro em desfoque, onde só se estabilizará e focará ao término da panorâmica. Bruno Ferreira Teles solicitou aos espectadores do canal PósTV , imagens que provassem sua inocência, porque estes registros possuiriam um caráter “amador”, e, portanto, “mais real”, sem cortes, edições e manipulação das imagens. Repensemos essa afirmação de outra ótica ao lembrar, por exemplo, uma série de imagens do atentado ao candidato à

103 presidência Jair Bolsonaro, em que mostravam-se imagens muito mexidas e muito próximas dos sujeitos filmados e onde uma voz off narrava ver a arma do atentado passada de uma pessoa para outra, fato que foi totalmente desmentido pela justiça. Ou seja, as imagens amadoras carregam com elas sentidos de verdade, de realidade, de ser imagens despretensiosas, simples testemunhas. Podemos ver aqui a qualidade de fragmento das imagens e o sentido que vai se atualizar a cada montagem destes fragmentos, a cada conflito.

5.2.4 Passo 4 - Restringir a Liberdade de Atuação das Forças Oponentes

Figura 22 - Passo 4 - Restringir a liberdade de atuação das forças oponentes

Fonte: Operações de garantia da lei e da ordem (2018).

Na Figura 22, mais uma vez o confronto branco e preto: restringir (branco) forças oponentes (branco) e ter para isso liberdade (preto) de atuação. Todos estes conflitos estão positivados na OpGLO e problematizados na montagem audiovisual: restringir as forças oponentes entra em coalisão com a liberdade de atuação. Neste capítulo predominam imagens de repressão pois, neste passo, o manual da OpGLO, diz que as ações repressivas “[…] são desenvolvidas para fazer frente a uma ameaça concretizada, com o intuito de se restabelecer o livre estado democrático de direito, a paz social e a ordem pública”. (BRASIL, 2013). E quando se refere às operações policiais, o manual deixa claro que os agentes de segurança poderão “[…] agir de forma coercitiva e utilizar-se dos meios necessários para coibir ações individuais ou coletivas contrárias ao ordenamento jurídico […]”. (BRASIL, 2013). Entretanto, como pode-se observar no filme, muitas vezes, a polícia militar age contra o ordenamento jurídico, quando, por exemplo, coloca setenta pessoas em cinco ônibus para levar à delegacia para prestar depoimentos, julgando, antecipadamente, como um grupo de

104 uma organização criminosa, corrupção de menores e outros crimes e que, posteriormente, seriam estas pessoas levadas ao presídio de Bangu. Nesta etapa, chegamos na parte sobre a representação deste trecho no filme, em que se resume a continuação das manifestações e a proibição de usar máscaras em protestos, sendo o trabalho da polícia o de “manter ou restabelecer a ordem pública em situações de vandalismo, desordem ou tumultos”. Primeiramente, observamos a cartela cinza com a indicação do vídeo realizado pelo Coletivo Mariachi, que apresenta uma manifestação ao som de instrumentos de sopro e percussão, onde os manifestantes estão fantasiados e mascarados e dançam ao som da banda que os acompanha e abraçam a PM que tenta detê-los. É introduzido, assim, um outro sentido para as máscaras (festa, carnaval, multiplicação de sentidos) e outras imagens de resistência (associadas à festa). Há uma inserção da antiga âncora do Jornal das Dez Horas , exibido pela Globo News, revelando ao telespectador que houve um protesto de forma inusitada e relata o que foi narrado acima e encerra com a frase “nada foi destruído”. Em seguida, o Jornal Nacional revela que o Senado aprovou a tipificação do crime de organização criminosa e que, como este projeto de lei, ajuda a lutar contra o crime organizado, estabelecendo de três até oito anos de prisão para quem participar, promover ou financiar atos criminosos, definindo como a organização de quatro pessoas ou mais para a prática de crimes. No jornal da RJTV, apresentam um protesto realizado por professores para o aumento de seus salários, e que foi considerado um protesto pacífico pela âncora. Em certa forma, o pacífico versus violento é claramente associado a alguns sentidos, principalmente àqueles que aproximam a gramática dos protestos à lógica das imagens televisivas que são identificados (lhes são impressas identidades de) como pacíficos. Ao mesmo tempo há, neste bloco, a construção de sujeitos na gramática televisiva e na rua produzindo um tensionamento de sentidos. Particularmente, aparecem as falas de manifestante, polícia, repórter independente e advogado, ressignificando a rua desde as gramáticas televisivas: como lugar da reportagem, do sujeito personalizado e não só de anonimato, conforme Figura 23:

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Figura 23 - Os representados

Fonte: produzido pelo autor.

O modo televisivo de recortar o mundo está muito ligado a poderes: o poder judiciário, a polícia, a imprensa e, sobretudo, a instituição televisiva e a emissora em si que se dão a ver enquanto instituidoras de ordem. Na imagem do repórter da Globo, é exibida a escadaria da ALERJ sem pessoas, demonstrando, numa das primeiras vezes, o profissional repórter da grande imprensa em um lugar do protesto sem ser expulso, diferentemente dos repórteres independentes como o Jornal da Nova Democracia e o Mídia Independente Coletiva , que estão, frequentemente, muito próximos ou dentro do protesto. Se olharmos na imagem que está na segunda fileira, a segunda imagem saindo da direita para esquerda ou vice-versa, percebemos um ônibus de polícia e pessoas que portam câmeras ou smartphones apontados para o veículo, onde estão pessoas presas sem nenhuma justificativa. O coletivo MIC descobre um advogado que está próximo ao ônibus, o qual informa que a polícia não pode fazer nada. Segundo ele, os agentes de segurança só reconhecem a sua profissão estando em um escritório. Neste momento, o advogado se exalta e diz que a sua carteira da OAB, vale em todo território brasileiro, seja fórum, escritório ou nas ruas. Seja a TV Globo, o Jornal Nova Democracia , o MIC ou qualquer instituição produtora de imagens (passa por uma empresa, ou instituição, mas também por escolhas técnicas, éticas e estéticas) é sempre uma construção de mundo, parcial, limitada a esta escolhas e possibilidades.

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Figura 24 - Os representantes

Fonte: produzido pelo autor.

As imagens da Figura 24 demonstram algum tipo de conflito. A figura feita pelo cinegrafista da Rede Globo, sobre o combate entre manifestantes e policiais, talvez seja um dos poucos momentos em que assistimos um registro do confronto feito por cinegrafista da emissora dentro do olho do furacão. Podemos evidenciar na Figura 25, uma linha de perspectiva em que à frente, estão pessoas se protegendo atrás de placas ou lixeiras das bombas lançadas, ao fundo, pela polícia.

Figura 25 - Conflito espacial

Fonte: produzido pelo autor.

Em volta destes manifestantes existem agentes de segurança detendo-os e conduzindo- os para o ônibus. Com a câmera acompanhando, podemos perceber que, mais a frente, é exibido um cordão policial que separa a imprensa e as pessoas da escadaria e dentro deste

107 cordão existe um corpo/imagem registrando todos, mas nunca apresenta sua figura para quem assiste. Após isto, mostra-se a Figura 26 com a fala do advogado em voz off , relatando as duas formas de ser preso perante a lei e logo percebemos o ônibus e o grupo sendo levado.

Figura 26 - Imagem representante do MIC

Fonte: produzido pelo autor.

A imagem acima apresenta proximidade entre o corpo/imagem com as pessoas em volta do ônibus, em que se perde a profundidade de campo e ganha-se na perspectiva, sendo ela uma linha reta que, chegando ao fundo, podemos ver o que parecem ser luzes de poste. Com esta linha criada de visão, conseguimos identificar que há várias pessoas próximas, muitas vezes, coladas umas às outras, demonstrando um achatamento da figura dos indivíduos com o fundo.

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Figura 27 - O curioso, o rosto para o espetáculo e o indiferente

Fonte: produzido pelo autor.

As duas imagens do Jornal Nova Democracia que se encontram abaixo são relevantes, pois este coletivo não consegue adentrar além do cordão de isolamento, logo, partem para outra abordagem, sendo a de seguir os ônibus que levam os detidos e registrar momentos de disparos de arma de fogo contra manifestantes, exibindo o medo e o desespero de quem tenta se proteger. Posteriormente, o jornal entrevista, na delegacia, os detidos que relatam sobre a apreensão, dizendo não saber o por quê de estarem lá e retrata o desespero de ir para o presídio de Bangu.

Figura 28 - Jornal Nova Democracia

Fonte: produzido pelo autor.

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Acima, observamos uma perspectiva muito bem definida, do lado esquerdo mídia- ativistas e pessoas e, do lado direito, policiais com seus escudos. Ao fundo, o prédio da ALERJ iluminado que, devido ao cordão de isolamento, não conseguimos ver as pessoas sentadas nas escadarias e nem o coletivo MIC filmando e criando provas de inocência para aquelas pessoas. O passo 4 deixa clara a criminalização e a resistência, em termos de construção de sentido, e o lugar das imagens no cenário contemporâneo. Ao longo de todo o filme há imagens montadas para acusar e imagens montadas para absolver como num grande tribunal. Isto tudo dentro das imagens televisivas e dentro das imagens produzidas por dispositivos, assim como na relação de umas com as outras. O centro das imagens deste bloco está nas imagens e em poder produzi-las; o advogado que defende toda e qualquer identidade parece estar mais no fato de poder produzir imagens que informem (no sentido de dar forma, dar identidade). O grupo de manifestantes que é levado preso, o advogado que, na rua, os defende, as imagens dos que os aprisionam parecem, de alguma forma, reinvindicar mais do que o ato de manifestar a liberdade para imaginar tecnicamente e compartilhar estas imagens.

5.2.5 Passo 5 - Fortalecer o Sentimento de Necessidade do Dever na Força Empregada

Figura 29 - Passo 5 - Fortalecer o sentimento de necessidade do dever na força empregada

Fonte: Operações de Garantia da Lei e da Ordem (2018).

Este passo traz, na cor branca, o fortalecer a força empregada e, em preto, aposta no sentimento de necessidade de cumprir o dever. Ao longo deste bloco aparece o editor-chefe do jornal O Globo , num programa junto a convidados do coletivo Mídia Ninja e de outros veículos de informação. Há um enfrentamento no momento em que os convidados discutem o

110 cumprimento do dever do jornalista e a força empregada na maneira de construir a informação. O debate se acirra entre ambos. O editor do jornal defende a matéria a respeito dos setenta detidos. Um dos representantes do Mídia Ninja diz considerar a matéria criminosa, porque o jornal já havia julgado aquelas pessoas e defendia a prisão delas. A disposição no estúdio é de enfrentamento, como num ringue, que lembra programas que buscam e valorizam o exaltamento como o Programa do Ratinho, do SBT e tantos outros. Há um fato central no debate e no bloco que é a morte de um cinegrafista, Santiago Andrade, da Rede Bandeirantes de Televisão que, posteriormente, narrada pelo apresentador Ricardo Boechat diz:

Uma nota do Grupo Bandeirante: a tragédia que envolve a morte do cinegrafista Santiago Andrade, que nós arrasados diante de um colega nosso, é mais uma evidência de que a desordem está imperando nas ruas de nossas cidades. O desvairado que soltou a bomba assassina, é um exemplar de um baderneiro, como que tantos que vêem espalhando terror, estão infiltrados com manifestantes. A força de reação que encontram não tem sido suficiente para intimidar, pelo contrário, estão cada vez mais ousados e seguros nas suas ações violentas. A Band vai acompanhar a investigação, o processo e condenação desse assassino e seu grupo. E ao fazer isso, não estará solidária com a família de Santiago Andrade, mas com toda família brasileira, não suporta mais viver cercada com tantas ameaças, se sentindo numa terra de ninguém. (BRASIL, 2013).

Na sequência apresentam-se duas imagens de fontes diferentes e com estéticas semelhantes. O tensionamento entre elas se dá pelo fato de que um trecho é um telejornal exibido por canal de televisão, que possui uma concessão pública dada pelo governo federal, ou seja, é legitimada para operar e trabalhar no Brasil. De outro lado, temos um rapaz que possui um canal no YouTube, que chama de TV na internet, possuindo mais de vinte um mil seguidores e que segue as lógicas dos telejornais. Em resumo, “o programa Tony Silva”. Nesta reportagem, existe a fala do ex-âncora do programa, Marcelo Rezende, incitando a violência ao afirmar que os manifestantes são corajosos quando estão em um grupo de trinta ou quarenta pessoas, mas quando estão sozinhos ficam com medo. Então, Tony Silva revela que concorda com o âncora e que o sentimento do cinegrafista era de se vingar da morte do seu colega. Logo depois encerra o seu jornal ou plantão. O jornal RJTV, exibido no dia 10 de fevereiro de 2014, relata o último adeus a Santiago Andrade por algumas manifestações, na praia do Rio, e o seu sepultamento. Esta narrativa acontece enquanto a jornalista está atrás de uma bancada, um objeto de cenário característico de telejornais, e, ao fundo, podemos ver a cidade do Rio de Janeiro através de

111 um vidro; no mesmo momento ela olha diretamente à câmera e faz uma explanação do que acabamos de descrever. Por outro lado, o trecho de Tony Silva se inicia com a câmera aproximando-se dele, que não diz nada até fechar em um plano médio e aparecer a legenda dizendo o seu nome. Tony inicia a sua fala relatando que uma imagem lhe chamou a atenção, a de um black block ameaçando outro cinegrafista, na qual revela que este trecho foi registrado pela TV Record. Ao assistirmos, percebemos a tela ser dividida. De um lado, assistimos o programa Cidade Alerta e de outro está Tony Silva observando a imagem descrita e, no fim, ele concorda com a narração do vídeo e encerra o programa com o logo do “Urgente TV Tony Silva”. Esse trecho resulta extremamente desconcertante no vídeo, por uma lado se trata de uma questão muito séria, a morte de alguém, por outro lado há uma construção imagética que obedece aos critérios mais previsíveis e imprevisíveis ao mesmo tempo. Tony Silva significa um cidadão qualquer, que pode construir imagens que referenciam com tanto exagero os telejornais das emissoras que chegam a lhe dar um tom cômico. O âncora , num cenário clássico, olha para a câmera que deve olhar, insere os créditos, fala, cala, arruma os papéis e a camisa no final do telejornal, um jornal extremamente breve. O cumprimento do dever no que diz respeito às imagens parece passar pelos imaginários já institucionalizados de cumprimento do dever informativo, os telejornais, com seus cenários, repórteres, âncoras, notícias, enquadramentos. O uso da força está em obedecer forçosamente estes imaginários de credibilidade, inclusive na cor azul cromada que refere o equilíbrio entre o racional e emocional e a tecnologia. Ao mesmo tempo, o documentário fala de uma insurreição das imagens que podem copiar, mimetizar, desconcertar.

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5.3.6 Passo 6 - Fazer o uso Progressivo da Força

Figura 30 - Passo 6 - Fazer o uso progressivo da força

Fonte: Operações de garantia da lei e da ordem (2018).

Fazer força (em letra branca) no uso progressivo (letra preta). Podemos pensar aqui, no último passo, que este uso progressivo é o das imagens. Ao longo dos diversos blocos do documentário imagens foram sendo usadas, apropriadas e colocadas em novas montagens ao ponto de forçar estas construções com diversidade de fontes, autores, estéticas. Imagens realizadas pelos coletivos de mídia como PósTV, Mariachi, Jornal Nova Democracia e Prezz Livre constroem sentidos que associam violência e polícia, polícia e contrariedade às leis e ao Estado Democrático de Direito.

Nas Operações da GLO, o embate com os agentes de perturbação da ordem pública deverá ser evitado, buscando-se a solução por meios pacíficos. Nas situações em que estes meios se mostrarem inadequados e as RE permitirem, a tropa deverá fazer o uso progressivo da força. (BRASIL, 2013).

A força aparece ao longo do filme como um construto que passa pela repressão de manifestantes por parte da polícia, pelo uso do aparelho técnico por parte de grandes empresas, mas, também, pela dispersão e a capacidade de produzir imagens que qualquer sujeito tem dadas as características da contemporaneidade e o lugar da imagem na atualidade.

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Figura 31 - Passo 6 - Fazer o uso progressivo da força

Fonte: produzido pelo autor.

O foco, neste último, passo está na comemoração da ordem conseguida. Imagens das ruas brasileiras, já não tanto com manifestantes e, sim, com policiais e repórteres comentando a tranquilidade com que transcorreram os acontecimentos durante a copa do mundo. Eles também insistem em como seria o Brasil se todo o ano fosse assim, controlado pela polícia. Numa sequência de imagens, nas que falam repórteres e representantes de órgãos de segurança do governo, parece haver um silenciamento. As imagens televisivas aqui não saem com o som ambiente, as imagens de manifestantes estão sem som e eles aparecem atrás da faixa determinada pela polícia. Imagens de manifestantes presos, chutados na rua. Há um conflito sugerido num mundo silenciado, mas chamado aqui de finalmente ordenado. As imagens do campo de futebol com a abertura da Copa do mundo e os fogos de artificio comemorativos que se misturam com sons de tiros dá significados a um mundo “limpo”, organizado, institucionalizado, que resulta da OpGLO, é aí que entra a cartela com o nome do filme. O uso progressivo da força refere-se, sim, a uma norma governamental que autoriza a violência progressiva para reprimir, mas, sobretudo, de imagens produzidas por diversos sujeitos e diversos dispositivos para produzir diversos sentidos, que acabam sendo reenquadradas com um sentido dominante, mas isso não acaba aí. As imagens podem fazer parte de uma insurreição e se atualizar em novas montagens. Talvez isto venha à tona quando, depois da cartola com o nome do filme, ainda há um longo discurso de Michel Temer, na posse dos ministros, quando já se previa sua toma do mando e o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

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Depois dos seis passos para instaurar a ordem, lembramos o início do filme, a presidente Dilma, sua divisão de mundo entre manifestantes pacíficos e uma minoria de vândalos e o atual presidente que faz parte do movimento que derruba a presidenta Dilma, portanto reestabelece a mesma lei que decreta outros sujeitos do lado da lei e outros fora da lei. Enquanto as Operações de garantia da lei e da ordem (2018) continuem em vigência, as imagens de mocinhos e bandidos, com toda a liberdade para reprimir bandidos, continuará existindo e poderá ir mudando a montagem desta dinâmica. O documentário revela que o fragmento e seu lugar no banco de dados têm o potencial de organizar o mundo audiovisual e a nossa percepção do mundo da vida com grande liberdade de montagens. A liberdade é inversamente proporcional à força, palavra que se torna mais presente na medida que se avançam os passos.

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6 MAPA 3 - A NATUREZA DAS IMAGENS COMO BANCO DE DADOS OU CONSIDERAÇÕES FINAIS

O terceiro e último mapa reuniria 28 cartelas que seguem a mesma dinâmica, por isto considerou-se melhor inserir aqui apenas algumas para comentar sua dinâmica no conjunto do filme.

Figura 32 - Mapa 3 - A natureza das imagens como banco de dados

Fonte: produzido pelo autor.

Após a cartela com o passo e o nome dado a ele, vem uma cartela cinza com os créditos dados aos filmes que vão aparecer posteriormente. Estas cartelas organizam miniblocos dentro de cada bloco e, talvez, poderíamos pensar em pequenos passos dentro de cada um dos seis grandes passos. Em alguns casos, geralmente no início do bloco, são montados diversos vídeos curtos, em outros momentos, um único vídeo ocupa todo o minibloco. O modo de creditar os vídeos é trazendo o meio (emissora, jornal, canal do YouTube, etc) produtor de imagens e, logo abaixo, em letras menores o título da matéria, ou do programa. Na composição as imagens do Mapa completo nos lembram um grande arquivo cinza com gavetas (as maçanetas das gavetas são os títulos maiores e o que encontramos dentro nas gavetas, os títulos menores). Um grande arquivo que foi aberto aqui, numa organização determinada, para colocar imagens de conflito em conflito. O potencial das imagens de compor sentidos que não terminam num filme, nem no programa ou espaço

116 anterior em que estas imagens foram exibidas, mas muda a cada atualização é umas das questões centrais da obra lembradas a cada vez que aparece uma cartela cinza. A abertura destas gavetas nos dizem algumas coisas sobre o filme e sobre a questão central desta dissertação: como se atualiza o conflito nas imagens de Operações de garantia da lei e da ordem . (MURAT; RAMOS, 2018) . A imagem, toda e qualquer imagem, é composta de fragmentos que atualizam seus sentidos por meio de hardwares e softwares. Esta natureza da imagem é o que permite fazer inúmeras combinações contraditórias ou não. O filme opera o tempo inteiro com a contradição de sentidos dadas às mesmas imagens em diferentes montagens. Como se lá dentro das gavetas (virtuais) as imagens pudessem se reduzir a uma unidade mínima à espera de sentido, à espera de montagem. Retomamos, neste momento, às reflexões de Manovich (2001) e sua forma de pensar a imagem-banco de dados e o lugar que ele dá ao software na cultura contemporânea. As montagens realizadas e as que ainda se realizarão destas imagens se tornam possíveis por meio de software e hardware. O software e o hardware são centrais na produção e na percepção do conflito. Cortar, colar, inserir filtros, dar novas sequências, legendar imagens, são formas de abrir as gavetas dos arquivos e atualizar novos sentidos. Vivemos uma tecnocultura que coloca como valor central a audiovisualização do cotidiano. Retomamos aqui aos pesquisadores Fischer (2013), Machado (2007), Benjamin (1986), McLuhan (2007) para pensar o conjunto de dispositivos que estão disponíveis hoje para imaginar, isto é: produzir, compartilhar, editar, voltar a usar as imagens. Esta realidade técnica dinamiza uma realidade cultural que coloca a produção de imagens de questões cotidianas como relevante. Desde o café da manhã à defesa da dissertação, passando por um conflito de rua ou um acidente que a TV não cobriu mas, alguém estava por perto com um celular na mão. Produzir imagens é a palavra de ordem, elas algum dia poderão (ou não) ser úteis para alguma coisa, quem sabe um audiovisual, um telejornal. Embora há um conflito permanente entre as características de imagens institucionalizadas pela televisão e as imagens produzidas por dispositivos móveis, o embate constante que a tecnocultura possibilita é que essas imagens vão sendo repetidamente associadas a determinados sentidos, nascendo assim a imagem de realidade, a imagem testemunha, as imagens extensões do corpo, imagens de urgência. Os tipos de conflito mais recorrentes são os que constroem as imagens de conflitos. Se Eisenstein (2002) assinalava os conflitos gráficos, de planos, de volumes, espacial, de luz, do posto de vista (conseguido pela distorção espacial através do ângulo da câmera), entre assunto e sua natureza espacial (conseguido pela distorção ótica das lentes), entre um evento e sua

117 natureza temporal (conseguido pela câmera lenta ou movimento parado) e, finalmente, entre todo o complexo ótico e uma esfera bastante diferente, assim como o conflito entre a experiência ótica e acústica, como centrais no cinema, eles se mostram muito atuais para pensar as imagens abordadas nesta pesquisa. Vemos um retorno da escrita, do recurso da cartela, da legendagem ao ponto de que elas são grandes produtoras de sentido no filme. Mas elas são, também, expressividades da cultura de produção de conteúdo, inclusive de softwares que vêm prontos para remixar uma foto com uma legenda. A cartela escrita com longos planos e espaços de silêncio para ler, entra em conflito com a percepção de movimento vertiginosa da imagem-corpo que chega a perder todas as formas reconhecíveis. No que diz respeito à iluminação, vemos um conflito entre as imagens de TV (as do filme e instruções de qualquer manual de telejornalismo) e as imagens de conflito de rua. A noite, a escuridão que chega ao ponto de uma mancha preta na imagem com gritos e ruídos é uma imagem recorrente no filme com claros sentidos de enfrentamento. Quando as imagens chegam ao limite de suas possibilidades (de movimento, iluminação) elas parecem ser mais eficientes para mostrar o conflito e demandam legendas para explicá-lo, mas ainda assim, quando elas aparecem no filme é quando o conflito chega a sua máxima expressão. Com relação às marcas do corpo na imagem, observa-se nas imagens de Operações de garantia da lei e da ordem diversas marcas do corpo que carrega o celular, dos corpos que estão próximos e do corpo cultural como um todo. Neste sentido, o filme emaranha os sentidos do corpo institucional e as imagens de poder e o corpo individual na multidão e sua extensão num smartphone que tem o papel de testemunha. Numa sociedade audiovisualizada os smartphones e suas imagens compartilhadas são apresentados com força de enfrentar imagens institucionais. Parafraseando Bauman (2004), no livro Amor líquido , ninguém está sozinho ou fora do mundo quando está com um telefone celular com bateria. É o caso, entre outros, quando vemos os manifestantes sendo presos sem motivo, sem advogado, mas com um telefone celular que registra a cena. Elencamos algumas das questões que decifram imagens de conflito em conflito e o fizemos em forma de lista como se tiradas dos gaveteiros cinzas. Como poderão surgir inúmeros sentidos outros de qualquer fragmento, abrindo mais uma vez as gavetas de Operações de garantia da lei e da ordem (2018) , poderão sair muitas outras abordagens. O grande banco de dados da montagem audiovisual parece ser aqui uma metáfora da história recente do Brasil em que políticos, presidentes, e diversos poderes vão também adquirindo diferentes sentidos no período em questão que inicia com a Presidente da República derrubada

118 no final do filme, embora estas imagens e tantas outras ficaram nos grandes arquivos cinzas da contemporaneidade brasileira.

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