1964 – O Brasil Entre Armas E Livros E Seus Desserviços Históricos E Sociais Ítalo Nelli Borges1
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O Paralelismo do Absurdo: 1964 – O Brasil entre Armas e Livros e seus Desserviços Históricos e Sociais Ítalo Nelli Borges1 Resumo: Este texto tem a intenção de provocar reflexões históricas através da análise das formas de atuação política e histórica do Brasil Paralelo, mais especificamente sobre o recém lançado documentário “1964 – O Brasil entre Armas e Livros”. Neste sentido, o presente artigo se desenvolve adentrando três caminhos articulados: análise da linguagem cinematográfica aplicada à referida produção, o exame das bases historiográficas sobre o golpe e a ditadura que norteiam as interpretações do filme e a reflexão, a partir das complexidades da História Pública digital, acerca de visibilidades e invisibilidades da história em âmbito público e suas relações com as diversas audiências possíveis. Palavras-Chave: Cinema, Historiografia, História Pública. The Parallelism of the Absurd: 1964 – Brazil Between Arms and Books and their Historical and Social Disservices Abstract: This paper aims to make historical analyzes through the analysis of the forms of political action of the country and the world 1964 – Brazil between Arms and Books. In this sense, the present paper is described as three articulated paths: the analysis of the cinematographic language applied to production, the examination of the historiographical bases on the coup and the dictatorship of the north as interpretations of the film and reflection, from the complexities of the history of public education, visibilities and invisibilities of history in general and relations with the possible audiences themselves. Keywords: Cinema, Historiography, Public History. Introdução A memória histórica praticada pela sociedade tem o costume de se apegar a efemérides do modo que não é raro encontrarmos um destaque especial quando a data é fechada em décadas. No caso do golpe de 1964, há normalmente uma grande movimentação midiática, acadêmica e editorial a cada década de aniversário do 01 de abril, tem sido assim em 1994, 2004 e 2014. Em 2019 completamos 55 anos do golpe e o evento mais estrondoso desta vez é o documentário “1964 – Entre Armas e Livros”, dirigido por Felipe Valerim e Lucas Ferrugem. 1 Doutorando em História pela Universidade Federal de Uberlândia (PPGHI/UFU). Mestre em História Regional e Local pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Graduado em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Membro do Núcleo de Estudos de História Social da Arte e da Cultura (NEHAC/UFU). Email: [email protected]. Revista Expedições, Morrinhos/GO, v. 10, n. 2, mai./ago. 2019 – ISSN 2179-6386 Dossiê: Cinema Brasileiro: Olhares Históricos, Sociopolíticos e Estéticos 152 De saída, após assistir ao documentário, há muitas questões referentes a pelo menos três aspectos; estéticos e da linguagem cinematográfica, dos tratamentos à historiografia sobre o golpe e a ditadura e relativos à dimensão pública da História associada à depreciação das universidades públicas. Tudo isto será abordado no decorrer do texto, no entanto é preciso, antes de mergulhar no filme, falar um pouco sobre a organização que o produziu; o Brasil Paralelo. A referida Organização considera-se uma produtora independente de documentários sobre política e história enfatizando que não recebe dinheiro público e se mantendo através de assinaturas proveniente de seus membros2. Em um vídeo promocional, explicita que o seu início aconteceu em decorrência de inquietações relacionadas a questões sociais e políticas em 2013/14 e, de acordo com o vídeo, na tentativa de entender o que acontecia no Brasil daquele momento, perceberam que havia uma gama de pessoas formadoras de opinião (muitas presentes no documentário sobre 1964) que se posicionavam sobre o processo, mas que não tinham espaço na mídia tradicional e que desejavam ser mais um canal de difusão para essas pessoas. Resumindo, a partir disto, decidiram tocar um projeto de entrevistas com esses sujeitos e daí surgiu o primeiro produto audiovisual da Organização3. Aqui já cabe uma rápida problematização; parte das pessoas formadoras de opinião apresentadas no vídeo são notórios conservadores brasileiros como o filósofo autoproclamado Olavo de Carvalho e o filósofo de formação escolar Luiz Felipe Pondé, este último contrariando o que é dito no vídeo, com amplo espaço no que chamam de mídia tradicional. O que chama a atenção é o que, através do vídeo, o Brasil Paralelo considera-se importante por dar voz e inserção social a algumas pessoas que, de todo modo, já a possuem, nesse caso o que a Organização faz é nada mais do que sintonizar públicos de personalidades distintas, mas que confluem numa mesma visão de mundo. Deste modo, não há, por parte do Brasil Paralelo, a revelação da fala de sujeitos, mas sim mais um canal de difusão discursiva dos mesmos. O vídeo também passa a ideia de que não existem pessoas posicionadas à direita do espectro político ou conservadores no espectro ideológico nas mídias tradicionais e que eles, de maneira quase revolucionária, criaram um canal de comunicação alternativo para livrar o Brasil 2 Consultar: https://brasilparalelo.com.br/regime-militar/. 3 Consultar: https://www.youtube.com/watch?v=9RDrKmAvsik. Revista Expedições, Morrinhos/GO, v. 10, n. 2, mai./ago. 2019 – ISSN 2179-6386 Dossiê: Cinema Brasileiro: Olhares Históricos, Sociopolíticos e Estéticos 153 deste suposto problema. Esta afirmação é evidentemente improcedente –direitistas e conservadores possuem presenças consolidadas nas mídias tradicionais – e tenta criar uma confusão provocando a ideia de que se não existem formadores de opinião alinhados à sua compreensão de mundo – à direita – e por consequência a mídia brasileira tradicional seria de esquerda ou, no máximo, de centro. Portanto, em certa medida, fica explícita a ideia de que esta mídia tradicional é dominada pela ideologia de esquerda em se tratando de formar opiniões. Aliás, este é um tom recorrente da Organização não só para os veículos de comunicação, como para outros setores importantes da sociedade brasileira, como as universidades públicas. Certamente o produto de maior sucesso do Brasil Paralelo, embora existam séries sobre política e história do brasil, é o documentário sobre 1964. Entretanto, desperta nossa curiosidade o fato da Organização também possuir um núcleo de formação para assinantes. No site atualmente não há explicitação sobre do que se trata especificamente esta formação, apenas que haverá aulas semanais ao vivo com professores como os já citados Olavo de Carvalho e Pondé e, entre outros, com os historiadores Rafael Nogueira e Thomas Giulliano. Consequentemente, o Brasil Paralelo não se restringe a produções audiovisuais, mas sim expande sua atuação para formação intelectual e ideológica que condensa aspectos do conservadorismo e do neoliberalismo. Ainda que não haja uma especificação do que seja tal formação, pelo perfil dos professores e pelo próprio conteúdo produzido por eles, é possível chegar nesta conclusão. Esta formação, que não tem ligação nem credenciamento junto ao Ministério da Educação, parece ser motivada no diletantismo de quem se propõe a fazê-la. A grande crítica que podemos tecer ao Brasil Paralelo não reside em suas concepções de realidade, mas sim que, através de seus cursos e documentários, eles propagam buscar um novo Brasil iluminando mentes e corações em busca de uma verdade histórica intransponível e reveladora atacando basicamente a esquerda e cometendo uma série de reducionismos e equívocos acerca de aspectos processuais e epistemológicos da História. É neste sentido que prosseguimos com nossa análise agora direcionada para nuances gerais estéticos e de linguagem e narrativa cinematográfica para o documentário 1964 – Entre Armas e Livros tendo a intenção de apresentar exatamente o que o documentário e a própria Revista Expedições, Morrinhos/GO, v. 10, n. 2, mai./ago. 2019 – ISSN 2179-6386 Dossiê: Cinema Brasileiro: Olhares Históricos, Sociopolíticos e Estéticos 154 Organização que o produz diz combater com veemência: a parcialidade interpretativa da História. A Fórmula da Linguagem Preguiçosa O documentário de 127 minutos é estruturalmente dividido em 3 partes; incialmente tratando do contexto histórico antes do golpe, sobretudo referente ao período da Guerra Fria, a segunda parte concentra a abordagem sobre o processo do golpe e, finalizando, uma abordagem geral sobre a Ditadura até a redemocratização. É importante comentar que antes de começar, de fato, o documentário apresenta uma espécie de prólogo de pouco mais de 1 minuto relatando que a obra tinha passado por censura ao não ser exibida em faculdades e redes de exibição cinematográfica. A justificativa é que, pelo menos nos espaços educacionais, qualquer inciativa que seja contra a pauta da extrema-esquerda é rechaçada e impedida de ser veiculada possibilitando, inclusive, perseguições de pessoas favoráveis afins ao viés ideológico do filme. Este trecho é construído através de um narrador off e várias imagens de manchetes que trazem algo sobre o filme, sem apresentar mais detalhes destas censuras e represálias. Ao apresentar verbalmente que o filme vai contra as pautas da extrema-esquerda e mesclando na montagem imagens de manchetes jornalísticas sobre as polêmicas envolvendo a produção, há a criação de um vínculo discursivo entre o que é falado e o que é mostrado visualmente. Esta associação permite alguns apontamentos intrigantes como uma manchete do blog do jornalista Reinaldo Azevedo, um exímio crítico da esquerda, sem o menor vínculo ideológico com a mesma e declaradamente