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Universidade do Estado do Centro de Educação e Humanidades Instituto de Artes

Tiago Luiz dos Santos Ribeiro

Super Escolas de Samba S/A: tensões e negociações no carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro, em 1982

Rio de Janeiro 2018 1

Tiago Luiz dos Santos Ribeiro

Super Escolas de Samba S/A: tensões e negociações no carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro, em 1982

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós- Graduação em Artes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Arte e Cultura Contemporânea.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Felipe Ferreira

Rio de Janeiro 2018 2

CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEHB

R484 Ribeiro, Tiago Luiz dos Santos. Super Escolas de Samba S/A: tensões e negociações no carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro, em 1982 / Tiago Luiz dos Santos Ribeiro. – 2018. 147 f. : il.

Orientador: Luiz Felipe Ferreira. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Artes.

1. Carnaval – Rio de Janeiro (RJ) - História – Teses. 2. Escolas de samba – Rio de Janeiro (RJ) – História – Teses. 3. – Rio de Janeiro (RJ) – Teses. 4. Império Serrano (Escola de samba) - História – Teses. I. Ferreira, Felipe, 1954-. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Artes. III. Título.

CDU 394.25(815.31)

Bibliotecária: Eliane de Almeida Prata. CRB7 4578/94

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte.

______Assinatura Data 3

Tiago Luiz dos Santos Ribeiro

Super Escolas de Samba S/A: tensões e negociações no carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro, em 1982

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Artes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Arte e Cultura Contemporânea.

Aprovada em 29 de outubro de 2018.

Banca examinadora:

______Prof. Dr. Luiz Felipe Ferreira (Orientador) Instituto de Artes - UERJ

______Profª. Dra. Helenise Monteiro Guimarães Universidade Federal do Rio de Janeiro

______Profª. Dra. Isabela Frade Instituto de Artes - UERJ

Rio de Janeiro 2018 4

DEDICATÓRIA

Dedicado a todos que enfeitam seu coração de confete e serpentina. 5

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço à família da minha mãe, Vania da Penha dos Santos Ribeiro, principalmente minha avó “Cila”, meus tios Alex e “Birico”, responsáveis pelo meu primeiro referencial de amor ao samba. Ao meu pai, Jorge Luiz Ribeiro, por decidir morar na Terra do carnaval. À Valéria Loureiro, primeira a me incentivar a fazer mestrado, que acreditava mais em mim do que eu mesmo. A João Gustavo Mello, pela paciência e amizade. Nossas conversas foram imprescindíveis para a definição do meu projeto. Ao G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel, ao G.R.E.S. São Clemente e à S.R.E.S. Lins Imperial, primeiras agremiações a me darem oportunidade de exercer a função de contador de histórias carnavalescas. À Viviane Martins, parceira-irmã. Não haveria ninguém melhor para dividir o processo do mestrado comigo. Ao Ramiro Costa, grande amigo, sempre paciente, responsável pela disponibilização do acervo de . Ao José Antônio Rodrigues, por compartilhar sua bibliografia, incentivo e amizade. Ao LF e ao Rafael Menezes pela ajuda na revisão do texto e ao Ricardo Silva pela impressão. Às professoras Isabela Frade e Helenise Guimarães, por se disporem a se debruçar sobre o meu trabalho. Ao meu orientador Felipe Ferreira, sempre prestativo e presente, que a tantos serve como norte e suporte da pesquisa de carnaval. E a todos os que de alguma maneira contribuíram durante todo este processo. À Capes, responsável pelo financiamento da minha pesquisa, imprescindível para a minha total dedicação. Sem este importante auxílio governamental, o meu projeto (e o de tantos outros) não teria a mesma qualidade e complexidade. E principalmente à Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que mesmo nos momentos mais difíceis, não desiste de oferecer um ensino de qualidade e de fortalecer a pesquisa científica. Viva a universidade pública e gratuita. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoa- mento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 "This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001" 6

A gente precisa ter o cuidado para não ter saudade de um tempo que não houve. Sérgio Cabral 7

RESUMO

RIBEIRO, Tiago Luiz dos Santos. Super Escolas de Samba S/A: tensões e negociações no carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro, em 1982. 2018. 147 f. Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Contemporânea) – Instituto de Artes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

Através da investigação sobre as mudanças no regulamento para o carnaval de 1982, do Rio de Janeiro, que propôs um desfile mais enxuto num período de ascensão das escolas de samba financiadas pelo jogo do bicho, este estudo aborda questões políticas, econômicas e artísticas da festa carnavalesca carioca. Para tanto, através do protagonismo do Império Serrano, campeão daquele ano, dividimos este trabalho em três partes: as motivações do personagem, o manifesto imperial e o confronto. Desta maneira, no primeiro capítulo, nos debruçamos sobre o conceito de “quatro grandes” agremiações do carnaval, esmiuçamos a relação entre os contraventores do jogo do bicho e as escolas de samba, narramos o processo de feitura do regulamento e analisamos o contexto da folia carioca da virada da década de 1970 e início de 1980. Na segunda parte, através da discussão sobre o conceito de tradição, observamos a proposta discursiva do Império Serrano, de 1982, que absorveu o contexto carnavalesco do período e transformou numa espécie de manifesto. No último capítulo, através da estética do enredo “Bum bum paticumbum prugurundum” e das diferentes maneiras que as agremiações lidaram com o polêmico regulamento daquele carnaval, observamos como as escolas de samba se comportam diante de tensões e negociações.

Palavras-chave: Carnaval. Escola de samba. Tradição.

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ABSTRACT

RIBEIRO, Tiago Luiz dos Santos. Great Samba Schools Corporation: tensions and negotiations in the 1982 ’s carnival. 2018. 147 f. Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Contemporânea) – Instituto de Artes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

Through research on the changes in the 1982 Rio de Janeiro carnival regulation which had proposed, at the time, a leaner parade during a period of increase in the number of samba schools financed by Jogo do Bicho (an illegal and very popular gambling game in operated on a regional basis by mobsters), this paper addresses political, economic and artistic matters regarding Rio’s carnival events. In order to do so, through the guiding role of a samba school named Império Serrano which had won the parade that very year, this paper has been divided into three main parts: the character’s motivation, the imperial manifest and the confrontation. Thus, in the first chapter, we focus on the concept of the "big four" – the 4 greatest samba schools, the relationship between Jogo do Bicho’s mobsters with the samba schools, the process of the regulation’s making in order to finally analyze the context in which the samba events of the 70s and 80s took place. The second chapter refers to the proposition of Império Serrano to create a manifesto out of the carnival context in the 1982. In conclusion, in the last chapter, through the "Bum bum paticumbum prugurundum" plot aesthetics and the different ways in which carnival associations dealt with the controversial carnival regulation of that year we investigate how samba schools behaved when confronted with tensions and negotiations.

Keywords: Carnival. Samba school. Tradition.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Faixa exposta por torcedor da Mocidade, no desfile de 1996...... 28 Figura 2 - Rosa Magalhães e Lícia Lacerda no barracão do Império Serrano, em 1982...... 74

Figura 3 - Croqui da fantasia do “Grupamento malandrinhos”...... 78

Figura 4 - Croqui da fantasia da ala “Caçadores de Veado”...... 78

Figura 5 - Fantasia do segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira do Império Serrano de 1982...... 79 Figura 6 - Croquis dos bonecos de diabo, morcego e baiana confeccionados para o desfile do Império Serrano de 1982...... 80

Figura 7 - Bonecões no desfile do Império Serrano de 1982...... 81

Figura 8 - Bonecões no desfile campeão da Beija-Flor de 1980...... 81

Figura 9 - Croqui de uma alegoria de corpo do Império Serrano de 1982...... 82

Figura 10 - Alegoria do Império Serrano de 1982...... 83

Figura 11 - Fotografia da decoração de rua do carnaval de 1973...... 83

Figura 12 - Comissão de frente do Salgueiro de 1965...... 84

Figura 13 - Segunda comissão de frente do Império Serrano de 1982...... 85

Figura 14 - Croqui da ala “Moleques de Debret Nº: 2” e das alegorias de corpo em formato de casebres, do Império Serrano de 1982...... 86 Figura 15 - Detalhe do quadro “Negros vendedores de aves”, de Jean- Baptiste Debret...... 86 Figura 16 - Foto da ala “Moleques de Debret Nº: 2” e das alegorias de corpo em formato de casebres, do Império Serrano de 1982...... 87

Figura 17 - Projeto da decoração de rua do carnaval de 1965...... 87

Figura 18 - Escultura de Iemanjá feita de isopor por Yarema Ostrower...... 88 10

Figura 19 - Alegoria de corpo representando Iemanjá no desfile do Império Serrano de 1982...... 88 Figura 20 - Croqui da fantasia de Iemanjá da destaque Neide, do Império Serrano de 1982...... 89 Figura 21 - Foto da fantasia de Iemanjá da destaque Neide, do Império Serrano de 1982...... 90

Figura 22 - Fantasia de Isabel Valença, em 1974, no Salgueiro...... 90

Figura 23 - Abre-alas da Beija-Flor em 1980...... 92

Figura 24 - Última alegoria do Império Serrano de 1982...... 92

Figura 25 - Carlinhos Maracanã à frente dos bonecões da Portela de 1982.. 98

Figura 26 - Bonecões da Unidos de Vila Isabel, em 1982...... 99

Figura 27 - Abre-alas da União da Ilha de 1982...... 101

Figura 28 - Detalhe do último carro alegórico da Mangueira, em 1982...... 102

Figura 29 - Elemento alegórico da Beija-Flor de 1982, considerado por Jo- ãosinho Trinta como “carreta” e não “tripé” ou “alegoria”...... 104 Figura 30 - Carregadores empunham esculturas de peões no desfile da Portela, em 1982...... 107 Figura 31 - Componentes da Mocidade “vestem” cilindros alegóricos que, quando unidos, formam uma cobra-grande...... 108 Figura 32 - Entrada da quadra do Império Serrano na comemoração do título de 1982...... 117 Figura 33 - Post de torcedor da Mocidade durante apuração de 2016...... 126

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Ordem e horários de concentração e desfiles das escolas de samba em 1982...... 97 Tabela 2 – Ordem de classificação e pontuação das escolas de samba de 1982...... 115

Tabela 3 – Mapa de notas do grupo 1-A de 1982...... 147 11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 12 1 AS MOTIVAÇÕES DO PERSONAGEM ...... 21 1.1 Das quatro grandes ao trio de luxo ...... 23 1.2 O jogo do bicho no carnaval ...... 28 1.3 O moderno e o tradicional ...... 33 1.4 O(s) regulamento(s) de 1982 ...... 37 1.5 A resposta do Império Serrano ...... 44 2 O MANIFESTO IMPERIAL ...... 47 2.1 Um novo Império Serrano ...... 49 2.2 O meta-enredo ...... 51 2.3 O samba do meta-enredo ...... 56 2.4 Um discurso sintomático ...... 61 2.5 Tradicionalmente tradicional ...... 68 3 O CONFRONTO...... 73 3.1 O discurso ganha forma...... 75 3.2 O embate...... 94 3.3 O Resultado...... 111 3.4 A contestação ...... 118 3.5 O pós-carnaval...... 121 CONCLUSÃO...... 131 REFERÊNCIAS ...... 136 ANEXO A – Sinopse de Enredo do Império Serrano de 1982, “Bum Bum Paticumbum Prugurundum” ...... 141 ANEXO B – Roteiro do Desfile do Império Serrano de 1982 ...... 144 ANEXO C – Mapa de notas do Grupo 1-A de 1982 ...... 147 12

INTRODUÇÃO

Pode parecer irônico que um estudo voltado ao discurso da tradição nas es- colas de samba tenha como autor alguém que não nasceu no meio. Por outro lado, vindo de uma família muito religiosa e pouco carnavalesca (minha avó e tios mater- nos são a única lembrança remota de amantes destas agremiações), ter contrariado os prognósticos e me tornado sambista me oferece um distanciamento interessante para avaliar este objeto. Nascido em Teresópolis, afastado do carnaval da cidade do Rio de Janeiro, passei a infância em Santo Aleixo, distrito de Magé, município de origem daquela que se declara a escola de samba mais antiga do Brasil (EXTRA, 9 de junho de 2017), a Flor de Magé, fundada em 14 de dezembro de 1900.1 Enquanto a região central da cidade realizava seus desfiles de carnaval, lon- ge dos meus olhos, cresci em meio aos poucos blocos de rua que ainda resistiam ao meu redor.2 Lembro-me, inclusive, de frequentá-los usando sempre a mesma fanta- sia de carrasco.3 Como as opções se tornavam escassas – e criança não podia ficar fora de casa, à noite – passei a viver o carnaval de uma outra maneira, como espec- tador, através da tela da TV. Meu interesse pelo carnaval do Rio de Janeiro se deu nas prévias da folia de 1997, não à toa me tornei torcedor da Mocidade Independente de Padre Miguel (campeã em 1996), que eu ingenuamente chamava de “aquela escola do padre” – o que logo gerou suspeitas de que minha escolha adviria da minha religiosidade. Seria apenas em 2001, aos 12 anos, que passaria a me aproximar ainda mais das escolas de samba, quando minha família se mudou para a capital do Estado, morando coin- cidentemente ao lado do G.R.E.S. Tradição (no período áureo da escola, quando ainda desfilava no Grupo Especial), justamente na Estrada Intendente Magalhães,

1 Apesar de os pesquisadores considerarem a Deixa Falar, fundada em 1928, como a primeira escola de samba do Brasil, a Flor de Magé, fundada como bloco em 14 de dezembro de 1900 (posteriormen- te transformada em escola de samba), se declara a escola de samba mais antiga do país. 2 Recentemente, o distrito de Santo Aleixo voltou a contar com uma maior quantidade de blocos de rua. 3 Fantasia que consistia num chapéu em formato de cone, feito de cartolina e preso ao queixo por elástico. No corpo, uma camisa e calça feitas de cetim preto, assim como a parte que cobria o chapéu e a capa, esta última adereçada com desenhos coloridos e espelhos. Curiosamente, desde a infância, nunca mais vi este tipo de fantasia ser usada em lugar algum. 13

onde, 15 anos depois, eu estrearia como carnavalesco. Antes, porém, passaria as noites de terça-feira (dias de ensaio da escola) com os ouvidos atentos, na área de lavar do apartamento, decorando as paradinhas da bateria. Seria por esta escola de samba do bairro que, aos 18 anos, eu pisaria, pela primeira vez, na Avenida, ainda em ala. Desde então, nunca mais passei nenhum carnaval longe da Sapucaí. Poucos anos depois, após me formar em Publicidade e Propaganda e, posteriormente, Jornalismo, assumiria um novo papel diante da festa: seria convidado a escrever reportagens para a revista da Mocidade Independente de Padre Miguel, a realizar o resgate histórico do G.R.E.S. São Clemente e a assumir a editoria da revista do prêmio Plumas & Paetês Cultural. Através das matérias de capa desta última publicação, que em 2016 homena- geou a vida e obra do sambista Monarco, recebi o convite para dar um novo passo nesta trajetória: me tornei pesquisador de enredo e, logo em seguida, carnavalesco da S.R.E.S. Lins Imperial, que teria o compositor portelense como tema de seu des- file. Resultado semelhante ocorreu com o texto do ano seguinte, sobre o sambista Zé Katimba, que me rendeu convite similar do G.R.E.S. Império de Araribóia, agre- miação do Grupo Especial de Niterói. Todo este envolvimento com o carnaval, somado às experiências de julgar o quesito harmonia dos desfiles das escolas de samba da Série A (de 2016 a 2018) me proporcionaram uma visão privilegiada da festa. Um olhar de quem cobre jorna- listicamente o espetáculo, que desfila, julga e o carnavaliza, funções que ainda insis- to em conciliar, todos os anos, pois sinto que ser um desfilante me ajuda a elaborar fantasias mais confortáveis; julgar me torna um carnavalesco mais preparado; e vi- ver o dia a dia de um barracão me leva a entender melhor esta engrenagem e trans- portá-la para meus textos jornalísticos. Destas experiências de escrita, pesquisa e vivência com o carnaval, surgiu o interesse em uni-las em um mestrado, visando ampliar ainda mais a minha compre- ensão da festa, descobrindo novos autores sobre cultura popular, criando novos pa- ralelos e contextualizações, interagindo com outros pesquisadores e olhares sobre este objeto. Na busca por um tema que me estimulasse nestes dois anos de pesquisa, fui atrás de algo que, de alguma maneira, dialogasse com a minha vivência. Como pon- to de partida, me debrucei sobre o regulamento dos desfiles, documento que já me instigava muito antes de me tornar julgador. As polêmicas em torno deste conjunto 14

de regras, que muitas vezes abrem margem à interpretações variadas e cerceiam a liberdade artística, me saltaram aos olhos. Faltava definir um pouco mais o objeto. Como não queria abordar um quesito em particular – me interessava muito mais a interpretação sobre o regulamento como um todo –, optei por estudar um ano específico dos desfiles (e do regulamento), o de 1982. A escolha por este carnaval se deu pelo seu imbróglio, já que, devido a um descumprimento de uma regra (a uti- lização de componentes sobre as alegorias), a campeã perdeu o seu título. Neste caso, a Imperatriz Leopoldinense entregou o troféu para o Império Serrano. A mudança brusca do referido regulamento (que reduziu o número de alegori- as, proibindo o uso de tripés e a utilização de destaques e outros componentes so- bre os carros alegóricos) me toca enquanto carnavalesco pela maneira com que cerceou o projeto artístico daquele ano; e em determinado grau também como desfi- lante, já que, desde 2009, me apresento sobre estas alegorias. Um outro aspecto relacionado ao meu trabalho enquanto carnavalesco advém da proposta de enredo da campeã Império Serrano. Tema nostálgico, marcado por uma exaltação à tradição, elementos com que me deparava a cada ano no momento de propor os enredos da Lins Imperial, definidos de acordo com uma suposta identi- dade tradicional de abordagem nos seus temas. Além disso, no meu dia a dia como colaborador de duas agremiações, perce- bia as estratégias de sobrevivência e negociação destas escolas de samba. Seja buscando apoio de políticos em época de eleição, na tentativa de captação de pa- trocínio ou, até mesmo, no interesse em homenagear figuras ligadas à outras agre- miações que poderiam ceder esculturas ou outros materiais como forma de agrade- cimento. Táticas semelhantes também são observadas no carnaval de 1982. No que se refere ao meu lado jornalista, poder entrevistar figuras como Rosa Magalhães, Lícia Lacerda, Aluísio Machado, entre outras, além de me debruçar so- bre a cobertura da imprensa da época, sua linguagem e métodos, muito me acres- centam enquanto profissional da área. Por fim, para realizar tal pesquisa, acerca da folia de 1982, fez-se necessário retroceder alguns anos, uma vez que o discurso do Império Serrano se confrontava com o sucesso das luxuosas escolas de samba financiadas pelo jogo do bicho, que desde 1976, desbancaram as ditas “quatro grandes” (Império Serrano, Portela, Sal- gueiro e Mangueira), enquanto ascendiam Imperatriz Leopoldinense, Beija-Flor de 15

Nilópolis e Mocidade Independente de Padre Miguel – o que, obviamente, toca meu coração independente. 4

Justificativa

O presente projeto de pesquisa se justifica ao prestar um olhar político- econômico-cultural sobre o regulamento do carnaval de 1982, seus desdobramentos e os fatos que o influenciaram. Uma análise sobre um importante capítulo da história dos desfiles das escolas de samba, uma tradição de quase 90 anos, que ainda sofre com a escassa bibliografia sobre essas agremiações. Além disso, o ano estudado, 1982, se interliga a muitos outros, o que ajuda a entender não apenas um carnaval, mas também a influência dos contraventores do jogo do bicho (que perdura até hoje); a espetacularização dos desfiles (já percebida em meados do século passado e que ainda persiste); a influência do regulamento perante a liberdade artística; a quebra do paradigma das “quatro grandes” (Império Serrano, Portela, Mangueira e Salgueiro) que, por quase 40 anos consecutivos, se revezaram nas primeiras colocações; além do caráter contestador do desfile do Im- pério Serrano, segmento de enredo que se tornaria frequente nos anos posteriores e que marcaria a trajetória de várias agremiações. Vale salientar também que vivemos um período de discussões sobre o regu- lamento dos desfiles, que nos dois últimos anos foi descumprido, cancelando o re- baixamento de três agremiações (Tuiuti, Grande Rio e Império Serrano), além da divisão do título entre Mocidade e Portela, em 2017, gerada pelo erro na justificativa de um julgador. Outro aspecto importante, é a valorização do discurso exaltando os quesitos ligados ao samba em oposição aos quesitos plásticos, como cantado pela Mangueira em 2018, no enredo “Com dinheiro ou sem dinheiro eu brinco”, que dia- loga com a proposta do Império Serrano de 1982.

4 Termo utilizado para nomear o torcedor da Mocidade Independente de Padre Miguel. 16

Hipóteses

Entendendo as escolas de samba como um produto de diversos discursos, constantemente reelaborado através de variadas disputas de poder, qual teria sido o papel do regulamento do carnaval de 1982, formado por um conjunto de regras que propunham um desfile mais enxuto, no momento em que as escolas financiadas pe- lo jogo do bicho dominavam as primeiras colocações, com apresentações opulen- tas? Acreditamos que ao fim deste trabalho verificaremos até que ponto este regu- lamento, formulado e votado por todas as escolas de samba filiadas à Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (AESCRJ) - cuja maioria não contava com o financiamento da contravenção – interferiu no carnaval de 1982. De que maneira a redução do número de alegorias, proibição do uso de tripés e do uso de figuras vivas sobre os carros alegóricos pode ter prejudicado tanto as “Super Escolas de Samba S/A” 5 quanto as outras agremiações, que tiveram de se submeter a novas maneiras de lidar com os elementos alegóricos. Por fim, utilizando o discurso do Império Serrano de 1982 como expressão de uma época, pretendemos identificar se a rivalidade que marcou aquele período, en- tre a espetacularização do carnaval e sua suposta tradição diz respeito apenas ao papel dos bicheiros na sociedade carioca dos anos 1980 ou, se na verdade, unia-se aos interesses artísticos dos carnavalescos em oposição a uma possível visão con- servadora do mundo do samba.

Metodologia da pesquisa

5 Com a reforma ortográfica, o prefixo “super” é aglutinado à palavra a que se refere (se esta não começar com h ou r), logo, “superescolas” se escreve junto, numa palavra só. Apesar disso, mante- mos a grafia original, “super escolas” por entender que ela se tornou uma espécie de marca do enre- do. 17

Invocando Althusser (Apud Storey,2015), que argumenta que na busca pela compreensão é preciso desconstruir o seu texto ou prática para revelar o seu pro- blema, através de um processo chamado leitura sintomática, tomamos o nosso obje- to de estudo não como um quebra-cabeça que esconde um significado, mas uma construção com múltiplos significados. Seguindo esta proposta, buscamos uma diversidade de pontos de vista, mui- tas vezes conflitantes, mas que servem para enriquecer o debate aqui proposto. No âmbito da relação entre as escolas de samba e a contravenção do jogo do bicho, por exemplo, utilizamos tanto obras que criticam a atividade, como Jupiara e Otávio (2016) e Bezerra (2010), quanto as que valorizam a sua contribuição para a festa, vide Prestes Filho (2015). Da mesma maneira, no campo da literatura carnavalesca, utilizamos desde publicações que entendem a festa de maneira mais evolutiva, vide Araújo (2003), Cabral (1974) e Silva, Cachaça e Oliveira Filho (1980) – abordagem que serviu de base para o enredo do Império Serrano de 1982 –, como também au- tores mais contemporâneos, que se debruçam sobre a variedade de influências (ge- ográfica, histórica) que constantemente reorganizam as características do cortejo, vide Ferreira (2004). Visando conciliar abordagens mais personalizadas, utilizamos também obras biográficas sobre os envolvidos na festa, sejam eles profissionais do carnaval ou escolas de samba, tais como em Pamplona (2013), Araújo (2015), Valença e Valen- ça (2017), Bruno (2013) e Diniz et all (2012). Somam-se a tudo isso, importantes documentos encontrados em sítios virtuais, como sinopses e roteiro de desfile, além de algumas raridades, tais como os croquis originais do Império Serrano de 1982 e o adendo do regulamento daquele carnaval, que encontramos no acervo da carnava- lesca Lícia Lacerda. Para iluminar este trabalho, que tem em sua raiz a discussão sobre o conceito de tradição no desfile das escolas de samba, destacamos Canclini (2008), que, tra- balhando o conceito de hibridismo, entende as relações sociais de modo complexo, sob a interação de diversos atores sociais, negociando, formando identidades em constante fluidez, não fixas. Soma-se a esta discussão o conceito de tradições in- ventadas, utilizadas por Hobsbawn e Ranger (1997), para se referir à memória como fonte de costume. Buscando uma maior fidelidade aos períodos retratados, utilizamos centenas de reportagens das mais diversas publicações (O Dia, Extra, Jornal dos Sports, Luta 18

Democrática, A Manhã, O Fluminense, Jornal da Tarde, O Paíz, Correio da Manhã, Tribuna da Imprensa, O Cruzeiro, Jornal do Commercio, Última Hora), com ênfase no Jornal do Brasil e O Globo, que fizeram uma extensa cobertura jornalística do carnaval de 1982. Além disso, apresentamos uma vasta galeria de imagens, com contribuições da Revista Manchete, do Correio da Manhã e, em maior medida, pelo acervo fotográfico do jornal O Globo, valorizando as estratégias alegóricas das agremiações diante do regulamento, além de fotografias que detalhassem as opções estéticas do Império Serrano, importantes para a nossa narrativa. Ainda no âmbito da pesquisa documental, foram analisados todos os desfiles do grupo principal de 1982, disponíveis no Youtube. Deles foram avaliados, princi- palmente, as questões inerentes ao regulamento específico daquele ano, tais como a redução do número de alegorias, a proibição do uso de tripés e da utilização de pessoas sobre os carros alegóricos. Foram observadas também, as maneiras utili- zadas por cada agremiação para substituir as figuras vivas das alegorias e as estra- tégias para apresentar uma maior quantidade de elementos alegóricos do que o re- gulamento permitia, sem acarretar a perda de pontos. Ampliando o debate sobre estes desfiles, acompanhamos as transmissões tanto da TVE quanto da TV Globo e Bandeirantes, levando em conta os depoimentos de seus comentaristas. Além des- tes vídeos, foram apreciadas outras transmissões de desfiles dos anos anteriores que de alguma maneira remetiam àquele carnaval. Entendendo a importância da fala dos envolvidos, esta pesquisa optou por uma coleta de dados através de entrevistas presenciais com os artistas relacionados com o carnaval de 1982, tais como as carnavalescas Rosa Magalhães, Lícia Lacer- da e o compositor Aluísio Machado. Além destes depoimentos, levamos em conta as falas dos mesmos e de outros relacionados, nas publicações daquela época, uma vez que após mais de 35 anos, muitas das lembranças já poderiam ter se perdido. Vale ressaltar que as referidas fontes passaram por um processo de pesquisa, fi- chamento e classificação antes de serem incluídas neste trabalho e seus depoimen- tos foram analisados e contextualizados a fim de evitar verdades totalizantes, muitas vezes presentes nos textos sobre o carnaval.

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A saga de um “herói”

Dedicado a discutir o carnaval de 1982, em que o Império Serrano retoma o seu protagonismo, a presente pesquisa optou por abordar o tema se inspirando na estrutura mítica das narrativas de herói, utilizando conceitos de Vogler (2015).6 Para tanto, tomando o Império Serrano como personagem principal, dividimos o trabalho em três partes, que traduzem o processo de queda da escola, seguida da formula- ção de estratégia para uma nova ascensão e, por fim, a batalha que a leva à vitória. Desta maneira, no primeiro capítulo, apresentamos as motivações do perso- nagem (Império Serrano), ou seja, os fatos que antecederam o carnaval de 1982 e que influenciaram a sua feitura. Destaca-se neste preâmbulo a ascensão das esco- las de samba Beija-Flor de Nilópolis, Imperatriz Leopoldinense e Mocidade Indepen- dente de Padre Miguel que, na segunda metade da década de 1970, financiadas pela contravenção do jogo do bicho, desbancaram as chamadas “quatro grandes” (Império Serrano, Mangueira, Portela e Salgueiro), quebrando a marca de quase quatro décadas de vitórias consecutivas do quarteto. Além disso, através da disputa entre as propostas carnavalescas do período, supostamente conflitantes (luxuosa versus “tradicional”) e da formulação de um novo regulamento que reduziu o número de alegorias, proibiu o uso de tripés e a presença de componentes sobre os carros alegóricos, percebemos de que maneira o Império Serrano poderia apreender todo este contexto e “contra-atacar”. No segundo capítulo, analisamos o discurso do Império Serrano, através da formulação de seu enredo e seu samba, constituindo-se no que classificamos como o “Manifesto Imperial”. Para tanto, acompanhamos o seu processo de elaboração, identificando as obras que lhe serviram de referência e o modo de apropriação deste conteúdo, que criticava as recentes transformações da festa. A seguir, através de uma leitura sintomática, ponderamos suas afirmativas, contradições e subtextos,

6 Em “A jornada do escritor: estrutura mítica para escritores”, Vogler, ao apontar (p. 30) que “todas as histórias consistem em poucos elementos estruturais comuns”, apresenta um manual de escrita divi- dido em três atos, em que, resumidamente, o “herói” recebe um chamado à aventura (lhe é apresen- tado um problema, desafio ou aventura a empreender), através da qual recebe a ajuda de um mentor, passa por provações, conta com aliados e inimigos até alcançar a ressurreição. 20

dialogando com outros autores e entendendo o discurso vigente da época, desta- cando a relação entre os críticos e os alvos envolvidos. Por fim, no último capítulo, acompanhamos o embate que deu a vitória ao Im- pério Serrano. Nele, analisamos a produção da linguagem estética das alegorias e figurinos da escola, as referências utilizadas na reprodução de outros carnavais e as adequações ao regulamento (incluindo os croquis originais). Adiante, compilamos diversas coberturas jornalísticas de todos os desfiles do grupo principal, destacando as diferentes maneiras que cada agremiação lidou com as proibições, assim como a abordagem dada por estes veículos à apuração, em que, por descumprir o regula- mento, a Imperatriz Leopoldinense perdeu o título de campeã. Mais à frente, ainda contextualizamos a teoria de que o resultado do carnaval teria ligações com o mo- mento político do país. Ao fim desta terceira e última parte, apresentamos o que aconteceu com os envolvidos naquele carnaval, o que a vitória do Império Serrano representou, a curto e longo prazo, e a influência daquele desfile (e de seus ideais) até os dias de hoje.

21

1 AS MOTIVAÇÕES DO PERSONAGEM

O desfile das escolas de samba se notabiliza por ser um evento de evidente disputa, cujo resultado envolve a auto estima de várias comunidades, a permanência ou não do seu quadro de funcionários, premiações, além de verba extra para as agremiações que desfilam no “Sábado das Campeãs”.7 Mas para além do momento de clímax da apuração, as tensões e disputas, internas e externas, se dão ao longo de todo o ano, algumas vezes de modo mais manifesto do que em outras ocasiões. Recentemente, algumas dessas tensões se deram de maneira mais evidente, em momentos como o não rebaixamento de nenhuma agremiação do Grupo Espe- cial, em 20178 (após acidentes nos desfile) e 2018 (quase um mês após a apura- ção);9 a divisão do título de campeã entre Portela e Mocidade, em 2017, após a di- vulgação de uma incoerência na justificativa de nota de um jurado (O DIA, 6 de abril de 2017, p. 3);10 como também na decisão do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, de reduzir a verba dos desfiles das escolas de samba (O DIA, 25 de junho de 2017, p. 4), alegando transferir estes valores para a pasta da educação. Este último exemplo, em especial, suscitou uma série de discursos díspares que tentaram colocar em oposição uma manifestação cultural e alunos das creches públicas cariocas, questionando a importância do papel do governo em políticas cul- turais e reavivando a questão da tradição no carnaval, como pôde ser visto no de- poimento da Secretária Municipal de Cultura, Nilcemar Nogueira, neta do sambista Cartola:

7 Desfile que ocorre no sábado posterior ao carnaval, que atualmente conta com as seis melhores colocadas do Grupo Especial, definidas na apuração, na quarta-feira de cinzas. 8 Os motivos alegados pela Liesa para o não rebaixamento de nenhuma escola de samba em 2017 foram os acidentes ocorridos com as alegorias da Paraíso do Tuiuti (12ª) e Unidos da Tijuca (11ª colocada) (O DIA, 2 de março de 2017, p. 4). 9 Um dos motivos alegados para o não rebaixamento da Grande Rio (12ª colocada) e do Império Serrano (13º) em 2018, foi um erro do júri, que despontuou, no quesito Alegorias e Adereços, a au- sência de um carro alegórico da Grande Rio, previsto no roteiro de desfile, quando tal penalização só deveria ser realizada pelos julgadores de enredo (O GLOBO, 1 de março de 2018). 10 O julgador Valmir Aleixo, do quesito enredo, tirou ponto da Mocidade Independente por não apre- sentar uma musa descrita no roteiro prévio de desfile, porém, o julgador esqueceu de checar a versão atualizada do roteiro, em que a referida musa não aparece. Vale salientar que todos os casos aqui citados foram “julgados” pelos presidentes das agremiações afiliadas à Liesa, em plenária. 22

Estamos, neste momento, responsáveis por pensar soluções, envolvendo adequações de custos, revisões de processos e gastos, repensando o que foi o desfile e o que ele pode ser sem perder suas características. E quando falo em características, falo do sentido cultural, nas pessoas, no ser huma- no: as passistas, as baianas, o ritmista, a costureira, o aderecista em primei- ro lugar. (...) Talvez uma alegoria a menos por escola, como já ouvi sugeri- do? Talvez um ano sem tripés nas comissões de frente, que poderiam levá- las de volta a uma exibição coreográfica mais tradicional?11

Diante desta situação, as escolas de samba tomaram algumas atitudes em forma de resposta: o presidente da Mangueira, Chiquinho da Mangueira, ameaçou transferir o desfile desta agremiação, do Sambódromo para a frente de sua sede (O GLOBO, 13 de junho de 2017, p. 9); sambistas realizaram protesto na porta da pre- feitura (O GLOBO, 16 de junho de 2017, p. 7); a Mangueira criou um enredo satírico sobre este corte de verbas (O GLOBO, 22 de julho de 2017, p. 6); a Riotur lançou editais para o patrocínio privado da festa (O GLOBO, 16 de outubro de 2017, p. 9); os dirigentes das escolas de samba se encontraram com o Presidente da República, Michel Temer, pedindo ajuda financeira (O GLOBO, 26 de julho de 2017); e a Liesa decidiu cancelar os ensaios técnicos12 do Sambódromo para “economizar” (EXTRA, 4 de outubro de 2017). Através desses acontecimentos, podemos observar como o desfile das esco- las de samba permanece em constante processo de negociação, seja com o Estado e a opinião pública, seja entre as agremiações e internamente. Se, por um lado, a redução da verba, os erros do julgamento e os acidentes durante os desfiles são temas com os quais as escolas de samba não gostariam de se deparar, ao menos eles fazem com que elas se autoanalisem, se adaptem, se transformem e se questi- onem sobre o que seria a dita “essência” que carregam. Guardadas as devidas proporções, estas não foram as primeiras vezes em que se combinou uma série de eventos envolvendo suspensão de rebaixamento, mudanças de regulamento e fortalecimento do discurso da tradição. O carnaval de 1982 aliou todos estes acontecimentos, cujas tensões aqui pretendemos contextua-

11 In: Secretária de Cultura Sugere Redução na Estrutura dos Desfiles e Diz que é Preciso se Adaptar aos Recursos Disponíveis. Rio de Janeiro, Carnavalesco, 2017. Disponível em: http://www.carnavalesco.com.br/noticia/secretaria-de-cultura-sugere-reducao-na-estrutura-dos- desfiles-e-diz-que-e-preciso-se-adaptar-aos-recursos-disponiveis/53177 12 Evento realizado nos finais de semana antecedentes ao carnaval em que se simula a realização do desfile sem as alegorias e fantasias oficiais, com entrada gratuita, que tem atraído centenas de milha- res de pessoas há mais de uma década. 23

lizar e investigar. 13 Um estudo sobre disputas ocorridas há mais de 30 anos, que podem, inclusive, nos ajudar a compreender o momento atual. Ao nos deparar com o caso de 1982, observamos uma gama de reviravoltas, que se iniciaram com as mudanças bruscas no regulamento, em julho de 1981, tais como: a polêmica decisão de proibir, pela primeira (e única) vez, a presença de figu- ras vivas sobre as alegorias, ou seja, de composições ou destaques.14 Além disso, voltava a contar pontos o casal de mestre-sala e porta-bandeira (que deixou de ser avaliado em 1980 e 1981); o número de carros alegóricos foi reduzido a apenas três e o uso de tripés15 passou a ser proibido. Em seguida, numa decisão que levou me- ses para ser sacramentada, é cancelado o rebaixamento das agremiações Vila Isa- bel e Império Serrano, respectivamente penúltima e última colocadas de 1981, per- mitindo que estas continuem a disputar os desfiles do grupo principal (BRASIL, 2012). E são sobre estes fatos que nos debruçaremos neste trabalho, buscando compreender as questões que teriam motivado a criação do enredo Bum bum pati- cumbum prugurundum, do Império Serrano (enfoque do capítulo 2) e, diante dos desdobramentos nos desfiles daquele ano e na apuração (capítulo 3), utilizados aqui como um estudo de caso, entender a dinâmica das escolas de samba diante de pro- cessos de tensão e negociações.

1.1 Das quatro grandes ao trio de luxo

Por mais que este trabalho se dedique a esmiuçar um ano específico dos des- files das escolas de samba, é necessário, porém, entender o contexto que o tornou tão emblemático. Para tanto, precisamos retroceder algum tempo, mais precisamen-

13 Uma análise que ainda não é possível fazer com o exemplo de 2017/2018, uma vez que seus efei- tos ainda estão se processando. 14 As fantasias maiores, desfilando sobre carros alegóricos, são chamadas de destaques e quase sempre representam personagens ou conceitos importantes do enredo. Já as fantasias mais simples são chamas de composições de alegoria ou simplesmente composição e, como o nome já indica, ajudam a compor o visual e o sentido de cada carro alegórico (FERREIRA, 1995:29). 15 Tripés são alegorias de menor tamanho. Na teoria, são sustentadas por apenas três rodas, mas, na concepção do mundo do samba, podem abranger as estruturas de quatro ou duas rodas. 24

te para o carnaval de 1954, quando desfilaram juntas, pela primeira vez, as escolas que seriam conhecidas, já naquela mesma década como as “quatro grandes” do carnaval: Portela, Mangueira, Império Serrano e Acadêmicos do Salgueiro, esta úl- tima recém fundada.16 Embora seja uma tarefa difícil apontar o autor do conceito de “quatro gran- des”, assim como a data de criação da expressão, ao analisar as crônicas sobre os desfiles feitas por O Globo na década de 1950, podemos notar que desde o carnaval de 1956, o jornal já separava Portela, Mangueira, Império e Salgueiro em um pata- mar acima das demais (esta última ocupando o posto que anos antes era da Apren- dizes de Lucas). Em 1958, antes mesmo do Salgueiro conquistar o seu primeiro títu- lo, o Jornal do Brasil (05 de setembro, p. 7) já utilizava a expressão, indicando os membros do quarteto.17 No ano seguinte, o Jornal O Globo (11 de fevereiro, p. 3), publicava um texto detalhado sobre a hegemonia das “quatro grandes”, utilizando, inclusive, a expressão como subtítulo:18

Portela, Império Serrano, Mangueira e Acadêmicos do Salgueiro constitu- em-se, há vários anos, nas quatro maiores e melhores escolas do Rio. Por mais que as outras quatorze de primeira classe se esforcem, não conse- guem desbancar uma delas para posição inferior.

Esta supremacia das quatro agremiações, que pode sugerir uma hegemonia amigável entre as integrantes do quarteto (o que discutiremos mais à frente), iniciara desde o primeiro ano em que desfilaram juntas, em 1954, se estenderia por mais de duas décadas, período em que por apenas cinco ocasiões Portela, Mangueira, Impé- rio e Salgueiro não ocuparam os quatro primeiros lugares.19 Se calcularmos ainda os carnavais anteriores à fundação do Salgueiro (1953) e do Império Serrano (1947),

16 A Portela foi fundada em 1923, a Mangueira em 1928, o Império Serrano em 1947 e o Salgueiro em 1953 (ARAÚJO, 2003). 17 No jornal do Brasil de 31 de janeiro de 1958, o compositor Hinha, da Unidos da Capela, afirmava que “as quatro grandes escolas vão ser cinco este ano, porque a Unidos da Capela será uma surpre- sa”, sem citar quais seriam estas. Já na edição de 12 de fevereiro de 1958, o jornal cita o Salgueiro como uma das “quatro grandes”. 18 Em 1958, a reportagem de o Globo de 19 de fevereiro chega a classificar estas como grandes es- colas, mas não de maneira incisiva como a expressão “quatro grandes” passou a caracterizar. 19 Em 1966, a Vila Isabel ficou em quarto lugar e o Salgueiro em quinto. Em 1968, a Vila Isabel ficou em quarto lugar e a Portela em sexto. Em 1970, a Mocidade ficou em quarto lugar e o Império Serra- no em oitavo. Em 1972, a Imperatriz Leopoldinense ficou em quarto lugar e o Salgueiro em quinto e, em 1975, a Mocidade ficou em quarto lugar e a Portela em quinto. 25

percebemos que por quase 40 anos (1939-1975) sempre uma das ditas quatro grandes foi declarada campeã do carnaval. 20 Com o tempo, a abordagem narrativa de “quatro grandes”, que poderia se restringir apenas à imprensa, passou a ser defendida pelas próprias escolas, como fez o Império Serrano, em 1982, através de uma publicação própria, em que justifi- cava a hegemonia do quarteto pelo argumento histórico, desde o surgimento deste tipo de agremiação:

A primeira delas, fundada por alguns daqueles sambistas do Estácio, cha- mou-se Deixa Falar, logo desaparecida. A ela, entretanto, seguiram-se duas outras que se tornaram dois expoentes do carnaval brasileiro, hoje interna- cionalmente conhecidas: Portela e Mangueira, a primeira com sede no su- búrbio de Madureira e a segunda localizada no morro do mesmo nome, am- bas nascidas nos últimos anos da década de 1920. Fato curioso é que as duas outras escolas de samba mais representativas só apareceriam no ce- nário carnavalesco muitos anos depois, embora seus embriões, ou seja, es- colas menores que se fundiram para formar uma maior, fossem quase con- temporâneas da Portela e da Mangueira. Essas duas outras escolas, que ao lado da Portela e da Mangueira formam as chamadas quatro grandes, são, por ordem de aparecimento, o Império Serrano, de 1947, e os Acadêmicos do Salgueiro, de 1953 (REVISTA DO IMPÉRIO SERRANO, 21 de fevereiro de 1982, p. 5)

Mas esta hegemonia chegaria ao fim em 1976, quando a Beija-Flor de Nilópo- lis sagrou-se campeã do carnaval,21 numa apuração tumultuada, com direito a oito pessoas feridas (JORNAL DA TARDE, 06 de março de 1976).22 O depoimento do jornalista Sérgio Cabral dá uma noção do que significava a quebra deste recorde: “Tinha uma resposta pronta a todos que me perguntavam, antes do carnaval, qual seria a agremiação vencedora do desfile todo ano. ‘Portela, Salgueiro, Império Ser- rano ou Estação Primeira de Mangueira’ e não errava até 1976, quando a Beija-Flor de Nilópolis deu início a um novo tempo” (Apud DINIZ ET ALL, 2012, p. 8).

20 Até 1975, apenas em duas ocasiões nenhuma das ditas quatro grandes foi declarada campeã: em 1936, carnaval vencido pela Unidos da Tijuca, e em 1937, quando a Vizinha Faladeira alcançou o título (em 1938 e 1952 a apuração foi cancelada). 21 Neste carnaval, a Mocidade Independente ainda ficaria em terceiro lugar, com a mesma pontuação da vice-campeã Mangueira, desempatadas no quesito bateria. 22 Para se ter uma ideia da confusão, vários presidentes das agremiações abandonaram o Teatro João Caetano, local da apuração, por não concordarem com o julgamento, como Anísio Abraão Da- vid, da Beija-Flor de Nilópolis, que se revoltou após receber nota 3 em samba-enredo, não aguardan- do no recinto até ver sua escola ser declarada campeã (O GLOBO, 06 de março de 1976). O imbró- glio começou no dia do desfile, quando três dos julgadores não compareceram, o que levou a organi- zação a cogitar um carnaval hour concurs, ideia não levada adiante (O GLOBO, 03 de março de 1976). 26

Os anos posteriores provariam que o feito não fora mero acaso. A agremia- ção da Baixada Fluminense ainda levaria os títulos de 1977, 1978 e 1980, este últi- mo empatado com Portela e mais outra novata no hall de vitoriosas, a Imperatriz Le- opoldinense, também vencedora em 1981. Além delas, neste período, uma terceira agremiação estrearia na primeira posição, a Mocidade Independente de Padre Mi- guel, campeã em 1979. Ou seja, não satisfeitas com a interrupção do recorde das quatro grandes, as agremiações novatas ainda dominaram a primeira colocação, até aquele instante, por seis anos.23 Não obstante quebrarem o paradigma de campeãs do carnaval, as três esco- las novatas no hall das vitoriosas ainda eram ligadas por um eixo polêmico: todas eram financiadas por contraventores do jogo do bicho, respectivamente Anísio Abra- ão David (Beija-Flor de Nilópolis), Castor de Andrade (Mocidade Independente) e Luiz Pacheco Drumond (Imperatriz Leopoldinense). Este aporte extra de verba pro- porcionou desfiles cada vez mais luxuosos e permitiu que as três agremiações con- tratassem os profissionais mais disputados da festa (PRESTES FILHO, 2015). Foi assim que a Beija-Flor, agremiação fundada em 1948, no diminuto muni- cípio de Nilópolis, que só estreou nos desfiles da cidade do Rio de Janeiro em 1954, e que, após sucessivos rebaixamentos, voltou à primeira divisão, em 1974, conse- guiu contratar os, então atuais, bicampeões da festa (1974-75), o carnavalesco Jo- ãosinho Trinta24 e o diretor de harmonia Laíla, oriundos do Salgueiro, artistas decisi- vos para as vitórias dos anos seguintes. Basta observar como se deu a aproximação da família Abraão David com a Beija-Flor 25 para perceber como esta foi crucial para a história da agremiação. O encontro efetivo se deu poucos anos antes desta primeira vitória, em 1972,26 quando Nelson, irmão de Anísio, começou a namorar Marlene, filha de José Rodrigues Sen- nas, o primeiro presidente da escola, e se candidatou ao comando da agremiação.

23 Este efeito levou Diniz, Fabato e Medeiros (2012) a tratar estas escolas de samba como três irmãs ou um trio de penetras que arrombou a festa. 24 Como metodologia de trabalho, optamos por grafar “Joãosinho” e não “Joãozinho”, embora na épo- ca aqui estudada seu nome artístico ainda era com “Z”, o artista passou a adotar, posteriormente o nome com “S” e nunca mais mudou. O único momento em que aqui não seguimos esta regra é quan- do seu nome é utilizado numa citação, onde preferimos transcrever a grafia original. 25 Sobre a dinâmica de funcionamento da Beija-Flor de Nilópolis entre os anos 1950 e 1970, ver BE- ZERRA (2010). 26 Anísio chegou a ter uma rápida passagem como presidente da Beija-Flor de Nilópolis, na segunda metade da década de 1960, mas, para JUPIARA e OTÁVIO (2016), só no retorno da família à presi- dência, em 1972, os Abraão David, já então firmados como banqueiros do bicho, selariam a posse da agremiação. 27

No primeiro carnaval sob sua chefia, a Beija-Flor subiu para a divisão principal e nos dois anos seguintes contou com os serviços das carnavalescas Rosa Magalhães e Lícia Lacerda, oriundas da Escola de Belas Artes (EBA-UFRJ) e remanescentes da equipe que levou o Salgueiro ao campeonato de 1971. Porém, os enredos apresen- tados 27 (idealizados por Manuel Antônio Barroso) 28 foram muito malvistos, pois pres- tavam reverência ao governo militar, então no poder. A situação só melhorou no ano seguinte, com mais uma mudança em seu quadro artístico e a primeira vitória no grupo principal (JUPIARA e OTÁVIO, 2016). Na Mocidade a história não foi muito diferente. O aprofundamento da relação de Castor de Andrade com a verde-e-branco data do final de 1973. Em razão do mau resultado no desfile daquele ano, um intermediário do bicheiro propôs ao presi- dente da agremiação, Osmar Pereira Leite, uma “ajuda”. A diretoria aprovou e, já para a folia de 1974, foi contratado o carnavalesco Arlindo Rodrigues, quatro vezes campeão no Salgueiro. A escola acabou em 5º lugar, mas teria sido a campeã se não levasse uma nota 4 no quesito fantasia, fato que gera polêmicas até hoje entre seus torcedores. A agremiação, que já desfilava pelo grupo principal desde 1959, era mais conhecida pelo seu ritmo, sendo até apelidada como “uma bateria que car- regava uma escola de samba”, estigma que mudou a partir da chegada do patrona- to, que passou a ser maciçamente louvado pelos torcedores da escola (como pode ser visto na Figura 1), e que foi decisivo para a vitória de 1979 (DINIZ ET ALL, 2012).

27 Os enredos em questão foram: “Educação para o desenvolvimento”, de 1973, “Brasil ano 2000”, de 1974, e “O grande decênio”, de 1975. 28 Apontado como “assessor em Brasília, do Supremo Tribunal” (JORNAL DO BRASIL, 15 de setem- bro de 1974, p. 6.). 28

Figura 1 - Faixa exposta por torcedor da Mocidade, no desfile de 1996

Nota: Através de uma adaptação de um versículo bíblico, o torcedor demonstra a importância do contraventor Castor de Andrade para o sucesso da Mocidade Independente de Padre Miguel Fonte: Wigder Frota

A chegada de Luiz Pacheco Drumond à Imperatriz Leopoldinense foi um pou- co depois dos seus colegas. Convidado por um dos fundadores e ex-presidente, Amaury Jório, o patrono encabeçou a chapa para a eleição da escola, assumindo a agremiação em 1976. De início, comprou o terreno da quadra e arrumou um melhor barracão para confecção de alegorias, mas a vitória só veio em 1980, ao contratar o carnavalesco recém campeão na Mocidade, Arlindo Rodrigues. Com ele, foi bicam- peão, em 1980 e 1981. Antes da chegada do contraventor, o melhor resultado da agremiação foi um quarto lugar, em 1972, ano em que a escola se tornou conhecida do grande público por servir de cenário para novela Bandeira 2, da TV Globo (LEI- TÃO, 2016).

1.2 O Jogo do Bicho no Carnaval

29

Castor de Andrade, Anísio Abraão David e Luiz Pacheco Drumond não foram os primeiros patronos de uma escola de samba. Anos antes, os mandatários do po- pular jogo do bicho já haviam se aproximado das agremiações, tais como o contra- ventor Natalino José do Nascimento, mais conhecido como Natal, que passou a fi- nanciar a Portela no início dos anos 1960, o que nos lembra que a relação entre contravenção e escolas de samba não foi exclusiva das novas agremiações. Coinci- dentemente ou não, o sucesso dos novos bicheiros e suas agremiações se deu jus- tamente após o falecimento de Natalino da Portela, em 1975, quando a Beija-Flor de Nilópolis apresentou um enredo que contava a história do jogo do bicho. Nada mais emblemático. Para Jupiara e Otávio (2016), a diferença entre os contraventores dos “tem- pos românticos” e os novos “barões do bicho” estava em um ambicioso projeto de poder. Exemplo disso seria a vitória da Beija-Flor, em 1976, sacramentada no mes- mo período em que a família de Anísio Abraão David se tornou a controladora da jogatina do bicho nos municípios da Baixada Fluminense e a “dona” do poder político municipal em Nilópolis (o primo de Anísio, Simão Sessim, foi Prefeito da cidade entre 1973 e 1976. Por sua vez, o primo de Simão Sessim, Miguel Abraão, era presidente da Câmara de Vereadores. Já Jorge David, também primo de Anísio, era deputado estadual). Indo mais além, Jupiara e Otávio apontam que o apoio dos novos contraven- tores à ditadura militar (como explicitado na escolha dos enredos da Beija-Flor, entre 1973 e 1975) e a cooptação de agentes da repressão nas Forças Armadas e na po- lícia, abririam espaço para a ascensão social e fortalecimento do poder dos novos bicheiros. Esta mudança no mapa da contravenção colocaria em choque antigos e novos bicheiros, uma vez que, com o AI-5,29 a jogatina sofreria um revés, com o re- gime militar reprimindo o jogo, chegando a prender, na Ilha Grande, patronos como o Natal da Portela. Em Nilópolis, Anísio teria aproveitado o enfraquecimento dos an- tigos bicheiros da região para tomar pontos de jogatina e conquistar territórios cada vez maiores, valendo-se de proteção política e ficando relativamente a salvo.

29 O Ato Institucional nº 5, AI-5, baixado no Brasil em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, vigorou até dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governan- tes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados. (MARIA, 2017) 30

As tensões entre as gerações de bicheiros/patronos de escolas de samba, se tornariam mais evidentes nas páginas policiais dos jornais: em 1968, Natal da Porte- la acusaria Castor de Andrade de ser o mandante do assassinato de seu sobrinho, Denilson Cláudio Brás (conhecido como Zé Pequeno), que teria assaltado alguns de seus pontos de bicho (O GLOBO, 31 de outubro de 1968, p. 12); em 1976, é assas- sinado o bicheiro Euclides Pannar, o China Cabeça Branca, presidente do Salgueiro, um mês após denunciar uma fraude nos sorteios do jogo e romper com a cúpula da contravenção que foi investigada pelo crime (JORNAL DO BRASIL, 2 de dezembro de 1976, p. 30). Ao mesmo tempo em que esta disputa ocorria nas páginas policiais, uma riva- lidade semelhante passou a marcar o carnaval, entre as escolas dos antigos contra- ventores e dos novos “barões do bicho”. Segundo Cabral (Apud DINIZ ET ALL, 2012, p. 9), muita “gente boa” imaginou que o samba sairia perdendo com a ascen- são da Beija-Flor, Mocidade e Imperatriz. Logo, seria fácil atribuir o sucesso destas três agremiações a uma mudança de conceito em que o samba (a música, a letra, o ritmo, o canto e a harmonia) tivesse cedido o seu espaço à beleza plástica criada pelos carnavalescos, que passaram a “comandar o carnaval” a partir da década de 60 (o que discutiremos mais à frente). Por isso, o papel dos bicheiros destas três agremiações se tonou mais evidente, pois, como se tratavam de escolas de samba que antes não tinham tradição de vitória, a função dos mesmos se tornou resposta frequente para justificar a quebra desse paradigma. A violenta disputa territorial da contravenção estaria alimentando a rivalidade entre as agremiações de seus patronos? Teriam as páginas policiais influenciado na crítica dos sambistas às escolas dos novos contraventores? Ou um dos motivos se- ria a distância geográfica entre as comunidades das novas campeãs do carnaval e o “tradicional” eixo Madureira-Tijuca-Mangueira?30 O fato é que enquanto duas das ditas “quatro grandes” perdiam seus presidentes/mecenas (Natal da Portela e Eucli- des Pannar, do Salgueiro) os expressivos resultados das agremiações dos novos “barões do bicho”, Beija-Flor, Mocidade e Imperatriz, por si só, estavam influencian- do o modelo do carnaval.

30 O vice-campeonato da Mangueira, em 1976, teria sido comemorado como vitória, já que os man- gueirenses não “considerariam os nilopolitanos seus concorrentes, por não serem cariocas” (O FLU- MINENSE, 6 de março de 1976, p. 4.). 31

A Beija-Flor estava na crista da onda, como se dizia. Ditava as regras do desfile — alegorias enormes, enredos delirantes —, atraía artistas e políti- cos e abria na sociedade espaços até então vetados aos bicheiros. (...) O desfile vivia um processo de transformação: de festa popular em espetáculo comercial, com a ascensão das superescolas de samba S/A, “escondendo gente bamba”. (...) O poder do bicho mudou naquela virada de década a hi- erarquia do samba, antes definida pela arte dos sambistas, agora pelo luxo e beleza das alegorias. (JUPIARA e OTÁVIO, 2016, pp. 45, 63 e 189).

De fato, para além de suas atividades ilícitas, é inegável a importância que estas figuras tiveram para os rumos do carnaval carioca. Depois do tumulto registra- do na apuração dos desfiles de 1976 (JORNAL DA TARDE, 6 de março de 1976), as agremiações dos contraventores provocariam outras transformações na festa, como se veria em 1984, ao capitanearem a fundação de uma nova associação que organi- zaria os desfiles, a Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA). A desfiliação dessas agremiações da Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro (AESCRJ) teria ocorrido por considerarem injusto as escolas de samba do grupo principal terem o mesmo peso de voto e veto das outras dezenas de agremia- ções das outras divisões,31 como lembra Anísio Abraão David:

Desejávamos botar seis carros no nosso grupo, na votação perdíamos. As outras votavam contra. As menores escolas de samba queriam quatro car- ros alegóricos para todos. No debate sobre o regulamento dos quesitos ba- teria, harmonia, alegoria, perdíamos. (...) pedi a mesa para elaborar um re- gulamento para cada grupo. Botaram em votação, minha proposta foi derro- tada. Levantei e disse: “eu me retiro”. (Apud PRESTES FILHO, 2015, p. 23).

Como veremos a seguir, um embate parecido foi observado na construção do regulamente de 1982, num período em que o jogo do bicho vivia uma situação inusi- tada, quando sua cúpula chegou a ameaçar entrar em greve. A ideia era propor uma trégua – incluindo a suspensão da ajuda financeira às agremiações - enquanto o projeto de legalização do jogo, de autoria do deputado Péricles Gonçalves,32 do Par- tido Popular (PP-RJ), tramitasse na Comissão de Justiça da Câmara dos Deputa-

31 No início dos anos 80, as escolas de samba eram distribuídas em quatro grupos, numa estrutura que Barbieri (2010) classifica como hierárquico-competitiva, em que as melhores classificadas em suas divisões ascendem de grupo e as agremiações com as piores notas são rebaixadas. Importante salientar que quanto mais alto o grupo hierárquico, maior a verba recebida, a estrutura disponível e a atenção advinda da mídia. 32 Segundo o jornal O Globo (7 de outubro de 2013, p. 7), o delegado Péricles Gonçalves (Polícia Civil), foi eleito deputado no fim dos anos 1980, com apoio de Anísio Abraão David. 32

dos.33 Mas antes do “motim” se concretizar, os contraventores desistiram da parali- sação, afirmando que esta poderia provocar “desemprego, aumento no índice de criminalidade e tensões sociais no Estado”. José Carlos Lacerda, vice-líder do PP na Assembleia Legislativa, chegou a afirmar na época que 140 mil pessoas ficariam desempregadas em caso de greve, que era preciso “legalizar o bicho e tirar uma parte para a segurança da população”. Já Simão Sessim, primo de Anísio Abraão David, afirmou que “a grande maioria dos que trabalham no jogo do bicho é formada por mutilados, desempregados, aposentados e doentes que não têm como conse- guir outro tipo de ocupação” e que, o presidente de honra da Beija-Flor tinha entre 1500 e 2000 empregados em pontos do bicho na Baixada Fluminense (O GLOBO, 30 de outubro de 1981, p. 12). Sobre o não financiamento das escolas de samba, na mesma reportagem, o presidente do Império Serrano, Jamil Salomão Maruff, mesmo afirmando que, em todo o Grande Rio, apenas a sua escola, a União da Ilha e a Mangueira não recebi- am ajuda dos banqueiros do bicho, “a greve não afetaria o carnaval”. Compartilhan- do da mesma opinião, Roberto Maia, mandatário da União da Ilha, defendia que as escolas de samba eram autofinanciadas, que a renda da sua agremiação vinha dos ensaios, shows, e do comércio nos dias de festa, complementado com a subvenção e contribuição da comunidade: diploma de beneméritos distribuídos a comerciantes que ajudam a escola. Já Nelson Abraão David, presidente da Beija-Flor, surpreen- deu ao dizer que desconhecia qualquer ajuda da contravenção às escolas: “o jogo do bicho nada tem a ver com o samba”. Independentemente da veracidade destas opiniões, assim como suas motiva- ções, podemos perceber como o poder da contravenção era evidente neste período, não só no carnaval, mas também na esfera política, através do apoio declarado de uma parcela de seus representantes. Além disso, ao trazermos estas questões para o carnaval de 1982, observamos que, a partir da chegada destes patronos em suas respectivas agremiações, além da injeção financeira e das subsequentes vitórias, surgiu um embate para além do costumeiro, na Avenida, evidenciando uma disputa entre propostas de desfile, que seriam questionadas no enredo do Império Serrano.

33 O projeto chegou a ser aprovado na Comissão de Justiça da Câmara Federal (O GLOBO, 21 de abril de 1982, p. 4), mas, até hoje, o jogo do bicho não foi liberado. Atualmente, tramita do Senado Federal o Projeto de Lei N. 186, de 2014, da autoria do Senador do Piauí, Ciro Nogueira (Partido Progressista – PP), sobre a exploração dos jogos de azar no Brasil. 33

1.3 O moderno e o tradicional

Choques entre conceitos de novo e tradicional não são exclusividade das es- colas de samba. Em seu livro sobre cultura popular, Storey (2015) reúne o pensa- mento de vários autores, como Bourdieu, por exemplo, afirmando que gostos e mo- dos de vida arbitrários são continuamente transformados em gosto legítimo e no úni- co modo de vida considerado autêntico. Deste modo, as novidades são inicialmente vistas como uma ameaça à “essência” da cultura, como observada na disputa do carnaval de 1982, aqui estudado, em que as propostas artísticas das escolas finan- ciadas pelo jogo do bicho, estavam sendo questionadas pelo mundo do samba cari- oca, por supostamente desvirtuarem da “tradição”. Além disso, Storey ainda aborda o gosto como um marcador de classe, legi- timando diferenças sociais. Então a nova proposta dos desfiles seria fruto de um gosto estético ligado aos novos sambistas mais abastados? Para Joãosinho Trinta, autor da famosa frase “Quem gosta de miséria é intelectual, pobre gosta de luxo”, seria justamente o oposto. Porém, logo veremos que este conflito vai além da hie- rarquia econômica. Citando Gramsci, Storey (2015) pode nos servir para questionar a aversão à proposta de um carnaval mais opulento, ao afirmar que as culturas não são “autênti- cas”, nem impostas, mas o resultado de um equilíbrio de ajustes, uma mistura con- traditória de forças, entre vários atores, marcadas pela resistência e incorporação. Isso quer dizer que, diante de novos paradigmas, as escolas de samba, como uma espécie de organismo vivo, questionam a sua dita essência, avaliam as possíveis transformações que o novo pode acarretar, possivelmente se subdivide entre gru- pos 34 favoráveis e contrários à tal influência e responde (positivamente ou não) a este estímulo. Sobre ceder, negar ou transformar estas influências, Ferreira (2012) as classifica como estratégias de sobrevivência das escolas de samba.

34 Gramsci divide estes grupos em intelectuais tradicionais (distantes das dinâmicas em fermentação, empalhados dentro de um mundo antiquado, estão voltados a manter o status quo) e orgânicos (ao contrário, são os que fazem parte de um organismo vivo, em expansão) (Apud SEMERARO, 2006). 34

Lembrando que a decisão sobre as propostas de desfile também passa por quem o assiste, Storey (2015) afasta-se da visão de público como uma vítima muda e passiva de processos que ele “nunca conseguirá entender” -, e, para tanto, cita os estudos de De Certeau, classificando este consumo como algo tão importante que o compara a uma produção secundária. Ou seja, agentes como as torcidas das agre- miações, os julgadores e a Riotur, 35 assim como a imprensa, são importantes ins- trumentos nessa espécie de modelagem das escolas de samba, mesmo possuindo diferentes níveis de influência. Antes, porém, de observar este embate artístico-ideológico no carnaval de 1982, vale salientar que, para autores como Kiffer e Ferreira (2015), as escolas de samba surgem, aos olhos da elite intelectual dos anos 1930, como “legítimas repre- sentantes da pureza e inocência” daquilo que esta entendia como cultura popular, em oposição à ostentação dos ranchos, à violência dos blocos e descontrole dos cordões, o que nos permite compreender as razões desta constante luta por sua “essência”. Por outro lado, os autores questionam o problemático e constantemente reafirmado conceito de “invasão da classe média” no carnaval, uma vez que, não faltam exemplos de como as escolas de samba, historicamente, estavam abertas ao diálogo. De manifestações exclusivas do “povo”, as escolas de samba passaram, nos anos 1950, a atrair o interesse da elite da cidade, que começou a participar, por exemplo, do Torneio de Partido Alto, reunindo “Portela e Arpoador” na quadra da agremiação; no domingo de carnaval, grupos começaram a alugar salas na Avenida Presidente Vargas, ao longo do trajeto do desfile, numa espécie de embrião dos ca- marotes; por sua vez, os jornais da época publicavam matérias detalhando práticas do mundo do samba, com textos e fotos de alto teor didático, para que o novo públi- co pudesse desfrutar completamente do evento. Desenvolveu-se todo um imaginário visual em torno do universo “negro”, com base em estereótipos físicos e comporta- mentais, que logo foram traduzidos pelos artistas plásticos responsáveis pelas deco- rações dos bailes à fantasia,36 substituindo os motivos de carnavais de outros povos, pela estética do samba (KIFFER e FERREIRA, 2015).

35 Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro, órgão da Prefeitura responsável por organizar o carnaval carioca e, que naquela época, também elaborava o regulamento dos desfiles. 36 Segundo Guimarães (2015), os espaços onde se realizavam os bailes carnavalescos constituem os primeiros locais onde estes “tipos populares” (malandro, baiana, mulata) aparecem em conjunto,

35

A partir da consolidação deste novo público, o aspecto visual dos desfiles passa a receber mais destaque da imprensa, com o início das transmissões pela TV,37 atraindo, cada vez mais, a atenção de cinegrafistas do mundo todo; as agre- miações (incluindo as tradicionais “quatro grandes”) participam de desfiles promovi- dos pela Coca-Cola, entre 1957 e 1962, tendo a marca de refrigerante como tema;38 nos anos 1960, os sambas de enredo passam a ser gravados e vendidos em discos, popularizando o gênero; devido ao sucesso, agremiações como o Império Serrano, Mangueira e Portela passam a cobrar entrada nos seus ensaios, enquanto o Sal- gueiro troca a sua quadra, no morro, por um salão no Clube Maxwell, numa zona residencial da Tijuca e, em 1976, o empresário Maurício Mattos cria o primeiro ca- marote da Avenida.39 Estas mudanças, mesmo que a longo prazo, refletiam a pre- sença do novo público e contribuíam para a captação de novos interessados nos desfiles, o que, evidentemente, passou a influenciar as escolas de samba. Por sua vez, o regulamento que rege as apresentações também foi constan- temente modificado ao longo das décadas, refletindo ou provocando as transforma- ções pelas quais a manifestação carnavalesca passa. Para Ferreira (2004), as dis- putas em desfile, baseadas em regulamentações, quesitos e proibições, mais do que apenas apontar a escola campeã, se constituem como um forte fator de formatação dessas agremiações. Em seus primeiros desfiles, quando as escolas se apresentavam como uma espécie de grupo de samba, ainda sem alegorias e obrigatoriedade de fantasias adequadas ao enredo, os quesitos 40 em julgamento se referiam, quase que em sua totalidade, a questões ligadas à música, o que acentuava a diferenciação das esco- las em relação aos ranchos. No fim da década, após a inclusão de novos elementos

compondo uma narrativa característica da festa. Antes, porém, estas figuras já haviam sido lembra- das nos quadros de Jean Baptiste Debret, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral. Além disso, através do sucesso de Carmem Miranda, a imagem da baiana ganharia o cenário internacional, assim como a do malandro, posteriormente associado ao personagem criado pelos estúdios Disney, o papagaio Zé Carioca. Seria através da construção desta imagem de brasilidade que estes tipos se fixaram no ima- ginário carnavalesco entre o final dos anos 1920 e 30. 37 Sobre a midiatização das escolas de samba, ver CARDOSO (2008). 38 Sobre os desfiles patrocinados pela Coca-Cola, ver KIFFER e FERREIRA (2015). 39 Sobre o primeiro camarote da Avenida, ver VIEIRA (2017). 40 Em 1935, os quesitos eram: harmonia, poesia do samba, enredo, originalidade e conjunto. Já em 1936, estavam em julgamento: harmonia, samba, bateria, bandeira e enredo. 36

no desfile, como as primeiras alegorias, o regulamento já sofreria mudanças consi- deradas “muito liberais” (TURANO e FERREIRA, 2013).41 Segundo Turano (2017), em 1952 – após o regulamento alternar seus inte- resses nos anos 40 –, os quesitos analisados pela comissão julgadora destacaram a música (ritmo, bateria e letra do samba), a produção visual (fantasias e carros alegó- ricos) e a evolução da escola na apresentação (enredo, conjunto e harmonia), apon- tando para grandes transformações no desfile das escolas de samba em apenas vinte anos de existência. Nos anos seguintes novas adaptações foram feitas. Brasil (2012) lembra que, até 1972, por exemplo, perdurou o quesito desfile de qualidade; e até 1975, o samba-enredo correspondia a dois quesitos: letra e melodia; além dis- so, a comissão de frente deixou de ser avaliada em 1980, assim como o casal de mestre-sala e porta-bandeira entre 1980-81. Vale também ressaltar que alguns que- sitos tinham peso maior do que outros 42 e que existiam proibições – como a de não utilizar alegorias motorizadas – que hoje em dia não valem mais. Como as mudanças de regulamento foram provocadas pelos mais variados fatores (seja como resposta às transformações do cortejo, ou por solicitação das es- colas, ou até por motivos escusos), a tarefa de medir suas consequências não se torna uma das mais fáceis. De qualquer maneira, estas constantes mudanças, se colocadas em paralelo ao julgamento atual (que pouco mudou nas últimas décadas, com a alteração de apenas um quesito desde 1982, “conjunto”, excluído em 2015) revelam um sintoma curioso, de estagnação. Transformando em números os dados dos anos 1970, mais próximos à reali- dade aqui estudada, citados por Brasil (2012), percebemos que, em 1973, o samba- enredo correspondia a dois (letra do samba e melodia) dos dez quesitos avaliados (20% das notas dadas) e que, em 1970, o quesito alegoria correspondia a 6,25% das notas dos julgadores. Já em 1976, ano em que as “quatro grandes” perdem o posto de campeãs absolutas, os quesitos alegorias e samba-enredo passam a ter o

41 Em 1937, (ano em que foi abolida a proibição do uso de instrumentos de sopro, automóveis e cava- los) ao darem a vitória à Vizinha Faladeira, os jurados teriam enviado à Diretoria de Turismo, um rela- tório destacando que a Portela foi a única a se apresentar conservando todas as tradições de uma “verdadeira escola de samba”. Já em 1938, os quesitos julgados seriam: samba, harmonia, bandeira, enredo, indumentária, comissão de frente, fantasias do mestre-sala e porta-bandeira e iluminação da escola. 42 Em 1970, por exemplo, os quesitos Bateria, Melodia e Harmonia e Mestre-Sala e Porta-Bandeira recebiam notas de 1 a 10. Letra do Samba, Evolução, Enredo, Fantasias e Comissão de Frente e Conjunto, variavam de 1 a 8. Já Alegorias e Desfile de Qualidade podiam receber notas de 1 a 5. 37

mesmo grau de nota, ou seja, a importância de ambos dentro de um desfile é equi- parada, o que poderia justificar o discurso de quem acreditava que o samba estaria perdendo o destaque para o visual.

1.4 O(s) Regulamento(s) de 1982

Se o regulamento dos desfiles das escolas de samba utiliza como referência o carnaval anterior para sua formulação, parecia evidente que este conjunto de regras sofreria mudanças consideráveis para 1982. Avaliando a cobertura de O Globo (4 de março de 1981, p. 4) podemos ter uma noção de como a festa carecia de uma me- lhor regulação. Para se ter uma ideia, o desfile do grupo principal, em 1981, come- çou com uma hora e meia de atraso, o local de concentração das escolas foi invadi- do por pessoas estranhas às agremiações, um julgador de bateria (Milton Banana) revelou não ter recebido instruções sobre os critérios que deveria adotar e as apre- sentações do grupo 2-A contaram com um júri improvisado, com direito a um mas- sagista (Eduardo Santana) julgando o quesito bateria.43 O próprio O Globo, através do júri do seu prêmio de carnaval, Estandarte de Ouro, criado em 1972, apontava sugestões à Riotur visando a “melhoria da festa”. Para 1982, o jornal aconselhava, entre outras coisas, a volta do quesito mestre-sala e porta-bandeira, que desde 1980 não era mais julgado, o que acabou acontecendo. Embora não se possa afirmar que o retorno do julgamento do casal tenha sido fruto de uma influência do periódico (que já tinha feito a mesma solicitação no ano anteri- or), vale registrar que algumas mudanças do regulamento nos anos 1980 coincidem com apontamentos feitos pelo júri deste prêmio, tais como o fim do quesito comissão de frente em 1980 (sugerido na edição de 28 de fevereiro de 1979, p. 6)44 e o retor- no do mesmo quesito em 1981 (sugestão de 20 de fevereiro de 1980, p. 5). Além disso, a ideia de se mudar a quantidade de escolas rebaixadas e que ascendiam do

43 Segundo o jornal O Globo (4 de março de 1981, p. 6), o júri oficial decidiu não comparecer à Aveni- da Rio Branco em protesto contra a desorganização do carnaval. 44 Sugestão de Sério Cabral e aprovada pela maioria. 38

segundo grupo, alterada de uma para duas em 1981, foi também aconselhada pela publicação em 1979. Segundo O Globo (5 de junho de 1979, p. 4), a supressão do quesito mestre- sala e porta-bandeira, a partir de 1980, se deu como consequência do regime de profissionalismo que passou a imperar nas escolas, que começaram a investir gor- das quantias no casal, vide o mestre-sala Bagdá que havia deixado a Portela no carnaval anterior por um passe milionário. Para Adelzon Alves (O GLOBO, 4 de março de 1981, p. 5) os dois anos sem o quesito tinha uma outra motivação: uma briga entre o presidente da Portela, Carlinhos Maracanã, e sua então porta- estandarte, Vilma Nascimento. Teria sido através do mandatário que outras escolas foram induzidas a votar contra o quesito, que só retornaria em 1982, em mais uma sugestão de Maracanã (O GLOBO, 29 de outubro de 1981, p. 33) após insistência da mídia e protestos de sambistas.45 Desta maneira, podemos perceber as variadas motivações combinadas que podem levar a mudança de um regulamento. Porém, para 1982, o retorno do quesito mestre-sala e porta-bandeira acabaria sendo a mu- dança regulamentar menos polêmica. Datado de 18 de agosto de 1981, o regulamento do carnaval de 1982 trazia profundas alterações e parecia sugerir um cortejo mais tradicional e enxuto, exata- mente quando o desfile das escolas de samba completava meio século e as agremi- ações financiadas pelo jogo do bicho haviam mudado a hierarquia do carnaval. Além disso, o momento condizia com o discurso de sambistas como Maria Augusta, que afirmou no debate do júri do Estandarte de Ouro (O Globo, 4 de março de 1981, p. 4) que a riqueza de algumas escolas estava causando problemas para as outras. Entre as novas regras estavam a redução do número de alegorias para o máximo de três unidades – em 1981 a quantidade máxima era quatro (LUTA DEMOCRÁTICA, 19 de setembro de 1980, p. 5) – e a proibição do uso dos tripés.46 Para a Revista Nacional do Jornal do Commercio (1982), que optou por rivalizar o samba no pé com os quesitos plásticos, o novo regulamento favorecia as escolas de samba menores e com recursos reduzidos, uma vez que, com menos carretas a serem produzidas, a disparidade de verbas entre agremiações poderia ser minimizada:

45 A União da Ilha, em 1980, colocou o seu casal de mestre-sala e porta-bandeira sobre uma alegoria como forma de protesto ao cancelamento do quesito (BRASIL, 2012). 46 Para se ter uma ideia, só a Unidos de Vila Isabel apresentou, em 1980, 38 tripés com figuras vivas em seu desfile (O GLOBO, 20 de janeiro de 1980, p. 16). 39

Há uma grande expectativa pelo retorno do desfile às suas origens: um des- taque maior para o sambista e, em contrapartida, uma minimização dos efeitos dos carros alegóricos. Isso pode resultar na volta do samba no pé, o que significa dizer que as escolas menos capacitadas, financeiramente, po- derão disputar o título com maior dose de possibilidade. Enfim, depois do gigantismo, o carnaval carioca, em seu ponto maior, parece ter resolvido fi- car de pés no chão, onde o samba, convenhamos, sempre foi mais samba.

Em entrevista à O Globo (29 de outubro de 1981, p. 33), o então presidente da Mangueira, Percival Pires, disse que os carros alegóricos não eram mesmo o for- te de sua escola e que sua redução “veio ao encontro dos anseios dos mangueiren- ses”. Já Silas de Oliveira, mandatário do Salgueiro, numa estratégia para manter uma grande quantidade de carros alegóricos, anunciava que sua escola viria com oito alegorias suspensas e tudo isso sem ferir as novas regras: “quem for mais inteli- gente conseguirá apresentar um carnaval bonito apesar dessas mudanças”. Desta maneira, as agremiações já davam sinais se iriam transformar, ceder ou negar o no- vo regulamento. Além destas medidas, o documento também foi o responsável por sacramen- tar o não rebaixamento do Império Serrano e da Vila Isabel (JORNAL DO BRASIL, 19 de agosto de 1981, p. 4)47 e por criar a obrigatoriedade das escolas apresenta- rem uma ala de crianças – o que não parecia ser um problema, uma vez que, em 1981, de acordo com Sérgio Cabral (O Globo, 4 de março de 1981, p. 4) “várias es- colas desfilaram com crianças, quase todas”. Mas nenhum item do regulamento causou tanta confusão quanto a proibição do uso de pessoas, ou como o texto as nomeava, “figuras vivas”, sobre as alegorias. Com esta regra, após décadas de desfiles em que destaques de luxo e outros com- ponentes ajudavam a compor o visual dos carros alegóricos, o formato de apresen- tação destas alegorias teria de ser mudado. Mas qual seria o motivo desta proibi- ção? A queda do destaque Mauro Rosas (JORNAL DO BRASIL, 20 de fevereiro de 1980, p. 14) durante a passagem da Unidos de São Carlos,48 em 1980, teria influen-

47 Pouco mais de dez dias após os desfiles de 1981, o jornal O Globo (13 de março, p. 11) já anunci- ava como quase garantida a permanência de Vila Isabel e Império Serrano no primeiro grupo, após reunião da AESCRJ em que, por votação, 31 das escolas se mostraram contra o rebaixamento des- sas agremiações. João Roberto Kelly, então presidente da Riotur, afirmava que seria uma injustiça colocar essas escolas em segundo plano: “a Império Serrano é uma escola tradicional e a Vila tem feito lindos carnavais (...) As duas estão à altura do primeiro grupo e eu não me conformo com que desçam”. 48 Atual Estácio de Sá. 40

ciado? Ou talvez a necessidade destes luxuosos componentes 49 se abaixarem, em 1981, para não encostarem nos fios de alta tensão da Avenida, protagonizando o que presentes classificaram como cenas bizarras? (BRASIL, 2012). Entre os julgadores do prêmio Estandarte de Ouro, do jornal O Globo (24 de fevereiro de 1982, p. 4), as mais variadas opiniões sobre o tema foram levantadas. Para Ana Letícia, as figuras vivas atrapalhavam o andamento da escola, uma vez que, com a presença dos componentes, o carro alegórico acaba se locomovendo mais vagarosamente, para evitar acidentes. Para Sérgio Cabral era justamente o contrário. Albino Pinheiro preferiu cogitar a relação de poder das belas mulheres que conseguiam vaga nas alegorias, enquanto Adelzon Alves insinuava que a presença destas componentes seminuas projetava os problemas sexuais dos carnavalescos que abusavam deste erotismo. Já Maria Augusta defendia que as figuras vivas deve- riam ser usadas apenas quando servissem para ilustrar o enredo. Além disso, regis- trou que saía muito mais caro colocar um manequim (ou escultura) do que uma figu- ra viva. Compartilhando desta última opinião, Viriato Ferreira, então carnavalesco da Vila Isabel explica que, usando bonecos, a escola precisaria fazer e pagar a fantasia para vesti-los. Se fossem figuras vivas, as fantasias sairiam por conta de cada com- ponente. Mas o que mais lhe aborrecia com esta proibição é que pessoas tradicio- nais da escola, geralmente idosas, não poderiam participar do desfile, citando o caso de Tia Vicentina, da Portela, que todo ano vinha num carro abrindo a ala de baianas. (JORNAL DO BRASIL, 17 de fevereiro de 1982, p. 9) Vale salientar que a ideia de proibir figuras vivas sobre as alegorias já havia sido proposta, de modo mais brando, pelo regulamento do ano anterior, assinado por João Roberto Kelly, que assim determinava no parágrafo 28, alínea i: “Fica ex- pressamente proibido às escolas de samba usar figuras vivas nas alegorias que não tenham representação efetiva no enredo”. A pena era a de três pontos nos quesitos pertinentes. Fato é que esta e outras mudanças no regulamento começaram a se dese- nhar em uma reunião na AESCRJ, em 15 de julho de 1981, quando se formulou um

49 Sobre a importância dos destaques de luxo no carnaval, ver SOUSA (2016). 41

documento propondo sugestões.50 Entre as medidas, assinadas por Nilton Costa, presidente do órgão, estavam: (1) o aumento no tempo do desfile de 70 para 80 mi- nutos (nos grupos 1A e 1B), (2) a redução do número de alegorias para apenas duas – com medidas reduzidas de seis para cinco metros de largura – , (3) a extinção do quesito alegorias e (4) a proibição do uso de componentes sobre as mesmas. Medi- das que, caso descumpridas, desclassificariam a agremiação infratora (COSTA, 1984, p. 286-287). Encaminhadas a João Roberto Kelly, presidente da Riotur (1980-1981), as medidas foram louvadas como uma atitude de “macheza em esconder as plumas”, que completou:

Como sambista, acho essas medidas acertadíssimas, porque o desfile das escolas de samba estava caminhando para uma total inversão de valores em relação ao samba dançado, ao samba-evolução. Estava se dando prefe- rência a um carnaval exibição, dispendioso, frontalmente contrário à situa- ção atual de economia e contenção de despesas. É claro que isso empo- brece um pouco o desfile, mas é melhor, porque carnaval é mais samba do que luxo. (Apud COSTA, 1984, p. 287)

Tanto empenho em mudar o regulamento do carnaval contrastava com a fala do mesmo João Roberto Kelly, que meses antes, ao revelar seu desejo em manter a Vila Isabel e o Império Serrano no primeiro grupo, contestava a necessidade de se seguir o documento à risca:

Ele não é fixo e quem o define é a Associação. O carnaval é a maior verda- de da cultura popular (...) não acho que mereçam a frieza de um regulamen- to, que só existe para definir o acesso e descenso das escolas (O GLOBO, 13 de março de 1981, p. 11)

Mas Kelly51 não pôde assinar o novo regulamento. Convidado a assumir a di- reção da Flumitur,52 em 24 de julho de 1981, foi substituído pelo primeiro presidente da Riotur, Coronel Annibal Uzêda. Das medidas sugeridas pela AESCRJ, acima ci-

50 Segundo o Jornal o Globo (06 de julho de 1981, p. 8), a proibição dos adereços de mão chegou a ser cogitada nas reuniões de elaboração do regulamento de 1982. Segundo o impresso, uma corren- te liderada por Carlinhos Maracanã, da Portela, entendia que a quantidade de apetrechos carregados pelos sambistas, mais os “trambolhos” empurrados entre as alas, estaria desfigurando os desfiles. 51 Em um mandato cercado por polêmicas, João Roberto Kelly teria, em 1981, proposto a mudança dos desfiles da Marquês de Sapucaí para o Autódromo de Jacarepaguá (JORNAL DO BRASIL, 23 de abril de 1981, p. 6.) e, no mesmo ano, foi “enterrado” simbolicamente pelo Bloco Chave de Ouro, do Engenho de Dentro, devido as reclamações quanto à organização do carnaval (JORNAL DO BRASIL, 24 de fevereiro de 1982). 52 Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro, vinculada à Secretaria de Estado de Turismo. 42

tadas, o novo regulamento manteve o tempo de desfile em 70 minutos, reduziu o número de alegorias para três (e não duas), manteve o quesito alegorias e proibiu as figuras vivas sobre os carros alegóricos sob pena de três pontos por jurado (e não desclassificação).53 Segundo o radialista Adelzon Alves, presente na reunião da AESCRJ que decidiu limitar a três o número de carros alegóricos de cada escola, a decisão foi colegiada:

Das 44 filiadas, apenas cinco votaram contra e duas souberam justificar os seus votos, a Imperatriz Leopoldinense e a Beija-Flor. O representante do Grande Rio votou a favor, mas dizendo que não acreditava que as escolas fossem respeitar a decisão. A Mangueira votou a favor, mas, depois, a pró- pria escola modificou o voto e o representante pediu demissão. O fato é que a resolução foi aprovada e algumas escolas não cumpriram o regulamento (O GLOBO, 24 de fevereiro de 1982, p. 4)

Abrandadas ou não, para alguns, as proibições tinham alvos definidos. Se- gundo Joãosinho Trinta, em entrevista na época, “Carros enfeitados com mulheres bonitas é uma conquista da Beija-Flor” e seguiu provocando ao afirmar que a escola desfilaria conforme as necessidades do enredo, pois isto é que seria o importante. Para o então presidente da escola, Nelson David, existia uma polêmica criada entre os críticos e intelectuais sobre a evolução das escolas de samba, seus luxos e ale- gorias (JORNAL DO BRASIL, 13 de fevereiro de 1982, p. 7). É o próprio Joãosinho Trinta quem narra, em outra reportagem, mais uma re- viravolta, ao afirmar que ele havia sido procurado por José Carlos Vilela, diretor do Departamento Jurídico da Riotur, e pelo Coronel Annibal Uzêda, novo presidente do órgão, também insatisfeitos com o documento. Na entrevista, garantia que ambos manifestaram preocupação com o regulamento daquele carnaval, principalmente quanto a proibição de figuras vivas sobre os carros alegóricos. Segundo o carnava- lesco, ambos teriam dito que a medida sugerida pela AESCRJ tiraria o brilho do des- file:

Juntos procuramos encontrar uma solução e ela foi sugerida pela própria Riotur. No primeiro regulamento proibia-se a presença de gente nos carros alegóricos (são três) inclusive o abre-alas, nos tripés e semelhantes, o que, na interpretação geral, incluía as carretas, pequenos carros alegóricos. Na versão final do regulamento, suprimiu-se a expressão “semelhantes”, o que

53 Segundo O Globo (29 de outubro de 1981, p. 33) duas medidas propostas pela AESCRJ não foram aceitas pela Riotur: a inversão do sentido do desfile (do Catumbi para a Presidente Vargas) e o poder das escolas vetarem até dois jurados 72 horas antes dos desfiles. 43

deixaria as carretas fora do regulamento (JORNAL DO BRASIL, 26 de feve- reiro de 1982, p. 9).

Ao analisarmos o que o carnavalesco da Beija-Flor chamou de versão final (na verdade uma espécie de adendo ao regulamento criado duas semanas após o original, em 2 de setembro de 1981), confirmamos que não consta o termo “seme- lhante”, supracitado. O documento traz, ainda, outros dados reveladores: segundo o texto, o adendo tinha a finalidade de consolidar as novas regras, “a fim de que ne- nhuma dúvida seja suscitada quanto à sua interpretação” e para tanto, altera a reda- ção dos itens 28 e 45 do original, justamente os que tratam das proibições:

“28. Fica expressamente proibido às Escolas de Samba: d) usar número de carros para Alegorias superior a 03 (três) unidades, inclu- indo o Abre-Alas, bem como qualquer alegoria (tripé). (...) i) usar figuras vivas em qualquer dos casos previstos na alínea d. (...) “45. Compete a cada julgador dos quesitos abaixo relacionados, verificar o cumprimento do disposto no item 28 do presente Regulamento, fazendo constar, por escrito, no mapa de quesito, os motivos que o levaram à retira- da de 03 (três) pontos54 da agremiação faltosa (OLIVEIRA, 1981)

Desta maneira, o regulamento, que servia para todos os grupos dos desfiles, apontava, também, o que talvez seja a informação mais interessante: delega à inter- pretação do julgador o papel de punir as agremiações que descumprissem as regras acima, diferente do que ocorre hoje, em que esta averiguação não é feita pelo corpo de jurados, mas por uma comissão de avaliação de obrigatoriedades. Se o adendo do regulamento foi formatado para evitar qualquer dúvida sobre a sua interpretação, a intenção não parecia ter sido cumprida. Em um jantar ofereci- do a alguns presidentes de escolas de samba, ao serem questionados sobre qual seria o significado do termo “alegoria”, os dirigentes da União da Ilha e da Unidos de São Carlos não sabiam informar ao certo, enquanto para o vice-presidente do Sal- gueiro, Djalma Sabiá, alegorias e adereços de mão seriam a mesma coisa. (JOR- NAL DOS SPORTS, 17 de outubro de 1981, p. 5). Seguindo a mesma linha de raciocínio de Joãosinho Trinta, a Imperatriz Leo- poldinense optou, naquele carnaval, por substituir os tripés, também proibidos, por

54 Segundo o Jornal do Brasil (26 de fevereiro de 1982, p. 8) o limite de pena está esclarecido no item 46 do regulamento: “no caso da mesma escola de samba infringir a mais de 1 (uma) alínea, relativa ao mesmo quesito, do item 28 do presente regulamento, cada julgador somente poderá reduzir 3 (três) pontos no quesito que a ele compete julgar”. Isto significa que, utilizando ou não figuras vivas, a escola que apresentar mais do que três alegorias, perderia 3 (três) pontos e vice-versa. 44

quadripés,55 sobre os quais o regulamento nada falava, de maneira que, ao invés de levar apenas três carros alegóricos para o desfile, a agremiação levaria a expressiva quantidade de 39 alegorias. Caso o texto reproduzisse a descrição do regulamento do ano anterior (“considerando-se para efeito de julgamento, como carro alegórico, qualquer alegoria carregada, puxada ou empurrada por 2 (duas) ou mais pessoas”), esta livre interpretação seria impossibilitada (LUTA DEMOCRÁTICA, 19 de setembro de 1980, p. 5). Os componentes da Imperatriz Leopoldinense estavam empenhados em de- fender a estética que o enredo do Império Serrano criticaria. Nilson Melodia, intér- prete da escola, afirmou que ela apresentaria “um carnaval para irritar os que acredi- tam que escola de samba só tem que mostrar samba no pé” (JORNAL DO BRASIL, 12 de fevereiro de 1982, p. 6). Já Nelson Rodrigues, relações públicas da Imperatriz, deu uma declaração mais polêmica ainda:

Carnaval é visual. O povo está cansado de miséria. Ninguém vai à Avenida para ver um monte de crioulo pulando. Se o povo gostasse disso se conten- taria apenas com o banho de mar à fantasia. Miséria a gente passa o ano todo com o Delfim [Antonio Delfim Netto, então Ministro do Planejamen- to] em cima da gente. (JORNAL DO BRASIL, 12 de fevereiro de 1982, p. 6).

Restava saber se o regulamento seria cumprido à risca, o que o presidente da Unidos de São Carlos, Antônio Gentil, que também levaria quadripés para os desfi- les, duvidava: “desafio mesmo o juiz que tenha coragem de desclassificar uma Por- tela, uma Imperatriz, uma Beija-Flor” (JORNAL DOS SPORTS, 17 de outubro de 1981, p. 5). Para finalizar, ainda polemizou: “só botam bicha pra julgar na Avenida. E essas deslumbradas não entendem nada”.

1.5 A resposta do Império Serrano

55 Quadripés e tripés são alegorias menores que um carro alegórico, diferenciadas, entre si, pelo nú- mero de rodas que as sustentam, respectivamente 4 e 3. 45

As declarações dos representantes da Imperatriz Leopoldinense, Unidos de São Carlos e Beija-Flor já traduziam as tensões sob as quais o carnaval do início dos anos 1980 vivia, mas uma outra agremiação trataria de assumir um destaque em toda essa história, o Império Serrano. Considerada uma das “quatro grandes”, a escola de Madureira contabilizava, até então, oito títulos de campeã do carnaval, mas já não vivia seus áureos tempos há uma década. Se até 1960 o Império nunca passara mais de quatro anos ser vencer, a partir de então passou a amargar um longo jejum de títulos, só voltando ao campeonato em 1972. Para piorar a situação, foi rebaixada em 1978, voltando ao primeiro grupo no ano seguinte. Em 1981, nova decepção, em último lugar, foi anunciada como rebaixada, mas a sorte lhe sorriu e o descenso fora cancelado, permitindo seu protagonismo em 1982. Vale ressaltar que este rebaixamento cancelado (que também beneficiou a Unidos de Vila Isabel, penúltima colocada) não foi exclusividade deste ano. Só para citar os casos ocorridos na década de 1970, não houve descenso em 1971 (em co- memoração ao sesquicentenário da Independência), em 1974 (devido aos transtor- nos ocasionados pela mudança do local dos desfiles, com as obras do metrô), em 1975 (em homenagem à fusão do Estado da Guanabara com o Estado do Rio de Janeiro) e em 1979. (BRASIL, 2012). No caso do não rebaixamento do Império Serrano, em 1981, os mais variados motivos são apresentados. Para Brasil (2012), a justificativa foi a confusão ocasio- nada na invasão da pista pelo público; já para a carnavalesca Rosa Magalhães,56 o gesto fora um agrado pelo fato do Império ser uma das agremiações fundadoras da gravadora do disco de sambas de enredo. Já para Valença e Valença (2017), o prin- cipal articulador do arranjo foi o então presidente da Portela, Carlinhos Maracanã, 57 alegando que em 1981 não haviam condições mínimas para o desfile, diante do não cumprimento dos horários e da invasão da pista, que dificultou o desfile de algumas agremiações. Independente do motivo oficial, o não rebaixamento alterou a configuração de todos os grupos, uma vez que não houve descenso em nenhuma das divisões de desfile. Além do Império Serrano, a maior beneficiada com a decisão foi a Capricho-

56 Entrevista concedida por Rosa Magalhães ao autor deste trabalho, em 30 de agosto de 2017, no barracão da Portela. 57 O Globo (29 de outubro de 1981, p. 33) atribui a autoria do arranjo aos presidentes das três escolas de samba melhores colocadas em 1981: Imperatriz Leopoldinense, Beija-Flor e Portela. 46

sos de Pilares. Última colocada em 1981, a azul e branca, mantida no segundo gru- po, seria campeã em 1982, garantindo vaga no desfile principal no ano seguinte. Deixando o fantasma do rebaixamento para trás, o Império Serrano tratou de escolher um enredo que exaltava o discurso da tradição nas escolas de samba, uma fala que refletia o embate entre propostas de desfile da época, e que saberia apro- veitar o caráter enxuto sugerido pelo regulamento, honrando a vertente da escola da Serrinha, cuja trajetória fora marcada pelos temas de desfile com odes ao passa- do,58 tal qual seu símbolo, a Coroa do Segundo Império. Este enredo deixaria a dis- puta entre sambistas mais acalorada e seria posto à prova no carnaval que estava por vir, cujos desdobramentos poderão ser vistos a partir do próximo capítulo.

58 O Império Serrano notabilizou-se por apresentar, ao logo dos anos, enredos históricos, muitos de- les narrando fatos do tempo do Brasil império. Entre estes citamos: “Batalha naval do Riachuelo” (1950), “O último baile da corte imperial (1953), “D. João VI ou Brasil império” (1957), “Medalhas e brasões” (1960), “Cinco bailes tradicionais na história do Rio” (1965), entre outros (VALENÇA e VA- LENÇA, 2017). 47

2 O MANIFESTO IMPERIAL

O carnaval de 1982 se avizinhava. Com o regulamento definido – polêmico ou não – a preparação do desfile ganhava seu pontapé inicial. A disputa começava. O cenário deste pré-carnaval sugeria um embate entre propostas de desfiles, uma vis- ta como mais tradicional contra outra mais opulenta, num discurso captado pelo Im- pério Serrano, traduzindo-se em seu enredo e samba, cujos processos de constru- ção serão narrados neste segundo capítulo. Além disso, investigando as referências utilizadas para a construção deste carnaval, colocaremos em xeque as suas afirma- tivas ao mesmo tempo em que as contextualizamos com o pensamento vigente na época, que separava, de um lado, quatro agremiações com muitas glórias no passa- do, e, do outro, três novatas no hall das campeãs. E seria no emblemático 50º ani- versário dos desfiles das escolas de samba, que uma das “quatro grandes” reassu- miria, sozinha, a primeira colocação, numa aposta de resistência à incorporação. O “contra-ataque” viria justamente da agremiação que mais tempo amargava um jejum de títulos entre as poderosas do passado. Sem vencer desde 1972, o Im- pério Serrano vivera, em 1970 – no começo da década de sucesso do “trio de pene- tras” –, o início do seu declínio. Como destacam Valença e Valença (2017, p. 182), àquela altura

começava a mudar de modo irreversível a concepção de como uma escola de samba devia apresentar-se na Avenida. Consequentemente, o samba- enredo também se modificava, para acompanhar a escola. O Império Ser- rano, tradicional, tentaria manter-se fiel a um esquema clássico, e isto lhe custaria um oitavo lugar na competição deste ano [1970], fato inédito na sua história. Até então a pior colocação do Império fora um quarto lugar.

É bem verdade que o Império Serrano já não vivia mais seus momentos de glória desde antes dos anos 1970. Após surpreender com vitória no seu primeiro desfile, em 1948, e viver sua época de ouro até 1956 (conquistando seis dos seus nove títulos), a escola obteria um campeonato duvidoso em 1960 – resultado de um tumulto na apuração, que deu a vitória a nada menos que cinco agremiações – e só seria campeã novamente em 1972, num título considerado um ponto fora da curva, em grande medida proporcionada pela chegada do carnavalesco Fernando Pinto, 48

um cenógrafo de teatro, que representou uma aposta da nova diretoria59 em se abrir aos novos tempos. Esta, que foi uma das últimas fases vitoriosas da agremiação, se encerraria justamente após o carnaval de 1975 (o último de superioridade absoluta das “Quatro Grandes”). Para Valença e Valença (2017, p. 214), o carnavalesco Fer- nando Pinto

aparecera no momento em que era preciso fazer frente ao novo tipo de car- naval que os Acadêmicos do Salgueiro vinham desenvolvendo e que tornou a escola da Tijuca o grande destaque do carnaval carioca por cerca de dez anos, isto é, até 1975. Era necessário atualizar o Império, mas não era pos- sível salgueirizá-lo, porque a Serrinha e a forte política interna da escola re- pudiariam qualquer inovação que a violentasse.

Se a escola ainda contou com o talento de Fernando Pinto por mais dois car- navais, problemas como o excesso de componentes, brigas internas, colapso finan- ceiro e a mudança do local dos desfiles lhe tiraram a chance de voos mais altos. Com a saída definitiva do artista, a agremiação da Serrinha passou a apostar em duplas, trios e até comissão de carnavalescos, trocando-os anualmente, somando nove diferentes nomes em apenas três anos. Além disso, a escola ainda passou pe- lo seu primeiro rebaixamento, em 1978, fato inédito entre as “quatro grandes”. Após retornar ao primeiro grupo, passaria pela mesma situação em 1981 (BRASIL, 2012). Analisando as resenhas deste último desfile, é fácil perceber que as dificulda- des do Império Serrano eram generalizadas, evidenciando-se em vários quesitos. Brasil (2012, p. 90), por exemplo, resume a apresentação como algo que “deixou muito a desejar”, com um samba “muito fraco, que não ajudou a harmonia e prejudi- cou o conjunto”, além de “problemas nas alegorias e nos figurinos”. A escola acaba- ria em último lugar. Disposto a fazer história, pulando do último para o primeiro lugar, o Império Serrano trataria de mudar a sua fracassada trajetória recente, modificando o seu quadro artístico e de comando, sem esquecer de um valioso apoio político. Apostaria na mudança para voltar a ser “o mesmo”. Mas a tarefa não seria nada fácil.

59 Após a derrota de 1970, a escola se envolveu em graves dissensões políticas que culminaram na saída de seu fundador e então presidente, Sebastião Molequinho (VALENÇA e VALENÇA, 2017). 49

2.1 Um novo Império Serrano

Após a apuração do frustrado carnaval de 1981, Dona Eulália, importante ba- luarte da verde e branco de Madureira, comentou: “O Império Serrano tem que mor- rer pra nascer de novo” (VALENÇA e VALENÇA, 2017, p. 234). Se isso significava o mesmo que uma grande mudança, foi o que ocorreu. Após a renúncia de seu presi- dente, Humberto Soares Carneiro, em 1980, e o mandato tampão de Ribamar Cor- reia de Souza, o Império Serrano conheceria seu terceiro comandante da década, em 1981. Para assumir a escola, endividada e desacreditada, seria empossado Ja- mil Salomão Maruff. Apelidado de Jamil Cheiroso,60 o novo presidente era um conhecido feirante de peixes, pregoeiro da Praça XV. Se a profissão lhe emprestava a imagem de um homem simples, Jupiara e Otávio (2016) lembram que o novo mandatário do Império Serrano era amigo de contraventores famosos, como Castor de Andrade e Pirui- nha,61 e que, com o primeiro, teria fundado uma empresa pesqueira em Porto Segu- ro, na Bahia, (ao lado do pai de Castor, Eusébio Andrade), nos anos 1970. O em- preendimento seria investigado pelo Centro de Informações da Marinha (Cenimar) por suspeitas de contrabando. Jamil iniciaria, no carnaval de 1982, o primeiro dos seus três mandatos à fren- te da verde e branco de Madureira. Apostando alto, teria convidado o ex- carnavalesco do Salgueiro, Fernando Pamplona, para desenvolver o desfile da esco- la, no lugar da dupla de carnavalescos do ano anterior, Luiz Fernandes e Ricardo Aquino. Pamplona, ao recusar o convite, por não aceitar trabalhar em outra agremi- ação que não a vermelho e branca da Tijuca, sugeriu a contratação de suas ex-

60 Seu apelido vinha da época em que, muito jovem, trabalhava como camelô vendendo perfumes e experimentava no próprio braço as fragrâncias (VALENÇA e VALENÇA, 2017). 61 José Scafura, conhecido como Piruinha, exerceu, durante parte dos três mandatos de Jamil Chei- roso, uma espécie de patronato de menores dimensões sobre a escola (se comparado aos das coir- mãs). Para Araújo (2015, p. 139) este era um dos exemplos das “amizades perigosas” de Jamil que acabaram permitindo que o consumo de cocaína se tornasse comum na quadra do Império Serrano, na época. 50

alunas da Escola de Belas Artes (EBA-UFRJ), Rosa Magalhães e Lícia Lacerda, proposta aceita por Jamil.62 Desta maneira, de forma inédita, o Império Serrano trazia, para o seu quadro artístico, remanescentes da vitoriosa equipe capitaneada por Fernando Pamplona, que promoveu uma revolução estética nos desfiles, desde que assumiu o Salgueiro em 1960, mudando a história do carnaval. A concorrência na busca por estes profis- sionais já estava tão consolidada que, para 1982, metade das agremiações do Gru- po 1,63 contava com estes artistas: Joãosinho Trinta (Beija-Flor), Arlindo Rodrigues (Imperatriz Leopoldinense), Renato Lage (Unidos da Tijuca), Max Lopes (União da Ilha do Governador), e Maria Carmem de Souza (Mocidade) – esta última, mais uma indicação direta de Pamplona. Este destaque dos discípulos de Pamplona, retratado acima, remete ao con- ceito de hegemonia, detalhado por Storey (2015) a partir dos estudos de Gramsci, para se referir a uma condição em curso, que envolve certo tipo de consenso, em que uma classe dominante (aliada a outras classes e outras frações de classe) não simplesmente regula uma sociedade, mas a conduz por meio do exercício de “lide- rança intelectual e moral”. Desta maneira, a posição hegemônica, capitaneada pela nova geração de carnavalescos, boa parte formada por membros da EBA-UFRJ, se consolidava ao influenciar estética e conceitualmente as outras agremiações, não por imposição, mas através dos bons resultados obtidos, que levaram o Salgueiro, não só, ao seu primeiro título, mas a acumular sete campeonatos (até então), fazen- do-o figurar como uma das “quatro grandes”. Para Bruno (2013, p.47)

foram pelo menos cinquenta anos de domínio artístico absoluto daqueles profissionais, que promoveram uma verdadeira revolução nas escolas de samba, mudando as temáticas dos desfiles e inovando na estética apresen- tada. Não foi à toa que o carnaval carioca nesse período se transformou no maior espetáculo da Terra. E o Salgueiro tem tudo a ver com isso.

Seguindo a nomenclatura criada por Gramsci (Apud STOREY, 2015), Fer- nando Pamplona servia como intelectual orgânico deste processo, fornecendo “lide- rança de natureza ideológica geral e cultural”. Uma ativa participação que não se restringia ao desfile, como quando intermediou as conversas que transformaram a

62 Segundo Rosa Magalhães, em entrevista concedida ao autor deste trabalho, em 30 de agosto de 2017, no barracão da Portela. 63 Equivalente hoje ao Grupo Especial. 51

quadra da Imperatriz Leopoldinense em cenário da novela Bandeira 2, da TV Globo, em 1971 (LEITÃO, 2016). Em 1982, mesmo após três anos sem assumir o posto de carnavalesco, deixaria sua assinatura na festa ao escrever o enredo da Mocidade Independente (O Velho Chico) e ao sugerir o tema desenvolvido para a dupla Rosa Magalhães e Lícia Lacerda.

2.2 O Meta-Enredo

Quando a dupla Rosa Magalhães e Lícia Lacerda chegou ao Império Serrano, Pamplona já havia sugerido à agremiação o tema sobre a história dos desfiles das escolas de samba, que fora prontamente aceito. A dupla de carnavalescas já estava acostumada a assumir abordagens pré-determinadas pelas escolas, uma vez que, até aquele momento, não tinham conseguido propor enredos nas agremiações em que trabalharam. Foi assim no Salgueiro, Beija-Flor e Portela, onde desenvolveram temas escritos por outros profissionais, como Hiram Araújo e Manuel Antônio Barro- so. Esta também não seria a primeira vez que um tema de enredo de Pamplona se debruçaria sobre o passado das escolas de samba. Em 1970, pelo Salgueiro, em parceria com Arlindo Rodrigues, apresentou “Praça Onze, carioca da gema”, retra- tando o primeiro palco dos desfiles das agremiações, alcançando a segunda coloca- ção. Já no campeonato de 1965, em “História do carnaval carioca – Eneida”, rivaliza- ria o passado da festa com o (então) presente mais opulento, num discurso traduzi- do no samba de enredo que dizia que antigamente “sambavam e cantavam de ver- dade (...) hoje reina mais alegria, luxo e esplendor”. No caso de 1982, segundo as carnavalescas Rosa Magalhães 64 e Lícia La- cerda, 65 a interferência de Pamplona no enredo “Bumbum Paticumbum Prugurun- dum” se restringiu apenas à sugestão do tema. Ao entregar-lhes o livro “Fala Man- gueira” (1980), dos autores Marília Trindade Barboza da Silva, Carlos Cachaça e

64 em entrevista concedida ao autor deste trabalho, em 30 de agosto de 2017, no barracão da Portela. 65 em entrevista concedida ao autor deste trabalho, em 16 de agosto de 2017, em sua residência. 52

Arthur L. de Oliveira Filho, Pamplona teria falado: “Dê uma olhada nisso aqui. Eu marquei uma folha que eu acho que dá um enredo”.66 Na publicação, o trio de auto- res propunha uma reflexão sobre o aparecimento, a fixação e a “evolução” das esco- las de samba. Para tanto, dividia a história dos desfiles (até aquela data) em quatro fases: - Fase Heroica (de 1930 a 1934): retratando um período marcado pelo emba- te dos grupos rivais e pela parca organização. - Fase Autêntica (de 1935 a 1953): iniciada no ano da oficialização dos desfi- les, esta fase destaca a importância da recém-criada União da Escolas de Samba (UES), primeira entidade representativa destas agremiações,67 decisiva para o fim do embate violento entre grupos rivais. Fase tratada como o período áureo das agremiações. - Fase de Interação (de 1954 a 1970): descrito como o período do estreita- mento entre o “mundo do samba” e o “mundo social”. O marco inicial desta fase é o ano em que “um repórter”68 de O Globo publica uma matéria criticando a “feiura” das esculturas das alegorias, o que teria motivado as mudanças estéticas do desfile. - Fase da Escola de Samba S.A.69 (de 1971 até 1980):70 etapa iniciada pelo interesse das gravadoras de discos nos sambas de enredo, que passava por um período de reformulação, propondo letras mais curtas e corridas, como no grande sucesso “Festa Para um Rei Negro” (ou “Pega no Ganzê!”, como ficou conhecido), do Salgueiro. Esta fase retrata também o poder de comando da criação do desfile,

66 Narrativa contada por Rosa Magalhães no programa Sem Censura, de 15 de fevereiro de 2017, na TV Brasil. Disponível em: https://www.facebook.com/semcensuratv/videos/1190710131048902/ 67 Sobre a influência das organizações representativas das escolas de samba no processo de forma- ção desses grupos até a década de 1950, ver TURANO (2017). 68 Repórter não explicitado na publicação. Porém, em O Globo de 3 de março de 1954 (p. 7) encon- tramos em matéria (não assinada) que descreve os desfiles de 1954, um trecho com o subtítulo “Car- ros muito fracos” em que o autor sugere que alguém da Prefeitura atente para a “fraqueza e inconsis- tência de tais carros (...) que não possuem qualquer mérito, chegando a ser ridículos, da maneira mais lamentável”. Ainda aponta que os vultos homenageados pelos enredos são transformados em “bamboleantes monstrengos sobre os tablados de carros desconjuntados”. Por fim, ainda questiona se “as escolas não possuem escultores capazes de executar trabalhos deste tipo, com bom acaba- mento, ou não possuem dinheiro para executar a tarefa (...) de modo a não parecer grotesco”. 69 Durante a transmissão do desfile do Império Serrano, em 1982, o comentarista Roberto Moura, da TVE, afirmou que a expressão “samba S/A” foi cunhada por ele, em 1972, e utilizada como título de uma matéria de O Jornal, sobre a mercantilização do samba, o que teria inspirado a sua utilização no livro “Fala, Mangueira!”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Nxn6AYAuIYQ 70 No livro está grafado “de 1971 até hoje” (“hoje” este que se refere à data de publicação do livro, 1980). Para evitar dúvidas durante a leitura, optamos por substituir o “hoje” por “1980”. 53

que passa a ser concedido ao carnavalesco, e a profissionalização do samba, com “passes dos mestres-salas tão disputados quanto os de Zico e Pelé”. Partindo desta base, as carnavalescas Rosa Magalhães e Lícia Lacerda transformaram as quatro fases citadas acima em três, tomando emprestados os seus subtítulos e transformando em: “Praça Onze ou Fase Autêntica”, “Candelária ou Fase de Interação” e “Marquês de Sapucaí ou Escolas de Samba S/A”. Desta maneira, readequaram os conceitos de Silva, Cachaça e Oliveira Filho (1980) de acordo com os locais mais marcantes dos desfiles – ou como Rosa Magalhães fri- sa,71 a primeira seria a ingenuidade e formação, a segunda seria o desenvolvimento, e a terceira, a exacerbação. Já o título do enredo surgiu de um trecho de outro livro, “As escolas de samba o quê, quem, como, quando e porquê”, de Sérgio Cabral (1974, p. 28). Nele, em en- trevista ao autor, Ismael Silva, um dos fundadores da Deixa Falar, 72 comenta sobre a antiga batida rítmica do samba, em suas palavras algo como tan tantan tan tantan, o que não favorecia a evolução dos componentes. Isso teria motivado a turma do Estácio a propor uma batida descrita pelo sambista como bum bum paticumbumpru- gurundum.73 Diante de tão curiosa onomatopeia, decidiram utiliza-la como título do enredo. As carnavalescas contam que Pamplona até chegou a sugerir que o nome fosse “Praça Onze, Candelária e Sapecaí”,74 mas como a dupla não simpatizava com trocadilhos, permaneceu a expressão do Ismael Silva. A partir da pesquisa destas e de outras publicações,75 as carnavalescas apre- sentaram a sinopse do enredo (anexo A), em cuja introdução transcrevem a entre- vista de Ismael Silva, citada acima, e propunham apresentar “uma crônica dos desfi- les desde o bum bum paticumbum prugurundum até as Super Escolas de Samba

71 em entrevista concedida ao autor deste trabalho, em 30 de agosto de 2017, no barracão da Portela. 72 Apontada por vários autores como a primeira escola de samba do Brasil. 73 Como metodologia de trabalho, optamos por transcrever, neste caso, a grafia original disponível no livro: “bum bum paticumbumprugurundum”. Quando nos referimos ao enredo, utilizamos “bum bum paticumbum prugurundum”, pois é a maneira grafada nos arquivos do enredo disponíveis. Mas vale salientar que esta onomatopeia é escrita das mais variadas maneiras nos mais diversos arquivos utilizados como fonte deste trabalho. 74 Segundo Rosa Magalhães, em entrevista concedida ao autor deste trabalho, em 30 de agosto de 2017, no barracão da Portela; e Lícia Lacerda, em entrevista concedida ao autor deste trabalho, em 16 de agosto de 2017, em sua residência. 75 Segundo O Globo (14 de janeiro de 1982, p. 31), “Escolas de samba em desfile”, de Amauri Jório e Hiram Araújo, foi o terceiro livro base do enredo. Já o Jornal do Brasil (3 de março de 1982, p. 2) re- gistra que as carnavalescas passaram um dia no arquivo fotográfico da Bloch (Manchete) vendo fotos dos últimos 30 anos de carnaval. O que não estava lá foi apurado junto aos velhos componentes da escola. 54

S.A.”, levando para a Avenida “três escolas de samba em uma: a da Praça Onze, a da Candelária e a da Sapucaí”. A primeira parte da sinopse do enredo traz expressões como “tradicional Pra- ça Onze”, “tempo obscuro, mas autêntico” e “quando os sambistas diziam no pé”. No setor da Candelária é abordada a influência de profissionais eruditos nos desfiles, enquanto a descrição do encerramento traz uma ácida crítica:

O super desfile com a super-campeã que naturalmente possui um super- carro repleto de super-mulheres. Nem sempre há um super-samba, mas há o super-gasto. (...) Os enredos vencedores, de históricos e folclóricos, pas- sam a ser fantásticos, quase sempre pouco claros para o povo, mas dando margem a que o todo-poderoso carnavalesco exercite sua imaginação, res- paldado em forte esquema financeiro: Nesta parte apresentaremos alas de tal porte que cada componente é uma alegoria irreal. (LACERDA e MAGA- LHÃES, 1981, p. 2).76

Estava claro o embate entre a tradição e o luxo, a “autenticidade” versus a “ri- queza excessiva”,77 uma oposição que, embora discutível78 – como veremos neste capítulo –, é resultado de conceitos elaborados pelo próprio mundo do samba, num discurso que constantemente se evidencia. Carlos Gil (Apud ARAÚJO, 2015), por exemplo, aponta que o imperiano (como é chamado o componente do Império Ser- rano) carrega a tradição de adorar ser rotulado de tradicional, ainda que a quase aversão à modernidade os custe tão caro. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Claudinho (Apud ARAÚJO, 2015), ex-mestre-sala da instituição, afirma que o torce- dor do império é muito resistente às mudanças, o que seria um dos motivos da esco- la não se modernizar, ficando para trás em relação às outras escolas. Seguindo esta premissa tradicionalista, Rosa Magalhães e Lícia Lacerda divi- diram, no enredo de 1982, a trajetória dos desfiles das escolas de samba de manei- ra geográfica (em três locais) e histórica, (em três períodos) o que nos ajuda a co- meçar a compreender seu subtexto. A escolha da abordagem geográfica pode ser explicada pela exaltação aos carnavais das escolas ditas tradicionais, que se desta- caram na Praça Onze e na Candelária, e não na Sapucaí.79 Para tanto, o enredo se

76 Visando uma maior fidelidade, aqui optamos por manter a grafia original do texto, mesmo com er- ros ortográficos. 77 Expressão também utilizada na sinopse de enredo. 78 Joãosinho Trinta, por exemplo, apesar de ser alvo dos mais tradicionalistas, criticava a “visão de fora” dos jurados do carnaval, que, segundo ele, não se importam com as cores da escola e a tradi- ção que elas têm para os sambistas (JORNAL DO BRASIL, 13 de fevereiro de 1981, p. 7). 79 Sobre os locais dos desfiles das escolas de samba, ver FERREIRA (2012). 55

iniciaria com uma reverência à Praça Onze (local de supremacia de Mangueira e Portela), valorizaria a era da Candelária (palco em que o Império Serrano se desta- cou ao lado do Salgueiro) e criticaria a era da Marquês de Sapucaí (espaço “domi- nado” pela Beija-Flor, Mocidade e Imperatriz Leopoldinense). Outro aspecto ligado a questões espaciais se relaciona com o caráter român- tico80 da Praça Onze, propondo uma visão do que teria sido um desfile no primeiro reduto das agremiações. Este setor versava sobre um carnaval que as carnavales- cas não conheceram, por mais que o pai de Rosa Magalhães, Raimundo Magalhães Júnior,81 tenha sido um dos julgadores daquela que é considerada a primeira disputa oficial entre escolas de samba, em 1932. A filha do ex-julgador aponta que a pesqui- sa se deu mais por textos, já que fotos do período eram muito raras. Além disso, Rosa confessa que teve de aprender sobre alguns personagens dos desfiles da época, como a baiana de fila, que ela desconhecia.82 Do romantismo, a proposta seguia para a visão de sucesso dos desfiles, transferidos para a área nobre do carnaval carioca, a chamada Candelária – na ver- dade um trecho da Avenida Presidente Vargas – local em que a estética das alego- rias e fantasias foi revolucionada, principalmente por profissionais da Escola de Be- las Artes, onde a dupla de carnavalescas se conheceu. Tratava-se de um período do carnaval mais recente, que as artistas viram de perto. Seguindo esta linha, o samba- enredo do Império Serrano de 1982 apontaria que o desfile “na Candelária construiu seu apogeu”. Por fim, ainda segundo a sinopse, a Sapucaí (antes da construção do Sam- bódromo) seria retratada como o palco da exacerbação do carnaval, mesmo que o sucesso do “trio de luxo” tenha começado dois anos antes, em 1976, na Presidente Vargas, entre o prédio dos Correios e a Praça Onze, num local conhecido como Mangue. Um setor do desfile em que o grande alvo era um ex-companheiro de bar- racão da dupla Rosa e Lícia, assim descrito no texto:

80 Uma visão romântica possivelmente estimulada pelo fato de a Praça Onze não mais existir fisica- mente, uma vez que foi destruída em 1944. Vale notar que a relação entre a demolição da praça e a transformação das escolas de samba já existe desde 1942, cantada no samba Praça Onze, gravada pelo Trio de Ouro, que dizia “Vão acabar com a Praça Onze. Não vai haver mais escola de samba, não vai” (MELLO, 2014). 81 Raimundo Magalhães Júnior era jornalista, teatrólogo e imortal da Academia Brasileira de Letras. Faleceu enquanto Rosa Magalhães desenvolvia o carnaval do Império Serrano, em 12 de dezembro de 1981. 82 Rosa Magalhães, em entrevista concedida ao autor deste trabalho, em 30 de agosto de 2017, no barracão da Portela. 56

Embora Joãozinho83 Trinta tenha já se destacado na época do Salgueiro, na Candelária, trabalhando com a dupla Arlindo e Pamplona, foi na Beija-Flor de Nilópolis que deu seu verdadeiro grito de independência, ditando regras e afirmando categoricamente que carnaval é luxo e riqueza.

Mas João Trinta não era o único alvo na mira. Na verdade, segundo as carna- valescas,84 ele foi escolhido por ser o grande símbolo da época, o supercampeão, cujo estilo serviu de modelo para outras agremiações. A crítica servia para todas as escolas que valorizavam o luxo e a riqueza “excessivos”. Mas não seria este discur- so em forma de enredo uma maneira de “legislar em causa própria”, já que o Império Serrano não contava com patrono ou situação financeira favorável?

2.3 O samba do Meta-Enredo

Para Simas (Apud ARAÚJO, 2015), historicamente, o maior trunfo do Império Serrano sempre foi o samba, chegando a afirmar que não há outra escola com uma média de composições de tão alto nível, geração após geração. Mas o quesito sam- ba-enredo da agremiação – sempre lembrado pelos sucessos de Silas de Oliveira, Mano Décio e tantos outros compositores – não andava bem servido nos últimos carnavais, como lembram Valença e Valença (2017). Para “piorar”, numa época em que os compositores ainda eram mais livres para compor, Rosa Magalhães e Lícia Lacerda fizeram uma ousada exigência: a onomatopeia-título do enredo, “Bum Bum Paticumbum Prugurundum”, deveria ser incluída na letra. A ala de compositores não gostou. A expressão, que não era tão fácil de assimilar, causou estranhamento nos componentes e na imprensa especializada desde que fora anunciada. Mas logo per- ceberam que a intrigante figura de linguagem poderia ajudar na divulgação daquele

83 Aqui manteve-se a grafia original do texto, “Joãozinho” e não “Joãosinho”. 84 Rosa Magalhães, em entrevista concedida ao autor deste trabalho, em 30 de agosto de 2017, no barracão da Portela; e Lícia Lacerda, em entrevista concedida ao autor deste trabalho, em 16 de agosto de 2017, em sua residência. 57

carnaval. Segundo o passista Careca, 85 a estratégia da escola foi referir-se apenas à primeira parte do título do enredo, justamente a que remetia ao jeito popular de se referir à derrière, o que levou até ao surgimento do boato de que a bateria ia desfilar com o “bumbum de fora”. Após a escolha do samba – e seu enorme sucesso – a expressão tornar-se-ia título de uma crônica de Carlos Drummond de Andrade (JORNAL DO BRASIL, 18 de fevereiro de 1982) e, após a vitória, a manchete do jornal Última Hora estamparia “Bum Bum ganhou” (26 de fevereiro de 1982). Para fazer jus ao burburinho, o presidente Jamil Cheiroso tratou de fortalecer a sua ala de compositores, convidando de volta Beto Sem Braço, que havia trocado o Império Serrano pela Unidos de Vila Isabel após desavenças com o ex- mandatário, Irani Santos (1970-1978). Da mesma escola também retornava Aluísio Machado, que acabou formando a dupla vitoriosa com o outro ex-egresso, por mero acaso, uma vez que os outros poetas já haviam se agrupado em outras parcerias. O jornal Luta Democrática (27 de outubro de 1981, p. 2) destacava os sambas de “pri- meira linha” na disputa, compostos por “gente muito boa”, tais como Jorge Lucas, Edson Paiva, Wilson Diabo, Turquinho do Império, Avarese e outros. O samba que se sagraria campeão, seria composto durante as longas via- gens entre o Centro da cidade, onde Aluísio trabalhava, e Jacarepaguá, onde Beto vivia. Quando finalizado, os compositores só discordavam em um ponto: a estrofe final (Super Escolas de Samba S/A / Super alegorias / escondendo gente bamba / Que covardia!). A rasgada crítica aos rumos que a festa havia tomado preocupava Beto, temendo represálias, mas o espírito rebelde de seu parceiro prevaleceu – e a estrofe também (VALENÇA e VALENÇA, 2017). No dia da apresentação do samba, o único senão era de ordem gramatical, substituindo o verso “Teus braços embalou o samba” por “Teus braços embalaram o samba”. Segundo Lícia Lacerda,86 uma primeira composição chegou a ser apresen- tada por Beto Sem Braço, mas a dupla de carnavalescas sinalizou que estava em desacordo com a proposta. Ainda segundo a artista, graças à sua “ignorância”, com- partilhada por Rosa, a parceria de Aluísio Machado apresentou o novo samba que se tornou um dos mais conhecidos do carnaval:

85 Em entrevista ao programa Sem Censura, de 15 de fevereiro de 2017, na TV Brasil. Disponível em: https://www.facebook.com/semcensuratv/videos/1190710131048902/ 86 Em manuscrito de um projeto de livro sobre sua carreira, disponibilizados a este autor em 16 de agosto de 2017. 58

Enfeitei meu coração De confete e serpentina Minha mente se fez menina Num mundo de recordação Abracei a coroa imperial, fiz meu carnaval, extravasando toda a minha emoção Ó Praça Onze, tu és imortal Teus braços embalaram o samba À sua apoteose triunfal

De uma barrica se fez uma cuíca De outra barrica um surdo de marcação Com reco-reco, pandeiro e tamborim E lindas baianas o samba ficou assim

E passo a passo no compasso o samba cresceu Na Candelária construiu seu apogeu As burrinhas, que imagem, para os olhos um prazer Pedem passagem pros moleques de Debret As africanas, que quadro original Iemanjá, Iemanjá enriquecendo o visual Vem, meu amor, manda a tristeza embora É carnaval, é folia, neste dia ninguém chora Super Escolas de Samba S/A Super alegorias Escondendo gente bamba Que covardia!

Bum bum paticumbum prugurundum O nosso samba minha gente é isso aí, é isso aí Bum bum paticumbum prugurundum Contagiando a Marquês de Sapucaí

A composição, que não seguia a linha enxuta da época,87 enveredou pelos caminhos que fizeram sucesso no passado da escola, o samba “lençol” (de letra ex- tensa e que cobria todo o enredo), construído de maneira semelhante à de um velho conhecido do Império Serrano, como lembra Aluísio Machado:88

Meu ídolo é Silas de Oliveira. E ele era um cara que, antes de fazer a letra do samba-enredo, fazia uma introdução [cantarola os primeiros versos de Aquarela Brasileira]. Então eu pensei: vou fazer desse jeito porque é bonito [cantarola os primeiros versos de Bumbum Paticumbum Prugurundum]. Só depois dessa introdução começa o enredo: “Ó Praça Onze...”

87 Segundo Leitão (2016), nos anos 1970, um novo ciclo se abriu para o gênero, onde composições mais enxutas e de linguagem mais coloquial passaram a ditar os rumos do samba de enredo, que passava a ser gravado em disco. São exemplos destas composições, “Barra de ouro, barra de rio, barra de saia”, de Zé Katimba e Niltinho Tristeza, da Imperatriz 1971; “Festa para um rei negro”, de Zuzuca, para o Salgueiro, em 1971; e “Alô, alô, taí Carmem Miranda”, de Wilson Diabo, Heitor Rocha e Maneco, que desbancou por 7x0 o samba de Silas de Oliveira, no Império Serrano, em 1972. 88 Aluísio Machado, em entrevista concedida ao autor deste trabalho, em 11 de abril de 2018, em sua residência. 59

Como o próprio Aluísio conta, ele e Beto sem Braço foram além da proposta da sinopse: após essa primeira parte poética e nostálgica citada acima, que também destaca o símbolo da agremiação, a estrofe seguinte adentra o enredo, abordando a Praça Onze como o berço do samba, em três curtos versos (talvez pela escassez de material ilustrativo do período, tanto na sinopse quanto nos arquivos da época). A seguir, o refrão do meio cita a simplicidade na confecção dos instrumentos da bate- ria (os mesmos que fazem os sons de Bum Bum Paticumbum Prugurundum) soma- dos à imagem da baiana, para dizer que “o samba ficou assim” através destes ele- mentos, fugindo do caráter econômico, assim como apontava o enredo. Na segunda parte, mais longa, o samba aborda o segundo setor do desfile, a Candelária, como o local do “apogeu” dos desfiles. Para tanto, utiliza imagens mar- cantes de carnavais daquela época (os moleques de Debret, 89 as burrinhas,90 e Ie- manjá),91 todas, curiosamente, remetem a desfiles do Salgueiro. Nem mesmo a Carmem Miranda, homenageada pelo Império Serrano em 1972 (e citada na si- nopse), foi lembrada. A abordagem serviu para exaltar o trabalho da equipe de car- navalescos liderados por Fernando Pamplona, destoando da abordagem da sinopse entregue aos compositores, que retratava a influência destes profissionais de manei- ra mais neutra. Já na última estrofe, após mais dois versos que não remetem diretamente ao enredo, temos a crítica ao período da Sapucaí. Neste trecho temos mais uma inter- pretação diferente da sinopse. No texto das carnavalescas, o alvo da crítica é a Su- per escola de Samba S/A, no singular, citando explicitamente a Beija-Flor de Nilópo- lis. Já na letra do samba temos “Super escolas de Samba S/A”, no plural, assim co- mo grafado no livro Fala Mangueira, que deu origem ao enredo. Por fim, o refrão principal traz, por duas vezes, a onomatopeia obrigatória e cita, pela primeira vez92 num samba de enredo, a Marquês de Sapucaí, recurso que se popularizaria ao lon- go dos anos.

89 Remete aos tipos pintados por Jean Baptiste Debret, homenageado pelo Salgueiro em 1959, no enredo “Viagem pitoresca através do Brasil – Debret”. 90 Remete às burrinhas da comissão de frente do Salgueiro de 1965, no enredo “História do carnaval carioca – Eneida”, inspiradas numa crônica da revista “Senhor”, de Nahum Sirotsky, que afirmava que a primeira festa carnavalesca do Brasil fora uma enorme cavalgada festiva em comemoração à posse de D. Manuel II, em Portugal (PAMPLONA, 2013). 91 Remete à famosa escultura de Iemanjá do desfile do Salgueiro de 1969, “Bahia de todos os deu- ses”. 92 Conferimos todos os sambas de enredo das agremiações que desfilaram na Sapucaí, desde o seu primeiro ano como palco dos desfiles até aquele momento. 60

No dia da escolha do samba, com três finalistas, um diretor do Império Serra- no – segundo Lícia Lacerda93 – não queria a obra de Beto Sem Braço e Aluísio Ma- chado e tentou convencer os outros do mesmo, mas os argumentos das carnavales- cas teriam sido mais fortes, levando a obra à vitória. O cantor que defendeu a parce- ria, Quinzinho, se tornaria também o intérprete oficial da escola (por sugestão de Wilson das Neves, então diretor musical da agremiação), uma vez que o seu ante- cessor, Roberto Ribeiro, decidiu se afastar, após uma década no cargo, para se de- dicar à sua carreira solo, que deslanchava. Com a sinopse apresentada e o samba escolhido, estava preparado o que classificamos como a linguagem verbal do desfile. Ou seja, todo o material94 que possa servir de suporte para que o público tenha uma maior compreensão do que seria visto na Avenida. Vale aqui salientar que não refutamos a ideia de Landowski (2004), que considera as manifestações perceptíveis por cada um dos cinco senti- dos como uma soma para uma só experiência estética concreta e não como perten- centes a semióticas separadas. Desta maneira, não pretendemos dividir a percep- ção significativa do samba-enredo entre letra e melodia,95 por exemplo, mas opta- mos pela divisão da linguagem verbal e visual do desfile, uma vez que, para Barthes (1990), é frequentemente, através das palavras (legenda) que o significado de uma imagem se estabelece, sendo necessários dois discursos, o da linguagem escrita e visual para produzi-lo e fixá-lo. Além disso, entendemos que, através do processo de construção de um carnaval, a sua linguagem verbal (enredo e samba) é divulgada meses antes do seu visual (figurinos e carros alegóricos), o que gera uma produção de significado gradual, o que consideramos relevante. Com o LP dos sambas de enredo chegando às lojas em 08 de dezembro de 1981 (O GLOBO, 09 de dezembro de 1981, p. 29), o próximo passo era reproduzir em alegorias e fantasias o discurso contido em letra e melodia. Seria no barracão que a liberdade contida no papel começaria a ser posta à prova.

93 Em manuscrito de um projeto de livro sobre sua carreira, disponibilizados a este autor em 16 de agosto de 2017. 94 Aqui me refiro ao material artístico produzido pelas carnavalescas responsáveis pela obra que des- filou no Império Serrano, em 1982. Mas vale ressaltar que, outras contribuições como as reportagens da imprensa e comentários dos narradores do desfile, também configuram linguagem verbal de apoio ao desfile apresentado, porém, estes não são controlados pelos responsáveis artísticos do mesmo. 95 Para Landowski (2004), a imagem incorpora um sentido musical e a música, em contrapartida, constrói imagens. 61

2.4 Um discurso sintomático

Antes, porém de nos debruçarmos sobre o âmbito estético do desfile, se torna necessário debater mais a fundo a proposta discursiva daquele carnaval. Se para Hall (2016) a compreensão de uma obra flutua, podendo carregar vários significados bem diferentes, às vezes diametralmente opostos, Storey (2015), ao citar Althusser, argumenta que um texto é estruturado tanto pelo que está presente (o que é dito) como pelo que está ausente (o que não é dito). Desta maneira, se quisermos com- preender totalmente o significado de um texto ou prática, é preciso desconstrui-lo, revelando a sua problemática, através de um processo chamado leitura sintomática. Aplicando o método na sinopse e no samba de enredo do Império Serrano de 1982, surgem algumas questões: será mesmo que, como o seu discurso aponta, os desfi- les das escolas de samba só foram autênticos no período da Praça Onze? Somente na época da Candelária houve uma fase de interação? Para Turano (2011), o período dos desfiles na Praça Onze (1932-1942), ou seja, a primeira parte do enredo, é subdividida em pelo menos três momentos, onde já se apontam fortes indícios de interação, que, em sua sinopse, o Império Serrano aborda como uma fase posterior:

Do primeiro momento (1932-1934) marcado pela busca da pureza, exaltan- do a música popular, passando pelo segundo período (1935-1937) no qual as escolas de samba se auto afirmaram no carnaval, através da UES (União das Escolas de Samba) e das práticas institucionalizadas; culminando com o terceiro período (1938-1940), em que se vê as transformações das rela- ções políticas, culturais e sociais entre escolas de samba, elites e governo, percebe-se que o carnaval das escolas de samba ao longo da década de 1930, bem como a cultura popular carioca de modo geral, foi construído através de constantes diálogos que vão conduzir a modificações nas formas estéticas de apresentação das escolas de samba (TURANO, 2011, p. 141- 142).

Ao analisarmos fatos ocorridos nestes carnavais da Praça Onze podemos evidenciar a interação entre as recém-criadas agremiações e outras esferas de po- der. Um exemplo disso é a formulação de um regulamento para as apresentações, definindo características próprias para os desfiles, revelando os interesses de perió- 62

dicos como O Globo, que em 1933, ao organizar os desfiles, apontava proibições e obrigatoriedades.96 Os jurados, por sua vez, em 1934, ao darem o segundo lugar à Vai Como Pode (atual Portela) registram que a mesma se apresentou com a forma característica de uma escola de samba (O PAÍZ, 23 de janeiro de 1934, p. 8), apon- tando o que se esperar de uma agremiação desse tipo. Já O Radical (12 de feverei- ro de 1937), ao também exaltar a Portela, afirmou que as demais agremiações não se portaram como escolas de samba, não conservando suas “tradições”. Por outro lado, as constantes alterações dos regulamentos no período, a transferência da organização dos desfiles (dos jornais para a associação recém- criada – UES), e até mesmo a criação do quesito Originalidade – o que sugere cria- tividade, distanciamento de um modelo – demonstram, por si só, o constante inte- resse por reformulações e negociações. Com o passar dos anos, os desfiles passa- ram por novas transformações que reforçariam o seu caráter adaptável: em 1935, por exemplo, algumas agremiações já apresentam alegorias e em 1939 surge aque- le que é considerado o primeiro samba-enredo,97 causando impacto ao descrever o tema proposto no desfile: “Teste ao samba”, cujos enredo e samba são de autoria de Paulo da Portela, marcariam, também, a primeira vez 98 que uma escola de sam- ba trouxe fantasias totalmente enquadradas ao tema. A segunda parte do enredo do Império Serrano, por sua vez, além de desta- car uma fase de interação apenas a partir dos desfiles na Candelária – discurso não compartilhado nem por Turano (2011) nem por Silva, Cachaça e Oliveira Filho (1980) – louvava a coreografia de balé de grupos folclóricos logo após criticar a au- sência da dança do samba no período pós-Praça Onze, reduzindo este primeiro pe- ríodo àquele em que “os sambistas diziam no pé”. Uma abordagem ainda mais irôni- ca por ser capitaneada justamente pelo Império Serrano, conhecido como a escola em que surgiu a primeira ala de passo marcado, a ala “Sente o drama”, em 1963 (ARAÚJO, 2003)

96 Através do regulamento publicado na edição de 25 de fevereiro de 1933 (p. 4), O Globo proibia a utilização de instrumentos de sopro, presente nas rodas de “choro” da cidade; estabelecia a obrigato- riedade de uma ala das baianas, representantes do passado africano; e demonstrava, através dos quesitos de julgamento (majoritariamente musicais), a valorização do samba em detrimento da ques- tão visual, marcas dos ranchos e das grandes sociedades. 97 Até então os sambas-enredo, cuja estrutura era marcada por refrãos fixos e estrofes improvisadas, não tinham a obrigação de remeter ao enredo (ARAÚJO, 2003). 98 Narrativa contada pela Portela, em seu site. Disponível em: http://www.gresportela.org.br/Historia/DetalhesAno?ano=1939 63

Outra possível contradição do enredo está na maneira de enxergar a influên- cia dos artistas eruditos, na Candelária, com seus novos materiais, como as alegori- as de mão, para, posteriormente criticar o luxo e a riqueza que passaram a ocupar o lugar dos valores “autênticos” do samba, em meados da década de 1970. Uma mu- dança de paradigma semelhante à retratada por Turano (2011) em que os cronistas carnavalescos, num primeiro momento, através dos jornais A Noite (24 de fevereiro de 1936, p. 1), O Radical (3 de março de 1936) e Diário de Notícias (9 de fevereiro de 1937) elogiavam o luxo entre as escolas de samba, destacando a inclusão de carros alegóricos e comissões de frente a cavalo, mas que após a vitória da Vizinha Faladeira, 99 em 1937, argumentam pela retomada da simplicidade, da “pureza” e da brasilidade no conjunto das escolas de samba. Por fim, o último setor do desfile do Império Serrano, que criticava o luxo dos desfiles, abordaria os carnavais da Marquês de Sapucaí em que todas as vitoriosas do período (Beija-Flor, Mocidade, Imperatriz e até a Portela – campeã no tríplice empate de 1980) foram financiadas por contraventores do jogo do bicho, uma ativi- dade marcada pela violência, como narrado por Jupiara e Otávio (2016). Vale notar que a sinopse trazia, no trecho referente à Praça Onze, de maneira romântica, o amor dos sambistas por suas agremiações como “questão de vida e até de morte”. Se o enredo apresenta contradições latentes, Storey (2015) argumenta que a tarefa da prática crítica não é tentar medir e avaliar a coerência de um texto, rom- pendo com a ideia de que ele deva conter uma unidade harmoniosa. O autor prefere sugerir a explicação destas disparidades, que apontem para um conflito de significa- dos. Ou seja, ao invés de apenas destacar estas incoerências, podemos buscar su- as motivações e influências. Desta maneira, ao compararmos a proposta do enredo do Império Serrano com o livro que lhe serviu de base, “Fala Mangueira”, surgem outras questões. A primeira delas é a transformação das quatro fases propostas em apenas três, substi- tuindo as mudanças de paradigma apontadas na publicação (organização, apelo visual, nova linha de sambas de enredo) pelas alterações geográficas propostas na sinopse (Praça Onze, Candelária e Marquês de Sapucaí). Se a concepção das car-

99 Fundada em 1932, no bairro da Saúde, a agremiação, reconhecida pela grandiosidade, luxo e ori- ginalidade de seus desfiles – que já em sua primeira apresentação seria desclassificada por nela incluir automóveis –, estabeleceria, segundo Turano e Ferreira (2013), uma espécie de modelo a ser criticado pelo conjunto dos grupos de samba que negociavam o reconhecimento da sociedade a partir de valores ligados à tradição, pureza e negritude. 64

navalescas trazia uma leitura mais clara, permitindo um mais fácil entendimento vi- sual do enredo, esta adaptação servia, também, para mudar alguns dos alvos das críticas. Em sua abertura de desfile, “Praça Onze ou Fase Autêntica”, por exemplo, o Bumbum Paticumbum Prugurundum unia a primeira etapa destacada no livro (Fase Heroica) com parte da segunda (Fase Autêntica), numa junção que contraria tam- bém o estudo de Turano (2011). Já no segundo setor do enredo, “Candelária ou Fa- se de Interação”, o desfile discorreria sobre trechos de três fases propostas no livro (Fase Autêntica, de Interação e da Escola de Samba S/A). Por fim, o enredo se de- bruçaria sobre o trecho final proposto por Silva, Cachaça e Oliveira Filho (1980) na última fase. Toda esta livre interpretação dos conceitos do livro, negou o “período áureo das escolas de samba” da “Fase Autêntica”, afirmado na publicação, para cantar 100 que “Na Candelária construiu seu apogeu”, na “Fase de Interação”, modificando a forma de enxergar a entrada dos profissionais eruditos do Salgueiro, valorizando-a. Além disso, o carnaval do Império Serrano eliminou a crítica ao novo modelo de sambas de enredo do início da década de 1970, que abria a última fase descrita no livro (Escola de Samba S.A.), que citava nominalmente o samba do Salgueiro de 1971, carnaval do qual Rosa Magalhães, Lícia Lacerda e Fernando Pamplona fize- ram parte. Por fim, enquanto “Fala Mangueira” vai contra o “crescimento desmedido” das agremiações em geral, o Império Serrano optava por citar nominalmente a Beija- Flor de Joaozinho Trinta. Ou seja, o enredo captou do livro o que lhe servia para jus- tificar a sua real intenção. Vale salientar que tal estratégia não indica imperfeição, uma vez que um en- redo de escola de samba tem como objetivo a criação de uma obra visual, buscando configurar plasticamente um cortejo, não se propondo a contar uma “verdade”.101 A partir de Storey (2015), ao explicarmos a ideologia que formulou o enredo, podemos apagar qualquer traço de contradição, revelando a diversidade da obra, a relação

100 Vale salientar que a abordagem da Candelária como o período de apogeu das escolas de samba é feita pelo samba e não pela sinopse de enredo, que trata o período de maneira descritiva, mais isen- ta. Por outro lado, uma vez que as carnavalescas opinaram na feitura do samba, antes dele ser apre- sentado, esta possível interpretação errônea dos compositores, é desmistificada. 101 A Imperatriz Leopoldinense, por exemplo, retratou, em 1988, no enredo “Conta Outra que Essa foi Boa”, a Princesa Isabel como: “uma princesa que fingiu me libertar” e, no ano seguinte, em “Liberda- de, Liberdade, Abre as Asas Sobre Nós”, cantou a mesma personagem como: “Isabel, a heroína que assinou a lei divina”. 65

dela com o que acontece à sua margem, mostrando que ela não é independente, mas que carrega a marca dos textos e práticas que lhe influenciaram. Ao observar estes acontecimentos à margem do enredo, nos chama a aten- ção a espécie de “briga de família” que se configura, uma vez que a Imperatriz Leo- poldinense é afilhada102 do Império Serrano; Arlindo Rodrigues, então carnavalesco da Imperatriz, e Joaozinho Trinta, da Beija-Flor, abordados na sinopse, eram cole- gas de Rosa Magalhães e Lícia Lacerda, todos pupilos de Pamplona, e trabalharam juntos no Salgueiro, no campeonato de 1971. Além disso, a dupla de carnavalescas já havia assinado carnavais na (agora criticada) Beija-Flor: Rosa, em 1974 (ao lado de Manuel Antônio Barroso) e em 1975 (quando Lícia se juntou à dupla), sendo substituídas por Joãosinho Trinta, o grande personagem da crítica do enredo do Im- pério Serrano, a quem Rosa Magalhães se refere como o responsável pelo “festival do isopor”.103 Pode parecer mesmo duvidoso que, para o enredo do Império Serrano, Arlin- do Rodrigues fosse louvado, mesmo sendo o então atual tricampeão do carnaval (1979, na Mocidade e 80-81 na Imperatriz), e Joãosinho Trinta, multicampeão, mas que não vencia “sozinho” desde 1978, fosse o criticado. Alguns fatos históricos po- deriam sugerir uma disputa pessoal, já que Joãosinho e sua Beija-Flor venceram a Portela, em 1977, por apenas um ponto, quando Rosa e Lícia eram as carnavales- cas da escola de Madureira. Ou porque, em 1978, os enredos de Joãosinho (Beija- Flor) e Pamplona (Salgueiro), aluno e mestre, eram parecidos, e o discípulo levou a melhor. Mas a “perseguição” a Joãosinho não era exclusividade do Império Serrano e nem novidade. Para Diniz, Medeiros e Fabato (2012), Joãosinho Trinta fora o escolhido para dar um nó no destino e impedir que as escolas de samba sucumbissem como outras organizações carnavalescas, através de uma maneira de enxergar a festa que Fer- reira (2012) nomeia como estratégias de sobrevivência. Ao verticalizar o carnaval, por perceber o aumento gradativo das arquibancadas, João teria extraído o que ha- via de “melhor” nos ranchos e grandes sociedades e redefinido os padrões do desfile das escolas de samba, tornando-o o maior espetáculo da Terra. O preço a pagar foi

102 As agremiações mais novas adquiriram o costume de serem apadrinhadas (ou amadrinhadas) por outras mais antigas, numa espécie de batizado, dando respaldo a escola de samba recém-nascida. 103 Em entrevista ao programa Sem Censura, de 15 de fevereiro de 2017, na TV Brasil. Disponível em: https://www.facebook.com/semcensuratv/videos/1190710131048902/ 66

ser acusado de elitista, antinacionalista, violador das raízes do samba.104 A resposta, segundo o trio de autores, viria só em 1989, quando, em “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”, João criaria um grande espelho que mostrava aquilo que insistiam em ocultar. O lixo escondido sob o manto do luxo. Ainda segundo estes autores, desde a passagem pelo Salgueiro, João já era apontado como um “assassino” das tradições e “carrasco” do samba. Sua chegada à Beija-Flor foi um prato cheio para os críticos. Seus enredos foram acusados de de- magógicos, alienados, desprovidos de preocupação com a realidade social do país. Em sua defesa, Diniz, Medeiros e Fabato (2012) afirmam que Joãosinho Trinta teria, na verdade, um profundo conhecimento do povo brasileiro. Na palavra dos autores,

o menino que veio do Maranhão abraçou aquela imensa comunidade negra (Nilópolis). Vestiu-os como reis. A cada desfile ao amanhecer, cobria-os de ouro, fazendo-os reluzir ao sol. Gigantescas alegorias rodopiavam. O negro estava no topo, sendo visto por todos.

Além de seguir a corrente de crítica a Joaozinho Trinta, o enredo do Império Serrano parecia imprimir outros pensamentos da época. Um deles, por exemplo, é a fala da carnavalesca Maria Augusta, que comentava os desfiles na transmissão tele- visiva, em 1981, e que assim resumiu a apresentação da Beija-Flor daquele ano: “Uma massa muito grande de alegoria. A escola vem evoluindo bem, mas o seu componente, o sambista, está sendo pouco visto. Quem aparece mais são os desta- ques que vêm em cima dos carros”. 105 Discurso semelhante apareceria na sinopse da escola da Serrinha para o carnaval de 1982, no trecho “Super Alegorias [sic], que desfilam anualmente pela Marquês de Sapucaí, escondendo gente bamba”. Engrossando este coro, o Jornal do Brasil (28 de fevereiro de 1981, p. 6) tra- zia a manchete “os carros de luxo que tiraram a vez do sambista”. No texto, que di- vide, em cinco estágios, o histórico destas carretas e tripés, desde a Praça Onze até a Sapucaí, sobram críticas ao tamanho e quantidade de elementos alegóricos para os desfiles de 1981:

104 Relacionando aos conceitos de Becker (1977), Joãosinho Trinta seria o que o autor chama de “artista inconformista”, ou seja, aquele que não mais se conforma com o mundo artístico convencio- nal. Ao contrário do “profissional integrado”, que aceita quase que totalmente as normas do mundo artístico a que pertence, o inconformista, ainda orientado para o mundo da arte convencional, se con- centra na mudança de algumas das convenções que regulam o seu funcionamento e, de modo mais ou menos ingênuo, aceita todo o restante.

105 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-NYFGWWcIGs 67

O carnaval visual domina. Ampliam-se a cada ano, nesse terreno, os inven- tos. A competição ferrenha, aliada aos estimulantes olhos da Riotur (a quem cabe pagar e normalizar os limites do espetáculo), permitiu que este ano, por acordo entre as escolas, o item alegorias volte a ter, no peso do julga- mento do desfile, a nota 10.106 A redação dúbia do regulamento do samba produz ignorância nos julgadores e obriga as escolas mais fracas a correr no ritmo das mais fortes, impondo o visual como norma de um carnaval que era espontaneidade, ritmo e beleza plástica de corpos sambando. O visual antigo estava na harmonia do conjunto e na evolução na pista. Isso, hoje, vale pouco. O sambista perdeu para o carro alegórico.

Ainda segundo o periódico, “Nos últimos sete anos, uma crescente megalo- grafia exibidora se apossou de carnavalescos e fabricantes de emoções visuais”. Coincidentemente ou não, sete anos antes daquele carnaval de 1981, Joãosinho Trinta assumia o seu primeiro carnaval solo, no Salgueiro. O texto ainda comparava as escolas de samba a uma mistura dos carnavais de Nice e Veneza com o teatro de revista de Carlos Machado e Walter Pinto.107 Além disso, o texto afirma que tais transformações teriam sido contidas se não existissem, no meio, o ex-presidente da AESCRJ (1970-80), Amauri Jório, – que teria defendido, já em 1969, em seu livro “História das escolas de samba”, a liberação dos carros motorizados, o aumento na limitação do comprimento e na quantidade das alegorias – e seu assessor na época, Hiram Araújo. O autor da matéria, Francisco Duarte, é bem objetivo ao valorizar as suas pre- ferências no modo de se fazer carnaval. Compara a Beija-Flor de Nilópolis daquela época à Vizinha Faladeira da década de 1930; apresenta Júlio Mattos (ex- carnavalesco da Mangueira) como um antigo artesão – em oposição aos novos artis- tas plásticos –; critica Joãosinho Trinta por ter levado, a partir de 1973, os destaques de luxo do chão para o alto das alegorias; enquanto apresenta a frustração de Pam- plona com a sua invenção, o uso do tripé, que serviria, originalmente, para substituir a tabuleta carregada pelos componentes, com o nome dos setores de desfile, mas que tornara-se quase uma alegoria, com quatro ou mais rodas. Além disso, o texto destaca um depoimento de Pamplona em que afirma que “luxo é desperdício (...) Natal da Portela tinha razão: carnaval é pra quem pode!”.

106 Entre 1978-80 as notas do quesito Alegorias variaram entre 1 e 5, enquanto os demais quesitos podiam receber até o grau 10. 107 Sobre o diálogo entre o teatro de revista de Walter Pinto e o carnaval carioca, ver MARQUES (2018). 68

Discurso similar, mais focado na questão do patronato, é compartilhado por uma possível fonte bibliográfica utilizada no enredo de Rosa Magalhaes e Lícia La- cerda, o livro “Serra, Serrinha, Serrano”, espécie de biografia do Império, escrita por Rachel e Suetônio Valença, e lançado em 1981, ano de pesquisa do enredo de 1982. Em seu prefácio, Thereza Aragão escreve que a verde e branca da Serrinha, assim como o Salgueiro, têm em comum a ausência de um “dono” ou mecenas, vi- vendo da comunidade onde estão inseridas e dos recursos de seus componentes, num discurso claro contra as novas campeãs da festa. Engrossando o coro, na In- trodução, Rachel aponta que esta espécie de tradição democrática da instituição se deu como reação ao autoritarismo, uma vez que a agremiação foi fundada por dissi- dentes da antiga agremiação do morro, a Prazer da Serrinha, após discordarem dos desmandos do seu presidente, Alfredo Costa. Estes exemplos nos revelam que o discurso do Império Serrano para o carna- val de 1982, seja para legislar em causa própria ou não, servia de porta-voz para as reflexões de outras pessoas, vinculadas ou não à escola da Serrinha, somando a já costumeira crítica da imprensa ao Joãosinho Trinta com o discurso saudosista em voga. Um enredo que exaltava a tradição em ser tradicional.

2.5 Tradicionalmente tradicional

Esta espécie de ode ao passado, proposta no Bumbum Paticumbum Prugu- rundum, utilizando a memória como fonte de costume, é uma prática que Hobsbawn e Ranger (1997, p.10) abordam como tradições inventadas:

São reações a situações novas que ou assumem a forma de referência a si- tuações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da repeti- ção quase que obrigatória. É o contraste entre as constantes mudanças e inovações do mundo moderno e a tentativa de estruturar de maneira imutá- vel e invariável ao menos alguns aspectos da vida social.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Canclini (2008) entende as relações sociais de modo complexo, sob a interação de diversos atores sociais, negociando, formando identidades em constante fluidez, não fixas. Trabalhando o conceito de 69

hibridismo, o autor acredita que as formas culturais se originam de fusões conflitan- tes, através de “processos culturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas” (p. 19). Desta maneira, fugindo de uma representação do carnaval como algo pronto ou homogêneo, Ferreira (2005) entende a festa como uma construção entre sujeitos e objetos, através da teoria ator-rede, que se organizam como:

redes estabilizadas, em que um elemento central determina as relações por meio de normatizações; e as redes instáveis, em que os padrões estão sendo constantemente negociados. Nos dois casos, entretanto, a organiza- ção gera ininterruptamente (em graus diferentes, de acordo com o caso) in- certezas, ambivalências, transgressões e resistências e, portanto, uma con- tínua renovação (FERREIRA, 2005, p. 22).

Diante destes estudos, podemos observar que o enredo do Império Serrano propunha normatizar uma manifestação cultural marcada pela constante reformula- ção. Mais do que isso, a agremiação não se utilizaria apenas de um discurso confli- tante com os dos autores acima citados (FERREIRA, CANCLINI, HOBSBAWM; RANGER), mas que negaria também a sua própria história, uma vez que a agremia- ção (assim como o Salgueiro) também enfrentou uma certa resistência dos mais tra- dicionalistas em suas primeiras vitórias.108 Para se ter uma ideia, Valença e Valença (2017) afirmam que o Império Ser- rano, em seu carnaval de estreia, em 1948, quase não fora declarado campeão, pois o representante do Departamento de Turismo, Alfredo Pessoa, não julgava prudente uma agremiação alcançar o título em seu primeiro desfile, dando os três primeiros lugares às escolas mais antigas, proposta que acabou sendo negada.109 Ainda se- gundo os autores, Natal da Portela teria até “molhado a mão” de alguém para sabo- tar uma alegoria da escola da Serrinha, no carnaval de 1950, reflexo de uma disputa nada amigável:

108 Segundo Pamplona (2013), o Salgueiro seria campeão sozinho em 1960, mas durante a apuração colocou-se em votação se valeria o item do regulamento que tirava um ponto por minuto de atraso da escola que descumprisse o horário de apresentação. Se levado à risca, Portela e Mangueira perderi- am 15 pontos cada. Ao optarem por não seguir a regra, a Portela foi declarada campeã sozinha e o Salgueiro procurou uma advogada. Para dar fim à confusão, as cinco primeiras colocadas foram de- claradas campeãs, após sugestão de Natal. 109 Com a vitória imperiana, que interrompeu a sequência de sete campeonatos consecutivos da Por- tela, a azul e branca desistiu de batizar o Império, como havia sido acordado (VALENÇA e VALEN- ÇA, 2017). 70

A guerra surda entre Império Serrano e Portela, surgida desde a primeira vi- tória da verde e branco, em 1948, a princípio restrita a Madureira, tornava- se já então declarada e geral. Estava se iniciando a mais acirrada disputa da história do samba carioca, que se prolongaria por praticamente toda a década de 1950: a competição Império x Portela pela hegemonia do samba (VALENÇA e VALENÇA, 2017, p. 102).

Isto nos leva a relativizar o conceito de “quatro grandes” escolas e sua su- premacia de quase 40 anos, uma vez que o Império Serrano entrou posteriormente para o seleto grupo, quando este (ainda uma dupla Portela-Mangueira) já somava dez anos de hegemonia, assim como o Salgueiro, que só seria fundado em 1953. Por mais que as quatro agremiações tenham, juntas, conquistado resultados invejá- veis, e que suas características levem alguns pesquisadores a separarem-nas em uma espécie de clube exclusivo, não quer dizer que não haviam disputas entre os membros deste quarteto, semelhantes ao embate do discurso do Império Serrano com o trio de escolas financiado pelo jogo do bicho. Basta observar a trajetória do Salgueiro para que o conceito de “quatro gran- des” se torne ainda mais questionável. Segundo Bruno (2013), a vermelho e branca da Tijuca foi, na década de 1960, o principal alvo de uma campanha da imprensa contra a perda de “autenticidade” das escolas de samba, recebendo até críticas da plateia que assistia aos desfiles de 1964, pelo excesso de coreografias. Ainda se- gundo o autor, o jornalista Sérgio Cabral escreveu que o Salgueiro estava pecando por apresentar novidades que deturpam o “verdadeiro sentido das escolas de sam- ba”, enquanto Sérgio Bittencourt, que chegou a sugerir a anulação prévia do desfile de 1965, fez a seguinte proposta:

- Sugerir ao Sr. Secretário de Turismo que inserisse na papeleta de jurados o quesito referente à autenticidade; - Caso isso não fosse seguido, pedir ao povo que vaie Portela, Salgueiro e Império Serrano, por serem, até o momento, as que declaradamente detur- parão a legitimidade do desfile (CORREIO DA MANHÃ, 23 de fevereiro de 1965, p. 3).

Deste modo, Império Serrano e Salgueiro, dupla integrante das ditas “quatro grandes”, já haviam compartilhado experiências semelhantes às vividas por Beija- Flor, Mocidade e Imperatriz Leopoldinense, como destacam Valença e Valença (2017, p. 214)

A partir de 1976, o desfile começaria a mudar como em 1948, com a revolu- ção trazida pelo Império, e como a que, na década de 1960, o Salgueiro 71

trouxe. Escolas de pouca tradição, alicerçadas em forte esquema financeiro e no trabalho de carnavalescos de indiscutível competência profissional, se- riam aquelas que daí por diante se tornariam as grandes campeãs.

Pode parecer estranho que justamente as escolas hoje taxadas de tradicio- nais tenham sido classificadas como não autênticas, anos antes, mas este efeito revela-se uma constante na história do samba, como aponta Lira Neto (Apud PE- REIRA, 2017)

Quando surgem os primeiros desfiles de escolas de samba, lá no começo dos anos 30, essa primeira geração do Hilário, do Donga, do João da Baia- na, vai dizer: “Essas escolas, isso não é samba, samba é o que a gente fa- zia lá nos terreiros da pequena África da Praça Onze”. Bom, aí surge um novo paradigma, instituído pela turma do Estácio e que vai ser adotado pe- las escolas de samba na sua gênese dos anos 30. Aí, nos anos 50, o Isma- el Silva, que foi um dos indutores desse processo nos anos 30, vai dizer: “Não. O que está se fazendo aqui nos anos 50 não é mais samba – samba é o que a gente fazia nos anos 30”. E aí você vai ter isso como uma cons- tante. Depois, nos anos 70 e 80 você vai ter gente que vai dizer que samba era da década de 50.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Pamplona (2013), o mesmo que suge- riu o enredo Bum Bum Paticumbum Prugurundum, usa a experiência vivida como marcador deste conceito:

Para o cara que entrou no assunto, mais ou menos depois de 1975, a esco- la é uma. Para mim, cujo grande contato começou em 1959, é outra. A es- cola de samba do Mazinho, filho do Natal, na década de 1940, era diferente da minha. E a do Ismael Silva, na década de 1930, bastante diferente da do Mazinho. Antes de 30, estava germinando a forma resultante da metamor- fose enxertada dos ranchos, sociedades, cordões e blocos.

Já Turano e Ferreira (2013) apontam que desde o surgimento das escolas de samba, criou-se a necessidade básica delas afirmarem esta tradicionalidade, uma vez que outras manifestações, como os ranchos, tornaram-se alvos de críticas da intelectualidade da época:

Surgidas como uma negociação entre os interesses da intelectualidade (que buscava uma manifestação carnavalesca popular essencialmente brasilei- ra), dos políticos (desejosos de agradar ás classes menos favorecidas), do turismo (buscando atrair visitantes interessados numa festa como nenhuma outra no mundo) e dos sambistas dos morros (que almejavam ascensão e aceitação social), as escolas de samba precisavam, nesses primeiros anos, reafirmar seu compromisso com a tradição, as origens negras e a pureza essencial.

72

Independentemente das razões que levaram à manutenção da tradicionalida- de nas escolas de samba, Lira Neto (Apud PEREIRA, 2017) propõe uma diferente abordagem sobre o universo do samba, não binária (símbolo de autenticidade e re- sistência versus gênero cooptado pelas contingências políticas e circunstâncias do mercado), preferindo contextualizar como uma mistura destes dois conceitos, mos- trando que ele é “festa, mas também é fresta”, apontando que a gênese do ritmo é permeada pela mescla de vários vetores e camadas de influência, que o reelaboram constantemente. Ainda segundo o autor, o risco em se recuperar essa abstração do autêntico, fazendo uma releitura, é o de se recorrer à folclorização do que se preten- dia ser autêntico, o que “mataria” a potência desta cultura. Para Turano (2011), este modo de estudar a cultura popular, com representa- ções folclóricas ou simplistas, é uma marca do trabalho de Sérgio Cabral – autor do livro que deu título ao enredo do Império Serrano – caracterizado pelo desejo de re- latar a história do carnaval, identificar seus personagens, suas histórias, como forma de preservar aquele “mundo” com suas peculiaridades “únicas”, “íntegras”, procu- rando preservá-las na forma como se encontravam, sem creditar mudanças constan- tes nestas formas. Por outro lado, o próprio Turano (2011) pondera que estas carac- terísticas não negam o importante papel dos escritos do autor, que contribuíram com informações retiradas de arquivos atualmente indisponíveis ou inexistentes, tornan- do-se, assim, fundamentais para o estudo do carnaval, desde que se proponham novas interpretações. Desta maneira, entendemos aqui que, apesar de apresentar alguns elemen- tos que sugerem contradição, o enredo do Império Serrano de 1982 traz, consigo, uma soma de discursos reveladores de sua época, uma construção que expõe os variados tipos e níveis de poder de várias esferas dentro da manifestação popular. Por outro lado, entendemos que esta compreensão é mais facilmente perceptível hoje, uma vez que há um distanciamento dos fatos. Portanto, mais do que compre- ender esta dinâmica, nos interessa revelar a sua repercussão na época, que, por sua vez, geraram desdobramentos importantes no contexto aqui estudado. Logo, seria a linguagem visual do desfile do Império Serrano que definiria se a sua releitu- ra do “autêntico”, com o “Bum bum paticumbum prugurundum” proporia as novas interpretações a que Turano (2011) se refere. A Avenida seria o palco definitivo para entender até que ponto o seu discurso era uma prática. Questões que serão obser- vadas no capitulo a seguir. 73

3 O CONFRONTO

Era a hora de o discurso ganhar forma. Com samba e enredo definidos, a próxima etapa seria construir a linguagem não verbal do desfile. As carnavalescas Rosa Magalhaes e Lícia Lacerda, assim como os artistas das outras escolas, trans- formariam seus temas em figurinos e alegorias, materializando os seus discursos, de acordo com suas habilidades criativas e as condições financeiras das agremiações. A liberdade que o papel dava a qualquer ideia, seria posta à prova na sua realiza- ção, como veremos neste capítulo que abordará, também, de que maneira o Império Serrano reinterpretou outros desfiles aos quais se referia em seu enredo e as dife- rentes maneiras que as escolas de samba lidaram com o polêmico regulamento que havia reduzido para três o número de carros alegóricos, proibido a utilização de tri- pés e o uso de componentes sobre as alegorias. Para tanto, utilizamos estas dife- rentes respostas diante do regulamento como uma espécie de estudo de caso que exemplifica as estratégias utilizadas por estas agremiações diante de tensões e pro- cessos de negociação. Acompanharemos as reviravoltas da apuração que modificou o resultado da campeã, além de observarmos o suspeito apoio político que teria fa- vorecido a escola da Serrinha. O confronto se efetivaria. Segundo a dupla de carnavalescas do Império Serrano,110 a escola não dis- punha de recursos financeiros a contento para fazer o carnaval. A equipe de profis- sionais que tinham à disposição se resumia ao escultor, Yarema Ostrower111, duas costureiras, dois ferreiros e os carpinteiros. Enquanto isso, só para a confecção de figurinos, a Imperatriz Leopoldinense contava, desde junho de 1981, com cerca de 30 costureiras, trabalhando de 9h às 18h, confeccionando 41 fantasias para cada ala, 100 fantasias de baiana, 100 de damas, 250 roupas para a bateria e 12 para a

110 Rosa Magalhães, em entrevista concedida ao autor deste trabalho, em 30 de agosto de 2017, no barracão da Portela e Lícia Lacerda, em entrevista concedida ao autor deste trabalho, em 16 de agosto de 2017, em sua residência, e através dos manuscritos de um projeto de livro sobre sua car- reira, disponibilizados a este autor na mesma data. 111 Segundo Brasil (2012), Yarema Ostrower, que mais tarde se tornaria carnavalesco, foi o respon- sável por criar, pela primeira vez, esculturas feitas com isopor para os carros alegóricos da Portela, em 1970. 74

comissão de frente. Estas profissionais ganhavam, sem contar os serões, Cr$ 4500,00 por semana. (JORNAL DO BRASIL, 12 de fevereiro de 1982, p.6).112 Para se ter uma ideia da situação financeira do Império Serrano, sem pintor de arte disponível, as caras dos bonecões-símbolo daquele desfile (figura 2) foram pintadas pela própria Lícia, que ainda revela que, certo dia, o compositor Aluísio Ma- chado teria aparecido no barracão reclamando que a agremiação não queria pagar a fantasia da sua filha, Andréia Machado, que havia ganhado a vaga de segunda por- ta-bandeira.113 Para resolver a situação, a artista solicitou à escola materiais indis- pensáveis para a criação de uma alegoria, mas que foram utilizados na confecção do figurino.

Figura 2- Rosa Magalhães e Lícia Lacerda no barracão do Império Serrano, em 1982.

Nota: Observamos nesta foto as carnavalescas Rosa Magalhães (à esquerda) e Lícia Lacerda (à direita), preparando as esculturas do desfile, tais como os bonecões, ao fundo, que se tornaram símbolos daquele carnaval. Fonte: Alfredo Jacob – O Globo

Segundo Silva (2014), o Império Serrano estava seriamente endividado, mas o presidente Jamil Cheiroso, através de sua influência, sanou dívidas e viabilizou

112 A título de comparação, no mesmo dia 12 de fevereiro de 1982, uma cadeira de praia (marca Bel Prazer) na loja Boulevard, anunciada no Jornal O Globo (p. 7) custava Cr$ 1.730,00. 113 As escolas de samba levam para a Avenida mais do que um casal empunhando o pavilhão, caso haja necessidade de substituir o casal principal, o único que é julgado. 75

créditos para a escola, possibilitando investimentos para o desfile. Uma das estraté- gias para angariar fundos para o carnaval, como contam Valença e Valença (2017), foi a aposta na divulgação da escola, contratando os serviços da radialista Dalila Vi- lanova, que não deixava a agremiação sair do noticiário. Data também dessa época a criação do Botequim do Império, uma roda de samba realizada na quadra da esco- la, que atrairia uma multidão aos sábados, para assistir apresentações de figuras como Martinho da Vila, João Nogueira, Dona Ivone Lara e Jovelina Pérola Negra que ali teria despontado. Na busca por recursos para o desfile, o Império Serrano apostava no próprio samba, tentando colocar em prática a discussão proposta pelo seu enredo. Seria o suficiente?

3.1 O discurso ganha forma

Cercado de dificuldades financeiras, os trabalhos plásticos do desfile do Impé- rio Serrano para 1982 se dividiriam em dois ambientes principais: em uma sala, no segundo andar da quadra da escola, montou-se a confecção dos protótipos dos figu- rinos, onde a dupla de carnavalescas fornecia as amostras de tecidos para os presi- dentes das alas. 114 O espaço ainda contava com o suporte de uma costureira chefe, que fazia os cortes dos trajes, e uma equipe que costurava as fantasias. Lícia La- cerda lembra que foi a primeira vez na carreira que conseguira montar um barracão de costura.115 Já as alegorias foram preparadas num galpão vazio, que pertencia à Comlurb,116 na rua República do Líbano, Centro da Cidade. A maratona havia começado com o processo de pesquisa, que durou 20 dias, em julho de 1981, ou seja, antes de se confirmar a manutenção da escola no primei- ro grupo e da formulação do novo regulamento. A seguir, um mês fazendo os esbo- ços e mais 30 dias detalhando os figurinos (JORNAL DO BRASIL, 3 de março de

114 Na época, boa parte das escolas de samba não confeccionavam as fantasias para seus compo- nentes, mas preparavam um protótipo de cada ala e distribuíam para seus respectivos representan- tes, chamados presidentes de ala, que reproduziam o figurino de acordo com o modelo apresentado. 115 Em manuscrito de um projeto de livro sobre sua carreira, disponibilizados a este autor em 16 de agosto de 2017. 116 Companhia Municipal de Limpeza Urbana da cidade do Rio de Janeiro. 76

1982). O trabalho de costura começou em novembro e das alegorias em dezembro. Segundo Lícia,117 no dia da entrega dos croquis, um dos diretores do Império os re- cusou, afirmando que não estavam do seu agrado. Como resposta, Rosa teria “pu- lado sobre a mesa” questionando a formação artística do indivíduo. Em entrevista ao O Globo (15 de fevereiro de 1982, p. 6), a carnavalesca afirma que alguns compo- nentes insatisfeitos usaram como argumento para as críticas o fato de já terem re- cebido o prêmio Estandarte de Ouro. Lícia, por sua vez, preencheu um cheque (sem fundos) com o valor recebido até então pelo serviço e entregou ao presidente Jamil, que apartou a briga assumindo os figurinos criados e o projeto continuou. Embates como este revelam como as relações de poder na produção da festa não se restringiam à rivalidade entre coirmãs, mas também internamente, entre os próprios componentes das agremiações, envolvendo, inclusive, questões como re- conhecimento midiático (através do prêmio Estandarte de Ouro, por exemplo) e grau de instrução (formação artística). Processos que reafirmam o caráter coletivo da fes- ta, que de acordo com os estudos de Becker (1977), nos ajudam a compreender o que é o desfile das escolas de samba, uma vez que entende o que é arte através do conjunto de pessoas cuja ação é essencial à produção do que elas produzem. Com os ânimos mais contidos, os protótipos das fantasias seguiam sendo preparados aos poucos, conforme os materiais chegavam. Parte deles vinham da loja de produtos carnavalescos e bijuterias da qual um dos diretores do Império Ser- rano era dono. Esta etapa era supervisionada pelas carnavalescas aos sábados, assim como a confecção do figurino da destaque Neide, que viria de Iemanjá, a fan- tasia considerada por Lícia como a de mais complexa execução. No barracão de alegorias – um espaço não completamente coberto, com apenas um banheiro e sem local para o almoxarifado – os materiais também demoraram a aparecer, por isso, as carnavalescas começaram o processo pelas alegorias de mão e de corpo.118 Como se não bastassem as dificuldades de recursos para o trabalho, Rosa Magalhães e Lícia Lacerda ainda dividiriam seu tempo, a partir de janeiro de 1982, com a decoração de rua da Avenida Rio Branco, que haviam conquistado com o pro- jeto intitulado “Upa, upa cavalinho alazão”, inspirada na música “Meu Trolinho”, de

117 Ver nota 89. 118 Alegoria ou adereço de mão é um recurso utilizado para dar mais volume à fantasia, que dialoga com o restante do traje e que é empunhado pelo desfilante. Já alegoria de corpo é uma estrutura maior, um boneco gigante ou um tripé, por exemplo, “vestido” por um ou mais componentes que vão carregar a sua estrutura. 77

Ari Barroso. Rosa ainda dava aulas de desenho na Faculdade de Arquitetura Bennet e na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, enquanto Lícia lecionava Ce- nografia e Indumentária na Escola de Belas Artes e na EAV, e ainda cuidava dos três filhos (os gêmeos Edgar e Eduardo, então com 10 anos, e Antônio, com quatro). Além disso, Rosa ainda teve de lidar com a morte do pai, Raimundo Magalhães Jú- nior, em dezembro de 1981. Uma semana depois, viria a óbito o carpinteiro, dentro do barracão, e 15 dias depois, morreria o ferreiro. A carnavalesca ainda bateria com o carro duas vezes no período: “O meu estado de nervos era o pior possível (...) o remédio foi trabalhar mais ainda, como todo mundo aconselhou”, declarou Rosa (JORNAL DO BRASIL, 03 DE MARÇO DE 1982). O desafio estético das artistas do Império Serrano era conseguir ilustrar, atra- vés das fantasias e alegorias, os três principais locais de desfiles das escolas de samba. Para tanto, optaram por uma abordagem através das narrativas característi- cas de cada período que, nas palavras de Rosa Magalhães (O GLOBO, 14 de janei- ro de 1982, p.31), se dividiriam entre a época em que as escolas eram vinculadas aos temas históricos (Praça Onze), a fase das narrativas do folclore (Candelária) e, por fim, o surgimento dos enredos imaginativos ou fantásticos (Sapucaí). Para o primeiro setor, que abordava um período dos desfiles em que as esco- las de samba eram conhecidas mais pelo ritmo do que pela plástica, as carnavales- cas Lícia Lacerda e Rosa Magalhães optaram por figurinos menos volumosos, sem- pre nas cores verde e branca da agremiação, com algumas pitadas de dourado, co- mo nas figuras 3 e 4 abaixo, respectivamente o “Grupamento malandrinhos” 119 – que representava os sambistas do início do século, com camisa listrada, sapato modelo bicolor, chapéu panamá (no desfile ainda ganharam lenço no pescoço e pandeiro na mão), num traje que traduzia o famoso discurso de Paulo da Portela, que dizia que o sambista devia andar com pescoço e pés ocupados – e a ala “Caçadores de Vea- do”,120 retratando o hábito do homem se vestir de mulher no carnaval, de rosto ma- quiado, brincos, luvas, vestido e leque (no desfile, a fantasia não contou com as plumas indicadas no desenho).

119 Utilizo aqui e nas outras referências às fantasias e alegorias do desfile do Império Serrano, as nomenclaturas registradas no roteiro do desfile da escola (Anexo 3). 120 Caçadores de Veado era o nome de um bloco carnavalesco dos anos 1920, então sediado na Rua de Santana, 217, próximo de onde hoje é o Sambódromo. Conhecido como a “expressão alegre e ruidosa das batalhas de confete” (A MANHÂ, 08 de janeiro de 1928), conquistou o primeiro lugar do concurso de blocos realizado por este mesmo jornal, em 1927 e 1928. 78

Figura 3 - Croqui da fantasia do “Grupamento malandrinhos”

Nota: A fantasia retrata o típico traje do sambista, com sua camisa, chapéu e sapatos característicos. Fonte: acervo pessoal de Lícia Lacerda.

Figura 4 - Croqui da fantasia da ala “Caçadores de Veado”

Nota: O croqui apresenta elementos típicos da fantasia de homem travestido de mulher: vestido, luvas, brincos e maquiagem. Fonte: acervo pessoal de Lícia Lacerda. 79

Numa abertura de desfile que retratava a simplicidade estética, a comissão de frente seria formada por homens de terno branco e gravata, com flor na lapela, lenço verde na mão e chapéu panamá. Nesta que era intitulada de “Fase autêntica ou Praça Onze”, o artifício da pluma quase não foi utilizado, restringindo-se ao chapéu da porta-bandeira ou encimando estandartes e afins. Além disso, para se referir à época retratada, o projeto do desfile alocava grupos de componentes nas laterais de todo o primeiro setor (anexo B), em fila indiana, representando as chamadas baia- nas de fila, que antigamente, segundo as carnavalescas, serviam como diretoras de harmonia, demarcando as laterais do cortejo. Vale também salientar a preocupação estética com os figurinos do segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira121 e das alas “Damas” e “Nobres de capa” – em que elas utilizavam vestido e sombrinha e eles usariam peruca e casaca -, remetendo aos enredos históricos do período (figura 5).

Figura 5 - Fantasia do segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira do Império Serrano de 1982

Nota: O casal desfilou no primeiro setor de desfile, à frente das alas “Damas” e “Nobres de capas”, num quadro que representava os enredos históricos. Fonte: Luiz Pinto – O Globo

Para compensar a falta de volume nas fantasias, sem comprometer o conjun- to, as carnavalescas prepararam para este primeiro setor não somente o abre-alas (de cor majoritariamente prateada, que trazia duas grandes esculturas representan-

121 A sequência dos casais de mestre e sala e porta-bandeira não é fixa. Neste desfile, o segundo casal se apresentou no primeiro setor e o primeiro casal no segundo. 80

do um casal de mestre-sala e porta-bandeira, que giravam em frente à duas coroas – símbolo do Império Serrano – de cores verde e dourada) como também elementos cênicos leves o suficiente para serem carregados. Entre eles, estandartes empu- nhados individualmente por seis componentes (cada um com uma letra ou conjunto de algarismos romanos, que juntos formavam o termo “PRAÇA XI”), além de 13 grandes bonecões, que retratavam as fantasias que faziam sucesso no início do sé- culo XX: baiana, bruxa, neném, anjo, diabo, morcego,122 como representados nas figuras 6 e 7.

Figura 6 - Croquis dos bonecos de diabo, morcego e baiana confeccionadas para o desfile do Império Serrano de 1982

Nota: Salientamos a observação contida no croqui da baiana, especificando que apenas um dos olhos da escultura deveria piscar. Fonte: acervo pessoal de Lícia Lacerda.

122 As carnavalescas chegaram a preparar os croquis de outros bonecos que não foram levados ao desfile, talvez por restrições orçamentárias, tais como palhaços. 81

Figura 7 - Bonecões no desfile do Império Serrano de 1982.

Fonte: acervo O Globo.

O uso destas alegorias-bonecões, segundo o jornal O Globo (24 de fevereiro de 1982, p.1) servia também para satirizar este mesmo recurso utilizado em outros carnavais por suas concorrentes, como na Beija-Flor em 1980 (figura 8).

Figura 8 - Bonecões no desfile campeão da Beija-Flor de 1980.

Fonte: Aníbal Philot – O Globo.

Estas alegorias de corpo serviam para que a escola pudesse apresentar uma grande quantidade de esculturas ou elementos cênicos sem burlar as regras do car- naval de 1982. O interessante é que estratégias como estas foram desenvolvidas especificamente para este desfile, uma vez que o texto do regulamento do ano ante- rior, por exemplo, considerava carro alegórico qualquer alegoria carregada, puxada 82

ou empurrada por duas ou mais pessoas, restringindo a quantidade destes elemen- tos (LUTA DEMOCRÁTICA, 19 de setembro de 1980, p. 5). Enquanto o primeiro setor privilegiava os tipos carnavalescos do início do sé- culo XX, através de figuras reconhecíveis, mas que não remetiam a nenhum desfile específico, na segunda parte a proposta foi fazer referências explícitas aos carna- vais da Candelária. Abrindo este segundo setor, as carnavalescas utilizaram mais uma alegoria de corpo, que também era carregado por componentes (figura 9).

Figura 9 - Croqui de uma alegoria de corpo do Império Serrano de 1982.

Nota: Salientamos a observação contida no croqui, especificando as medidas da estrutura para que seis componentes pudessem carregar a estrutura. Fonte: acervo pessoal de Lícia Lacerda.

Esta espécie de divisória de setores, sofreu uma adaptação para o desfile, re- cebendo pequenas esculturas de pássaros, semelhantes às utilizadas na alegoria que viria posteriormente (figura 10). Em ambos os casos, a intenção foi retratar, através dos elementos alegóricos, a decoração carnavalesca de rua, característica do período dos desfiles na Candelária. Tanto os pássaros como o pavão do carro alegórico remetiam ao projeto de Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues, intitulado “Hypper plá”, de 1973 (figura 11).

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Figura 10 - Alegoria do Império Serrano de 1982

Fonte: Revista Manchete

Figura 11 - Fotografia da decoração de rua do carnaval de 1973

Fonte: Athayde dos Santos – O Globo.

Neste segundo setor, a plástica do desfile é tomada pelo conceito que se tor- nou célebre a partir de meados do século XX, com a entrada de carnavalescos liga- dos à estética teatral no comando artístico das agremiações: bolinhas de isopor (que, segundo Lícia Lacerda, foi um material implementado no carnaval por Joãosi- nho Trinta), muitas plumas – refletindo o diálogo das escolas de samba com o teatro de revista (MARQUES, 2018) –, várias alas com fantasias volumosas, com direito ao uso de esplendor e adereços de mão, além de alguns trajes sumários – o que pode- 84

ria sugerir uma influência das vestes femininas das composições de carro das gran- des sociedades 123 ou das foliãs dos bailes de carnaval (MAZIERO, 2017). Além disso, enquanto, no segundo setor as alegorias privilegiaram as referên- cias às decorações de rua, as fantasias, em sua grande maioria, remetiam aos desfi- les de sucesso apresentados na época. O grupo de abertura desta chamada “Fase de interação ou Candelária”, por exemplo, faria referência à comissão de frente do Salgueiro de 1965, do enredo “História do carnaval carioca – Eneida”. Assim como a original (figura 12), a fantasia de 1982 (figura 13) era composta por burrinhas feitas de vime, agora coberta com tecido para fugir do aspecto “cru”, mais rústico, que não agradava as carnavalescas.124 Por sua vez, segundo Pamplona (2013), a comissão de frente de 1965 era inspirada numa crônica da Revista “Senhor”, de Nahum Si- rotsky, que afirmava que a primeira festa carnavalesca do Brasil fora uma enorme cavalgada festiva em comemoração à posse de D. Manuel II, em Portugal.

Figura 12 - Comissão de frente do Salgueiro de 1965

Fonte: Fonte não identificada. Imagem disponível em: http://www.carnavalize.com/2018/05/serieenredos.html

123 Como pode ser visto neste documentário sobre o carnaval do Rio de Janeiro nos anos de 1950. 124 Segundo Lícia Lacerda, em entrevista via telefone, em 03 de julho de 2018, ao autor deste traba- lho. 85

Figura 13 - Segunda comissão de frente do Império Serrano de 1982

Fonte: Jorge Marinho – O Globo.

Logo em seguida, um outro desfile do Salgueiro seria exaltado pelo Império Serrano, o de 1959, “Viagem pitoresca através do Brasil – Debret”, apontado pela sinopse como o primeiro carnaval a sofrer influência direta de carnavalescos erudi- tos. 125 Para as alas desta parte do desfile (figura 14), as carnavalescas usaram co- mo referência quadros do próprio pintor homenageado, como o “Ne- gros vendedores de aves”, de 1823, (figura 15), que inspirou a ala “Moleque de De- bret Nº 2”. Já para as alegorias de corpo (figura 16), segundo Fernando Pamplona, Rosa e Lícia se inspiraram na decoração de rua de 1965, de Adir Botelho, Davi Ri- beiro e Fernando Santoro, intitulada “Os tempos de Debret” (figura 17).126

125 Segundo Pamplona (Apud GUIMARÃES, 1992), outros “carnavalescos profissionais” surgiram antes, mas não são comentados, tais como Debre Dubonet – em Pamplona (2013) ele se refere a Ded Bourbonnais - cenógrafa francesa, que teria sido carnavalesca da Portela, assim como o figuri- nista Carlos Haraldo Sörensen, que nos anos 1950 ganhava dois contos de réis por figurino apresen- tado à mesma escola. 126 Durante a transmissão do desfile do Império Serrano, de 1982, comentando pela TVE, Fernando Pamplona aponta esta como a referência dos casebres. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Nxn6AYAuIYQ 86

Figura 14 - Croqui da ala “Moleques de Debret Nº: 2” e das alegorias de corpo em formato de casebres do Império Serrano de 1982.

Fonte: Acervo pessoal de Lícia Lacerda.

Figura 15 - Detalhe do quadro “Negros vendedores de aves”, de Jean-Baptiste Debret.

Fonte: https://br.pinterest.com/ pin/708472585101091028/?lp=true

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Figura 16 - Foto da ala “Moleques de Debret Nº: 2” e das alegorias de corpo em formato de casebres do Império Serrano de 1982.

Fonte: Aníbal Philot – O Globo

Figura 17 - Projeto da decoração de rua do carnaval de 1965.

Fonte: Correio da Manhã.

Dando sequência à homenagem aos desfiles do Salgueiro, o próximo quadro, ainda no setor da Candelária, traria elementos que remetiam à alegoria emblemática do carnaval de 1969, “Bahia de todos os deuses”, que trazia a figura de Iemanjá. Enquanto a original, concebida por Arlindo Rodrigues, era feita de papel machê pra- 88

teado e espelhos, a versão de 1982, das carnavalescas Rosa Magalhães e Lícia La- cerda, esculpida em isopor por Yarema Ostrower (figura 18), configurou-se numa alegoria de corpo, empunhada por um grupo de componentes (figura 19).

Figura 18 - Escultura de Iemanjá feita de isopor por Yarema Ostrower.

Fonte: Jorge Marinho – O Globo

Figura 19 - Alegoria de corpo representando Iemanjá no desfile do Império Serrano de 1982.

Fonte: Anibal Philot – O Globo.

Além da alegoria de corpo, a famosa Iemanjá do Salgueiro foi lembrada na fantasia da destaque Neide (figuras 20 e 21), que não só representou a alegoria de 89

1969, como também rendeu homenagem à Isabel Valença,127 importante persona- gem feminino da história salgueirense. Para tanto, Rosa Magalhães e Lícia Lacerda utilizaram como inspiração para a fantasia um figurino de 1974, em que que Isabel Valença (figura 22) representava a “Rainha de Médici”, no enredo “O Rei de França na ilha d’Assombração”, de Joãosinho Trinta. O traje, que se alongava até um séqui- to de componentes negros que carregava sua imensa cauda, espalhava-se por 128 grande parte da Avenida (SOUSA, 2016).

Figura 20 - Croqui da fantasia de Iemanjá da destaque Neide, do Império Serrano de 1982.

Fonte: Acervo pessoal de Lícia Lacerda.

127 Isabel Valença, esposa do então presidente do Salgueiro, Osmar Valença, tornou-se famosa por seus figurinos de destaque, tanto no desfile, quanto ao vencer o concurso de melhor fantasia na ca- tegoria luxo feminino no Baile de Gala do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1964 (SOUSA, 2016). 128 Por sua vez, a fantasia de Isabel Valença de 1974 (figura 22) apresentava semelhanças com figu- rinos criados por artistas consagrados no mundo do entretenimento, especialmente em áreas como balés e musicais. Segundo Sousa (2016), este é um exemplo de como o carnaval carioca, através de artistas como Joãosinho Trinta, Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona, bebeu na fonte de referên- cias de outros espetáculos para introduzir novas formas e soluções estéticas nas escolas de samba. 90

Figura 21 - Foto da fantasia de Iemanjá da destaque Neide, do Império Serrano de 1982.

Fonte: Luiz Pinto – O Globo.

Figura 22 - Fantasia de Isabel Valença, em 1974, no Salgueiro

Fonte: Sebastião Marinho – O Globo.

91

Ao final do segundo setor, após evidente ênfase aos carnavais do Salgueiro, o Império Serrano, fundado e diversas vezes campeão no período dos desfiles da Candelária, faria menção a um de seus célebres títulos. Através das alas “Zé Cario- cas” e “Grupamento Carmem Miranda”, a escola rememorava seu último campeona- to no carnaval carioca, “Alô, alô, taí Carmem Miranda”, de 1972. Num desfile que se propunha a apresentar três escolas de samba em uma, o terceiro e último setor retrataria os carnavais da Marquês de Sapucaí, até então. Iniciada com uma espécie de terceira comissão de frente, nomeada no roteiro de desfile (anexo B) como “Bum comissão de frente bum”, a abertura desta chamada “Fase das super escolas de samba S/A” era composta por belas mulheres de pele negra, com roupa colada ao corpo, remetendo às componentes comumente utilizadas por Joãosinho Trinta em suas alegorias. O grupo servia de contraponto às outras duas comissões de frente que antecederam os outros setores: a primeira, que utilizava um traje mais sóbrio (homens de terno e cartola) e a segunda, folclórica (burrinhas). Para ilustrar os enredos imaginativos ou fantásticos do período da Sapucaí, assim definidos por Rosa Magalhães, as carnavalescas elaboraram alas de curiosos nomes, tais como “Grupo chuveiro da ilusão” e “Marionetes-alegoria”, traduzindo a intenção da sinopse de apresentar “alas de tal porte que cada componente é uma alegoria irreal”. Para diferenciar dos enredos históricos e folclóricos, esta parte do desfile utilizaria elementos distantes da cultura brasileira, como motivos orientais, que, ainda de acordo com o texto, são “quase sempre pouco claros para o povo”, mas que dão margem a que o “todo-poderoso” carnavalesco exercite sua imaginação. Além disso, o projeto previa alas que realizariam performances, tais como o grupo que utilizaria adereços de mão em formato de placas individuais para montar um mosaico. Seria também neste setor de encerramento, através da última alegoria, que o desfile apresentaria a crítica mais evidente do enredo. Junto a uma reinterpretação do abre-alas da Beija-Flor de 1980 (figura 23), do enredo campeão “O sol da meia- noite, uma viagem ao país das maravilhas”, as carnavalescas Rosa Magalhães e Lícia Lacerda trariam, ainda, uma escultura de Joãosinho Trinta bailando no alto da alegoria (figura 24). Para retratar as mulheres negras seminuas que se habituaram a desfilar nos carros alegóricos da escola de Nilópolis, o Império Serrano abusou do caráter jocoso ao transforma-las em esculturas com movimentos, que simulavam 92

mandar beijinhos para a platéia, numa maneira irreverente de lidar com a proibição das figuras vivas sobre as alegorias.

Figura 23 - Abre-alas da Beija-Flor em 1980.

Fonte: Eurico Dantas – O Globo.

Figura 24 - Última alegoria do Império Serrano de 1982.

Fonte: Aníbal Philot – O Globo. 93

Ao analisarmos a proposta estética do desfile do Império Serrano, de 1982, como um todo, entendemos a importante função do samba-enredo, que, utilizando a nomenclatura cunhada por Hall (2016), serve como legenda ao desfile. A letra do samba, através da sua crítica, é indispensável para que o expectador entenda o dis- curso das carnavalescas, uma vez que a linha narrativa do enredo é “evolutiva”, his- tórica, o que poderia sugerir a ideia positiva de progresso. Além disso, alguns recur- sos utilizados como os bonecões, já empregados por outras escolas, assim como a escultura de Joãosinho Trinta, poderiam ser lidos como homenagens e não como sátiras. Desta maneira, observamos como os expectadores do desfile têm diferentes percepções, de acordo com a quantidade e qualidade de informações disponíveis (sinopse, samba, leitura plástica, vivência de outros carnavais) e que há interferência até do local onde se assiste à apresentação, uma vez que o ângulo de um camarote é diferente do ponto de vista da arquibancada, que é outro na edição da transmissão televisiva que, por sua vez, conta com a narração dos comentaristas. Neste processo de produção de significados, vale também reafirmar o caráter coletivo de confecção da festa e pensar a feitura do carnaval não como um sistema onde um artista repassa aos subordinados as suas ideias que são cumpridas sem o menor grau de interferência. É preciso compreender o trabalho final como uma soma de várias contribuições129 e, mais que isso, usando como exemplo a transposição das ideias do carnavalesco para o compositor (através da sinopse, logomarca, ex- planação e tira-dúvidas), perceber que esta etapa, assim como a da entrega de cro- quis de fantasias e alegorias para as costureiras e aderecistas, entre outras, é um processo similar ao iniciado no momento de definição e pesquisa do enredo, onde o carnavalesco, artista que assina a obra, também seleciona, absorve e interfere so- bre a representação estudada.

129 O samba enredo da Unidos da Tijuca de 1982 é um bom exemplo desta soma de várias contribui- ções e referências aqui apontada. A composição foi acusada de plágio (TRIBUNA DA IMPRENSA, 26 de fevereiro de 1982, p. 4) pelo poeta de cordel, Raimundo Luiz do Nascimento, que afirmava que os versos “Mesmo sendo excelente escritor/ Inocente Barreto não sabia/ Que o talento banhado pela cor/ Não pisava o chão da academia” foram retirados de seu folheto de cordel intitulado “Lima Barre- to”, publicado em 13 de maio de 1981, que assim dizia: “Sem maldade Barreto não sabia/ Mesmo sendo exímio escritor/ Que talento banhado pela cor/ Não pisava o chão d’Academia”. 94

Rolnik (1998), ao estudar a cultura produzida no Brasil como uma linha de fu- ga da cultura europeia – não como uma reposição submissa e estéril, nem como simples oposição – a entende de uma maneira que aqui também nos serve. Em su- as palavras:

Como elemento de um processo infinito de criação, no qual é conectada a universo de referências alienígenas, ela passa a integrar uma evolução im- previsível, imanente ao próprio processo, no qual a estrutura se redefine permanentemente.

Este sistema de contínua produção de ressignificados seria ainda somado às interpretações dos componentes do Império Serrano, através de seu canto e dança, e do público (presente ou não), incluindo a imprensa, como seria visto no desfile a seguir.

3.2 O embate

A ideia inicial de Rosa Magalhães e Lícia Lacerda era concluir todo o trabalho na sexta-feira anterior ao carnaval, dar uma limpeza geral no barracão, “relaxar e se bronzear”, mas o trabalho terminou mesmo só na Avenida. No sábado de carnaval, as costureiras não apareceram para trabalhar, então a dupla de carnavalescas teve de assumir as máquinas: “sorte que eram costuras retas”, lembra Lícia.130 Os componentes, por sua vez, encerraram seus ensaios dois dias antes do desfile, no Maracanãzinho, num show aberto ao público pagante por Cr$200,00.131 Já a Portela, no pré-carnaval, havia realizado ensaios no Mourisco, em Botafogo, e a Beija-Flor de Nilópolis, ensaiou no Morro da Urca, com ingressos que chegavam a Cr$1.500,00, com direito a jantar e passagem de ida e volta no bondinho (JORNAL DO BRASIL, 16 de dezembro de 1981, p. 10).

130 Em manuscrito de um projeto de livro sobre sua carreira, disponibilizados a este autor em 16 de agosto de 2017. 131 Segundo o presidente Jamil Cheiroso, 30% da renda seria destinada às vítimas das enchentes de janeiro, na Baixada Fluminense (O GLOBO, 19 de fevereiro de 1982, p. 13). 95

A discrepância entre os valores e a estrutura dos eventos destas escolas se traduziria também em seus desfiles. Para se ter uma ideia, enquanto a Imperatriz Leopoldinense levaria uma cauda de pavão aberta sobre a cabeça de cada um dos seus 12 integrantes da comissão de frente, gastava Cr$ 300 mil em linha e utilizava fitas de charmalote, um tecido caríssimo, em suas fantasias (JORNAL DO BRASIL, 12 de fevereiro de 1982, p. 6), a União da Ilha apostava em muito plástico e outros materiais baratos em substituição a coisas mais caras, como o strass (JORNAL DO BRASIL, 24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 7). A Imperatriz, que teria um de seus carros alegóricos todo entalhado em madeira de lei, estava gastando, só em alegorias, Cr$ 60 milhões, ao passo que a União da Ilha não empregaria nesse tra- balho mais que Cr$ 4 milhões. A escola insulana, que montava seu abre-alas, feito de compensado, sobre chassi e motor de um antigo Impala, acreditava que “na hora, compensado ou madeira de lei produzem o mesmo efeito” 132 (JORNAL DO BRASIL, 17 de fevereiro de 1982, caderno B, p. 7). Por mais que as despesas com o carnaval informadas pelas escolas possam não traduzir a realidade, estes números, aliados aos discursos das agremiações, ajudam a compreender suas estratégias. A Beija-Flor de Nilópolis, por exemplo, cujo presidente, Nelson Abraão David, afirmava desconhecer a ajuda financeira do jogo do bicho para as agremiações (O GLOBO, 30 de outubro de 1981, p. 7), prometia um “carnaval barato” como consequência da criatividade de Joãosinho Trinta (JOR- NAL DO BRASIL, 13 de fevereiro de 1982, p. 7): “nós guardamos nossas alegorias de um ano para o outro e aproveitamos o material”. Por sua vez, a Mangueira previa em 25 milhões de cruzeiros o valor investido no seu barracão: “É bom lembrar que a Mangueira é uma escola sem bicheiros”, ponderava seu carnavalesco, Fernando Pinto. (JORNAL DO BRASIL, 15 de fevereiro de 1982, p. 7). De acordo com um le- vantamento feito pelo Jornal do Brasil (24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 7 e 9), os custos dos desfiles das escolas Unidos da Tijuca, Unidos de São Carlos, União da Ilha e Beija-Flor seriam, respectivamente, de aproximadamente 5, 10 a 15, 20 e 22 milhões de cruzeiros. Antes, porém, deste investimento ser visto na Marquês de Sapucaí, acontece- ria o teste de luz e som da Avenida, na sexta-feira de carnaval. Participaram do en-

132 No dia do desfile, este carro alegórico apresentaria um defeito que atrasaria a apresentação da escola em cerca de uma hora (JORNAL DO BRASIL, 24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 7). 96

saio, aberto ao público, as escolas Unidos da Ponte e Em Cima da Hora, ambas do segundo grupo, e Unidos de São Carlos e Portela, da primeira divisão. As três pri- meiras foram representadas quase que somente por suas baterias e casais de mes- tre-sala e porta-bandeira enquanto a Portela contou com cerca de 1500 componen- tes (O GLOBO, 19 de fevereiro de 1982, p. 13). Num carnaval ainda sem Sambódromo, a passarela do samba, utilizada no ensaio e nos desfiles, levou meses para ser montada. Custou 450 milhões e com- portava 55 mil pessoas133 (JORNAL DO BRASIL, 10 de fevereiro de 1982, p. 13). Destes, 30 mil ingressos foram vendidos ao público (no Pavilhão de São Cristóvão, na semana do carnaval), 15 mil foram distribuídos para entidades carnavalescas (como a Federação de Blocos, e associações de escolas de samba e grandes soci- edades), 3500 ingressos foram para as próprias escolas e 6.500 vendidos por agen- tes de viagem (O GLOBO, 10 de fevereiro de 1982, p. 13). Diferentemente do que aconteceu nos anos anteriores, os ingressos 134 não valeriam para os outros dias de desfile (JORNAL DO BRASIL, 21 de novembro de 1981, p. 5). Para o domingo de carnaval, a ordem dos desfiles, preestabelecida, definia que as duas últimas colocadas do carnaval anterior, Vila Isabel e Império Serrano, respectivamente abririam e encerrariam as apresentações, em posições que, para alguns era ingrata, uma vez que as levava a desfilar com dia claro, como aponta Viriato Ferreira, carnavalesco da Vila Isabel:

O público prefere chegar mais tarde, pois tem um longo dia pela frente. Às seis horas ainda faz muito sol e calor nas arquibancadas, o povo ainda está se ajeitando, ainda não bebeu e, geralmente está frio. Abrindo o desfile nós também vamos servir de cobaia para outras escolas que, observando, vão saber todos os defeitos técnicos da pista (JORNAL DO BRASIL, 17 de feve- reiro de 1982, p. 9)

Além disso, a campeã do segundo grupo no ano anterior, Unidos de São Car- los, seria a segunda a desfilar, enquanto a vice-campeã, Império da Tijuca, seria a penúltima. A grade horária completa, (tabela 1) era a seguinte:

133 A medida da arquibancada foi feita para oferecer 50cm de espaço por pessoa (O GLOBO, 10 de fevereiro de 1982, p. 13). 134 Para assistir ao desfile do grupo principal, os preços dos ingressos de arquibancada, em 1982, variavam entre Cr$100,00 Cr$1.000,00, Cr$3.000,00 e Cr$5.000,00, de acordo com o setor. Para o segundo grupo, custavam metade do preço, exceto o setor mais caro, que custava Cr$3.000,00. Para o desfile dos campeões, no sábado seguinte, todos os ingressos custaram Cr$300,00 (O GLOBO, 6 de fevereiro de 1982, p. 11). 97

Tabela 1 - Ordem e horários de concentração e desfiles das escolas de samba em 1982. ESCOLAS CONCENTRAÇÃO 135 DESFILE Unidos de Vila Isabel 16h 18h Unidos de São Carlos 17h 19h10m União da Ilha 17h 20h20m Mangueira 18h 21h30m Salgueiro 19h 22h40m Beija-Flor 20h 23h50m Unidos da Tijuca136 23h 1h30m Portela 24h 2h40m Mocidade Independente 1h 3h50m Imperatriz Leopoldinense 2h 5h Império da Tijuca 3h 6h10m Império Serrano 4h 7h20m

Fonte: Jornal do Brasil, 13 de janeiro de 1982, p. 9.

Com 40 minutos de atraso, por exigir que as luzes da Avenida fossem acesas, garantindo o efeito visual programado, a Vila Isabel cumpriu a missão de abrir os desfiles do grupo principal em 1982 (JORNAL DO BRASIL, 24 de fevereiro de 1982, caderno B, p. 7). Seu enredo, “Noel Rosa e os poetas da Vila, nas batalhas do Boulevard”, foi escolhido, segundo seu carnavalesco, Viriato Ferreira, de acordo com as condições financeiras da escola, proporcionando uma apresentação bonita e ba- rata. Assim como o tema do Império Serrano, a Vila Isabel apostava na nostalgia dos antigos carnavais, abordando as animadas batalhas de confetes da década de 1930, que contavam com a participação de Noel Rosa e outros poetas, realizadas na principal rua de seu bairro, o Boulevard 28 de setembro (JORNAL DO BRASIL, 17 de fevereiro de 1982, p. 9). Ainda segundo o jornal, com 2000 componentes distribuídos em 40 alas, des- filaram blocos de sujo, palhaços mascarados, homens vestidos de mulher, presidiá- rios, bebês, acidentados, odaliscas e outros tipos marcantes. Foram utilizadas três alegorias, seguindo o regulamento: o abre-alas levava um boneco grande e sorriden- te, vestido de Momo, um carro alegórico representava uma nuvem cheia de anjos negros fantasiados de pierrôs (com uma escultura de Noel Rosa sentado, assistindo ao desfile), e um outro lembrava os corsos, com seus calhambeques cheios de mu-

135 As escolas ímpares se concentrariam na pista da Avenida Presidente Vargas, sentido Central do Brasil-Marquês de Sapucaí, com exceção da Unidos de Vila Isabel, cuja concentração seria na cha- mada Área de Armação da Avenida. Todas as escolas pares se concentrariam na Presidente Vargas, sentido Praça da Bandeira-Marquês de Sapucaí. 136 Na metade dos desfiles, após a passagem da sexta escola, Beija-Flor de Nilópolis, a pista seria tomada por garis, que teriam meia hora para limpá-la, entre 1h e 1h30m. Porém, segundo O Globo (24 de fevereiro de 1982, p.2) a Comlurb não realizou a limpeza programada. 98

lheres fantasiadas de diabo, índio, ciganas e melindrosas cobertas de serpentina brilhante. Preferindo não abusar dos adereços de mão, Viriato se sentiu prejudicado pe- la redução do número de alegorias, num enredo em que as grandes sociedades, famosas por seus carros, tinham um lugar certo. O carnavalesco disse ao Jornal do Brasil (17 de fevereiro de 1982, p. 9) que, se não fosse o regulamento da Riotur, as figuras vivas no carro dos corsos produziriam um outro efeito. Para dar mais volume à apresentação, o artista optou por empregar o mesmo recurso que o Império Serra- no e a Portela (figura 25) utilizariam naquele ano: grandes bonecos que remetiam a personagens do carnaval carioca (figura 26).

Figura 25 - Carlinhos Maracanã à frente dos bonecões da Portela de 1982.

Fonte: Otávio Magalhães – O Globo.

99

Figura 26 - Bonecões da Unidos de Vila Isabel, em 1982.

Fonte: Anibal Philot – O Globo.

A seguir, se apresentou a Unidos de São Carlos, a primeira das escolas de samba a descumprir o regulamento. Entre as suas 30 alas desfilaram três carros alegóricos e 10 tripés - de duas rodas cada, chamados de “bipés” -, ostentando pal- meiras, cata-ventos, índias e teias de aranha para ilustrar o enredo “Onde há rede há renda”. Num carnaval que homenageava a arte da renda, sua origem portuguesa e a mulher rendeira, a agremiação não se furtou de levar componentes sobre as alegorias, entre elas, Marli, esposa do presidente Antônio Gentil, vestida de Maria Bonita. “Carnaval sem gente em cima dos carros não é carnaval”, justificou um dos diretores (JORNAL DO BRASIL, 24 de fevereiro de 1982, caderno B, p. 7). Mesmo antes do carnaval o mandatário da São Carlos já avisava que não cumpriria o regulamento, supondo que a maioria das grandes escolas desobedece- ria ao que foi estipulado, desfilando com tudo o que tinha direito:

Carnaval é luxo e essas 70 mil pessoas que se concentram nas arquiban- cadas, querem é ver beleza, querem assistir ao maior espetáculo da Terra, que é o desfile de carnaval. Se não pode mais, se existem proibições, então vamos regredir e voltar a fazer o que se fazia no carnaval de 60, com luzi- nhas nas lapelas e tudo o mais (O GLOBO, 12 de fevereiro de 1982, p. 11).

Vale salientar que a Unidos de São Carlos, que enfrentava problemas finan- ceiros, poderia abdicar dos “bipés” confeccionados, utilizando os recursos neles gas- 100

tos em outras necessidades da escola. Para se ter uma ideia, a renda, elemento títu- lo do enredo, só foi comprada 4 dias antes do desfile, numa humilde quantidade de 350 metros, que “sumiu” nos 550 metros da Avenida (JORNAL DO BRASIL, 24 de fevereiro de 1982, caderno B, p. 7). Para Adelzon Alves, a agremiação, “sendo uma escola de samba no pé, desfilou com a pretensão de impressionar pelo visual. Não foi uma coisa nem outra” (O Globo, 24 de fevereiro de 1982, p. 4). Após um atraso de mais de uma hora, devido a um defeito em seu carro abre- alas, a terceira agremiação da noite entrou na rua Marquês de Sapucaí. Com o tema “É hoje”, uma caricatura dos desfiles da escola de samba (baseado no livro homô- nimo de Haroldo Costa e do caricaturista Lan) a União da Ilha, assim como a Vila Isabel, abusou dos tipos carnavalescos: pierrôs, colombinas, cocottes, índios, palha- ços e princesas. A escola apresentou 50 alas, 2800 componentes e três alegorias: a primeira, uma barca da Cantareira, velha reivindicação dos moradores; a segunda, baianas com seus patuás; e a terceira, o Pão de Açúcar, simbolizado por uma mula- ta deitada, piscando o olho verde, à frente de um Zé Pereira de olhos arregalados. Substituindo as figuras vivas por bonecos que imitavam as caricaturas de Lan, numa linguagem bem-humorada, a União da Ilha foi muito elogiada na transmissão da TV Globo,137 por apresentar a maneira “mais inteligente”, pelo menos até aquele momento, de seguir o regulamento. Feitas de fibra de vidro, as esculturas de mula- tas tinham beiços grandes, cílios exagerados, bustos e nádegas pronunciados (JORNAL DO BRASIL, 14 de fevereiro de 1982, p. 20). Além disso, a escola explo- rou “efeitos ondulantes” com pompons, guarda-chuvas e afins, como na fantasia do grupo que circundava o abre-alas (figura 27), feita de fitas azuis que, de acordo com o movimento dos componentes, simulavam as ondas do mar, servindo como uma continuação da barca representada no abre-alas. Apresentando um carnaval mais rico do que o de costume, já que, nas palavras de seu carnavalesco, Max Lopes, “com toalhinha na cintura ganham-se aplausos, mas não se ganha campeonato” a escola foi a primeira a ouvir gritos de “já ganhou” (JORNAL DO BRASIL, 24 de feve- reiro de 1982, caderno B, p. 7).

137 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zCtcAg3-TvE 101

Figura 27 - Abre-alas da União da Ilha de 1982.

Fonte: Anibal Philot – O Globo.

Em seguida, despontou a primeira das “quatro grandes”, a Estação Primeira de Mangueira. Com cerca de 3.000 componentes, divididos em 53 alas, a escola apresentou o enredo “As mil e uma noites cariocas”, do carnavalesco Fernando Pin- to, retratando as noites de festa do Rio de Janeiro, desde o descobrimento do Brasil. De maneira didática, dividiu seu tema em 11 quadros, que, no desfile, eram iniciados com grandes tabuletas carregadas por pares de componentes, e que traziam os no- mes dos setores: “Encantadas noites índias”, “Uma noite de festa na corte”, “Noite de magia na senzala”, “Noites do Rio antigo”, “Uma noite na Lapa”, “Noites suburba- nas”, “Uma noite em Vila Isabel”, “Uma noite em Copacabana”, “Pelas noites da Zo- na Sul”, “Velhas noites de antigos carnavais” e “Loucas noites dos novos carnavais” (JORNAL DO BRASIL, 21 de fevereiro de 1982, p. 4). Seguindo à risca o número máximo de alegorias permitidas, assim como a proibição de figuras vivas, a Mangueira já avisava no pré-carnaval que iria brigar ca- so outras agremiações não respeitassem essas normas e não perdessem pontos pela irregularidade (O GLOBO, 9 de fevereiro de 1982, p. 13). A estratégia da esco- la, para não perder em volume visual, foi utilizar centenas de alegorias de mão, entre estrelas, lampiões, sereias, balões, notas musicais, lustres e velas, empunhadas por 238 carregadores, segundo a transmissão da TV Bandeirantes. 138 Com praticamente todas as suas fantasias em verde e rosa e sem muitos adereços de mão, desfilaram índias, nobres, malandros e pierrôs. Dezenas de destaques de luxo se apresentaram

138 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2LcYfQpyIVg 102

no chão, ocupando grande espaço na Avenida, assim como os passistas, que for- mavam uma pirâmide humana. Já as alegorias, que não se destacavam pelo tamanho, optaram por represen- tar uma grande boca de cena, com a bandeira da escola ao centro (abre-alas), uma escultura de São Jorge lutando contra o dragão (1º carro) 139 e homenageou artistas da noite carioca, tais como Dalva de Oliveira, Orlando Silva, Cartola, Pixinguinha, Dolores Duran, Noel Rosa, Maysa e Elis Regina (2º carro). Esta última alegoria, tra- duzia a opção da escola em não produzir muitas esculturas, desfilando manequins fantasiadas de vedetes, entre estrelas feitas de madeira, onde os rostos dos home- nageados estavam pintados (figura 28).

Figura 28 - Detalhe do último carro alegórico da Mangueira, em 1982.

Fonte: Sebastião Marinho – O Globo.

Muito criticada, a apresentação da Mangueira foi descrita pelo Jornal do Brasil (24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 8) como um “espetáculo deprimente”, com um samba “fraco e arrastado”,140 num desfile em que, no lugar da “garra e harmonia habituais (...), a escola virou caos, com componentes brigando uns com outros, os

139 Naquela época, a primeira alegoria a desfilar depois do abre-alas era nomeada nos roteiros do desfile como “carro 1”. Atualmente, o abre-alas é sinônimo de primeira alegoria, logo, o carro alegóri- co que o procede é chamado de “carro 2”. 140 Segundo Adelzon Alves, a escola tinha um ótimo samba nas eliminatórias, que foi cortado porque fora gravado num compacto promocional de uma companhia de seguros (O GLOBO, 24 de fevereiro de 1982, p. 5). 103

responsáveis perdidos e conformados com a desordem reinante”. O Globo (24 de fevereiro de 1982, p. 2) afirmou que o povo chegou a vaiar a escola por causa da correria, dos buracos nas alas e da falta de animação dos sambistas. Na mesma publicação (p. 5), Lígia Santos afirma que, pela primeira vez, viu a ala de baianas da agremiação sem evoluir, enquanto Sérgio Cabral critica a comissão de frente de passo marcado e classifica o desfile como “o pior que a Mangueira já fez em toda a sua história”. A seguir, era a vez de outra escola “tradicional”, o Acadêmicos do Salgueiro. Passando por problemas financeiros, o que prejudicou a confecção de suas alegori- as. Segundo José Carlos Rego (O GLOBO, 24 de fevereiro de 1982, p. 5), 15 dias antes do desfile, um dos carnavalescos da escola foi à Lins Imperial 141 pedir ajuda, pois só havia recebido quatro compensados para fazer as alegorias. A crise no Sal- gueiro levou à renúncia do presidente, Silas de Oliveira, no sábado de carnaval. No dia do desfile, das três alegorias previstas, só desfilaram duas. Com 3 mil e 200 figurantes, divididos em 77 alas, o Salgueiro apresentou o enredo “No reino do faz de conta”, trazendo um abre-alas giratório, que representava um castelo medieval, e uma alegoria com a “rainha lua e o rei sol”. O outro carro alegórico previsto (uma carruagem puxada por dragões alados) não teria sido levado à Avenida “por falta de reboque” (JORNAL DO BRASIL, 24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 8). Sem utilizar os recursos de carregadores de alegorias, a escola se apoiou na evolução de seus componentes, que utilizavam alguns adereços de mão para compensar a menor volumetria. Segundo Albino Pinheiro, em transmissão da TV Bandeirantes,142 a pequena quantidade de elementos alegóricos favoreceu a evolução da escola, mas prejudicou a leitura do enredo, que se tornou confuso, enquanto que para Fernando Pamplona, que comentava pela TVE,143 o Salgueiro tinha “indiscutivelmente o pior enredo do ano”, conseguindo reunir Cinderela e Xangô na mesma história. De qualquer manei- ra, diante dos prognósticos ruins antes do carnaval, o resultado foi considerado sa- tisfatório. Encerrando a primeira metade da noite dos desfiles, adentrou à Avenida a Beija-Flor de Nilópolis. Com o enredo “O olho azul da serpente”, em formato de pa-

141 Agremiação que desfilava na segunda divisão dos desfiles 142 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1cjJpfibsn4 143 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QhKP7KXz7PI 104

rábola, contava a história do fictício reino de Paranambuco (Pernambuco), onde vivia uma serpente que quando abria o seu olho azul (onde morava uma princesa) tudo de bom acontecia, quando abria o olho negro (onde morava uma bruxa) tudo era ruim, representando a época de águas calmas e enchentes do rio Capibaribe. Para destruir a serpente, seu olho azul deveria ser retirado com uma faca de prata e guardada numa flor de mandacaru por sete luas, de onde surgiria uma linda prince- sa, Iara, que conquistaria um príncipe estrangeiro (Maurício de Nassau). Como o príncipe não falava sua língua, Iara chorou. Das lágrimas, misturadas à terra, Mestre Vitalino criou bonecos e com eles contou ao príncipe o que estava acontecendo, que, por sua vez, derrotou a serpente prendendo-a com sete laços – ou as sete pon- tes de Recife (JORNAL DO BRASIL, 13 de fevereiro de 1982, p. 7). Para ilustrar um enredo tão imaginativo, a Beija-Flor decidiu reinterpretar o regulamento. Ladeando o abre-alas, 18 mulheres desfilaram sobre estruturas inde- pendentes, o que para Joãosinho Trinta não feria as regras. Segundo o Jornal do Brasil (24 de fevereiro de 1982, p. 8), a escola apresentou, ao menos, sete alegori- as, enquanto que para o carnavalesco, foram apenas três, como exigido – “o restan- te são carretas” (figura 29). Antes do desfile, o artista ainda criaria outra polêmica ao afirmar que a própria Riotur quebraria o regulamento, insinuando que novamente o rebaixamento seria cancelado: “em 83 teremos um carnaval com 16 escolas, podem acreditar, pois 82 é um ano político” (O GLOBO, 13 de fevereiro de 1982, p. 11).

Figura 29 - Elemento alegórico da Beija-Flor de 1982, considerado por Joãosinho Trinta como “carreta” e não “tripé” ou “alegoria”.

Fonte: Sebastião Marinho – O Globo. 105

Enquanto a Unidos de São Carlos teve problemas na aquisição de rendas, Joãosinho resolveu utilizar outros materiais que simulavam este seu efeito, como numa fantasia de ala, toda confeccionada com retalhos de toalhas de plástico (Li- nholene). A partir de estratégias como esta, a direção da escola afirmava que, com criatividade, conseguiu produzir um carnaval “barato” em comparação aos outros anos (JORNAL DO BRASIL, 13 de fevereiro de 1982, p. 7). Com 2.600 componen- tes, contingente menor que o habitual, e fantasias mais leves, segundo o presidente Nelson Abraão David (O GLOBO, 13 de fevereiro de 1982, p. 11), o desfile da Beija- Flor ficaria marcado pela alegoria (sem figuras vivas) que trouxe uma serpente desli- zando sobre trilhos de vários níveis, circundando todo o carro, simulando o rio Capi- baribe debaixo das sete pontes do Recife, numa engenhoca que arrancaria o se- gundo coro de “já ganhou” da noite (JORNAL DO BRASIL, 24 de fevereiro de 1982, p. 8). Às 03:20 da manhã, quase duas horas após o horário previamente estabele- cido, a Unidos da Tijuca adentrava a rua Marquês de Sapucaí com cerca de 1.800 componentes. Apresentando o enredo “Lima Barreto, mulato, pobre, mas livre”, o desfile abordou a vida do escritor, desde a infância até a sua morte, entregue à be- bida. “Cumprindo rigorosamente um regulamento ao qual sacrificou alguns tripés e carros”, como apontou o Jornal do Brasil (24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 9), a escola concentrou seus efeitos visuais nas três alegorias e nas fantasias dos des- taques. Além disso, seu carnavalesco, Renato Lage, utilizou, principalmente no pri- meiro setor, o recurso do adereço de mão, com componentes de alas empunhando pipas, gaiolas, cata-ventos e até aros de bicicleta. Umas das três únicas escolas que disputava o carnaval desde o primeiro con- curso, em 1932 (ao lado de Mangueira e Portela), a Unidos da Tijuca realizava o seu segundo desfile consecutivo no grupo principal, após mais de duas décadas nas di- visões inferiores. Seu enredo, considerado a terceira parte de uma trilogia social (o branco Delmiro Gouveia, o caboclo Mitavaí e o mulato Lima Barreto) foi bastante elogiado pelo ,jornal O Globo (24 de fevereiro de 1982, p. 5) que apontou (p. 2) a sua posição de desfile como o fator prejudicial da sua apresentação, tendo que se esforçar para se destacar após a passagem da Beija-Flor e desfilar enquanto a ar- quibancada já gritava pela Portela. 106

Era quase dia quando Clara Nunes começou a “esquentar”144 a Portela. Cinco horas da manhã, céu já azulando, começou o desfile. Seu enredo, “Meu Brasil brasi- leiro”, foi resumido pelo Jornal do Brasil (24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 9) como “a enésima exaltação ao nosso folclore”, retratando “tudo que o Brasil tem de belo, da comida às danças, do folclore até as suas bebidas”, como apontou seu pre- sidente, Carlinhos Maracanã, que antes do carnaval rivalizava a estética e o ritmo: “vamos respeitar o regulamento da Riotur, sem figuras vivas nos nossos carros, mas em contrapartida as alas vão trazer o samba no pé (O GLOBO, 10 de fevereiro de 1982, p. 13). A fala do mandatário da Portela ilustrava um imbróglio pelo qual a escola ha- via passado no final de 1981, quando o autor do enredo, Viriato Ferreira, trocou a escola pela Unidos de Vila Isabel. Segundo o Jornal do Brasil (24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 9), Viriato teria brigado com a diretoria portelense, que preferia um carnaval mais simples. No seu lugar assumiram Edmundo Braga e Paulino Espí- rito Santo. Mas, apesar de apresentar apenas três alegorias, sem figuras vivas, a Portela – que através do seu presidente, Carlinhos Maracanã, tinha sugerido durante as reuniões de elaboração do regulamento a proibição de adereços de mão – inves- tiu no uso de carregadores (figura 30), que empunhavam estandartes, vestiam bum- ba-meu-boi e erguiam enormes alegorias, um recurso que Fernando Pamplona clas- sificou como um retrocesso, durante a transmissão da TVE: 145 “substituíram a roda pelo pé e pelo esforço do homem”.

144 As escolas de samba costumam cantar um samba antológico de sua história antes de iniciar seu desfile, num ato conhecido como “esquenta”. 145 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Nxn6AYAuIYQ&t=2100s 107

Figura 30 - Carregadores empunham esculturas de peões no desfile da Portela, em 1982.

Fonte: Luiz Pinto – O Globo

Com mais de 3.000 figurantes, distribuídos em 33 alas, a Portela utilizou ma- teriais leves em suas fantasias, tais como fitas, plásticos metalizados e palha, que se movimentavam com os componentes, gerando um maior apelo visual. Da mesma maneira, alguns grupos coreografados se misturavam ao cortejo, diversificando a narrativa, tais como uma ala de jogadores de capoeira e um conjunto de duplas de casais de mestre-sala e porta-bandeira, em que cada par trazia uma bandeira de cor diferente, representando todas as escolas de samba, o que o Jornal do Brasil (24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 9) classificou como “uma das mais belas alas já apresentadas por qualquer escola nas muitas Avenidas carioca”. Ainda segundo a publicação, fazendo um desfile “fora dos estilos imperantes e dentro de muita har- monia e constante evolução”, não seria nada injusto a Portela ganhar este carnaval. Percebendo a arquibancada ainda eufórica com o desfile anterior, Castor de Andrade teria, segundo o Jornal do Brasil (24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 9) procurado ganhar tempo, confabulando com seus diretores e consultando os fiscais da Riotur na esperança de abrandar o impacto que a Portela havia deixado, mas não houve jeito, era preciso dar início ao próximo desfile. Com 2.800 componentes, divi- didos em 30 alas, a Mocidade Independente de Padre Miguel apresentou o enredo “O Velho Chico”, uma exaltação ao rio São Francisco, os personagens que por ele passam e seus costumes. Única das novatas no hall das campeãs a não burlar o regulamento, a Moci- dade apresentaria apenas três carros alegóricos (o abre-alas trouxe as carrancas, o 108

primeiro carro representou o navio-gaiola típico da região e a última alegoria trouxe o “barquinho prateado” com uma Iemanjá levando o rio para o mar, como cantava seu samba). Sem abusar dos adereços de mão e abdicando do uso de tripés, a Mocida- de apresentou, em um de seus poucos recursos cênicos alternativos, um grupo de componentes trajados com uma alegoria de corpo cilíndrica (figura 31) que, quando unidos formavam uma cobra-grande. Para dividir seus setores (Menino Chico, Moço Chico e Velho Chico), por exemplo, duplas de componentes estendiam uma faixa, cada, com os respectivos dizeres e, no lugar das figuras vivas, a escola utilizou bo- necos bidimensionais, feitos de madeira, com movimentos articulados.

Figura 31 - Componentes da Mocidade “vestem” cilindros alegóricos que, quando unidos, formam uma cobra-grande.

Fonte: Sebastião Marinho – O Globo.

Apesar de produzir uma alegoria de dimensão tamanha que o telhado de seu barracão teve de ser arrancado – tarefa para dez homens (JORNAL DO BRASIL, 17 de fevereiro de 1982, p. 9) – o carnaval da Mocidade foi classificado pelo mesma publicação (24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 9) como um desfile de “pouco luxo”, o que, segundo seus diretores, se adequava à situação econômica do país, discordando da tese de que a intensificação no combate ao jogo do bicho afetava o orçamento da escola. Mesmo diante destas observações, o jornal resumiu a apre- sentação da Mocidade como um grande desfile. A próxima a desfilar era a atual bicampeã da festa, a mais nova agremiação entre as que disputavam o primeiro grupo em 1981: a Imperatriz Leopoldinense. 109

Com o enredo “Onde canta o sabiá”, que exaltou o Brasil, a sua miscigenação e cul- tura, a escola abusou do luxo. Para se ter uma ideia, Fernando Pamplona, comen- tando a transmissão do carnaval pela TVE 146 afirmou que a quantidade de penas utilizadas nas fantasias da Imperatriz daria para fazer o carnaval de dez escolas de samba e sentenciou: “Jamais, em qualquer desfile ou qualquer show do mundo teve uma exuberância de figurinos com a qualidade e com a riqueza destes que estão passando à nossa frente”. A opulência da apresentação não se restringiu às fantasias, entre as quais, a mais barata custava Cr$25.000,00. O abre-alas, por exemplo, que representava um sarau, onde Gonçalves Dias declamou a “Canção do exílio”, foi todo entalhado em madeira de lei. O carro utilizava manequins importados da França, para substituir as figuras vivas. Só as perucas desses bonecos custaram Cr$80.000,00 (JORNAL DO BRASIL, 12 de fevereiro de 1982, p.6). Com 2.600 figurantes e três carros alegóricos (sem figuras vivas), a Imperatriz Leopoldinense reinterpretou o regulamento ao levar mais de trinta carretas ou qua- dripés para a Marquês de Sapucaí, com vários componentes sobre eles, dentre os quais destaques como o carnavalesco Viriato Ferreira, da Vila Isabel, e o estilista Clodovil. Este último, que transportou sua fantasia para a Avenida em um caminhão de mudança, anunciaria ao final da apresentação, em entrevista à TV Globo,147 que não mais desfilaria pela escola, por ter se sentido desrespeitado por Arlindo Rodri- gues: “eu acho tremendamente desagradável as pessoas me esperarem e de repen- te, quando eu passava diziam que não tinham me visto porque eu estava atrás de um carro altíssimo, como no ano passado”. Apesar de desafiar o que o Jornal do Brasil (24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 9) classificou como um regulamento ambíguo – que poderia levar a escola a perder seis pontos no quesito alegoria (mesma diferença de pontos que a separou da vice-campeã no ano anterior) 148 – a Imperatriz Leopoldinense deixou a Avenida, também segundo o impresso, envolvida no popular e tradicional refrão da arquiban- cada: “Já ganhou! Já ganhou!”.

146 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Nxn6AYAuIYQ&t=4067s 147 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pe8ODrDues4 148 Diferente do modelo atual, com notas decimais, antigamente a diferença de pontuação entre as escolas de samba era maior. Em 1981, por exemplo, a Imperatriz Leopoldinense venceu o carnaval com 167 pontos contra os 161 da vice-campeã Beija-Flor. A Mangueira, por sua vez, 4ª colocada, tinha ficado 20 pontos atrás da campeã (BRASIL, 2012). 110

Não bastassem as dificuldades passadas por toda escola que ascende à divi- são principal dos desfiles, o Império da Tijuca, sem quadra, teve de ensaiar na rua durante todo o seu pré-carnaval e ainda foi incumbido de desfilar entre duas agremi- ações alçadas como favoritas: a Imperatriz Leopoldinense e o Império Serrano. Se- gundo O Globo (24 de fevereiro de 1982, p. 2) a escola foi a que menos recebeu atenção do público, mais interessado em se proteger do sol e comprar bebidas gela- das do que acompanhar seu enredo “Iara, ouro e pinhão na terra da gralha azul”, sobre o estado do Paraná. Apontada na transmissão televisiva da Rede Globo149 como a escola que pro- vavelmente menos gastou com seu desfile, o Império da Tijuca chegou a tentar uma ajuda financeira do Governo do Paraná, mas, de acordo com Adelzon Alves (O GLOBO, 24 de fevereiro de 1982, p. 5), a negociação esbarrou no protesto das agremiações paranaenses, que reivindicaram o aporte para si. Com 2.500 componentes divididos em 36 alas, a escola seguiu o regulamen- to, apresentando três alegorias (sem figuras vivas) e abdicou de tripés ou semelhan- tes. Num desfile sem muita volumetria, os carros alegóricos eram pequenos, as fan- tasias não eram volumosas e algumas poucas alas utilizaram adereços de mão. O Jornal do Brasil (24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 10), criticando este conjun- to, citou “as muitas alas pequenas, espaçadas, meio dispersas” e lhe sugeriu como resultado a sua mesma posição de desfile: décima primeira. Após uma maratona de quase 18 horas de desfile, chegava a vez da última escola a se apresentar. O relógio marcava 10h35m quando o Império Serrano entrou na pista, exibindo-se para uma arquibancada cansada, suada e praticamente com metade do público. Para se ter uma ideia, segundo O Globo (24 de fevereiro de 1982, p. 2) alguns componentes da escola acabaram desmaiando com o forte ca- lor 150 – incluindo a carnavalesca Lícia Lacerda.151 Pessoas que assistiam dos cama- rotes passaram a providenciar gelo e água para os que desfilavam. Apesar disso, “há muito tempo não se via uma aclamação tão intensa a uma escola de samba” (JORNAL DO BRASIL, 24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 10)

149 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2i4muAVtq9Y 150 Segundo O Globo (24 de fevereiro de 1982, p. 2) cerca de 30 componentes do Império Serrano e Império da Tijuca foram atendidos no posto médico montado no Sambódromo, quase todos com sin- tomas de insolação. 151 De acordo com os manuscritos de um projeto de livro sobre a carreira da carnavalesca, disponibili- zado pela própria ao autor deste trabalho, em 16 de agosto de 2017. 111

Com 2.800 componentes divididos em 30 alas, o Império Serrano apresentou três carros alegóricos, sem utilizar figuras vivas sobre os mesmos. Mesmo assim, segundo a mesma matéria do Jornal do Brasil, o novo regulamento se tornou um problema para a escola, que, ao abdicar do uso de tripés, proibidos, saiu com pesa- das alegorias de corpo, carregadas por seis ou oito pessoas, que cansavam e as arriavam, o que levou à aglomeração e ao “engarrafamento” das alas que vinham na sequência, sem espaço para sambar. Para se ter uma ideia, com a mudança regu- lamentar, o Império Serrano, que tinha utilizado 70 carregadores no ano anterior, precisou de 200 em 1982 (JORNAL DO BRASIL, 12 de fevereiro de 1982, p.6). Ao final da apresentação, o comentarista Luiz Lobo, da TVE,152 apontando a escola como campeã, afirmou que, mesmo quem nunca viu outros carnavais, con- seguiu, através do desfile do Império Serrano, ter uma boa ideia da “evolução, ou da involução como querem outros, ou da mudança” por que passaram as escolas de samba. Já para o Jornal do Brasil (24 de fevereiro de 1982, Caderno B, p. 10), em- bora o enredo do Império Serrano fosse crítico ao “esquema atual dos desfiles”, a agremiação, que teria, inclusive, apresentado uma ala de passo marcado, se portou como mais uma superescola153 de samba S/A. As consequências desta suposta incoerência do Império Serrano, assim como a reinterpretação do regulamento realizada pela Beija-Flor e Imperatriz Leopoldinen- se, se juntariam à relação entre poder aquisitivo e a criatividade das escolas de samba, traduzindo-se na decisão do júri que apontaria a campeã do carnaval, resul- tado que seria conhecido a seguir.

3.3 O resultado

A tarefa de se decidir qual o “melhor” desfile do carnaval não é das mais fá- ceis. Por mais que, na teoria, os critérios sejam ditos objetivos, traduzidos matemati- camente através das notas dadas às apresentações, estes esbarram na interpreta-

152 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Nxn6AYAuIYQ 153 Aqui mantivemos a grafia original da reportagem. 112

ção subjetiva de cada julgador. Parafraseando Ferreira (2004), que entende o car- naval brasileiro como produto de diversos discursos reelaborados através de varia- das disputas, ponderamos que influem nestes julgamentos, em alguma medida, o conceito particular do que o jurado entende como um desfile de escola de samba, ou mesmo sobre a importância do luxo e da tradição no cortejo, por exemplo, conceitos tão importantes neste trabalho. Não obstante, Landowski (2004), aponta as várias influências sob a nossa percepção, em que numa avaliação como esta, podemos reconhecer o estilo, admi- rar as belezas do detalhe, identificar o que aproxima ou diferencia de seus congêne- res, mas isto não seria suficiente para dar conta dos efeitos do sentido. Para tanto, ele entende que esta observação é verdadeiramente sentida, revelando a importân- cia de variadas interferências sobre o julgamento, tais como a luminosidade, a tem- peratura, a qualidade do ar, o ambiente sonoro específico ou a impressão do movi- mento sugerida pelo jogo das formas e de luz. A tarefa do julgador seria ponderar todas estas influências, que variaram tanto ao longo de toda a noite – inclusive al- gumas que fogem do alcance das agremiações –, visando não prejudicar nenhuma escola. Antes, porém, de chegar ao veredicto do júri oficial, o embate protagonizado desde o pré-carnaval pela Imperatriz Leopoldinense, Beija-Flor de Nilópolis e Impé- rio Serrano daria novamente as caras. As três agremiações seriam consideradas as favoritas ao campeonato, ao lado da Portela, pelos jornais Tribuna da Imprensa (p. 8) e O Globo (p. 1), de 24 de fevereiro de 1982. Para o Jornal do Brasil, da mesma data (p. 1) estas quatro agremiações se juntariam à União da Ilha e Mocidade Inde- pendente na disputa do campeonato. Enquanto isso, O Cruzeiro (25 de fevereiro de 1982, p. 3) apontava que, apesar das críticas ao seu gigantismo, o desfile das esco- las de samba foi o ponto alto do carnaval. Para estimular ainda mais a disputa, a Imperatriz Leopoldinense foi a principal vencedora do Estandarte do Povo, do Jornal do Brasil, enquanto o Império Serrano conquistou a maior quantidade de prêmios do Estandarte de Ouro, de O Globo. Premiação definida através do voto popular, o Estandarte do Povo elegeu a Impera- triz Leopoldinense como a “melhor escola”, a Mocidade como a dona da “melhor ba- teria”, a dupla Átila e Eni, da Portela, como “melhor casal de mestre-sala e porta- 113

bandeira” e o “Bum bum paticumbum prugurundum” do Império Serrano como “me- lhor samba” 154 (JORNAL DO BRASIL, 24 de fevereiro de 1982, p. 1). Já o Estandar- te de Ouro definiu seus vencedores utilizando um júri próprio,155 que deu ao Império Serrano o principal troféu, o de melhor comunicação com o público, além dos prê- mios de melhor samba-enredo, enredo, bateria, personalidade masculina (presidente Jamil Cheiroso) e revelação (Andréia Machado, segunda porta-bandeira), enquanto a Imperatriz Leopoldinense e a Beija-Flor não foram escolhidas em nenhuma das categorias 156 (O GLOBO, 24 de fevereiro de 1982, p. 17). Se os jornais não entravam num consenso sobre o melhor desfile, a apuração serviria como o tira-teima. Marcada para a quinta-feira posterior ao carnaval, às 10 da manhã, no Pavilhão de São Cristóvão, a leitura de notas durou uma hora e 45 minutos. Presidida pelo assessor jurídico da Riotur, José Carlos Vilela, a abertura dos envelopes alternou momentos de vaias e aplausos a cada nota anunciada (JORNAL DO BRASIL, 26 de fevereiro de 1982, p. 8). Pela ordem pré-estabelecida, a leitura dos quesitos foi a seguinte (com seus respectivos jurados): bateria (Nélson de Macedo e Dirceu Santos Machado), harmo- nia (Abelardo Magalhães e Armando Martinez Vieira), samba-enredo (Terésia de Oliveira e Reginaldo Bessa), evolução (Alice Colino e Lourdes Bastos), fantasia (Luiz Carlos Ripper e Lucy Maria Barocinski), enredo (Emanuel Brasil e Maria Alice Barro- so), comissão de frente (Adélson do Prado e Emília do Rego Barros), alegorias e adereços (Gianguido Bonfanti e Heloísa Aleixo Lustosa), mestre-sala e porta- bandeira (Nora Esteves e Áurea Hammerli) e conjunto (Alair Gomes e Celeida Tos- tes), cujas notas (anexo C) poderiam variar de 1 a 10, exceto mestre-sala e porta-

154 Definidos após o somatório dos 23.105 votos depositados nas urnas distribuídas pela Marquês de Sapucaí, os vencedores do Estandarte do Povo de 1982 receberam seus troféus no programa “O Povo na TV”, da TVS, na quarta-feira de cinzas (JORNAL DO BRASIL, 24 de fevereiro de 1982, p. 1). 155 Em 1982, o júri do Estandarte de Ouro foi formado por Heitor Quartim, Sérgio Cabral, Adelzon Alves, José Carlos Rego, Ana Letícia, Lígia Santos, Haroldo Costa, Albino Pinheiro, Maria Augusta e Maria Júlia Goldwasser (O GLOBO, 24 de fevereiro de 1982, p. 4). 156 As outras escolas premiadas no Estandarte de Ouro de 1982, foram: a Mangueira, que levou os troféus de melhor mestre-sala (Delegado) e puxador de samba (Jamelão), o Salgueiro, de melhor porta-bandeira (Adriane) e personalidade feminina (a baiana D. Neném do Bozunga), a União da Ilha, de melhor ala (“continuo querendo” – pierrôs) e destaque feminino (porta-bandeira Vilma Nascimen- to), a Portela (comissão de frente), Mocidade (passista feminina - Lúcia), Império da Tijuca (passista masculino - Ricardo), Unidos de São Carlos (destaque masculino - Zeca da Cuíca), e Unidos de Lu- cas (melhor samba do segundo grupo). Realizada na rua Irineu Marinho, em frente ao prédio de O Globo, no dia 6 de março de 1982, a premiação sofreu uma alteração, ao oferecer dois Estandartes de Ouro na categoria passista masculino, ambos para o Império da Tijuca: um para Ricardo da Silva e outro para Ricardo Severo (O GLOBO, 07 de março de 1982, p. 27). 114

bandeira e conjunto, cujo grau máximo era 5 (O GLOBO, 24 de fevereiro de 1982, p. 3). Após o anúncio das notas do primeiro quesito, bateria, ficaram empatadas na primeira posição a Mangueira, a Beija-Flor, a Mocidade, a Imperatriz e o Império Serrano. Era o momento propício para as escolas sem muita verba ganharem van- tagem, já que os quesitos plásticos seriam lidos do meio para o final da apuração. Com a divulgação das notas do segundo quesito, harmonia, os principais persona- gens dessa história passaram a liderar sozinhos: Beija-Flor, Imperatriz e Império Serrano. Ao final do terceiro quesito, samba-enredo, o Império Serrano assumiria, sozinho a liderança. Cercados por repórteres e operadores de câmeras, os presidentes das esco- las de samba eram obrigados a dizer como se sentiam a cada nota. Segundo o Jor- nal do Brasil (26 de fevereiro de 1982, p. 8), enquanto a torcida do Império Serrano exultava, “o pessoal da Imperatriz e Beija-Flor fazia gestos desconsolados com os dois 9 recebidos de cada um dos juízes” de samba. Os ânimos começariam mesmo a se exaltar a partir do quinto quesito, fantasias, em que Beija-Flor, Imperatriz e Por- tela ganharam duas notas 10, cada, e o Império perdeu “apenas” um ponto. Anísio Abrão David, patrono da Beija-Flor, não se conteve: “eu não me incomodo em per- der onde eu sou inferior. Não posso é ficar igual aos outros onde eu sou melhor” e ameaçou levar cordas e um bloco de sujo para o desfile em 1983. A confusão se armou de vez no antepenúltimo quesito, alegorias e adereços, quando a Unidos de São Carlos, a Beija-Flor de Nilópolis e a Imperatriz Leopoldi- nense perderam seis pontos cada, três de cada jurado (Gianguido Bonfanti e Heloí- sa Lustosa), por burlarem as regras. Segundo o jornal O Globo (26 de fevereiro de 1982, p. 9), o presidente da mesa, José Carlos Vilela, teria mostrado os mapas do júri, nos quais, no espaço reservado a observações, ambos acusavam o descum- primento do regulamento citando a desobediência às alíneas referentes ao número de alegorias e a utilização de figuras vivas sobre as mesmas. A julgadora do quesito, Heloísa Lustosa, ainda se justificaria à reportagem:

Eu fiz questão de justificar tudo, principalmente os pontos descontados pela desobediência ao regulamento da Riotur. Não quero julgar o regulamento, mas quando uma pessoa entra num jogo, que respeite as regras desse jogo ou então crie outro jogo para si, com suas regras (O GLOBO, 26 de fevereiro de 1982, p. 9).

115

Anísio parecia interessado na sugestão. Ainda segundo a reportagem, o pa- trono da Beija-Flor propôs à Imperatriz Leopoldinense um desfile paralelo, na Aveni- da Presidente Vargas, em 1983: “aí vamos ver se o povo vai assistir ao desfile da Riotur ou ao nosso”. Já para Luizinho Drumond, a escola de Ramos deveria fazer o carnaval para a Riotur, à altura dela: “bem pobre e desorganizado”. Segundo o Jor- nal do Brasil (26 de fevereiro de 1982, p. 8), o bicheiro da Imperatriz ironizou sobre o valor investido no desfile: “deveria ter gasto só oito milhões”. Caso as notas em ale- gorias não fossem descontadas, Beija-Flor e Imperatriz teriam gabaritado o quesito e a Unidos de São Carlos não amargaria duas notas 4. Para completar a irritação de Anísio, sua escola ainda perderia dois pontos em mestre-sala e porta-bandeira. Apesar de receber nota oito em alegorias (uma de suas duas únicas diferen- tes de 10), o Império Serrano não conseguiu mais ser alcançado e garantiu o cam- peonato com 187 pontos, dois à frente da Portela, segunda colocada. Na terceira posição, cinco pontos atrás da campeã, classificou-se a Imperatriz Leopoldinense, ou seja, caso não tivesse descumprido as regras, a escola teria sido a vencedora do carnaval. Em sua defesa, Luisinho Drumond afirmava que já esperava a perda de pontos no quesito e que o regulamento dá margem a interpretações diferentes, por isso resolveu correr o risco. Já a Beija-Flor, que amargou a sexta posição, caso não burlasse as regras, ficaria em segundo lugar, repetindo a sua pior colocação desde 1976. A classificação final (tabela 2) segundo o Jornal do Brasil (26 de fevereiro de 1982, p. 8) foi a seguinte:

Tabela 2 - Ordem de classificação e pontuação das escolas de samba de 1982. Colocação Escola de samba Pontuação 1ª Império Serrano 187 2ª Portela 185 3ª Imperatriz Leopoldinense 182 4ª Estação Primeira de Mangueira 180 5ª União da Ilha do Governador157 180 6ª Beija-Flor de Nilópolis 179 7ª Mocidade Independente de Padre Miguel 176 8ª Acadêmicos do Salgueiro 170 9ª Unidos da Tijuca 163 10ª Unidos de Vila Isabel 158 11ª Império da Tijuca 155 12ª Unidos de São Carlos 149 Fonte: Jornal do Brasil, 26 de fevereiro de 1982, p. 8.

157 O desempate entre a Mangueira e a União da Ilha se deu no primeiro quesito lido: bateria (JOR- NAL DO BRASIL, 26 de fevereiro de 1982, p. 8). 116

A Unidos de São Carlos, a mesma cujo presidente, Antônio Gentil, havia de- safiado o júri a “desclassificar uma Portela, uma Imperatriz, uma Beija-Flor”, afir- mando que “só botam bicha pra julgar na Avenida. E essas deslumbradas não en- tendem nada” (JORNAL DOS SPORTS, 17 de outubro de 1981, p. 5), acabou em último lugar. Neste caso, a adequação ao regulamento não impediria o rebaixamento da escola, ao lado da Império da Tijuca. Para o lugar destas agremiações, ascende- ram do segundo grupo a primeira e segunda colocadas, respectivamente Capricho- sos de Pilares e Unidos da Ponte. Coincidentemente, a Caprichosos, assim como o Império Serrano, última colocada de seu grupo em 1981, não rebaixada, foi a última a desfilar em 1982 e sagrou-se campeã. Com as duas representantes de Madureira no alto da classificação, o bairro parou. A partir das 11h, o comércio cerrou suas portas, e nas ruas, interditadas ao trânsito, desfilaram imperianos e portelenses cantando os sambas enredos das duas escolas (figura 32). O presidente do Império Serrano, Jamil Cheiroso, chegaria na quadra da escola uma hora após o anúncio da última nota, desfilando em carro aber- to, para depois ser carregado nos braços do povo. Num ato de respeito, retirou seu chapéu verde e branco e colocou sobre o busto do compositor Silas de Oliveira, lo- calizado na sede da agremiação, e discursou:

Com esse resultado, penso que se abre uma nova fase nos desfiles de carnaval. O dinheiro não é tudo. O importante é ter um bom samba, é saber que a escola está preparada, empolgada, com o samba no pé. Nós gastamos Cr$ 30 milhões e eu jamais quis saber quanto irá custar o carnaval das outras escolas. A Império Serrano pode se orgulhar de ser uma escola que vai para o desfile com recursos próprios, o que para nós é motivo de satisfação, porque passamos por muitos sacrifícios. Nesse desfile, nós obedecemos a todos os itens do regulamento e, por isso, o carnaval tinha de dar certo (O GLOBO, 26 de fevereiro de 1982, p. 9). 117

Figura 32 - Entrada da quadra do Império Serrano na comemoração do título de 1982.

Fonte: Sebastião Marinho – O Globo.

A festa seguiu ao longo de todo o dia, com direito a utilização de um trio elé- trico, que chegou por volta das 21h e circulou pelo bairro. O sistema de segurança da quadra foi reforçado, com guardas em sua porta empunhando porretes para im- pedir invasões. Em meio ao tumulto, a repórter Leila Cordeiro, da TV Globo, foi der- rubada pela multidão, logo após uma transmissão ao vivo, e levada para um hospital com a suspeita de fratura de uma costela. No dia seguinte a Portela ainda faria outra comemoração, com farta distribuição de chope, e o Império Serrano marcava outra grande festa para o domingo (O GLOBO, 26 de fevereiro de 1982, p. 9). Antes, porém, no sábado, ocorreria o “Desfile dos Campeões”, na Marquês de Sapucaí. Diferente do formato atual, que congrega as seis primeiras colocadas do Grupo Especial, o “Desfile dos Campeões” de 1982 foi iniciado pelos blocos carna- valescos melhor colocados do seu concurso principal (Quem fala de nós não sabe o que diz, Canários das Laranjeiras e Unidos de Vila Kennedy), seguidos pelas esco- las de samba que ascenderem do segundo grupo (Unidos da Ponte e Caprichosos de Pilares) e encerrado pela Portela e Império Serrano, respectivamente vice e campeã da primeira divisão (O GLOBO, 1 de março de 1982, p. 11). Acreditando numa reviravolta como no ano anterior, que salvou o Império Ser- rano e a Vila Isabel, Anísio e Luizinho teriam, segundo o Jornal do Brasil (26 de fe- vereiro de 1982, p. 8) se reunido, com os presidentes da Unidos de São Carlos e 118

Império da Tijuca, visando reclamar na justiça “seus direitos”. Ainda segundo a pu- blicação (p. 9) Joãosinho Trinta afirmava que “como os incomodados devem se mu- dar”, a Beija-Flor transferiria seu desfile para Nilópolis, onde construiria arquibanca- das na Avenida Mirandela ou Getúlio Vargas, com ingressos gratuitos e desfile com- pleto, “com tudo que tem direito, até mulata sambando em cima dos carros” e muito luxo “como o povo gosta” e que só iria ao Rio para sambar “numa rua qualquer da Zona Sul”. Nelson Abraão David, presidente da escola e então candidato a prefeito da cidade, afirmava que construiria as arquibancadas nem que fosse com seu pró- prio dinheiro. Para o presidente da Riotur, Coronel Aníbal Uzeda, tudo não passava de uma busca por um culpado para justificar aos seus integrantes o resultado do desfile. Teria o carnaval de 1982 chegado ao fim?

3.4 A contestação

O desfile das escolas de samba, como toda competição, é passível de críticas ao resultado, suspeitas de favorecimento e, em alguns casos, até de teorias de conspiração. Em 1982, ano em que a terceira colocada “ganhou, mas não levou” e a escola que seria rebaixada no ano anterior acabou campeã, seria até natural que desconfianças como esta se levantassem. Porém, diferentemente das suspeitas “tradicionais”, um fato novo permeou o discurso dos derrotados, que teria garantido a vitória para o Império Serrano: a eleição que estava por vir. Antes mesmo da apuração começar, o presidente da Imperatriz Leopoldinen- se, Luizinho Drumond, já apontava: “a Império Serrano ganha!”. Em entrevista ao Jornal do Brasil (26 de fevereiro de 1982, p. 8.) o dirigente da escola de Ramos afir- mava que o resultado do carnaval já tinha sido delineado bem antes de se abrirem os envelopes, uma armação. Engrossando o coro, representantes de outras escolas afirmavam que o esquema envolveria membros do executivo e legislativo do Estado. Nelson Abraão David, filiado ao PDS e então candidato à prefeito de Nilópolis (cida- de que era administrada pelo Partido Popular - PP) não hesitou em apontar interes- ses políticos do PP na má classificação da sua escola: “a gente sabia, desde o iní- 119

cio, que havia uma preocupação política para que a Beija-Flor não ganhasse” (JOR- NAL DO BRASIL, 26 de fevereiro de 1982, p. 8.). Nelson Talore, presidente da Unidos de Vila Isabel, foi mais longe, dando no- me aos “culpados”. Segundo o mandatário, o resultado atendia aos interesses do candidato a governador, Miro Teixeira (PP), na primeira eleição direta para os go- vernos estaduais do período militar, e que a vitória daquele ano estava assegurada para uma escola de Madureira, por ser reduto eleitoral do presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Jorge Leite, também do PP. Segundo o jornal O Globo (24 de fevereiro de 1982, p. 3) tanto Miro quanto Jorge assistiram ao desfile oficial acompanhados de outros políticos do partido, como o governador Chagas Freitas e o prefeito da cidade, Júlio Coutinho. Este último, segundo o mesmo jornal (3 de mar- ço de 1982, p. 10), era assumidamente torcedor do Império Serrano. De acordo com o Jornal do Brasil (26 de novembro de 1982, p. 8.) na rua em frente à quadra do Império Serrano, no dia da comemoração do título, haviam algu- mas faixas com os dizeres: “Vitória 82. Jorge Leite e Miro Teixeira. Portela e Impé- rio”. Já no interior da quadra, várias pessoas teriam afirmado: “com Miro e Jorge es- tamos bem. Até o título voltou para Madureira”. O deputado citado, que segundo a mesma reportagem, teria deixado escapar junto a amigos, no domingo de carnaval, que “a escola de samba vencedora sairia de Madureira. Era só escolher”, compare- ceu à festa do campeonato, acompanhado de alguns vereadores, assessores e se- guranças e rebateu: “não se pode falsificar uma vitória do povo (...) Madureira é um berço de samba. A Império ganhou porque se apresentou bem. Não acredito que pessoas de bem duvidem disso”. Ainda segundo o jornal, a relação entre estes políticos e a região de Madurei- ra já se evidenciara meses antes, em 14 de novembro de 1981, quando Miro Teixei- ra lançaria, naquele bairro, no campo do Brasil Novo, a sua candidatura à sucessão do governador Chagas Freitas, em festa organizada por Jorge Leite. O local não foi escolhido à toa, uma vez que as duas zonas eleitorais do bairro (12ª e 13ª) garanti- ram, anos antes, mais de 10% dos 536 mil votos que tornaram Miro o deputado fe- deral mais votado do país e Jorge Leite o sétimo colocado entre os deputados esta- duais. Vale registrar que esta não seria a primeira vez que Jorge Leite intercederia por uma escola de samba. Segundo o Jornal do Brasil (15 de outubro de 1981, p. 7.), o deputado já havia se envolvido com o carnaval ao ceder um terreno na rua Má- 120

rio de Alencar, na Tijuca, para a construção da quadra do Império da Tijuca, mas dias depois, a decisão foi revogada após protestos dos vizinhos (JORNAL DO BRA- SIL, 19 de outubro de 1981, p. 7.). Além de defender a legalização do jogo do bicho (JORNAL DO BRASIL, 30 de outubro de 1981, p. 4.), Jorge teria “montado acam- pamento” na Marquês de Sapucaí de domingo à terça-feira de carnaval (JORNAL DO BRASIL, 24 de fevereiro de 1982, p. 6.). O fato é que a relação do PP com aquele carnaval já havia sido cogitada des- de julho de 1981, quando João Roberto Kelly deixou o cargo de presidente da Riotur para assumir a Flumitur, a convite do governador Chagas Freitas (PP). O Jornal do Brasil (25 de julho de 1981, p. 4) chegou, inclusive, a questionar se a mudança de cargo do responsável pelas transformações no regulamento do carnaval de 1982 teria caráter político, como parte do plano para ajudar o Partido Popular nas elei- ções. Negando as acusações, Kelly, ao ser perguntado se a sua atuação ajudaria este partido, respondeu: “Não sei”. Poderia se somar a esta teoria o fato de que, segundo Araújo (2003), o então coordenador dos desfiles das escolas de samba (1980-1990), representante da Rio- tur, era Antônio Lemos, um ex-diretor do Império Serrano. Além disso, embora re- presente um problema para a iluminação das alegorias, ter sido colocada para en- cerrar os desfiles poderia representar um certo favorecimento, uma vez que, no ano anterior, esta posição foi ocupada não pela última colocada, mas pela vice-campeã de 1980.158 Por maiores que possam parecer estas suspeitas, até hoje nenhuma ilicitude foi comprovada neste processo, o resultado do carnaval não foi alterado e, apesar deste trabalho não se propor a cumprir um papel acusativo, entendemos a importân- cia destas tensões serem aqui registradas e contextualizadas. Além disso, este de- bate, por si só, já revela o quanto este carnaval é emblemático, gerando desdobra- mentos até hoje.

158 Para o carnaval de 1981, a ordem dos desfiles das escolas de samba foi definida por sorteio no dia 25 de julho de 1980. Apenas a Unidos da Tijuca, campeã do segundo grupo no ano anterior, teve a sua posição de desfile pré-estabelecida, abrindo o cortejo (LUTA DEMOCRÁTICA, 19 de setembro de 1980, p. 5). 121

3.5 O pós-carnaval

Com a manutenção do resultado oficial do carnaval de 1982 e a aproximação da folia do ano seguinte, as escolas de samba, através de suas ações, começariam a indicar o futuro da festa. Seria através dos efeitos do último carnaval, processando os resultados das experiências recentes, aliado à opinião pública que, mais uma vez, as escolas de samba, como aponta Ferreira (2004), se reelaborariam, como resposta a estas variadas disputas de discurso e poder. Através de algumas reportagens publicadas após o carnaval, a elite erudita começaria a insinuar o seu descontentamento em relação às regras do desfile. Jo- ãosinho Trinta, por exemplo, receberia o apoio de intelectuais que, segundo o Jornal do Brasil (3 de março de 1982, p. 3), através de um documento, criticavam as inter- ferências do regulamento na criação de artistas como João, apontado por eles como o maior dos artistas populares brasileiros. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Alair Gomes, crítico de arte que em 1982 julgou o quesito conjunto, publicou um arti- go em O Globo (1 de março de 1982, p. 11) afirmando que “urge revogar-se os pre- sentes dispositivos do regulamento dos desfiles, que estabeleceu restrições drásti- cas às alegorias” e completou: “o que deve ser transformado é o regulamento e não as invenções de Joãozinho e de Arlindo, ou o gosto do público”. Para tanto, argu- mentou que uma das qualidades do carnaval é justamente a diversidade de estilos que ele comporta, que deveria, em suas palavras, ser incrementada e não estrangu- lada por restrições artificiais. A primeira resposta efetiva das agremiações viria da reunião ocorrida na As- sociação das Escolas de Samba, em 4 de agosto de 1982, quando a ordem dos des- files foi sorteada e decidiu-se pela volta do uso de tripés e de figuras vivas sobre as alegorias. A Beija-Flor, que após a apuração havia ameaçado não mais participar dos desfiles organizados pela Riotur, foi a selecionada para encerrar o carnaval (JORNAL DO BRASIL, 5 de agosto de 1982, p. 6). O Império Serrano, mesmo após o campeonato, não entrou num consenso com as carnavalescas vitoriosas, que acabaram se desligando da escola. Segundo 122

Rosa Magalhães,159 isto se deu pelo fato de o presidente Jamil Cheiroso não con- cordar com o enredo proposto. Sem a dupla, a escola apostaria num modelo pareci- do com o do ano anterior: tema e carnavalesco indicados por Fernando Pamplona. Com “Mãe baiana mãe”, desenvolvido por Renato Lage (ex-Unidos da Tijuca) e samba de Aluísio Machado e Beto Sem Braço, o Império Serrano acabaria em ter- ceiro lugar (BRASIL, 2012). Pamplona ainda repetiria a dose em 1984, com “Foi malandro é”, também com Renato Lage (vice-campeã do desfile de domingo)160 e em 1988, quando Ney Ayan desenvolveu “Para com isto, dá cá o meu”, alcançando o sétimo lugar (PAM- PLONA, 2013).161 Durante os anos de 1980, contando ou não com o suporte de Pamplona, o Império Serrano ainda obteve outras boas colocações, o que não acon- teceu mais a partir das décadas seguintes, quando voltou ao segundo grupo em 1991, 1997, 1999, 2007 e 2009, tornando-se o que se convencionou chamar de “es- cola ioiô”.162 Atualmente, o Império Serrano, que nunca mais venceu o desfile princi- pal, se mantém no Grupo Especial graças a uma virada de mesa que cancelou o seu rebaixamento, tal qual em 1981 (O GLOBO, 1 de março de 2018, p. 14). Ainda as- sim , a escola é (ao lado do Salgueiro) a quarta maior campeã da festa, com nove títulos, perdendo apenas para a Portela, a Mangueira e a Beija-Flor. A Mangueira, que, desafiando os prognósticos dos jornais O Globo e Jornal do Brasil (24 de fevereiro de 1982), conseguiu se manter entre as quatro primeiras colocadas de 1982, contratou, para o ano seguinte, o carnavalesco Max Lopes, que havia se destacado na União da Ilha do Governador. Após um quinto lugar em 1983, o artista e a escola seriam campeões juntos, em 1984 e 2002 (BRASIL,2012). Além desses títulos, a Mangueira ainda sairia vitoriosa das disputas de 1986, 1987, 1998

159 Em entrevista concedida ao autor deste trabalho, em 30 de agosto de 2017, no barracão da Porte- la. 160 Neste carnaval, com a inauguração do Sambódromo, os desfiles, que antes ocorriam num dia único, passaram a ser dividido em dois dias: domingo e segunda-feira. Exclusivamente neste ano, houve um campeonato separado em cada dia, com as melhores colocadas disputando o Supercam- peonato no sábado seguinte (BRASIL, 2012). 161 Fernando Pamplona, considerado “pai dos carnavalescos”, afastado da profissão, voltaria à Aveni- da homenageado pelo Salgueiro, sua escola de samba do coração, em 1986, com o enredo “Tem que tirar da cabeça aquilo que não tem no bolso – tributo a Fernando Pamplona”, de Ney Ayan, Mário Monteiro e Yarema Ostrower (6º lugar), e pela sua pupila, Rosa Magalhães, na São Clemente, em 2015, com “A incrível história do homem que só tinha medo da Matinta Pereira, da tocandira e da onça pé de boi!” (8º lugar). Pamplona faleceu em 2013 (O GLOBO, 30 de setembro de 2013, p. 9). 162 O termo é utilizado para se referir às escolas de samba que constantemente sobem do segundo grupo e logo são rebaixadas do Grupo Especial. 123

e 2016, tornando-se a segunda maior campeã da festa e a única a conquistar cam- peonatos em todas as décadas até hoje (PONSO, 2018). A Portela, manteria sua dupla de carnavalescos, alcançaria mais um vice- campeonato em 1983 e sagrar-se-ia campeã dos desfiles de domingo de 1984. Nos anos e décadas posteriores mudaria constantemente seu quadro artístico e alterna- ria consideravelmente seus resultados, chegando a quase ser rebaixada ao segundo grupo em 2005 (BRASIL, 2012). Recentemente, após nova mudança administrativa, voltou a disputar o campeonato, reconquistado em 2017, após mais de 30 anos. Até hoje é a maior vencedora do carnaval, somando 22 títulos (O GLOBO, 2 de março de 2017, p. 6). Já o Salgueiro, a última das “quatro grandes”, assolado numa crise em 1982, demoraria a superar as suas adversidades. Após passar todo o restante da década trocando anualmente de carnavalesco, voltaria ao campeonato em 1993, após qua- se 20 anos de jejum, com “Peguei o Ita no Norte”, assinado por Mário Borrielo. De- pois disso, passaria por mais um longo período de alternância de resultados até ser novamente campeão em 2009 (BRASIL, 2012). Atualmente, embora líder do ranking da LIESA, vive uma nova crise política, em que a justiça teve de embargar o resulta- do de suas eleições internas para presidência da agremiação (BALTAR, 2018). Além das escolas, os personagens desta história também passaram por mui- tas mudanças. As carnavalescas Rosa Magalhães e Lícia Lacerda, por exemplo, após se desligarem do Império Serrano, não assumiram carnaval no ano seguinte. Seria em 1984, justamente na escola que quase tirou o campeonato do “Bum bum paticumbum prugurundum”, a Imperatriz Leopoldinense, que a dupla voltaria aos trabalhos. O enredo era “Alô Mamãe”, que garantiu a quarta colocação no desfile de segunda-feira de 1984. O posterior e último trabalho da dupla seria em 1987, pela Estácio de Sá (ex-Unidos de São Carlos), outra a descumprir o regulamento em 1982. Com o enredo “O Tititi do Sapoti”, Rosa e Lícia encerravam a parceria com um quarto lugar (BRASIL, 2012). Seguindo carreira solo, Lícia Lacerda ainda assinaria os carnavais da escola de samba Tradição – agremiação originada de uma dissidência da Portela -, no se- gundo grupo, em 1993 (campeã) e no Grupo Especial em 1994 (sexta colocada), 1995 (13ª colocada) e 1996 (16ª colocada). Enquanto isso, Rosa Magalhães seguiria na Estácio de Sá em 1988 e 1989, em ambos alcançando o 9º lugar. Assumiria o Salgueiro em 1990 (3º lugar) e 1991 (vice-campeã), para depois voltar à Imperatriz 124

Leopoldinense, onde ficou entre 1992 e 2009, alcançou 5 títulos e pôde apresentar o carnaval recusado por Jamil Cheiroso quando de sua saída do Império Serrano. 163 O enredo em questão era “Mais vale um jegue que me carregue que um camelo que me derrube, lá no Ceará”, campeão em 1995. Depois disso a carnavalesca ainda seria campeã em 2013, pela Vila Isabel, passaria por escolas de São Paulo, pela União da Ilha, Mangueira, São Clemente, voltaria ao Império Serrano (sexta coloca- da em 2010 pelo segundo grupo) e para a Portela, onde prepara o desfile de 2019. Joãosinho Trinta, principal alvo do “Bum bum paticumbum prugurundum”, que após a apuração, irônico, havia prometido levar para a Avenida, em 1983, uma esco- la toda vestida com papel crepom, com os pés descalços, sem alegorias, e o enredo “Tomara que chova” (JORNAL DO BRASIL, 26 de fevereiro, p. 9) não cumpriu a promessa. Com “A grande constelação das estrelas negras” seria novamente cam- peão do carnaval com a Beija-Flor, seu último título na escola, na qual permaneceu até 1992, quando conquistou sua pior colocação até então, um sétimo lugar. Após um ano fora dos desfiles, Joãosinho Trinta assumiu a Unidos do Viradouro entre 1994 e 2000, levando a escola ao seu único título do Grupo Especial, em 1997. Em 2001 assumiu a Acadêmicos do Grande Rio – que assim como a Viradouro também era financiada pela contravenção – ficando até 2004, quando se envolveu em uma nova polêmica, sendo obrigado a cobrir várias alegorias do seu desfile “Vamos vestir a camisinha, meu amor!” sobre o sexo, após decisão judicial. Encerraria sua carreira em 2005 na Unidos de Vila Isabel, mantendo a escola no Grupo Especial (10º lugar), ao qual retornava após cinco carnavais (BRASIL, 2012). O artista faleceu em 2011, acumulando oito títulos no desfile principal (O GLOBO, 18 de dezembro de 2011, p. 22). A Beija-Flor, após a vitória de 1983, passaria por um longo jejum de campeo- natos, até 1998, quando apostou no formato de comissão de carnaval,164 que lhe deu nove dos seus 14 títulos. A escola, que ainda conta com Anísio Abraão David como seu presidente de honra e foi o grande alvo do “Bum bum paticumbum prugu- rundum”, é a maior campeã da Marquês de Sapucaí. Além disso, a atual campeã da festa, só perde para a Portela e a Mangueira em número de campeonatos (ARAÚ-

163 Segundo entrevista concedida por Rosa Magalhães ao autor deste trabalho, em 30 de agosto de 2017, no barracão da Portela. 164 A escola, visando descentralizar o papel de carnavalesco, apostou em uma equipe assinando o desenvolvimento artístico, o que ficou conhecido como comissão de carnaval. 125

JO, 2018). Ironicamente, revelando-se tradicional, a Beija-Flor é a única escola a manter o mesmo intérprete, Neguinho da Beija-Flor, desde aquela época, e uma das poucas a não vender ou oferecem o cargo de rainha de bateria para artistas famo- sas (como fazem até mesmo as ditas mais tradicionais), destinando o posto à uma menina de sua comunidade, Raíssa de Oliveira. Após a derrota em 1982, Arlindo Rodrigues conquistaria o quarto lugar com a Imperatriz Leopoldinense, encerrando o primeiro ciclo vitorioso da instituição. Após aquele carnaval, tanto o artista quanto o patrono da escola, Luiz Pacheco Drumond, se afastariam momentaneamente da agremiação (LEITÃO, 2016). Em 1984 retorna- ria ao Salgueiro (4º lugar do desfile de domingo), para, no ano seguinte, voltar, às pressas, para a agremiação de Ramos, quando outro carnavalesco abandonou a escola às vésperas do desfile, amargando um oitavo lugar. Arlindo ainda passaria pela União da Ilha do Governador, em 1986 (5º lugar), antes de encerrar a carreira na Imperatriz Leopoldinense, em 1987 (6º lugar), no mesmo ano de sua morte (BRASIL, 2012). A Imperatriz Leopoldinense, por sua vez, após o bicampeonato entre 1980 e 1981, só seria campeã novamente em 1989, com “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”, de Max Lopes. Depois, com Rosa Magalhães no posto de carnava- lesca, conquistaria mais cinco dos seus oito campeonatos. Atualmente, alternando resultados, vive um jejum de títulos desde 2001. A escola, ainda comandada pelo patrono Luiz Pacheco Drumond, não fica sequer entre as três primeiras colocadas há mais de uma década. A Mocidade Independente, que após o mau resultado em 1982, voltaria a ser campeã em 1985, dividiria com a Imperatriz Leopoldinense a supremacia nos anos 90, conquistando os títulos de 1990, 1991 e 1996. Após a morte do seu patrono, Castor de Andrade, em 1997, viveria momentos difíceis nos anos 2000, sendo quase rebaixada para a segunda divisão por algumas vezes (Brasil, 2012). Das três agre- miações do “trio de luxo”, a Mocidade foi, até agora, a única a perder o seu financia- dor (Luiz Pacheco Drumond chegou a se afastar momentaneamente da Imperatriz, mas logo retornou à agremiação) o que representou uma mudança evidente na traje- tória da escola. Diante dos maus resultados, a ausência do bicheiro foi cantada no 126

samba exaltação Mocidade Minha Vida165 (que usa o trocadilho “cá estou” para re- meter ao nome do contraventor), seus torcedores passaram a usar a expressão “vol- ta castor” – que se tornou até hashtag (Figura 33) -, e a escola só conseguiu ser campeã novamente em 2017, após o retorno da família do contraventor, sob a lide- rança de seu sobrinho, Rogério Andrade. Atualmente, a Mocidade é a única agremi- ação que ascendeu do segundo grupo e nunca foi rebaixada.

Figura 33 - Post de torcedor da Mocidade durante apuração de 2016.

Nota: No ano em que a agremiação quase foi rebaixada à segunda divisão, o torcedor utiliza o Facebook para criticar a falta de apoio do jogo do bicho à escola Fonte: Reprodução da internet

Já a Unidos de São Carlos, infratora do regulamento e rebaixada em 1982, seria campeã da segunda divisão no ano seguinte, voltando ao desfile principal em 1984, quando passou a desfilar como Estácio de Sá. Conseguindo se manter no Grupo Especial até 1997, a escola conquistaria sem primeiro e único campeonato na primeira divisão em 1992, com o enredo “Paulicéia desvairada, 70 anos de moder- nismo no Brasil”, dos carnavalescos Mário Monteiro e Chiquinho Spinoza. Após vol- tar aos grupos de acesso em 1998, a Estácio teria mais duas passagens no Grupo Especial: em 2007 (quando reeditou o enredo “O ti-ti-ti do Sapoti”, originalmente de- senvolvido em 1987 por Rosa Magalhães e Lícia Lacerda) e 2016. Atualmente, a escola disputa a segunda divisão do carnaval. Dos políticos citados na suspeita de resultado forjado do carnaval, Júlio Cou- tinho se afastou da vida pública após deixar o cargo de prefeito, em março de 1983, dedicando-se às atividades acadêmicas e prestando consultorias em assuntos tec-

165 De autoria de Wander Pires. 127

nológicos para o setor privado. Faleceu em 2009 (DEZOUZART, 2009). Jorge Leite, por sua vez, com a incorporação do PP ao Partido do Movimento Democrático Brasi- leiro (PMDB) concorreu por essa legenda, em novembro de 1982, a uma vaga na Câmara Federal, sendo o deputado mais votado do partido, recebendo cerca de 108 mil votos. Em 1985, concorreu ao cargo de prefeito da cidade do Rio de Janeiro, perdendo o pleito para Roberto Saturnino Braga (PDT).166 Jorge Leite ainda se ree- legeria deputado federal em 1986, assumiria como deputado estadual em 1991, se- cretário de Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia do estado do Rio de Janeiro, em 1993, e vereador, em 1996 (MARQUES E SOUSA, 2009). Após tentativas frus- tradas de se reeleger em 2000 e 2004, faleceu em 2015. Miro Teixeira, por sua vez, eleito deputado a primeira vez em 1971, foi candi- dato ao governo do estado em 1982, mas perdeu o apoio do então governador Cha- gas Freitas (por discordar do seu discurso de esquerda) e a eleição, para Leonel Brizola,167 obtendo apenas o terceiro lugar. Reeleito deputado federal em 1986, 1990, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, tentou o cargo de prefeito do Rio de Janeiro em 1996 e vice-prefeito em 2000, não alcançando a vitória (MONTEIRO; SOUSA E SILVA, 2009). Ministro da Comunicações no primeiro mandato do governo Lula, Miro Teixeira foi candidato ao senado pelo Rio de Janeiro, em 2018, perdendo a disputa e o mandato de deputado após quase 50 anos (GAZETA DO POVO, 14 de outubro de 2018). Simão Sessim, primo de Anísio, foi eleito deputado federal em 1982, o tercei- ro mais votado de seu partido, PDS168 (O GLOBO, 14 de dezembro de 1982, p. 6), cargo que ocupou ininterruptamente até 2018, ano em que tentou a reeleição, sem sucesso, perdendo o mandato após quatro décadas (GAZETA DO POVO, 14 de ou- tubro de 2018). Já Nelson Abraão David, presidente da Beija-Flor de Nilópolis e en-

166 Jorge Leite ainda seria pré-candidato ao cargo de prefeito em 1988, mas retirou-se da disputa por divergências com os critérios das eleições prévias do PMDB, e como vice de João Mendes, em 1992, pelo PTB, mas também renunciou. 167 Leonel de Moura Brizola, por sua vez, seria eternizado como o político que deu às escolas de samba um palco definitivo: o Sambódromo. Inaugurado em fevereiro de 1984, a Passarela do Samba é um projeto de Oscar Niemeyer (KELLER; DIAS; COSTA E FREIRE, 2009). 168 Da briga entre PDS e PP (depois transformado em PMDB), apontada por Nelson Abraão David como o motivo da derrota da Beija-Flor em 1982, o PDS levou a melhor na eleição para prefeitos no Brasil, vencendo em mais de 63% dos municípios (O GLOBO, 12 de dezembro de 1982, p. 18). Se levarmos em conta apenas as cidades do Estado do Rio de Janeiro, o PMDB lidera, conquistando 29 prefeituras contra 27 do PDS – em 1982, a capital do Estado e os municípios de Angra dos Reis, Duque de Caxias e Volta Redonda (considerados de segurança nacional) não escolhiam seus prefei- tos através de eleição, mas por meio de indicação (O GLOBO, 26 de novembro de 1982, p. 13). 128

tão candidato a prefeito da cidade, em 1982, seria substituído pelo seu primo, então vereador, Miguel Abraão, que venceu a disputa (O GLOBO, 26 de novembro de 1982, p. 13). Anos depois, em 1991, Nelson se suicidaria dentro da quadra da esco- la (JUPIARA e OTÁVIO, 2016). De 1982 para cá, segundo o site da prefeitura de Nilópolis,169 a família David administrou a cidade por cinco mandatos, cargo ocupa- do, atualmente, por Farid Abraão David, irmão de Anísio. E quanto ao discurso do Império Serrano? Ao longo destes mais de 35 anos, a crítica do “Bum bum paticumbum prugurundum” não foi esquecida. Na virada da mesma década, por exemplo, uma outra escola se destacaria na crítica ao modelo dos desfiles. Com o enredo “E o samba sambou”, a São Clemente, escola ainda sem muito destaque no Grupo Especial (13ª colocada no ano anterior), criticaria a “venda” de sambistas para outras agremiações, o valor dos ingressos das arquiban- cadas e a perda da tradição, exaltando a Praça Onze. A escola, que chegou a liderar a apuração no sexto quesito, acabou em sexto lugar, sua melhor colocação até hoje (LEAL e RIBEIRO, 2009). Em 2019, a agremiação vai reeditar este enredo, incluindo em sua crítica as recentes viradas de mesa do carnaval, quando a LIESA optou por cancelar o rebaixamento das agremiações em 2017 e 2018. Diferente da proposta do Império Serrano de 1982, a São Clemente de 2019 não se isenta de uma autocrí- tica:

Da mesma forma que disse em 90, não sou dono da verdade. Também cometi meus pecados. A mesa virada tem lá minha digital. Assumida. Mas peixe pequeno frita mais rápido que peixe graúdo. Tá dado meu recado. Porém, jocoso que sou, faço piada de mim mesmo. Aliás, tenho isso correndo nas veias: meu DNA foi construído apontando o dedo em riste e sambando na cara da sociedade (...) nunca antes na República se fez necessário reviver esse discurso. O planeta samba virou de ponta cabeça, inverteu a ordem, subverteu a lógica. Infelizmente, tudo que foi dito, de fato aconteceu (quiçá piorou!). E não tem jeito, tá na minha raiz primeira. No meio desse turbilhão, eu não podia faltar ao enfrentamento. Já que o recado não foi ouvido da outra vez, vamos novamente ser fiéis à nossa conduta e largar o chumbo grosso! (SILVEIRA, Jorge, 2018, p. 1).

Ao longo dos anos, o célebre “desfile do Bum Bum” ainda seria diretamente homenageado em outros carnavais, tais como o da Caprichosos de Pilares de 2005 (11ª colocada), “Carnaval, doce ilusão. A gente se vê aqui no meio da multidão: 20 anos de Liga”, que embora homenageasse os desfiles organizados pela LIESA, seu

169 Disponível em: http://nilopolis.rj.gov.br/site/municipio/galeria-de-prefeitos/ 129

samba dava um jeito de dizer que o “bum bum paticumbum prugurundum nos avi- sou, nessa quizomba, viu, tudo mudou”. Já em 2011, ano em que a Cidade do Sam- ba170 sofreu com um incêndio que atingiu os barracões da Portela, União da Ilha e Acadêmicos do Grande Rio, há menos de um mês para os desfiles (O GLOBO, 08 de fevereiro de 2011, p. 10) esta última, agremiação reconhecida pelos seus desfiles luxuosos, desfilando como hours concurs, enviou uma carta aos jurados da LIESA, inspirada no conceito do desfile do Império Serrano de 1982, sugerindo um novo olhar do júri sobre o seu carnaval “Y-Jurerê Mirim - A encantadora ilha das bruxas (Um conto de Cascaes)” que homenageou a cidade de Florianópolis:

O que desfilará será a alegria preservada como o valioso bem que se re- constrói, e descobre no carnaval de 2011, que não há “Super Escola de Samba S/A”, que não há “Super Alegoria” e que não há nada, de bonito, de luxuoso, ou que o dinheiro possa pagar, que esconda o valor de uma tal “gente bamba”. Quando tudo nos pareceu destruído; nos sobrou o essenci- al.

O próprio Império Serrano chegou a cogitar, algumas vezes, relembrar o en- redo de 1982. Segundo Araújo (2015, p. 157), em 2004, ano em que a LIESA resol- veu permitir reedições de enredo, ventilou-se esta possibilidade, mas como o samba criticava as “Super Escolas de Samba S/A” e, naquela época, Anísio Abraão David ajudava o Império Serrano, a ideia não foi adiante para não parecer uma afronta ao patrono da Beija-Flor. Ainda segundo o autor (p. 164), a ideia de reedição do “Bum bum paticumbum prugurundum” voltou a ser cogitada para o carnaval de 2008, mas a escola decidiu homenagear novamente Carmem Miranda, com um novo samba. Assim como em 1972, a escola sagrou-se campeã, mas desta vez, no segundo gru- po. No ano seguinte, após mais um rebaixamento no Grupo Especial, um grupo de torcedores protestou contra o resultado utilizando faixas com os dizeres do samba de 1982: “Super escolas de samba S/A, super alegorias, escondendo gente bamba, que covardia”, indicando que o enredo permanece atual (RIBEIRO, 2009). Recentemente, a Mangueira, diante do imbróglio com o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, que resolveu cortar parte da verba destinada às escolas de samba, se inspirou na situação para criar o enredo “Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brin-

170 Conglomerado de barracões de escolas de samba construído pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, em 2005, que congrega as fábricas de alegorias e fantasias das agremiações do Grupo Es- pecial. 130

co!”, do carnavalesco Leandro Vieira. Apresentado em 2018, este carnaval bebeu na fonte da folia de rua, blocos, banhos de mar à fantasia e afins, propondo uma inva- são à cercada Avenida de desfiles, e que, assim como o “Bum bum paticumbum prugurundum”, exaltava, nostálgico, os carnavais da Candelária. Na apuração, a Mangueira alcançou o quinto lugar (O GLOBO, 15 de fevereiro de 2018, p. 1). Para- lelamente, para 2019, a Imperatriz Leopoldinense prepara o enredo “Me dá um di- nheiro aí!” em que o seu samba proclama: “Pra investir no sonho e vestir a fantasia Quero renda na baiana, nota 10 na bateria”, mostrando a importância do vil metal para o desfile das escolas de samba. Desta maneira, a rivalidade entre os conceitos narrativos destas agremiações, se mostra semelhante à dos carnavais aqui estuda- dos. Se ainda hoje, há espaço para cantar a saudade dos antigos carnavais ao mesmo tempo em que se valoriza o luxo, questionando-se o modelo dos desfiles, não seria exagero dizer que o “Bum bum paticumbum prugurundum” se mantém atual. Seja cantado nas rodas de samba do Império Serrano ou ressignificado pela São Clemente ou Mangueira, e até mesmo negado pela Imperatriz em 2019, o dis- curso do carnaval campeão de 1982 apreende os novos paradigmas, dialoga com os agentes externos, servindo como resposta ao novo tempo. E mesmo que este cla- mor seja rivalizado com as práticas das escolas que o conclama, ainda acusado de incoerente, independente do resultado com ele obtido na apuração, este serve como prova de que as escolas de samba conseguem se autoanalisar, discutindo os rumos da festa e permanecendo vivas, com dinheiro ou sem dinheiro, dispostas a impedir que o samba sambe. Para tanto, como visto, basta enfeitar seu coração, de confete e serpentina. 131

CONCLUSÃO

Considerando as transformações estéticas das escolas de samba do Rio de Janeiro a partir das redes de diálogos, interesses e tensões entre os diversos perso- nagens carnavalescos da festa (FERREIRA, 2005), associadas ao conceito de Vo- gler (2015) que entende que a figura do “herói” se transforma diante da jornada que empreende, este estudo tomou o protagonismo do Império Serrano no período aqui retratado para discutir as transformações da festa carnavalesca carioca entre os anos de 1970 e 1980. Para tanto, utilizando a estrutura mítica das narrativas de herói (Vogler, 2015), em que o personagem é retirado do mundo “comum e trivial” e levado a um estranho novo mundo no qual é apresentado a um problema, desafio ou aventura, iniciamos a nossa pesquisa apresentando o período de glórias do Império Serrano, em que, ao lado de outras três agremiações (Portela, Mangueira e Salgueiro) formavam o que se convencionou chamar de “quatro grandes”, agremiações que por quase 40 anos dominaram as primeiras colocações.171 A partir da ascensão de três novos persona- gens (Beija-Flor, Mocidade e Imperatriz) e algumas derrotas sofridas pelo Império Serrano, cria-se o contraste em que se “perturba a ordem das coisas”. Desse modo, apresentamos a relação entre as escolas de samba com a contravenção do jogo do bicho, e a formulação do novo regulamento do carnaval, para que o “herói” tome co- nhecimento das regras do “novo mundo” e decida responder ao chamado da aventu- ra. Neste sentido, entendemos que a ideia de “quatro grandes” escolas surge como um recurso narrativo para diferenciar grupos de agremiações que desfilavam na primeira divisão do carnaval carioca. Porém, este conceito oferece uma falsa im- pressão de estabilidade, que não retratava a forte rivalidade entre o quarteto. Além disso, tal abordagem surge de maneira precoce, corroborada pela imprensa, quando o Salgueiro, por exemplo, recém fundado, nem sequer havia sido campeão. Apesar disso, são notáveis os recordes obtidos por estas agremiações, que, com o tempo,

171 Assim como entendemos o carnaval carioca, Vogler (2015, p. 153) conceitua o “mundo comum” como uma condição estática, mas instável, em que as sementes da mudança são plantadas e germi- nadas através de uma nova energia, designada como o “chamado à aventura”. 132

vão assumindo este discurso, assim como o Império Serrano o fez em 1982, como argumento para justificar a importância da tradição no carnaval. Diante de uma nova realidade, em que contraventores do jogo do bicho as- sumem a Beija-Flor, a Mocidade Independente e a Imperatriz Leopoldinense, numa postura diferente de seus companheiros de contravenção mais antigos, abrem-se, na sociedade, espaços até então vetados aos bicheiros, que, aliando aporte finan- ceiro com a criatividade dos carnavalescos, colaboram para a transformação da fes- ta num espetáculo comercial, modificando a hierarquia do samba (Jupiara e Otávio, 2016). Esta mudança de paradigma que levou o trio ao topo da classificação, efer- vesceu o debate sobre o papel das escolas de samba e sua dita essência. Desta disputa, exemplificada nas discussões do júri do prêmio Estandarte de Ouro (O Glo- bo) entre o fim dos anos 1970 e início dos 80, surgiram recorrentes propostas de mudanças de regulamento, traduzindo a reflexão sobre o modelo dos desfiles. Pe- rante a sua derrocada, o Império Serrano enxergou nas novas regras para 1982 a oportunidade de responder ao desafio que lhe foi apresentado. A partir daí, no segundo ato desta jornada, o herói atravessa o limiar que marca o ponto de virada da história, em que diante da morte (simbólica ou real), através do suporte de um mentor, que o orienta, supera o medo. Encontrando novos desafios, faz aliados e inimigos. Nesta fase, o caráter moral do protagonista é testa- do enquanto ele reage à pressão, se prepara e planeja suas ações (VOGLER, 2015). Da mesma maneira, diante do rebaixamento não consumado em 1981, Dona Eulália, importante baluarte do Império Serrano, afirmaria que o Império Serrano te- ria que morrer pra nascer de novo (VALENÇA e VALENÇA, 2017, p. 234). A partir do auxílio de Fernando Pamplona, exemplo de intelectual orgânico (Gramsci Apud STOREY, 2015), a escola se prepara para enfrentar a batalha pela vitória, através da formulação de um discurso que logo seria contestado. Diante da indecisão sobre o seu rebaixamento, que levou meses para ser cancelado, o Império Serrano passa por uma reformulação importante, com direito a mudanças no comando administrativo e artístico. É neste momento que surge o su- porte de Fernando Pamplona. Este, mesmo não assumindo o carnaval da escola, 172 apresenta duas carnavalescas de sua confiança, Rosa Magalhães e Lícia Lacerda,

172 Para Vogler (2015), mentores quase sempre são ex-heróis que sobreviveram às provações da vida e agora repassam seu conhecimento e sabedoria, mas que só acompanha o herói até certo pon- to. No fim, o herói deve enfrentar o desconhecido sozinho. 133

que desenvolvem tema sugerido por ele. Durante este tempo, o ânimo da agremia- ção se modifica. Através da elaboração do enredo e do samba, que começa a cha- mar a atenção, a escola, antes desacreditada, passa a gerar expectativas sobre o seu desfile, além de críticas dos adversários sobre o caráter tradicionalista do seu discurso. Destacamos nesta segunda parte o subtexto do enredo e samba do Império Serrano de 1982, através de uma leitura sintomática, em que percebemos algumas contradições em suas afirmativas. Porém, entendendo que a obra artística carnava- lesca não tem o compromisso com a verdade, nossa análise observou que a impor- tância deste discurso residiu na sua maneira de captar um pensamento vigente, dis- cutindo a suposta rivalidade entre luxo e tradição, que se mostrava muito evidente naquele momento de mudança na hierarquia do carnaval. Numa estrutura em que o terceiro ato encerra a jornada do herói, Vogler (2015) o compreende como a fase em que o protagonista começa a lidar com as consequências de enfrentar as forças do novo mundo, passando por perigos, tenta- ções e testes. Antes, porém, é necessário vencer a batalha final, e, assim, retornar ao seu mundo comum, de onde saiu no início da história, com uma lição ou tesouro aprendido. Do mesmo modo, em nosso terceiro e último capítulo, o Império Serrano materializa o seu discurso em alegorias e fantasias, enfrentando dificuldades finan- ceiras, o atraso nos desfiles e o forte calor na hora de sua apresentação. Mesmo após o sucesso da repercussão na imprensa e do público, seria a apuração que le- varia o Império Serrano de volta ao topo, não sem uma última reviravolta, com a Im- peratriz Leopoldinense quase superando-o. Em nosso último capítulo, observamos que a materialização do enredo do Im- pério Serrano esbarrava em dificuldades relacionadas à nova estrutura do carnaval, em que se criou uma expectativa pelo apelo visual, que requeria criatividade para lidar com a escassez de recursos financeiros. Seria durante as apresentações que estas estratégias seriam postas à prova, com duas de suas maiores rivais subesti- mando a disputa, “burlando” as regras da competição, o que, no momento da apura- ção, levaria o Império Serrano a retomar o protagonismo da festa. Visando enriquecer o contexto aqui estudado, sobre as estratégias de sobre- vivência das escolas de samba (FERREIRA, 2012), nos debruçamos sobre o proje- to de carnaval do Império Serrano, através de seus croquis e das referências utiliza- das, assim como as diferentes formas com que cada escola de samba lidou com o 134

regulamento daquele ano. Desta maneira, pudemos observar como a cultura popular carnavalesca negocia, num diálogo entre resistência e aceitação, com discursos de poder, evidenciando-se um campo de batalha permanente, onde não se obtém vitó- rias definitivas. Neste sentido, enxergamos que o regulamento do carnaval de 1982 serviu de reflexo das discussões sobre o modelo dos desfiles das escolas de samba, tento um papel decisivo naquele ano, ao colocar em xeque a capacidade de negociação das agremiações diante das tensões impostas. A nova mudança nas regras, no ano se- guinte, nos serve de evidência de como este processo é contínuo na cultura popular. Já o resultado daquele desfile, independentemente se fruto ou não de um apoio político, não poderia ser mais irônico. Justamente o Império Serrano, com um enredo que criticava as “Super Escolas de Samba S/A”, venceu o carnaval porque exatamente uma destas agremiações, a Imperatriz Leopoldinense, foi punida pelo júri, acusada de burlar as regras do desfile, perdendo os pontos necessários à sua vitória. Ou seja, um dos alvos da sua crítica foi o seu maior aliado. Porém, vale sali- entar que, como observado ao longo deste trabalho, o texto do regulamento não é totalmente claro quanto a utilização de figuras vivas sobre as carretas (não citadas), o que deixa a dúvida se a postura da Imperatriz Leopoldinense poderia ser enxerga- da como uma simples negação à regra ou uma capacidade de reinterpretar uma pro- ibição, traço característico de uma estratégia de negociação. O que vimos a seguir, através da trajetória dos personagens dessa história, após 1982, nos releva como as escolas de samba, mesmo as que ainda utilizam discursos semelhantes ao “Bum bum paticumbum prugurundum”, experimentaram mudanças, flertaram com o luxo e continuam discutindo o modelo dos desfiles, reve- lando a atualidade do tema. Da mesma maneira, seus criadores, como Rosa Maga- lhães e Lícia Lacerda, que trabalharam por agremiações rivais ao argumento do Im- pério Serrano de 1982, traduzem como o enredo de carnaval pode ser levado na forma de deboche ou brincadeira mesmo tratando de um assunto sério. Passados mais de 35 anos, a estrutura do carnaval mudou sem deixar de manter algumas de suas características. O conceito de “quatro grandes” se desatua- lizou, outras agremiações passaram a dominar o carnaval e o modelo dos desfiles continua sendo reelaborado, enriquecendo ainda mais a abordagem sobre o concei- to de tradição nas escolas de samba. Além de ser emblemático para os imperianos (último título do Império Serrano no grupo principal) e o primeiro título da maior cam- 135

peã da festa, Rosa Magalhães, o “Bum bum paticumbum prugurundum” traduz o apontamento de Vogler (2015), em que em vez de enfrentar forças aparentemente estranhas, aqueles que estão na jornada aprendem a enganá-las ou a juntar esfor- ços com elas, absorvendo sua energia ao invés de serem destruídos.

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141

ANEXO A – Sinopse de enredo do Império Serrano de 1982, “Bum bum paticumbum prugurundum”173

Introdução:

O enredo do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano é uma sín- tese da história dos desfiles das Escolas de Samba, realizados desde a década de 1930 até os dias de hoje. O título Bum Bum Paticumbum Prugurundum representa a batida do samba de Escola, diferente de qualquer outro ritmo de manifestação car- navalesca. Este título foi tirado da entrevista que Ismael Silva (1905 - 1978), um dos fun- dadores da primeira Escola de Samba, a Deixa Falar, deu ao jornalista Sérgio Ca- bral e que está transcrita no livro de sua autoria As Escolas de Samba - o que, quem, como, quando e por quê: Sérgio Cabral - Vocês do Estácio tinham consciência de que estavam lançando um novo tipo de samba? Ismael Silva - É que quando comecei, o samba da época não dava para os grupos carnavalescos andarem na rua, conforme a gente vê hoje em dia. O estilo não dava pra andar. Eu comecei a notar que havia essa coisa. O samba era assim tan tantan tan tantan. Não dava. Como é que um bloco ia andar na rua assim? Ai, a gente co- meçou a fazer um samba assim: bum bum paticumbum prugurundum. Ismael Silva refere-se à mudança fundamental que os sambistas do lendário bairro do Estácio de Sá introduziram no samba carioca, na década de 1920. Foram eles que libertaram definitivamente o samba da influência do maxixe, inaugurando o samba na forma em que é hoje internacionalmente conhecido. Foi a partir daí, da criação da nova batida do samba - a partir do bum bum paticumbum prugurundum -, que foram surgindo as agremiações conhecidas por Escolas de Samba. E, durante o carnaval, elas se concentravam na Praça Onze pa- ra participar do desfile que ali se realizava.

173 Mantivemos a grafia original do texto, mesmo nos casos de grafia ortográfica incorreta. 142

Muitos anos após, na década de 1950 quando o desfile já se realizava na Avenida Presidente Vargas, concentrando-se os sambistas nas imediações da Igreja da Candelária, as Escolas passaram a sofrer a influência de artistas plásticos de formação acadêmica e de renome, que imprimiram nova concepção ao visual das Agremiações. Por fim, em meados da década de 1970, o luxo e a riqueza excessivos passa- ram a ocupar o lugar dos valores autênticos do samba. E a época das Super Esco- las de Samba S.A., das Super Alegorias, que desfilam anualmente pela Marquês de Sapucaí, "escondendo gente bamba". O Império Serrano fará neste carnaval a crônica dos desfiles desde o bum bum paticumbum prugurundum até as Super Escolas de Samba S.A. e nossa Escola virá apresentando três Escolas de samba em uma: a da Praça Onze, a da Candelá- ria e a da Sapucaí.

Sinopse:

Primeira parte - Praça Onze ou Fase autêntica

Apresentamos uma visão do que teria sido um desfile na tradicional Praça Onze, com baianas de fila, que ajudavam na Harmonia, os famosos malandros de terno branco, sapatos de duas cores, o caramanchão, precursor das grandes alego- rias da atualidade, damas e nobres de perucas e a corda esticada para evitar que pessoas alheias ao grupo desfilante se intrometessem, causando distúrbios. Falaremos do tempo obscuro, mas autêntico, do samba das Escolas cariocas, quando os sambistas diziam no pé e o seu amor pela Agremiação era às vezes questão de vida e até de morte.

Segunda parte - Candelária ou Fase de interação

Marie Louise Nery, figurinista e aderecista suíça, mulher do artista plástico Dirceu Nery, convidada para julgar grupos de frevo, na década de 1950, encantou- se com a espontaneidade e a força dos desfiles de carnaval. A partir desse momen- to, ela se envolveu com Escolas de Samba, tendo sido, ao lado de Dirceu, a primeira 143

carnavalesca com formação erudita a exercer uma influência direta na manifestação popular espontânea. Ao casal, seguiram-se outros profissionais, tendo-se sobressaído nos Acadê- micos do Salgueiro, Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues, que usaram entre ou- tras novidades o vime, as alegorias de mão, a coreografia de ballet de grupos folcló- ricos. Apresentaremos grupos fantasiados de acordo com os elementos que mais atraíram a atenção nesses carnavais, terminando com uma ala de Carmen Miranda, grande sucesso do carnavalesco Fernando Pinto, então do Império Serrano.

Terceira parte - Marquês de Sapucaí ou Escola de Samba S/A.

O super desfile com a super-campeã que naturalmente possui um super-carro repleto de super-mulheres. Nem sempre há um super-samba, mas há o super-gasto. Embora Joãozinho Trinta tenha já se destacado na época do Salgueiro, na Candelá- ria, trabalhando com a dupla Arlindo e Pamplona, foi na Beija-Flor de Nilópolis que deu seu verdadeiro grito de independência, ditando regras e afirmando categorica- mente que carnaval é luxo e riqueza. Os enredos vencedores, de históricos e folclóricos, passam a ser fantásticos, quase sempre pouco claros para o povo, mas dando margem a que o todo-poderoso carnavalesco exercite sua imaginação, respaldado em forte esquema financeiro: Nesta parte apresentaremos alas de tal porte que cada componente é uma alegoria irreal.

Rosa Magalhães e Lícia Lacerda

144

ANEXO B – Roteiro do desfile do Império Serrano de 1982174

Abre-alas

Comissão de frente

Estandarte Praça Onze Grupamento de bandeiras Grupamento malandrinhos Alegoria bonecões Caçadores de veado Damas Nobres de Capas Mestre-sala e Porta-bandeira Destaques destaques destaques Alegoria Caramanchão Velha guarda Praça XV175

Estandarte Candelária Comissão de frente (burrinhas) Moleque de Debret Nº 1 Moleque de Debret Nº 2 Africanas e destaque Candomblé Grupamento dos peixes Alegoria de peixe Destaque Iemanjá Alegoria Iemanjá

174 Roteiro de desfile publicado pela Revista do Império Serrano de 1982, cujo título do texto era “Im- pério Serrano na Avenida”. Foi mantida a grafia original, incluindo o espaçamento entre parágrafos e expressões em negrito. Vala salientar que no desfile oficial, algumas alas mudaram de ordem e al- guns elementos aqui descritos não desfilaram. 175 Manteve-se a grafia original, mas tudo indica que o nome correto seria “Velha guarda Praça XI”. 145

Mestre-sala e Porta-bandeira Passistas Compositores Bateria Baianas Zé Cariocas Grupamento Carmem Miranda

Alegoria (1º carro)

Velha Guarda

Letreiro Sapucaí

Bum comissão de frente bum Grupo chuveiro da ilusão

Destaques Grupo oriental Nº 1 Grupo oriental Nº 2 Grupo verde destaque Alegorias alegorias Mestre-sala e porta-bandeira Grupo crianças Compositores Grupamento ouro Ala dragão Grupamento dragão Grupamento branco Grupamento baianas Grupamento Iererê-ierê-ierê

Alegoria 146

(2º carro)

Ala Joãosinho 30 africanas Ala dourada Marionetes-alegoria Ala Sente o Drama Velha guarda

147

ANEXO C – Mapa de notas do grupo 1-A de 1982

Tabela 3 - Mapa de notas do grupo 1-A de 1982

Unidos Unidos Unidos Império de Vila de São União da da 176 Império Isabel Carlos da Ilha Mangueira Salgueiro Beija-Flor Tijuca Portela Mocidade Imperatriz Tijuca Serrano

Bateria 9 8 9 8 10 9 10 10 10 9 10 10 10 9 10 9 10 10 10 10 9 8 10 10

Harmonia 10 7 8 8 10 9 10 8 10 9 10 10 9 8 10 10 10 9 10 10 9 7 10 10

Samba-enredo 9 7 8 7 10 10 10 9 9 8 9 9 8 7 9 9 8 10 9 9 8 10 10 10

Evo lução 9 9 8 8 10 10 10 8 9 9 10 10 8 8 10 10 8 9 10 10 8 8 10 10

Fantasia 8 8 9 7 10 9 9 9 9 8 10 10 9 8 10 10 9 9 10 10 9 6 10 9

Enredo 9 8 8 8 9 10 9 10 8 9 10 9 8 8 10 10 10 9 10 10 8 9 10 10

Comissão de 10 9 10 10 10 9 10 10 10 9 10 10 10 10 10 10 9 10 10 10 7 7 10 10 Frente

Alegorias 9 7 4 4 10 8 9 10 7 8 7 7 8 10 9 10 9 10 7 7 10 5 8 10 e Adereços

Mestre-sala e 3 3 4 5 3 5 5 5 5 5 4 4 4 4 5 4 5 4 5 5 3 3 5 5 Porta-bandeira

Conjunto 4 2 3 3 4 5 5 4 5 4 5 5 4 3 5 5 4 4 5 5 3 8 5 5

Cronometragem 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5

Concentração e 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 início de desfile

Total de pontos 158 149 180 180 170 179 163 185 176 182 155 187

Classificação 10ª 12ª 5ª 4ª 8ª 6ª 9ª 2ª 7ª 3ª 11ª 1ª

Fonte: Jornal do Brasil, 26 de fevereiro de 1982, p. 8.

176 O jornal cometeu um erro ao divulgar as notas do Império da Tijuca, uma vez que aponta que a escola recebeu nota 8 em conjunto, quando o grau máximo era 5.