Manejo Conservacionista e Monitoramento Populacional de Quelônios Amazônicos Ministério do Meio Ambiente Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Diretoria de Uso Sustentável de Biodiversidade e Florestas Coordenação de Fauna Silvestre

Manejo Conservacionista e Monitoramento Populacional de Quelônios Amazônicos

Brasília, 2016 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE COORDENAÇÃO-GERAL DE AUTORIZAÇÃO DE USO E GESTÃO DE FAUNA E RECURSOS José Sarney Filho PESQUEIROS João Pessoa Riograndense Moreira Júnior SECRETARIA DE BIODIVERSIDADE E FLORESTAS José Pedro de Oliveira Costa COORDENAÇÃO DE FAUNA SILVESTRE Iria de Souza Pinto DEPARTAMENTO DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO Ugo Eichler Vercillo DA BIODIVERSIDADE Rômulo Mello INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS DIRETORIA DE PESQUISA, AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO DA BIODIVERSIDADE Suely Mara Vaz Guimarães de Aráujo Marcelo Marcelino de Oliveira

DIRETORIA DE USO SUSTENTÁVEL DA COORDENAÇÃO-GERAL DE MANEJO PARA BIODIVERSIDADE E FLORESTAS CONSERVAÇÃO Ana Alice Biedzicki de Marques Rosana Junqueira Subirá

CENTRO NACIONAL DE PESQUISA E CONSERVA- ÇÃO DE RÉPTEIS E ANFÍBIOS Vera Lúcia Ferreira Luz

2 Ministério do Meio Ambiente Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Diretoria de Uso Sustentável de Biodiversidade e Florestas Coordenação de Fauna Silvestre

Manejo Conservacionista e Monitoramento Populacional de Quelônios Amazônicos

Brasília, 2016 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

ORGANIZADOR FOTOS GENTILMENTE CEDIDAS Rafael Antônio Machado Balestra Acervo Técnico do RAN Acervo Técnico do Projeto Pé-de-Pincha REVISORES TÉCNICOS Acervo Técnico do INPA Camila Rudge Ferrara Acervo Técnico do Programa Quelônios da Amazônia José Roberto Moreira Ana Paula Gomes Lustosa Rafael Antônio Machado Balestra Camila Rudge Ferrara Rafael Bernhard José Roberto Moreira Richard C. Vogt Paulo César Machado Andrade Roberto V. Lacava Rafael Antônio Machado Balestra Rafael Bernhard AUTORES Richard C. Vogt Ana Paula Gomes Lustosa Rubens da Rocha Portal Camila Kurzmann Fagundes Camila Rudge Ferrara INSTITUIÇÕES ENVOLVIDAS Cássia Santos Camillo • Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Natu- Fabiano Waldez rais Renováveis (Ibama) Giovanni Salera Júnior • Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade Janderson Rocha Garcez (ICMBio) João Alfredo da Mota Duarte • Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e João Victor Campos de Silva Anfíbios (RAN) José Ribamar da Silva Pinto • Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) José Roberto Moreira • Associação dos Ictiólogos e Herpetólogos do Amazonas (AIHA) Mariel Acácio de Lima • Departamento de Mudanças Climáticas e Gestão de Unida- Paulo César Machado Andrade des de Conservação (DEMUC) Paulo Henrique de Oliveira Guimarães • Projeto Pé-de-Pincha Rafael Antônio Machado Balestra • Projeto Tartarugas da Amazônia: conservando para o futuro Rafael Bernhard • Universidade do Estado do Amazonas (UEA) Rafael Martins Valadão • Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Richard C. Vogt • Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Robinson Botero-Arias • Wildlife Conservation Society (WCS - Brasil) Sinomar F. Fonseca-Junior • Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) Vera Lúcia Ferreira Luz Virgínia Campos Diniz Bernardes PROJETO GRÁFICO Yeda Soares de Lucena Bataus Carlos José

MAPAS REVISORES Vívian Mara Uhlig Maria José Teixeira Ana Célia Luli

Catalogação na Fonte Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis I59r Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos / Rafael Antônio Machado Balestra, Organizador. Brasília: Ibama, 2016. 136 p. ; Il. Color.

ISBN 978-85-7300-381-9

1. Quelônios Amazônicos. 2. Manejo. 3. Monitoramento. 4. Conservação I. Balestra, Rafael Antônio Machado. II. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama. III. Diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas. IV. Coordenação de Fauna Silvestre. V. Título.

CDU(2.ed.) 574

4 Dedicatória

Esta obra é dedicada a todas as pesso- as e instituições que atuaram e atuam na conser- vação dos quelônios amazônicos, em especial aos servidores do extinto Cenaqua, pioneiros da sistemática de manejo e monitoramento repro- dutivo de quelônios amazônicos cujos princípios metodológicos foram prestigiados e, quando possível, adequados às orientações técnicas de vanguarda. Os autores pREFÁCIO

Este Manual Técnico consolida a arte em 1979 pelo Governo Federal brasileiro, que do conhecimento inerente ao manejo e ao mo- se constituiu na maior experiência de monitora- nitoramento populacional de espécies de quelô- mento e manejo reprodutivo de populações para nios amazônicos, estabelecido pelos principais algumas espécies de quelônios amazônicos. grupos de pesquisa e entidades conservacionis- O PQA, idealizado por Vitor Hugo Can- tas relacionados a esse grupo. Tem o objetivo tarelli, foi materializado graças ao apoio de notá- de disseminar e nivelar os procedimentos meto- veis servidores lotados nas Superintendências dológicos relativos ao manejo conservacionista do Ibama nos Estados do Acre, Amapá, Amazo- de espécies, cujas diferentes iniciativas práticas nas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Goiás remontam há 35 anos no Brasil. e Mato Grosso. A eficiência desse projeto de Portanto, esta publicação está alinha- conservação, fruto da atestada competência da aos fundamentos tradicionais, atestados na técnica de seus integrantes, e, principalmente, prática e adequados aos avanços científicos pela relevância ambiental dos serviços presta- nessa abordagem. Essa atualização servirá de dos, o elevou a Centro Especializado, denomi- guia para orientar projetos de manejos, monito- nado Cenaqua/Ibama, que, por sua vez, deu ramentos e pesquisas, de forma sistematizada. origem ao atual Centro Nacional de Pesquisa e Visa também fomentar o desenvolvimento de Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN), hoje ações nas áreas mais relevantes à manutenção vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conser- ou recuperação das populações de quelônios vação da Biodiversidade (ICMBio). amazônicos, de modo a integrar à gestão am- O sucesso do PQA deve-se aos seus biental dessas áreas. executores regionais, pioneiros na sistemáti- Padronizar e nivelar entre os diferen- ca de manejo e monitoramento reprodutivo de tes atores sociais, sejam entidades publicas e quelônios amazônicos, replicada e adaptada por organizações não governamentais, as metodo- diversas entidades públicas e não governamen- logias de manejo e monitoramento populacional tais com atuações análogas. Devido à dedicação de quelônios amazônicos é fundamental para a e ao empenho desses representantes regionais consolidação do banco de dados do SisQuelô- pode-se atestar o êxito na recuperação de es- nios - Sistema de Gestão e Informação dos Que- toques populacionais das espécies manejadas. lônios Amazônicos, compilando as informações A recuperação e manutenção dos índi- obtidas nas séries históricas de projetos afins, o ces populacionais de quelônios amazônicos de- que favorecerá análises comparativas das múlti- sejáveis está condicionada à continuidade, ao plas variáveis decorrentes dos diversos projetos aprimoramento e ampliação dos trabalhos de de pesquisas e monitoramento realizados. proteção, manejo e pesquisa com esses animais. É mister mencionar a relevância do Como toda atividade de gestão ambiental, requer Projeto Quelônios da Amazônia (PQA), criado rigoroso planejamento e revisões periódicas dos Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

procedimentos técnico-metodológicos, segundo Não poderia deixar de ser ressaltado orientações científi cas validadas, e adotados pe- que este livro é fruto da imprescindível colabo- las diversas instituições interessadas. ração técnica dos representantes das diferentes instituições públicas e privadas, e organizações Denota-se ainda, a relevância des- sociais, que o idealizaram no 1º Workshop: Es- te trabalho pela conjugação de esforços entre tratégia para conservação de quelônios da ama- ICMBio e Ibama, em favor da conservação, ab- zônia, promovido pelo Projeto Tartarugas da sorvido pelo Plano de Ação Nacional para Con- Amazônia: conservando para o futuro, realizado servação dos Quelônios Amazônicos, conduzido no INPA, em Manaus-AM, em maio de 2011, com o imprescindível apoio de entidades parcei- com apoio fi nanceiro da Petrobrás Ambiental. ras dessas instituições. A publicação deste Ma- nual é um dos benefícios apresentados como fruto dessa cooperação técnica em prol da so- ciedade, e uma homenagem aos idealizadores e executores operacionais do Projeto Quelônios Vera Lúcia Ferreira Luz da Amazônia. Coordenadora do RAN/ICMBio

8 Sumário

Capítulo 1 Breve histórico da conservação dos quelônios amazônicos no Brasil...... 11

Capítulo 2 História natural e biologia dos quelônios amazônicos...... 15

Capítulo 3 Envolvimento comunitário na conservação de quelônios amazônicos...... 29

Capítulo 4 Planejamento e preparo das áreas monitoradas de reprodução de quelônios amazônicos...... 35

Capítulo 5 Monitoramento da nidificação e manejo de ovos de quelônios amazônicos...... 39

Capítulo 6 Transferência de ninhos de quelônios amazônicos...... 51

Capítulo 7 Monitoramento da incubação dos ovos e manejo de filhotes de quelônios amazônicos...... 61

Capítulo 8 Manutenção em berçários e soltura de quelônios amazônicos...... 71

Capítulo 9 Monitoramento populacional de quelônios amazônicos...... 79

ANEXO 1 Protocolo básico para ações de pesquisa, monitoramento populacional e manejo conservacionista de quelônios amazônicos...... 105

ANEXO 2 Recomendações de ações de educação socioambiental e proteção ambiental para a conservação de quelônios amazônicos...... 111

Anexo 3 Cartilha de capacitação comunitária para a conservação de quelônios amazônicos...... 117

Anexo 4 Fichas de campo...... 129 capítulO 1 Breve histórico da conservação dos quelônios amazônicos no Brasil

Giovanni Salera Júnior, Rafael Antônio Machado Balestra, e Vera Lúcia Ferreira Luz

Alípio de Miranda Ribeiro, Emílio Augusto Goel- di e Manuel Nunes Pereira, descrevendo den- sidades extraordinárias de ninhos e o emprego maciço de ovos para a produção comercial de óleo (VOGT, 2008). Esses relatos são, por vezes, impres- sionantes. No Alto Amazonas e no Madeira, até o estado do Pará, há relatos de que de 2 a 48 mi- lhões de ovos eram utilizados anualmente para a produção de manteiga e óleo, que serviam como alimento ou combustível para iluminação pública (COUTINHO, 1868; BATES, 1892; DIAS DE MATOS, 1895). A “gordura” ou “mixira” era utilizada na produção de alimentos ou na con- servação de carnes. A carne cozida ou frita da tartaruga-da-amazônia expansa ou de outro , como o peixe-boi Trichechus Historicamente, muitas espécies de inunguis, podia fi car semanas, ou meses, imer- quelônios em diversas partes do mundo apre- sa na gordura, preservada, para ser consumida. sentam grande importância alimentar, econômi- A exploração dos quelônios, especial- ca e cultural, tendo seus ovos, carne, vísceras, mente da tartaruga-da-amazônia, era intensa, o gordura e casco sido utilizados intensamente que, consequentemente, acabava envolvendo pelo homem (van DIJK et al., 2014). No Brasil, grande número de pessoas e elevada geração não foi diferente, a exploração das espécies de de divisas. Os governantes a serviço da Coroa quelônios que ocorrem na Amazônia data do Pe- Portuguesa adotaram, naquela época, diversas ríodo Colonial, tendo sido documentada em re- iniciativas que buscavam racionalizar o uso des- latos de naturalistas como Alexandre Rodrigues ses animais. Uma delas era a nomeação de um Ferreira, Johann Baptist von Spix, Karl Friedrich “juiz” como representante da autoridade colo- Philipp von Martius, Francis de la Porte de Cas- nial, que permanecia vigilante nas praias de de- telnau, Alfred Russel Wallace e Henry Walter sova para ninguém se aproximar de tais lugares Bates. Esses relatos também foram feitos por durante a postura. Quando a postura terminava, diversos pesquisadores e escritores que viaja- os “fabricantes de manteiga”, acompanhados ram pelo Rio Amazonas e seus afl uentes, como pelo “inspetor” e seus “assistentes”, faziam a Silva Coutinho, José Veríssimo Dias de Matos, captura das tartarugas matrizes. Segundo essa Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

norma, todo o excesso de animais vivos tinha de 1967, que dispõe sobre a proteção e estí- de ser restituído à liberdade e reposto no rio. mulos à pesca, os quelônios foram novamen- Terça parte dos ninhos com ovos tinha de ser te considerados como pescado, o que forçou poupada para a conservação e propagação das a transferência dos trabalhos de proteção nos tartarugas, e somente os dois outros terços po- rios Trombetas, Purus e Branco, novamente, à diam ser utilizados para a fabricação de man- jurisdição da Sudepe. Em 1970, a Delegacia da teiga. Porém, pouco a pouco, essas e outras Sudepe em Belém (PA) estava desprovida de medidas foram sendo desrespeitadas e assim recursos técnicos, humanos e fi nanceiros, por a exploração se intensifi cou desordenadamen- isso o serviço de proteção aos quelônios retor- te (IBDF, 1973). nou ao IBDF, tendo sua exploração comercial A preocupação com a proteção dos proibida (IBAMA, 1989b). quelônios amazônicos foi mais intensifi cada No início da década de 1970, os que- com a chegada da República. Em 1932, foi cria- lônios, em especial as espécies tartaruga-da da a Divisão de Caça e Pesca, no Ministério da -amazônia e o tracajá Podocnemis unifilis esta- Agricultura, e, em seguida, instalado o Serviço vam indicados para compor a lista de animais de Caça e Pesca, gerenciado pelo Ministério da brasileiros em processo de extinção. A primeira Marinha. Em 1934, foi promulgado o Código lista foi publicada em 1973 (Portaria IBDF nº de Caça e Pesca para a proteção dos recursos 3.481, de 31 de maio de 1973), mas as espé- faunísticos e pesqueiros, que fazia restrições cies de quelônios da Amazônia não foram in- ao uso e captura de quelônios. O Serviço de cluídas. Nesse mesmo ano, o IBDF apresentou Caça e Pesca era responsável pela proteção da no Simpósio Internacional sobre Fauna e Pesca fauna, inclusive de quelônios, mas, novamente, Fluvial Lacustre Amazônica, realizado em Ma- assim como as primeiras iniciativas tomadas naus (AM), as experiências acumuladas nos ainda no Período Colonial, pouco efeito teve primeiros anos do trabalho de proteção dos para a proteção desses animais. Em 1962, a Di- quelônios amazônicos. Após sua apresenta- visão de Caça e Pesca foi extinta e criada a Su- ção, fi cou defi nido que uma equipe composta perintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe), entidade subordinada ao Ministério por servidores de várias instituições e Estados, da Agricultura, mudança que pouco benefi ciou sob a coordenação do veterinário José Alfi nito os quelônios amazônicos. (IBDF), realizaria amplo levantamento das áreas de ocorrência e desova desses animais. Esse O Governo Federal, para tentar rever- trabalho foi realizado nos dois anos seguintes e ter esse quadro, iniciou em 1964 as primei- culminou com a publicação do Boletim Técnico ras ações de proteção aos quelônios nos rios nº 5, do IBDF, em novembro de 1978 (ALFINI- Trombetas (Pará), Purus (Amazonas) e Branco TO, 1978). Esse levantamento proporcionou a (Roraima) (IBAMA, 1989a). De modo geral, as ampliação dos conhecimentos relacionados à ações nos rios Purus e Branco restringiam-se distribuição, abundância e às principais amea- unicamente ao patrulhamento dessas áreas no ças desses animais, e acabou contribuindo para período de desova. Somente no Rio Trombetas que, em 1975, a tartaruga-da-amazônia e o tra- é que tais iniciativas tiveram continuidade por meio do apoio de pesquisadores e de outras cajá fossem incluídos no Apêndice II da Con- instituições. Essas ações foram iniciadas pela venção sobre Comércio Internacional de Espé- Agência do Departamento de Recursos Natu- cies da Fauna e Flora Selvagem em Perigo de rais Renováveis (DRNR), do Ministério da Agri- Extinção (Cites), por meio do Decreto Federal cultura. Em 1967, foi criado o Instituto Brasileiro nº 76.623/75. Outra importante contribuição foi de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e extinto a retomada e ampliação de ações de proteção o DRNR, que passou os respectivos acervos, aos quelônios. No início da década de 1970, patrimônios e recursos fi nanceiros ao novo ins- apenas dois rios (Trombetas e Tapajós), ambos tituto. A partir desse momento, as ações de no estado do Pará, estavam de fato sob regime proteção aos quelônios fi cariam exclusivamen- de proteção. Outras áreas passaram, então, a te a cargo do IBDF. Porém, em 1968/69, por ser efetivamente protegidas, tais como o Rio força do Decreto-Lei nº 221, de 28 de fevereiro Branco (1977/78) e o Rio Xingu (1979).

12 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

Em 1979, foi criado o Projeto de Pro- com a publicação da Portaria nº 259/2011, com teção e Manejo dos Quelônios da Amazônia, a denominação de Programa Quelônios da coordenado pelo IBDF, popularmente conheci- Amazônia, com estrutura e concepção funcional do como Projeto Quelônios da Amazônia (PQA), tradicional sob responsabilidade da Coordenação com o objetivo de proteger e manejar a repro- de Fauna Silvestre (Cofau), vinculada à Diretoria dução dos quelônios de água doce da amazônia de Uso Sustentável da Biodiversidade e brasileira. Com o PQA essas ações foram forta- Florestas (DBFLO), do Ibama (Quadro 1). lecidas e ampliadas e, com o conhecimento acu- mulado ao longo dos anos, o IBDF defi niu uma metodologia básica para a proteção e manejo Quadro 1 – Síntese desenvolvida pelo Governo desses animais. Em 1989, 10 anos após a criação Federal, nas últimas quatro décadas, do históri- do Projeto Quelônios da Amazônia, foi criado o co de proteção dos quelônios amazônicos. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re- cursos Naturais Renováveis (Ibama), a partir da fusão do IBDF com outros três órgãos federais: Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), Superintendência da Borracha (Sudhevea) e Su- perintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe). Para ampliar e integrar as ações do PQA, o Ibama criou, em 1990, o Centro Nacional de Quelônios da Amazônia (Cenaqua), por meio da Portaria Ibama nº 870/90. Após 13 anos de experiência e conhe- cimentos adquiridos com o Projeto Quelônios da Amazônia, que posteriormente passou a chamar-se Programa Quelônios da Amazônia, o Cenaqua publicou a Portaria Ibama nº 142/92, que regulamenta a instalação de criadouros comerciais de tartaruga-da-amazônia e tracajá em A partir de então, o RAN, por meio do suas áreas naturais de ocorrência. Mais tarde, Programa de Monitoramento e Manejo Conser- em 1996, foi publicada a Portaria Ibama nº 070, vacionista de Quelônios Amazônicos, vem im- que regulamenta o comércio dessas espécies, plementando uma série de ações por meio de seus produtos e subprodutos. Suas premissas projetos de pesquisa direcionados à conserva- são gerar alternativa de renda para reduzir a ex- ção dos quelônios amazônicos, especialmente ploração ilegal dos quelônios amazônicos. nas unidades de conservação federais. O con- junto de tais projetos também é genericamente Por causa de uma ampliação taxonômica denominado Programa Quelônios da Amazônia, e pela reorganização funcional no Ibama, o Cena- efetivado graças ao apoio técnico de importan- qua tornou-se o Centro de Conservação e Manejo tes entidades conservacionistas e de pesqui- de Répteis e Anfíbios (RAN) em 2001. Esse órgão sa, como o Instituto Nacional de Pesquisas da veio para gerir e licenciar, em todo o território na- Amazônia (INPA), a Empresa Brasileira de Pes- cional, as atividades de manejo e conservação dos quisa Agropecuária (Embrapa), a Universidade répteis e anfíbios continentais brasileiros, dando Federal do Pará (UFPA), a Universidade Federal prioridade às espécies ameaçadas de extinção e do Amazonas (UFAM), a Universidade Federal de interesse econômico. do Tocantins (UFT), a Associação de Ictiólogos Em 2007, o RAN passou a ser e Herpetólogos da Amazônia (AIHA), o Institu- denominado Centro Nacional de Pesquisa e to de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá Conservação de Répteis e Anfíbios, mantendo a (IDSM), o Projeto Pé-de-Pincha, o Projeto Tarta- mesma sigla, porém vinculado ao Instituto Chico rugas da Amazônia, entre outros. Nas áreas de Mendes de Conservação da Biodiversidade atuação do Programa Quelônios da Amazônia (ICMBio), que foi desmembrado do Ibama. são protegidas, monitoradas e manejadas, Depois disso, o PQA retornou à tutela do Ibama, prioritariamente, a tartaruga-da-amazônia e o

13 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

tracajá, e, secundariamente, o iaçá Podocnemis sextuberculata, a irapuca Podocnemis erythro- cephala, o cabeçudo Peltocephalus dumeri- lianus e o muçuã scorpioides, devi- do à importância socioeconômica e cultural que representam em suas regiões de ocorrência. Há fortes indícios, com base nos rela- tórios técnicos do acervo do PQA, de declínios populacionais de espécies de quelônios da Ama- zônia, notadamente da tartaruga-da-amazônia em algumas regiões. A principal suspeita desse declí- nio é a histórica coleta de ovos, caça extrativista e, mais recentemente, a sobrexploração desses recursos para o consumo não tradicional e o co- mércio ilegal. O efeito da destruição dos habitats (fl orestas alagáveis de várzeas e igapós) não tem sido devidamente considerado, mas o declínio po- REFERÊNCIAS pulacional em questão coincide com o aumento da exploração da madeira, da introdução de gado e de pastagens na planície amazônica, bem como ALFINITO, J. Identifi cação dos principais tabu- a destruição de praias e alagamento de sítios de leiros de tartarugas no Rio Amazonas e seus nidifi cação pela construção de hidrelétricas, caso afl uentes. Boletim Técnico, Instituto Brasilei- da Usina Hidrelétrica (UHE) de Balbina, que afe- ro de Desenvolvimento Florestal, Brasília, n. tou negativamente os sítios de nidifi cação de P. 5, p. 27-84, 1978. expansa no interior da Reserva Biológica (Rebio) BATES, H. W. The Naturalist on the river Uatamã/AM. Amazon. London: John Murray, 1892. 395 p. Em 35 anos de execução do Programa COUTINHO, J. M. S. Sur lês tortues de l’Ama- Quelônios da Amazônia, foram manejados mais zone. Bulletin de la Societé Zoologique de 65 milhões de quelônios nos estados das d’Aclimatation, Paris, v. 5, p. 147-166, 1868. regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil, desta- DIAS DE MATOS, J. V. A pesca na Amazônia. cando a tartaruga-da-amazônia e o tracajá. Essas Monografi as Brasileiras III. Rio de Janeiro: Livra- ações têm proporcionado conservar e recuperar ria Clássica de Alves, 1895. 207 p. as populações naturais dessas espécies e, con- IBAMA. Manual Técnico: Projeto Quelônios sequentemente, contribuir para a conservação da Amazônia. Brasília: Ibama, 1989a. 119 p. da biodiversidade a elas associadas. Deve-se considerar que foi graças aos esforços desse IBAMA. Projeto quelônios da mazônia, 10 Programa, em suas diversas interfaces, que anos. Brasília: 1989b. 119 p. nenhuma dessas espécies aparece em lista de IBDF. Preservação da Tartaruga Amazônica. ameaçada de extinção no território brasileiro. A Belém: IBDF, 1973. 110 p. manutenção de índices populacionais desejá- van DIJK, P. P.; IVERSON, J.; RHODIN, A.; SHA- veis dessas espécies depende da continuidade FFER, H.; BOUR, R. Working dos trabalhos de proteção, manejo e monitora- Group. of the World. 7th Ed. Annotated mento. Como toda atividade que requer perio- Checklist of Taxonomy, Synonymy, Distribution dicamente rigoroso planejamento e revisão de with maps, and . Chelonian conduta, são demandados esforços no sentido Research Monographs, n. 5, v. 7, p. 329-479, de nivelar, entre os atores sociais envolvidos 2014. nessas ações, as metodologias do manejo con- VOGT, R. C. . Lima, servacionista e do monitoramento populacional Tartarugas da Amazônia Peru, 2008. 104 p. a serem implementadas.

14 capítulO 2 História natural e biologia dos quelônios amazônicos

Camila Rudge Ferrara, Virgínia Campos Diniz Bernardes, Fabiano Waldez, Richard C. Vogt, Rafael Bernhard, Rafael Antônio Machado Balestra, Yeda Soares de Lucena Bataus e João Victor Campos

Os quelônios, conhecidos como tar- dines ou Chelonia. O termo Testudines é fre- tarugas, cágados ou jabutis, e na Amazônia quentemente usado para todas as espécies de bichos de casco, pertencem à ordem Testu- tartarugas, incluindo o ancestral comum Proga-

nochelys e os dois clados atuais, e teralmente (Figura 1a), já Cryptodira (crypto = . O termo Chelonia é utilizado apenas escondido) retrai a cabeça para dentro do cas- para os clados atuais (POUGH et al., 1998). A co, curvando o pescoço na forma de um “S” espécie Pleurodira (pleuro = lado, dire = pes- vertical (Figura 1b) (POUGH et al.,1998). coço) retrai a cabeça, curvando o pescoço la- Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

Figuras 1a e b – Representante das ordens Pleurodira (A) e Cryptodira (B).

O corpo dos quelônios é recoberto por característica que melhor distingue esse grupo uma armadura óssea, o casco, composto por de répteis anapsidas. A armadura divide-se em ossifi cações dermais que incorporam vértebras, duas partes: carapaça (dorsal) e plastrão (ven- coluna e porções da cintura peitoral. O casco é a tral) (Figura 2) (POUGH et al., 2003).

Pleurodira Cryptodira

Figura 2 – Escudos epidérmicos da carapaça (acima, vista dorsal) e do plastrão (abaixo, vista ventral) de um representante de Pleurodira e outro de Cryptodira. Ressalta-se que as espécies da família , pertecente à ordem Pleurodira, não possuem escudo nucal.

16 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

São conhecidas 335 espécies de de quelônios (36), com destaque para a Amazô- quelônios que, incluindo as subespécies, repre- nia brasileira, onde são conhecidas 17 espécies sentam 453 táxons modernos, divididos em 14 continentais: 15 aquáticas e duas terrestres (Ta- famílias (van DIJK et al., 2014). O Brasil é um bela 1) (VOGT, 2008; van DIJK et al., 2014). dos cinco países com maior riqueza de espécies

Tabela 1 – Lista das 17 espécies de quelônios encontradas na Amazônia brasileira.

Grupo taxonômico Nome popular Cryptodira punctularia (Daudin 1801) perema Kinosternon scorpioides (Linnaeus 1766) cabeçudinho, peito-de-mola, muçuã Testudinidae carbonarius (Spix 1824) jabuti-vermelho, jabuti-piranga Chelonoidis denticulatus (Linnaeus 1766) jabuti-amarelo, jabuti-tinga Pleurodira fimbriata (Schneider 1783) mata-mata gibba (Schweigger 1812) cágado-de-poças-da-fl oresta Mesoclemmys nasuta (Schweigger 1812) cágado-da-cabeça-de-sapo-comum (Gray 1856) lalá geoffroanus (Schweigger 1812) cangapara, cágado-de-barbicha (Peters 1870) cágado-de-barbicha, cágado-rajado Platemys platycephala (Schneider 1792) jabuti-machado Rhinemys rufipes (Spix 1824) cágado-vermelho Podocnemididae Peltocephalus dumerilianus (Schweigger 1812) cabeçudo Podocnemis erythrocephala (Spix 1824) irapuca, calalumã Podocnemis expansa (Schweigger 1812) tartaruga-da-amazônia, capitari, viração Podocnemis sextuberculata Cornalia 1849 iaçá, pitiú, cambéua Podocnemis unifilis Troschel 1848 tracajá, zé-prego

Fonte: van DIJK et al., 2014.

Os quelônios vivem em ambientes rés, grandes peixes, mamíferos, aves e outros terrestres e aquáticos. Onde ocorrem, são res- (VOGT, 2008). Sendo assim, os quelônios são ponsáveis por diversas interações ecológicas importantes na ciclagem de nutrientes desses como, por exemplo, a dispersão de sementes ambientes, por transformarem em proteína ani- (MOLL; JANSEN, 1995; LIU et al., 2004). Com mal a matéria orgânica, viva ou morta, oriunda dieta variada, consomem plantas (folhas, frutos tanto da fl oresta como do ambiente aquático e sementes), insetos, peixes e matéria morta, (MOLL; MOLL, 2004). Ao ingerir grandes quan- participando de complexas teias alimentares en- tidades de matéria morta, os quelônios estão quanto predadores ou presas naturais de jaca- atuando para limpar rios e lagos. Estima-se

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que tartarugas da família Chelidae consumam cubação, época em que é defi nido o sexo do 180.000 toneladas de matéria morta por ano, embrião (YNTEMA, 1979), que, na maioria das na Riverina, região agrícola do sudoeste da espécies, corresponde ao segundo terço do de- Nova Gales do Sul, Austrália, formada pelos rios senvolvimento embrionário (JANZEN; PAUKS- Murray e Murrumbidgee. Isso equivale à remo- TIS, 1991). Durante o período crítico de incu- ção de 430 toneladas de matéria morta por dia bação, o tempo que o embrião é exposto às (THOMPSON, 1993). temperaturas acima ou abaixo da temperatura pivotal determina o sexo (BULL, 1985). Caracteristicamente, esse grupo de animais possui ciclo de vida longo, no qual a Geralmente, as temperaturas dos ni- maturidade sexual é atingida tardiamente nhos no início e fi nal do período de incubação (TURTLE CONSERVATION COALITION, 2011). não infl uenciam na determinação sexual (BULL; Por isso, a manutenção de populações naturais VOGT, 1981). Entretanto, se o desenvolvimen- saudáveis depende da existência de animais to embrionário inicial for lento, o período sensí- sexualmente maduros, principalmente fêmeas vel à temperatura para a determinação do sexo adultas. Contraditoriamente, as fêmeas são as será tardio. Por exemplo, se um fi lhote nasce mais caçadas, por terem maior tamanho cor- após 60 dias de incubação, o período provável poral (KLEMENS, 2000). Outra característica no qual a temperatura infl uiu na determinação desse grupo é a alta predação de ovos e alta do seu sexo foi do 20º ao 40º dia. No entanto, mortalidade de fi lhotes a que está submetido, se a temperatura inicial de incubação for bai- desde o nascimento até atingir o tamanho no xa, o desenvolvimento embrionário inicial será qual a carapaça fornece proteção efetiva (TURT- lento e, consequentemente, o período termos- LE CONSERVATION COALITION, 2011). sensível terá início um pouco após o 20º dia de incubação. O contrário é verdadeiro no caso de A reprodução dos quelônios é por temperaturas iniciais elevadas. Em ninhos natu- meio de ovos, que são depositados em ninhos rais a temperatura do ninho oscila, fazendo com cavados nos mais diferentes tipos de substrato. que o período termossensível seja um pouco A determinação do sexo pode ser genética (ge- mais longo, estendendo-se do 15º ao 45º dia notypic sex determination – GSD) em algumas (VOGT; BULL, 1982; SOUZA; VOGT, 1994). espécies que possuem cromossomos com di- morfi smo sexual, caso das espécies da família A maior parte dos programas de prote- Chelidae, ou pela temperatura de incubação ção de áreas de desova de quelônios existen- (temperature-dependent sex determination – tes na Amazônia tem como alvo as espécies da TSD), durante o desenvolvimento embrionário família Podocnemididae, devido ao interesse (BULL; VOGT, 1979; BULL, 1980). Em todas as comercial. A seguir, será apresentado um resu- espécies da família Podocnemididae estudadas mo das características conhecidas sobre a bio- a determinação sexual depende da temperatu- logia de cada uma das espécies dessa família ra de incubação. Nessas espécies, fêmeas nas- existentes do Brasil, assim como informações cem em temperaturas de incubação mais altas sobre a espécie Kinosternion scorpioides, úni- que os machos (SOUZA; VOGT, 1994; VALEN- ca da família Kinosternidae ocorrente no País, ZUELA et al., 1997; PEZZUTI, 1998; VALEN- e ainda pouco comtemplada em programas de ZUELA, 2001; EWERT et al., 2004; de la OSSA proteção e manejo, mas severamente explora- 2007; VOGT, 2008). da pelo consumo e comércio ilegal, em vários lugares. Seu status de conservação internacio- Os quelônios com TSD caracterizam- nal, defi nido peloTortoise and Freshwater Turt- se por apresentar uma ou duas temperaturas le Specialist Group (TFTSG – Grupo de Especia- pivotais que correspondem às temperaturas listas em Jabutis e Tartarugas de Água Doce) da cuja razão sexual resultante é, em média, de International Union for Conservation of Nature 50% para cada sexo (VOGT; BULL, 1982). (IUCN – União Internacional para a Conservação Também apresenta um período crítico de in- da Natureza) também é apresentado.

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2.1 Tartaruga-da-amazônia Podocnemis expansa Possui coloração marrom, cinza ou ver- de-oliva e sua carapaça é achatada e mais larga na região posterior. Os fi lhotes e jovens apre- sentam manchas amarelas na cabeça, enquanto as fêmeas adultas sofrem variação ontogenéti- ca nesse colorido amarelo, que torna-se marrom -escuro com o avançar da idade. O macho possui uma cauda proporcionalmente mais comprida que a da fêmea, no entanto, seu comprimento corporal é menor. Quando adultos, são predomi- nantemente herbívoros (VOGT, 2008).

Figura 3 – Fêmea adulta de tartaruga-da-amazônia. Durante a estação de seca dos rios, as tartarugas-da-amazônia migram à procura dos sítios de nidifi cação (OJASTI, 1967; ALHO; A tartaruga-da-amazônia (Figura 3) PÁDUA, 1982; VOGT, 2008). O período da de- é a maior espécie do gênero Podocnemis, sova varia de acordo com a localidade e o ciclo chegando a medir 90 cm de comprimento e de cheia e seca dos rios. No Rio Araguaia, por pesando até 65 kg. Ocorre em quase todos exemplo, a nidifi cação ocorre entre os meses os tributários do Rio Amazonas, desde o leste de setembro e outubro, bem como no Rio Trom- dos Andes até a Bacia do Rio Orinoco (Figura betas (PÁDUA, 1981; ALHO; PÁDUA, 1982; 4) (VOGT, 2008). Seu estado de conservação VOGT, 2008), enquanto no Rio Tapajós ocorre no território brasileiro é de quase ameaçada de entre outubro e novembro (PRITCHARD, 1979). extinção (NT) (ICMBio, 2014) e para a região Em localidades como nos rios Guaporé, Trom- amazônica como um todo, categoriza-se como betas, Xingu e Purus, as desovas ocorrem em criticamente ameaçada, segundo a avaliação grandes grupos, nas praias altas de areia gros- realizada pelo TSTFG (van DIJK et al., 2014). sa (RUEDA-ALMONACID et al., 2007; VOGT, 2008). Cerca de um mês antes da postura, as tartarugas-da-amazônia agrupam-se em frente aos tabuleiros (praias de desova). Nesse perío- do, elas saem da água para assoalhar (termor- regular) (PÁDUA, 1981; ALHO; PÁDUA, 1982; FERRARA et al., 2010), aumentando a taxa me- tabólica e acelerando a ovulação (VOGT, 2008). Ao sair da água para desovar, as tartarugas an- dam pela praia (deambulação) buscando um lo- cal adequado para sua única postura anual. Após a postura, retornam para a água e continuam agregadas em frente às praias, por um perío- do de 45 a 60 dias, que coincide com a subida das águas e o nascimento dos fi lhotes (PÁDUA, 1981; ALHO; PÁDUA, 1982; FERRARA et al., 2012, 2014). São depositados, em média, 100 ovos (VANZOLINI, 1967, 2003; RUEDA-ALMO- NACID et al., 2007) que assemelham-se a bolas de ping-pong e são pergaminhosos, medindo cerca de 38 mm de diâmetro e pesando, em média, 31 g. A profundidade dos ninhos varia de 370 a 870 mm. O período de incubação dos Figura 4 – Mapa de distribuição da tartaruga- ovos varia de 36 a 75 dias, dependendo da lo- da-amazônia. calidade (FERREIRA JUNIOR; CASTRO, 2003).

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2.2 Tracajá Podocnemis unifilis A carapaça dos fi lhotes é cinza-escu- ro, marrom ou verde-oliva, com uma borda de tom amarelado, que, em machos adultos, é geralmente preta, enquanto em fêmeas tende a ser cinza ou marrom-claro. Os fi lhotes e ma- chos adultos apresentam manchas amarelas na cabeça, enquanto nas fêmeas adultas o colorido amarelo torna-se marrom-escuro com o avançar da idade. O macho possui uma cauda propor- cionalmente mais comprida que a da fêmea, Figura 5 – Indivíduo juvenil de tracajá. mas seu comprimento corporal é menor. Quan- O tracajá (Figura 5) é a espécie mais co- do adultos, são predominantemente herbívoros mum do gênero Podocnemis, chegando a medir (VOGT, 2008). um pouco menos de 50 cm de comprimento e O tracajá é uma das espécies de que- pesando até 12,5 kg (VOGT, 2008). Possui am- lônio amazônico menos seletivas para deso- pla distribuição em planícies tropicais do norte var, escolhendo desde praias arenosas, altas da América do Sul, nas bacias venezuelanas e abertas, até praias baixas, solos areno-argi- dos rios Orinoco e Amazonas, leste da Colôm- losos nas margens de lagos, barrancos com bia, leste do Equador, nordeste do Peru, Guia- na Francesa, Guiana, Suriname e Bacia do Rio pouca inclinação, em meio à vegetação arbus- Amazonas, no norte do Brasil e norte da Bolívia tiva ou herbácea, e áreas sombrias em solo (VOGT, 2008) (Figura 6). Seu estado de conser- argiloso na borda da fl oresta. Seus ninhos são vação no território brasileiro é de quase amea- feitos geralmente em locais com altura entre çado de extinção (NT) (ICMBio, 2014) e para a dois e quatro metros em relação ao nível da região amazônica como um todo, categoriza-se água. Geralmente, a desova ocorre individual- como ameaçado, segundo avaliação realizada mente, mas já foram vistos pequenos grupos pelo TSTFG (van DIJK et al., 2014). de fêmeas nidifi cando ao mesmo tempo. Até duas desovas podem ser realizadas em uma mesma estação, que ocorre anualmente du- rante o período de seca dos rios (SOINI, 1994; VOGT, 2008). A profundidade máxima dos ninhos de tracajá é de 200 mm, variando de 100 a 285 mm (PANTOJA LIMA, 2007). O número médio de ovos, por ninho, varia entre as localidades, como por exemplo: 16 no Parque Indígena do Rio Xingu (MT), 19 na Rebio Trombetas (PA), 30 na Rebio Abufari, Rio Purus (AM), 32 no Rio Guaporé (RO) e 35 nos rios Japurá e Solimões (AM) (RAEDER, 2003; FACHÍN-TERÁN; von MÜLHEN, 2003; PANTOJA LIMA, 2007). Os ovos possuem casca calcárea/quebradiça e são alongados, medindo, em média, 38 e 48 mm de comprimento e largura, respectivamente, e pe- sando entre 14 e 35 g. O período de incubação é de 45 a 70 dias, aproximadamente, dependendo da localidade (VOGT, 2008). Figura 6 – Mapa de distribuição do tracajá.

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2.3 Iaçá ou pitiú Podocnemis sextuberculata A carapaça do iaçá é convexa e mar- cadamente expandida posteriormente. Uma característica marcante é a presença de seis tu- bérculos no plastrão dos fi lhotes e dos jovens (os tubérculos tendem a desaparecer quando atingem tamanho de 10-15 cm de comprimento da carapaça). O padrão de coloração da cabeça dos juvenis e machos adultos é de cinza-escuro a claro, com pontos de tom amarelado. As fê- meas começam a perder a cor amarelada quan- do atingem comprimento de 15 cm, substituída por coloração marrom. Alimenta-se de plantas aquáticas, peixes e moluscos, e a frequência Figura 7 – Exemplar de fêmea adulta de iaçá. da ingestão de sementes diminui em função do crescimento do animal (FACHÍN-TERÁN, 1999; VOGT, 2008; DA CUNHA, 2013). O iaçá (Figura 7) é uma das espécies de menor tamanho do gênero Podocnemis, atingin- Indivíduos dessa espécie desovam à do cerca de 34 cm e pesando até 3,5 kg (VOGT, noite, comumente sozinhos ou em pequenos 2008). No território brasileiro, seu estado de con- grupos de 20 a 50. Enquanto a tartaruga-da-ama- servação é de quase ameaçada de extinção (NT) zônia desova nas partes mais altas das praias e (ICMBio, 2014). Foi também considerada vulne- tabuleiros, o iaçá pode fazê-lo também nas par- rável (VU) na Amazônia internacional, segundo tes mais baixas da praia. No Rio Japurá (AM) foi avaliação realizada pelo TSTFG (van DIJK et al., observado que a preferência é pela parte mais 2014). Sua distribuição geográfi ca compreende a alta das pequenas ondulações existentes na bacia de drenagem do Rio Amazonas no Brasil, praia, formadas pelo fl uxo do rio no período de Peru e Colômbia (VOGT, 2008) (Figura 8). cheia. As margens de lagos também podem ser utilizadas para a desova desta espécie. O tipo de substrato preferencial é o arenoso. Em alguns rios, no período de seca, a desova ocorre antes da do tracajá e da tartaruga-da-amazônia. Até três desovas podem ser realizadas pela mesma fêmea durante uma estação reprodutiva (BER- NHARD, 2001). Os ovos são elípticos com casca dura e quebradiça e medem entre 20,1 e 58,7 mm de comprimento e de 15,3 a 47,3 mm de lar- gura (CEBALLOS et al., 2012). No Rio Japurá (AM), os ninhos contêm de 6-25 ovos (média = 15,8) (PEZZUTI; VOGT, 1999). Na Reserva Bio- lógica do Abufari (AM) foi observada uma mé- dia de 13 ovos por ninho, sendo que a maior ni- nhada continha 39 ovos. A massa dos ovos de um ninho varia de 6 a 39 g (CEBALLOS et al., 2012), a profundidade do ninho de 100 a 280 mm (HALLER; RODRIGUES, 2006; PANTOJA LIMA, 2007) e o período de incubação entre 48 e 77 dias (CEBALLOS et al., 2012). Figura 8 – Mapa da distribuição do iaçá.

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2.4 Irapuca Podocnemis erythrocephala Uma característica marcante na espé- cie é o padrão de cor vermelha ou alaranjada na cabeça, daí a origem do seu nome cientí- fi co. Nos machos o padrão avermelhado per- siste até a fase adulta, enquanto nas fêmeas há variação ontogenética e o colorido averme- lhado torna-se marrom-escuro. As fêmeas são maiores que os machos, pois estes possuem caudas mais longas e espessas. São primaria- mente herbívoras, alimentando-se de plantas aquáticas e frutos que caem nos igapós (igara- pés), apesar de peixes também fazerem parte Figura 9 – Exemplar de fi lhote macho de irapuca. da sua dieta (VOGT, 2008).

A irapuca é a menor espécie do gênero A postura dos ovos da irapuca aconte- Podocnemis, podendo atingir até 32 cm (VOGT, ce durante a noite. Os ninhos da espécie são 2008) (Figura 9). No território brasileiro seu es- encontrados em praias cobertas com gramas tado de conservação é categorizado como não e arbustos, mas quando o nível do rio desce, havendo dados sufi cientes (DD) (ICMBio, 2014) são postos em áreas de campina. Os ninhos e para a região amazônica como um todo, ca- em áreas de campina distam cerca de 100 m tegoriza-se como vulnerável (VU) segundo a do corpo d’água mais próximo, podendo che- avaliação realizada pelo TSTFG (van DIJK et al., gar a até 500 m (NOVELLE, 2006). A espécie 2014). Sua distribuição geográfi ca compreende pode depositar seus ovos também em áreas principalmente a Bacia do Rio Negro, além de abertas, no solo da mata de igapó e em praias tributários dos rios Solimões e Amazonas. Tam- arenosas com areia branca. Podem desovar bém são conhecidas localidades no leste da Co- até quatro vezes em uma estação reprodutiva lômbia e no Orinoco, e sudeste da Venezuela (VOGT, 2001). (VOGT, 2008) (Figura 10). O número de ovos de irapuca encontra- do por ninho varia de acordo com a região. No município de Santa Isabel do Rio Negro (AM), no Médio Rio Negro, foi encontrada uma média de 8,7 ovos (2-16 ovos) por ninho (BATISTELLA, 2003; BATISTELLA; VOGT, 2008). Próximo a Barcelos (AM), em um tributário do Rio Negro (Rio Itu), os ninhos têm uma média de 8 ovos (4-18 ovos) (VOGT, 2001). Já no Baixo Tapajós foram registrados 6,95 ovos (5-11 ovos) por ni- nho (CARVALHO et al., 2011). Os ovos medem de 30 a 49,9 mm de comprimento e entre 19 e 33,2 mm de largura e pesam de 9 a 23,3 g (BERNHARD et al., 2012). A profundidade má- xima do ninho de irapuca ocorre geralmente entre 70-225 mm (BATISTELLA; VOGT, 2008) enquanto o período de incubação varia de 65-87 dias (NOVELLE, 2006).

Figura 10 – Mapa de distribuição da irapuca.

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2.5 Cabeçudo Peltocephalus dumerilianus A espécie geralmente possui a curva- tura da carapaça alta em relação a outras espé- cies da família. Contrariamente, na maioria dos demais gêneros de quelônios aquáticos e nas espécies da sua família, os machos são maiores que as fêmeas (De La OSSA; VOGT, 2011). Sua dieta é onívora, sendo a espécie da família Po- docnemididae que mais consome matéria ani- mal (VOGT, 2008). Diferentemente de outras espécies da família, o cabeçudo não desova em praias aber- tas, mas na fl oresta de igapó. Os ninhos são so- litários e postos em terra dentro da fl oresta, jun- Figura 11 – Indivíduo adulto de cabeçudo. to às raízes de árvores caídas em meio a folhas e cupinzeiros, ou na sua borda, em barrancos, o O cabeçudo (Figura 11) é uma das que difi culta sua localização (FÉLIX DA SILVA, maiores espécies da família Podocnemididae, 2004; VOGT, 2008). chegando a medir até 50 cm de comprimento Assim como nas outras espécies da fa- e pesando de 8 a 14 kg (VOGT, 2008). Seu es- mília, os ninhos de cabeçudo variam em número tado de conservação no território brasileiro é de ovos de acordo com a região. No Rio Trombe- categorizado como menos preocupante (LC) tas, Pará, o tamanho da ninhada varia de 3 a 25 (ICMBio, 2014) e para a região amazônica como ovos (média =16), que medem de 50-58 mm de um todo, categoriza-se como vulnerável (VU) comprimento e de 34-39 mm de largura (VOGT segundo a avaliação realizada pelo TSTFG (Van et al., 1994). Já no Rio Cumicuri, tributário do Rio DIJK et al., 2014). É uma espécie amplamente Negro, a espécie deposita de 7-25 ovos, que me- distribuída na Bacia Amazônica, sendo abundan- dem em média 55 mm de comprimento e 36 mm te no Rio Negro e em típicos rios de água preta de largura. No Rio Jaú, outro tributário do Rio Ne- (VOGT, 2008) (Figura 12). gro, esta espécie põe entre 8-22 ovos, que me- dem em média 54,6 mm de comprimento (FÉLIX DA SILVA, 2004). Os ninhos são depositados em uma distância de 2,5 a 12 m do rio, em solo da mata de igapó. A profundidade máxima do ninho varia de 8,5 a 24 cm, enquanto o período médio de incubação é de 119,6 dias, variando de 106 a 135 dias (FÉLIX DA SILVA, 2004).

2.6 Muçuã Kinosternon scorpioides

Figura 12 – Mapa de distribuição geográfi ca do cabeçudo. Figura 13 – Indivíduo adulto de muçuã.

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A muçuã é uma das menores espécies determinado pela temperatura de incubação de quelônios da Amazônia, medindo de 18 a 27 (TSD) (RUEDA-ALMONACID et al., 2007) e a cm de comprimento (VOGT, 2008) (Figura 13). maturidade sexual é atingida de 2,8 a 5 anos Seu estado de conservação no território brasi- (VOGT, 2008). A primeira desova ocorre, leiro é categorizado como menos preocupante em geral, quando a fêmea atinge 10 cm de (LC) (ICMBio, 2014). A espécie ocorre do Mé- comprimento da carapaça (BARRETO et al., xico à América do Sul, na Argentina, Paraguai, 2009). Entre os machos, a maturidade sexual é Bolívia, Peru, Colômbia, Guiana e Trinidad. No atingida de 10 cm (BARRETO et al., 2009) a 13,2 Brasil, ocorre na Região Nordeste e nos estados cm de comprimento da carapaça (VOGT, 2008). do Amazonas, Pará, Amapá, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins, Goiás e Minas Gerais (PRIT- O período reprodutivo acontece CHARD; TREBBAU, 1984; VOGT, 2008) (Figura uma vez por ano (ROCHA; MOLINA, 1990; 14). RUEDA-ALMONACID et al., 2007; VOGT, 2008), com uma a três ninhadas por estação reprodutiva (VOGT, 2008). O tempo de incuba- ção é de 176 dias (VOGT, 2008). Fêmeas grávi- das foram capturadas durante o mês de agosto (BARRETO et al., 2009) e fi lhotes encontrados de janeiro a fevereiro, apresentando uma média de 3,5 ± 0,07 cm (3,47-3,61 cm) de comprimen- to da carapaça. Entretanto, em uma revisão de trabalhos sul-americanos, Rueda-Almonacid et al. (2007) afi rmam que o período de desova da espécie ocorre de novembro a janeiro, com ni- nhadas de dois a seis ovos elípticos.

2.7 Considerações fi nais

Historicamente abundantes na Amazô- nia, os quelônios atualmente encontram-se com suas populações declinantes devido à intensa pressão de uso de adultos e de ovos como re- curso alimentar. As espécies da família Podoc- Figura 14 – Mapa de distribuição geográfi ca do nemididae foram e continuam sendo as mais muçuã. consumidas devido ao maior tamanho, à abun- dancia e à captura relativamente fácil, principal- mente nos locais de reprodução e alimentação Sua carapaça possui três quilhas que (SMITH, 1979). nos adultos tornam-se menos evidentes. Os es- cudos centrais, de um a quatro, são invaginados A tartaruga-da-amazônia e o tracajá são na borda posterior e os lobos do plastrão são duas das espécies silvestres mais consumidas compridos sufi cientemente para fechar ou qua- em toda a Amazônia. A carne de iaçá é também se fechar o casco (VOGT, 2008). bastante apreciada na Amazônia e a irapuca é Aspectos sobre a biologia reprodutiva consumida principalmente na calha do Rio Ne- da espécie são pouco conhecidos, entretanto, gro (VOGT, 2008; SCHNEIDER et al., 2011, sabe-se que copulam em terra e/ou águas 2012). Apesar de o cabeçudo ser uma das es- rasas. No Brasil, os ninhos são construídos na pécies de tartaruga mais frequentemente con- base das raízes de arbustos, em média a 200 sumidas ou vendidas no município de Barcelos, m de distância dos corpos d’água. O sexo é as populações aparentam ser capazes de se

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manter, provavelmente devido a sua estratégia – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/ de nidifi cação (ninhos difíceis de serem encon- Fundação Universidade do Amazonas, Manaus, trados por predadores (VOGT, 2008; SCHNEI- Amazonas. DER et al., 2011, 2012). Por sua vez, a muçuã é intensamente consumida no Pará e Maranhão BATISTELLA, A. M.; VOGT, R. C. Nesting ecolo- (VOGT, 2008). Áreas de campo natural são quei- gy of Podocnemis erythrocephala (Testudines, madas, algumas vezes, de forma proposital para Podocnemididae) of the Rio Negro, Amazonas, a sua captura (ALHO, 1985). As principais amea- Brazil. Chelonian Conservation and Biology, ças às populações desses quelônios são a so- v. 7, p. 12-20, 2008. brexploração de adultos e juvenis, e ovos para BERNHARD, R. Biologia reprodutiva de Po- venda em mercados, bem como a predação dos docnemis sextuberculata (Testudines, Pelo- ninhos (ovos e fi lhotes) por predadores naturais medusidae) na Reserva de Desenvolvimento (VOGT, 2008). Sustentável Mamirauá, Amazonas, Brasil. Tendo em vista a importância econô- 2001. 52p. Dissertação (Mestrado) – Instituto mica da tartaruga-da-amazônia e do tracajá para Nacional de Pesquisas da Amazônia/Fundação as comunidades ribeirinhas da Amazônia, foram Universidade do Amazonas, Manaus, Amazonas. criadas portarias específi cas do Ibama que nor- BERNHARD, R.; De La OSSA, J. V.; VOGT, R. matizam sua criação em cativeiro (Portaria nº C.; MORALES-BETANCOURT, M. A.; LASSO, 142, de 30 de dezembro de 1992) e a comercia- C. A. Podocnemis erythrocephala (Spix, 1824). lização de seus produtos e subprodutos (Porta- In: PAEZ, V. P.; MORALES-BETANCOURT, M. ria nº 70, de 23 de agosto de 1996). A Instrução Normativa do Ibama nº 169, de 20 de fevereiro A.; LASSO, C. A.; CASTAÑO-MORA, O. V.; de 2008, institui e normatiza as categorias de BOCK, B. C. (Eds.). Biología y conservación uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro no de lastortugas continentales de Colombia. Brasil. Nessa IN são encontradas a tartaruga- Bogota, DC., Colombia: Instituto de Investigaci- da-amazônia e o tracajá, e incluídas o iaçá e a ón de Recursos Biológicos Alexander von Hum- muçuã como espécies que podem ser criadas, boldt, 2012. p. 360-366. comercializadas e abatidas no Brasil. BULL, J. J. Sex determination in . The Quarterly Review of Biology, v. 55, p. 3-21, 1980. REFERÊNCIAS BULL, J. J. Sex ratio and nest temperature in turtles: comparing fi eld and laboratory data. ALHO, C. J. R.; PÁDUA, F. M. Reproductive pa- Ecology, v. 66, p. 1115-1122, 1985. rameters and nesting behavior of the Amazon turtle Podocnemis expansa (Testudinata: Pelo- BULL, J .J.; VOGT, R. C. Temperature-depen- medusidae) in Brazil. Canadian Journal of Zo- dent sex determination in turtles. Science, v. ology, v. 60, p. 97-103, 1982. 206, p. 1186-1188, 1979. ALHO, C. J. R. Conservation and management BULL, J. J.; VOGT, R. C. Temperature-sensitive strategies for commonly exploited Amazonian periods of sex determination in Emydid turtles. turtles. Biological Conservation, v. 32, p. 291- The Journal of Experimental Zoology, v. 218, 298, 1985. p. 435-440, 1981. BARRETO, L.; LIMA, L. C.; BARBOSA, S. Obser- CARVALHO, E. A. R.; PEZZUTI, J. C. B.; MARA- vations on the ecology of adiutrix and NHÃO, M. B. Podocnemis erythrocephala nests Kinosternon scorpioides on Curupu Island, Brazil. in the Lower Tapajós River, Central Amazonia, Herpetological Review, v. 40, p. 283-286, 2009. Brazil. Chelonian Conservation and Biology, v. 10, p. 146-148, 2011. BATISTELLA, A. M. Ecologia de nidifi cação de Podocnemis erythrocephala (Testudines, CEBALLOS, C. P.; IVERSON, J. B.; BERNHARD, Podocnemidae) em campinas do Médio Rio R. Podocnemis sextuberculata (Cornalia 1849). Negro, AM. 2003. 42p. Dissertação (Mestrado) In: PÁEZ, V. P.; MORALES-BETANCOURT, M.

25 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

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26 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

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28 capítulO 3 Envolvimento comunitário na conservação de quelônios amazônicos

Paulo Henrique de Oliveira, Cássia Santos Camillo, Rafael Antônio Machado Balestra, João Victor Campos de Silva e Sinomar F. Fonseca-Junior

Os ribeirinhos são detentores de gran- cional local, promove o comprometimento das de conhecimento empírico sobre fauna e fl ora, pessoas envolvidas na causa. No entanto, essa bem como dos processos ecológicos da fl ores- inclusão deve ser genuína e precedida do inte- ta. Esse conhecimento, muitas vezes, não está resse dos comunitários na proteção dos sítios disponível no meio acadêmico, além disso, os reprodutivos dos quelônios. Nesse contexto, é quelônios são utilizados por populações ribeiri- importante ressaltar que o interesse comunitá- nhas há centenas de anos e apesar do declínio rio pela proteção de praias de desova está rela- populacional em muitas localidades da Amazô- cionado não só à conservação das espécies e nia, esses animais continuam tendo grande im- na recuperação das populações, mas também portância cultural na culinária da região (GILMO- a uma expectativa futura de uso sustentável e RE, 1986; REDFORD; ROBINSON, 1991). Por geração de renda, a partir desse recurso. isso, a inclusão dos moradores locais na elabo- Quando as áreas de desova estão em ração e execução de projetos conservacionistas áreas protegidas, a proteção participativa é uma é uma ferramenta diferenciada, pois além de estratégia de gestão da unidade de conservação enriquecer o projeto com conhecimento tradi- (UC) (Figuras 1a e b). O treinamento de comu- Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

nitários e o envolvimento de comunidades em as etapas. Após essa primeira etapa, a proposta problemas conservacionistas, além de aumen- deve ser apresentada às comunidades próximas tar a efi cácia de projetos, possibilitam o empo- às áreas que serão protegidas. deramento e a emancipação de populações lo- cais, na formulação de ações e recomendações As conversas iniciais nas comunidades para o uso de recursos dentro da UC. objetivam mobilizar e despertar o interesse para a conservação. Por isso, devem ser colocadas A questões como exploração excessiva do recurso, diminuição das populações e necessidade de ma- terializar estratégias de conservação, com o objeti- vo de garantir a recuperação e manutenção de po- pulações, para que haja uso duradouro do recurso. Com a comunidade entendendo a im- portância de conservar as áreas reprodutivas e participando efetivamente do programa de con- servação de quelônios, o papel das instituições envolvidas, além de auxiliar na organização co- munitária, será também de promover o treina- mento dos agentes de praia1 para executar o tra- balho. Eles são agentes importantes no manejo B adequado dos ovos e/ou fi lhotes e na coleta dos dados e monitoramento de áreas protegidas. Após as reuniões comunitárias, ações partici- pativas como limpeza e sinalização das praias podem ser realizadas, objetivando gerar maior interação entre as comunidades e, assim, forta- lecer o trabalho em equipe. Além das reuniões de mobilização, são Figuras 1a e b - Capacitação em comunidades necessárias também sessões de acompanha- diretamente relacionadas às ações de conserva- mento, para que a comunidade seja incluída em ção de quelônios. todas as discussões referentes à proteção de sítios de nidifi cação. Para tanto, reuniões perió- dicas têm de ser realizadas, a fi m de discutir o 3.1 Mobilização e acompanhamento andamento e os resultados do trabalho de pro- teção, sanar dúvidas, esclarecer e relembrar as As reuniões com as comunidades são regras defi nidas em conjunto, nas reuniões an- um instrumento indispensável para o sucesso teriores, e levantar informações essenciais para da conservação. Para promover a mobilização desenvolver as atividades. comunitária, deve-se reunir lideranças comuni- tárias, associações, instituições e o Poder Públi- co local, a fi m de discutir necessidades e a via- 3.2 Agentes de praia bilidade de implementação de um programa de proteção de sítios reprodutivos. Nessa reunião, devem ser discutidos e aprovados os objetivos, Os comunitários atuantes geralmente o planejamento das ações e as contrapartidas são conhecidos como agentes de praia, fazen- das partes envolvidas e interessadas em todas do a proteção, a limpeza, a vigilância das praias/

1 Termo comumente usado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Programa Quelônios do Uatumã, Programa Pé de Pincha, Programa Quelônios da Amazônia, RAN etc.

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tabuleiro, o manejo de ovos e a sensibilização • Apoio das comunidades envolvidas dos demais membros da comunidade e usuá- e da vizinhança; rios desses recursos. Essas práticas de sensibi- • Apoio dos responsáveis pela gestão lização devem, sempre que possível, ser feitas da UC, se a atividade de conservação em consonância com lideranças, conselheiros e for realizada em áreas protegidas. Agentes Ambientais Voluntários (AAV).

3.3 Treinamento dos agentes de praia Deveres do agente de praia: O treinamento dos agentes de praia • Cuidar com responsabilidade e zelo não deve somente preparar os comunitários da praia e de todo o processo de para o bom desenvolvimento das atividades, desova, incubação e nascimento mas ser estímulo para a participação da comu- dos fi lhotes; nidade no trabalho de conservação e oportuni- • Impedir a captura de quelônios; dade de troca de conhecimentos entre os téc- • Não permitir a presença de pessoas nicos e ribeirinhos. Cada treinamento possibilita alheias ao projeto na praia, seja a ajuste e melhoria de uma estação reprodutiva passeio, para pesca ou qualquer monitorada para outra. Os temas devem ser tra- outro fi m; balhados com linguagem simples e de fácil en- tendimento, utilizando exemplos do dia a dia, e • Não permitir o ancoramento de bar- sempre permitindo a participação e respeitando cos, grandes ou pequenos, na praia a opinião dos comunitários. e imediações; • Não perturbar nem deixar perturbar os quelônios durante a desova; Temas abordados: • Garantir o retorno livre das fêmeas • Conhecimento geral sobre a região reprodutoras ao rio ou lago, após a onde vivem (UCs, seus tipos e/ou desova; categorias, áreas de várzea, áreas de terra fi rme, entre outros); • Anotar diariamente nas planilhas de campo as desovas ocorridas na • Biologia, ecologia e status de con- noite anterior, classifi cando-as por servação dos quelônios amazôni- espécie; cos, com enfoque nas espécies que ocorrem nas áreas a serem protegi- • Manter presença permanente nas das e monitoradas; praias onde estão alocados; • Leis de proteção de fauna e de pes- • Avisar, sem demora, à coordenação ca; do projeto, qualquer ocorrência que prejudique o trabalho de conservação; • Uso e comércio ilegais; • Cuidar dos fi lhotes nos berçários, • Monitoramento de áreas protegidas; garantindo seu retorno ao ambiente • Coleta e sistematização de dados; natural, caso pertinente. • Manejo de ovos: transferência de ninhos para áreas mais protegidas Direitos dos agentes de praia: versus manutenção de ninhos nos • Treinamento adequado; locais originais e/ou construção de praias artifi ciais ou chocadeiras; • Respeito por ser agente de prote- ção e multiplicador de boas práti- • Criação de fi lhotes em berçários cas; versus soltura imediata e emergên- cia natural; • Apoio dos AAVs;

31 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

• Função e comportamento dos agen- O envolvimento das escolas é essencial tes de praia; para fortalecer ações pontuais de conservação. As praias, por exemplo, têm sido locais de aulas • Importância da educação ambiental de ciências, geografi a e biologia ministradas por e sensibilização comunitária; professores das comunidades envolvidas com o • Planejamento das atividades a se- programa de conservação dos quelônios. Ações rem desenvolvidas etc. como essas valorizam o trabalho do agente de praia e sua importante função.

3.4 Educação ambiental Apesar da reprodução dos quelônios acontecer apenas durante a época da vazan- Por maior que seja o empenho dos te, a temática de educação ambiental deve agentes de praia, o sucesso da proteção depen- ser trabalhada durante todo o ano, não apenas de do apoio e respeito das comunidades relacio- na temporada reprodutiva. Os esforços para nadas ao processo de conservação. Nesse senti- fortalecer as ações de conservação dependem do, é necessário que os resultados de atividades do comprometimento dos técnicos com a causa e temas relacionados à conservação sejam cons- e do empoderamento das comunidades ou agen- tantemente divulgados para essas comunidades. tes de praia em absorver estratégias simples, As campanhas de educação e informações am- que lhes foram atribuídas ou repassadas. Não se bientais (Figuras 2a e b) são indispensáveis nos pode oferecer algo limitado, por curto prazo, em trabalhos de conservação de quelônios, pois são troca de proteção das praias, lagos ou tabuleiros, ferramentas necessárias para atingir o público mas auxiliar as comunidades no cuidado com os em todas as faixas etárias e sociais dentro das espaços onde vivem, tendo sempre como lema comunidades. As escolas rurais e as municipais o uso racional dos recursos, de forma a garantir do entorno da área trabalhada também devem sua disponibilidade em longo prazo. ser convidadas para participar do projeto.

3.5 Monitoramento reprodutivo e fi scaliza- ção ambiental A Até o momento, as atividades de vi- gilância do agente de praia não possuem res- paldo legal se ele não for um Agente Ambien- tal Voluntário (AAV). Os AAVs são pessoas da comunidade credenciadas pelo Ibama, Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (IPAAM) ou Secretaria do Estado do Meio Am- biente e Desenvolvimento Sustentável (SDS) do B Estado do Amazonas, que realizam o trabalho de forma voluntária, sem vínculo empregatício, atuando na proteção e educação ambiental das comunidades. Os agentes de praia devem estar cien- tes de suas responsabilidades, pois suas ações de vigilância e proteção são voltadas para uma estratégia de proteção baseada no diálogo, ar- guição, sensibilização e orientação, bem como para a fi nidade do recurso, a importância da pro- teção como estratégia para aumentar as popu- Figuras 2a e b - Ações de educação ambiental em comunidades próximas aos sítios de reprodução lações e a importância do respeito aos locais de de quelônios. reprodução.

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A proteção dos quelônios deve ser (para quelônios ou pescado), por ser mais intensa durante seu período reprodutivo uma forma de impedir os quelônios (que vai da migração para as áreas de desova de subir para desovar. até o nascimento dos fi lhotes) que ocorre na • Modifi car, danifi car ou destruir ninho época de vazante dos rios, pois nessa época ou criadouro natural. Atividades an- a facilidade de captura aumenta devido à con- trópicas que prejudicam os ninhos centração dos indivíduos e ao baixo nível dos e alteram as características do am- rios. Nesse período, os agentes devem evitar biente como agricultura e criação de qualquer tipo de distúrbio como pesca com ar- gado devem ser proibidas. rastão, trânsito de pessoas, ancoramento de barcos, tráfego de barcos próximos aos tabulei- Apesar de não haver legislação espe- ros e seus arredores. A comunidade deve ser cífi ca para a proteção dos quelônios, UCs que estimulada a contribuir com as despesas rela- possuem planos de gestão, geralmente, apre- cionadas às atividades dos AAVs e dos agentes sentam normas e regras de uso e conservação de praia e também acompanhar esses agentes, desses animais. As regras de uso são ampa- acatar suas orientações e respeitar as normas radas na legislação federal, que considera que das áreas protegidas. condutas em desacordo com os objetivos da UC, ao seu plano de manejo ou regulamentos são crimes ambientais passíveis de multa. No 3.6 Legislação ambiental relacionada à prote- entanto, segundo a Constituição Federal, não é ção e conservação de quelônios no Brasil crime o abate de animal quando realizado em caso de extrema necessidade, por exemplo, para saciar a fome. Essa é mais uma razão para As legislações federal e estadual bra- que as normas de uso dos sítios reprodutivos sileiras não possuem normas específi cas em sejam negociadas com as comunidades interes- relação à proteção dos quelônios amazônicos. sadas na proteção. Essa atividade apoia-se apenas na legislação de proteção da fauna (Lei nº 5.197, de 3/1/1967), na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de REFERÊNCIAS 12/2/1998) e no Decreto nº 6.514, de 22/7/2008. Segundo essas leis, fi cam proibidas a utilização, perseguição, destruição, caça e apanha de es- GILMORE, R. M. Fauna e etnozoologia da Amé- pécimes da fauna silvestre brasileira, bem como rica do Sul tropical. In: RIBEIRO, B.G. (ed.). seus ninhos, abrigos e criadouros naturais. Suma Etnológica Brasileira. Petrópolis, RJ: Quem age em desacordo está sujeito à deten- Vozes, 1986. p. 189-233. ção e multa. REDFORD, K. H.; ROBINSON, J. G. Subsisten- Além disso, a legislação proíbe: ce and commercial uses of wildlife. In: ROBIN- • Impedir a procriação da fauna. Proibir SON, J. G.; REDFORD, K.H. (Eds.). Neotropical o uso de redes malhadeiras de pes- wildlife use and conservation. University of ca e arrastões nas beiras das praias Chicago Press, Chicago, 1991. p. 7-23.

33 capítulO 4 Planejamento e preparo das áreas monitoradas de reprodução de quelônios amazônicos Paulo César Machado Andrade e Rafael Antônio Machado Balestra

tais dessas espécies, bem como pela parceria com diversas organizações não governamentais e setores produtivos. De maneira geral, o sistema de manejo utilizado é uma adaptação da sistemática pio- neira preconizada pelo Programa Quelônios da Amazônia (PQA) e de projetos parceiros e cor- relatos a este (IBAMA, 1989a, 1989b), os quais serão apresentados a seguir.

4.1 Identifi cação dos locais de desova

É fundamental que os locais seleciona- dos sejam os mais representativos da desova da espécie na área e para selecioná-los devem ser considerados os seguintes fatores: A proteção aos quelônios e o manejo • Análise do potencial de desova, por das praias e dos fi lhotes recém-nascidos têm meio do levantamento do número como objetivo a promoção do aumento das po- de ninhos; pulações naturais, por meio do estabelecimento • Facilidade de acesso para o apoio de metodologias que mitiguem a predação de logístico e operacionalização das ta- ovos e de fi lhotes e diminuam os fatores cau- refas; sais que colocam em risco as populações de quelônios ao longo dos principais ecossistemas • Conciliação com outras áreas de in- amazônicos. Para proteger, monitorar, manejar teresse à conservação; e pesquisar os aspectos reprodutivos, principal- • Interesse e colaboração das comu- mente da tartaruga-da-amazônia, por mais de 40 nidades locais; anos, o Governo federal e os órgãos estaduais • Distância de locais habitados. e municipais de meio ambiente vêm aprimoran- do sistemas de manejos conservacionistas de 4.2 Limpeza da área de desova quelônios amazônicos. Esse aprimoramento vem sendo feito por meio de procedimentos de campo parcialmente padronizados em relação A limpeza da área de desova tem por aos aspectos biológicos e exigências ambien- objetivo facilitar a movimentação das fêmeas Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

em reprodução e reduzir o estresse por causas facilitar o controle dos veículos, de transeuntes antrópicas. Consiste em retirar todos os en- e de embarcações que navegam pelas áreas de tulhos (naturais e artifi ciais) existentes. Estes desova. Esses acampamentos devem ter con- podem ser restos de vegetação, pedaços de dições mínimas de infraestrutura e de equipa- árvores deixados pelas enchentes, tendas de mentos. atendimento turístico, latas, garrafas, plásticos etc. Esse procedimento facilita o acesso dos quelônios, que podem transitar livremente pela praia em busca do sítio ideal de desova, e reduz a sensação de ameaça da presença humana, principalmente em praias de nidifi cação das tar- tarugas-da-amazônia, que são extremamente seletivas em relação aos sítios de desova.

4.3 Recrutamento e treinamento de pessoal

Para realizar ações de proteção e manejo é utilizado o serviço dos agentes de praia. No recrutamento é essencial exigir que a pessoa seja, de preferência, de uma comuni- dade relacionada aos sítios reprodutivos, e que tenha interesse na conservação ou recuperação de espécies-alvo. Esse comprometimento com as ações de manejo é fundamental, uma vez Figura 1 – Acampamento montado para abrigar que a permanência em campo exige esforço, as equipes de campo, posicionado preferencial- disponibilidade e conscientização sobre a impor- mente na margem oposta ao sítio reprodutivo tância do projeto a ser executado. monitorado. Após a seleção dos agentes, deve-se realizar uma capacitação técnica com as noções Os acampamentos também têm a básicas de operacionalização das tarefas de ma- função de deixar evidente a presença das ins- nejo de praia, de forma prática e objetiva. Os tituições responsáveis e que estas estão exe- agentes de praia devem ser treinados quanto cutando um trabalho ofi cial e devidamente au- ao funcionamento dos diversos equipamentos torizado (legalizado) de proteção e manejo dos utilizados num acampamento e nas pesquisas quelônios. Para tanto, devem ser instalados em a serem implementadas. A capacitação aborda lugar elevado e de fácil visualização. Também é também os procedimentos corretos em relação sugerida a instalação de placas de identifi cação ao trato com as comunidades próximas, com os de área de proteção de quelônios, próxima ao infratores e como, onde e por quem a fi scaliza- acampamento (Figuras 3a e b). Essas placas de- ção deve ser feita. vem conter: • Instituição responsável (sigla e/ou 4.4 Instalação de acampamento nome por extenso); • Associação ou nome(s) da(s) comu- A recomendação é construir uma base nidade(s) envolvida(s); de campo e/ou acampamento simples para • Área de proteção e manejo de quelô- abrigar as equipes (técnicos e comunitários) nios; em pontos estratégicos (Figura 1). Os acampa- • Acesso restrito e controlado; mentos podem ser permanentes ou fl utuantes e estar posicionados em locais que permitam • Informações relevantes ao projeto. visualizar as praias e/ou barrancos (mata ciliar) e

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4.5 Vigilância e controle de áreas de desova Recomenda-se também que as áreas de reprodução de tartarugas sejam embargadas No momento da desova, as tartarugas de uso, por meio de instrumentos legais, com a tornam-se alvo fácil de pescadores. Para protegê proibição da pesca profi ssional e outras ativida- -las é fundamental vigiar e controlar os sítios de des em suas proximidades. As praias embarga- nidifi cação. Esse trabalho deve ser feito quando das recebem placas de orientação e bandeiras começa a migração dos quelônios das áreas de para indicar os sítios de proteção (Figuras 3a e alimentação para as áreas de desova nos rios. b). Os embargos também possibilitam ampliar Ao chegar ao local de postura, os quelônios áreas, quando há movimentação dos quelônios concentram-se em frente às praias no chamado e aumento do percentual de matrizes em áreas boiadouro (Figura 2). Portanto, nesses locais, de- próximas. ve-se evitar qualquer tipo de interferência (trân- sito de barcos, pessoas e animais domésticos, uso de fogo, ruídos altos, objetos que causam refl exos etc.), para que os quelônios não se dis- A persem para sítios não protegidos/monitorados. No boiadouro, a fi scalização deve ser intensiva diante da grande concentração dos quelônios e por ser um local preferido pelos pescadores. Em locais tranquilos e sem pressão de captura, os quelônios assoalham nas praias durante 20 ou 30 dias antes da desova (Figura 2).

Figura 2 – Boiadouro de tartaruga-da-amazônia onde as fêmeas encontram-se assoalhando em praia de desova antes da postura.

As difi culdades impostas pela vigilância à pesca ilegal fazem com que pescadores clan- destinos se utilizem de outras artimanhas para capturar tartarugas. Uma delas é lançar produ- B tos químicos à água como gasolina ou óleo, com a fi nalidade de afugentar os animais para outros locais que não sejam fi scalizados/monitorados. Sendo assim, a qualidade da água do boiadouro Figuras 3a e b – Modelos de placas de orienta- também deve ser observada pelos agentes de ção para sítios embargados para a pesca. praia.

37 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

4.6 Considerações fi nais dezembro de 2011, que fi xa normas (...) para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito A efi ciência das atividades de manejo Federal e os Municípios nas ações administra- e proteção de áreas de nidifi cação está direta- tivas decorrentes do exercício da competência mente relacionada ao tempo de permanência comum relativas (...) à proteção do meio ambien- das equipes em campo e ao acompanhamento te (...) e à preservação das fl orestas, da fauna e intenso dos quelônios durante o período repro- da fl ora (...). Dessa forma, os órgãos estaduais, dutivo. Além disso, recomenda-se que a im- prefeituras, organizações não governamentais e plantação de unidades operacionais executoras sociedade civil organizada, devem solicitar a au- dessas ações seja oriunda do Poder Público e/ torização para executar as atividades de manejo ou da sociedade civil organizada, e distribuídas para conservação e monitoramento de popula- por toda a Região Norte e parte da Região Cen- ções de quelônios pelo SISBIO – Sistema de Au- tro-Oeste, nos estados de Goiás e Mato Grosso. torização e Informação em Biodiversidade, cuja Essas unidades operacionais devem trabalhar gestão, neste contexto, é compartilhada entre o em sistema de parceria com as gerências esta- Ibama e o ICMBio (Instrução Normativa nº 1, de duais do Ibama, coordenações regionais e uni- 8 de dezembro de 2014). dades de conservação do ICMBio, bem como com outras instituições estaduais e municipais ligadas ao meio ambiente. REFERÊNCIAS Importante ressaltar que o manejo da fauna em vida livre com fi nalidade de conser- IBAMA. Projeto Quelônios da Amazônia – 10 vação deve ser autorizado pelo Ibama, quando anos. Brasília: Ibama, 1989a. 119 p. ocorrer fora de Unidades de Conservação, ou pelo ICMBio, quando ocorrer dentro de Unida- IBAMA. Projeto Quelônios da Amazônia des de Conservação Federais, segundo o dis- – Manual Técnico/Ibama. Brasília: Ibama, posto na Lei Complementar nº 140, de 08 de 1989b. 125 p.

38 Capítulo 5 Monitoramento da nidificação e manejo de ovos de quelônios amazônicos Rafael Bernhard, Mariel Acácio de Lima, Rafael Antônio Machado Balestra, Camila Rudge Ferrara, Virgínia Campos Diniz Bernardes e Ana Paula Gomes Lustosa

Os quelônios amazônicos, em sua quelônios. Na descida do nível da água dos rios maioria, vivem a maior parte de suas vidas na (período de seca, Tabela 1) tem início a migra- água, saindo para a terra apenas nos momentos ção dos quelônios, principalmente os do gênero de nidificação. É justamente na fase reprodutiva Podocnemis, para as áreas de desova (praias e do ciclo de vida desses répteis que eles se en- tabuleiros). A estação seca desencadeia o início contram mais vulneráveis e quando a pressão da desova para essas espécies da Amazônia (re- de predação aumenta. Mesmo desconhecendo ferências na nota de rodapé da Tabela 1). o status das populações naturais, a base das ati- vidades de preservação de quelônios amazôni- Mas esse período de desova varia entre cos busca a redução da predação de ovos e de diferentes espécies que vivem em uma mesma filhotes e remete às atividades de proteção e área. Ele também varia de um rio para outro ou manejo dos ninhos e filhotes. para um mesmo rio, mas em diferentes trechos (Tabela 1). Os técnicos que manejam quelônios amazônicos, bem como sua equipe, precisam fi- 5.1 Período de desova car atentos às mudanças do regime hidrológico da área onde atuam, para acompanhar o período Para o desenvolvimento dos trabalhos reprodutivo, definido, arbitrariamente, como o de proteção de locais de nidificação e dos ninhos que ocorre desde a migração das áreas alagadas é necessário o conhecimento do período de de- até as praias de desova, que envolve os eventos sova das diferentes espécies a serem protegidas. de corte e cópula, até o nascimento dos filhotes O nível de água dos rios influencia na desova dos e a migração de volta para as áreas alagadas.

Tabela 1 – Períodos de desova de quelônios da família Podocnemididae.

Espécie Período Local Peltocephalus dumerilianus agosto a outubro Médio Rio Negro, Rio Itu, AM28 setembro a outubro Médio Rio Negro, Rio Jaú, AM14 setembro a janeiro Bacia do Orinoco, Colômbia25 agosto a setembro Reserva da Biosfera Alto Orinoco-Casiquire, Venezuela2 Podocnemis erythrocephala agosto a novembro Bacia do Rio Negro, AM19 setembro a dezembro Médio Rio Negro, Rio Ayuanã, AM3,20 setembro a novembro Médio Rio Negro, Rio Itu, AM28 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

Espécie Período Local novembro a janeiro Rios Guasacavi, Atapabo e Inírida, Colômbia9,10 outubro a novembro Reserva da Biosfera Alto Orinoco-Casiquire, Venezuela2 Podocnemis expansa setembro a novembro Rios Solimões e Japurá, RDS, Mamirauá, AM12 setembro Rio Solimões, Ajaratuba, próximo ao Rio Purus, AM27 outubro Rio Trombetas, Rebio Trombetas, PA1 setembro a outubro Rio das Mortes, MG22 dezembro a março Rio Branco, RR6 agosoto a setembro Rio Javaés, TO16 outurbo a fevereiro Rio Caquetá, Colômbia29 outubro Rio Loreto Yacu, Colômbia17 agosto a setembro Rio Pacaya, Reserva Nacional Pacaya-Samiria, Peru26 janeiro Reserva da Biosfera Alto Orinoco-Casiquire, Venezuela2 Podocnemis sextuberculata agosto a novembro Rios Solimões e Japurá, RDS Mamirauá, AM 4,12,21 setembro a novembro Rio Trombetas, Rebio Trombetas, PA 18 julho a outubro Rio Loreto Yacu, Colômbia17 agosto Rio Pacaya, Reserva, Nacional Pacaya-Samiria, Peru26 Podocnemis unifilis agosto a outubro Rios Solimões e Japurá, RDS Mamirauá, AM4,12,13 setembro a novembro Confl uência dos rios Tapajós e Amazonas, Santarém, PA23,24 setembro a outubro Rio Trombetas, Rebio Trombetas, lago Erepecu, PA5 agosto a setembro Rio Tocantins, UHE Tucuruí, PA15 agosto Rio Javaés, TO16 julho a outubro Rio Loreto-Yacu, Colômbia17 outubro a dezembro Rio Aguarico, Equador7 junho a novembro Rio Pacaya, Reserva Nacional Pacaya-Samiria, Peru26 janeiro Reserva da Biosfera Alto Orinoco-Casiquire, Venezuela2 fevereiro a março Rio Tawadu, Venezuela11 1) Alho e Pádua, 1982; 2) Barrio-Amoros; Narbaiza, 2008; 3) Batistella; Vogt, 2008; 4) Bernhard, 2001; 5) Bernhard et al., 2012a; 6) Cantarelli, 2006; 7) Caputo et al., 2005; 8) Carvalho et al., 2011; 9) Castaño-Mora, 1997; 10) Castaño-Mora et al., 2003; 11) Escalona, 2003; 12) Fachín-Terán, 2003; 13) Fachín-Terán; von Mülhen, 2006; 14) Félix da Silva, 2004; 15) Félix da Silva, 2009; 16) Ferreira-Junior et al., 2007; 17) García-Mora, 2005; 18) Haller; Rodrigues, 2006; 19) Mittermeier; Wilson, 1974; 20) Novelle, 2006; 21) Pezzuti; Vogt, 1999; 22) Pignati, 2007; 23) Pignati et al., 2013; 24) Pignati; Pezzuti, 2012; 25) Rueda-Almonacid et al., 2007; 26) Soini, 1996; 27) Vanzolini, 2003; 28) Vogt, 2001; 29) von Hildebrand et al., 1997.

5.2 Localização de ninhos pelo monte de argila e capim umedecidos, vul- garmente conhecido como “beiju”. Os ninhos A predação de ninhos de quelônios da tartaruga-da-amazônia são facilmente en- ocorre, em sua maioria, na mesma noite da de- contrados devido ao tamanho da área que uma sova. Por isso, diariamente, ao amanhecer, o fêmea utiliza para fazer o ninho (Figura 4). No agente de praia deve fazer busca aos ovos pos- entanto, é difícil para quem não tem experiência tos na madrugada anterior. O ninho pode ser lo- encontrar o exato local da câmara onde estão calizado seguindo o rastro da fêmea na praia e a os ovos. Para a sua localização, utiliza-se um procura deve ser realizada desde a margem dos bastão (pode ser um galho fi rme, relativamen- rios até a vegetação que contorna as praias, e te fi no). Este, quando introduzido na areia, per- nas áreas mais altas dos tabuleiros. mite ao condutor perceber mudança na textura Os ninhos das diferentes espécies de do solo, quando acessar a câmara de postura. quelônios amazônicos apresentam característi- A localização do ninho deve ser feita com mui- cas que permitem sua identifi cação. Em algumas to cuidado, para não perfurar os ovos. O ninho situações os ninhos de tracajá são identifi cados também pode ser identifi cado pela presença de

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areia molhada em seu entorno, que foi remo- • Cabeçudo: ovos brilhantes, nota- vida, pelo animal, das partes mais profundas velmente largos e com casca rígi- da câmara de nidificação (Figura 4). da logo após a postura, tornando- se fl exível duas semanas depois. A seguir, algumas formas de identifi car Os ovos variam de 50 a 63 mm de ninhos de quelônios amazônicos: comprimento e de 36 a 54 g (PRI- Rastros – os rastros deixados na areia TCHARD; TREBBAU, 1984; DE LA pelas fêmeas de quelônios amazônicos, quan- OSSA et al., 2012). do estão selecionando o local para nidifi car, variam por espécie (Figuras 1a, b e c). Suas di- ferenças facilitam a identifi cação da espécie e para localizá-la basta acompanhar seus rastros.

Figuras 1a, b e c – a) Rastro de tartaruga-da- amazônia; b) tracajá; e c) iaçá.

Ovos – várias espécies de quelônios amazônicos possuem ovos com diferentes ta- manhos, formas e características que permitem sua identifi cação. • Tartaruga-da-amazônia: ovos esfé- ricos de casca fl exível (Figura 2a), com comprimento de 36 a 49 mm e de 24 a 35 g (VOGT, 2008). • Tracajá: ovos esbranquiçados, elip- soidais e com casca calcifi cada (Fi- gura 2c). O comprimento dos ovos varia de 38 a 48 mm e o peso de 14 a 35 g (VOGT, 2008). • Iaçá (ou pitiú): ovos elipsoidais e de casca pergaminosa (Figura 2b) (SOINI, 1996) com comprimento entre 20 e 59 mm e de 6 a 39 g (CE- BALLOS et al., 2012). • Irapuca: ovos elipsoidais de casca rígida ou um pouco fl exível, de 30 a 50 mm de comprimento e de 9 a 23 g (MITTERMEIER; WILSON, 1974; Figuras 2a, b e c – a) Ovos de tartaruga-da-ama- BERNHARD et al., 2012b). zônia; b) iaçá; c) tracajá.

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5.3 Marcação de ninhos e coleta de dados Em algumas praias ou tabuleiros, a tar- taruga-da-amazônia desova em grandes grupos e A atividade de marcação dos ninhos é im- às vezes os ninhos fi cam muito próximos uns dos portante para coletar dados que nos possibilitam outros ou até sobrepostos. Quando isso acontece, compreender vários aspectos da biologia reprodu- o agente de praia e sua equipe não devem marcar tiva dos quelônios. Com isso é possível quantifi car os ninhos com piquetes, pois além de quebrar al- os ninhos protegidos e manejados (transferidos), guns ovos, em muitas situações fi ca difícil identifi - monitorar o período de incubação e emergência car o ninho devido à proximidade entre eles. dos fi lhotes e identifi car as espécies que estão Se durante a marcação/identifi cação de desovando na área, entre outros parâmetros re- ninhos for constatado que eles estão em locais produtivos. muito baixos na praia, nitidamente susceptíveis Diariamente, sempre que possível no pe- à inundação quando houver elevação do nível ríodo da manhã, os novos ninhos devem ser mar- do rio (repiquete), ou em localização favorável à cados para identifi cação e localização. Isso pode predação, é recomendável transferir os ovos do ser feito com piquetes ou estacas de madeira de ninho natural para outro, semiartifi cial, em local 60 cm de comprimento (Figura 3) ou outro apara- protegido. Isso pode ocorrer entre o 1º e o 3º to análogo. O piquete deve ser enterrado na areia dia após a postura. A transferência malfeita ou a 40 cm de profundidade, atrás do ninho, com a tardia dos ninhos interfere no desenvolvimento identifi cação voltada para o rio. É recomendável e na taxa de sobrevivência dos embriões. Esse que em cada piquete conste o número de identi- procedimento deve ser feito com o máximo de fi cação do ninho e, se necessário e possível, iden- cuidado, nas primeiras horas da manhã ou no tifi car a espécie e a data da postura. Um cuidado fi nal da tarde, quando a temperatura está mais importante a ser tomado na confecção do número branda, e na ausência de chuvas. No Capítulo 6 de identifi cação do piquete é utilizar um tipo de há mais detalhes sobre esse procedimento. tinta que resista às condições ambientais enfren- tadas no local (sol, calor e umidade). Tinta especí- fi ca para madeira é mais recomendada. Também 5.4 Morfometria e caracterização de ninhos é preciso ter cuidado para não repetir os números e ovos dos piquetes ou dos registros dos ninhos, pois confunde para identifi car. Concomitantemente à A morfometria e a caracterização de ni- marcação/identifi cação do ninho, a equipe deve nhos (Figura 4) e ovos são importantes para res- preencher uma fi cha com os dados básicos dos ponder muitas questões relacionadas à pesquisa ninhos e das fêmeas (modelo em anexo). A iden- sobre a reprodução dos quelônios. Especialmente tifi cação dos ninhos é desaconselhada nos casos se forem acompanhadas de dados sobre a ma- em que os sítios reprodutivos não puderem ser triz. Esses parâmetros devem ser estabelecidos protegidos durante toda a temporada reprodutiva, em atendimento aos seguintes objetivos: pois os piquetes anunciam a presença de ninhos e isso facilita a predação por infratores. • calcular a porcentagem de nascimen- tos; • verifi car a distribuição temporal e es- pacial; • verifi car a infl uência da cobertura ve- getal na densidade, padrão de distri- buição e desenvolvimento; • relacionar o tamanho dos ovos com o tamanho dos fi lhotes; • comparar diferenças no desenvolvi- Figura 3 – Marcação para indicar ninhos de tar- mento de embriões e de fi lhotes de tarugas-da-amazônia. ninhos transferidos e não transferidos;

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• relacionar o tamanho da fêmea com Para as medidas do ninho recomenda- o tamanho e o número de ovos depo- se o uso de uma régua ou fi ta métrica (Figuras sitados; 5a e b). Para medir a altura do ninho em relação à lâmina d’água, recomenda-se o uso de técnicas • verifi car a temperatura interna do ninho topográfi cas de mensuração de desnível de ter- durante o período de incubação etc. reno (curva de nível), que podem ser realizadas Para cada fi nalidade descrita, uma por réguas e mangueiras d’água, ou por teodoli- amostra de ninhos deve ser defi nida, recomen- tos (Figuras 6a e b). dando um mínimo de 40 ninhos ou uma amostra representativa do total de ninhos de uma mesma praia. Os ninhos e as praias devem ser escolhidos aleatoriamente para serem abertos, manuseados e mensurados. É importante ressaltar que quan- to menor for a interferência humana nos ninhos maior será o sucesso de eclosão dos fi lhotes. Quanto aos parâmetros morfométricos dos ninhos, deve-se coletar as seguintes medidas: A • Profundidade até o primeiro ovo: a medida deve ser tomada da super- fície do ninho até o primeiro ovo en- contrado; • Profundidade máxima do ninho: a medida deve ser tomada após a reti- rada de todos os ovos. Vai da super- B fície até o fundo do ninho; – Medidas tomadas em um ni- • Largura da câmara do ninho; Figuras 5a e b nho: a) profundidade; b) largura. • Altura do ninho em relação à lâmina A d’água do rio ou lago; • Distância do ninho até o rio ou lago; • Tipo de substrato do ninho.

B

Figuras 6a e b – Altura do ninho em relação à Figura 4 – Modelo esquemático de um ninho de lâmina d’água, feita por mangueira e régua topo- tartaruga-da-amazônia. gráfi ca (a) e teodolito (b).

43 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

Morfometria dos ovos Até perguntas básicas precisam ser respondidas como, por exemplo, quanto uma fêmea cresce de Durante a morfometria, os ovos devem um ano para outro? Qual a área de uso da espé- ser cuidadosamente retirados do ninho, pois cie monitorada? Qual a estrutura populacional por movimentos bruscos podem levar à morte do classes de tamanho e sexo? Todas são perguntas embrião. Se não houver necessidade de trans- importantes para conhecer mais sobre a popu- ferência do ninho para áreas mais protegidas, os lação monitorada e protegida, e para subsidiar e ovos devem ser devolvidos ao ninho de origem aprimorar o sistema de manejo adotado, mas só na mesma posição em que estavam. Isso sig- podem ser respondidas com a biometria, a marca- nifi ca que o ovo deve ser colocado na mesma ção e a recaptura das fêmeas reprodutoras. posição em que se encontrava no ninho (loca- lização) e de maneira que a parte do ovo que Se houver interesse em relacionar os estava voltada para cima continue para cima. dados dos ninhos (p. ex.: número e tamanho Recomenda-se a tomada dos seguintes parâ- de ovos) com dados provenientes das fêmeas metros: reprodutoras (p. ex.: tamanho, múltiplas desovas no mesmo período reprodutivo, fatores genéticos • Comprimento do ovo (mm); etc.) deve-se realizar uma busca para capturar • Largura do ovo (mm); a fêmea durante a desova. As fêmeas devem • Massa (g). ser medidas e marcadas. Para a tartaruga-da- amazônia a busca deve ocorrer nos períodos da As medidas dos ovos devem ser feitas noite e da manhã. A procura pelas fêmeas deve com um paquímetro de 1 mm de precisão e o ser realizada com cuidado para não interromper peso deve ser obtido com uma balança digital a atividade de desova, por isso sua captura com duas casas decimais. O peso não é uma deve ser realizada somente após o término da medida essencial, fi cando o seu registro a crité- nidifi cação. Deve-se tomar cuidado com barulho rio dos gestores e técnicos. Para tracajá, irapuca e luz, para não perturbar os animais. e iaçá sugere-se amostrar no mínimo cinco ovos por ninho, e dez exemplares para a tartaruga- O Capítulo 9 detalha alguns procedi- da-amazônia. Dados morfométricos dos ovos mentos para a captura de quelônios e estudos devem ser tomados no máximo até dois dias populacionais. As medidas a serem tomadas após a postura. A idade do ninho (tempo desde são: a postura até sua identifi cação) pode ser esti- • Comprimento retilíneo ou curvilíneo mada por quão recente é o rastro, a aparência da carapaça (mm); externa do ninho, a aparência dos ovos e a umi- • Largura da carapaça (mm); dade da câmara de postura (a fêmea expele um líquido sobre os ovos durante a postura). • Comprimento retilíneo do plastrão (mm); • Altura (mm); 5.5 Biometria e marcação de fêmeas reprodutoras • Massa (g). As medidas mais importantes a se- A biometria e a marcação das fêmeas rem coletadas são os comprimentos retilíneos durante a postura são essenciais para respon- da carapaça e do plastrão, e a massa (Figura 7). der questões sobre sua biologia reprodutiva. Por Todas as medidas devem ser tomadas com pa- exemplo, é importante saber com que tamanho químetro de 1 mm de precisão. Para medir o uma fêmea começa a desovar ou quantas ve- comprimento curvilíneo da carapaça deve ser zes uma fêmea nidifi ca por período reproduti- usada uma fi ta métrica. A massa da fêmea pode vo. Será que uma mesma fêmea vem todos os ser tomada com dinamômetro, balança de braço anos depositar os ovos no mesmo sítio repro- ou balança digital, dependendo do tamanho do dutivo (fi delidade ao ambiente de nidifi cação)? indivíduo (Figura 8).

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Figura 7 – Modelo esquemático das principais medidas corporais a serem obtidas da carapaça e do plastrão; medida com paquímetro do comprimento retilíneo da carapaça; medida com fi ta métrica (1 mm de precisão) do comprimento curvilíneo da carapaça.

para a marcação, a fi m de evitar sangramento no animal. Para os cortes, deve-se utilizar serras ou canivetes e para a perfuração usa-se uma fu- radeira portátil elétrica ou manual, com brocas de diferentes polegadas. O Capítulo 9 detalha alguns procedimentos de marcação de indivídu- os subadultos e adultos de quelônios.

5.6 Incubação dos ovos

Durante a incubação dos ovos é im- portante, sempre que possível, obter dados de temperatura e umidade do ninho. A temperatura Figura 8 – Pesagem de fêmea adulta de tartaru- de incubação dos ovos pode ser obtida por data ga-da-amazônia com balança de braço. loggers (medidores remotos de temperatura), que devem ser instalados no interior da câmara de postura (Figura 9) entre os ovos. Esse apa- A marcação é importante para identi- relho monitora a temperatura do ninho durante fi car um animal em futuras capturas e compa- todo o período de incubação, permitindo avaliar rar informações biométricas e históricas. Pode os efeitos dos fatores climáticos sobre a biologia ser feita utilizando diferentes técnicas, porém a dos fi lhotes. Os quelônios amazônicos são ani- mais empregada consiste num sistema com pe- mais cujo sexo é determinado pela temperatura quenos cortes ou furos nos escudos marginais de incubação do ninho. Sendo assim, é possível da carapaça. A combinação de cortes faz com correlacionar essas informações com o sucesso que cada fêmea tenha identidade única. Vale ou não de eclosão, tempo de incubação, razão ressaltar que os escudos marginais que fazem a sexual dos fi lhotes, preferência das matrizes por união da carapaça com o plastrão (região conhe- sítios de desova, entre outros fatores próprios cida como “ponte”) não devem ser utilizados dos aspectos reprodutivos das espécies.

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SON, 1991b; WILSON, 1998: FERRI, 2002). Diante do decréscimo das populações de que- lônios amazônicos e pela necessidade identifi - cada de recuperar tais populações, a mitigação da predação natural é tida como uma estratégia para esse fi m, a despeito da implicância ecoló- gica que tal processo encerra. Assim, os ninhos devem ser protegidos para evitar a predação por animais e por humanos. Diferentes métodos de proteção de ni- nhos de quelônios são utilizados. Para a prote- Figura 9 – Data logger inserido em ninho de tra- ção individual dos ninhos utiliza-se um quadro cajá para medir temperatura e umidade. de madeira telado ou, preferencialmente, ape- nas uma tela de metal. Essa tela dever ser colo- 5.7 Uso de régua linimétrica cada sobre o ninho e suas bordas enterradas no substrato ao seu redor. A tela deve ter uma altu- Nos sítios de monitoramento devem ser ra razoável para permitir a livre emergência dos instaladas réguas linimétricas (ou régua d’água) fi lhotes (Figura 11). Caso a proteção individual para medir o nível da água do rio e acompanhar impeça a emergência dos fi lhotes, os ninhos sua variação (Figura 10). Isso é importante para protegidos devem ser monitorados diariamen- verifi car se há ou não risco de inundação dos ni- te, principalmente quando estiverem próximos nhos durante a incubação. Caso haja, devem ser do período de eclosão dos ovos. Esse monito- transferidos para um local mais alto na praia de ramento deve ser feito nas primeiras horas da origem ou para outro sítio natural mais favorável manhã, para evitar a morte dos fi lhotes por in- ao sucesso da eclosão, caso seja a ação a ser solação. A vigília individual de ninhos permite a adotada. Em casos extremos, os ninhos podem proteção dos fi lhotes após a eclosão, em seu ser transferidos para ambientes de incubação deslocamento do ninho até o rio ou lago, além artifi cial, comumente chamados de chocadeiras da contagem do número de fi lhotes nascidos ou incubadoras. por ninho e/ou por sítio de desova. Este último pode ser obtido com maior difi culdade e menor precisão pela contagem das cascas dos ovos.

A

Figura 10 – Réguas d’água para aferir o nível do rio no sítio de desova nos períodos de enchente e estiagem.

5.8 Proteção de ninhos

A fase da vida dos quelônios em que há B maior taxa de mortalidade é durante a incubação dos ovos (p. ex.: predação de ovos, alagamento Figura 11 – Aparatos de proteção individual para de ninhos, furto/exploração de ovos para con- os ninhos: a) quadro de madeira telado; b) tela sumo, morte natural dos embriões etc.) e logo de metal circundando o ninho (Projetado por Ra- após o nascimento (IVERSON, 1991a; IVER- fael Balestra).

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Em grandes tabuleiros de desova de BERNHARD, R. Biologia reprodutiva de Po- tartaruga-da-amazônia pode haver difi culdade docnemis sextuberculata (Testudines, Pelo- para a proteção individual de ninhos, pois às medusidae) na Reserva de Desenvolvimento vezes eles fi cam muito próximos uns dos ou- Sustentável Mamirauá, Amazonas, Brasil. tros. Nesse caso, é recomendada a proteção 2001. 52p. Dissertação (Mestrado) – Curso de de toda a praia. Um grande cercado de tela de Pós-Graduação em Ecologia, Instituto Nacional arame de aço ou de vinil (entre outros produtos) de Pesquisas da Amazônia/Universidade Fede- deve ser colocado ao redor da área de desova ral do Amazonas. (Figura 12). Esse método é mais efi caz para a contagem dos fi lhotes, permitindo estimar o su- BERNHARD, R.; De La OSSA, J. V.; VOGT, R. cesso ou não da eclosão, do que para proteger C.; MORALES-BETANCOURT, M. A.; LASSO, o ninho contra predadores. C. A. Podocnemis erythrocephala (Spix, 1824). In: PÁEZ, V. P.; MORALES-BETANCOURT, M. A.; LASSO, C. A.; CASTAÑO-MORA, O. V.; BOCK, B. C. (Eds.). Biología y conservación de las tortugas continentales de Colombia. Bo- gotá, DC., Colômbia: Instituto de Investigación de Recursos Biológicos Alexander von Humbol- dt, 2012. p. 360-366. BERNHARD, R.; FERRARA, C. R.; WALDEZ, F.; VOGT, R. C.; SOUZA, R. A.; THIEL, R. A.; BER- NARDES, V. C. D. Aspects of the reproductive biology of Podocnemis unifilis and Podocnemis sextuberculata in Erepecu Lake, Rio Trombetas, Brasil. In: Resumos do 10º Annual Sympo- sium onthe Conservation and Biology of Tor- toises and Freshwater Turtles. Turtle Survival Alliance and IUCN/SSC Tortoise and Freshwater Turtle Specialist Group, Tucson, AZ. 2012a. Figura 12 – Cercamento de área/setor de uma praia com grande concentração de desovas de CANTARELLI, V. H. Alometria reprodutiva da tartaruga-da-amazônia. tartaruga-da-amazônia Podocnemis expan- sa: bases biológicas para o manejo. 2006. 116p. Dissertação (Doutorado) – Escola Supe- rior de Agricultura, Universidade de São Paulo. REFERÊNCIAS CAPUTO, F. P.; CANESTRELLI, D.; BOITANI, L. Conserving the terecay Podocnemis unifillis, ALHO, C. J. R.; PÁDUA, L. F. M. Reproductive Testudines: Pelomedusidae, through a commu- parameters and nesting behaviour of the Ama- nity-based sustainable harvest of its eggs. Bio- zon turtle Podocnemis expansa (Testudinata: logical Conservation, v. 126, p. 84-92, 2005. Pelomedusidae) in Brazil. Canadian Journal of CARVALHO, E. A. R.; PEZZUTI, J. C. B.; MARA- Zoology, v. 60, p. 97-103, 1982. NHÃO, M. B. Podocnemis erythrocephala Nests BARRIO-AMORÓS, C. L.; NARBAIZA, Í. Turtles in the Lower Tapajós River, Amazônia Central, of the Venezuelan. Radiata, v. 17, p. 2-19, 2008. Brasil. Chelonian Conservation and Biology, v. 10, p. 146-148, 2011. BATISTELLA, A. M.; VOGT, R. C. Nesting Eco- logy of Podocnemis erythrocephala (Testudines, CASTAÑO-MORA, O. V. La situacion de Podoc- Podocnemididae) of the Rio Negro, Amazonas, nemis erythrocephala (Spix, 1824) (Testudinata: Brazil. Chelonian Conservation and Biology, Polomedusidae) en Colombia. Caldasia, v. 19, v. 7, p. 12-20, 2008. p. 55-60, 1997.

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49 capítulO 6 Transferência de ninhos de quelônios amazônicos

Paulo César Machado Andrade, Cássia Santos Camillo, José Ribamar da Silva Pinto, Paulo Henrique de Oliveira Guimarães, Janderson Rocha Garcez, João Alfredo da Mota Duarte, José Roberto Moreira e Rafael Antônio Machado Balestra

A transferência de ninhos de quelônios QUA, 2000; PORTAL et al., 2005; CANTARELLI de áreas onde possam sofrer ameaças contra et al., 2008). O método também foi adotado sua integridade (predação ou alagamento) para desde 1982 pelo Projeto Tamar, para a proteção áreas protegidas tem sido uma estratégia de de ninhos de tartarugas marinhas (FUNDAÇÃO conservação amplamente utilizada por diver- PRÓ-TAMAR, 2000). sos programas de proteção em todo o mundo Alguns programas de longo prazo de (THOMPSON, 1979; TCA, 1997; HERNANDEZ manejo comunitário de quelônios na Amazônia et al., 1999; SOINI, 1999; BONACH et al., 2003; também adotaram a transferência de ninhos ANDRADE et al., 2001, 2004 e 2005; TOWN- como metodologia para proteger os ovos e ga- SEND, 2008). No Brasil, esse método foi ado- rantir o nascimento dos fi lhotes. A técnica é uti- tado pelo Programa Quelônios da Amazônia, lizada em áreas onde a população de quelônios do Ibama, desde 1979, com a fi nalidade de está reduzida, ameaçada de extinção e com ele- proteger, principalmente, ninhos de tartarugas- vada remoção de ovos para venda ou consumo da-amazônia e tracajás da predação humana e (ALHO, 1985 e 1986; CANTARELLI, 1997; AN- também de fenômenos naturais, como os repi- DRADE et al., 2001, 2004, 2005; AMPA, 2006; quetes, que podem provocar o alagamento dos OLIVEIRA, 2006; CANTARELLI et al., 2008; ninhos (IBAMA, 1989; BATAUS, 1994; CENA- COSTA, 2008; BALESTRA et al., 2010). A seguir, Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

as razões para o uso dessa técnica, em quais si- tratégia de conservação é facilitar a logística de tuações é utilizada e os problemas que pode tra- vigilância, proteger os ninhos e educar ambien- zer para a população de quelônios. Finalmente, o talmente as comunidades locais. detalhamento da técnica de transferência. Diversos artigos têm demonstrado que a transferência de ninhos realizada em áreas 6.1 Por que transferir um ninho? comprovadamente alteradas permite protegê- los contra a predação humana e de eventuais Pressupõe-se que o sistema natural de predadores, aumentando a taxa de eclosão reprodução de quelônios amazônicos seja o mais dos fi lhotes. Em algumas dessas áreas, caso adequado para essas espécies, por ter sido o que nenhuma proteção seja feita, a predação pode evoluiu por seleção natural nos últimos milhões variar de 87,7% a 100% dos ninhos (SOINI, de anos. Assim, a técnica de transferência de ni- 1997; CANTARELLI et al., 2008; ANDRADE, nhos deve ser adotada como estratégia de con- 2008; BATISTELA; VOGT, 2009). servação somente em casos extremos onde não for possível a manutenção in situ dos ninhos de populações ameaçadas de extinção. Portanto, o requisito primordial para seu uso é: a população de quelônios estar em ameaça de extinção e a adoção de outras técnicas de conservação não ser sufi ciente para sua recuperação. Em casos de populações de tartarugas- da-amazônia, tracajás e iaçás, nas quais grande número de fêmeas desova em poucas praias (tabuleiros de desova), o trabalho de vigilância dos ninhos torna-se mais fácil para impedir a predação humana. Porém, se essas popula- ções estiverem muito ameaçadas é necessário o salvamento do maior número possível de ni- nhos. Os ninhos sujeitos a inundações repen- tinas (repiquetes) ou em locais de alagamento Figura 1 – Ninho de iaçá P. sextuberculata inun- por infl uência de marés (Figura 1) podem ser dado por enxurrada na RDS Uacari/AM. salvos pela transferência para áreas mais altas, mas na mesma praia de origem. Portanto, em praias onde é possível o trabalho de vigilância, mas que haja necessidade de salvamento de ninhos, a técnica de transferência deve ser ado- tada como estratégia de conservação quando os ninhos estiverem localizados em áreas mais baixas dos sítios de desova, havendo a possibi- lidade de, antes da eclosão dos fi lhotes, serem alagados pela subida da água. Em áreas alteradas pelo homem, quan- do as desovas da população ameaçada são iso- ladas, dispersas em diversas praias, é difícil a vigilância e a proteção contra a predação huma- na, animais silvestres ou domésticos (Figura 2). Nesses casos, o principal fator para a adoção Figura 2 – Ninho de tracajá P. unifilis predado da técnica de transferência de ninhos como es- por humanos em Terra Santa/PA.

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6.2 Possíveis problemas causados pela trans- seja verdade, a transferência de ni- ferência de ninhos nhos para maternidades distantes da praia de nascimento compromete o comportamento desses quelônios. A proteção de ninhos de quelônios sob condições naturais e a soltura de fi lhotes são consideradas técnicas de conservação seguras É importante ressaltar que outros pro- e efi cientes, entretanto, o manejo de ovos pode blemas oriundos da transferência de ninhos de ser importante ferramenta para a conservação quelônios podem ocorrer. Recentemente, foi de quelônios (SÖNMEZ; ÖZDILEK, 2013). Se- descoberto que as tartarugas-da-amazônia, bem gundo Limpus e Miller (1980), a transferência como outros quelônios, apresentam complexo de ovos de quelônios do local de desova para sistema de comunicação por som, incluindo o um diferente local de incubação está sujeita a cuidado parental pós-eclosão, por meio da agre- três problemas que podem afetar o sucesso da gação de fi lhotes com adultos para a migração eclosão e o desempenho dos fi lhotes: em massa (FERRARA et al., 2014). Essa migra- • A morte do embrião causada por ção em massa pode ser para proteger os fi lho- movimentos bruscos de rotação dos tes, pois dilui a pressão de predação (HAMIL- ovos, que rompem a fi xação do em- TON, 1971). Sendo assim, a transferência de brião em relação à câmara de ar do ninhos para locais artifi ciais de incubação e a ovo. Esse problema pode ser evitado posterior soltura dos fi lhotes longe de sua praia se os cuidados forem tomados. de origem podem aumentar a predação de fi lho- tes, por causa da ausência de adultos durante a • Alteração da razão sexual e redução migração. da sobrevivência dos fi lhotes pelas novas condições ambientais. Em Outro problema é a seleção negativa quelônios, diversas condições do mi- de fi lhotes. Fêmeas de tartarugas diferem em cro-habitat do ninho podem afetar ca- sua preferência de local de nidifi cação (ALHO; racterísticas dos fi lhotes como sexo, PÁDUA, 1982). Se os ninhos que foram transfe- tamanho, mobilização de nutrientes, ridos são de fêmeas que nidifi cam em áreas su- capacidade natatória, sobrevivência, jeitas à inundação, é possível que isso infl uencie entre outros (PACKARD et al., 1982; a pressão de seleção dos fi lhotes, alterando o ALHO et al., 1985; GUTZKE et al., pool gênico da população (MROSOVSKY, 2006, 1987; SOUZA; VOGT, 1994; SPO- 2008). A descendência de fêmeas que desovam TILA et al., 1994; PEZZUTI; VOGT, em áreas passíveis de alagamento, que poderia 1999; FERREIRA-JUNIOR et al., ser eliminada, passa a ter signifi cativa represen- 2007; SÁ, 2009; CATIQUE, 2011). Se tação para as gerações seguintes. os cuidados forem tomados durante a transferência o problema é minimi- zado ou evitado. 6.3 Metodologia recomendada para transfe- rir ninhos de quelônios amazônicos • Os fi lhotes, quando adultos, não conseguirem retornar a seus locais de nascimento para a desova. O de- Transferir ninhos é uma maneira co- senvolvimento de técnicas molecu- mum adotada por diversos projetos de conser- lares na década de 1990 comprovou vação de quelônios, porém requer uma série de não só que as fêmeas de tartarugas cuidados, a fi m de garantir o sucesso no nasci- marinhas retornavam anualmente às mento dos fi lhotes e assegurar a proteção aos mesmas praias para desovar, como efeitos negativos. Vários estudos têm adotado também que essas eram as praias essa metodologia, demonstrando que esse pro- onde elas tinham nascido (BOWEN cesso proporciona taxas de eclosão entre 70 e et al., 1994; BOWEN; KARL, 2007). 90%, superiores ou similares às encontradas Acredita-se que o mesmo ocorra na natureza (PÁDUA et al., 1983; CORREA; com os quelônios da Amazônia. Caso SOINI, 1988; IBAMA, 1989; NASCIMENTO;

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ARMOND, 1991; TCA, 1997; CENAQUA, 2000; de raízes, pedregulhos e excesso de matéria or- ANDRADE et al., 2001, 2004 e 2005; ANDRA- gânica proveniente das folhas. Esses materiais DE, 2008; TOWNSEND, 2008; COSTA, 2008). podem alterar a razão sexual, reduzir a taxa de Valores inferiores a 50% na taxa de eclosão de eclosão ou aumentar o número de fi lhotes defei- ninhos transferidos, normalmente, indicam falta tuosos (JANZEN, 1994; ANDRADE et al., 2005). de cuidados básicos na transferência, imperícia Quando a vigilância não é possível na da equipe ou grande variação microclimática nas praia de origem dos ninhos, deve ser esco- condições dos ninhos artifi ciais. lhida uma área adequada para construir uma praia artifi cial, chamada chocadeira (ANDRADE Escolha do local para a transferência de ninhos et al., 2005). O local mais adequado para uma chocadeira tem de ser alto, plano, aberto, livre A escolha do local de desova pela fêmea de qualquer cobertura vegetal ou construções confere ao ninho características como teor de próximas, e exposta à luz do Sol durante todo o umidade, cobertura vegetal e tipo de substrato, dia. Esse local deve ter uma boa drenagem (para que exercem infl uência sobre sua temperatura, escoamento das águas pluviais) com o solo to- uma das variáveis ambientais mais importantes talmente nu, sem raízes ou ninho de formigas durante o período de incubação (VOGT; BULL, por perto. É importante ser um local de fácil vi- 1982). Diversas características do micro-habitat gilância, estar em campo aberto ou praia próxi- do ninho (especialmente temperatura) podem ma da comunidade (SOINI, 1999; ANDRADE et afetar características dos fi lhotes como peso e al., 2005). Deve ser construída longe de lixeiras, sexo, tempo de incubação (BULL; VOGT, 1979; esgotos ou lugar que possa atrair moscas, cujas BULL, 1980; VOGT; BULL, 1982; SOUZA; VOGT, larvas predam os ovos e fi lhotes nos ninhos 1994), mobilização de nutrientes, morfologia, (ANDRADE, 2008; GARCEZ, 2009). O substrato quantidade de vitelo residual após eclosão, capa- para onde serão transplantados os ninhos, ge- cidade natatória, entre outros (PACKARD et al., ralmente é de areia (pelo menos 1 m de pro- 1982; GUTZKE et al., 1987; ALHO et al., 1985; fundidade), porém para o tracajá também pode SOUZA; VOGT, 1994; SPOTILA et al., 1994; PE- ser de argila, ainda que as melhores taxas de ZZUTI; VOGT, 1999; FERREIRA-JUNIOR et al., eclosão para a espécie sejam obtidas na areia 2007; SÁ, 2009; CATIQUE, 2011). Portanto, a (SOINI, 1999; ANDRADE et al., 2001, 2005). escolha do local para transferir ninhos deve ser Após a escolha do local para a chocadei- feita com muito cuidado e atenção. A transferên- ra, a área deve ser delimitada por uma barreira cia pode afetar até mesmo características não de 1,2 a 1,8 metro de altura, que pode ser feita detectáveis nos primeiros meses de vida, após com diversos tipos de materiais: tela plástica tipo a eclosão, com efeitos de longo prazo para os sombrite, tela metálica de galinheiro, estaca de fi lhotes (JAFFÉ et al., 2008). madeira, aproveitamento de rede de pesca velha Se a vigilância da praia for possível, a etc. (ANDRADE et al., 2005; OLIVEIRA; ANDRA- transferência dos ninhos deve ser feita na pró- DE, 2012). Normalmente, é adotada a distância pria praia. Nesse caso, é preferível escolher de 50 cm entre cada ninho transplantado de tra- para a transferência dos ninhos um local alto da cajá ou iaçá (Figura 3). Para a tartaruga-da-ama- praia (entre 1,5 e 4 m), livre de inundação, com zônia, a distância entre ninhos deve ser de 100 granulometria da areia e, consequentemente, cm. Vale lembrar que é importante deixar um a temperatura semelhante à dos ninhos origi- espaço para o agente de praia circular entre as nais (IBDF, 1987; IBAMA, 1989; ANDRADE et fi leiras de ninho da chocadeira e entre os ninhos al., 2005). Áreas mais altas da praia apresentam e as paredes laterais do cercado (IBDF, 1987; menor teor de umidade (6-14%) e taxa de eclo- IBAMA, 1989; PORTAL et al., 2005; ANDRADE são signifi cativamente maior do que em praias et al., 2005). Em locais onde existem predadores baixas (GARCEZ, 2009; SÁ, 2009; CATIQUE, naturais de ninhos, recomenda-se que a choca- 2011). Recomenda-se que o local de escolha deira seja coberta com fi os de náilon bem fi nos seja plano, suavemente inclinado (para permitir ou malhadeiras de mica, para que seja possível o escoamento das águas pluviais), sem a pre- proteger as ninhadas sem causar sombreamento sença de cobertura vegetal arbustiva ou rasteira (ANDRADE et al., 2005).

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Figura 3 – Chocadeira construída em comunidade de Terra Santa/PA.

Caso não haja local adequado para construir a chocadeira, os ninhos podem ser transferidos para caixas de madeira com areia (Figuras 4 e 5). Essas caixas devem ter altura entre 30 e 50 cm, para o transplante de ninhos de iaçá e tracajá, e 100 cm para o transplante de ninhos de tartaruga-da-amazônia (SOINI, 1999; TOWNSEND, 2008).

Figura 5 – Chocadeira em caixa suspensa para ninho de tracajá em área com ataque de formi- gas. Sempre que possível, o local da choca- deira deve ser mudado, anualmente, a fi m de re- duzir a infestação por fungos e ataque de formi- gas. Nos casos em que não for possível alterar o Figura 4 – Chocadeira de caixa de areia para ni- local da chocadeira, é importante que as cascas nho transferido de tracajá. de ovos, ovos não eclodidos e fi lhotes mortos sejam descartados após a eclosão.

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Quando e como transferir os ovos? 2005; ANDRADE et al., 2005; COSTA, 2008; OLI- A fi m de evitar a mortalidade embrio- VEIRA; ANDRADE, 2012). Preferencialmente, a nária induzida pela movimentação dos ovos, a coleta e a transferência dos ovos devem ser re- transferência deve ser realizada nas primeiras alizadas sequencialmente, no menor tempo pos- 24 horas após a postura. Em situações em que sível. No entanto, nos casos em que não for pos- não for realizada a transferência nesse período, sível transferir os ovos logo após a coleta, esses mas existir possibilidade de alagamento dos devem ser guardados em uma caixa de isopor, ninhos, antes da eclosão dos fi lhotes, deve-se em local fresco, e a transferência realizada nas optar por deixar o ninho intacto o máximo de horas com temperatura amena. dias possível, até que passe o período crítico O ninho a ser transferido deve ser aberto de 28-29 dias. Após o 30º dia de incubação, o cuidadosamente, bem como a retirada dos ovos risco de danos com a transferência dos ninhos (Figuras 6a e b). Estes devem ser mantidos é novamente reduzido (IBDF, 1987; IBAMA, na mesma posição de origem, evitando girá- 1989). Não é exatamente a movimentação dos los bruscamente (IBAMA, 1989; TOWNSEND, ovos que causa a mortalidade embrionária, mas 2008; OLIVEIRA; ANDRADE, 2012). O transporte a rotação brusca (IBAMA, 1989; TOWNSEND, dos ovos deve ser realizado preferencialmente 2008; OLIVEIRA; ANDRADE, 2012). em caixas de isopor de 24,5 litros, nas horas Ovos de quelônios são suscetíveis à de- de temperatura mais amena. Para evitar que sidratação, sobretudo os de tartaruga-da-amazônia os ovos balancem durante o transporte devem e iaçá, que possuem cascas fl exíveis. Portanto, a ser posicionados, desde o fundo da caixa, sobre transferência dos ninhos deve ser realizada nas camadas de areia (preferencialmente, do próprio horas mais frias do dia – entre 5 e 9 da manhã ou ninho), capim seco ou embalagens de ovos de entre 17 e 18 horas (IBAMA, 1989; PORTAL et al., galinha. Os ninhos não devem ser misturados (Figuras 7a e b).

A B

Figuras 6a e b – Abertura do ninho (a) e retirada dos ovos (b).

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A B

Figuras 7a e b – Conferência e arrumação dos ovos na caixa de transporte.

A abertura de novas cavidades para o nhos artifi ciais de tracajá devem ter de 15 a 20 transplante dos ninhos também deve ser reali- cm de profundidade. O diâmetro das câmaras zada nas horas mais frias do dia. A areia quente deve ser em torno de 20-25 cm. O ideal é que e solta da área a ser escavada deve ser retira- em cada região seja utilizada a média local para da e, caso necessário, molhada. Para a abertura as profundidades e diâmetro/largura das câma- dessa cavidade pode ser utilizada uma cavadeira ras dos ninhos. até a profundidade recomendada para a espé- O transplante dos ninhos deve ser feito cie. Em seguida, fazer o acabamento da câmara nas horas mais frias do dia. Os ovos devem ser do ninho, utilizando as mãos, para dar o formato retirados das caixas de isopor e transplantados de uma bota onde serão colocados os ovos. A na câmara do novo ninho com o máximo cuida- câmara deve ser construída com as característi- do. Os ovos devem ser colocados na mesma cas do ninho natural. posição em que se encontravam e na ordem in- A profundidade de cada cavidade des- versa em que foram retirados do ninho natural. tinada ao transplante do ninho varia de acordo Ovos de diferentes ninhos não devem ser mis- com a espécie e o tamanho da fêmea (VANZO- turados. Para o fechamento do ninho artifi cial, LINI, 1967). Ninhos de irapuca na areia devem primeiro colocar a areia úmida (que estava no ter profundidade de 20 cm, de iaçá 25 cm, de fundo do ninho) e cobrir os ovos, totalmente, tracajá de 25 a 30 cm e de tartaruga-da-amazô- sem nenhuma pressão. Todos os ninhos devem nia de 80 a 100 cm (Figura 10). No barro, os ni- ser identifi cados.

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Figura 10 – Profundidades dos ninhos artifi ciais, de acordo com a espécie (OLIVEIRA; ANDRADE, 2012).

Alguns pesquisadores sugerem a divi- Dados referentes ao ninho original e ao são da ninhada de tartaruga-da-amazônia em 2 transplantado (Figuras 11 e 12) devem ser regis- ou 3 translocações diferentes, como forma de trados em planilhas separadas e próprias (fi chas melhorar a taxa de eclosão (CORREA; SOINI, em anexo). A coleta dessas informações permi- 1988; ANDRADE et al., 2005). Essa recomenda- te maior controle sobre o processo de transfe- ção deve ser testada localmente para avaliar sua rência dos ninhos. Dados de biometria dos ovos efi ciência e praticidade. também podem ser coletados de uma amostra dos ninhos.

Figura 11 – Piquetes de identifi cação do ninho Figura 12 – Chocadeira com todos os ninhos transferido, com o número do ninho (ou cova), a identifi cados, em Barreirinha/AM. sigla do local de coleta, possível data da eclosão e a espécie.

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Nascimento e soltura de fi lhotes vel, deve-se optar pela transferência para praias artifi ciais. O cuidado na transferência do ninho, O tempo médio de incubação da tarta- evitando horários quentes do dia, movimentos ruga-da-amazônia é de 50 dias, do tracajá é de bruscos dos ovos e transplante em área inade- 60 e do iaçá de 65 dias (veja capítulo 7 para va- quada para a incubação dos ovos, é fator cru- riações locais desse tempo médio). Quando os cial para o sucesso dessa técnica. É importante fi lhotes estão próximos da eclosão, saem dos lembrar que a disponibilidade e o interesse ovos e permanecem na câmara do ninho por 5 a da comunidade devem ser considerados no 7 dias. Durante esse período, é possível identifi - momento de decidir qual estratégia será utiliza- car os ninhos nos quais os fi lhotes já saíram dos da, sendo que essa decisão deve ser tomada em ovos, devido ao afunilamento da areia no topo conjunto com os agentes de praia e os comunitá- do ninho. Alguns projetos de quelônios acele- rios interessados. ram a saída dos fi lhotes, que são retirados dos ninhos nesse momento. Essa estratégia de ma- nejo, mesmo não sendo recomendada, permite REFERÊNCIAS a contagem dos fi lhotes nascidos vivos naque- le ninho. Caso os fi lhotes eclodam dos ninhos ALHO, C. J. R.; PÁDUA, F. M. Reproductive pa- naturalmente, a contagem dos nascidos, por rameters and nesting behavior of the Amazon ninho, pode ser feita pela contagem das cascas turtle Podocnemis expansa (Testudinata: Pelo- de ovos nos ninhos. O número de fi lhotes nas- medusidae) in Brazil. Canadian Journal of Zo- cidos vivos, os mortos e os ovos inviáveis são ology, v. 60, p. 97-103, 1982. importantes para avaliar o sucesso do método ALHO, C. J. R. Conservation and management adotado e/ou ajustes na metodologia. strategies for commonly exploited Amazonian Tendo em vista que a tartaruga- turtles. Biological Conservation, v. 32, p. 291- da-amazônia apresenta cuidado parental 298, 1985. (FERRARA et al., 2014), já que as fêmeas esperam os fi lhotes na beira da praia de ALHO, C. J. R.; DANNI, T. M. S.; PADUA, L. F. desova, a soltura dos fi lhotes manejados, M. Temperature-dependent sex determination independentemente se oriundos de ninhos in Podocnemis expansa (Testudinata, Pelome- naturais ou transferidos, deve ser feita dusidae). Biotropica, v. 17, n. 1, p. 75-78, 1985. prioritariamente nesse local. Para facilitar essa ALHO, C. J. R. Uso potencial da fauna silvestre logística, os fi lhotes de diversos ninhos podem através de seu manejo. In: Anais do 1º simpó- ser soltos, juntos, na praia onde tiver ocorrido sio do Trópico Úmido. Belém: Embrapa-CPA- o maior número de coleta de ninhos. Caso a TU, 1986. p. 359-370. (Documentos, n. 36) coleta tenha sido feita em grande área, será necessária a escolha de diversas praias de AMPA. Aracampina, aprendendo e refazendo soltura, dando preferência àquelas com maior com a natureza. Santarém: Ampa/Ipaam/Pro- número de ninhos. Os dados referentes ao Várzea, 2006. 22 p. sucesso de eclosão de cada ninho e à soltura dos fi lhotes devem ser registrados em planilhas ANDRADE, P. C. M. Criação e manejo de que- próprias (fi cha em anexo). lônios no Amazonas. Manaus: Provárzea/Iba- ma, 2008. 528 p. Apesar de controversa, essa técnica tem garantido aumento dos estoques populacio- ANDRADE, P. C. M.; PINTO, J. R. S.; LIMA, A.; nais em vários locais onde foi adotada, merecen- DUARTE, J. A. M.; COSTA, P. M.; OLIVEIRA, P. do ser considerada em programas de conserva- H. G.; AZEVEDO, S. H. Projeto Pé-de-Pincha, ção de quelônios amazônicos. Ressalta-se que a parceria de futuro para conservar quelônios estratégia de conservação ideal de proteção de na várzea amazônica. Ibama/Provárzea, 2005. ninhos de quelônios é mantê-los nos locais origi- 27 p. (Coleção Iniciativas Promissoras, v. 1) nais. Quando não é possível adotar essa estraté- gia, deve-se optar pela transferência dos ninhos ANDRADE, P. C. M.; LIMA, A. C.; CANTO, S. ameaçados para áreas da praia original. Somente L. O.; SILVA, R. G. et al. Projeto Pé-de-Pincha: nos casos em que nenhuma das opções é possí- Manejo sustentável de quelônios (Podocne-

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62 capítulO 7 Monitoramento da incubação dos ovos e manejo de fi lhotes de quelônios amazônicos

Rafael Antônio Machado Balestra, Paulo César Machado Andrade, Rafael Bernhard, Camila Rudge Ferrara e Camila Kurzmann Fagundes

termos relativos, ninhos de incubação mais cur- ta são os feitos em substrato arenoso se com- parados aos ninhos feitos em substrato argiloso que, frequentemente, apresentam período de incubação maior, ocasionado por mais umidade e por estar frequentemente localizado perto da vegetação subarbustiva e herbácea, recebendo menos raios solares. Quando os ninhos escapam do risco de inundação, comuns na maioria dos sítios de de- sova de podocnemidídeos, sofrem outra grande ameaça natural, que é a predação de ovos e de fi lhotes. O número de potenciais predadores é imenso, por exemplo, formigas podem invadir os ninhos e devorar os embriões; moscas po- dem depositar seus ovos, que se transformam em larvas, reduzindo a taxa de sobrevivência dos fi lhotes recém-eclodidos; pequenos e gran- des mamíferos carnívoros, em sua maioria, bem como roedores e insetívoros utilizam dessa rica fonte de proteínas, predam ninhos, geralmente com postura recente, e os fi lhotes são devora- dos por aves e lagartos (quando abandonam o Espécies com ampla distribuição geo- ninho). Nos cursos d’água, os fi lhotes, juvenis e gráfi ca têm a plasticidade do comportamento adultos também podem ser predados por anu- materno para compensar diferenças climáticas ros, peixes carnívoros, mamíferos aquáticos (ari- pela escolha de sítios com características dis- ranhas, botos) e jacarés. tintas ou pela desova em época mais quente ou A manutenção de índices populacionais mais fria. Tal aspecto é enaltecido com as espé- viáveis de espécies de quelônios amazônicos cies do gênero Podocnemis. está diretamente condicionada à sistematiza- Altas temperaturas de incubação acele- ção, aprimoramento e ampliação das pesquisas ram o desenvolvimento embrionário, portanto, relativas às práticas de manejo e aos monitora- encurtam o período de incubação dos embriões mentos populacionais aplicáveis à conservação e aumentam as chances de completar o desen- desses animais, o que prescinde de proteção e volvimento, uma vez que aumentam as chances de monitoramento dos sítios de nidifi cação des- de resistência às enchentes. Comumente, em sas espécies. Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

7.1 Períodos de incubação dos ovos e de Período de emergência é o tempo, em emergência dos fi lhotes dias, transcorrido desde a postura dos ovos até o momento de saída do primeiro fi lhote do ni- nho para a superfície. Período de incubação é o número de dias transcorridos entre a postura dos ovos e a Tanto as informações do período de incu- eclosão do primeiro fi lhote do ninho. Para deter- bação quanto às de emergência são importantes, miná-lo é necessário visitar diariamente o ninho, pois indicam a temperatura de incubação dentro assim que começar a eclosão. Deve-se abrir o do ninho. Como relatado, a temperatura de incu- ninho uma vez ao dia, no horário de temperatu- bação infl ui na taxa de desenvolvimento embrio- ra mais amena, para verifi car se algum fi lhote nário, sendo que quanto mais alta a temperatura eclodiu, ou seja, se alguma casca está rompida. mais rápido o embrião desenvolve-se e menor é o Apenas para exemplifi car, a tartaruga-da-amazô- período de incubação e, assim, o de emergência. nia tem o menor período de incubação dentre O período de incubação dos embriões a família Podocnemididae (aproximadamente 45 varia de acordo com a espécie e a localidade (Ta- dias), portanto, para essa espécie, o monitora- bela 1), e a eclosão dos ovos se dá no interior mento do ninho deve ter início em torno do 35° do ninho, não ocorrendo ao mesmo tempo para dia após a postura. Alguns sinais indicam a imi- todos os fi lhotes (IBAMA, 1989a, b). nência de eclosão, por exemplo, maior turgidez do ovo e rachaduras superfi ciais neste, resultan- O controle do período de incubação dos te da descalcifi cação. ovos deve ser efetuado pelos agentes do moni-

Tabela 1 – Período de incubação dos embriões de algumas espécies de quelônios. Espécie Período de incubação (dias) Fonte Tartaruga-da-amazônia 41 - 60 Raeder, 2003; Vogt, 2008 Fachín-Terán e von Mülhen, 2006; Tracajá 51 - 73 Pignati et al., 2013 Iaçá 48 - 77 Ceballos et al., 2012 Irapuca 65 - 87 Novelle, 2006 Félix da Silva, 2004; Cabeçudo 74 - 135 De la Ossa et al., 2012 Muçuã 78 - 266* Berry et al., 2012 * Nesses valores podem estar incluídas a diapausa e a estivação embrionária. toramento reprodutivo (agentes de praia), diaria- completo (metabolização da reserva vitelínica e mente, principalmente próximo ao momento da fortalecimento do corpo). eclosão dos fi lhotes. A saída dos fi lhotes de tar- Tanto nas praias de desova (incluindo taruga-da-amazônia é caracterizada pelo afunila- as áreas de desova em grupo) quanto nas cho- mento do ninho, quando a areia escorrega para cadeiras, efetua-se a contagem dos fi lhotes e o o interior da câmara de postura. Para o tracajá, preenchimento das planilhas de dados (modelo verifi ca-se o rompimento do tampão (popular- da fi cha de coleta de dados em anexo). mente chamado de “beiju”) do ninho, podendo até expor os ovos e fi lhotes. Pode-se proceder então à abertura 7.2 Contagem de fi lhotes do ninho, retirando os fi lhotes completamente maduros ou, preferencialmente, esperar pela Se no sistema de manejo escolhido op- emergência natural. Os fi lhotes que ainda esti- tar-se por não manipular os fi lhotes, é possível verem com o saco vitelínico aparente, deverão estimar o número de fi lhotes nascidos através ser deixados no ninho até seu desenvolvimento da contagem de cascas vazias que restaram no

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ninho após a saída dos fi lhotes. É evidente que que morreram sem que a sua morte tenha este método não é tão preciso quanto contar di- sido causada por algum predador. Este é um retamente os fi lhotes, e o seu nível de difi culda- parâmetro importante, pois índices de eclosão de aumenta com o aumento do número de ovos muito baixos podem indicar problemas com o em um ninho e da proximidade ou sobreposição transplante dos ninhos ou com características parcial entre estes. Uma alternativa é contar o microclimáticas (temperatura e umidade de número total de ovos de uma quantidade repre- incubação). Se houver ninhos transplantados e sentativa de ninhos e, após a saída dos fi lhotes, não transplantados, o sucesso deve ser calculado contar quantos ovos não eclodidos e fi lhotes separadamente entre essas categorias, para mortos restaram nos ninhos. comparação das taxas resultantes.

Em algumas praias e tabuleiros de nidi- 7.4 Biometria de fi lhotes fi cação, principalmente da tartaruga-da-amazô- nia, centenas de fi lhotes emergem ao mesmo A biometria de fi lhotes, que engloba com- tempo e, neste caso, para a contagem de fi lho- primento retilíneo da carapaça (cm), comprimento tes sugere-se realizar o cercamento da área dos retilíneo do plastrão (cm) e peso (g), deve ser reali- ninhos. Recipientes plásticos (caçapas, bacias, zada logo após sua eclosão/emergência com uma caixas etc.) necessariamente vazados para a de- amostra de 40 ninhos ou em 10% do total de ni- vida aeração podem ser utilizados como medi- nhos. Deve ser utilizada uma amostra aleatória mí- da do número de fi lhotes. Estimando o número nima de cinco fi lhotes por ninho para tracajá, irapu- médio de fi lhotes que cabem em um recipien- ca e iaçá, e 10 fi lhotes para tartaruga-da-amazônia. te e quantos recipientes foram cheios, tem-se As medidas dos fi lhotes devem ser fei- uma estimativa do número de fi lhotes nascidos tas com um paquímetro com precisão de 1 mm (Figura 1). A contagem de fi lhotes deve ser feita e o peso deve ser obtido com uma balança digi- nas primeiras horas da manhã. As altas tempe- tal ou tipo dinamômetro, com precisão de 1g e raturas da areia das praias nas horas mais quen- duas casas decimais (Figuras 2a e b). tes podem causar injúrias ou até matá-los. A

Figura 1 – Método de contagem estimada de fi lhotes em áreas de grande concentração de B ninhos.

7.3 Sucesso de eclosão

Sucesso de eclosão ou taxa de natalidade é a razão entre o número de fi lhotes eclodidos vivos e o número total de ovos do ninho. Deve-se registrar o número de ovos sem desenvolvimento embrionário aparente (podendo estes não serem fecundados), ovos com embriões mortos, ovos de óleo ou Figuras 2a e b – Biometria de um fi lhote de tra- “manteigueira”, e fi lhotes eclodidos, mas cajá.

65 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

7.5 Sexagem são: 34,5 ºC no Rio Trombetas, estado do Pará (ALHO et al., 1984); 32,5 ºC (VALENZUELA, 1999) e 32,6 ºC (VALENZUELA, 2001) na Co- Como citado no Capítulo 2, o sexo das lômbia; 33,5 ºC no Médio Rio Araguaia e no Rio espécies da família Podocnemididae é determi- Javaés, estados de Goiás e Tocantins, respectiva- nado pela temperatura de incubação do ninho, mente (FERREIRA-JÚNIOR; CASTRO, 2003; LU- notadamente durante o segundo terço do perío- BIANA-NETO; FERREIRA-JÚNIOR, 2009). Já para do de incubação dos ovos (VALENZUELA, 2001). o tracajá, 32 ºC no estado do Amazonas (SOUZA;- É importante conhecer a razão sexual VOGT, 1994). Não foi encontrado relato na biblio- dos fi lhotes, especialmente dos oriundos de ni- grafi a em relação à temperatura pivotal de outras nhos transplantados. Para realizar essa aferição espécieis do gênero que ocorrem no Brasil. sem sacrifi car fi lhotes, deve-se instalar data lo- De posse dessa informação, deve-se ggers em diferentes ninhos da mesma espécie, fazer uma pequena amostragem de fi lhotes numa mesma área. Esses medidores de tem- oriundos dos ninhos monitorados, com os me- peratura devem permanecer dentro do ninho didores e dados para determinar a razão sexual durante todo o período de incubação. Ao fi nal pela morfologia de suas gônadas (histologia dos da incubação, os medidores terão registrado em órgãos sexuais), decorrendo tal abordagem da intervalos de uma hora ou menos, a temperatu- necessidade de defi nir a temperatura pivotal es- ra de incubação e, assim, pode-se determinar pecífi ca do sítio reprodutivo monitorado e como a média da temperatura do terço médio do pe- contraprova da aferição da razão sexual pela ríodo de incubação e também o quanto, nesse temperatura de incubação. intervalo, cada ninho amostrado foi exposto às temperaturas abaixo e acima da temperatura Mesmo que não seja possível adquirir limítrofe ou pivotal, parâmetros determinantes medidores de dados (data loggers) para monito- para o sexo dos fi lhotes, conforme discutido no rar a temperatura de ninhos, é necessário que Capítulo 2. se faça a sexagem de uma amostra signifi cativa de fi lhotes oriundos de representativo número Diferentemente das tartarugas mari- de ninhos. nhas que ocorrem no Brasil, cuja temperatura pivotal é conservativa, para a maioria dos que- Os fi lhotes devem ser sacrifi cados lônios continentais, destacando as espécies do com anestésico e fi xados com formol 10% gênero Podocnemis, a temperatura pivotal varia tamponado para, posteriormente, serem dis- entre as espécies e entre populações. Essa va- secados e sexados com auxílio de microscó- riação signifi cativa é uma estratégia adaptativa pio estereoscópio (Figuras 3a e b). Estudos de compensação das variações latitudinais e cli- de temperatura e determinação sexual não máticas, para garantir o nascimento de ambos precisam ser feitos anualmente, mas a cada os sexos, haja vista a ampla distribuição geográ- dois anos, e uma pequena amostra de fi lhotes, fi ca das espécies desse grupo (LUBIANA-NE- talvez 50 escolhidos entre 50 ninhos diferen- TO, 2009). No caso da tartaruga-da-amazônia, tes, sorteados assim que o período de desova por exemplo, as principais citações dessa infor- cessar, podem ser sexados todos os anos, se mação varifi cada na bibliografi a especializada houver condições para isso.

A B

Figuras 3a e b – Sexagem de fi lhote por análise mesos- cópica da gônada, feita com lupa ou microscópio estere- oscópio.

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7.6 Marcação de fi lhotes rem realizados e sem custos, no entanto, sua efi ciência é comprometida devido à curta du- rabilidade dos cortes marginais, por causa da Estudos populacionais são indispensá- regeneração relativamente rápida dos tecidos veis para avaliar a vulnerabilidade das popula- da carapaça, e pelas frequentes mutilações das ções por meio da caracterização do estado de patas desses espécimes causadas, ao longo de conservação. Nesse contexto, para aferir a dinâ- sua existência, por predadores que, recorrente- mica de populações de quelônios monitorados é mente, dilaceram seus artelhos. Além disso, é fundamental investir esforços ativos e passivos importante alertar que não são satisfatoriamen- para a captura dos espécimes, para serem mar- te sabidas quais as implicâncias do corte de ar- cados, conforme métodos discutidos a seguir, telhos para a mobilidade, nem quanto aos pro- com vistas a estabelecer o senso populacional. cessos infl amatórios e infecciosos, bem como No caso específi co da marcação de fi lhotes, ob- o sofrimento (dor) que essa amputação pode jetivando monitorá-los, a relevância desse em- causar nesses animais. penho é pelo fato de também permitir comparar a taxa de sobrevivência dos submetidos a dife- Existem outras técnicas em avaliação, rentes sistemas de manejo. por diferentes grupos de pesquisa que desen- volvem estudos populacionais com esses ani- Os métodos de marcação mais usa- mais, testando, além da efi ciência de técnicas dos em fi lhotes de quelônios são o corte de clássicas, métodos mais contemporâneos como artelho (Figuras 4a e b) e o corte retangular nos a implantação de microchips (Figura 4b), tatua- escudos marginais da carapaça (CAGLE, 1939) gens, etiquetas, polímeros subcutâneos etc. (Figura 5). Esses são métodos fáceis de se-

A

B

Figuras 4a e b – Métodos de marcação: a) corte Figura 5 – Modelo esquemático de marcação de artelho, b) por implantação de microchip (em de quelônios por meio de cortes nos escudos detalhe, leitura de microship implantado). marginais da carapaça, adaptado de Cagle, 1939.

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7.7 Coleta de tecido CEBALLOS, C. P.; IVERSON, J. B.; BERNHARD, R. Podocnemis sextuberculata (Cornalia, 1849). In: PÁEZ, V. P.; MORALES-BETANCOURT, M. Recomenda-se fazer uma amostragem A.; LASSO, C. A.; CASTAÑO-MORA, O. V.; de tecido dos fi lhotes manejados/monitorados, BOCK, B. C. (Eds.). Biología y conservación de contemplando representativa amostragem de las tortugas continentales de Colombia. Bo- ninhos, para compor o banco de tecido, a fi m de gota, DC., Colombia: Instituto de Investigación permitir a realização de estudos genéticos para de Recursos Biológicos Alexander von Humbol- caracterizar a estrutura e variabilidade genética, dt, 2012. p. 382-386. determinar o tipo de paternidade etc. Para fi lhotes e subadultos pode ser re- De La OSSA, J. V.; VOGT, R. C.; OSSA-LA- tirado um fragmento de pele (3 mm) da mem- CAYO, A. D. L.; LASSO, C. A. Peltocephalus du- brana interdigital ou da expansão dérmica late- merilianus (Schweigger, 1812). In: PÁEZ, V. P.; ral da pata (com cuidado, para não prejudicar a MORALES-BETANCOURT, M.A.; LASSO, C.A.; CASTAÑO-MORA, O. V.; BOCK, B. C. (Ed.). função natatória dessas estruturas). O tecido Bio- deve ser conservado em álcool a partir de 96% logía y conservación de las tortugas conti- . Bogota, DC., Colombia: de graduação, com etiqueta de identifi cação da nentales de Colombia Instituto de Investigación de Recursos Biológi- espécie escrita em papel vegetal, preferencial- cos Alexander von Humboldt, 2012. p. 353-359. mente a lápis, contendo o número da amostra dentro de eppendorf ou qualquer frasco com FACHÍN-TERÁN, A.; von MÜLHEN, E. M. Repro- vedação. ducción de la taricaya Podocnemis unifilis Tros- Sugere-se a coleta de, no mínimo, cin- chel (1848) (Testudines: Podocnemididae) en la co indivíduos de 30 ninhos por espécie/localida- várzea del medio Solimões, Amazonas, Brasil. de monitorada. O material proveniente da cole- Ecología Aplicada, v. 2, p. 125-132, 2003. ta de tecidos será destinado aos parceiros com FÉLIX Da SILVA, D. Ecologia reprodutiva do condição de realizar os estudos pertinentes ou cabeçudo (Peltocephalus dumerilianus) Tes- apenas para incorporação em seus bancos de tudines: Pelomedusidae no Parque Nacional tecidos (p. ex.: INPA, UFAM, UFPA, Embrapa do Jaú, Amazonas, Brasil. 2004. 117p. Disser- etc.). tação (Mestrado) – Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ. REFERÊNCIAS FERREIRA JÚNIOR, P. D.; CASTRO, P. T. A. ALHO, C. J. R.; DANNI, T. M. S.; PÁDUA, L. F. Geological control of Podocnemis expansa and M. Infl uência da temperatura de incubação na Podocnemis unifilis nesting áreas in Rio Javaés, determinação do sexo da tartaruga-da-amazônia Bananal Island, Brazil. Acta Amazônica, v. 33, Podocnemis expansa (Testudinata: Pelomedusi- n. 3, p. 445-468, 2003. dae). Revista Brasileira de Biologia, v. 44, n. 3, p. 305-311, 1984. IBAMA. Projeto Quelônios da Amazônia - 10 anos. Brasília: Ibama, 1989a. 119 p. BERRY, J. F.; IVERSON, J. B.; FORERO-MEDI- NA, G. Kinosternon scorpioides (Linnaeus 1766). IBAMA. Projeto Quelônios da Amazônia: Manual In: PÁEZ, V. P.; MORALES-BETANCOURT, M. Técnico/Ibama. Brasília: Ibama, 1989b. 125 p. A.; LASSO, C. A.; CASTAÑO-MORA, O. V.; BOCK, B. C. (Ed.). Biología y conservación de LUBIANA-NETO, A.; FERREIRA-JÚNIOR, P. D. las tortugas continentales de Colombia. Bo- Temperatura pivotal e dimorfi smo sexual em gota, DC., Colombia: Instituto de Investigación fi lhotes de Podocnemis expansa (Schweig- de Recursos Biológicos Alexander Von Humbol- ger, 1812) (Testudines: Podocnemididae) de dt, 2012. p. 340-348. duas populações dos estados de Goiás e To- cantins. 2009. 54p. Dissertação (Mestrado em CAGLE, F. R. A system of marking turtles for future Ecologia de Ecossistemas) – Centro Universitá- identifi cation.Copeia, v. 1939, p. 170-173, 1939. rio de Vila Velha, Vitória, Espírito Santo.

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NOVELLE, S. M. H. Caracterização do micro 55p. Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós- -habitat dos ninhos e predação dos ovos de Graduação em Ecologia, INPA/UFAM, AM. Podocnemis erythrocephala em áreas de de- SOUZA, R. R.; VOGT, R. C. Incubation tempe- sova no Rio Ayuanã. 2006. 88p. Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Eco- rature infl uences sex and hatchling size in the logia, INPA/UFAM, AM. neotropical turtle Podocnemis unifilis. Journal of Herpetology, v. 28, n. 4, p. 453-464, 1994. PIGNATI, M. T.; FERNANDES, L. F.; MIORAN- DO, P. S.; FERREIRA, P. D.; PEZZUTI, J. C. B. VALENZUELA, N. Temperature-dependent sex Effects of the nesting environment on embryo- determination and ecologic genetics of the nic development, sex ratio, and hatching suc- Amazonian river turtle Podocnemis expansa. cess in Podocnemis unifilis (Testudines: Podoc- 1999. 72p. Tese (Doutorado) – State University of nemididae) in an area of Várzea Floodplain on New York at Stony Brook, Stony Brook. the Lower Amazon River in Brazil. Copeia, v. VALENZUELA, N. Constant, shift, and natural 2013(2), p. 303-311, 2013. temperature effects on sex determination in Podocnemis expansa turtles. , v. 82, p. RAEDER, F. L. Elaboração de plano para con- Ecology 3010-3024, 2001. servação e manejo de aves e quelônios na Praia do Horizonte, Reserva de Desenvol- VOGT, R. C. Tartarugas da Amazônia. Lima, vimento Sustentável Mamirauá, AM. 2003. Peru, 2008. 104 p.

69 capítulO 8 Manutenção em berçários e soltura de fi lhotes de quelônios amazônicos

Rafael Antônio Machado Balestra, Paulo César Machado Andrade, José Roberto Moreira e Paulo Henrique Guimarães de Oliveira

O manejo de espécies ameaçadas visa tes em cativeiro (ANDRADE, 2008, 2012), com assegurar a máxima variabilidade genética de vistas a minimizar a taxa de mortalidade, que é populações, de maneira que possam ser viá- geralmente alta nessa fase da vida. Essa é uma veis em longo tempo. Em casos em que o ta- estratégia bastante controversa, o que faz com manho populacional é muito pequeno, pode ser que seja importante ponderar sobre os aspectos necessária a ajuda do cativeiro como estratégia favoráveis e desfavoráveis da manutenção de de manejo (BALESTRA et al., 2010). Alguns fi lhotes nesses ambientes artifi ciais, ainda que programas de manejo de quelônios amazôni- os argumentos aqui apresentados sejam, para cos adotam a manutenção temporária de fi lho- ambos os casos, especulativos. Tendo em vista Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

que diversos programas de manejo a adotam, • A manutenção de fi lhotes em ber- ela será descrita neste capítulo, mas para em- çários e a soltura comunitária dos fi - pregar essa técnica, deve ser considerada sua lhotes exerce importante papel na relevância para as circunstâncias de qualquer sensibilização da comunidade, o que projeto. favorece a redução da predação hu- mana.

8.1 Argumentos favoráveis à manutenção de fi lhotes em berçários 8.2 Argumentos contrários à manutenção de fi lhotes em berçários A principal argumentação utilizada para O sistema natural de reprodução de justifi car a manutenção de fi lhotes em berçários quelônios amazônicos evoluiu por seleção natu- é a redução da taxa de mortalidade. Porém, o ral nos últimos milhões de anos. Pressupõe-se, que existe de mais relevante nessa técnica é portanto, que seja o mais adequado para essas o envolvimento da comunidade local na recu- espécies e que desvios desse sistema afetem peração da população de quelônios. Os argu- a seleção de indivíduos para o pool genético mentos a favor dessa estratégia carecem de das gerações futuras. As pressões de seleção estudos que permitam apurar sua efi ciência. As- em cativeiro são diferentes das da natureza. Os sim, os argumentos a seguir não fi guram nesta animais sobreviventes em cativeiro geralmente obra como recomendações conservacionistas são mais dóceis, mais suscetíveis a estresse e, dos autores. Por ser um método praticado por não necessariamente, aptos a encontrar alimen- diferentes grupos de técnicos, os argumentos to na natureza e a se proteger de predadores. aqui apresentados, sobre o manejo de fi lhotes Entre os argumentos contrários à manutenção em cativeiro, são no sentido de contribuir para de fi lhotes em berçários podem ser listados: promover a discussão e a consequente experi- mentação, em nível técnico-científi co, deste as- • A permanência de fi lhotes em ca- sunto. Esses argumentos são: tiveiro pode intervir adversamente em sua capacidade natatória (PIL- • Suspeita-se de que o forte cheiro CHER; ENDERBY, 2001); dos fi lhotes recém-nascidos, popu- larmente chamados “pitiú”, pode • A reserva vitelínica remanescente exercer ou ampliar a atração de seus no interior do abdômen dos fi lhotes predadores; é absorvida quando nos berçários, sendo uma importante fonte nutri- • Filhotes que eclodem precocemente cional para sustentar os fi lhotes na apresentam a bolsa vitelínica ainda fase inicial de adaptação ao ambien- parcialmente exteriorizada. Isso pode te (DUNCAN et al., 2014); difi cultar sua mobilidade até o corpo d’água, bem como aos locais de refú- • Há evidências científi cas de que os gio e alimentação; fi lhotes de tartaruga-da-amazônia co- municam-se com as fêmeas adultas • O crescimento corporal dos fi lhotes e migram em grupos até as áreas de a serem soltos é uma estratégia para refúgio e alimentação (FERRARA et aumentar sua sobrevivência, pois re- al., 2012), o que pode auxiliar na pro- duz o número de predadores poten- teção contra predadores; ciais; • É possível que, com o cativeiro, os • A carapaça frágil e fl exível dos fi lho- fi lhotes não aprendam a retornar a tes recém-nascidos oferece pouca seus locais de nascimento para a resistência aos predadores; desova quando adultos (FERRARA • Há grande concentração de predado- et al., 2012); res de fi lhotes nas proximidades das áreas de desova (ex.: urubus, gaivo- • É possível que os fi lhotes em cati- tas, gaviões, jacarés, peixes etc.); veiro não desenvolvam a habilidade

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de se proteger de predadores e de Porém, quando os fi lhotes eclodem encontrar alimento após a soltura; devem ser soltos no mesmo dia ou no máximo no dia seguinte. Apenas os animais prematu- • A seleção (favorecimento à sobre- ros, com bolsa vitelínica aparente no exterior vivência de uma amostra) exercida do plastrão ou carapaça deformada, devem ser sobre os fi lhotes é totalmente arti- transferidos e criados nos berçários (ou manti- fi cial, afetando o pool genético das dos na própria chocadeira artifi cial) até que este- próximas gerações; jam aptos a serem soltos na natureza. • É preciso haver mais recursos na Portanto, os requisitos primordiais para o construção e manutenção do berçá- uso de berçários como estratégia de manejo são: rio (alimentação dos fi lhotes e vigi- lância, entre outros aspectos opera- • A população local de quelônios es- cionais e logísticos). tar ameaçada de extinção e a ado- ção exclusiva de outras técnicas de conservação não for sufi ciente para 8.3 Quando deve ser usado o berçário? sua recuperação; • A difi culdade de vigilância de ninhos Ainda que relatos formais argumentem contra a predação humana em áreas que fi lhotes manejados em cativeiro apresen- altamente antropizadas faz com tam maior sobrevivência que aqueles que eclo- que sua transferência para uma diram e dispersaram sem a ajuda do homem, chocadeira artifi cial seja necessária ainda não existem trabalhos científi cos que o para facilitar a logística de vigilância comprovem. Para isso, é necessária a marcação e proteção dos ninhos, e também de fi lhotes manejados nesses dois sistemas e para sensibilizar as comunidades sua recaptura após dois ou mais anos de vida. locais; Tendo em vista o exposto e o fato de que os • Os fi lhotes serem prematuros, com argumentos contrários à manutenção de fi lho- vitelo exteriorizado e com o casco tes em berçários são relevantes, sua recomen- deformado, e ainda não estarem dação deve ser com restrições. preparados para a vida na natureza. Assim, a técnica de manutenção de Os fi lhotes devem permanecer no fi lhotes em berçários deve ser adotada como berçário o período necessário para estratégia de conservação somente em casos estarem aptos à soltura. extremos, em que a população de quelônios encontre-se ameaçada de extinção, e quando a adoção exclusiva de outras técnicas de con- 8.3.1 Modelos de berçário servação não seja sufi ciente para sua recupe- ração. Mesmo nessas condições, a técnica só deve ser adotada se não for possível a manu- Quando muito precoces, com bolsa vi- tenção in situ dos ninhos dessas populações telínica aparente no exterior do plastrão ou cara- (Capítulo 6). Esse é o caso em áreas alteradas paça deformada, é mais adequado que os fi lho- pelo homem, quando as desovas da população tes continuem dentro do ninho até o momento ameaçada são isoladas, dispersas em diversas adequado de sua soltura na água. O ideal é que praias, tornando-se difícil a vigilância dos poucos os fi lhotes prematuros permaneçam na choca- ninhos e a sua proteção contra a predação hu- deira artifi cial, cobertos por areia, até que este- mana ou por animais silvestres ou domésticos. jam aptos à saída do ninho e à vida na natureza. Nesses casos, para facilitar a logística de vigilân- A própria chocadeira artifi cial pode ser utilizada cia e proteção dos ninhos, e a necessidade de como berçário. sensibilização das comunidades locais, é que se Caso opte-se pela construção de um recomenda a transferência dos ninhos para uma berçário, recomenda-se que sejam construídos chocadeira artifi cial. com antecedência ao início do período de eclo-

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são, e que sejam adequados para o desenvolvi- Tendo em vista que esses ainda estão utilizan- mento dos fi lhotes. É importante que sejam de do suas reservas vitelínicas, o fornecimento de fácil construção, acesso e bom preço. Devem alimentos apenas contribui para a deterioração possuir solários de areia, grandes e profundos da qualidade sanitária do berçário. o sufi ciente para que os fi lhotes possam fi car Os fi lhotes devem ser soltos em suas cobertos de areia, caso necessário. Os berçá- praias de origem. Orienta-se soltar fi lhotes de rios devem apresentar algum tipo de proteção pitiú e irapuca imediatamente após sua saída do contra predadores aéreos, como telados ou fi os ninho. Segundo dados do Projeto Pé de Pincha, suspensos. Apenas os fi lhotes mantidos para essas espécies apresentam alta taxa de mortali- soltura comunitária, preparados para a vida na dade em cativeiro. natureza, devem ter acesso à água.

8.4 Técnica recomendada pelo Projeto 8.3.2 Como deve ser o manejo? Pé de Pincha

Muitos programas de proteção de áreas Preferencialmente, os fi lhotes devem de desova de quelônios, incluindo o Pé de Pincha, ser soltos no mesmo dia ou no dia seguinte ao recomendam que os fi lhotes recém-nascidos nascimento. Devem ser encaminhados aos ber- sejam mantidos em cativeiro por períodos que çários apenas os fi lhotes nascidos prematuros, variam de meses a até um ano, para só então que podem ser identifi cados, principalmente, serem liberados em rios e lagos. A fi losofi a pela bolsa vitelínica evidente, no exterior do plas- desses projetos é a de que é grande a predação trão. Por vezes, esses fi lhotes também podem dos fi lhotes na eclosão e nos primeiros dias apresentar carapaça deformada, nesses casos, na água e isso deve ser reduzido. Para tanto, devem ser mantidos ainda dentro do ninho, na defendem a criação dos fi lhotes em cativeiro areia. É preferível que o fi lhote tenha acesso por até um ano, quando estariam mais aptos restrito à água antes da absorção completa da à sobrevivência na natureza. A seguir, uma bolsa vitelínica para dentro da carapaça ou da técnica de manejo de fi lhotes recomendada conformação da carapaça. Portanto, o tempo de pelo Projeto Pé de Pincha. permanência do fi lhote no berçário está relacio- nado ao tempo necessário para isso se concre- tizar, o que depende de quão prematuro for o 8.4.1 Berçários nascimento do fi lhote. Assim, os fi lhotes devem permanecer no berçário o menor tempo possível, de manei- Recomenda-se que os fi lhotes perma- ra que os efeitos contrários da manutenção em neçam no berçário por um período de no mínimo cativeiro sejam minimizados, mas longo o sufi - 2 meses e no máximo 12 meses, dependendo, ciente para que os efeitos positivos se concre- no entanto, do número de berçários existentes, tizem. Tendo em vista os efeitos benéfi cos que do número de fi lhotes, do espaçamento tempo- a soltura comunitária dos fi lhotes exerce sobre ral entre as eclosões e do manejo específi co da a sensibilização da população humana local, é área trabalhada. O tempo de permanência no de interesse a manutenção de uma amostra berçário deve ser sufi ciente para que ocorra o dos fi lhotes em cativeiro para a realização desse endurecimento da carapaça, a cicatrização um- evento. Esses animais devem ser mantidos em bilical e a eliminação do odor característico de cativeiro até se aproximar o evento, mas não gordura denominado pitiú. devem permanecer por mais do que sete dias, Cada berçário deve ser recoberto de para evitar um gasto desnecessário da reserva fi os de náilon trançados ou aproveitamento de energética oferecida pelo vitelo. malhadeiras velhas, para evitar a predação dos Não é necessária a alimentação dos fi lhotes por aves. Também deve possuir peque- fi lhotes durante a permanência em cativeiro. nas balsas fl utuantes de madeira, que servem

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como solário. Além disso, são colocados agua- pés e murerus (plantas aquáticas), que servem de abrigo e alimentação para os fi lhotes. Os berçários devem ser construídos com antecedência ao nascimento dos animais. Há vários modelos de berçários: • Gaiola telada: feita de madeira e tela metá- lica ou plástica e colocada às margens dos rios, de maneira que existam possibilidades de renovação constante da água (Figura 1);

Figura 3 – Caixas de madeira teladas com fl utu- adores de garrafas PET.

• Depressões naturais nas praias: em áreas mais baixas, vãos entre as dunas de areia na praia, onde haja água represada, forman- do pequenos lagos. Cercam-se esses lagos com tábuas e troncos, entre outros recur- sos (Figura 4);

Figura 1 – Modelo de gaiola telada.

• Caixa de madeira: feita de tábua e perna manca, para ser colocada na margem do rio. É mais resistente ao ataque de jacarés e peixes, mas tem menor circulação de água (Figuras 2 e 3);

Figura 4 – Depressão natural com corpo d’água isolado em sítio reprodutivo.

• Tanques de alvenaria: preferencialmente de forma arredondada ou com os cantos arredondados, para evitar o acúmulo de ani- mais nos cantos. Podem ser totalmente de cimento e tijolo ou ter a base de alvenaria e as laterais de material impermeável como Figura 2 – Berçário tipo caixa de madeira fi xa. esteiras de borracha (Figuras 5 e 6a e b);

75 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

Figura 5 – Berçário de alvenaria com formato Figura 7 – Caixa d’água de fi bra plástica usada redondo e tela para proteção contra, principal- como berçário. mente, aves predadoras.

• Piscinas plásticas: de 1.000 e 3.000 litros. A São práticas e fáceis de transportar. A des- vantagem é a necessidade de troca d’água constantemente e cuidado para que não fure (Figura 8);

B

Figura 8 – Berçários em piscinas plásticas.

• Camburões de metal: podem ser partidos camburões de metal ou plástico de 200 li- tros, utilizando cada metade para fazer um berçário. O tanque de metal tem a desvan- tagem de se aquecer rapidamente. Podem ser usados apenas para poucos fi lhotes; • Tanques-rede: existem modelos industriais Figuras 6a e b – Diferentes modelos de berçá- feitos com canos de ferro galvanizado, pin- rios de alvenaria. tura antioxidante, fl utuadores plásticos e telas de alambrado com arame galvanizado • Tanques ou caixas d’água: podem ser utili- recoberto de plástico. Nesses tanques, os zadas caixas d’água de fi brocimento ou fi - fi lhotes apresentaram maior crescimento bra plástica. Caixas de 500 litros comportam (ANDRADE, 2008). (Figura 9). bem 500 fi lhotes (Figura 7);

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emaranhados de vegetação e galhadas, onde há maior disponibilidade de alimentos, aumentan- do suas chances de sobrevivência. Os fi lhotes podem ser soltos também na margem do rio, na mesma praia onde ocorreu a eclosão. Deve-se separar uma pequena parte dos fi lhotes para serem soltos nas festas de soltura, com a presença da comunidade e seus convidados. Essa atividade ocorre no início de cada ano. Muitas comunidades celebram esse evento com missas ou cultos, palestras, festas etc. Essa é uma ocasião na qual as comunida- des têm a oportunidade de mostrar o fruto de Figura 9 – Berçário em tanque-rede. seu trabalho e, também, confraternizarem-se. A experiência do Programa Quelônios 8.4.2 Alimentação na fase de berçário da Amazônia demonstra que a presença dos fi - lhotes nos viveiros, dentro da comunidade, atua É fundamental que se ofereça alimentos como um forte instrumento de sensibilização aos fi lhotes durante o período em que estive- e de educação ambiental, especialmente para rem no berçário. Podem ser servidas folhas de as crianças. Sendo assim, tem sido observada batata-doce, batatarana, erva-de-jabuti, beldroe- diminuição no número de fi lhotes predados e ga, cariru, abóbora, macaxeira, hortaliças e fru- aumento da conscientização em relação à pre- tas em geral, especialmente as plantas e frutos servação. nativos, integrantes de sua dieta natural (mure- ru, capim-canarana, arroz-de-várzea). Preferen- A biologia da conservação é uma ci- cialmente, deve-se enriquecer a alimentação ência que pode ter um apelo emocional para a com peixe cru ou assado, cortado em pedaços mídia quando aborda o salvamento de espécie bem pequenos ou moído. Pode ser fornecida, da extinção. Muitas vezes, o leigo tende a ver complementarmente, ração comercial balancea- os organismos como dependentes da ação do da para peixes em alevinagem (com 38%-42% homem para sua vida, incapazes de sobreviver de proteína), peletizada com pellets bem peque- sozinhos das agruras do selvagem. Sua manu- nos. A utilização da suplementação com ração tenção em cativeiro pode parecer uma estraté- ou peixe faz com que os fi lhotes cresçam quatro gia óbvia quando o homem coloca-se na posição vezes mais do que a alimentação apenas com de zelador e guardião dessas espécies. Porém, vegetais (ANDRADE, 2008). Essa alimentação ainda que possa ter um enorme apelo para a suplementar garante o acúmulo inicial de outra sensibilização da comunidade envolvida na pre- fonte de energia na forma de gordura corpórea, servação de quelônios, a criação em cativeiro que será prontamente utilizável pelo fi lhote em pode não ser, necessariamente, a melhor es- substituição ao vitelo (DUNCAN et al., 2014) no tratégia para recuperá-la dos riscos de extinção, momento da soltura. Durante o período em que por isso é preciso verifi car sua adequação para os fi lhotes fi cam nos berçários deve-se forne- a situação existente da população de quelônios cer de 500 a 1.000 g de alimento por dia, para a ser trabalhada. cada 1.000 fi lhotes. Quanto maior for o fi lhote, quando solto, acredita-se que maiores serão as probabilidades de sobrevivência.

REFERÊNCIAS 8.4.3 Soltura ANDRADE, P. C. M. Manejo Comunitário de Quelônios – Projeto Pé de Pincha. Manaus: Após o período do berçário, geralmen- Graf. Moderna, 2012. 756 p. [ISBN: 978-85- te os fi lhotes são soltos em lagos e rios, junto a 64218-52-9]

77 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

ANDRADE, P. C. M. Criação e Manejo de Que- FERRARA, C. R.; VOGT, R. C.; SOUSA-LIMA, R. lônios no Amazonas. Manaus: Provárzea/Iba- S. Turtle Vocalizations as the First Evidence of ma, 2008. 528 p. Posthatching Parental Care in Chelonians. Jour- nal of Comparative Psychology, Advance onli- BALESTRA, R. A. M.; OLIVEIRA, M. D. F.; MO- ne publication, 2012. REIRA, J. R.; FREITAS, F. O.; SAMPAIO, A. A., KAMAIURÁ, K. L. M.; AMARAL, I. B. Manual FERRARA, C. R.; VOGT, R. C.; SOUZA-LIMA, de manejo de tracajá: Tracajás para todos os R. S.; TARDIO, B. M. R.; BERNARDES, V. C. D. índios do Xingu. Brasília: Embrapa Recursos Sound communication and social bahavior in na Genéticos e Biotecnologia, 2010. 47 p. Amazonian River Turtle (Podocnemis expansa). Hepetologica, v. 70, n. 2, p. 149-156, 2014. DUNCAN, W. P.; SILVA, M. I.; FERREIRA, J. M.; LOPES, T. S.; SANTOS, Y.; ANDRADE, P. C. M. PILCHER, N. J.; ENDERBY, S. Effects of pro- The importance of residual yolk in the manage- longed retention in hatcheries on green turtle ment of hatchings of aquatic turtles (Testudines: (Chelonia mydas) hatchling swimming speed Podocnemididae). Libro de Resumenes do IV and survival. Journal of Herpetology, v. 35, n. Congreso Colombiano de Zoologia. Asoc. Co- 4, p. 633-638, 2001. lombiana de Zoologia, 2014. 720 p.

78 capítulO 9 Monitoramento populacional de quelônios amazônicos

Rafael Bernhard, Camila Rudge Ferrara, Rafael Antônio Machado Balestra, Rafael Martins Valadão, Robinson Botero-Arias e Richard C. Vogt

sa da racionalização do uso do recurso. Talvez a defi ciência dos projetos relati- vos à perspectiva do estabelecimento de práti- cas de manejos sustentáveis com esses animais tenha decorrido da carência ou superfi cialidade na realização de estudos populacionais que per- mitessem avaliar satisfatoriamente o estado de conservação das populações monitoradas, pois esse conhecimento é imprescindível à defi nição de meios de uso dessas espécies. Por meio do monitoramento populacio- nal, não restrito à estação reprodutiva, será pos- sível defi nir, entre outros importantes fatores, a taxa de recrutamento do número de fêmeas primíparas, de indivíduos jovens e adultos que compõem as populações monitoradas, além do No Brasil, provavelmente, a maior ex- grau de degradação ou exploração. periência com monitoramento de populações de quelônios decorra dos projetos de conservação Em outros termos, ressalta-se que, para algumas espécies da Amazônia, implemen- independentemente da expectativa quanto à tados há cerca de 40 anos por entidades públi- sustentabilidade do uso para subsistência ou cas e organizações não governamentais. Alguns comercial de quelônios amazônicos, os estudos desses projetos possuem longas séries histó- populacionais são primariamente relevantes ricas de atuação e metodologias relativamente para caracterizar o estado de conservação des- padronizadas como o Programa Quelônios da sas espécies em níveis locais, regionais e nacio- Amazônia (PQA) (IBAMA, 1989). Esses projetos nal, o que está condicionado ao conhecimento objetivam, essencialmente, garantir estoques da estrutura e dinâmica de suas populações. populacionais viáveis a partir da proteção e ma- Neste capítulo, estão compilados os nejos conservacionistas em sítios reprodutivos mais recorrentes métodos de amostragem e dessas espécies. procedimentos a serem realizados com os es- Apesar de muitos desses projetos al- pécimes capturados, além da indicação de quais cançarem bons resultados, em geral, não foram metodologias são mais efetivas para a obtenção sufi cientemente efetivos no estabelecimento de dados e geração de informações úteis com de sistemas de manejo sustentáveis na premis- os sensos populacionais. Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

9.1 Métodos amplamente utilizados em a frequência com a qual as transmalhas devem amostragens de quelônios continentais ser revisadas. no Brasil As melhores épocas do ano para a sua utilização são os períodos de vazante, seca e Malhadeira (trammel net) início da enchente dos rios (FACHÍN-TERÁN et al., 2003; BERNHARD; VOGT, 2011). Devem Método comumente usado em amos- ser instaladas em locais fundos e de água para- tragens de espécies do gênero Podocne- da, como remansos de rio ou de praias, “ressa- mis (VOGT, 1980). Também conhecida como cas”, lagos etc. Locais com correnteza tornam “transmalha” ou “feiticeira”, a trammel net as trammel nets inefi cientes. é composta por três redes de pesca de fi o de náilon trançado (Figura 1). As duas redes exter- nas possuem uma distância entre nós (ou tama- nho da malha) maior e um fi o mais espesso. A rede central tem um tamanho de malha menor e é pelo menos 1/3 mais alta do que as duas redes externas. Dessa forma, as redes externas mantêm-se esticadas e quando um animal pas- sa por elas é capturado pelo saco que se forma a partir da rede interna. A distância entre nós (com a rede esticada) geralmente utilizada para a rede interna é 11, 15, 16, 18, 21 ou 22 cm. A distância entre nós da rede externa varia de 60 a 90 cm. A altura, determinada sempre pelas redes externas, varia de 2,5 a 4,5 m e o compri- Figura 1 – Trammel net utilizada no Rio Negro/ mento de 40 a 150 metros. AM para a captura de Podocnemis erythro- cephala. A cor do fi o de náilon que compõe a rede interna não parece implicar no sucesso de captura em rios de água clara, mas em rios de Como o tamanho da malha pode variar água escura ou em lagos de várzea com água entre os projetos e isso tem relação direta com transparente é preferível que a rede interna seja o sucesso de captura e o tamanho dos animais azul-escuro ou preta, para evitar sua detecção. amostrados, é importante registrar o esforço Na porção superior da trammel net deve ha- empregado (horas x número de pontos amos- ver boias ou cordas fl utuadoras para mantê-las trados por tipo (malha, altura e largura) de ma- suspensas na coluna d’água. Na porção inferior lhadeira. Outra variável que infl uencia signifi ca- deve haver chumbo em quantidade sufi ciente tivamente no sucesso de captura é o nível da para que a trammel net permaneça no fundo do água do rio ou lago, portanto, é recomendável rio/lago quando instalada. que um programa de monitoramento populacio- O tempo entre as revisões varia. Na nal seja realizado sempre nos mesmos locais, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Ma- com o mesmo nível da água e empregando es- mirauá, nos rios Solimões e Japurá, intervalos forço de captura padronizado (neste caso, mes- de quatro horas são sufi cientes para evitar o afo- mo número de malhadeiras de mesmo tamanho gamento (BERNHARD; VOGT, 2003). No Médio de malha e dimensões). Rio Negro e no Rio Uatumã, as revisões com Um índice de captura baseado no nú- intervalos de três horas são sufi cientes (BER- mero de animais capturados por esforço de cap- NHARD, 2010; CUNHA, 2013). No Rio Trombe- tura pode indicar mudanças populacionais (fl u- tas, as trammel nets precisam ser revisadas com tuações), mas ainda são necessários estudos duas e, às vezes, até uma hora de intervalo, para para verifi car como o nível da água, a taxa de que iaçás e tracajás não se afoguem. Portanto, é descida ou subida do nível do rio, ou profundi- necessário conhecer as peculiaridades de cada dade no local onde a transmalha foi instalada, região e da espécie em questão para determinar podem infl uenciar esse índice em cada região.

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Capa-saco Armadilha do tipo covo (hoop trap) É um método utilizado em amostras Este método não é efi ciente para a de espécies do gênero Podocnemis. O capa- captura de quelônios do gênero Podocnemis, saco (Figura 2) é uma variação da trammel net mas demonstrou ser efi ciente para a captura e consiste em uma rede de náilon que pode ter de Peltocephalus dumerilianus (De La OSSA, diferentes distâncias entre nós e diâmetros do 2007), Rhinemys rufipes em igarapés (SAN- fi o, na qual quanto maior for a distância entre CHEZ, 2008), Rhinoclemmys punctularia. (FI- nós e mais espesso for o fi o, maior será o in- GUEIREDO, 2010). divíduo capturado. Em cada extremo da rede Hoop traps são armadilhas de forma existe um pedaço de madeira denominado lo- retangular ou circular, compostas por aros me- calmente de calão (50 a 60 cm de diâmetro). tálicos que sustentam uma rede de náilon ou Em cada calão se amarra uma corda que fi xa a de metal em seu entorno (Figuras 3a e b). Em rede numa árvore da beira do rio. Em seguida, uma ou nas duas extremidades da armadilha são instalados os pesos e boias ao longo da existe uma entrada em forma de funil inverti- rede, que é solta em um local fundo, de corren- do por onde o animal entra, mas não consegue teza, formando um saco. Os animais, ao entra- sair. rem no saco, não conseguem mais sair devido à força da correnteza. O tamanho e a forma variável de hoop traps é útil, pois se ajusta aos mais diversos O tempo entre as revisões varia. Na tipos de ambiente (lagos, rios, igarapés Reserva Biológica do Abufari o intervalo de duas (córregos ou ribeirões), poças em fl oresta de horas é sufi ciente para evitar o afogamento dos terra fi rme etc.). Devem ser instaladas de ma- animais. As melhores épocas do ano para sua neira que a porção superior fi que fora da água utilização são os períodos de vazante, seca e iní- e a entrada do funil esteja submersa. Diferen- cio da enchente dos rios, já que nessa época do temente de trammel nets, hoop traps podem ano os animais movimentam-se bastante. ser instaladas em ambientes com correnteza. As mesmas considerações sobre es- Iscas atrativas (vísceras, sardinha, macaxeira forços amostral e índice de captura descritos podre, peixe podre, frutos nativos das matas para malhadeira são pertinentes para este e de- ciliares etc.) são colocadas em um recipiente mais petrechos de captura. metálico ou de plástico perfurado e amarrado dentro da hoop trap. É necessário revisar a armadilha caso ocorra aumento do nível da água no local amostrado para evitar a completa submersão da armadilha e o afogamento dos animais cap- turados. Caso o nível da água mantenha-se constante, a revisão pode ser feita a cada 12 ou 24 horas, trocando a isca se for necessá- rio. É muito importante registrar a forma e o tamanho da hoop trap utilizada e o esforço de captura empregado (número de hoop traps x Figura 2 – Capa-saco utilizado no Rio Abufari/ hora) além do tipo de isca. AM para a captura de espécies do gênero Po- docnemis.

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A

Figura 4 – Armadilhas do tipo fyke net.

Armadilha tipo cesta (basking trap) Método raramente utilizado no Brasil, B mas que é considerado com grande potencial para capturar espécies do gênero Podocne- mis. Um modelo sugerido deste artefato é apresentado na Figura 5. Basking traps são considerados efi ca- zes na captura de quelônios que têm o hábito de assoalhar (tomar banho de sol) no processo de termorregulação (comportamento conheci- do por basking), sendo que tal aparato simula Figuras 3a e b – Alguns tipos de hoop traps. ou compete com os locais de realização desse comportamento (troncos, afl oramentos rocho- sos etc.) distribuídos, especialmente, nos cor- pos d’água maiores e com correnteza. Armadilha do tipo covo com barreira (fyke net) Método com efi cácia semelhante à hoop traps, ressalvando que são também efi ca- zes na captura de Trachemys adiutrix em lagoas nos Lençóis Maranhenses (BATISTELLA, 2008) e, embora incomum, fyke net foi efi ciente para a captura de Podocnemis unifilis no Rio Guaporé (FACHÍN-TERÁN; VOGT, 2004). Esta é uma variação da armadilha do tipo hoop trap, que consiste de duas hoop traps com barreira (rede-guia) entre elas, formada por uma rede com boias e chumbos (Figura 4). As hoop traps são colocadas próximo às margens para evitar o afogamento dos animais e a bar- Figura 5 – Modelo esquemático da estrutura da reira posiciona-se entre elas, conduzindo os armadilha tipo basking trap. quelônios até a armadilha (funil). Essa armadilha dispensa o uso de iscas atrativas, embora estas também possam ser utilizadas, o que aumenta Senso visual sua efi ciência. Em alguns rios amazônicos é comum encontrarmos P. unifilis sobre troncos próximos à margem, aquecendo-se ao sol (basking) (Figu-

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ras 6a e b). Esse comportamento não ocorre em ciência deste método também depende da tem- todos os rios amazônicos, estando restrito, ge- peratura da água, por exemplo, no Rio Trombe- ralmente, a rios com águas relativamente frias. tas é muito raro ver P. unifilis assoalhando, pois a temperatura da água é sufi cientemente alta para A contagem de P. unifilis por senso vi- manter o equilíbrio metabólico dessa espécie sual já foi realizada nos rios Guaporé (RO), Madei- (VOGT, 2008). Já no Guaporé e em outros rios ra (RO), Jari (PA/AP), Xingu (PA) (ALCÂNTARA, com água mais fria essas espécies podem ser 2011) e no Rio Iténez, na Bolívia (CONWAY-GÓ- monitoradas por essa estratégia. MEZ, 2007). No Rio Trombetas é feito o senso de fêmeas de P. expansa durante o período da seca, quando elas se agrupam para a desova, as- soalhando-se sobre bancos arenosos (FERRARA A et al., 2010). P. erythrocephala, com menos fre- quência, também realiza basking. P. sextubercu- lata ainda não foi observada realizando esse tipo de termorregulação, mesmo em cativeiro. Este método consiste em percorrer com um veículo náutico o rio, a uma velocida- de e distância que permitam a contagem dos animais sobre troncos e afl oramentos rochosos, em um trecho (percurso) predeterminado. É re- comendável o uso de binóculo. B O trajeto percorrido pode ser registra- do através da função track do GPS e os animais avistados podem ser georreferenciados para que sua distribuição na área de monitoramen- to seja melhor caracterizada. Pode-se calcular a densidade demográfi ca relativa de animais avis- tados pela razão entre o número de exemplares contabilizados e a distância percorrida. Figuras 6a e b – Exemplares de P. unifilis ter- morregulando por assoalhamento sobre troncos Vários fatores abióticos podem infl uen- de árvores (a) e fêmeas de P. expansa agrupa- ciar o número de animais observados como o das em processo de nidifi cação, assoalhando clima, o nível do rio e a temperatura do ar. Por sobre banco de areia (b). exemplo, o maior número de avistamentos de P. unifilis ocorreu nos dias ensolarados da esta- ção seca e com temperaturas variando de 25 a Pesca 30 ºC, em um estudo realizado no Peru (NOR- RIS et al., 2011). Portanto, as contagens preci- Método comumente usado em captu- sam ser repetidas em uma estação para que o ra de Podocnemidideos, especialmente P. ex- efeito de variáveis ambientais de um único dia pansa, P. unifilis e P. sextuberculata. Realizada (ou de poucos dias) seja minimizado. com instrumentos específi cos para a captura de quelônios límnicos, vulgarmente conheci- Este método é vantajoso pela pratici- dos por cambuins ou camurins, constituídos por dade e o custo relativamente baixo, mas não permite uma análise mais apurada da estrutura boia pequena de isopor, linha de náilon e anzol populacional de tamanho, massa ou sexo, pois, pequeno sem fi sga, para ambientes lênticos, e é óbvio, não há capturas. anzóis duplos, espessos e sem fi sga, com linha de náilon comprida, para águas mais profundas Este método não é adequado para mui- (IBAMA, 1989; BATAUS, 1998) (Figura 7). tas espécies de quelônios no Brasil que são estri- tamente noturnas e nunca saem da água, como Na região do Rio Negro/AM, linhas de 7 Rhinemys rufipes e Platemys platycephala. A efi - a 8 metros de comprimento são atadas a fl utua-

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dores e a pequenos anzóis contendo isca de pei- Rede de arrasto xe ou palmito cozido, e deixadas em ambientes Método frequentemente usado em de água parada (PEZZUTI, 2003). Este método, amostragens de quelônios amazônicos em la- ocasionalmente, pode ferir o esôfago do animal gos e remansos, especialmente para P. unifilis, capturado. P. sextuberculata e P. expansa. Este aparato consiste em uma rede de náilon ou linha tipo cordonê cujas extremidades são içadas em dois barcos mantidos em paralelo e com a mesma velocidade. Após o arrasto, os animais apreendidos são retirados da água e co- locados dentro do barco. Uma variação deste método é a cha- mada rede de cerco ou lanço (Figuras 8a, b, c e d) (SMITH, 1979), que pode medir 14 metros de altura por 100 metros de comprimento, sendo composta por uma rede de náilon trançado com Figura 7 – Boias indicam a presença de camurin 3-5 centímetros de tamanho de malha, e boia e para a pesca de quelônios. chumbo em quantidades que mantenham a rede esticada na coluna d’água e próxima à superfície.

A B

C D

Figuras 8a, b, c e d – Rede de arrasto lançada no Rio Madeira: a) rede sendo lançada na água a partir de duas embarcações; b) corda com chumbo sendo puxada até que se forme um “saco”, c) que é puxado para dentro da embarcação; d) depois que todo o chumbo foi puxado, iça-se a corda com as boias.

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Redes menores possuem aproximadamente 35 metros de comprimento por 4 metros de altu- ra e 5 centímetros de tamanho de malha. Uma ou duas canoas são utilizadas para soltar a rede na água, cercando um grupo de quelônios, ge- ralmente em um remanso ou lago. Quando as duas canoas juntam-se, fechando o círculo, a cor- da com chumbo é puxada para dentro, forman- do um imenso saco com peixes e quelônios. A rede de cerco é um apetrecho caro e que pode exigir três embarcações e oito pessoas para seu manuseio, tornando o procedimento operacional também oneroso. Figura 9 – Quelônios capturados por mergulho Esta é uma técnica efi ciente, pois per- em rio amazônico. mite a captura de animais de todas as classes de tamanho que estiverem no local. Nos rios Madeira (AM) e Araguaia (GO/TO/PA) utilizam-se Busca ativa macaxeira para atrair P. expansa e P. unifilis. Essa Método de amostragem adequado às ou qualquer outra isca é amarrada a uma corda espécies terrestres (Chelonoidis carbonaria e C. em grandes quantidades e deixada no fundo de denticulata) e às classifi cadas como semiaquá- locais com água parada. É possível observar se ticas, incluindo muitas espécies de Chelidae. houve sucesso na atração de quelônios para o Há relatos do uso satisfatório dessa estratégia local, quando eles emergem para respirar. em sensos populacionais de Kinosternon scor- Mergulho pioides, Trachemys dorbigni, T. adiutrix e Rhino- clemmys punctularia. Este método é pouco empregado em levantamentos populacionais de quelônios ama- Recomenda-se que a busca ativa (Figura 10) seja feita com puçás e lanternas, vasculhan- zônicos. O mergulho (Figura 9) deve ser reali- do o interior de matas, poças d’água, margens de zado preferencialmente com máscara de mer- corpos d’água etc. Essa ação pode ser precedida gulho e snorkel, sendo que o esforço amostral pela colocação de iscas malcheirosas como pei- depende do tamanho do corpo d’água. Pode ser xes, miúdos de frango, vísceras de gado ou por- realizado em rios com água transparente como co, ou macaxeira (mandioca) em fermentação, o Negro, o Tapajós e o São Francisco. um ou dois dias antes da amostragem. Segundo Pezzuti (2003), na estação Para os quelônios de poças temporá- seca do rio ou no início da enchente são as me- rias em fl oresta de terra fi rme, a melhor estação lhores épocas para a utilização dessa técnica para utilizar este método é a chuvosa, quando no Rio Negro/AM. Os animais são localizados as poças d’água estão cheias e os quelônios no fundo de remansos de rios, ressacas, lagos semiaquáticos mais ativos. A procura ativa de ou dentro da fl oresta alagada. Eles podem estar quelônios amazônicos durante a estação seca é sob troncos ou folhas, sendo necessário cuida- efi caz somente se um cachorro treinado for uti- do para evitar encontros com jacarés, arraias, lizado (detalhes a seguir). poraquês (peixes elétricos), traíras, piranhas, Para a busca ativa em poças no inte- sucuris e outros animais que também ocorrem rior da fl oresta ou nas moitas que se formam nesses ambientes. no período de seca dos Lençóis Maranhenses/ MA pode ser utilizada uma varinha com um pre- Este método depende da experiência e go preso em sua ponta, para ajudar a tatear o capacidade do mergulhador, portanto, além do fundo das poças ou das moitas, e pelo som ca- número de horas/mergulhador, também deve racterístico que a varinha produz ao colidir com ser registrado o nome do mergulhador que rea- o casco pode-se reconhecer a presença de um liza a busca, quando o método for utilizado em indivíduo. monitoramentos.

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Utilizando transectos lineares para a Viração busca ativa é possível estimar a densidade de Consiste em capturar o animal após a quelônios medindo a distância de cada indivíduo postura, virando-o para a posição de decúbito encontrado ao centro do transecto. Esse mé- dorsal (Figura 11). Este método é praticado es- todo mostra que os animais procurados nunca pecialmente para a captura de P. expansa e é passam despercebidos, pois são encontrados ideal para realizar a morfometria e a marcação em sua posição inicial (não se movem em das fêmeas adultas. decorrência da presença do observador), e todas as distâncias medidas são exatas (BUCKLAND Se esta estratégia for realizada para et al., 1993). Os dados podem ser analisados a coleta de dados (biometria, coleta de tecido, utilizando o software Distance (www.ruwpa.st marcação etc.) diretamente na praia/tabuleiro, -and.ac.uk/distance) (De La OSSA et al., 2012). esse procedimento deve acontecer antes que a temperatura da areia aumente, pois o supera- quecimento pode ser fatal à espécie. Deve-se virar apenas o número de fêmeas a ser medido, pesado e marcado até o meio da manhã. A vira- ção restringe-se à captura dos adultos do sexo feminino.

Figura 10 – Busca ativa diurna de quelônios no interior de mata.

Cachorros de caça Os cachorros podem ser treinados para Figura 11 – Fêmeas adultas de P. expansa cap- procurar quelônios sob folhiço, troncos, lama- turadas após a nidifi cação pelo método da vira- çais ou mesmo sob poças d’água. O ideal é que ção. o cachorro seja treinado para procurar especi- fi camente algumas poucas espécies de quelô- nios, para não se dispersar com outros animais 9.2 Procedimentos a serem realizados (cole- durante a busca (VOGT, 2012). O cão farejador, ta de dados) nesse caso, será um instrumento de busca ati- va. Identifi cação das espécies Segundo informações de treinadores, A identifi cação de espécies deve ser um mesmo cachorro pode ser treinado para feita criteriosamente por especialistas no táxon, encontrar até quatro espécies de quelônios. A com base em averiguações em chaves taxonô- utilização de cães é um excelente método para micas ou manuais/guias de identifi cação, sendo a procura de jabutis e de quelônios semiaquá- que a segura identifi cação de algumas espécies ticos que vivem em baixios alagados, poças e que integram complexos de espécies, às vezes, igarapés (riachos) em fl orestas de terra fi rme. exige a avaliação de taxonomista. Os quelônios semiaquáticos costumam estivar nesses ambientes ou mesmo se enterrar duran- Não há uma consagrada chave de iden- te a estação seca. Eles fi cam ativos e à procura tifi cação para todas as 31 espécies de quelônios de alimentos na estação chuvosa. continentais brasileiros. Recomenda-se para a

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identifi cação de muitas dessas espécies, a cha- indivíduo recém-nascido pode durar até 3 anos. ve taxonômica proposta por Rueda-Almonacid Em adultos, o corte ou furo pode constituir uma et al. (2007). Outras chaves de identifi cação de marca permanente na carapaça, dependendo de quelônios podem ser encontradas em Williams como e onde e feito. (1954) (Podocnemidídeos), Pritchard e Trebbau Este método consiste numa codifi ca- (1984) na Venezuela, Cites (1999), em espécies ção (alfa-numérica) estabelecida pela disposição controladas pela convenção, e Páez et al. (2012) de cortes ou furos nos escudos marginais da ca- na Colômbia. rapaça (Figuras 12a e b), sendo que cada escudo pode receber até duas numerações (adaptado de CAGLE, 1939). Marcação Esses escudos representam códigos Existe grande variedade de técnicas de literais e/ou apenas numerais (Figuras 13a, b e marcação de quelônios. A seguir, as habitual- c). Vale ressaltar que os escudos marginais que mente usadas: fazem a união da carapaça com o plastrão (na chamada ponte) não devem ser perfurados, a Marcação com furos ou cortes retangu- fi m de evitar injúrias aos animais (região alta- lares nos escudos marginais da carapaça mente vascularizada). Este é o método mais tradicional de Para a perfuração, usa-se uma fura- marcação de quelônio e sem custo, tendo a des- deira elétrica ou manual portátil com brocas de vantagem do desaparecimento da marca pela diferentes polegadas, dependendo do tamanho regeneração natural do tecido perfurado em re- do espécime amostrado, e para os cortes, que cém-nascidos ou em indivíduos muito jovens. podem ser retangulares ou triangulares, utili- Segundo Paulo César Machado Andrade, comu- zam-se pequenas serras ou seguetas. nicação pessoal, uma marca bem evidente num

A B

Figuras 12a e b – Métodos tradicionais de marcação de quelônios por meio de furos (a) ou cortes (b) nos escudos marginais da carapaça.

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A B C

Figuras 13a, b e c – Diferentes modelos esquemáticos de sistemas de marcação de quelônios por meio de codifi cação alfa-numérica.

Marcação com etiquetas juntamente com a marcação descrita na seção anterior. As etiquetas podem ser de plástico ou metal (tags ou lacres) e, preferencialmente, Em programas de monitoramento de devem ser arrebitadas nos escudos marginais espécies tradicionalmente consumidas na ali- da carapaça. O material utilizado para este tipo mentação pela comunidade local, caso da re- de marcação deve ser quebradiço o sufi cien- gião amazônica, pode-se solicitar a devolução te para que o animal possa rompê-lo e não se das etiquetas dos animais que foram abatidos afogar, caso fi que preso pela marca em alguma e, dessa forma, obter dados sobre a mortalidade rede de pesca abandonada. Portanto, esta não e o padrão de movimentação. é uma marca permanente e deve ser utilizada

A B

Figuras 14a e b – Marcação de quelônios com etiquetas metálica (a) e plástica (b), e cortes mar- ginais.

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Pintura pria para este tipo de procedimento. O material utilizado também deve ser esterilizado. Pela in- Os animais podem ser pintados com tin- cisão, introduz-se o microchip (Figura 16) com a ta atóxica à prova d’água. Essa é uma marcação seringa ou com uma pinça, até que este esteja provisória, podendo durar de três a seis meses posicionado dentro do tecido muscular. Se bem (Figuras 15a e b). Também é necessário manter aplicado, o pit tag não é perdido, de modo que os animais em cativeiro até que sua carapaça é recomendado que, após a marcação, o animal esteja completamente seca antes da pintura. A permaneça pelo menos 24 horas em cativeiro, tinta precisa estar seca antes que os animais se- para confi rmar o sucesso da marcação, uma vez jam devolvidos à água. Todo esse processo pode que o microchip pode ser expulso pelo furo de durar de 24 a 48 horas entre a captura e a soltura. inoculação, por meio de uma reação infl amatória A marcação com pintura da carapaça nesse período. Alguns microchips perdidos, des- pode ser útil para estudar o comportamento de sa forma, foram encontrados em estômagos de espécies que têm o hábito de realizar a termorre- fi lhotes de P. expansa que estavam no mesmo gulação sobre troncos ou pedras às margens de tanque durante o período de 24 horas, em estudo rios e lagos. A marcação por pintura não substitui realizado no Rio Trombetas. e deve apenas complementar a marcação perma- Ressalta-se que se o percentual de per- nente por cortes ou furos nos escudos marginais. da de pit tags não for conhecido, as estimativas de parâmetros populacionais estabelecidas com A base em espécimes “supostamente” defi niti- vamente marcados com este sistema fi carão comprometidas. Apesar de ser uma marcação perma- nente, recomenda-se sua utilização junto com al- guma das outras técnicas descritas, para permitir o reconhecimento do animal sem o leitor de tag. O custo deste método ainda é relativa- mente alto, pois o chip custa em torno de quatro dólares. Também é necessário um leitor de pit B tags para identifi car o animal em campo, mas este tem longo período de vida útil e é relativa- mente barato, cerca de 200 dólares um modelo universal (Figura 17).

Figuras 15a e b – Quelônios marcados com tinta.

Microchip ou pit tag Este talvez seja o método de marcação mais efi ciente para quelônios, pois, ao que pa- rece, difi cilmente há perda da marca e é possí- vel reconhecer o indivíduo marcado por meio de sua numeração única dentro da população. Para aplicá-lo, uma pequena incisão deve ser feita na – Modelo de pit tag usado como sis- porção dorsal da cauda, após assepsia do local Figura 16 tema de marcação de espécies. Este modelo com iodo, utilizando um bisturi ou seringa pró- tem dimensão equivalente a um grão de arroz.

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artifício pode ser comprometido pelas frequen- tes mutilações das patas por predadores que, recorrentemente, dilaceram os artelhos dessas espécies. Alternando entre os dez dedos das patas anteriores, pode-se utilizar uma marca diferente por ano, até o décimo ano, e então recomeçar pela primeira marca feita. Em geral, este não é um sistema de marcação individual, pois é empregado em milhares ou centenas de milhares de recém-nascidos e isso permite que se reconheçam todos os fi lhotes provenientes Figura 17 – Pit tag sendo identifi cado em indiví- de uma região, bem como o ano do seu nasci- duo adulto de P. dumerilianus que foi marcado mento. enquanto fi lhote.

Amputação da primeira falange É importante alertar que não são satisfatoriamente sabidas quais as implicações do corte de artelhos na mobilidade dos animais, nem quanto aos processos infl amatórios e infecciosos, assim como o sofrimento que esse procedimento pode causar. Técnicas vanguardistas como inocula- ção de polímeros subcutâneos estão em estágio inicial de teste por alguns projetos de pesquisa, não sendo conhecida, ainda, sua Figura 18 – Marcação de indivíduo juvenil por efi ciência para a marcação de quelônios. Da amputação da primeira falange. Recomenda-se mesma forma, a inoculação de microchips em que este procedimento seja realizado nas patas indivíduos recém-nascidos signifi ca a introdução anteriores. de um corpo estranho dentro do seu organismo. São necessários mais estudos para comparar as Radiotransmissores VHS e satélite taxas de processos infecciosos que utilizam a e/ou sonares infrassônicos amputação da primeira falange e a inoculação de polímeros e microchips. Esta metodologia é utilizada para moni- torar indivíduos e defi nir suas áreas de vida com A amputação da primeira falange deve efi ciência. O custo é relativamente alto e o tem- ser realizada somente nos membros anteriores e até o terceiro dia de vida do indivíduo, uma po de permanência do rádio ou do sonar varia vez que as patas traseiras têm maior relevância entre os fabricantes (Figuras 19a e b). na propulsão natatória e no processo de nidi- Os radiotransmissores de sinais de fi cação, além do fato de que sendo feita em GPS, via satélite, permitem com maior pratici- fi lhote, este adaptar-se-á melhor à condição dade e acurácia o monitoramento de espéci- (Figura 18). mes, haja vista que não há a necessidade de in- Deve-se utilizar material esterilizado cursões em campo para a recepção dos sinais, para realizar esse procedimento e aplicar iodo sendo que estes são registrados, via internet, ou outra substância para desinfetar o local do em softwares específi cos instalados nos com- corte. A vantagem desse método é que além putadores dos pesquisadores, que identifi cam de não ter custo, a marca é defi nitiva, porém, tal os pontos de registros, os deslocamentos (ro-

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tas) e, em alguns sistemas, coletam dados de o óbito do espécime monitorado (BOARMAN et atividades como a termorregulação por assoa- al., 1998). lhamento ou estado de estivação, e até mesmo

A B

Figuras 19a e b – Indivíduos de P. expansa com radiotransmissores nas carapaças (a) e pesquisa- dora direcionando antena de sinais VHS de espécimes marcados (b).

é bastante diferente entre eles, principalmente Biometria em relação à carapaça. Nos estudos com quelônios do gê- A praticidade da fi ta métrica torna esse nero Podocnemis costuma-se utilizar com- método útil quando ocorre apreensões de ani- primentos máximos retilíneos da carapaça e mais trafi cados, principalmente as espécies plastrão, bem como largura máxima retilínea amazônicas sobrexploradas pelo consumo e co- da carapaça (FACHÍN-TERÁN et al., 2003; FA- mércio ilegais, caso dos Podocnemidídeos, uma CHÍN-TERÁN; VOGT, 2004; BALENSIEFER; vez que é um instrumento barato, portátil e prá- VOGT, 2006; De La OSSA; VOGT, 2011; BER- tico (PEZZUTI, comunicação pessoal). Nesses NHARD; VOGT, 2012; PIGNATI; PEZZUTI, casos, o objetivo principal dos agentes fi scali- 2012) (Figuras 20a e b). Pode-se utilizar paquí- zadores é coibir o comércio ilegal e não realizar metros pequenos e precisos (± 0,1mm) para pesquisa, portanto, é mais conveniente sugerir tomar essas medidas em fi lhotes e juvenis, e ou solicitar o uso da fi ta métrica. A medida cur- paquímetros pediátricos de madeira ou metal, vilínea do comprimento da carapaça de todos os com precisão menor (± 1mm), para indivíduos animais apreendidos é muito importante, pois maiores (Figuras 21a e b). informa sobre a susceptibilidade dos animais, É raro na literatura descrição do com- de diferentes tamanhos, ao comércio ilegal. primento curvilíneo da carapaça de quelônios A massa pode ser aferida utilizando brasileiros, que pode ser medida por meio de balança digital ou dinamômetro (Figuras 22a, uma fi ta métrica de costura (PEZZUTI, 2003). b e c). Filhotes podem ter sua massa aferida Esse tipo de medida é muito utilizado em estu- com uma balança de precisão (± 0,1 g) e para dos de tartarugas marinhas. É muito importan- os adultos balanças ou dinamômetros com pre- te em relatórios técnicos ou em trabalhos cien- cisão variando de ± 10 a ± 50 g e capacidades tífi cos especifi car qual o método utilizado para variando de 1-50 kg, considerando para esse medir a carapaça, pois o resultado da medição intervalo as grandes espécies amazônicas.

91 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

A B

Figuras 20a e b – Modelo esquemático das principais medidas corporais a serem obtidas: compri- mentos máximos retilíneos da carapaça (a) e plastrão (b).

A B

Figuras 21a e b – Medidas biométricas tomadas por paquímetro (a) e fi ta métrica (b). Medidas re- tilíneas e curvilíneas, respectivamente.

A B C

Figuras 22a, b e c – Indivíduo juvenil em balança digital (a); pesagem de fêmea adulta de P. expansa por dinamômetro (b) e indivíduo de menor porte em dinamômetro (c).

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Quando o projeto objetiva uma avalia- tebrais da carapaça; CSMV: comprimento da su- ção mais acurada dos caracteres morfométricos tura médio-ventral, do plastrão, da borda anterior da carapaça, para abordagens mais específi cas, do escudo intergular, até o ponto mais posterior como estudos taxonômicos clássicos com base da intersecção dos escudos anais; CMP: com- em parâmetros morfométricos, notadamente primento máximo do plastrão, da borda anterior para espécies da família Chelidae, sugere-se do escudo gular até a borda posterior do escudo que sejam tomadas as medidas propostas por anal; LMP: largura máxima do plastrão, por meio Legler (1990) (Quadro 1 e Figura 23). da sutura até os escudos abdominais e peitorais, As principais medidas a serem toma- de um ponto de intersecção entre esses dois es- das são: CMC: comprimento máximo da ca- cudos e o marginal até o outro; CURV: curvatu- rapaça, medido da borda anterior do primeiro ra, que é o comprimento curvilíneo da carapaça, escudo marginal até a borda posterior do es- medida desde a borda anterior do primeiro escu- cudo supracaudal; LMC: largura máxima da ca- do marginal até a borda posterior do escudo su- rapaça, local de maior distância entre a borda pracaudal; VÃO: distância da borda posterior do lateral dos escudos marginais de um lado ao escudo supracaudal até a ponta da sutura médio- outro; AMC: altura máxima da carapaça, per- ventral do plastrão; CCD1: distância da base da pendicularmente ao plastrão, ao nível da maior cauda ao orifício cloacal; CCD2: distância da base distância entre os escudos do plastrão e os ver- à ponta da cauda.

Quadro 1 – Legenda das medidas morfométricas propostas por Legler (1990). 1 - CMC: Comprimento máximo da carapaça 16 – LGU: Largura dos escudos gulares 2 - LMC: Largura máxima da carapaça 17 - CGU: Comprimento do escudo gular es- querdo 3 - LCC: Largura central da carapaça 18 – CPE: Comprimento do escudo peitoral esquerdo 4 - CC3: Comprimento do terceiro escudo 19 - LPE: Largura do escudo peitoral esquerdo central 5 - LC3: Largura do terceiro escudo central 20 - CAB: Comprimento do escudo abdominal 6 - NCL: Comprimento do escudo nucal 21 - LAB: Largura do escudo abdominal 7 - ALT: Altura da carapaça 22 – CFE: Comprimento do escudo femoral 8 - VÃO: Distância entre o extremo da sutura e 23 – CANL: Comprimento do escudo anal carapaça 9 - CMP: Comprimento máximo do plastrão 24 - DIA: Diagonal interna do escudo anal 10 - SMV: Comprimento da sutura médio-ventral Outras Medidas: 11 - LBA: Largura do lobo anterior CIG: Comprimento do escudo intergular 12 - LMP: Largura máxima do plastrão LIG: Largura do escudo intergular 13 - LBP: Largura do lobo posterior LCF: Largura cefálica 14 - CNX1: Comprimento mínimo da ponte LBC: Largura da boca 15 - CNX2: Comprimento máximo da ponte MASSA

Figura 23 – Medidas morfométricas propostas por Legler (1990).

93 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

Sexagem e razão sexual gicas externas. Por isso, os fi lhotes devem ser sacrifi cados com anestésico e fi xados com for- A sexagem (defi nição do sexo) de indiví- mol a 10% tamponado, para serem dissecados duos juvenis e adultos pode ser feita pela verifi ca- (Figuras 26a e b). ção de caracteres morfológicos distintivos como o tamanho da cauda e garras, e a coloração, que Segundo Gibbons (1990), a razão sexual também pode variar entre machos e fêmeas de funcional deve ser calculada com base em indiví- diferentes espécies (Figuras 24a e b). duos que alcançaram a maturidade. Fachín-Terán et al. (2003) utilizaram algumas características Nos Podocnemididae, fêmeas são morfológicas, como ausência de tubérculo no maiores que machos. Machos possuem cau- plastrão, para determinar a fase de vida (juvenil/ das mais grossas e compridas que as fêmeas, adulta) de P. sextuberculata. No entanto, o apare- devido ao maior desenvolvimento muscular do cimento de características do dimorfi smo sexual órgão copulador. A margem posterior do plas- secundário, durante o crescimento, pode prece- trão de machos costuma ser em forma de “U”, der a efetiva maturidade gonadal. Portanto, para enquanto nas fêmeas essa região tem a forma melhor padronização dos estudos, é preciso de- de “V” (Figuras 25a e b). fi nir o tamanho do indivíduo para maturidade se- Em monitoramentos reprodutivos, es- xual (machos e fêmeas) na população estudada pecialmente de espécies do gênero Podocne- (De La OSSA, 2007; BERNHARD, 2010). mis, quando se almeja estimar a razão sexual de Uma vez estabelecido o tamanho míni- uma amostragem de fi lhotes recém-nascidos mo de maturidade sexual, este deve ser infor- em determinados sítios de nidifi cação, pode-se mado para que se possa replicar o estudo. Prit- determinar o sexo por meio da análise morfoló- chard e Trebbau (1984) relacionam a maturidade gica de gônadas, com uma lupa (MALVASIO et sexual ao tamanho do animal, apontando que al., 2002). Isso também pode ser feito, preferen- nos machos ocorre antes das fêmeas, e que es- cialmente, por análises histológicas, através de tudos abordando a biometria de machos adultos microscopia estereoscópica, uma vez que não raramente são realizados. há como defi nir o sexo por distinções morfoló-

A B

Figuras 24a e b – Manchas amarelas típicas de machos adultos de P. sextuberculata (a) cabeça de fêmea adulta (b).

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A B

Figuras 25a e b – Dimorfi smo sexual em adultos de P. sextuberculata: a) macho com abertura pélvica em forma de “U” e cauda mais espessa e longa; b) fêmea com abertura pélvica em formato de “V” e cauda menos espessa e mais curta.

A B

Figuras 26a e b – Sexagem de fi lhote por análise mesoscópica da gônada, feita com microscópio estereoscópio.

Caracterização da dieta O conteúdo estomacal é analisado Caso haja interesse pela caracteriza- com um estereomicroscópio, identifi cado até ção da dieta das espécies, o conteúdo estoma- o menor táxon possível e separado em grupos cal pode ser obtido por uma técnica conhecida alimentares (BRASIL et al., 2011). A importân- como stomach flushing (LEGLER, 1977), que cia relativa de cada categoria de alimento pode consiste em uma lavagem estomacal na qual se ser, por exemplo, determinada pelo Índice de insere uma cânula plástica no estômago do in- Valor de Importância (IVI) (CAPUTO; VOGT, divíduo, pela qual a água é bombeada até que o 2008): animal apresente sinais de que regurgitará. Em seguida, o espécime é colocado de cabeça para baixo e a água é bombeada até que o estômago IVI = F% + N% seja esvaziado. O material é coletado em potes 2 individuais, fi xado com formol 10%, armazena- do em álcool 70% e identifi cado com o respec- tivo código de marcação do indivíduo (SOUZA; Onde: F% é a porcentagem de ocor- ABE, 1995; CUNHA, 2013). rência e N% a porcentagem numérica.

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Coleta de tecido Por exemplo, se colocarmos três armadilhas tipo hoop trap (funnel trap) em um lago, por 12 Para indivíduos adultos pode-se retirar horas, ao fi nal desse período o esforço amostral um fragmento de pele (3 a 5 mm) do pescoço, será de 36 horas (três apetrechos x o esforço membros ou cauda; para os fi lhotes sugere-se a (12h)). É importante padronizar o esforço de ma- coleta de um fragmento de pele (2 a 3 mm) das neira que todos os locais amostrados possam patas dianteiras, considerando que amostras de ser comparados. tecido cutâneo em pequenas quantidades não permitem, satisfatoriamente, as análises gené- ticas de interesse. Índice de abundância Geralmente, a amostra de sangue exige É utilizado para entender a dinâmica um aparato complexo de conservação (tubos de (ou fl utuação) das populações ao longo do mo- nitrogênio líquido, entre outros) e garante a preser- nitoramento, ou seja, aferir se a população está vação da amostra apenas por curto período, de- estável, aumentando ou diminuindo. Para isso, mandando conservação defi nitiva em refrigerador é calculada a captura por unidade de esforço a -20 °C. O tecido deve ser conservado em álcool (CPUE), dada pela razão entre o número de in- a partir de 96% de graduação, com etiqueta de divíduos capturados em certa amostra, e o es- identifi cação da espécie escrita em papel vegetal forço de captura. Por exemplo: 352 indivíduos a lápis, com o número da amostra (Figura 27). capturados, dividido por 4.752 horas (esforço A coleta de tecido de espécies amos- de captura) = 0,07 indivíduos capturados/hora. tradas em projetos de inventários e monitora- Nesse caso, 4.752 horas é o resultado da multi- mentos propicia: composição de bancos de plicação do número de armadilhas/malhadeiras tecidos/DNA; estudos fi logeográfi cos; caracteri- vezes o tempo que estas permaneceram ativas. zação da diversidade genética intra e interpopu- Há diversos outros parâmetros para defi nir a lacional etc. CPUE, como o número (nº) ou massa (kg) de es- pécimes capturados por área (m2) ou extensão (km) monitorada por período (p. ex.: nº/m2/24h ou kg/km/72h).

Índice de recaptura Consiste na razão entre o número de recapturas e o número total de capturas (contar somente a primeira recaptura por análise). O re- sultado fi nal deve ser multiplicado por 100, pois é uma proporção (porcentagem). O índice de recaptura nem sempre pode ser utilizado para – Tubos para acondicionar (eppen- Figura 27 estimar o tamanho da população estudada, prin- dorfs) amostras de tecido preservado em álcool cipalmente quando é muito baixo. Por meio dele 96%. é possível fazer inferências sobre a representa- tividade da amostra obtida da população. Bai- xos índices de recapturas indicam que apenas 9.3 Sugestões de análises dos dados obtidos pequena fração da população foi marcada. Isso nos sensos populacionais pode ocorrer devido a vários fatores, tais como: população amostral signifi cativamente maior do Esforço de captura que a marcada; grau de efi ciência do método de Para calcular o esforço de captura deve- amostragem; amostragem ocorrer em pequena se multiplicar o número de petrechos (aparatos, fração da área ocupada pela população de es- instrumentos ou armadilhas) de interceptação tudo ou altas taxas de imigração/emigração em (captura) utilizados em indivíduos da espécie relação à área de estudo. Diferentes índices de monitorada pelo esforço empregado (em horas). captura entre machos e fêmeas ou entre ani-

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mais de tamanhos diversos podem ser indica- comprimento. Com o auxílio de uma vara de ma- ção de seletividade do método empregado em deira a serrapilheira foi revirada em regiões onde relação a sexo ou tamanho, pois a probabilidade esta estava acumulada, para atender à premissa de captura pode ser maior para um sexo ou clas- do método: que todos os animais sobre a linha se de tamanho. do transecto fossem detectados. Mcmaster e Downs (2006) também realizaram procura ativa,

montados em cavalos, em um estudo com Stig- Estimativa do tamanho populacional mochelys pardalis na África do Sul. Para estimar o tamanho populacional de espécies de quelônios monitoradas, pode-se utilizar o método consagrado da “captura-mar- Densidade cação-recaptura”, de Jolly-Seber (CAUGHLAY, A densidade populacional é o tamanho 1980), cuja análise é comum em softwares de da população por unidade de espaço, sendo ge- estatística aplicada à ecologia de populações. ralmente expressa em número de indivíduos ou Esta análise consiste no cálculo da seguinte fór- biomassa da população por unidade de área ou mula: de volume (ODUM, 1988). Biomassa é a massa de organismos (vivos ou mortos) por unidade de área de solo (ou por área ou volume de água) N = ______ni + niZiRi i (BEGON et al., 2007). Krebs (2001) chama a miri atenção para dois tipos de densidade: a absolu- ta e a relativa. Densidade absoluta é o número Onde: Ni = tamanho populacional esti- de organismos por unidade de área ou volume; mado, ni = tamanho da amostra, mi = número densidade relativa é a densidade de uma popu- de indivíduos marcados na amostra, Ri = nú- lação em relação à outra e pode ser obtida com mero total de indivíduos marcados e soltos, ri algum índice biológico que seja correlacionado = número de indivíduos de Ri soltos e, poste- com a densidade absoluta. Por meio de um riormente, recapturados, e Zi = número de in- fl uxograma, com questões sobre a necessida- divíduos marcados antes do tempo i, que não de de estimar a densidade absoluta, se dados foram recapturados no tempo i, mas subse- em nível de indivíduos são necessários ou se a quentemente. população é explorada, Krebs (2001) orienta so- O método de marcação e recaptura bre qual metodologia para a estimativa da den- necessita de grande número de sessões de sidade é a mais apropriada. Da mesma forma, trabalho (LETTINK; ARMSTRONG, 2003), com um fl uxograma apresentado por Amstrup et al. isso o uso convencional deste método com (2005) auxilia na escolha do método apropriado. quelônios amazônicos nem sempre é efi caz, já Para que a densidade seja calculada, que as grandes dimensões da Amazônia, e os é importante conhecer a área ou o volume da grandes deslocamentos migratórios de muitas área de estudo. Em estudos com quelônios das espécies desse grupo, difi culta a recaptu- terrestres, costuma-se calcular a densidade ba- ra dos indivíduos amostrados. Outros métodos seando-se na área amostrada (AVERILL-MUR- para a estimativa do tamanho populacional, RAY; AVERILL-MURRAY, 2005; MCMASTER; bem como suas premissas são explicados por DOWNS, 2006). O cálculo de biomassa foi reali- Krebs (2001); Amstrup et al. (2005), Cooch e zado no Rio Cumi-Curi em estudo com Peltoce- White (2008) e outros. phalus dumerilianus (De La OSSA; VOGT, 2011) Para quelônios terrestres, o método de e em outro estudo, nos Lençóis Maranhenses, transecção linear é baseado em procura ativa. com Trachemys adiutrix (BATISTELLA, 2008). Jerozolimski (2005) utilizou essa metodologia No caso de espécies riverinas amazôni- para o estudo das duas espécies de Chelonoidis cas, como as da família Podocnemididae, a área (C. denticulata e C. carbonaria) no sul do estado a ser utilizada para a estimativa de densidade do Pará. Cinco pessoas, distantes dez metros pode ser a superfície do corpo d’água amostra- entre si, percorreram paralelamente um tran- do ou pode incluir a área de fl oresta alagada de secto de aproximadamente dois quilômetros de entorno, importante para esses animais durante

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a cheia. Em praias de desova, a área a ser con- nicos. O tamanho pode infl uir na taxa de sobre- siderada varia entre diferentes níveis do rio. Em vivência e na fecundidade de um animal, sendo secas severas, a área será maior em relação a assim, contribui com dados da população estu- outros anos. Portanto, é importante mencionar dada. A estrutura de tamanho de uma população qual foi a cota ou o nível do rio no dia em que foi precisa ser conhecida para a melhor compreen- feita a medição da área. são do impacto da captura e comercialização para consumo humano, tendo em vista que isso ocorre preferencialmente com animais adultos Classes de tamanho ou massa e, mais frequentemente, do sexo feminino. Na composição da estrutura popula- Existe uma recorrente indicação na li- cional, a distribuição etária é um importante teratura de que para P. unifilis são considerados parâmetro a ser defi nido, por infl uenciar tanto a adultos os indivíduos com comprimento natalidade como a mortalidade. As proporções retilíneo da carapaça em torno de 250 mm para entre os vários grupos etários de uma popula- os machos e 350 mm para as fêmeas. Para P. ção determinam seu estado reprodutivo atual e expansa ser considerada adulta, a fêmea tem indicam o que pode ser esperado no futuro. Em que ter comprimento linear da carapaça por condição in situ ainda não há parâmetros facil- volta de 500 mm e para os machos 350 mm mente observáveis para a classifi cação etária de (OJASTI, 1971; ALHO; PÁDUA, 1982; PRIT- quelônios. Para tanto, há o consenso em distri- CHARD; TREBBAU, 1984; von HILDEBRAND buir esses animais por classe de tamanho e/ou et al., 1988). Na Tabela 1 constam referências massa corporal. Embora o tamanho de um ani- de comprimento máximo retilíneo da carapaça mal tenda a ser maior com o passar dos anos, dos menores indivíduos (machos e fêmeas) em uma estreita relação entre idade e tamanho não maturidade sexual da família Podocnemididae. foi ainda comprovada para os quelônios amazô-

Tabela 1 – Tamanhos (comprimento máximo retilíneo da carapaça em mm) de maturidade sexual de quelônios da família Podocnemididae (ni = não informado).

Tamanho Espécie Local Estudo Machos Fêmeas Peltocephalus dumerilianus ni 252 Rio Negro (AM) De La Ossa (2007) Podocnemis erythrocephala 161 222 Rio Negro (AM) Bernhard (2010) Podocnemis expansa ni 465 Rio Orinoco (Venezuela) Peñazola (2010) Podocnemis expansa ni 500 Rio Trombetas (PA) Alho e Pádua (1982) Podocnemis expansa ni 516 Rio Purus (AM) Pantoja-Lima (2007) Podocnemis expansa ni 520 Rio Caquetá (Colômbia) von Hildebrand et al. (1997) Podocnemis expansa ni 550 Orinoquia (Venezuela) Ojasti (1971), Paolillo (1982) Podocnemis sextuberculata ni 220 Rio Purus (AM) Pantoja-Lima (2007) Podocnemis sextuberculata ni 250 Rio Japurá (AM) Bernhard (2001) Podocnemis sextuberculata ni 265 Rio Trombetas (PA) Haller e Rodrigues (2006) Podocnemis unifilis ni 270 Rio Putumayo (Colômbia) Foote (1978) Podocnemis unifilis 250 350 Rio Guaporé (RO) Soares (2000)

Também é recorrente na literatura o trutura populacional. Para P. expansa, usa-se 5 estabelecimento das classes de tamanho com cm para avaliar a frequência de tamanho dos intervalos de 1, 2 ou 5 cm de comprimento da indivíduos capturados (PRITCHARD; TREBBAU, carapaça, que serão usadas nas análises de es- 1984).

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Razão sexual ∆t = intervalo de tempo entre as capturas (anos) (MARTINS; SOUZA, 2008). Magnusson et al. A razão sexual é calculada apenas com (1997) propõem que, para minimizar o efeito do indivíduos adultos, pela razão entre o número de intervalo de tempo entre as recapturas, utilizar fêmeas (matrizes) e o número de machos (re- uma regressão linear simples entre o cresci- produtores) de cada população monitorada. Para mento exponencial (CE = (loge CMCrecaptu- comparar a proporção entre os sexos de uma ra – loge CMCcaptura)/∆t;) e o tamanho médio população e entre populações ao logo do moni- geométrico (TMG = (CMCrecaptura x CMCcap- toramento, pode-se utilizar o teste X2 (Qui-Qua- tura)-2, onde: CE (crescimento exponencial), ∆t drado). As diferenças sexuais no comprimento (tempo decorrido entre as capturas, em anos), da carapaça, dependendo do tamanho da amos- TMG (tamanho médio geométrico), e (base dos tra, podem ser testadas pelo Teste-t de Student logaritmos naturais). ou pelo Teste Z, e a normalidade dos dados afe- rida por Kolmogorov-Smirnov. Em populações Idealmente, a marcação permanente de quelônios, a razão sexual costuma ser desba- de recém-nascidos e o acompanhamento pos- lanceada em favor de um ou outro sexo (Tabela terior do crescimento em tamanho/massa resul- 1). O método utilizado para a captura, a estação tariam em ótimos modelos de crescimento. No do ano e a profundidade e tipo de ambiente do entanto, isso demanda estudo em longo prazo local amostrado são alguns dos fatores que po- e poucos animais marcados, ao nascer, acabam dem afetar a razão sexual obtida. Portanto, um sendo recapturados. Estimativas de crescimen- bom estudo populacional deve utilizar métodos to podem ser feitas pelo tamanho do animal na complementares de captura (ou tamanhos dife- primeira captura e o quanto esse animal cres- rentes de armadilhas e malhadeiras) e, preferen- ceu até ser recapturado. Vários métodos podem cialmente, ocorrer em diferentes ambientes e ser empregados para estimar o crescimento por estações do ano. meio da captura-marcação-recaptura. O modelo de von Bertalanffy (1938) utiliza a idade e o ta- Partindo da premissa de que se um manho para modelar o crescimento. Um ajuste indivíduo tem chance igual de ser recapturado, desse método, feito por Fabens (1965), permi- deve também ter uma chance igual de ser cap- te que se utilize apenas o tamanho inicial e o turado inicialmente. Portanto, a partir de dados tamanho na recaptura para criar um modelo de de recaptura, pode-se corrigir a razão sexual (ou crescimento para quelônios. Segundo Fabens a proporção de imaturos e maduros) em uma (1965): CMCt = a (1 – be-kt), onde: CMCt (tama- população, por meio da equação proposta por nho no tempo t), t (idade em anos), k (constante Reehl et al. (2006): R = [(T-I)/I]*100, onde: R é de crescimento), b (parâmetro relacionado ao o percentual de recapturas, T é o número total tamanho, ao nascer) e a (tamanho assinptótico). de capturas e I é o número inicial de capturas. Os parâmetros a e k podem ser obtidos utilizan- Esse método foi utilizado por Bernhard e Vogt do o programa Fistat II (GAYANILO et al., 2005). (2012) para ajustar os dados de razão sexual e proporção de juvenis na população de Podocne- Outro modelo de crescimento que mis erythrocephala no Rio Negro/AM. pode ser utilizado é a equação logística para in- tervalos de crescimento, de Schoener e Schoe-

ner (1978): CMC2= a CMC1/(CMC1 + (a-CMC1) Taxa de crescimento e-k(dt), onde: os parâmetros são os mesmos A taxa de crescimento normalmente da equação de von Bertalanffy modifi cada por é calculada a partir dos dados de recaptura, ou Fabens (1965). Mogollones et al. (2010) utiliza- seja, em linhas gerais, incide na aferição do per- ram um modelo de curva logarítmica que ajus- centual de variação do tamanho da carapaça ou tou os dados de tamanho (comprimento curvilí- da massa dos indivíduos da população monito- neo da carapaça) e idade, em um estudo de 10 rada entre as recapturas. A taxa de crescimento anos, com marcação de fi lhotes de P. expansa pode ser calculada pela diferença de tamanho no Médio Rio Orinoco, na Venezuela. Quando de quelônios de idades conhecidas por período houver dúvidas sobre o melhor modelo a ser de tempo: TC = (CMCrecaptura –CMCcaptura)/ utilizado, pode-se comparar o ajuste de dados ∆t, onde TC = taxa de crescimento (mm/ano) e reais de crescimento, com tamanhos ou idades

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conhecidas, às estimativas feitas com diferen- BATAUS, Y. S. L. Estimativa de parâmetros tes modelos. O modelo que melhor se ajustar populacionais de Podocnemis expansa (tar- aos dados deve ser o escolhido. taruga-da-Amazônia) no rio Crixás-açu (GO) a partir de dados biométricos. 1998. 58p. Dis- sertação (Mestrado em Biologia) – Universidade Proporção de indivíduos adultos e Federal de Goiás, GO. imaturos na população É a proporção obtida pela razão entre o BALENSIEFER, D. C.; VOGT, R. C. Diet of Po- número de indivíduos adultos e a quantidade de docnemis unifilis (Testudines, Podocnemididae) indivíduos imaturos. Assim, como indicado para during the dry season in the Mamirauá Sustaina- as estimativas da razão sexual, para comparar a ble Reserve, Amazonas, Brazil. Chelonian Con- proporção entre indivíduos maduros e imaturos servation and Biology, v. 5, n. 2, p. 312-317, em uma população e entre populações, pode-se 2006. utilizar o teste X2. BATISTELLA, A. M. Biologia de Trachemys adiutrix (Vanzolini, 1995) (Testudines, Emy- 9.4 Considerações fi nais didae) no litoral do Nordeste-Brasil. 2008. 82p. Tese (Doutorado em Biologia de Água A área de estudo, o método de captura, Doce e Pesca Interior) – Instituto Nacional de os quantitativos de exemplares por espécie a se- Pesquisas da Amazônia, AM. rem coletados, os métodos de eutanásia e demais aspectos legalmente exigidos para a execução BEGON, M.; TOWNSEND, C. R.; HARPER, J. L. dessas atividades devem ser devidamente auto- Ecologia: de indivíduos a ecossistemas. Por- rizados pelo ICMBio e Ibama, por meio do Sisbio. to Alegre: Artmed, 2007. 752 p.

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102 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

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ANEXO 1 Protocolo básico para ações de pesquisa, monitoramento populacional e manejo conservacionista de quelônios amazônicos

Rafael Antônio Machado Balestra

A seguir, uma síntese dos procedimen- • Quando possível, registrar dados de tos metodológicos abordados neste livro. O ob- apreensão de animais, que são importantes jetivo principal das ações de pesquisa, monito- para fornecer informações sobre as populações ramento e manejo é garantir a conservação de e o consumo. Neste caso, os fiscais ambientais, populações viáveis de quelônios amazônicos. durante as operações de fiscalização, devem Ressalva-se que muitas das considera- realizar a biometria dos quelônios apreendidos ções desta seção se adequam melhor aos am- (comprimento e largura de carapaça e plastrão) bientes controlados, em especial às unidades e sexagem. Se a apreensão for de um número de conservação. considerável de animais, recomenda-se que a amostragem seja, no mínimo, de 30 indivíduos/ espécie. 1 – Inventariamento das espécies de quelô- nios, especialmente em unidades de con- Periodicidade: entrevistas a cada 5 servação anos e/ou sempre que houver oportunidade; o inventariamento deve ser contínuo. Justificativa: para realizar trabalhos de pesquisa e monitoramento é necessário inicial- mente estimar a riqueza de espécies, para defi- 2 – Espécies prioritárias para monitoramento nir as prioritárias para projetos de conservação. Justificativa: as espécies de Podocne- mididae devem ser prioritárias para o monitora- Metodologia: mento devido a sua bioecologia, ampla distribui- • Método indireto de pesquisa (ques- ção geográfica, pressão antrópica e importância tionário) seguindo roteiro de questionário aberto econômica e cultural nas comunidades. Para as a ser definido por analistas ambientais e pesqui- demais espécies são prioritárias as definidas por sadores de diversas instituições; cada unidade de conservação. • Junto com o questionário e depois do Metodologia: avistamento deve ser apresentado um guia das • Além das espécies de Podocnemidi- espécies, para confirmação; dae é preciso que se faça uma definição de quais • Sempre que possível, deve haver co- são as outras espécies prioritárias, utilizando as leta e tombamento de exemplares-testemunho listas oficiais de espécies ameaçadas, avalia- das espécies amostradas, especialmente nas ção da IUCN, vetores de pressão nas unidades unidades de conservação; e aquelas deficientes de dados; fundamental • Criar um glossário regionalizado para caracterizar as pressões que afetam espécies e/ as expressões comuns referentes aos quelônios; ou sítios de reprodução; Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

• Identifi cação das áreas ou sítios re- Para o desenvolvimento da metodolo- produtivos, áreas de forrageamento e pontos de gia, recomenda-se uma parceria com pesquisa- maior captura que serão pesquisados e monito- dores de quelônios. rados por espécie; Periodicidade: anual (estação reprodu- • Elaboração de mapa participativo com tiva). imagens de satélite e mapeamento, por exem- 3.1.2 Data da postura plo, sobre folha de acetato (transparente), com base em entrevistas com comunitários. Em se- Justifi cativa: é importante para guida, confi rmação e priorização de local(is) – fer- determinar o período de desova, o tempo de ramentas de SIG. incubação e a suscetibilidade ao alagamento, quando houver. Periodicidade: será realizada uma úni- ca vez ou conforme critério da unidade de con- Metodologia: o monitoramento diário servação. é recomendável. Não sendo possível, é suge- rido que se faça uma estimativa com base na última visita à localidade de desova. 3- Estudos populacionais os estudos populacio- Justifi cativa: 3.1.3 Dados da fêmea após a nidificação nais são indispensáveis para avaliar a vulnera- bilidade das populações, por meio da caracteri- • Biometria da fêmea: zação do seu estado de conservação. Este item Justifi cativa: conhecimento básico da foi subdividido e para cada um foi apresentada estrutura populacional. justifi cativa e metodologia específi ca. Metodologia: quando possível, realizar o aferimento do comprimento e da largura máxi- 3.1 Dados de reprodução ma retilínea da carapaça, massa e largura do rastro em sua maior extensão. O comprimento curvilíneo pode ser realizado desde que o método utilizado 3.1.1 Dados de postura seja informado pelo pesquisador. Recomenda-se Justifi cativa: facilidade de obtenção uma amostragem de no mínimo 40 indivíduos/es- de dados de estrutura populacional, com base pécie/local para a coleta de dados alométricos. na disponibilidade do sítio reprodutivo. Peridiocidade: anual. Metodologia: • Coleta de amostra (tecido): • Contagem direta e marcação (iden- Justifi cativa: composição de banco de tifi cação) de ninhos. Quando não for possível tecido/DNA; estudar a estrutura e variabilidade marcar todos os ninhos, a marcação será feita genética das populações naturais de quelônios; em intervalos de classe (10 em 10). Se não for determinar o tipo de paternidade etc. possível a contagem e marcação sistemática, recomenda-se a contagem, marcação e o moni- Metodologia: coleta de tecido cutâ- toramento realizados dentro das possibilidades, neo (parte de membrana interdigital e/ou late- anotando o esforço amostral dado pelo número ral da pata), conservado em álcool a partir de de dias, número de pessoas, número de áreas 96%, com etiqueta de identifi cação da espécie amostradas e/ou localidades. escrito em papel vegetal, preferencialmente a lápis, com número da amostra colocado dentro • Sugere-se nessa contagem a prote- de eppendorf ou frasco com tampa. A coleta ção dos ninhos experimentais, no mínimo 30. deve ser de 30 indivíduos adultos/por espécie/ Caso não seja possível a contagem di- localidade amostrada. O material proveniente da reta, será estimado o número de ninhos com coleta de tecidos será destinado aos parceiros base no número de ovos ou fi lhotes. Para isso, em condição de realizar os estudos pertinentes é necessário saber o número médio de ovos ou ou incorporação em banco de tecidos (ex.: Inpa, fi lhotes por ninho. Ufam, UFPA, Embrapa etc.).

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3.1.4 Dados de ninhos naturais Metodologia: verifi cação de rastros, cascas de ovos, entre outros indícios do preda- Observação: para os itens a seguir, é dor e, se possível, fazer o registro fotográfi co do recomendável coletar os dados de uma amostra ninho para identifi car criteriosamente o causa- de, no mínimo, 30 ninhos, sorteados a partir do dor do vestígio. Contagem dos ninhos predados número de ninhos marcados e protegidos (ni- com base nos ninhos marcados (ninhos moni- nhos experimentais), em cada estação reprodu- torados). tiva monitorada. Justifi cativa: avaliação dos fatores • Destino do ninho: que interferem no sucesso reprodutivo e razão sexual. Metodologia: verifi cação de todos os ninhos marcados, indicando se houve sucesso, predação ou alagamento. • Profundidade do ninho: Metodologia: 3.1.5 Dados de ninhos transferidos • Utilização de régua ou trena para me- Justifi cativa: os ninhos serão trans- dir a profundidade total do ninho, ou seja, da feridos apenas em casos especiais, tais como: superfície até o substrato abaixo dos ovos, to- alta probabilidade de alagamento e/ou predação mando o cuidado de não aprofundar o ninho ao natural ou antrópica. retirar os ovos. Metodologia: • Altura do ninho em relação à linha d’água: • Transferência imediata dos ninhos nos casos das espécies de iaçá e tracajá. A Justifi cativa: recomenda-se a medida transferência deve ser realizada nas horas mais da altura do ninho em relação à linha d’água para frias do dia. No caso da tartaruga-da-amazônia, fi ns de trabalhos com modelagem preditiva da a transferência deve ocorrer o mais tardiamente susceptibilidade dos ninhos a alagamento. possível, a partir de 30 dias após a desova. A transferência deve ser realizada pre- • Data da eclosão: ferencialmente em caixa térmica, com areia do próprio ninho, evitando choques mecânicos (ver Metodologia: verifi cação dos ninhos monitorados após 40 dias da data de postura. detalhes desse procedimento no Capítulo 6). Será considerado o período de incubação a par- tir do primeiro fi lhote nascido. • Data da eclosão: Metodologia: verifi cação após 40 dias • Número total de ovos/ninho: da data de postura dos ninhos monitorados (ex- perimentais). Será considerado o período de in- Metodologia: após eclosão, contagem das cascas, ovos inviáveis e não fertilizados e cubação a partir do primeiro fi lhote nascido. fi lhotes mortos. Para os ninhos experimentais, contar os ovos na primeira verifi cação da eclo- • Número total de ovos/ninho: são, com 40 dias. Metodologia: contagem na transfe- rência. • Número de fi lhotes nascidos/ninho: Metodologia: contagem dos fi lhotes • Número de fi lhotes nascidos/ninho: vivos. Metodologia: contagem dos fi lhotes vivos. • Predação do ninho (parcial ou total) e identifi cação do predador:

107 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

• Predação do ninho (parcial ou total) e • Índice pluviométrico: identifi cação do predador: Metodologia: instalação e acompa- Metodologia: verifi cação de rastros, nhamento de pluviômetro ou obtenção dos da- cascas de ovos e, se possível, uma foto do ni- dos gerados em estações climatológicas mais nho para identifi car precisamente a pegada ou próximas. outro vestígio do predador. Contagem dos ni- • Temperatura e umidade relativas do nhos predados, com base nos ninhos marcados. ambiente. • Quando possível, instalar data loggers • Destino do ninho: no interior do ninhos. Na impossibilidade de ins- Metodologia: talação desses registradores de dados, coletar os • Verifi car todos os ninhos marcados, dados fornecidos pelas estações climatológicas indicando se houve sucesso, predação ou ala- mais próximas e instalar um termômetro de re- gamento; gistro das temperaturas máxima e mínima do dia, em local de fácil leitura. • Identifi car o sítio de origem – descri- ção qualitativa; • Identifi car e caracterizar o sítio de 5. Características do sítio reprodutivo e área transferência – descrição qualitativa; de ocupação • Identifi car o ninho transferido (núme- • Caracterização qualitativa do substra- ro do ninho); to do ninho: • Data da postura no sítio de origem; Justifi cativa: o substrato pode infl uen- ciar no sucesso de eclosão dos ovos, na escolha • Data da transferência. das áreas de nidifi cação, razão sexual, período de incubação etc. 4. Infl uência dos fatores ambientais e climá- Metodologia: descrição do sítio quan- ticos to ao substrato e formação geomorfológica (cor, Justifi cativa: avaliação das variáveis cli- areia, argila, folhiço, praia, barranco etc.). máticas e ambientais e sua infl uência no ciclo Periodicidade: anual. de vida dos quelônios.

4.1 Dados locais do ambiente: 6. Destinação dos fi lhotes manejados Justifi cativa: conferir melhor destinação • Índice fl uviométrico: aos fi lhotes recém-nascidos quando realizado o manejo reprodutivo (soltura imediata x berçário). Metodologia: caso não haja régua da Agência Nacional de Águas (ANA) nas proxi- Metodologia: sugere-se a soltura ime- midades da região monitorada, instalar régua diata de fi lhotes manejados em localidades pró- d’água o mais próximo possível de casas de ximas às áreas de desova. Ações de educação comunitários (para o devido registro diário), em ambiental durante essa fase devem ser imple- locais próximos às áreas de desova e em rios mentadas. de ordens diferentes, quando possível. É im- portante que o local represente o nível de inun- dação regional. Recomenda-se a instalação em Priorização de ações de monitora- áreas mais altas, com fi xação permanente, e mento para o início das atividades de con- que a leitura seja feita com periodicidade quin- servação de quelônios amazônicos zenal. No período de desova deve-se proceder Códigos da importância das priorida- diariamente. des: Baixa (*), Média (**) e Alta (***)

108 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

Ninhos naturais: Quantifi car e qualifi car a predação (***). Georreferenciar as praias em que exis- te registro de rastros (***); Ninhos transferidos: Marcar os ninhos individualmente e Anotar o número do ninho (***); registrar o número do ninho e a data da postura Data da postura (***); (***); Data de transferência (***); Profundidade e largura do ninho (*); Número total de ovos (***); Altura do ninho (**); Número de ovos não eclodidos (inviabi- Biometria da matriz (largura e compri- lizados e não fertilizados) (**); mento da carapaça) incluindo o comprimento do rastro (**); Registro de dados ambientais – nível d’água (***). Data de eclosão (***); Número de ovos e número de fi lhotes vivos (**);

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ANEXO 2 Recomendações de ações de educação socioambiental e proteção ambiental para a conservação de quelônios amazônicos Rafael Antônio Machado Balestra

1 - Educação socioambiental e gestão de Culturalmente, na Amazônia, os que- conflitos lônios representam um importante recurso ali- mentar, portanto, o envolvimento dos atores O objetivo principal da educação so- sociais locais por meio da educação socioam- cioambiental, neste contexto, é subsidiar a ma- biental e gestão participativa é uma estratégia nutenção dos estoques populacionais viáveis imprescindível para se estabelecer ações efeti- de quelônios amazônicos e, se possível, au- vas para conciliar a conservação e o uso do re- mentá-los, via promoção da preservação e re- ferido recurso. cuperação dos seus ambientes, e do incentivo e acompanhamento do manejo dessas espécies, A valorização do conhecimento tradicio- inserindo a educação ambiental como instru- nal integrado ao conhecimento científico, ou seja, mento do processo de gestão desses recursos. o pluralismo de ideias é uma premissa básica de- fendida pela educação ambiental, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade. 1.2 Pressupostos da educação socioambiental Diante do exposto, este protocolo visa A busca pelo meio ambiente ecologi- estabelecer procedimentos a serem seguidos camente equilibrado é um direito garantido pela para a definição de ações de educação socioam- Constituição e é um dever tanto da coletividade biental e gestão de conflitos para a conserva- quanto do Poder Público. A sensibilização, o envol- ção dos quelônios amazônicos em unidades de vimento e o comprometimento da população com conservação federais e áreas circundantes. as questões socioambientais são fundamentais. Em 1999, a Lei nº 9.795 reconheceu que a educação ambiental é um componente 1.3 Objetivos específicos essencial e permanente da educação nacional, • Levantar o conhecimento popular so- constituída por “processos por meio dos quais bre os quelônios; o indivíduo e a coletividade constroem valores • Divulgar o conhecimento científico sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e em linguagem apropriada, simples e acessível às competências voltadas para a conservação do comunidades-foco, valorizando sua cultura, inte- meio ambiente”. grando-os ao processo de cogestão ambiental; Em 2002, o Decreto nº 4.281 esta- • Sensibilizar e envolver essas comuni- beleceu que a Política Nacional de Educação dades sobre a importância desses animais, por Ambiental deve ser executada pelos órgãos e meio de ações de conservação e manejo; entidades integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama). Nesta perspectiva, o • Promover a construção de acordos Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de que compatibilizem o uso e a conservação de Répteis e Anfíbios (RAN), do ICMBio, cumpre quelônios; seu papel ao prever ações de educação ambien- • Propor e incentivar as comunidades tal como tema transversal na pesquisa, monito- a gerar alternativas de renda e consumo, dimi- ramento, proteção e manejo de quelônios ama- nuindo a pressão sobre o recurso; zônicos. Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

• Capacitar as populações locais para a – Usar meios de comunicação ade- conservação, manejo e educação socioambien- quados à realidade local; tal; – Esclarecer o papel do instituto para • Promover a integração das ações de as comunidades; educação socioambiental com a educação for- – Estimular a produção de material mal; educativo e informativo próprio; • Identifi car os principais problemas, confl itos, potencialidades, ameaças, pressões – Dividir responsabilidades. e suas causas relacionadas à conservação de quelônios. 1.5 Sugestões de instrumentos Palestras, dinâmicas, ofi cinas, minicur- 1.4 Metodologia sos e capacitações incluindo estratégias de va- lorização da relação homem/natureza. • Planejamento

– Buscar fi nanciamento; • Monitoramento – Planejamento da logística; – Avaliação participativa do processo; – Orçamento; – Avaliação participativa dos resulta- – Cronogramas; dos; – Buscar parcerias, patrocinadores, in- – Compartilhar as técnicas e métodos vestidores e empreendedores etc.; utilizados; – Implementações de ações correti- – Recomendações de ações correti- vas, quando pertinentes. vas, caso necessárias; – Previsão de ações de continuidade. • Diagnóstico – Garantir representatividade dos ato- 2. Proteção ambiental res envolvidos; – Defi nir metodologia (sugestões: DRP, mapa falado, calendário sa- Considerações gerais zonal, entrevistas com pessoas de O objetivo principal da proteção am- notório saber etc.); biental neste contexto é garantir a conservação – Buscar riqueza das informações; dos quelônios da Amazônia em seu ambiente natural, garantindo a proteção desses animais – Tentar defi nir quem são os atores- em seus locais de refúgio e alimentação, e chave; durante sua atividade reprodutiva, incluindo a – Dar retorno à comunidade dos re- migração dos adultos e fi lhotes, priorizar a ava- sultados obtidos. liação, proposição e desenvolvimento de ações nas áreas mais importantes à conservação des- se táxon, especialmente em unidades de con- • Ações de sensibilização, envolvimen- servação e seu entorno. to e comprometimento Os procedimentos recomendados – Usar linguagem apropriada; para este tópico são de execução exclusiva – Mostrar a importância dos quelô- dos órgãos de meio ambiente das diferentes nios, naquele ecossistema, às co- esferas do poder, uma vez que somente essas munidades; instituições têm prerrogativas para realizar a

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fi scalização ofi cial em matéria de meio ambiente, importante em UCs de uso sustentável, caso de tanto em áreas públicas quanto nas particulares. Áreas de Proteção Ambiental e Reservas Extrati- vistas, frequentemente utilizadas como balneário O monitoramento das rotas de mi- turístico em temporadas de praia. gração das tartarugas aos tabuleiros promove, indiretamente, a proteção dos ambientes e da fauna local, principalmente da ictiofauna, herpe- Protocolo básico de ações de prote- tofauna e mastofauna. Além disso, esse moni- ção ambiental toramento é capaz de integrar as comunidades ribeirinhas ao processo de conservação da área, à medida que busca atrair sua atenção para 2.1 Diagnósticos das áreas e épocas que de- as consequências do processo predatório, por mandam ações de proteção (áreas de meio de ações de capacitação dos líderes comu- ocorrência, vetores de pressão, comuni- nitários. Dessa forma, abre-se caminho para que dades e calendário de eventos) o homem ribeirinho participe na gestão e mane- jo dos recursos da fauna, de forma consciente. Justifi cativa: o diagnóstico é necessá- rio para embasar as ações de planejamento e Neste contexto, as ações de fi scalização operacionalização das ações de fi scalização. e controle das atividades predatórias nas áreas de ocorrência, dispersão, alimentação e nidifi cação Metodologia: visam ao aumento da população de quelônios e • Realização de levantamentos de in- de outros componentes faunísticos das áreas formações diversas sobre a realidade das espé- monitoradas, além do restabelecimento dos es- cies e das ameaças para a elaboração de mapas toques naturais, com o envolvimento maior das e calendários de ações. É importante considerar comunidades nos trabalhos de manejo, de modo o ciclo hidrológico, os movimentos sazonais e a infl uenciar em suas culturas mudanças de com- os períodos críticos sobre as épocas de maior portamento em relação ao desmatamento, cap- captura ilegal de quelônios. tura e comércio de quelônios. • Integração com o Mapeamento Parti- Abrangência espacial: proteção dos sí- cipativo proposto no tema anterior (identifi cação tios de reprodução, contemplando as áreas de de áreas de desova). migração pré e pós-desova, alimentação, con- • Elaboração do Plano de Proteção Anual. centração e nidifi cação. anual, com revisões Abrangência temporal: o tracajá Podoc- Periodicidade: constantes. nemis unifilis e o iaçá Podocnemis sextubercu- lata desovam de junho a agosto, e o período de incubação dos ovos vai até setembro e outu- 2.2 Ações de fi scalização bro. De junho a agosto, a tartaruga-da-amazônia Podocnemis expansa migra dos lagos para as Justifi cativa: as ações de fi scalização praias de desova, conhecidas por tabuleiros, e são imprescindíveis para coibir ilícitos ambien- vão se aglomerando em frente à praia, que de- tais e perturbações das áreas de reprodução de pende de ações efetivas de vigilância, monito- quelônios. Devem ser rotineiras nas unidades ramento e, em muitos casos, de ações de ma- de conservação e, se possível, integrar as ope- nejo, a fi m de garantir o sucesso do processo rações de fi scalização com orientações à popu- de reprodução. As desovas ocorrem entre se- lação. tembro e novembro. A proteção dos sítios deve Metodologia: perdurar por toda a incubação, que pode se es- tender até março para a tartaruga-da-amazônia, • Realização de operações de fi scali- em Roraima. zação rotineiras nas unidades de conservação, que devem constar na elaboração do Plano de Os procedimentos fi scalizatórios, em Proteção Anual. O plano deve conter ações re- alguns casos, exige o “embargo” de áreas rele- lativas ao calendário construído no diagnóstico, vantes à conservação desses animais, especial- realizado na etapa anterior. mente quando abrigam praias. Essa ação é muito

113 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

• Em consonância com o Plano de Pro- auxiliar na organização comunitária; seguir a teção Anual devem-se elaborar os planejamen- orientação da IN do voluntariado; capacitar os tos das operações de fi scalização contempladas comunitários; acompanhar os trabalhos perio- e enviá-los às instâncias competentes. dicamente; fornecer condições logísticas para a execução das atividades de campo e realizar a • Caso haja possibilidade, os fi scais avaliação participativa. ambientais, durante as operações de fi scaliza- ção, devem realizar a biometria dos quelônios apreendidos (comprimento e largura de carapa- 2.4 Integrar e fomentar ações de proteção ça e plastrão) e sexagem. Se a apreensão for de dos quelônios, em níveis intra e interins- um número considerável de animais, recomen- titucionais da-se que a amostragem seja, no mínimo, de 30 indivíduos/espécie/local. Justifi cativa: necessidade de coorde- nar as ações entre as unidades, otimizando os • Recomenda-se a realização de tra- recursos fi nanceiros e humanos. Extrapolar as balho voluntário comunitário nas atividades competências do ICMBio, Ibama e Oemas, para de proteção. Caso não seja possível, o gestor promover uma conservação efetiva da fauna mi- ambiental deve viabilizar uma forma de contra- gratória. tar agentes de praias, utilizando, por exemplo, como base de contrato temporário, o modelo Metodologia: aplicado aos brigadistas nas unidades de con- • Planejamento integrado entre as uni- servação. dades localizadas prioritariamente na mesma re- • Estabelecimento de um grupo de fi s- gião, e entre os órgãos envolvidos. calização itinerante para atuar na proteção dos • Nas operações das equipes itineran- tabuleiros, envolvendo fi scais de regiões onde o tes de fi scalização deve-se promover a integra- período de seca ocorre em diferentes épocas do ção com as instituições parceiras. ano. Para tanto, sugere-se a criação de uma rede de contatos de fi scais das diversas esferas de Periodicidade: anual. poder, em todos os estados, com afi nidade para o trabalho de fi scalização envolvendo quelônios. De preferência, devem-se formar equipes mis- 2.5 Propor normativa para subsidiar acordos tas de fi scais e colaboradores contratados. junto às comunidades, com vistas ao uso de subsistência dos recursos Periodicidade: ações contempladas faz-se necessário o orde- no calendário anual e/ou aquelas que são de- Justifi cativa: namento do uso racional dos recursos ambien- mandadas eventualmente como denúncias, de- tais, bem como o estabelecimento de critérios mandas do Ministério Público etc. para realizar a fi scalização, que deve ser nortea- da pelos dispositivos legais e acordos de pesca 2.3 Apoiar a vigilância comunitária voluntária ou correlatos. Justifi cativa: o envolvimento dos co- Metodologia: criação de grupos de munitários é importante no trabalho com quelô- discussão e audiências públicas. nios para a manutenção dos recursos naturais, mitigando ou anulando confl itos socioambientais. 2.6 Propor normatização específi ca para pro- Metodologia: teção e manejo de quelônios, inclusive • Adequação da Instrução Normativa em áreas externas às unidades de con- de Trabalho Voluntário, de modo a atender às servação necessidades das unidades de conservação e Justifi cativa: delimitação das áreas dos programas de conservação que atuam fora utilizadas pelos quelônios visando à interdição dessas jurisdições. (embargo) de determinados locais na época re- Os gestores ambientais e coordena- produtiva, por meio da proposição de uma nor- dores de programas conservacionistas devem ma específi ca para quelônios.

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Metodologia: criação de grupo de Metodologia: realização de consulta trabalho para elaboração de minuta subsidiada junto aos órgãos licenciadores sobre os em- pelas unidades, incluindo áreas, restrições e preendimentos que afetam as unidades, no in- épocas. tuito de criar um acordo para minimização dos impactos ambientais. 2.9 Realizar ações de controle ambiental jun- 2.7 Ordenamento das atividades impactan- to às comunidades circunvizinhas às uni- tes pertinentes às unidades de conser- dades de conservação visando à minimi- vação zação dos impactos Justifi cativa: diversas atividades que orientar as comunidades ocorrem na unidade causam impacto aos que- Justifi cativa: quanto à utilização correta dos recursos ambien- lônios e precisam ser avaliadas e ordenadas tais, à legislação pertinente e orientação quanto adequadamente, como exemplo, a visitação e à gestão das unidades de conservação. o turismo. Metodologia: visitas periódicas insfor- Metodologia: elaboração e/ou revisão mativas às comunidades. de planos de manejo e outros instrumentos le- gais pertinentes. 2.10 Instalar placas indicativas nas áreas consideradas estratégicas para proteção e 2.8 Acompanhamento dos empreendimen- manejo tos que impactam as unidades de con- servação Justifi cativa: necessidade de informa- ção, estabelecimento de identidade visual da Justifi cativa: orientação dos empreen- unidade/projeto. dedores para diminuição dos possíveis impactos nas unidades de conservação, bem como em Metodologia: elaboração de projetos áreas adjacentes. específi cos para cada unidade de conservação.

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Anexo 3 Cartilha de capacitação comunitária para a conservação de quelônios amazônicos

Rafael Bernhard, Rafael Antônio Machado Balestra, José Roberto Moreira

A seguir, apresentaremos uma propos- comunidades residentes e usuárias das áreas ta de cartilha ou manual básico de ações para de ocorrência dessas espécies e, também, as conservação de quelônios amazônicos, como diferentes idades e níveis escolares de seus modelo para adaptação às especificidades de componentes. interesse, numa eventual abordagem comu- Este texto também pode ser útil como nitária sobre essa sistemática. Neste sentido, instrumento de orientação em palestras, reu- este texto apresenta em linguagem simples a síntese dos principais quesitos que sustentam niões ou cursos de capacitação comunitária, os objetivos conservacionistas dos animais em mesmo não integrando uma cartilha ou manual questão, considerando a pluralidade cultural das técnico propriamente.

Sobre os quelônios Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

Diversidade

No mundo, existem mais de 300 espécies de quelônios de água doce e terrestres. No Bra- sil, ocorrem 36 espécies e na Amazônia brasileira 17.

Ameaças

O comércio de quelônios adultos e de seus ovos reduziu muito o seu número nos rios ama- zônicos, principalmente as espécies mais procuradas, que são a tartaruga-da-amazônia, o tracajá, o pitiú (ou iaçá), a irapuca e o cabeçudo.

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Como protegê-los?

Duas coisas precisam ser feitas para que possamos recuperar os quelônios na natureza: evitar que os adultos sejam consumidos e proteger suas áreas de desova. A proteção de desova geralmente é feita para os ninhos dessas quatro espécies:

Tartaruga-da-amazônia - Podocnemis expansa

Os machos são conhecidos como ca- que o nível da água dos rios volte a subir. As pitari. A tartaruga-da-amazônia é a maior es- fêmeas desovam uma vez por ano e põem pécie de tartaruga de água doce da Amazônia, em média 100 ovos. Os ovos são grandes, chegando a mais de 109 cm de comprimento redondos, parecidos com bolas de ping-pong. e pesando até 90 kg. Durante a estação de Depois de 40 ou 45 dias, os fi lhotes rompem seca dos rios, as tartarugas migram até as a casca dos ovos e permanecem dentro dos praias de desova, também conhecidas como ninhos até que estejam prontos para realizar taboleiros, onde permanecem em bandos até sua viagem até o rio.

119 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

Tracajá - Podocnemis unifilis

Os machos desta espécie são chamados também de zé-prego e diferem das fêmeas pela cauda mais grossa e pelas manchas amarelo-gema na cabeça. As fêmeas desta espécie podem ser maiores que 50 cm de comprimento e pesar 12,5 kg. Esta espécie desova em uma variedade de ambientes como praias e barrancos de rio. Os ninhos são cavados tanto na areia quanto na argila ou em uma mistura de terra com restos de plantas. Uma fêmea pode desovar até duas vezes por ano e põe entre 5 e 54 ovos alongados e de casca dura. Os fi lhotes nascem depois de um período que varia de 48 a 89 dias.

Pitiú ou Iaçá - Podocnemis sextuberculata

As fêmeas desta espécie são maiores do que os machos, medindo até 34 cm de comprimento da carapaça e pesando até 3,5 kg. As fêmeas nadam desde a fl oresta alagada até as praias de rios e lagos onde cavam seus ninhos na areia. Cada fêmea pode desovar até três vezes por ano. O número de ovos por ninho varia de 6 a 39. Os ovos são alongados e de casca mole. Os fi lhotes demoram de 48 a 77 dias para sair do ovo. Os fi lhotes têm seis pequenas “quilhas” no seu peito quando nascem. Os adultos não possuem essas quilhas.

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Irapuca - Podocnemis erythrocephala

Esta espécie vive principalmente em rios de água preta. Os machos e os fi lhotes têm manchas vermelhas na cabeça e na borda da carapaça. As fêmeas chegam a medir 32 cm e a pesar mais de 2 kg. As fêmeas desovam em praias, campinas e às vezes em barrancos com argila. Os ovos são alongados e de casca dura, pouco fl exíveis. O número de ovos em um ninho varia de 2 a 16. Uma fêmea pode pôr até quatro ninhos em uma mesma estação de desova. Os fi lhotes nascem de 62 a 87 dias.

Primeiro passo: mobilização

O trabalho de conservação de quelônios é muito difícil para uma pessoa só. Portanto, é muito importante que a comunidade esteja de acordo e que todos participem da proteção dos ni- nhos. Uma boa ideia é compartilhar o interesse e a responsabilidade deste trabalho com lideranças comunitárias, associações, instituições e o Poder Público local. A forma de trabalho e as regras a serem utilizadas na proteção das áreas de desova devem ser decididas em reuniões com todos os interessados.

121 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

O que deve ser decidido nas reuniões

Quais áreas serão protegidas? Quem serão os agentes de praia que farão a proteção dos ninhos? O que pode e o que não pode ser feito nas áreas de desova (todos devem concordar e respeitar essas regras)? A função de cada parceiro no trabalho de proteção.

O agente de praia Escolhido nas reuniões, o agente de O agente de praia não é um fi scal. Por- praia é a pessoa responsável diretamente pelo tanto, sua atividade deve ser apenas o monitora- sucesso do programa de proteção de áreas de mento, a educação e a sensibilização ambiental. desova. Cabe a ele: 1) Vigiar a área protegida desde a de- sova até o nascimento e soltura dos fi lhotes, não permitindo a co- leta de ovos ou de fêmeas adultas; 2) Zelar pela limpeza e tranquilidade da área protegida, impedindo que embarcações ou atividades recre- ativas atrapalhem o sossego das fêmeas que vieram desovar; 3) Proteger os ninhos contra preda- dores naturais; 4) Transplantar os ninhos que esti- verem em área de risco de roubo, predação ou alagamento; 5) Anotar, todos os dias, as informa- ções sobre o número de ninhos naturais e transplantados, ovos e fi lhotes, nas fi chas de campo.

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Preparação da área de desova

Antes da desova, a área deve ser limpa, caso haja lixo. Também deve ser construído tapiri ou montado o acampamento onde o agente de praia irá trabalhar. O ideal é que haja a participação de toda a comunidade nesta etapa.

Monitoramento dos ninhos

Durante os meses de desova, o agente de praia deve percorrer a área protegi- da, todos os dias, procurando os ninhos cons- truídos na noite anterior. Os ninhos devem ser identifi cados com uma estaca onde será escrito: a espécie (se é pitiú, tracajá, tartaru- ga ou irapuca); o número do ninho, a data da desova. Essas informações devem ser anota- das, também, na fi cha de campo.

123 Manejo conservacionista e monitoramento populacional de quelônios amazônicos

Proteção dos ninhos

Os ninhos podem ser protegidos individualmente ou em grupos. Para proteger um ninho, pode-se utilizar uma moldura de madeira com uma tela na parte de cima. Se houver muitos ninhos juntos, numa área pequena, esta pode ser cercada com uma tela de arame ou de plástico.

Transferência dos ninhos

A transferência ou transplante dos ninhos deve ser feita apenas se eles estiverem ameçados por roubo ou por alagamento. É melhor transferir logo que ele tenha sido posto, sempre com muito cuidado. Nunca se deve agitar ou bater os ovos, pois isso pode matar o embrião. Os ovos podem ser transportados em baldes ou caixas de isopor.

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O ninho

O ninho de um quelônio geralmente possui uma saída mais estreita, inclinada, que desce até a câmara de ovos, mais larga e alta. A fêmea deixa sempre um espaço entre os ovos e a parede do ninho, para que os embriões não sejam amassados quando os ovos crescerem e absorverem umidade. Sem esse espaço pode haver má formação ou morte de embriões.

Ninhos transferidos

Na hora de enterrar os ovos novamente, é preciso cavar um ninho parecido com o ninho que foi retirado, de preferência em uma praia de areia. A profundidade do ninho varia entre as espé- cies e pode ser medida na hora em que os ovos são retirados do ninho original, fazendo uma marca em uma vareta.

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Nascimento Soltura

O tempo que demora entre a desova e A cerimônia de soltura dos fi lhotes a saída dos fi lhotes dos ninhos pode variar de 40 também é uma etapa importante do trabalho. a mais de 70 dias para espécies diferentes. Por- Serve para comemorar o sucesso da proteção e tanto, 40 dias depois da postura é importante promover a integração de todas as pessoas, co- que o agente de praia monitore os ninhos para munidades e entidade envolvidas. Os fi lhotes a verifi car se os fi lhotes já nasceram. serem soltos podem ser aqueles que nasceram fracos em seus ninhos e foram recuperados Após o nascimento, o ninho deve ser pelo agente de praia. aberto e os fi lhotes vivos, mortos e os ovos go- rados contados. Essas informações e a data do nascimento precisam ser registradas na planilha de controle do agente. Se os fi lhotes não tiverem absorvido completamente o vitelo e cicatrizado o umbigo, podem ser mantidos ainda dentro do ninho. De- pois de cicatrizado o umbigo, eles podem ser soltos.

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Avaliação

Tão importante quanto reunir as comunidades e entidades que colaboram com o trabalho de proteção de desova é fazer uma reunião para avaliar o trabalho. É importante que os pontos po- sitivos e negativos sejam discutidos com todos, para que a proteção de ninhos melhore a cada ano.

128 Anexo 4 Fichas de campo

FICHA DE CAMPO BIOLOGIA REPRODUTIVA

MUNICÍPIO: ESTADO:

ANO: UNIDADE DE CONSERVAÇÃO:

ÁREA DO PROJETO: RIO:

ESPÉCIE: PRAIA OU SÍTIO REPRODUTIVO:

COORDENADAS DA ÁREA DE DESOVA:

Observações (indicar o predador principal de Destino ninho Nº ovos Nº Data Data Marcação da Data Nº filhotes Nº filhotes Nº total ovos e/ou filhotes, a razão da transferência (nome/coorde- Dados do ninho Biometria da matriz inviá- ninho postura transf. matriz eclosão vivos mortos ovos de ninhos, alteração corporal (matrizes e/ou nadas) veis filhotes etc.) - - Tipo (cm) digo) ça (cm) (registro/có d´água (cm) Peso (grama) Profund. (cm) Altura da linha Comp. Carapa Larg. Carapaça Coleta amostra Registro/código

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FICHA DE CAMPO CONTROLE DO BERÇÁRIO (OU VIVEIRO)

MUNICÍPIO: ESTADO:

ANO: UNIDADE DE CONSERVAÇÃO:

ÁREA DO PROJETO: RIO:

ESPÉCIE: RESPONSÁVEL:

LOCAL DE INSTALAÇÃO DO BERÇÁRIO (COORDENADAS):

DESCRIÇÃO DO BERÇÁRIO (DIMENSÕES E CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS):

DESCRIÇÃO DO TRATAMENTO DADO AOS FILHOTES (ALIMENTAÇÃO, RENOVAÇÃO DE ÁGUA, DENSIDADE DE FILHOTES ETC.):

Local de destinação Nº de filhotes Data da Nº de filhotes Local de origem Data da entrada dos filhotes mortos soltura (coordenadas)

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FICHA DE CAMPO DADOS AMBIENTAIS (NÍVEL D’ÁGUA, TEMPERATURA E UMIDADE RELATIVA DO AMBIENTE)

MUNICÍPIO: ESTADO:

ANO: UNIDADE DE CONSERVAÇÃO:

ÁREA DO PROJETO: RIO:

ESPÉCIE: RESPONSÁVEL:

DESCRIÇÃO E COORDENADAS DO LOCAL DE INSTALAÇÃO DA RÉGUA D’ÁGUA:

Temp. Máx Temp. Mín Umid. Máx Umid. Mín Data Nível d’água (°C) (°C) (%) (%)

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FICHA DE CAMPO MARCAÇÃO E BIOMETRIA DE FILHOTES

MUNICÍPIO: ESTADO:

ANO: UNIDADE DE CONSERVAÇÃO:

ÁREA DO PROJETO: RIO:

ESPÉCIE: RESPONSÁVEL:

Observações (descrever alteração Marcação do filhote Coleta Biometria corporal, origem do ninho, se natural Nº do amostra ou transferido etc.) ninho (registro/ Compr. Registro/ Peso Tipo Código Carapaça Código (grama) (cm)

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