Cedê Silva

No país de McCAIN

No país de McCAIN

Cedê Silva

No país de McCAIN Copyright © 2010 by Cedê Silva

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Comuni- cação Social, habilitação em Jornalismo, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. Julho de 2010.

Autor: Frederico de Faria e Silva (2004027090) Orientadora: Profa. Miriam Christus de Melo Silva

Todas as fotos © 2008 by Cedê Silva exceto quando notado. Ver índice de imagens.

As idades dos personagens são dadas como em outubro de 2008. [email protected]

Este livro e bônus adicionais como a trilha sonora oficial e um mapa interativo podem ser encontrados em nopaisdemccain.wordpress.com

Os direitos imorais do autor foram exercidos. À minha Karolina do Norte, do Sul, do Leste, do Oeste.

“A educação nacional, hoje em dia, só se distingue do crime organizado porque o crime é organizado”.

- Olavo de Carvalho, outubro de 2007

SUMÁRIO

PRÓLOGO ...... 15 AS ELEIÇÕES EXPLICADAS ...... 17 FOREWORD - por Frederico Bartels ...... 19 1. A CASA BRANCA É NOSSA ...... 24 2. COMO VIREI UM REAÇA ...... 28 3. NA CASA DO CAPITÃO HADDOCK ...... 38 4. DOMINGO É ÚLTIMA-FEIRA ...... 46 5. O LADO OFICIAL ...... 50 6. OS DESAFIANTES ...... 58 7. O CAMPO DE BATALHA ...... 60 8. SIM, NÓS ESTÁVAMOS LÁ ...... 68 9. O DIA DAS BRUXAS ...... 78 10. MEET THE HANKS ...... 86 11. ONLY IN AMERICA ...... 92 12. COMO É SER A ZEBRA ...... 106 13. “THANK YOU, OHIO!” ...... 116 14. A CAPITAL DO MUNDO LIVRE ...... 122 15. AIR FORCE OBAMA ...... 126 EPÍLOGO ...... 131 AGRADECIMENTOS ...... 135 NOTAS & REFERÊNCIAS ...... 141 ÍNDICE DE IMAGENS ...... 147

“A ÚNICA COISA QUE realmente não suporto nos liberais”, ela me disse, “é sua posição sobre homossexuais”. E fez uma carinha de nojo, fechando os olhos por trás dos óculos e pondo a língua pra fora. O nome dela era Nicole Rector e ela tinha nove anos. Nos últimos dias, eu tinha ficado sem palavras várias vezes. Agora era a primeira vez em que ficava assim por um mau motivo. Atrás de Nicole havia uma grande passarela, e ao fundo uma imensa bandeira dos Estados Unidos. Cartazes de “Country First” (o País Primeiro) se espalhavam por todos os lados. Ao nosso redor uma multidão de seis mil pessoas¹ disputava cada metro quadrado de uma espécie de ginásio – lá fora, outros milhares acompanhariam o comício de um telão. Dali a algumas horas, com grande atraso, a governadora do Alasca iria falar à multidão. Sarah Palin caminhou na passarela até o púlpito com a canção Redneck Woman, da cantora country Gretchen Wilson, estourando nas caixas de som. Urros e aplausos receberam aquela que, dali a três dias, poderia ser eleita a primeira mulher vice- -presidente dos Estados Unidos. Homens, mulheres, crianças e até um democrata, Wayne Chew, agitavam bandeirinhas dos EUA e da Carolina do Norte previamente distribuídas pela organização. Mi- lhares de pessoas estavam ali, dispostas a apostar na continuidade de um governo impopular, não pela teimosia ou pelo medo, mas prin- cipalmente pela insistência em seus valores. Era um momento quin- tessencialmente americano. Não tinha como ficar mais americano que aquilo. Não tinh... Ah, sim. A noite anterior tinha sido Halloween.

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NO COMEÇO DE 2009 o repórter da TV Globo Rodrigo Alvarez publicou No País de Obama (Nova Fronteira). O livro narra algumas de suas aventuras em 18 dias trabalhando de São Francisco a Nova Orleans para o Jornal da Globo, três meses antes das eleições. Este trabalho não é paralelo, nem uma resposta. É apenas diferente. Mostra um pouco do país que eu vi quando estive lá à mesma época: o país de McCain. A Embaixada dos Estados Unidos selecionou vinte universi- tários de todo o Brasil para acompanhar as eleições por duas sema- nas – dez dias em Raleigh, a capital da Carolina do Norte; mais qua- tro dias em Washington, D.C. Eu fui um dos selecionados. De uma turma entusiasticamente pró-Obama, eu era o único torcendo pelo candidato republicano. Não por ser do contra, mas por acreditar (até hoje) que era o candidato mais interessante pro Brasil. Até escrevi um artigo de jornal sobre isso, que também se encontra aqui. Nessas duas semanas, vivi várias histórias. Algumas, sozinho; outras, com os colegas brasileiros (nos chamamos de Observadores Sortudos, ou apenas Observadores); outras ainda, sem eles, mas com nossos anfitriões. Aqui estão algumas das mais interessantes. As eleições explicadas

UM Podem concorrer os cidadãos nascidos no País maiores de 35 anos. Como no Brasil. Como há apenas dois partidos fortes, quem quer ser can- didato participa das primárias - o processo interno ao partido que define quem será o candidato do partido na eleição geral. No dia da eleição geral contabilizam-se os votos em cada es- tado. Como no Brasil. Mas os votos não são levados para um Tribu- nal Superior Eleitoral de uma vez. São contados em cada estado de acordo com seu próprio processo.

DOIS Além do voto popular, existe o Colégio Eleitoral. O Colégio Eleitoral é simples. Cada estado vale um número de votos igual a sua bancada no Congresso (deputados + senadores). Os menores estados valem 3 votos (1 deputado + 2 senadores). A Califórnia vale 55 votos (53 deputados + 2 senadores). Para vencer, o candidado precisa de 270 votos no Colégio Eleitoral. Em 48 dos 50 estados, o candidato que obtiver mais votos, MESMO QUE NÃO SEJA MAIS DE 50%, leva TODOS OS VOTOS DO ESTADO NO COLÉGIO ELEITORAL. Não importa se ele ven- ceu com 48%, 55% ou 70% dos votos. O resultado é o mesmo. O Maine e o Nebraska podem dividir os votos dependendo do resultado, mas como o Maine vale 4 votos e o Nebraska 5, isso não importa muito.

TRÊS O sistema do Colégio Eleitoral foi criado para garantir que os estados pequenos tenham voz nas eleições. Do contrário, bastaria aos candidatos fazer campanha apenas nas grandes cidades. Dos 50 estados, os 11 mais populosos já concentram metade da população. Num sistema de voto direto, os outros 39 estados poderiam acabar sendo ignorados. Na prática, o sistema do do Colégio Eleitoral faz com que candidatos dêem menos atenção aos estados com maiorias expressi- vas para qualquer um dos dois partidos, e dediquem quase toda a a energia aos estados com mais indecisos ou com eleitores que mudam o partido em que votam a cada quatro anos. Foreword

por Frederico Bartels

O texto de Frederico “Cedê” Silva, meu xará e amigo desde os idos dos meu primeiros semestres na Pontifícia Universidade Ca- tólica de Minas Gerais, deixa em evidência parte do caráter político brasileiro e do americano. São raros os momentos e indivíduos que se afastam das picuinhas que compõem a rotina política para ver o sentido dos elementos sociais que nos formam. Hoje mesmo, 9 de junho de 2010, tive contato com um texto libertário que funciona na mesma linha que muitos textos do Ola- vo de Carvalho funcionaram desde 2002 para mim. Lew Rockwell, do Instituto Ludwig Von Mises, escreve defendendo o fim da cri- minalização do ato de dirigir embriagado¹. A princípio, a maioria das pessoas vai pensar "que diabos é isso? esse cara não sabe que dirigir bêbado é simplesmente perigoso?". O argumento que apóia a criminalização da operação de veículos por pessoas com qualquer nível de álcool no sangue assume que a presença dessa substância na corrente sangüínea de alguem é suficiente para ela ser responsá- vel pelo potencial danoso. No limite, está-se punindo uma pessoa porque ela tem uma certa substância em seu corpo. O Leviatã julga que você não pode ingerir esta substância e operar veículos. O pre- cedente é extremamente perigoso porque nos diz que o Estado pode regular o conteúdo de nosso sangue. Sem mencionar que somente o Estado possui bafômetros para julgar se um cidadão está cometendo um crime ou não, mesmo que este não esteja colocando em risco a segurança de ninguém. Em resumo, a lei, aqui nos Estados Unidos e aí no Brasil, pune a possibilidade aumentada de alguém causar um acidente. Próximo passo lógico é proibir homens de dirigir, uma vez que estatiscamente mulheres se envolvem em menos acidentes com vítimas do que homens, nos informa o Leviatã². Posteriormente, pode-se também proibir a operação de veículos automotores por in- divíduos míopes, afinal a possibilidade de que seus óculos ou lentes de contato saiam de seus lugares aumentando a possibilidade deles se envolverem em um acidente não pode ser descartada. Esse é um tipo de debate que não existe no Brasil. O Brasil é um país onde há a disputa entre o partido que acha que o governo deve fazer mais contra o que acha que o governo deve fazer melhor. A discussão sobre o papel apropriado do Estado é relegada a grupos que não têm influência nem mesmo na academia. Academia esta que é o lugar mais intrigante na equação entre direita, esquerda e o Esta- do. Nos bancos de faculdades e escolas brasileiras há sim uma hege- monia da esquerda almofadinha, ou dos órfãos do Muro de Berlim, ou qualquer outro apelido que se julgue adequado. Atualmente, são representados pelo grande bufão latino-americano, Hugo Chávez. O ditador que professa seu ódio aos Estados Unidos mas não pára de vender gasolina para cá e tweeta de seu Blackberry. É uma esquerda que segue a fala de Michael Scott: "I want all the credit and none of the blame". É uma esquerda que odeia o livre mercado, porém nunca abriria mão dos luxos que somente o sistema de mercado consegue proporcionar, tais como energia elétrica constante ou um supermer- cado cheio de comida. Já disse muitas vezes que caso tenha um filho comunista irei enviá-lo para viver em Cuba ou na Coréia do Norte, se estes países ainda forem prisioneiros de seus ditadores. O comu- nismo não sobrevive ao teste da realidade. Esta experiência é algo que eu e o autor compartilhamos: a resistência de professores com pensamentos rígidos, cimentados em conceitos do século XIX. Cheguei inclusive a escutar, de professores de história, erros factuais como "a Guerra da Coréia foi uma interfe- rência americana numa guerra civil". Uma distorção que ocorre em nome da ideologia. Os Estados Unidos são o inimigo e o culpado, mesmo que a China comunista tenha interferido na guerra antes e que a ONU tenha autorizado a ação "americana", que na verdade era uma missão da organização mundial. De qualquer forma, o interes- sante é pensar como esta classe de professores conseguiu influenciar a política atual e inclusive eleger seu representante maior: Barack Hussein Obama. Lembro de ter lido um comentário sobre o fato da administração Obama ter a menor quantidade de empresários em seu alto escalão e ser uma com a maior proporção de profissionais de educação. Este é um dos comentários que sempre me voltam à mente quando escuto discursos de membros da administração Oba- ma. Muitos deles, principalmente o Presidente, carregam no tom de lecture em seus pronunciamentos públicos, arrogando-se o papel de ensinar o povo como se portar ou pensar. O caso da reforma do sis- tema de saúde foi um exemplo claro. Sob a idéia de que "quando o povo entender o que é a lei, vai gostar dela", os democratas gasta- ram uma enormidade de poder político para aprová-la. Como um pai que administra uma vacina ao seu filho: "você pode achar ruim agora, mas quando não tiver catapora vai me agradecer". Neste pon- to, entra-se numa das discussões mais definidoras da política atual: como você vê o Estado? Para mim, esta é a questão definidora do debate político atual no mundo ocidental. Em linhas muito rudimentares, existem duas visões fundamentais do Estado. Uma, geralmente de esquerda, do Estado como provedor dos bens necessários para o cidadão viver sua vida. Outra, geralmente de direita, do Estado como agente ex- propriador das riquezas que a sociedade produz. É neste ponto que enxergo a maior diferença entre as políticas domésticas americana e brasileira. Aqui nos Estados Unidos existe um questionamento le- gítimo do papel do Estado. Um grande elemento do debate sobre o sistema de saúde era justamente se o Estado era capaz de fornecer os serviços de forma mais eficiente ou mesmo se o Estado deveria ter algum papel neste pedaço da vida das pessoas. O debate político americano sai do ponto mais à direita do espectro. Há uma saudá- vel desconfiança em relação ao correto papel do Estado, apesar de alguns comentaristas questionarem isto desde o 11 de setembro. É interessante ver isso nos trechos do discurso de Obama escolhidos por Cedê: se comparados com os atuais discursos do Presidente, pa- recem ser pessoas completamente diferentes. Como gostam de falar aqui na América, Obama foi eleito pelo centro e está governando da esquerda. Em oposição a Bush, que entrou pela direita e governou pela esquerda. O texto de Cedê Silva traz impressões pessoais extremamen- te interessantes sobre um momento importante da história mundial. É uma leitura leve e substancial. O texto representa um passo sólido rumo à difusão de idéias. As tecnologias atuais, amplamente usadas por Obama na campanha e condenadas por ele posteriormente, per- mitem a difusão de idéias fora das já constantemente aceitas e self- -reinforced pela academia. Minha sugestão é que todos se informem sobre os assuntos e leiam mais fontes informais e menos New York Times. Caso não saibam onde começar, procurem pelas hashtags #tcot e #rs no .

Washington, D.C. 9 de junho de 2010

Frederico Bartels Ferreira é mestrando em Relações Interna- cionais pela George Washington University (2011) e bacharel em Rela- ções Internacionais pela PUC Minas (2008).

Notas

¹ < http://www.lewrockwell.com/rockwell/drunkdriving.html >.

² < http://www.bhtrans.pbh.gov.br/portal/page/portal/portalpubli- co/Imprensa/Mulheres%20menos%20acidentes >.

1. A Casa Branca é nossa

ERA CLIMA DE COPA do Mundo. Centenas de pessoas – homens, mulheres, crianças – se aglomeravam nos corredores e salões do hotel Marriott City Cen- ter, no centro de Raleigh. Eu me sentei no chão do saguão, câmera em punho, diante de quatro televisões planas, cada uma sintonizada num canal diferente. Todos eles acompanhando a mesma coisa – as eleições presidenciais de 2008, estado a estado. A multidão, atenta às telinhas, comemorava cada estado ganho por Obama como um gol, especialmente os swing states que haviam votado pela reeleição de Bush quatro anos antes. “Illinois!”, bradou a multidão. Essa era uma vitória fácil. Il- linois é onde fica Chicago, o berço político de Obama. Embora seja havaiano, Honolulu é apenas sua Garanhuns; Chicago, sua São Ber- nardo do Campo. Mais 21 votos no placar. Era preciso torcer até os 270. “Delaware e Pensilvânia!”, berravam as pessoas. A Pensilvâ- nia votara em Kerry e Gore nas últimas eleições, mas era sempre uma votação apertada. Outros 21 votos para Obama, mais 3 do Del- aware. O placar era 175 a 76. “OHIO!”. A multidão foi ao delírio. Pessoas batiam palmas e trocavam abraços. Faziam arruaça. Se fosse no Brasil, haveria mui- tas cornetas; aqui, na capital da Carolina do Norte, celebravam ape- nas com as mãos e a voz. Mais 20 pontos para Obama, contra 124 de McCain Desde 1964, todo candidato que ganhava em Ohio levava a eleição. O sabor da vitória era maior sabendo que o estado votara em Bush em 2000 e em 2004. Dali a pouco a vitória do senador democrata seria mateticamente irreversível. Sentado em meio a alguns sofás, aos pés de tanta gente fe- liz, eu compartilhava de parte da empolgação. Mas torcia pro outro candidato. Mais que isso: poucas horas antes eu havia tentado estar junto com os republicanos, para cobrir uma história e um clima bem diferentes. Só que o gordo que me atendeu à porta do partido, talvez fazendo a equação estrangeiro = obamista, me disse: “party somewhere else”. Consenti. Até comi pipoca na convenção democra- ta. Nem sempre fui, como gosto de me definir, um “reaça safa- do”. Poucos anos antes, eu tinha uma visão bem diferente da política. Não fosse por alguns eventos e muitas decisões, eu estaria torcendo por Obama. Seis anos antes eu também havia votado no candidato da mudança.

2. Como virei um reaça

NO DOMINGO DE 6 de outubro de 2002 fui à nova sede da escola em que passei a infância para votar pela primeira vez. Não era obrigatório – eu tinha 16 anos e estava no meio do Ensino Médio. Mas eu fazia questão. Dois meses antes, havia votado no “plebiscito” contra a ALCA organizado pela Campanha Jubileu Sul. Três semanas depois do primeiro turno voltei à escola para votar mais uma vez no meu candidato: um pernambucano que cele- brava naquele dia seu 57º aniversário. Eu ainda não sabia, mas pou- cos anos depois eu passaria a detestá-lo. Mas ele não seria o pivô de minha mudança – eu jamais poderia atribuir a ele essa importância toda. Para criar um reaça, basta um coquetel de insatisfação com a escola e um bocado de Internet.

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“’FESSOR”, PERGUNTEI, NA ESCADA do Marista, “por que todos os professores do colégio são de esquerda?” “Bom”, começou José Arnaldo, professor de Geografia do 3º ano, em tom, uhn, professoral. “A maioria dos professores é gente comprometida com a transformação social. São pessoas críticas. Por isso, são de esquerda”. Zarnaldo me daria uma resposta mais longa, mas lembro que não fiquei satisfeito. Na época, eu estava qüestionando várias das coisas que tinha aprendido. Ora, será que realmente existia gente que defendia idéias por maldade? Ou gente que estava plenamente satisfeita com o mundo como estava? O que era a direita, afinal? Minha escola não me insulou completamente do pensamen- to da direita, é verdade. De vez em quando, davam pra gente ler xe- roxes de alguma coluna do Diogo Mainardi. Mas sempre com um aviso! “Diogo Mainardi é irônico”. Era sempre assim. “Diogo Mainardi usa da ironia”. “Tem iro- nia, viu gente!”. Como se dissessem: “ele não pensa assim”. Afinal, ninguém realmente poderia pensar daquele jeito. Eu ainda não havia formulado essa teoria sobre a pedagogia da redoma, que protege o aluno de assumir pontos de vista diferen- tes. Mas lembro-me bem que me incomodei quando nos deram para ler o artigo “Bem-vindo ao século XIX”². Nele, Mainardi escreveu:

“O ministro da Educação, Cristovam Buarque, quer erradicar o analfabetismo nos próximos quatro anos. Para isso, criou o progra- ma Analfabetismo Zero, que, antes mesmo de iniciar, foi rebatizado de Brasil Alfabetizado. O programa ainda não está funcionando porque o governo não tem idéia de que método usar para alfabetizar essa gen- te toda, mas Cristovam Buarque já cuidou do principal: a campanha publicitária. O mote é: "Faça um gol de letras". Jogadores de futebol irão incentivar os analfabetos a se matricular no programa do governo. O primeiro jogador a ser procurado foi Ronaldo. Cristovam Buarque chegou a viajar para Madri a fim de engajá-lo na campanha. Como não havia sido consultado anteriormente, Ronaldo não recebeu o mi- nistro. Podemos imaginar, no entanto, seu depoimento: "Se eu não ti- vesse largado os estudos para jogar no dente-de-leite do São Cristóvão (São Cristovam?), hoje em dia não teria uma Ferrari, uma casa em Paris, outra em Milão, outra no Rio de Janeiro, e não teria montes de mulheres e amigos ilustres, e não seria bajulado pelo governo. Não siga meu exemplo: estude". A aula sobre o artigo veio com aquele blábláblá de ironia. Mas para mim aquilo tudo estava mais do que certo. As pessoas bem-sucedidas no Brasil eram exatamente as que não estudavam – como, aliás, comprovava o presidente no qual eu tinha acabado de votar.

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NA CHINA, NO IRÃ e em Cuba, a Internet é uma das ferra- mentas mais preciosas para os dissidentes políticos. É uma rara fonte e veículo para opiniões diferentes das impostas pelo regime opressor. No Brasil também. Foi somente na Internet que eu, então um curioso aluno de Ensino Médio, pude descobrir o que os direitistas realmente pensa- vam. E sem ironia. Lembro-me que dois sites eram os que mais me fascinavam. Um era a página do filósofo paulista Olavo de Carvalho. Além de erudito e inteligente, Olavo escrevia muito bem. Seus argumentos eram claros. Os textos, concisos. Não havia nele a enrolação e a em- pulhação que eu costumava ler nas colunas do Estado de Minas e d’ aos domingos. Olavo dissecava a cobertura e os textos da imprensa brasileira. Demonstrava suas contradições, seus saltos de raciocínio, sua falta de proporção, sua escassez de contexto. Eu pro- curava algo de novo tanto na escola quanto nos jornais, e achei. O outro site que me fascinava era um blog, hoje exinto, cha- mado Centro da Mídia Independente do Socialismo Caviar. Uma paródia do CMI original (este de esquerda e existente até hoje), tra- zia críticas pesadas aos típicos esquerdistas brasileiros, que pediam o socialismo enquanto se beneficiavam de todas as vantagens do capitalismo: Internet, celulares, carros, etc. Eu me identificava com aquilo. Eu era um esquerdista usuário de Internet e carro. No começo eu não gostava de ler Olavo de Carvalho e o CMI. Aquilo me assustava; chegava a me incomodar, me dar um mal-es- tar mesmo. Eu não concordava com nada. Estava tudo errado, tudo muito exagerado. Mas por alguma curiosidade - mórbida ou maso- quista - eu continuei lendo. Lembro de um texto no CMI que denunciava o esquerdis- mo na letra de Eduardo e Mônica. Enquanto Eduardo era um cara tradicional, que jogava futebol de botão com seu avô, Mônica era uma neo-hippie que falava de magia no Planalto Central. Na música, Eduardo é tratado como um bobão, e seus valores também; já Môni- ca é inteligente e avançada. Até o filhinho que fica de recuperação na escola é do Eduardo! (e não dos dois). Na época, achei esse texto uma grande bobagem. Hoje, pen- so que precisaria lê-lo de novo para formar opinião, mas acho que a idéia geral está correta. A cultura brasileira – a cultura da música, da literatura – é maciçamente de esquerda, progressista, prafrentex. Na escola, me deram para ler coisas como Capitães da Areia; se eu tive algum contato com valores conservadores na infância, foi lendo Batman e vendo alguns desenhos animados onde o Bem e o Mal claramente existiam. Na escola, eu era maciçamente educado para a equivalência moral: por exemplo, Israel e Palestina estão ambos er- rados. Mas era uma equivalência hipócrita, porque na verdade Israel estaria “mais errado”. Também me ensinavam que todas as opini- ões eram igualmente válidas – mas claro, isso não valia para Diogo Mainardi. Eu ainda não tinha uma opinião contra o sistema que me educara; tudo aquilo ainda não estava organizado na minha cabeça. O que eu tinha eram muitas dúvidas – e muita, muita curiosidade. No começo do Ensino Médio, tivemos de ler um livrinho chamado A Invasão Cultural Norte-Americana (Editora Moderna, 1988). Dentre outras coisas, ele denuncia mensagens imperialistas americanas nos quadrinhos da Disney. Na Internet, aprendi que a maior parte dos quadrinhos da Disney era feita por brasileiros ou europeus. Vivi isso na pele. Em minha viagem à Disney World, aos 11 anos, procurava em todas as bancas por quadrinhos da Disney, como as revistinhas que comprava no Brasil. Só achei super-heróis.

EM 2003, ENQUANTO MEUS COLEGAS estudavam para o vestibular, eu escrevi um livro. Nunca tentei publicá-lo, mas no es- forço para escrever as 60 páginas e os 35 textos de Tantos & Quantos: diversas delatadoras denodadas depravadas destiladas discernentes dissectoras dissertações denotativas, fui organizando o que pensa- va. Escrevi furiosamente as idéias que tinha: crônicas, paródias de música, poesias. Escrevi sobre política, aborto, jornalismo, religião, bebida. Os capítulos têm títulos como “Maconhanaíma – o Goku nacional?”, “McGafanhotos e Enxames de Fritas”, “Internações Re- lacionais”, e “Polêmica é como Colesterol – Tem do Ruim e Tem do B o m”. Foi uma época de intensa leitura e escrita – eu fazia de tudo, menos estudar pro vestibular. Minha curiosidade sobre tudo era grande, e eu questionava tudo. Passei a ter mais dificuldade de for- mar opinião sobre as coisas. No capítulo XXVIII de Tantos & Quan- tos, escrevi: “Eu já fui contra e a favor do aborto (...) No presente momento, encontro-me sem posição definida”. E de uma forma mais geral, acabei me convertendo. Deixei de ser esquerdista. Virei cético. Deixei de ser católico não-praticante. Virei ateu.

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NAQUELA MANHÃ, OS CORREDORES da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG abrigavam uma inédita agi- tação. O calouro Zimba, do curso de Comunicação Social, debateria logo mais com a professora Carmen Vieira durante sua própria aula. Como todo evento que recebe mais cobertura midiática, tinha sido previamente marcado. Fora agendado na semana anterior. Os alu- nos não tiveram dúvida. Fizeram dois cartazes em folhas de caderno apoiando o aluno, e posaram para fotos. Duas semanas antes, Carmen havia entregue aos calouros um texto do jornalista Bernardo Kucinski denunciando o conservadorismo da im- prensa brasileira e seus escusos interesses capi- talistas. Eu não engoli aquele texto. Já havia acu- mulado mais de um ano de leituras e questiona- mentos sobre teses como aquela, que me ensina- vam na escola. Pra mim bastava. Eu não estava na faculdade para aceitar as idéias de sempre. Na primeira aula de debate do texto, pedi a palavra para dizer tudo que via de errado nele. Tinha fei- to anotações e críticas em vários parágrafos. A pro- fessora disse que eu esta- va “broxando o debate”. Broxando o deba- te. Eu não estava prepa- rado para aquilo. Travei. Não fazia sentido. Se al- guém discorda do texto, está aquecendo o debate, pensei. Se todo mundo concordasse, aí sim o de- bate cessaria. Mencionei Olavo de Carvalho. A professora disparou: “mas Olavo de Carvalho não tem base científica nenhuma”. Travei de novo. Não estava prepa- rado para aquela oposição. Mentira: não estava preparado para ser oposição. Combinou-se, então, um debate para a semana seguinte. Aí eu fui preparado. Levei para a aula exemplares da Veja e da Carta Capital e os etiquetei com Post-it, escrevendo “Prova A”, “Prova B”. Como um advogado de filme americano. Uma das edi- ções que eu queria da Veja não tinha mais em casa; fui a pé, na noite anterior da aula, até a casa de meu amigo Fábio para buscar. A Veja era supostamente a mais reacionária das publicações brasileiras. Se eu pudesse demonstrar que ela também tinha um viés de esquerda, pelo menos em algumas das matérias, eu provaria parte do meu ar- gumento. Mostrei matérias a favor da ONU, do ambientalismo, do aborto. Uma reportagem comparava a esquerda e a direita nos Es- tados Unidos: a esquerda, pelas idéias; a direita, por mera oposição a estas e pelos hábitos alimentares e sexuais. Só a esquerda “almeja fazer o bem”:

“De modo geral, eliminando-se as nuances, a esquerda é a fa- vor do aborto, do ensino laico, do casamento gay, do controle da posse de armas. Tudo o que a direita é contra. A direita come carne verme- lha, joga em cassinos, ouve música country, assiste à Fox TV, dirige SUVs, toma uísque, acha que nenhuma boa ação fica impune, gosta de loira peituda e só não fuma charuto porque as esposas não deixam. A esquerda pede peito de frango, vai ao teatro, ouve rock cabeça, vê o canal educativo PBS, pilota sedãs, beberica vinho branco (Char-do- -nnay), almeja fazer o bem, gosta de loira peituda e preferiria uma sessão de tortura em Abu Ghraib a encostar um cigarro na boca”³ .

Falei, demonstrei, discuti. Se venci o debate, não sei dizer. Meus colegas gostaram - suspeito que mais por eu ter desafiado uma professora do que pela parte substantiva dos debates. A direita era atraente. Trazia textos que solucionavam as dú- vidas que eu tinha na escola. Li muito sobre a hegemonia do pensa- mento de esquerda no Brasil. Era o que eu procurava: uma explica- ção para o problema que mais me afligia, que era que todos os meus professores pensavam igual. Além disso, admito, a direita me oferecia uma chance de ser rebelde. De ser do contra. Ou melhor, de ser contra os do contra. Mas era um do contra sem hipocrisia, porque eu não advogava um sistema que matou dezenas de milhões de pessoas nem o fim da propriedade privada. E eu não era contra o sistema que beneficiava a mim e a bilhões de pessoas. Ayrton Senna e Bill Gates criaram fundações que ajudam os pobres; Chico Buarque e Oscar Niemeyer, não. O pensamento da direita também era uma forma d’eu exer- cer meu moralismo de quadrinhos, que ainda tenho. Desde os 10 anos sou fã do Batman. Existe o Bem e existe o Mal, e o Mal deve ser combatido. Mas o Mal não está na sociedade, ou no capitalismo. Está dentro de nós. Está em nossas ações. Criminosos devem ser punidos. Eles não são “agentes da transformação social”. E políticos são uma corja covarde e supersticiosa. Por último, os argumentos da direita faziam sentido. A vida é o valor mais importante, porque é o pré-requisito para todos os outros. Embora tenha havido ditaduras capitalistas, nunca houve so- cialismo democrático. As pessoas devem ter o direito de ter armas, para se defenderem tanto dos criminosos quanto de um governo que abuse de seus direitos. A imprensa deve ser livre, e “controle social da mídia” é uma idéia muito perigosa nas mãos de pessoas que ad- miram países onde não existe... imprensa livre! Com o tempo, me converti de novo. De cético para reacio- nário. Passei a ler mais Olavo de Carvalho, Mídia sem Máscara, Tho- mas Sowell, José Nivaldo Cordeiro, Heitor de Paola, Daniel Pipes, Reinaldo Azevedo. Lembro que votei em Lula aos 16 anos porque pensava que ele seria um político bastante criticado pela imprensa – portanto, andaria na linha. Isto não aconteceu como eu planejava. Mas minha depepção não era com Lula. Era com a imprensa. Passei a acompanhar ainda mais a política americana, que me oferecia debates inexistentes no Brasil: aborto, impostos, guerra. Com a entrada de Diogo Mainardi no programa de televisão Ma- nhattan Connection, passei a ver todo domingo. Todo mês de ja- neiro eu assistia ao State of the Union. Em 2005, numa simulação universitária da ONU em Porto Alegre, fui delegado dos Estados Unidos. Em 2008, três dias antes de saber do resultado do programa da Embaixada, eu assisti ao primeiro debate entre Obama e McCain inteirinho. Até candidatos nas primárias eu tinha tido: Rudolph Giu- liani e Ron Paul, ambos republicanos. Numa noite de segunda-feira, quando chegou o e-mail di- zendo que eu fora aprovado num sensacional programa para viajar aos Estados Unidos durante as eleições, eu já era McCain.

3. Na casa do Capitão Haddock

TODO MUNDO QUE VIAJA A GUARULHOS apenas com bagagem de mão é porco. Descobri isso numa quarta-feira, 22 de outubro de 2008, ao embarcar em Confins, junto com minha colega Paula, para São Pau- lo, onde os Observadores passariam alguns dias hospedados em um hotel antes de irem finalmente a Raleigh. Os vôos Confins-Guarulhos são considerados internacionais para propósitos de segurança, o que significa que as regras para lí- quidos a bordo são as mesmas dos vôos para fora do País. Descobri isso da pior forma possível: a minutos do embarque, a agente do ae- roporto barrou minha mochila, que continha uma bolsa com deso- dorante e perfume (em minhas mãos, líquidos perigosíssimos, pelo menos para as solteiras bonitinhas). Claro que o portão de embarque fica numa extremidade do aeroporto; e claro que o balcão da Gol (a Embaixada foi generosa, não perdulária) fica na outra extremidade, e no andar debaixo. Des- pachei a bolsa com sucesso, mas nunca entrei tão suado num avião. Hoje, sempre que viajo a Guarulhos, não consigo evitar de pensar, ao ver todas as pessoas que saem agilmente sem terem des- pachado bagagem: vocês viajam sem desodorante.

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OS VINTE OBSERVADORES SORTUDOS foram instala- dos, em duplas, no confortável Fortune Residence, na esquina da Haddock Lobo com a Jaú e a poucos metros da Avenida Paulista. Éramos oito garotos e doze garotas, das cinco regiões do País. Havia Bruna, uma gaúcha poliglota que já havia participado de um outro programa da Embaixada e que, juro, é superdotada. Havia Carol e Renata, duas paraibanas que andavam quase sempre juntas. Havia Clara, uma linda brasiliense estudante de Ciência Polí- tica que nunca me compreendia. Havia a Flávia, também de Brasília, mas estudante de Jornalismo. Havia a Gabriela e a Gabriele, uma curitibana e uma paulista, esta uma fumante contumaz que logo seria apelidada de Costelinha pelo Hugo. Havia o Hugo, de Goiás, que saiu num jornal local posando com seu papagaio no ombro, e que segundo as Observadoras fazia o tipo “Latin Lover”. O Hugo, como eu, também compunha músicas. Havia o Gregor, um pernam- bucano loucão que me lembrava o Austin Powers. Gregor sempre tinha à mão um maço de cigarros e uma garrafinha d’água. Havia Lívia, estudante paulistana de RI que, como eu, tinha freqüentado simulações da ONU. Havia Marcosch e Pedro, estudantes de Niterói que cobriam as eleições para um blog hospedado no site d’O Globo. Havia as Nats, radicalmente diferentes: uma fazia RI, e era alta, loira, paraense, logo ganhou o apelido de “Nat Bicha” por chamar todo mundo (inclusive os homens) de “bicha” (“ai, bicha! adorei!”); a ou- tra fazia Jornalismo e era baixinha, tímida, gaúcha de Santa Maria, mais quieta. Havia a Nina, uma professora de inglês paulistana que nunca tinha saído do Brasil. Havia a Paula, minha caloura em RI na PUC Minas e natural de Valadares. Havia o Rodrigo Russo, que em breve se formaria em Direito na SanFran mas que havia se decidido pelo Jornalismo – hoje, meu melhor amigo entre os Observadores. E havia os Thiagos – um, o Thiago Rocha, quieto sergipano estudante de jornalismo, que usava óculos e mais tarde foi considerado revela- ção quando descobrimos o quanto era divertido. Ele tinha até uma banda. O outro era o Thiago Matias, um enigmático estudante de RI da UnB que me irritou mais de uma vez em discussões nas quais era impossível saber seu ponto de vista. Éramos vinte universitários, todos com vinte ou vinte e pou- cos anos, todos muito empolgados com a viagem. Nas várias ve- zes em que fomos perguntados quem estava torcendo pelo Obama (sempre perguntavam Obama primeiro), todos levantavam a mão. Todos, menos eu.

Olhando o jornal, da esq. para a dir: Thiago Rocha, Marcosch, Carol, Thiago Matias e Renata.

O PROGRAMA DA EMBAIXADA teve vários acertos. Um dos maiores foi a temporada de três dias em São Paulo, com pales- tras à tarde e noites livres. Foi fundamental para nos conhecermos e entrosarmos. Uma das palestras foi dada por alguns ex-participantes de programas anteriores da Embaixada. Esses programas eram mais longos que o nosso, coisa de passar cinco semanas nos Estados Uni- dos, em casa de família e coisa assim. Uma das garotas disse “vocês entram no programa como colegas, mas saem, tipo assim, irmãos mesmo, muito unidos”. Duvidei. Afinal, o programa deles tinha du- rado muito mais tempo que o nosso, e não se passava numa época acalorada como durante eleições. Eu estava errado. O diplomata David Hodge nos explicou que a instituição que iria nos receber – a Universidade Estadual da Carolina do Norte – foi selecionada entre três que concorreram para sediar o programa, em boa parte por causa de sua experiência em lidar com estudantes internacionais. A NCSU é uma universidade média, com 32 mil alu- nos4. Interessante também era que, pela primeira vez em décadas, a Carolina do Norte, um estado tradicionalmente “vermelho”, era um swing state – no qual as pesquisas não indicavam uma maioria definida, que poderia ir para qualquer candidato (Obama acabou levando com 49,7% dos votos contra 49,38% de McCain, uma dife- rença de pouco mais de 14 mil votos). Por causa do swing, o Estado receberia bastante atenção dos candidatos. O cônsul Thomas White, o mais divertido dos palestrantes, falou sobre o que tornava a eleição de 2008 interessante. Era a pri- meira eleição “em décadas”, disse ele, em que nem o presidente bus- cava a reeleição nem seu vice buscava a presidência. Na verdade, eu sabia que era a primeira vez que isso ocorria desde 1928, e mencio- nei isso no meu application para concorrer ao programa, mas não quis posar de sabichão. O cônsul acrescentou que o campo aberto contribuiu para chamar bastante atenção da mídia, e que “a disputa entre Hillary e Obama nas primárias atraiu principalmente os jo- vens e afro-americanos”, muitos dos quais votariam pela primeira vez. White falou também sobre algumas diferenças entre os sistemas políticos brasileiro e americano. “Uma das críticas mais comuns que recebemos dos brasilei- ros é ao bipartidarismo”, disse ele. Eu era familiar com essa crítica: já ouvi colegas dizerem que a “falta de opção” partidária comprome- tia a democracia. “De fato, nós perdemos em diversidade”, calculou o cônsul, “mas ganhamos em eficiência e compromise”. Mantenho a palavra no original por boa razão. “Compromise” pode ser traduzido de forma simples como “acordo”, mas não é qualquer acordo (agree- ment). Segundo o dictionary.com, compromise é “uma resolução de diferenças por concessões mútuas, (...) pela concessão recíproca de demandas”. Da mesma forma que certas expressões brasileiras são intraduzíveis (acordão, mensalão, pegar o boi, fazer uma vaquinha), também outras culturas têm sua jabuticabas políticas – na UFMG, muitas vezes professores me falaram da dificuldade de traduzir ac- countability. O bipartidarismo incentiva a formação de acordos porque torna mais difícil para os políticos jogarem a culpa em outros par- tidos – afinal, com um adversário só, se não estou conseguindo o que quero, talvez seja porque não estou muito disposto a conversar. Alguns políticos – notadamente no nosso caso, John McCain – pla- nejam ser reconhecidos exatamente pelo seu bipartidarismo, sua ca- pacidade de “andar no corredor até o outro lado”, como eu mesmo vi McCain dizer tantas vezes na TV. O bipartidarismo também sig- nifica que quem quer vencer deve ter um discurso moderado. “Você ganha no meio”, afirmou o cônsul. “Nos 20% de eleitores que não são muito prum lado nem pro outro”. Outra característica americana na política era a participação popular, incluindo o bolso. “Americanos sacam a carteira bastante em eleições”, disse o cônsul, ele mesmo mostrando a sua. E esta era uma campanha que já havia batido todos os recordes de arrecadação. Obama gastou mais de US$ 760 milhões e McCain mais de US$ 370 milhões5. Nos dois casos, a maior parte do dinheiro veio de “con- tribuidores individuais” – eleitores comuns, como eu e você. Aqui no Brasil também estamos acostumados a políticos gastando muito dinheiro em campanhas, e até que boa parte sai do bolso das pessoas comuns, mas não da mesma forma. White também falou do “efeito Bradley”. Em 1982, o prefeito democrata de Los Angeles, Tom Bradley, concorreu a governador da Califórnia e estava à frente nas pesquisas, mas perdeu a eleição para o republicano George Deukmejian. Dali em diante, chamaria-se efeito Bradley a diferença entre as intenções de voto declaradas em pesquisa e os votos reais nas urnas. Isso aconteceria porque eleito- res declariaram voto num candidato negro por medo de parecerem racistas, mas no segredo da urna votariam diferente. O cônsul não acreditava que Obama fosse sofrer do efeito Bradley. “A candidatura de Obama foi aceita com facilidade”.

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VERA GALANTE, BRASILEIRA, TRABALHA na Embaixa- da dos Estados Unidos desde 1995 e foi quem primeiro leu nossos applications. Foi uma das idealizadoras do programa. Foi também quem nos deu as dicas mais práticas. “Não façam piadas na fila da imigração no aeroporto”, ela disse. “Comportem-se. Não falem sobre bombas”. “Não tranquem as malas com cadeado”, ela disse. “Elas po- dem ser inspecionadas pelos agentes de segurança”. Apenas um de nós, o Gregor, teve a bagagem aberta pelas autoridades. E a mala dele foi bem revirada. “Façam uma lista do que estão levando na mala e o valor aproximado dos itens”, disse Vera. “Em caso de extravio, isso poderá ajudar no reembolso junto à empresa aérea”. “Vocês passarão um fim de semana em casa de famílias an- fitriãs”, ela disse. “Comprem um presente para elas”. Tendo esque- cido do conselho, comprei na última hora, numa loja no aeroporto de Guarulhos, uma bola de futebol de pelúcia, verde e amarela, que fazia barulho ao ser mexida. “Tomara que minha família seja bem paciente e tenha uma criança pequena”, pensei. “Não coloquem produtos líquidos, pastosos, sprays, itens in- flamáveis ou sob pressão, tipo aerosol, na sua bagagem de mão”, ela disse. Essa lição eu já tinha aprendido muito bem. Mas já no vôo de volta Raleigh-Washington, um reluzente frasco rosa de xampu da Renata foi violentamente arremessado no lixo por uma agente do Departamento de Segurança Doméstica. “Quando os professores americanos encontrarem vocês pela primeira vez”, ela disse, “vão cumprimentar vocês com um abraço bem forte, e dando uns tapas com os braços nas suas costas”. Que país esquisito.

4. Domingo é última-feira

AO CHEGARMOS NO SAGUÃO novinho do aeroporto re- cém-reformado de Raleigh-Durham, o professor Michael Bustle nos cumprimentou, cada um de nós vinte, com um abraço bem forte, dando uns tapas com os braços nas costas. Logo depois viveríamos outra experiência essencialmente americana. Por causa do atraso no nosso vôo de Washington, nossos anfitriões – Michael, o professor David McNeill, e Derrick Lovick, gerente do escritório internacional da NCSU – tinham pressa em nos levar para a Feira Estadual da Carolina do Norte, que naquele domingo estava em seu último dia. Visitar uma Feira Estadual é como pisar num filme da Sessão da Tarde. O cheiro de barracas de comida vendendo grossas coxas de peru a US$ 7.50 e milho verde com molho doce invade suas na- rinas. Tem roda-gigante, montanha-russa, joguinhos de atirar água para ganhar bichos de pelúcia. Em uma barraquinha, um homem garante que pode adivinhar sua idade – e as pessoas podem apostar dinheiro contra ele. Num pequeno teatro de arena, uma loira manda vários poodles fazerem toda sorte de acrobacias. E aqui e ali, grandes cartazes escondem atrações bizarras, acessíveis apenas a pagantes, como a vaca de seis per- nas, o filho do diabo, a ga- rota mais alta do mundo (2,50m e 197 kg) e o ze- brurro. Mas nada supera o rodeio de porco. Numa pequena arquibancada de madeira posta em frente a um cer- cadinho, dúzias de pesso- as aguardavam a próxima largada. Um apresentador barrigudo, de camisa xadrez e chapéu, mi- crofone na mão, convidava as pessoas. “E vamos chegando, folks”, anunciava, no tranqüilo tom cai- pira. “Vamos chegando para o rodeio de porco”. O cercadinho tinha uma pequena pista oval, de chão batido. Dali a poucos minutos, to- cava uma música no alto-falante e pá!, meia dúzia de porcos saiu em disparada correndo pela pista. O apresentador narrava. “Lá vai o número 3, uau, boa ultrapassagem do número 5...”. Ao rodeio de porco seguiram-se outros. Teve corrida de gan- so. De cachorro. E logo aprenderíamos mais peculiaridades america- nas.

AMERICANOS ORGANIZAM TUDO pelo sobrenome. Embora nossos anfitriões insistissem em ser tratados pelo primeiro nome – hey Michael, hi David – nas reservas do hotel as duplas eram agora organizadas pelo last name. O que para mim fez uma enor- me diferença. Meu colega de quarto em São Paulo era o Thiago Ro- cha – quieto e reservado, ficava no quarto digitando calmamente no laptop, fossem matérias jornalísticas ou conversas com a namorada. Nos Estados Unidos, passou a ser Gregor de Rooy. Gregor espalhava seus pertences por todo o quarto. Quando não conseguia achar alguma coisa, revirava tudo, inclusive o que era meu. Gregor trouxe na mala uma cobra de madeira, que assustou mais de uma camareira. Trouxe também um cocô falso, desses de loja de travessuras. Gregor deixava ele em cima da cama ou o leva- va para as festinhas nos quartos dos outros Observadores. E Gregor gostava mais de conversar. “Odeio mulher que fala durante o sexo”, me contou. “Dá von- tade de falar: porra, cala a boca e só geme”.

AMERICANOS ADORAM GELO. Muito, muito gelo. Seus copos de refrigerante parecem grandes, mas a maior parte é gelo. As mesmas máquinas que oferecem latas de bebida por algumas moe- das irão fornecer quanto gelo você quiser de graça. Nunca vi um americano se gabando do gosto do país por gelo, mas há algumas diferenças que eles gostam de ressaltar. Não falo de ufanismo, mas de detalhes bobos. Descobri que não apenas todo brasileiro, mas toda pessoa do mundo, gosta de dizer que na cidade dela “vêem-se as quatro estações do ano num único dia”. E os professores daqui se divertem em dizer: “Aqui deve ser o único país do mundo no qual azul é a cor do partido liberal e vermelho é a cor dos conservadores”. E foi no restaurante Red Hot & Blue nossa primeira noite em Raleigh, saboreando o “churrasco” do Sul – fartas costelas com mo- lho adocicado e batatas fritas, e grandes copos de refrigerante com muito gelo. Lembro de ficar feliz de comer algo tão típico da região, tão sulista, tão norte-carolinense. Só em Washington fui descobrir que o Red Hot & Blue é uma cadeia com 33 restaurantes e que nasceu na Virgínia. Foi uma noite animada, jogando papo fora com os profes- sores e beliscando dos vários pratos. Nós ainda não sabíamos, mas foi na Feira Estadual do Alasca, em agosto de 2008, que Sarah Palin recebeu um telefonema do senador John McCain perguntando-a se ela queria “ajudá-lo a mudar a história”6. Nós ainda não sabíamos, mas dali a seis dias Palin visitaria o mesmo lugar em que foi a Feira Estadual da Carolina da Norte para fazer um comício. Mas nós sabíamos que, após aquele mergulho no povão, era hora de subir de andar. No dia seguinte tínhamos um encontro com a Primeira-Dama.

5. O lado oficial

TENTE IMAGINAR RALEIGH. Tem todo o jeito de cida- dezinha – seus 400 mil habitantes espalhados por uma área similar aos trezentos e poucos quilômetros quadrados de Belo Horizonte. Não se vê muita gente na rua e nunca se vê um engarrafamento, seja no centro, seja perto do vasto campus da Universidade Estadual. O campus é ladeado pela Hillsborough Street. Para nós, tudo era na Hillsborough. Imagine deixar o campus da NCSU pela saída norte, diga- mos, pelo prédio Winston Hall, e pisar na calçada da Hillsborough. Atravessando a rua, você pode comer no I ♥ NY Pizza, no Dunkin’ Donuts, na Sylvia’s Pizza ou no Bruegger’s Bagel Bakery – todos em prédios de tijolos dum laranja-escuro, com um só andar. Vire à direi- ta (à sua esquerda, se você atravessou) para caminhar em direção ao centro da cidade: a Hillsborough é quase plana, na verdade com um suave declive que ajuda quem vai pra lá a pé. Depois do cruzamento com a Logan, você vai ver um estacionamento, nunca lotado, cercan- do um prédio residencial para universitários - com seis andares, é de longe o mais alto que você verá por um bom tempo. Atravessando a rua Enterprise há mais alguns small businesses, incluindo uma loja de conveniência, o Bell Tower Mart. É logo em frente ao Mart que está a Bell Tower – uma torre de 35 metros de altura erguida em ho- menagem aos alunos da NCSU que morreram na I Guerra Mundial. Esta é a sua última chance de entrar no campus pela Hillsborough. Na esquina, à sua esquerda, fica o Red Hot & Blue – ou ficava, na época das eleições; hoje funciona num endereço a vinte minutos de carro dali. Entre à esquerda na ruazinha Oberlin para chegar a um pub barato e amigável adequadamente chamado Players Retreat (as- sim, sem apóstrofe). Continue na Hillsborough e, na próxima es- quina, onde é Woodburn Road de um lado e Cox Avenue do outro, ficam frente à frente a casa de Deus e a nossa casa: a Igreja Batista Pullen Memorial e o Holiday Inn Brownstone Hotel. Ainda descendo a Hillsborough, vê-se que o hotel onde pas- samos nove noites é vizinho de um prédio da YMCA. E a poucos metros dali, no n° 1506, está a sede do Partido Republicano da Caro- lina do Norte. (Os Democratas ficam do mesmo lado da rua, mas no n° 220, mil e quatrocentos metros à frente). Bem ao lado do Partido Republicano uma clareira abriga, contemos, uma, duas, cinco limusines. Até mesmo eu, simpático à causa, pensava que os veículos tinham algo a ver com o opulento partido. Que nada. São da locadora Action Limousine Service, cujo escritório fica do outro lado da rua, em frente ao estacionamento – que não tem nenhum muro e nenhum segurança. Desça mais a Hillsborough e dos dois lados quase tudo são casas – em madeira, dois andares, sem muros, variando nas cores ou na disposição das varandas. Entre a International House of Pancakes (que parece a casa da Vovó Donalda) e a escola católica para garotas St. Mary’s, que vai até a oitava série, tem seis quadras de tênis e cobra anuidade de vinte mil dólares, há o Progress, estúdio de body pier- cing. A rua é de todos. Ande mais um pouco e ali no n° 618, depois do posto de ga- solina, há o Char-Grill, que vende hambúrgueres grelhados no car- vão, somente para viagem; e sexta e sábado fica aberto até as duas da manhã. Depois do viaduto, a rua passa a ser ladeada por restaurantes e bares, e ali em fente, depois do Partido Democrata, da Catedral do Sagrado Coração e da imagem de Nossa Senhora da Carolina da Norte, a Hillsborough termina numa praça. E tão abruptamente quanto ela termina, abruptamente prédios de vinte, vinte e cinco, trinta andares brotam como espigões em direção ao céu.

TODO JORNALISTA JÁ DESEJOU saber um pouco mais sobre o entrevistado antes de elaborar as perguntas. Foi o que pensei depois da coletiva com Mary Easley, primeira-dama da Carolina da Norte, na Mansão Executiva do estado, a oitocentos metros de onde a Hillsborough subitamente termina. Easley não nos recebeu apenas pelo seu fascínio por estudan- tes estrangeiros. Nosso programa tinha como anfitrião uma univer- sidade estadual; cujo orçamento dependia, portanto, da aprovação do governo do Estado. E ela devia ser familiar com o assunto. Além de primeira-dama, era professora de políticas públicas e direito de propriedade intelectual na NCSU. Segundo reportagem da WRAL- -TV7, canal 5 em Raleigh, Easley obteve em julho de 2008 um con- trato de cinco anos que quase dobrou seu salário na universidade, de US$ 90.300 para US$ 170 mil anuais. Um professor full-time da estadual ganhava em média US$ 110 mil por ano. E, enquanto a es- posa do governador democrata Mike Easley recebeu esse aumento de 88%, ele mesmo propôs naquele ano um reajuste de 1,5% para os servidores. Eu adoraria ter perguntado a ela sobre essas coisas, mas só soube delas depois da visita. Então tivemos uma conversa amena na mansão vitoriana com quatorze lareiras, construída por presidiários e inaugurada em 1891. Nunca mais provei um croissant com presun- to e queijo tão gostoso. Mary Easley criticou Sarah Palin e disse que a Mansão espe- rava centenas de crianças pedindo guloseimas na noite de Hallowe- en, dali a quatro dias.

SIR WALTER RALEIGH (circa 1552 – 1618) não é um nave- gador famoso no Brasil. Não consta no currículo de nossas escolas, mesmo tendo explorado a Venezuela e a Guiana em busca do El Do- rado. Mas não é um total desconhecido nosso. Foi interpretado por Clive Owen no filmeElizabeth: A Era de Ouro (2007, dir. Shekhar Kapur). E John Lennon lhe dedicou duas linhas na canção I’m So Tired, de 1968:

Estou tão cansado, me sinto tão chateado Apesar de tão cansado vou fumar mais um cigarro E maldito seja Sir Walter Raleigh Ele era um bastardo tão estúpido

Raleigh foi um dos responsáveis por popularizar o tabaco na Europa. Antigamente, os índios fumavam e os europeus bebiam8; só depois das grandes navegações as pessoas puderam fazer os dois. “O tabaco foi por décadas um dos principais produtos da Carolina do Norte” contou Mary Easley, “juntamente com os têx- teis e a mobília”. No retrato oficial pendurado na parede da Mansão Executiva, o governador Dan Moore (1965-1969) aparece segurando um cigarrinho. Ele morreu em 1986, aos 80 anos, no Duke Univer- sity Medical Center, em Durham, cidade a 30 minutos de Raleigh. A porta-voz da universidade recusou-se a dar a causa da morte9. MAS TABACO É COISA do passado. Era o que nos diziam a primeira-dama, professores diversos, e o diretor da Faculdade de Assuntos Públicos e Internacionais, Rick Kearney. Uma coisa que a Carolina do Norte soube fazer nas últimas décadas foi investir em educação. Era por isso que na NCSU ficava o reator nuclear uni- versitário mais antigo da América. Era por isso que atraíam tantos estudantes de Engenharia. Era por isso que no centro da cidade há um prédio da AT&T. “É por isso”, nos disse Kearney numa palestra, “que não so- mos... a Carolina do Sul”. Não à toa fomos tão bem recebidos ao chegar. O estado co- nhece suas prioridades. A três minutos a pé da Mansão Executiva fica a Assembléia Estadual da Carolina da Norte, nossa próxima parada. Para os cien- tistas políticos que querem saber a distância ideal entre os poderes Executivo e Legislativo, eis a resposta norte-carolinense: uns trezen- tos metros. Fomos recebidos na Assembléia por uma guia, não por um político. Segunda-feira não era dia de sessão. Ao contrário do Brasil, aqui não se espera que os legisladores estaduais o sejam como full- -time job; o salário é baixo (US$ 14 mil por ano) e os representantes do povo devem passar tempo com seus eleitores. Literalmente, já que para se candidatarem devem morar no distrito que pretendem re- presentar. Explica-se. Como na maioria dos estados, a Assembléia Legislativa da Carolina da Norte é bicameral – existem deputados estaduais e tam- bém senadores estaduais (Obama foi senador estadual em Illinois antes de chegar ao Senado Federal). Agora imagine dois mapas da Carolina do Norte, um dividindo-a em 120 pedacinhos, outro em 50 pedações. Cada pedaço é um distrito. Cada um dos 120 deputados estaduais mora no respectivo distrito; o mesmo vale para cada um dos 50 senadores. Então aqui as palavras “fale com o seu represen- tante” têm muito sentido. Já nas minhas Minas Gerais, existem 77 deputados estaduais que podem ser eleitos de toda parte; nada im- pede uma cidade de ter vários representantes ou uma região de ficar sem nenhum. Durante a visita, um gabinete aberto me chamou a atenção. Os armários, mesas e paredes estavam repletos de porta-retratos e adesivos. Havia estatuetas e adesivos de elefantes, e até um elefan- tinho de pelúcia. Eu e Nina, a professora paulistana, abandonamos a comitiva do tour e entramos na sala. Era o gabinete do senador estadual republicano Philip E. Berger. Ele não estava, mas fomos re- cebidos por seu corpulento assessor, cujo nome, confesso, não ano- tei. Berger era Líder da minoria no senado estadual, e é ainda hoje10. Ele tem retratos autografados por Gerald Ford, Ronald Reagan, pela então senadora Elizabeth Dole, e pelos Bush – pai e filho.

MATÉRIA DA WRAL-TV, 21 de maio de 2009:

Mary Easley não vai renunciar da N.C. State11 – Apesar dos crescentes pedidos para sua renúncia, a ex-primeira-dama Mary Eas- ley pretende continuar em seu emprego na Universidade Estadual da Carolina do Norte, disse hoje seu advogado. A controvérsia sobre sua contratação e promoção já levou à renúncia de dois altos funcionários da universidade.

Matéria da Associated Press, 9 de junho de 2009:

N.C. State encerra emprego de Mary Easley12 – A N.C. State demitiu ontem a ex-primeira-dama Mary Easley de seu trabalho de US$ 170 mil por ano quando documentos recém-divulgados indicaram que seu marido esteve envolvido na sua contratação. O encerramento do contrato de Easley [que iria até 2013] pôs fim a meses de perguntas sobre seu emprego, incluindo algumas levantadas por investigadores federais, e veio após renúncias de altos funcionários da universidade.

Não foi a primeira vez que o governador democrata Mike Easley mexeu com a sorte. Em 2005 ele criou a loteria estadual, e a renda vai, duh, para a educação13. Já falamos bastante das diferenças entre americanos e brasi- leiros. Vamos conhecer as diferenças entre dois certos americanos.

6. Os desafiantes

McCAIN OBAMA Nome completo John Sidney McCain Barack Hussein Obama Idade 72 anos 47 anos (29/08/1936) (04/08/1961) Senador por...... Arizona ...Illinois Partido Republicano Democrata Mascote do partido Elefante Burro Esposa Cindy Michelle Filhos Sete, sendo três Duas filhas adotados Signo Virgem Leão Vice Caipira bonita e Um cara mais velho desconhecida do que o criticou muito Alasca durante as primárias Invadiria o Paquistão? Não disse Sim Sabe quantas casas Não Sim tem? Se o Irã atacasse Israel, Partia pra cima Partia pra cima partia pra cima ou esperava autorização da ONU?

7. O campo de batalha

A MAIOR IRONIA de observarmos as eleições americanas é que fomos impedidos de votar nas nossas próprias eleições. Viaja- mos na noite de sábado, 25 de outubro, bem na véspera do segundo turno das eleições para prefeito. Com exceção da Nat Flores, de San- ta Maria, e da Gabi Costelinha, de São Caetano, todos nós moráva- mos em capitais; em quase todas houve segundo turno naquele ano. Em Belo Horizonte, minha cidade natal, a disputa se dava entre o governista Marcio Lacerda (PSB), que nunca havia disputado uma eleição na vida, e o jovem deputado federal Leonardo Quintão (PMDB). Lacerda deu sinais de vencer no primeiro turno, mas o resultado das urnas ultrapassou as margens de erro das pesquisas, com um número inesperado de eleitores votando em Quintão. Uma pesquisa realizada imediatamente após o primeiro turno chegou a dar larga vantagem a Quintão, para minha felicidade14. Se eu ficasse em BH pro segundo turno, votaria nele. “Por quê?”, perguntou-me Paulo Henrique Lobato, jornalista cuja matéria15 sobre mim e Paula foi para a capa do Estado de Minas. “Porque ele prometeu chutar a bunda dos petistas”, respondi, refe- rindo-me a um vídeo, veiculado pela campanha de Lacerda, no qual o deputado dizia exatamente isso num comício do pai, Sebastião Quintão. “E qualquer candidato que promete chutar a bunda dos petistas é necessariamente o melhor candidato”. “Eu não posso publicar isso”, disse ele. Eu sorri. A matéria diz simplesmente que eu e Paula apoiávamos candidatos diferentes tan- to em BH quanto nos EUA, identificando apenas quem era Obama e quem era McCain. Mas não era o ano de Quintão. Durante a campanha do se- gundo turno, um vídeo do humorista Tom Cavalcante imitando os trejeitos exageradamente caipiras do deputado ressaltaria uma fra- queza de sua campanha: querer falar a “língua do povo” mesmo sen- do economista e tendo estudado fora do país. Lacerda venceu com quase 60% dos votos válidos16. Naquele ano eu também não votei no primeiro turno. Passei o fim de semana em São Paulo. Se tivesse ficado, teria votado no democrata Gustavo Valadares. Para mim ele parecia o mais preo- cupado com a questão que eu via como mais importante: segurança pública. Num debate com os vários candidatos na PUC Minas eu até fiz uma pergunta diretamente a ele.

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LOGO APRENDERÍAMOS QUE o campo de batalha em que os senadores Obama e McCain disputavam era muito diferente do das nossas eleições presidenciais, quanto mais das disputas para prefeito. Alguns estados grandes e ricos – incluindo Califórnia e Te- xas, os dois maiores em população e PIB – simplesmente não inte- ressavam às campanhas. O homem mais importante da eleição não estava concorrendo, e nem podia. Além dos partidos e dos candi- datos, boa parte da campanha é feita por associações, ONGs e fun- dações independentes. E as propagandas negativas eram ainda mais pesadas que as veiculadas no Brasil. Tome-se, por exemplo, o famigerado “Anúncio sem Deus”. Foi pago pela senadora norte-carolinense e republicana Elizabeth Dole, então candidata à reeleição. Veiculado na TV, ele acusa a ad- versária Kay Hagan de receber contribuição de campanha da Go- dless Americans, organização atéia que advoga remover Deus do juramento à bandeira e das cédulas do dólar. Ao final dos trinta se- gundos, aparece uma foto de Hagan e uma voz de mulher (não é ela) diz: “Deus não existe”17. Hagan é presbiteriana e já foi professora de catecismo. “Esse anúncio custou meu voto”, me disse o professor Micha- el Bustle, aquele dos abraços fortes. Dole, que era favorita no começo da campanha, acabou perdendo a reeleição por 44% a 52%. Ela havia sucedido o também republicano Jesse Helms, que ocupou a cadeira por quarenta anos (1973-2003). Quarenta e seis anos de dinastia re- publicana interrompidos por causa de um anúncio de TV. “Mas Michael”, indaguei. “Como a Carolina do Norte reele- geu tantas vezes um republicano para o Senado se os governadores são todos democratas?”. O leitor deve se lembrar de Dan Moore, o democrata do cigarrinho no capítulo 5. Com três exceções (’73, ’85 e ’89), todos os governadores eleitos desde 1901 eram democratas! “Chamamos isso de split the ticket”, explicou. (Eu traduziria como meiar a cédula). “Votamos num democrata para governador e num republicano pro Senado ou para presidente. Assim você equi- libra as coisas”. Havia alguma consistência nesse comportamento. Tirando a vitória do sulista Jimmy Carter em 1976, o estado votou num republicano para presidente em todas as eleições entre 1968 e 2004. Meiar a cédula é algo que os mineiros conhecem muito bem. Só que fazem ao contrário. Votam na “direita” (Aécio) para o gover- no estadual e na esquerda (Lula) para presidente.

AS PROPAGANDAS NEGATIVAS não eram exclusivida- de das campanhas locais. Obamenses e McCainitas também joga- vam pesado. Obama aprovou um anúncio que mostra o adversário como um idoso preso nos anos 80, que “não consegue mandar um e-mail”18. Além da discutível relevância dessa habilidade para o mais importante tomador de decisões do mundo, há o fato de que Mc- Cain sofreu ferimentos quando foi torturado no Vietnã que afetaram permanentemente a mobilidade dos braços. Já o veterano de guer- ra questionou as credenciais de Barack para a educação. Aprovou um anúncio mostrando que a única conquista de Obama na área em Illinois foi legislar em favor da educação sexual... para crianças no jardim de infância. O narrador: “Aprender sobre sexo antes de aprender a ler? Barack Obama: errado sobre educação, errado para a sua família”19. E esses eram anúncios oficiais, aprovados pelos senadores. Organizações simpáticas aos candidatos, mas não vinculadas a eles ou aos partidos, também veiculavam mensagens na Internet e na TV. Como disse o cônsul Thomas White, “americanos sacam a carteira bastante em eleições”.

O HOMEM MAIS IMPORTANTE da eleição não estava concorrendo. “O homem mais importante desta eleição”, nos disse o pro- fessor Chris Ellis20 numa aula no subsolo do Hotel Brownstone, “é George W. Bush”. Após oito anos no poder, ele havia definido os ce- nários político e eleitoral. Bush foi um dos líderes cujas escolhas mudaram o mundo no começo do século XXI. Eleito em parte pela sua plataforma para a educação e também pela sua experiência como governador de Te- xas, sua presidência foi definida pelos ataques de 11 de setembro. Ele invadiu o Afeganistão e o Iraque, capturou Saddam Hussein e foi re- eleito em 2004 com mais de três milhões de votos de vantagem sobre John Kerry. Mas aí vieram o desgaste do tempo, a falta de progresso no Oriente Médio, o furacão Katrina e a economia. Principalmente a economia. “Tentem imaginar o que esta imagem representa”, nos dis- se Ellis, mostrando no PowerPoint um gráfico no qual uma linha vermelha, partindo de um ponto no canto superior esquerdo, caía vertiginosamente ao longo do tempo. Mostrava os valores na Bolsa, talvez? Não. Havia porcentagens. A linha começava em 12 de setem- bro de 2008, acima dos 50%; e escorregava fragorosamente até 28 de outubro, onde já beirava os 10%.

“Este gráfico”, continou Ellis, agora avançando umslide , “mostra as chances de McCain vencer a eleição, de acordo com o site de apostas InTrade.com”. Bom, o argumento estava claro. Mas o que Obama estava fa- zendo exatamente? “Obama está tentando ganhar os swing states que Bush levou em 2004”, disse Ellis. "E McCain está tentando segurar esses estados. Está na defensiva”. Mas o que são os swing states? Já chego lá. A maior parte dos estados americanos não é objeto de muita atenção dos candidatos. Isso se deve à confluência de dois fatores. Primeiro, no sistema de Colégio Eleitoral, todos os votos eleitorais de um estado vão para o candidato que obter mais votos populares – não importa a quantidade. Assim, tanto faz levar o Texas com 55% dos votos ou com 70% ou 90%. A vitória valerá, de qualquer jeito, 34 votos no Colégio Eleitoral. Segundo, na maior parte dos estados, o mesmo partido obtém uma maioria confortável todos os anos. Os “estados vermelhos”, como o Arizona e o próprio Texas, votam con- sistentemente nos republicanos; os “estados azuis”, como Califórnia e Nova Iorque, votam consistentemente nos democratas. É por isso que mesmo tendo vastos contingentes de eleitores, Califórnia, Texas e Nova Iorque não importam. Cada democrata sabe que não vai per- der os estados azuis por deixar de ir lá; e cada republicano sabe que o trabalho de convencer eleitores suficientes a mudar de idéia pode não valer a pena. E vice-versa. Por isso, durante a campanha os candidatos veiculam anún- cios na TV, fazem comícios, enfim, se esforçam, quase que somente na minoria de estados onde a eleição é mais apertada. São os chama- dos swing states, que podem balançar prum lado ou pro outro. Naquela semana mesmo Obama e McCain foram a estados como Ohio, Flórida, Missouri, Virgínia. E, graças às pesquisas elei- torais, a um estado ex-vermelho que agora havia virado “swing”: Ca- rolina do Norte. Inclusive, a aula na quarta-feira (29) de manhã foi cancelada. Para nós podermos ir a um comício. Barack Obama vinha aí.

8. Sim, nós estávamos lá

NUNCA SENTI TANTO FRIO na vida. Fazia uns quatro graus na rua do Halifax Mall, em cujo gramado seria o comício de Barack Obama. Os portões do complexo de prédios legislativos se- riam abertos às dez da manhã. Nos chegamos às oito e mesmo assim uma fila já fazia a primeira dobra no quarteirão. Eu usava um casaco de linha; sobre ele, uma camisa da Seleção, e sobre ela um imper- meável de nylon, mais uma touca do Boca Juniors e luvas pretas. E mesmo assim, pulava para tentar me aquecer. “Cara, até o Cedê vai passar a torcer pro Obama hoje”, disse Pedro, o jornalista fluminense. Admito: embora eu pulasse por cau- sa do frio, não escondia a empolgação. Com o lugar na fila marcado pelos Observadores e por Derrick e David, fui entrevistar algumas pessoas e fazer vídeos. Uma música se misturava ao burburinho da multidão:

Barack....! Barack...! A hora chegou, o mundo mudou O povo está tão frustrado Precisamos de Barack pra Presidente Antes que fique mais complicado

O nome dela é Barack Steady21, e é baseada em Rock Steady (1987), hit da banda The Whispers. Achei na fila o compositor da nova versão, Royal Height. Royal, 59 anos, é de Washington D.C. e veio para o comício. Estava vendendo CDs, ou melhor, singles, com a música que compôs. “Há quanto tempo você apóia Obama?”, perguntei. “Desde que ele foi indicado”, ele disse. Obama venceu Hillary pela indicação em junho; no mês seguinte Royal compôs a música. “É um hino ins- pirador para os comícios”.

Só precisaaaamos votar Não se esqueça Nunca, jamais houve momento melhor Não podemos desistir, lutar até o fim Precisamos de uma cabeça feita

A todo momento éramos abordados na fila por voluntários da campanha Obama, perguntando se já tínhamos votado. A Ca- rolina do Norte é um dos estados que adota a early voting, a vota- ção precoce. Quem quiser pode comparecer a um local de votação na semana anterior ao dia da eleição, que pela lei é sempre “na pri- meira terça-feira depois de uma segunda-feira de novembro”. Al- guns voluntários usavam orgulhosamente adesivos onde se lia “Eu votei”. Outros carregavam pranchetas com mapas da zona eleitoral mais próxima onde se lia “Vote Hoje”. Inclusive Dereck Thomas. “Há quanto tempo você é voluntário?”, perguntamos. Ele: “sete dias”. Al- guma coisa nessa campanha era mesmo contagiante.

Nós apoiamos Barack...! Obama...! Steady rockin’ all night long Precisamos votar Barack...! Obama...! Barackear até as tropas voltarem pra casa

Às dez horas pudemos transpor os portões. A enorme fila movimentava-se vagarosamente, por causa do pesado esquema de segurança. Mochilas, cartazes e guarda-chuvas eram proibidos. De- pois de ser revistado, cheguei enfim ao vasto gramado onde seria o comício. Corri para chegar a um bom lugar de onde ver e filmar Obama. “Não corra”, disse uma agente de segurança. Obedeci. Depois percebi que dos terraços dos prédios que cercavam o gramado nos observavam vários homens de preto. Snipers.

O Sol finalmente começava a fazer algum efeito. Pude abrir o casaco de nylon. Barack Steady havia ficado para trás. Agora ouvía- mos nos alto-falantes as canções oficiais da campanha.

Ceeee-lebrate good times, come on! There's a party goin' on right here A celebration to last throughout the years

Pessoas de todas idades e cores se aglomeravam ao redor das grades para aguardar o comício. Pais com as crianças. Vários jovens, muitos que nem sequer podiam votar, todos com certeza matando aula. E gente mais velha, como Fred Netzel, um senhor magro, de óculos escuros e boné verde, um button democrata sobre o casaco azul-marinho. “Espero que Obama seja um presidente que estenda a mão para todos os tipos de pessoas”, ele me disse. “E para pessoas ao redor do mundo, já que ele é uma pessoa que quer juntar gente para resolver problemas”.

The heart is a bloom… Shoots up through the stony ground There's no room… No space to rent in this town

Como num show, as músicas nos alto-falantes aqueciam a platéia. Apenas com as gravações, era como se grandes bandas “abrissem” para Obama. Eu e Pedro não pudemos concordar poli- ticamente, mas aprovei o diagnóstico dele: mesmo antes de pisar no palco, Barack é um rockstar.

It's a beautiful day! Sky falls, you feel like It's a beautiful day Don't let it get away…

Antes de Obama, outras pessoas subiram ao púlpito: líderes locais, um pastor. Tocou o Hino Nacional. Só mais um pouco e verí- amos o astro.

“CAROLINA DO NORTE, EU TENHO duas palavras para vocês: seis dias”22. A multidão foi ao delírio. Obama sabia começar um discur- so. E sabia como continuar. “Após décadas de politicagem em Washington, oito anos de políticas fracassadas de George Bush, vinte e um meses de uma cam- panha que nos levou da costa rochosa do Maine ao brilho do Sol na Califórnia, estamos a seis dias de mudar a América”23. Obama fazia a platéia torcer e gritar com as suas propostas. Fazia-a vaiar quando falava de McCain. Fazia-a rir com piadinhas. “Não apenas isso não está certo”, disse, falando de uma proposta de McCain, “isso não tá certo”24. A referência ao sotaque caipira con- quistou visivelmente a platéia – que somava, naquela cidadezinha, em plena manhã de quarta-feira, vinte. E cinco. Mil. Pessoas25. “McCain me chamou de socialista” (búúú!, fizeram algumas pessoas), “porque quero acabar com os cortes de impostos de Bush para os americanos mais ricos para que finalmente possamos dar alívio tributário à classe média”. Esparsos protestos da platéia. “Não sei o que vem por aí. Ao final da semana, ele vai me acusar de ser um comunista secreto porque eu compartilhava meus brinquedos no jardim de infância”26. Muitas risadas. Gritos. Pessoas ergueram os cartazes “Obama-Biden” distribuídos pela campanha. Eu não achei graça na piada. Não fazia sentido. Comunista não é quem divide os próprios brinquedos. Comunista é quem toma os brinquedos dos outros. “Quando Bill Clinton foi presidente”, continuou Obama, “a renda da família de classe média subiu sete mil e quinhentos dólares. Com Bush, a renda média caiu dois mil dólares”. Era essa a mudança prometida, então. Um terceiro mandato Clinton. “Se John McCain for eleito, 100 milhões de americanos não terão um corte de impostos”. “Se John McCain for eleito, os benefí- cios de plano de saúde serão taxados pela primeira vez na história”. “Se John McCain for eleito, ele não deixará as faculdades com preços acessíveis. A campanha dele não tem um plano para isso” – neste ponto, milhares de pessoas acompanhavam fixamente o discurso. “Quando um repórter perguntou porquê, a campanha de McCain disse que não tem dinheiro para dar a grupos de interesse. Grupos de interesse?”, aqui Obama virou-se de lado e abaixou os braços, como se estupefato. “Eu não acho que os jovens da América são um grupo de interesse, eu acho que são o nosso futuro”. Vivas, urros, palmas. “Então chega de ataques de araque e propagandas negativas”, disse Obama, após atacar o adversário durante boa parte dos qua- renta minutos de seu discurso. E na mesma frase: “sob John McCain, a classe média verá a riqueza ser favorecida sobre o trabalho, em- pregos serem transferidos para outros países...” – nesse momento, lembrei que eu era estrangeiro. Obama estava fazendo um discurso protecionista. Era esse o candidato que iria melhorar as relações dos Estados Unidos com o mundo? Defendendo furiosamente empregos americanos na contramão da globalização? Alguém na multidão passou mal. Obama deslocou-se alguns passos do púlpito e jogou uma garrafa d’água. Ele estava no controle absoluto da massa.

“... e eu não vou lutar apenas pelo voto de vocês”, prometeu Obama. Recuperei o fio da meada. “Vou lutar por vocês todo santo dia que estiver na Casa Branca”. E após vários ataques ao adversário, Obama finalmente relaxou e passou a ser o Obama que eu via na TV e na Internet. Um candidato que, apesar das propostas com as quais discordo, tinha um discurso unificador. Uma mensagem de esperan- ça. E uma retórica que, tenho de admitir, admiro. E aqui peço licença aos manuais, mas deixo uma longa citação. Porque não vale a pena no discurso indireto. “O que nós perdemos nestes últimos oito anos não pode ser medido apenas no arrocho dos salários ou maiores déficits comer- ciais. Perdemos também a idéia de que nesta história americana cada um de nós tem um papel. Cada um de nós tem uma responsibilidade de trabalhar duro e cuidar de nós e de nossas famílias, e cada um de nós tem uma responsibilidade para com nossos concidadãos. É isso que foi perdido nestes últimos oito anos – nosso sentimento de pro- pósito comum, de um propósito mais alto. E é isso que precisamos restaurar agora”. Invejei uma política que falava de um propósito mais alto, e não apenas de “saúde, segurança e educação”. “Todos nós devemos fazer nossa parte como pais e desligar a televisão e ler para nossos filhos e tomar a responsabilidade de dar- -lhes o amor e a orientação que precisam”. Lá no Brasil, pensei, que- rem que os políticos façam tudo. “Sim, nós podemos discutir nossas posições apaixonadamen- te, mas neste momento de definição, todos nós devemos invocar a força e a graça para construirmos uma ponte para nossas diferenças e nos unirmos num esforço comum – negro, branco, latino, asiático, indígena; democrata e republicano, jovem e velho, rico e pobre, gay e hétero, deficiente ou não”. Obama acelerou o ritmo. “Peço a vocês para acreditarem – não apenas na minha habilidade de trazer mu- dança, mas na de vocês”. E encerrou o discurso com um apelo quase religioso, e que me lembrou uma música do The Police: “E se nesta última semana vocês baterem em algumas portas por mim, e fizerem alguns telefonemas por mim, e conversarem com os seus vizinhos, e convencerem os seus amigos; se vocês ficarem ao meu lado, e lutarem comigo, e me derem seu voto, então eu prometo isto: nós não só vencereremos a Carolina do Norte, nós não só ven- cereremos esta eleição, mas juntos nós vamos mudar este país e nós vamos mudar o mundo. Obrigado! Deus abençoe! E Deus abençoe a América!”.

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A UNIÃO NÃO ERA só discurso. A multidão no gramado do Halifax era muito mais misturada e diversa da que vimos na Feira Estadual. Lá, negros e brancos andavam separados uns dos outros, exceto alguns grupos de jovens. “Era um evento para famílias, então natural que os grupos fossem mais homogêneos”, nos disse o profes- sor David. Eu não tinha tanta certeza. Nas vezes em que tomei um ônibus em Raleigh (onde, sonho dos militantes de Belo Horizonte, vale o passe livre para quem porta carteirinha da NCSU, e nós tínha- mos), todos os passageiros eram negros. Todos exceto um cadeirante com jeito caipira e visivelmente pobre. Na saída do comício, outro fenômeno bem americano ga- nhou as ruas: merchandising. Barraquinhas de vários tipos vendiam camisetas, cartazes, buttons e toda sorte de quinquilharias. Comprei algumas coisas, incluindo um baralho do Obama. As mercadorias não eram oficiais. A renda não ia para a cam- panha. Não obstante, espalhavam a marca Obama. Não que ele pre- cisasse de mais dinheiro. Naquela noite de quarta-feira, às 20 horas, Obama pagou por uma propaganda na TV em sete canais ao mesmo tempo, incluindo NBC, CBS e Fox. A duração do anúncio: trinta. Minutos27. Na van de volta, eu e os outros Observadores discutimos ani- madamente o status do astro cujo show tínhamos acabado de ver. Em algum momento, o debate passou para se os Estados Unidos eram ou não um império. Defendi que não: os Estados Unidos são uma superpotência, não um império. Impérios não têm eleições a cada quatro anos, e ademais a influência americana não se exerce primariamente pela conquista de territórios alhures. Não era exatamente o melhor argumento para sustentar, dada a Guerra no Iraque e tudo o mais. Vi a Clara girando o indica- dor perto da orelha, fazendo para alguém o sinal de “biruta”. Não era hora de esquentar a cabeça. A viagem estava legal demais. Deixei quieto. E sexta à noite era momento de nos divertirmos no Dia das Bruxas.

9. O Dia das Bruxas

MUITAS COISAS ASSUSTAM NO HALLOWEEN, mas é difícil superar os imóveis. E nem precisam ser assombrados. Com- prar imóveis em outubro de 2008, no auge da crise financeira e imo- biliária nos Estados Unidos, é uma idéia de arrepiar a espinha até dos mais corajosos. Imagine então você comprar um imóvel não so- mente em outubro de 2008, mas à noite; e não em qualquer noite, mas na noite do Dia das Bruxas. Já era quase meia-noite quando encontrei a Doro Taylor Imóveis aberta. Pela Avenida Glenwood passavam jovens fantasia- dos, às vezes soltando gritos de empolgação: piratas e enfermeiras e Batmans e Coringas, e também Obamas e Sarahs Palin e Flintstones e Rubbles. Iam aos bares, boates e pubs próximos – como o Hiber- nian, onde eu ia passar a noite. Ninguém dava muita atenção à cor- retora de imóveis. Entrei. “Hey, hello from !”, exclamei, câmera em punho. “Hello-oo!”, responderam entusiasmadas as três pessoas lá dentro: a própria Doro Taylor, Lee Norris e um senhor cujo nome não anotei. “Como vai?”, perguntou Doro. “Vou vem, obrigado”. “Você está transmitindo?” “Sorry?” “Você está transmitindo pro Brasil?”, disse ela, acenando para a câmera. “Ahn, sim, assim que eu pôr no YouTube”. Ela deu uma risa- dinha. Há vários e vários segundos Lee Norris assistia tudo com a boca aberta28. Continuei: “Então vocês estão vendendo imóveis no meio da noite de Halloween?” “Oh yes!”, afirmou Lee. Doro, ao mesmíssimo tempo: “No”. E ela emendou: “estamos vendendo doces”. Apontou para alguns doces numa mesa. “Estamos dando doces, mas vendendo imóveis”, disse Lee. “E se eu quiser comprar um imóvel agora?”, perguntei. “Tenho um contrato lá nos fundos”, disse Doro, e saiu cor- rendo para o fundo da loja. Doro é uma loira alta e magra, por volta dos quarenta anos. Usava um grande chapéu pontiagudo de bruxa. Já Lee é o sulista típico de meia-idade, com olhos claros, cabelo cin- zento e a pele rosa. Assim que Doro saiu, o senhor mais velho se levantou e gesticulou para que eu os acompanhasse ao fundo da loja. “Come on, come on”. Fui até lá. Doro saiu da porta com uma cara de decepcionada. “Eu não tenho um contrato pra você agora”, disse, e deu outra risadinha. “Ah, que pena”, brinquei. “Mas vocês têm doces?”. E ela: “sim, você quer alguns doces?”. Demos meia-volta. O senhor apareceu com um jarro de vi- dro cheio de doces. Falei “trick or treat!”, e agarrei vários, minha mão coberta por uma luva. “Está meio frio aqui, não é?”, disse Doro. “Sim, um pouco frio”, respondi, “especialmente para nós bra- sileiros”. “I know, I know – vocês estão acostumados a usar nada além de roupa de banho”. “Bem” - não segurei uma risada; ela gargalhou – “não tanto assim”. “Exatamente”, embarcou Lee, “roupa de banho bem baixa”. Doro começou a acariciar os (não muitos) cabelos dele. “Uhn, muito obrigado, vocês foram muito gentis”, eu disse. Doro e o senhor acenaram com os braços para a câmera. Lee per- guntou: “qual imóvel você vai comprar?”. “Não tenho certeza, talvez eu vá comprar um condomínio aqui em Raleigh”. “Okay - perfeito!”, disse Lee. Saí da loja. Pode-se questionar a sanidade daquelas pessoas, mas sabem atender e foram simpáticas. Inclusive mantendo a loja aberta na noi- te de Halloween. A Doro Taylor Imóveis mudou de nome. Hoje chama-se City Gate Real Estate Services. Mas o site é o mesmo. O endereço é o mes- mo. E Doro Taylor ainda trabalha lá.

JOE THE PLUMBER É um fenômeno de longa explicação. Mas é impossível entender as eleições americanas de 2008 sem ele. E sem conhecê-lo também fica mais difícil entender as piadas nas festas do Dia das Bruxas. Tudo começou numa tarde de domingo, 12 de outubro de 2008, em Holland, Ohio, uma gigantesca metrópole de mil e trezen- tos habitantes. Claro que foi em Ohio – eis o swing bom de ser um swing state. Faltavam três dias para o terceiro e último debate na TV entre McCain e Obama. Obama passeava pelo bairro Lincoln Green e conversava com eleitores quando encontrou o encanador Samuel Joseph Wurzelbacher – “Joe the Plumber” é bem mais fácil. Joe, 34 anos, perguntou ao senador: “o senhor acredita no sonho america- no?”29. Obama respondeu que sim. Joe disparou: “estou me prepa- rando para comprar uma empresa que fatura entre 250 e 280 mil por ano. Seu novo plano tributário vai me cobrar mais imposto, não vai?”. Obama respondeu que se ele fosse eleito as pequenas empre- sas iam ganhar um crédito tributário sobre o plano de saúde, mas aquelas que faturassem US$ 250 mil ou mais teriam sim os impos- tos aumentados, “de 36% para 39%, o que era a taxa sob o governo Clinton”. (Viva a mudança!). E emendou: “não é que eu quero punir o seu sucesso. Eu só quero ter certeza de que todo mundo atrás de você tem uma chance de sucesso também (...) e eu acho que quando você espalha a riqueza, é bom pra todo mundo”. Pronto. Estava feito o estrago. O fenômeno Joe the Plumber estourou em duas frentes. Na primeira, a frase de Obama (spread the wealth, distribuir a riqueza) foi usada incontáveis vezes pelos republicanos, inclusive como in- dicador de que ele era socialista. Na segunda, o próprio Joe virou o ícone máximo da classe média americana, o símbolo do eleitor mé- dio – não por acaso, aquele que define quem mora na Casa Branca. Os candidatos mencionaram Joe 25 vezes no último debate. Contou o The Guardian: “a palavra “economia” foi mencionada 16 vezes, o Iraque uma, e o Afeganistão nenhuma”30. Joe ficou famoso. McCain veiculou um anúncio na TV no qual vários eleitores clamam: “eu sou Joe the Plumber”31. O próprio Joe apressou-se para lançar um livro, Joe o Encanador: Lutando pelo Sonho Americano32. E naquele comício em Raleigh do capítulo an- terior, Obama disse: “então seja você Susie a Estudante, ou Nancy a Enfermeira, ou Tina a Professora, ou Carl o Trabalhador da Cons- trução Civil, se meu adversário for eleito, vocês estarão em pior situ- ação daqui a quatro anos”. E é por isso que, 19 dias depois de seu encontro com Obama, Joe the Plumber se multiplicou nas ruas americanas na forma de fan- tasias. Inclusive um Joe de braços dados com Sarah Palin.

“QUEM É O MELHOR ENCANADOR?”, perguntei, “Mario o Encanador ou Joe o Encanador?”. Na minha frente estavam dois casais improváveis de se encontrar em Raleigh. À minha esquerda, Super Mario de mãos dadas com a Princesa Peach Toadstool; à mi- nha direita, Joe the Plumber e Sarah Palin33. “Claro que Mario é o melhor”, disse Super Mario, na terceira pessoa mesmo (não à toa chamam seu criador, Shigeru Miyamoto, de Pelé dos videogames). E continou, caprichando no sotaque ita- liano: “Joe pode trabalhar como encanador quando quiser, mas Joe, ele não sabe nada sobre este negócio. Eu trabalho como encanador há oitenta anos”, exagerou, “e Joe, só há dois anos. Joe!”, exclamou, virando-se para o cidadão de Ohio: “Joe! Do que você está falando sobre encanamento!”. “Você tem licença de encanador, Mario?”, perguntei. Uma das controvérsias sobre Joe na imprensa era a de que ele não teria li- cença para trabalhar como encanador, um fato explicitamente men- cionado por Biden, vice na chapa de Obama. Além do fato de Joe dever uns mil dólares de imposto ao estado de Ohio. “Tenho o quê?!”, brincou ele. “Princesa, quem é o melhor encanador?” “Mario é o melhor!”, disse, empolgada. “Ele me resgata! Ele é um verdadeiro herói. Já esse cara”, disse, apontando para Joe com os olhos, “ele não faz nada”. “Quem é o melhor encanador, Joe?” “Acho que você terá que falar com Pá-lin sobre o trabalho”, respondeu, pronunciando Palin com o “a” de “casa”. Joe era o único não empolgado com a brincadeira. “Então quem é o melhor?”, perguntei à vice na chapa de Mc- Cain. “Ahn, bem, uhn”, começou ela, sorrindo e claramente ado- rando encarnar a personagem como meio lenta no raciocínio. “Eu, ahn, devo dizer aos, uhn, povos brasileiros (Brazilian peoples) aí fora, que, uhn, Joe é este grande melhor encanador que existe. A razão que ele é tão bom é porque, ahn, ele representa o povo americano e to- dos nós que estamos trabalhando para...” - nesse momento ela foi interrompida por uma moça de fora da rodinha: “Joe é um maverick, governadora?”. A campanha de McCain o vendia como um maverick, palavra que dependendo do contexto pode ser traduzida como “dissidente”, “desgarrado” ou “solitário”. McCain votaria diferente da maioria dos republicanos e teria sua própria voz no partido, inclusive negocian- do com democratas (como vimos no capítulo 3). A estratégia, claro, era se desligar do Presidente Bush. “Bem, uhn, ahn, uh...”, gaguejou Palin, se divertindo imen- samente. E pôs-se a fazer um discurso tão longo e tão cheio de ahns que estourou a memória da minha câmera digital. A CRISE ECONÔMICA FOI grave, mas não impediu as pes- soas de abrirem as corretoras tarde da noite nem de se divertirem no Halloween com fantasias elaboradas (como o Coringa34 que ilustra este capítulo, o estudante Matt Shoaf). Na opinião de algumas pes- soas, a crise nem foi tão grave, não por serem ricas, mas por leva- rem uma vida prudente e não se endividarem além da conta. Pessoas como Lisa Hanks. Mas eu só a conheceria na manhã seguinte. Por ora, ainda me intrigava com as diferenças entre Mario the Plumber e Joe the Plumber.

JOE THE PLUMBER MARIO THE PLUMBER Nome completo Samuel Joseph Mario Mario (por isso Wurzelbacher junto com seu irmão Luigi são “os irmãos Mario”) Idade 34 anos 27 anos (03/12/1973) (Donkey Kong, 1981) Profissão Encanador Encanador Partido Republicano (filiado) Desconhecido Ficou famoso… … sendo mencionado …aparecendo em no 3º e último debate vários dos videoga- entre McCain e Oba- mes mais vendidos da ma, 25 vezes História A verdade é … seu negócio … além de encana- que… não ganha mais de dor, anda de kart, joga US$250 mil, e não tênis e futebol, come pagaria mais impostos cogumelos, solta bolas sob o plano de Oba- de fogo pelos dedos, e ma salva princesas Mora em… …Holland, Ohio …New York, New York (mais especificamente, no Brooklyn) Signo Sagitário Desconhecido Tem licença Não Sim (assim esperamos) para trabalhar como encana- dor? Desprezado Sim, que disse “We’re Ao que se saiba, Biden pelo xará Joe kind of worried about nunca tirou sarro do Biden? Joe the fireman, Joe grande Super Mario the policeman, Joe the real plumber with a license.” Deve… … quase US$1.200 … ser um cara muito ao estado de Ohio em legal imposto de renda Em quem vai Está indeciso O Reino dos Cogume- votar? los é uma monarquia, lá não se vota

10. Meet the Hanks

NA MANHÃ DE SÁBADO, 1º de novembro de 2008, um estudante mineiro de 22 anos se sentou num sofá no saguão do Ho- tel Brownstone, aguardando a host family que o receberia durante o fim de semana. Ele não sabia nada a respeito deles, mas guardava na mochila uma bola de futebol de pelúcia, verde e amarela, que fazia barulho ao ser mexida. Era o presente. Poucos minutos depois uma senhora de 41 anos também se sentou no saguão, levando um menino de sete. A criança fazia muito barulho, como que gemendo de boca fechada, o que era um pouco irritante. Eu e Lisa Hanks não nos falamos por vários minutos, até que uma das Observadoras também chegou ao saguão e puxou papo com ela. Lisa estava ali para o programa dos intercambistas da NCSU. Cada família inscrita receberia um ou dois alunos. E disse: “Oh, I have Fred”. Me apresentei. No dia seguinte, após descobrirmos o quanto tínhamos em comum, nos orgulharíamos desse episódio. Afinal, nós fomos os primeiros a chegar. LISA HANKS, 41 ANOS, é formada em Enfermagem mas não exerce a profissão. Ela é dona-de-casa. E professora. Das pró- prias filhas. Lisa é toda a equipe da Calvary Christian Academy, que fun- ciona onde ela mora: um sitiozinho de beira de estrada no Condado Johnston, a quarenta minutos ao sudeste do Condado Wake, onde fica Raleigh. Lisa é uma adepta dohomeschooling , ensinar as crian- ças em casa. Nos Estados Unidos, 1,5 milhão de crianças – quase 3% - são homeschooled, uma proporção que só vem aumentando nos últimos anos35. Lisa é cristã e conservadora. Discorda de Obama ou prefere McCain “em todas as questões”. Mas inicialmente não era adepta do homeschooling. A filha mais velha, Greta, 14 anos, chegou a freqüen- tar a escola. Lisa a tirou de lá porque pensava que Greta teria seu potencial acadêmico desenvolvido mais rápido e melhor em casa. Nos EUA, a legislação sobre as homeschools varia de estado para estado – como a legislação para quase tudo. Na Carolina do

Da esq. para a dir: Greta, Evelyn, Lisa, Vincent e Jim. Norte, entende-se que uma homeschool é simplesmente uma escola particular bem pequena. Os alunos devem fazer testes padronizados todos os anos para avaliar a educação que recebem. Suas notas os classificam numa das séries do ensino formal. Greta, por exemplo, nos testes de leitura está na “18ª série” – “ela lê como alguém que já passou da faculdade”, explicou Lisa. Um artigo publicado em 1999 na revista científica Education Policy Analysis mostra que estudantes educados em casa têm em média notas superiores aos que freqüen- tam a escola36. Lisa diz que as vantagens vão além de poder ajustar o ritmo aos talentos das filhas (“Greta aprendeu a ler sozinha, Fred”). Ela também pode dar uma educação cristã, diferente das escolas pú- blicas e laicas. “Posso ensinar, por exemplo, não somente os fatores políticos na queda do Império Romano, mas lembrar que ele caiu também por causa do comportamento dos líderes, da imoralidade”, exemplificou. “E além de tudo, com ahomeschool posso acompanhar Greta e Evelyn crescendo”. Já Vincent, o mais novo, vai a uma escola pública especial chamada Polenta Elementary. Vincent, nas palavras da própria Lisa, é “severamente retardado”. Aos sete anos, não consegue falar, e cami- nha com dificuldade. Lisa espera que um dia ele possa finalmente se comunicar conosco. O debate sobre homeschooling, claro, é sufocado no Brasil, onde a prática é ilegal. Foi considerada inconstitucional por uma parte isenta, o nosso Ministério da Educação37. E em 2009 o casal Cléber e Bernadeth Nunes, de Timóteo, foi condenado pelo TJMG por homeschoolarem os dois filhos, mesmo eles tendo sido aprova- dos em testes elaborados pela Secretaria Estadual de Educação38. Os garotos Davi, 15 anos, e Jonatas, 14, também foram aprovados, com essas idades, num vestibular de uma faculdade particular. Uma ma- téria da Folha sobre o caso entrevista três pessoas39. Nenhuma é a favor do homeschooling.

LISA DIRIGE UM HONDA CIVIC azul. Mais tarde, um professor, não lembro se o Michael ou o David, me explicaria que cá nos EUA o Civic é um “carro de pobre”. Ela mora numa casa de um andar nos fundos dum terreno retangular cercado por árvores. Aqui e ali existem obras construídas ou montadas pelos Hanks: um banco, uma garagem, uma cama elástica. Quando cheguei na casa, as garotas não estavam. “Estão trabalhando em assistência social”, disse Lisa, “o que elas fazem uma vez por mês”. Mas fui apresentado a Jim, o ma- rido. Jim faz o tipo quie- tão. Pedi a ele para usar o computador. Precisava transferir as fotos da mi- nha câmera para o pendrive, que tinha capacidade maior. Assim po- dia esvaziar a máquina e tirar mais fotos. Jim pegou os dois. Mais tarde, o pendrive e a câmera apareceram na cama onde eu ia dormir, sem que Jim dissesse uma palavra. “Jim é um self-made-man”, me contou Lisa. Seus pais não fo- ram à faculdade. Já Jim é bacharel em Ciências da Computação e também em Matemática Aplicada. Atualmente trabalha para uma defense contractor, uma empresa terceirizada que presta serviços à Guarda Costeira. O projeto atual é um software para prever onde os barcos (e bandidos) vão parar. Lisa nos serviu um chilli, não apimentado (graças a Deus!). É um prato com feijão e carne moída. Era cedo, mas aquilo era para adiantar nosso almoço. Porque Lisa era uma pessoa politicamente engajada. Enviou uma carta à senadora Dole e recebeu resposta. E iria me levar, dali a pouco, para o comício de Sarah Palin.

Lisa me deixou ficar com a carta.

11. Only in America

UMAS TRINTA PESSOAS VIBRAVAM e gritavam em fren- te à câmera do canal 14. A líder, uma moça de suéter vermelho e oito buttons pró-Palin, veio do Alasca para o comício, que começaria dali a uma hora e meia. Joann Landry brandia um cartaz que comparava as emissoras americanas de TV. Do lado esquerdo: “comentários e opiniões enviesados: CNN, NBC, ABC, CBS”. Do lado direito: “fatos verdadeiros, sem viés, notícias: Fox nº 1”. Apesar do protesto con- tra a maior parte da imprensa, o jovem repórter Conan Gasque foi entrevistá-la40. Testemunhei então o seguinte diálogo: “Deixe-me perguntar”, começou Joann, logo após apertar a mão de Conan. “Canal 14, isto vai ao ar?” Pequena pausa. “Claro que vai”, respondeu o rapaz, numa voz meio tímida. “Num horário razoável e não às duas da manhã quando nin- guém está assistindo”, afirmou ela, mais do que perguntou. “Oh yes”, disse ele. “Okay!, vamos começar”, disse Joan41. Vinte e duas pessoas estavam sentadas numa longa mesa improvisada perto da entrada do centro de convenções sem nome localizado no NC State Fairgrounds, mesmo local onde foi a Fei- ra Estadual. Todas brandiam celulares e tinham listas de números, e usavam camisetas McCain-Palin. Telefonavam sem parar para as pessoas na lista, convidando-as ao comício.

Quarenta ou cinqüenta pessoas combinaram de vir de ver- melho para o comício e tiraram várias fotos juntas. Crianças usavam giz para desenhar uma amarelinha no chão. E também para escrever, várias vezes, “Go Palin!”. Linda Sebastian carregava um cartaz onde se lia “Pat Mc- Crory Governador”. McCrory era o republicano concorrendo contra a vice-governadora Bev Perdue pelo cargo que Mike Easley, aquele da primeira-dama-professora, tinha que deixar. McCrory é também uma espécie de Fernando Pimentel: aos 52 anos, era prefeito de Charlotte, a maior cidade do estado, desde 1995, tendo sido reeleito pela sexta vez em 2007, me explicou ela. Uau, sexta vez, pensei. E perguntei: “porque você está apoiando ele?”. “Porque ele é meu irmão”, disse ela. “E porque é um homem honesto”. Um homem de boné usava uma blusa onde se lia “eu tenho mais experiência que Barack Obama!!!!”. Outro, mais corpulento, vestia uma camiseta com os dizeres “outro americano de cidade pequena, apegado a religião e portador de arma votando McCain- -Palin”. A camiseta era uma resposta a um discurso feito por Obama em abril42, ainda durante as primárias contra Hillary. O candidato a candidato disse:

“Mas a verdade é, nosso desafio é persuadir as pessoas de que podemos progredir quando não há muita evidência disso na vida de- las. Você vai para algumas dessas cidadezinhas na Pensilvânia, e lá, como em muitas cidades pequenas no Meio-Oeste, os empregos se fo- ram faz 25 anos e nada apareceu para substituí-los. E essas comuni- dades fracassaram durante a administração Clinton, e durante a ad- ministração Bush, e cada administração sucessiva disse que de alguma forma essas comunidades vão regenerar e isso não aconteceu. Então não surpreende que eles fiquem amargos,se apeguem a armas ou re- ligião ou antipatia a pessoas que não são como elas ou a sentimentos anti-imigrante ou sentimentos anti-[livre]comércio como forma de ex- plicar suas frustrações”43.

A fala pegou muito mal para Obama. Segundo o Times de Londres, fez Hillary acreditar que poderia virar o jogo e vencer as primárias44. A senadora por Nova Iorque declarou: “as pessoas não abraçam a religião por serem materialmente pobres, mas por se- rem espiritualmente ricas”. Hillary venceu na Pensilvânia por 54% a 45%45. Fiz vários vídeos mostrando a fila do comício, a expectativa, a barraquinha vendendo camisetas. No meio de uma filmagem, uma senhora me interrompeu e me deu este adesivo:

NO INTERIOR DO CENTRO de convenções percebi a pri- meira diferença entre Obama e Palin. Obama punha pra tocar U2, black music, e recebia homenagens de Royal Height ou do Black Eyed Peas. Palin só tocava música country. E canções patrióticas. Inclusive com bandas ao vivo.

While the storm clouds gather far across the sea, Let us swear allegiance to a land that's free, Let us all be grateful for a land so fair, As we raise our voices in a solemn prayer

A multidão de quase seis mil pessoas (outros milhares fica- ram de fora46) acompanhava as músicas e erguia e balançava car- tazes, pompons e bandeirinhas dos EUA e da Carolina do Norte distribuídas pela campanha (afinal, o evento tem que ficar bonito na TV). Os discursos foram precedidos pelo Juramento à Bandeira (pronunciado por um veterano de guerra, John Turner), assim como no comício de Obama. Mas ao contrário deste, houve também uma oração. E a lista de oradores não tinha um pastor, mas tinha Plum- ber. Mike the Plumber.

God Bless America, Land that I love Stand beside her, and guide her Thru the night with a light from above. From the mountains to the prairies To the oceans white with foam God bless America, My home sweet home!

Vários cartazes e adesivos falavam de Joe the Plumber ou do cidadão típico. “Obama vai pegar a grana do Joe”, “apóie os regular Joes”, “não pegue o $$$ de Joe”, “eu sou Fred o fazendeiro de tabaco”, “eu sou Joe the Plumber”. Quando Michael Joyce – Mike the Plumber – subiu ao púlpito, foi recebido com entusiasmo. Morador de Cary, Carolina do Norte, Mike contou sua história. “Comecei a trabalhar aos 17 anos no New Hampshire”, disse ele. “Cursei a escola técnica de bombeiros. Hoje, 31 anos depois, sou dono de uma empresa do ramo”. Aplausos, vivas. “Mas a questão não sou eu, a questão é o sonho americano (...) Só que ser encanador é mais do que sonhar, precisa de trabalho duro”. “Hard work!”, começou um. “Hard work, hard work, hard work, hard work, hard work!”, entoou a multidão. “Eu preciso sujar minhas mãos para ganhar dinheiro”, con- tinou Mike. “Obama quer pegar esse dinheiro e fazer um governo cada vez maior”. (Búúúú!). “Mas o dinheiro fica na minha casa se elegermos McCain e Palin”. Palmas, urros. “O plano de Obama não é um sonho, é um pesadelo. Nos tor- naria a terra do “me dê”, “me dê, “me dê”. Nós lutamos e trabalhamos duro pelo que temos. Eu não quero que me dêem nada, eu quero uma oportunidade”. “Então, se eu pudesse deixar uma mensagem pro senador Obama – ele é senador?”, brincou, “a mensagem é: eu não quero que me dêem nada! Mantenha suas mãos governamentais gananciosas fora do meu bolso!”. Urros, palmas. E em poucos segundos a multi- dão entoava: “U-S-A! U-S-A! U-S-A!”47.

WAYNE CHEW, TECNÓLOGO CIRÚRGICO, 51 anos, usa- va uma camiseta onde se lia “Mais um Democrata por McCain”. Per- tencera ao partido a vida toda, “mas estou pensando em deixá-lo”, me contou. Apoiou o republicano Ronald Reagan nas duas eleições (’80 e ’84). Estava decepcionado de forma geral com os políticos de- mocratas que elegera e com suas mentiras. Judith Norris, professora aposentada, 60 anos, nunca tinha ido a um comício na vida. Ela gostou de mim e me convidou para conhecer sua família e sua casa de praia um dia desses. Uma pena que eu voltava pro Brasil na semana seguinte. O leitor se lembra do capítulo 7, onde disse que passei em São Paulo o 1º turno das elei- ções municipais. Lá assisti ao filme Noites de Tormenta (2008, dir. George Wolfe), que mostra o lindo litoral da Carolina do Norte. Dianne Gibson era uma moça de óculos e cabelos compridos O autor no comício da Palin. A da direita é a senhora Norris. que gostava de falar de política. Contei a ela que no Brasil o aborto é ilegal e ela achou bacana. Eu também disse que os cartazes de Oba- ma com a palavra “Hope” me lembravam a famosa imagem de Che Guevara. Descobri que ela nunca tinha ouvido falar em Che Guevara (!). Dianne estava acompanhada da neta, Nicole Rector. “A única coisa que realmente não suporto nos liberais”, ela me disse, “é sua posição sobre homossexuais”. E fez uma carinha de nojo, fe- chando os olhos por trás dos óculos e pondo a língua pra fora. Foi Lisa quem me contou que Nicole era neta de Dianne, mas eu jurava que era filha.Ou Dianne é muito conservada, pensei, ou as pessoas se casam muito cedo por aqui.

BOB DOLE, SENADOR APOSENTADO, serviu pelo Kan- sas por vinte e sete anos. É marido de Elizabeth Dole. Eu o conhecia por um episódio dos Simpsons, que o mostra como alguém que ado- ra falar de si na terceira pessoa. Dole foi candidato a Presidente em 1996, mas perdeu para Bill Clinton, que se reelegeu. “Caso vocês tenham esquecido”, foi como Dole começou seu discurso, “eu sou presidente da Carolina do Norte, nós ganhamos aqui em ‘96”. Dole disse que sua esposa trabalha muito, e que sua adver- sária (Kay Hagan) levantou bastante dinheiro para a campanha, “de alguns dos grupos mais esquerdistas que vocês já ouviram falar” (búúú!). “Mas dinheiro não é a resposta, a resposta está bem aqui”. “Não deixem a mídia decidir esta eleição”, clamou Dole. “Na terça, batam de porta em porta, façam telefonemas”. Ele é irresistivelmente simpático, e gosta de fazer piadas con- tra si. “Me perguntaram porque eu não me candidatei (run) para esta eleição. Run? I can barely walk!” Apagaram-se as luzes.

Well, I ain't never48 ‘been the Barbie doll type No, I can't swig that sweet champagne, I'd rather drink beer all night In a tavern or in a honky tonk or on a four-wheel drive tailgate I've got posters on my wall of Skynyrd, Kid and Strait Some people look down on me, but I don't give a rip I'll stand barefooted in my own front yard with a baby on my hip

“Senhoras e senhores”, anunciou o apresentador, “dêem as boas-vindas ao seu senador pela Carolina do Norte, Sr. Burr, e a pró- xima vice-presidente dos Estados Unidos, a governadora Sarah Pa- lin!”

'Cause I'm a redneck woman I ain't no high class broad I'm just a product of my raising I say 'hey ya'll' and 'yee-haw' And I keep my Christmas lights on On my front porch all year long And I know all the words to every Charlie Daniels song So here's to all my sisters out there keeping it coun-try Let me get a big 'hell yeah' from the redneck girls like me

O senador Richard Burr falou primeiro. Pediu aos presen- tes que, ao saírem do comício, mandassem um e-mail para todas as pessoas em seu livro de endereços, pedindo apoio a “John McCain, Elizabeth Dole, Pat McCrory!”. “E incluam um P.S. nesse e-mail, pe- dindo para que elas façam o mesmo. Vocês vão atingir cinco milhões de pessoas até terça-feira, e John McCain será o próximo presiden- t e ! ”. “Quero agradecer a todos esta noite”, continou Burr, “mas quero agradecer também a Joe the Plumber. Joe the Plumber tornou isto pessoal para todos os americanos”. “Senhoras e senhores, Sarah Palin”. Urros. Palmas. Gritos: “Sarah! Sarah!”. “Muito obrigado”, disse a governadora. Olhando hoje os ví- deos, percebo como a garota no Hibernian a imita bem. Em seu comício, Obama pediu que levantassem a mão todos os que ganhavam menos de US$ 250 mil por ano. A primeira coisa que Palin fez foi pedir que levantassem a mão todos os veteranos e pessoas servindo às Forças Armadas. “Nós agradecemos vocês”, dis- se Sarah, apontando e batendo palmas. “Vocês permitem que nós estejamos aqui, em paz”. “Estamos vivendo tempos econômicos difíceis”, continuou a governadora. “Nós precisamos de um líder com experiência, cora- gem, bom julgamento e” – enfatizou – “honestidade” – gritos, apoio. “John tem um plano pró-crescimento e a favor do setor privado, para colocar o governo de volta em seu lugar”. “Vamos equilibrar o orçamento federal ao fim do nosso pri- meiro mandato”, prometeu Palin. “Manter as prioridades do governo – a defesa e nossos compromissos com nossos veteranos e idosos”. Ela insistiu que McCain era um maverick e usaria o poder de veto para combater aumentos do orçamento, “e como governadora, asseguro-lhes que funciona”. Continou: “Vamos reduzir o imposto de renda” (êêêê!). “O PIB caiu recentemente”, disse Palin, e, em vez de culpar Bush, continuou: “o que é o pior momento para aumento de impostos (...) Barack Obama votou 94 vezes a favor de mais im- postos” (búúú!). “Ele tem um compromisso ideológico com governo maior. E seu plano de campanha inclui quase um trilhão de dólares em novos gastos, mas ele não diz de onde virá esse dinheiro!”. Palin citou membros da campanha de Obama, como Biden e o governador Bill Richardson, tendo definições cada vez menos rigorosas de classe média (caiu de 250 mil por ano para 200 mil para 150 mil...). E disse algo que nunca, jamais, em tempo algum, ouviu- -se de um político brasileiro: “muitas vezes, governo é o problema, não a solução”. “E em vez de espalhar a riqueza, nós vamos espalhar oportu- nidade, para que vocês possam criar novas riquezas!”. Em seguida, Palin falou de independência energética. De- pois, de ajudar crianças portadoras de necessidades especiais. Pensei em Lisa. “Estas crianças não são um problema”, disse a governado- ra, “mas uma prioridade”. E continuou: “John e eu temos uma visão de uma América onde toda vida inocente conta”. Longos gritos de apoio. “Precisamos de alguém que fala sobre as guerras em que es- tamos e não tem medo de usar a palavra “vitória” (...) Já o deputado Barney Frank quer, sob o governo Obama, cortar 25% do orçamento da defesa” (búúúú!). “John e eu temos uma idéia melhor: que tal não recuar de guerras que estamos prestes a vencer?”. “Eles podem encher um estádio, mas não manter nosso país seguro. Por uma temporada, um homem pode inspirar com pala- vras, mas por toda uma vida John McCain nos inspirou com seus atos. No convés de um porta-aviões, na cela de um acampamento de prisioneiros e nos salões do Capitólio”. “John McCain sabe ganhar um guerra, e como mãe de um soldado hoje servindo no Iraque, esse é o homem que quero na Casa B r a n c a”. “A questão é sobre nossos valores, e o melhor do nosso país não está em Washington, mas está aqui, na bondade e coragem das pessoas que plantam nossa comida, administram nossas fábricas, ensinam nossas crianças e lutam nossas guerras”. Pensei nas pessoas que tinham me acolhido tão bem no comício, as amigas de Lisa e as novas amizades, como Wayne. “E eu agradeço a Deus por termos um homem que serve nosso país com ações, e não só palavras. Só existe um homem – prometo, um homem – nesta eleição que já lutou por vocês. Colocando sempre seu país primeiro”. “Então, Carolina do Norte, se vocês estão prontos para agitar Washington e limpar Wall Street, se vocês estão prontos para um governo que respeita seus direitos e liberdades, incluindo a Segunda Emenda, se vocês estão prontos para ganhar a guerra e deixar nossas tropas voltar com honra e vitória, Carolina do Norte, nós queremos trabalhar para vocês. Vocês nos contratam?”. E a multidão, pela in- contabilésima vez, foi ao delírio.

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CHEGAMOS EM CASA BASTANTE cansados, após tantas horas de pé no comício. Lisa me apresentou à Greta e à Evelyn. Greta sabia várias coisas sobre o Brasil: falávamos português e a indepen- dência foi em 1822. Ela tinha lido na Internet. Entreguei a Lisa a bola de futebol de pelúcia, verde e amarela, que fazia barulho ao ser mexida. Lisa a deu para Vincent, que passou a brincar com ela. Na minha cabeça ficou uma frase de alguém cujo nome não anotei, e falou antes de Palin: “Nós aqui acreditamos em trabalhar duro todo dia... exceto no domingo!”. Para minha imensa satisfação, naquele sábado terminava o horário de verão. Eu poderia dormir uma hora a mais – algo que estava precisando bastante depois de acordar cedo após a festa de Halloween. Antes de dormir, Lisa me convidou, com o charmoso sotaque sulista: “Hey Fred, you wanna watch some Fox Neewws? See what’s going ooonn?”

Greta me cedeu o quarto de dormir.

12. Como é ser a zebra

O GUARDANAPO MAIS IMPORTANTE do mundo ficou guardado na minha mochila por vários dias. Contém as anotações de minha entrevista49 no pub Hibernian com Cody Dylan, 21 anos, que servia à Força Aérea mas apoiava Obama. Cody nasceu em Nova Iorque e entrou na caserna para poder pagar a faculdade. Tinha uma bolsa de estudos de futebol americano mas a perdeu porque tomou multas de trânsito. Depois de cursar uma escola técnica da Força Aérea por quatro meses, agora trabalhava na Base Aérea Seymour Johnson, em Goldsboro, Carolina do Norte, a 88 quilômetros de Raleigh. Cody estava com seu colega Jake, também 21 anos, era do Tennessee, não quis dar o sobrenome e estava bem mais receoso de dar entrevista. “Hoje nós temos uma dívida alta”, me contou Cody. “Com Bill Clinton nós tínhamos um superávit”. Cody achava que era mo- mento de mudar, especialmente para a classe média. Também acha- va que a guerra no Iraque foi uma decisão errada – “mas agora que estamos lá, precisamos terminar o serviço. Só que o Afeganistão é mais importante”. Cody partiria pro Afeganistão em maio de 2009. NA MANHÃ DE DOMINGO, 2 de novembro, Lisa me levou para a New Life Wesleyan Church, uma igreja “modesta” segundo ela, mantida apenas pelas doações locais. O templo tem estaciona- mento, calefação, instrumentos musicais, salas de aula para as crian- ças pequenas, sala de espera e uma construção separada onde as crianças podem jogar videogame e ler livros e os adultos têm aulas com Lisa sobre a história do Oriente Médio e eventos bíblicos.

Descobri lá que os Hanks são uma família musical. O tími- do Jim toca gaita, e Greta canta e toca teclado. O líder da banda era o pastor Gary Tesh, que durante o culto não mencionou nomes de candidatos mas nos advertiu contra políticos de fala mansa. Disse tam- bém que todos que não votaram ain- da deveriam fazê-lo na terça-feira. Depois do culto, um menino duns dez ou doze anos me perguntou entusiasmado: “hey Fred, are you from Brazil? Do you play soccer?”

Menti, respondendo que sim, mas jogava muito mal. Na ver- dade não jogo é nada. Perguntei se aqui nos Estados Unidos futebol não era mais coisa de menina. O garoto ficou embaraçado e respon- deu que não. Ops.

LISA ME ACOLHEU MUITO BEM e era muito didática. No comício, me perguntou se eu entendia o que era um “regular Joe”. No almoço após o culto, me explicou o que era sug, que foi como a gar- çonete me chamou. “É diminutivo de sugar (docinho)”, me explicou. “É coisa daqui do Sul”. Não fui muito grato. Quando ela disse que na igreja as crian- ças jogavam videogames que não eram violentos, omiti minha opi- nião sobre os vários jogos de tiro que fotografei. Na viagem de volta, ela disse que não gostava do conflito entre católicos e protestantes, e que “desde que você aceite Jesus, está bom para mim”. Não contei a ela, mas ainda era ateu. No réveillon 2008-2009 mandei um e-mail para Lisa. Ela me respondeu no mesmo dia e terminou a mensagem assim:

“PS Vincent often plays with the soccer ball”.

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BRENT WOODCOX, 26 ANOS, É DIRETOR de comunica- ções do Partido Republicano da Carolina do Norte50. Formou-se em Direito em 2007 pela Duke University, e trabalhava também como assistente jurídico para o partido. Brent me recebeu na tarde de do- mingo, quando a sede republicana, localizada a poucos metros do meu hotel, estava em pleno funcionamento. Ali perto eu quase en- trevistei a senadora Dole dias antes, mas tivemos que ir prum com- promisso na universidade. Na sexta-feira nós Observadores tínhamos visitado a sede do Partido Democrata, mas por algum motivo os republicanos não agendaram com a NCSU. Decidi ir sozinho pra lá. Fui recebido com receio pela recepcionista, com medo do viés da mídia, mas Brent foi simpático e me deixou tirar fotos de tudo. O andar de baixo da casa estava ocupado por pessoas telefonando, lembrando aos eleitores para votarem na terça-feira. Não preciso dizer em qual canal estava a T V. Perguntei a Brent como era ser a zebra nas eleições. Ele disse que era difícil, mas também divertido. Disse que haviam muitos eleitores registrados como republicanos no estado, e que pesquisas indicavam apoio à Segunda Emenda (direito de portar armas) e uma posição pró-vida (contra o aborto). Para ele, McCain tem bom senso e liderança, e não tem medo de “andar no corredor até o outro lado” para fechar os acordos necessários nem de pisar no calo de quem quer que seja. “E Obama estaria encrencado aqui se aumentar os im- postos”, disse Brent, “porque afetaria as muitas pequenas empresas na Carolina do Norte”. Em junho de 2009 Brent deixou a sede do partido. Hoje tra- balha na Assembléia Legislativa, no gabinete do líder Phil Berger – aquele do capítulo 5.

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CADA OBSERVADOR TEVE UMA experiência diferente no fim de semana, com famílias diferentes. Alguns, como eu, tinham passado a manhã de domingo numa igreja; outros, não. Nem todos tinham ido ao comício da Palin. Alguém, agora não lembro quem, tinha ficado com uma família que “não iria nem morta”. Já eu che- guei ao hotel usando uma camiseta “McCain-Palin” e com um boné “Clean Coal” (Carvão Limpo, uma causa para reduzir o CO² emitido na produção de carvão, criticada por ambientalistas que argumen- tam que não existe carvão limpo). Naquele domingo conversamos sobre muita coisa. A con- troversa eleição de Bush em 2000, que defendi por ser decisão da Suprema Corte. Minha consideração da vida como valor mais im- portante. Lembro do Marcosch dizendo: “pô, não entendo esse seu tesão pela vida”. E os protestos dos republicanos no comício, contra a idéia de “espalhar a riqueza”. Alguns dos Observadores achavam isso perverso. Mas eu entendia. O povo naquele comício queria conquis- tar, merecer o que tinha. E não um sistema de pessoas que vivem da previdência, sem trabalhar. Foi o que Mike the Plumber falou. Em parte, eu via isso na minha família. Os que eram ajudados pelo meu avô eram os com menos chances de se virarem sozinhos. Meus pais me ensinaram que desde cedo trabalharam para se livrar da depen- dência dos pais deles. A oposição da direita ao spread the wealth não tinha a ver com maldade, mas com altivez, maturidade, independên- cia, autonomia, trabalho duro. Mas individualismo não é egoísmo. A generosidade daquela gente fica visível nas instalações confortáveis da igreja, mantida apenas com doações. E nas contribuições para as campanhas políticas, sejam democratas ou republicanas. E nos con- vites para comermos nas casas deles, fosse o diretor Rick Kearney, o professor David ou a senhora Norris. No Partido Democrata tínhamos sido recebidos por um moço gente fina, bem alto e de óculos, que me lembrava um delega- do de MINI-ONU super-crescido. Perguntei a ele por que era demo- crata. E ele disse: “porque acho que o governo pode ser a solução, e nem sempre o problema”. Era o oposto de Sarah Palin: “muitas vezes, governo é o problema, não a solução”.

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O GREGOR ARRUMAVA AMIZADES aleatórias, e uma de- las foi uma moça que certa feita apareceu com ele no nosso quarto. Gregor foi só buscar alguma coisa e saiu, mas escutei a moça dizer que haveria uma convenção democrata na noite da eleição, no Hotel Marriott, no centro da cidade. Quando chegou a terça-feira, o grande dia, voltei à sede do Partido Republicano. Quis acompanhar a eleição ali. Todos veriam o lado vencedor, todos teriam a mesma história. O programa oficial para os Observadores foi acompanhar as eleições na Toca do Lobo, uma espécie de DCE super-bombado (o mascote da NCSU é a mati- lha, isso mesmo, não o lobo). Mas eu queria passar por uma experi- ência diferente. Só que não fui recebido na porta por Brent, mas por um gor- do. E o gordo, talvez fazendo a equação estrangeiro = obamista, me disse: “party somewhere else”. Eu queria ter falado muita coisa pra ele. Que dos vinte es- tudantes brasileiros eu era o único apoiando McCain. Que nós não tínhamos visitado a sede do partido pelo programa, mas eu decidi ir mesmo assim e ver o lado deles. Que era por comportamentos assim que as pessoas não gostavam dos republicanos. Mas quando ele fechou a porta, decidi ir para o Marriott – uma caminhada de 2,7 quilômetros. Me arrependo de não ter feito algumas coisas durante a via- gem. Por exemplo, de não ter escrito reportagens todo dia, apesar de ter fotografado, filmado, entrevistado e feito anotações todos os dias. De não ter levado um laptop, de não ter uma câmera com mais memória. De não ter anotado todos os nomes ou e-mails que podia. Mas naquele noite tomei a decisão acertadíssima de deixar a univer- sidade para trás e ir aonde estava a história.

13. “Thank you, Ohio!”

ERA CLIMA DE COPA do Mundo. Centenas de pessoas – homens, mulheres, crianças – se aglomeravam nos corredores e sa- lões do hotel Marriott City Center, no centro de Raleigh. Eu me sen- tei no chão do saguão, câmera em punho, diante de quatro televisões planas, cada uma sintonizada num canal diferente: MSNBC, CNBC, WRAL-News e CNN. A multidão, atenta às telinhas, comemorava cada estado ga- nho por Obama como um gol, especialmente os swing states que ha- viam votado pela reeleição de Bush quatro anos antes. Especialmen- te Ohio. Ohio, o estado de Joe the Plumber. “Thank you, Ohio!”, gritou alguém. A tensão ia subindo, mas era uma tensão boa. Os números só melhoravam. Obama levou o Iowa, o estado em que teve sua primeira vitória, ainda contra Hillary. O Utah foi vaiado pelo multidão; deu McCain. O placar era 207 a 129. Só mais um pouqinhho e Obama chegava lá. Às 21h48 as pessoas sorriam e davam tchauzinho para as TVs. A senadora Elizabeth Dole já dava seu discurso de derrota. Kay Hagan, a acusada de ser “sem Deus”, tomaria posse em poucas sema- nas. Nos corredores do Marriott também havia televisores, sin- tonizados na CNN. Nas mesas, tigelas com pipoca de graça. Uma cerveja importada custava cinco dólares; a nacional, quatro. Ouvi gritos e vivas. Obama faturara a Virgínia, marcando mais 13 votos no Colégio Eleitoral. Dali a pouco, o salão de conferências do hotel, que estava lotado de câmeras e pessoas, foi tomado por aplausos. Bev Perdue vencera a eleição contra Pat McCrory. E Bev Perdue estava lá. Seria a primeira mulher a governar a Carolina do Norte. Subiu ao palco e fez o discurso de vitória. Foi a primeira vez que ouvi sua voz. E desco- bri que a moça tem um sotaque caipira carregadíssimo, mas pesado mesmo. Mais tarde, o professor Michael Bustle me contou que ela carrega no sotaque, para atrair eleitores. O Fernando Pimentel tinha perdido para Leonardo Quintão.

ÀS 23h13 DE TERÇA-FEIRA, fiz um vídeo no qual falo: “Ba- rack Obama eleito presidente pela projeção da CNN, 297 a 139 vo- tos. Algumas pessoas começam a ir embora, em clima de satisfação”. Quatorze minutos depois, as pessoas no saguão do hotel erguiam os braços e entoavam: “Yes we can! Yes we can! Yes we can! Yes we can! Yes we can!” Hagan, Perdue e Obama. Barba, cabelo e bigode. Change had come to America.

FIQUEI NO MARRIOTT ATÉ começar o discurso de Mc- Cain. De lá tomei um táxi para o campus. Queria assistir ao discurso de Obama no conforto da Toca do Lobo, com meus amigos Obser- vadores. O taxista era um jamaicano sarado, muito satisfeito com a vitória de Obama. Perguntei a ele se agora a questão do racismo nos EUA ia melhorar. “Oh yes, maaan”, respondeu ele com o sotaque caribenho, “com certeza. Nós devemos isto aos brancos. Os brancos que fizeram isto. Não vamos esquecer”. Na minha caminhada no campus até a Toca, testemunhei uma turma pichando num muro os dizeres “My president is black”.

Ao entrar no prédio, encontrei com o Derrick, que estava de saída. Ele estava muito feliz. O clima era de alívio, satisfação, vontade de fazer bagunça. Obama foi muito bem-sucedido no Colégio Eleitoral. Ven- ceu por 365 votos a 173. E levou quase todos os swing states em que Bush venceu em 2004. O sucesso não foi tão grande no voto popular – 52,9% contra 45,7% de McCain. Não parece ter sido o suficiente para “unir o país”, como tanto repetiu a imprensa brasileira. Mas va- porizou qualquer Efeito Bradley. Obama teve nada menos que nove milhões quinhentos e vinte e dois mil e oitenta e três votos a mais que McCain. O comparecimento recorde às urnas51 – o maior em pelo menos 40 anos - não ajudou o republicano, que teve dois milhões e cem mil votos a menos que Bush quando foi reeleito. Mas Obama é bom mesmo de levantar dinheiro, não votos. Pelos meus cálculos, cada voto em McCain custou US$ 6,23. Os em Obama saíram bem mais caro: US$ 10,94.

- OBRIGADO. OBRIGADO, MEUS AMIGOS. Obrigado por virem aqui nesta linda noite no Arizona. - Olá, Chicago. Se ainda existe alguém que duvida que a América é um lugar onde tudo é possível, que ainda se pergunta se o sonho de nossos fundadores está vivo, que ainda questiona o poder da nossa democracia, esta noite é sua resposta. - Meus amigos, nós chegamos ao fim de uma longa jornada. O povo americano falou, e falou com clareza. Agora há pouco, tive a honra de telefonar para o senador Barack Obama para parabenizá-lo por ser eleito Presidente do país que nós dois amamos. - Agora há pouco, recebi um gracioso telefonema do senador McCain. - Sempre acreditei que a América oferece oportunidades para todos com a diligência e a vontade de aproveitá-las. O senador Obama acredita nisso também. Mas ambos reconhecemos que em- bora tenhamos progredido bastante em relação às velhas injustiças que uma vez mancharam a reputação da nossa nação e negaram a alguns americanos as bençãos da plena cidadania, a memória delas ainda tinha o poder de ferir. - É a resposta de jovens e velhos, ricos e pobres, democra- tas e republicanos, negros, brancos, hispânicos, asiáticos, indígenas, gays, héteros, deficientes e não deficientes. Americanos que manda- ram uma mensagem ao mundo de que nunca fomos só uma coleção de indivíduos ou uma coleção de estados vermelhos e estados azuis. Nós somos, e sempre seremos, os Estados Unidos da América. - Esta noite – esta noite, mais do que em qualquer outra noi- te, tenho no meu coração nada além de amor por este país e seus cidadãos, tenham apoiado a mim ou ao senador Obama -- tenham apoiado a mim ou ao senador Obama, eu desejo sucesso ao homem que era meu adversário e será meu Presidente. - E àqueles americanos cujo apoio ainda tenho que conquis- tar, posso não ter ganho o seu voto esta noite, mas eu ouço as vozes de vocês. Eu preciso da sua ajuda. E eu serei seu Presidente também. - Não importam as nossas diferenças, somos concidadãos americanos. E por favor acreditem em mim quando digo que ne- nhuma associação jamais significou mais para mim do que esta. - Vamos nos lembrar que foi um homem deste estado quem primeiro carregou a bandeira do Partido Republicano para a Casa Branca, um partido fundado nos valores da autoconfiança e da liber- dade individual e da unidade nacional. Estes são valores que todos compartilhamos. E embora o Partido Democrata tenha consegui- do uma grande vitória esta noite, nós o fazemos com uma dose de humildade e determinação para curar as divisões que têm atrasado nosso progresso. - E eu chamo todos os americanos, como fiz bastante nesta campanha, a não se desesperarem diante das nossas atuais dificul- dades, mas a acreditarem na promessa e na grandeza da América, porque aqui nada é inevitável. Nós nunca nos rendemos. Nós nunca nos escondemos da história, nós fazemos a história. - Este é o nosso tempo, para colocar nosso povo de volta ao trabalho e abrir as portas da oportunidade para nossas crianças; para restaurar a prosperidade e promover a causa da paz; para reconquis- tar o sonho americano e reafirmar aquela verdade fundamental, de que de muitos somos um; que enquanto respiramos, temos espe- rança. E onde encontrarmos cinismo e dúvidas e aqueles que nos disserem que nós não podemos, nós responderemos com aquela crença eterna que resume o espírito de um povo: sim, nós podemos. Obrigado. Deus abençoe. E que Deus abençoe os Estados Unidos da América.

14. A capital do mundo livre

QUALQUER TENSÃO EM NOSSO GRUPO sumiu com a vitória de Obama. Tínhamos nos entrosado já há duas semanas quando partimos de Raleigh para passar quatro dias em Washing- ton. Agora era olhar pro futuro. E fazer turismo, muito turismo. Visitamos os memoriais de Jefferson e de Lincoln, o cemité- rio de Arlington e o Memorial de Iwo Jima; fomos a um jogo da NBA; sentamos-nos na platéia superior do Congresso e vimos sua rotunda por dentro; passeamos na Avenida Pensilvânia e tiramos fotos na grade da Casa Branca. Saboreei o melhor onion ring do mundo no Johnny Rockets, que fica em Georgetown, uma espécie de Savassi/ Vila Madalena da capital americana. No Newseum, um museu dedicado ao jornalismo, assisti à primeira entrevista do presidente-eleito. Quem diria que foi para a Fox News. Na calçada do museu, havia uma exposição das capas de jornais do mundo inteiro, em dúzias de idiomas, todas destacando a vitória de Barack Hussein Obama, 47 anos, havaiano, casado, duas filhas, que tomaria posse dali a pouco mais de dois meses do cargo mais poderoso do mundo. Claro que tudo acabou em pizza. Nós Observadores mais os professores Michael Bustle, David McNeill e o professor Michael Struett (especialista em Washington D.C.) passamos nossa última noite juntos comendo pizza no restaurante do nosso hotel, o Best Western Iwo Jima. Durante o jantar, lembrei dos participantes de programas an- teriores da Embaixada, aqueles que nos deram uma palestra em São Paulo. Bati no copo com um garfo e pedi a palavra. Agradeci aos professores, falei algumas coisas, não lembro com precisão o quê. Mas lembro de como terminei o discurso. “Tonight, I dine not with my colleagues”, disse, erguendo a taça de Coca-Cola. “Nor do I dine with my friends. Tonight, I dine with my brothers and sisters”.

O autor e a famosa frase do Presidente Kennedy. Bruna, a gaúcha super-dotada.

15. Air Force Obama

EM 20 DE JANEIRO DE 2009 tudo deu errado. Numa emer- gência, Obama foi levado ao Air Force One e tomou posse no ar. O vice foi escondido pelo Serviço Secreto. A festa de posse foi cancelada. Pelo menos foi o que aconteceu lá em casa. Sou um entusiasta de simulações políticas desde o Ensino Médio, quando fui delegado do Zimbábue num evento da PUC Mi- nas chamado MINI-ONU. Desde então, participei, elaborei ou tra- balhei em mais de quarenta eventos do tipo. O Air Force Obama foi uma simulação na minha casa no dia da posse, para amigos. Ao meu calouro na UFMG Pedro Nogueira coube o papel-título; já eu tinha a dupla função de interpretar Rahm “Rahmbo” Emanuel, seu chefe de gabinete, e de fornecer as crises para que os participantes resol- vessem. Desafiei-os ao mesmo tempo com uma conspiração extre- mista para assassinar Obama e uma tensão crescente entre Irã e Isra- el. Obama – ou Pedro - decidiu cumprir sua promessa de campanha e telefonar para Mahmoud Ahmadinejad sem pré-condições. Dois amigos paulistanos fizeram via Skype quatro papéis adicionais: Bru- no Simões era Ehud Olmert e também John McCain; Guilherme Pe- reira foi Ahmadinejad e também o jornalista Wolf Blitzer, da CNN. Já os culpados pela conspiração foram encontrados e presos, mas, talvez como ocorreu com Kennedy, o verdadeiro plano foi mantido escondido do público. Todos, ainda bem, saíram vivos. Fizemos pausas apenas para o almoço e para assistir ao dis- curso de posse do verdadeiro Obama. Por termos estudado, reco- nhecíamos na TV todos os presentes muito antes que os narradores os anunciassem; podíamos identificar Steven Chu, o Secretário de Energia; Ray LaHood, dos Transportes; Janet Napolitano, da Segu- rança Doméstica. Para mim foi importante estudar a administração Obama antes mesmo que ela tomasse posse. Também foi importante organi- zar a primeira simulação do gabinete de Obama do mundo – eu pes- quisei. Mas o mais legal foi receber o Presidente na minha própria casa no primeiro dia de trabalho.

Epílogo

A ADMINISTRAÇÃO OBAMA É UM DESASTRE, e não por causa do acidente no Golfo do México que domina a cobertura midiática na época em que escrevo este livro. Ela é um desastre des- de os primeiros dias. Em 23 de janeiro, em um de seus primeríssi- mos atos como Presidente, Obama reverteu a “Mexico City Policy”, segundo a qual o governo dos EUA não dá dinheiro a ONGs estran- geiras que promovam ou realizem o aborto. Para seus cidadãos pró- -aborto, nada mudou. Continuam podendo fazer “dois abortos por dia”, como diziam os portugueses do grupo de humor Gato Fedo- rento. Mas o contribuinte que é contra o aborto tem que agüentar o desaforo de financiar abortos no estrangeiro – com o dinheiro dele! O gabinete tem diversos problemas, estudados a fundo no livro Culture of Corruption, da jornalista Michelle Malkin (Regnery, 2009). Para começar, o Secretário de Tesouro – Tesouro! - de Oba- ma, Timothy Geithner, tomou posse devendo mais de US$ 30 mil em impostos. O homem com a chave do cofre é um sonegador. Já o que seria Secretário de Saúde, Tom Daschle, renunciou à indicação, também por causa de problemas com impostos. Além disso, Obama rapidamente quebrou sua própria regra de não nomear ex-lobistas não uma, mas duas vezes: um ex-lobista de uma empresa de defesa para o Departamento de Defesa e um ex-lobista anti-tabaco para o Departamento de Saúde. O Presidente e sua equipe assustaram o país e o mundo pra convencê-los da urgência em aprovar um pacote econômico de US$ 787 bilhões (o que Sarah Palin tinha dito mesmo...?). O Congresso obedeceu e aprovou-o numa sexta-feira 13 (hmmm..) de fevereiro. O calhamaço então repousou calmamente na mesa do Presidente, que foi passar o fim de semana com a família e só assinou o troço na terça, 17. Já o termo “smart power” cunhado pela Secretária de Estado Hillary Clinton só serviu mesmo para ganhar jornalistas. Quando no começo de 2009 o Irã lançou um foguete, recebeu apenas um tímido protesto do porta-voz da Casa Branca. Só agora a política começou endurecer para cima do Irã, mas apenas do Irã. Durante a crise de Honduras, por um bom tempo Obama esteve do lado de... Hugo Chávez! Obama estabeleceu prazo fixo para sair do Iraque, não im- portando as condições no país. Como se guerra tivesse prazo de validade. Já Polônia e República Tcheca, aliados conquistados pelo governo Bush e um dos legados positivos desse governo, de repente descobriram que o plano do escudo anti-míssil, duramente negocia- do por anos nesses países, já não era mais importante. Finalmente, o populismo. Obama baixou os salários dos fun- cionários da Casa Branca – uma medida cosmética, tendo em vista o pacotão de gastança que assinou. Limitou os salários dos executivos cujos bancos vão receber ajuda do governo – ótima forma de afastar os mais talentosos. E, numa triunfal jogada para as massas, anunciou que ia fechar Guantánamo em doze meses – sem ter a mínima idéia de onde pôr os detentos! Não me surpreendeu quando chegou janei- ro de 2010 e o Presidente anunciou que não podia cumprir mais uma promessa. Obama lulou. Lula anunciou que iria fazer 500 mil casas, ge- rando uma manchete instantânea (depois aumentou para um mi- lhão!). Não importa de onde virá o dinheiro. Já Obama anunciou que ia fechar uma prisão e deu até prazo. Depois que se pense pra onde vão os detentos. Se Tarso Genro ainda fosse Ministro da Justi- ça, as coisas poderiam ter sido resolvidas. Tarso teria recebido todos os detentos de Guantánamo com o maior carinho. E em avião cedido pela Venezuela. Em janeiro deste ano, Obama declarou que preferiria “gover- nar bem durante quatro anos a governar mal em oito”52. Obama ter só um mandato? Pra mim, tá bom demais.

Agradecimentos

A VIDA CONTINUA. McCAIN OU OBAMA, Alckmin ou Lula, Lacerda ou Quintão, nenhuma eleição é um desastre – desde que continuem a haver eleições e desde que as regras do jogo sejam respeitadas. McCain é candidato em 2010 – à reeleição como sena- dor, claro. E com apoio de Mitt Romney, seu adversário nas primá- rias de 2008 e forte candidato a Presidente em 2012. Sarah Palin dei- xou o governo do Alasca, lançou um bestseller e já parte pro segundo livro. E uma notícia no Washington Post afirma que Hillary é hoje mais popular que Obama53. Quero agradecer em primeiro lugar à Vera Galante, mentora do projeto e quem me permitiu a viagem mais legal da minha vida (por enquanto!). E obrigado, Vera, por manter contato e receber mi- nhas idéias com entusiasmo. Obrigado, equipe da Embaixada dos Estados Unidos, por esta e pelas outras oportunidades. Obrigado, Jennifer Phillips e equipe do Departamento de Estado que nos re- cebeu em D.C. E obrigado, povo americano, pela generosidade com que sustenta esses projetos. Obrigado, Sílvia, minha professora na UFMG e quem pri- meiro me falou diretamente sobre o programa. Seu e-mail dizia: “É uma ótima oportunidade e tem tudo a ver com você, acho que deve tentar a seleção, suas chances são bem grandes”. Nunca vou esquecer seu apoio e confiança em mim. Obrigado, Rapha, a quem tenho a felicidade de ter como ir- mão mais velho. Obrigado, mãe, minha primeira leitora, crítica e pa- trocinadora. Obrigado, Miriam, minha orientadora, por ter se oferecido a me guiar nesta empreitada. E pelas dicas, pela paciência, e por acre- ditar no potencial de um reaça safado. Obrigado, professor Elton, pela compreensão durante suas aulas que faltei por ter que viajar. Obrigado, professora Carmem Dulce, pelo debate quando eu ainda era calouro. Por ter me ensinado que no Jornalismo é preciso sempre entrevistar pessoas, sair da redação, fazer telefonemas, cair no mundo. E pelo e-mail de encorajamento, certa vez, para que eu continuasse escrevendo no Carol, o zine eletrônico dos alunos de Comunicação da UFMG. Obrigado, Marcus, da Faculdade de Medicina, meu primeiro chefe num estágio de Jornalismo. Obrigado, Fernanda, da Faculdade de Educação, minha segunda. Obrigado, Robson Leite e Christiano Gomes, do Estado de Minas, pela oportunidade de ter um blog cobrindo as eleições, o Missão América. Obrigado, Paulo Henrique Lobato, pela matéria que colocou a mim e Paula na capa do Estado de Minas. Obrigado à linda Flávia Ayer, quem primeiro me chamou para escrever um artigo pro Hoje em Dia sobre McCain. Eu ain- da estava em Washington e escrevi no hotel. Obrigado, editora Tetê Rios, por publicá-lo. Obrigado, Bartels, pelo foreword (e não prefácio!) do livro. Sucesso em Washington. E obrigado, Amanda, pelo apoio durante mais este trabalho. Obrigado, Lucas Thuha, por ter me pedido pelo Twitter um preview do livro. Obrigado, Megale, por elogiar o design. Vindo de você significa muito. Obrigado aos meus amigos, que dão sentido à minha vida. Igor, Mari, Castor, Dani, Muts, Renata, Helen, Bárbara, Feldzêra. Obrigado, Lella, pela compreensão em me ter como colega num tra- balho pra faculdade de RI a partir de Raleigh. Obrigado aos tantos amigos de fora de BH, que conheci nas simulações pelo Brasil. E obrigado, Jana, por ter me recebido em sua bela casa em Washing- ton. Obrigado, Observadores Sortudos, meus irmãos e irmãs: Bruna, Carol, Clara, Flávia, Gabi Prado, Costelinha, Gregor, Hugo, Lívia, Marcosch, Nat Bicha, Nat Flores, Nina, Paula, Pedro, Renata, Thiago Matias, Thiago Rocha e especialmente o Russo, meu anfitrião em São Paulo. Observadores, ainda vamos nos encontrar muitas ve- zes. Alguns de vocês já tive a oportunidade de rever, até mais de uma vez. Obrigado, elenco do Air Force Obama: Pedro (Barack), Tate- moto (Hillary), Sarsur (Holder), Ju (Susan Rice), Cíntia (Janet Napo- litano), Caio (James L. Jones), Vinícius (Robert Gates), André (Gei- thner), Pereira (Blitzer, Ahmadinejad), Simões (McCain, Olmert). Obrigado, Lisa, Jim, Greta, Evelyn e Vincent, pelo maravi- lhoso fim de semana em que me senti em casa no país de McCain. Obrigado, Elizabeth Dole, que nos permitiu visitar seu gabi- nete em Washington embora a senhora não estivesse lá pessoalmen- te. Obrigado, Mary Easley, Royal Height, Dereck Thomas, Fred Netzel, Doro Taylor, Lee Norris, Matt Shoaf, Cody Dylan, Linda Se- bastian, Wayne Chew, Judith Norris, Nicole Rector, Dianne Gibson, Brent Woodcox e todas as inúmeras pessoas que entrevistei. Obrigado a todos que deram aulas e palestras e tornaram meu mundo maior, incluindo Carlos Eduardo Lins e Silva, David Hodge, o cônsul Thomas White, Andy Taylor, Bill Boetcher, Steve Greene e Chris Ellis. Obrigado, Rick Kearney e David McNeill, por nos receberam em suas casas para uma noite de comida e diversão. Obrigado, Derrick Lovick, pelas conversas sobre o filósofo Nassim Nicholas Taleb e tudo o mais. Muito obrigado, Michael Bustle, por gostar de mim desde antes de nos vermos, ainda trocando e-mails. Por tornar a viagem mais agradável. E por esperar ansiosamente o lançamento deste li- vro. Obrigado aos Cleveland Cavanelas.Terei a honra de ser o úl- timo de nós a se formar pela UFMG. E obrigado, sug. Por tudo.

Notas & Referências

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Vídeo comprovando isto em < http://www.youtube.com/ watch?v=-YStwhFx6Ns >. 29. < http://blogs.abcnews.com/politicalpunch/2008/10/in- working-clas.html >. 12 de outubro de 2008. 30. < http://www.guardian.co.uk/world/2008/oct/16/uselec- tions2008-johnmccain-barackobama-debate-joe-the-plumber >. 16 de outubro de 2008. 31. Vídeo do anúncio “I’m Joe the Plumber” em < http://www. youtube.com/watch?v=FWSEcL9xFQk >. 32. < http://latimesblogs.latimes.com/jacketcopy/2008/11/the- joe-the-plu.html >. 17 de novembro de 2008. 33. Vídeo da minha entrevista Mario x Joe em < http://www. youtube.com/watch?v=RibbNwqVSuI >. 34. Vídeo de minha entrevista com o Coringa em < http:// www.youtube.com/watch?v=GeYKheOupiY >. 35. 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Cody também foi entrevistado por meu colega Observador Thiago Rocha, veja em < http://blig.ig.com.br/brasileirosnaseleicoes- doseua/2008/11/04/o-clima-eleitoral/ >. 4 de novembro de 2008. 50. < http://twitter.com/brentwoodcox >. 51. < http://www.indyweek.com/indyweek/young-voters- turned-nc-blue/Content?oid=1212210 >. 11 de novembro de 2008. 52. < http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ul- t94u684529.shtml >. 53. < http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/ar- ticle/2010/06/14/AR2010061404756.html?hpid=topnews >. 15 de junho de 2010.

Índice de imagens

Todas as imagens by Cedê Silva, exceto: p. 10-11 Montagem de Cedê Silva sobre imagem de domínio aberto tirada da Wikimedia.org. p. 33-34 By Cleveland Cavanelas. p.58 by Associated Press tirada do blog.mlive.com. p. 68, 71, e 74 Fotos tiradas do NewRaleigh.com. p. 92 None/Getty Images tirada do Zimbio.com. p. 99 By Lisa Hanks. p. 122 By David McNeill. p. 124 e 125 (de baixo) By Observadores Sortudos. p. 128 By Iara Silva.