PARQUE NATURAL DA Rede Nacional de Áreas Protegidas

Parque Nacional 1 Peneda-Gerês 40 Parque Natural 2 Montesinho 41 1 2 3 Litoral Norte 4 Alvão 3 5 Douro Internacional 39 Serra da Estrela 4 6 7 Tejo Internacional 37 5 8 Serras de Aire e Candeeiros 33 9 Serra de São Mamede Sintra-Cascais 34 10 11 Arrábida 12 Sudoeste Alentejano e 47 Costa Vicentina

13 Ria Formosa 15 14 Vale do Guadiana Reserva Natural 6 15 Dunas de São Jacinto 16 Serra da Malcata 17 16 18 Berlengas 19 Paul do Boquilobo 26 24 17 20 Estuário do Tejo 38 21 Estuário do Sado 22 Lagoas de Santo André e da Sancha 7 23 Sapal de Castro Marim e Vila R.S. A. Paisagem Protegida 8 28 27 24 Serra do Açor 25 Arriba Fóssil da Costa da Caparica

18 Monumento Natural 35 26 Cabo Mondego 19 9 27 Portas de Ródão 28 Pegadas de Dinossáurios 36 de Ourém - Torres Novas 42 29 Carenque 43 30 Pedra da Mua 10 29 20 44 31 Lagosteiros 32 Pedreira do Avelino

Parque Natural - Âmbito Regional 25 11 33 Vale do Tua

21 Reserva Natural - Âmbito Local 30 34 Estuário do Douro 32 31 35 Paul de Tornada

Paisagem Protegida - Âmbito Regional 36 Serra de Montejunto 22 37 Litoral de Vila do Conde e R.O. do Mindelo 38 Serra da Gardunha 39 Albufeira do Azibo 14 40 Corno de Bico 41 Lagoas de Bertiandos e S. Pedro de Arcos Paisagem Protegida - Âmbito Local 12 42 Serras do Socorro e Archeira 43 Açude da Agolada 44 Açude do Monte da Barca 46 45 23 45 Rocha da Pena 46 Fonte Benémola

Área Protegida Privada 47 Faia Brava 13

O Parque Natural da Ria Formosa (PNRF) está situado no sotavento algarvio, assente na importante zona lagunar aí existente, cobrindo uma superfície de cerca de 18.000 ha, incluindo a área submersa abrangendo os concelhos de Faro, Loulé, Olhão, e Vila Real de Sto. António.

Classificação 4

Caracterização 5

Estatutos 6

Geologia 7

Clima 8

Habitats 9

Flora 11

Fauna 15

História | Cultura 17

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Classificação

A zona lagunar do Sotavento Algarvio apresenta um óbvio valor ecológico e científico, económico e social e, desde há muito, está sujeita a pressões da mais variada ordem ou não fosse o o mais importante destino turístico em . O Decreto-Lei nº 373/87, de 9 de dezembro, criou o Parque Natural da Ria Formosa traçando-lhe como objetivos primeiros a proteção e a conservação do sistema lagunar, nomeadamente da sua flora e fauna, incluindo as espécies migratórias, e respetivos habitats. Ainda, pela necessidade de compatibilizar a proteção do património natural e cultural e um desenvolvimento socioeconómico sustentado também foram contemplados objetivos relacionados com: o apoio a atividades económicas tradicionais e a outras desde que compatíveis com a utilização racional dos recursos; com a promoção de atividades de recreio, lazer e turismo, tendo em conta as particularidades da área protegida e a sua capacidade de carga; e ainda, não menos importante, com a implementação de infraestruturas vocacionadas para a educação ambiental, de forma a sensibilizar a população residente e os visitantes para a necessidade de preservar os valores naturais e culturais e de que o Centro de Educação Ambiental de Marim é um excelente exemplo.

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Caracterização

O Parque Natural da Ria Formosa caracteriza-se pela presença de um cordão dunar arenoso litoral (praias e dunas) que protege uma zona lagunar. Uma parte do sistema lagunar encontra-se permanentemente submersa, enquanto uma percentagem significativa emerge durante a baixa-mar. A profundidade média da laguna é de 2 m. Este sistema lagunar de grandes dimensões – estende-se desde o Ancão até à Manta Rota – inclui uma grande variedade de habitats: ilhas-barreira, sapais, bancos de areia e de vasa, dunas, salinas, lagoas de água doce e salobra, cursos de água, áreas agrícolas e matas, situação que desde logo indicia uma evidente diversidade florística e faunística. A presença dos homens acompanha a Ria em toda a sua extensão materializando-se, sobretudo, em núcleos urbanos, construções isoladas e aldeamentos turísticos. A pesca e as necessidades de defesa, eis duas das razões que juntaram os homens neste Sotavento Algarvio: Cacela, dominada pela sua fortaleza setecentista; Tavira, que já foi fenícia, romana e árabe; a Fuzeta, que se originou num arraial de mareantes; Olhão, uma cidade que parece transposta de um qualquer Norte de África; Faro, provavelmente a Ossonoba de que falavam os antigos.

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Estatutos

. Decreto nº 45/78, de 2 de maio Cria a Reserva Natural da Ria Formosa.

. Decreto Regulamentar nº 29/78, de 29 de agosto Altera a redação dos artigos 3.º e 4.º do Decreto n.º 45/78, de 2 de maio.

. Decreto Regulamentar nº 16/79, de 16 de abril Estabelece a constituição da comissão instaladora da Reserva Natural da Ria Formosa.

. Decreto-Lei nº 373/87, de 9 de dezembro Cria o Parque Natural da Ria Formosa (PNRF). Alterado pelo Decreto-Lei nº 99- A/2009, de 29 de abril.

. Portaria nº 6/88 de 6 de janeiro Regula a constituição, formas de nomeação e de funcionamento dos Orgãos do PNRF.

. Portaria nº 560/90, de 19 de julho Aprova o regulamento de pesca na Ria Formosa.

. Decreto Regulamentar nº 2/91, de 24 de janeiro Aprova o plano de ordenamento e regulamento do PNRF.

. Resolução do Conselho de Ministros nº 142/97, de 28 de agosto Cria o Sítio “Ria Formosa - Castro Marim” (proposto para Sítio de Interesse Comunitário - SIC - Rede Natura 2000).

. Decreto-Lei nº 384-B/99, de 23 de setembro Cria a Zona de Proteção Especial para Aves Selvagens “Ria Formosa” (esta ZPE integra diretamente a Rede Natura 2000).

. Resolução do Conselho de Ministros n.º 78/2009 Aprova o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Ria Formosa.

. Lista de Sítios da Convenção de Ramsar (zonas húmidas de importância internacional): “Ria Formosa” (24 de novembro de 1980).

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Geologia

O Parque Natural da Ria Formosa caracteriza-se pela presença de litorais anamórficos marinhos (praias, litorais de barreira ou rias, litoral de sapal), litorais anamórficos eólicos (dunas) e litorais anamórficos fluviais. A Ria Formosa confronta a norte com aluviões antigos da campina de Faro e com formações plio-plistocénicas (areias e arenitos), do Terciário (arenitos e calcários) e do Jurássico (calcários). Mais a norte enquadra-se a formação xistosa do Caldeirão. São estas mesmas formações que se encontram nas bacias de receção dos cursos de água que nela desaguam. A sul é limitada por um conjunto de ilhas-barreira do cordão arenoso litoral, que a separa do Oceano Atlântico, e que a partir de Quarteira, toma a direção NO-SE até ao cabo de Santa Maria. Para leste deste cabo, encurva-se, fletindo na direção de SO-NE até Cacela. As ilhas “ barreira” (de poente para nascente) são conhecidas por península do Ancão (Praia de Faro), ilhas da Barreta, Culatra, Armona, Tavira, Cabanas e península de Cacela. As seis barras de maré que as separam possuem características diferentes, consoante se encontrem a oeste ou a leste do cabo de Santa Maria, e são designadas por barras de Ancão ou de S. Luís, Faro-Olhão, Armona, Fuzeta, Tavira e Lacém. Com uma profundidade média de 2 m, e uma disposição irregular dos fundos, a laguna caracteriza-se por uma extensa área intertidal ocupada por espraiados de maré e barras, que interferem significativamente no sistema das correntes de maré. Cerca de 14% da superfície lagunar encontra-se permanentemente submersa, e cerca de 80% dos fundos emergem, durante a estofa de baixa-mar em regime de marés vivas. Os cursos de água que desembocam no sistema lagunar da Ria Formosa (rios Seco, Gilão, ribeiras de Almargem, Lacém, Cacela, e outros) são sazonais, com um regime torrencial, dada a fraca pluviosidade local. Assim, a Ria Formosa é alimentada quase exclusivamente por água oceânica.

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Clima

O Parque Natural da Ria Formosa enquadra-se numa região de clima mediterrânico, de características semiáridas, com uma estação seca prolongada, durante os meses de verão, e com um inverno ameno devido à influência do fluxo atlântico do oeste, e pelo facto de se encontrar longe das regiões de origem das massas de ar polar. Inserida no sul de Portugal, possui características climáticas de transição para o sub- tropicalismo, em que as precipitações são fracas e irregulares, as temperaturas são amenas, com raras ocorrências de valores negativos, e a insolação é elevada, cujos valores médios anuais são respetivamente da ordem dos 450 mm, 18ºC e 3150 horas.

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Habitats

Dunas As dunas costeiras e, neste caso, o cordão dunar avançado, formam-se na parte que imediatamente se segue ao domínio das marés, em especial durante as vazantes, quando as areias secas da praia exposta são mobilizadas e transportadas pelo vento e depositadas mais adiante. Em muitos pontos a crista dunar foi cortada pela ação de ventos constantes já com certa intensidade, encontrando-se vestígios de remobilização das areias, o que traz como resultado a formação de incipientes corredores de vento e esboços de pequenas dunas parabólicas. Estas são características de períodos transgressivos, que correspondem a subidas do nível do mar e durante os quais a chegada de sedimentos à praia é pobre.

Sapal Em troços abrigados da costa, orlando estuários, lagunas ou baías, e protegidas do embate das ondas do mar aberto por uma barreira de ilhas ou pontas arenosas, ao nível de entre marés, surgem plataformas onde se instala densa cobertura de uma vegetação muito peculiar; estão submersas durante a maré alta e ficam a descoberto na maré baixa. São os sapais. Embora não pareça, o sapal está entre as zonas mais produtivas da biosfera. No que respeita à produção de matéria viva ou biomassa, é várias vezes mais rentável do que os melhores campos de milho, com a diferença de que estes precisam de ser trabalhados mecanicamente, semeados, adubados e tratados de infestantes. O sapal não. Os nutrientes chegam-lhe naturalmente, levados pelo movimento constante de fluxo e refluxo das marés, pelos sedimentos provenientes da zona continental, pelos seres vivos que nele se fixam e, morrendo, ali se decompõem. Até pela inoportuna ação humana que, não raro, dele faz lixeiras. Quanto a infestantes, normalmente não há, pois as condições de sobrevivência no sapal são extremamente difíceis para plantas que não estejam convenientemente adaptadas. As águas dos sapais contêm grande quantidade de nutrientes. A pequena profundidade não só mantém uma temperatura favorável ao desenvolvimento de organismos marinhos como permite uma boa penetração da luz, garantindo uma atividade fotossintética intensa e quase contínua. Por serem calmas constituem um bom local de abrigo e permanência para numerosas espécies animais, de que são particularmente importantes as marinhas, muitas das quais ali desovam e passam os estádios larvares e juvenis até que chegue o momento de migrarem para o mar, onde completam o cicio biológico. O sapal funciona, portanto, como viveiro ou nursery para estas espécies, muitas delas com interesse na alimentação humana. Da conservação do sapal e das maternidades depende a abundância de peixe, moluscos e crustáceos nas águas

9 costeiras onde as populações humanas procuram, e de onde retiram, uma parte da sua subsistência. A produtividade do sapal é também suporte do seu valor científico. Ela condiciona o número de espécies de aves sedentárias que nele habitam e nidificam; o número de migradoras que dele precisam para ponto de paragem, repouso e alimentação, antes de retomarem os seus longos trajetos; por último, o número de invertebrados, pequenos vertebrados ou espécies vegetais capazes de servir de sustento a outras nesta intricada teia alimentar. Finalmente, um aspeto relevante do sapal "vivo" é que a sua vegetação tem forte ação depuradora pela grande capacidade de absorção e fixação de metais pesados, muitos dos quais são tóxicos para outros seres vivos. Por outro lado, os abundantes microrganismos ali existentes metabolizam e convertem em nutrientes materiais que, de outro modo, poluiriam as suas águas. Por este motivo o sapal pode, até certo ponto, reduzir a poluição.

Mata A mata mediterrânica original desapareceu, há muito, de Portugal, bem como dos restantes países da região, em resultado de milénios de intensa ocupação humana. A agricultura, o pastoreio, os fogos e a introdução de espécies exóticas, foram os principais agentes desta mudança. Em vez da mata original de azinheiras, sobreiros, carrascos, medronheiros, oliveiras e alfarrobeiras (árvores de folha perene, adaptadas ao longo e seco verão mediterrânico), encontramos agora o pinheiro-bravo Pinus pinaster e o pinheiro-manso Pinus pinea, que dominam a paisagem litoral do sul do país. Estas espécies são frequentemente plantadas nas regiões costeiras com o objetivo de estabilizar as areias, por estarem adaptadas aos solos arenosos e aos ventos fortes e carregados de sal. Sob os pinheiros ainda se encontram espécies arbustivas e herbáceas características da mata mediterrânica, tais como tojos Ulex argenteus ou Stauracanthus boivinii, alecrim Rosmarinus officinalis e rosmaninho Lavandula stoechas.

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Flora

Vegetação dunar As condições de formação e a dinâmica geomorfológica das dunas revelam que estas são estruturas instáveis. A proximidade do mar atua como fator fortemente seletivo na instalação e crescimento da sua vegetação. Aparentemente simples, este meio é, na realidade, deveras complexo e precário. Não é por acaso que, no lado virado ao mar, se observa tão grande pobreza florística, visto que as plantas costeiras estão sujeitas a ventos fortes carregados de partículas de sal, a luminosidades excessivas, a amplitudes térmicas que vão do sol escaldante do verão ao frio cortante do inverno. Isto provoca apreciável transpiração na planta, o que, conjugado com a grande permeabilidade do solo dunar que deixa infiltrar rapidamente a água que nele cai, irremediavelmente a condena a um ambiente hostil de xerofitismo, ou seja, a um ambiente em que prevalecem as condições de secura. A esta é preciso resistir, para sobreviver. E, na verdade, as plantas psamófitas, que vivem nas areias, sobrevivem porque desenvolveram adaptações mais ou menos profundas que impedem sobretudo as perdas excessivas de água. Todavia, não é só contra a dessecação que a planta luta; ela tem também que fazer frente ao soterramento, quando os ventos fortes ou constantes, vindos do mar, empurram as areias da praia para o interior. A primeira duna que se nos depara, chamada anteduna ou duna avançada, relativamente baixa e bastante instável, mostra, na parte virada ao mar e quase ao limite superior das marés, uma associação de Cakile maritima e Salsola kali; já mais para o topo, feno-das-areias Elymus farctus e, por vezes, a morganheira-das-praias Euphorbia paralias e E. peplis. A vegetação nesta estreita faixa está muito espaçada e o vento movimenta facilmente as areias, que arrasta para o interior. Não obstante a curta distância transposta, o novo local onde elas se depositam é mais acolhedor, sofre menos severamente os efeitos do vento e a aragem chega menos salgada. Criam-se condições, se não favoráveis, pelo menos menos desfavoráveis à fixação de outras plantas, que por sua vez, vão, por modos diversos, reter mais areias. Juntamente com o feno-das-areias Elymus farctus surge agora a outra grande edificadora de dunas e pioneira na sua colonização: a Ammophila arenaria, vulgarmente chamada estorno. Acompanham-na ainda a morganheira-das-praias Euphorbia paralias e já podem aqui ver-se os cordeirinhos-da-praia Otanthus maritimus. Assim cresce a duna, com composição florística mais rica e variada. Atingido o topo podem encontrar-se a soldanela ou couve-marinha Calystegia soldanella, cujas sementes, bastante pesadas, se enterram facilmente, desta forma compensando fatores adversos à sobrevivência da espécie, o Lotus creticus, o cardo- marítimo ou rolador Eryngium maritimum, a granza-da-praia Crucianella maritima, o narciso-das-areias Pancratium maritimum, a par com o estorno Ammophila arenaria que, aliás, cresce um pouco por todo o lado, em povoamentos mais ou menos densos, conforme a área em que se estabeleceu.

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Na face interior desta duna e no interdunar que se lhe segue, em terreno já definitivamente fixado, ao lado de algumas das espécies já citadas outras se vêm juntar à lista de psamófitas, nomeadamente, a perpétua-das-areias Helichrysum italicum, Pseudorlaya pumila, Thymus carnosus, Armeria pungens, a madorneira Artemisia campestris ssp maritima, Anthemis maritima, Corynephorus canescens, Linaria polygalifolia ssp lamarckii e L. pedunculata, Reichardia gaditana ou Silene niceensis, isto para mencionar apenas as mais abundantes ou conspícuas. Não será demais salientar que Thymus carnosus é um endemismo português, e apenas observável no Alentejo e no Algarve. É aquele pequeno tufo verde-escuro, de porte amoitado, que, mais do que qualquer outra planta das dunas, quando esmagado deixa à sua volta um intenso e agradável perfume um tanto semelhante ao da lavanda. As areias fixadas do interdunar oferecem boas condições para o crescimento de plantas prostradas, de sistema radicular bastante curto, folhas em regra pequenas, que se espalham em amplas manchas arredondadas. São exemplos a erva-prata ou erva-dos- unheiros Paronychia argentea, Ononis variegata, Medicago littoralis, Polygonum maritimum ou Hypecoum procumbens, outra espécie que ocorre apenas no Algarve. No limite para o sub-bosque salientam-se o morrião-grande Anagallis monelli, bonita prostrada de flores intensamente azuis, a ansarina-dos-campos ou avelino Linaria spartea, Scrophularia frutescens, Cleome violacea, a erva-pombinha ou correjola Corrigiola litoralis, a condrilha de Dioscórides Aetheorhiza bulbosa e Pycnocomon rutifolium, esta também confinada ao Algarve e alguns poucos mais locais da Europa mediterrânica.

Vegetação de sapal Os sapais originam-se em zonas costeiras de águas calmas. O reduzido fluxo das marés facilita a deposição dos detritos e sedimentos em suspensão e assim vão surgindo bancos de vasa onde, a certa altura, há substrato para a vegetação. A colonização tem como pioneira uma gramínea do género Spartina (na Ria Formosa, S. maritima, que suporta longos períodos de submersão e, por isso mesmo, se instala nas zonas de mais baixa cota, onde forma vastos "prados" de cor verde escura no meio das águas, e que constituem o baixo sapal ou parchal. Uma vez estabelecido, a vegetação amortece a força da corrente e a sedimentação acelera-se; ao mesmo tempo, retirando humidade às vasas através do sistema radicular, acaba por as consolidar. Onde o substrato é menos resistente à ação erosiva das águas formam-se os típicos canais e regueiras que sulcam o sapal num emaranhado dendrítico. A contínua acumulação de sedimentos eleva consideravelmente o nível dos fundos, com a consequente redução do tempo de submersão e do teor salino. O resultado final são as modificações graduais na vegetação, numa sucessão que vai originar a zonação que se observa nos sapais. Ainda no sapal baixo mas em fundos um pouco mais elevados, Spartina pode aparecer acompanhada por Arthrocnemum perenne, só ou em associação com outras Quenopodiáceas como Salicornia nitens, valverde-de-praia Suaeda maritima

12 e Halimione portulacoides, e uma Plumbaginácea, Limonium algarvense, que constitui um endemismo algarvio. Já no sapal médio, as espécies anteriores vão sendo gradualmente substituídas por Sarcocornia fruticosa e Arthrocnemum macrostachyum e, por fim, Suaeda vera. É evidente que, consoante os locais, há uma certa variação na composição florística. Amplas porções da orla do sapal alto surgem dominadas por uma outra Plumbaginácea, mas neste caso exótica, Limoniastrum monopetalum, que forma densas moitas em que sobressai a cor rosa-lilás das flores, reunidas em espiga abundante. À medida que o solo se torna mais firme e arejado outras Quenopodiáceas se juntam, nomeadamente Halimione portulacoides e, conforme o solo seja argiloso ou arenoso, Atriplex halimus ou Salsola vermiculata. No limite mais exterior, Juncus spp. e a madorneira Artemisia campestris. Parasitando Quenopodiáceas lenhosas, dos géneros Atriplex, Suaeda ou Salsola, a Orobancácea Cistanche phelypaea, com as suas bonitas flores de um tom amarelo intenso, dispostas em espiga na parte terminal de um caule carnudo com grossa base aclavada, oferece-nos a única mancha colorida neste conjunto com tanto mortiço de cores. Não é uma planta rara, todavia, tem uma distribuição relativamente localizada, pois aparece apenas no sul de Portugal, Espanha e Creta.

Mata Uma estreita faixa continental é ocupada por mata degradada e, paradoxalmente, bastante rica do ponto de vista florístico, albergando espécies com estatuto especial de conservação e alguns endemismos. O bosque mediterrânico original, há muito que foi substituído pelos pinhais mistos com pinheiro-bravo Pinus pinaster e pinheiro-manso Pinus pinea. Apesar desta aparente monotonia visual ainda é possível observar alguns exemplares espontâneos de sobreiro Quercus suber e de zambujo ou zambujeiro Olea europea var. sylvestris, que correspondem a fragmentos do antigo bosque climácico do sobreiral termomediterrâneo, filiável no Oleo sylvestris-Querceto suberis sigmetum. Em áreas menos perturbadas podem-se observar resquícios desse sobreiral termomediterrâneo através das etapas de substituição, como o medronheiro Arbutus unedo, tojais com Ulex argenteus subsp. subsericeus (SW da Península Ibérica: Algarve- Huelva) e diversas outras Ericaceae como a Erica umbellata e a Torga Calluna vulgaris. Os matos desta área, embora bastante degradados, regalam o olhar, pela ocorrência de uma grande variedade de arbustos de flores brancas como o Cistus libanotis (ocorre nas regiões costeiras do SW da Península Ibérica), a esteva Cistus ladanifer, sargaços diversos, arbustos de flores amarelas como a erva-sargacinha Halimium calycinum, a sargaça Halimium halimifolium, o tojo Genista hirsuta, o tojo-molar Genista triacanthos, o tojo-gatum Stauracanthus boivinii e a Tuberaria major, endemismo do Algarve, bastante ameaçado e com estatuto de espécie protegida.

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As plantas aromáticas e medicinais salpicam toda a área espalhando cor e perfume, observando-se a Lavandula pedunculata subsp. lusitanica (rosmaninho), diversas espécies de tomilhos como a erva-ursa ou tomilho-cabeçudo Thymus lotocephalus, que é endémico do Algarve e prioritário para a conservação, Thymus capitatus, Thymus carnosus, Thymus mastichina e Thymus tomentosus. São comuns as espécies termófilas dada a influência do piso termomediterrâneo, como a palmeira-anã ou das vassouras Chamaerops humilis, Asparagus aphyllus, a morganheira-bética Euphorbia boetica, Serratula monardii subsp.algarbiensis, Thymus lotocephalus e a própria Tuberaria major. Ocorrem na área do Parque Natural da Ria Formosa as comunidades endémicas de Tuberario majoris-Stauracanthetum boivinii, Cistetum libanotis e a Thymo lotocephali- Coridothymetum capitati.

Vegetação ribeirinha A parte continental é atravessada por alguns cursos de água de que se destaca a ribeira de S. Lourenço, no Ludo, importante refúgio para abundantes e variadas populações de aves aquáticas. A vegetação que cresce nas suas margens toma grande importância quando apreciada em termos do alimento e, sobretudo, do abrigo que lhes fornece. Entre a vegetação das margens e do leito dos cursos de água avultam as tabúas Typha spp., a tamargueira ou tamariz Tamarix africana, o caniço Phragmites communis, o junco-agudo Juncus acutus, Fuirena pubescens, Carex riparia e C. hispida, Cladium mariscus, Callitriche stagnalis e Potamogeton spp.

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Fauna

À diversidade de comunidades vegetais corresponde uma abundância faunística que constitui um dos aspetos notáveis da Ria Formosa, destacando-se a avifauna, onde se incluem numerosas espécies consideradas ameaçadas, um dos principais interesses da conservação da natureza. Muitas espécies de aves aquáticas migratórias, provenientes do norte da Europa passam aqui o inverno ou utilizam a Ria como ponto de escala na sua rota rumo a zonas mais meridionais. De entre as espécies invernantes mais relevantes podem destacar-se anatídeos como o pato-real Anas platyrhynchos, a piadeira Anas penelope, o pato- trombeteiro Anas clypeata, o marrequinho-comum Anas crecca e o zarro-comum Aythya ferina e das limícolas destacam-se o borrelho-de-coleira-interrompida Charadrius alexandrinus, o borrelho-grande-de-coleira Charadrius hiaticula, a tarambola-cinzenta Pluvialis squatarola, o fuselo Limosa lapponica, o milherango ou maçarico-de-bico-direito Limosa limosa, o maçarico-real Numenius arquata, o alfaiate Recurvirostra avosetta, o perna-longa ou pernilongo Himantopus himantopus, o pilrito- pequeno Calidris minuta e o pilrito-comum ou de peito-preto Calidris alpina. Merece destaque o Camão ou Galinha-sultana Porphyrio porphyrio, espécie emblemática do Parque, sendo que, devido à crescente proteção e estudo desta espécie, os efetivos populacionais desta têm aumentado nos últimos anos. Merecem também destaque a colónia de Garça-branca-pequena Egretta garzetta, tendo o Colhereiro Platalea leucorodia também nidificado nos mesmos locais; e as populações de Cegonha-branca Ciconia ciconia. A população de Andorinha-do-mar-anã Sternula albifrons, uma espécie em declínio na Europa, nidifica nas dunas e salinas da Ria Formosa, representa 40% dos efetivos totais populacionais de Portugal. Aves de rapina são pouco frequentes, mas durante as épocas de migração e no inverno encontram-se a caçar por toda a área, tartaranhões como o tartaranhão-azulado Circus cyaneus e o tartaranhão-caçador Circus pygargus; a águia-pesqueira Pandion haliaetus; o búteo ou águia-de-asa-redonda Buteo buteo e vários falcões como o falcão-peregrino Falco peregrinus e o peneireiro-vulgar Falco tinnunculus. Assim como algumas rapinas noturnas a coruja-do-nabal Asio flammeus, a coruja-das-torres Tyto alba e a coruja-do- mato Strix aluco.

É de salientar a importância da Ria no ciclo de vida de numerosas espécies de peixes, moluscos e crustáceos, principalmente como zona de reprodução e alimentação. As comunidades bênticas, com composição variando desde as espécies nitidamente marinhas a outras próprias do sistema lagunar, apresentam populações extremamente numerosas e, algumas das quais de interesse económico, caso da amêijoa-boa Ruditapes decussatus, do berbigão Cerastoderma edule e do lingueirão Ensis siliqua. Da ictiofauna

15 estão identificadas 65 espécies, que se dividem em sedentárias, ocasionais e as migradoras-colonizadoras; sendo de entre estas, as de maior interesse económico a dourada Sparus aurata, o sargo Diplodus sargus, o robalo Dicentratus labrax, o linguado Solea senegalensis e a enguia Anguilla anguilla. Nos répteis há que salientar a ocorrência do camaleão Chamaeleo chamaeleon, espécie ameaçada de extinção e cuja distribuição em Portugal está confinada ao litoral do Sotavento do Algarve, nos pinhais da orla continental e nas ilhas-barreira. Dos mamíferos existentes podem-se destacar a lontra Lutra lutra, o sacarabos Herpestes ichneumon, a geneta Genetta genetta, a fuinha Martes foina, o texugo Meles meles e a raposa Vulpes vulpes.

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História | Cultura

Dos 18000 ha da área do PNRF a zona lagunar ocupa cerca de 10 000 ha. A paisagem é, desta forma, dominada pela laguna que apresenta características próprias com a sua diversidade de espécies, seus imensos sapais, canais, restingas de areia, que diariamente emergem ou ficam a coberto pelo vaivém das marés. A par desta multiplicidade morfológica, outras particularidades que moldam a paisagem lagunar são a elevada dinâmica costeira, um relevante valor em termos geomorfológicos e uma excecional qualidade paisagística, especialmente a área subtidal e intertidal.

Outras zonas com alto valor paisagístico são as dunas, a envolvente da Ribeira de S. Lourenço e espaço agroflorestal.

Estas unidades de paisagem com valor considerado excecional ou alto correspondem a unidades de paisagem com excecional vulnerabilidade face a pressões antrópicas ou naturais e com baixa capacidade de absorção visual das intervenções de origem humana.

Atividades

A proximidade do mar e a amenidade do clima, associados à presença de praias, fizeram da Ria Formosa um espaço privilegiado de recreio e lazer e daí a importância de todas as atividades relacionadas com o turismo. Este tem sido o motor do crescimento económico e desenvolvimento algarvios ao longo das últimas quatro décadas, podendo mesmo afirmar-se que constitui o setor base da estrutura produtiva, já que produz uma série de efeitos multiplicadores.

No Algarve, ao longo dos últimos trinta anos tem-se observado uma deslocação da população empregue no setor primário para as atividades relacionadas direta ou indiretamente com o turismo, donde se destacam as da hotelaria e restauração, bem como as da construção civil.

A agricultura é, atualmente, uma atividade em regressão e nos concelhos do Parque os frutos secos, os citrinos e o olival são as culturas dominantes.

Mas o Parque suporta também outras atividades importantes, caso da cultura de moluscos bivalves em viveiros, cujo principal produto é a amêijoa-boa. Os viveiros

17 cobrem algumas centenas de hectares sendo visíveis, na baixa-mar, as estacas que os delimitam.

A esta cultura acrescenta-se a recolha de moluscos bivalves em bancos naturais, o marisqueio, prática de comprovada antiguidade e atualmente exercida fora das áreas concessionadas.

A pesca, atividade económica ainda com bastante importância no contexto regional, é apenas em parte dependente do sistema lagunar. De facto, a interdependência entre a Ria e esta atividade não deriva essencialmente das capturas feitas na laguna, mas da relevante função de nursery que a ria preenche relativamente a espécies de peixes e de moluscos, com algum valor, e sobretudo da localização, no seu interior, de importantes estruturas portuárias de suporte a esta atividade.

A salicultura, cuja história se perde num passado distante, apesar de um decréscimo de atividade, ainda contribui com uma quota importante para a produção nacional.

Para além da relevância a nível económico, as salinas da Ria Formosa desempenham um papel fundamental como área de descanso e/ou alimentação para um grande número de limícolas, pelo que se considera de extrema necessidade a conservação deste habitat numa área de passagem e ponto de apoio de inúmeras populações de aves nas suas trajetórias migratórias entre a Europa e a África.

À diminuição da área salineira tem correspondido um aumento constante do número de pisciculturas instaladas nos tejos das salinas, sendo as espécies mais exploradas o robalo, a dourada e o sargo.

Património cultural

O património cultural existente no Parque é de grande interesse, quer se tratem de conjuntos ou sítios históricos, construções isoladas, aldeamentos piscatórios ou rurais e outras manifestações complementares, como o artesanato, a gastronomia, as crenças e tradições.

Os vestígios arqueológicos dos diversos povos que na zona se estabeleceram desde o paleolítico e mais tarde os fenícios, gregos, romanos e árabes, exprimem raízes culturais milenares.

A presença romana marcou profundamente o território. Disso são exemplo a antiga cidade da Balsa, localizada na freguesia da Luz ou a estação arqueológica de Marim, antiga villa reveladora de intensa atividade piscatória, industrial e comercial.

A ocupação islâmica revela-se nos aglomerados populacionais, na tipologia das habitações, na toponímia, nas hortas e pomares de citrinos, nas alfaias e nos muitos vestígios arqueológicos.

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No séc. XVI, a pesca do atum e da sardinha e o comércio do sal eram atividades em expansão no Algarve, o que propiciou o crescimento dos arraiais. Estes arraiais, que inicialmente não passavam de cabanas de junco, tiveram um desenvolvimento notável no séc. XVIII em virtude da criação da Companhia Geral das Reais Pescarias do Reino do Algarve, por iniciativa do Marquês de Pombal. Localizaram-se na Ria Formosa as armações do Cabo de Santa Maria e do Ramalhete (Faro), do Livramento (), do Barril (Santa Luzia), do Medo das Cascas (Tavira) e da Abóbora (Cabanas). As últimas armações datam do início dos anos 70 do séc. XX, pois perderam importância face ao desvio do percurso do atum e à decadência da indústria conserveira.

Mas no Parque podemos descobrir outras riquezas patrimoniais que conseguiram resistir à ação do tempo e à destruição provocada pela ação humana. As marcas deixadas são muitas e variadas, desde as torres de vigia e atalaias (Torre d'Aires e de Bias), fortalezas ao longo da Ria para defesa costeira (São João da Barra, Cacela, Forte do Rato), casas apalaçadas como o Chalet Dr. João Lúcio, quintas rurais, capelas, ermidas, igrejas, moinhos de maré, noras, entre outros.

Forte do Rato Concelho de Tavira, freguesia de Santa Maria. Localização: 2 km a SE de Tavira, junto à foz do rio Gilão. Classificação: Imóvel de Interesse Público Decreto do Governo n.º 8/83, 24 janeiro. Época de construção: séc. XVI, reinado de D. Sebastião. Utilização inicial: militar, defesa do porto de Tavira.

Forte de São João da Barra ou da Conceição Concelho Tavira, freguesia Cabanas. Localização: faixa terrestre adjacente à laguna, numa pequena elevação, a NE de Cabanas. Acesso pela EN 125 até ao acesso a Cabanas e depois pela EM 1238, contornar o núcleo urbano pelo limite sul e depois acesso por caminho vicinal. Classificação: Imóvel de Interesse Público, Dec. 43073, 14 julho, 1960 (IPPAR). Época de construção: séc. XVII, reinado de D. João. Utilização inicial: militar, de defesa. Utilização atual: habitação, propriedade privada. Observações: em 1670 foi submetido a remodelação e ampliação. Em 1783, estando muito arruinado, foi de novo reedificado.

Núcleo histórico de Cacela Velha Debruçada sobre a Ria Formosa é exemplo do mais emblemático património histórico e cultural. Localiza-se no concelho de Vila Real de Santo António, freguesia de Vila Nova de Cacela. Classificação: Imóvel de Interesse Público - Decreto n.º 2/96, 2 março e Zona Especial de Proteção: Despacho de janeiro de 1987 (DGMEN). Núcleo urbano histórico de origem medieval. Época construção: diversas (século XVIII, XVI) Utilização inicial: núcleo urbano de reduzida dimensão, residencial, cultural, agrícola, administrativo e turístico. Utilização atual: núcleo urbano. Propriedade pública: estatal e municipal; privada: igreja católica, misericórdia e habitações. Inclui fortaleza (arquitetura militar); igreja matriz, com portal renascentista; casa da Misericórdia (séc. XIII); Casa da Câmara, séc. XVI edifício da cadeia; cisterna medieval; e cemitério antigo.

Chalet João Lúcio

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Concelho de Olhão, freguesia de Quelfes. Acesso pela EN 125, a cerca de 1 km a este de Olhão, junto ao Parque de Campismo de Olhão e à sede do PNRF. Esta casa senhorial, do início do séc. XX (1916), localiza-se junto ao Centro de Educação Ambiental de Marim. Trata-se de um edifício com três pisos, quadrangular, sem frente nem traseiras. O Chalé possui quatro entradas cada uma com o seu significado e distribuídas pelos pontos cardeais: a escadaria a norte tem a forma de peixe; a sul de guitarra; a nascente de violino; e a poente de serpente. Assim, o peixe representa a água, a guitarra, o fogo, o violino, o ar e a serpente, a terra. A casa, outrora pertença do Dr. João Lúcio (advogado e poeta), figura mística e carismática de Olhão, nunca foi por ele habitada, pois, em 1918, morreu vítima de pneumonia. Utilização inicial: habitação privada. Utilização atual: Ecoteca. Propriedade: ICNF.

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