| Doutorando Bernardo Pinto da Cruz IPRI-NOVA/FCSH Prof. Doutor Diogo Ramada Curto PARECER OS CAMPEONATOS FUTEBOL DE NACIONAIS 1940 DE 1921 A

OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE FUTEBOL DE 1921 A 1940 Sporting Clube de Estádio José Alvalade R. Professor Fernando da Fonseca 1600-616 Lisboa COORDENAÇÃO Miguel Nogueira Leite, Sporting Clube de Portugal | Miguel Braga

TEXTOS Prof. Doutor Diogo Ramada Curto | Doutorando Bernardo Pinto da Cruz | IPRI-NOVA/FCSH

DIRECÇÃO DE ARTE Gravity - Creative Dynamics

CAPA Gravity - Creative Dynamics

PAGINAÇÃO Gravity - Creative Dynamics

REVISÃO Maria Gambôa, Vítor Frias

PESQUISA E SELECÇÃO DE IMAGENS Paulo Almeida, Sporting Clube de Portugal

IMPRESSÃO E ACABAMENTO REKLAME “A HISTÓRIA E OS TÍTULOS SÃO ACTIVOS INEGOCIÁVEIS DOS CLUBES” OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

ÍNDICE

/ 4 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

INTRODUÇÃO

A NATUREZA DAS PROVAS 01 O CARÁCTER NACIONAL E AS REFERÊNCIAS INEQUÍVOCAS À EXPERIÊNCIA_PÁG 12

REFERÊNCIAS INEQUÍVOCAS À NATUREZA EXPERIMENTAL DAS PROVAS_PÁG 26 02INDICADORES INDIRECTOS_PÁG 34 A NACIONALIZAÇÃO DO FUTEBOL AS LIGAS COMO MANIFESTAÇÃO NACIONAL POR EXCELÊNCIA_PÁG 48 03NOVAS OU VELHAS COMPETIÇÕES?_PÁG 54 CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES A HISTÓRIA DO FUTEBOL NÃO É A DO ESTADO NOVO_PÁG 64 04PONTOS FUNDAMENTAIS_PÁG 70 / 5 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

Existe presentemente uma ampla controvérsia relativamente à forma de cômputo dos títulos de campeão nacional oficialmente atribuídos. No âmbito dessa discussão, há quem considere como campeões nacionais todos os clubes que ganharam os campeonatos da Liga (1934/1935-1937/1938) e os campeonatos nacionais da I Divisão até à nossa . Esta forma de contabilizar o número de títulos máximos nacionais conquistados por cada clube parte da ideia de que o Campeonato Nacional da I Divisão e a Taça de Portugal, instituídos na época de 1938/1939, são a continuação, sob outra designação, da antiga Liga e do velho Campeonato de Portugal (1921/1922-1937/1938). Este entendimento, semioficializado, veio recentemente a público, por parte de jornalistas, historiadores e alguns adeptos que se debruçaram sobre o assunto. Na sua História do Futebol Português, Ricardo Serrado e Pedro Serra resumiram esta posição:

O Campeonato de Portugal ligas nacionais. Hoje, existe o muda, entretanto, de nome hábito comum de se afirmar, para Taça de Portugal em quanto a nós erradamente, 1939, mantendo, todavia, que a Taça de Portugal o figurino de prova nacional começou a ser disputada INTRODUÇÃO em eliminatórias (oscilando em 1939, e que o primeiro entre uma e duas mãos). vencedor da competição foi a Esta competição, continuaria AA de Coimbra. Oficialmente, ainda, contudo, a ser acontece o mesmo, já que disputada com a mesma a AA de Coimbra surge em dinâmica do Campeonato quase todas as obras como 01 de Portugal instituído em a primeira vencedora da 1922, isto é, continuaria a prova. Importa referir neste ser jogada posteriormente contexto que, em rigor, ao campeonato nacional. a Taça de Portugal começa Apenas em 1961 a Taça em 19221. passará a ser disputada simultaneamente com as

Nada anda mais longe da documentação e do espírito da época. Todos eles esqueceram que o assunto nunca foi pacífico. Esta polémica teve início em Janeiro de 1939, quando o célebre jornalista, mestre e dirigente desportivo Ricardo Ornellas decidiu

1) Ricardo Serrado e Pedro Serra, História questionar, nas páginas d’Os Sports, se o Campeonato Nacional do Futebol Português: Das origens ao 25 de de 1938/1939, instituído entre Agosto e Dezembro do ano anterior, Abril, Vol. I, Estoril: Primebooks, 2010 Estoril: Primebooks, 2010, pp. 161, 183-84 e 215. seria o primeiro ou o décimo oitavo:

/ 6 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

Trata-se, como se sabe, de seguimento dos anteriores uma prova exactamente campeonatos de Portugal. igual à que desde 1934/1935 Da prova que depois de se estava disputando com amanhã começa sai o 18.º o nome de primeira liga. campeão de Portugal, Procurara dar nova feição cujo nome se inscreverá a aos campeonatos da Liga seguir ao do Sporting CP estabelecendo o direito de na lista dos vencedores promoção aos campeões do torneio começado em da segunda… daí o ter 1922, ou apenas, primeiro proposto a modificação do vencedor do campeonato nome para “Campeonato nacional, prova nova? Vale Nacional”. Mas ao realmente a pena fazer-se discutir-se o articulado do esse esclarecimento. regulamento… o Congresso Porque dos quatro anos de recusou, por maioria, essa “Liga” já não se fala mais2. nova estrutura e manteve o sistema de prova fechada… Este novo campeonato nacional é, pois, mais um torneio impropriamente intitulado. E tão impróprio que até custa tomá-lo como

O mesmo Ornellas, quatro anos antes, fazia depender o êxito dos campeonatos das Ligas da afluência do público, da “boa vontade dos jogadores” e do “bom senso dos dirigentes”. Estes três factores é que iriam determinar o sucesso da “tentativa que vai realizar-se”:

Em Portugal, vamos sérias que até hoje se ter a primeira edição conceberam… trata-se, no esta época, mais como entanto, como dissemos, tentativa para favorecer de uma tentativa, que os o desenvolvimento do próprios clubes, aliás, nosso football que como foram os primeiros a corolário de entre nós reconhecer legítima, se ter reconhecido a oportuna e necessária. necessidade de não Que resultará destas distinção de jogadores… experiências3? 2) Os Sports, de 6 de Janeiro de 1939. competição das mais 3) Os Sports, de 18 de Janeiro de 1935.

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O primeiro jornalista a recuperar as inquietações do representante do Funchal terá sido Henrique Parreirão, férreo advogado da tese da continuidade entre o Campeonato de Portugal e o Campeonato Nacional. No entanto, e esquecendo por agora uma suposta resposta da Federação publicada no livro oficialmente patrocinado por este órgão máximo do futebol português, acontece que as exposições de Ornellas, como as de muitos outros agentes históricos da época, estão repletas de intenções difíceis de interpretar. Por exemplo, da opinião publicada em Janeiro de 1939, fica a ideia de que o próprio não participara no congresso que aprovou os novos estatutos e regulamentos ou de que esteve, de facto, presente e teria sido ele a propor a modificação de títulos: o Campeonato de Portugal tornava-se Campeonato Nacional. No dia três de Abril de 1991, o jornal O Benfica destacava um “marco histórico”: a milésima vitória do clube no Nacional de Futebol4. Esta efeméride abriu uma polémica interna, no mesmo jornal, entre sócios que discutiam a propriedade do critério usado para determinar que jogos é que, efectivamente, deviam ser contabilizados como fazendo parte do Campeonato Nacional. Questionava-se a partir de que momento no passado é que o campeonato nacional tinha começado. O jornal A Bola, no mesmo ano, por exemplo, contabilizava os campeonatos ganhos pelo SL Benfica de 1936 a 1938 enquanto campeonatos nacionais. Na realidade, A Bola, como alguns sócios do Sport Lisboa e Benfica, não tinha dúvidas de que também essas provas, designadas então 01 Campeonatos de Ligas, não só eram os antecessores directos do Campeonato Nacional da I Divisão, criado em 1938/1939, como se tratavam inclusive de uma e a mesma coisa. Outros sócios, porém, preferiam a versão de que a I Liga tinha sido “um balão de ensaio para o futuro torneio máximo, mas não atribuía qualquer título especial a não ser o de «Vencedor da I Liga»”5. José de Oliveira Santos, a quem coube a defesa desta última perspectiva no jornal oficial do clube, considerava que “não são… os moldes (ou em eliminatórias ou em “poule”) em que se disputa um torneio que lhe definem o tipo de título a atribuir ao seu vencedor, mas sim o que o regulamento elaborado pela entidade organizadora estipular para o primeiro classificado dessa prova”. A par de certas comparações com as eliminatórias da antiga Taça dos Campeões Europeus, a partir da quais se apurava o campeão 4) O Benfica, de 3 de Abril de 1991, p. 5. 5) O Benfica, de 15 de Maio de 1991, p. 4. europeu, outros argumentos podiam ser invocados. Um deles era

/ 8 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 o de que, em 1938/1939, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) apenas teria substituído o molde de apuramento do verdadeiro campeão nacional. Até essa data, era o Campeonato de Portugal que coroava o campeão português, independentemente das semelhanças orgânicas que essa prova viria a ter com a futura Taça de Portugal; de 1938/1939 em diante seria já o sistema em “poule”, consagrado no designado Campeonato Nacional de I Divisão, a apurar o campeão do país. Mas o debate foi intenso. Alberto Miguéns elencou, com mestria, no jornal do SL Benfica, as razões por que se batia: primeiro, “toda a estrutura, o perfil do calendário de jogos, o troféu, o sistema de apuramento e competição são em tudo iguais à 1.ª Divisão”; segundo, o Campeonato de Portugal era o antepassado da Taça de Portugal, o que “proporcionava que um clube fosse campeão sem nunca sair de Lisboa… algo que não aconteceu na 1.ª Liga”; terceiro, “a normalidade europeia” assim o impunha – noutros países como em Espanha, clubes como Real Madrid CF faziam entrar títulos conquistados sob designações diferentes no cômputo do Campeonato Nacional6. Como se demonstrará ao longo das páginas que se seguem, não são válidas estas pretensões de continuidade ininterrupta dos Campeonatos de Ligas ao Campeonato Nacional da I Divisão. Tal como não o são as que estabelecem uma filiação directa entre o Campeonato de Portugal (1921/1938) e o Campeonato Nacional. Não se queira daqui depreender um ponto de equilíbrio arquimediano. Longe disso, optámos, de um ponto de vista metodológico, por trazer à luz os momentos conflituais, os espaços de dissensão e os silêncios incómodos. Trouxemos, em pé de igualdade, todos os argumentos esgrimidos na esfera pública a respeito da problemática. Procurámos inseri-los num contexto mais imediato, o decisório, e num contexto mais vasto, de tendências e evoluções de sentido. Estamos convencidos de que a salutar contraposição de provas, sem cair na tentação fácil de recorrer ao contrafactual sem menos e a argumentos de autoridade, é a única via de saída de uma enorme trama urdida por um conjunto de circunstâncias que se alinharam num período muito curto: entre 1930 e 1934, dá-se a burocratização da Federação, uma substituição na Gerência, a criação de uma estrutura permanente e dirigida de cima encarregada de rever os estatutos e regulamentos federativos, a par do famoso “desastre de Chamartin”, a 6) O Benfica, de 15 de Maio de 1991, p. 2.

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pesada derrota da selecção nacional por 0-9 contra Espanha. Este período de charneira, a que os cientistas políticos chamam “critical juncture”, explica muitas das conclusões a que chegamos no final. Na prática, eis a nossa pergunta principal que orientou a investigação: por que é que as mudanças institucionais de 1938 não surtiram grandes dúvidas, para além da levantada por Ricardo Ornellas? A resposta está longe de ser a mais simples, como tentaremos demonstrar. Descobrir as causas, contudo, não substitui aqueles que, de direito, poderão repor a verdade que a maioria lhes atribuiu no passado. 01

1926 stadium DE LISBOA

/ 10 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

1939 festival nas salésias encerramento das celebrações das bodas de ouro do futebol nacional (eduardo pinto coelho a dar o pontapé inicial do jogo)

1923 Francisco Stromp ao centro (capitão do Sporting CP) Conquista do Campeonato de Portugal em 1923

/ 11 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

O CARÁCTER NACIONAL E AS REFERÊNCIAS INEQUÍVOCAS À EXPERIÊNCIA Do modo como a polémica se encontra actualmente estruturada, parte-se normalmente dos seguintes dois factos. O primeiro, que o Campeonato de Portugal de 1921/1922 foi a primeira prova federativa oficial. O segundo, que as Ligas de 1934 a 1938 se revestiram de um mero carácter experimental. Ambos os factos estão intrinsecamente ligados e são, na sua simplicidade de formulação, manifestamente falsos. Há que dizer, desde logo, que as cronologias dos dois moldes de competição são semelhantes, o que nos permite começar a interpretar os repertórios lançados pela Federação e descobrir o espírito das decisões tomadas na década de 1930 a partir do que se passara na década anterior. Este aspecto do problema é importante, porque tudo o que abaixo se diz acerca das qualidades experimentais e provisórias das provas é extraído dos antecedentes de 1920, ou seja, dos precedentes abertos na disputa em torno da regulamentação do Campeonato de Portugal. Para além dos títulos conquistados, em especial o primeiro A NATUREZA pelo FC Porto em 1922, o momento mais relevante na história deste Campeonato continua a ser o ano de 1926, momento a que DAS PROVAS os historiadores e a imprensa têm atribuído enorme importância relativamente à implantação da modalidade em Portugal. Nesse ano, como escrevem Ana Bela Nunes e Nuno Valério, “a regulamentação… foi profundamente modificada, deixando de se articular com os Campeonatos Regionais. A prova continuou 02 a disputar-se por eliminatórias, mas a inscrição passou a ser aberta aos clubes do Continente, da Madeira e dos Açores, alargando-se o período de realização à totalidade da época”7. Uma tal modificação pode ser interpretada como indicador da nacionalização da prova: esta tornara-se “verdadeiramente nacional”, com 14 equipas apuradas na primeira fase da 7) Ana Bela Nunes, Nuno Valério, Contribuição competição, o chamado Torneio de Classificação ao nível regional, para a História do Futebol em Portugal, , Working Paper N. 1, Gabinete de História que depois defrontam na Competição de Honra as restantes Económica e Social, 1996, p. 27. A expressão 15 equipas isentas de prova preparatória (um representante “deixar de se articular com os Campeonatos Regionais” não deixa de ser exagerada, visto que insular e os 14 vencedores da primeira volta da eliminatória à luz do regulamento o Torneio de Classificação depreende o apuramento de um e apenas um da Competição de Honra anterior)8. Nesse caso, é claro que o representante de cada região: Viana do Castelo, Braga, Vila Real e Bragança, Porto, Aveiro, Viseu critério para a atribuição de maior ou menor natureza nacional à e Guarda, Coimbra, Leiria, Castelo Branco e prova é um critério difusionista, que tem duas sérias implicações. Portalegre, Santarém, Lisboa, Setúbal, Évora e Beja, Faro. A primeira é que só a partir de 1926 se pode fazer equiparar 8) Art.º 5.º do Regulamento do Campeonato de Portugal de Football. o Campeonato de Portugal à nova Taça de Portugal (pós-1938).

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Um dos argumentos-chave esgrimidos acerca da problemática em estudo é o do modelo de competição – o Campeonato de Portugal é o antecessor directo da actual Taça por partilha ou, se se quiser, continuidade de forma de apuramento e sorteio. A segunda implicação, que resulta da anterior, é que o mesmo argumento é forçado a deixar de fora da história das competições oficiais “nacionais”, aplicado o critério da difusão, os primeiros cinco anos de Campeonato (1921-1926). Mas, porque um argumento não pode ser avaliado em vista das suas consequências, este merece uma análise mais robusta. Há, desde logo, um defeito de fabrico nesta tese: o critério da difusão que é aplicado para determinar o que é nacional. Não raras vezes, este critério é usado de forma indiscriminada nas suas três dimensões: a espacial, mais intuitiva, que olha para a competição de um ponto de vista estatal e que pressupõe a participação aberta a todos os clubes do território; a institucional, próxima da espacial, mas que lhe é irredutível, e que determina o estádio de consolidação de cada associação distrital (valor desportivo, equilíbrio e capacidade financeira, recursos materiais, filiação, regularidade competitiva interna, profissionalização das estruturas), pressupondo um certo limiar, quase sempre arbitrário (como se demonstra abaixo a propósito do caso algarvio), de institucionalização necessário para tomar parte da competição; e, por fim, a temporal, a duração de uma dada prova, quer dizer, a fracção de uma época que ela ocupa9. 9) Haveria que acrescentar, ainda, uma Veremos mais adiante que só com o Estado Novo, logo a partir quarta dimensão bastante datada e que terá de 1933, é que se começa a registar uma política deliberada de surgido aqui e além em alguns debates até ao segundo pós-guerra: a dimensão da cidadania concertação e desenvolvimento destas três faces da difusão e, portuguesa. Tendemo-nos a esquecer que, num período em que as transferências portanto, do que é – ou deveria ser – um campeonato nacional, internacionais de jogadores começavam a tornar-se sistemáticas, a competição culminando nos novos estatutos e regulamentos de 1938 e, mais nacional por excelência – o Campeonato de tarde, no estabelecimento definitivo do princípio da promoção e Portugal – dispunha de regras mais restritas para a participação eventual de jogadores despromoção entre divisões. não-portugueses, por contraposição às disposições legais das Associações e das O actual uso indiscriminado das três dimensões faz deturpar suas provas internas. O mesmo se aplica aos árbitros (“juízes de campo”) estrangeiros aquela que prevaleceu em determinado período da história, ao intervir formalmente impedidos de ajuizar encontros nas dinâmicas de consenso e conflito que, entre os agentes da época, do Campeonato. Sobre a dimensão institucional, vale ainda lembrar que o órgão estipularam o critério difusionista que haveria de garantir um carácter central que tende a monopolizar o critério da institucionalização dos clubes e associações, nacional à prova. Assim, por exemplo, o historiador Francisco a União Portuguesa de Football/FPFA decidiu, a espaços, fazer o mesmo com a Pinheiro, chamado a pronunciar-se sobre a polémica, afirmou que o profissionalização da arbitragem, prevendo-se Campeonato de Portugal pode ser considerado o antecessor da Taça, a criação de um Colégio Nacional de Árbitros. Seria necessário estudar, comparativamente, devido ao idêntico sistema de apuramento do campeão, não sem como se procedeu à nacionalização dessas diferentes, embora coevas, esferas de antes matizar a sua posição: é que não pode haver uma “sucessão intervenção federativa.

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directa”, dado que o espírito e a estrutura eram completamente diferentes10. Ou seja, a Taça pressupõe já a inclusão de “todas as equipas dos escalões nacionais e alguns distritais”, algo que o Campeonato de Portugal não fazia. Este foi-se alargando a outras associações, ao longo dos anos. Resumindo, a Taça descenderia de forma indirecta do antigo Campeonato de Portugal, uma posição que é incompatível com a ideia de serem uma única e a mesma prova11. Por outro lado, haveria que perguntar a que se refere o “espírito” de cada uma das provas. Sobre este aspecto, importa notar que a colagem do Campeonato de Portugal à Taça faz daquele o parente pobre de um sistema de competições, subalternizado perante os campeonatos ditos nacionais, cujos antepassados seriam as Ligas. Neste caso em especial, estamos perante a reversão do critério da difusão: a dimensão institucional elitista predomina sobre a territorial. É mais relevante uma competição entre os melhores dos melhores, do que uma prova representativa do território. Que este seja o princípio que vinga atualmente, é um facto indesmentível. Mas terá sido sempre assim? Como é que chegámos a esta hierarquia? Olhemos agora para um outro exemplo. Assumindo uma postura mais extremada, o jornalista Henrique Parreirão defendia intransigentemente a ideia contrária: a dimensão territorial prevalecia sobre a dimensão elitista. Comparando Campeonato de Portugal e Ligas (1934-1938), Parreirão afirmava que:

… nos anos em que se todas as Associações 02 disputou a prova da Liga Distritais, inscritas na F.P. da I Divisão, parece-nos (…) 2. Campeonato da Liga ainda mais concludente da I Divisão, limitado a oito a comparação do espaço clubes: os quatro melhores territorial das duas do Camp. de Lisboa; os dois 10) Francisco Pinheiro, Diário de Notícias, competições: primeiros do Camp. Porto; 9 de Outubro de 2016. Cf. na mesma peça, a posição de João Nuno Coelho, defendendo que 1. O Campeonato de o 1.º do Camp. Setúbal e o “é preciso respeitar o espírito da época”. 12 11) Compare-se com o argumento irreflectido Portugal com as portas 1.º do Camp. Coimbra . de Ricardo Serrado e Pedro Serra nas pp. 161, 183-84 e 215 do Vol. I, da sua História do abertas a 28 clubes de Futebol Português: Das origens ao 25 de Abril, Estoril: Primebooks, 2010. Nada anda mais longe da documentação da época, e mais É óbvio que, para Henrique Parreirão, o que valia era sobretudo próximo das posições de um único indivíduo, Ricardo Ornellas. o critério espacial, de difusão territorial. Logo, as Ligas não 12) Henrique Parreirão, Os Anos de Diamante no 1.º Centenário do Futebol Português, Livro poderiam ser comparadas, no seu entender, a um campeonato Comemorativo das Bodas de Diamante da de “portas abertas” aos clubes dispersos pelo território nacional. Federação Portuguesa de Futebol, Lisboa: FPF, 1989, p. 105. Em ambos os exemplos, os autores interferem, sem o devido

/ 14 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 distanciamento, no processo de construção “nacional” das provas. Este último, ao abusar do critério da difusão territorial, dificilmente explica a passagem, em menos de uma década, de uma primazia nacional fundada no maior número de clubes concorrentes a uma superioridade das Ligas (na forma pós-1938 de Campeonatos Nacionais). Pior, Parreirão faz por esquecer que até 1926, a começar logo pela final ad-hoc e prematura do Campeonato de 1921/1922, o critério das “portas abertas” valia muito pouco e que o seu valor explicativo é ainda menor. Embora reconheça que as ligas introduziram novos critérios, como a circulação territorial, a exigência da profissionalização e a demonstração de vitalidade física e psíquica em períodos mais longos, presta pouca atenção aos factores que explicam a mudança, em especial, a sua aquiescência social. A sua análise é estática. Mas não se pense que este tipo de tomadas de posição, mais ou menos veladas, nasceram de uma atitude revisionista deliberada e consciente. Nisto, os historiadores e jornalistas dos nossos dias reproduziram de perto as lutas da época, que se agudizaram com a emergência, no espaço público dos anos 1930, da ideia das ligas e com os novos regulamentos de 1938. Num artigo aceso, em que se propunha fazer o balanço do último Campeonato de Portugal, Cândido de Oliveira não tinha dúvidas. Estava-se perante uma competição que configurava um sistema “à parte”, um “arranjo de conveniência” para favorecer os clubes de Lisboa. Em 1938, depois de uma série de alterações orgânicas provocadas pela introdução das Ligas, o Campeonato de Portugal encontrava-se reservado a 15 clubes: oito da primeira liga, seis da Os sete mais fortes jogam 2.ª liga e ao representante com os sete mais fracos. dos Açores e Madeira. E como esta vantagem Mas, como sabemos, ainda parecesse pequena, os 14 clubes determinados a eliminação é decidida em pelos campeonatos das dois ou três jogos... Ligas disputam a primeira O objectivo é evidente. eliminatória em condições Pretende-se com o sistema que têm merecido justos obstar que os mais fortes reparos. Não jogam entre possam ser eliminados em si por sorteio. Há um tarde menos afortunada. sorteio, mas é preparado. O sistema é pouco simpático

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e colide flagrantemente diferentes. Busca-se com a índole das provas o melhor num ciclo a eliminar. A competição pequeno da duração da por classificação a pontos prova. A eliminação é visa classificar em um KO sucessivo (...). primeiro lugar o clube Ora, pelo actual sistema que no decurso da prova português, não sucede foi melhor sob o ponto de assim. Com a classificação vista de regularidade de a pontos em cada etapa, forma. É uma classificação o vencedor pode sofrer por melhor média. A soma três derrotas! Não é o dos pontos em n jogos vencedor‑vencedor... determina o vencedor. É um misto de “poule” As competições a eliminar e de eliminação13. porém, têm objectivos

Foi necessária esta longa citação para mostrar que, das três diferentes visões aqui apresentadas sobre o mesmo fenómeno, a de Cândido de Oliveira talvez seja mesmo a mais inquietante, porque ambígua. Ambígua porque denota já a decadência nacional de uma prova que competia, no calendário desportivo, com as Ligas de crescente afirmação. O “mestre” estava convicto de que o Campeonato de Portugal vinha perdendo o seu estatuto verdadeiramente nacional depois das revisões de 1926 e de 1933. A razão parece conter um módico de verdade: o sistema criado em 1922 prejudicava os clubes lisboetas, cujo campeonato regional, muito 02 mais competitivo do que os restantes, os colocava numa posição de inferioridade perante “os campeões distritais da província, que chegavam ao Campeonato de Portugal relativamente descansados”. E os números comprovavam-no: nos primeiros cinco anos da prova, da capital apenas o Sporting Clube de Portugal se sagrara campeão. Mas toda esta imagem de declínio, que contrasta com a de Henrique Parreirão, baseia-se num mesmo pressuposto territorial. A competição teria sido criada “com o objectivo de propiciar o regular encontro das mais fortes equipas de Portugal com as da província” – algo a relembrar, pois, “nessa altura, não existia o Campeonato das Ligas”. Segundo Cândido de Oliveira, o ano inaugural fez da prova uma “cópia da Taça de Inglaterra: inscrição livre a todos os clubes portugueses e, depois, eliminação sucessiva até à final”. À primeira vista, sente-se que o Campeonato de Portugal, naquele 13) Cândido de Oliveira, O Balanço do Campeonato, O Século, de 27 de Junho de 1938. último ano de 1938, era obsoleto. As ligas podiam vir a cumprir o

/ 16 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 ideal nacional que se achava ferido de enviesamento. Contudo, a que custos conseguia Cândido de Oliveira defender esta tese? É que só através de um exercício de amnésia se podia ocultar o facto de que os primeiros campeonatos de Portugal não tinham sido abertos a todos os clubes portugueses. Muito pelo contrário, bastaria recuar a 1926 para ver o próprio Cândido de Oliveira advogar, em pleno Conselho Geral da Federação, o modelo inglês de taça, que era “ainda o que se ajusta mais a um campeonato nacional”14. Nesta formulação, Oliveira condensava a sua predilecção pela taça como sistema nacional por excelência e opunha-se aos que se preparavam para manter o campeonato restrito aos campeões distritais, como vinha sendo feito. Todos estes três casos relatam formas diferentes, mas afins, de sustentar a natureza nacional do Campeonato de Portugal. Se elas diferem entre si é porque se atêm a uma visão estática das edições da competição, como se esta se tivesse cristalizado num modelo certo até 1938; porque defendem uma imagem teleológica, avaliando a importância da prova a partir de um critério de perfeição territorial supostamente atingido mais tarde; e porque inventam um núcleo puro, britânico, eventualmente em risco com a consolidação dos sistemas em “poule”. Ou congelam o passado, ou inventam genealogias e declínios. Na realidade, porém, a história institucional do Campeonato de Portugal ficou pautada por um enorme dinamismo, que as lutas de hoje se arriscam a desvalorizar. Partindo do exposto, a pergunta fundamental neste ponto é a seguinte: em que termos é que a questão da natureza nacional foi resolvida naquele período? Em primeiro lugar, ela foi levada muito a sério. Este dado pode parecer despiciendo, mas contrasta com as actuais representações condescendentes, caricaturais, da primeira edição do Campeonato de Portugal. É bem sabido que, em 1922, apenas Lisboa (Sporting CP) e Porto (FC Porto) participaram, em virtude das restantes associações – Portalegre e Funchal – não se encontrarem ainda institucionalizadas. Das associações formadas antes do primeiro campeonato de Portugal, de facto, apenas duas estavam capacitadas para nele se defrontarem através dos seus clubes, tanto pelo carácter inconstante da competição regional (no caso da Associação do Funchal, fundada em 1916), como pelo tardio lançamento dessa competição regional relativamente ao ano de fundação da respectiva associação (caso 14) Conselho Geral, de 21 de Março de 1926, de Portalegre, criada em 1911)15. As fontes federativas fornecem acta n.º 11. 15) É este o entendimento de Nunes e Valério, outras pistas. Uma análise aos processos de decisão em sede do Contribuição; Parreirão, Os Anos.

/ 17 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

Conselho Geral da União Portuguesa de Futebol (UPF) revela que o que estava em jogo eram, como o presidente da direcção Luiz Guimarães problematizou na altura, os estatutos da própria União e a sua relação com as organizações periféricas. Poderia a União captar clubes da província de forma directa e só depois obrigar à criação de associações locais ou até mesmo dispensá-las? Eivados de uma lógica de associativismo liberal, os estatutos não o permitiam16. A União, por seu lado, também não dispunha de poder suficiente para dispensar as associações no “desenvolvimento do football”. De todo o modo, os dirigentes da UPF levaram a discussão do critério da difusão até às últimas consequências. Ao discutirem o projecto de regulamento do Campeonato elaborado por Raul Nunes,

ficou decidido que tinha possível e antes do um carácter provisório… Campeonato da época de devendo-se, contudo, mil novecentos e vinte pensar na sua modificação e dois, mil novecentos e o mais brevemente vinte e três17.

Pela primeira vez na história do futebol nacional enquadrado pela UPF, recorreu-se ao instituto do regulamento provisório, cujas bases haveriam apenas de ser lançadas um ano mais tarde, a 21 de Abril de 1923, dando assim cumprimento ao mandatado pelo Conselho de 1922. De facto, só o Campeonato de 1922/1923 foi disputado segundo um modelo oficial que se compaginava com os princípios da representatividade territorial (nacional) e 02 da consolidação associativa: 1.º os jogos são disputados nomeará para os jogos em campos e cidades árbitros neutros às neutros; 2.º os jogos serão Associações distritais que arbitrados por juízes de jogarem; 3.º o Campeonato campo sindicados pelas será por eliminatórias, Associações distritais a deitar fora, sendo dentre os seus melhores declarado vencedor o árbitros, organizando grupo que marcar maior assim a U.P. de F. uma número de goals; 4.º é lista de juízes oficiais e obrigatória a inscrição de

16) Conselho Geral, de 9 de Abril de 1922, acta n.º 2. 17) Conselho Geral, de 9 de Abril de 1922, acta n.º 2.

/ 18 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 todos os grupos campeões nas Ilhas Adjacentes, das Associações distritais cuja participação filiadas na U.P. de F., sob no Campeonato é pena de suspensão por facultativa18. espaços de três meses, à excepção dos clubs filiados

Importa salientar que não se trata aqui da representatividade efectiva dos Campeonatos, mas da forma legal permanente de que se revestiram. Independentemente da maior ou menor justiça que lhes atribuamos, de um ponto de vista regulamentar, o primeiro Campeonato foi provisório, o segundo já não. Sem dúvida que a razão para uma opção destas, que não suscitou debate e foi unanimemente aprovada, era a de que, lendo-se o projecto de regulamento em 1922, “se depreendeu que quase só se trata do Campeonato a fazer disputar entre as regiões abrangidas pelas duas Associações de Foot-ball do Pôrto e Lisbôa”, quando se devia fazer “a propaganda do Foot-ball em todo o País”. Era o presidente da direcção quem o afirmava. Este dado demonstra, desde logo, que a dimensão institucional do critério difusionista foi preterida, em Conselho, a favor da dimensão espacial, algo contrário ao disposto no projecto regulamentar. Por outras palavras, outro modelo competitivo para o primeiro ano teria sido possível. Não foi só o estado da consolidação das associações regionais que explicou a solução encontrada. O regulamento em apreciação contribuiu, de forma decisiva, para o formato dessa época. Assim, este momento fundador foi crucial para a criação de um precedente regulamentar, ao criar provas oficiais provisórias, porque disputadas sob regulamentos transitórios, sem bases legais definidas. Em segundo lugar, os debates fundadores da década de 1920 consagraram, na gramática federativa, a ideia do princípio nacional como processo de nacionalização: era necessário fazer a propaganda do futebol na província, disseminar as suas regras, consolidar e regularizar as práticas. Numa palavra, difundi-lo. Nunca foi pensado como fechado. Ao postularem esta abertura ao longo de duas décadas, até 1938, os corpos federativos continuavam a história do uso do critério difusionista, que 18) Conselho Geral, Sessão Extraordinária de remonta, pelo menos entre nós, à primeira Taça de Portugal (1912, 21 de Abril de 1923, acta n.º 4. Compare-se com a ideia veiculada por Cândido de Oliveira 1913 e 1918), também designada Taça Império em homenagem ao em 1938.

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promotor da iniciativa, o Sport Clube Império. Embora a história breve desta prova ainda se encontre por fazer, os registos do próprio clube organizador e da Associação de Futebol de Lisboa permitem-nos afirmar que o seu principal objetivo passava por “alargar a competição a outras equipas da província e não restringir o campeonato a Lisboa”19. Tratava-se, assim, de uma prova de cariz municipal, organizada a partir de donativos e incentivos desportivos camarários de todo o território nacional. Embora falhada (apenas se inscreveram quatro clubes nas suas três edições e nem todas as eliminatórias foram jogadas), a presença do Presidente da República, logo em 1912, e o içar da bandeira nacional davam bem a ideia de que a competição poderia passar a prova oficial20. Em terceiro lugar, se o regulamento provisório foi um expediente para lidar com a desadequação da estrutura do campeonato de Portugal ao seu valor que se queria nacional, o contexto desportivo da década de 1920 impeliu uma dinâmica de reformulação constante do modelo de participação. Contrariamente ao que Cândido de Oliveira afirmaria em 1938, o modelo inglês, que era, no fundo, o modelo que defendeu em Conselho Geral, só começou a ser pensado em 1924. Nesse ano, conjugaram-se dois factores circunstanciais premonitórios do que iria ocorrer uma década mais tarde em vésperas da criação das Ligas: uma derrota da selecção portuguesa contra Espanha (em Sevilha, a 16 de Dezembro de 1923, por 0-3) e a eventual participação de Portugal nos Jogos Olímpicos de Paris, entre Maio 02 e Julho de 1924. A primeira foi encarada como um “desastre”, que penhorou a confiança dos dirigentes na inclusão da selecção nacional naqueles jogos. Em causa estava o embaraço nacional que poderia resultar de um novo desaire internacional devido à condição física dos atletas. Por exemplo, Álvaro Reis Gomes, da Associação de Futebol do Funchal, falava numa “deplorável «forma» actual da maioria dos nossos jogadores seleccionáveis”, sendo preferível que se desenvolvesse e aperfeiçoasse o futebol jogado, por intermédio de uma “preparação conveniente” – opinião em que era secundado pelo Conselho Técnico da União21. E apesar da maioria dos votos terem sido favoráveis a uma

19) História do Club Internacional de Foot-ball: representação portuguesa, em 1925, já sob a direcção de Franklin acessível em http://www.cif.org.pt/historia. aspx. Nunes, foram nomeadas duas comissões: uma para elaborar 20) Parreirão, Os Anos, p. 57. novos estatutos, outra “encarregue de elaborar cuidadosamente” 21) Conselho Geral, de 29 de Março de 1924, acta n.º 7. o regulamento do Campeonato de Portugal, em que participariam

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Ricardo Ornellas, Urgel Horta, Mário Duarte e um delegado da direcção, Mário de Oliveira22. Quando dado a apreciar ao Conselho, já em 1926, o projecto veio com o cunho da direcção e não granjeou apoios suficientes entre os delegados. Verificou-se aí uma clivagem impossível de sanar, que opunha, de um lado, a intenção da direcção (na pessoa de Mário de Oliveira) e, de outro, os defensores de um contraprojecto, Ricardo Ornellas e António Ribeiro dos Reis23. Os que alinhavam com Oliveira propunham a organização sedimentada do Campeonato, isto é, jogado entre os campeões distritais, enquanto que a fórmula inglesa, “de inscrições abertas a todos os clubes nacionais”, foi a preferida da facção encabeçada por Ricardo Ornellas, na qual se contava também Cândido de Oliveira. O projecto da direcção foi rejeitado e o modelo à inglesa vingou24. São escassas as fontes que nos dão hoje a medida concreta do apoio à ideia de liga entre os principais actores do campo futebolístico português antes de 1934. Até que ponto é que esse modelo competitivo atraíra um número significativo de apoiantes continua a ser difícil de estimar. Pelo menos, as comparações com casos estrangeiros começaram a aparecer com maior regularidade ainda antes dos mal-afamados 0-9 sofridos pela selecção nacional contra Espanha (em março de 1934). No essencial, essas comparações fizeram-se acompanhar, por um lado, de racionalizações políticas e, por outro, da proposta de um período experimental de mudança. Por exemplo, a primeira 22) Conselho Geral, de 8 de Novembro de 1925, defesa explícita de um “campionato de Liga”, escrita em 1933 pela 2.ª Sessão, acta n.º 10. 23) Conselho Geral, de 21 de Março de mão de A. Soares, pretendia romper com a “falta de coragem 1926, acta n.º 11. Só em 1926 é que Ribeiro em apresentar pontos de vista diferentes dos actuais”. Nela dos Reis aparece como promotor do w de Ornellas. Parece que a Comissão não apelava-se aos clubes de honra que apresentassem a iniciativa funcionou colectivamente. Aliás, como se demonstra mais adiante, a irregularidade de uma prova de Liga, que se articulasse, por um lado, com os das Comissões, mais tarde estatuídas como corpos permanentes da Federação enquanto campeonatos regionais e, por outro, com o “campeonato nacional Comissões de Estatutos e Regulamentos, para o apuramento do campião”25. À imagem do que ocorria em serviu de bloqueio institucional a uma reforma mais rápida do Campeonato de Portugal e dos Espanha, França e Inglaterra, Portugal devia organizar essas três Campeonatos de Ligas. 24) Uma fórmula intermédia, em que se provas. Quanto à razão principal que justificava a reforma, ela era, mantinha a estrutura, mas se abria a competição aos vice-campeões distritais, precisamente a mesma que fora postulada em 1924: o imperativo como acontecia em Espanha, chegara a ser de seleccionar os melhores jogadores da equipa nacional teria proposta por Mário Duarte. Em 1934, o mesmo delegado apelou, novamente, ao exemplo de assentar em competições de revelação da técnica. A isto se espanhol, desta feita para justificar o seu voto favorável à experiência das Ligas, que devia acrescentar as parcas receitas do Campeonato de Portugal, ali “têm concorrido para o desenvolvimento e melhoria da técnica do football”. Congresso que colocavam em evidência uma falta de interesse por alguns Extraordinário de 8 de Setembro de 1934, acta dos jogos, explicada em parte pela “miséria franciscana” que n.º 37. 25) A. Soares, “Uma Opinião: Um Campionato grassava nas infra-estruturas do futebol nacional, de que eram de Liga”, Stadium, de 8 de Novembro de 1933.

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expressivas a inexistência de um campo relvado em condições e a ausência de comodidades para o público. Por conseguinte, os clubes da divisão de honra não tinham de hesitar “e na próxima época devem experimentar de acordo com o organismo máximo do futebol as três competições. O Campionato da Liga e, por último, o campionato de Portugal.” Se a hierarquia das provas aparentava ser intocável – registe-se que o campeão nacional teria de ser apurado no então Campeonato de Portugal, segundo esta proposta – também é verdade que a criação da liga era um desiderato dos que advogavam a dimensão elitista de um desporto nacional que se democratizava. A experiência de uma liga, se não representava, pelo menos acomodava bem os interesses dos grandes clubes, numa espécie de darwinismo associativo oficial:

eu compreendo ideias nesta orientação que se sublimes e entendo conseguem as grandes que todos aqueles sociedades. O desporto que professam ideias não passa duma grande democráticas assim sociedade composta de devem pensar. Todos clubes aonde todos devem temos direitos sim, mas ter a sua liberdade absoluta todos temos distâncias para poderem viver sem se uns dos outros e, é assim, atropelarem26.

Com a volumosa derrota da selecção nacional frente a Espanha, conjuntura crítica para a qual concorreu a massificação 02 da imprensa desportiva nacional do entre-guerras, a defesa de um projecto declaradamente elitista sofreu um novo impulso. Sem o concurso desse nicho do mercado de imprensa seria muito pouco provável que a experiência das Ligas se viesse a concretizar. Terá sido a revista Stadium, a fazer fé num dos seus colaboradores mais célebres, a preconizar a constituição de uma Liga portuguesa como forma de agrupar os melhores clubes das cinco melhores regiões futebolísticas do país – Lisboa, Porto, Coimbra, Algarve e Setúbal27. A imprensa desportiva, neste caso em concreto, deu um contributo importante para destabilizar o que parece ter sido uma poderosa corrente de opinião no seio do congresso da Federação, que se mostrava conservadora e pouco interessada em alterar o status quo, tanto da orgânica federativa, 26) Idem, Stadium, de 8 de Novembro de 1933. como dos regulamentos das provas. Forneceu, por isso, um fórum 27) Plácido de Sousa, “A reorganização do nosso futebol”, Stadium, de 4 de Abril de 1934. que deu visibilidade aos defensores de uma prova de elite.

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Esta situação teve uma implicação notável nas percepções do que viria a ser considerado, dentro de um par de épocas, o carácter nacional das competições, porque lançava as bases da afirmação da dimensão institucional face à territorial. Luís Plácido de Sousa resumiu-a, num tom provocatório: “o desporto é para os sãos, não para os doentes”. Na prática, racionalizava-se o futebol, apelando a uma separação mais rígida entre clubes de primeira e de segunda, salvaguardando que a futura Liga não prejudicaria nem os campeonatos regionais, nem o campeonato de Portugal – prova que deveria manter-se, embora com alterações regulamentares significativas. Pelo contrário, o custo da mudança teria de ser suportado pelos pequenos clubes, de quem se exigia um “sacrifício”: “a sua missão”, prosseguia Plácido de Sousa, “é bem diferente daquela que se impõe aos grandes clubes. Estes têm a missão de elevar o nível dos jogadores já feitos. Aqueles têm missão de os iniciar”28. A este cunho elitista na organização das provas teria ainda de corresponder uma arquitectura federativa diferente, que facilitasse a distribuição dos concorrentes “à competição de honra” e que conciliasse uma multitude de interesses associativos divergentes, quer dizer, um mecanismo que reduzisse, de facto, o número de associações futebolísticas, agregando-as em três grandes federações regionais29. Face a estes desenvolvimentos, constata-se que, logo no início da década de 1930, tanto a ideia de experiência de liga como a sua natureza de elite foram abordadas, de uma forma franca, no espaço público. Questão diferente, mas mais importante, é saber se o mesmo se reflectiu nos debates e decisões dos órgãos federativos. Ou seja, será que foi sancionada oficialmente esta nova visão para o futebol português? E, se o foi, em que moldes? As actas do congresso e da direcção da Federação são, a par de alguns ofícios cujos processos se encontram actualmente truncados e irremediavelmente perdidos, as únicas fontes precisas de que dispomos. Mais ainda, o seu valor histórico, embora relativo e parcial, é compensado pelo valor jurídico das decisões que registaram à época. No entanto, as visões parciais que delas emergem aconselham a que não se abuse do lado positivista da investigação. Há, de facto, determinados momentos 28) Idem, Stadium, de 4 de Abril de 1934. 29) Tal como o próprio defendera já em 1933. em que os silêncios, as lacunas e, sobretudo, a posição errática Cf. Plácido de Souza, “O que penso sôbre a reforma da Federação Nacional e Associações dos intervenientes obrigam à interpretação. Mas nem todos distritais”, Stadium, de 6 de Março de 1933 os factos podem ser discutidos em pé de igualdade. Alguns são e Idem, “O que penso sôbre a reforma da Federação Nacional e Associações distritais”, de tal forma evidentes que o real problema passa por explicar Stadium, de 13 de Março de 1933.

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a aparente tranquilidade com que foram aceites ou com que caíram no esquecimento. Foi este o caso da natureza experimental dos campeonatos de Ligas de 1934/1935 e 1935/1936, qualificação para a qual dispomos de provas claras e inequívocas, sustentadas em indícios secundários não tão evidentes, à primeira vista.

1923 JORNAL OS SPORTS 02 28 DE JUNHO 1935 CIRCULAR PRESIDENTE FPF 20 de Janeiro 1930 JORNAL OS SPORTS 20 DE MAIO / 24 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

1937 REVISTA STADIUM 1938 7 de Julho REVISTA STADIUM 29 DE JUNHO

1926 EQUIPA MARÍTIMO Campeões Nacionais / 25 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

REFERÊNCIAS INEQUÍVOCAS À NATUREZA EXPERIMENTAL DAS PROVAS As primeiras referências explícitas a uma “experiência” de Ligas, em sede federativa, surgem no Congresso Extraordinário de 8 de Setembro de 1934, dia em que foram aprovadas as bases legais apresentadas pela Comissão de Estatutos e Regulamentos, de que faziam parte Cândido de Oliveira, Ribeiro dos Reis, Virgílio da Fonseca, Linhares de Campos e Plácido de Sousa30. Este congresso extraordinário revestiu-se de uma importância sem igual na história do futebol português, porque nele se votaram, a título definitivo, as bases que iriam reger a nova regulamentação apresentada, mais tarde, pela comissão, e, por isso, os primeiros anos de ligas. O modo como essas bases acabaram por regular uma experiência foi posto em relevo pelo conflito que grassou entre os delegados. À semelhança do que ocorrera em 1924, também agora a Comissão de Estatutos e Regulamentos se apresentava fracturada. É certo que propunha as bases regulamentares, previamente votadas, mas os seus membros eram livres de discordar, perante o congresso, da solução mais votada. Ora, foi António Ribeiro dos Reis quem mais lutou pela solução adoptada pela Comissão, ao rebater as posições partilhadas pelas Associações do Porto e de Braga. Os delegados do Norte não concordavam com a necessidade imperiosa de limitar e fazer cumprir zelosamente a data limite dos campeonatos distritais em benefício da nova competição nacional (31 de Dezembro de cada ano). Achavam, para mais, que os jogos da nova prova deviam ser organizados pelas associações e discordavam, veementemente, 02 da criação de duas ligas. Depois de considerar que o modelo ideal de campeonato distrital era o da Associação de Lisboa, que acabava “a tempo as suas provas”, Ribeiro dos Reis refutou a ideia de uma só Liga nos seguintes termos:

cairia assim [uma só Liga] o que a Comissão deseja na mesma desigualdade de é que se encontrem entre valores que se verifica na si os melhores clubes do primeira eliminatória do Paiz31. Campeonato de Portugal…

Nesta passagem, Ribeiro dos Reis recuperava o princípio

30) Mais tarde, em 1936, Guilherme Lopes elitista por detrás da fórmula de Ligas, tal como Plácido de Sousa também surgiu associado à Comissão. e outros já tinham avançado na imprensa, estabelecendo de uma 31) Congresso Extraordinário de 8 de Setembro de 1934, acta n.º 37. vez por todas que o novo sistema em “poule”, na 1.ª e na 2.ª Ligas,

/ 26 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 procurava o apuramento de um campeão entre os melhores. Na medida em que a eleição dos melhores obrigava sempre a minimizar a subjectividade, fixando critérios mais objectivos, alguns delegados levantaram o problema da promoção e da despromoção. Pois se era do valor desportivo dos clubes que se tratava, não podia um clube da 2.ª liga ser impedido de melhorar o seu estatuto e ascender à primeira, substituindo um que se revelasse de menor valia. Tendo estudado o instituto da subida e descida de divisões, a Comissão justificou a sua discordância como doutrina temporária. Estava-se perante “uma experiência” que serviria, antes de mais, para nivelar o valor dos clubes da província relativamente a Lisboa e ao Porto: trata-se duma experiência poucos anos a prova que se vai fazer… são estaria por certo limitada precisas todas as cautelas a uma competição Porto- (…) a verificar-se já a -Lisboa, o que seria passagem, dentro de prejudicial32.

A um nível superficial de análise, podemos dizer que as ligas foram inicialmente pensadas como experimentais, porque se desejava evitar o monopólio daquelas duas associações na prova. No entanto, anos mais tarde, continuar-se-ia a obstar às subidas e descidas pela mesma razão, situação que alerta para a necessidade de, num estudo futuro, identificar os interesses poderosos que vetavam a mudança institucional. Daqui se depreende, também, que o lado elitista das Ligas precisava sempre de se legitimar a partir do critério da representatividade territorial. Sem ele, as Ligas nunca poderiam ascender na hierarquia competitiva e equiparar-se ao Campeonato de Portugal. Percebe-se, aliás, que se tenha até chegado a ponderar a simples modificação do Campeonato de Portugal, sem mais. Esta ideia, pela qual se bateu o delegado de Viana, mostra bem que o que estava em causa era a criação de um campeonato nacional, dado que podia fazer-se uma reforma da prova máxima no sentido preconizado pela Comissão e que “a organização das provas como estavam não satisfaziam a ninguém”. Assim, se o campeonato de Portugal punha a descoberto a enorme desigualdade desportiva entre os clubes da província e os das associações de Lisboa e do Porto, por que não o alterar? Para Cândido de Oliveira o melhor era nem sequer “pensar, por 32) Congresso Extraordinário de 8 de Setembro agora, em Ligas”. Embora pertencendo à Comissão, Oliveira mostrou de 1934.

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um enorme cepticismo quanto à inovação, parecendo defender a centralidade do campeonato que ajudara a remodelar em 1924. Duvidava, antes de mais, da capacidade associativa da província em manter um campeonato de 2.ª liga e do sucesso financeiro da liga principal. Face à intervenção do antigo seleccionador perante o congresso, um outro membro da Comissão, Virgílio da Fonseca, depressa voltou a reafirmar a qualidade provisória da nova prova:

O Congresso não deve se não der os resultados guiar-se por essa esperados, a todo o descrença. Vai fazer-se momento é tempo de uma experiência e, arrepiar caminho33.

A natureza experimental das primeiras Ligas foi de tal ordem vincada e reafirmada, que só nessa condição é que os delegados bracarenses lhes deram o seu consentimento, pedindo, aliás, que também se votasse, como experiência, o alargamento do Fundo de Deslocações a todos os clubes. Todavia, o confronto entre a dimensão de elite e a dimensão territorial que marcava a nova competição nunca chegou a ser propriamente resolvido e assumiu um novo contorno na discussão do “experimental”: que critério adoptar para permitir o acesso dos clubes nacionais às Ligas? Seria o valor desportivo de um clube ou o seu valor financeiro, sopesadas a massa adepta, a localização territorial da sua sede e os seus capitais próprios? A este respeito, o caso da representação da Associação do 02 Algarve e dos clubes algarvios nas recém-criadas provas ilustra bem, por um lado, a votação, em sede de congresso, de uma experiência e, por outro, o modo como ela se foi consolidando ao longo dos anos até ser colocada em causa. A Comissão encarou sempre o caso do Algarve como efeito colateral do tipo de prova regular que se pretendia criar. Ao contrário do que se passara com o Campeonato de Portugal na década de 1920, com os campeonatos das Ligas, inicialmente, desejava-se uma política de contracção: limitar o número de concorrentes, embora garantindo representatividade territorial. Esta política foi adoptada, depois, pela direcção até 1938, mesmo quando o carácter experimental acabou por ser posto de lado, como se verá. O que importa aqui é que os membros da Comissão reconheciam, em 1934, que o Algarve 33) Congresso Extraordinário de 8 de Setembro de 1934.

/ 28 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 tinha porventura valor essa região da 1.ª Liga (...) para dar um clube para a [A Comissão] não teve o 1.ª Liga, mas em virtude intuito de apreciar o valor das dificuldades de das associações perante deslocação e o receio a Federação, mas sim dos jogos no Algarve não avaliar quais os clubes que darem compensação, tinham relativo valor34. levou a Comissão a afastar

O alcance das infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias, a situação geográfica e os custos financeiros das deslocações foram invocados como desvantagens proibitivas da inclusão de clubes algarvios na Liga principal. Mas a justaposição da experiência liguista com o Campeonato de Portugal forçava as comparações. A 28 de Dezembro de 1935, num outro congresso extraordinário que se preparava para discutir e votar alterações aos regulamentos das Ligas findo um ano de experiência, Mário de Oliveira alegou que o Campeonato de Portugal demonstrava a “viabilidade financeira da realização de jogos da 1.ª Liga no Algarve”35. Ninguém ousou colocar em causa o valor desportivo da região, que até já tinha dado, lembrou Ribeiro dos Reis, um clube campeão de Portugal. Apesar de tudo isso, a ideia de que se tratava ainda de uma experiência manteve-se intocada. Permitiu-se a participação de três clubes na 2.ª Liga, como forma de compensação aos algarvios. Em setembro seguinte, já depois de o SC Olhanense se ter sagrado campeão da 2.ª Liga, as posições polarizaram-se. A vitória do SC Olhanense coincidiu com uma discussão fundamental: se o primeiro e o segundo ano de Ligas tinham sido experimentais, que estatuto tinham as Ligas de 1936/1937? Para alguns, este seria o ano da institucionalização das experiências, aproveitando-se nova apreciação do regulamento, com alterações, e estabelecendo o princípio regulamentar que faria o equilíbrio entre a dimensão elitista e a territorial – o de que 34) Quem o diz é Virgílio da Fonseca, Congresso Extraordinário de 8 de Setembro “os concorrentes às ligas dependem dos campeonatos distritais”. de 1934, acta n.º 37. Dois anos depois, Fonseca continuaria a defender que a iniciativa tinha de Receando que a consolidação das Ligas ratificasse, em definitivo, partir dos próprios clubes. Eles é que deviam uma posição algarvia subalterna, os delegados do Algarve exigiram “fazer interessar as suas regiões para criarem receita e assim poderem vir à primeira Liga. “que ficasse exarado que este regulamento é apenas para esta Setúbal conseguiu criar um público para o Vitória…”, Congresso de 19 de Setembro de época”. Ao que tudo indica, a Comissão teria começado por dizer que 1936, acta n.º 41. 35) Congresso Extraordinário de 28 de vinha novamente “tentar uma experiência, por mais um ano”. E esta Dezembro de 1935, acta n.º 40. Em 1934, foi a opinião que dominou o congresso. Abriu-se, no entanto, uma chegara-se a um compromisso: o Algarve estaria representado no Campeonato altercação entre os que, como o Capitão Maia Loureiro, achavam de Portugal em compensação da sua inacessibilidade à 1.ª Liga. Cf. acta n.º 37, 2.ª que os regulamentos podiam ser sistematicamente modificados Sessão, de 9 de Setembro de 1934.

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– visto se estar “a modificar o campeonato do ano passado e que ninguém afirmou que para a época não se modifique também” – e os que seguiam um convertido Cândido de Oliveira, quando este afirmava que “o regulamento não diz que é só para um ano” e que “se deviam já estabelecer nele os princípios sobre que, de futuro, ele deve assentar”36. Na realidade, Cândido de Oliveira preparava-se para impedir que se transformasse as Ligas numa competição de ricos, para sempre fechada aos mesmos oitos clubes:

ao fim de três anos de hão-de subordinar mais ao experiências não se deve critério financeiro do que votar a perpetuidade ao desportivo37. do princípio de que os campeonatos das Ligas se

Portanto, a consolidação desejada por Oliveira teria de passar pela reformulação do modelo da prova, em harmonia, diga-se, com o que vinha defendendo há uma década para o Campeonato de Portugal. Quando se discutiu, em 1938, a designação dada ao campeonato das Ligas, a ideia de experiência voltou a ser vincada por Cândido de Oliveira:

O Campeonato da Liga, foi sempre repetindo-se que é o que se pretende de ano para ano na certeza substituir, foi criado de que era um pouco numa altura em que havia necessário para manter 02 hesitações nos espíritos a prova. Neste momento, 36) Congresso de 19 de Setembro de 1936, acta se se poderia manter, e porém, reconhece-se pela n.º 41. A mudança de opinião de Oliveira não passou despercebida a Virgílio da Fonseca escolheu-se uma fórmula experiência dos quatro que, mais à frente na discussão, não perdeu a oportunidade de afirmar, visando-o, que para lhe assegurar êxito. anos decorridos, que há estava “demonstrado que os campeonatos da Liga não eram uma quimera”. Por isso, se recrutaram os possibilidade de dar à 37) O art.º 1.º do Regulamento em avaliação clubes concorrentes pelo prova um melhor critério postulava o “desenvolvimento dos clubes, proporcionando uma maior expansão à sua seu valor. Mas enfermou desportivo38. actividade desportiva” como fim geral das Ligas. Na forma como se encontrava redigido, sempre essa fórmula dum alguns delegados acharam que ele oficializava o carácter elitista das novas competições vício de origem: ser uma nacionais. Francisco Mega, por exemplo, prova dividida em duas usou o subterfúgio da primazia conferida ao “desenvolvimento dos clubes” para fazer Ligas, mas não tendo a vingar o critério financeiro sobre o desportivo. Outros invocaram a inseparabilidade de inferior acesso à superior. ambos os critérios, até porque do desportivo se criava valor monetário. Congresso de 19 de Possivelmente não haveria Setembro de 1936, acta n.º 41. prova semelhante no 38) Congresso Extraordinário de 10 de Dezembro de 1938, 8.ª Sessão, acta n.º 43. mundo. Este inconveniente

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Mas a atitude mais reveladora da “flagrante injustiça” que se agudizava a cada defeso, dada a arbitrariedade anual na composição das Ligas, chega-nos de Plácido de Sousa, agora membro do Conselho Jurisdicional. Sousa, lembremo-nos, fizera parte da comissão que elaborou o primeiro regulamento experimental, e, nessa altura, defendera o princípio que agora criticava apenas e só porque era necessário “fazer uma experiência, a fim de se ver até onde a prova podia ir”39. Mas, no seu entender, entre essa experiência e as novas Bases 39) “Quanto a mim”, escreveu Plácido de Sousa nessa altura, “a época de 1934-35 e o Regulamento muito pouco se alterara: reduzira-se o Fundo tem de começar com nova regulamentação já aprovada de modo a proporcionar uma de Deslocações, preparava-se o congresso para o extinguir e melhoria sensível no estado de regressão pouco mais se modificava “em atenção à experiência da prova”40. em que caiu o futebol português. O Colégio Nacional de Árbitros é uma necessidade Por isso, propôs que os campeões distritais de Braga e do Algarve demonstrada por todos. A constituição de uma 41 Liga formada pelos melhores... é também subissem à 1.ª Liga . Acabou saindo vencido. A ala liderada por outra necessidade reconhecida. A própria legislação do Campionato de Portugal tem Ribeiro dos Reis alertou para a necessidade de não se fazer de sofrer alterações.” Plácido de Sousa, “A perigar o valor dos campeonatos regionais. Numa tirada que reorganização do nosso futebol”, Stadium, de 16 de Maio de 1934. revela o peso que as provas associativas ainda detinham, Ribeiro 40) Eis as alterações principais até 1936, elencadas pela própria Federação, e dos Reis relembrou que era impossível conciliar o critério da corroboradas na acta do Congresso Extraordinário de 28 de Dezembro de 1935: promoção com o critério “que faz depender a entrada nas ligas “as Associações de Beja e Portalegre, que do apuramento dos campeões distritais”: tinham apenas um clube no Campeonato da II Liga, passaram a ter dois cada; a Associação de Braga, que tinha dois (…), passa a ter três (…); a percentagem para Fundo de Expediente Se amanhã fizermos de Lisboa ou do Porto que era de 3% sobre a receita bruta de todos os jogos da I Liga, passou a ser de 5%; as entrar automaticamente e assim aumentar-se a associações distritais passam a receber na primeira Liga o representação destas duas 20$ por cada bilhete vendido nos jogos dos Campeonatos das Ligas realizados nas áreas campeão da segunda, associações com prejuízo respetivas e não apenas 10$; a receita líquida 42 dos jogos da I Liga, então integralmente para pode resultar que da província . o clube visitado, passa a repartir-se em 60% para o visitado e 40% para o visitante; foi entre mais um clube recomendado o agrupamento de jogos dos dois Campeonatos das Ligas, sobretudo nas áreas das Associações de Lisboa e Porto; No mesmo sentido se pronunciara o Conselho Jurisdicional, a verba do Fundo de Deslocações que era de 40% da receita bruta de todos os jogos concluindo que um clube podia numa determinada época do Campeonato da I Liga passa a ser de 30%; foi modificada a redacção da parte ascender à 1.ª Liga, para logo a seguir passar a último classificado regulamentar que se refere ao processo no campeonato distrital, prejudicando, desse modo, os clubes a utilizar para desempate dos clubes na classificação geral; foi modificada a redacção congéneres da mesma associação, porque impedidos de da parte regulamentar que se refere à forma como devem ser apresentados os protestos subirem. Ou seja, se um dos lados clamava pelo fim do “absoluto por questões técnicas e de qualificação de jogadores.” FPFA, Relatório e Contas da Época favoritismo” de Porto e de Lisboa, o outro recordava que nessa 1935/1936, p. 26. “velha ária da perseguição às associações da província”, 41) Também Fernando Ávila sublinhou, a propósito, que “quando se organizou pela esqueciam-se os sacrifícios que aquelas duas associações primeira vez o campeonato das Ligas, disse- se que era uma experiência. Chegou-se agora fizeram em prol da “experiência”. Nisto, há-que dizê-lo com ao terceiro ano… pois faça-se a experiência deixando entrar o Algarve e Braga”. Nisto clareza, Ribeiro dos Reis representava o Sport Lisboa e Benfica, foi apoiado pelo algarvio José Barbosa, que clube que apenas aceitou os campeonatos de Ligas de 1934/1935 exortou: “faça-se, por isso, a experiência”. 42) Congresso de 19 de Setembro de 1936, acta e 1935/1936 a título experimental dado o seu diminuto atractivo n.º 41.

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financeiro. A razão era simples e veio plasmada nas contas da Federação: no ano em que ganhou pela primeira vez a Liga, o SL Benfica arrecadara apenas 73.237$90 com essa competição, valor que contrasta tanto com o amealhado no campeonato distrital (85.639$00), como com o grande beneficiário da Liga, o FC Porto (80.619$35). Mais gritante era a disparidade de valores no caso do Sporting Clube de Portugal: na Liga, conseguira apenas 61.317$15 face aos 80.517$14 ganhos no campeonato de Lisboa. Quer isto dizer que, naqueles anos iniciais, o Sporting CP fazia quase tanto dinheiro no campeonato distrital como o FC Porto na Liga e que o SL Benfica o ultrapassava largamente43. O caso do Algarve é o dado mais concreto que se pode obter sobre a natureza experimental das primeiras Ligas. Uma coisa é reproduzir as categorias usadas pelos agentes históricos, a par das suas representações. Outra é registar os efeitos concretos produzidos por essas mesmas categorias e representações44. Não se tratou, por conseguinte, de uma mera arma retórica empregue por algumas facções associativas no confronto com outras, nem de um instrumento de menorização de um novo campeonato nacional. Pelo contrário, o grau de unanimidade em torno do conceito de experiência e do carácter provisório das primeiras bases e regulamento, dados a apreciar em 1934, é indelével. Sem dúvida que o tempo experimental foi, depois, questionado. Mas isso só se deu em 1936/1937, época em que todos os indícios apontam para a institucionalização das Ligas. Ocupamo-nos, agora, dessa outra questão que é a de saber qual 02 o ano em que as Ligas foram dadas como consolidadas, ou seja, 43) FPFA, Relatório e Contas da Época 1935/1936, qual o momento a partir do qual deixou de se olhar, oficialmente, pp. 72-77. 44) Como ficou depois relatado pela direcção da para as Ligas como experiências. A partir de 1936, há uma série FPF, a polémica em torno do critério desportivo vs. financeiro, centrada no caso do Algarve de factores que concorrem para que já se não lhes possa ser constituiu, talvez, a questão mais espinhosa daquelas épocas inaugurais, extravasando atribuída essa natureza experimental. Ao elencá-los e explicá‑los, o âmbito do congresso: “bateram‑se, estaremos também a enumerar indícios (menos directos, galhardamente, alguns dos vultos de maior valor e simpatia no meio desportivo, que não certamente) de que o que era descrito como experimental foi, à puderam, mau grado a inteligência com que argumentaram, contrabater aquilo que lhes foi época, sentido e vivido como tal. dito pela voz dos números - a mais eloquente de quantas o mundo conhece. E enquanto esses denodados batalhadores do caso algarvio se retiraram correctamente, seguros e convencidos das razões que lhes haviam sido expostas, sem outro objectivo que não fosse o de acautelar o problema financeiro dos clubes algarvios - ficou, ao que parece, pelo Algarve, a ideia de que os dirigentes da Federação não queriam o Algarve no Campeonato da 1.ª liga, apenas por querer”, FPFA, Relatório e Contas da gerência 1936/1937, p. 39 e ss.

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1936 JORNAL OS SPORTS SPORTING CP CAMPEÃO NACIONAL 6 de Julho

1928 JOGO INAUGURAL DA SELECÇÃO NACIONAL nos Jogos Olímpicos de Amestersdão

1937 JORNAL OS SPORT Campeonato Experimental ‘Grande Competição’ 6 DE MAIO / 33 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

INDICADORES INDIRECTOS Se não restam dúvidas de que as Ligas foram declaradas experimentais, em sede congressional, como se posicionou o órgão executivo da Federação? Uma resposta exaustiva tem de começar por salientar as interligações que se estabeleciam entre a vida orgânica da Federação e as reformas consecutivas das Ligas, até 1936. O facto do congresso se ter exprimido, sucessivamente, a favor de Ligas experimentais explica-se, em parte, por uma conjugação de eventos que fizeram de 1934 uma conjuntura crítica na história do futebol português. Alguns deles já foram identificados, há muito, na literatura especializada, como a derrota portuguesa face a Espanha naquele ano. Mas, do ponto de vista das instituições, há pelo menos outros dois factores de peso: a demissão da gerência de Raúl Vieira da direcção da Federação e a instabilidade das comissões de Estatutos e Regulamentos. Por motivos que não cabem aqui explicar – e que mereceriam um outro tipo de abordagem -, a direcção liderada por Raúl Vieira demitiu-se em 30 de Março de 1934, abrindo as portas a um novo colectivo liderado pelo professor José da Cruz Filipe, que trouxe para dentro da Federação um conjunto de medidas nacionalistas, em parte nutridas em certos fóruns afectos ao recente regime do Estado Novo (cf. abaixo). Ao sobraçar a pasta directiva, Cruz Filipe estava também a interferir, de modo indirecto, no processo de revisão dos estatutos da Federação e dos regulamentos privativos das competições, para cuja necessidade já se vinha alertando desde 193245. Antes 02 ainda do congresso se pronunciar sobre a proposta da célebre comissão de sábios, já a direcção a aprovara, “resolvendo dar início no dia 20 de Janeiro de 1935 aos campeonatos da 1.ª e 2.ª Liga”46. Até que ponto os delegados se viram chamados a ratificar uma decisão já superiormente tomada é uma hipótese digna de investigação. Para o que nos interessa, a mudança de gerência contribuiu para acelerar o processo de tomada de decisões.

45) Logo em Outubro desse ano antevia-se A outro nível, temos a relação da direcção com a Comissão de que o problema da profissionalização dos jogadores e do falso amadorismo levara a Estatutos e Regulamentos, que foi sempre, desde a tomada uma inadequação dos regulamentos vigentes de posse, marcada por tensões. As comissões de Estatutos e e referia-se uma comissão, proposta no congresso por mútuo acordo das Associações Regulamentos apenas se tornaram – a par de outros órgãos mais de Lisboa e do Porto, para “remodelar toda a legislação, atualizando-a”. Veja-se, gerência obscuros, como a Comissão de Propaganda – verdadeiramente de 1932/1933, reunião de 26 de Outubro de 1932, acta n.º 3 e reunião de 17 de Dezembro permanentes durante a gerência de Cruz Filipe, logo, a par de 1932, acta n.º 4. do processo anual de revisão dos regulamentos provisórios 46) Gerência de 1934/1935, reunião de 15 de Agosto de 1934, 2.ª sessão, acta n.º8. das Ligas. Na década de 1920, lembremo-nos, as comissões

/ 34 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 eram nomeadas de uma forma ad hoc, apresentando depois ao congresso medidas avulsas e propostas isoladas, muitas vezes sem darem conhecimento prévio às Associações47. Ora, a constante reforma dos regulamentos das Ligas intensificou esse padrão de trabalho. Esta situação de desgaste foi denunciada, publicamente, em 1936, quando a direcção pediu que se activasse a Comissão para a hipótese de ter estudar-se detalhadamente que se realizar breve a organização futura do um Congresso, no qual, football [nacional?] e dos portanto, já poderia seus organismos48.

A grande reforma dos estatutos e dos regulamentos, impulsionada no início desse ano, demorou a chegar. Os relatórios e contas da gerência expunham-no de forma clara. Por exemplo, quanto à Comissão de Estatutos e Regulamentos, convidada pelo presidente do congresso e composta por Luiz Plácido de Sousa, António Ribeiro dos Reis, António Linhares de Campos, Cândido de Oliveira, Guilherme Lopes e Vergílio da Fonseca, “continuou nos trabalhos... e nós continuamos a esperar da superior competência de todos os seus membros e do congresso, a regulamentação com que há-de reger-se a Federação e que, temos esperança, veremos um dia impressa...”49. Assim, no Congresso de 13 de Dezembro de 1936, o presidente Carlos Basílio d’Oliveira pediu plenos poderes para reorganizar a comissão, que se encontrava “desmembrada”, “sem convocação”, “sem presidente”50. No Congresso de 25 de Setembro de 1937 são nomeados Ribeiro dos Reis e Cândido de Oliveira como únicos membros da Comissão, presididos por um delegado da direcção, o capitão Maia Loureiro, tendo ficado “provado que Comissões muito grandes não produzem trabalho.” A reorganização da Comissão, que a fixou e a colocou sob a alçada da direcção, repercutiu-se na forma e no conteúdo dos projectos que deu à luz em 1938. Tentou-se, depois, passar a ideia que dessa reforma, 47) Veja-se o que disse Plácido de Sousa, a livre do marasmo em que tinham caído, emergiria uma Comissão este respeito, em “A reorganização do nosso futebol”, Stadium, de 9 de Maio de 1934. autónoma e imparcial, da qual se esperaria “um trabalho em 48) Gerência de 1935/1936, reunião de 14 de Março de 1936, acta n.º 6. que não se pudesse ver qualquer intervenção avulsa ou clara 49) Relatório e Contas da Época 1935/1936, p. 19. de prejudicar este ou aquele… [uma] decisão firme de servir 50) Congresso de 13 de Dezembro de 1936, 2.ª apenas os interesses nacionais.”51 Segundo Virgílio da Fonseca, sessão, acta n.º 41. 51) As palavras são de Maia Loureiro no a Comissão de 1937/1938 possuía Congresso de 20 de Agosto de 1938, acta n.º 43.

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qualidade que outras de isoladas… Agora, o caso que ele, orador, fez parte, é diferente, visto que não possuiu: foi uma a Comissão entendeu representação condigna da poderia elaborar um Direcção. (…) O Congresso trabalho (…) com uma estava acostumado (…) estructura completa52. a apreciar propostas

As comparações abertas com as anteriores comissões fizeram destas últimas meros instrumentos legislativos na mão de associações e clubes poderosos. Era agora hora de a dotar de uma autonomia dirigida e de um espírito nacional. Na pequena história orgânica do aparelho burocrático da Federação conseguimos rastrear processos de consolidação que correm paralelos ao da institucionalização dos campeonatos de Ligas. Aos poucos, estas deixaram de ser vistas como experiências e alcançaram o estatuto de prova máxima. Não há dúvida que, ao contrário do que as histórias das competições oficiais do futebol preconizam – deixando na sombra o dissenso e as arestas menos polidas dos processos decisórios – a Federação dos anos 1930 deixou uma marca de limpeza interna, censurando comissões antigas e veiculando uma imagem de instabilidade, espontaneidade e desordem (inclusive, de falta de profissionalismo) que marcara as direcções federativas até Raúl Vieira. Isto não quer dizer que formas de trabalho diferentes não produzissem também propostas regulamentares de coesão e estrutura diversas. 02 Nisso, há-de ter havido alguma verdade. Em todo o caso, a consolidação das ligas é indissociável das mudanças que se deram ao nível do substrato organizacional da Federação. Fechado este longo parêntesis, como é que evoluiu o pensamento da direcção no que concerne os campeonatos das Ligas? Em primeiro lugar, havia que revesti-los de uma grande solenidade. Nunca a direcção se pronunciou abertamente sobre a natureza experimental das Ligas. Quem procurar nas reuniões dos corpos executivos e consultivos – incluindo as dos Conselhos Jurisdicional e Técnico – verá certamente satisfeita a hipótese de que a ideia de experiência não existiu. Cotejando com o que nos chega dos congressos, uma outra interpretação é possível. No defeso de 1934, logo que foi apreciado o primeiro projecto de regulamento das Ligas, Cruz Filipe lembrou “a conveniência 52) Congresso de 20 de Agosto de 1938, acta n.º 43. de imprimir toda a solenidade aos jogos das Ligas a se realizar

/ 36 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 brevemente”53. Tratando-se de uma experiência, como sabemos, a direcção entendia que tudo se deveria fazer para assegurar a viabilidade desportiva, mas sobretudo financeira, das novas Ligas. Por outro lado, essa “conveniência” só se torna plausível se acreditarmos que a direcção tinha já em mente a transformação das Ligas na principal prova portuguesa. O mesmo se pode dizer sobre a analogia que se fez, durante a época de 1935/1936, entre as novas provas e os encontros entre selecções. É que durante a segunda época de ligas a Federação passa a justificar as novas provas como desenvolvimentos internos apenas comparáveis a outros esforços federativos na frente externa. Neste sentido, o campeonato das Ligas correspondeu a um alargamento intencional da actividade da Federação, também justificado pela enorme dependência financeira do organismo máximo do futebol português face aos jogos disputados com outros países. Por isso, era necessário evitar, a todo o custo, que o calendário interno – demasiado extenso e irregular – impedisse a participação de Portugal em eventos desportivos de maior repercussão externa, como acontecera com os Jogos Olímpicos de Berlim54. Ao procurar garantir o sucesso das Ligas, a direcção também imprimiu uma matriz mais elitista às provas, muito embora se considerasse que a 2.ª liga equilibraria o peso do critério financeiro sobre o desportivo. Assim se considerou que não seria louvável fazer os prejuízos na II Liga se desaparecer o torneio verificam, sobretudo, nos menor só porque surgem campos pertencentes dificuldades na sua a associações em cujas organização financeira (…) áreas têm lugar encontros o Campeonato da II Liga da I Liga (…) o público é se destina, sobretudo, necessariamente levado a estimular valores que para os encontros de surgem e a confrontá‑los maior cartel, e o público com os dos clubes de tem, como é óbvio, o maior nomeada, e não a sentido perfeito das proporcionar aos clubes proporções...55 53) Gerência de 1934/1935, reunião de 15 de seus concorrentes Agosto de 1934, acta n.º 8. 54) FPFA, Relatório e Contas da gerência receitas que os guindem 1935/1936 e Parecer do Conselho Fiscal, p. 7-8. Cf. Idem, FPFA, Relatório e Contas da gerência a qualquer posição de 1934/35, e Idem, Relatório e Contas da gerência maior destaque financeiro. 1937/38. 55) FPFA, Relatório e Contas da gerência Assim, está provado que 1935/1936, p. 54-55.

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Mas a par de uma política desmercantilizadora, pensada para a liga menor, procurou-se reduzir o número de concorrentes em ambas. Alinhando com as posições dos congressistas, essa redução era vista como condição necessária para atingir melhores resultados financeiros, uma condição que revela, do ponto de vista substantivo, o carácter experimental das provas. Até porque, em última análise, sem captação do público, os clubes, as associações e a Federação poderiam ter prejuízo. Mas este tipo de moções não se fazia de ânimo leve. Denota-se uma preocupação latente em não menorizar nunca os campeonatos em “poule”:

nem sempre é pelo maior quanto a omissões ou número de concorrentes deficiências orgânicas que cada região possa do Regulamento dos ter na prova que adquire Campeonatos das Ligas. maior prestígio desportivo Nada, porém, do que fica ou melhores resultados escrito, pretende diminuir financeiros (…) Dissemos o real valor de ambos os o que nos pareceu torneios56. merecedor de ponderação,

Um dado interessante a respeito de uma deliberada política cerimonial para as Ligas – que passava por, mas não se reduzia à entrega de uma taça e de medalhas aos jogadores mais utilizados ao longo das provas – é que a solenidade desejada se impunha muito mais relativamente aos campeonatos distritais do que face 02 ao Campeonato de Portugal. Vimos já que a importância tardia da região para pensar o nacional, em termos de competições, saiu reforçada dos congressos que deliberaram sobre a maior ou menor abertura das Ligas a determinadas Associações. Ora, também a direcção reflectiu essa mentalidade. Mas, se no congresso se tratava de assegurar que as Ligas não asfixiavam as competições 56) FPFA, Relatório e Contas da gerência regionais, o executivo tentou demonstrar que a argumentação 1935/1936, p. 52-53, 56. 57) Facto que surpreende pouco, se tivermos invocada pelas associações não era completamente válida. Ou em consideração que até 1935 a imprensa generalista colocava a par, se não mesmo seja, procurou-se mostrar que Federação arrecadava muito pouco, antes, do Campeonato de Portugal a conquista por comparação com as avultadas somas de bilhética que cabiam do campeonato regional. Por exemplo, na edição de Julho de 1934 da revista Semana aos clubes e às associações. Mais ainda, referimo-lo já, as provas Portuguesa, explicitamente conotada com o regime, uma pequena nota de fim de página distritais das duas maiores associações portuguesas davam mais noticia os “dois grandes triunfos da época” do 57 Sporting Club de Portugal, por esta ordem, lucro (aos clubes e associações) que as recém‑nascidas Ligas . o Campeonato de Lisboa e o de Portugal. Semana Portuguesa, Ano 2, N.º 12, Julho de 1934, p. 13.

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Tendo em consideração estes números, vale a pena sublinhar que a Federação olhou para as ligas de um ponto de vista relacional: face ao Campeonato de Portugal, mas sobretudo face aos distritais. Assumiu-se, logo de início, que caberia às Ligas o papel de motor do desenvolvimento regional, quer dizer, punha-se em relevo o contributo de provas nacionais para o desenvolvimento da província. É claro que, na prática, a relação podia ser invertida. Bastaria pensar nos problemas que as Ligas criaram à incipiente burocracia nacional da Federação para reavaliarmos a contribuição dos campeonatos distritais. Porque deles se partia para as Ligas, dando indirectamente acesso à prova máxima nacional, quando se deu início à experiência em 1934/1935 verificou-se que a legislação sobre as inscrições e a qualificação dos jogadores não era cumprida. Assim, a direcção pediu mais amplos poderes para obrigar à apresentação “na Secretaria da Federação dos originais dos boletins dos jogos dos campeonatos distritais, pois são essas provas as que, em absoluto, determinam a participação dos diferentes clubes nos Campeonatos das Ligas e, depois, no Campeonato de Portugal”58. Portanto, as provas menores desempenharam também um papel decisivo na construção da autoridade da Federação ao nível territorial. De um outro ângulo, a dinâmica que se estabeleceu entre as três grandes competições também passava pelo jogo de forças entre o critério desportivo e o financeiro, com implicações para o tipo de argumentos que são apresentados no presente. Entre 1934 e 1937, o facto de as Ligas darem acesso ao Campeonato de Portugal foi usado por algumas Associações como prova de que o critério desportivo, na competição em “poule”, se deveria sobrepor ao critério financeiro, sob pena de se inquinar a verdade desportiva ao nível nacional59. Segundo esta ideia, as Ligas funcionavam como divisões e não poderiam ficar sujeitas a simples avaliações de ordem material. No entanto, exactamente no mesmo período, outros também aqui inverteram a relação de interdependência das provas. Como ficou evidente no caso do Algarve, o Campeonato de Portugal, tal qual a 2.ª Liga, começou a servir de prova compensatória para as Associações que viam indeferidas as suas exigências de representação na 1.ª Liga. O momento foi, por isso mesmo, de uma enorme ambiguidade no que respeita ao valor hierárquico das competições e das relações 58) FPFA, Relatório e Contas da gerência de subsidiariedade que eram recíprocas. Não obstante, é possível 1936/1937, p. 107. distinguir uma tendência de inversão hierárquica ao longo da 59) Veja-se a posição da Associação de Futebol do Porto no Congresso Extraordinário de 8 de década de 1930. Setembro de 1934, acta n.º 37.

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Um indicador fundamental do peso relativo do Campeonato de Portugal no conjunto das provas nacionais é-nos fornecido pela sua imprescindibilidade manifesta. A primeira vez que esta foi posta em causa, isto é, que lhe foi atribuída uma natureza cessável, por motivos de força maior, deu-se na preparação da época 1937/1938. O envolvimento da selecção nacional num maior número de jogos internacionais, em especial devido à possibilidade de Portugal se apurar para o Campeonato Mundial, foi ponderado na elaboração do orçamento dessa nova época desportiva. Aí se considerou, explicitamente, que o aprofundamento das relações externas se faria a expensas da realização daquela prova. Vale a pena citar para que não restem dúvidas a este respeito:

Mas também pode suceder Campeonato de Portugal de que as nossas relações 1937/38 deixe mesmo de se internacionais consigam efectuar...60 maior desenvolvimento e o

Ora, parece ter decorrido daqui uma proposta da direcção pedindo autorização congressional, em 1937, para “modificar a orgânica do Campeonato de Portugal”. Situação caricata, mas que aponta num sentido claro, a proposta exarada na orçamentação da época seguinte apenas menciona o Campeonato de Portugal, quando uma das primeiras constatações do relatório da época transacta sublinhava a potencial “exiguidade de tempo [que] não nos permitirá talvez a realização dos campeonatos das Ligas e de 02 Portugal nos moldes actuais”61. Assim se deduz que, no espírito directivo da época, a modificação da orgânica do Campeonato de Portugal implicava também que se reorganizassem as Ligas. 60) FPFA, Relatório e Contas 1936/1937, p. 180. Por outras palavras, a intenção do órgão executivo passava, 61) FPFA, Relatório e Contas 1936/1937, p. 8. 62) No pedido de autorização ao congresso, sem dúvida, pela estatuição de novas competições (e não tanto é revelador o uso, por parte do presidente pela transformação das já existentes) de forma a dotá-las de da direcção, da expressão “Campeonato Nacional” para se referir ao que viria a ser uma natureza permanente, regular e não desprestigiante ou o último Campeonato de Portugal. Isso 62 mesmo foi notado pelo delegado da A. F. impeditiva da representação de Portugal no exterior . Foi, de Lisboa, Francisco Mega, desejando que ficasse consignado que “só em último caso” de resto, o que aconteceu em 1938. se modificaria o “sistema do Campeonato Outros indícios tangíveis desta evolução podem ser de Portugal”, antecipando talvez as ideias de reforma das Ligas e do Campeonato que encontrados na atitude da Federação para com o desenrolar a direcção deixou, depois, transparecer no seu relatório e contas, terminada a época. O das épocas das Ligas e nas menções aos campeões. Assim, por pedido foi aprovado por unanimidade, com discussão suscitada apenas pelos delegados exemplo, ao saudar o Sport Lisboa e Benfica pela sua conquista de Lisboa, que se mostraram apreensivos. Cf. da 1.ª Liga, de 1935/1936, a direcção qualificou explicitamente a Congresso Ordinário de 25 de Setembro de 1937, acta n.º 42. prova como a competição máxima a nível interno:

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A Direcção da Federação do desportivismo com que aproveita o momento para sempre actuou na grande saudar o grande clube competição do football lisboeta, em testemunho nacional63.

Simultaneamente, e apesar do “brilhantismo costumado”, no dizer do relatório e contas da Federação, de que se revestiu a final do Campeonato de Portugal, vencida pelo Sporting Clube de Portugal, a assistência terá sido “relativamente diminuta”. Pode-se argumentar, como parece tê-lo feito a própria Federação, que ao decréscimo da receita gerada pela competição, como aliás já se verificara também no campeonato das Ligas, não seria estranho o atípico estado meteorológico que se fez sentir nesse ano. No entanto, algo mais estrutural foi devidamente notado por alguma imprensa, que, logo em 1935, questionara o efeito exercido pelas ligas na magnitude do interesse e na afluência aos desafios do Campeonato de Portugal. “A verdade”, escrevia-se no Diário de Lisboa de 26 de Maio de 1935, “é que com o findar da época o “foot-ball” acusa, no público, uma certa fadiga. Mas esperemos”64. A 1 de Junho, no mesmo diário, reconhecia-se que, com os quartos‑de-final chegava a fase mais importante do campeonato, algo bem diferente do que se passava nas Ligas:

Como se sabe, o campeonato desvantagem de deixar de Portugal disputa-se de fora grupos de valor, por eliminatórias, em mas que se torna, por isso duas mãos, valendo para mesmo e por depender do apuramento a contagem sorteio, muito emotivo…65 de pontos. Trata-se dum sistema que tem a

Num primeiro ano dito “experimental”, mas muito bem sucedido do ponto de vista das massas, não se pode deixar de ressaltar aqui uma comparação velada com a Liga, talvez por forma a garantir que o Campeonato de Portugal não perdia o seu valor, apesar de se basear em eliminatórias sorteadas. E ainda que não seja de aceitar esta interpretação, a mera referência noticiosa ao modo de apuramento da competição futebolística por excelência no nosso país, que contava mais de uma década, não deixa de constituir um 63) FPFA, Relatório e Contas 1935/1936, p. 60 sinal prematuro de que o sentimento do público estava a mudar e (Sublinhados nossos). 64) Diário de Lisboa , 26 de Maio de 1935, pp. 4-5. a pender para a nova competição em “poule”. 65) Diário de Lisboa, 1 de Junho de 1935, p. 3.

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Foi somente no final da época de 1936/1937 que a Federação reconheceu a equiparação das Ligas com o Campeonato de Portugal. No que fica para a história como a única menção explícita da direcção da Federação a um período experimental, também se declarou a institucionalização perfeita das Ligas:

A época de 1936/1937 não A prova está, de facto, desmereceu, de maneira lançada no gôsto do público palpável, em relação a e dos homens do desporto, outras, mesmo as mais em condições de tanta recentes. O Campeonato popularidade e de tanto das Ligas voltou a anseio por ela, que seria agradar, sôbremaneira, rematada desvirtude o e dessa forma não será suprimi-la. O Campeonato possível dizer-se mais de Portugal, também, que estamos em período por sua própria índole se de experiências, pois a assenhorou de há muito de consolidação está feita. grande prestígio66.

Deu-se, portanto, por completa a transição modernizadora e nacionalizadora das competições portuguesas organizadas pela Federação, o que teve consequências visíveis na representatividade dos clubes portugueses no estrangeiro. Quando, em Dezembro de 1935, a Federação Francesa resolveu convidar um clube português para participar, no ano seguinte, num “torneio de Campeões”, 02 a Federação Portuguesa não sabia qual o campeão que se devia fazer representar: enviar-se-ia o campeão de Portugal ou o campeão da 1.ª Liga? Num gesto premonitório da futura omissão federativa a respeito desta questão, a Federação decidiu aceitar, “em princípio, a proposta… deixando aos clubes a possibilidade de a escolha recair no Campeão da I Liga ou no Campeão de Portugal”67. Dos registos dos jogos efetuados pelos clubes vencedores desse ano – Sport Lisboa e Benfica e Sporting Clube de Portugal – não consta nenhuma deslocação a França para o almejado Torneio. Todavia, independentemente da sua concretização, o episódio é bem demonstrativo da evolução da mentalidade federativa. A ter-se realizado, seria uma prova irrefutável do modo como se entendiam os clubes a propósito da atribuição do título de campeão nacional, 66) FPFA, Relatório e Contas 1936/1937, p. 101. sem mediação da Federação. 67) Gerência de 1935/1936, reunião de 22 de Dezembro de 1935, acta n.º 4.

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Mais. A propósito da deslocação de um grupo de estudantes das colónias portuguesas à metrópole, em Junho de 1937, a Federação aproveitou a ocasião para colaborar, com o periódico O Mundo Português, na organização de um festival de propaganda. É claro que a competição por excelência para a celebração da Nação imperial só poderia ser a do sistema por eliminatórias, porque culminava numa única final – coincidente, note-se, com a deslocação dos referidos estudantes. E no entanto, a equiparação com as Ligas lá se aflorava novamente, em jeito de confirmação:

A Direcção da Federação Campeonato de Portugal que resolveu informar (...) servirá para a propaganda que punha à disposição solicitada, dado o facto de dos estudantes as ser uma das provas de maior suas organizações do importância no Paíz68.

Quer isto dizer que nem o Campeonato de Portugal, nem os campeonatos das Ligas coroaram campeões nacionais? Em certo sentido, que é o da esmagadora maioria da imprensa da época, essa afirmação seria falsa e anacrónica. A imprensa generalista e especializada é unânime em qualificar, de forma irregular – só alguns periódicos se atêm a essa designação ao longo do tempo – e algo equívoca, sem dúvida, o Campeonato de Portugal de nacional. O mesmo acontece com a expressão “título máximo” ou “prova máxima”. Já o inverso, no que toca às Ligas, nunca acontece. E isto é factual. Para aquilatar do valor das competições e, muito em concreto, da qualidade nacional conferida à época, é absolutamente indesmentível que até 1936 esse atributo ficou reservado ao Campeonato de Portugal. Isto deu-se não só de um ponto de vista legal, mas também social. Assim, por exemplo, a revista Stadium referia-se directamente ao Campeonato de Portugal de 1934, para cuja final se tinham apurado o Sporting Clube de Portugal e o Futebol Clube Barreirense, como “torneio nacional” e “Campionato Nacional de Futebol”, não deixando sequer de prestar a devida homenagem ao Sport Lisboa e Benfica, “semi-finalista glorioso do Campionato Nacional”69. Na época que se seguiu, os jornais foram lestos a registar o sucesso desportivo do

68) Gerência de 1936/1937, reunião de 24 de Campeonato da 1.ª Liga, despertou em todo o País. Abril de 1937. acta n.º 6. 69) Stadium, de 20 de Junho de 1934; Stadium, que tanto entusiasmo A prova concluiu, se não com de 11 de Julho de 1934.

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apreciável êxito financeiro, assistiram ao jogo, das quais pelo menos com notáveis cerca de três mil vieram benefícios sob o ponto de propositadamente do Porto, vista da propaganda (…) em comboios especiais e em Mais de vinte mil pessoas automóveis70.

Também o Diário de Lisboa deu nota da grande mobilização das massas, a propósito das “duas finais” do campeonato das Ligas, que ocorriam em simultâneo em Lisboa e em Coimbra, tendo acabado o FC Porto por sair vencedor:

No fim e ao cabo, venceu Devemos desejar que a quem devia vencer, e o competição máxima sirva título de campeão é o justo para unir todos os clubes, prémio duma actuação desaparecendo assim árdua e valorosa. Domingo a lembrança dalguns próximo, entrar-se-á no desagradáveis incidentes Campeonato de Portugal. das Ligas71.

Em Maio de 1936, o breve Futebol: semanário de propaganda e crítica desportiva prestava “uma modesta homenagem ao Sport Lisboa e Benfica” que, na véspera do “início da competição máxima do desporto-rei”, o Campeonato de Portugal, “acaba de ganhar brilhantemente o segundo título de campeão da I Liga”72. No mesmo semanário, sem deixar de conferir o primeiro destaque ao feito, a prova que então terminava era também designada por 02 “campeonatos liguistas (como lhe chamaram)”, cujo troféu era “um bom prémio” ao “valor atlético e ao esforço dispendido” pelo SL Benfica. Atendendo ao valor das qualificações usadas é forçoso reconhecer que um “bom prémio” anda longe do que seria de atribuir ao campeão nacional. A este respeito, é ainda notório que 70) O Século, de 13 de Maio de 1935. o semanário, ao dar conta do vencedor da II Liga, o SC Olhanense, 71) Diário de Lisboa, 12 de Maio de 1935, pp. 1, 4-5: “O F.C. Porto ganhou o Campeonato das assim se refira ao capital intrínseco ao título de campeão de liga: Ligas”. 72) Neste aspeto, o semanário foi seguido por outros periódicos. Cf. Os Sports, de 27 de Abril de 1936, que fala num “Grande Torneio” Desde a época de tinham possuído a honra e atribui ao SL Benfica o título de “campeão 1923/1924 em que o SC de defender um título da I Liga”. Ao nível agregado da imprensa, até à época de 1936/1937, deparamo-nos com um Olhanense viu com todo honroso e destacante nas alto grau de coerência. É assim que, no final de 1935/1936, o Sporting CP é considerado o o mérito o seu nome lides do foot-ball nacional, vencedor do “campeonato nacional”, ou seja, do Campeonato de Portugal, bem entendido. inscrito na lista honrosa como o que agora Veja-se Os Sports, de 6 de Julho de 1936. dos Campiões de Portugal, acabam de conseguir 73) Futebol: semanário de propaganda e crítica desportiva, de 23 de Maio de 1936. nunca mais as suas côres gloriosamente73.

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Mas mais importante que a designação é o retrato que se fazia desse segundo ano liguista. Nas entrelinhas, torna-se evidente que estava generalizada a opinião segundo a qual o segundo ano da nova competição não deveria granjear o mesmo êxito financeiro alcançado pela época de novidade (1934/1935). Isto seria expectável, em virtude de ser já o segundo ano de uma competição nova. Daqui se conclui, também, que o carácter experimental da prova estava bem firmado na mentalidade desses anos inaugurais. Não obstante, o mesmo semanário foi forçado a reconhecer que, do ponto de vista desportivo, o valor desse segundo ano de ligas se “não ultrapassou, devia ter andado em igualdade...” com o do anterior. No mesmo sentido lêem-se as notícias de Os Sports do final da época de 1936/1937, em que se congratulava um SL Benfica que triunfava, novamente, “pela segunda vez consecutiva e com muito mérito, no campeonato da I Liga” e um FC Porto que conquistava “o título máximo pela quarta vez”74. Contudo, é notável que, em 1938, o mesmo jornal fosse já mais contido nas qualificações que emprestava aos triunfos. Continua-se a falar num “quarto campeonato da I Liga”, ganho pelo SL Benfica, mas de tal maneira as ligas se sobrepuseram ao chamado Campeonato de Portugal, que, quase que a reboque da consolidação ratificada pela Federação, este último acabou por ser apelidado de “torneio a eliminar, impropriamente chamado Campeonato de Portugal”75. Para além disso, havia quem abordasse a questão da civilidade e do controlo da violência no desporto sob a perspectiva dos modelos de ambas as provas. Numa comparação feita por Cândido de Oliveira acerca do potencial de violência dos dois campeonatos, as Ligas saíam a ganhar: a eliminação em dois Este ano, sobretudo, foi domingos, com um jôgo fértil em coisas desta “fora” e outro “em casa”, natureza... Nas Ligas, com no meio português, um jôgo em cada volta só contribue para o e esforçados por outros desprestígio do football. jogos, as paixões acalmam É a prova, como disse e não se registam os Tavares da Silva, de “à volta mesmos desmandos. cá te espero”. Convida à Mas, em dois domingos excitação regionalista, à seguidos, como no 74) Os Sports, de 6 de Maio de 1937; Os Sports, de 6 de Julho de 1937. represália, à desordem. Campeonato de Portugal, 75) Os Sports, de 13 de Maio de 1938.

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é impossível prosseguirmos a eliminar. Um jogo por este caminho - único com um ou dois as autoridades terão de prolongamentos e em intervir e ditar a ordem. cidade neutra, quado os A solução melhor, porém, clubes não pertencem à parece ser o regresso mesma cidade. É menos puro e simples ao sorteio económico ou menos verdadeiro e ao jogo rendoso? É possível...76

Ao encerrar a época de 1937/1938, escrevia-se ainda na imprensa que as “valorosas equipas do Sport Lisboa e Benfica e do Sporting Clube de Portugal vão disputar... a partida final do campeonato nacional”, em referência ao último Campeonato de Portugal. Mas a relativização da competição é também perceptível nas mesmas páginas, falando-se na “conquista dum título glorioso” e não já do grande título ou título máximo77. A ideia de que o Campeonato de Portugal era o verdadeiro Campeonato Nacional manifestou-se, por isso, até às vésperas da alteração dos regulamentos e do início do Campeonato Nacional por divisões e da Taça de Portugal. Mas nem toda a imprensa afinava pelo mesmo diapasão, já que outros periódicos não tiveram dúvidas em atribuir uma inegável superioridade hierárquica à prova das Ligas. Logo em Maio de 1938, o jornal O Século deixou-o bem claro num artigo de primeira página intitulado “O Balanço do Campeonato da I Liga”. Nele se escrevia, que a Liga, “prova de breve história” já era “sem dúvida, a prova mais importante 02 do quadro das competições nacionais”, acompanhando, de resto, a opinião coeva dos órgãos federativos78.

76) Cândido de Oliveira, “O Balanço do Campeonato”, O Século, de 27 de Junho de 1938. 77) Os Sports, de 24 de Junho de 1938. 1924 78) O Século, de 9 de Maio de 1938. JORNAL CORREIO OLHANENSE

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1926 JORNAL ECO DOS DESPORTOS 1927 DISCURSO DOS CAPITÃES REVISTA ECO DOS DESPORTOS 20 DE JUNHO

1933 REVISTA STADIUM 5 DE JULHO / 47 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

AS LIGAS COMO MANIFESTAÇÃO NACIONAL POR EXCELÊNCIA Os novos estatutos e regulamentos aprovados em 1938 fazem já parte de uma política pública mais vasta, verdadeiramente nacionalista, que visava disciplinar as provas de natureza desportiva que se faziam disputar no país. Deste mesmo grande processo estatizante fazem parte, e são inseparáveis da nacionalização das Ligas e do Campeonato de Portugal, as normas regulamentares para concursos e campeonatos nacionais da Mocidade Portuguesa, dadas à estampa em 194179. Ao regularem os campeonatos nacionais de atletismo, esgrima, futebol, andebol, hipismo, ténis, natação, tiro, voleibol e basquetebol estas normas não só incrustaram os modelos de competição nas estruturas hierárquicas da Mocidade Portuguesa (as Delegações Provinciais dependentes do Comissariado Nacional), como também harmonizaram calendários dispersos e contraditórios num só calendário desportivo anual nacional e estabeleceram um quadro único organizativo geral, dependente da Direcção-Geral de Educação Física, Saúde e Desporto para todas aquelas modalidades: campeonatos provinciais, a cargo de cada A NACIONALIZAÇÃO Delegação Provincial, sob observação de delegados nomeados pelo Comissariado Nacional, a quem reportavam. Por outras DO FUTEBOL palavras, as normas que regulam, também nacionalizam. No caso do futebol, em que se pretendia apurar o “Campeão Nacional” é inegável a sua semelhança, quase que por decalque, do estipulado em 1938 para o apuramento do Campeão da 2.ª Divisão do Campeonato Nacional, que combinava o modelo de 03 ligas (dos campeonatos distritais) com a preferência pelo sorteio e pelas eliminatórias (do antigo Campeonato de Portugal). Mas o que se pode depreender destas emulações institucionais? Em primeiro lugar, a criação dos vários Campeonatos Nacionais da Mocidade Portuguesa vai a par das funções corporativas tomadas para a Federação Portuguesa de Futebol em 1938, bem expressas na eventual possibilidade de organizar “quando possível, o Campeonato Nacional Escolar em football” (art. 37.º dos estatutos e regulamentos interno e geral). Neste sentido, a Federação foi chamada a participar activamente na rede de organizações autoritárias que formavam a base institucional do controlo do desporto na década de 1930: a Mocidade, a FNAT (1935), o INEF (1941) e a Direcção dos Serviços 79) Normas Regulamentares para Concursos de Educação física (1932), mais tarde DGEFSD (1942). Esta última e Campeonatos Nacionais da Mocidade Portuguesa, Lisboa: DSEFD, 1941. fora “responsável pelo controlo das associações desportivas

/ 48 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 e pela regulação das competições públicas, como os torneios de futebol” assim completando o leque das organizações que policiavam o movimento associativo em Portugal, para lá da censura e da polícia política80. Em segundo lugar, seria importante não esquecer que, no novo regime, as novas estruturas estatais autoritárias corresponderam também a fóruns de resistência, defesa e representação dos direitos desportivos e associativos face aos poderes públicos. A União Nacional, por exemplo, funcionou como representativa dos interesses do concelho do Porto quando, logo no primeiro campeonato de Liga, todos os jogos de futebol na cidade foram proibidos. Tratara-se de uma medida do Ministério do Interior, criticada pela UN (que se viu depois censurada nos jornais) como “excesso de prudência” depois de um FC Porto vs. SL Benfica tumultuoso, e que impediu a realização de um FC Porto vs. CF “Os Belenenses” para a Liga81. No jornal O Século, esperava-se que fosse “revogada a proibição dos jogos de «football» que está a apaixonar todo o público” – afirmação que dá bem a medida da novidade da liga e da relação entre o jovem Estado Novo e a modalidade em processo de nacionalização. Em terceiro lugar, e relacionado com o ponto anterior, há que relevar o padrão cronológico dos eventos: foi precisamente durante os primeiros anos de institucionalização do Estado Novo que o futebol perdeu uma conotação negativa, expressa em letra de lei, propriamente urbana, antitética “a toda a educação” e tendente à “perversão moral e deformidade física”82. Para essa domesticação concorreu a nacionalização desportiva. A essa nacionalização, vinda de cima e de teor ultraconservador, talvez se pudessem opor as primeiras experiências de cariz municipalista e amador, mas não menos nacionais – no âmbito previsto e na intenção dos organizadores – da primeiríssima Taça de Portugal, também chamada Taça Império, logo a seguir à implantação da República (a que também já fizemos referência). Ocorrem, por isso, pari passu a reforma educativa nacional e o estabelecimento 80) Nuno Domingos, “Building a Motor Habitus: Physical Education in the Portuguese da primeira vaga corporativista, a criação dos campeonatos Estado Novo,” International Review for the das Ligas e a sua dissolução conjunta com o Campeonato de Sociology of Sport 45, no. 1 (2010): 23–37. 81) A crítica, que foi visada pela censura, pode Portugal em 1938, inaugurando-se o período nacional. Um marco ser lida no Correio do Porto, de 30 de Março de 1935. O jornal O Século reproduziu também fundamental deste processo de nacionalização foi o Congresso a nota dimanada pela Comissão portuense da União Nacional. O Ministério do Interior dos Clubes Desportivos, que decorreu de 26 de Novembro a 3 de repudiou essa “crítica pública à acção do Dezembro de 1933. governo”. PT/TT/EPJS/A/2/09, “Cortes de Censura de O Século”, 31 de Março de 1935. 82) Domingos, 25.

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Evento maior do panorama desportivo português do entre-guerras, apadrinhado pelo jornal Os Sports, ficou emblematicamente marcado pela leitura de uma petição ao chefe do governo, Oliveira Salazar, e pela sua promessa de construção de um estádio nacional perante uma multidão no Terreiro do Paço. Mas esse congresso representou algo de muito mais profundo para o futebol português, visto que se tratava da primeira reunião magna, “expressão nacional de um sentimento progressista”, de 150 clubes nacionais, unidos no objetivo do “revigoramento rácico” da população portuguesa83. Numa entrevista concedida pelo presidente do congresso, Raúl Oliveira, à Stadium, é declarado que esse objetivo de fortalecimento da raça dependia inteiramente da nacionalização do desporto, pelo que era imperativo “afirmar perante o Estado a força” associativa, colocada “ao inteiro serviço da Pátria”. Propor-se-ia ao governo que actuasse “pelas vias legais de um organismo a criar, como já se faz em outros países, como seria, por exemplo, um sub‑secretariado de Educação Física”84. Das teses defendidas naquele congresso, duas problemáticas foram levantadas que careciam de intervenção estatal urgente. Por um lado, as bases infra-estruturais do desporto português encontravam-se por lançar: campos de jogos, ginásios, piscinas, estádios formavam o substrato material onde se fariam “convergir periodicamente os atletas das várias regiões”. Pré-requisito de uma natureza propriamente nacional, esse lado material deveria ser acompanhado de uma regulação territorial dos 03 espíritos. A tese mais fascizante do congresso, nesse sentido, foi também aquela que “mais interessou os congressistas”, pelo teor da sua conclusão: “solicitar ao governo a criação de um organismo anexo ao Ministério da Instrução Pública que oriente e regule a actividade das colectividades desportivas, por forma a que a sua acção resulte moralizadora.” Propunha isto o muito cumprimentado pedagogo e professor Cruz Filipe, que, em menos de um ano, assumiria o cargo mais influente do futebol nacional, a presidência da Federação, de 1934 a 1942. Seria ele o principal responsável pela revolução estatutária desses anos e pela introdução das duas novas competições: o Campeonato Nacional e a Taça de Portugal. 83) Stadium, 22 de Novembro de 1933, “O Congresso dos Clubes Desportivos”. Ambas as teses representavam, para todos os efeitos, os 84) Stadium, 29 de Novembro de 1933, dois lados da mesma moeda e respondiam a um só repto: “O Congresso dos Clubes Desportivos”. 85) Stadium, 6 de Dezembro de 1933. nacionalizar o desporto, começando pelo futebol85. A convicção,

/ 50 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 corrente desde os tempos da I República, de que era necessário dotar de condições materiais, sanitárias e desportivas, as agremiações locais que compunham as associações distritais, foi certamente impulsionada pelas alterações internacionais de índole profissionalizante e pelas pressões de uma representação nacional condigna no domínio externo. Mas o argumento de que os campeonatos de Ligas derivaram directamente do orgulho nacional ferido nuns pesados 0-9 com Espanha esconde mais do que revela. Os campeonatos das Ligas foram a primeira manifestação institucional da nacionalização do futebol, articulada dois anos antes no Congresso dos Clubes Desportivos. As Ligas foram o modelo de jogo que mais se ajustava a essa dupla necessidade clubística: recintos e equipamentos, por um lado, disciplina e moralização, por outro. Os primeiros garantiam, em princípio, a circulação periódica pelo território dos vários atletas e maior equidade formal ao desempenho. Os segundos proporcionavam unicidade, hierarquia e sincronia, fortalecendo os organismos superiores e centrípetos. O corolário desse espírito de construção nacional ficou registado pelo delegado, também ele dirigente federativo de futebol, Salazar Carreira, quando preconizou os “Jogos Imperiais Portugueses”, momento olímpico de intercâmbio entre os atletas da metrópole e das colónias86.

86) Stadium, 13 de Dezembro de 1933, “Congresso dos Clubes Desportivos: Balanço Final”. Desde 1924 que alguma imprensa colonial ambicionava o alargamento do Campeonato de Portugal às colónias. Por exemplo, Carlos Oscar da Silva, encarregue da Secção de Desporto da Gazeta das Colónias, orgulhava-se do revigoramento rácido proporcionado pelo campeonato nacional: “É grande a expansão do foot-ball em Portugal que revigora assim a raça tão depauperada nestes últimos tempos. Pena é que as colónias não possam – pela enorme distância que as separa da metrópole – fazer disputar o campeonato de Portugal pelos seus grupos. Estamos crentes que muito se desenvolveria o nosso foot-ball com essa participação.” Gazeta das Colónias, n.º 2, 10 de Julho de 1924, p. 28.

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1935 REVISTA STADIUM 03 BALANÇO CAMPEONATO EXPERIMENTAL

1939 JORNAL OS SPORTS 6 DE JUNHO / 52 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

1926 REVISTA STADIUM 1929 29 DE JUNHO JORNAL OS SPORTS 14 DE JUNHO

1930 2.º VOLUME DA HISTÓRIA SL BENFICA 1904-1954 Página 29 / 53 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

NOVAS OU VELHAS COMPETIÇÕES? Um dos aspectos importantes, que tem passado despercebido aos analistas da problemática em apreço, está na carga emocional dos eventos desportivos e na capacidade de se poder reconstruir as prioridades afectivas dos agentes intervenientes, do grande público aos dirigentes, passando pelos quadros e mais relevantes personalidades intermédias que articulavam os sentimentos na imprensa local e nacional. Uma reconstrução como essa ajuda a clarificar as posições tomadas no passado. E embora complexifique o problema – como se verá –, é nossa convicção que o ajuda a dirimir. A título ilustrativo, tomemos o caso da Associação Académica de Coimbra, vencedora da primeira “Taça de Portugal” em 1939 (contra o Sport Lisboa e Benfica), dezasseis anos depois de ter saído derrotada do confronto com o Sporting Clube de Portugal, na final da 2.ª edição do Campeonato de Portugal, em 1923. Em vésperas da segunda final da AA de Coimbra em provas nacionais, o médico Teófilo Esquível, reconhecido herói estudantil, que chegara a passar pela equipa principal do Sporting CP e fora membro substituto do Conselho Jurisdicional da FPF, saudava e inspirava o novo “team dos doutores” que “tem valor bastante para ser Campião de Portugal”87. Mas a respeito do Campeonato da I Liga, Esquível, que sofrera em campo a derrota com o Sporting CP em 1923, chegou a considerar, logo em 1936, que “a AA de Coimbra não pode competir com os melhores no Torneio. No entanto, tem mérito para uma posição melhor – embora esteja longe daquele Onze que foi finalista no Campionato 03 de Portugal!”88. O ex-jogador, contudo, não estava sozinho. Para José Marques Neto, outro antigo estudante, estava-se mesmo

nas vésperas de igual em Faro. Ali lhes darei competição e sinto em mim, todo o meu apoio, fazendo precisamente, a mesma votos para que seja, nesse emoção de há 16 anos. Irei a dia, proclamado campião Lisboa animado da mesma de Portugal o valoroso fé na victória, creiam que o “team” da AA de Coimbra digo sinceramente, como a que já tive a ventura de fui para a disputa da final pertencer89.

87) Teófilo Esquível in A Final: Jornal Desportivo, Coimbra, 24 de Junho de 1939, p. 8. Na homenagem que Armando Sampaio, antigo membro do 88) Idem in Ginásio, N.º Especial, 24 de Maio de 1936, p. 8. Conselho Técnico da FPF, fez à associação, pela mesma altura, 89) José Marques Neto, in A Final: Jornal Desportivo, Coimbra, 24 de Junho de 1939, p. 9. pode-se ler que, por ter alcançado a final, a AA de Coimbra ocupava

/ 54 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 a “vanguarda do foot-ball português”90. Todavia, apenas quatro anos antes, o mesmo antigo estudante acreditava ser difícil “falar num «team» que ao findar o campeonato da Liga aparece na cauda da classificação”. O relato que Sampaio fez da situação coimbrense nessa época inaugural de liga talvez seja mesmo uma das primeiras racionalizações do sentimento provocado por uma nova forma de jogar o título nacional, sem esquecer que estavam, em boa verdade, dois títulos em disputa. E embora o amadorismo da AA de Coimbra tenha ficado bem evidenciado no novo sistema em “poule”, os gloriosos vencidos do campeonato da Liga souberam lutar do princípio ao fim com coragem e brio”. Ou seja, a liga a duas voltas permitia um novo tipo de comparação ao nível nacional, algo que o campeonato de Portugal não possibilitava:

Nem sempre ser último uma bola, o que sucedeu significa ser pior e a AA de também no Porto, que Coimbra obteve resultados ficou campeão… Perdemos que nos dão margem para com o FC Porto por 4-2, afirmar que algum valor resultado igual ao do possuímos… derrota em Sporting CP que esteve à setúbal pela diferença de beira do triunfo final91.

Por outro lado, o Campeonato de Portugal continuava a ser mobilizado como experiência decisiva para aquilatar o valor das equipas que deveriam jogar na I Liga, e isto logo em 1935:

Tem-se afirmado que domingo do campeonato há clubs da 2.ª Liga de Portugal vieram que merecem melhor demonstrar que isso não é posição na 1.ª do que a bem assim… Académica de Coimbra. o Boavista perdeu por 8-3 Apontam-se o Boavista FC com o Benfica, que só deu à e o FC Barreirense como Associação Académica 4-1, exemplos. Os resultados dia em que faltaram os dois obtidos no primeiro defesas…!92

Basta atentar nestas declarações para perceber que o período inaugurado pelo Campeonato da I Liga foi um período conturbado, 90) Armando Sampaio, A Final: Jornal mesmo do ponto de vista emocional, e de charneira, em termos Desportivo, Coimbra, 24 de Junho de 1939, p. 16. organizacionais. Por um lado, há uma identificação clara da final da 91) Idem in Coimbra: Jornal de Estudantes da Universidade, n.º 15, 27 de Maio de 1935, p. 13. Taça de Portugal – que a AA de Coimbra conquistaria em 1939 – com a 92) Ibid.

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final perdida dezasseis anos antes: equiparam-se, sem ambiguidades, ambas as competições e mantém-se a designação de louvor ao vencedor. Vale sublinhar, a este respeito, que esse seria o primeiro ano de coexistência oficial entre Liga Nacional e Taça, e não já a chamada fase “experimental” de ligas (1934/1938). Por outro lado, o estatuto do Campeonato da I Liga nessa primeira fase dita “experimental” é difícil de avaliar a partir das convicções de alguns ex-jogadores. Que lhe é atribuída enorme importância, é um facto indesmentível. Repare-se que, naquela altura, a questão quente relacionava-se sempre com a eventual entrada de outras equipas (como o SC Braga) na competição e na possibilidade de ombrear, ou até mesmo de rivalizar, com a AA de Coimbra no novo sistema de “poule”. Ainda assim, é o próprio Esquível a determinar, três anos volvidos, que vencendo a Taça de Portugal a AA de Coimbra se sagraria campeã de Portugal. É claro que existem várias limitações a este exercício que não nos permitem generalizar o episódio com segurança. A mais gravosa delas é a do caso se poder resumir a uma décalage geracional: os antigos estudantes, agora doutores, que não conseguiram vencer no seu tempo, reflectem na atual composição académica os louros que lhes escaparam no passado. Haverá certamente um certo exagero e dramatização próprios dos votos expressos em público. Mas até que ponto se pode considerar mero exagero a atribuição de título de Campeão de Portugal aos primeiros vencedores da Taça de Portugal? Percebe-se, isso sim, que se tratava de algo profundamente arreigado para os praticantes, numa época em que o 03 novo campeonato em “poule” ainda não se encontrava consolidado. Daqui se conclui que aqueles que aceitam a filiação da Taça de Portugal no antigo Campeonato de Portugal não explicam como é que este último ainda continuou a consagrar, distintamente, o campeão português durante um determinado período. Definir esse período é ainda mais difícil, mas a periodização que vale, da perspectiva dos agentes, não é nem a da visão estatutária da Federação, nem a legalista do seu relatório e contas de 1939. O dado que tem aparecido na comunicação social e que circula com mais difusão nas redes sociais, e ao qual se tem atribuído uma natureza probatória irrefutável é o relatório e contas da gerência de 1938/1939 da FPF. Nas páginas seis e sete desse impresso lê-se que:

Por virtude da reforma Estatuto e regulamentos da a que se procedeu no Federação, os Campeonatos

/ 56 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 das Ligas e de Portugal passou a ser Campeonato passaram a designar-se, Nacional da 1.ª Divisão e respectivamente, o Campeonato da 2.ª Liga Campeonatos Nacionais e obteve a designação de Taça de Portugal. Campeonato Nacional 2.ª O campeonato da 1.ª Liga Divisão93.

Uma vez reduzida a questão a um par de afirmações que res- ponderiam ao repto lançado por Ricardo Ornellas naquele período inaugural, a razoabilidade do argumento é tal que chegou, hoje, à Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto da Assembleia da República, encarregue de apreciar a questão dos campeonatos nacionais. De facto, pronunciando-se em 1939, a direcção tentava debelar o problema que ainda hoje se nos coloca, fazendo passar a ideia de que a grande reforma de 1938 afinal não era mais que uma modificação de designações para provas que continuavam, no essencial, as mesmas. Ora, o valor jurídico e os efeitos reais dessa proclamação são nulos. Isto por uma razão principal. É que a direcção não se encontrava mandatada pelo congresso para sancionar e divulgar uma qualquer continuidade histórica entre as duas primeiras provas e as últimas. Ao fazê-lo, a gerência da época subverteu a vontade expressa da maioria dos delegados que apreciaram e votaram o projecto apresentado pela Comissão de Estatutos e Regulamentos. Essa vontade maioritária era pela instituição de novas competições, não pela remodelação das antigas94. Numa perspectiva histórica, coloca-se então um problema: conhecer e explicar os motivos factuais que determinam a pouca relevância de tal menção por parte da direcção, ou, no limite, a sua nulidade e, consequentemente, a sua invalidade e ineficácia. Sem desmerecer da bondade do argumento hoje em voga, porque, há que reconhecê-lo, traz com ele toda a aparência da simplicidade e do decisivo num quadro marcado por inúmeras contradições e complexidades históricas, a verdade é que ele não colhe por uma série de dados. Estes podem ser agrupados em duas ordens temporais: a imediata, isto é, a que imediatamente precedeu o Relatório e Contas de 1938/1939, e a remota, em que 93) FPF, Relatório e Contas da Época 1938/1939, pp.6-7. se reconstituem os debates mais antigos em torno da natureza 94) Para a discussão, veja-se abaixo pp. 47-48 deste parecer. Esse debate pode ser experimental dos campeonatos das Ligas, do valor atribuído às consultado na acta n.º 43 da 8.ª sessão do Congresso Extraordinário de 10 de Dezembro provas de âmbito nacional-federativo e da nacionalização do desporto de 1938, pp. 148 e ss. A nossa análise engloba português. Expostos os segundos nas páginas anteriores, cabe agora também os registos das sessões anteriores desse congresso, em especial da 1.ª, datada falar sobre os primeiros. de 20 de Agosto de 1938.

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Quis o acaso que o presidente do Congresso Extraordinário realizado no dia 20 de Agosto de 1938, Carlos Basílio d’Oliveira, fosse questionado sobre a competência de uma reunião extraordinária dos congressistas para avaliar as propostas de revisão dos estatutos e regulamentos95. O presidente foi perentório:

Não se trata de propostas dum projecto de novos de alteração a Estatutos Estatutos e novos e Regulamentos; trata-se Regulamentos96.”

Caso contrário, as bases aprovadas em 1934 (Congresso Extraordinário de 8 de Setembro) impediam a discussão de modificações regulamentares e estatutárias em congressos extraordinários. Resulta evidente que a tomada de posição da direcção no seu relatório e contas pressupunha uma decisão colectiva diferente da que foi explicitamente adoptada em sede do congresso. Ou seja, a ideia de que as provas criadas em 1938/1939 são as mesmas que as anteriores, apenas com diferentes denominações, é ferida de legalidade procedimental, visto que era extraordinário o congresso em cujas deliberações ela se fundamenta. A única tese legal à luz das bases de 1934 é, portanto, a que defende a distinção entre as quatro provas e a que estabelece uma ruptura – nacionalista, vimos já – com o passado:

O sr. Presidente declara que recebeu o mandato não ter dúvidas de que o para o fazer dum 03 Congresso pode funcionar Congresso Ordinário… este legalmente com a ordem foi o critério seguido por do dia marcada… Além si, que, aliás, julga ser o de disso, é um trabalho que direito. dimana duma Comissão

Se este ponto invalida, apenas e só de uma perspectiva legal, o que a direcção fez publicitar, o que é que explica que o tenha feito? Como haveremos de atribuir sentido a este acto dos dirigentes? É que, de algum modo, não podemos pretender que ele não existiu. 95) A questão era compreensível, na medida em que havia precedentes: lembremos que Foi plausível e é dessa plausibilidade que iremos agora tratar. os congressos de 1935 e 1936 tinham‑se pronunciado e votado as alterações aos Na terceira sessão daquele congresso de Agosto de 1938, regulamentos das Ligas (actas n.º 40 e 41, de 28 de Dezembro de 1935 e de 19 de Setembro um dos delegados de Lisboa, Francisco Mega, colocou o dedo de 1936, respectivamente). na ferida. Perguntou se não se poderia aprovar o art.º 48.º da 96) Congresso extraordinário de 20 de Agosto de 1938, 1.ª Sessão, acta n.º 43. proposta dos novos estatutos da FPF apresentada pela Comissão,

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“deixando em suspenso os títulos dos Campeonatos”. Discutia-se o artigo que estipulava as provas de índole federativa, muito embora as designações dessas provas devessem ser deixadas para a apreciação dos seus regulamentos (geral e privativos). Vale a pena citar Mega para entendermos bem os receios de Lisboa:

Tem ela [AFL] receio de dos campeonatos. Como se que, quando se dispute tem de tratar do assunto a “Taça de Portugal”, no Regulamento Geral, é o público se possa de posição que se devia desinteressar, visto que o deixar em suspenso a público também tem em designação das provas97. muita atenção os títulos

A Comissão, no entanto, julgava imprescindível o nome atribuído às competições e confiava na capacidade de juízo do público, que “sabe bem do que se trata, porque as provas ficam com as mesmas características que tinham”. Esta afirmação de Ribeiro dos Reis é crucial: as massas adeptas e simpatizantes do jogo estavam já habituadas a uma fórmula para cada competição. Mas agora alterava-se o nome das mesmas da seguinte maneira: o Campeonato de Portugal passaria a Taça de Portugal; o Campeonato das Ligas assumiria o título de Campeonato de Portugal. Eis a origem de toda a confusão e discórdia:

A Comissão entende que provas organizadas pela não tinha paridade entre Federação. Em Itália nós chamar Campeonatos também assim se faz. das Ligas a uma prova Realmente, o título de onde não há clubes campeão nacional fica agrupados em Ligas. muito melhor ao vencedor Em analogia com o que se do Campeonato da Liga, faz noutros paízes, como porque é uma prova de por exemplo na França, maior envergadura e de a Comissão entendeu maior rigor desportivo. modificar os nomes das

Ou seja, se lermos bem esta intervenção de Ribeiro dos Reis, conseguimos discernir, com certeza, que aquilo que se fazia na imprensa – a atribuição indiscriminada do título de campeão nacional ao vencedor do Campeonato de Portugal até 1938 – 97) Idem.

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era um comportamento sedimentado, frequente e disseminado, na sociedade portuguesa. Não nos esqueçamos, porém, da tendência que identificámos acima: Ribeiro dos Reis, em nome da Comissão, não se limitou a confirmar a equiparação dos dois grandes torneios portugueses. Completou a inversão em sede do congresso: a hierarquia, agora, era outra. Nem todos, porém, estavam convencidos do mesmo. Com laivos de certo paternalismo, Manuel Afonso, também da AFL, afirmou que, ao desconhecer os regulamentos das provas, o público podia fazer confusão. É que as massas eram levadas pela designação das competições e era apenas “natural que o público faça confusão se se disputa a Taça Portugal a seguir ao Campeonato de Portugal.”. Desse modo, o delegado propôs que se substituísse “o título de «Campeonato de Portugal» por o de «Campeonato Nacional» para evitar confusões”. E assim foi: a proposta de Manuel Afonso foi admitida e aprovada, com a concordância da Comissão98. O assunto, porém, não ficou encerrado. Aquando da discussão do regulamento geral e dos regulamentos das provas, ficou claro que a mudança operada nas designações oficiais colidia com a doutrina estabelecida, de início, pelo presidente do congresso. Modificou-se os nomes, mas tinha também de se transformar a substância. Plácido de Sousa, fiel à sua última votação a respeito da passagem de uma fórmula experimental a outra consolidada – nacional -, achou “conveniente eliminar o título do campeonato, 03 pois não será um campeonato nacional, mas um campeonato das associações de Lisboa, Porto, Coimbra e Setúbal, visto que não há promoção”. Far-se-ia ou não promoção, como antes o caso do Algarve tinha colocado em relevo? E quem é que se representava na I Divisão Nacional: as Associações ou os clubes? No caso de serem os clubes, os campeonatos regionais perderiam importância, visto que era o acesso a lugar de Liga que incentivava e animava as provas distritais. No caso de se tentar um equilíbrio, entre a dimensão institucional e a territorial, isto é, garantindo aos clubes da I Divisão, à excepção do último classificado, a permanência para a época seguinte, e representando as 98) Votação que foi, depois, confirmada na 8.ª sessão do mesmo congresso extraordinário, associações fixando-lhes um determinado número de clubes na decorrida a 10 de Dezembro de 1938: “O Sr. Presidente (…) põe, portanto, à discussão, I Divisão, colocavam-se novamente dois problemas: por um lado, na generalidade, o projecto do Regulamento o clube que garantira a permanência poderia ter um mau ou do Campeonato Nacional título já adoptado aquando da apreciação do Estatuto”. péssimo desempenho no campeonato regional, uma vez não tendo

/ 60 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 o incentivo para demonstrar o seu verdadeiro valor desportivo; por outro, as grandes associações, como Lisboa e Porto, poderiam ver aumentada a sua representação em detrimento das restantes. Eurico Ferreira rebateu, então, que o título já tinha sido aprovado aquando da discussão dos estatutos da Federação. A questão estava, isso sim, em saber se “ao aprovar-se o título se aprovou um título derivado de um sistema ou um título de que há-de derivar o sistema. Agora dar-se um título aprovado sem definição, é que não compreende.” Ricardo Ornellas, que esteve sempre a favor de substituir as Ligas por outra coisa de natureza diferente – devido à defesa madeirense que lhe cabia, sempre ignorada em termos de representação no campeonato das Ligas – separou as águas: “o que se fez anteriormente foi modificar um nome. Liga não queria dizer nada entre nós; campeonato nacional já quere dizer alguma coisa. Agora o que se está a discutir é a fórmula do sistema.” A discussão acabou por culminar, quando Cândido de Oliveira afirmou que, assim sendo, o regulamento imediatamente anterior, o de 1937/1938, “subsiste em referência à I Divisão”, o que terá levado um dos delegados do Porto, Paulo Sarmento, a propor que se mantivesse “o antigo Regulamento do Campeonato das Ligas”. Chegou à Mesa a proposta. E ainda antes de ser votada, num gesto clarificador, Cândido de Oliveira fez‑lhe uma adenda: “se se aprovar a manutenção, acrescentem-se as alterações resultantes da mudança da designação do Campeonato”99. Tanto a proposta como o aditamento foram rejeitados por uma diferença mínima de dois votos. Mau grado a dissidência entre os congressistas, o órgão tinha deliberado. E os regulamentos que daí em diante se apreciaram instituíram novas competições nacionais. Em resumo, o congresso instituiu um corte com o passado, mesmo com o mais imediato: votaram-se novos títulos e, só depois, os novos modelos competitivos. A crença popular na superioridade das Ligas ou, pelo menos, na sua equivalência afectiva com o antigo Campeonato de Portugal, afectou a tomada de decisões ao nível federativo. No entanto, não se pode falar de mudança de paradigma antes dessa mesma viragem ter sido concluída pelas elites do campo desportivo nacional. Se é certo que a pressão para a mudança veio de baixo, ela só ficou completa entre Agosto e Dezembro de 1938 por um acto de deliberação e de criação institucional vindo de cima. Este dado é importante 99) Congresso Extraordinário, 8.ª sessão, para a interpretação jurídica que se deve fazer do valor nacional de 10 de Dezembro de 1938, acta n.º 43.

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das provas em vigor na época de 1937/1938. Porque se, por um lado, as Ligas já superavam, em importância qualitativa e quantitativa, o Campeonato de Portugal, por outro, foi a decisão do congresso que aprovou novas provas e novos modelos competitivos. Não se mantiveram as mesmas provas, nem sequer a mesma nomenclatura oficial – um caminho que, como vimos, foi conscientemente preterido. A necessidade de mudança, decorrente da adesão popular às Ligas, só depois foi aprovada em sede própria, formal e juridicamente, passando a prevalecer para o futuro e sem efeitos retroactivos. O paradigma mudou, sim, na época de 1938/1939. Isto significa que argumentação que filia a nova Taça de Portugal no Campeonato Portugal, e o novo Campeonato Nacional no Campeonato da Liga ou das Ligas não 03 tem valor histórico nem jurídico. 1936 JORNAL OS SPORTS CAMPEONATO EXPERIMENTAL “GRANDE TORNEIO” 27 DE ABRIL

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1935 REVISTA STADIUM CAMPEONATO DE PORTUGAL - TÍTULO MÁXIMO 1926 JORNAL ECO DOS DESPORTOS CRÓNICA

1939 1930 REVISTA STADIUM| JORNAL OS SPORTS CAPA 2 DE JUNHO 28 DE JUNHO

/ 63 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

A HISTÓRIA DO FUTEBOL NÃO É A DO ESTADO NOVO O sociólogo Rahul Kumar defendeu, em livro recente, a seguinte hipótese: o desenvolvimento do futebol e a sua inscrição na cultura popular portuguesa contemporânea não foram promovidos pelo Estado Novo e pelas suas instituições; tão‑pouco podem ser compreendidos, exclusivamente, à luz de uma história política100. Encarados como processos sociais de âmbito mais vasto, o desporto em geral e o futebol em particular dependeram, isso sim, do papel desempenhado por agentes, associações e instituições que transcenderam a esfera do Estado salazarista. Tudo isso, apesar de ter sido inegável que o Estado Novo, ao procurar impor as suas formas de dominação, desenvolveu programas ideológicos e instituições para regular a esfera dos lazeres e das práticas desportivas. Apropriou-se, pois, da crescente popularização do futebol, tratando-o como uma das suas principais fontes de legitimação e de controlo das populações. Tão importante apropriação foi, aliás, conseguida a baixo custo financeiro, conforme demonstrou a criação da Direcção‑Geral de Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, CONCLUSÕES em Setembro de 1942. A ponto de se poder considerar que o futebol transcendeu em relevância o Fado e Fátima, enquanto um E IMPLICAÇÕES dos três “f” de um suposto aparelho ideológico de justificação e alienação das populações associado ao regime de Salazar. A necessidade de pensar a história do futebol como um processo social – de que o Estado Novo se procurou servir, sem ter conseguido controlar ou suscitar – não encaixa na historiografia, 04 hoje, dominante desse mesmo período. Tanto à direita, como à esquerda, a ideia de uma omnisciência de Salazar e uma atenção exagerada aos aparelhos políticos e administrativos que o rodeavam impedem-nos de pensar e, por isso, de fazer a história de processos que transcenderam a esfera estrita do político. São raras as investigações que procuraram captar a dinâmica específica dos movimentos sociais de que o Estado Novo se serviu (como sucedeu nos trabalhos iniciais de António Costa Pinto e nos de Fátima Patriarca); as lógicas de funcionamento e as dissensões no interior das próprias instituições do regime (como fez Manuel de Lucena a respeito dos Grémios da Lavoura); ou os sistemas clientelares e de patrocinato que guiavam a política local e os clubes (das terras alentejanas aos clubes de 100) Rahul Kumar, A Pureza Perdida do futebol, como argumentou, de modo pioneiro, José Cutileiro, Desporto: Futebol no Estado Novo, Edições Paquiderme, 2017 ao adoptar um ângulo comparativo como sucedeu numa carta

/ 64 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 apreendida pela PIDE, publicada recentemente por N. Domingos e V. Pereira, Lusotopie, n.º 18, 2019). Foi, aliás, graças às investigações de uma nova geração – que integra Nuno Domingos, Victor Pereira, Inês Brasão, Nuno Medeiros, Frederico Ágoas e o já referido Kumar – que se difundiu uma perspectiva, mais atenta a uma sociologia histórica ou a uma história social feita a partir de baixo, dos processos sociais do tempo do Estado Novo. É certo que, correspondendo à criação da referida Direcção‑Geral de Educação Física (1942) e do Estado Nacional do Jamor (1944), o Estado Novo procurou estabelecer um discurso fundador, em relação ao futebol e ao desporto em geral. Tal como se a prática desportiva tivesse sido uma criação coeva do próprio regime, deixou de se considerar a Primeira República como um tempo em que se iniciaram actividades, nomeadamente a nível nacional. Muito concretamente, o Estado Novo, em estreita ligação com interesses clubísticos, depreciou a história da origem dos campeonatos nacionais que remontam ao início da década de vinte. Assim sendo, uma narrativa acerca do passado, investida de um forte sentido ideológico e mítico, como a que foi criada pelo próprio Estado Novo acabou por ser reproduzida pelas mais recentes histórias do futebol e do principal clube ao qual essa mesma versão se afigurava favorável: o Sport Lisboa e Benfica. Por isso, impõe-se que a investigação histórica deixe de reproduzir o discurso que sobre o passado que o Estado Novo pretendeu desenvolver. E, em lugar de reproduzir uma série de mitos e de discussões anacrónicas em relação à época em apreço, passe a tratar o futebol com um processo social, cuja regulação e organização nacional datam, pelo menos, da década de vinte e da Primeira República. O envolvimento de Manuel Teixeira Gomes (1860-1941), Presidente da República, entre Outubro de 1923 e Dezembro de 1925, correspondeu a um momento de organização e institucionalização do futebol a nível nacional. São conhecidas as suas idas aos campos e o entusiasmo que punha nos jogos de futebol. No interior da sua obra literária, de carácter fragmentário e de forte sentido autobiográfico, comparável à de Raul Brandão, a “Carta ao Dr. José Pontes”, datada de Tunes de 14 de Fevereiro de 1927, reporta a esse mundo futebolístico e desportivo anterior 101) M. Teixeira Gomes, Miscelânea, vol. I, ao Estado Novo101 (nela escreveu: “se alguma visão risonha e Seara Nova, 1937.

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animadora me ficou, do turvo período da minha presidência, foi dos combates de futebol e dos espectáculos dados pelas nossas associações desportivas a que assisti”). “Não imaginas a impressão que me causou a morte do pobre Lázaro!”, escrevera de Estocolmo o diplomata António Feijó em carta para o seu amigo Luís de Magalhães, pouco tempo depois da morte do maratonista português nos Jogos Olímpicos que tiveram lugar na Suécia, em 1912102. Se, no entender de Feijó, a impressão desastrosa causada por essa mesma morte só tinha paralelo no fiasco das campanhas pela restauração da monarquia de Paiva Couceiro, o mesmo triste acontecimento abriu a porta a um outro tipo de explicações. Nesse mesmo ano fatídico, José Pontes, médico, desportista, que fundou e dirigiu Os Sports Ilustrados (1911-1914), defendeu uma tese em Medicina, intitulada Corridas de Maratona (Estudo de Fisioterapia) (Lisboa: Ilustração Portuguesa, 1912), a qual foi orientada por José Gentil e teve como um dos seus examinadores Ricardo Jorge. O argumento ali defendido era de natureza sociológica: “Em Portugal, é vergonhoso o espectáculo que têm oferecido as últimas corridas de fundo. Rapazes novos que vivem numa miséria oculta, dormindo mal, alimentando-se insuficientemente, sem aspecto atlético, com os peitos achatados, sem higiene geral, sem higiene particular dos membros inferiores, vão para a estrada na ânsia de fazer o percurso em tempos que igualam os ‘pur‑sang’ em corrida! E o que acontece? Ficam estropiados, doentes para sempre, mal compreendendo 04 como não correm 1.000 metros, eles, que se preparavam para 40 mil”. Anos volvidos, na sua carta ao dr. José Pontes, Teixeira Gomes não se esqueceu da visão sociológica defendida pelo seu correspondente. Porém, enquadrou-a de um outro modo. Por um lado, começou por considerar que o modo popular de abraçar os desportos, sobretudo o futebol, revelava um entusiasmo espontâneo, uma pulsão que, se não fosse canalizada para tais práticas, se limitaria a “dar satisfação aos seus rancores e às suas vaidades”. Mais: se a rapaziada não andasse aos pontapés na bola, como poderia escapar à taberna e ao bordel, “que são os nossos dois piores flagelos”. 102) Cartas, vol. II, p. 437; José Pontes, Quási um século de desporto: Apontamentos para Por outro lado, Teixeira Gomes estava bem consciente das a história da educação física em Portugal, tentativas destinadas a regulamentar a prática desportiva. Estas Sociedade Nacional de Tipografia, 1934, pp. 256-259. provinham tanto dos “sábios sociólogos”, como acontecera com

/ 66 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940 as visões do médico José Pontes, como também dos poderes públicos. Nas suas palavras, estes últimos, se “ali metem o colherão, estava o caldo entornado para sempre”. Para o escritor e antigo presidente, o mais importante era recordar a beleza dos corpos e o entusiasmo com que eram colhidos os heróis seus praticantes. As tardes do Campo Grande, com o prodigioso “Tamanqueiro”, de uma elasticidade memorável, jogador que passara do SC Olhanense para o SL Benfica, e a que assistiam imensas multidões, valiam tanto como, nessa festa das necessidades, a “voluptuosa Salomé de pernas nuas, e de curtíssima saia de gaze tufado”. Em qualquer dos casos, tratava-se de um mundo de sonhos, concretizado no movimento desses corpos. As referidas imagens de Teixeira Gomes face à beleza dos corpos estão em perfeito acordo com o “discurso do desejo” e um evidente voyeurismo que caracteriza toda a sua obra103. Mas, na referida carta ao dr. José Pontes, também ele republicano, existe um outro aspecto que não pode passar sem comentário. Teixeira Gomes descreveu os novos tempos da Ditadura, posterior ao golpe de 28 de Maio de 1926, como uma espécie de falhanço em relação às expectativas criadas logo após a Grande Guerra de 1914-1918. “A fraternidade das gentes e das nações vem ainda longe, e enquanto se não pegam outra vez arreganham os dentes com redobrada fereza, embora em surdina...”. Os novos tempos pareciam, assim, contrários à fraternidade sentida nos jogos e à beleza projectada nos corpos de jogadores de futebol e das bailarinas. A ponto de aos interlocutores só restava encontrar um refúgio privado. Ao dr. José Pontes este estava no regresso à clínica da sua especialidade, apesar de se fazerem votos que continuasse a pugnar pelo “desenvolvimento dos desportos” em Portugal. Quanto ao autor da carta, era na “vagabundagem internacional”, numa espécie de exílio forçado frente ao que sucedia na pátria, que o refúgio se encontrava. A uma escala de análise quase microscópica, a carta ao dr. José Pontes de Teixeira Gomes demonstra bem a hipótese proposta por Rahul Kumar: o futebol não se confunde com o Estado Novo e as histórias da modalidade não podem continuar a repetir os mitos forjados pelos que, dentro do regime de Salazar, se procuraram apropriar do futebol. Por um lado, será necessário perceber os processos e as condicionantes sociais da prática desportiva, em 103) Urbano Tavares Rodrigues, M. Teixeira- Portugal, e do futebol em particular. A questão médica, respeitante à -Gomes, Edições 70, 1982, pp. 188-189.

/ 67 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

saúde dos praticantes, a começar pela sua compleição física, higiene e alimentação, precede em muito a discussão que se acentua, ao longo da década de 1930, entre os defensores do amadorismo e os que reconheciam a necessidade de impor práticas profissionalizantes. Aliás, conforme argumentava José Pontes, em livro datado de 1934, haveria de considerar que o desporto já contava com quase um século de história e não se poderia esquecer o apoio que diferentes modalidades tiveram da parte de um Teixeira Gomes. Por outro lado, os modos de imaginação da nação, com base na prática desportiva e na organização de provas, estavam também condicionados pelas possibilidades de viajar com regularidade. Ou seja, o Campeonato de Portugal, também chamado Campeonato Nacional de Portugal, que decorreu de 1921/1922 a 1937/1938, tinha lugar no final de cada época futebolística, depois dos Campeonatos Distritais. Os limites financeiros de cada clube, bem como os constrangimentos impostos pelas vias e meios de comunicação impunham que o calendário das provas fosse restrito, durante uma boa parte da época, a uma circulação regional. Donde a importância assumida pelos Campeonatos Distritais e a necessidade de organizar, no final, uma prova nacional, limitada no tempo. Neste sentido, afigura-se muito discutível argumentar que o Campeonato Nacional foi substituído pela Taça de Portugal, quando o que estava em causa a partir da época de 1937/1938 era uma configuração bem diferente de organização do calendário anual das provas desportivas, até então limitadas sobretudo pela região, 04 correspondendo a um modo mais limitado de imaginar a nação.

1926 STADIUM DE LISBOA

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1938 JORNAL O SÉCULO 27 DE JUNHIO 1923 Jornal Sporting

1938 JORNAL OS SPORTS 13 DE MAIO

/ 69 OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE futebol DE 1921 A 1940

Da apreciação da natureza das A natureza experimental dos provas, de um ponto de vista Campeonatos das Ligas é, histórico, concluiu-se que, em tudo, semelhante a esse para lá de uma semelhança recurso provisório, com a cronológica entre o processo excepção importante de que, de institucionalização do para elas, foram estabelecidas Campeonato de Portugal as necessárias bases de 1920 a 1926 e o processo regulamentares: a natureza de consolidação das Ligas O3experimental das Ligas ficou de 1934 a 1937, o carácter consagrada nas deliberações experimental destas últimas do congresso da FPF. O1deriva de um conflito de critérios – o elitista e o No entanto, as competições territorial – que tiveram não são estáticas: os origem na votação do regulamentos dos regulamento provisório Campeonatos das do 1.º Campeonato de Ligas foram alterados Portugal de 1921/1922. O4anualmente até 1938. PONTOS Daqui decorre que esse Essas alterações FUNDAMENTAIS mesmo primeiro Campeonato, acompanharam uma cujas bases legais apenas tendência muito clara de seriam aprovadas na época relativização do Campeonato seguinte de 192219/23, foi de Portugal e dos declarado provisório. campeonatos regionais: as 04 O2 Ligas começaram, primeiro, a ser equiparadas, tanto nas reuniões do congresso, como nas reuniões da direcção, ao Campeonato, tornando-se, depois, oficialmente O5superiores a ele. Os indícios dessa superação podem ser encontrados, na diacronia, na imprensa desportiva, nas reuniões directivas e nos relatórios e contas da direcção.

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Por um lado, usou-se o A ideia de que o Campeonato CAMPEONATOS NACIONAIS Campeonato de Portugal, tal Nacional da I Divisão e a Taça DE FUTEBOL VENCIDOS PELO como a 2.ª Liga, como forma de Portugal são a continuação, SPORTING CLUBE DE PORTUGAL de compensar a interdição de sob outra designação, das Em razão do exposto, acesso à 1.ª. Mas, por outro Ligas e do Campeonato de devem as seguintes lado, as Ligas davam acesso Portugal é falsa e tem origem épocas ser consideradas ao Campeonato de Portugal, num equívoco lamentável na contabilização dos o que dá força a algumas da direcção da Federação, títulos nacionais de futebol do O6posições que conferem ao que é ilegal de um ponto 10Sporting Clube de Portugal: Campeonato um maior grau de vista procedimental, de importância desportiva. contrário às decisões do 1922/1923 Congresso Extraordinário 1933/1934 No defeso da época 1937/1938, de Agosto-Dezembro de 1935/1936 as Ligas deixaram de ser 1938 e insustentável de consideradas experimentais uma perspectiva histórica 1937/1938 – pese embora, enquanto atenta à evolução dos 1940/1941 prova e enquanto modelo 09sentimentos, das atitudes e 1943/1944 competitivo, não tenha dos comportamentos, bem 1946/1947 assumido, formal e como à reconstituição das 1947/1948 O7oficialmente, o carácter de formas concretas de imaginar competição principal nacional. a nação. Depois desse 1948/1949 congresso, completou-se a 1950/1951 A novidade ou antiguidade dos viragem final que vinha sendo 1951/1952 estatutos e dos regulamentos preparada desde 1934 – a 1952/1953 (geral, do Campeonato hierarquia das provas mudou. 1953/1954 Nacional e da Taça de Até 1938, o título máximo era Portugal, de 1938/1939) foi o Campeonato de Portugal. 1957/1958 apreciada e votada, em 1961/1962 conformidade, pelo congresso 1965/1966 da FPF que os declarou novos, 1969/1970 donde se deve estabelecer, 1973/1974 de uma vez por todas, que o 08Campeonato de Portugal e os 1979/1980 Campeonatos das Ligas foram 1981/1982 extintos para o futuro, num 1999/2000 corte radical que a Federação 2001/2002 e os agentes desportivos não tiveram coragem de assumir publicamente à época.

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Lisboa, 5 de Novembro de 2020

(Diogo Ramada Curto)

(Bernardo Pinto da Cruz)

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| Doutorando Bernardo Pinto da Cruz

IPRI-NOVA/FCSH Prof. Doutor Diogo Ramada Curto PARECER OS CAMPEONATOS FUTEBOL DE NACIONAIS 1940 DE 1921 A OS CAMPEONATOS NACIONAIS DE FUTEBOL DE 1921 A 1940

1600-616 Lisboa R. Professor Fernando da Fonseca Estádio José Alvalade Sporting Clube de Portugal