2.º CICLO ESTUDOS ANGLO-AMERICANOS

Breakfast at Tiffany’s: Representações do Feminino na América dos Anos Cinquenta

VOLUME I

Fernando Manuel Lopes Pereira

M 2019

Fernando Manuel Lopes Pereira

Breakfast at Tiffany’s: Representações do Feminino na América dos Anos Cinquenta

VOLUME I

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Estudos Anglo-Americanos, orientada pelo Professor Doutor Carlos Manuel da Rocha Borges de Azevedo

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

setembro de 2019

Breakfast at Tiffany’s: Representações do Feminino na América dos Anos Cinquenta

VOLUME I

Fernando Manuel Lopes Pereira

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Estudos Anglo-Americanos, orientada pelo Professor Doutor Carlos Manuel da Rocha Borges de Azevedo

Membros do Júri

Professor Doutor Carlos Azevedo Faculdade de Letras - Universidade do Porto

Professor Doutor Rui Carvalho Homem Faculdade de Letras - Universidade do Porto

Professora Doutora Isabel Maria Fernandes Alves Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Classificação obtida: 15 valores

Sumário

Declaração de honra ...... 8

Agradecimentos ...... 9

Resumo ...... 10

Abstract ...... 11

Introdução ...... 13

Capítulo 1 - Um Contexto para a Ficção de Truman Capote...... 16

1.1. A Mulher Ideal do Pós-Guerra ...... 17

1.2. A Vida nos Subúrbios ...... 20

1.3. Baby Boom ...... 22

1.4. Beat Generation ...... 23

1.5. Pop Art ...... 25

1.6. Nova Iorque ...... 26

1.7. Truman Capote ...... 28

1.8. Os Estilos de Truman Capote ...... 31

1.9. O Novo Jornalismo ...... 32

Capítulo 2 - Breakfast at Tiffany’s: A Novela e o Filme ...... 36

2.1. Breakfast at Tiffany’s: O Livro ...... 37

2.2. As Várias Faces de Holly na Novela de Capote ...... 40

2.3. Acerca da Superficialidade de Breakfast at Tiffany’s ...... 47

2.4. Breakfast at Tiffany’s: O Filme ...... 49

Capítulo 3 - A História do Livro e do Filme: Adaptação e Crítica ...... 55

3.1. Análise Comparativa: A Novela e o Filme ...... 56

3.2. Holly Golightly e a Mulher do Pós-Guerra dos Anos Cinquenta ...... 58 6

3.3. Adaptações ao Cinema: Relações Entre a Grande Arte e a Sétima Arte . 63

3.4. A Adaptação de Breakfast at Tiffany’s ...... 68

3.5. O Cinema Face à Crítica ...... 69

3.6. Censura ...... 70

3.7. A Receção do Filme em 1961 ...... 71

3.8. O Legado de Audrey Hepburn como Holly Golightly ...... 73

Conclusão ...... 77

Referências bibliográficas ...... 82

Filmografia ...... 87

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Declaração de honra

Declaro que a presente dissertação é de minha autoria e não foi utilizada previamente noutro curso ou unidade curricular, desta ou de outra instituição. As referências a outros autores (afirmações, ideias, pensamentos) respeitam escrupulosamente as regras da atribuição, e encontram-se devidamente indicadas no texto e nas referências bibliográficas, de acordo com as normas de referenciação. Tenho consciência de que a prática de plágio e auto-plágio constitui um ilícito académico.

Porto, 22 de setembro de 2019

Fernando Manuel Lopes Pereira

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Agradecimentos

Agradeço ao meu orientador, o Professor Doutor Carlos Azevedo, pela paciência e pela disponibilidade e inestimável orientação neste trabalho.

Aos meus amigos e colegas de trabalho, Emília Raposo e Pedro Marques, pela confiança que sempre me concederam e pelo permanente estímulo que, por vezes, se tornaram decisivos em determinados momentos da elaboração desta dissertação.

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Resumo

Palavras-chave: novela, filme, Truman Capote, Holly Golightly, anos 50

Esta dissertação pretende, em primeiro lugar, levar-nos a compreender a conhecida novela de Capote, Breakfast at Tiffany’s (1951) como sendo uma obra literária ousada que é pioneira na abordagem da opressão sexual dos anos 50, nos quais a heroína Holly Golightly é retratada como uma feminista inovadora ao usar a sua sexualidade como uma arma que pretende transcender os códigos rígidos da época. Em segundo lugar, e ao dar uma perceção mais próxima da sua adaptação fílmica, tento ilustrar os limites inovadores do filme, sem que este atinja proporções demasiado controversas devido ao enredo ousado, original e divertido, construído de modo a agradar ao público de 1961. Finalmente e no geral, tanto na novela como no filme, que provo complementarem- se, esta dissertação também pretende centrar-se no percurso de Holly Golightly, como sendo uma reprovável e amada “dona de casa” do final dos anos 50, com uma identidade em crise, que se aproxima da ideologia liberal feminista da década de 60.

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Abstract

Keywords: novella, film, Truman Capote, Holly Golightly, the 50’s

This dissertation firstly intends to understand Truman Capote’s well-known novella Breakfast at Tiffany’s (1958) as a pioneering piece of literature that daringly addressed the sexual oppression of the 1950’s, in which heroin Holly Golightly is portrayed as an innovative feminist who uses her sexuality as a weapon to attempt to transcend the strict gender codes of the time. Secondly, and by giving a closer insight to its film adaptation by comparing it to the novella, I try to illustrate the film’s innovative limits without it being too controversial because of the audacious, original but still entertaining storyline to suit its 1961 audience. Finally and overall in both the novella and the film, which I prove to complement themselves, this dissertation also intends to focus on Holly Golightly’s path as a late 1950’s infamous, beloved “housewife” with her identity in crisis who moves towards the liberal feminism ideology of the 1960’s.

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Introdução

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Selecionei o livro Breakfast at Tiffany’s como objeto de representações do feminino na América dos anos 50 e como tema da minha tese, através de um estudo comparativo entre a novela e o filme que, a meu ver, se complementam. A motivação para a tese partiu do desafio, em contexto de sala de aula, para o estudo da novela como obra de leitura extensiva na minha turma de 12º ano (Ver Volume II - Anexos). A novela e o filme retratam a sociedade americana do pós-Segunda Guerra Mundial e testemunham o papel liberalizador e não conformado da mulher que se autodescobre através da natureza contraditória de Holly e do mistério que rodeia o seu nome. Centrada na personagem Holly Golightly, a história fala-nos de uma jovem que vive as suas aventuras sexuais e liberdade social com leveza, à procura de um marido que lhe proporcione segurança financeira. Inicio a minha dissertação com a contextualização do escritor Truman Capote que, nos anos 50, se tornou um escritor autodidata de renome, e que se tornaria conhecido por definir o romance de não ficção ou Jornalismo Literário na história da Literatura Norte- Americana. A esse respeito, e como principais referências teóricas, mencionarei John W. Aldrige, no artigo “Capote and Buechner” (Aldrige, 1951) e o crítico Alfred Kazin, no artigo “Truman Capote and ‘the Army of Wrongness’” (Kazin, 1958). Em seguida, procurarei refletir sobre a sociedade em que Capote viveu, caracterizada pelo fenómeno do Baby Boom e movimentos culturais e sociais como a Beat Generation, a Pop Art, o mediatismo social e cultural associado à cidade de Nova Iorque e o período de prosperidade que marcou a época pós-Segunda Guerra Mundial nos EUA. Dedicarei especial atenção ao papel da mulher antes da guerra, como fada do lar, e após a mesma, em que ela assume uma posição financeiramente independente, pessoalmente realizada, moderna, lutadora pela sua individualidade. No tocante a essas temáticas, apoiarei maioritariamente as minhas ideias nos testemunhos de Josephine Hendin (2004), Christin J. Mamiya (1992), Djuna Barnes (1989), Betty Friedan (1963) e Janina Corda (2015). Posteriormente, farei uma análise comparativa entre a novela de Truman Capote e o filme de Blake Edwards, não numa perspetiva de contraste, mas antes de complemento e cumplicidade, procurando contextualizar o trabalho de adaptação da novela para o

14 cinema e dando relevância à personagem Holly Golightly, inserindo-a no protótipo da mulher do pós-guerra e transpondo-a do universo da escrita, a grande arte, para o universo do cinema, a sétima arte. Relativamente a essa série de comparações, basear-me-ei teoricamente nas obras de Thomas Fahy (2014), Harold Bloom (2003), Dina Smith (2009) e Bede Scott (2013). Na fase final da tese, farei uma análise crítica do filme, baseada em testemunhos da época da sua estreia no cinema, refletindo sobre o que a censura retirou da novela no processo de adaptação e testemunhando a receção do filme em 1961. Nesse momento do trabalho escrito apoiar-me-ei, sobretudo, nas referências teóricas de Robert Stam (2005) e Linda Hutcheon (2013). Terminarei a dissertação por refletir sobre o cunho artístico que a atriz Audrey Hepburn imprimiu à personagem Holly Golightly. Com referência a essa temática terei como principal apoio teórico a obra de Sam Wasson (2011). Através deste trabalho, pretendo chegar ao retrato do universo feminino dos anos 50, ao abordar as temáticas centrais da novela e do filme, que são o conflito entre a segurança, a liberdade, a procura de uma identidade e a diversidade do amor. Associando sempre as personagens com a época histórica em que estão inseridas, procurarei elementos simbólicos que coadjuvem a adaptação da novela no filme e que, através deste, tornem a novela tão conhecida como a sua adaptação cinematográfica.

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Capítulo 1 - Um Contexto para a Ficção de Truman Capote

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A Segunda Guerra Mundial terminou no dia 8 de maio de 1945, quando os alemães se renderam, depois de as tropas soviéticas e os exércitos britânico e americano terem entrado em Berlim. Mais tarde, no dia 14 de agosto, a guerra cessou no Pacífico, no momento em que o Japão assumiu a sua derrota incondicionalmente, a seguir ao lançamento das bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki, sob ordens do presidente americano Harry S. Truman. Os americanos colocaram termo a uma guerra que deixou o seu território intacto, as indústrias no auge de produção e o mercado laboral forte. O regresso dos soldados da guerra para as esposas que tinham, entretanto, deixado, em detrimento do serviço militar, o Baby Boom e a consequente demanda de casas próprias criaram um período de prosperidade que se prolongou durante a década de 1950.

1.1. A Mulher Ideal do Pós-Guerra

Quase todos estamos familiarizados com as imagens que os livros e os filmes nos mostram sobre os anos 50 na América. Na generalidade, elas tornaram-se populares ao ilustrarem um período de prosperidade e , após a Segunda Guerra Mundial. A grande maioria das famílias deslocou-se para os subúrbios das grandes cidades, influenciada pelo crescente fenómeno social do Baby Boom, construiu uma vida familiar feliz, em que todos os membros da família tinham um papel definido. As mulheres eram vistas como fadas do lar, com a única responsabilidade de cuidarem das tarefas domésticas e dos filhos, enquanto os homens proviam o sustento. Sobre esse papel das mulheres, June Meyerowitz descreve ícones da época da seguinte forma: “June Cleaver, Donna Reed, Harriet Nelson – the quintessential white, middleclass housewives who stayed at home to rear children, clean house and bake cookies” (Meyerowitz, 1). Esse ideal era preconizado pelos “mass media”, especialmente pelo cinema e revistas como Better Homes & Garden, Family Circle, Good Housekeeping, Ladies’ Home Journal, McCall’s Redbook e Woman’s Day. O papel social e doméstico dessas mulheres era particularmente concebido através da indústria publicitária. No livro The Feminine Mystique (Friedan, 1963), Betty Friedan retrata o estereótipo do ideal feminino, em que a mulher se sentiria realizada apenas assumindo um papel sexual passivo, não

17 tendo ambições de carreira profissional ou qualquer compromisso fora de casa. Assim, no seu mundo, sujeitar-se-ia apenas a ser dona de casa. Era como uma boneca, que nunca crescia e que se escondia por detrás do seu papel tradicional feminino, para não enfrentar a realidade e o desafio da liberdade. Durante o período da Segunda Guerra Mundial, as mulheres tinham adquirido demasiada independência económica, o que veio a contrastar com o ideal opressivo do papel de donas de casa dos anos 50. A maioria delas queria retomar o trabalho depois da guerra, continuando à procura de emprego. Cerca de 80% dessas mulheres manteve esse objetivo, no sentido de ter um estilo de vida mais satisfatório. No entanto, muitas ficaram desempregadas, quando os maridos regressaram da guerra, recuperando os papeis de mães e esposas. Tendo por objetivo instituir valores duma sociedade predominantemente patriarcal, os “media” apoiaram amplamente a imagem da mãe e dona de casa feliz, em vez da mulher solteira e independente, focada numa carreira profissional. Segundo o estudioso Paul Boyer, (Boyer et al., 1998) nenhuma mulher seria uma verdadeira mulher até que se casasse e tivesse filhos. Baseando-se numa pesquisa, Courtney e Lockeretz concluíram que a imagem da mulher veiculada pelos anúncios das revistas era a seguinte: “Motherhood and the care of the home and husband are the ultimate goals of a woman’s life and her greatest creative opportinity” (cit. por Holt, 1). Passando o casamento e o processo de cuidar dos filhos para primeiro plano e, supostamente, a única fonte de satisfação na vida da mulher, a América, nessa altura, testemunhou o maior fluxo de casamentos e nascimentos até aos anos 60. No entanto, essa filosofia de vida rapidamente criou um sentimento de vazio e tédio. Assim, cada vez mais, as mulheres recusam-se a aceitar viverem como sombras dos maridos e serem tratadas como cidadãs de segunda. É nessa conjuntura que começam a sentir necessidade de reaver a liberdade e posição social que tinham ganho durante a Segunda Guerra Mundial, passando a lutar pela sua independência financeira, realização pessoal e a reaquisição da própria individualidade. É também esse o momento da história em que as políticas de controle de natalidade e planeamento familiar são introduzidas, com a venda

18 de contracetivos. Esse fator aumentou a independência sexual das mulheres e as opções de vida e apoiou, sobretudo, a liberalização sexual. Segundo Janina Corda, no ensaio Images of Women in 20th-Century American Literature and Culture: Female emancipation and changing gender roles in The Age of Innocence, Breakfast at Tiffany’s and Sex and the City (Corda, 2015), até aos anos 60, muitas mulheres, principalmente casadas, voltaram ao mercado do trabalho, embora os ordenados fossem ainda baixos e os empregos com pouco prestígio ou adequados para elas. Por esses motivos, uma grande maioria delas sofreu preconceito e hostilidade, uma vez que um elevado número de pessoas se opunha à ideia de elas trabalharem fora de casa. Holly Golightly, para Janina Corda, é uma mulher desse período em transição, tendo assim duas facetas. O lado visível dela é o de uma mulher divertida e moderna, que não se preocupa com o que as outras pessoas dizem ou pensam do seu estilo de vida pouco convencional. É também o lado que mostra a particularidade de uma beleza não idílica e afastada do padrão preconizado na década de 50, em que a aparência física era quase estatuto. É esse lado físico, e não intelectual, que seduz os homens. Truman Capote compartilha desse opinião sui generis acerca da mulher, quando afirma: “A woman is intelligent … as long as she is beautiful” (Capote, A Capote Reader, 292). Por outro lado, a procura constante do parceiro ideal e o momento quando ela engravida e decide casar demonstram a faceta conservadora de Holly inserida na década de 50. No entanto, parece que ela nunca se submete a nenhum desses papéis por si só. A procura do ideal de felicidade, para ela, será antes uma combinação de ambos, o que, devido às pressões das normas culturais exercidas nas mulheres americanas da época, não acontece, porque simplesmente não é permitido. Assim, Holly é uma personagem demasiado evoluída para o período em que vive. Holly vive num período de grande mudança e agitação, em termos de alterações sociais de papéis de género. Apesar de procurar um lugar a que possa vir a chamar lar, onde tenha um amor correspondido e realização pessoal, respeito e não opressão, onde homem e mulher, esposa e marido, sejam iguais e não inferiores ou superiores um em relação ao outro, devido aos papéis sociais omnipresentes, Holly não consegue ser bem- sucedida. Talvez o indicador mais saliente da sua fuga à norma seja precisamente o seu

19 aspeto físico, não conotado com uma beleza idílica: “flat little bottom” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 9), “her hair sleek and short as a young man’s, her smooth wood eyes too large and titled in the tapering face, her mouth wide, over-drawn, not unlike clawn-lips” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 6). No entanto, o ideal de mulher, na época dos anos 50, estava associado a belos contornos físicos: “breats, waist, hips” (Breines, 100). Mulheres com cabelo curto eram, muitas vezes, conotadas como lésbicas. Porém, e curiosamente, porque de uma época em transição se tratava, muitos homens ficavam encantados com a beleza “arrapazada” de Holly e as próprias características físicas enunciadas, segundo Capote, proporcionavam-lhe enorme beleza (“they gave out a lively warm light”) (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 17). Holly preza a sua individualidade, optando por viver sozinha num apartamento e rejeita a ideia social da superioridade masculina em relação às mulheres. Ela mantém comportamentos que, por si, são tipicamente masculinos, tais como fumar, beber álcool e proferir palavrões. Obviamente que o círculo de pessoas conhecidas e socialmente privilegiadas não aprova esses comportamentos, circunstância que não afeta Holly, pois recusa-se a viver uma vida artificial e de aparências.

1.2. A Vida nos Subúrbios

A opção de vida nos subúrbios para milhares de trabalhadores surgiu como consequência da grande demanda de automóveis proveniente das novas linhas de montagem. Esses locais suburbanos eram anunciados como zonas seguras, fora da zona de alcance de bombas atómicas, que os americanos tanto receavam nesse período da história. No livro A Concise Companion to Postwar American Literature and Culture, Josephine Hendin explica-nos esse novo conceito:

The Marketplace was, in large part, a suburban vision; a vision based on an amorphously expanding population, which, without any roots in a given place, was filing up the edge communities outside city limits. These were shapeless masses, motivated not by any commonality but by a shared desire to escape the city and to set up as an isolated unit; Levittowns were levitating as developments of neat, affordable, one-family houses spread everywhere, fulfilling dreams of amenities in suburbia;

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All the houses had an unfinished space for additional room, an attic that might be developed, or a basement; but the basic structure oozed modernity, which came to mean straight, clean lines, as on an assembly line. (Hendin, 31, 39, 63)

A economia americana não só ficou intacta com o impacto da Segunda Guerra Mundial, como, pelo contrário, ficou mais fortalecida, havendo uma nova criação de postos de trabalho e a recuperação da economia, após o período da Grande Depressão. Por razões militares e económicas, os Estados Unidos da América ressurgiram do período de guerra como a potência mundial dominante. Este período de prosperidade surgiu associado a uma economia mais dinâmica, a novas formas de passar os tempos livres e ao consumismo. Hendin prossegue, a esse respeito:

The period has been characterized recently as a time of growth, development, progress, enlightenment, and achievements of goals; as a renaissance of sorts and essential to what helped turn the country into a superpower … it helped make the United States the beacon of the world, offering financial aid (Marshall Plan), food, and military muscle wherever required. (Hendin, 21)

Os americanos tornaram-se confiantes num estilo de vida confortável, na proliferação da televisão e a numa abertura relativamente à sexualidade. Sobre esse meio de comunicação, Hendin acrescenta: “… television developing and providing the latest push (Marshall McLuhan’s “global village”) – so that it was fair to say that programs were developed to provide filler for the commercials” (Hendin, 23). O desenvolvimento económico surgiu após a escassez de produtos durante o período da Segunda Guerra Mundial. Indústrias já existentes, como a dos automóveis e do ferro, associaram-se a novas indústrias, como a da eletrónica, dos plásticos e dos computadores. Postos de trabalho em áreas como os serviços também cresceram. À medida que a economia se desenvolvia e os postos de trabalho aumentavam, os benefícios salariais também eram incrementados. Em 1950, apenas 3,1 milhões de americanos possuía televisão, mas, por volta de 1957, esse número tinha aumentado para 31 milhões. Enquanto a prosperidade se associava à tranquilidade da vida nos subúrbios, o carro tornou-se um meio de transporte indispensável, simbolizando a identidade e emancipação dos americanos. A sociedade de consumo dos anos 50, com a proliferação dos canais de televisão e estúdios de cinema, com a indústria discográfica e a indústria

21 dos livros de banda desenhada criou um novo grupo de consumidores, os adolescentes. Este corpo social tinha como grandes preferências o rock and roll, carros de marca, livros de banda desenhada, novos estilos de vestuário, cortes de cabelo modernos e sexo pré- marital. Surgiram ídolos contemporâneos, tais como Elvis Presley e James Dean. Com os anos 50 apareceu também o movimento dos direitos civis, que, nas ruas, se opôs à segregação nos transportes públicos e ao conhecimento público do até então desconhecido Martin Luther King.

1.3. Baby Boom

O fenómeno do Baby Boom gerou uma certa pressão nos papeis convencionais de género, dando-se ênfase ao conceito de família nuclear e a uma cultura voltada para a vida familiar com filhos. O auge de nascimentos acabou por dar nome ao fenómeno deles derivado, baby boomers. Jean Twenge, professor de psicologia na Universidade de San Diego, afirmou no livro Generation Me – Revised and Updated: Why Today’s Young Americans Are More Confident, Assertive, Entitled and More Miserable than Ever Before (Twenge, 2006), que a designação perdurou, em parte, devido ao aumento vertiginoso e turbulento de adolescentes e jovens adultos. São os baby boomers que mudaram a sociedade americana através de uma crescente cultura juvenil. Em termos económicos, esses bebés eram mais do que simples bebés. Eles eram potenciais consumidores, com toda uma nova gama de serviços associada: comida, brinquedos, berços, mais espaços nas escolas, anúncios comerciais e novas modas. Estes grupos foram descritos de diversas maneiras, devido à sua diversidade e às mudanças sociais que criaram. Segundo Landon Y. Jones, na obra Great Expectations: America and the Baby Boom Generation (Jones, 1980), alguns nomes por que ficaram conhecidos são os seguintes: War Babies, Sputnik Generation, Pepsi Generation, Rock Generation, , Love Generation, Vietnam Generation ou Protest Generation. O súbito aumento na população influenciou o modo como o consumismo, a educação, a segurança social e a cultura estruturam a sociedade americana do pós-guerra.

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Tal como acontecia com as mulheres desse período, segundo Janina Corda (Corda, 2015), a busca de Holly centrou-se na procura de um marido rico, o que ilustra a América da altura, um período em que surgiu um boom de casamentos. Também Holly deseja ter uma família e estabilidade. Capote, por vezes, partilha da opinião da época, segundo a qual apenas uma vida doméstica realizaria a mulher. Ele tenta direcionar Holly nesse sentido, mas, na realidade, ela não tinha apetência para uma vida como dona de casa.

1.4. Beat Generation

Neste momento da história surgiu em Nova Iorque, no final dos anos 40, um outro grupo, a “Beat Generation”. Estes jovens, também eles afastados da sociedade em que viviam, exploravam a sexualidade, experimentavam drogas e eram adeptos de religiões orientais. Ao viverem uma prosperidade sem precedentes e uma liberdade individual, cultivavam ainda o gosto pela cultura afro-americana, especialmente um novo tipo de jazz. Josephine Hendin caracteriza o contexto em que estavam inseridos: “Beat movement: taking the road, liberation through drugs and varietal sex, creating a counterculture” (Hendin, 34). Em 1957, quando publicou o relato das suas viagens pela América, com o amigo Neal Cassady, Jack Kerouac descreveu um país quase extinto, que tinha sido o dos anos 40. A obra de Kerouac, On the Road (1957), retrata uma nação racialmente segregada, mais próxima da Grande Depressão do que da América da era espacial. Hendin associa a verosimilhança entre a principal obra de Kerouac e o cinema dos anos 50: “In movies, disaffected Marlon Brando/The Wild One (1953) and James Dean/Rebel Without a Cause (1955) were hipster prototypes alongside Jack Kerouac’s On the Road protagonists Sal Paradise and Dean Moriarty” (Hendin, 72). O aumento da população com um grau de educação superior e a proliferação da televisão fez com que pessoas procurassem fontes de conhecimento por conta própria, o que, até aí, não existia. Os beatnicks, como eram conhecidos, adotaram novos estilos de música, tais como o rock and roll, pop, jazz e rhythm and blues. Ao contrário das antigas melodias, lentas e sentimentais, que refletiam os tempos difíceis da guerra, o rock and

23 roll era uma música que transmitia muita energia e que fazia mexer o corpo todo, especialmente as ancas. As grandes lendas do rock and roll foram Elvis Presley, Bill Haley e Chuck Berry, que mudaram não só a dinâmica das pessoas na América, mas também no resto do mundo. O rock and roll, em especial, teve uma grande influência na sociedade, particularmente nas gerações mais jovens, que tinham uma grande propensão para a rebeldia. Hendin descreve essa tendência cultural:

Rock was … associated with rebellion, uncivil acts, even violence. Elvis Presley … shaped hillbilly and blues into rock and roll, turned audiences into screaming maniacs. Through all the reshapings Presley underwent on stage – he performed different bodily movements according to the nature of his audience … on stage he commodified his talents, using voice and bodily movements to communicate an intense sexuality, leaving little to the imagination. (Hendin, 27)

É curioso o facto de a geração “beat” ter representado uma das vozes nos EUA a insurgir-se contra o Macarthismo, política de intolerância que promoveu a chamada "caça às bruxas", resultando em um período de perseguição de ideais comunistas, perseguição política e desrespeito pelos direitos civis. O núcleo deste fenómeno literário e social era formado por Jack Kerouac, Allen Ginsberg, muito conhecido pela obra Howl (1956), e William S. Burroughs. Eles ficaram associados à imagem dos rebeldes da sociedade do pós-guerra na América e constituíram o embrião do movimento hippie. A designação “Beat Generation” surgiu precisamente com Ginsberg, ao compará-la com a geração perdida de escritores como Ernest Hemingway ou Francis Scott Fitzgerald. A “Beat Generation” transformou a sociedade americana e os seus adeptos rapidamente desenvolveram uma reputação como os novos boémios hedonistas que celebravam a não- conformidade e a criatividade espontânea. Para Allen Ginsberg, “beat” significava vazio, cansado ou acabado. Para Kerouac, “beat” estava associado com palavras como beatitude ou beatífico. Para além disso, em contexto musical, apontava para os ritmos de improviso do jazz. No campo literário, estes escritores produziram prosa e poesia que reavivava a cultura tradicional e boémia da América, usando uma linguagem completamente autónoma e não sujeita à censura. Breakfast at Tiffany’s adquire o estilo boémio e rebelde da “Beat Generation” quando usa expressões como “a slim cool black dress, black sandals …” (Capote,

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Breakfast at Tiffany’s, 11), a propósito da indumentária de Holly Golightly. Connie Cronley (Cronley, 2016) apresenta-nos Holly de um modo particular: “She is the sophisticated flip side of the “Beat Generation”, a glamorous vision of New York in the 1950s. She represents the emerging sexual freedom and demographic mobility of post- World War II America. Holly is a cosmopolitan looking for home” (Cronley, 87).

1.5. Pop Art

O movimento Pop Art americano surgiu no final dos anos 50 e, num período de apenas seis anos, tornar-se-ia a forma de arte dominante do mundo ocidental. Profundamente enraizado na cultura popular americana, que dava grande destaque ao consumismo e a marcas de renome, poder-se-ia inicialmente pensar que este movimento teria os dias contados. Tal não aconteceu, especialmente devido à popularidade de um dos seus ícones, Andy Warhol, que passou a personificar esse movimento. A Pop Art nasceu em janeiro de 1958 com a exposição dos trabalhos de Jasper Johns em Nova Iorque. A essa exposição seguiu-se o trabalho de Robert Rauschenberg. É curioso que os quadros produzidos por esses artistas evoluíram de um expressionismo abstrato para aquilo em que se tornaria a Pop Art. A cidade de Nova Iorque tornar-se-ia a meca desse novo movimento, talvez por ser a metrópole que melhor publicita a América e o mundo ocidental. A Pop Art beneficiou muito de artistas populares e do uso da linguagem e imagens da indústria publicitária, bem como dos métodos usados pelos “mass media” ao retratarem a perceção do mundo circundante. Adotou ainda a mentalidade da produção em massa e acabou por refletir a sociedade de consumo da época. No livro Pop Art and Consumer Culture, Christin J. Mamiya refere: “Through their incisive selection of images from the contemporary environment, the Pop artists provided immediately recognizable references to the highly organized consumer society of the 1960” (Mamiya, 158). Este movimento artístico acabou por dominar o mundo e, a título de exemplo, apenas Andy Warhol, sozinho, produziu um número surpreendente de quadros, esculturas e caricaturas – mais de 15 000, entre 1948 e 1987. É impressionante como alguns dos

25 seus trabalhos se tornaram verdadeiros ícones duma época. Gold Marilyn, em 1962, e Double Elvis, em 1963, são dois exemplos notáveis de criatividade e nostalgia admirados até aos dias de hoje. Capote escreveu a novela Breakfast at Tiffany’s um ano antes de um dos mais conceituados livros de fotografia do século XX, Observations, ser publicado em 1959, com fotos de Richard Avedon, textos de Truman Capote e desenhos gráficos de Alexey Brodovitch. Num determinado passo desse compêndio podemos ler: “like Avedon … Capote knew how to combine the otherworldly attentiveness of an aesthete with an equally passionate engagement with the passing parade” (Perl, 304). Curiosamente, muita da memorabilia referente à personagem Holly Golightly, hoje em dia, é inspirada no movimento da Pop Art dos anos cinquenta na América.

1.6. Nova Iorque

A cidade de Nova Iorque sempre foi um dos destinos mais emblemáticos para muitos imigrantes à procura de uma vida melhor e concretização dos seus sonhos. Inicialmente, os colonizadores puritanos, no século XVI, instalaram-se na região da Nova Inglaterra, como forma de escaparem às perseguições religiosas que sofriam em Inglaterra. Já os colonos holandeses, que chegaram no século XVII ao local que é hoje Manhattan, procuraram novas oportunidades para o comércio e abraçaram a igualdade de diretos, tal como aparecem descritos na Declaração de Independência: “life, liberty and the pursuit of happiness” (Boyer et al., 745). Manhattan e a cidade de Nova Iorque, em geral, cresceram como um conglomerado de diversos povos, especialmente de pessoas que fugiam da fome na Europa no século XIX e daqueles que procuraram um lugar para viver a seguir ao final da escravatura e da Guerra Civil Americana, bem como no período da Revolução Industrial. O fluxo de imigrantes que se estabeleceu na cidade de Nova Iorque sobreviveu, ao longo das décadas, a conflitos culturais, hostilidade entre grupos étnicos e sociais divergentes e diferenças entre credos opostos.

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Nova Iorque é também sinónimo de realização de sonhos, ambição e riqueza. Em resultado disso, uma classe de novos ricos surgiu no século XIX, fortalecendo assim o carácter flexível da cidade. Inúmeras empresas estabeleceram-se em locais como Wall Street e Fifth Avenue. Nova Iorque é uma cidade inovadora, onde as pessoas encontram possibilidades que parecem não conseguir encontrar em nenhum outro lugar. A cidade que nunca dorme parece, assim, estar sempre à procura de novos potenciais ao alcance da mais recente tecnologia. O aspeto vertical da cidade, que é constantemente renovado, começou a ser pensado no final do século XIX e, durante o século XX, expandiu-se com os projetos dos arquitetos Fiorello La Guardia e Robert Moses. Talvez devido à excecional história de Nova Iorque e ao modo de pensar liberal dos seus habitantes, muitos escritores encontraram ali o local ideal para servir de contexto a histórias sobre mulheres independentes e progressistas, em luta pela igualdade de género e direitos. Serão essas mulheres com vidas não-convencionais que atrairão, por exemplo, escritores com Edith Wharton e Truman Capote. Eles retratam muitas das personagens que deixam um determinado modo de vida para trás, desenvolvendo uma mentalidade mais aberta ou sobrevivendo às suas personalidades não-convencionais. Nova Iorque foi a cidade eleita para Breakfast at Tiffany’s, tanto por Truman Capote como por Blake Edwards. Para Capote, nas palavras da personagem Holly, a cidade tinha um carisma único, de pertença: “I love New York, even though it isn’t mine, the way something has to be, a tree or a street or a house, something, anyway, that belongs to me because I belong to it” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 75). Nos anos que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial, Nova Iorque atingia novas dimensões, não só em termos de arquitetura, mas também no campo das artes. Norman Mailer disse, a respeito da novela de Capote, que Nova Iorque foi a cidade ideal para capturar a vivência da grande metrópole (Mailer, 1979). Janina Corda escreve: “(…) its exceptional history and liberal inhabitants make NYC a perfect background for stories about independent and progressive women who struggle with gender roles and restrictions to which society wants to bind them” (Corda, 12). Os Estados Unidos são geralmente vistos como o país de todas as oportunidades e a cidade de Nova Iorque orgulha-se de ser o local eleito de boas vindas. É também a

27 cidade que uniu, pela diversidade, imigrantes de todas as partes do mundo. Ela personifica o progresso e a modernidade, tal como referiu Angelika Köhler: “(…) living in a place like New York that symbolizes social modernization creates the preconditions for a modern mind to develop a modern consciousness” (Köhler, 208). Assim, os nova iorquinos não são como os restantes americanos, segundo o relato de Djuna Barnes: “On every corner you can see a new type; but strange to say, no Americans are to be discovered anywhere. New York is the meeting place of the peoples, the only city where you can hardly find a typical American” (Barnes, 223). A área residencial de Greenwich Village tornou-se o local ideal para os boémios – pessoas de índole liberal, maioritariamente jovens intelectuais à procura de um local de escape da sociedade em geral. Nessa zona podiam disfrutar de um estilo de vida licencioso, uma sexualidade sem grandes regras, darem azo à sua criatividade e rebeldia e mergulharem na arte e na literatura, o que lhes permitia expressar livremente emoções e sentimentos. Na altura das filmagens de Breakfast at Tiffany’s em Nova Iorque, no Outono de 1960, o presidente russo Nikita Khrushchev e o líder cubano Fidel Castro estavam na cidade para um encontro nas Nações Unidas. Fora dali, Richard Nixon preparava-se para uma série de debates televisivos com John Kennedy. Os soviéticos tinham lançado em órbita o primeiro satélite, em outubro de 1957, e uma nova época de medo invadia a América. Vivia-se o período da Guerra Fria, correspondendo ao momento histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a União Soviética.

1.7. Truman Capote

Capote nasceu com o nome Truman Streckfus Persons em Nova Orleães, Louisiana, a 30 de setembro de 1924. Enquanto era ainda uma criança, a seguir ao divórcio dos pais, viveu num lugar muito isolado, perto de Nova Orleães. Esse local, Plaquemine, na Loiusiana, possuía uma enorme biblioteca, onde Capote lia bastante e aprendeu a admirar Willa Cather, Flaubert e Proust. Também passou vários meses com uma tia em Monroeville, Alabama, onde conheceu Harper Lee, que mais tarde ficaria

28 mundialmente célebre com o romance To Kill a Mockingbird (1960), A família de Capote não tinha uma vertente literária e, como tal, não conseguia perceber o interesse imaginativo que o jovem tinha pela literatura. Quando Capote publicou o primeiro conto, aos doze anos de idade, ficaram muito surpreendidos. Ao mesmo tempo, apanharam um grande choque, pois reconheceram quatro dos habitantes da localidade de Plaquemine nessa publicação. Esse incidente imediatamente deu origem a uma situação embaraçosa. Capote nunca foi muito próximo da família, com exceção de uma prima mais velha. Como raramente tinha amigos da mesma idade para brincar, passou uma infância muito solitária. Devido à falta de controle exercida, a família de Capote enviou-o para uma escola militar, onde surpreendeu toda a gente ao conseguir permanecer o ano inteiro e ganhar um prémio pelo seu desempenho em exercícios militares. Aos quinze anos de idade passou cinco meses a fazer sapateado num barco de recreio no rio Mississippi. Capote, cujo sobrenome adquiriu do padrasto cubano, estava por conta própria. Quando finalmente foi viver com a mãe e o padrasto em Millbrook, no Connecticut, passou a frequentar a escola secundária de Greenwhich. Aí, sob a tutela de Catherine Wood, do Departamento de Inglês, o talento de Capote para a escrita desabrochou ainda mais. Abandonou a escola com a idade de dezassete anos, nunca tendo terminado o ensino secundário. Aos dezassete anos, numa tentativa de se sustentar a si próprio, arranjou emprego na revista The New Yorker. Primeiro trabalhou no departamento de contabilidade, passando, em seguida, para a escrita de pequenos textos. Quando tinha dezoito anos, o conto “Miriam”, entretanto publicado em 1945, ganhou o Prémio O. Henry Memorial. Esse conto também lhe permitiu um contrato com a Random House Publishers para o livro Other Voices, Other Rooms (1948). Truman Capote inicialmente atraiu a atenção do público como um prodígio precoce da ficção em meados dos anos 40. No entanto, o desejo de se tornar famoso surgiu nos anos 50. Durante essa década, Capote foi o preferido da sociedade nova iorquina, tendo tido a oportunidade de viajar entre diferentes círculos sociais, tornando-se amigo de autores como Carson McCullers, críticos, celebridades de Hollywood e do teatro,

29 como Humphrey Bogart, Marilyn Monroe e membros da alta sociedade, como Jacqueline Kennedy e Andy Warhol. O isolamento da juventude de Capote pode ser visto em The Grass Harp (1951) e em Other Voices, Other Rooms (1948). Muitos dos contos que escreveu são baseados em pessoas e lugares que Capote viu e na própria experiência pessoal do autor. O estilo da sua ficção é semelhante ao que foi usado para escrever Local Color (1950) e The Muses Are Heard (1956), duas obras de literatura de não-ficção acerca de pessoas reais em locais verídicos. Como escritor autodidata, Capote confessou sempre a sua ignorância acerca de técnicas e teorias de escrita. Pouco depois da publicação de In Cold Blood (1965), explicou como se “treinou” para escrever um romance de não-ficção. Contou que passou horas “apenas a ouvir”, enquanto alguém lia para ele. Em seguida, Capote ia para um local sossegado e tentava transmitir, no papel, o material que tinha ouvido. Dessa forma, aprendeu a entrevistar pessoas sem usar um caderno de apontamentos ou um gravador, como é descrito no artigo “How the ‘Smart Rascal’ Brought It Off”, publicado por Jane Howard na revista Life (Howard, 1966). Capote cresceu como escritor e adquiriu uma grande confiança nas suas próprias capacidades de escrita, confiança essa que lhe permitiu proferir comentários acerca do seu valor. No início de carreira, Capote foi muitas vezes criticado por ter um estilo de escrita considerado “demasiado fácil”, como disse John W. Aldridge no artigo “Capote and Buechner” publicado no livro After the Lost Generation: A Critical Study of the Writers of Two Wars (Aldrige, 1951). Outros críticos afirmaram que o autor se baseou no conceito de que não era realista. Outros, ainda, disseram que ele não tinha nada de novo a acrescentar. Breakfast at Tiffany’s, novela escrita em 1958 e publicada inicialmente na revista Esquire, foi considerada um “bom momento de escrita”, mas a sua caracterização foi vista como fraca, porque fornecia “a forma sem a mulher, a personagem e não a pessoa”, como afirmou o crítico Alfred Kazin, no artigo “Truman Capote and ‘the Army of Wrongness’” (Kazin, 41). No entanto, a maior parte dos críticos que elogiaram os romances iniciais de Capote receberam bem a “intensidade verdadeira” e o “não afundar no romantismo ou no

30 afastamento dos padrões desejados de maturidade e bom gosto”, tal como disse Robert Kee em The Spectator (Kee, 676). Para muitos, Breakfast at Tiffany’s assemelha-se ao livro de Christopher Isherwood, The Berlin Stories (1945), que narra a história de Sally Bowles, uma personagem desnorteada e amoral que vive em Berlim nos anos 30. Tanto Capote como Isherwood criaram uma protagonista feminina, pela qual nutrem um amor platónico de narradores masculinos. O título Breakfast at Tiffany’s parece ter sido retirado de um episódio que se tornou popular entre o círculo social de Capote, a respeito de um forasteiro que, ao chegar a Nova Iorque e ao perguntarem-lhe a que restaurante gostaria de ir, respondeu: “Well, let’s have Breakfast at Tiffany’s”. Capote tornar-se-ia mundialmente conhecido mais tarde, nos anos 60, com os contos e novelas e, sobretudo, com o romance In Cold Blood. Segundo David Lodge, em The Art of Fiction, (Lodge, 2011), Truman Capote definiu formalmente o ´romance de não ficção´ ou ´Jornalismo Literário´, ao introduzir personagens históricas reais e acontecimentos verídicos, descritos através do uso de técnicas ficcionais na captação, redação e edição de reportagens e ensaios jornalísticos.

1.8. Os Estilos de Truman Capote

Os anos 50, na América, corresponderam a um período muito próspero, englobando a escrita de autores como Bellow, Mailer, Salinger, Ellison, Malamud, Roth, Updike, Welty, McCullers, McCarthy, Vidal, Baldwin e Nabokov. Comparados ao experimentalismo dos anos 20, a ficção destes autores, a que se juntou Capote, parecia mais disposta a seguir a tradição do realismo, que apostava na reconciliação da história de vidas humanas com a sociedade, conforme ilustra a obra Introduction to American Studies (Bradbury and Temperley, 1998). O resultado desse processo culminaria no Hiper-realismo, tanto na ficção como no jornalismo, muito semelhante ao movimento da Pop Art na pintura. A produção literária de Capote subdivide-se em três períodos cronológicos. Os primeiros trabalhos possuem um estilo pouco consistente, focando-se no ambiente rural, segredos familiares e tragédia, sendo categorizados dentro da ficção do “Gótico Sulista”.

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Other Voices, Other Rooms (1948) e The Grass Harp (1952) pertencem a esse período literário. Breakfast at Tiffany’s (1958) e os contos “House of Flowers” (1954), “A Diamond Guitar” (1950) e “A Christmas Memory” (1956) definem o período intermédio de Capote, que se caracteriza por um estilo de prosa livre e direto; enredos simples e uma certa obsessão temática com a excentricidade e a diversidade do amor humano. A novela Breakfast at Tiffany’s marca a fase transitória entre a escrita inicial do autor, mais elaborada, e o seu estilo jornalístico. Esse período também se caracteriza pelo desenvolvimento do que os críticos chamam “o Capote narrador”, onde existe a figura do narrador que frequentemente participa nos enredos e que mantém uma posição “objetiva”, sendo externo à narrativa e ao foco emocional da história. O “Capote narrador” também surge em In Cold Blood (1965) e no inacabado Answered Prayers: The Unfinished Novel (1986), trabalhos do terceiro período de Capote, que o levaram a criar um estilo muito próprio, inovador e híbrido, característico da fusão da não-ficção com a prosa literária.

1.9. O Novo Jornalismo

Os anos sessenta e setenta caracterizaram-se por enormes mudanças culturais e sociais. Foi também nessa altura que surgiu uma grande permissividade sexual e um acentuado consumo de drogas. Ao nível cultural, apareceu o movimento hippie e o rock and roll e, no campo político, deu-se prioridade às atividades secretas do presidente Richard Nixon. Trata-se também de uma época de contracultura e acontecimentos cataclísmicos, tais como a Guerra do Vietname e assassinatos políticos, os tiroteios na Kent State University, o movimento dos direitos civis, o conflito de gerações e o movimento de liberação das mulheres. É nesse momento que determinados jornalistas se insurgem contra as normas sociais vigentes, achando que, através de métodos convencionais, não conseguem denunciar os tempos turbulentos em que vivem. Eles apresentaram factos, comentários, e analisaram a complicada realidade da sociedade americana, ao mesmo tempo que proporcionavam aos leitores fontes de entretenimento através de contos e romances. Philip Roth é um dos autores que exprime a frustração dos escritores daquela época ao publicar o artigo Writing American Fiction:

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The American writer in the middle of the 20th century has his hands full in trying to understand, then describe, and then make credible much of the American reality. It stupefies, it sickens, it infuriates, and finally it is even a kind of embarrassment to one’s own meagre imagination. The actuality is continually outdoing our talents, and the culture tosses up figures almost daily that are the envy of any novelists. (Roth, 120)

É nesta conjuntura que, em 1965, Tom Wolfe ouve, pela primeira vez, a designação “Novo Jornalismo”, que teve a sua era dourada entre 1962 e 1977. Capote afirmaria que a objetividade era inconcebível e que o processo de informação tinha que passar pela sua experiência pessoal. O escritor e jornalista Marc Weingarten explica o impacto dos Novos Jornalistas:

They came to tell us stories about ourselves in ways that we couldn’t even begin to fathom, stories about the way life was being lived in the sixties and seventies and what it all meant to us. The stakes were high: deep fissures were rending the social fabric, the world was out of order. So they became our master explainers, our town criers, even our moral conscience – the New Journalists. (Weingarten, 6)

Em 1972, Chase definiu o Novo Jornalismo como um jornalismo subjetivo, que dava enfâse à “verdade” sobre os “factos” (Chase, 19). Esta corrente literária caracterizava-se por um estilo subjetivo, criativo e pessoal de reportagem e comentário. Uma das particularidades do Novo Jornalismo assentava na construção cena a cena e não numa narrativa cronológica. Usava ainda um discurso baseado no diálogo, em vez de citações e afirmações, uma vez que, desse modo, se revelava o que existia dentro da personalidade de cada um. Uma outra característica assentava no ponto de vista do narrador centrado na terceira pessoa. À semelhança dos romancistas, os Novos Jornalistas colocavam-se dentro da mente das suas personagens para nos mostrarem o que se passava com os seus pensamentos. Uma outra característica deste movimento literário era a reprodução de pequenos pormenores da vida diária, tais como cores de fundo, barulhos, sabores, roupas, estilos de cabelo, marcas ou gestos. Através desses detalhes realistas fornecidos pelos escritores, aquilo que Tom Wolfe definiu como “autópsia social”, os leitores aproximavam-se o mais possível da realidade quotidiana e vivenciavam experiências em primeira mão. O resultado desse processo estilístico é descrito pela revista Writer’s Digest:

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It is a form that is not merely like a novel. It consumes devices that happen to have originated with the novel and mixes them with every other device known to prose. And all the while, quite beyond matters of technique, it enjoys an advantage so obvious, so built-in, one almost forgets what a power it has: the simple fact that the reader knows all this actually happened. The disclaimers have been erased. The screen is gone. The writer is one step closer to the absolute involvement of the reader that Henry James and James Joyce dreamed of but never achieved. (Digest, 34)

O Novo Jornalismo qualifica-se como um género literário devido ao uso de técnicas de ficção dramáticas usadas no relato de acontecimentos, tendo os novos jornalistas como objetivo elaborar o seu material a partir de acontecimentos da vida real, dando-lhes um cunho factual de reportagem. Este novo tipo de escritores teve a energia, coragem e determinação de aprofundar conhecimentos do ambiente social circundante e dá-lo a conhecer aos leitores. Truman Capote surge em cena nessa altura. Embora fosse um escritor de ficção convencional, mudou o seu estilo de escrita para o Novo Jornalismo. Capote nunca quis que a sua produção literária fosse comparada com a de Tom Wolfe e denominou o seu trabalho In Cold Blood (1966) “novela de não ficção”. Ele reivindicou ter inventado um novo género literário associado à rebeldia dos anos sessenta. Tratava-se de um estilo que conjugava o documentário e a escrita criativa. Nesse livro, escreveu acerca de acontecimentos que não tinha testemunhado, através do uso de diálogos que tinha recebido em segunda mão (através de registos oficiais, entrevistas com os assassinos ou através do seu próprio trabalho de investigação) e criou monólogos interiores que exigiram alguma criatividade da sua parte. Com o livro In Cold Blood, Capote provou que o tipo de literatura que era produzida nos anos sessenta foi a não-ficção, também denominada Novo Jornalismo. Capote foi citado pelo escritor Roy Newquist:

I’ve always had the theory that reportage is the great unexplored art form … I’ve had this theory that a factual piece of work could explore whole new dimensions in writing that would have a double effect fiction does not have – the very fact of its being true, every word of it is true, would add a double contribution of strength and impact. (Newquist, 78)

Em Breakfast at Tiffany’s, e apoderando-se, ainda que de uma forma embrionária, do seu cunho de “Novo Jornalista”, Capote não receia ser direto e não se esquiva a usar uma linguagem que, para muitos leitores, poderá ser chocante ou até ofensiva. É

34 sobretudo através da sua principal personagem, Holly Golightly, que Capote é realista, quando ela pondera a hipótese de dividir o apartamento com uma lésbica:

’Incidentally,’ she said, ‘do you happen to know any nice lesbians? I’m looking for a room- mate. Well, don’t laugh. I’m so disorganized, I simply can’t afford a maid; and really, dykes are wonderful homemakers, they love to do all the work, you never have to bother about brooms and defrosting and sending out the laundry. (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 20)

Neste passo, Holly usa uma linguagem objetiva e generaliza o raciocínio que emite, extensível a todas as pessoas, baseando-se numa preferência sexual. Logicamente, por detrás das suas palavras está Capote, em total sintonia com o que Holly diz. Ao longo da novela, Capote repete o seu estilo de prosa direta, em articulação com um enredo sucinto e com a obsessão temática com a excentricidade e a diversidade do amor humano. Em Breakfast at Tiffany’s, outros segmentos da narrativa são-nos contados através de artigos de jornais. Um exemplo: o casamento de Rusty Trawler. O narrador lê acerca do enlace no jornal, quando viaja de metro:

Rutherford ‘Rusty’ Trawler, the millionaire playboy often accused of pro-Nazi sympathies, eloped to Greenwich yesterday with a beautiful cover girl from the Arkansas hills, Miss Margaret Thatcher Fitzhue Wildwood. (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 66-67)

Outro exemplo em que Capote alude ao Novo Jornalismo surge no momento em que nos conta a prisão de Holly através dum artigo no Daily News: “Members of café society were stunned today by the arrest of gorgeous Holly Golightly, twenty-year-old Hollywood starlet and highly publicized girl-about-New York” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 80). De referir que no filme, sobre o qual falaremos adiante (Capítulo 2, ponto 2.4), a mesma técnica é usada: Paul vai até ao apartamento de Holly, apanha o jornal do chão e lê o cabeçalho da notícia sobre Rusty.

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Capítulo 2 - Breakfast at Tiffany’s: A Novela e o Filme

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2.1. Breakfast at Tiffany’s: O Livro

Com Breakfast at Tiffany’s, Capote envereda pela escrita ficcional através de um tema controverso. Tratava-se de contar o percurso de uma jovem que vive as suas aventuras sexuais e a sua liberdade social sem repressões, passando de um homem para outro e de uma identidade para outra, na procura incessante de um marido rico. A leveza sexual de Holly surge num momento da história da América ainda marcado pelos estudos de sexologia de Alfred Kinsey dos anos 40 e 50. Os comportamentos sexuais de Holly refletiam os estudos de Kinsey e aquilo que a América conservadora queria suprimir. Talvez a personagem mais escapista criada por Truman Capote seja precisamente Holly Golightly, que nasceu Lulamae Barnes e se casou com Doc Golightly em Tulip, no Texas. Sentindo apenas um profundo afeto pelo irmão, Fred, foge para a Califórnia, onde perde o sotaque texano. Ao chegar a Nova Iorque, com cerca de dezoito anos, vive à custa de homens ricos. Holly nunca se considerou uma prostituta, pois convenceu-se que sempre amou os seus onze amantes quando dormia com eles. A certa altura, comparou- se a um falcão ferido que Doc apanhou e tratou até ir embora. No final do livro, Holly continua a voar, desta vez para a América do Sul, nunca mais dando notícias. Thomas Fahy, no livro Understanding Truman Capote (Fahy, 2014), carateriza o estilo da escrita de Capote: “… Understanding Truman Capote positions him as a writer deeply engaged with the social anxieties surrounding race relations, gender, sexuality, communism, capitalist culture, the atomic age, poverty, and delinquency in the 1940s and 1950s”. Fahy acrescenta:

His writing captures the isolation, marginalization, and persecution of those who deviated from or failed to achieve white middle-class ideals. His works highlight the artificiality of mainstream idealizations about American culture. They reveal the deleterious consequences of nostalgia, the insidious impact of suppression, the dangers of Cold War propaganda, and the importance of equal rights. (…) They reflect a critical engagement with American culture that challenges us to rethink our own biases and fears. (Fahy, 26)

Em Breakfast at Tiffany’s assistimos ao relacionamento entre a personagem Holly e o narrador, que decorre no início dos anos 40, mas que nos é contada em 1958. Esse espaço de tempo, segundo Thomas Fahy, permite a Capote dar a Holly um significado

37 cultural mais amplo. Para Capote, Holly simbolizava o crescente número de jovens que procuravam autonomia social e sexual naquela época. A autenticidade moral que Capote procura surge, assim, como resposta à repressão cultural, sexual e social. A autenticidade, para a personagem Holly, passa pela correlação que ela vê entre o amor e o sexo, o que lhe proporciona veracidade emocional. Ela apenas aceita a superficialidade desde que lhe seja permitida essa genuidade emocional, postura essa que desafiava as normas sociais dos anos 50. Ao mesmo tempo, Holly rejeita a repressão sexual quando diz “Love should be allowed” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 73), aceitando assim a sexualidade como parte da identidade humana. A voz dela é a de Capote, que pretendia uma América inclusiva e tolerante. Capote preocupou-se com a repressão sexual e as práticas sociais que impunham limites à autonomia da mulher, valorizando a sua aparência exterior, já que a sua realização ao nível dos sentimentos pessoais era descurada. Ao rejeitar a vida de uma dona de casa convencional e o casamento como suporte para uma vida estável, a personagem principal de Breakfast at Tiffany’s sente que a América lhe nega um lugar e sai do país. Betty Friedan, na obra The Feminine Mystique (1963), proclamou a identidade da mulher americana: “I want something more than my husband and my children and my home” (Friedan, 20). O conformismo cultural dos anos 50 tinha, assim, chegado ao fim e, com Holly, a representação do feminino tinha atingido uma outra dimensão, sendo redefinida. Kenneth T. Reed, na compilação de ensaios feita por Harold Bloom no livro Truman Capote (Reed, 2003), revela que o tipo de protagonistas que Capote preferia era geralmente associado a indivíduos jovens e, sem margem de dúvida, excêntricos, que coexistem num mundo que tem tanto de cómico como de sinistro, personagens essas que, em alguns aspetos, são inocentes e, em outros, desonestas. Reed acrescenta que Breakfast at Tiffany’s, que surgiu em 1958, não diverge muito do tipo de ficção que Capote tinha escrito anteriormente, salientando que se trata de uma novela moderna, centrada nas personagens, que tem tanto de frívolo como de enigmático. Reed prossegue dizendo que o estilo de escrita de Capote assenta no humor, na ironia associada a determinadas

38 situações e linguagem, no lirismo e na precisão de sentimentos conseguida através do detalhe e de alguns elementos de sátira. É curioso o modo diversificado de ler da novela Breakfast at Tiffany’s. Talvez a maneira mais comum vise a preservação da inocência e o percurso descontraído de Holly numa sociedade mundana, cheia de vicissitudes como é a sociedade de Manhattan. Tal como acontece com a grande maioria da ficção de Capote, em Breakfast at Tiffany’s o autor preocupa-se com aquelas pessoas que são libertas das convenções da vida cultural e social e que pouco se importam com as relações familiares ou com os valores de respeitabilidade da classe média. Reed vais mais além, ao dizer: “(…) it is in part a deliberate affront to middle class respectability, consistency, dependability, and to the whole cluster of values that form the Protestant Ethic” (Reed, 21). Em termos de crítica literária e no que diz respeito à receção da novela, houve um consenso geral de louvor. Paul Levine, na revista Georgia Review (Levine, 1959) teceu aquela que será, talvez, a crítica mais marcante acerca de Capote e do seu novo livro: “Like good whiskey (and unlike many of oneshot novelists), Capote seems to mature with age” (Levine, 350). Levine, tal como outros admiradores do trabalho de Capote, tinha plena consciência do que poderia esperar deste escritor, achando que as capacidades dele, enquanto autor de obras de ficção, tinham sido refinadas. A sua preocupação, nesta fase, segundo Bruce Bawer era a de desenvolver um enredo, usar de sentido de humor e adquirir uma visão da história que fosse para além da protagonista, algo que conseguiu na perfeição. A singularidade do estilo da novela, de acordo com Bruce Bawer, vai mais longe, ao acrescentar:

(…) the more closely one looks at Breakfast at Tiffany’s the more difficult it is to avoid feeling that the novella is something of a schizophrenic act on Capote’s part. One side of him (the disciplined, mature writer) observes the other (the wild, frivolous party-goer, enthralled by criminals and enamoured of the very, very rich, who refuses to grow up). (Bawer, 45)

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No fundo, trata-se de um dos melhores trabalhos de ficção de Capote – tocante e genial. Nos nossos dias, muitos críticos literários continuam a ter como referência a personagem de Holly Golightly, a heroína inesquecível de Capote. Helen Garson afirma que Holly integra uma história que é assim descrita: “This story, resembling other Capote pieces in its mixture of tenderness, melancholy, and humor enclosed and protected in a frame of memory, inviolable, like figures carved on an urn, caught in a moment of time past” (Garson, 97).

2.2. As Várias Faces de Holly na Novela de Capote

Capote, ao escrever sobre Holly, usou detalhes biográficos e traços de personalidade pertencentes a imensas jovens que conheceu desde que passou a viver em Nova Iorque no início dos anos quarenta:

The main reason I wrote about Holly, outside the fact that I liked her so much, was that she was such a symbol of all these girls who come to New York and spin in the sun for a moment like May flies and then disappear. I wanted to rescue one girl from that anonymity and preserve her for posterity. (Norden, 160)

Breakfast at Tiffany’s foi o primeiro grande projeto literário de Capote, após o suicídio da sua mãe, sendo também um retrato dela e uma tentativa de lidar com o amor que sentia por Lillie Mae Faulk e a consequente perda e luto. Holly assemelha-se a Capote no sentido em que partilha não só a filosofia dele, mas também os medos e ansiedades ̶ “the mean reds”; “You’re afraid and you sweat like hell, but you don’t know what you are afraid of” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 36). E a luta pela identidade de Holly é também a luta de Capote pela sua própria identidade. Tal como Holly, também Capote teve uma infância infeliz e, quando se muda para Nova Iorque, usa o seu carisma, a aparência física e o seu talento literário para ascender socialmente. A mãe de Capote terá sido uma das suas maiores influências enquanto escritor, tal como referiu o biógrafo Gerald Clarke:

Both Nina (Capote) and Holly grew up in the rural South and longed for the glitter and glamour of New York, and they both changed their hillbilly names, Lillie Mae and Lulamae, to those they considered more sophisticated. (Clarke, 313)

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Holly Golightly representa dois tipos de mulheres livres na América dos anos 40: as que tinham origem num meio provinciano ou extrato social baixo e que, por esse motivo, tinham que se reinventar de modo a terem acesso a uma elite social e económica; e as filhas dessa elite, que eram ‘naturalmente’ sofisticadas e privilegiadas e que podiam, assim, fazer aquilo que quisessem. O livro apresentou um novo tipo de heroína, que desafia os valores ideias que dominavam a sociedade daquela época. “Um facto que destaca Holly e a separa de tantos personagens femininos da época é o facto de que ela não é mãe.” (Vitória, 5) Curiosamente, a revista Time descreveu Holly como “a grown-up Lolita”: “Holly Golightly, 18, is a cross between a grown-up Lolita and a teen-age Auntie Mame.” (Wasson, 180) O nome da personagem principal está associado à ação e movimento que ela vive no enredo. Quando o narrador começa a contar a amizade que inicia com Holly, ele diz- nos que o primeiro encontro que teve com ela foi ao ver o seu nome escrito na caixa do correio: “Miss Holiday Golightly, Travelling” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 10). Esta particularidade caracteriza Holly como oposta ao “status quo”. Mesmo quando está em casa, Holly não está, na realidade, lá, mas sim constantemente em movimento. Isso parece desconcertar o narrador: “It nagged me like a tune” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 10) . Holly anda constantemente de um lugar para , reinventando-se. O narrador sente- se impelido a contar a história de Holly, criando o seu próprio retrato literário da personagem, mais de dez anos após ter perdido o contacto com ela. Smaranda Ștefanovici, no ensaio “Ambiguity and Ambivalence in Truman Capote’s Holly Golightly” (Ștefanovici, 2016) cita Helen Garson a respeito de Capote: “Holly is a ‘traveller’, who goes lightly through the world, and seeks love, identity, but also experience: “She has a great hunger to explore, to live each moment completely, to do and see everything” (Ștefanovici, 112). É claro que Holly já não representa a mulher americana passiva, tradicional, doméstica e dependente do século XIX. A novela retrata os anos 50 na América, o que, por um lado, mostra a vulnerabilidade e solidão das mulheres ̶ “I have no friends” (Capote, Breakfast at Tiffany’s 76) ̶ e, por outro lado, o espírito de independência e força emocional: “He’s (Fred) the only one would ever let

41 me. Let me hug him on cold nights. I saw a place in Mexico. With horses. By the sea” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 69). Capote apresenta-nos Holly como uma criatura selvagem, sempre a viajar, de modo a escapar do passado, do seu apartamento em Nova Iorque, do gato ou de qualquer ser humano. Apesar das suas roupas de estilo único, Holly é insegura, inadaptável e autodestrutiva. O mecanismo de defesa de Holly consiste em vaguear pela vida, fugindo dela própria e de todas as pessoas ou coisas que atrapalhem a sua independência: “We don’t belong to each other: he’s (the cat) an independente, and so I am” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 35). Ela necessita de manter a sua aparente independência de modo a poder sobreviver num mundo cruel, que se mantém indiferente às suas necessidades. O nome de Holly está também conotado com a despreocupação, o lazer e a liberdade, que “Holiday” transmite. O sobrenome, Golightly, sugere uma atitude despreocupada (“go lightly”) perante a vida. Isso é bem evidente quando o narrador lhe pergunta acerca da inscrição na caixa do correio e ela responde: “After all, how do I know where I’ll be living tomorrow?” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 38). Holly rejeita tanto “the mean blues”, tristeza, como “the mean reds”, medo (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 35). Por último, o nome Holly poderá também ser uma referência ao estatuto mítico e sonhador de Hollywood, como uma cidade associada à cultura popular e à concretização de sonhos. Curiosamente, quando lhe é apresentada a oportunidade de se tornar numa estrela de cinema, Holly recusa, pois vê essa possibilidade como uma cedência ao seu próprio ego -“having a big fat ego”, (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 35). Ainda que ironicamente, ela não queria passar o resto da vida a fingir ser quem, na realidade, não era. Mais irónica é, todavia, a revelação posterior que temos: Holly Golightly nem sequer era o seu nome real. O narrador começa por nos falar de Holly, ao ouvi-la cantar, como sendo alguém imerso num mistério. Ele divaga, dizendo: “There were moments when she played songs that made you wonder where she learned them, where indeed she came from. Harsh- tender wandering tunes with words that smacked of piney-woods or prairie” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 15). Através da expressão “where indeed she came from”, o

42 narrador questiona-se acerca da origem e do passado de Holly, sugerindo em seguida, “piney-woods or prairie”. Também O.J. Berman, o antigo agente de Holly em Hollywood, a quem o narrador é apresentado durante o segundo encontro com ela, se sente intrigado com a origem de Holly: “Even when she opens her mouth and you don’t know if she’s a hillbilly or an Okie or what. I still don’t. My guess, nobody’ll ever know where she came from. She’s such a goddam liar, maybe she don’t know herself any more” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 29). Parece ser um segredo bem guardado que Holly veio de uma localidade rural do Texas, uma zona profundamente afetada pela Grande Depressão e o Dust Bowl, tendo-se tornado numa mulher cobiçada pela sociedade de Manhattan. Esse segredo será, mais tarde, revelado pela própria ao narrador, sem lhe ocultar detalhes. Ela é vista como enganadora - “a real phony” e falsa - “an utter fake” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 27, 57). A respeito das origens de Holly, O. J. Berman descreve o sotaque dela como retratando uma “hillbilly or an Okie” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 29), alguém com origens rurais e socialmente desfavorecida. Abigail Cheever, no seu livro Real Phonies: Cultures of Authenticity in Post- World War II America (Cheever, 2010) afirma que Holly é enganadora, no sentido em que aquilo em que acredita está de acordo com as normas sociais. No entanto ela é autêntica, na medida em que tudo em que ela acredita é tudo o que tem. A autenticidade no período pós-guerra era vista em função do modo como separava a pessoa do seu contexto social. Daí, estando inserida no seu mundo, Holly nunca pode ser vista como totalmente autêntica, apesar da sua falta de fingimento. Por volta do final do século, a autenticidade tornou-se sinónimo de pertença, um ponto de equilíbrio com a cultura vigente. Se Capote a tivesse criado nessa altura, ela seria, sem dúvida, uma figura mais autêntica, uma vez que os meios cultural e social teriam sido diferentes. Quando é forçada a encarar o ex-marido, Doc Golightly, com quem casou com apenas catorze anos, Holly reconhece a natureza da identidade contraditória que a caracteriza, ao dizer: “I’m not fourteen anymore, and I’m not Lulamae. But the terrible part is (and I realized it while we were standing there) I am” (Capote, Breakfast at

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Tiffany’s, 65). Ao reconhecer o nome pelo qual era conhecida na infância, Holly admite que parte da sua identidade ainda pertence ao passado e que, sobre essa identidade, ela construiu máscaras representativas dela própria. Admite que mudou, mas reconhece que não conseguiu cortar completamente com o passado. A problemática da autodescoberta é apresentada através da natureza contraditória de Holly e do mistério que envolve a sua origem. O final ambíguo da história poderá ser interpretado como sugerindo quão desafiadoras são as expetativas na construção da subjetividade feminina, dentro de uma sociedade em que os alicerces ideológicos se baseiam na negação dessa mesma subjetividade. O que mantém Holly segura e calma é a joalharia Tiffany’s e José, que são duas soluções temporárias que parecem compensar tudo o que ela não teve. Apesar de ter mantido um relacionamento com José, nunca entrou na joalharia Tiffany’s: “They represent her American Dream and would make her put an end to her quest for belonging” (Ștefanovici, 115). Holly possui uma personalidade simples, vulnerável e frívola, cujo único objetivo na vida é encontrar um ‘lar’, ao mesmo tempo que faz de acompanhante para homens ricos. No entanto, se, por um lado, sente a necessidade de ‘pertencer’ a alguém, por outro lado, Holly não se quer sentir acorrentada a nenhum relacionamento. Para outros críticos, Holly é uma mulher avançada para a época, corajosa e com muitas reservas em se conformar com os papeis de género pós-Segunda Guerra Mundial:

Holly is a woman ahead of her times, courageous and reluctant to conform to the gender roles of the post WWII era …. She is both male and female and represents the child-woman, both innocent and experienced, conventional and non-conventional, simple and sophisticated. (Ștefanovici, 111)

Outra característica de Holly é o interesse que mantém pela vida social de celebridades e por uma certa frivolidade da vida alheia. O narrador, a certa altura, descreve a rotina de Holly: “I discovered, from observing the trash-basket outsider her door, that her regular reading consisted of tabloids and travel folders and astrological charts …” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 14). Estas palavras do narrador indicam

44 claramente que o grande desejo da personagem é o de uma vida muito diferente daquela que a circunscreve, uma existência leve, lúdica e irreal. Uma faceta de autenticidade no percurso de Holly, no entanto, é Fred, seu irmão, que cumpre serviço militar. Talvez por representar sentimentos verdadeiros, como o amor fraterno e a reminiscência de momentos felizes da infância, Fred é alguém que ela protege. A importância que lhe dá traduz-se, por exemplo, no facto de Holly tratar o narrador pelo nome de Fred. Ao fazê-lo, ela cria uma ligação ao passado, enquanto atribui ao narrador um sentimento fraternal e assexuado; afinal, o mesmo tipo de sentimento que este lhe concede a ela. Com a exclusão de Fred da narrativa, através da sua morte, Holly remove o elo de autenticidade da sua narrativa, salientando o sentimento de independência. Esse sentimento é-nos transmitido também pela metáfora que envolve o gato de Holly, que não tem nome e que, no final da história, nos permite compreender o destino da personagem, incerto e não partilhado com ninguém.

‘Poor slob without a name. It’s a little inconvenient, his not having a name. But I haven’t any right to give him one: he’ll have to wait until he belongs to somebody. We just sort of took up by the river one day, we don’t belong to each other: he’s an independent, and so am I. I don’t want to own anything until I know I’ve found the place where me and things belong together: I’m not quite sure where that is just yet. But I know what it’s like. … It’s like Tiffany’s´. (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 35)

Tanto o gato, sem nome, como Tiffany’s, o abrigo seguro de Holly, remetem-nos para a temática central da novela: a fuga, a liberdade e o sentimento de não pertença. O gato de Holly é também o símbolo de ansiedade em manter um relacionamento. Ela não admite o quanto gosta do gato e recusa-se a dar-lhe um nome. Especialmente na cena do livro, o leitor nota como é penoso para Holly despedir-se do gato, que por outro lado, já se apegou a ela, roçando-se-lhe na perna. Essa temática confere com a imagem do “animal selvagem” que Holly atribui a si própria, relacionando o seu passado misterioso com o facto de não querer ser propriedade de ninguém: ´Never love a wild thing, Mr. Bell´, Holly advised him. ´That was Doc´s mistake. He was always lugging home wild things. A hawk with a hurt wing´ (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 65). Tal como um animal selvagem, por vezes ferido, ela também

45 está despedaçada, mantendo-se à distância das outras pessoas, não as deixando aproximarem-se de si, nem ela se aproximando delas. Devido aos problemas de infância, Holly está obcecada com o seu enclausuramento e com o não se apegar romanticamente a ninguém (uma vez que os homens são todos uns “ratos”), fugindo do amor e do afeto pelas pessoas, dos animais e lugares. Essa tendência só será contrariada quando encontra José, o diplomata brasileiro, pois, nessa altura, sonhará em se tornar uma boa esposa e mãe ̶ “José is my first no-rat romance” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 73). Outra característica que define Holly é a sua sexualidade fora do comum, apresentada na novela de uma forma ambígua. Assim, se por um lado ela é heterossexual, por outro lado ela define-se como sexualmente indefinida, tendo características homossexuais: “I must be a bit of a dyke myself” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 20). No estudo feito por Dina Smith, a personagem liberal de Holly e o narrador, sendo um homossexual não assumido, têm representações distintas:

Holly and the narrator represent the twin narratives of post-war "deviant" sexuality, freedom and containment. Holly is open, libidinally free; the narrator is self-denying, to the point of never identifying (naming) himself. (Smith, 13)

Smith sugere que Holly é a personagem que Capote escolheu para representar as mulheres liberais do início do século XX, a jovem rebelde feminista, que se afastou do conceito de dona de casa. Holly será, assim, a personagem que se afasta da figura masculina para se afirmar, mas que, no entanto, e simultaneamente, precisa dela para lhe dar segurança, por exemplo, através da instituição legal que é o casamento. Holly representa tanto a elegância dos anos 50 na América, como o escape das convenções sociais:

It was an age in America of both innocence and optimism before John Kennedy’s assassination; an age when gender roles and norms started to be redefined and involved the rejection of typical gender roles. (Ștefanovici, 113)

Holly aponta para a mudança no papel das mulheres, pois o seu estilo não- convencional e o seu comportamento definem-na como uma rebelde contra as ideias convencionais e comportamentos femininos. Ela retrata a modernização do feminino em relação ao contexto cultural e social dos anos 50 e 60 na América.

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No final da novela, Holly sai da vida do narrador, deixando-o com sentimentos não solucionados e memórias vivas, que o obrigam a escrever sobre ela. Trata-se de um final ambíguo, que nos faz lamentar o facto de Holly não ter encontrado a sua ‘Tiffany’s’ em nenhum lugar e ter que deambular pelo mundo. A esse respeito, em Studies in Classic American Literature (Lawrence, 2003), D.H. Lawrence insiste que o Sonho Americano nunca foi sobre liberdade, mas sobre fuga. Por outro lado, sentimos alguma satisfação nos pequenos passos que Holly deu em relação à sua independência e relativamente ao facto de os seres humanos poderem superar os seus fracassos pessoais através do relacionamento de uns com os outros. Capote definiria a sua personagem com as seguintes palavras:

The book was rather bitter, and Holly Golightly was real – a tough character, not an Audrey Hepburn type at all. The film became a mawkish valentine to New York City and, as a result, was thin and pretty, whereas it should have been rich and ugly. (Norden, 160)

2.3. Acerca da Superficialidade de Breakfast at Tiffany’s

Três anos antes da publicação desta novela, Capote dá-nos uma pequena ideia das suas afinidades estéticas. Num ensaio intitulado “Style: And the Japanese” (1955) (Capote, Portraits and Observations: The Essays of Truman Capote, 2008) o escritor elogia a pureza “luminosa” da literatura japonesa. Nessa pequena dissertação, Capote, recordando o convívio que teve, em criança, com um japonês chamado Frederik Mariko, ilustra a sensibilidade da cultura nipónica, comparando os japoneses a músicos visuais, mestres na harmonia da forma e da cor. Este apreço pelo artificial e por um estilo que prima pelo sentido estético afasta-se de tudo o que é explícito e foca-se apenas em nuances de uma estrutura globalizante da natureza. Como no Japão do século nono, e talvez até anteriormente, a maior parte da correspondência era feita através de uma escrita poética. Qualquer japonês culto conhecia centenas de poemas e outros textos dos quais podia citar versos, aplicáveis às mais variadíssimas vivências do quotidiano. A partir do vasto entretenimento a que os japoneses nos habituaram, tanto na dança como no cinema, esse costume ainda se aplica hoje, sendo essas formas de arte autênticos mediadores de

47 comunicação poética. Para Capote, segundo Chris Anderson (Reed, 2003), a arte japonesa depende do receio em relação ao que está explícito. No livro On Lightness of World Literature, Bede Scott (Scott, 2013), relaciona Breakfast at Tiffany’s com o movimento artístico europeu do século XIX denominado Esteticismo, considerando a novela de Capote superficial, através da sua transparência linguística e produção limitada de significados secundários. Ao privilegiar o significado sobre o significante e ao dar mais atenção ao exterior do que ao interior, Scott acredita que Capote criou uma estética da legibilidade imediata, ao aliviar a sua narrativa de um peso suplementar, permitindo-lhe atingir uma qualidade libertadora antissimbólica, própria de um filme clássico de Hollywood. A novela apresenta algumas personagens pouco recomendáveis, como por exemplo, Salvatore “Sally” Tomato, o criminoso siciliano, ou Rutherfurd “Rusty” Trawler, o milionário simpatizante nazi. No entanto, se, por um lado, essas personagens desafiam a simplicidade da narrativa de Breakfast at Tiffany’s, por outro lado, e sobretudo, são estratégias que contribuem para a vertente estética da novela, aproximando-a de uma certa superficialidade que, no entanto, não retira peso representativo à obra, nem à dimensão icónica de Holly. Para Helen S. Garson (Ștefanovici, 2016), outros exemplos de “leveza” residem no humor que Capote dá às personagens, diálogos e acontecimentos. O autor joga com os nomes: Joe Bell, que regista mensagens telefónicas; Rusty Trawler, homem casado que se envolve em escândalos sexuais. Garson acrescenta que Breakfast at Tiffany’s nos dá o melhor de Capote, através de um controlo total de características de estilo, simbolismo, universo imagético e tom, que marcaram a prosa de ficção e não-ficção dos anos 50 e 60. Para Scott, a leveza de Breakfast at Tiffany’s não é uma falha, mas sim a articulação de uma sensibilidade estética, que deliberadamente privilegia o estilo sobre o conteúdo, o superficial e momentâneo sobre o sentido profundo do texto. Assim, no sentido puramente denotativo, Breakfast at Tiffany’s conta-nos uma história simples, na qual se nota que o narrador tem algumas dificuldades em interpretar a personagem Holly Golightly, mas acabando por o fazer com transparência. Não há reservas de significação sobre ela para o leitor.

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Tal como a poesia japonesa, Breakfast at Tiffany’s, é “apenas o que é” e nada mais. Possui todos os predicados de uma ‘boa’ mensagem literária: clareza, simplicidade, elegância, requinte” (Barthes, 119). No entanto, e de forma contínua, priva-nos dos significados simbólicos mais profundos que supostamente fazem parte dessa mensagem, dando-nos apenas o lado “superficial” dela. Um exemplo que Scott cita como característico da superficialidade enunciada em Breakfast at Tiffany’s é a que relaciona Holly com Sally Tomato. Sabemos que Holly recebe cem dólares por semana para comunicar o relato do tempo atmosférico entre Sally Tomato e o advogado dele, Mr. O’Shaughnessy. No final da novela, o leitor fica a saber, através do jornal Daily News, que esses relatos eram codificados e serviam para Sally Tomato controlar o narcotráfico. Este episódio não passa do simulacro de um mistério, pois facilmente é desvendado. À semelhança do simbolismo da novela, também os mistérios que a integram são simples e demasiado óbvios. O significado subjacente aos relatos do tempo atmosférico é, para o leitor, facilmente captado, focando-se, mais uma vez, na superficialidade das coisas.

2.4. Breakfast at Tiffany’s: O Filme

O filme Beakfast at Tiffany’s é considerado uma comédia romântica com um final feliz. No entanto, devido ao modo como Holly e Paul ganham a vida, o tema do amor é por vezes confundido com o tema da posse. Isso é exemplificado através dos diálogos que tanto Holly como Paul mantêm sobre relacionamentos anteriores que tiveram com outras personagens e um com o outro. O tema do amor surge também sobreposto à metáfora do casamento, quando nos apresenta a relação das duas personagens inserida nas normas sociais, onde amor e posse se correlacionam. O casamento distingue, por exemplo, Holly e 2E. Ao contrário de Holly, 2E, apesar de adúltera, é retratada como tendo uma vida sexual ativa e, até certo ponto, transmite a imagem de que só através do casamento a sexualidade pode ser expressa. A consumação da relação sexual entre Paul e Holly acontece após um dia de diversão, em que ambos chegam a casa e se beijam. A câmara

49 afasta-se, para surgir a imagem de Paul sozinho na cama e as duas máscaras penduradas, o que indica que passaram a noite juntos. Mais à frente, na narrativa fílmica, quando Paul termina a sua relação com 2E, explica-lhe que não a deixa por outra mulher rica, que o possa sustentar, mas por Holly: “a girl who can’t help anyone, not even herself. But the thing is, I can help her, and it’s a nice feeling for a change.” O discurso de Paul, aqui, indica que ele vê Holly como alguém que necessita de ajuda, a sua ajuda, de modo a conduzi-la no caminho certo do casamento e dos papeis tradicionais entre homem e mulher. E é no final do filme que Holly admite que levou uma vida errante e opta por um percurso de subserviência em relação a Paul. A resolução do filme apresenta-nos Holly como sendo rejeitada por José, devido à associação com o criminoso Sally Tomato se ter tornado pública, decidindo viajar para a América do Sul na esperança de encontrar outro homem rico. Numa das cenas finais, em que Holly, acompanhada por Paul, se dirige para o aeroporto, Paul não a consegue dissuadir dos seus planos, atirando-lhe com a aliança que, há alguns meses, tinha guardada, saindo do táxi. Só nesse momento, perante o símbolo do que a feminilidade convencional tem para lhe oferecer, é que Holly lhe dá valor e vai atrás dele, seguindo o cliché social, que é a mulher a devolver a aliança ao homem. Ao sugerir que apenas o amor dele é a única forma de libertação para Holly, por oposição ao isolamento que seria ela de acordo com as suas próprias regras, Paul reintroduz a temática do amor e diz, “You belong to me”, ao que ela responde “No. People don’t belong to people”. Teria efetivamente sido mais fácil se tivesse existido uma fala como “Pertencemos um ao outro”, o que não aconteceu, demarcando assim a figura de Holly como um objeto de posse por parte de Paul. Nitidamente, ele diz-lhe o que ela deve pensar e o que deve querer da vida, enquanto Holly, obedientemente, o ouve em silêncio. O sonho de Holly é encontrar um lugar que a faça sentir-se como se estivesse na joalharia Tiffany’s – segura, feliz e despreocupada. No início do filme, Holly surge à porta da Tiffany’s, o lugar que, para ela, se assemelha à sua própria casa que, curiosamente, está fechado e, portanto, fora do seu alcance. Holly, nessa cena, tem óculos escuros, o que, segundo Bede Scott, funciona como um escudo protetor do íntimo dela em relação ao mundo, afastando-a dele. Ainda na cena inicial do filme, o facto de Holly

50 estar na Quinta Avenida de Manhattan, que se encontra vazia aquela hora da manhã, quando deveria fervilhar de movimento e consumismo, parece transmitir o “erro” da vida de Holly, que persiste em ir contra as regras sociais. A metáfora do gato de Holly, sem nome, o seu “alter-ego”, ressurge no final da narrativa fílmica e da novela, reforçando a ideia de que Holly pertence a Paul. Depois de Paul sair do carro, à procura do gato, Holly junta-se a ele e, após o encontrarem, beijam- se ao som de “Moon River”: “two drifters … are after the same rainbow’s end, waiting, round the bend”. Na novela, Holly perde o gato para sempre e decide viver uma vida independente de Paul. Enquanto a Holly de Capote exerce controle sobre a sua vida, no filme esse mesmo controle é remetido para a figura masculina. Ela e o narrador poderão ser vistos, segundo Dina Smith (Smith, 2009), como o desejo de Capote retratar as personagens de uma determinada esfera cultural com identidades de género e sexualidades diferentes das da cultura dominante daquela época (Smith, 9). Talvez o objetivo de Capote, em parte, tenha entretanto sido concretizado, uma vez que se passaram mais de cinquenta anos desde que o livro foi publicado e o filme estreou. De facto, as atitudes relativamente aos temas mencionados mudaram. As correntes feministas e as críticas culturais ganharam espaço na sociedade atual e alteraram o discurso submisso da mulher em relação ao homem, questionando-o vez após vez. Perante as ideologias culturais dos nossos dias, as identidades de género e os papeis sexuais ganharam uma nova dinâmica, tendo o próprio cinema vindo a contemplar personagens femininas que já não se submetem à figura masculina. Conforme Lea Ribbeck afirmou (Ribbeck, 2009), e em contraste com o relacionamento que mantêm no livro, Holly e Paul, no filme, tornam-se grandes amigos e começam a sentir amor um pelo outro. Essa particularidade transforma o enredo numa comédia típica de Hollywood, o que agrada plenamente ao público. No final, Paul não quer que Holly se vá embora, pois acha que pertencem um ao outro, embora ela tenha medo de pertencer a quem quer que seja. É nesse momento que ele a chama para a realidade e lhe diz: “You’re afraid to stick out your chin and say, ‘Okay, life´s a fact, people do fall in love, people do belong to each other, because that´s the only chance

51 anybody´s got for real happiness.´ Estas palavras entristecem-na e ela chora convulsivamente, apercebendo-se que Paul tem razão e que ela lhe quer pertencer, a ele e ao gato. O final feliz reúne os três, como que compondo uma família. Esse final, de certa forma, alerta os espetadores para terem esperança relativamente aos seus próprios sentimentos. Por um lado, a novela coloca questões para as quais não procura respostas. Por exemplo: Como conciliar liberdade e segurança? Como controlar a própria vida? O que significa, para uma mulher, encontrar a felicidade? No final da novela, essas perguntas, para Holly, permanecem sem resposta. Mas já que a novela colocou essas questões, o filme deu as respostas, ao proporcionar um final feliz a Holly. No fecho do filme, dá-se o enlace romântico entre Holly e Paul, altura em que ela perde a independência ao encontrar segurança nos braços do homem que ama. A importância deste final reside no facto de ser completamente diferente do que o livro oferece e é alicerçado na cultura popular do início dos anos 60, agradando, assim, ao público em geral. Já a recompensa de Paul revela-se na tomada de controle da sua própria vida. Ele ganha a capacidade de tomar as suas próprias decisões e ganhar a vida através da escrita, não dependendo mais financeiramente de 2-E. Ao contrário, a segurança de Holly passa por “pertencer” a Paul, que diz, a certa altura: “She’s a girl who even can´t help herself. But I can help her”. E fá-lo inúmeras vezes ao longo do filme. Tudo começa quando deixa que ela se esconda no seu quarto, ao fugir dum acompanhante alcoolizado. Mais tarde, ajuda-a no reencontro com o ex-marido e quando ela tem dificuldades em se despedir dele. Por último, é Paul quem a socorre na prisão e lhe dá apoio aquando do rompimento da relação com José. A relação entre ambos carateriza-se como sendo sempre de apoio por parte dele e de dependência por parte dela. Enquanto que o filme Breakfast at Tifffany’s parece, à primeira vista, oferecer uma nova dimensão ao papel da mulher, na realidade subverte as tentativas de Holly se tornar autónoma. A história reforça o papel tradicional do homem na sociedade como dominador e protetor, dando à mulher a via escapatória do casamento como forma de ser feliz e submissa. O final feliz acontece, assim, quando o realizador do filme, Blake Edwards, ata um laço bonito à volta da história de Capote, tornando-a mais atraente para o público. Tal

52 como Holly contemplava a vitrina da joalharia Tiffany’s, sonhando com uma vida independente, mas não a alcançando, o realizador passa uma imagem para as restantes mulheres da geração de Holly, segundo a qual o sonho se projeta também por trás de possíveis vitrines, não lhes permitindo o sonho de serem independentes. E, a menos que essas mulheres lutem por concretizar os seus sonhos, elas ficarão presas no final feliz trágico de Holly. Janina Corda refere que o objetivo principal de Holly, no filme, não é o de encontrar um marido a qualquer custo. No entanto, é-lhe permitido ter uma vida independente num apartamento em Nova Iorque, sendo assim autónoma e gerindo a vida por conta própria, o que vai contra as convenções da época: “This kind of female behavior was by no means appreciated at that time and, hence, many women who suffered from the “feminine mystique” envied Holly for this possibility and wanted to be like her” (Corda, 72). Ela era uma jovem solteira que tinha uma vida independente e podia ter uma vida sexual ativa que não era moralmente questionável. Corda acrescenta que a ausência de convencionalismo e singularidade de Holly, no filme, é sublinhada pela banda sonora. O jazz, geralmente, surge conotado com uma certa rebelião e com um cariz sexual, uma vez que advém da influência da cultura afro-americana. O compositor Henry Mancini preferiu adotar um estilo orquestral de “swing”, em vez dos tradicionais arranjos de orquestra, o que, na época, era geralmente conotado com a sexualidade de modo pejorativo. No entanto, na medida em que Holly combina atitudes tradicionais e modernas, Mancini harmoniza melodias sinfónicas e de jazz, que destacam a dualidade de Holly e a tornam numa personagem híbrida, tal como heterogénea é também a banda sonora do filme. Janina Corda vai mais longe no ensaio que escreveu, ao aludir que, apesar de Paul, no filme, ter sido uma personagem construída de modo a salientar a sua masculinidade, ele também possui uma certa sensibilidade e não é tanto o representante-tipo do sexo forte, algo que surge como revolucionário na América do pós-guerra. No filme, quando reencontra o gato, Holly admite que ambos pertencem um ao outro, culminando num final feliz.

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Em suma, apesar de existirem cortes em determinadas cenas e de haver um certo cuidado na abordagem de assuntos relativos à sexualidade masculina e feminina, o filme foi um instrumento positivo de retratar a mulher no cinema, o que também demonstra o quanto Capote estava avançado na sua época. A imagem de Audrey Hepburn como Holy Golightly tornou-se icónica. Letícia da Silva Vitória escreve sobre a personagem Holly Golightly: “Até hoje, alguns críticos discutem como a personagem na verdade representou um novo tipo de personagem feminino, que não era muito comum de se ver nos grandes filmes de Hollywood naquele tempo” (Vitória, 2). O tema principal do filme é o poder do amor e da estabilidade que triunfam sobre a liberdade. Já no livro, o tema é a fuga, a liberdade e o sentimento de independência, uma vez que Holly não sente que pertence a nenhum lugar e não acredita que possa pertencer a alguém. Enquanto o livro consegue ser revolucionário para aquela época, o filme acaba por ter um final tradicional, uma vez que o processo de adaptação ao cinema culmina com um romance que não existe no final do livro. Assim, se por um lado o livro de Capote se centra na autonomia e na não-conformidade, o filme de Blake Edwards insiste em temas como o amor romântico e o convencionalismo.

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Capítulo 3 - A História do Livro e do Filme: Adaptação e Crítica

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3.1. Análise Comparativa: A Novela e o Filme

Neste subcapítulo penso ser primordial destacar aquilo que tanto o livro como a novela fazem sobressair através da especificidade dos artifícios que cada um deles usa. Truman Capote vendeu os direitos autorais da novela aos produtores do filme, ficando assim impedido de influenciar o processo de adaptação ao cinema. O produto final viria a ser um filme bastante diferente da obra que lhe deu suporte e que foi do desagrado de Capote. Damaris Englert (Englert, 2013), no estudo comparativo que fez entre o filme e a novela, refere que Martin Jurow, um dos co-produtores do filme, conseguiu convencer Capote a vender-lhe os direitos da novela em outubro de 1958, o que fez com que, a partir dessa altura, Capote deixasse de ter controle de quaisquer decisões que a produtora Paramount Pictures tomasse. Este seria um pormenor importante quando, mais tarde, os produtores e o realizador fizeram as alterações que consideraram necessárias à história de Capote. George Axelrod foi escolhido como argumentista, tendo que introduzir variantes consideráveis ao texto inicialmente escrito por Capote, não só devido às exigências do tipo de público esperado e ao convencionalismo da máquina produtiva de Hollywood, mas também por causa das restrições impostas pelo Código de Produção de Cinema (CPC). Com o intuito de introduzir mais ação na história e a tornar lucrativa, como acrescenta Englert, Axelrod teve que reformular a história: “They wanted a love story overcoming obstacles, with the girl and the boy getting together and the end to live happily ever after” (Englert, 7). Estes elementos não faziam parte da novela. O público não queria ver a história de uma mulher solteira a enfrentar problemas sozinha e depois, no final da história, partir sem deixar rasto. Pelo contrário, o público pretendia uma história de amor com um final feliz. No grande processo de adaptação, muitos pormenores da novela foram mantidos, tais como os cenários e várias das características das personagens. Exemplos disso são o apartamento de Holly e o seu guarda-roupa. Damaris Englert dá-nos diversos exemplos de contraste entre as duas formas como a narrativa literária e fílmica se apresentam. No filme, Paul instala-se no apartamento,

56 conhece Holly nesse dia e entra na vida dela de imediato, ficando seu confidente, ao ponto de ela lhe falar acerca de Sally Tomato, do gato e da joalharia Tiffany’s. Nessa noite, Holly sobe até ao apartamento de Paul e estabelece-se empatia entre ambos. Os acontecimentos sucedem-se muito rapidamente, o que cria intimidade e provoca mudanças no relacionamento entre os dois. Por outro lado, na novela, além de não haver uma relação amorosa entre os protagonistas, Holly e o narrador conhecem-se durante um período de cerca de dois anos, em que, basicamente, nada acontece. O filme e a novela também diferem no modo de narrar a história. Na novela há uma história principal com várias narrativas secundárias. Assim, enquanto que a amizade do narrador com Holly decorre entre 1943 a 1945 (ao contrário do filme, que se passa em 1961), o enredo só tem lugar em 1956. A história é introduzida por vários narradores, uma vez que o narrador principal toma conhecimento da história de Holly, através de Joe Bell, o dono do bar amigo de Holly, que recebeu uma carta de Mr. Yunioshi, um antigo vizinho. Nessa carta, Mr. Yunioshi relata que viu o rosto de Holly esculpido numa escultura de madeira, numa aldeia em África. Ao que tudo indica, Holly terá passado por lá. Estes diferentes narradores levam-nos até ao narrador principal e ao período de tempo que ele passou com Holly. No filme não há uma história principal, devido às próprias características que a narrativa adquire e ao facto de Paul e Holly ficarem juntos no final do filme. A versão cinematográfica de Breakfast at Tiffany’s beneficia de cenas adicionadas ao roteiro do filme. Algumas dessas cenas surgem com a personagem 2-E, que é introduzida para contrabalançar e credibilizar a relação entre Paul e Holly e que tem um tremendo impacto no enredo. O argumentista George Axelrod criou-a com o intuito de tornar os pares românticos equilibrados. A esse respeito, Sarah Gristwood, citada no ensaio de Damaris Englert (Englert, 2013), refere:

2-E was invented to make them both busy by being kept by other people (…) to keep part of the sexual atmosphere of the novella without staining Hepburn’s image and to allow Paul to make his journey, too – parallel to Holly’s journey. (Englert, 13)

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Já para Janina Corda, com a personagem 2-E o filme adquire contornos de uma sexualidade ameaçadora. Apenas quando se liberta de 2-E é que Paul consegue conquistar Holly e “domesticá-la”:

(…) by adding the character of 2E to the story, the movie aims to demonize sexually active, self-confident and financially independent working women whose power and control over men means a threat to masculinity. 2E is not only displayed as arrogant and cold, but also functions as a destructive force concerning Paul’s manliness. (Corda, 70)

No entanto, talvez a cena mais emblemática seja a do início do filme, quando Holly toma o pequeno almoço em frente à joalharia Tiffany’s. O objetivo da cena, sem qualquer diálogo e ao ritmo da música “Moon River”, de Henry Mancini, é apresentar- nos a delicada personagem Holly e definir o tom cómico-romântico que definirá todo o filme. Audrey Hepburn, vestida com uma indumentária preta e adornada com um colar de pérolas e óculos escuros, dirige-se para a vitrine da joalharia Tiffany’s. Curiosamente, o realizador decidiu em primeiro lugar mostrar o lado solitário, triste e sonhador de Holly, o que suaviza o carácter da personagem. Esta cena contrasta totalmente com a cena introdutória do livro, quando o narrador inicialmente depara com Holly nas escadas e acompanhada por um cavalheiro. “She was still on the stairs (…) She was not alone. There was a man following behind her” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 12). Também a cena final é modificada no filme, quando Holly aceita o amor e proteção de Paul e muda o estilo de vida que tinha até então. Perante essa alteração, a harmonia da história muda completamente, passando de um tom algo amargo ou até mesmo triste para um tom romântico, em que, de uma Holly independente passamos para uma personagem que se coaduna com a cultura tradicional da época, dentro da qual a figura feminina se subjuga ao homem.

3.2. Holly Golightly e a Mulher do Pós-Guerra dos Anos Cinquenta

Holly é um símbolo de elegância e bom gosto. No entanto, esta personagem é um misto entre aquela criada por Capote em 1958 e uma outra que Blake Edwards imortalizou no filme em 1961.

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A personagem de Holly no livro é retratada por ser uma jovem incomum e excêntrica que subverte o poder social da sexualidade da época. Apesar de sonhar casar- se com um homem rico, desafia a feminilidade tradicional por ir tendo companheiros românticos ocasionais. Lea Ribbeck, na sua dissertação “Holly Golightly as an icon for young women?” (Ribbeck, 2009) refere o aspeto exterior sóbrio da personagem como sinónimo de liberdade, determinação e auto-confiança. O aspeto comum de Holly muito deve ao significado do seu nome, Holiday Golightly. Ao mudar o nome de Lulamae, talvez inspirado, como anteriormente referido, no nome da mãe de Capote, Lillie Mae, quando fugiu de casa e deixou o marido e o irmão, Holly abandona a sua vida anterior. Ribbeck acrescenta que o novo nome que adquire, Holiday, demonstra a propensão para uma vida despreocupada, sobretudo quando, como vimos, surge associado ao sobrenome Golightly (“go lightly”). No entanto, o nome dela também transmite insegurança e o medo de se apegar a qualquer lugar ou pessoa à sua volta. Essa ausência de origem, a que pudesse chamar lar, segundo Ribbeck, remete-nos para a própria experiência de vida de Capote, que passou a infância de um lugar para outro na companhia da mãe. Assim, o aspeto físico de Holly disfarça as fraquezas da sua verdadeira personalidade, tendo por objetivo a admiração dos outros, especialmente dos homens. A imagem da rapariga pobre que se veste e comporta como uma rapariga rica transmite a possibilidade de concretização do Sonho Americano, segundo o qual todos podem ascender socialmente. Para as mulheres de classe média dos anos 50, Holly representava o símbolo da revolução sexual que estava para acontecer. Holly foi, assim, um dos primeiros ícones, representando a mulher livre e independente, capaz de fazer tudo o que quisesse. Assim sendo, a Holly do filme tem alguma coragem em confiar em alguém que nutre sentimentos por ela. Ao contrário, a Holly de Capote, castigada pelo seu comportamento e ingenuidade, não confia em ninguém e segue um percurso sozinha. No entanto, o final feliz do filme mostra que, não só é bom confiar no amor, mas também que qualquer mulher independente merece encontrar o que procura.

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As falas da personagem Holly, tanto no filme como no livro, são idênticas, tirando o facto de que, no livro, Holly diz palavrões, algo que o código de censura não permitiria no filme, por ser considerado imoral nos anos 60. Em termos de indumentária, tanto a Holly do filme como a de Capote são muito semelhantes, mas a aparência física da Holly de Capote difere consideravelmente da do filme, pois tem cabelo curto à rapaz, mas pintado: “(…) the ragbag colours of her boy’s hair, tawny streaks, strands of albino-blond and yellow, caught the hall light” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 11). Estas diferenças de estilo mostram que ela não se integrava na imagem-tipo da mulher da sociedade dos anos 50. A Holly de Capote mostra, assim, que é possível ter uma aparência diferente, não exatamente estereotipada ou arrapazada e, mesmo assim, ser uma figura sensual e atraente. A personagem Holly, apesar de ter muitas das características da que nos é apresentada no livro, sucumbe ao convencionalismo e ao que é socialmente aceitável, achando que o seu lugar no mundo é ao lado de um homem, que a faça sentir-se como se estivesse na joalharia Tiffany’s. Apesar de, tanto no filme como no livro, Holly nos ser apresentada através de uma personagem masculina, apenas no filme essa personagem a limita. No livro ela é retratada através de um narrador, na primeira pessoa, que procura maneiras de definir a sua pluralidade. No filme, ela é-nos representada segundo o ponto de vista da principal personagem masculina, que também é o narrador. É nesse domínio que Holly surge num plano inferior ao do homem, já que a ele se submete. No livro, a saída dessa personagem da cidade de Nova Iorque e da vida do narrador, apenas ressurgindo anos mais tarde sob a forma de memórias despertadas por uma fotografia, poderá ser vista como o último ato desafiante contra a figura social masculina. Conflitos entre conformidade e individualidade, tradição e inovação, estabilidade e rutura desenvolvem-se no enredo e marcam a novela de Capote. A propósito do papel da principal personagem masculina no filme, Paul Varjak deixa transparecer muitos dos seus sentimentos através de expressões faciais e do olhar. Dessa forma, a história de amor entre os dois protagonistas surge muito cedo no enredo fílmico. O olhar de Peppard trai, desde cedo, o sentimento que sente por Holly, apesar de

60 não o verbalizar. A impressão que Peppard nos dá é uma mistura de força e inocência, muito ao contrário da personagem criada por Capote. Esta perspetiva muda a dinâmica da relação entre os protagonistas. Enquanto no livro eles são apenas amigos, já no filme Paul é uma espécie de salvador que guia Holly num percurso emocional. Englert, citando Sarah Gristwood, resume esta dicotomia:

In the book they are friends on an equal footing; none is higher than the other. In the film, however, Paul stands on a higher ground; he is the rescuer, the one whose moral, or at least emotional compass points the way. (Englert, 16, 17)

O académico Bede Scott referiu que, em Breakfast at Tiffany’s, é transmitida uma “leveza” através do uso de metáforas que caracterizam Holly como sendo uma personagem oca, fixada naquilo que é superficial. A este propósito, Scott acrescenta que o valor semiótico de Holly é o resultado da pluralidade da personagem, devido à fixação que ela tem na superficialidade das coisas, o que faz com que ela se renove, podendo representar quase tudo ou quase nada: “This serves as a good description of (…) Holly’s character precisely because of her semiotic emptiness (…) which enables her to become everything (and at the same time, ideally, nothing” (Scott, 140). O relacionamento que Holly mantém com José, segundo Lea Ribbeck é um exemplo dos relacionamentos superficiais que a envolvem com homens ricos e mais velhos. “Those relationships (…) show that Capote does not truly believe in the American Dream, at least not in “riches” for people who come from “rags” (Ribbeck, 32). Dina Smith (Smith, 2009) acrescenta que a personagem de Holly, tanto no livro como no filme, passa pela metamorfose da pobre órfã do Texas rural na “socialite” de Manhattan. A este processo Smith chama a metáfora de Cinderela, que caracteriza a mobilidade social da personagem. Smith acrescenta que esta alegoria retrata o sonho americano inacabado e a estruturação da ideologia capitalista, que à luz do crescimento económico do pós-guerra ganhou um sentido importante na cultura popular. Dina Smith conclui que a Holly liberal que o livro ilustra corresponde a uma projeção, por parte de Capote, da cultura dos anos 50, tendência essa que era inibida pelas pressões sociais do pós-guerra, relativamente ao crescimento económico e vida doméstica.

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Chantal Cornut-Gentille D’Arcy (Cornut-Gentille D'Arcy, 1996) transmite-nos a ideia de que a Holly do filme personifica uma dualidade: por um lado ela age como a típica “femme fatale”, usando o seu charme e beleza para seduzir os homens e, por outro lado, surge como a mulher jovem, inocente e feminina, que o protagonista masculino protege e que nos é belamente personificada pela atriz Audrey Hepburn. D’Arcy acrescenta que a mensagem ideológica do filme pretende reforçar a conceção económica do lugar da mulher na sociedade. Numa altura em que as mulheres ficaram confinadas à casa e ao trabalho doméstico, após a chegada dos homens da guerra, o crescimento económico do pós-guerra assentava, sobretudo, no “culto da vida doméstica” para as mulheres. Assim, no filme, a incapacidade de Holly em levar um modo de vida independente surge associada aos perigos inerentes à emancipação da mulher. A personagem de Holly, no filme, é elaborada como um objeto de fetiche, que provoca admiração no protagonista masculino e no espetador, que assumem a posição de “voyeurs”, através do uso de técnicas cinematográficas. Curiosamente, será o turbilhão emocional da personagem, que no livro parece não ter fim, que é resolvido no filme, quando Holly encontra um par romântico. A sua própria sexualidade, que Capote apresenta em detalhe, é minimizada pela adaptação fílmica. E enquanto Paul é pago pelos favores sexuais que presta a 2-E, o que é aceitável no filme, apresentar-se-nos Holly como uma prostituta de luxo seria algo demasiado arriscado, uma vez que os estereótipos de género dos anos 50 ainda estavam presentes e não podiam ser ignorados. A mensagem do livro de Capote centra-se num sentimento de domínio por parte de Holly e nas várias facetas de viver e amar, enquanto que o filme nos narra a tradicional história de amor que ultrapassa obstáculos. Hoje em dia, a foto de Hepburn adornada com o modelo da Givenchy, em frente à joalharia Tiffany’s, é muito mais conhecida do que a novela de Capote. No entanto, apesar das diferentes mensagens no filme e no livro, o filme foi um veículo impulsionador da obra de Capote: o prazer em escrever sobre valores tradicionais em transição e obter algum reconhecimento e atenção, por parte do público. Se, por um lado, a novela é menos conhecida, hoje em dia Capote será sempre recordado pelo filme, mesmo que não seja pelo modo como ele inicialmente queria.

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3.3. Adaptações ao Cinema: Relações Entre a Grande Arte e a Sétima Arte

A adaptação para cinema de uma obra literária sempre foi um trabalho muito ambicioso que seduziu grandes cineastas e que se deve, essencialmente, a duas grandes caraterísticas do cinema: o enredo e a diversidade dos pontos de vista da narrativa. No entanto, como a cultura se modifica e a tecnologia se desenvolve, as possibilidades de adaptação são inúmeras. James M. Welsh corrobora este raciocínio, mas admite que há que ter um certo cuidado quando se faz a adaptação de um filme: “Fidelity, accuracy, and truth are all important measuring devices that should not be neglected in evaluating a film translated from a literary or dramatic source” (Welsh and Lev, 25). Adaptar é apropriar-se de uma história de outra fonte e, depois, filtrá-la. Assim, o argumentista é, primeiramente, um intérprete e, depois, um criador. É um processo contínuo, como diria Mikhail Batkhtin, pelo qual comparamos um trabalho que já conhecemos com outro que estamos a vivenciar (Stam, 2000). A adaptação consiste na leitura de uma obra literária e na consequente reescrita fílmica. O hipertexto fílmico beneficia de uma energia que provém da associação entre som e imagem, convergindo numa amálgama de fluídos textuais. O processo de transposição de uma obra literária para um filme é, por vezes, considerado como tendo um valor menor: “a willfully inferior form of cognition” (Newman and Newman, 129). Dá assim a impressão de que se está a “rebaixar” uma história. No entanto, o cinema conta-nos uma história que também pode ser convertida em palavras, só que o faz de maneira diferente: “Adaptation is repetition, but repetition without replication” (Hutcheon, 7). Todos os filmes passam por um processo de adaptação, quer seja um guião adaptado ou original. Isso faz da adaptação um processo central dentro da análise e teoria cinematográficas. Para o estudioso Robert Stam (Stam, 2003), a adaptação de um livro a uma obra cinematográfica é algo muito desejado e que pode inclusive ter a sua quota de fidelidade, desde que o filme capte a essência da narrativa do livro, no que diz respeito à temática e aos aspetos estéticos da obra de origem. No entanto, convém salientar que tal fidelidade

63 passa por uma leitura possível do texto original e não é uma réplica. Stam afirmou o seguinte a este respeito:

Words such as infidelity and betrayal in this sense translate our feeling, when we have loved a book, that an adaptation has not been worthy of that love. We read a novel though our interjected desires, hopes and utopias, and as read we fashion our own imaginary mise-en- scène of the novel on the private stages of our minds. (Stam, 54)

As adaptações seguem um elo que as vinculam às suas “fontes” textuais: “They use the same tools that storytellers have always used: they actualize or concretize ideas; they make simplifying selections, but also amplify and extrapolate; they make analogies; they critique or show their respect” (Hutcheon, 3). A relação entre o cinema e a literatura é sustentável em inúmeras leituras pessoais e conjeturais, uma vez que todo o texto é um hipertexto, que se insere dentro de um hipotexto, um texto anterior, podendo existir uma relação intertextual entre ambos. No entanto, para muitos, a literatura sempre terá uma superioridade axiomática sobre qualquer adaptação, devido à sua antiguidade como forma de arte. Relativamente à conceção da personagem no cinema e na literatura, a personagem do cinema é encarnada por uma pessoa real, mas com poderes que só a literatura apresenta, isto é, mobilidade e desenvoltura. Enquanto que, na literatura, a personagem existe devido ao poder superlativo da palavra, o cinema possui inúmeros recursos para a sua construção, nomeadamente toda a componente visual. Ao denominarmos uma obra como sendo uma adaptação, estamos a estabelecer- lhe uma relação com um texto em “segundo grau”, na perspectiva de Gérard Genette (Genette, 5). O processo de adaptação pressupõe várias fases, como a transposição ou “transcodificação” de um determinado trabalho, a reinterpretação e recreação criativa, bem como um compromisso intertextual com o texto original. No processo de adaptação, o denominador comum é a história, que é tratada de maneira diferente: “In adapting, the story-argument goes “equivalences” are sought in different sign systems for the various elements of the story: its themes, events, world, characters, motivations, points of view, consequences, contexts, symbols, imagery and so on” (Hutcheon, 10).

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Um romance, para ser dramatizado, tem de ser desmontado, reduzido em tamanho e, consequentemente, em complexidade. As adaptações não são simplesmente repetições, mas também mudanças. O texto adaptado não é algo reproduzido, mas, antes, uma obra interpretada e recriada. As adaptações ao cinema usam expressões linguísticas que fazem variar o sentido, dependendo do contexto, bem como signos icónicos, enquanto que a literatura usa signos simbólicos e convencionais (Giddings, Selby and Wensley, 1990). A literatura possui uma pluralidade de conceitos e uma linguagem dirigida ao inconsciente e ao imaginário do leitor. O escritor não tem que se preocupar com orçamentos materiais ao escrever, uma vez que tudo o que necessita é tempo e talento. Já o escritor da adaptação fílmica tem que pensar na tecnologia a ser usada e nas contingências financeiras. O livro geralmente é escrito por uma única pessoa, enquanto o filme é produzido por uma equipa de colaboradores. Uma adaptação fílmica é automaticamente diferente e original devido às mudanças do meio de comunicação. Há uma série de transformações que ocorrem desde o texto escrito até à sua adaptação ao cinema:

Historically, the novel succeeded the drama, but absorved some of its qualities (character, dialogue) while adding possibilities of its own (interior monologue, point of view, reflection, comment, irony). Similarly, film initially followed the basic principles of narrative prose and copied stage drama” while developing its own techniques and forms, as well as its own means of production, distribution, and consumption. (Giddings, Selby and Wensley, 9, 10)

O sentimento de inferioridade da adaptação deriva de determinados preconceitos. Por exemplo, aquele que determina o que é mais antigo como tendo necessariamente mais valor. Existem motivos de hostilidade relativamente ao processo de adaptação de uma obra literária ao cinema. Por exemplo, alguns defendem que a literatura beneficia de uma anterioridade, senioridade ou prioridade em relação ao cinema e ao processo de adaptação fílmica. São ainda comuns raciocínios dicotómicos, que assumem uma rivalidade entre as duas artes. Defensores da logofilia, apoiam a rejeição de filmes baseados em obras literárias. Por outro lado, apologistas da anti-corporalidade desprezam a materialidade do texto fílmico e colocam a literatura num plano mais elevado e cerebral em relação ao

65 cinema. Defendem também que, enquanto os livros são absorvidos durante um processo de leitura, os filmes apelam a todos os sentidos. Vários estudiosos argumentam ainda o mito do facilitismo, advogando que os filmes são mais fáceis de serem feitos e supostamente dão mais prazer ao serem vistos. Por último, determinados estudos creem num fenómeno que designam como parasitismo, uma vez que, segundo eles, as adaptações roubam a vitalidade do texto. As teorias convencionais contra as adaptações cinematográficas traduzem-se na desilusão que as versões fílmicas apresentam em relação ao impacto moral e estético dos livros que estiveram na sua origem, por adotarem um intertexto que difere, em certa medida, da fonte literária que lhes deu origem. Daí que, quando falamos em adaptações cinematográficas, pensamos em termos de perdas. No entanto, o que acontece na realidade é uma redução de abrangência: tamanho e detalhes do texto literário em relação à narrativa fílmica. Robert Stam e Alessandra Raengo, em vez da desilusão do segundo texto, aquele dado pelo cinema, defendem o processo criativo da adaptação:

Instead of designating terms for adaptation, such as “betrayal” and “infidelity”, one might speak of a “Pygmalion” model, where the adaptation brings the novel “to life”, or of a “ventriloqual” model, where the film “lends voice” to the mute characters of the novel, or of an “alchemical” model, where the adaptation turns verbal dross into filmic gold. (Stam and Raengo, 24)

Robert Stam e Alessandra Raego salvaguardam também que estruturalistas dos anos 60 e 70 trataram os textos adaptados com a mesma importância que os textos literários, abolindo assim a hierarquia de superioridade entre a literatura e o cinema. Por exemplo, a teoria da intextualidade de Kristeva e a teoria da transtextualidade de Genette davam ênfase a várias permutas de textualidades em detrimento da fidelidade a um texto anterior. Roland Barthes considerava a adaptação como uma forma crítica de “leitura” de um romance. Assim, a literatura deixou de ter uma posição privilegiada sobre o cinema, ao mesmo tempo que a adaptação adquiriu um lugar legítimo junto do texto literário (Stam and Raengo, 8). No entanto, o processo de adaptação remete-nos para a impossibilidade de equivalência real com a obra literária, uma vez que a literatura é uma fonte de dados

66 diegéticos (lugares e personagens), géneros (comédia ou ficção científica) e forma (ponto de vista, estrutura e ritmo), conforme nos diz Andre Gardies (Gardies, 1993). No cinema, as personagens agem, reagem e ouvem, demonstrando estados de surpresa, enfado ou curiosidade, algo que a literatura não consegue especificar e que, no cinema, é essencial. Dessa forma, um filme transmite mensagens por imagens e poucas palavras, existindo uma estreita dependência entre o desempenho dos atores e os espetadores, que só se concretiza aquando da exibição do filme. A multiplicidade de registos no cinema tem a ver com o facto de o cinema ser uma arte sinestética e sintética. É sinestética pela sua capacidade de envolver vários sentidos (visão e audição). É sintética por causa da sua forma antropológica de absorver outras formas de arte que o antecederam. Contar uma história não é a mesma coisa que mostrá- la, assim como é diferente participar ou interagir com ela. O cinema é uma das artes mais abrangentes que existem, tal como enunciado por Robert Stam:

A composite language by virtue of its diverse matters of expression – sequential photography, music, phonetic sound and noise – the cinema ‘inherits’ all the art forms associated with these matters of expression … - the visuals of photography and painting, the movement of dance, the décor of architecture, and the performance of theatre. (Stam, 3)

Das palavras Robert Stam e Michael Klein infere-se que o cinema sem música perderia toda a vitalidade, e é por esse motivo que Lawrence Kramer defende a música, no cinema: “It connects us to the spectacle on screen by invoking a dimension of depth, of interiority, borrowed from the responses of our own bodies as we listen to the insistent production of rhythms, tone colors, and changes in dynamics” (Kramer, 156). As adaptações cinematográficas permitem uma objetividade e materialidade aos discursos que transmitem de uma forma visível, audível e percetível, uma vez que revelam os discursos através dos quais o livro foi reimaginado. Devido à sua superioridade axiomática relativamente ao cinema, bem como à maturidade que adquiriu enquanto arte, a literatura tem tido liberdade em retratar temáticas delicadas, em especial a sexualidade, como no caso da novela Breakfast at Tiffany’s. Talvez porque uma imagem fala mais alto do que mil palavras, o cinema, por

67 oposição à literatura, tem obedecido a regras mais restritas, ao longo da sua recente história, no que diz respeito aos conteúdos abordados, tal como vemos na adaptação cinematográfica dessa novela realizada por Blake Edwards em 1961.

3.4. A Adaptação de Breakfast at Tiffany’s

Durante o processo de adaptação cinematográfica, as alusões à sexualidade feitas por Capote, fora do comum na literatura americana dos anos 50, foram apagadas. Tanto a sexualidade implícita do narrador, como a da protagonista feminina, que via as relações pré e extramaritais de uma forma descontraída, foram retiradas do filme e substituídas por relações convencionais, pois acreditava-se que essas refletiam as preferências e valores do grande público. No entanto, alguns exemplos que apontavam para a originalidade da obra de Capote foram introduzidos, tais como a personagem da amante de Paul, 2E Failenson, de modo a manter o teor do filme suficientemente aceitável. Assim, feitas as “devidas” transformações ao guião pelo argumentista George Axelrod, pelo realizador Blake Edwards e pelo Código de Produção de Cinema, o filme, apesar de, por vezes, enganar os espetadores com a promessa de um novo tipo de heroína fora do comum, independente e que vive de acordo com as suas regras, no fundo, acaba por sucumbir ao poder patriarcal da sociedade da época, onde a realização pessoal e a felicidade da mulher dependia sempre do homem. O filme apresenta, assim, a narrativa clássica, em que o narrador de Capote é transformado na personagem Paul Varjak e a época temporal da obra se desloca dos convencionais anos 50 para os anos 60, um período de agitação social que começa a questionar os códigos morais e de género. Na análise que Cornut- Gentille D’Arcy (Cornut, 1996) faz do filme, é transmitida a ideia de que Holly e Paul passam a ter planos idênticos, através de uma objetividade enganadora ou de uma abordagem aparentemente liberal. Assim, Paul, tal como a Holly de Capote, depende financeiramente do sexo oposto, o que Cornut- Gentille D’Arcy vê como o modo mais fácil de os dois protagonistas coabitarem o mesmo nível de liberdade sexual, já que, na obra, era Holly que dependia da boa vontade de homens abastados. Essa partilha de liberdade sexual tinha um grande objetivo: “(…) marketing technique employed to warn both male and female

68 viewers of the dangers inherent in female emancipation” (Cornut-Gentille D'Arcy, 380). No entanto, essa dimensão binária tem algumas diferenças. Enquanto que Paul, aos olhos da sociedade da época, é aceite como dependendo financeiramente de 2E, com ela mantendo um relacionamento sexual, a mesma sociedade apenas permite que Holly desconte os cheques que os seus acompanhantes lhe oferecem, não mantendo encontros íntimos com eles. Este contraste é perfeitamente exemplificado no filme, quando vemos que Holly leva um acompanhante para o seu apartamento, vai à casa de banho, tranca a porta, muda de roupa, veste um robe, chega à janela e sobe as escadas de serviço até ao apartamento de Paul. É notória a prova que é dada ao espetador de que Holly não se deita com o homem que leva para casa, o que é bem evidenciado pelas mudanças de roupa, ação que ela concretiza apenas quando está sozinha e com a porta fechada. No entanto, através da janela, Holly vê Paul na cama, a dormir em tronco nu e a amante a sair do quarto, depois de deixar uma quantia em dinheiro em cima da mesa. Esta cena, talvez das mais arriscadas do filme face à censura, ilustra perfeitamente a duplicidade-padrão daquela época na sociedade americana em relação à sexualidade e o desconforto da indústria cinematográfica. Nela é-nos mostrada a protagonista segundo um padrão moral que vai ao encontro das expetativas do público da época. Paralelamente, Paul é apresentado como tendo uma vida sexual livre e mantendo, como amante, uma mulher casada, manipulativa, que oculta o amante do marido, tentando subornar Paul para deixar Holly, quando este termina o relacionamento com 2E. Paul, neste momento da ação, e devido à sua exposição sexual, distancia-se muito do narrador ambíguo de Capote. É curioso que, relativamente a 2E, ela pode ser vista como representando os perigos da emancipação da sexualidade feminina.

3.5. O Cinema Face à Crítica

Devido ao grande compromisso social que pretendia “mostrar” mais do que “contar”, o cinema começou por conter uma responsabilidade moral especial, que os restantes “media” não tinham. A grande tendência da indústria cinematográfica, a partir de 1922, após uma série de filmes polémicos e escândalos que envolveram estrelas de

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Hollywood, consistia em censurar alusões sexuais contidas em obras literárias no seu processo de adaptação ao cinema. Essa tendência em “limpar” obras literárias, sobretudo no que diz respeito à sexualidade feminina e a referências a práticas sexuais, alude à grande questão do papel da sexualidade na sociedade em geral e em como ela está subjacente a noções de poder social. Alguns líderes religiosos, políticos e estudiosos de “mass media” levaram a cabo análises exaustivas, como os estudos do Fundo Payne de 1933, que expunham as influências que os filmes tinham, sobretudo nas crianças e nos adolescentes. Esse tipo de abordagens, apesar de serem consideradas bastante controversas, influenciaram em muito o aparecimento do Código de Produção de Cinema (CPC), também conhecido por Código Hays, que os estúdios cinematográficos aplicaram entre 1930 a 1968, sendo posteriormente substituído pelo sistema de classificação indicativa da MPAA (“Motion Picture Association of America”), ainda hoje em vigor. O cinema, sendo um produto cultural de massas, é consumido por um grande número de pessoas e tem um papel significativo na nossa consciência cultural coletiva, devido ao público que abrange e à sua natureza de longo alcance. A especificidade material do cinema, a sua total confiança em fatores sócio-económicos e tecnológicos fazem deste ofício uma indústria poderosa. Uma vez que a produção de um filme envolve um trabalho financeiramente arriscado e dispendioso, os seus responsáveis exercem grande poder nos filmes que devem ser financiados.

3.6. Censura

Durante o Período Dourado de Hollywood, também conhecido como “Studio Era”, momento histórico que se refere aos filmes produzidos durante o início dos anos 20 até 1948, altura em que a indústria cinematográfica era dominada pelos cinco grandes estúdios de Hollywood (Fox Films Corporation, Metro-Goldwyn-Mayer, Paramount Pictures, RKO e Warner Brothers), a indústria de cinema americana tinha o controle sobre a produção, distribuição e exibição de filmes que se concentrava apenas num público reduzido. Como os filmes se destinavam inicialmente ao entretenimento e consumo das

70 classes sociais baixas, imigrantes e crianças, havia todo o interesse em que, desde o início, a indústria cinematográfica se regesse por um código de moral sólido. O Código de Produção de Cinema (CPC) exigia que cenas com conteúdo sexual fossem completamente retiradas dos filmes ou, então, os realizadores teriam que lhes fazer alusão através de metáforas ou símbolos (tais como o da câmara a afastar-se de um casal que se abraça ou o de uma janela aberta, ambos com a conotação de cenas sexuais). No entanto, o facto de algo não ser abertamente mencionado não é sinónimo de que não faz parte do discurso – as ausências e brechas criadas pelos cortes e as alusões contribuem tanto para o discurso como todo o resto que é dito: “Silence … is … an element that functions alongside the things said, with them and in relation to them within over-all strategies. There is no binary division to be made between what one says and what one does not say” (Foucault, 27). Na narrativa fílmica clássica de Hollywood, os símbolos e alusões canalizam-se no sentido de colocar a figura feminina no centro da narrativa e a figura masculina como observadora. Este é o processo que existe na versão cinematográfica de Breakfast at Tiffany’s, na qual Holly é retratada através do olhar atento de Paul, do realizador, do espetador e do público em geral. Holly transforma-se, assim, numa personagem submissa e menos progressista do que a figura construída por Capote. Conscientemente, o realizador Blake Edwards remeteu Holly para o plano tradicional, conservador e doméstico da mulher-esposa e dona de casa feliz. Essa foi a chave de sucesso do filme.

3.7. A Receção do Filme em 1961

Apesar de não haver um consenso relativamente à fidelidade da adaptação cinematográfica, no geral, o filme foi um êxito. Desde o início até ao final, tudo gira em volta da personagem Holly ou, talvez, Audrey Hepburn. Lisa Allardice, no jornal The Guardian, em 2011, tece o seguinte comentário na crítica que elaborou sobre o filme: “The film is the sparkling champagne to the novella's dirty martini (which led Mailer to crown Capote "the most perfect writer of my generation"), and each have their distinct pleasures“ (Guardian, 2011). Destacando o seu final, Lisa Allardice classifica-o como

71 nitidamente típico da indústria cinematográfica de Hollywood, uma vez que o realizador apenas tomou a liberdade de tornar a visão final do narrador uma realidade, isto é, dar um lar a Holly e ao seu gato. Enquanto que a novela termina com uma fuga, o filme termina com um final idílico. Em 1961, A. H. Weiler, do jornal The New York Times comentou Breakfast at Tiffany’s com uma crítica muito favorável, tal como refere Jerry Vermilye no livro The Complete Films of Audrey Hepburn: “A completly unbelievable but wholly captivating flight into fancy” (Vermilye, 154). A revista Variety teceu igualmente elogios: “(…) scenarist George Axelrod has developed a surprisingly moving film, touched up into a stunningly visual motion picture experience” (Vermilye, 154). Acrescentou que o argumentista, Axelrod, conseguiu apagar a parte amoral da história, incutindo-lhe um toque romântico latente, sem deixar que se perdessem as características essenciais da personagem principal. Em termos cinematográficos, a Variety caracterizou o filme como uma peça de artesanato elegante e artística. Sam Wasson, a propósito de crítica de Brendan Gill na revista New Yorker, referiu-se ao filme com as seguintes palavras: “One of those odd works that if they were better would be a lot worse. Millions of people are going to be enchanted with this picture” (Wasson, 184). Arthur Knight, na Saturday Review, aborda o modo como Audrey Hepburn recriou Holly: “(…) she creates an aura of belief without which the film would immediately disintegrate” (Vermilye, 151). A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood nomeou o filme em cinco categorias: atriz num papel principal, argumento adaptado, direção artística, banda sonora e canção original. No entanto, na trigésima quarta cerimónia dos Óscares, no dia 9 de abril de 1962, apenas Henry Mancini ganhou o Óscar com a canção “Moon River”, sendo também premiado nos “Grammy Awards” desse ano. Como melhor atriz num papel principal, Sofia Loren ganhou a Audrey Hepburn com o filme Two Women (1960), sendo a primeira atriz a ser premiada com um filme em língua estrangeira. No argumento adaptado, George Axelrod perdeu para Abby Mann, em Judgment at

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Nuremberg (1961). Na melhor direção artística, Hal Pereira, Roland Anderson, Sam Comer e Ray Moye perderam para Boris Leven e Victor A. Gangelin, em West Side Story (1961), que foi também o filme do ano.

3.8. O Legado de Audrey Hepburn como Holly Golightly

Ao idealizarmos as comédias clássicas e românticas, as protagonistas parecem não ter grandes escolhas. Assim, ou vivem casamentos infelizes, dos quais querem sair, ou então apaixonam-se por homens que, por algum motivo, não podem ter. Essas mulheres, por vezes, vivem triângulos amorosos. No entanto, como existe o estigma social da “proibição” do sexo pré-marital, as opções que lhes restam são limitadas e, enquanto solteiras, a vida delas é, por assim dizer, assexuada. É neste contexto que surge a personagem Holly Golightly em Breakfast at Tiffany’s, representada pela atriz Audrey Hepburn. A interpretação que faz torna-se emblemática, pois, apesar dos limites impostos pela censura de Hollywood, consegue desempenhar o papel de uma jovem despreocupada e livre de preconceitos. Holly é uma figura carismática e amada. A sociedade da época não deixa de ficar apreensiva quando descobre que Holly é uma prostituta de luxo. No entanto, o filme, através de uma linguagem codificada, consegue passar uma mensagem que o público muito aprecia. Tal como narrado por Sam Wasson, no livro 5th Ave, 5 AM: Audrey Hepburn, Breakfast at Tiffany’s, and the Dawn of the Modern Woman, os americanos queriam esquecer os seis anos de guerra, o casamento estava na moda e as mulheres tinham encontrado um novo papel, o de mães e esposas. Wasson acrescenta: “It was the 1950s, and the entire country, it seemed, was on vacation” (Wasson, 16). Na indústria cinematográfica duas atrizes dominavam o grande écran: Doris Day e Marilyn Monroe. Se, por um lado, Doris Day protagonizava papéis de mulheres contidas e algo inocentes, como em Pillow Talk (1959), Please Don't Eat the Daisies (1960) ou Lover Come Back (1961), Marilyn dava vida a mulheres exuberantes e com uma conotação sexual muito forte, como em The Seven Year Itch (1955), Some Like It Hot (1959) ou Let's Make Love (1960). Enquanto Doris Day dava vida a comédias românticas, sem a componente sexual e, por vezes, sob o condicionalismo do casamento, Marilyn

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Monroe protagonizava personagens que estavam ao alcance e preferência da vasta maioria do público masculino: loiras deslumbrantes, provocadoras e, nem sempre, muito inteligentes. Marilyn Monroe, tal como Kim Novak, Mamie Van Doren e Jane Mansfield, ajudaram no processo de transformação de raparigas em Barbies (a própria boneca surgiria em 1959), contribuindo para a formação da jovem americana. A escolha da atriz Audrey Hepburn como protagonista representa, tal como diz Wasson, um trunfo cinematográfico:

(…) a notable change in the feminine ideal, from the fifties young lady who matures by falling in love and becoming wifelike, to the early sixties girl who matures by cultivating a fashion sense so unique, it could be hers and hers alone. (Wasson, 24)

No entanto, Truman Capote, ao escrever a novela, tinha Marilyn Monroe como a atriz ideal para desempenhar o papel de Holly, uma vez que, para Capote, por detrás da sensualidade e glamour de Marilyn, havia uma simplicidade única que a tornava perfeita para representar essa personagem. No documentário Breakfast at Tiffany’s: The Making of a Classic, de 2006, o realizador do filme, Blake Edwards, admite que inicialmente não aprovou a escolha de Audrey Hepburn, mas que o produtor do filme, Richard Shepherd, o convenceu que ela seria perfeita exatamente por não ser a escolha óbvia para a participação. Hoje é difícil dissociar Audrey Hepburn de Holly Golightly. Seria difícil ver Marilyn Monroe nesse papel, ou até outras atrizes inicialmente pensadas para dar corpo a Holly, tais como Jane Fonda, Shirley MacLaine, Doris Day, Elizabeth Taylor, Debbie Reynolds ou Sandra Lee. No entanto, na altura, ninguém considerava que Hepburn era a pessoa indicada para representar uma mulher moralmente ambígua, que tinha acabado de recusar um papel para o filme de Alfred Hitchcock, The Hanging Judge (1958), por ter de interpretar uma personagem que é abusada sexualmente. No entanto, Sarah Gristwood, citando o realizador Blake Edwards, descreve Hepburn com grandes elogios: “She was a woman who defied definition. (…) And I bet even after the movie, most of people don’t quite realize exactly what Holly does” (Gristwood, 43). Blake Edwards, que tinha visto o premiado filme The Apartment (1960), de Billy Wilder, que retrata a história de um desastrado escriturário que se apaixona por uma

74 rapariga suicida, apercebe-se que, para o cinema americano, não chega que a comédia romântica seja apenas humorística. Hepburn nunca tinha entrado em nenhum filme com um forte teor sexual, nem mesmo ao desempenhar uma potencial cortesã em Gigi (1951) na Broadway. Segundo o biógrafo Alexander Walker, ela precisava de um filme que “acelerasse a transição para papéis com um novo ímpeto em moralidade sexual” (Gristwood, 45). E se o filme precisava dela, é igualmente verdade que ela precisava do filme. Donald Spoto, que escreveu sobre Hepburn, a propósito do filme referiu que “embalado de forma divertida, atraiu uma nova geração de espetadores, numa altura em que a América desenvolveu gosto por tudo, desde comida e bebida a música e filmes, passando por aspirações sociais e expetativas económicas” (Spoto, 183). No início do filme, Paul Varjak regista na sua máquina de escrever: “There was once a very lovely, very frightened girl …”. Essas palavras do argumentista George Axelrod, aplicavam-se não só a Holly Golightly, mas também a Audrey Hepburn. Na cena de abertura do filme vemos Audrey Hepburn a sair de um táxi e a encaminhar-se até à vitrine da joalharia Tiffany’s. Tem como indumentária um vestido comprido, preto. Segundo Leah Provo (Provo, 2013), trata-se de um momento único, que tornou o vestido preto do estilista Givenchy um ícone de elegância e estilo, que realçava a feminilidade e o movimento. Em Breakfast at Tiffany’s, Givenchy escolheu todos os acessórios de Audrey, de modo a mostrar que ela era uma mulher de porte, elegante, confiante em si mesma e com uma sensualidade urbana. Provo acrescenta que, a partir desse momento, o vestido preto de Givenchy seria eternamente citado como um dos mais icónicos do século vinte. Evelyse Kaminski (Kaminski, 2009) acrescentou que o figurino do filme foi uma importante ferramenta para que a profissão de Holly não causasse desconforto ao espetador conservador da década de 1960. Graças à parceria entre Audrey e Givenchy, ela tornou-se um ícone de moda que superou todas as barreiras do tempo. Para Pamela Keogh, autora que participa no documentário It’s so Audrey! A Style Icon (2006), o estilo de Audrey tornou-se um símbolo harmonioso e atemporal de moda.

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Hoje em dia, a imagem de Holly Golightly, com o vestido preto da Givenchy que reflete a personagem, ainda atrai o público, tornando-se um marco muito importante na história do cinema e servindo de inspiração e homenagem ao longo dos anos. Para Janina Corda, se, por um lado, Audrey Hepburn “enfraqueceu” o ideal progressista que Capote tinha idealizado, por outro lado tornou a história de uma personagem pouco convencional acessível a um público mais amplo. O filme conseguiu ainda transmitir algumas das ideias inovadoras de Capote que, de outo modo, não teria sido possível mostrar na época (Corda, 71).

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Conclusão

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O objetivo principal desta tese foi comparar a novela Breakfast at Tiffany’s, de Truman Capote, com o filme de Blake Edwards, através de um percurso que explorou a temática do retrato do universo feminino dos anos cinquenta na América. Na génese dessa paridade esteve o estudo, em ambiente de sala de aula, tanto do livro como da adaptação fílmica. Inicialmente, procurei caracterizar Holly como não se identificando com os preceitos circunscritos dos anos 1940 e 1950, onde a mulher era essencialmente vista como dona-de-casa. Ela não só abandonou a identidade de Lulamae Barnes, que se tinha casado em Tulip no Texas com apenas 13 anos de idade, como procurou o auto- conhecimento enquanto mulher adulta na cidade de Nova Iorque, sendo financeiramente independente. Enquanto Lulamae Barnes, Holly representou a tendência da fada do lar e de um casamento precoce, no final dos anos cinquenta: “By the end of the 1950s, the average marriage age of women in America dropped to 20, and was still dropping into the teens. Fourteen million girls were engaged by 17” (Friedan, 16). Em resposta ao apelo da mulher desmistificada de Friedan em The Feminine Mystique (1963) ̶ “women no longer ignore that voice within women”, (Friedan, 32) ̶ Holly recomeçou uma vida autónoma em Nova Iorque. Aí, adquiriu espontaneidade, criatividade e conhecimento pessoal da cultura urbana (“for women to no longer ignore that voice within women”) (Friedan, 32). Paralelamente, tanto na novela como no filme, ficou evidente que Holly adquiriu uma nova identidade no meio de uma sociedade urbana de consumo. Tal como Wasson nos diz, “Holly showed that glamour was available to anyone, no matter their age, sex life, or social standing” (Wasson, xx). Movimentou-se entre inúmeros locais sociais, desde Sing Sing, a casa de banho das senhoras ou o seu apartamento, conseguindo desocupar o universo doméstico que um dia habitou: ‘where she dresses herself, genders herself and assembles her identity’ (Fisher, Keeble and Lara-Betancourt, 316). Bede Scott caracteriza num ensaio a narrativa Breakfast at Tiffany’s: “It resists interpretations not because of its opacity, its hidden profundities, but because of its transparency … so superficial, so patently ‘just what it is,’ that it immediately invalidates any attempt to burden it with deeper and more substantial meaning (Scott, 134).

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Ao longo da tese explorei várias diferenças entre a retratação literária e cinematográfica da personagem Holly Golightly, que me remeteu, por exemplo, para o tipo de relação diferenciada que ela manteve com o narrador de Capote e com a personagem Paul Varjak. Na novela de Capote vimos que o poder masculino exerceu pouco controle sobre Holly, como foi o caso do narrador, Doc Golithly, ou até do seu agente O.J. Berman. O narrador, que Holly apelidou de Fred, foi ao longo da narrativa literária alguém que a aceitou em toda a sua génese: irreverente, divertida, apaixonada pela vida e nada convencional. Por ela, Fred nutriu um amor assexuado mas verdadeiro, semelhante ao de um filho pela sua mãe. Já Doc exerceu sempre o papel paternalista, alguém que começou por lhe proporcionar um lar, uma família e por quem ela sentia, acima de tudo, uma enorme gratidão. O. J. Berman foi importante no seu percurso porque foi responsável pelo seu sucesso, tendo-a vestido como uma estrela de cinema e pago aulas de Francês, com o intuito de a manter em Hollywood. No entanto, ela preferiu a cidade de Nova Iorque, onde construiu uma vida afastada dos papéis de género pós- Segunda Guerra Mundial. A temática do amor foi constante nas duas narrativas. No entanto, na novela o amor contemplou todas as suas variantes como sendo válidas, igualmente importantes e atemporais. O tom conclusivo da novela apela para o sentimento de amizade entre Holly e o narrador de Capote, esperando o narrador que ela tenha encontrado alguma estabilidade. A ligação de amizade entre os dois teve um efeito catártico no narrador, que o levou a escrever: “It reached that sweet depth where two people communicate more often in silence than in words” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 74). Esse elo de amor- amizade, em relação a Holly, transformaria a sua vida. E na parte final da narrativa, quando Holly lhe pede para ir procurar o gato no meio de uma forte chuva, sugere que há esperança para a sua personagem. Trata-se do momento em que Holly admite vulnerabilidade, afeto pelo gato e a necessidade de um relacionamento onde haja partilha mútua. No entanto, por parte de Holly, a luta pessoal da identidade e o facto de não querer ser propriedade de ninguém ficam em aberto, já que a temática principal é a fuga, a liberdade e a ausência de domínio. No postal endereçado ao narrador, ela informa-o que voltou aos seus velhos métodos: cativar homens por dinheiro e não ter a pretensão de

79 encontrar estabilidade ou um lar permanente. O próprio facto de deixar de contactar o narrador sugere ainda que a amizade entre ambos poderá vir a desvanecer-se, o que transmite a ideia de que a afeição dela por ele não era tão forte como a que o narrador sentia por Holly. Holly, no livro de Capote, personifica a sociedade dos anos 50 e simboliza o Sonho Americano, a possibilidade de adquirir felicidade. Simboliza também as falhas desse sonho, nomeadamente quando ele adquire vitalidade num mundo moderno. Em Breakfast at Tiffany’s assistimos ao fracasso de uma parte do que o Sonho Americano representava para Holly. Por um lado, ela tornou-se a personificação da mulher emancipada dos anos 50, tendo vencido na vida e conseguido muito do que pretendia. No entanto, por outro lado, e devido às suas raízes familiares, à pobreza que viveu na infância e ao seu papel limitado enquanto mulher, as suas expectativas saíram parcialmente goradas, tendo que fugir do país sozinha e não tendo mais nada a perder. Nan Heinbaugh assinala: “If in earlier periods Capote warned against forming too dependent relationships in weak people, he suggests here that self-sufficiency is not enough to overcome insularity and loneliness” (Heinbaugh, 80). No final da novela, Holly parece ter encontrado a felicidade em Buenos Aires. Apaixonou-se por um “duhvine $enor” (Capote, Breakfast at Tiffany’s, 97) muito provavelmente rico, e parece ter o mesmo estilo de vida emocionante que mantinha em Nova Iorque. A novela termina, assim, num tom otimista, embora o final fique em aberto, o que reflete o próprio caráter de Holly, também ele incerto. Em contrapartida, a mutabilidade de significados do filme permitiu que víssemos Holly como uma personagem bidimensional inserida numa história de amor tradicional: por um lado, uma figura carente e trágica e, por outro lado, uma personagem que se rendeu ao amor, estabilidade e compromisso emocionais. Ainda no filme, na cena final, o herói conseguiu a retribuição de amor da heroína, uma fórmula muito ao gosto das convenções de final-feliz de Hollywood. A propósito da lição de moral do filme, um executivo da Paramount Pictures acrescentou: “Overcoming her fear of life, Holly is eventually able to love and accept the love of just one man” (Krämer, 62). O filme, como marco da história da América contemporânea, delimita sobretudo o início dos anos 60, época dominada

80 pelos debates televisivos entre Richard Nixon e John F. Kennedy, um período já povoado por tumultos raciais nos estados do Sul e por conflitos no Vietname. Tratava-se do alvorecer de uma nova era, o período de Andy Warhol e dos hippies. Tanto na novela como no filme, o estatuto emblemático de Breakfast at Tiffany’s e, sobretudo de Holly, ao longo dos últimos cinquenta anos, permite-nos ver a obra de Truman Capote e a produção de Blake Edwards como duas narrativas que tanto a Literatura Norte-Americana como a grande máquina de Hollywood continuam a contar- nos: a da extrovertida socialite de Manhattan com raízes no Dust Bowl, a representar a capacidade transformativa de uma aspirante social e de uma mulher que se reinventa através da luta pela sua identidade e liberdade.

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