XIII Reunião De Antropologia Do Mercosul 22 a 25 De Julho De 2019, Porto Alegre (RS) GT21 Antropologia Política Das Situações De Crise
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XIII Reunião de Antropologia do Mercosul 22 a 25 de julho de 2019, Porto Alegre (RS) GT21 Antropologia Política das Situações de Crise O bispo-prefeito, os bicheiros e as escolas de samba do carnaval carioca1 Mauro Cordeiro de Oliveira Junior (UFRJ)2 1 Este trabalho é uma versão resumida da dissertação de mestrado em Ciências Sociais defendia no PPGCIS PUC-Rio sob o título “Carnaval e poderes no Rio de Janeiro: escolas de samba entre a LIESA e Crivella” 2 Graduado em Ciências Sociais (UFRRJ), Mestre em Ciências Sociais (PUC-Rio) e Doutorando em Antropologia no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ. INTRODUÇÃO Desde a década de 1930, com o Prefeito Pedro Ernesto, as escolas de samba e a prefeitura municipal mantiveram uma relação que ajudou a alçar os desfiles em um fenômeno de relevância internacional. A subvenção, ou melhor, o apoio financeiro do poder público municipal as escolas de samba cresceram na medida em que o evento se tornava mais organizado e lucrativo. Cabe destacar que o desfile, hoje organizado em parceria entre a Riotur3 e a LIESA4, foi totalmente organizado pela Riotur até o início da década de 80 e a consolidação da Liga. Com o aumento exponencial do número de escolas, os desfiles passaram a ser divididos em grupos hierárquicos com a ascensão e rebaixamento entre os grupos. Em 1984, uma significativa ruptura para os rumos do carnaval carioca ocorre: dirigentes de 10 escolas do principal grupo formam uma nova entidade que viria a se responsabilizar pelos desfiles deste grupo, o mais importante do carnaval carioca5. Fundada em 24 de julho, meses após o carnaval de 1984, a LIESA é uma organização que surge em um momento histórico importante, consolidando a dominação política dos banqueiros do jogo do bicho sobre o carnaval carioca e ampliando o abismo econômico e administrativo entre as principais escolas, do Grupo Especial, e às demais. Sua relação com o poder público municipal, independente da gestão, foi marcada por parceria e integração até a eleição de Crivella. O atual mandatário da cidade e a entidade entraram em conflito após o corte de verbas públicas para as escolas em 2017 mesmo tendo contado com o apoio da liga durante o segundo turno das eleições e se comprometido a manter o apoio. Este trabalho parte da premissa que o conflito é inerente a ordem social, conferindo uma possibilidade analítica privilegiada para compreensão das tensões que constituem cada sociedade. Desta forma, o objeto da análise aqui empreendida é o conflito em relação ao financiamento dos desfiles das escolas de samba do carnaval carioca entre o prefeito Marcelo Crivella e a LIESA. 3 Empresa Municipal de Turismo do Rio de Janeiro. 4 Liga Independente das Escolas de Samba 5 Até então o principal grupo de desfiles era denominado 1ª, passando a ser chamado Grupo Especial em 1990. ESCOLAS DE SAMBA DO CARNAVAL CARIOCA As Escolas de samba do Rio de Janeiro são agremiações recreativas que surgiram na década de 1920. O desfile das escolas de samba é uma competição festiva com regras pré-determinadas que versam sobre as apresentações e o desempenho das agremiações. Seu sucesso imediato e rápida ascensão no cenário social se deve a uma conjuntura política distinta: àquela altura buscava- se uma identidade nacional. O país estava prestes a se industrializar e ainda buscava afirmar sua singularidade. Levada aos morros e ao subúrbio, a população negra gestaria uma forma cultural que certamente mudaria a história da cidade e do país. Além disso, seria justamente o samba o elemento que viria a distinguir uma nova forma de agremiação popular que surgiria para celebrar o carnaval na cidade. (OLIVEIRA JUNIOR, 2017) O samba cresceu nos morros cariocas. E nasceu aí porque a população de menor poder aquisitivo foi empurrada para os morros, quando do início da valorização imobiliária do início do século e, principalmente, em decorrência das obras de abertura da Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco. (RODRIGUES, 1984, p. 31). A história é aparentemente simples: um grupo de compositores da região do Estácio de Sá promoveu alterações rítmicas na forma de se fazer samba. Se antes o samba era confundido com o maxixe e outros ritmos existentes à época, ele encontraria sua forma definitiva através de um grupo de jovens ousados compositores. Foram os sambistas do Estácio, juntamente com os da Cidade Nova, Saúde, Morro da Favela, Gamboa, Catumbi, etc., espaços onde a aglomeração de ex-escravos e seus descendentes era abundante, que passaram a ostentar a designação de “malandros” e a usá-la como símbolo de um novo jeito de compor e cantar samba, com mais ginga e flexibilidade, usando para isso a síncope. Este novo ritmo permitia cantar, dançar e desfilar ao mesmo tempo. Com o surgimento de um tipo de samba com uma cadência destinada à evolução do bloco carnavalesco, grande parte da sociedade brasileira passa a assimilar o ritmo, música, parte da cultura e da tradição africanas. (CUNHA, 2002, p. 3). Ou seja, com o objetivo de fornecer uma trilha musical adequada a evolução dos foliões nos desfiles de carnaval, um grupo de jovens músicos reelaborou a forma de compor e conferem ao samba sua feição urbana e moderna que tornar-se-ia a legítima música nacional no século XX. (NETO, 2017) O Brasil passava por transformações. Com a chamada Revolução de 1930, Getúlio assume a presidência e centraliza o poder nomeando interventores para governar os estados após suspender a Constituição vigente e fechar o Congresso. No Rio de Janeiro, então Distrito Federal, Pedro Ernesto é nomeado como interventor em 1931. Mourelle (2008) demonstra que Pedro Ernesto entendia o carnaval como importante propulsor do turismo na cidade. Pedro Ernesto queria transformar a cidade do Rio de Janeiro em potência turística mundial e sua relação de oficializar e incentivar o carnaval popular estava de acordo com tais objetivos. Foi na manifestação cultural que este segmento marginalizado foi fincando seu espaço cultural na cidade. (...) na tentativa de valorizar seu grupo e mostrar, dessa forma, sua vontade de se integrar à modernidade “outorgada”, mostrando que suas manifestações culturais poderiam contribuir com o projeto nacional, coisa que, de fato, tomaria vulto no período do governo de Getúlio Vargas (VARGUES, 2013, pg. 203-204). Como afirma Sohiet (2008) através das escolas de samba, beneficiadas pelo contexto político da década de 1930 e com forte atuação de lideranças populares, a cultura popular do Rio de Janeiro se afirma após décadas de repressão. É através da cultura que um segmento marginalizado da sociedade consegue impor suas existências, seus valores e formas expressivas. O poder público, além de reconhecer oficialmente, concedeu as escolas de samba uma subvenção financeira para apoiar a realização de seus desfiles como já fazia com outras formas de organização carnavalesca. Assim, logo em 1935 apenas três anos após o primeiro concurso realizado em 1932, as escolas de samba já faziam parte do calendário oficial da cidade e recebiam aporte financeiro da prefeitura dentro de um projeto, do então prefeito Pedro Ernesto, de transformar a cidade em um polo turístico. Esse suporte financeiro do poder público a estas entidades existe até hoje. Paulatinamente, as escolas vão crescendo e conquistando prestígio na folia carioca. Leopoldi (2010) demonstra que o interesse de parcelas significativas da população pelas escolas de samba começa nos anos 1950. Por isto as escolas passaram a cobrar ingresso ao realizar seus ensaios como forma de obter receitas. Além disso, ao tornarem-se progressivamente entidades jurídicas com responsabilidades administrativas de natureza complexa, cada vez mais se fez necessário a adoção de mecanismos de controle burocrático. Em busca da hegemonia carnavalesca e de reconhecimento as agremiações viram na adesão de outras camadas da sociedade uma possibilidade de crescimento e afirmação. Ainda nos anos 1960 algumas escolas passam a realizar ensaios na Zona Sul e comercializar fantasias como forma de capitalizar com o interesse crescente que despertavam. (CABRAL, 1996) DaMatta (1997, p. 134) aponta que associações brasileiras de caráter inclusivo, como as escolas de samba “teriam a vantagem de estar sempre abertas para todos”. Cavalcanti (2006) entende que as escolas de samba absorveram conflitos e relações da cidade tornando-se entidades onde, decisivamente, diversas camadas sociais e poderes se encontram. O Rio de Janeiro tem no carnaval e nas escolas de samba hoje uma de suas marcas registradas. Dentro desse contexto, o desfile das escolas de samba se tornou um evento internacionalmente reconhecido, articulando diversas formas de expressão artística. Agremiações recreativas sem fins lucrativos nascidas em regiões periféricas protagonizam anualmente um espetáculo de cores, sons, luzes e sentimentos e que se tornou hegemônico entre as formas de festejos populares no Rio do século XX e acionam uma engenhosa relação entre os poderes existentes no mundo citadino. LIESA: O BICHO ENTRA NO SAMBA As escolas de samba do carnaval carioca são associações comunitárias. Entender o que são e o que significam passa, primordialmente, pela compreensão de sua relação com seus territórios. Cavalcanti (2006) já destacava tal dimensão ao lembrar que muitas delas carregam seus bairros de origem no próprio nome assim como Leopoldi (2010) destaca que a participação em uma escola de samba é o compartilhamento de uma relação entre os agentes envolvidos e os respectivos territórios. Muitas vezes a escola de samba converte-se em núcleo de expressão da sociabilidade comunitária, o que transparece em múltiplas ocasiões em que ela serve de palco a manifestações sociais que transcendem seu objetivo imediato (carnavalesco), como é o caso das comemorações de aniversários, casamentos ou das celebrações de atos religiosos em que se festeja o seu santo padroeiro ou se vela um defunto. (LEOPOLDI, 2010, pg. 130). Essa relação territorial ajuda a entender a aproximação e a relação destas entidades com o jogo do bicho.