“A PESSOA QUE SE É” Sobre As Relações Entre Personalidade E
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MARINA CALDAS TEIXEIRA “A PESSOA QUE SE É” Sobre as relações entre personalidade e corpo numa sexuação transexualista Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção de título de Doutor. Área de concentração: Psicanálise Orientador: Prof. Dr. Jeferson Machado Pinto Belo Horizonte Universidade Federal de Minas Gerais 2012 2 AGRADECIMENTOS Agradeço... Ao meu orientador, Prof. Jeferson Machado Pinto, por apostar na ousadia 3 de um pensamento. Ao Prof. Jean-Claude Maleval, pela sutileza de destacar o que não se sabia. A Geneviève Morel, pelo encontro generoso e fulgurante, que determinou alcançar a outra face do transexualismo. A Nieves Soria Dafunchio, por suas decifrações dos nós de cada um. Ao meu marido, Eduardo, e ao meu filho, Miguel, por existirem e persistirem no amor. Ao meu pai, por ter me concedido o privilégio de conviver com ele, até os seus 79 anos. Um dia, nos reencontraremos nas estrelas. Aos meus irmãos de sangue e de fé, Massegio, Tiça, Bulu e Kátia, e aos meus sobrinhos, Carol e Biel, pela amizade. À minha mãe querida, pelas marcas deixadas no mais íntimo do meu ser, as quais, de alguma forma, me conduziram até aqui. RESUMO 4 Nesta tese, buscou-se elucidar alguns aspectos determinantes do fenômeno contemporâneo do transexualismo de acordo com a abordagem psicanalítica de orientação lacaniana. A lógica do fenômeno foi discernida, por um lado, em torno da abordagem lacaniana da sexuação como “opção de identificação sexuada” (nesses termos designada na lição de 14 de maio de 1974 do seminário 21) e, por outro, considerando a abordagem lacaniana do “sinthoma”. A reflexão procurou sustentar sua demonstração com base na análise de alguns casos de transexualismo. A partir desse material clínico e dos testemunhos, foram investigadas as circunstâncias pelas quais o gozo transexualista, que termina por conduzir à cirurgia de mudança de sexo e aos hormônios, permite alcançar uma sorte de solução que mantém a pessoa ligada à realidade, ao semelhante e ao próprio corpo. Ao final deste estudo, assinalou-se a singularidade desses casos, fazendo ressaltar que as soluções encontradas em cada um deles estiveram subordinadas a uma circunstância contingente, a despeito da lógica fálica. Essas soluções são um tratamento que, na maioria dos casos, alcança resolver o nó da personalidade, nesses casos. ABSTRACT 5 This thesis looked for elucidate some key aspects of the contemporary phenomenon of transsexualism according to lacanian psychoanalytic approach guidance. The logic of the phenomenon has been discerned, the one hand, around the approach of sexuation lacanian considered as an “option of sexual identification” (in these terms designated in Seminar 21, 14 May 1974), and on the other hand, considering the lacanian approach of the “sinthome”. Reflection tried to support its argument based on the analysis of some cases of transsexualism. From this clinical material and testimonies were investigated the circumstances under which the transsexual enjoyment, which ends up leading to sex change surgery and hormones, allows the transsexual to achieve a sort of solution that keeps the person connected to reality, to another, and the body itself. In the end, the study indicated the uniqueness of these cases, noting that the solutions found in each case were subordinated to the occurrence of a contingent event, despite the phallic logic. These solutions are one treatment which reaches resolve the node of personality in those cases. Avatares do transexualismo Avatares do transexualismo 13 Variações da palavra 14 A explosão do fenômeno 15 Capítulo I Vozes do transexualismo 6 Um fio histórico sobre o fenômeno 19 Os primeiros 20 Christine Jorgesen 20 Lili Elbe Wegener 24 Antecedentes: os psiquiatras 26 Monomania 27 Inversão sexual 27 Observação 129 28 Travestismo 28 Nem travestismo, nem homossexualidade 29 Psychopathia Transsexualis 29 Anos 50: endocrinologistas e cirurgiões 30 Bambi 31 Coccinelle 33 April Ashley 35 Aleshia Brevard 38 Anos 60: os psicólogos do gênero 40 Disforia de gênero 47 Anos 70: os psicanalistas – primeira geração 50 Apresentação de paciente com o Dr. Lacan 54 Caroline Cossey 62 Anos 80: manuais diagnósticos, estatísticos e classificatórios 63 Anos 90: os psicanalistas – segunda geração 65 Jan Morris 67 Dana International 74 Lea T. 85 Tininha Nova York 86 Joana JR 87 Anos por vir 90 Capítulo II Uma metamorfose não tão improvável Cruzando fronteiras 91 Estética tranny 92 Vicissitudes do fenômeno 98 7 Mudar de sexo: uma sentença irreversível 99 Cirurgia de redesignação sexual (SRS) 100 Paradoxos da Irreversibilidade 108 Demanda e desejo 110 Efeito do discurso da ciência 114 Mecânica de um arranjo multifatorial 116 Anatomia cerebral 121 Estilo de vida 122 Capítulo III Sexuação: opção de identificação sexuada Gênero ou sexuação 126 Relação sexual ou sexualidade 128 Não há relação sexual 131 Opção de identificação sexuada 133 Como um órgão se faz significante 134 Significação do falo 136 Imaginário do falo: primeiro tempo da sexuação 137 Simbólica do falo: segundo tempo da sexuação 138 Erro comum 140 Escolha do sexo para o amor 149 Máscaras fálicas e outras máscaras 151 Sutilezas de uma paixão 153 Capítulo IV Certezas e fantasias Entre certezas e fantasias 157 Viviane, uma mulher delicada 162 Anízia, uma mulher casada 164 Cris, meio menino-meia menina 167 8 Uma composição iconográfica 173 Bibi Andersen, una auténtica chica 174 Amanda Lear, uma mulher surreal 177 Caroline Cossey, uma mulher sexualmente ideal 181 Roberta Close, um show de mulher 182 Personalidade não é o eu 190 Dois casos de transexualismo feminino 191 Alguém que se acreditava transexual 193 Face psicótica e forclusão 198 Forclusão do Nome-do-Pai 199 Ironia ou bufa 209 Uma fantasia sem lógica 213 Schreber sabia guardar segredo 215 Armando e desarmando o nó de personalidade 221 A personalidade à flor da pele 225 Michel H, o vestido-pele 225 Gosto pela vestimenta 226 Tratamento 3D 227 Capítulo V Máscaras e chicotes Transexualismo não é fetichismo 231 Soluções e soluções 233 Uma escolha de Sofia 236 Mishima: erotismo da desolação 239 O sinthoma nos confins da sexuação 240 Travestismo fetichista e desolado 242 Trans: heresia da exaltação 244 Prática de se vestir de mulher 244 Conclusão Da paixão e dos amores Da paixão transexualista 245 Um amor nas estrelas 246 Um amor de nebulosa . 246 9 Um amor de sonho 247 Questão preliminar a um tratamento psicanalítico possível do transexualismo 248 Anexo 1 Mínimo Suplemento de Topologia Superfície de Boy 252 Bibliografia Referências bibliográficas 256 Autobiografias 261 Bibliografia completa 262 Anexo 2 Testemunhos on-line 276 Filmografia 280 10 Para meu filho 11 Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. João Guimarães Rosa (Grande sertão: veredas) Prólogo Devo confessar que a escrita do que se segue tende mais para um estilo ensaístico do que para os rigores discursivos de uma tese. Em outra ocasião, o tempo de minha dissertação de mestrado sobre o transexualismo, eu fui bem mais disciplinada quanto a metodologia demonstrativa. Assim, não fiz senão denunciar a psicose como estrutura. Naquele tempo, não foi possível fazer diferente, estava muito tomada pela 12 clínica estrutural e pouco habituada com a clínica dos nós, a clínica do sinthoma. Não era possível ousar. Agora ganhei mais estrada, percorri mais intensamente os desfiladeiros do transexualismo. Então, foi preciso adotar esse outro estilo, um pouco mais livre das amarras de um texto demonstrativo. De outra forma, teria sido uma impostura psicanalítica que me faria derrapar no mais original que o fenômeno aporta no mundo contemporâneo. Os fenômenos extremos exigem sutilezas clínicas maiores para que possam ser lidos. O fenômeno do transexualismo (e o sintoma da personalidade que o acompanha) é uma dessas situações extremas com as quais a psicanálise é chamada a lidar no nosso tempo. Durante quatro anos, os parágrafos de Lacan no seminário 23 sobre o nó da personalidade e o sinthoma me espreitavam. Cada palavra, cada movimento das cordas RSIΣ desenhado na citação oscilava diante do meu pensamento enigmaticamente, provocando minha inibição intelectual. Tratar- se-ia de migração de estruturas? Seria possível? Será possível que estruturas migram, como os pássaros? Apenas uma provocação. Nós, os nós RSIΣ, atam e se desatam. Os nós podem se amarrar e desamarrar. Para atar um nó que desatou, é preciso corrigir o lapso do nó, naquele ponto mesmo em que o nó fracassou. Às vezes isso pode levar um pouco de tempo, às vezes, pode acontecer que seja rápida a reparação. Gênio das père-versions. Exatamente no ponto em que a menina, ou o menino, se extraviou e conheceu o abandono de ser a coisa do outro; o drama da existência de sua pessoa foi amarrado em continuidade com essa infelicidade do destino. No destino das coisas, o menino, ou a menina, extraviados de si, acabaram reconhecendo que, por conta dessa sorte, se tornaram pessoas compelidas a dizer que o seu corpo não é seu. Drama que se pode desvendar pela psicanálise de orientação lacaniana, às vezes com um esforço de poesia (não sou poetisa), às vezes com um esforço de matemática (não sou matemática). Essa tese é um esforço para discernir as veredas que conduzem da paixão transexualista à afirmação da “pessoa que se é”: ser que está vivo, que adquiriu personalidade e alcançou realidade. Avatares do transexualismo O que segue vai contemplar o transexualismo e suas fantásticas criações. Falar-se-á de personalidades femininas e de mulheres extraordinárias. Mulheres alcançadas, mulheres abandonadas para trás. 13 Estamos na alvorada do século XXI, ano de 2012 d. C. Vivemos num mundo de alta tecnologia. As grandes metrópoles estão desenhadas por luzes de neon, arranha-céus inteligentes e arquiteturas fantásticas.