A AVENIDA 7 DE SETEMBRO (IMBITUVA/PR) ENTRE FOTOS E FATOS: 1906-1940

CLEUSI TERESINHA BOBATO STADLER Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História (História e Regiões) da UNICENTRO

ANCELMO SCHÖRNER Doutor em História. Professor do Departamento de História e do Programa de Pós- Graduação em História (História e Regiões) da UNICENTRO, Campus de Irati/Pr.

“Toda fotografia tem atrás de si uma história; é este o enigma que procuramos desvendar”. (Bóris Kossoy).

1. INTRODUÇÃO

Este artigo ressalta a importância da fotografia para a construção da história. Ele 1 resultou da discussão sobre alguns enfoques de estudos e de um trabalho final a ser apresentado na disciplina Tópicos Especiais em História e Fotografia, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - Mestrado em História – PPGH, da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, Campus Irati. A principal preocupação deste estudo é a discussão sobre a necessidade de interpretação da fotografia enquanto fonte histórica. É preciso, como diz BLOCH (2001) em sua obra Apologia da História, “ler nas entrelinhas”, saber fazer as perguntas certas e desconfiar das respostas, ou seja, fazer uma crítica ao documento, no caso, a fotografia. A fotografia, até o início do século XIX não era valorizada enquanto documento histórico, os historiadores se recusavam a lançar mão da fotografia como fonte de pesquisa histórica. Ela era utilizada apenas como ilustração, como duplicação do real dos acontecimentos do passado. Mas em meados do século XIX a fotografia trouxe novas possibilidades de produção de informação e conhecimento, servindo como instrumento de apoio à pesquisa e como forma de expressão artística (KOSSOY, 2001). No final do século XIX transformações nas relações sociais e no pensamento filosófico trazem a fotografia como uma nova perspectiva, uma nova multiplicidade de

olhares, possuindo características que ajudam a desnaturalizar, compreender e interpretar os processos históricos. BORGES (2005, p.31) afirma, “inicia-se um processo que, em médio prazo, contribuiria para criar as condições teóricas que levariam a uma mudança do conceito de documento histórico que, por sua vez, acabaria incorporando a fotografia no rol de fontes de pesquisa histórica”. A partir deste momento a fotografia passa a ser tratada como um documento visual passível de interpretação. E como um documento histórico possibilita compreender os processos históricos, por meio de outros valores, interesses, problemas, técnicas e olhares, também contribui para melhor entendimento das formas por meio das quais as pessoas representaram sua história e sua historicidade e se apropriaram da memória cultivada individual e coletivamente. Dessa forma, o principal objetivo deste artigo é analisar as principais transformações ocorridas na Avenida 7 de setembro, principal via de acesso à cidade de Imbituva pela fotografia e pelo Código de Posturas da Câmara Municipal de 1900, permitindo compreender o passado através das interpretações que os sujeitos fazem no 2 presente. Na delimitação temporal, optou-se pelos anos de 1906/1912, data das primeiras fotografias e década de 1930/40 que faz relação com a terceira fotografia. O Código de Postura é do ano de 1900, Código este considerado um dos mais antigos Códigos de Posturas da Região Centro-Sul do Paraná. A partir desses objetivos, buscamos utilizar a fotografia como fonte documental para destacar sua importância na construção da história, procurando contextualizar historicamente a fotografia com os documentos escritos, neste estudo, com o Código de Posturas do Município.

2. A TRAJETÓRIA DA FOTOGRAFIA Toda fotografia tem atrás de si uma história. Uma fotografia ao ser produzida, passa pela intenção de seu autor, o ato de seu registro e os caminhos percorridos por ela até tornar-se um documento histórico. Através dos escritos de vários autores e cientistas, sabemos que a fotografia é um estudo verificado desde o século V antes de Cristo, quando os primeiros pensadores

passaram a desenvolver estudos sobre a câmara escura. Esses estudos passaram pelo século IV a.C. quando Aristóteles já observava que quanto maior fosse o orifício da câmara, mais nítida era a imagem, passou pela Idade Média até que em 1826 surge a primeira imagem fotográfica, produzida por Joseph Niépce. A partir daí, essa invenção vai trazer uma mudança significativa na maneira de obter as imagens daquilo que observamos. A descoberta da fotografia no Brasil em 1833, pelo francês Hercules Florence, a utilização da primeira vez do termo photographie, seguindo para a descoberta das cartas-de-visite, até o surgimento da primeira câmara Kodak, a fotografia foi tendo uma aceitação bastante grande enquanto possibilidade inovadora de informação e conhecimento.1

A fotografia surgiu na década de 1830 como resultado da feliz conjugação do engenho, da técnica e da oportunidade. Niépce e Daguerre – dois nomes que se ligaram por interesses comuns, mas com objetivos diversos – são exemplos claros dessa união. Enquanto o primeiro preocupava-se com os 3 meios técnicos de fixar a imagem num suporte concreto, resultado das pesquisas ligadas à litogravura, o segundo almejava o controle que a ilusão da imagem poderia oferecer em termos de entretenimento (afinal de contas, ele era um homem do ramo das diversões) (MAUAD, 2008, p.29).

Porém, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, um grupo significativo de historiadores se recusou a lançar mão da fotografia como fonte de pesquisa histórica. Segundo Boris KOSSOY (2001, p.30), houve alguns preconceitos quanto à utilização da fotografia como fonte histórica ou instrumento de pesquisa. As duas razões fundamentais são: a) Predomínio da tradição escrita; herança do livro escrito como meio de conhecimento científico; b) Dificuldade em analisar e interpretar a informação visual. Pela historiografia metódica, a fotografia foi utilizada apenas como ilustração. Como reunião e exposição das imagens coletadas. Havia certa negação da fotografia como fonte histórica, sendo esta analisada em todas suas particularidades, mas usada

1 Dados retirados da Resenha: Pelos caminhos da fotografia de Maria Luisa Hoffmann. Doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) sob orientação do Professor Bóris Kossoy.

apenas como duplicação real dos fatos do passado, sem a sua devida análise. Houve a dispensa de metodologias para extrair algo destas fotografias. A pesquisa histórica era realizada como história resgate, onde o que era narrado era a expressão da verdade dos fatos do passado. As fontes analisadas eram somente verificadas na autenticidade, procedência, veracidade, sem, contudo, se fazer uma análise mais profunda deste documento histórico. Com a “Revolução Documental” das últimas décadas do século XX, a fotografia passou a ser tratada de forma diferenciada, como uma forma de texto e documento- insubstituível, cujo potencial deve ser explorado. A fotografia passou a ser vista como perspectiva, com várias possibilidades, com multiplicidade de olhares, possuindo características que nos ajudam a desnaturalizar, compreender e interpretar processos históricos.

As fontes fotográficas são uma possibilidade de investigação e descoberta que promete frutos na medida em que se tentar sistematizar suas informações, estabelecer metodologias adequadas de pesquisa e análise para a decifração 4 de seus conteúdos e, por consequência, da realidade que os originou (KOSSOY, 2001, p.32).

Em toda fotografia podemos identificar a ação do homem, o fotógrafo, que em determinado espaço e tempo opta por um assunto em especial e que, para seu devido registro, emprega os recursos oferecidos pela tecnologia. Portanto temos três elementos que constituem uma imagem fotográfica: o assunto, o fotógrafo e a tecnologia.

O ato do registro, ou o processo que deu origem a uma representação fotográfica, tem seu desenrolar em um momento histórico específico (caracterizado por um determinado contexto econômico, social, político, religioso, estético etc.); essa fotografia traz em si indicações acerca de sua elaboração material (tecnologia empregada) e nos mostra um fragmento selecionado do real (o assunto registrado). (KOSSOY, 2001, p.39-40).

Ao fotografarmos, estabelecemos um tema e o espaço fotográfico, fazemos o foco e definimos o objeto central. Mas tudo depende do fotógrafo e dos recursos técnicos de que dispõe.

A informação visual do fato representado na imagem fotográfica nunca é posta em dúvida. Sua fidedignidade é em geral aceita a priori, devido à credibilidade da fotografia nos diferentes ramos da ciência. A fotografia é um meio de conhecimento do passado, mas não reúne em seu conteúdo o conhecimento definitivo dele. Ao ser utilizada como fonte histórica deve-se ter em mente que o assunto registrado mostra apenas um fragmento da realidade, um e só um enfoque da realidade passada: um aspecto determinado. Esse conteúdo é o resultado final de uma seleção de possibilidades de ver, optar e fixar certo aspecto da primeira realidade, cuja decisão é do fotógrafo, seja para ele próprio ou para seu contratante. As fotografias, não substituem a realidade tal como se deu no passado; congelam fragmentos desconectados de um instante da vida das pessoas, coisas, natureza, paisagens urbana e rural; sempre permitirão diferentes interpretações e contém múltiplas significações. Ao se analisar uma fotografia deve haver a conexão com as mais diversificadas 5 fontes que informam sobre o passado e à atuação do fotógrafo. Conjugando essas informações ao conhecimento do contexto econômico, político e social, dos costumes, do ideário estético refletido nas manifestações artísticas, literárias e culturais da época retratada, haverá condições de recuperar micro-histórias, implícitas nos conteúdos das imagens. O significado da vida não se pode fotografar – é imaterial. O vestígio da vida passa a ter sentido quando se compreende e se tem conhecimento dos fatos ausentes da imagem. Kossoy (2001) chama isso - além da verdade iconográfica. A fotografia é uma importante fonte histórica que traz elementos da cultura material, costumes, relações sociais e de poder, entre outros. Ela nos traz recortes de momentos passados, possibilitando a investigação, o levantamento de informações, quais os elementos representados por ela e o contexto nas quais elas estão inseridas. Mesmo estando atrelada ao estudo dos acontecimentos do passado passa a ser um testemunho do presente, ou seja, divulga os feitos dos homens públicos e o cotidiano dos homens e mulheres de diferentes classes sociais. Para o historiador, a fotografia

pode ser considerada um documento histórico que permite investigar como era a vida das pessoas de uma determinada época. Portanto, a utilização da fotografia enquanto evidência histórica requer o que MAUAD (1996, p.78) chama de “habilidade de interpretação”. A fotografia é, para o historiador, uma possibilidade de descoberta e interpretação da vida histórica.

3- CONTEXTUALIZAÇÕES HISTÓRICAS DE IMBITUVA Para a devida interpretação das fotografias deste artigo relacionando-as ao Código de Posturas da Villa de Santo Antonio do Imbituva é necessário contextualizar parte da história da cidade de Imbituva.2 Imbituva teve início enquanto povoado, quando no final do século XVIII, foi concedido sesmarias na região do rio Imbituva. Estas sesmarias estavam ligadas ao rio . No final do século XVIII, vão se formar próximas a essas sesmarias, novas comunidades campeiras, em torno dos pousos de tropeiros. Imbituva surge quando a expedição comanda por Diogo Pinto de Azevedo 6 Portugal para chegar aos Campos de , passa pelos Campos do Cupim. Isso ocorre no ano de 1809. Por esses Campos do Cupim passava a então Estrada das Missões, oficializada em 1816. Essa estrada desviou o comércio de tropas de animais do Caminho do Viamão, porque elas(as tropas) passaram a ser adquiridas pelos tropeiros diretamente das Missões. Ao longo da antiga Estrada das Missões foram surgindo povoações, inclusive a nossa própria cidade. Em 1810, Diogo Pinto de Azevedo Portugal ordenou a construção da ponte sobre o rio Imbituva, chegando mais tarde aos Campos de Guarapuava. Pela Estrada das Missões que passava pelos Campos de Guarapuava e se entrosava com o Caminho do Viamão em , um dos pousos de tropeiros mais procurados era o do Cupim – que recebeu esse nome devido estar situado em uma elevação de terreno, cujo formato peculiar lembra o de um “Cupim”, tão comum nos pastos paranaenses.

2 Todos os dados da contextualização histórica de Imbituva foram retirados do livro: STADLER, Cleusi T. B. Imbituva: uma cidade dos Campos Gerais. Imbituva: Gráfica Prudentópolis, 2005. 185p.

O declínio da feira de Sorocaba já se fazia notar em 1861 quando Antônio dos Santos Ávila, natural dos Campos Gerais, resolveu abandonar a antiga ocupação, comprar terras, aliciar parentes e amigos e fixar-se no pouso do Cupim, juntamente com outros companheiros, iniciando a construção da Vila. Em 1871, no dia 03 de maio, os moradores, em mutirão fizeram a capina inicial para erigir a capela de Santo Antonio de Pádua, no terreno doado pelo Senhor Antônio dos Santos Ávila. Ficou sendo considerada este dia como a data de fundação do Município de Imbituva, que na origem de seu nome, significa muito cipó-imbé. IMBITUVA ( Imbé + tuva) = lugar onde há muito imbé. Pela Lei n. 441 de 21/02/1876 o povoado é elevado a Freguesia do Cupim pertencendo à Comarca de Ponta Grossa. E pela Lei n. 651 de 26/03/1881 foi criado o Município elevando a Freguesia de Santo Antônio do Imbituva, descrevendo suas divisas com seu território desmembrado do município de Ponta Grossa, sendo João Pedrosa Presidente da Província do Paraná. Em 1886 ocorre a chegada dos Imigrantes Russos-Alemães do Volga, fundando 7 a Igreja Luterana e a Escola “Evangelisch – Lutherische Gemeindeschule” em 1895, hoje Colégio Luterano Rui Barbosa. Já os italianos chegaram em 1896, adquiriram terras e iniciaram a fundação de uma Colônia – Bella Vista, na zona rural. Dedicaram-se ao cultivo de cereais, verduras, erva-mate e extração da madeira (araucária). Após a chegada desses dois grupos principais de imigrantes, a então Villa de Santo Antônio do Imbituva se desenvolve cada vez mais, até ser elevada a categoria de cidade em 1910. Em 1900 Imbituva já possuía um “Código de Posturas Municipaes da Câmara Municipal”, Lei n.5 de 30 de Novembro de 1900. Esse Código de Posturas foi criado no governo do Prefeito Municipal Modesto Polydoro, substituto legal em exercício da Villa de Santo Antônio do Imbituva. Esse Código será utilizado neste estudo para estabelecer um paralelo de análise com as fotografias da época, referentes a então Villa de Santo Antônio do Imbituva. Pela Lei n. 938 de 02/04/1910 foi criada a Comarca de Imbituva elevando à cidade, abrangendo o atual município de Prudentópolis.

4 – FOTOGRAFIA E REPRESENTAÇÃO LOCAL

A fotografia se constitui em importante fonte para se registrar a expressão das vontades, das aspirações, das realizações, ou seja, da história de cada povo. São as fotos que ajudam a contar a vida das pessoas, das famílias, das cidades e o próprio desenvolvimento da cultura ou das transformações que o homem e o tempo impõem sobre o ambiente. A fotografia passou a ser utilizada como registro dos mais diversos acontecimentos. Ela tem registrado cidades, avenidas, paisagens, casamentos, nascimentos, romances, bodas, aniversários, lazer, conversas, trabalho, encontros descontraídos com crianças, ambientes domésticos, casamentos, batizados, festas, bailes, passeios em parques, praias e outros locais, enfim, a história do cotidiano e tem registrado os acontecimentos da política e da história nacional e mundial. Temos que estar atentos para o fato de que a fotografia não se confunda com a realidade registrada, mas parte dessa realidade, aquilo que o fotógrafo pretendia registrar. Como escreveu KOSSOY (2001, p.36), “ela é uma representação do real” e também uma possibilidade de construir a realidade, a partir da investigação que 8 fizermos sobre o significado dela como imagem fotográfica e os condicionamentos em que foi produzida. Portanto, a fotografia nos transporta da recordação da memória para o real. Percebemos as fotos como produto social, ou seja, viabilizam o passado e a identidade das relações sociais dos indivíduos. Por isso, analisar parte da memória da avenida principal da cidade de Imbituva pela fotografia, permite compreender o passado através das interpretações que os sujeitos fazem no presente. Uma fotografia traz várias informações acerca de um momento passado. Ela sintetiza no documento um fragmento do real visível. O espaço urbano, os monumentos arquitetônicos, o vestuário, a pose e as aparências elaboradas dos personagens, aguardam interpretação. É essas interpretações que cabem ao historiador fazê-las. A fotografia, portanto, é uma fonte de estudos para a história, pois ela pode expressar, em alguns casos, mais que os próprios documentos escritos e também podem ser auxiliados por esses mesmos, ou seja, os dois se completam como MAUAD (2008, p.25) aborda:

[...] à medida que os textos históricos não são autônomos, necessitam de outros para sua interpretação. Da mesma forma, a fotografia – para sua utilização como fonte histórica, ultrapassando seu mero aspecto ilustrativo – deve compor uma série extensa e homogênea no sentido de dar conta das semelhanças e diferenças próprias ao conjunto de imagens que se escolheu analisar. [...]

Ao analisar a fotografia, é possível identificar diferentes interpretações, diferentes realidades que se transformam de acordo com os anos de existência desta fotografia. Ou seja, existe a primeira realidade, que corresponde à primeira leitura desta fotografia - interrompe o tempo, e a segunda realidade, onde o documento ganha vida, ao interpretarmos e tentarmos decifrar sua intenção, técnica, conteúdo e a ação do fotógrafo. Portanto, a fotografia é passível de inúmeras interpretações que podem ser compreendidas em épocas diferentes, dependendo da forma como se compreende o processo que a criou, onde envolve o fotógrafo, tecnologia, ideologia e seus receptores. Partimos agora para a análise das fotografias em estudo neste artigo. 9 Para a devida interpretação das fotografias deste artigo, o espaço urbano foi delimitado pela Avenida 7 de setembro, a principal via de acesso à cidade de Imbituva/Pr. Esse espaço público foi selecionado por dois motivos: o primeiro, por tratar- se da avenida principal de acesso ao centro da cidade; e o segundo, por tratar-se da via principal de comércio e de transporte, uma vez que era o local no qual se concentravam as principais casas comerciais. Através de questionamentos sobre as transformações da rua principal da cidade, buscamos analisar a representação histórica da Avenida 7 de setembro para o desenvolvimento da cidade de Imbituva, no início do século XX, interpretando os significados existentes. A principal atividade realizada para este estudo foi à interpretação de três fotografias da Avenida 7 de setembro, uma de 1906, outra de 1912, outra de data não identificada, mas que corresponde a década de 30/40. Utilizando-se de um roteiro e alguns passos sugeridos por KOSSOY (2001, p.77), foram sistematizadas as primeiras informações.

[...] análise técnica (análise do artefato, a matéria, ou seja, o conjunto de informações de ordem técnica que caracterizam a configuração material do documento) e da análise iconográfica (análise do registro visual, a expressão, isto é, o conjunto de informações visuais que compõem o conteúdo do documento).

Os dados sistematizados com as fotografias foram referentes: a quem pertencia, data e o local, tema central, paisagem retratada, que tipo de ambiente e que outros elementos (detalhes) podiam se observar e destacar na fotografia. O trabalho realizado com as fotografias teve por objetivo central um estudo mais detalhado, entre a análise das fotografias e a interpretação dos dados que constam no Código de Posturas do Município do ano de 1900. Observando as fotografias, foram destacados os seguintes fatos fotográficos:

Fotografia 01: Avenida 7 de setembro em 10 de outubro de 1906. Acervo particular do Sr. Édison Pupo3.  Traçado da rua principal já estabelecido; ruas de terras lamacentas; 10 poucas casas; casas com cercas para delimitar seu terreno e com quintais aos fundos; não havia iluminação pública; Igrejinha no ponto mais alto da Vila; algumas casas de comércio; arborização; transporte por meio de carroças. Também observamos a presença de dois senhores: o Sr. Antônio Pupo (à direita) e Fadu Abibe (à esquerda).

3 Fotos Retiradas do Livro: STADLER, Cleusi T. B. Memórias de Imbituva – História e Fotografia. Imbituva: ALACS, 2009. 164p. Estas fotografias foram cedidas pelo proprietário à autora do livro e deste artigo.

Foto 01: Avenida 7 de setembro em 1906. Acervo particular do Sr. Édison Pupo.4

Fotografia 02: Avenida 7 de setembro no ano de 1912. Um casamento. Acervo particular do Sr. Édison Pupo.

 Traçado da rua principal já estabelecido (mais largo); ruas de terras lamacentas; maior número de casas; casas com cercas definindo seu espaço de terreno; casas com calçadas estabelecidas na frente das casas e quintais aos fundos; já havia iluminação pública com postes de iluminação; Igrejinha no ponto mais alto da Vila; algumas casas de comércio; menos arborização; transporte por meio de carroças; trajes(vestimenta) para ocasiões especiais (casamento); instrumentos

musicais. 11

Foto 02: Avenida 7 de setembro no ano de 1912. Um casamento. Acervo particular do Sr. Édison Pupo.

4 STADLER, Cleusi T. B. Memórias de Imbituva – História e Fotografia. Imbituva: ALACS, 2009. 164p. Foto 1 retirada da página 40 e Foto 2 da página 92.

Pelo Código de Posturas da Villa de Santo Antonio do Imbituva, percebemos que eram estabelecidos alguns deveres aos cidadãos para a limpeza da Villa, tranquilidade e segurança pública, como verificamos no seguinte artigo:

Art. 3º. Os moradores da Villa, proprietários, foreiros, ou inquilinos são obrigados a ter limpas e capinadas as testadas de suas casas, jardins, quintais ou chácaras até ao meio das ruas, sob pena de 5$000 de multa áquelles que abusarem depois de avisados pelo Fiscal. Art. 4º. Igual obrigação é imposta aos proprietários e foreiros, embora os seus terrenos ainda não estejam aproveitados ou edificados. Art. 5º. O serviço de limpeza a que se referem os artigos antecedentes, será feito aos sábados até as 9 horas da manhã no inverno e até as 7 horas no verão, sendo os resíduos ou lixo amontoados convenientemente, para que o encarregado da limpeza que será feita a custa da Camara, possa ajuntal-o e conduzil-o. (CÓDIGO DE POSTURAS,1900).

Podemos perceber através do Código de Posturas uma preocupação com as ruas estabelecidas e sua limpeza, sendo visível isto nas fotografias, onde observamos não constar lixos amontoados e a avenida, apesar de lamacenta, estar em conformidade com 12 o que está determinado no Código. Outra preocupação que observamos, tanto nas fotografias quanto no Código de Posturas, é a arborização da cidade. Observa-se essa preocupação quando no Código de Posturas cita uma multa para quem não cuidasse das plantas e árvores da Villa.

Art. 6º. A Camara arborisará as ruas e praças da Villa, quando julgar conveniente, e fará a conservação d’aquellas, sendo os proprietários ou inquilinos obrigados a zelar as arvores plantadas na frente de suas moradas, sob pena de cinco mil reis de multa. Art. 7º. Aquelle que for encontrado em flagrante delicto de destruição ou estrago das arvores plantadas nas ruas e praças, será punido com 10$000 mil réis multa alem do danno causado. (CÓDIGO DE POSTURAS,1900).

Observamos ainda nos documentos analisados, fotografias e Código de Posturas, que os proprietários das casas eram obrigados a calçar a frente de seus terrenos, casas, gradis ou muros. O calçamento era feito com pedra ou laje e o rejunte de cimento. Poderia também os proprietários fazer a calçada toda de cimento, sendo que o engenheiro da Câmara determinaria os alinhamentos e nivelamentos. Observamos na foto 02, que algumas casas já possuíam essas calçadas e as cercas que dividiam seus terrenos. Também se observa que a avenida era ampla e não havia nenhum impedimento

de sua passagem, pois pelo Código de Posturas, os proprietários receberiam multas se depositassem lixo, aves ou animais mortos, bem como se danificassem o leito das ruas e praças. Também era proibido fixar cartazes nas esquinas, frente das casas ou em portas, nem escrever ou pintarem figuras em muros ou paredes das casas. Realmente identificamos nas fotografias que nenhum desses itens foi praticado pelos moradores da Villa de Santo Antônio do Imbituva. Observa-se também uma preocupação muito grande com o traçado da rua principal e com tudo que pudesse prejudicar a passagem dos moradores por essa rua, como por exemplo, não colocar objetos nas portas e janelas das casas, porque poderiam cair nos transeuntes e machucá-los, não construírem degraus, toldos, colocar estacas nas calçadas para não prejudicarem quem andava por elas, bem como as carroças que fossem passar pelas ruas, transitarem livremente sem prejudicarem as demais, nem mesmo, a passagem dos moradores pelas ruas da villa. Ainda na fotografia 02, observamos a existência de postes de madeira de iluminação pública no lado esquerdo da avenida. A energia elétrica chega a Villa de 13 Santo Antônio do Imbituva nos anos de 1911/1912. O jornal “A República” que na ocasião era o Diário Oficial, publicou em 11 de novembro de 1912 o edital de concorrência de 04/11, estabelecendo as condições para o fornecimento de energia elétrica. Em 20 de março de 1913 foi publicado o Contrato celebrado em 31 de janeiro de 1913, entre Jacob Brenner e a Câmara Municipal, neste ato, representada pelo Prefeito Coronel Salvador Penteado e pelo Secretário da Câmara Sr. João Chrysostomo Pupo Ferreira. 5 Este contrato previa o fornecimento de energia elétrica do anoitecer ao amanhecer pelo prazo de 20 anos sob as seguintes condições: as instalações seriam feitas em postes de madeira de lei, na altura mínima de 5 metros, com 100 focos de trinta velas nas vias públicas e 05 focos de 200 velas nas praças e avenidas. O contratante Jacob Brenner obrigou-se a empregar “força motora a vapor montada pelo sistema moderno” e fornecer luz de 05 focos de 30 velas gratuitamente para os edifícios públicos municipais, estaduais, para as casas de beneficência e para o Teatro do Clube

5 Dados retirados do Jornal Imbituva Hoje Regional, por ocasião do Centenário da Instalação da Luz elétrica no Município de Imbituva. Data: 01 a 31 de julho de 2013. Edição n. 358. Esses dados foram fornecidos pela família do Sr. Jacob Brenner de acordo com documentos pertencentes a família.

Dramático, já existente na Villa. As instalações no interior das casas seriam pagas pelos proprietários avaliadas ao preço justo do material e mão-de-obra. Na fotografia 03, vamos observar que os postes de energia elétrica já estão nos dois lados da avenida, pois em 18 de julho de 1924, a viúva de Jacob Brenner, Maria Brenner, firmou adendo ao contrato inicial estipulando aumento da rede elétrica, com mais 10 focos de 30 velas até a casa do Sr. Paulo Stadler. A Câmara Municipal concordou em fazer um pagamento adicional de 60$000 mensais e assim o contrato passou a vigorar por 30 anos, até 31 de janeiro de 1943, década da fotografia em análise 03.

Fotografia 03: Avenida 7 de setembro na década de 30/40. Acervo particular de Cleusi T. B. Stadler.

 O mesmo traçado da rua igual ao da foto anterior, continuando como rua de terra lamacenta; bem maior o número de casas; casas com cercas definindo seu espaço de terreno; maior número de casas com calçadas 14 estabelecidas na frente das casas e quintais aos fundos; iluminação pública com postes de iluminação dos dois lados da avenida; Igrejinha no ponto mais alto da cidade; algumas casas de comércio; menos

arborização; pessoas andando na rua e calçadas.

Foto 03: Avenida 7 de setembro. Década de 30/40. Acervo particular de Cleusi T. B. Stadler.

Observando a fotografia 02 e 03 notamos que o traçado da rua era o mesmo, pois existia segundo o Código de Posturas uma preocupação quanto a passagem de carros e carroças ou tropas pelo centro da cidade.

Art.18. Todo aquelles que conduzirem carros ou carroças ou tropas que entrarem no quadro urbano serão obrigados à conduzirem a passo pelo centro das ruas e conduzidos uns atraz dos outros, e nessa mesma ordem serão descarregados. Art. 34. Os carros e carroças deverão ser conduzidos pelas ruas de modo a não dificultar o transito um dos outros. A infração será punida com a multa de 10$000. (CÓDIGO DE POSTURAS, 1900).

Percebemos também um número muito maior de casas e edifícios construídos na cidade. E para estas construções, de acordo com o Código de Posturas, havia um arruador nomeado pela Câmara, ao qual competia o alinhamento e nivelamento das ruas do quadro urbano e dos edifícios que se construíssem, regulando suas frentes pela planta que a Câmara adotasse. E os edifícios ou casas construídas teriam que seguir os parâmetros determinados pelo Código de Postura, em questões de metragem e altura, 15 caso contrário pagariam as devidas multas. No decorrer da pesquisa, foram identificadas outras fotografias em épocas posteriores, que mostram a Avenida 7 de setembro como um dos pontos mais fotografados, ou ela sendo o ponto de retratos para outras direções. Isso identifica a intenção do fotógrafo em mostrar esse ambiente como sendo o centro da cidade, a área bem organizada, planejada, com suas casas de moradia, casas comerciais, igreja. A rua principal representa o espaço de fora, do público, da liberdade, da comunicação entre os cidadãos, enfim, o espaço da coletividade. As três fotos identificam uma avenida que se transforma ao longo de quatro décadas, como podemos observar na primeira imagem desse estudo. A Avenida 7 de setembro se transformou no espaço público, social, econômico, o local onde as pessoas passavam para realizarem suas atividades no centro da cidade, pois até os dias de hoje, essa avenida representa o centro da cidade.

Percebe-se que o fotógrafo6 ao eternizar estas fotografias provavelmente teve como intenção destacar a importância da Avenida para o desenvolvimento que estava ocorrendo na cidade, como uma imagem que representava o desenvolvimento urbano da cidade de Imbituva, pois as mesmas foram fotografadas do mesmo espaço e do mesmo ângulo. É como se o fotógrafo estivesse educando o olhar das pessoas para compreender determinados aspectos do cotidiano e do espaço urbano de nossa cidade.

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer deste estudo, identificamos que as fotografias da Avenida 7 de setembro representam para o estudo da história da cidade, alguns momentos do registro fotográfico da rua de principal acesso à cidade e considerada como o centro da cidade. Também, através deste estudo, pudemos verificar que a técnica fotográfica foi muito importante para compreender as alterações urbanas ocorridas no início do século XX, em Imbituva. Sendo assim, podemos perceber ao longo desta pesquisa três momentos diferentes do registro fotográfico na Avenida 7 de setembro: o primeiro refere-se às 16 poucas imagens da Avenida 7 de setembro e, portanto, da própria cidade de Imbituva, no início do século XX, identificando um pequeno povoado muito mais rural do que urbano; o segundo momento caracteriza-se por algumas transformações, evidenciando- se alguns aspectos também culturais, identificados com a ocasião da fotografia de um casamento; e no terceiro, e último momento, evidenciamos a fotografia com a preocupação de identificar a cidade, higienizada e urbanizada para os novos olhares. Analisamos que as representações fotográficas da área urbana de Imbituva, identifica uma cidade que cresceu em torno de uma avenida. Primeiramente com o a passagem dos tropeiros e depois com as casas de comércio em torno da erva-mate e da madeira. Mas podemos perceber que a fotografia, juntamente com o Código de Posturas do Município, mostram os contrastes entre urbano e rural, bem como, a preocupação com as normas para estabelecer uma estrutura urbana bem definida. As fotografias analisadas mostram que a Avenida 7 de setembro, pertencente ao quadro urbano imbituvense, era o sinônimo de progresso, de identificar uma cidade que

6 Não foi possível identificar quem foi o(os) fotógrafo(os) que produziu estas fotografias. Não havia nenhum registro nas fotografias e de acordo com a época das mesmas, possivelmente foram encomendadas para fotógrafos ambulantes que passavam pela cidade.

progredia. Mas também, analisando mais profundamente as fotografias, com os olhos do presente, podemos perceber outras realidades do ato fotográfico que não os mesmos de sua construção. O destaque para a Avenida 7 de setembro mostra que era o principal espaço urbanizado, o que constatamos no decorrer do estudo, conjuntamente com o Código de Postura do Município que utilizamos, onde a preocupação em organizar o espaço público estava voltada principalmente para essa avenida. As mudanças ocorridas na principal avenida da cidade de Imbituva, também foram caracterizadas pelo regramento do Código de Postura Municipal, como examinamos ao longo deste estudo. Esse código foi implantado por várias cidades brasileiras no início do século XX, com a intenção de organizar os espaços urbanos, padronizar o crescimento da cidade, higienizar esses lugares para que houvesse a separação de rural e urbano.

Identificamos o olhar dos possíveis fotógrafos como característicos das imagens fotográficas que retratavam os espaços urbanos das cidades da Primeira República. As 17 imagens retratadas eram de prédios públicos, ruas bem alinhadas, casas de comércio, bancos, clubes, ou seja, representações do progresso e da modernidade típicas daquele momento. Através destas fotografias tivemos a oportunidade de recordar, aprender, dialogar com o passado de nossa cidade. Elas nos possibilitaram ultrapassar a barreira iconográfica, ou seja, nos possibilitaram ir além da interpretação da fotografia, mas aliada ao documento histórico, chegar até a criação /construção da realidade e da produção do próprio conhecimento histórico.

5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro:

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