UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM LETRAS

KELLY SHEILA INOCÊNCIO COSTA AIRES

DOS CONTOS DE FADAS ÀS PEÇAS DE MARIA CLARA

MACHADO: ENTRE PERGAMINHOS, PALIMPSESTOS E A SALA

DE AULA

JOÃO PESSOA 2010 KELLY SHEILA INOCÊNCIO COSTA AIRES

DOS CONTOS DE FADAS ÀS PEÇAS DE MARIA CLARA MACHADO: ENTRE

PERGAMINHOS, PALIMPSESTOS E A SALA DE AULA

Tese apresentada para a obtenção do Título de Doutor, na Universidade Federal da Paraíba, na área de Linguagem e Ensino, sob a orientação da Profa. Dra. Ana Cristina Marinho Lúcio.

JOÃO PESSOA 2010 A298d Aires, Kelly Sheila Inocêncio Costa. Dos contos de fadas às peças de Maria Clara Machado: entre pergaminhos, palimpsestos e a sala de aula / Kelly Sheila Inocêncio Costa Aires.- João Pessoa, 2010. 223 f.

Orientadora: Profª. Drª. Ana Cristina Marinho Lúcio. Tese (Doutorado) – UFPB/CCHL

1. Maria Clara Machado. 2. Textos Dramáticos. 3. Contos de Fadas. 4. Adaptações e Sala de Aula. I. Título.

UFPB/BC CDU:81(043)

Kelly Sheila Inocêncio C. Aires

DOS CONTOS DE FADAS ÀS PEÇAS DE MARIA CLARA MACHADO: ENTRE PERGAMINHOS, PALIMPSESTOS E A SALA DE AULA

Tese apresentada para a obtenção do Título de Doutor em Letras, na área de Linguagem e Ensino, pela Universidade Federal da Paraíba.

Aprovada em ______de ______de ______.

Banca examinadora

______Profa Dra Ana Cristina M. Lúcio - UFPB (Orientadora)

______Profa Dra Vera Texeira de Aguiar (Examinadora externa)

______Prof Dr José Hélder Pinheiro Alves (Examinador interno)

______Profa Dra Maria Marta dos Santos Nóbrega (Examinadora externa)

______Profa Dra Maria Angélica de Oliveira (Examinadora interna)

______Profa Dra Márcia Tavares Silva (Examinadora externa)

______Profa Dra Liane Schneider (Examinadora interna) Ao meu esposo, minha filha e minha avó, por terem sido meus pilares ao longo dessa jornada. AGRADECIMENTO

Agradeço ao Tablado, em especial a Cacá Mourthè e a Silvinha, pela gentileza e atenção prestada durante os dias em que visitei aquele espaço, disponibilizando todo o acervo de Maria Clara Machado que dispunham no teatro e na Fundação Casa de Ruy Barbosa.

À Fundação Casa de Ruy Barbosa, principalmente a Massi, por ter intermediado a minha visita, e a todos os funcionários que me ajudaram a pesquisar o acervo de Maria Clara Machado durante o período em que estive lá.

Ao IFPB, especialmente ao professor Cícero Nicácio, pelo apoio e pela compreensão durante todo o período de pesquisa do doutorado.

À UFMG pela presteza e generosidade ao disponibilizar os capítulos traduzidos da teoria do Palimpsesto, de Gèrard Genette, antes de terem sido publicados.

À minha orientadora, Ana Cristina, que com sua generosidade e paciência, caminhou ao meu lado o tempo todo durante esta jornada, tornando-se uma amiga desde o mestrado, que me aconselhou na vida acadêmica e pessoal.

Ao meu esposo, por ter me apoiado com muito amor, dedicação e paciência durante todo esse período cheio de tribulações e mudanças, sustentando-me em seus braços e me dando forças para continuar em todos os momentos em que pensei em desistir.

À minha filha, Clara, o maior presente que recebi da vida, por ter chegado quase no fim desta jornada para clarear o meu caminho e me dar mais equilíbrio, serenidade e maturidade para concluí-la.

À minha avó que criou sozinha os filhos e, não contente, ainda arrastou os netos e a bisneta para debaixo de suas asas, cuidando de Clara durante a maior parte do tempo em que tive de me ausentar para estudar. Por isso e por tudo, ela ainda continua sendo a principal responsável por tudo que conquistei na vida.

A Hélder Pinheiro, um professor cearense de voz mansa que faz todos os seus alunos se apaixonarem por poesia e debandarem para a literatura para desespero dos linguistas. Embora ele não seja ainda pai biológico, é pai acadêmico de muitos, inclusive meu, a quem, mesmo que reencarnasse várias vezes, jamais conseguiria retribuir o que fez por mim desde a graduação.

A Marise, por ter me dado um material precioso sobre o Tablado e ter me orientado durante a viagem ao , sendo uma anfitriã prestativa e generosa.

Às minhas amigas e irmãs do coração, Lúcia que esteve sempre presente ao longo de 20 anos de amizade; e Andréa que sempre se preocupou comigo, dando-me “empurrões” fundamentais.

Enfim, agradeço a todos que direta ou indiretamente contribuíram para que atingisse mais essa meta na minha vida acadêmica. Fazer da criatividade o nosso pão de cada dia.

Maria Clara Machado DOS CONTOS DE FADAS ÀS PEÇAS DE MARIA CLARA MACHADO: ENTRE PERGAMINHOS, PALIMPSESTOS E A SALA DE AULA

RESUMO

Abordamos, no presente trabalho, o Teatro Infantil, a trajetória de Maria Clara Machado e as peças O Chapeuzinho Vermelho, A Gata Borralheira e O Gato de Botas, que foram adaptadas a partir de contos de fadas clássicos. Também estendemos a nossa pesquisa ao campo do ensino, direcionando nossas propostas metodológicas para o público infantil do Ensino Fundamental (do 3◦ ao 5◦ ano). A experiência foi realizada com docentes da rede pública (estadual e municipal) da cidade de Areial - PB, no ano de 2008, por acreditarmos que atingiríamos um número maior de alunos e contribuiríamos para melhorar a formação desses profissionais. Antes da realização do curso de formação de professores, experimentamos tais sugestões em duas turmas do 2° ano do Ensino Técnico de Informática e Mineração, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, campus de Campina Grande, para podermos ter uma dimensão não apenas teórica, mas prática, no intuito de testá-las e, posteriormente, dividir esta experiência com os docentes. A tese foi dividida em três partes: no primeiro capítulo, NO PALCO DE MARIA CLARA MACHADO, traçamos o percurso do Teatro Infantil no Brasil e em alguns países; bem como a trajetória de Maria Clara Machado como dramaturga e educadora, esboçando a sua visão no tocante ao processo de criação artística, ao seu método de trabalho nos palcos e à Educação. No segundo capítulo, A “ALQUIMIA” DE MARIA CLARA MACHADO, analisamos três peças – O Chapeuzinho Vermelho, A Gata Borralheira e O Gato de Botas, com o objetivo de observar como ocorreu o processo de adaptação dos contos homônimos realizado pela autora na construção delas. Para isso, recorremos, principalmente, à teoria do Palimpsesto, de Gerard Genette (1982), que discute mais profundamente as operações de transformação e de imitação em textos narrativos e dramáticos adaptados. No último capítulo, ABRA-CADABRA! ABRAM-SE AS PORTAS PARA A DRAMATURGIA NA ESCOLA, relatamos a experiência didática realizada com a peça O Chapeuzinho Vermelho e algumas versões do conto homônimo com alunos do Ensino Técnico Integrado de Informática e Mineração, do Instituto Federal de Ciência, Cultura e Educação, campus de Campina Grande; e, posteriormente, com docentes da Rede Pública do Município de Areial – PB, por meio de um curso de formação de professores. Por fim, refletimos sobre o Teatro Infantil, com a intenção de apontar para a contribuição dada por Maria Clara Machado ao Teatro Brasileiro, em especial, como a mais importante dramaturga brasileira. Mostramos um pouco de uma face nova da autora – a de educadora, a qual, ao passo que nos surpreendia, ensinava-nos mais sobre a educação de crianças. Assim, por meio das propostas sugeridas e das experiências relatadas, esperamos contribuir para que a escola abra as suas portas para o texto dramático, não apenas para encená-lo, mas lê-lo como literatura.

Palavras-chave: Maria Clara Machado, textos dramáticos, contos de fadas, adaptações e sala de aula. ABSTRACT

We analyze, in this research, the infantile theater, the trajectory of Maria Clara Machado and the plays: Little Red Riding Hood, Cinderella, and Puss in Boots, that were adapted from classic fairy tales. This research also embraces the teaching area, focusing on methodological purposes to children from Elementary School (from 3rd to 5th year). The experience was accomplished with teachers of public schools (municipal and state), in the city of Areial – PB, in 2008, because we believed that we would reach a bigger number of students and we would contribute to improve the training of these professionals. Before the accomplishment of the teacher training course, we experienced such suggestions in two 2nd year classes of a Mining Technical Course, in the Federal Institute of Education, Science and Technology of Paraiba, campus Campina Grande, so we could have a dimension, not only theoretical, but also practical, in order to test them and, afterword, share this experience with the teachers. The thesis was divided into three parts: in the first chapter, ON THE STAGE OF MARIA CLARA MACHADO, we talked about the Infantile Theater in and in some other countries; as well as Maria Clara Machado’s trajectory as dramatist and educator, showing her point of view related to the process of artistic creation, her method of work on stages and the education. In the second chapter, “THE ‘ALCHEMY’ OF MARIA CLARA MACHADO”, we analyze three plays: Little Red Riding Hood, Cinderella and Puss in Boot, aiming at observing how the process of adaptation, by the author, in homonymous tales happened. Due to this, we used, mainly, the Palimpsest theory, by Gerard Genette (1982), that deeply discusses the operations of transformation and imitation in narrative texts and adapted dramatic texts. In the last chapter, ABRA-CADABRA, OPEN THE DOORS TO THE DRAMATURGY SCHOOL, we reported the didactics experience done with the play Little Red Riding Hood, and some versions of the homonymous tale with students of Mining Technical Course, in the Federal Institute of Education, Science and Technology of Paraiba, campus Campina Grande, and, afterword, with teachers from Municipal Public School in Areial – PB, through a teacher training course. At last, we reflect about the Infantile Theater in order to show the contribution given by Maria Clara Machado to the Brazilian Theater, especially as the most important Brazilian dramatist. We showed a little about a new characteristic of this author – an educator, that, as she impressed us, taught us more about the education of children. Thus, through the suggested purposes and related experiences, we expect to contribute to the school opens its doors to the dramatic text, not only to stage it, but to read it as literature.

Keywords: Maria Clara Machado, dramatic texts, fairy tales, adaptations, and classroom RÉSUMÉ

L’approche de ce travail, c’est le théâtre infantile, la trajectoire de Maria Clara Machado et les pièces le Petit Chaperon Rouge, la Cendrillon et le Chat Botté, qui ont été adaptées à partir de contes de fées classiques. Nous avons étendu aussi notre recherche au domaine de l'enseignement, en dirigeant nos propositions méthodologiques chez le public infantile de l’Enseignement Fondamental (de la 3a à la 5a année). L'expérience a été accomplie avec des enseignants de l’école publique (de l'état et de la municipalité) de la ville d'Areial - Pb, en 2008, car nous croyons que nous atteindrions un plus grand nombre d'apprenants et nous contribuerions pour améliorer la formation de ces professionnels. Avant la réalisation du cours de formation d'enseignants, nous essayons ces propositions dans deux classes de la 2e année du cours de l’ Enseignement Technique d'Informatique et Minéralisation, à l'Institut Fédéral d'Éducation, Science et Technologie de Paraíba, campus de Campina Grande, pour avoir une dimension non seulement théorique, mais pratique, avec le but de les essayer et, ultérieurement, repasser cette expérience aux enseignants. La thèse est divisée en trois parties: au premier chapitre, SUR SCÈNE DE MARIA CLARA MACHADO, nous traçons le parcours du Théâtre Infantile au Brésil et dans quelques pays; ainsi que la trajectoire de Maria Clara Machado comme dramaturge et éducatrice, en montrant sa vision quant à la démarche de création artistique, à sa méthode de travail en scène et à l’Éducation. Au deuxième chapitre, l'«ALCHIMIE» DE MARIA CLARA MACHADO, nous analysons trois pièces - le Petit Chaperon Rouge, la Cendrillon et le Chat Botté, avec l'objectif d'observer comme s'est donné le processus d'adaptation des contes homonymes réalisé par l'écrivaine dans la construction des pièces. Pour cela, nous faisons rappel, principalement, à la théorie du Palimpseste, de Gerard Genette (1982), qui dialogue plus profondément avec les opérations de transformation et de reproducution dans des textes narratifs et dramatiques arrangés. Au dernier chapitre, « ABRACADABRA!» OUVREZ LES PORTES POUR LA DRAMATURGIE DANS l'ÉCOLE, nous montrons l'expérience didactique réalisée avec la pièce le Petit Chaperon Rouge et quelques versions du conte homonyme avec les apprenants du cours de l’Enseignement Technique Intégré d'Informatique et Minéralisation, de l'Institut Fédéral de Science, de Culture et d'Éducation, campus de Campina Grande; et, après, avec les enseignants de l’École Publique de la communauté d’Areial - Pb, à travers un cours de formation d'enseignants. Finalement, nous refléchissons sur le Théâtre Infantile, avec l'intention de signaler la contribution donnée par Maria Clara Machado au Théâtre Brésilien, en particulier, étant la plus importante dramaturge brésilienne. Nous montrons un peu l’autre face de l'écrivaine - celle d'éducatrice, au pas, qu’elle nous surprenait et nous apprenait en plus sur l'éducation d'enfants. Ainsi, au moyen des propositions suggérées et des expériences dites, nous esperons contribuer pour que l'école ouvre ses portes pour le texte dramatique, non seulement le mettre en scène, mais le lire tant que littérature.

Mots-clés: Maria Clara Machado, textes dramatiques, contes de fées, adaptations et salle de cours. SUMÁRIO

ABRINDO AS CORTINAS...... 14

CAPÍTULO I – NO PALCO DE MARIA CLARA MACHADO...... 17 1. Em cena: o Teatro Infantil...... 18 1.1 O boom do Teatro Infantil...... 34 2. Na coxia com Maria Clara Machado...... 36 3. Sob o “mistério” da criação artística...... 48 3.1 Pode haver poeticidade no texto dramático?...... 58 3.2 O método “Clarislavski”...... 62 4. A educadora: esboço de um olhar...... 63

CAPÍTULO II – A “ALQUIMIA” DE MARIA CLARA MACHADO: DO SÉRIO AO CÔMICO...... 72 1. O percurso histórico dos contos em um “passe de mágica”...... 74 2. Havia uma adaptação no meio do caminho?...... 76 3. Os palimpsestos de Maria Clara Machado: a arte de transformar pergaminhos...... 89 3.1 Do sério ao cômico...... 102 3.1.1 A marca do riso de zombaria no travestimento dos palimpsestos...... 105 3.2 A transposição como processo de transformação hipertextual...... 114 3.3 Dos contos às peças: o processo de transmodalização na dramatização das narrativas...... …115 4. Encerrando a brincadeira do encolhe, estica e puxa...... 129

CAPÍTULO III – ABRA-CADABRA! ABRAM-SE AS PORTAS PARA A LEITURA DE TEXTOS DRAMÁTICOS NA ESCOLA...... ……………132 1. Pelo texto dramático...... 133 2. Experiência com o texto dramático no IFPB...... 136 3. Chapeuzinho Vermelho para adolescentes...... 144 4. Curso de Formação de Professores...... 157 4.1. Avaliação do curso: entre pontos positivos, negativos e sugestões...... 190 4.2. Diários de leitura: tecendo experiências...... 194 5. De volta ao ponto de partida...... 201 E FORAM FELIZES PARA SEMPRE?...... 205 BIBLIOGRAFIA...... 209 APÊNDICE...... 223 14

ABRINDO AS CORTINAS...

A Dramaturgia Infantil Brasileira é um campo rico, composto de peças bem elaboradas esteticamente por vários autores, como Maria Clara Machado, Sylvia Orthof e , contudo ainda carece de pesquisas. Em relação especificamente à obra dramatúrgica de Maria Clara Machado, embora seja ampla e muito premiada por sua qualidade, sobretudo, estética, destacando-se no cenário do Teatro Infantil nacional e internacional, também foi pouco estudada desde o seu surgimento na década de 1950. Dentre os estudos mais completos e aprofundados acerca da produção da dramaturga, está a tese de Cláudia de Arruda Campos, publicada com o título Maria Clara Machado, em 1998, pela editora da Universidade de São Paulo. Nesse trabalho, Campos mostra como a dramaturga se tornou uma referência para o teatro brasileiro, contextualiza o seu teatro infantil, analisa várias peças e, simultaneamente, relata a história do Tablado. Há, também, duas pesquisas mais antigas sobre a obra da autora, realizadas na década de 1980: a tese de doutorado em Linguística intitulada O teatro Infantil de Maria Clara Machado: estruturas narrativas e discursivas (1981), de Hercília Tavares de Miranda Pereira, da Universidade de São Paulo; e a dissertação de mestrado O mito poético em Maria Clara Machado (1986), de Denise Moreira de Sousa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Por último, durante essa busca, deparamo-nos com a tese intitulada O tablado - mais de meio século de teatro e educação: História-memória. A chave para a perenidade do mais duradouro grupo teatral do Brasil, de Raquel Vaserstein Gorayeb, defendida em 2004, na Faculdade de Educação, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que conta a história do teatro de Maria Clara Machado e como este sobreviveu ao longo do tempo mesmo após a morte de sua fundadora. Enfim, procuramos pesquisas a respeito da produção artística de Maria Clara Machado em várias universidades brasileiras, mas não encontramos outras além das supracitadas. É evidente que a dramaturgia de Maria Clara Machado, tendo em vista a grandeza e a qualidade indiscutível da sua obra, ainda não foi estudada suficientemente, de modo a esgotar várias possibilidades de compreensão e interpretação cabíveis ao menos no campo em que está inserida. A partir dessas constatações, justifica-se a elaboração de estudos detidos no âmbito da dramaturgia infantil, especialmente no tocante à sua obra, que contribuam para o enriquecimento da fortuna crítica da escritora. Por essa razão, realizamos uma pesquisa acerca do teatro infantil e da trajetória da 15 dramaturga, bem como das peças O Chapeuzinho Vermelho, A Gata Borralheira e O Gato de Botas, que foram adaptadas a partir de contos de fadas clássicos, escolhendo as versões dos contos homônimos de Perrault e dos Irmãos Grimm, com tradução realizada por ela e por Monteiro Lobato. O nosso objetivo, também, foi estender a pesquisa ao campo do ensino, que tem excluído a dramaturgia de forma que o texto dramático está quase ausente da escola. Direcionamos, dessa maneira, as propostas para o público infantil do Ensino Fundamental (do 3◦ ao 5◦ ano), pelo fato de já dominarem ao menos a técnica de leitura (decodificação), para facilitar o trabalho com o texto dramático em suas especificidades e como objeto literário sem ter de ser, necessariamente, encenado. Portanto, a finalidade de tais propostas não foi de modo nenhum a de formar atores nem dramaturgos, mas contribuir para que alunos de escola pública, os quais geralmente não têm acesso à dramaturgia, possam descobri-la. A experiência foi realizada com docentes da rede pública (estadual e municipal) da cidade de Areial, Paraíba, no ano de 2008, por acreditarmos que, assim, atingiríamos um número maior de alunos e contribuiríamos para melhorar a formação destes profissionais. Antes da realização do curso de formação de professores, experimentamos tais sugestões metodológicas em duas turmas do 2° ano do Ensino Técnico de Informática e Mineração, no Instituto Federal de Educação, Cultura e Tecnologia da Paraíba (antigo CEFET), campus de Campina Grande, para podermos ter uma dimensão não apenas teórica, mas prática, no intuito de tentar “aperfeiçoá-las” e dividir esta experiência com os docentes. Por fim, em 2009, enviamos um questionário para os professores, com o objetivo de sondar se durante este período eles realizaram alguma das experiências sugeridas durante o curso de formação e saber se este havia dado os frutos esperados. No primeiro capítulo, NO PALCO DE MARIA CLARA MACHADO, traçamos o percurso do Teatro Infantil no Brasil e em outros países; bem como a trajetória de Maria Clara Machado como dramaturga, diretora e, principalmente, educadora. Assim, esboçamos a visão da escritora no tocante ao processo de criação artística e ao seu método de trabalho nos palcos, bem como a sua concepção de educação, a partir das informações colhidas, especialmente, no seu acervo, que se encontra na Fundação Casa de Rui Barbosa. No segundo capítulo, A “ALQUIMIA” DE MARIA CLARA MACHADO: DO SÉRIO AO CÔMICO, analisamos três peças – O Chapeuzinho Vermelho, A Gata Borralheira e O Gato de Botas, com o objetivo de observar como ocorreu o 16 processo de adaptação dos contos homônimos realizado pela autora na construção delas. Para isso, recorremos, principalmente, à teoria do Palimpsesto, de Gérard Genette (1982), a qual discute mais profundamente as operações de transformação e de imitação em textos narrativos e dramáticos adaptados. No último capítulo, ABRA-CADABRA! LEITURA DE TEXTOS DRAMÁTICOS NA ESCOLA, relatamos a experiência didática realizada com a peça O Chapeuzinho Vermelho e algumas versões do conto homônimo com alunos do Ensino Técnico Integrado de Informática e Mineração, do Instituto Federal de Educação, Cultura e Tecnologia da Paraíba, campus de Campina Grande, bem como com docentes da Rede Pública do Município de Areial – PB, por meio de um curso de formação de professores. Por fim, na presente tese, refletimos um pouco sobre o Teatro Infantil e sobre a contribuição dada por Maria Clara Machado ao Teatro Brasileiro como a mais importante dramaturga brasileira. Também, mostramos uma face nova da autora – a de educadora, a qual, ao passo que nos surpreendia, ensinava-nos mais, principalmente, sobre a educação de crianças. E, ainda, por meio das propostas sugeridas e das experiências relatadas, esperamos contribuir para que a escola abra as suas portas para o texto dramático, não apenas para encená-lo, mas lê-lo como objeto da literatura. 17

CAPÍTULO I

NO PALCO DE MARIA CLARA MACHADO

Talvez o faz-de-conta, a brincadeira, me descanse da mediocridade da vida que nos rodeia e da seriedade como ela deve ser vivida.

Maria Clara Machado 18

1. Em cena: o Teatro Infantil

Como ponto de partida para este estudo, escolhemos percorrer a trajetória do Teatro Infantil desde o seu nascimento até os dias atuais no Brasil e em alguns países que se destacaram por terem participado, efetivamente, do desenvolvimento dessa arte. Depois, mergulharemos no Teatro Infantil de Maria Clara Machado, com o objetivo de visualizarmos como esse teatro foi sendo construído ao longo do tempo e a importância da dramaturga neste cenário. Para isso, consideramos indispensável conhecer os principais fatos e movimentos que marcaram essa manifestação artística, sob a ótica de alguns estudiosos da área. Primeiro, remontamos ao jogo dramático, o embrião do teatro, uma vez que ele é a base do teatro, sendo definido, de acordo com Fernando Lomardo (1994, p. 10), como “qualquer ação em que se vivencie uma experiência imaginária”, cuja origem se perde no tempo e se confunde com o surgimento da linguagem e da cultura. Muitos estudiosos afirmam que o jogo está presente na vida do homem desde o seu surgimento, visto que, na tentativa de descobrir a sua origem e a do Universo, ele sempre brincou. Conforme Huizinga (1980, p.7), ao tentar “distinguir as coisas, defini-las e constatá-las, em resumo designá-las”, criando os mitos, que resvalavam entre o espírito divino e “um espírito fantasista que joga no extremo limite entre a brincadeira e a seriedade”, o ser humano jogou com a linguagem, a matéria e o pensamento, para compreender e explicar a si, a natureza e o mundo. Nesse sentido, o pesquisador afirma que o jogo é mais antigo que a cultura e que os animais também brincam como os homens, de modo que nas suas brincadeiras se encontram todos os elementos essenciais do jogo humano, ou seja, uns convidam os outros para brincar por meio de um ritual de gestos e atitudes, respeitam as regras (por exemplo, cachorrinhos brincando não mordem com violência a orelha dos outros) e, principalmente, eles se divertem e sentem muito prazer. Assim, essa atividade não é apenas um fenômeno puramente fisiológico, biológico ou psicológico, pois encerra um sentido que transcende às necessidades imediatas da vida, implicando “a presença de um elemento não material em sua própria essência”. Este elemento é chamado de “instinto”, de “espírito” ou de “vontade” (HUIZINGA, 1980, p.4). Huizinga aponta como características do jogo: a liberdade, a evasão da vida real, o isolamento, a limitação e a ordem, definindo-o com as palavras a seguir: 19

(o) jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da “vida cotidiana” (HUIZINGA, 1980, p.33).

É interessante observar que, conforme essa concepção, a mola propulsora do jogo é a vontade dos jogadores e pressupõe um acordo obrigatório entre eles, mesmo não dependendo do raciocínio, já que animais irracionais também o realizam instintivamente. Assim, todos os seres necessitam fugir da realidade corriqueira do dia a dia, por meio da brincadeira, como uma forma de descansar e dissipar as tensões, alegrando-se. Por sua vez, Patrice Pavis (2003, p.219), especificamente no âmbito do teatro, define o jogo como a possibilidade de ser a própria atividade teatral, determinadas práticas educacionais (jogos dramáticos) coletivas ou um tipo de peça medieval, no sentido que era usado o termo Jeu (jogo) na França do século XII e XIII. Tal palavra em francês correspondia ao termo latino ludus, designação para representações litúrgicas, e ardo – “texto sagrado ‘ordenado em tiradas’”, isto é, aplicava-se a dramatizações de episódios bíblicos até o século XIII, quando começou a abordar temas profanos, “agrupando formas bastante diversas: féerie, parábola, revista satírica, patorela”. Ele atribui a seguinte definição de jogo a Huizinga1:

Sob o ângulo da forma pode-se [...] definir jogo como uma ação livre, sentida como fictícia e situada fora da vida comum, capaz, não obstante, de absorver totalmente o jogador; uma ação despida de qualquer interesse material e de qualquer utilidade; que se realiza num tempo e num espaço expressamente circunscritos, desenrola-se ordenadamente de acordo com determinadas regras e provoca, na vida, relações de grupos que se cercam voluntariamente de mistério ou que acentuam pelo disfarce sua estranheza diante do mundo habitual (HUIZINGA, apud PAVIS, 2003, p. 220).

Dessa forma, Pavis (2003) comenta o conceito supracitado, observando que a descrição do princípio lúdico, apresentada por Huizinga, poderia ser a do jogo teatral, pois compreende a ficção, a máscara, a cena delimitada e as convenções, de modo que

1 Pavis data a citação no ano de 1951. Na edição que utilizamos de Homo Ludens (1980), possivelmente por ser mais recente e ter sido traduzida por outro tradutor, a citação transcrita pelo crítico apresenta texto diferente, todavia preserva o mesmo sentido. Para conferir, deve-se ler o segundo parágrafo da página 16 do livro supracitado. Não iremos citá-la diretamente da fonte, porque o objetivo é distinguir jogo teatral de jogo dramático na perspectiva do dicionarista. 20 conduz a pensar “imediatamente no corte palco/platéia que separa radicalmente os intérpretes dos espectadores e que parece opor-se ao espírito do jogo” (PAVIS, 2003, p.220). Nessa perspectiva,

o jogo dramático visa tanto levar os participantes (de todas as idades) a tomarem consciência dos mecanismos fundamentais do teatro (personagem, convenção, dialética dos diálogos e situações, dinâmica dos grupos) quanto provocar uma certa libertação corporal e emotiva no jogo e, eventualmente, em seguida, na vida privada dos indivíduos (PAVIS, 2003, p.222).

Portanto, a diferença entre jogo teatral e jogo dramático consiste em o último não separar o palco da plateia, mas reunir ambos no grupo dos jogadores, que não são atores nem expectadores, para improvisarem coletivamente um tema anteriormente escolhido e/ou suscitado pela situação; ao contrário, o primeiro realiza esta separação, delimitando o papel de cada um, ou seja, o público apenas assiste ao jogo e não participa como jogador. Assim, o jogo dramático pode ser realizado por todos em qualquer lugar, o que não ocorre com o jogo teatral, como a própria locução adjetiva indica, é realizado em um palco, em um teatro. Logo, é importante distinguir um do outro, para percebermos que o jogo está presente na vida do homem de várias formas e em diversos espaços desde o seu surgimento na face da Terra. O teatro de bonecos surgiu muito tempo depois do jogo, uma vez que os seus registros mais antigos datam do século III, a.C., na China, onde era realizado por bonequeiros mambembes que apresentavam espetáculos domiciliares para famílias abastadas. Os bonecos, marionetes, fantoches e mamulengos constituem uma das manifestações de caráter teatral mais antiga do mundo (mais de 2.000 a.C.). Esse tipo de teatro só foi, especificamente, dirigido ao público infantil muito tempo depois, haja vista que uma arte voltada para criança não estava incluída na forma de viver (modus vivendi) das antigas sociedades. Outra invenção chinesa muito antiga é o teatro de sombras. Este teatro foi introduzido por Dominique Seráphin na França, em 1776, sendo considerado o primeiro espetáculo teatral formalmente infantil. Depois, espalhou-se pelo mundo, de forma que ainda hoje é realizado, inclusive, por companhias teatrais (LOMARDO, 1994, p.15). Após o teatro de bonecos, encontra-se a herança do teatro para crianças na commedia dell’arte (séculos XV e XVII), que surgiu na Itália. Esse tipo de teatro era formado por grupos de atores viajantes e profissionais que se ocupavam exclusivamente 21 do teatro, cujas apresentações eram feitas sobre palcos móveis em todos os lugares por onde passavam, de modo que viviam da contribuição espontânea da plateia. Os espetáculos eram realizados a partir de roteiros simples, não continham textos redigidos e eram desenvolvidos pelos atores em cena, que recorriam à habilidade cênica, atraindo especialmente os pequenos. Com o gradativo desaparecimento da commedia dell’arte, os seus arquétipos atravessaram séculos e, ainda, hoje são encontrados facilmente no teatro dirigido à criança. Ao longo do tempo, as personagens e os enredos foram absorvidos pelo teatro de bonecos que se espalhou na Europa a partir do século XVII (LOMARDO, 1994, p.11). Aos poucos, de acordo com Lomardo (1994), as experiências com teatro para crianças se multiplicaram. As poucas manifestações teatrais dirigidas a este público, até o século XX, restringiam-se quase, totalmente, ao teatro de formas animadas (bonecos e sombras), as únicas exceções eram as escassas experiências com teatro educativo de cunho moral, realizado pelos jesuítas e por outras congregações religiosas, em que o público infantil montava peças sob supervisão de adultos. Em função principalmente das propostas educacionais de Maria Montessori e John Dewey, no final do século XIX e início do posterior, a função pedagógica do teatro é considerada com mais cuidado. Elas postulavam

a noção do conhecimento como produto da ação, o reconhecimento da criança como um ser essencialmente ativo, a redução do tamanho do mobiliário escolar, enfim, toda uma atitude que resultava na observação cuidadosa das necessidades específicas da infância, considerada agora como um período importantíssimo na vida do ser humano (LOMARDO, 1994, p. 18).

A descoberta da infância2 mudou o olhar da sociedade sob a criança, de forma que, no âmbito teatral, observamos que houve, de fato, uma preocupação maior em abordar temas infantis, diferenciando o teatro infantil do teatro para adulto. Desde o início, houve o predomínio do teatro infantil com intenção pedagógica, de tal modo que o teatro com intenções artísticas, ao menos no Brasil, apenas se destacará na segunda

2 Philippe Ariès, em História Social da Criança e da Família, no artigo “A Descoberta da Infância”, afirma que o conceito de infância apenas é consolidado entre o século XVIII e a atualidade, quando a criança passa a ocupar o lugar central da família, tendo a sua figura relacionada à dos anjos e sendo considerada como ser puro e divino. Essa concepção foi sendo construída socialmente ao longo do tempo, de modo que começa a ser esboçada entre o século XIII e o XVIII, período em que a criança, ao ser confinada na instituição escolar sob a vigilância dos professores, é separada do mundo dos adultos, para que a sua inocência seja preservada. Antes, na Antiguidade, não havia distinção entre o mundo da criança e o do adulto, de tal forma que era concebida como um adulto em miniatura (ARIÈS, 2006, p.17-31). 22 metade do século XX, como veremos posteriormente. Por isso, durante muito tempo, priorizou-se o teatro educativo em detrimento do ludismo e, atualmente, quase dois séculos depois, essa postura ainda é encontrada nas escolas. Diante dessa realidade, consideramos importante definir as duas modalidades de teatro infantil – pedagógica e artística. A primeira modalidade tem a intenção de usar o teatro, mais especificamente a técnica teatral, como uma ferramenta para ensinar algo a um determinado público. Na escola, quando os professores sugerem uma atividade voltada para o teatro, geralmente no Ensino Fundamental, na maioria das vezes pedem para que o aluno escreva um texto sobre temas como higiene, cidadania, dentre outros, para, depois, encená-lo. Já o teatro de cunho artístico prioriza a arte e a estética, sem atrelá-lo a questões pragmáticas, no sentido de torná-lo apenas um pretexto para lições de moral e de bons costumes ou de qualquer outro tipo de lição. O objetivo, portanto, é apreciar e vivenciar o teatro em si de uma forma lúdica, especialmente, quando direcionado para crianças na condição de leitores, expectadores ou atores. De acordo com Lomardo (1994, p.19), sob a total supervisão e direção dos adultos, o teatro educativo permanecerá como a forma mais difundida do teatro infantil até o fim da Segunda Guerra Mundial, pois as outras iniciativas restringiam-se quase inteiramente ao teatro de bonecos, com exceção do Teatro da Criança, na União Soviética. Este teatro foi inaugurado em 1918 como a primeira companhia moderna de teatro para crianças, com atores e atrizes adultos representando sem a intermediação de bonecos. O Teatro da Criança tinha a finalidade principal de formar o cidadão socialista, por esse motivo funcionava orientado pelo espírito de excessivo rigor científico, o que era uma característica de grande parte da atividade cultural na Rússia pós- revolucionária. Após o Teatro da Criança, iniciativas semelhantes se difundiram em outros países, com o término da Segunda Guerra Mundial. Surgiram companhias dedicadas ao teatro para crianças na Europa, com o objetivo de oferecer a elas uma espécie de válvula de escape depois dos horrores da guerra, bem como convencer os educadores a reconhecerem a arte como um instrumento importante no processo educacional. Essas companhias imprimiram duas características novas ao teatro para crianças: “o aparecimento de uma dramaturgia especializada e a profissionalização das companhias” (LOMARDO, 1994, p.23-24). 23

Dessa forma, começou-se a enxergar o teatro com outros olhos, como arte, e não simplesmente como um pretexto para outros fins, que poderia ser realizado de qualquer forma, por pessoas despreparadas, por ser direcionado às crianças. Com a profissionalização das companhias e com a dramaturgia infantil especializada, o teatro infantil, finalmente, começa a ser considerado como uma atividade séria, que exigia estudo e dedicação por parte daqueles que decidiam realizá-la. Tanto com objetivo artístico quanto educativo, conforme Lomardo (1994, p.27- 28), o teatro infantil começou a despertar a atenção de um número crescente de pessoas, tornando-se objeto de interesse das autoridades. A UNESCO se encarregou da tarefa de incentivar e desenvolver esse tipo de teatro, organizando o Primeiro Congresso Internacional de Teatro Infantil, em Paris (1952), cujo intuito era promover uma discussão de âmbito internacional. Nessa direção, Cláudia de Arruda Campos (1998, p.47-48) acrescenta mais informações acerca dessa trajetória, as quais mostrarão o desenvolvimento desse movimento em países como Espanha e EUA. Ela afirma que a história do teatro infantil, na condição de teatro para crianças, inicia-se no século XX, precedido, para alguns, pelas pantomimas de Natal inglesas, que serão, possivelmente, as bases para os futuros espetáculos infantis. Em 1904, nasceu, como Pantomima de Natal, a obra Peter Pan, O Menino que não Queria Crescer, de James Barrie, um dos clássicos das produções para crianças. De fato, os primeiros passos dessa modalidade, de forma isolada e/ou intermitente, ocorrem até a Segunda Guerra Mundial, quando Jean Sterling organiza uma temporada para crianças, na Inglaterra, em 1914, porém a primeira companhia regular de teatro infantil britânica somente foi criada em 1927. Essa atividade, na França, apenas foi impulsionada por Leon Chancerel em 1933, com a criação do Théâtre de L’Oncle Sébastien. Por sua vez, na Espanha, esse movimento, de forma peculiar, surge em bases rigorosamente profissionais, sob a responsabilidade de Jacinto Benavente, um dramaturgo consagrado. Ele produz e estreia, em 20 de dezembro de 1909, uma peça original, El Príncipe que Todo lo Aprendío em los Libros (O Príncipe que Aprendeu Tudo nos Livros), como parte do projeto de criação de um Teatro das Crianças, ao contrário da maioria dos países que lançavam só adaptações de contos infantis. O autor foi ovacionado por um público de literatos e de gente de teatro, mas, segundo Campos, esqueceu exatamente das crianças no Teatro das Crianças. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, todas as atividades teatrais, mesmo as mais bem organizadas, são suspensas (CAMPOS, 1998, p.47-48). 24

A autora mostra que as origens do teatro infantil nos Estados Unidos estão relacionadas, claramente, a atividades de cunho educativo e social. Alguns espetáculos importantes para crianças – Peter Pan, O Pássaro Azul, Alice no País das Maravilhas, A Ilha do Tesouro – são montados na Broadway até a década de 1920, um período de grandes montagens infantis, que não se repetirá novamente, pois essa modalidade não era interessante para as companhias profissionais norte-americanas. Também, nesse período, grupos organizados a partir de universidades começam a difundir o teatro infantil norte-americano. Em 1936, o governo federal dos EUA lança um programa da Works Progress Administration (WPA), com o Federal Theatre Project, demonstrando interesse nesse sentido. Todavia, sob a alegação de suspeita de influência comunista, o projeto é dissolvido em 1939. Notoriamente, o teatro para crianças se expande e se enraíza de forma mais rápida e mais ampla no Leste europeu, como mostramos anteriormente. Diante de milhões de crianças órfãs ou abandonadas por causa de guerras, os programas soviéticos de resgate da infância incluíram a criação do Teatro da Criança. Essa experiência, conforme Campos (1998, p.51), “foi um misto de projeto artístico, educacional e de pesquisa científica, espécie de laboratório com o concurso de diversos especialistas, não só em artes, mas também em educação”. Na verdade, o objetivo principal era resgatar as crianças, por meio do teatro, afirmando valores cíveis, como evidenciou Lomardo (1994). Cláudia de Arruda Campos (1998) aponta que uma nova fase na história do teatro para crianças e jovens é inaugurada após a Segunda Guerra Mundial, de forma que se fixa definitivamente na maioria dos países ocidentais, multiplicando-se os encontros e congressos nacionais, regionais e internacionais. Na década de 1950, há a institucionalização do teatro infantil e a sua internacionalização é intensificada em 1965, quando é criada a Associação Internacional de Teatro para a Infância e a Juventude (ASSITEJ). Enfim, na Europa ou nos EUA, independentemente de meios e de qualidade, a preocupação educativa em vários graus é um ponto comum no teatro infantil realizado nestes países. Campos (1998, p.51) afirma que, na segunda metade do século XX, embora povoasse palcos de todo o mundo, o teatro infantil ainda não tinha alcançado um perfil definido, garantindo o seu reconhecimento como realização artística. Assim, na sua visão, o “pouco prestígio do teatro infantil é causa e conseqüência de sua indefinição”, de forma que não impôs uma marca própria que o destacasse do teatro em geral, 25 ocupando, na maioria das vezes, uma posição subsidiária por formar gosto e preparar plateias. Além disso, predomina, nessa modalidade, um sentido educativo sobre os ditames do fazer artístico, devido à especificidade do público e às concepções que alimentam a relação da sociedade com a criança. Nas últimas décadas do século XX, na opinião da estudiosa, os conceitos, particularmente, sobre as relações obra-público, devem ser revisados para que haja a possibilidade de se modificar os olhares sobre o teatro infantil. Ela comenta que tais alterações começam a partir dos anos de 1970, quando surgem os primeiros trabalhos acadêmicos sobre esse teatro, refletindo, por exemplo, sobre a sua história como movimento artístico, o seu espaço, a sua realidade e sugerindo novos caminhos. Em suma, é evidente que o cunho educativo é uma raiz antiga e profunda que caracteriza o teatro infantil desde a sua origem mais remota em todo o mundo, de forma que, hoje, é difícil se desvencilhar deste passado, que ainda influencia muitos dramaturgos e as expectativas da sociedade em geral no tocante às peças criadas para as crianças. Por essa razão, a maioria das pessoas sempre espera que esse tipo de teatro cumpra a função de transmitir ensinamentos, que julgam necessários para a formação do caráter da criança, por exemplo: ensinando noções de higiene, a ter bons modos, a proteger a natureza, a obedecer aos pais e a respeitar os mais velhos, dentre outros tipos de comportamentos. Desse modo, a arte perde espaço, para dar lugar a lições de moral, que são importantes e podem ser aplicadas em muitos momentos da vida da criança sem necessariamente ter de ser por meio do texto e do espetáculo teatral, os quais, neste caso, são usados como um simples pretexto para veicular tais ensinamentos, empobrecendo-os como produção artística. Diante desse quadro, Maria Clara Machado defendia que a criança por ser criança não merece “qualquer coisa”. Portanto, é indispensável enxergar o teatro infantil como arte, a qual deve ser realizada com seriedade e com talento como qualquer outra atividade artística. De forma semelhante ao que ocorreu na Europa, conforme vários críticos, os indícios mais remotos do teatro infantil no Brasil se relacionam ao teatro de bonecos, que também não visava especificamente o público infantil. Distinguiam-se, assim, no século XVIII, três tipos de teatro de bonecos: os títeres de capote, os títeres de porta (ou janela) e os títeres de sala (ou ópera de títeres). Hoje, essa manifestação é mais rara, mas ainda existem bonequeiros ou pessoas que “botam boneco” em vários lugares, 26 especialmente, no Nordeste, por ser uma tradição também relacionada à cultura popular dessa região. Segundo Fernando Lomardo (1994, p.34-35), o teatro infantil não tem tradição no Brasil, apresenta uma produção tardia e escassa, haja vista que apenas no século XX é inaugurado o teatro escolar voltado para a criança com função pedagógica em detrimento da estética. A primeira publicação foi Teatrinho, de Coelho Netto e Olavo Bilac, em 1905, com a intenção de “consertar” os “desvios” na educação recebida pelas crianças na Escola, de forma que tal obra apresentava um caráter persuasivo e doutrinário. Somente no final da década de 1940 foi publicado o primeiro texto dramático direcionado ao público mirim sem intenção moralizante e pedagógica - O casaco Encantado, de Lúcia Benedetti (1948), um texto repleto de ações e de recursos cômicos. Ao excursionar por todo o Brasil com essa peça, que foi premiada como revelação do ano pela Academia Brasileira de Letras e pela crítica, os Artistas Unidos provocaram grande entusiasmo. Essa montagem foi o marco do teatro para crianças no país, indicando a passagem do amadorismo para o profissionalismo no teatro infantil. Simultaneamente, houve a disseminação de produções, a dramaturgia foi impulsionada, surgiram grupos especializados e o governo passou a apoiar esse teatro. Além da multiplicação de elencos dispostos a apresentar espetáculos para crianças, muitos escritores começaram a escrever peças infantis. Surgiram, consequentemente, medidas oficiais para incentivar essa modalidade, como a criação do Departamento de Teatro Infantil. Lúcia Benedetti, quando publicou o seu livro Teatro Infantil (1957), esclareceu que o objetivo era dissociar sua obra das encenações escolares, como é notório nas palavras a seguir:

Logo que o Casaco Encantado foi estreado, recebi pedidos em quantidade de colégios para que enviasse cópias de minhas peças [...]. Em geral, os pedidos me vieram explicando a intenção de fazer com que as crianças representassem. Essa nunca foi a minha intenção. Escrevi estas peças para que as crianças fossem expectadores e não atores. Acho que o público infantil precisa de espetáculos e é nessa nova direção que movo meus esforços [...]. Uma coisa é ver o espetáculo. Outra coisa é fazê-lo. Por isso mesmo perguntam se sou contra a atuação de crianças. Em absoluto. Mas as crianças precisam ter peças e papéis que coadunem com suas idades e aproveitamento escolar. A pedagogia moderna aconselha insistentemente essa forma de desenvolvimento intelectual da criança. 27

Se estou lembrando aqui esse particular é porque muitas professoras, principalmente do interior, me pareceram desapontadas com as dificuldades que minhas peças oferecem (BENETTI, 1957).

Nesse depoimento, Benedetti (1957) revela uma postura nova que visa formar espectadores e não atores, refletindo sobre os espetáculos incentivados por professores que não possuem formação na área de teatro. Por essa razão, como aponta a dramaturga, os professores sentem tantas dificuldades para encenar as peças e se decepcionam com o resultado do trabalho que realizam, de modo que não contribuem positivamente no sentido de se criar um público para o teatro. Hoje, essa realidade não mudou muito, as crianças quase não frequentam as casas de espetáculos teatrais, o que denota que não há tal tradição enraizada no nosso país, principalmente nas camadas mais carentes da nossa sociedade. Enfim, esse cenário reflete que a escola, comumente, por não incentivar a formação de expectadores, não tem formado bem os seus alunos, no tocante às artes, em especial ao teatro. Essa, de fato, é uma questão complexa, porque também o acesso aos textos teatrais é mínimo nas escolas, por isso eles não são trabalhados. Além disso, frequentar teatros no Brasil, longe dos grandes centros, é complicado porque nem toda cidade possui um teatro e, quando tem, os ingressos são caros para a realidade financeira da maioria das crianças brasileiras. Nessas condições, é muito difícil educar as crianças para o teatro. Apesar dos primeiros sucessos como teatro profissional, ainda persistia a ideia de que o teatro infantil era sinônimo de atividade educativa e escolar, porque se prendeu a um projeto geral relacionado ao movimento cultural incentivado pela modernização do Brasil até a década de 1950. Lomardo (1994, p.35) destaca iniciativas que, nessa década, apontaram para novos rumos na dramaturgia infantil, como a dos Artistas Unidos e a do Tablado. Esses movimentos visavam construir um teatro voltado para a criança não como uma ferramenta pedagógica a serviço da moral e dos bons costumes, mas como uma produção artística, cuja intenção era fazer arte e divertir por meio da comicidade de textos bem elaborados. Dentre esses precursores do teatro para a criança, destacamos a figura principal de Maria Clara Machado, que negou o objetivo moralizante da maioria dos textos dramáticos, substituindo-o pelo ludismo. As palavras da própria dramaturga, contidas em seu livro Eu e o teatro (1991), traduzem bem o espírito que a guiou na sua trajetória no teatro infantil. 28

Essa vontade de brincar, de fazer rir, de divertir os outros sempre me acompanhou. Nunca consegui levar o teatro a sério, no sentido filosófico. As explicações pseudoprofundas de alguns teóricos do teatro sempre me aborreceram. Talvez o faz-de-conta, a brincadeira, me descanse da mediocridade da vida que nos rodeia e da seriedade como ela deve ser vivida (MACHADO, 1991, p.250).

Nesse caso, brincar não pressupõe falta de seriedade no fazer teatral, isto é, as peças são construídas com muito trabalho e dedicação por parte daqueles que abraçaram o teatro infantil como atividade profissional, por isso primavam pela elaboração de textos bem construídos, ao menos no caso de Maria Clara Machado, como mostraremos posteriormente. Contudo, parece que esta não era uma postura adotada por todos que escreviam e faziam teatro neste período, visto que Fernando Lomardo afirma que a “maioria dos textos escritos e encenados nessa época, adaptados ou não da literatura brasileira ou universal, apresenta insuficiências em muitos dos elementos que constituem um texto dramático razoavelmente elaborado”. Esses textos se apoiavam nos contos de fadas, de forma que a sua própria estrutura ressaltava a recorrência à literatura e à tradição oral, por essa razão eram “freqüentes a utilização de narradores, de personagens ‘contadores de história’ ou do recurso da materialização das personagens de um livro” (LOMARDO, 1994, p.40). Quanto aos aspectos que o autor aponta como negativos na construção de um texto dramático, ao menos no caso de algumas narrativas clássicas da Literatura Infantil Brasileira, estes não podem ser considerados empobrecedores, por exemplo, na obra de Monteiro Lobato, na qual Dona Benta é uma personagem contadora de histórias. Em relação, especificamente, ao teatro infantil, apresentamos o caso de Maria Clara Machado que também utiliza esse artifício, como no texto A Gata Borralheira, em que o narrador aparece na história para assumir vários papéis, o que funciona como um recurso que reforça a comicidade na peça. Assim, nas obras citadas, não vemos tais recursos como uma forma de caracterizar a má elaboração de textos, ao contrário do que defende Lomardo. Nos casos em que há apenas uma transposição do conto para o texto teatral e o narrador permanece estritamente para contar os fatos que não se conseguiu resolver em cena, não exercendo outro papel ou outra função significativa, observamos que, realmente, tais recursos empobrecem as peças. Logo, se esses elementos forem utilizados de forma criativa e 29 lúdica, dentre outras, poderão contribuir para o enriquecimento dos textos dramáticos adaptados não apenas dos contos de fadas, mas de qualquer outro tipo de narrativa. Fernando Lomardo (1994, p.43-44) continua apontando que, na Dramaturgia Infantil Brasileira, o poder de comunicação do conto, seus elementos simbólicos e estruturais quase sempre foram reduzidos ou eliminados pelas pretensões didáticas dos adaptadores. Além disso, ele afirma que a

descaracterização do conteúdo simbólico não é o único aspecto que compromete a dramaturgia nessa época. Conflito (mola-mestra da ação) fraco ou mal-definido, trama pouco desenvolvida, personagens mal delineadas, soluções insatisfatórias são características comuns na produção teatral do período.

Em suma, o crítico conclui que

a presença de soluções insatisfatórias é uma constante, na referida dramaturgia. A utilização do recurso do deus ex machina (solução mágica e repentina, desconectada do fio da história) ou do recurso de pedir informação à platéia são freqüentes, atestando a precariedade técnica dos textos (LOMARDO, 1994, p.44).

Não conseguimos vislumbrar de que modo esses elementos se aplicam, por exemplo, à peça O Chapeuzinho Vermelho, de Maria Clara Machado, como ilustrou o crítico no seu estudo. O autor mostra que o fato de Chapeuzinho e a vovó não serem devoradas pelo lobo na peça enfraquece o conflito, anulando “a idéia de que um fracasso pode ser temporário e temos o direito de tentar novamente” (LOMARDO, 1994, p.44). Nesse ponto, ele critica a intenção moralizante da dramaturgia da época e, depois, defende que o conflito de O Chapeuzinho Vermelho foi enfraquecido porque anulou uma ideia presente no conto adaptado que reforça o seu caráter pragmático, com o intuito de ensinar uma lição de moral. Se analisarmos umas das definições de conflito, como a elaborada por Pavis (2003, p.67), descobriremos que existe

conflito quando um sujeito (qualquer que seja sua natureza exata), ao perseguir certo objeto (amor, poder, ideal) é ‘enfrentado em sua empreitada por outro sujeito (uma personagem, um obstáculo psicológico ou moral). Esta oposição se traduz então por um combate individual ou filosófico; sua saída pode ser cômica e reconciliadora, ou trágica, quando nenhuma das partes presentes pode ceder sem se desconsiderar. 30

Nessa perspectiva, tanto em O Chapeuzinho Vermelho, de Maria Clara Machado, quanto em algumas versões do conto, há o conflito quando o lobo (sujeito) persegue a menina (objeto almejado) para devorá-la e é impedido pelo caçador ou lenhador (sujeito que o enfrenta). Para resolver esse conflito, como mostra Pavis, os textos podem encontrar saídas diferentes – cômica e reconciliadora, e trágica. Quando na peça, a menina e a vovozinha não são devoradas, ocorre o tipo de desfecho cômico e reconciliador, ou seja, a vovó surda ganha um espaço maior na trama, cometendo várias trapalhadas, que tornam o texto ainda mais cômico, o que não aconteceria se ela tivesse sido devorada. Já, na narrativa, o canibalismo revela um momento trágico, que não é definitivo, pois ocorre uma solução mágica – a menina e a vovó são retiradas vivas da barriga do lobo. Assim, diante das palavras do crítico e dos desfechos analisados, não percebemos o enfraquecimento do conflito citado por Lomardo (1994), visto que este pode ser resolvido de várias formas sem ser obrigatoriamente trágico. No texto teatral de Maria Clara Machado, de fato, ocorre o fortalecimento da comicidade, por meio de uma solução que não é mágica nem repentina, porque levar o lobo para o zoológico é um final verossímil. Portanto, percebemos que a peça atende aos objetivos de uma dramaturgia voltada para a criança, privilegiando o lado lúdico. Em outras versões desse conto, Chapeuzinho Vermelho e a vovó também não são devoradas; há uma versão em que a vovó é trancada no armário; e na maioria das versões, das quais tomamos conhecimento, antes de o lobo comer a menina, o caçador chega e a salva; apenas em uma das versões de Perrault e uma citada por Robert Darnton, em O grande massacre dos gatos (1986), que é relatada pelo autor como uma das versões mais próximas das que era contada pelos camponeses franceses no século XVII, as duas são devoradas. A atitude de “limpar” o texto, retirando, por exemplo, as cenas de violência, é adotada pela educação burguesa, que, embora enxergasse as crianças, por estarem em formação, como seres semelhantes aos “povos primitivos”, adequavam as narrativas a este público, censurando as palavras e os atos que consideravam impróprios. Originalmente, os contos não eram dirigidos às crianças, mas aos adultos, por essa razão se constatou a necessidade de adequá-los quando começaram a atingir os pequenos. No caso da peça, possivelmente a dramaturga, ao escrever um final diferente de todas as versões conhecidas para o lobo, mandando-o para o zoológico, em vez de ser assassinado pelo caçador, aponte para a questão de uma postura “politicamente correta” 31 muito defendida nos dias atuais. É verdade que esse posicionamento é questionado por muitos estudiosos, principalmente quando se trata da única finalidade de um texto, o que, de certa forma, incorreria no tão criticado moralismo, por tentar ensinar o que é correto à criança. Como em O Chapeuzinho Vermelho prevalece o ludismo e a fantasia, não observamos, ao lê-lo, em nenhum esse tipo de posicionamento, nem há nenhum tipo de lição de moral explícita no texto. Em suma, as manifestações artísticas podem ensinar e encerrar lições de vida sem, necessariamente, terem de conter discursos moralistas longos e enfadonhos presentes no corpo do texto, por exemplo. Nessa direção, Cláudia de Arruda Campos (1998, p.255) apresenta uma definição da dramaturgia de Maria Clara Machado, no tocante às peças adaptadas de contos de fadas em especial, concebendo-a como “um registro bastante característico de recusa à maravilha sem necessariamente sacrificar a fantasia. Talvez a expressão mais eloqüente de suas tendências realistas seja o tratamento que confere aos contos de fadas”. Esse aspecto da produção da dramaturga é recorrente em duas das peças analisadas neste trabalho, por exemplo, em O Chapeuzinho Vermelho, quando recusa o aspecto maravilhoso do conto de fadas, ao mudar o final, mandando o lobo para um zoológico (solução bem atual), em vez de matá-lo para tirar a vovó viva da sua barriga, como acontece em uma das versões deste conto; também em A Gata Borralheira, a fada não é um ser sobrenatural, como no conto, mas um ser humano, uma mulher “comum”, vizinha da família da moça. Para compreendermos melhor como isso ocorre no teatro, as palavras de Patrice Pavis (2003, p.165) são esclarecedoras:

o maravilhoso exige que o expectador suspenda o julgamento crítico e acredite nos efeitos visuais da maquinaria cênica: poderes sobrenaturais dos heróis mitológicos (vôo, levitação, força, adivinhação, ilusionismo total do cenário passível de todas as manipulações).

É justamente essa suspensão total que não ocorre nas peças, pois, em parte, ao abdicar do maravilhoso, Maria Clara remete à realidade não-ficcional e atual, quando poupa a vida do lobo e o manda para um zoológico; ou transforma a fada encantada em uma mulher comum, que costura o vestido da Cinderela com suas próprias mãos. Contudo, em O Chapeuzinho Vermelho, o lobo continua sendo falante; em O Gato de Botas, o gato age como gente e fala; e, em A Gata Borralheira, aparece o Sapo Verde que apresenta o teatrinho de fantoches, não existindo, portanto, a recusa da maravilha. 32

Nesse ponto, deparamo-nos com uma confusão de definições, que poderá dificultar a compreensão da suposta tendência realista na obra da autora, apontada por Campos (1998), tendo em vista que o que a estudiosa chamava de fantasia é definido por Pavis (2003) como maravilhoso. Podemos verificar isso, ao compararmos a concepção supracitada com a apresentada por Maria Clara, quando fala sobre a peça O rapto das Cebolinhas:

a fantasia seria você não ter medo de, de repente, um personagem voar, você não ter medo do cachorro falar. Aqui, por exemplo, esta peça é das simplesinhas. Eu comecei a escrever, não sabia nem como é que escrevia para crianças, então eu tive fantasia. Eu botei uma gata, um cachorro, um cachorro acusado de ladrão. Então, é meio insólito, né? De repente, o ladrão é o cachorro, vai preso. Aí, daí parte a idéia (REVISTA DIONYSOS,1986, p. 34-35).

Para Pavis (2003), a fantasia é uma espécie de sonho acordado, onde o sujeito traduz seus desejos inconscientes, de modo que, na representação teatral, ela está presente quando se mistura a cena real com a fantasiada em temporalidades diferentes. Assim, percebemos que ambos estão se referindo aos mesmos elementos, embora utilizem denominações diferentes. Maria Clara, de forma geral, recorre ao maravilhoso, quando escreve como uma maneira de atrair a criança. Na verdade, ela também mistura fantasia e realidade na sua obra de maneira a oferecer uma dose equilibrada de cada uma, por acreditar que são necessárias à formação intelectual, psicológica, física e afetiva de toda criança, guiando- se pelos estudos que, também, realizou na área de psicologia. Essa postura reflete a preocupação da dramaturga com a função social da sua produção artística. Cláudia Campos acrescenta que a dramaturga mineira, em seus discursos, recusou infantilismos e lições de moral. Ela acreditava que a criança devia se identificar com a peça, especialmente, com o herói que representa o bem, o belo e a verdade, de modo que na história o bem seja sempre exaltado. Na sua visão, a ação, a poesia, o humor e a fantasia são os ingredientes principais de um texto dramático para crianças (CAMPOS, 1998, p. 255). Verificamos, então, que além dessa preocupação com o valor artístico do texto, há a de eleger valores que perpassarão a trama de uma forma velada, que estão presentes, a fim de que as crianças os percebam de alguma forma, para se identificar com eles, incorrendo sempre no final em que, sobretudo, o bem prevalece. Essa não é 33 uma tendência realista, mas idealista, já que na vida, inevitavelmente, a criança desde os seus primeiros passos se depara com uma realidade diferente, onde o bem e o mal estão presentes de maneira que ora um se sobrepõe ao outro, ora coabitam. Nesse sentido, Denise Moreira de Souza (1986, p.16) chama a atenção para o aspecto criador, crítico e altamente poético da obra de Maria Clara Machado, que propôs uma alternativa nova, ao redimensionar a linguagem dramática para o público infantil, inovando em termos estéticos e profissionais, quando criou um espaço próprio para se fazer e ver espetáculos - o Tablado. Os seus textos, na visão da estudiosa, evidenciam um espaço aberto à criança, de modo a mostrar o lugar dela na família e no mundo dos adultos, representando-o criticamente por meio da criação de personagens infantis que são sujeitos de suas fantasias e o norte da ação dramática. Dessa maneira, a fantasia está presente no teatro da dramaturga de forma autêntica, bem como o lúdico, “elemento imprescindível a qualquer manifestação artística que se diz voltada para a criança”, propiciando a confecção de toda uma matéria recriada basicamente pelo poder da imaginação, ultrapassando os limites do que é considerado real pelo senso comum e racionalista. Segundo Souza (1986, p.16;22), Maria Clara Machado penetra “na problemática existencial e é nisso que atinge o público, conquistando-o por levá-lo a sério, ao abordar no palco a própria vida da criança, da maneira como ela aprecia”. Logo, a matéria prima de sua linguagem dramática está no homem, na natureza, nas relações permanentes que há entre os seres deste mundo. Em outras palavras, a autora consegue penetrar no universo infantil, de forma que representa, em suas peças infantis, as angústias, os desejos, enfim os sentimentos e as experiências vividas pelas crianças. Por esse motivo, elas se identificam e gostam dos seus textos dramáticos. Dessa forma, a dramaturga, na visão da estudiosa, ao colocar a criança diante da palavra falada e dramatizada, recupera a figura da “velha contadora de estórias”, mostrando, de forma simbólica e aberta, as relações que conduzem o homem entre os seus semelhantes e o desconhecido. Sob um novo olhar, Maria Clara mergulha nos velhos mitos da tradição que perpassam o inconsciente coletivo, que permanecem vivos até hoje; ou, então, “recria os próprios mitos modernos num posicionamento crítico e libertador, restaurando a natureza das relações sociais o eu, a criança e o adulto” (Sic - SOUZA, 1986, p.22). Percebemos isso quando ela adapta os velhos contos de fadas, inserindo elementos novos, modernos, imprimindo uma nova roupagem e rumos diferentes às histórias, 34 embora mantenha o mesmo fio narrativo. Por exemplo, em sua peça, reconhecemos, por exemplo, a Chapeuzinho Vermelho do conto de fadas de todos os tempos, a história; mas o toque de humor, os nomes que as personagens sem nome, no conto tradicional, recebem na peça; a vovó surda; o final do lobo; entre outros elementos, revelam uma trama diferente no palco. A intenção de criar uma nova obra é revelada a partir do título do texto dramático: O Chapeuzinho Vermelho, pois o artigo definido “O” indica a pretensão de singularização da protagonista e da história, isto é, não se trata apenas de mais uma versão do velho conto, mas de uma peça: O Chapeuzinho Vermelho, de Maria Clara Machado, pertencente a outro gênero e a outro autor, apresentando um texto novo com perspectiva e tom diferente da narrativa de Perrault, dos Irmãos Grimm ou de qualquer outra versão conhecida. Portanto, nesse caso, não há uma simples transposição do conto para um novo gênero, uma vez que a dramaturga transforma o enredo tradicional, sob uma perspectiva cômica e não séria, como analisaremos mais profundamente no Capítulo II, quando estudaremos o processo de adaptação utilizado por ela na criação das peças que são objeto dessa pesquisa.

2. O boom do Teatro Infantil

De acordo com Cláudia de Arruda Campos (1998, p.73), o Teatro Infantil no Brasil, como em quase todo o mundo, beneficiou-se da renovação teatral ocorrida na década de 1960, especialmente, em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde surgiram vários grupos teatrais inovadores, por exemplo: o grupo Aldebarã, e outros foram reafirmados, como o Teatro Infantil Nídia Lycia ou o Markanti. Nessa época, começa a ocorrer o processo de transformação da vida urbana no Brasil iniciado na década de 1950 e o estreitamento das condições de convivência espontânea nas grandes cidades, o que abre espaço para o domínio do lazer programado. Após 1968, com a grande ampliação da rede escolar, organiza-se um público significativo para o teatro infantil nos grandes centros culturais do Brasil. Por causa da forte censura que predominava na época, os órgãos oficiais atuavam decisivamente como financiadores da cultura, por esse motivo os produtores garantiam bilheteria mesmo em dias comuns e não apenas em finais de semana por meio de apresentações 35 precárias de peças nas próprias escolas e/ou pela venda de espetáculos em horários especiais nos teatros de São Paulo e do Rio de Janeiro. Na década de 1970, segundo Cláudia de Arruda Campos (1998, p.73; 78), há, de fato, o boom em quantidade e qualidade do teatro infantil brasileiro. Embora as causas dessa explosão, na sua opinião, ainda não tenham sido analisadas, pode-se perceber que estão envolvidas por fatores sociais, artísticos e relacionados à política oficial de cultura3. Um acontecimento, destacado pela autora, é o de que, neste período, esse teatro não se expande vinculado a programas educativos, mas como atividade profissional realizada em teatros, assemelhando-se em tudo ao teatro para adultos. Por exemplo, ambos possuíam os mesmos autores, textos, atores, público pagante e crítica, bem como as premiações, a supervisão oficial e as subvenções ocorriam pelos mesmos canais das artes em geral. Campos (1998, p.68; 79) afirma que o teatro infantil confunde suas origens com o Moderno Teatro Brasileiro, de forma que o primeiro não se diferenciava muito de todo o novo teatro que se começava a praticar no Brasil. Desse modo, os artistas, a crítica e os intelectuais atuavam, assistiam e incentivavam os espetáculos infantis, o que denotava que não havia distinções valorativas entre este teatro e o teatro para adultos. Na verdade, valoriza-se o “fazer teatro”. A autora mostra que, gradativamente, o teatro infantil, como o teatro amador, vai perdendo o seu prestígio, de maneira que os melhores profissionais se dedicaram inteiramente ao teatro para adultos e à televisão. É verdade que o teatro para crianças, ainda, continuava sendo realizado como atividade secundária por algumas companhias, mas, em alguns casos, isso ocorria por força da “lei do terço”, a qual previa a inclusão de um terço de peças nacionais nos repertórios das companhias por terem de encená-las nos teatros nacionais. Nesse sentido, Campos acredita que, entre os fatores que conduziram muitos pioneiros ao desinteresse por essa área, está a dificuldade financeira para subsidiar os espetáculos infantis, além da falta de textos. Por essa razão, o teatro infantil era considerado menor, frente à expansão e ao salto de qualidade do teatro brasileiro, já entre os anos de 1940 e 1950, bem como, por alguns, mesmo no período do boom. Isso significa que, mesmo na fase em que mais se desenvolveu, esse teatro nunca deixou de

3 O boom da Literatura Infantil também aconteceu nessa época, mas, ao contrário do que ocorreu (e ainda ocorre) no Teatro Infantil, há muitos estudos voltados para essa área. 36 ser legado, de alguma maneira, a um patamar menor do que o do teatro para adultos (CAMPOS, 1998, p.73). De um modo geral, a estudiosa observa que, realmente, “a criação em teatro infantil se ressente de fortes comprometimentos (...) além dos compromissos ditados por interesses comerciais, o teatro para crianças rende tributo a expectativas sociais arraigadas no que diz respeito à adequação de obras ao público infantil”. Logo, em suas produções medianas, persegue os velhos objetivos do teatro infantil do início do século XX e coincide com as atitudes consideradas “certas” pela sociedade quando se trata de crianças, que são “instruir, educar e formar”. Isso vicia a estrutura das peças, de forma que são construídos modelos que priorizam um material extra-artístico, limitando a liberdade de criação (CAMPOS, 1998, p.77). Nesse ponto, a estudiosa aponta para um dos problemas do teatro infantil, quando se volta para o lado pedagógico, o comprometimento e a limitação da criação artística em nome de um objetivo que prima pelo moralismo em detrimento da arte. Esta não deve ser condicionada a fatores externos que impeçam a liberdade de expressão, sendo usada como “pretexto”, o que vicia as suas manifestações, empobrecendo-as como objetos estéticos. Portanto, o “mesmo processo social que propicia a expansão do teatro infantil põe à vista suas fragilidades e indeterminações” (CAMPOS, 1998, p.73), ou seja, é um fenômeno que, ao mesmo tempo em que tenta se definir e encontrar o seu espaço para se firmar, já é desacreditado por muitos e encarado como viável por poucos. Talvez, por essa razão, esse teatro não tenha recebido investimento e dedicação suficientes para que pudesse crescer em quantidade e, principalmente, qualidade como o teatro para adultos. Realmente, o estigma de gênero menor que marcou o teatro direcionado às crianças desde o seu surgimento atrapalhou o seu desenvolvimento como arte, afastando muitos profissionais qualificados de seu meio. Apesar de tudo, Maria Clara Machado sempre acreditou no Teatro Infantil e primou pela sua qualidade, por isso é importante conhecermos um pouco da sua vida e da sua trajetória profissional, para entendermos melhor a sua criação artística e o seu método de trabalho.

3. Na coxia com Maria Clara Machado...

Maria Clara Machado nasceu em 1921, em , mas cresceu e viveu no Rio de Janeiro desde os quatro anos de idade. Logo cedo, especialmente durante as 37 férias na fazenda Nova Granja de seu avô em Minas Gerais, demonstrou o seu gosto pela dramatização, quando se fingia de morta, boiando nas corredeiras do rio, para assustar a sua tia Selma. Ela era filha do escritor Aníbal Machado, perdeu a mãe quando tinha apenas nove anos e teve cinco irmãs. Apesar de ser muito ligada à família, viajou muito e morou fora do país. Sua casa, mais conhecida pelo seu número 487, sempre foi muito frequentada por grandes artistas e intelectuais da época. O domingo na 487 era famoso no Rio de Janeiro. Ela mesma descreve como era: “A convivência com artistas, poetas e escritores era tão natural na nossa casa que um dia, enquanto Guignard pintava uma de nós, a criada chegou perto dele e perguntou: - Por quanto o senhor faz a dúzia?!” (MACHADO, M. C., 1991, p.31). A filha de Aníbal Machado cresceu rodeada pelo pensamento mais avançado e revolucionário existente no Brasil, mas também por uma educação rígida. Na visão de Maria Clara já madura:

Meu pai gostava de conversar. Tinha o dom de suportar papos infindáveis de toda espécie de gente. Quando perguntavam a ele por que sendo um marxista convicto deixava as filhas serem educadas em colégios de freiras, ele respondia que ainda era muito cedo para as filhas serem comunistas. Mas cá para mim, acho que ele tinha era medo. A moral cristã era mais garantida para conservar suas seis virgenzinhas protegidas. Vindo também de uma mãe matriarca mineira e muito religiosa, posso imaginar hoje como era dividido. Afirmava que do pescoço para cima era marxista e do pescoço para baixo era cristão. Esta divisão de meu pai foi bastante difícil e conflitante para mim. Discutíamos muito e passei a mocidade cheia de dúvidas entre o socialismo distante da propaganda comunista e a fé cristã (MACHADO, 1991, p.32).

A dramaturga mineira se declarava uma pessoa religiosa, que frequentava regularmente a Igreja, afirmando que: “(s)ou católica mas brigo muito com Deus, comungo aos domingos, mas se a Igreja não tivesse mudado tanto eu teria deixado, no entanto, ela evoluiu junto e a religião continua sempre presente na minha vida” (REVISTA DIONYSOS, 1986, p.19). Isso mostra como a educação que recebeu a marcou durante toda a sua vida; primeiro, de modo inconsciente e impositivo; e, depois, de forma deliberada, mesmo diante da postura paradoxal do pai. 38

A menina reprimida no lado pessoal, ousou no lado profissional, de maneira que fundou o grupo amador de teatro o Tablado4, em 1951, junto com estudantes da PUC – João Sérgio Marinho Nunes, Jorge Leão Texeira, Nilo Vasconcelo, entre outros – e algumas bandeirantes, como Edy Resende, Kalma Murtinho, Carmen Sílvia Murgel, Edelvira Fernandes e Marília Macedo, na avenida Lineu de Paula Machado, n° 795, no bairro da Lagoa, na cidade do Rio de Janeiro. Sob o apadrinhamento de Aníbal Machado, os fundadores dispuseram do auditório do Patronato da Gávea, que foi cedido por Helena Bahiana, sua presidente, que o construiu para que as bandeirantes pudessem realizar espetáculos de teatro de bonecos para a recreação das crianças. Inicialmente, o objetivo era fazer as melhores peças internacionais, cuja atriz principal sempre era Maria Clara Machado, munidos com uma enorme vontade de acertar com pouco dinheiro. O lema do Tablado era: “Fazer da criatividade o nosso pão de cada dia” (MACHADO, 1991, p.245). O Tablado nasceu em um momento em que o teatro se expandia e não se restringia aos grandes centros, atingindo outros lugares, simultaneamente, com a profissionalização do Moderno Teatro Brasileiro. Dessa maneira, o Teatro Brasileiro, aos poucos, assume uma nova condição e vai se tornando uma atividade social e cultural legitimada pela elite. Nesse cenário, o palco do Patronato da Gávea se caracterizou por apresentar um repertório eclético e montagens elogiadas pelo seu cuidado no acabamento, ao encenar autores como Tchekhov, Gil Vicente, Lorca, Claudel, Thornton Wilder, entre outros. Na época da sua fundação, o que havia de melhor em termos de teatro no Brasil se concentrava em São Paulo. Lá, o TBC, fundado em 1948, começa a atualizar o movimento teatral brasileiro com peças representadas sob direção de encenadores europeus, adotando o estilo em vigor no moderno teatro internacional. Assim, no Rio de Janeiro, cabe ao teatro de Maria Clara Machado manter espetáculos de alto nível cultural. Esse foi um período de grande euforia e de dedicação, em que os próprios integrantes, unidos às suas famílias, contribuíam com dinheiro ou trabalhos necessários para a manutenção do Tablado e para garantir as montagens. Por ocasião de um Seminário de Dramaturgia Infantil, houve um debate realizado no Tablado, em 1983, após uma apresentação de O rapto das cebolinhas,

4 Para saber mais sobre o Tablado, ler a tese intitulada O tablado - mais de meio século de teatro e educação: História-memória. A chave para a perenidade do mais duradouro grupo teatral do Brasil, de Raquel Vaserstein Gorayeb (2004), um estudo que conta a história deste teatro desde a fundação até o ano de 2003. 39 publicado na Revista Dionysos (1986). Nesse debate, Maria Clara Machado falou sobre a fundação do Tablado, de como se tornou dramaturga e da sua visão do teatro infantil, revelando que, quando fundou esse teatro, não pretendia ser dramaturga, mas apenas atriz. É verdade que, quando foi bandeirante, uma época que marcou profundamente a sua vida e a sua obra, escreveu algumas peças, como Chapeuzinho Vermelho em Belém, poemas, contos e crônicas, além de artigos sobre a educação, que foram publicados na Revista Bandeirantes, contudo escrever não era a sua atividade principal. Nesse período, Clara viajou muito com as colegas bandeirantes, visitou vários países, depois foi morar na Europa e estudar teatro em Paris. Quando voltou para o Brasil, ela começou a fazer teatro de bonecos na garagem de casa e, já no Tablado, exerceu o papel de diretora artística e adaptou O boi e o burro, em seguida Pluft e Maroquinhas Fru- Fru, que foram escritas primeiramente para bonecos. Algumas peças da dramaturga alcançaram projeção internacional, por exemplo, Pluft, o fantasminha, O Cavalinho Azul e A Bruxinha que era boa, de modo que foram traduzidas para várias línguas e montadas em diferentes países, como França, Espanha, Alemanha, Rússia, Índia, entre outros. Ela, também, escreveu peças para adultos, como As interferências (1965), Os Embrulhos (1969) e Miss Brasil (1970), entre outras que se encontram inéditas em seu acervo na Fundação Casa de Rui Barbosa. Em relação às peças adultas, no texto “As interferências no Front do Tablado”, Yan Michalski mostra a face nova de Maria Clara, como podemos perceber no trecho a seguir.

O Tablado comemora o seu décimo-quinto aniversário de maneira extremamente auspiciosa, com este bom espetáculo de duas peças em um ato. Uma delas nos coloca em contato com um autor talentoso, cruelmente lúcido, e que sabe usar o paradoxo como uma arma dotada de terrível pontaria e de irresistível eficiência teatral: Fernando Arrabal. A segunda nos traz a revelação de uma nova Maria Clara Machado que, depois de encantar o público infantil, anos a fio, com as suas deliciosas peças para crianças, surpreende todos com a sua obra As Interferências – provavelmente a primeira peça brasileira satisfatoriamente realizada dentro dos conceitos de uma das mais importantes correntes teatrais da atualidade: o angustiado teatro do absurdo (REVISTA DIONYSOS, 1986, p.187).

O crítico ressalta a qualidade do trabalho da teatróloga, que, apesar de algumas limitações, como alguns recursos óbvios e repetições desnecessárias, cria 40 convincentemente uma atmosfera angustiante, diferente da de humor encontrada no seu teatro infantil. Realmente, todas as peças para adultos seguem uma trajetória diversa das escritas para crianças, o que denota a versatilidade da escritora. Maria Clara Machado ainda se aventurou no campo das narrativas, escrevendo vários contos para crianças, uma parte constituída de adaptações de algumas peças, dentre elas: Pluft, o fantasminha, O cavalinho Azul, O Dragão Verde, A menina e o vento, Clarinha na Ilha, Viagem de Clarinha. Além disso, traduziu contos de fadas; elaborou roteiros para a televisão e textos teóricos sobre Teatro Infantil; lançou um livro biográfico – Eu e o Teatro (1991) e os inúmeros Cadernos de Teatro, entre outros trabalhos. De fato, a sua dramaturgia infantil se destaca largamente em relação aos outros gêneros que escreveu, especialmente, em termos de qualidade estética, afinal se dedicou com mais afinco a esta área. Por isso, é conhecida e reconhecida como uma das maiores dramaturgas do Teatro Brasileiro. No artigo “A história do Tablado pelos olhos da crítica: um mar de rosas?”, Flora Sussekind (1986) comenta a postura da crítica em relação ao trabalho desenvolvido no Tablado, desde a sua fundação até meados de 1980. Ela afirma que críticos bem pouco tolerantes, como Paulo Francis, não negaram elogios ao Teatro do Patronato da Gávea. A autora divide a história do Tablado em quatro momentos. No primeiro momento, Os anos de ouro, as décadas de 1950 e 1960, foram a época áurea do Tablado, quando os seus espetáculos representavam a renovação do teatro carioca, de forma que a crítica era quase unânime ao elogiá-los. Esta o considerava como uma instituição democrática, onde todos, desde os contrarregras até os atores mais famosos, trabalhavam em conjunto e decidiam tudo em sessão, preocupando-se em filiá-lo a alguma tradição teatral. Desse modo, os críticos atribuíam um lugar próprio ao teatro de Maria Clara Machado e este adquiria um autoconceito positivo aos poucos. Contudo, o fato de permanecer como amador e, por essa razão, não possuir um elenco fixo transformou esse panorama nas décadas seguintes. Depois, iniciaram-se as crises, por causa do sucesso e do reconhecimento alcançado. Alguns, diante dessa realidade, não se conformaram mais com o amadorismo e reclamaram a profissionalização, a qual Maria Clara sempre se recusou a aceitar. Essa crise se intensificou ainda mais quando o TBC organizou um elenco carioca e começou a produzir no Rio de Janeiro, atraindo componentes do Teatro do Patronato e indicando a existência de um mercado em expansão. Por isso, com o tempo, os alunos, após se 41 firmarem, saíram para trilhar outros caminhos, como um grupo significativo que deixou a casa para fundar o Teatro da Praça em 1955. Provavelmente, essa postura de Maria Clara Machado revele um novo projeto para um teatro que, no Brasil, ainda hoje é pouco valorizado, o que significava, justamente, caminhar na contramão, não seguir os mesmos caminhos que quase todos estavam seguindo. Se não havia, aparentemente, nenhuma justificativa para permanecer no amadorismo e para priorizar um repertório infantil no rumo inovador tomado pelo teatro brasileiro e mundial, então é evidente que se tratou de uma opção consciente de uma mulher que dedicou toda a sua vida ao teatro infantil. No segundo momento, Os anos didáticos, o Tablado passou a ser reconhecido por causa da qualidade do seu teatro infantil e de sua escola, de forma que foi visto como formador de novos profissionais, recebendo cada vez mais alunos e professores na década de 1970. Devido à posição de destaque alcançada pelo palco da Gávea, Maria Clara ficou responsável pelo Serviço dos Teatros e Diversões do Estado da Guanabara5. Então, ela passou da sala do Patronato para o Teatro Municipal, com o objetivo de revitalizar o teatro de revista ou desenvolver o teatro de bonecos nas praças, para tentar formar um público maior que se interessasse pelo teatro de um modo geral. De fato, uma das grandes preocupações da dramaturga era auxiliar o teatro amador no sentido de orientá-lo para uma formação teatral capaz de produzir bons espetáculos. Essa postura da fundadora do teatro da Gávea é evidente em uma das suas respostas em uma entrevista concedida a Barbara Heliodora, publicada no suplemento dominical do Jornal do Brasil, em 11 de fevereiro de 1961.

Gostaria de ver o teatro amador ser auxiliado de maneira criteriosa, isto é, por meio de um auxílio cultural, em vez de financeiro. Esse auxílio deveria tomar a forma de um serviço orientador que aconselhasse a seleção dos textos, que desse pequenas aulas práticas sobre problemas de produção, para que o teatro amador pudesse realizar espetáculos limpos, coerentes, adaptados à sua condição de colaborador na criação de uma consciência teatral correta no Rio de Janeiro. E esse serviço deveria se tornar um verdadeiro centro de informação teatral à disposição de todos aqueles que estivessem interessados em realizar espetáculos. A necessidade da existência desse serviço de informações está provada pela experiência que tenho no O Tablado com os Cadernos de Teatro, cujos assinantes, em sua maioria, vivem afastados dos centros teatrais do país (REVISTA DIONYSIOS,1986, p.183).

5 O período em que Maria Clara Machado ficou responsável pelo Serviço dos Teatros e Diversões do Estado da Guanabara é um aspecto da trajetória profissional da dramaturga, do qual obtivemos poucas informações e que ainda não foi estudado detidamente. 42

É notório que a autora se preocupava com a formação dos integrantes do Tablado e com a do teatro amador brasileiro em geral. Por essa razão, defendia a criação de um serviço que auxiliasse esse último não apenas financeiramente, mas também culturalmente, no sentido de criar uma consciência teatral para a realização de espetáculos bem estruturados no Brasil todo. No terceiro, Os polêmicos anos 70, o Tablado é acusando de conservador e ultrapassado, tendo em vista o novo panorama do Teatro Brasileiro. Sussekind (1986) comenta a opinião de críticos que afirmavam que ele estava andando devagar, porque vivia de um passado de glórias sem se modernizar. Em resposta às críticas, ela cita as seguintes palavras de Maria Clara Machado:

Nestes 20 anos já fomos modernos, inovadores, conservadores, fechados, ignorantes, orgulhosos, acolhedores, decadentes, atrasados, reacionários, infantis, tatibitatis e mesmo maravilhosos aos olhos dos outros. Foi muito bom quando fomos maravilhosos. Nesses momentos sempre achamos que tínhamos encontrado a chave do sucesso eterno. Foi bem desagradável quando fomos atrasados, decadentes ou ultrapassados. Nesse momento de vaidade ferida, testamos nossa fidelidade, nossa capacidade de sobrevivência, apesar de tudo. E sobrevivemos (REVISTA DIONYSOS, 1986, p.170).

Flora Sussekind (1986) não considera o termo “sobrevivemos” o mais adequado, pois acredita que, ao longo do tempo, o pequeno palco tabladiano se renovou, ao atrair novos “filhos” para Maria Clara. Ela mostra que é a nova geração de atores e diretores formados no Tablado, que será responsável por criar alguns dos grupos e montagens mais expressivos no final dos anos 1970 e início da década de 1980; bem como por mudar o olhar sobre este teatro, enxergando-o de uma maneira mais gentil. Desse modo, começa a haver uma reavaliação crítica bem diferente da realizada à época da comemoração dos seus 20 anos, voltando a receber aplausos. Cláudia Campos (1998) comenta que, na década de 1970, fazer cursos no Tablado era um sinal de status para os adolescentes da zona sul, tanto que se acentuou a procura por tais formações nos anos seguintes, especialmente, devido o aparecimento de possibilidades de trabalhar na televisão, dentre outras razões. Por isso, foram contratados novos professores e se instituiu a prática de “festivais de verão”, em que cada turma apresentava uma montagem como produto final do curso. A estudiosa observa que, se, 43

a partir dos anos 60, o Tablado deixa de ser um referencial em termos estéticos no panorama do teatro “estabelecido”, avulta, além desse sentido de escola formadora de talentos, o de mentor e incentivador de iniciativas, principalmente amadoras, pelo Brasil afora, por meio da publicação dos Cadernos de Teatro6, que se inicia em 1956, então com patrocínio do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC). (CAMPOS, 1998, p.43).

Com os Cadernos de Teatro, Maria Clara Machado objetivava oferecer formação teatral, através de artigos e peças, para as pessoas que não tinham acesso aos grandes centros do Teatro Brasileiro – como o eixo Rio /São Paulo, onde estavam concentradas as grandes escolas e a maioria das companhias teatrais, bem como os dramaturgos renomados. Ela sempre se preocupou com o interior do Brasil para que não fosse esquecido, por esse motivo lançou, no Tablado, o lema: “Remember Amapá”, o que motivou a criação dos cadernos, que são produzidos ainda hoje. No último momento, A virada da virada, aos 30 anos, o Tablado alcança o sucesso outra vez. De fato, há afirmação do seu papel como escola formadora de jovens, para atuarem, no cenário do teatro carioca e brasileiro. Sussekind (1986) afirma que Maria Clara tentou desvincular a sua imagem conservadora, impressa nos anos de 1970, da do Tablado, tomando-a para si. Todavia, foi ela quem indicou novos rumos para o palco da Gávea, ao retomar o seu trabalho de atriz na peça Ensina-me a viver e na versão cinematográfica de O cavalinho azul na década de 1980. Assim, depois de trabalhar fora do Tablado, começou a entregar o controle deste, sempre que necessário, em outras mãos. Também, iniciou a divisão das responsabilidades ao ampliar o corpo docente dos cursos livres de teatro e uma maior participação na elaboração dos Cadernos de Teatro, o que possibilitou a convivência de estilos diferentes nos artigos editados. Nos anos de 1980, uma das marcas do Tablado foram os espetáculos com temporada regular. Ao deixar a prática de espetáculos de fim de ano, intensificada na década de 1970, ele reconquistou o panorama teatral do Rio de Janeiro na década seguinte. Nesse período, houve, curiosamente, um aumento no número de remontagens de textos de Maria Clara nas temporadas teatrais cariocas, como uma forma de redescobrir a sua dramaturgia. Dessa forma, o Tablado aprendeu a conviver com as flutuações de elenco, de maneira que a dramaturga cedeu suas peças para os ex-alunos

6 Não encontramos pesquisas detidas acerca dos Cadernos de Teatro, uma fonte riquíssima de formação no âmbito teatral, que continua sendo publicado pelo Tablado. Há uma breve análise da história e do conteúdo dos cadernos na tese de Raquel Gorayeb, supracitada, mas é um campo que ainda pode ser mais explorado. Por isso, é nossa intenção estudarmos tais cadernos em outra oportunidade. 44 no intuito de facilitar o seu acesso ao mercado, convidando-os, depois, a voltarem ao palco tabladiano na condição de professores e encenadores. Para Flora Sussekind, Maria Clara Machado foi “capaz sobretudo de, junto a antigos companheiros e aos ex-alunos da geração 70, renovar – ora via escola, ora via uma pluralização de dicções teatrais, ora via sua própria dramaturgia-escrita-no-palco – a paixão pelo Tablado” (REVISTA DIONYSOS, 1986, p.173). Tais atitudes denotam que ela não se isolou em sua “fortaleza”, fechando as portas para quem não era integrante do Tablado e para peças de outros dramaturgos, como muitos a acusavam. É verdade que usou o seu espaço para criar e experimentar a sua obra, priorizando-a, mas sem deixar de auxiliar e contribuir para o desenvolvimento de outros talentos fora do seu teatro. Uma prova disso foram os projetos que tentou desenvolver no Serviço dos Teatros e Diversões do Estado da Guanabara, como vimos anteriormente. Em relação ao teatro infantil, Cláudia de Arruda Campos (1998, p.266) aponta que o Tablado sempre acolheu um público de várias idades, o que também ocorreu no Brasil em geral. Porém, neste espaço, encontram-se gerações de espectadores mediados ainda pelos atores-alunos de Maria Clara Machado. Essa situação especial, na visão da estudiosa, propiciou um forte elo entre a dramaturga e o público, o qual se familiarizou de tal forma que interferia no processo de criação das peças, impedindo-a de alcançar um resultado que incorporasse e transcendesse a diversidade. Para a pesquisadora, a fundadora do Tablado escrevia especificamente para a plateia do seu teatro e não para um público infantil genérico e abstrato, de maneira que se trata de um teatro sem projeto palpável, que “fica no meio do caminho de várias possibilidades, oscilando entre o apelo do ideal e os reclamos da realidade imediata, entre o grande mundo que se entrevê ameaçador e o aconchego do Tablado”. Enfim, Campos acredita que a dramaturga não se arriscou em outros voos, mas permaneceu no universo familiar, resguardando-se. Acreditamos que o projeto do teatro da Gávea, que se confunde com o de sua fundadora, era o de o seu palco e o seu público funcionarem como uma espécie de laboratório para a escola cumprir a sua missão de formar novos talentos, que poderão voar para onde quiserem. Aparentemente, não é possível separar as duas obras de Maria Clara: o Tablado e sua produção artística, por refletirem a face da sua criadora de tal modo que estão entrelaçadas por uma união que tem rendido muitos frutos bons ao longo do tempo. De fato, “uma nasceu para a outra”, ou seja, ela escreveu para o seu palco, o que não significa dizer que uma dependa da outra para sobreviver e se 45 disseminar, visto que os textos dramáticos da teatróloga já extrapolaram as paredes do seu teatro há muito tempo, bem como o seu palco, atualmente, acolhe montagens de peças de outros autores. Mesmo que Maria Clara Machado tenha tido a intenção de escrever apenas para o público que frequentava o seu teatro, a sua obra se destacou de tal forma, devido à sua qualidade, que não ficou restrita, mas se espalhou por todo o Brasil. Dessa maneira, o seu universo familiar se expande, atingindo crianças e famílias, que, em sua maioria, nunca passaram em frente à porta da sua casa de espetáculos. Realmente, as montagens das peças escritas por ela e produzidas pelos componentes do Tablado atingiram apenas aqueles que tiveram a oportunidade de assisti-las lá, uma vez que eles não as levaram para outros lugares. Contudo, é certo que vários outros grupos teatrais, espalhados pelo Brasil, montaram e ainda montam as peças da dramaturga. Diante desse cenário, caso a intenção da autora, porventura, fosse a de restringir a sua obra ao Tablado (o que seria contraditório, visto que a publicou), não atingiu este objetivo, pois, se as encenações foram filmadas e disponibilizadas em uma rede como a internet, é óbvio que se difundiram rapidamente. Podemos encontrar textos integrais de várias obras, gravações de áudio e filmagens de montagens de Pluft e de outras peças, o que comprova que tais obras saíram dos arquivos da escritora mineira. Portanto, mesmo que o Tablado não tenha alçado voos esperados pela crítica, por exemplo, levando as suas montagens para outros lugares, a obra da sua criadora, inegavelmente, extrapolou as fronteiras do seu palco e do Brasil, tendo em vista que foi reconhecida em vários outros países. Críticos, como Sábato Magaldi e Décio de Almeida Prado, e escritores - Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, dentre outros - reconheceram o talento da escritora desde o início da sua carreira profissional. Encontramos no site do Tablado, no link Acervo, um dos bilhetes escrito por Carlos Drummond de Andrade para Maria Clara Machado, que transcreveremos a seguir.

Rio, 23 de setembro de 1972.

Clara, querida:

Recebi Teatro, com O Diamante, o Aprendiz e Tribobó. Três delícias de invenção, graça e arte de armar um espetáculo que atinge os espectadores mais diversos, desde a criança até este seu amigo quase sesquicentenário. 46

Obrigado, Clara, por toda a alegria e re-visão das coisas, que você nos proporciona com o seu teatro. Meu abraço carinhoso, que é também de Dolores, para você. Carlos

Vale ressaltar que Drummond leu e analisou as obras de Maria Clara com os olhos de um dos maiores escritores do Brasil, que, certamente, não teceria elogios fundamentados apenas na amizade dedicada à dramaturga. Ao apontar os elementos estéticos (“invenção”, “graça” e “arte”) que se sobressaem nas peças lidas, percebemos nitidamente o olhar crítico de quem conhece bem o objeto admirado e enxerga o seu valor como obra de arte que extrapola os limites impostos pela sua adjetivação (“infantil”), encantando a todos os públicos, não de forma gratuita, como simples entretenimento, mas ao fazê-los refletir sobre as coisas. É verdade que ele não especifica que tipo de reflexão é despertado pelo teatro da autora, todavia indica esse ponto como um denominador comum de toda a produção dela. Enfim, tais palavras denotam a admiração do poeta, especialmente, pela qualidade da obra lida, de forma que ele fala como leitor que, sobretudo, encantou-se após saborear uma leitura. Um dos mais bem conceituados críticos teatrais do Brasil, Sábato Magaldi, elogia, aconselha e parece “profetizar” em relação ao destino desse teatro, ao escrever, em 1951, no diário carioca, as palavras abaixo.

O espetáculo de O Tablado, nas diferentes partes, merece franco aplauso. Eis um grupo amador muito bem orientado e consciente de sua legítima finalidade. Gostaria que seu trabalho fosse mais regular e alcançasse maior público. Na pantomima, Maria Clara Machado deve aprofundar-se sempre, iniciando verdadeiramente o gênero entre nós [...] O Tablado tem uma missão a cumprir em nosso teatro amador (REVISTA DIONYSOS, 1986, p.173).

A partir de comentários como esse, percebemos que, quando o Tablado foi fundado, havia, realmente, uma certa euforia não apenas por parte de seus integrantes, mas também de alguns críticos, ao analisar os trabalhos realizados por eles. O fato é que este teatro era um dos movimentos que simbolizava novos rumos para a dramaturgia infantil no Brasil, por meio do talento já reconhecido de sua fundadora, que escrevia no e para o palco, de forma a contemplar o lado lúdico, artístico, ao contrário do que ocorria, predominantemente, no teatro infantil. 47

Nitidamente, a autora se destacou no cenário do Teatro Infantil Brasileiro desde o início da sua carreira. Em determinadas peças, parece falar apenas para os adultos, uma vez que as crianças não poderiam entender certos “recados”, críticas, mas a maneira velada com que o faz não apaga o encanto dos pequenos, não as tornam inadequadas para eles. De fato, Maria Clara Machado escrevia com maestria, primando pela estética do texto, por meio de um estilo, em que predominam a criatividade e a fantasia, atingindo públicos de diversas idades, encantando-os ao longo do tempo. Raquel Gorayeb (2004, p.233) destaca que “o Tablado constituiu-se como uma espécie de modelo em seu campo, com várias particularidades que o singularizavam: atividade permanente; uma estrutura firme e estável; um projeto consistente e coerente; características imutáveis, como a atuação sem fins lucrativos e o reinvestimento das receitas no próprio empreendimento; um alicerce sólido – a existência de um espaço teatral próprio; e, sobretudo, um traço que permeava tudo – a qualidade artística”. Contudo, ela afirma que este modelo não frutificou, pois não existe outro similar do Tablado no Brasil e talvez no mundo, ou seja, ele é único, não há outra escola de teatro e/ou grupo teatral igual, ao menos conhecida e divulgada nacionalmente até o presente momento. O Tablado ainda funciona ininterruptamente, de acordo com as informações que constam no link Histórico do site O Tablado, desde a sua fundação, em 1951, até 2005, foram montadas em média uma peça por ano7. A escola oferece aulas de improvisação para adultos, adolescentes e crianças a partir de 11 anos, ministradas por profissionais formados por Maria Clara, entre outros cursos extras oferecidos ao longo do ano, que tratam de temáticas diversas. Além disso, desenvolve projetos de estudo sobre autores, mostra de esquetes e leituras dramatizadas de obras literárias; exibe filmes e séries acerca dos autores estudados na cinemateca; entre outras atividades. Para Gorayeb (2004, p.234), o que, realmente, fez com que o Tablado subsistisse como a única companhia brasileira de teatro com mais de 50 anos de atividades ininterruptas foi a EDUCAÇÃO. Esta é a chave da sua perenidade. Isto é, por ter se mantido como uma escola não-formal e como uma companhia teatral simultaneamente, ele sobreviveu. Nas palavras da estudiosa, a

companhia teatral manteve-se, dessa forma, ao longo das décadas, amalgamada à atividade escolar como uma missão – uma missão de

7 No site, não constam montagens de peças no período de 2006 a 2008. 48

educador. A Educação foi, estou certa disso, a chave da sobrevivência. E é graças a ela, à sua escolinha, que o Tablado continuará.

O resultado disso é que, apesar de todas as transformações sofridas e da morte de sua fundadora, há mais de meio século, o Tablado se mantém como teatro-escola com marca e tradições próprias, cumprindo a sua missão de educar por meio da arte. Este lado da dramaturga merece uma atenção especial, visto que, além de ensinar no seu teatro-escola, ela refletiu sobre a educação de um modo geral no Brasil em artigos, entrevistas, depoimentos, entre outros, ao longo da sua vida profissional, como abordaremos posteriormente. Antes, para visualizarmos melhor como a dramaturga mineira concebeu a sua produção artística no papel, é preciso entender o seu processo de criação, como mostraremos no próximo tópico.

4. Sob o “mistério” da criação artística...

Maria Clara Machado, quando era indagada acerca do seu processo de criação, respondia:

Olha, é como perguntar para um criador como é que ele faz. Alguém perguntou ao Ingmar Bergman como é que ele criava. Ele deu uma resposta que eu gosto muito: - “Como eu faço cocô”. A gente cria porque é uma necessidade. Tem uma hora que você chega na máquina, senta e faz. Agora o que vem, por que eu fiz aquilo, por que eu elaborei, é da minha infância, da minha vida, das minhas experiências humanas, da gente com quem andei, dos meus pais, dos meus avós, entendeu? É aquele inconsciente coletivo, aquela coisa que vem de longe e que desabrocha na peça que você escreveu. Agora, é claro, tem a máquina, tem o trabalho de manhã, tem que copiar, tem que fazer à mão, tem que experimentar depois no palco. O grande privilégio que tenho, neste ponto eu acho que você tem razão, é eu ter tido, desde que eu comecei a escrever, um laboratório de que eu tenho tanto ciúme. Porque quem escreve para teatro e não monta a sua peça, isso é uma pena (REVISTA DIONYSOS, 1986, p.27-28).

Embora a escritora acreditasse que o processo de criação é um tipo de necessidade natural, que nasce a partir das experiências ao longo da vida do autor e das pessoas, vozes e ideias em sua volta, ela não confiava apenas no talento, prescindindo do trabalho. Para ela, criar também exigia esforço, empenho, dedicação, experimentação, entre outros elementos, por isso escreveu suas peças no palco. 49

Maria Julieta Drummond de Andrade, que foi bandeirante no mesmo período de Maria Clara Machado, no texto intitulado “O duende e o dragão”, sobre a peça O Dragão Verde, publicado no jornal O Globo, em 28 de julho de 1984, fala do poder de criação da dramaturga. Abaixo, citamos um trecho.

Tenho para mim, há muito, que Maria Clara Machado fica por aí, só fingindo que é gente. Não a vejo fantasminha, prima do Pluft, nem parecida com o Vento, que mostrava o mundo à menina curiosa, ou com João de Deus, que protegia Vicente em sua busca do cavalinho azul. Não sei direito o que ela é: talvez um duende espertíssimo, aprontando das suas, nos enganando sem malícia. Pois só uma criaturinha feericamente travessa seria capaz de, ao longo de 30 anos, criar personagens, situações e espetáculos como os que Maria Clara inventa, sem cessar, para encantamento de sucessivas gerações de crianças e adultos. Gente de verdade não faz isso, não (REVISTA DIONYSOS, 1986, 211).

Ao comparar a amiga a um duende, Maria Julieta Drummond ressalta este talento de criar e encantar, durante tanto tempo, várias gerações de crianças e adultos, como se esse fosse um dom sobrenatural, que não pertence a “gente de verdade, deste mundo”. Ao brincar com as palavras, ela revela o seu encantamento com o trabalho de Maria Clara, que de uma forma simples e criativa, reinventa velhas histórias ou cria outras em uma trajetória, considerada pela filha de Drummond, como “mágica”. A fundadora do Tablado considerava o teatro infantil algo “misterioso”, que não tem receita, como se os dramaturgos desse tipo de teatro fossem “predestinados”, nascessem com um talento nato. Em uma palestra, intitulada “O lazer como forma de educação”, realizada no Teatro de Municipal de Niterói, em 10 de abril de 1984, que faz parte do seu acervo na Fundação Casa de Rui Barbosa, ela afirmou que

(n)um espetáculo bem feito há perfeito entendimento entre os anseios ainda desconhecidos da criança e a realidade inexplicável do mundo misterioso que a rodeia. O mistério teatral é justamente essa identificação profunda em cores, ritmos, música, movimento e palavra com a alma do espectador (MACHADO, 1984, p.72).

Nessa citação, Maria Clara revela que o mistério da criação está em encontrar o caminho para sensibilizar o expectador na medida certa, revelando ao público infantil os seus desejos e explicando a sua realidade de uma forma que a faça se identificar com a peça vista, mesmo que não tenha consciência disso. Assim, é despertado o gosto e o encantamento das crianças que se projetam no espetáculo assistido pela via da 50 sensibilidade e não do senso crítico. Nesse caso, o mais difícil é encontrar esta medida que parece depender do talento mais do que do esforço do escritor. Por essa razão, como observa a autora, não tem muita gente produzindo obras para crianças que sejam perenes, pois não basta trabalhar com crianças para produzir, por exemplo, bons textos dramáticos, afinal ela já viu professores e psicólogos escrevendo textos horríveis para crianças. Logo, acreditava que “quem escreve para crianças e acerta é porque ganhou na loteria” (REVISTA DIONYSOS, 1986, p.33). A fundadora do Tablado considerava o teatro infantil muito especial, por causa da condição peculiar da criança. Na sua visão,

O teatro dirigido à criança é um teatro muito especial. Enquanto o público adulto pode pensar sobre o que viu, tem a capacidade, ou pelo menos deve ter, de criticar, de selecionar seus sentimentos para julgar o que está vendo, a criança só poderá captar o espírito da obra pelos seus símbolos. Ela adere totalmente ao que vê, identificando-se com os personagens, não fazendo ou não podendo fazer mais a divisão entre o que é ficção e o que é realidade (MACHADO, 1984, p.73).

Nesse sentido, se a criança ainda não desenvolveu o senso crítico como o adulto, necessita de um texto bem elaborado, com símbolos em que possa se projetar, por meio de personagens com os quais possa se identificar, de modo que não distinga a ficção da realidade, aderindo totalmente à peça por meio dos seus sentidos. Dessa forma, ela não precisa de explicações ou de discursos moralistas inseridos no texto dramático porque sabe ler a ação em si, sem a interferência obrigatória de um adulto. Nessa ótica, não apenas o público infantil, mas o adulto também necessita desse tipo de texto para que possa se projetar e sair um pouco da realidade em que vive mesmo que não haja essa adesão total ao que está sendo visto. Maria Clara não possuía uma receita para escrever um texto dramático, mas considerava o conflito indispensável na dramaturgia infantil, bem como o seu desenvolvimento e a sua resolução, dividindo uma peça em três partes: a apresentação da história, o desenvolvimento e o final. Assim, ela seguia, predominantemente, uma sequência linear dos fatos e primava por uma estrutura simples e funcional, fundamentada em um conflito que, ao final, era resolvido. Logo, o “tempero” a mais que tornava suas peças uma “gostosura”, como dizia Drummond, era a fantasia. Por exemplo: Na peça O rapto das cebolinhas, há, primeiramente, a apresentação da trama, quando, já na primeira fala o Coronel diz que 51 roubaram as suas cebolinhas da Índia, uma planta cujo chá é fonte de juventude, visto que toda a história girará em torno desse fato. Como podemos verificar na citação a seguir.

CORONEL: Roubaram! Socorro! Socorro! Roubaram o pé de cebolinha do Coronel Felício. Roubaram! (Pausa) Quem terá sido? Que teve coragem de roubar o pé da mais preciosa cebolinha que existe no Brasil? (MACHADO, 2001, p.56)

Durante todo o desenvolvimento da trama, o coronel procura pelo ladrão e é conduzido a suspeitar de quase todos, inclusive o cachorro da fazenda se torna o principal suspeito; no final, o conflito é resolvido no momento em que se descobre que quem roubou as cebolinhas foi Camaleão Alface, o detetive encarregado da investigação. Ele mesmo revela a farsa e os seus planos ardilosos para o público, em uma de suas falas.

CAMALEÃO: Há, há, há, há! O velhote crente que sou detetive! Detetive coisa nenhuma! (Arranca o bigode e a estrela de “sheriff”, joga-os ao chão) Sou mesmo é ladrão de cebolinhas!... Isso mesmo, (Para a platéia) ladrão de cebolinhas. Todo mundo vai pensar que foi o cachorro. Botei direitinho a culpa para aquele bobão... Darei dois tiros no bicho e todo mundo ficará pensando que foi ele o ladrão. Então poderei roubar o último pé de cebolinha. Farei o chá e venderei para todos os velhos que andam por aí querendo virar moços! Ficarei milionário! (MACHADO, 2001, p.92-93)

Realmente, essa peça se estrutura de uma maneira simples e os fatos transcorrem linearmente, o que poderia torná-la apenas mais uma história policial. Todavia, o texto é construído sob dois pilares fundamentais que o sustentam e o singularizam: a comicidade e a fantasia. Nesse caso, a fantasia é um elemento constante, sendo a mola- mestra que move a trama, por focar uma bebida que pode transformar os velhos em jovens novamente. É verdade que o mito da fonte da juventude é muito antigo na literatura e está presente no imaginário popular de várias culturas, mas a forma como a dramaturga “brinca” com ele é nova, haja vista que o elemento que tornava as pessoas jovens de novo eram cebolinhas e não água. Além disso, o cômico perpassa todo o enredo por meio de acontecimentos e personagens, por exemplo, o ladrão é uma caricatura de um xerife e os animais se comunicam com mímicas, imprimindo leveza e graça ao texto, sem o peso das lições de moral. 52

Maria Clara considerava um defeito escrever uma peça com lição de moral, de modo que preferia colocar um palavrão no texto para criança a esse tipo de mensagem, exemplificando:

– Minha filhinha, eu disse que você… Por exemplo, no Chapeuzinho Vermelho, se a mãe chegasse: ‘– Minha filha, muito cuidado, porque a vida...’ Aí você começa: ‘– Olha, o coelhinho é bom, porque ele obedeceu ao coelho pai’; ‘Olha como é que a cenoura se perdeu’; ‘Olha aí o...’ Essas histórias morais, que geralmente as peças infantis têm a tentação de dar à criança, em vez de ser um autor dramático, é um professor falando, viu? ‘Não faça isso, faz aquilo’. A gente pode fazer o bem vencer, a criança às vezes precisa ainda dessa dicotomia bem e mal, isso existe na cabeça da própria criança. Ela ainda não mistura as coisas (REVISTA DIONYSOS,1986, p.35).

Portanto, a teatróloga optava por deixar as “mensagens” consideradas importantes para as crianças de uma forma implícita, simbólica, para que fossem descobertas por meio dos sentidos, da identificação com os personagens e com os acontecimentos. Por exemplo, em vez de discursar sobre a violência, ela evitava cenas que a retratassem ou fizessem apologia a ela. Essa era uma das suas preocupações, por isso retirou algumas cenas de suas peças, em que os vilões eram surrados, por temer incitar uma postura violenta nas crianças, mas não incluiu em seus textos nenhum “discurso moralista”. Ela, de fato, preocupava-se com as necessidades interiores das crianças, considerava-as universais, de forma que acreditava que se fossem contempladas em uma peça, esta seria perene. Inegavelmente, Maria Clara Machado era “uma mulher de teatro” que vivia quase exclusivamente para as atividades teatrais, sendo altamente produtiva, exigente e comprometida com o seu trabalho. Ao lermos os seus manuscritos, por meio dos rascunhos de algumas obras, percebemos nitidamente o esforço de uma pessoa perfeccionista, que buscava sempre melhorar a sua produção, voltando a lê-la e a refazê- la. Os cadernos escritos à mão eram recheados de anotações e de reescrituras, bem como de marcas de dúvidas ortográficas, que sinalizavam a preocupação em elaborar “bons” textos. Seus textos também eram lidos por outros escritores, como Carlos Drummond de Andrade. Encontramos alguns bilhetes e cartas de Drummond, nas quais comentava as obras que lhes eram enviadas por ela, contribuindo significativamente para o seu aperfeiçoamento e sempre exaltando o talento dela. Ao final, em alguns textos, ele assinava como “tio”, o que denota o carinho que ele possuía pela amiga da sua filha 53

Maria Julieta8. O poeta escreveu várias crônicas sobre a dramaturga e o Tablado. Em uma das crônicas, ele comentou os 15 anos deste teatro e a sua trajetória. Abaixo, transcrevemos as suas palavras.

Quinze anos de teatro, qual o santo que resiste? Se alguém consultar os jornais de 1951, verá que nenhuma organização carioca daquele tempo continua a existir. Muitos conjuntos se fundaram neste “curto período”, muita coisa bonita se projetou e se executou, houve grandes momentos de dramaturgia empolgando o expectador, mas ninguém, nada resistiu à passagem do tempo e à variação das condições econômicas, técnicas e culturais em três lustros; o teatro avançou, caíram os conjuntos. Somente a plantinha frágil de Clara e seus companheiros – estes se substituindo a cada ano que passa, mas com um grupo de “fiéis” visceralmente ligados à sorte do Tablado – somente este arbusto de nada em que ninguém fazia fé continua vivo e verde que te quero verde: todo aberto em flor, depois de tanta colheita de frutos, de gosto que é uma gostosura (REVISTA DIONYSOS, 1986, p.187).

Nessa e em outras crônicas, Carlos Drummond de Andrade foca a resistência do Tablado ao tempo e a todas as crises, de forma que, mesmo desacreditado por muitos, ele permanece hoje, sempre se renovando e frutificando sem perder a sua identidade e sem se desviar da sua vocação de formador de talentos. Dessa forma, o escritor, por meio de sua sensibilidade, vislumbrou, desde o início, que apenas a “plantinha frágil de Clara”, sem pretensões grandiosas, conseguiria resistir, como nenhuma outra, inclusive, à morte de sua criadora. Embora os textos dramáticos de Maria Clara Machado sejam considerados literários, a escritora, em algumas entrevistas, insistia em se desvincular do terreno da Literatura, como observa Cláudia de Arruda Campos (1998, p.31). A hipótese levantada pela crítica é a de que talvez esse posicionamento tenha ocorrido devido à sua relação com o pai e ao ambiente literário com o qual conviveu em sua casa desde o seu nascimento. A filha de Aníbal Machado afirmava que nunca teve pretensões literárias e que sempre quis ser “gente de teatro”, optando por um gênero que dirige o seu olhar para o palco. Ela sempre se perguntava como a peça ficaria em cena e se preocupava muito com as questões de montagem. Contudo, efetivamente, o elemento literário – a poesia –

8 Não transcrevemos nenhum dos documentos escritos por Drummond porque não conseguimos contactar a família dele para pedir a devida permissão, já que eles pertencem ao acervo dele, embora tenham sido endereçados a Maria Clara Machado. 54

é indispensável, como fica explícito na sua concepção de teatro. Na sua visão, influenciada por Artaud, ela concebia o teatro para crianças da seguinte forma:

Se esta concepção de teatro revoluciona a velha idéia de que teatro é apenas literatura declamada, no teatro para crianças esse princípio se aplica em toda sua extensão. É pelos sentidos e não pela inteligência que a criança guarda suas primeiras impressões. Na idade em que a inteligência está apenas em desenvolvimento, é principalmente pelos sentidos que a criança chega às coisas. E que melhor meio de cultura e de educação do que o teatro “poesia em movimento no espaço”, para levar a criança aos maravilhosos domínios da realidade e do sonho? (REVISTA DIONYSOS, 1986, p.58).

É evidente que, na condição de dramaturga, Maria Clara escrevia suas peças para o palco, o que não significa que não possam pertencer também ao campo da Literatura, pois um fato não exclui o outro necessariamente. Dessa forma, as suas peças, por terem sido tão bem elaboradas, podem ser apenas lidas, mesmo que não tenha sido esta a pretensão da sua criadora. Nesse caso, o objeto fugiu do domínio da vontade do seu criador e alçou outros voos. Ela, inclusive, reclamava da falta de textos no teatro infantil. Segundo Maria Clara Machado,

(d)esse tipo de espetáculo o teatro está cheio, de teatro como um tipo de espetáculo só de corpo, de circo. Eu acho válido. É válido quando é bem feito. Você vai, é bom, é bonito. Agora, não tem um texto atrás. Isso é o que eu acho que está faltando no teatro. São textos, dramaturgia (REVISTA DIONYSOS, 1986, p.33).

À primeira vista, parece que nos deparamos com uma contradição na sua colocação, ao contrário ela mostra justamente a importância entre casar a palavra e o teatro, como uma experiência sensível, que não desconsidera a realidade da cena nem abdica do texto. Logo, evidentemente, primava pelo texto como elemento indispensável em um espetáculo teatral. Na ótica de Campos, “pode-se dizer que a autora trata de diferenciar-se não da literatura em geral, mas de ‘literatura’ no mau sentido que o termo assume no teatro, como hipertrofia do texto, atribuindo-se aos elementos do espetáculo uma condição ancilar” (CAMPOS, 1998, p.32). Trata-se de uma relação que divide opiniões, por não se ter a medida exata do papel que cada um – texto e performance – exerce em um espetáculo teatral. 55

Anne Ubersfeld (2005, p.01), em seu livro Para ler o teatro, embora direcione sua crítica aos diretores e atores, faz uma reflexão sobre texto e representação bastante elucidativa, quando se refere ao teatro como uma arte paradoxal, pois é “a um só tempo produção literária e representação concreta”. Ela concebe o texto como inatingível e eterno e a representação como instantânea e única, de modo que “se abre um abismo entre o texto – que pode ser objeto de uma leitura poética infinita -, e o que pertence a representação, de leitura imediata”. Dessa maneira, não se pode negar a distinção entre texto e encenação, visto que a natureza perene de um e a efêmera do outro não os tornam antagônicos, podem se completar, mas determinam os instrumentos conceituais utilizados para analisá-los. Tais instrumentos são distintos e específicos por abordarem objetos que não se confundem em sua essência, por isso a importância de considerá-los separada e conjuntamente, respeitando o lugar que ocupam como parte e/ou todo que forma a arte literária e teatral. Mais especificamente, em relação ao teatro e à dramaturgia infantil, Denise Moreira de Souza (1986) observa que o texto dramático possui uma existência múltipla – literária e teatral, de forma que, quando é encenado, direciona os elementos de qualquer representação, sendo seu referente e ganhando dimensão teatral. Já, na dimensão literária, ela defende que o texto apresenta uma relativa autonomia, isto é, não depende de tais fatores para ser apenas lido. Assim, a autora defende a leitura do texto dramático infantil e aponta um motivo para ser lido, inclusive pelos adultos, por

representar a redescoberta de um universo que ficou ofuscado durante todo o processo de amadurecimento e que só agora torna a motivar o horizonte de um adulto que tenta recuperar através da investigação do que se produz para a infância, tanto no campo ficcional como dramático, a poeticidade do cotidiano e da vida, que nasce com a infância (SOUZA, 1986, p.12).

O texto narrativo ou dramático para criança, na visão de Souza (1986, p.13), enternece, revigora a criança perdida, longe de sua própria intimidade, do saber e do mundo afetivo do adulto, remetendo-lhe a determinados segredos que apenas agora são redescobertos. Por isso, deve também ser lido na fase adulta. Nesse sentido, o seu posicionamento é encarar o texto dramático infantil como qualquer outro tipo de texto, sem inferiorizá-lo, pois tanto o texto adulto quanto o infantil são “formas de criação e de reflexão dirigidas a outros homens, não importa a idade”. Enfim, ambos passam pelos 56 mesmos processos de produção como obra de arte, sofrendo “igualmente o vigor transformador e criador da linguagem dramática”. Como qualquer outra produção textual, o texto dramático infantil possui características próprias. Nesse sentido, Souza defende que este deve ter dramatismo, movimentação, comicidade e seriedade, o que “envolve o movimento físico, a ação das personagens e o diálogo, sobretudo a mensagem que é veiculada e a forma de expressão que é empregada”. Então, independentemente do público a que se destina (infantil ou adulto), toda peça deve ser bem elaborada, para que seja considerada esteticamente boa. Denise Souza (1986) afirma que todo autor deve dominar a técnica de escrita de forma bem dosada e coerente, conduzindo bem a trama e apresentando unidade e globalidade sem prejudicar a compreensão do espectador mirim. Ao explorar o imaginário e a fantasia, sem eliminar o realismo que insere a história no contexto de vida da criança, proporcionando um desfecho feliz convincente, o teatro se adéqua ao público infantil e não o contrário. Todavia, sabemos que essa adequação não é fácil, talvez, por esse motivo poucas pessoas enfrentam o desafio de escrever para criança e o realizam de uma forma adequada, sem impor a linguagem, a visão e o mundo dos adultos aos pequenos, desrespeitando-os. Nesse contexto, Cláudia de Arruda Campos (1998, p. 20) afirma que a discussão sem resolução, desde o século XIX, sobre posições opostas que restringem o teatro ao texto e as que o confinam ao domínio da encenação se resolve no teatro infantil, devido às “exigências da prática, diante dos materiais com que trabalha e da especificidade do público”. Ela acrescenta que este “é um teatro sem pretensões literárias, no sentido que ‘literário’ assume na velha polêmica”, pois visa o caminho dos sentidos de forma assumida por todos os caminhos que lhe são oferecidos. Desse modo, não é um “teatro-texto”, mas um “teatro-espetáculo”, o qual inclui os recursos das palavras em seu arsenal. Em outras palavras, necessariamente, a leitura da peça infantil precisa considerar as rubricas e, mais ainda, ir além destas, “brincando um pouco com as possibilidades cênicas de cada recurso”. Campos (1998, p.20) não define o sentido de “literário” no contexto da polêmica citada e não esclarece o papel do texto no teatro infantil, ao opor “teatro-texto” e “teatro espetáculo”. Não acreditamos que este teatro, de alguma forma, prescinda do literário, principalmente, tendo em vista os textos escritos por Maria Clara Machado que encantam a crianças e a adultos sem distinção. 57

É fato que o texto e o espetáculo podem ser independentes e aliados ao mesmo tempo, uma vez que o texto dramático pode ser simplesmente lido sem ser encenado e há espetáculos teatrais sem texto. Contudo, isso não significa que haja apenas o espetáculo no teatro infantil, abdicando, assim, de um bom texto, afinal os sentidos também o constroem e estão presentes neste e não necessariamente precisam ser desconsiderados em tal âmbito. Portanto, por se tratar de linguagens diferentes, não significa que são opostas, tanto que podem se complementar, sem que um se subjugue ao outro. A estudiosa faz uma observação importante no sentido de que algumas peças de Maria Clara Machado nasceram de roteiros precários e foram construídas no palco a partir de ensaios e de improvisações. Ela exemplifica com o terceiro marujo em Pluft, que foi criado para incluir mais um ator no elenco; o nome da peça Um Tango Argentino, que surgiu em brincadeiras com o elenco; bem como a imagem de uma ventania que a dramaturga presenciou em Cabo Frio e que a inspirou para escrever A menina e o vento. É importante lembrar de que, em qualquer gênero literário, a ideia de concepção de um texto pode nascer de apelos internos ou externos, de aspectos relacionados aos nossos sentidos, de necessidades variadas, de experiências, enfim é impossível especificar todos os fatores que podem determinar a criação artística. Na obra escrita para adultos, Maria Clara Machado também segue o mesmo método: começa por um roteiro inicial e, depois, termina de escrever as peças no palco, alcançando um êxito reconhecido pela crítica. Na opinião de Yan Michalski, esboçada no artigo “As Interferências no Front do Tablado”, publicado em 22 de julho de 1966, no Jornal do Brasil:

A aluna de dramaturgia Maria Clara Machado aproveitou, brilhante, as lições da professora de dramaturgia infantil Maria Clara Machado. Esta ensinou àquela as bases da construção dramática, os critérios de uma verdadeira linguagem cênica e, talvez antes de mais nada, a eficiência dos símbolos. A filha de As interferências, se souber um dia escalar a montanha com a qual sonha, encontrará lá em cima o seu cavalinho azul (REVISTA DIONYSIOS,1986, p.189).

Ao dissociar a Maria Clara da dramaturgia infantil da Maria Clara da dramaturgia, colocando a segunda como uma aluna da primeira, o crítico mostra que a dramaturga escreve para o teatro adulto com os mesmos critérios utilizados no seu 58 trabalho para as crianças, sob os mesmos fundamentos que sustentaram a qualidade deste. Assim, embora tenha produzido apenas poucas peças direcionadas, especificamente, para os adultos durante toda a sua carreira profissional, escreveu-as com maestria e inovou no Tablado, mostrando uma nova face, que surpreendeu aqueles que a julgavam conservadora e ultrapassada.

3.1 Pode haver poeticidade no texto dramático?

No tocante à qualidade dos textos de Maria Clara Machado, um importante crítico teatral, Décio de Almeida Prado, afirmava que

as peças para ter um certo valor necessitam sempre de alguma coisa a mais, não podendo viver só da representação. Essa outra coisa, no caso de Maria Clara, são o senso poético e o senso de humor. As duas qualidades, de resto, são uma só, porque a poesia do texto está precisamente na fantasia cômica, exprimindo-se através da sugestão inesperada, surpreendendo-nos, pondo em funcionamento a nossa imaginação, como nos melhores e mais ingenuamente absurdos “cartoons” norte-americanos [...] Maria Clara não descreve teoricamente como são as crianças. Faz uma coisa mais difícil: mostra-as em ação diante dos nossos olhos, como uma realidade que é poética por ser tão depurada, tão simples e verdadeira (REVISTA DIONYSOS, 1986, p.176-177).

Prado ressalta o senso poético e humorístico da dramaturga como uma só qualidade que engrandece a encenação de uma peça, por criarem a atmosfera de fantasia, que surpreende o público, ao ativar a sua imaginação. O crítico mostra como ela realiza este trabalho e como é difícil realizá-lo de uma forma simples e verdadeira, sem prolixidade ou teorizações acerca do universo infantil. Tanto Campos quanto Souza, como vimos anteriormente, chamam a atenção para a poesia como um elemento recorrente na obra da dramaturga mineira, mas não citam exemplos e não explicam como é construída nessa produção dramatúrgica. Já Prado aponta como isso acontece, por meio do elemento surpresa, embora não exemplifique. Encontramos, na peça Pluft, o fantasminha, uma cena que ilustra a poeticidade expressa por meio da sugestão inesperada, apontada por Prado, quando Pluft faz a seguinte pergunta à mãe: “Mamãe, gente existe?” (MACHADO, 2001, p.171). Esse é 59 um momento poético pela singeleza e pela ingenuidade de cada palavra e também por surpreender quem as escuta ou lê, uma vez que é esperado que uma criança pergunte a sua mãe se “fantasma” existe, mas ninguém espera que um fantasma questione a sua mãe a respeito da existência de “gente”. Isso desperta a imaginação do leitor ou do espectador que mergulha na fantasia da imagem e se encanta. Para entendermos melhor como a poeticidade pode estar presente no texto dramático, recorremos ao formalista russo V. Chklovski (1976), que aborda a teoria poética de forma geral. Embora o estudioso não trate dessa questão no âmbito da dramaturgia especificamente, como não encontramos nenhum outro autor que tenha feito isto e por acreditarmos que a poesia não se restringe apenas a um gênero - o lírico, lançamos mão de alguns conceitos elaborados por ele, para analisarmos como ela aparece em algumas peças de Maria Clara Machado. Chklovski (1976, p.39-45) afirma que a “poesia é uma maneira particular de pensar, a saber um pensamento por imagens”. Diante de tal afirmação, surgem os seguintes questionamentos: se poesia é imagem, então quais imagens podem ser consideradas poéticas? Quais aspectos diferenciam uma imagem comum de uma imagem poética? Para ele, há dois tipos de imagens: a que é um meio prático de pensar e a que reforça a impressão. Nesse caso, obviamente, a poesia se enquadraria no segundo grupo, visto que o pensamento prático não é um caminho comum nesse tipo de arte, que, em geral, busca o contrário. Na visão do formalista, a imagem poética cria uma impressão máxima, isto é, não há como passar por ela e não percebê-la. O teórico chama a atenção para o fato de que, no campo das leis gerais da percepção, quando as ações são habituais, elas se tornam automáticas, tanto que os objetos são percebidos pelo lugar que ocupam, de modo que não nos detemos mais neles em si. Assim, é obtida a máxima economia de forças perceptivas, pois um objeto é dado por um dos seus traços sem que ele apareça à consciência, sendo enfraquecido como percepção, primeiramente, e, depois, como reprodução. Um exemplo dado pelo autor é o discurso quotidiano rápido, no qual usamos frases inacabadas que se explicam pelo processo de automatização. Logo, não é necessário pronunciarmos todas as sílabas de uma palavra ou todas as palavras de um discurso para que o nosso interlocutor entenda a mensagem que queremos comunicar, porque já estão gravadas no nosso inconsciente, como diz o ditado popular: “para bom entendedor meia palavra basta”. Segundo Chklovski (1976, p.45), a arte não apenas reconhece, mas dá a “sensação do objeto como visão”, singularizando-o, de forma que o seu “procedimento 60 consiste em obscurecer a forma, aumentar a dificuldade e a duração da percepção”. Podemos constatar isto na peça O boi e burro a caminho de Belém, em que a história do nascimento do menino Jesus, as personagens e os objetos são singularizados pela percepção emprestada aos animais, visto que são o boi e o burro que a contam. Diante desse texto, que é diferente da narrativa clássica, por não haver o reconhecimento do enredo da forma que estamos acostumados, dificilmente não perceberíamos os novos narradores, foco e visão impressos pela dramaturga mesmo em uma leitura rápida. Por sua vez, a inversão dos papéis das personagens na trama desarma qualquer processo de automatização que possa existir na cabeça do leitor ou do espectador, visto que os protagonistas da peça são o Boi e o Burro e as personagens secundárias são as pastorinhas, o pastor, os reis Magos, as rainhas Magas, Maria, José, o Menino Jesus e os anjinhos crianças. Além disso, o Boi e o Burro dominam as falas e usam máscaras como na Commedia dell’arte, os reis Magos se comunicam apenas por meio de interjeições e o Pastor fala pouco. Isso denota a intenção da autora de, durante toda a peça, deixar que os animais transpareçam sentimentos e emoções como os homens. O boi muge e o burro relincha, mas também se alegram, têm medo, raciocinam, brigam entre si e conversam com os seres humanos. Já os humanos não são animalizados, todavia não dominam as cenas, assumindo papéis ilustrativos.

BURRO: (Sempre resistindo, medroso) Hiiiii... (Aproximando-se do rei) Bom dia, rei. REI AMARELO: (Que durante todo o tempo ficou observando o céu pela luneta) Oh! (MACHADO, 2001, p.245).

Nesse sentido, como exemplo de imagens que podem ser consideradas poéticas, no contexto em que aparecem nessa peça, temos:

BOI: (Lambendo os beiços) E minha baba tem gosto de flores! (MACHADO, 2001, p.258)

BURRO: (Aproximando-se e parando de cantar) Mas o menino tem frio. (Puxa o boi para o proscênio e lhe diz baixinho) Quem sabe, boi, você aquece o pequenino com seu bafo quente? (MACHADO, 2001, p.259)

BURRO: (Pensa um pouco e acrescenta) E eu, com meu rabo, espanto as moscas (MACHADO, 2001, p.260). 61

Nos trechos acima, percebemos a poeticidade nas imagens por meio da percepção de gestos simples, os quais denotam carinho, preocupação, afeto ingênuo e desinteressado por parte das personagens; mas também pelo elemento surpresa. A autora não idealiza o acontecimento, excluindo imagens corriqueiras do cotidiano do estábulo, por exemplo, a baba, as moscas e o bafo do boi, ao contrário, retrata a realidade do lugar que era sujo por conter esterco, por isso deveria ter muitos insetos. Mesmo assim, o contexto em que essas imagens se encontram lhes imprime ternura e encanto e não asco, como normalmente acontece, pois é surpreendente se deparar com uma “baba que tem gosto de flores”. Há uma transfiguração de tudo diante do grande acontecimento do nascimento do Menino Jesus, inclusive das imagens, de maneira que nos dá a impressão de que a dramaturga quis mostrar isso na forma e na estrutura do texto, imprimindo novos sentidos para as palavras, enfim, transformando o que aparentemente é simples e insignificante em grandioso pela via da poesia. Portanto, ocorre uma nova percepção da antiga narrativa bíblica, de modo que não é percebida como habitualmente, havendo, claramente, uma mudança semântica específica no todo e em várias partes do texto, como mostramos. Nas palavras de Chklovski (1976, p.50; 54), o “objetivo da imagem não é tornar mais próxima de nossa compreensão a significação que ela traz, mas criar uma percepção particular do objeto, criar uma visão e não o seu reconhecimento”. Assim, nessa peça, há uma particularização da velha história do nascimento de Jesus porque a visualizamos de uma forma diferente, singular, sob a ótica do boi e do burro. Ele cita Aristóteles para afirmar que a linguagem poética “deve ter um caráter estranho, surpreendente” e deve ser criada “conscientemente para libertar a percepção de automatismos”, apresentando um olhar que representa o objetivo do criador e é construído de forma artificial para que “a percepção se detenha nela e chegue ao máximo de sua força e duração”. Realmente, é estranho se deparar com animais contando a história do Natal, o que seria impossível na realidade não-ficcional, por esse motivo tal imagem nos surpreende mesmo na literatura, onde tudo é possível. Logo, inevitavelmente, a nossa atenção se prende na história, não havendo como lê-la ou assisti-la de forma automatizada, sem perceber este fato. Assim, percebemos que textos dramáticos podem ser poéticos, visto que a poeticidade não se restringe apenas aos poemas, podendo ser encontrada em qualquer 62 gênero literário e mesmo em textos não literários. No caso de Maria Clara Machado, como apontaram vários críticos e evidenciamos em algumas de suas peças neste estudo, este elemento é recorrente, sendo um diferencial da sua obra.

3.2 O método “Clarislavski”

Após nos debruçarmos sobre a escrita de Maria Clara Machado, uma vez que discutimos que as suas peças foram criadas visando o texto e a performance, consideramos importante fazer uma breve nota sobre esta, embora não seja o foco do nosso trabalho. Quanto ao trabalho de preparação do ator, a performance, Maria Clara Machado foi influenciada, por alguns diretores, como Stanislavski, mas desenvolveu um método de trabalho próprio, baseado em “fazer com disciplina”, aliando talento, sentimento e técnica de uma forma bem equilibrada. Na sua perspectiva,

O que é importante na vida de um artista é fazer. Muitos têm talento e não possuem métier, outros ao contrário, mas o válido é que realmente se faça alguma coisa, honestamente. O que falta ao artista brasileiro tanto em teatro como em cinema é a disciplina. A bailarina pode ter um talento fabuloso, mas se não exercitar, não vai para frente e, em arte que dependa de muita gente, grupo humano como no cinema, é simplesmente impossível fazer-se qualquer coisa sem disciplina. O brasileiro tem mania de ser tudo, cenógrafo, figurinista, ator, diretor, autor de script, ele quer ser um “deusinho”... Normalmente ensaio um mês e meio a dois uma peça, dependendo de quantos atos ela tenha. Sonhos de uma noite de verão de Shakespeare, por exemplo, levou quatro meses de exaustivos ensaios. O teatro fora de dúvida evoluiu muito, o método Stanislavski, por exemplo, foi uma reação contra o excesso da técnica, isto é, o pessoal antigamente representava de fora para dentro, o artista que queria demonstrar desespero corria até a cortina e dava dois “Ah!” de arrebentar o peito. Com Stanislavski, na Rússia, o teatro realmente modificou-se pois passou a ser interiorizado, representando os atores exatamente aquilo que sentiam. Nos Estados Unidos, o Actor’s Studio exige tanto que os artistas “sintam” que eles acabam histéricos. Mas agora, nós temos que chegar a um equilíbrio, tirar do personagem as tripas esquecendo a técnica também está errado. Eu sempre digo que uso o método “Clarislavski”, que é um meio termo bem dosado” (REVISTA DIONYSOS, 1986, p.19-20).

Em outras palavras, o segredo do sucesso de um artista está em ter talento e método, por isso ela desenvolveu um método próprio de trabalho, baseado em 63

Stanislavski, que aliasse técnica e sentimento de modo equilibrado. Nessa perspectiva, cada um se dedica a desenvolver o seu papel (ator, diretor, cenógrafo etc.) dentro do espetáculo da melhor forma possível, ocupando o seu espaço e trabalhando em conjunto sem centralizar as tarefas. Isto não significa que não seja importante, por exemplo, na condição de diretor, saber sobre figurino, cenografia, iluminação, entre outros elementos inerentes à representação teatral, para poder realizar bem o seu trabalho. Se analisarmos a trajetória da mineira, veremos que começou como atriz, mas logo descobriu que a sua vocação era ser dramaturga e diretora, por isso assumiu estes papéis e se dedicou exaustivamente a essas tarefas, procurando sempre realizá-las com “perfeição”. Ela conhecia bem o seu trabalho, para poder exigir o melhor daqueles que trabalhavam com ela. Assim, apesar de se reconhecer como “autoritária”, não foi mesquinha e não se esquivou de ensinar e formar muitos profissionais – atores, diretores, cenógrafos, figurinistas, entre outros – uma vez que, sobretudo, foi uma professora na escola do Tablado. Como Maria Clara também revelou a face de educadora ao longo de sua vida, exercendo o magistério e refletindo sobre ele em vários artigos, vale analisar, no próximo tópico a sua trajetória e a sua concepção de educação, o que, com certeza, contribuirá para enriquecer o trabalho que realizaremos em sala de aula com as suas peças.

4. A educadora: esboço de um olhar...

Maria Clara Machado iniciou a sua vida profissional como professora de teatro ao substituir um colega no Conservatório de Teatro do Rio de Janeiro, tornando-se, posteriormente, funcionária efetiva. Contudo, exerceu o magistério em sua plenitude no Tablado, onde ministrou aulas até o fim de sua vida. Ela possuía uma visão de Educação que priorizava a construção do saber e a criatividade, como podemos observar em alguns dos seus artigos e livros publicados, nos quais refletiu sobre a presença do teatro na escola, apontando os problemas e apresentando sugestões, como em 100 jogos dramáticos e em Como fazer teatrinho de bonecos. Ao comentar sobre o teatro na educação no Caderno 52 e no artigo intitulado “Teatro na Educação”, publicado na Revista Dionysos, Maria Clara defende que desenvolver a criatividade, também, é tarefa do bom educador e critica a educação que 64 cerceia a capacidade de criar, chamando-a de instrução. Ela definia “criar” como uma atividade contínua que, embora não ofereça diploma, dá uma sensação perene de se caminhar para uma existência plena, por esse motivo era contra a entrega de soluções prontas para as crianças, porque isso desestimulava a criatividade delas. No artigo “Teatro Infantil”, parte do acervo da Casa Rui Barbosa, a professora do Tablado mostra, claramente, o seu conceito de educação, enfatizando a diferença entre educar e instruir em um longo parágrafo.

Educar é fazer a criança abrir os olhos para o mundo que a rodeia e dar oportunidades para que ela descubra este mundo. É despertar na criança a necessidade de uma atitude criadora. Muitas vezes confundimos educação com instrução. Podemos instruir uma pessoa ensinando-lhe como escovar os dentes, como vestir uma meia, como fazer um embrulho, como marchar, como decorar a letra de uma canção. Nestes casos ela estará aprendendo uma série de fórmulas que devem ser seguidas para melhor desempenho de cada função. Mas educação é coisa mais difícil. Quando estamos tentando educar, estamos procurando apenas mostrar caminhos, abrindo estradas, para que a criança possa descobrir sozinha suas próprias possibilidades. Temos, nós, os educadores, de despertar no aluno uma atitude criadora, isto é, mostrar a ele sua capacidade de inventar e transformar. Vou dar um exemplo: mostrar a diferença entre instruir e educar. Se eu quero instruir eu digo: toma aqui este pedaço de papel e este lápis. Você vai desenhar uma casinha assim, e faço o desenho. Aqui você vai desenhar uma árvore assim e depois vai colorir a árvore com este verde, e a casa amarela assim. A criança copia e aprende a fazer a árvore e a casa. Está se instruindo. Há uma outra maneira de ensinar. É dizendo assim: aqui tem papel e lápis. Faça uma casa e uma árvore. Pronto. Aí estaremos educando. A criança sozinha vai começar a pensar e a escolher. Talvez da árvore e da casa ela faça um avião e um barco, mas cabe a ela, sozinha, verificar que está enganada, que deveria ter feito a casa e a árvore (MACHADO, s/d, p.01).

Por meio dessas palavras, Maria Clara Machado se reconhece como educadora e revela a sua concepção de educação, ao assumir uma postura contrária à da simples instrução, que visa apenas oferecer conhecimentos prontos aos alunos, de modo que aprendam sem interação, reflexão e questionamentos. Ela é didática ao expor as suas ideias em relação a essa área, mostrando, por meio de exemplos práticos, procedimentos metodológicos que diferenciam o ato de instruir do de educar, como observamos na citação. Nesse ponto a visão de Maria Clara se aproxima da de , quando ele discute a educação imposta pela escola. O autor denomina esse tipo de educação como 65

“bancária”, no livro Pedagogia do oprimido (2009), porque a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante, que transfere e transmite valores e conhecimentos, conduzindo-os à memorização mecânica dos conteúdos. Dessa forma, os alunos recebem, guardam e arquivam os depósitos, de modo que “(q)uanto mais se deixem ‘encher’, tanto melhores educandos serão”. Para Freire, “não há criatividade, não há transformação, não há saber” nessa visão distorcida de Educação. A educação bancária se fundamenta na concepção do saber como “doação” dos professores (os sábios) para os alunos (os ignorantes), manifestando-se como um instrumento da ideologia da opressão, visto que há a absolutização da ignorância de maneira que o educador será sempre o detentor do saber, enquanto o educando será sempre o que não sabe (FREIRE, 2009, p.66-67). A escritora mineira não utiliza o termo “educação bancária” em suas reflexões, mas a expressão “instruir”, que se contrapõe ao ato de “educar”, que na sua concepção, era “fazer a criança abrir os olhos para o mundo que a rodeia e dar-lhe a possibilidade de se maravilhar com cada nova descoberta que ela mesma vai fazendo do mundo que a cerca” (REVISTA DIONYSIOS, 1986, p.61). Nesse sentido, a educação é interativa, não depende apenas do professor, uma vez que o papel deste é o de auxiliar na descoberta e na construção do conhecimento, para que o aluno participe efetivamente processo de ensino e de aprendizagem e não seja um sujeito passivo que apenas “memoriza” os conteúdos impostos pelos currículos escolares. Para ela, a educação se fundamenta no desenvolvimento da criatividade dos alunos e não na apresentação de soluções prontas, de forma que são os alunos que devem construir o conhecimento, pensando e escolhendo os caminhos sozinhos. Percebemos, portanto, que a visão de Educação de Maria Clara corrobora com a de Paulo Freire também quando defende a autonomia de ser e do saber do educando, quando o enxerga como um sujeito ativo na construção do saber e considera o seu conhecimento prévio e de mundo. No livro Pedagogia da Autonomia (1996), Freire concebe o aluno como um ser social e histórico, que não chega vazio na escola, como um depósito a ser preenchido pelos conteúdos escolares, mas traz o seu conhecimento que deve ser respeitado. É importante observar que a educadora faz uma análise de como o nosso sistema educacional funciona, da maneira como o ensino regular é oferecido às crianças, problematizando-o e apontando caminhos para melhorá-lo. Embora não tenha sido professora de educação infantil, conhecia a realidade das escolas brasileiras e a 66 questionava, porque se preocupava, sobretudo, com as crianças, com o seu desenvolvimento físico, psicológico e afetivo. Por essa razão, sabia da importância de mostrar caminhos para que a criança descobrisse suas potencialidades e despertasse a sua criatividade, também pela via da educação escolar. Como são dois autores contemporâneos e Freire é um dos grandes pensadores da área de Educação, poderíamos pressupor que ele a influenciou, entretanto não há, em seu acervo, nenhuma referência a este educador. No livro 100 jogos dramáticos, a autora discute os direcionamentos que o ensino deveria seguir em nosso país: “O objetivo do ensino deveria ser formar gente para viver num determinado lugar e não formar diplomados ignorantes de seus próprios problemas, adormecidos por erudição não digerida” (MACHADO, 2001, p. 9). A educadora não concordava com os currículos escolares, repletos de conteúdos teóricos, que não correspondiam e não se adequavam à realidade dos alunos, de modo que defendia que a escola se aproximasse da vida cotidiana das crianças e dos jovens, ensinando-os a refletir sobre o lugar em que vivem e a agir criticamente. Inclusive, chama atenção para o fato do currículo brasileiro da escola primária (Ensino Fundamental) ser muito mais sobrecarregado de matérias do que os currículos americanos e europeus. Nesse sentido, ela radicaliza (e tem consciência de que choca) ao mandar os alunos e professores fecharem os livros, para não continuarem assoberbados

cada vez mais de teorias, de idéias, muitas vezes aplicáveis a outros países mais desenvolvidos, mas que no Brasil só servem para sobrecarregar a inteligência, sem enriquecer a sensibilidade, que, desenvolvida, abrirá muito mais satisfatoriamente as portas para uma cultura de fato e não de fachada (MACHADO, 2001, p. 10).

Maria Clara aponta para o fato de que, se a criança que estuda o Ensino Fundamental for instigada a prestar atenção nas pequenas coisas que a rodeiam, aprendendo a tirar conclusões, aguçará a curiosidade, o espírito inventivo e a imaginação. Assim, “(a)prendendo a absorver o mínimo, a sua ânsia de absorver o máximo começa a se desenvolver e ele (menino) aprende também a raciocinar, a desejar mais, a não se contentar com o pouco” (MACHADO, 2001, p. 10). Isso significa que o currículo escolar deve priorizar os conteúdos que as crianças necessitam no seu cotidiano, para que tenham condições de refletir e atuar de forma ativa, reflexiva e construtiva na sua realidade, buscando melhores condições de vida por 67 meio da educação. Enquanto a escola permanecer distante da vida real do seu corpo discente, continuará impondo um ensino “alienado” que não forma para a vida, mas apenas informa uma grande parte de conteúdos que os alunos nunca saberão a importância, porque não serão necessários em suas vidas. Essa preocupação está presente também na obra Por quê? (1967), uma adaptação de um livro de professores franceses Christiane Anglade, Lucie Helenbrand, Odette Korach e Charlotte Vandier, na qual mais uma vez Maria Clara critica as escolas por obrigar as crianças a “engolir” conhecimentos descontextualizados da realidade delas e não responder aos seus questionamentos sobre as primeiras descobertas no mundo. Esse livro é dividido em 10 capítulos – “Vamos passear”, “Amemos os animais”, “As nossas amigas plantas”, “No céu”, “O que somos nós”, “Portemo-nos bem”, “Nós somos sábios”, “Em casa”, “Na vida prática” e “A vida em sociedade” –, os quais englobam perguntas e respostas acerca de cada assunto, explicitado no título, de forma adaptada para a realidade brasileira. Para ilustrar a necessidade de um livro como esse, Maria Clara conta a história do psicólogo Flournoy que, quando criança, foi obrigado a decorar os departamentos franceses e suas capitais de tal forma que nunca os aprendeu bem, devido a sua má vontade em relação ao assunto. Ela cita o questionamento de Flournoy acerca da rotina absurda do ensino, a qual aprisiona o aluno, de modo que ele se torna resistente a aprender o que é ensinado. Assim, apresenta um dos grandes problemas da educação infantil, que não consegue responder às perguntas das crianças. Aponta, então, para o papel do adulto no processo de aprendizagem, que é ativar com cuidado o interesse íntimo da criança para buscar o conhecimento do qual necessita e que está apta a construir. A dramaturga observa que qualquer criança tem a capacidade de questionar os adultos sobre tudo, pois possui uma grande curiosidade que se materializa por meio das “famosas perguntas” conhecidas por todos nós. Ela mostra que “cabe ao educador preservar – exercício preparatório que possibilitará à criança transformar-se num futuro cientista ou artista”. Por isso, adaptou o livro dos professores franceses para as crianças brasileiras, com o objetivo de “pôr em prática estas idéias, muito conhecidas e pouco realizadas” (MACHADO, 1967, p.09). Dessa forma, na elaboração da adaptação, foi seguida a orientação de apresentar duas repostas, uma mais extensa e outra mais curta, para a mesma pergunta, no intuito de servir às crianças menores e às maiores, bem como aos pais que se interessarem em 68 usar o livro, para estabelecer um diálogo com os filhos e, assim, reviverem “a alegria das primeiras descobertas”. Maria Clara Machado considera a possibilidade de diálogo mais importante que a leitura solitária. Apresentamos, a seguir, uma das perguntas com as respectivas respostas, talvez as mais ouvidas pelos pais, especialmente, toda manhã, quando exercem a difícil tarefa de acordar os seus filhos muito cedo, para irem à escola.

POR QUE É PRECISO IR À ESCOLA?

Resposta curta:

Que seria, no mundo moderno, de uma pessoa que não soubesse ler, nem escrever, nem contar? Para aprender tudo isso é preciso ir à escola. Afinal, seria bem cacête ficar sòzinho No meio de gente grande, que não sabe mais brincar!

Resposta longa

No Brasil, apesar de o ensino primário ser obrigatório e gratuito, há falta de escolas e mestres, o que permite apenas uma minoria do povo ter instrução primária. Nosso progresso, porém, exige que tal situação seja modificada. Por isso é grande a responsabilidade dos que conseguem instruir-se em relação a seus compatriotas menos favorecidos.

A análise das respostas revela que, além da extensão, apresentam variações de registro da língua diferentes, de maneira que a primeira é mais informal, usa a palavra “cacête”; e a segunda, mais formal, por meio de expressões, por exemplo, “instrução primária”, “instruir-se em relação a seus compatriotas menos favorecidos”. A primeira resposta começa com outra pergunta e mostra a escola como o lugar onde se aprende conhecimentos importantes para se viver no mundo atual e proporciona uma maior interação social entre as pessoas, insinuando que, fora desse espaço, não se pode aprender nem interagir de tal forma. As palavras usadas nesses termos e tom, nitidamente, são um meio de convencer as crianças acerca da importância da escola nas suas vidas. Já a última resposta lança mão de uma linguagem direcionada mais para os pais do que propriamente para crianças maiores, pois dificilmente entenderiam tais palavras, 69 restringindo-se a comentar um dos problemas do ensino brasileiro por não ser acessível a todos e da responsabilidade que a minoria instruída tem de mudar tal situação. Desse modo, há uma mudança de foco – uma se centra na necessidade individual do conhecimento e a outra na coletiva. Esse livro foi lançado na década de 1960, por esse motivo está desatualizado em relação à realidade da educação no país, visto que houve uma ampliação significativa da rede escolar, de forma que a maior parte das crianças está matriculada nas escolas públicas e particulares. De acordo com o Censo Demográfico 2000 (IBGE, 2002), 94,9% das crianças entre 7 e 14 anos estão matriculadas na escola, das quais 79% está matriculada na rede pública de ensino. Embora possa expressar uma visão, aparentemente, simplificada de Educação, ao afirmar que só se aprende a ler e a escrever na escola, a justificativa não recai na educação formal como única solução, mas na construção do conhecimento por meio da interação com outras crianças. Também, o fato de “falar” a linguagem dos pequenos e dos pais, é uma iniciativa louvável, que delineia uma nova perspectiva para a construção do saber na década em que a obra é publicada, haja vista que evidencia uma grande preocupação com a criança, com a sua forma de pensar e de ver o mundo. Assim, o livro atende ao objetivo de auxiliar os pais na difícil tarefa de educar os seus filhos em uma época em que a educação escolar era um privilégio de poucos. Em uma palestra, Maria Clara Machado ainda destacou a importância do papel dos pais na educação dos filhos, de se interessarem pelo dia a dia deles, de lerem para eles, enfim de participarem, efetivamente, das suas vidas. Nas suas palavras,

Então, reeduque-se a você mesma. Leia as coisas que seu filho está lendo, que você não agüenta porque é chato: “To falando, filho: Lê! Lê, porque está muito chato: Então é preciso escolher o que ele tem que ler. Tem coisa boa também![..] O que que sobrou da literatura antiga?- Os contos de Grimm, os contos de Anderson, não é verdade? Monteiro Lobato: O que sobrou? – Alice no País das Maravilhas. No cinema, os irmãos Marcs, Carlitos... Conta. Conta no dedo o que tem pra criança. Por que isso? Porque é difícil! Porque parece fácil. Porque engana. Porque tapeia. E a mãe está louca pra ser tapeada, porque ela está exausta. Então é aquela coisa, viu?: “ - Eu quero ver minha novela”. “ – Eu quero ir pra cama”. “ – Eu quero ler o meu livro”. “ – Eu quero ir pro meu cinema”. “ – Eu quero sair com o meu marido”. 70

E as crianças? E as crianças? Que se danem! Que se danem! E vocês leram no Jornal do Brasil de ontem? Aquele assunto de uma escola da Califórnia? Vocês leram? Faziam sexo com uma criança de sete anos, e que os pais não sabiam, e lá estava a pornografia? Há dez anos que os filhos estavam na escola. Ninguém sabia de nada! Porque os pais viam que os filhos estavam meio esquisitos, mas nem perguntavam, nem se interessavam, porque a escola era ótima. Que coisa perigosa, hein?! (MACHADO, 1984, p.11)

Nessa citação, a educadora do Patronato da Gávea ressaltava a questão do exemplo paterno como um elemento fundamental na formação dos filhos. Ela apontava para o fato de os pais estarem cansados e de não terem tempo para as crianças, por essa razão são desatentos, negligentes e não participam de modo efetivo do seu desenvolvimento, confiando a educação dos filhos apenas à escola. Assim, tentava mostrar os malefícios dessa postura, ao relatar um caso de pedofilia ocorrido nos EUA. Enfim, por meio de livros, palestras, artigos e outros meios, a dramaturga sempre esboçou muita preocupação com a educação das crianças tanto em casa quanto na escola, por ter dimensão da sua importância na vida de todo sujeito em formação. Outra preocupação de Maria Clara Machado era a de que a educação também deveria estar aliada à arte, mais, especificamente, ao teatro. Ela se preocupou com isso desde o tempo em que foi bandeirante, como pudemos verificar ao ler o artigo “Alfabetizando”, no qual mostra o papel das pessoas que fazem a educação artística das crianças:

A função do professor, do educador, daqueles que pretendem educar a criança através da arte, seja desenho, música ou teatro, é dar a criança instrumentos para que ela descubra o seu próprio caminho. Esse caminho ela vai descobrir através das práticas de criatividade. Criar é uma atividade permanente, que dará a criança uma sensação de constante caminhar para uma maior plenitude de existência, uma maior capacidade de apreciar o mundo, e o que é mais importante, tirar dele prazer de viver (MACHADO, s/d, p.01).

Nesse trecho, a autora evidencia mais uma vez a importância da criatividade para a vida das crianças, como fonte de prazer. Ela não especifica quais são os instrumentos que devem ser dados pelos professores nem as “práticas de criatividade”, as quais fazem parte desse caminho que deve ser descoberto pelos alunos. Contudo, a filha de Aníbal Machado acreditava que o caminho para levar o público ao teatro era oferecer uma educação para o teatro nas escolas. Quando esteve à frente do Serviço dos 71

Teatros e Diversões do Estado da Guanabara, uma das suas iniciativas foi estudar essa alternativa e encaminhar projetos para tentar concretizá-la. Em sua opinião, é

nas escolas que tem de começar a educação para o teatro. Não a de atores, mas a de público. A preparação de professores para realizar jogos dramáticos com as crianças de escola é o primeiro passo, e o assunto já está sendo estudado e encaminhado; já existem alguns elementos aptos a realizar esse trabalho e a questão é não querer fazer mais do que é possível no momento, mas fazer tudo o que é possível, e preparar o caminho para que no futuro seja sempre possível fazer mais (REVISTA DIONYSIOS, 1986, p.184).

Maria Clara aponta, nessa citação, um caminho concreto no sentido de educar para o teatro: preparar os professores para que realizem o jogo dramático nas escolas, mostrando que a educação para o teatro tem como objetivo formar “público” e não atores. Nas sugestões metodológicas desse trabalho, seguimos essas orientações da dramaturga e incentivamos os professores a fazerem o jogo dramático como no último capítulo desta pesquisa. Em suma, Maria Clara transformou o Tablado, ao longo do seu desenvolvimento, em uma escola, por causa da sua vocação de educadora e de formadora atenta às necessidades da realidade que a cercava, tanto que, segundo Raquel Gorayeb (2004, p.231), semeou, entre os professores que atuam no Tablado, a consciência de que estão fazendo educação pela arte nos “cursos livres” e de que esse trabalho possui uma natureza essencialmente pedagógica, de modo que não preparam apenas artistas, mas indivíduos críticos e atentos ao seu papel de cidadãos. Logo, a dramaturga criou uma escola e formou professores empenhados em promover o desenvolvimento pessoal da criança por meio das atividades desempenhadas naquele espaço. Maria Clara Machado foi uma educadora atenta à realidade do seu meio e de seu país. Essa face pouco conhecida de uma das dramaturgas mais importantes do Teatro Infantil Brasileiro nos revelou uma grande mulher de teatro e da educação, que, mesmo antes de iniciar a sua carreira teatral, já era sensível, questionava e refletia sobre o sistema educacional imposto às crianças. Portanto, em livros, artigos, entrevistas, palestras, entre outros trabalhos, deixou uma contribuição valiosa, especialmente, para os professores que, como ela, questionam e querem melhorar o ensino oferecido nas escolas do Brasil. 72

CAPÍTULO II

A “ALQUIMIA” DE MARIA CLARA MACHADO: DO SÉRIO AO CÔMICO

A gente cria porque é uma necessidade. Tem uma hora que você chega na máquina, senta e faz. Agora o que vem, por que eu fiz aquilo, por que eu elaborei, é da minha infância, da minha vida, das minhas experiências humanas, da gente com quem andei, dos meus pais, dos meus avós (...)

Maria Clara Machado 73

Maria Clara Machado acreditava que a “magia teatral pode ser um fator de grande importância na educação emocional da criança” (s/d), como aponta no artigo “Teatro para crianças”, parte do seu acervo presente na Casa de Rui Barbosa. Assim, os pequenos podem aliviar as suas tensões, suas ansiedades e os seus medos, uma vez que, ao se identificar com as personagens, que funcionam como símbolos, irão transferir todos esses sentimentos para elas. Por esse motivo, a autora considerava importante, na formação psicológica das crianças, adaptar histórias de fadas para o teatro, para que tais sentimentos interiores fossem exteriorizados e resolvidos por meio da ficção. Na sua visão, quando a criança “entra no mundo do faz-de-conta, ela deixa o mundo concreto e hostil, para se transportar a um país longínquo, cheio de cavernas, de castelos, na pele de animais ou de fadas” (Idem). Percebemos, então, que a escritora optou conscientemente pela adaptação de contos de fadas para o teatro, depois de ter duvidado, durante muito tempo, da importância de transmitir uma visão realista do mundo às crianças, tratando de temas como: o dever, o amor, a pátria, a família, o preconceito, entre outros. Nesse percurso, um livro foi determinante para que ela traçasse o seu caminho como dramaturga – A psicanálise dos contos de fadas, de Bruno Bettelheim (2008), pois, por meio dessas reflexões, descobriu que a realidade poderia ser mostrada na sua obra não como de fato é, mas de uma forma mágica, transfigurada. Ao ler a obra de Maria Clara Machado, observamos que ela escreveu várias peças adaptadas a partir de contos de fadas, logo vislumbramos uma vertente nova de estudo, visto que o interesse da dramaturga por essas narrativas era evidente e, também, porque esse campo ainda não havia sido explorado em pesquisas realizadas acerca da sua produção teatral. Nesse percurso, foi necessário relermos os contos, conhecermos um pouco da sua história, com o objetivo de refletirmos mais sobre eles e entendermos melhor o motivo de terem permanecido ao longo do tempo, encantando tantas gerações em diferentes culturas. Depois, voltamos a ler as peças, com a intenção de observar como ocorreu o processo de adaptação, realizado pela autora, para o teatro, apontando semelhanças e diferenças entre os contos e as peças. Para isso, recorremos, sobretudo, à teoria do Palimpsesto9, do crítico literário francês Gérard Genette (1982), no intuito de

9 O livro Palimpsesto foi traduzido parcialmente por alunas da UFMG e os extratos, utilizados neste trabalho, foram publicados na revista Viva Voz em 2006 e 2008 (edição bilíngue). Também, recorremos à tradução da obra realizada por Mariana Mendes Arruda, na sua dissertação “Em cartaz, : a adaptação do romance Benjamin para o cinema”. 74 estabelecer uma relação entre os textos estudados por meio das operações elaboradas por ele. Nesse processo, descobrimos que os textos dramáticos e as narrativas estão intimamente entrelaçados, por essa razão resolvemos mostrar alguns desses laços que os unem, mas também os individualizam como obras distintas. Essa análise foi importante para visualizarmos, concretamente, o ato e o modo de escrever de Maria Clara, expostos no capítulo anterior, bem como para conhecer mais detidamente o objeto que sugerimos ser trabalhado em sala de aula no último capítulo. Acreditamos que, desse modo, o professor, ao ler um estudo mais aprofundado da obra que irá trabalhar, terá mais conhecimento e, consequentemente, mais segurança em sala de aula, para desenvolver as propostas apresentadas neste estudo.

1. Percurso histórico dos contos num “passe de mágica”

Não é possível determinar quando surgiram os contos de fadas, por se tratarem de uma produção anônima e coletiva que acompanhou o desenvolvimento humano sobre a face da terra, testemunhando a sua forma de ver e sentir a vida. Estudiosos do século XIX, que pesquisaram a literatura folclórica e popular da Europa, consideram que as narrativas populares maravilhosas remontam a séculos antes de Cristo, afirmando que elas provêm de fontes célticas e orientais assimiladas por textos europeus a partir da Idade Média. Robert Darnton (2001), em sua obra O grande massacre dos gatos, afirma que os contos de fadas são documentos históricos, que surgiram ao longo de vários séculos e sofreram diversas transformações em diferentes tradições culturais. O autor mostra que os camponeses franceses do século XVIII narravam, por meio dos contos, um mundo de brutalidade, cheio de sodomia, incesto e canibalismo, pois, como qualquer contador de história, adaptavam o cenário de seus relatos ao seu próprio meio. Eles, contudo, mantinham intactos os principais elementos ao utilizarem repetições, rimas e outros dispositivos mnemônicos, de forma que estudos comparativos demonstraram 75 semelhanças em diferentes versões do mesmo conto, apesar de terem sido feitas em aldeias remotas, muito distantes umas das outras. O crítico apresenta uma versão do conto Chapeuzinho Vermelho como era narrada pelos camponeses franceses no século XVIII, diferente das versões de Perrault e dos Irmãos Grimm, que são as mais conhecidas hoje. Em seguida, ele questiona as análises psicanalistas feitas a partir de versões que não existiam no século XVII e XVIII, tentando decifrar o universo mental dos camponeses que narravam os contos populares por meio de símbolos que, para o autor, nunca existiram. Logo, os contos não expressam “as imutáveis operações do ser interno do homem” (DARNTON, 2001, p.26), mas evidenciam que as mentalidades mudaram com o tempo. Para Darnton, alguns psicanalistas abordam os contos de forma horizontal, desconsideram o seu contexto histórico, de modo que não questionam sua origem e os significados que possam ter tido em outros contextos, realizando um estudo atemporal. Diante desse contexto, o crítico desaconselha fazer uma interpretação dos contos baseada em uma única versão e em um único conto, bem como em análises simbólicas de detalhes que podem não fazer parte da versão dos camponeses, visto que, hoje, só se pode saber em linhas gerais como os contos existiram na tradição oral. Por isso, em relação ao conto, é “possível estudá-lo ao nível da estrutura, observando a maneira como a narrativa é organizada e como os temas se combinam, em vez de nos concentrarmos em pequenos detalhes” (DARNTON, 2001, p.33). Neste trabalho, seguimos essa perspectiva, de forma que nos detivemos na estrutura das narrativas selecionadas, realizando uma análise comparativa sem abordar elementos simbólicos interpretados a partir de versões únicas dos contos. Uma das nossas preocupações foi selecionar uma versão para fazer uma análise comparativa entre os contos e as peças, porque não seria possível comparar, agora, todas as versões existentes de todos os contos, tendo em vista que, de acordo com Darnton (2001), há trinta e cinco versões do conto Chapeuzinho Vermelho e cento e cinco de Cinderela. De fato, não seria viável compilar todas as versões dos contos escolhidos para esta pesquisa, porém, como o objeto do nosso estudo são três peças específicas que Maria Clara Machado escreveu baseadas em contos de fadas, vamos nos deter nas versões que mais se aproximam das da dramaturga, por essa razão, optamos pelas traduções dos contos de Perrault e dos Irmãos Grimm realizadas pela própria Maria Clara Machado e por Monteiro Lobato. 76

No livro Mais Contos de Grimm (1973), Maria Clara Machado traduziu o conto Cinderela, mas os outros dois contos escolhidos não foram traduzidos por ela, por isso não fundamentamos este trabalho apenas em suas traduções. A dramaturga adaptou o conto Chapeuzinho Vermelho, dos Irmãos Grimm, em Contos dos Irmãos Grimm (1974), mas como se trata de uma adaptação e não de uma tradução de uma narrativa, para não nos desviarmos do foco principal, o texto dramático, não a utilizaremos aqui. Assim, preferimos optar pela tradução de Monteiro Lobato. Enfim, acreditamos que, a partir da observação da estrutura narrativa, do fio condutor da história e da forma de contá-la, poderemos analisar e comparar os contos e as peças, para verificarmos como foi realizado o processo de adaptação do gênero narrativo para o dramático.

2. Havia uma adaptação no meio do caminho?

De acordo com Gabriela Hardtke Böhm (2004, p. 60), com o surgimento da psicologia infantil, da pedagogia e da pediatria, novos ramos da ciência, aparece a necessidade de redirecionar e remodelar os artefatos dirigidos às crianças, por elas necessitarem de um tratamento especial. Tais mudanças acontecem com a consolidação da burguesia, que visava a conquista do poder político. Para isso, essa classe incentivou instituições que pudessem favorecê-la, como a escola, e auxiliá-la a alcançar seus objetivos, o que incluía a valorização da criança.

Assim, a classe ascendente buscava o apoio da escola, que era facultativa, tornando-a, depois, obrigatória para as crianças de todos os segmentos da sociedade. Em suma, a burguesia objetivava enfraquecer o poder feudal a partir da consolidação da família num modelo de vida mais doméstico e resguardado da vida pública. Nesse contexto, em que a escola e a família são as principais instituições, a criança é a maior beneficiária e, também, o alvo da indústria em surgimento, de forma que o livro passou a ser o grande aliado na educação infantil.

Böhn afirma que a obra infantil se tornou um objeto passível de adaptação nesse período, de maneira que datam do final do século XVII e início do XVIII, os primeiros livros destinados às crianças, que eram adaptações de textos que circulavam na cultura oral. As primeiras obras da literatura infantil ocidental foram as Fábulas, de La 77

Fontaine (1668 e 1694), As aventuras de Telêmaco, de Fénelon (1717), e Os contos da Mamãe Gansa (1697), de Charles Perrault. Este último fez muito sucesso entre os leitores infantis. Portanto, desde o momento inaugural da literatura infantil, a adaptação de textos literários esteve presente.

No Brasil, a história da leitura e da literatura para crianças se confunde com a da adaptação de obras literárias. No final do século XIX, Carlos Jansen e Figueiredo Pimentel traduziram e adaptaram autores estrangeiros, dentre eles, Grimm, Perrault e Miguel de Cervantes. Também circulavam obras nacionais, não adaptadas, por exemplo, de Olavo Bilac e Adelina Lopes Vieira, com o intuito de atender à demanda de livros infantis imposta pela escola. Desse modo, a adaptação ocupou espaço junto às obras originais durante mais de um século de história da literatura infantil (BÖHM, 2004, p. 60-61).

No tocante à adaptação, inicialmente, dois especialistas no assunto, Patrice Pavis (2003) e Gabriela Hardtke Böhm (2004), podem nos orientar no percurso da análise comparativa entre os contos e as peças. Pavis apresenta, de forma clara, os vários conceitos de adaptação e Böhm estuda o processo de adaptação, destacando as premissas que o norteiam. Patrice Pavis (2003, p.10), entre as definições que apresenta para a adaptação, destaca a que a compreende como transposição ou transformação de uma obra, de um gênero em outro,

que tem por objeto os conteúdos narrativos (a narrativa, a fábula) que são mantidos (mais ou menos fielmente, com diferenças às vezes consideráveis), enquanto a estrutura discursiva conhece uma transformação radical, principalmente pelo fato de passagem a um dispositivo de enunciação inteiramente diferente.

Pavis (2003) usa os termos “transposição” e “transformação” como sinônimos no processo de mudança de um gênero para outro, de modo que os conteúdos são preservados de forma fiel ou não, podendo ocorrer diferenças consideráveis. No caso das peças analisadas, percebemos que O Chapeuzinho Vermelho e O Gato de Botas são mais fiéis à trama original; já A Gata Borralheira se distancia mais do conto clássico, como mostraremos depois. O estudioso afirma que, durante essa “operação semiótica de transferência” (no caso, tratam-se de narrativas adaptadas para o palco), a obra é transposta em diálogos (muitas vezes diferentes dos originais) e, sobretudo em 78 ações cênicas que usam todas as matérias da representação teatral (gestos, imagens, música etc). Como ele a considera uma operação de transparência, isto é, a obra transformada é visível na nova em grau menor ou maior, o que se assemelha a um palimpsesto, por ser uma escrita raspada sob outra nova, que não a esconde totalmente, consideramos pertinente recorrer à teoria do Palimpsesto, de Gérard Genette (1982), para vislumbrarmos melhor esse procedimento. Pavis aponta, ainda, aspectos que deveremos considerar na análise, principalmente quanto à estrutura discursiva, que sofreu uma mudança radical na passagem de um gênero para outro. Ao distinguir adaptação de tradução ou de atualização, Patrice Pavis (2003) nos orienta no sentido de entender tais conceitos como diferentes e nos situa no processo utilizado pela dramaturga mineira na elaboração das peças estudadas. Dessa forma, quando afirma que a adaptação goza de grande liberdade na modificação do sentido da obra original (mas com limites para não perder todas as características que tornam a obra derivada de outra), de maneira que pode fazê-la dizer o contrário, recriando o texto que é considerado uma simples matéria, ele nos auxilia na tentativa de dirimir qualquer dúvida quanto ao fato das peças de Maria Clara Machado se tratarem de uma adaptação. Logo, se ela recria os contos, modificando não apenas a sua estrutura, mas também o sentido original das narrativas, ao transformá-las em textos dramáticos, desde agora, partimos do pressuposto de que, realmente, utiliza o processo de adaptação que deve ser estudado.

O crítico acrescenta que toda intervenção é uma recriação, desde a tradução até o trabalho de reescritura dramática. Desse modo, a transferência das formas de um gênero para outro nunca é inocente, pois implica a produção de sentido novo, previsto, obviamente, pelo escritor-adaptador. Em outras palavras, na operação de adaptação dos contos para as peças, Maria Clara Machado tem a consciência de que produzirá uma nova significação para as histórias mais ou menos fiel ao original.

No artigo “Peter Pan para crianças brasileiras: a adaptação de Monteiro Lobato para a obra de James Barrie”, Gabriela Hardtke Böhm (2004) elenca três instâncias básicas do processo de adaptação:

 Objeto adaptado;  O sujeito alvo dessa adaptação;  O sujeito adaptador. 79

De um modo geral, na concepção da autora, a adaptação se configura como uma prática problematizada por envolver dois sujeitos: “o que faz” e o “para quem se faz”, bem como os diferentes pontos de vista do “emissor” e do “receptor” do produto final. Logo, observaremos de que maneira a fundadora do Tablado adaptou os contos para o teatro infantil e atingiu o público infantil. Não se trata de um ato simples, visto que implica vários fatores que são determinados pela adequação ao novo gênero (dramático) e ao público-alvo, além de haver a mudança de estilo por ser um adaptador diferente do escritor dos contos.

Gabriela Böhm (2004) investigou a natureza do processo adaptativo ao comparar uma obra adaptada e o seu respectivo original a partir do comportamento do narrador. Ela elegeu como ponto de partida Monteiro Lobato, que utilizou a adaptação como principal recurso para atualizar o acervo literário infantil europeu entre os anos de 1920 e 1944. Dentre essas obras, a autora escolheu Peter Pan e Wendy, de James Barrie, publicada na Inglaterra em 1911, que foi adaptada por Lobato em 1930 para a série do Sítio do Picapau Amarelo. Por meio da comparação entre o texto original de Barrie e a obra reescrita por Lobato, a estudiosa formula três premissas que norteiam o conceito de adaptação.

Comentaremos esses princípios a seguir, por considerarmos que eles nos ajudarão a compreender o processo de adaptação realizado por Maria Clara Machado. Nesse processo, utilizaremos o conto Cinderela, dos Irmãos Grimm, cuja tradução foi realizada por ela, e recorremos às narrativas A Menina da Capinha Vermelha, de Grimm, e O gato de botas, de Perrault, traduzidas por Monteiro Lobato.

A primeira premissa postula que “adaptar é acrescentar”, não apenas no sentido estrito de quantidade, visto que um dos principais objetivos da adaptação de obras literárias é a redução do volume a ser lido, mas no de inserir outros elementos. Nesse ponto, ela mostra o poder de síntese de Lobato que realizou um trabalho com a linguagem, de modo que aproveita os recursos da oralidade e dinamiza o texto por meio de ações e diálogos, ampliando as possibilidades de empatia entre o leitor e o texto, o que talvez seja uma das principais inovações da obra infantil lobatiana.

No caso dos textos dramáticos, objetos desta pesquisa, não há a redução do texto de origem, uma vez que estes já se tratam de narrativas curtas, como poderemos observar no quadro abaixo. 80

CONTO PEÇA Chapeuzinho Vermelho 5 61 A Gata Borralheira 11 44 O Gato de Botas 6 34 Quadro de número de páginas

Ao contrário, há uma extensão, pois as peças são maiores para se adequarem ao tempo do palco. Isto não ocorre somente em termos de quantidade, mas também, de uma forma semelhante à de Lobato, Maria Clara Machado acrescentou novos elementos às histórias, para mudar o rumo e o final delas, como mostraremos a seguir.

Em O Chapeuzinho Vermelho, Dona Chapelão recebe a visita de um menino chamado Tinoco, que lhe avisa sobre a doença de sua mãe. O menino cuida da vovozinha, dona Quinquinhas. Ela envia a filha, Chapeuzinho Vermelho, à casa da vovó para levar uma cestinha com ovos, vinho e queijo, enquanto termina de fazer um bolo de fubá. Após a saída da menina, o caçador Pirlimplimplim avisa a Chapelão que o lobo fugiu do zoológico e ele está tentando capturá-lo. A mãe se desespera, desmaia e, depois de se recuperar, acompanha o caçador para tentar encontrar a filha.

Enquanto isso, no meio do caminho, Chapeuzinho encontra o Lobo Mal, que finge ser um lobo bom. Este lhe ensina um caminho mais longo para a casa da vovó, a fim de que a menina chegue depois dele lá. O lobo chega à casa da vovó, que se encontra sozinha, e, em seguida, aparece o caçador e o animal se esconde. O caçador continua a procurá-lo, conversa com a vovó e não percebe nada de estranho. Como a vovozinha não escuta nem enxerga bem, não reconhece o lobo e entende errado tudo o que ele diz, deixando-o sem paciência.

Quando a vovó vai à cozinha, Chapeuzinho chega e o lobo se disfarça para enganar a menina. Ao desconfiar que o lobo não é a vovó, Chapeuzinho é presa por ele. O caçador volta e encontra o lobo, que mente dizendo que comeu a velha e a menina. Tinoco e Chapelão também chegam na casa e começam a chorar, porque pensam que o lobo comeu as duas, a vovó volta da cozinha e os encontra. O caçador dá armas aos três e saem para caçar o lobo. Depois, eles ouvem o grito da menina, soltam-na e o caçador põe uma coleira no animal para levá-lo de volta ao jardim zoológico. 81

Percebemos, então, que Maria Clara Machado acrescenta personagens, como Tinoco, um menino “estabanado” que cuida da vovó; as árvores que observam e analisam tudo o que acontece na floresta; e a coelha que aparece, de vez em quando, na trama, mas não participa efetivamente, porque apenas pergunta por seu marido. Ela também aumenta a participação de velhos personagens, como a mãe de Chapeuzinho Vermelho, que, no conto, só aparece no início da história, quando a manda visitar a vovozinha, falando muito pouco. Na peça, D. Chapelão é mais ativa, vai à casa da vovó, procura a filha ao saber que ela está em perigo e segue o caçador na busca do lobo. Constataremos isso nos trechos abaixo.

Conto

Certa noite, a mamãe chamou-a e disse: - Capinha, recebi recado de que vovó está adoentada. Amanhã bem cedo vista-se e vá levar lá este pão-de-ló e esta garrafa de vinho. Mas não corra, que cai e quebra a garrafa. Também não se esqueça, quando entrar no quarto de vovó, de lhe dar bom-dia. Nem se ponha a reinar muito, que a incomoda, ouviu? (GRIMM, 2006, p.07)

Peça

MÃE: (Atrás dele) Tinoco! Tinoco! (Volta desanimada) Será verdade o que ele disse? A vovozinha doente! Ainda por cima com um menino tão doidinho para cuidar dela! Preciso mandar Chapeuzinho Vermelho depressa na frente, enquanto preparo um bolo de fubá que a vovozinha gosta tanto... Mas, onde andará esta menina? (Chamando) Chapeuzinho Vermelho! Chapeuzinho Vermelho! (Chamando para fora de cena) Chapeuzinho Vermelho! (Enquanto a mãe some à direita, sempre chamando, Chapeuzinho surge à esquerda.) (MACHADO, 2001, p. 109).

No conto, a mãe fala apenas uma vez e diz ter recebido um recado de que a vovó está doente, mas não revela de quem, quando e esse momento não é narrado. Já, na peça, Tinoco vai dar o recado pessoalmente, por causa do seu jeito atrapalhado, tumultua a cena e confunde D. Chapelão, que só algum tempo depois entende o que ele quis dizer, o que, evidentemente, alonga a cena. Na verdade, a dramaturga, ao aumentar a participação da mãe em todo o desenvolvimento da história, aumenta consideravelmente o texto como um todo. 82

Em A Gata Borralheira, Dulcinéia é tratada como uma empregada pela madrasta Firmina e pelas irmãs Margarida e Rosinha, após a morte do pai. A sua protetora é a sua madrinha Dona Fada Santos, uma vizinha da família. Firmina é muito gananciosa, por isso tenta a todo custo casar uma das suas filhas com o príncipe. Para isso, ensina as filhas a serem cultas, a se embelezarem e trama várias situações a fim de alcançar o seu objetivo. Jaca e Leitão, apesar de serem ricos, não são refinados nem cultos, por essa razão não são aceitos como pretendentes dignos de Rosinha e Margarida. As duas moças são manipuladas pela mãe, sujeitando-se a tudo o que ela manda, inclusive a cortar os pés para poderem casar com o príncipe.

O narrador aparece em momentos estratégicos, assumindo vários papéis, relata, descreve e anuncia os fatos suprimidos, acontecidos ou que irão acontecer. O príncipe D. Tinhorão de Garcia Macedo e Perez fugiu da Espanha porque estava completamente falido. Por esse motivo, o ministro quer que o rapaz case com uma moça rica, mas ele não aceita casar sem amor. O ministro oferece uma grande festa para atrair todas as moças da cidade e tentar encontrar uma pretendente rica para o moço falido. Embora a madrasta tenha impedido Dulcinéia de ir ao baile, D. Fada faz um vestido para ela, dá- lhe um diadema e sapatinhos, para que a moça também vá à festa.

A gata borralheira vai ao baile, o príncipe se encanta apenas com ela, dançam a noite inteira e, como a madrinha tinha lhe ordenado, a moça foge à meia-noite, deixando cair um dos sapatinhos. Depois, Tinhorão acaba o baile e se entristece por não saber quem era a moça pela qual se apaixonou. O ministro tenta alegrá-lo de várias formas, mas não consegue. Firmina se disfarça de cigana para enganar o príncipe, no intuito de ele pensar que a moça é uma das suas filhas, mas a farsa é descoberta.

O encarregado real tem a ideia de procurar a moça, fazendo com que todas as moças da cidade experimentem o sapatinho. Mais uma vez Firmina tenta enganar a realeza, obrigando as filhas a cortarem os pés para poderem calçar o sapatinho, mas o enviado real descobre, pois todas as moças da cidade fizeram a mesma coisa. Apesar de Firmina ter tentado impedir Dulcinéia de experimentar o sapatinho, o arauto insiste e, por fim, descobre com a ajuda de D. Fada que a cinderela é ela. O príncipe resolve vender o palácio para abrir uma casa de flores e poder casar com Dulcinéia. No final, Rosa e Margarida aceitam a proposta de casamento de seus antigos pretendentes. 83

Assim, inicialmente, a escritora demarca o lugar onde a história acontece – o Brasil –, e o narrador apresenta as personagens, descrevendo os seus perfis físicos e psíquicos. Como podemos perceber na fala a seguir.

NARRADOR: Boa tarde, meus amigos. Estou aqui para contar a verdadeira história da Gata Borralheira, como aconteceu no Brasil. Os personagens desta história são: A Família Borralheira: dona Firmina de Sousa Borralheira (Entra dona Firmina seguida das filhas), suas filhas Margaridinha e Rosinha de Sousa Borralheira, (Confidencial) chamadas pelas más línguas da cidade de “as moças do pezão”... (Firmina e filhas param e cumprimentam) (MACHADO, 2000, p.129).

Já no conto Cinderela, traduzido pela autora, o enredo não acontece em um lugar demarcado, começa com a descrição da moça e da maldade da madrasta e de suas filhas apenas, de forma que as demais personagens são delineadas no decorrer da trama.

Era uma vez uma mocinha triste. Apesar de ser muito bonita, vivia sempre mal-vestida e suja de cinzas. É que de noite, para não sentir frio, ela sentava-se junto às cinzas quentes que ficavam depois do fogo se apagar – por isso todos lhe chamavam Cinderela (GRIMM, 1973, p.13).

O fato de ter acrescentado novas personagens, como os pretendentes das filhas de d. Firmina também contribuiu para alongar a trama, uma vez que a participação de João Jaca e Simão Leitão é ativa em várias cenas da peça. Tais personagens não fazem parte do conto, pois as irmãs de Cinderela não possuíam pretendentes e não se casam com ninguém. Somente a mocinha que vivia no borralho se casa com o príncipe no final. Outro acréscimo é a presença do Lacaio do príncipe D. Tinhorão de Garcia Macedo y Perez que vai ao encontro das outras personagens para convidá-las para o baile.

Na peça, embora a participação do narrador não seja tão extensa quanto no conto, no qual ele conta toda a história, essa figura, além de narrar, exerce o papel de alguns personagens, como livreiro, alfaiate, cozinheiro, médico, detetive e arauto, participando de forma diferente da nova trama. Ainda há a presença de outras personagens, como o Primeiro Ministro, o qual não existe na narrativa, ao orientar, 84 aconselhar e cuidar da vida do príncipe, acrescenta fatos novos à peça. Por exemplo, ele, de certa maneira, exerce o papel de pai, figura que não aparece no texto dramático, mas faz parte do conto. Essa postura é nítida na fala a seguir, quando o Ministro ameaça cortar a mesada do Príncipe, ato, geralmente, praticado pela figura paterna e não por um empregado.

MINISTRO: Muito bem. Então vamos abrir as portas do palácio. E não se esqueça, Alteza, ou escolhe uma esta noite ou... corto-lhe a mesada (MACHADO, 2000, p.150).

Por fim, um outro fato que pode ser considerado novo é o de que o príncipe está falido. Por esse motivo, no começo, é incitado pelo Ministro a promover um baile em outro país, com o objetivo de procurar uma moça rica para casar e aplicar o famoso “golpe do baú”. Isso não ocorre na história clássica, porque ele é um rico herdeiro de um grande reino. Como é romântico, D. Tinhorão prefere escolher uma moça por amor, tanto que fica com Dulcinéia, mesmo sabendo que ela é pobre, preferindo abrir uma floricultura com ela, como um meio de se sustentarem financeiramente, a casar com alguma de suas irmãs ricas.

Como no conto, Maria Clara Machado não determina o lugar onde aconteceu a história de O Gato de Botas. A peça se torna maior pelo aumento e acréscimo de falas, primordialmente. No início do conto, por exemplo, o pai e os filhos, exceto o mais novo, não falam, pois a morte do genitor e a partilha da herança são relatadas pelo narrador. Já, na peça, há a predominância do discurso direto, o que é característica própria do gênero, de modo que as personagens secundárias também têm voz no texto. Para exemplificarmos:

Conto

Um dono de moinho, ao morrer, deixou para os seus filhos três coisas – para o primeiro, o moinho, para o segundo, um asno e, para o terceiro, um gato. Este ficou triste, porque receber de herança um gato é o mesmo que receber nada (PERRAULT, 2002, p.20). 85

Peça

PAI: Bem, meus filhos, eu vou morrer. Então, vou dividir de uma vez meus pobres bens para que vocês não comecem a brigar depois. Para você, que é meu filho mais velho, deixo meu moinho. Você poderá trabalhar bastante e continuar minha profissão de moleiro.

1° FILHO: Sim, pai. Farei tudo o que o senhor quiser. (À parte) Mas o que eu vou fazer mesmo é vender esta porcaria de moinho para tirar uns cobres. O que eu quero é dinheiro na mão.

PAI: Para você, deixo o meu burro. Com ele, meu filho, você poderá transportar o fubá que seu irmão vai moer e vender na feira.

2° FILHO: Sim, pai. (À parte) Eu vou é vender esse burro e ganhar uns cobres. O que eu quero mesmo é dinheiro na mão.

PAI: Para você, Pedrinho, meu filho caçula, deixo o meu gato. É tudo que me resta.

PEDRO: Não sei o que vou fazer com um gato, meu pai. Mas o que hei de fazer? O senhor é pobre e eu ficarei ainda mais pobre (MACHADO, 2001, p.224-225).

Em O Gato de Botas, o pai antes de morrer resolveu dividir os poucos bens que possuía com os três filhos. Para o mais velho deixou um moinho; para o segundo, um burro; e para o caçula, apenas um gato. Embora o pai tivesse dado conselhos para que os dois primeiros filhos soubessem tirar proveito do que herdaram, eles resolveram vender o moinho e o burro, após o falecimento do patriarca.

Quando o caçula Pedro reclamava por ter recebido um gato de herança, o animal lhe prometeu que iria lhe fazer o homem mais rico da terra onde moravam. Com muita esperteza, um par de botas e um saco, o gato atrai coelhinhas, captura uma e a leva para presentear o rei Batata. No palácio, ele mente para o rei dizendo que o seu amo é o marquês de Carabá, um fidalgo muito rico e dono de todas as terras das redondezas. Depois, o gato de botas volta para oferecer mais presentes ao rei – uma espiga milagrosa e um peixe-espada especial, que cura todo tipo de doença. Com isso, convence Batata a conhecer o seu dono. Ao saber que o rei irá viajar com a filha para uma cidade vizinha, o gato trama um plano para apresentar Pedro a eles. 86

O bichano pede para o rapaz tirar a roupa e tomar banho no rio no momento em que a comitiva real está passando no lugar. O gato aborda o rei e inventa que o seu amo foi assaltado por dois ladrões, que levaram inclusive as suas roupas, convencendo o rei a mandar buscar no palácio roupas novas e luxuosas para Pedro. Ao descrever o assalto, o gato convence o rei e a princesa de que o rapaz é apaixonado por ela, de modo que Batata acredita que ele é um ótimo partido para a sua filha.

Quando Pedro aparece ricamente vestido, encanta a princesa, que cede aos seus galanteios. Em seguida, o gato por meio de ameaças convence o povo de que as terras pertencem ao marquês de Carabá e não ao Ogre Brasileiro de Souza, o verdadeiro dono delas. O animal é esperto e consegue enganar e vencer o Ogre, um bruxo terrível. Ele o convence, por meio de provocações, a se transformar em um rato e depois o come. Assim, Pedro fica com tudo o que a fera possuía e, no final, noiva com a princesa.

Dessa forma, há também a criação de novos personagens, como a Rainha, Ofélia, a empregada do Ogre, guardas, mensageiro, pajem e o cozinheiro. Apesar de não terem uma participação muito grande no desenrolar da trama, contribuem para acrescentar falas e fatos novos que reforçam, principalmente, a comicidade da peça.

Por fim, se considerarmos a primeira versão do conto A Capinha Vermelha apresentada por Lobato, descobriremos ainda outros acréscimos, por se tratar de uma versão bem mais curta e com menos personagens, como é evidente no resumo dos enredos. De modo geral, todas as personagens da escritora mineira recebem um nome, de forma que esse reflete alguma característica marcante delas, com uma pitada de ironia e/ou exagero cômico. Trata-se, portanto, de um acréscimo significativo, visto que nos contos tais personagens não recebem nome.

Esse anonimato recorrente reflete a generalização dos tipos descritos, por não identificá-los como personagens de um tempo e de um espaço específico, reforçando, de certo modo, o tom sério inerente a histórias de fundo moralista que visam ensinar sem determinar pessoas ou gerações. Portanto, a peça que mais apresenta acréscimos é A Gata Borralheira, seguida de O Chapeuzinho Vermelho e, por último, O Gato de Botas, que se assemelha mais ao conto.

No segundo postulado “adaptar é substituir”, realiza-se uma série de substituições de elementos da narrativa original. Por exemplo, substitui-se um narrador condutor da história que antecipa todas as considerações sobre as personagens e 87 possíveis rumos que os acontecimentos poderiam tomar por um narrador comprometido que atrai o leitor como um avô que conta uma história aos seus netos.

No caso das peças analisadas no presente trabalho, apenas uma, A Gata Borralheira, conserva a figura do narrador, mesmo que, em geral, os textos dramáticos prescindam desse elemento da narrativa, cuja função é realizada pela fala e pela ação das personagens. Contudo, o narrador permanece de forma diferente, porque se assemelha a um contador de histórias, que participa efetivamente do seu rumo, assumindo várias personagens secundárias; ao contrário do conto, em que ele, geralmente, apenas narra a história, descrevendo personagens e conduzindo a história.

Maria Clara substitui várias personagens, como, em O Chapeuzinho Vermelho, o lenhador sério e corajoso, um herói, é substituído pelo caçador Pedro Pirlimplimplim, atrapalhado e convencido, que é uma caricatura cômica de uma figura heroica. Há, também, a substituição das duas vovós do conto por uma velhinha surda, acolhedora e alheia à realidade. Essa figura é muito diferente das outras duas, no tocante ao perfil e à função exercida na peça, visto que uma, no primeiro final, aparece na trama apenas para ser devorada, e a outra, no segundo, é uma mulher ardilosa e esperta.

Em A Gata Borralheira, o pai do príncipe é substituído pelo Ministro. No caso do pai de Cinderela, que é personagem do conto, ele não aparece na peça nem é substituído por ninguém. Outra substituição importante é a do pássaro branco e a dos dois anjinhos do texto traduzido, que transformam a pobre maltrapilha em uma linda moça vestida ricamente para o baile, por uma fada “em carne e osso”, D. Fada Santos, a qual é vizinha e madrinha de Dulcinéia. Ela ajuda a afilhada, não com magia, mas com “engenho e habilidade”, como é perceptível na sua fala a seguir.

FADA: Agora, doutor Ângelo, corra à minha casa e traga o meu diadema, a cortina da sala de visitas e o sapatinho de Iamê que foi de minha bisavó, a baronesa Ibirocaida. (Música. Narrador sai.) Você, minha filha, agulha e linha, pois não há melhor varinha de condão nos tempos de hoje que o engenho e a habilidade. Você será a mais bonita da festa (MACHADO, 2000, p.147).

Em O Gato de Botas, a figura imponente e majestosa do rei é substituída pela do rei Batata, um comilão atrapalhado; bem como a imagem de toda a realeza, representada pela rainha e a princesa, é satirizada, o que fica nítido do trecho seguinte. 88

REI: Tragam o banquete real! Entram a rainha, a princesa, o cozinheiro, os garçons e as garçonetes, cantando e dançando: Batata! Batata! Cozida, frita ou assada Na manteiga ou na salada Quentinha, frita ou assada. REI: Sou louco por batata e não dispenso o meu purê (MACHADO, 2001, p.231).

Em todas as peças, os finais são trocados, de modo que, embora permaneçam felizes, não há casamento em nenhum; ao contrário dos contos, em que, com exceção de A Capinha Vermelha, Cinderela se casa com o príncipe e o filho mais moço com a princesa. Na peça O Chapeuzinho Vermelho, o lobo não come ninguém e vai para o zoológico; em A Gata Borralheira e em O Gato de Botas, respectivamente, Dulcinéia e Tinhorão, bem como Pedrinho e a princesa apenas noivam.

O último princípio “adaptar é divertir” considera apenas os fatos essenciais para o andamento da narrativa e acrescenta um novo plano narrativo, em que o adaptador não traduz simplesmente a obra original, mas lhe dá uma nova roupagem, cujo objetivo principal é a diversão do público. Se analisarmos detidamente os acréscimos e substituições indicadas anteriormente, perceberemos que a maioria foi realizada com uma intenção lúdica, de modo que reforçaram a comicidade das peças, contrapondo-se ao tom sério dos contos. Por exemplo, ao transformar a vovó de Chapeuzinho em uma velha surda, o lenhador em um caçador atrapalhado e colocar o nome da sua mãe de D. Chapelão; ao enfatizar os pés grandes das irmãs de Cinderela e lhes dar pretendentes que não se assemelham de forma alguma ao homem ideal que a mãe procura para elas; bem como ao construir a imagem do rei de O Gato de Botas como bobo comilão e o dono do gato como ingênuo. Enfim, essas são personagens caricatas, que se envolvem em planos ardilosos ou confusões muito engraçadas, divertindo, assim, os leitores e/ou o público.

Os princípios que são esboçados por Gabriela Böhm (2004) podem ser complementados, desenvolvidos e aprofundados pela teoria do Palimpsesto (1982), de Gerárd Genette, estruturalista francês, representante da Nova Crítica, que, por meio de outras denominações e reflexões mais amplas e complexas, discute a adaptação de narrativas e textos dramáticos por meio dos processos de transformação e de imitação. O crítico não apenas analisa a estrutura da obra, mas também o seu discurso, detendo-se 89 no texto em si e não em sua origem, fontes ou biografia do autor. Por essa razão, consideramos imprescindível recorrer também a essa teoria, para elucidar mais e aprofundar a análise das peças selecionadas nesta tese.

3. O palimpsesto de Maria Clara Machado: a arte de transformar pergaminhos

A partir das reflexões de Böhm (2004) pudemos verificar que as peças, realmente, são adaptações dos contos de fadas, o que sugere um processo de mudança de gênero, de estilo, de perspectiva, de tom, dentre outros aspectos. Por esse motivo, consideramos pertinente recorrer à teoria do Palimpsesto, de Gérard Genette (1982), para observarmos os procedimentos utilizados para a criação dos palimpsestos de Maria Clara Machado, por meio da transformação ou da imitação das obras originais.

Para iniciarmos a reflexão sobre a teoria de Genette (2006), parece-nos que o melhor ponto de partida é a apresentação que o autor faz da obra.

Um palimpsesto é um pergaminho cuja primeira inscrição foi raspada para se traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la por transparência, o antigo sob o novo. Assim, no sentido figurado, entenderemos por palimpsestos (mais literalmente hipertextos), todas as obras derivadas de uma obra anterior, por transformação ou por imitação. Dessa literatura de segunda mão, que se escreve através da leitura, o lugar e a ação no campo literário geralmente, e lamentavelmente, não são reconhecidos. Tentamos aqui explorar esse território. Um texto pode sempre ler um outro, e assim por diante, até o fim dos textos. Este meu texto não escapa à regra: ele a expõe e se expõe a ela. Quem ler por último lerá melhor (GENETTE, 2006, p.05).

Em outras palavras, a teoria do palimpsesto consiste em um intertexto, que surge quando um texto é imitado ou transformado, gerando um novo texto sem apagar completamente o texto-origem. Nesse contexto, a metáfora do palimpsesto, criada pelo crítico francês, significa um texto sob o outro. Embora ele classifique esse tipo de texto como “literatura de segunda mão”, entendemos tal expressão como não pejorativa, pois, se considerarmos o significado primeiro do termo palimpsesto - um pergaminho raspado para ser utilizado novamente com outra inscrição -, há de fato uma “segunda mão de 90 tinta”, o que não significa que o novo é melhor que o velho ou vice-versa. Na verdade, o autor concebe o hipertexto como um palimpsesto, no sentido de que “todas as obras derivadas de uma obra anterior, por transformação ou imitação”, transparecem, de uma forma ou de outra, a sua fonte, de modo que “um texto pode sempre ler um outro, e assim por diante, até o fim dos textos” (GENETTE, 2006, p. 05). Assim, podemos compreender como se estruturam as relações entre a obra primitiva e a derivada sob a ótica da transtextualidade, proposta por Gérard Genette (2006, p.05). Para o estudioso, como o texto literário não é o objeto da poética e, sim, a sua relação com outros textos – a transcendência textual. Assim, a literatura é sempre texto de “segunda mão”, porque toda escrita é uma reescrita como um palimpsesto, isto é, “um pergaminho cuja primeira inscrição foi raspada para se traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la por transparência, o antigo sob o novo”. No caso das obras analisadas de Maria Clara Machado nesta tese, a transparência do antigo sob o novo, apontada pelo crítico, é evidente a começar pelo título, uma vez que são homônimas. Em outras palavras, quando lemos os títulos dos textos dramáticos nos reportamos automaticamente para os contos e já esperamos que haja algum tipo de relação entre os dois. Antes de verificarmos qual processo, imitação ou transformação, foi utilizado pela dramaturga, precisamos entender melhor como o autor define o hipertexto no contexto da Literatura.

O hipertexto é uma categoria da transtextualidade, que é definida, inicialmente, como “tudo que o (texto) coloca em relação manifesta ou secreta com outros textos” (GENETTE, 2006, p.07). Em outras palavras, a transtextualidade ocorre sempre que um texto, de alguma forma, relaciona-se com outro. Como esta definição é muito ampla, Genette delimita os tipos de relação que podem ser estabelecidas nesse caso, apresentando cinco categorias de transtextualidade ou transcendência textual, as quais são enumeradas numa ordem crescente de abstração, implicação e globalidade: intertextualidade (citação, plágio, alusão), paratextualidade, metatextualidade, arquitextualidade e hipertextualidade.

A intertextualidade é definida como “presença efetiva de um texto em outro” (GENETTE, 2006, p.08), cuja forma mais explícita e literal é a citação. Trata-se, nitidamente, de uma relação manifesta, visto que a fonte do texto citado deve ser declarada no corpo do texto que cita, além de seguir algumas regras que determinam e evidenciam o tipo de ligação que há entre os dois textos, por exemplo, o uso das aspas. 91

Existem outras formas de intertextualidade: o plágio, que é “um empréstimo não declarado, mas ainda literal”, cuja natureza ilícita não apaga o tipo de relação transtextual que existe entre o(s) texto(s) plagiado(s) e o plágio, pois uma parte ou o todo de um texto está presente em outro, mesmo que de modo “secreto”; e a alusão, que é “um enunciado cuja compreensão plena supõe a percepção de uma relação entre ele e um outro”, de forma que se torna ainda menos explícito e menos literal. Portanto, textos literários, músicas, obras pictóricas e filmes, bem como contextos políticos e históricos, dentre outros, podem estar relacionados ao intertexto. A paratextualidade é formada pela relação menos explícita e mais distante que o texto mantém com o seu paratexto: título, subtítulo, prefácios, notas marginais, epígrafes, ilustrações, errata, capas, entre outros tipos de sinais acessórios, autógrafos ou alógrafos, os quais imprimem ao texto um aparato variável e, algumas vezes, um comentário, oficial ou oficioso, ao qual o leitor nem sempre tem acesso facilmente, no conjunto formado por uma obra literária. No caso dos textos dramáticos, a rubrica funciona como um paratexto, pois não faz parte diretamente do texto, uma vez que são orientações quanto à performance, ao cenário, ao figurino, entre outros elementos extratextuais. Nesse sentido, “o ‘pré-texto’ dos rascunhos, esboços e projetos diversos, pode também funcionar como um paratexto”, bem como uma obra pode ser um paratexto de outra. Logo, os paratextos, por acrescentarem informações visuais ou verbais, podem orientar o leitor do texto, de modo a conduzi-lo a enxergar mais que a leitura isolada do texto principal, influenciando, dessa forma, a interpretação do conjunto da obra. Diante disso, Genette questiona se “devemos ler um texto póstumo no qual nada nos diz se e como o autor o teria publicado se estivesse vivo”, concluindo que a paratextualidade “é sobretudo uma mina de perguntas sem respostas” (GENETTE, 2006, p.10-11 – grifo nosso). A depender do objetivo da leitura e do tipo de pesquisa a ser realizada, acreditamos que é importante ler e analisar os paratextos de um determinado autor mesmo que tenham sido publicados depois de sua morte ou ainda estejam inéditos em seus acervos, por possuírem o potencial de revelar parte da riqueza de uma obra. Ao contrário, perderíamos uma fonte de estudo que poderia contribuir significativamente para a compreensão do estilo e da produção artística de um certo escritor. Durante a pesquisa sobre a obra de Maria Clara Machado, ter tido acesso aos seus rascunhos, esboços de roteiros e projetos inéditos no acervo da Casa Rui Barbosa, 92 ajudou-nos a compreender melhor como ela concebia o processo de criação artística, o seu estilo e a sua forma de trabalhar na construção, especialmente, dos seus textos dramáticos. Por essa razão, em alguns casos, consideramos pertinente voltar a paratextos póstumos, para encontrar possíveis respostas. O terceiro tipo é o que o autor denomina de comentário, ou seja, “une um texto a outro do qual ele fala, sem necessariamente citá-lo” ou mesmo sem nomeá-lo (GENETTE, 2006, p.11). Ele afirma que a metatextualidade é, sobretudo, a relação crítica, de modo que os textos que comentam outro(s) são denominados de metatexto. Dessa forma, estudos acadêmicos, como monografias, dissertações, teses; bem como textos críticos, publicados em livros e jornais acerca de obras literárias ou não, entre outros, também se inscrevem no campo da transtextualidade de modo manifesto. Logo, uma das suas características marcantes é, justamente, o fato de que essa relação é explicita e necessária, uma vez que não existe crítica sem a obra para ser criticada, mas a existência desta independe da outra.

Gérard Genette (2006) propositalmente se refere ao quinto tipo antes do quarto, por ser esse o foco principal do seu estudo presente. Tendo em vista o grau de importância desse tipo também para o nosso trabalho, obedeceremos a ordem estabelecida pelo estudioso. A arquitextualidade, por sua vez, resume-se a uma menção paratextual, tratando-se de uma relação abstrata e implícita, por sublinhar uma evidência ou por recusar ou escamotear qualquer taxonomia. Dessa maneira, a qualidade genérica do próprio texto não é obrigatoriamente conhecida e declarada. Por exemplo, em geral o poema não se designa explicitamente como poema, de forma que mencionar o gênero ao qual a obra pertence é facultativo. Tal informação não é primordial durante a leitura de um determinado texto, por esse motivo não é fundamental realizar tal classificação.

Assim, na visão de Genette, o status genérico de um texto deve ser determinado pelo leitor, crítico e/ou público, que podem inclusive recusar o status reivindicado por meio do paratexto. Para exemplificarmos, uma obra de determinado autor classificada como romance pode não ser considerada um romance pelo leitor ou pela crítica. Contudo, apesar dessa relação estar implícita e sujeita a discussão ou a flutuações históricas não se torna menos importante, pois “a percepção do gênero em larga medida orienta e determina o ‘horizonte de expectativa’ do leitor e, portanto, da leitura da obra” (GENETTE, 2006, p.12). Em outras palavras, ter o conhecimento do gênero pode ser 93 determinante na escolha da leitura por parte do leitor, devido a fatores como preferência pessoal, entre outros. Em resumo, os arquitextos podem ser reconhecidos pelo título por meio de uma menção paratextual, que se manifesta como uma referência ao gênero do texto, todavia não é obrigatória.

Por fim, o quarto tipo, a hipertextualidade, nas palavras do estudioso francês, é “toda relação que une um texto B (que chamarei hipertexto) a um texto anterior A (que, naturalmente, chamarei hipotexto) do qual ele brota, de uma forma que não é a do comentário” (GENETTE, 2006, p.12). Surge, assim, o texto de segunda mão ou texto derivado de outro preexistente de modo descritivo ou intelectual. Ainda há uma outra forma, a transformação, em que B não fala nada de A, mas não poderia existir daquele modo sem A, visto que resulta dele, evocando-o mais ou menos manifestadamente, mesmo que não o cite ou fale sobre ele. Genette elaborou uma série de procedimentos e práticas criativas que constituem o processo de intertextualidade, ao propor hipertextos de caráter distinto - lúdicos, satíricos ou sérios, que se originam a partir da imitação ou transformação do seu hipotexto. Na hipertextualidade, há dois tipos possíveis de operação: as transformações e as imitações. As transformações podem ser definidas como as operações diretas ou simples que transportam as ações de uma obra à outra. As imitações, por sua vez, são as indiretas ou mais complexas, que não transferem ações, mas se inspiram no texto anterior, em sua temática, em seu tempo formal, entre outros aspectos. Em suma, na visão do autor, esse procedimento “é, certamente, também uma transformação, mas de um procedimento mais complexo” (GENETTE, 2006, p.14), de maneira que exige um maior domínio sobre o texto que se deseja imitar. Então, uma se diferencia da outra pelo grau de complexidade envolvido no processo de modificação da obra “primária”, para a construção da “derivada”, de forma direta ou indireta. Nessa direção, Genette define o hipertexto como “todo texto derivado de um texto anterior por transformação simples (diremos daqui para frente simplesmente transformação) ou por transformação indireta: diremos imitação” (GENETTE, 2006, p.16. Grifo nosso.). Ele também apresenta alguns tipos de práticas hipertextuais, que são classificadas a partir das relações de transformação ou imitação e dos regimes lúdico, satírico e sério. O regime lúdico se refere à brincadeira, ao humor leve e ao jogo que altera as significações do hipotexto no hipertexto. Já o satírico zomba e ridiculariza seu 94 hipotexto, relacionando-se ao sarcasmo. Por último, o sério busca imitar ou transformar o hipotexto em um hipertexto “fiel”, sem visar ao humor. Tais regimes podem se aplicar às duas práticas hipertextuais, originando outras relações, como a paródia, o travestimento e a transposição na prática de transformação; bem como o pastiche, a charge e a forjação na imitação. Nessa ótica, a paródia surge do cruzamento entre a transformação e o regime lúdico como uma transformação mínima que muda o sentido do hipotexto. No caso dos nossos objetos de estudo, as peças O Chapeuzinho Vermelho e O Gato de Botas podem se configurar como uma paródia, quando Maria Clara Machado transforma minimamente o hipotexto, acrescentando o ludismo, o humor leve e se contrapõe ao tom sério dos textos-base. Nesse contexto, ao cruzar o tipo de relação supracitada com o regime satírico nasce o travestimento, ou seja, a “transformação estilística com função degradante” (GENETTE, 2006, p.20), que agride mais o hipotexto do que a paródia. Esse procedimento é encontrado na peça A Gata Borralheira, pois é utilizado para ridicularizar certas atitudes dos adultos em relação à cultura, conhecimento e ao comportamento em sociedade, como analisaremos posteriormente. Por último, a transposição se constitui pela transformação sob o regime sério, isto é, transformações sérias de seus hipotextos. Ao lado das transformações lúdicas, há também movimentos de transformação séria dos contos, na medida em que observamos modificações, realizadas ao longo do processo de transposição para o teatro, nos dois sentidos. Já a relação de imitação com o regime lúdico origina o pastiche, que imita o estilo de seu hipotexto sem recorrer à função satírica. No tocante à forjação10, pode ser definida como a ligação entre esse processo com o regime sério, ou seja, é a imitação séria do hipotexto. Finalmente, a charge advém do cruzamento da imitação com o regime satírico, denominado o pastiche satírico (GENETTE, 2006. p. 20- 25). Durante a análise das peças escolhidas, percebemos que, ao desenvolver um estilo novo, próprio do gênero adotado, Maria Clara não utiliza nenhuma forma de imitação como meio de criar os seus hipertextos, por isso não nos deteremos nessa relação. Todos esses conceitos apresentados são sintetizados por Genette (2006, p.25) no quadro abaixo, com o objetivo de visualizarmos melhor as interseções entre as relações e os regimes estabelecidos.

10 O termo “forjação”, utilizado na tradução, não existe em Língua Portuguesa, mas, sim, as palavras “forjadura” e “forjamento”, de acordo com o dicionário Aurélio (2007), ou ainda falsificação, como podemos depreender do contexto em que aparece. 95

Regime Lúdico Satírico Sério Relação PARÓDIA TRAVESTIMENTO TRANSPOSIÇÃO Transformação (Chapelain decoiffé) (Virgile travesti) (le Docteur Faustus) PASTICHE CHARGE FORJAÇÃO Imitação (l' Affaire Lemoine) (À maneira de....) (la Suite d' Homère)

Genette, ainda, defende a existência simultânea de duas ou mais práticas hipertextuais em um só texto, de maneira que esses procedimentos mistos evidenciam que “um mesmo hipertexto pode ao mesmo tempo, por exemplo, transformar um hipotexto e imitar outro” (GENETTE, 2006, p.26). Logo, um procedimento não exclui o outro, visto que, embora sejam diferentes e utilizem mecanismos distintos, podem coexistir em uma mesma obra sem estabelecer uma relação conflituosa e contraditória. Desse modo, a paródia e o pastiche, por exemplo, podem aparecer em uma mesma obra derivada, cujo autor utilizou o processo de transformação e de imitação para construí-la a partir de outra. Para o estudioso, a transformação séria ou transposição é considerada a mais importante de todas as práticas hipertextuais, especialmente “pela importância histórica e pelo acabamento estético de certas obras que dela resultam. Também pela amplitude e variedade dos procedimentos nela envolvidos” (GENETTE, 2006, p.27). Por um lado, quando é realizada uma modificação pontual ou mínima, ela pode ser resumida como paródia; e, no caso de ocorrer uma transformação estilística, quando se torna um texto mais simples, comum, há o travestimento. Por outro lado, o pastiche, a charge e a forjação advêm de inflexões funcionais conduzidas pela imitação, uma prática única e relativamente complexa, porém quase inteiramente prescrita pela natureza do modelo. Tais práticas apenas podem originar textos breves, caso contrário, se exceder esse limite pode dificultar a adesão por parte de seu público, uma vez que um dos resultados da adaptação pode ser a diminuição do texto original; mas a exceção se configura com a possibilidade de continuação, quando o texto derivado complementa e/ou estende o hipotexto, como apontou Gabriela Böhm (2004) na elaboração do princípio “adaptar é acrescentar”. Já a transposição pode ser aplicada a obras mais extensas, de modo que o seu caráter hipertextual pode ser mascarado ou apagado por meio da amplitude textual e da ambição estética e/ou ideológica, de tal forma que essa produtividade está relacionada à variedade dos procedimentos transformacionais operados por ela. Genette (2006) não 96 explica o que, de fato, significa “ambição estética e/ou ideológica”, por isso apenas pressupomos, por meio do contexto, que se trata de uma mudança de perspectiva estética e/ou ideológica do hipotexto, a qual pode ocasionar esse mascaramento ou apagamento da relação hipertextual. Como veremos mais adiante, Maria Clara Machado muda o estilo, o tom e até a ideologia ao adaptar os contos para o teatro, mas ainda continua evidente a hipertextualidade que liga os textos adaptados às adaptações. Para o autor francês, hipertextos derivados de transposições podem nascer de três processos criativos: as transformações temáticas de seu hipotexto, as quais ocorrem quando se realiza a inversão ideológica no hipertexto; a transvocalização que acontece no caso de mudança ou exclusão de narrador; e, por fim, a translação espacial que consiste em mudar o espaço narrativo. Esses procedimentos podem ocorrer de maneira isolada ou em conjunto em um mesmo texto no ato de transpor o hipotexto, transformando-o em um hipertexto, possivelmente, mais amplo (GENETTE, 2006). Genette (2008) acrescenta que a teoria da transtextualidade também apresenta quatro formas por meio das quais essa prática se manifesta no intuito de se compor uma transposição: a tradução, a qual transporta um texto de uma língua para outra; a transestilização, uma espécie de reescrita estilística; a transmodalização intramodal, a qual consiste em mudanças apenas no modo narrativo ou dramático do hipotexto; e, finalmente, a transmodalização intermodal, uma maneira de adaptação teatral ou cinematográfica. Esses tipos de transposição distinguidos pelo crítico são recorrentes nos processos criativos de Maria Clara Machado, marcados pelo caráter hipertextual de seu conjunto de obras que passeiam pela literatura, pelo teatro e pelo cinema. O processo de tradução, por exemplo, está presente nas produções da autora que brotaram de hipotextos em outras línguas. Além de ter traduzido vários contos de fadas dos Irmãos Grimm e Andersen, que foram publicados em antologias escolares, como As melhores histórias de Andersen e Contos de Grimm, em 1973, ela também adaptou peças a partir de contos de fadas. Além disso, alguns textos dramáticos da autora foram traduzidos para outras línguas, como mencionamos no capítulo anterior. No processo de elaboração dos seus textos, Maria Clara Machado ainda faz uso do processo de transestilização ao trabalhar a mudança de estilo do hipotexto dos contos de fadas, bem como de outros recursos criativos, uma vez que transforma as narrativas clássicas e não conta exatamente a mesma história. Por exemplo, de uma 97 narrativa séria (hipotexto), ela faz uma peça cômica (hipertexto); ou quando transforma seus textos dramáticos em contos e vice-versa. Encontramos também as obras da dramaturga mineira que sofreram transmodalizações intermodais, especialmente no caso de adaptações fílmicas. É o caso das peças O cavalinho azul e de Pluft, o fantasminha, que foram adaptadas para o cinema, de modo que os musicais são hipertextos das peças homônimas. Realmente, uma parte da obra da escritora, para o teatro, literatura ou cinema, é construída a partir das práticas de transposição sugeridas por Genette (2006), contemplando textos que estão embebidos de traduções, transestilizações e transmodalizações intermodais. Nessa perspectiva, o processo de transmodalização é o último tipo de transposição puramente formal, que foi definido por Genette como “qualquer tipo de mudança de modo, portanto, ou mudança no modo, mas não mudança de gênero [...], essas transformações são abertamente temáticas, como essencialmente também o é a própria noção de gênero” (GENETTE, 2008, p.126). Ele, desse modo, concebe a transmodalização como uma transformação na forma de representação de uma obra de ficção que pode ser classificada como narrativa ou dramática. Tais transformações modais podem ser classificadas como: intermodais (passagem de um modo a outro) ou intramodais (mudança no funcionamento interno do modo). O estudioso propõe quatro variações, dentre elas, duas são intermodais: a passagem do narrativo ao dramático, ou dramatização; e a passagem inversa, do dramático ao narrativo, ou narrativização; bem como as outras duas intramodais, com as variações do modo narrativo e as variações do modo dramático (GENETTE, 2006). O teórico francês denomina as transmodalizações intermodais apenas de transmodalização de hipotextos literários, por essa razão utilizaremos esse termo somente nesse sentido. Genette (2006) mostra que a dramatização nas modalidades do discurso do hipotexto de origem narrativa consiste nas mudanças das categorias narratológicas relacionadas à temporalidade, à maneira de se regular a informação e à escolha da própria instância narrativa. Por exemplo, quanto ao tempo, geralmente se ajusta a duração da ação narrativa para adequá-la ao tempo padrão de representação teatral (estimado entre 60 e 90 minutos, no caso do teatro infantil). Assim, a forma de regular a informação e selecionar a instância narrativa são recursos utilizados por Maria Clara para adaptar os contos ao tempo do palco. Sempre que a narrativa é transposta para a representação dramática, Genette observa que existe um desperdício evidente de recursos textuais, uma vez que “o que o 98 teatro pode fazer a narrativa pode fazer também, enquanto o contrário não é verdadeiro. Mas a inferioridade textual é compensada por um imenso ganho extratextual: espetáculo e jogo de cena” (GENETTE, 2008, p.134). Em outros termos, embora a narrativa perca textualmente (em volume de texto, voz narrativa e pausas descritivas), quando sofre uma transmodalização, ela ganha em sua encenação com o jogo entre os atores, o cenário, a sonoplastia, a performance dos atores, dentre outros recursos do teatro. Já a narrativização, na ótica do crítico, é possível, mas é bem mais rara se comparada à dramatização. Ele verifica que isso ocorre, provavelmente, por razões comerciais, pois é mais vantajoso levar uma narrativa para o palco do que o contrário. Logo, a narrativização, em geral, é encontrada associada a outras operações de transformação, particularmente, a redução. É interessante perceber que Maria Clara Machado, também, realizou tal processo ao transformar algumas de suas peças em contos. Por exemplo, Pluft, o fantasminha foi escrito e publicado como conto e peça. Nesse contexto, Genette ainda elabora outros procedimentos para a criação hipertextual, dentre os quais destacamos os de ordem quantitativa. Há três processos de redução: excisão, concisão e condensação; e outros três de dilatação: extensão, expansão e ampliação. Na sua visão, não é possível “reduzir um texto sem diminuí-lo, ou mais precisamente, sem dele subtrair alguma parte ou partes”, o que é óbvio, mesmo quando a redução pode ser realizada de várias formas diferentes. Ele sugere como primeiro procedimento redutor a excisão, uma “supressão pura e simples”, isto é, o mais simples e o “mais brutal” no tocante à redução da estrutura e ao sentido de um texto (GENETTE, 2008, p.38). Dessa forma, uma única excisão massiva, apesar de ser agressiva, não acarreta, necessariamente, uma diminuição do valor do texto e pode até “melhorá-lo”, caso suprima, de forma cirúrgica, partes inúteis, que podem ser consideradas nocivas. Assim, o ato de diminuir um texto nem sempre carrega um valor negativo, ao contrário pode ser algo bastante frutífero, quando é realizado com perícia no intuito de “aperfeiçoá-lo”. Logo, embora atinja drasticamente a estrutura do texto, a excisão pode conservar um sentido semelhante ao do texto original, à medida que corta apenas trechos “desnecessários” na visão do adaptador, o que não deixa de ser relativo e questionável, por se restringir a um olhar único. Nas palavras de Genette: “Ler é bem ou mal escolher, e escolher é abandonar. Toda obra é mais ou menos amputada desde seu verdadeiro nascimento: quero dizer, a partir da sua primeira leitura” (GENETTE, 2008, p.40). Esse tipo de procedimento 99 pode, inclusive, por meio de aparas ou podas, ocorrer como múltiplas extrações realizadas no decorrer do texto, não apenas quando é adaptado em outra obra, mas durante o próprio ato de leitura, tendo em vista que a memória do leitor é seletiva. O pesquisador observou ainda que a excisão é comum em versões infantojuvenis de clássicos literários, por amenizar o discurso de detalhes históricos, explanações descritivas e didáticas, reduzindo as obras às suas tramas. Nesse caso, ela é considerada como uma estratégia no sentido de atrair o novo leitor para que leia também as obras mais extensas, que podem assustar devido ao grande volume. Diante dessa realidade, no Brasil, o Ministério da Educação incentivou a publicação de várias obras clássicas adaptadas e a distribuição nas escolas públicas com o objetivo de torná-las acessíveis ao público infantojuvenil, por exemplo, Dom Quixote e Os Miseráveis, como parte da coleção Literatura em minha casa. Na opinião de alguns estudiosos, realmente, esse tipo de adaptação se constitui como um novo texto, que cumpre um relevante papel social, por atrair esse público para a leitura dos clássicos. Para outros, tal operação não é válida, por acreditarem que a adaptação mais “deforma” do que “adéqua” a obra ao público-alvo. De qualquer forma, não podemos negar que esse procedimento é um fato recorrente que merece atenção especial por parte de escritores, estudiosos da área e, principalmente, de educadores, que levam esses livros para a sua sala de aula, para que, de acordo com a sua realidade, decidam se é necessário e produtivo ou não disponibilizarem as obras adaptadas para seus alunos. Genette propõe outro tipo de excisão – a expurgação, que também pode ser praticada pelo próprio autor – autoexpurgação –, quando ele mesmo corta partes da sua obra durante a elaboração ou após a sua publicação, ao ser revisada e/ou atualizada. A expurgação acontece por meio da amputação massiva ou por aparo ocasional com função moral, visto que se expurga somente aquilo que pode “chocar”, “ofender” ou “magoar” a inocência de um jovem leitor, por exemplo, certas informações de caráter sexual ou político (GENETTE, 2008, p.52-54). Trata-se, portanto, de uma espécie de censura, em que o adulto, imbuído de seus valores, princípios e de uma postura “politicamente correta”, interfere diretamente nas produções artísticas direcionadas ao público infantojuvenil, selecionando e excluindo aquilo que julga ser prejudicial para a formação do caráter e da personalidade de pessoas em desenvolvimento. Isso ocorre na peça O Chapeuzinho Vermelho, quando Maria Clara Machado corta o episódio em que a vovó e a menina são devoradas pelo 100 lobo em uma das versões do conto clássico, talvez para não chocar as crianças ou fazer apologia à violência. O segundo tipo de redução sugerido é a concisão, que se distingue da excisão por se tratar de um mero recorte. Ela simplifica um texto, sem suprimir nenhuma parte temática significante, de forma que apenas o reescreve em um estilo mais conciso. Ao final da operação, conforme Genette (2008), esse resultado hipertextual pode substituir todas as palavras do texto original, ou seja, é possível realizar uma síntese autônoma, que não se sujeita à literalidade do hipotexto, elaborada frase a frase, resumindo as microestruturas estilísticas e não a estrutura de conjunto. Isso significa que esse tipo não afeta, drasticamente, a conjuntura estrutural do texto resumido, embora haja a substituição parcial ou total de palavras, conservando o seu sentido primeiro. Na perspectiva do crítico, a concisão, a grosso modo, é uma série de frases que, cada uma em si, resume uma frase do hipotexto. Em suma, ela é definida como uma cadeia de resumos parciais e não como um resumo global propriamente dito, isto é, uma espécie de versão abreviada de uma obra. Há também a autoconcisão, um caso particular de concisão, que é frequente por trabalhar a questão do estilo de um autor pelas suas próprias mãos. Por fim, a condensação, segundo o estudioso francês, é um tipo de síntese autônoma que se realiza à distância e por meio da memória sobre todo o conjunto do texto a ser reduzido. Dessa forma, o segundo autor esquece cada detalhe e cada sentença do hipotexto, mantendo apenas a significação ou o movimento de conjunto. Há, basicamente, dois tipos de redução: o resumo e o digest. O primeiro foca a história, de modo que ele descreve sua narração ou sua representação e não conta a ação da obra, porém se permite mencionar explicitamente o próprio texto, por exemplo, “No primeiro capítulo o autor conta que...”; “Assim que as cortinas sobem, vemos...” Na visão do crítico, tal atitude descritiva é suficiente “para excluir qualquer forma narrativa viva demais (pretérito), a fortiori qualquer forma dramática, e para exigir o uso do presente, tempo obrigatório no francês para a descrição de um objeto considerado não tanto quanto atual, mas como atemporal”. A forma mais comum de condensação é o resumo de cunho didático, cujas principais funções são: extraliterária e metaliterária (resumos de obras literárias) (GENETTE, 2008, p.62-72). Ao contrário, digest é autônomo, “conta à sua maneira, necessariamente mais breve (sua única limitação), a mesma estória que a narrativa ou o drama que resume” (GENETTE, 2008, p.72), todavia Genette não a menciona, de modo que não se refere 101 ao seu hipotexto. Tais procedimentos são, geralmente, denominados de síntese, resumo ou sinopse, sem haver distinção entre eles, e podem ser encontrados em críticas, sinopses de divulgação, trabalhos acadêmicos, artigos científicos, entre outros, por exemplo, os que abordam a produção artística de Maria Clara Machado. No tocante às práticas de dilatação do hipotexto para a construção de um novo hipertexto, Maria Clara, em vários instantes, também aumenta os hipotextos narrativos, com práticas distintas de dilatação e acréscimos, que ocorrem, incessantemente, em todo o desenrolar dos hipertextos, como verificaremos mais adiante. Não há, nesse caso e na maioria das produções hipertextuais, somente uma prática para a elaboração do segundo texto, pois todos os procedimentos coexistem e não se constituem como práticas autônomas. Genette (2008) aponta três procedimentos de dilatação. O primeiro procedimento é a extensão, que se opõe à redução por excisão, mesmo que, à maneira desta, reforce a ideia de que seu aumento não se considera um simples e desenfreado crescimento, afinal não se reduz sem cortar, não se aumenta sem acrescentar; bem como a redução de um hipotexto não é sua mera diminuição. Contudo, os dois procedimentos distorcem significativamente o texto original, em especial, no caso de um deles ser selecionado como a operação principal para a sua elaboração. Em resumo, a extensão se trata de um aumento por adição massiva, um preenchimento do hipotexto com novas ações que dilatam sua narrativa para a escrita de um hipertexto maior. O segundo é a expansão, que se realiza por um tipo de dilatação estilística e não por adição massiva, como a extensão. Ao contrário da concisão, a expansão se constituiria como um procedimento que, por exemplo, dobra ou triplica cada frase do hipotexto. Logo, essa prática pode aumentar o texto de origem, por meio de acréscimos de novas figuras de linguagens ou de novas descrições dos detalhes mencionados ou implícitos no hipotexto conciso. Desse modo, não se estende o texto simplesmente com o objetivo de aumentá-lo sem uma preocupação estilística, atingindo apenas a sua estrutura. Portanto, na concepção do pesquisador, as noções de extensão temática e de expansão estilística nos “remetem a práticas simples que raramente são encontradas em estado puro” e que são consideradas como “os dois caminhos fundamentais de um aumento generalizado” do hipotexto no processo de criação do hipertexto (GENETTE, 2008, p. 106). O último procedimento de dilatação contemplado em O Palimpsesto é a ampliação, a qual aumenta o hipotexto à maneira dos autores clássicos da Tragédia 102

Grega que elaboravam suas peças (hipertexto) a partir de um mito (hipotexto). Esse tipo de ampliação pode ocorrer por meio da multiplicação de personagens, de detalhes e de descrições, focando a história ou a religião; aumentando a face humorística do texto; criando novas intervenções do narrador; enfim, acrescentando episódios secundários ou pela dramatização máxima de uma aventura pouco dramática no hipotexto. Como já pudemos observar, Maria Clara utiliza também esses recursos de dilatação na construção de suas peças, quando multiplica personagens, detalhes e episódios, com o objetivo principal de imprimir a marca da comicidade em suas produções, diferenciando-se, nitidamente, do tom sério dos contos. De forma geral, as práticas hipertextuais, abordadas por Genette (2006/2008), podem ser utilizadas na construção de qualquer adaptação pela via da transformação ou da imitação, por meio de elementos, principalmente, de ordem quantitativa, reduzindo ou dilatando a obra original. Por esse motivo, a teoria do Palimpsesto abarca tal processo, no plano, sobretudo, da forma e também do discurso, definindo-o, dimensionando-o e classificando-o de modo bastante elucidativa. Isso nos permitiu analisar mais detidamente as peças adaptadas de Maria Clara Machado e compreender melhor o ato de adaptar a partir dos contos de fadas, como mostraremos nos itens seguintes.

3.1. Do sério ao cômico

Nas três peças analisadas, encontramos a paródia, a qual, na perspectiva de Genette (2006), é uma prática hipertextual que consiste em transformar ludicamente o hipotexto, de uma forma mínima, alterando o seu sentido, como vimos anteriormente. Ao utilizar esse procedimento, Maria Clara imprime nas peças um tom humorístico que não existe nos contos, que se sobressai, principalmente, em O Chapeuzinho Vermelho e em A Gata Borralheira. Esses dois textos também são os que mais se distanciam das narrativas clássicas, em especial, o último.

À primeira vista, o ludismo é observado a partir de determinados nomes atribuídos às personagens que nos contos não os possuem, como a mãe de Chapeuzinho Vermelho que recebe o nome de Dona Chapelão, a vovó, de Dona Quinquinhas e o caçador, de Pedro Pirlimplimplim; a Cinderela é chamada de Dulcinéia (como a amada 103 de Dom Quixote), o príncipe, de Dom Tinhorão de Garcia Macedo y Perez, a madrasta, de dona Firmina de Sousa Borralheira, e as irmãs, de Margarida e Rosinha (as moças do pezão); em O Gato de Botas, o nome do amo é Pedro, do rei é Batata, da princesa, Batatinha, e do monstro, Ogre Brasileiro de Souza.

Nesses casos, o uso de diminutivos e aumentativos reforça a comicidade pelo fato da autora brincar com os nomes que já revelam traços do perfil das personagens. Além disso, ela cria novas personagens: Tinoco, o menino estabanado que cuida da avó de Chapeuzinho; os pretendentes atrapalhados das irmãs da Borralheira – Jaca e Leitão; bem como Ofélia, a empregada solteirona do Ogre que almeja se casar com ele; entre outros.

Também, há os neologismos criados pela dramaturga, os quais reforçam a comicidade da peça, como o presente no trecho de A Gata Borralheira a seguir.

MINISTRO: O príncipe Tinhorão não ri, não fala, não dorme, não acorda, porque sem dormir ninguém acorda, não come nem empadinhas de camarão, não lê nem luluzinha!

MÉDICO: (Aproxima-se do Príncipe e ausculta. Pára música. Batidas de tambor. Aproxima-se do Ministro e entrega a pílula): Uma pílula Esquecil de três em três horas (MACHADO, 2000, p.158).

Nesse contexto, o termo “esquecil” é utilizado para denominar uma pílula que cura “o amor perdido”, por isso é dada ao príncipe para que esqueça sua amada desaparecida. Como esse remédio não existe na realidade, ao ser receitado por um médico para tratar uma “doença séria”, o uso deste neologismo causa um efeito cômico.

Ainda encontramos, em O Gato de Botas, estrangeirismos escritos de forma “aportuguesada”, por exemplo, a palavra Ri Mem, que é o nome de uma personagem de desenho animado, o qual representa a força e o poder. Na peça, quem recebe esse nome é um dos ladrões inventados pelo gato, o caolho, no episódio em que Pedro finge ter sido assaltado, para enganar o rei e convencê-lo que é o Marquês de Carabás, como observamos na fala abaixo.

GATO: O caolho que se dizia Ri Men disse: - o Sr é o Marquês de Carabá? Meu amo respondeu: - Sim, sou eu. O caolho falou: - Tire 104

esta roupa de ouro. – Vou ficar nu? Nu como Adão, disse o caolho. – Eu quero sua roupa, sua cueca de prata, sua espada e sua bolsa de dinheiro (MACHADO, 2000, p.240).

A palavra só é escrita daquela forma, quando pronunciada pelo gato, já nas palavras da princesa, ela aparece escrita corretamente em inglês – “He Man”. Também, a versão em português ora é escrita com “n”, ora com “m” no final, o que reforça a comicidade devido o fato de haver uma suposta dúvida quanto à grafia desse termo. Todavia, o efeito cômico é mais contundente na descrição da personagem que recebe tal nome, pois se trata de um ladrão caolho e não de um herói forte e bonito como o é o He Man original. Além disso, tal nome é um elemento que remete à realidade atual e pode instigar a comicidade ainda porque parece deslocado.

Em outros termos, como esse texto dramático é baseado em um conto de fadas e a maioria de nós ouviu essa história desde crianças e imaginamos em que tempo foi escrita (“há muito tempo”...), embora não saibamos com exatidão a época, é certo que é antiga e não contemporânea. Por esse motivo, quando encontramos marcas de modernidade misturadas às antigas histórias, estranhamos e esse estranhamento pode causar risos dependendo do contexto em que aparece.

Nas peças, a mistura da linguagem padrão com a coloquial, por vezes, faz-nos rir de uma forma leve e alegre, sem instigar reflexões críticas de forma e/ou conteúdo, devido ao fato de a autora retomar expressões linguísticas ou palavras engraçadas. Por exemplo: em O Chapeuzinho Vermelho, a menina pronuncia as palavras “sofrendo da bola”; em A Gata Borralheira, Rosinha fala a palavra “bocó”; e em O Gato de Botas, o felino usa o termo “escambau”, conforme verificamos nas falas a seguir.

CHAPÉU: Acho que a vovó está é sofrendo da bola... (Dá uma volta em torno da cadeira, observando-a) Vovóóóó... Por que a senhora tem essa orelha tão grande? (MACHADO, 2001, p.152)

ROSINHA: Merci, bocó (MACHADO, 2000, p.143).

GATO: É. O rio, a transamazônica, a linha vermelha, a estrada de ferro norte-sul, o pantanal, o milharal, o escambau, tudo é dele, mas se ele morrer... Salva... Salva meu amo, senhor... (MACHADO, 2001, p.238). 105

A primeira expressão significa “problemas mentais”; a segunda é uma palavra que quer dizer “bobo”, “tolo”, além disso ela não escreveu corretamente a expressão francesa "merci beaucoup", cujo significado é “muito obrigado”, nem a forma que se pronuncia em português – “boucu”; bem como a última que também é uma gíria, a qual pode significar “etc”, “muito mais” (como é o caso da peça). Nesse caso, elas são cômicas por estarem deslocadas do contexto que, normalmente, são encontradas e por serem inesperadas.

Enfim, há vários elementos de modernidade nas peças: linguagem, referência a espaços brasileiros ou que não existiam na época em que as histórias forma narradas, culinária, entre outros, os quais apontam para a vida atual, diferentemente dos contos, atualizando e imprimindo um tom cômico a elas. Por exemplo, em O Chapeuzinho Vermelho, há a referência à cidade brasileira de Minas Gerais e a seus produtos regionais, como o queijo mineiro; a história de A Gata Borralheira acontece no Brasil, havendo várias citações de elementos da sua cultura, como poemas, datas e personagens históricos; e, em O Gato de Botas, há referência a invenções do século XIX que permanecem até hoje, como a predileção real pela batata “chips” e a citação da máquina fotográfica, mais especificamente uma marca – a Kodac.

Assim, em maior ou menor proporção, observamos sempre marcas de contemporaneidade em todas as peças analisadas, o que, inegavelmente, reforça o lado humorístico delas. Tais elementos, em alguns momentos, também são usados com um intuito diferente, o satírico, o qual provocará outro tipo de riso, o de zombaria, como verificaremos no próximo item, quando analisaremos as peças sob o enfoque da teoria da Comicidade, de Vladimir Propp (1992).

3.1.1 A marca do riso de zombaria no travestimento do palimpsesto

O travestimento, que é definido como a transformação com o objetivo de zombar e ridicularizar, revela-se por meio da mistura da linguagem padrão com a coloquial, bem como dos estrangeirismos elaborados propositalmente para criticar a hipocrisia dos adultos diante de um pseudointelectualismo, que reflete a superficialidade de pessoas que desejam se impor socialmente por meio de uma linguagem rebuscada e, supostamente, restrita à elite, provocando risos. Tal postura está mais presente na peça A 106

Gata Borralheira, como podemos verificar nas falas a seguir, quando Firmina tenta mostrar aos pretendentes de suas filhas que estes não são dignos delas, por não serem cultos.

FIRMINA (Enérgica): Sinto muito, senhores João Jaca e Simão Leitão. Minhas filhas foram criadas visando a outros horizontes. Gastei com elas minha mocidade e meu dinheiro. Só se casarão com gente de alto gabarito. Os senhores são cultos?

JACA: Bem... eu cultivo o campo, dona Firmina.

FIRMINA: Não se trata disso, senhor João Jaca, trata-se de coisas do espírito, por exemplo: falar francês... meninas!

MARGARIDA: Le lion est le roi dês animaux! (Enfática).

ROSINHA: Je suis, tu es, Il est... fatigué.

FIRMINA: Saber nomes difíceis...

MARGARIDA: Onomatopéia!

ROSINHA: Otorrinolaringologista!

FIRMINA: Datas...

AS DUAS: Sete de setembro!

FIRMINA: Feitos...

MARGARIDINHA: E o comandante se envolveu na bandeira holandesa e se atirou ao mar exclamando: o oceano é a única sepultura digna de um almirante batavo!

FIRMINA E ROSINHA: A única!

SIMÃO: O cateto da hipotenusa serve, João Jaca? (MACHADO, 2000, p.130-131)

Um dos recursos utilizados para causar efeito cômico na cena é o trocadilho, quando Firmina pergunta se Jaca é culto e ele não entende o sentido deste termo, dizendo que cultiva o campo, o que denota que confundiu o termo que se relaciona à cultura (educação) com cultura ou cultivo da terra, o que, curiosamente, é correto, se considerarmos a etimologia da palavra. Nesse caso, ela exige que os dois saibam outros idiomas, datas, fatos históricos e palavras consideradas difíceis de pronunciar, por entender que quem possui esse tipo de conhecimento, mesmo de forma superficial, é considerado culto. Se observarmos as respostas de Rosinha e Margaridinha, perceberemos que elas as decoraram, por imposição da mãe, apenas para tentar 107 convencer os outros de que são cultas, quando, na verdade, não conhecem bem, por exemplo, a língua francesa, porque dizem apenas frases soltas.

Tais atitudes ainda se tornam abertamente denunciadas e ridicularizadas no episódio citado abaixo, em que João Jaca e Simão Leitão vão ao encontro de um livreiro, para procurar um livro que os ensine a falar difícil e, assim, possam impressionar a mãe e as moças, com as quais pretendem casar.

JACA: O senhor tem livro de falar difícil?

LIVREIRO: Grego, latim ou francês?

OS DOIS: Português.

LIVREIRO: Ciência, literatura, filosofia ou poesia?

JACA: Qualquer coisa difícil para impressionar as damas.

LIVREIRO: Dama velha ou dama moça?

LEITÃO: Dama velha e dama moça.

JACA: Basta dama velha, Simão Leitão. A velha estando no papo, as filhas também estão.

LIVREIRO (Entregando o livro): Então levem este. É tiro e queda para conquistar dama grã-fina. Já vendi mais de quarenta livros só para a festa do príncipe Tinhorão.

LEITÃO: Em quantos capítulos a gente fica pronto?

LIVREIRO: Isto depende do freguês.

LEITÃO (Lendo): Livro de cultura em 23 lições. Infalível sobretudo em festas, reuniões e saraus onde é necessário impressionar sem molestar, afirmar sem convencer e brilhar sem ofuscar.

LIVREIRO: Perfeito para um salão onde se deve falar muito sem dizer nada. (MACHADO, 2000, p.140)

Desse modo, a dramaturga critica uma tradição aristocrática que tem se enfraquecido ao longo do tempo, mas que ainda está enraizada na nossa sociedade, de forma que muitos consideram culto quem fala “difícil”, mesmo não sendo compreendido pelos outros. Especialmente, a última fala mostra um paradoxo (“falar muito sem dizer nada”) envolto numa ironia, que endossa um humor mais agressivo e 108 mais crítico, instigando um riso de zombaria nos leitores que possuem um senso crítico mais apurado, o que ainda não é o caso do público infantil.

Portanto, a teatróloga mineira recorre a dois processos diferentes para transformar o hipotexto, causando efeitos cômicos distintos que provocam ao mesmo tempo um sorriso, um riso leve e descontraído, bem como um riso de zombaria. Como pudemos perceber, por meio da análise dos recursos do travestimento, Maria Clara Machado recorre aos aspectos de construção da comédia e a algumas causas do riso de zombaria.

Para entendermos melhor como esse tipo de riso é construído nas peças analisadas, por acreditarmos que a comicidade é um fator determinante na diferenciação entre os contos de fadas e os textos dramáticos analisados, uma vez que se contrapõe ao tom sério dos primeiros, recorreremos também às reflexões de Vladimir Propp (1992) acerca da comicidade e do riso.

Na concepção de Vladimir Propp (1992), o exagero só é cômico quando revela um defeito, sendo possível demonstrá-lo por meio de três formas: a caricatura, a hipérbole e o grotesco. No primeiro, um detalhe é exagerado de forma a atrair para si uma atenção exclusiva. O segundo consiste em exagerar o todo. Já o último é um tipo de exagero que confere um caráter fantástico a uma determinada imagem e obra. Nas peças percebemos o exagero cômico, principalmente na caricatura. Por exemplo: em O Chapeuzinho Vermelho, o defeito, a maldade, de um dos protagonistas, o Lobo Mau, está expressa no nome e nas atitudes da personagem, de modo que a atenção do leitor é voltada exclusivamente para essa característica do lobo, como podemos observar na fala a seguir. LOBO: Não há menina que resista a um lobo mau fantasiado de bonzinho... e que sofre... ah! ah! ah! (MACHADO, 2001, p. 128)

Nesse caso, os atos de fingir, mentir e ainda zombar da ingenuidade da menina revelam que a personagem é má e dissimulada, como o seu próprio nome indica. Da mesma forma, em A Gata Borralheira, a maldade da madrasta também é ressaltada, de maneira que ela é reconhecida por tal defeito, tanto que marca o imaginário popular, estendendo, em geral, essa característica para todas as madrastas. Isto é, ainda hoje, no senso comum, há a ideia de que madrasta é má. 109

FIRMINA: Parem de chorar e você pare de rir, sua pateta, se não quer levar uma surra. E vá para a cozinha que é lugar de gata suja! (MACHADO, 2000, p. 168)

A fala supracitada mostra que Firmina é má porque xinga e ameaça a sua enteada, tratando-a mal sem motivos. Em toda a trama, ela escraviza a moça, obriga-a a trabalhar sem descanso e a servir às suas filhas sob muita humilhação, impedindo-a de sair de casa. E, por fim, em O Gato de Botas, mais uma vez a falha da personagem Ogre destacada é a maldade, como mostra a fala seguinte.

GATO: O ogre não era um bruxo terrível que maltratava todo mundo? (MACHADO, 2001, p.251)

O ogre é descrito no texto como uma fera má e como um bruxo que ameaça e engana as pessoas, de tal forma que usa a magia para fazer maldades e conseguir o que deseja. Nos três casos, um dos motivos de o fracasso das personagens citadas causar riso, como analisaremos posteriormente, é o fato dessa característica ter sido focada. Na comédia, a depender da personagem, temos alguma característica exagerada de tal forma que atrai para si toda a atenção do púbico; pode ser uma parte do corpo ou um traço da sua personalidade, de forma que muitas comédias colocam essa característica em destaque no seu título, por exemplo, O Avarento, de Molière. Em duas das peças analisadas, o que é ressaltado no título, por exemplo, são partes da vestimenta dos protagonistas: o chapeuzinho vermelho da menina e as botas do gato. Na outra peça, é focada a condição de vida da protagonista Dulcinéia, que vive no borralho, por isso é chamada de borralheira (este também é o sobrenome da sua família na trama). Todavia, a característica comum que causa riso em O Chapeuzinho Vermelho, O Gato de Botas e A Gata Borralheira é o fato de o caçador, o rei e os pretendentes das irmãs de Cinderela serem bobos. As personagens cômicas também apresentam traços grosseiros ou muito refinados, de forma a ressaltar o exagero de um ou de outro traço, um exemplo são os palhaços que usam muita maquiagem, roupas muito coloridas, cabelos espalhafatosos e sapatos grandes, com a intenção de causar risos, a começar pela vestimenta. É comum nas comédias encontrarmos personagens que se vestem como palhaços, apresentam gestos indiscretos, espalhafatosos e desastrados, dentre outros elementos que por si só 110 provocam o riso por destoarem do que é considerado “simples” e “comum” no dia-a-dia do público ou do leitor. Para exemplificarmos o traço grosseiro das personagens nas peças, temos os pés grandes das filhas da madrasta; um gato falante que usa botas, o que definitivamente não é comum no cotidiano do leitor; bem como o lobo, uma coelhinha e árvores que falam, conferindo um caráter fantástico à obra. Outro motivo de riso é o malogro da vontade, que acontece quando as pessoas se deparam com algo desagradável e inesperado que altera o curso tranquilo de suas vidas. É um tipo de riso um tanto cruel, pois depende do grau da desgraça dos outros, podendo despertar reações como rir ou correr para ajudar ou, ainda, as duas coisas simultaneamente. Esse aspecto é evidente no fracasso do lobo, quando é capturado e enviado novamente para o zoológico; no caso da madrasta que, mesmo depois de tramar vários planos, não consegue casar uma das filhas com o príncipe; e, finalmente, na desgraça do ogre, que se transforma em um rato e é devorado pelo gato de botas. Há também o alogismo, que é um caso de fracasso que acontece por falta de inteligência. “Nas obras literárias, assim como na vida, o alogismo pode ter dupla natureza; os homens dizem coisas absurdas ou realizam ações insensatas” (PROPP, 1992, p.100). No primeiro caso, há uma concentração errada de ideias que se expressam por meio de palavras, causando riso. No segundo, temos uma conclusão errada que se manifesta em ações que provocam riso, sem a necessidade de palavras. A falta de inteligência também é encontrada nas três peças quando a madrasta força as filhas a cortarem os pés para enganar o enviado do príncipe, como observamos na fala abaixo, e tem o seu plano descoberto, porque todas as moças da cidade cometeram o mesmo alogismo.

FIRMINA: Coragem, filhas de minh’alma! O preço da beleza é alto, mas a recompensa compensa. Que valem uns dedões de pé em troca de um trono? (MACHADO, 2000, p.167)

O Ogre também foi alógico ao se transformar em um rato, depois de ser desafiado pelo gato, pois não concluiu que o felino, predador natural desse animal, poderia devorá-lo, como ilustram as falas a seguir.

GATO: Grande coisa, virar um leão ou um elefante. Quero ver é você virar um bichinho pequeno. Isto você não sabe, garanto... 111

OGRE: Pois você vai ver. (Torna a escurecer. O ogre-leão desaparece) Vou me transformar num ratinho. (MACHADO, 2001, p. 251)

E o lobo não foi inteligente na hora de fugir do caçador, tentou ludibriá-lo, mas a sua gula o impediu de escapar para um lugar mais distante, onde não pudesse ser encontrado facilmente, por isso foi capturado e levado para o zoológico, como fica claro na fala seguinte.

LOBO: Uf! Desta escapei! O bobo do caçador está crente que eu fui para o outro lado do rio... ah!... ah!... ah! Enganei-o direitinho. (Sente cheiro) Que cheiro bom! Que cheiro gostoso... (Procura de onde vem o cheiro.) (MACHADO, 2001, p.125).

Propp (1992) observa que o fazer alguém de bobo é muito comum na literatura. A sua vítima pode ser feita de boba por sua própria culpa, quando alguém se aproveita de um defeito ou descuido seu, expondo-a ao escárnio geral. Esse é um princípio, no qual se baseiam as tramas do imenso ciclo de contos maravilhosos sobre os ladrões espertos que não são considerados criminosos, mas divertidos artistas de sua arte. Nos textos dramáticos estudados, esse princípio também está presente, de forma que o lobo faz o caçador de bobo, quando tenta fugir dele; o gato de botas faz o Ogre de bobo e o devora; e a madrasta faz as filhas de bobas, ao convencê-las a cortar os pés. Quanto à mentira, Propp observa que “a mentira enganadora nem sempre é cômica. Para sê-lo, tal como os outros vícios humanos, ela deve ser de pequena monta e não levar a consequências trágicas. Além disso, ela deve ser desmascarada. A que não for não pode ser cômica” (PROPP, 1992, p.115). A mentira cômica também é responsável por causar risos nas peças, por exemplo, quando o lobo mau mente para chapeuzinho, dizendo que é bonzinho; o gato mente para o rei Batata, inventando que o pobre Pedrinho é o rico marquês de Carabá; e a madrasta mente para o príncipe, fingindo que é uma cigana que prevê o futuro. No primeiro e no último caso, os mentirosos são desmascarados diante das vítimas; no segundo caso, apenas o leitor tem ciência da mentira, de forma que, mesmo não sendo desmascarada, a mentira é de pequena monta e não conduz a consequências trágicas, por isso acontece o riso. Os caracteres cômicos, na visão de Propp (1992), são criados com um certo exagero, na descrição destes se escolhe uma propriedade negativa do caráter e a amplia para atrair a atenção do leitor; mas no limite que não atinja a objeção. 112

E, finalmente, temos o princípio conhecido como “qüiproquó”, que significa “um no lugar do outro”. Os motivos de disfarce, extremamente comuns nas comédias antigas, baseiam-se nesse princípio. Para Nikoláiev (apud. PROPP, 1992), a possibilidade do riso é criada justamente pelo fato de se querer parecer quem não é. O quiproquó aparece nas três peças, causando muitos risos. Em O Chapeuzinho Vermelho, esse princípio também é utilizado, quando o lobo se disfarça de vovozinha, como percebemos nas falas abaixo.

CAÇADOR: (Da janela) Ó de casa! Ah! Tinha me esquecido que a velhinha é surda... Boa tarde, dona Quinquinhas. A senhora viu por acaso passar por aqui o Lobo Mau?

LOBO: Não, não passou, não. Ou melhor, passou sim. Passou e fugiu na direção do limoeiro...

CAÇADOR: Limoeiro? (Entra.)

LOBO: Estou com tanto medo, seu caçador... Será que o senhor seria capaz de pegá-lo? (MACHADO, 2001, p. 154)

LOBO: Tenho de me disfarçar. Esta menina é tão bobinha!... É de família... vai ser fácil. (Enquanto fala, abre o baú de folha e tira um chalé da vovozinha, a touca e os óculos, veste-os e se mete debaixo da coberta, sentando-se na cadeira. Chapeuzinho se aproxima e pára na janela.). (MACHADO, 2001, p.149)

Em A Gata Borralheira, a madrasta se disfarça de cigana para enganar o príncipe e convencê-lo a se casar com uma de suas filhas, como vemos na fala a seguir, mas a sua farsa é logo descoberta.

FIRMINA: Hala-hala, Tinhoron! Sou a famosa cigana Firmina Habibe, turca de nascimento, que tudo adivinha e tudo cura. Males de coraçon, desprezo, dor de cotovelo, males de fígado, incompreenson, negócios falidos, amores perdidos... Deixe-me curá-lo, nobre Azulon. Sei onde está a beldade do diadema (MACHADO, 2000, p.160).

Em O Gato de Botas, o gato disfarça Pedro de marquês de Carabá, para executar o seu plano e, assim, o rapaz conquistar a princesa e convencer o rei de que é um homem rico. 113

GATO: Meus cumprimentos, Marquês de carabá.

PEDRO: O que? Que marquês que nada! Onde é que você inventou esta história! Marquês de Carabá...

GATO: Disse ao rei Batata que você é um fidalgo muito rico e dono de todas as terras de Carabá (MACHADO, 2001, p.235).

Assim, as várias causas do riso de zombaria apontadas por Propp (1992), fundamentais para entendermos como os textos cômicos, geralmente, estruturam-se e como cada elemento funciona, causando um efeito cômico diferente, também são encontradas nas peças infantis analisadas. Embora essa teoria não tenha sido fundamentada no teatro infantil e sim na Comédia, verificamos por meio da análise que também pode ser aplicada a textos dramáticos infantis.

Tal constatação gera um questionamento inevitável: as peças infantis, por apresentarem todos esses princípios cômicos, poderiam ser consideradas comédias? Essa é uma questão polêmica e controversa que merece um estudo à parte, por isso não a trataremos agora. Nesse caso, o importante é ressaltar que, independentemente de classificarmos as peças infantis como comédia ou não, um dos seus traços principais é a comicidade.

Enfim, por considerarmos que os formalistas e os estruturalistas apresentam muitos pontos em comum, podendo ser grandes aliados, unimos Propp (1992) e Genette (1982) para encontrarmos um caminho de análise da forma sem desconsiderar o conteúdo, como uma maneira de abordar o riso de zombaria no processo de travestimento do hipertexto.

Verificamos, portanto, que os olhares dos dois críticos se encontraram sobre as peças e nos permitiram vislumbrar a comicidade como um elemento determinante na formação dos textos derivados, distinguindo-os das narrativas originais. Desse modo, embora possamos enxergar o hipotexto sob a segunda mão de tinta dada por Maria Clara Machado, não há dúvidas de que ela criou novos palimpsestos a partir de pergaminhos clássicos. 114

3.2. A transposição como processo de transformação hipertextual

A transposição — a transformação séria do hipotexto – é outra prática hipertextual utilizada por Maria Clara Machado durante a criação da sua obra. Essa pode ser elaborada a partir de transformações temáticas do texto de origem (inversão ideológica), de transvocalização (mudança de narrador) e de translação espacial (mudança de espaço narrativo). Ao analisar as peças, verificamos que esses processos criativos foram utilizados, mas não encontramos todos eles nos três textos simultaneamente, como veremos a seguir. A transvocalização ocorre em A Gata Borralheira (hipertexto) quando apresenta um narrador-personagem, que assume vários papéis na trama, ao contrário do hipotexto que é narrado em terceira pessoa de forma onisciente e onipresente. Já nas outras peças não existe a figura do narrador, como geralmente acontece no gênero dramático, cuja mola mestra é a ação. Por sua vez, o procedimento da inversão ideológica pode ser verificado quando questionamos a tendência ideológica dos contos e das peças. Os hipotextos, os contos de fadas, possuem cunho moralista, por terem sido adotados pela educação burguesa como meio de ensinar preceitos morais e comportamentos aceitáveis pela sociedade da época, especialmente para as jovens. Já os textos dramáticos visam, sobretudo, o ludismo e o humor sem priorizar o utilitarismo e o moralismo. Embora uma das peças, A Gata Borralheira, também critique comportamentos e posturas diante da vida em sociedade e, ao final das três, possamos extrair alguma mensagem, esse não é o foco principal. Os hipertextos, nesse caso, não são construídos com pretexto pragmático e utilitarista, visto que a dramaturga fazia parte de um novo movimento no Teatro Infantil Brasileiro, que primava pelo lado lúdico do texto e do espetáculo, como vimos no capítulo anterior. Nessa perspectiva, a inversão ideológica no processo de transposição das narrativas para o teatro é evidente e importantíssima para compreendermos os focos distintos das obras. O último recurso, a mudança de espaço narrativo ou translação espacial, também pode ser exemplificado em A Gata Borralheira. No conto, o espaço não é determinado, não há a localização exata da cidade, do estado ou do país, onde acontece o enredo, ao contrário da peça em que a escritora realiza a mudança de espaço, de maneira que a história acontece no Brasil. 115

Assim, Maria Clara Machado, utilizando-se de transformação temática, transvocalização e translação espacial, realiza uma transposição. Entretanto, essa prática se manifesta em uma configuração ainda mais complexa, por se apresentar como um processo de transmodalização (ou transmodalização intermodal).

3.3. Dos contos às peças: o processo de transmodalização na dramatização das narrativas

O processo de transmodalização praticado na construção das peças apresenta algumas transformações nos hipotextos clássicos. Genette (2008) sugere que, por pura necessidade técnica, o procedimento de transmodalização pode submeter o hipotexto a uma transformação temática significativa em seu tempo narrativo, o que é necessário, uma vez que se passou para um novo gênero que possui um tempo preestabelecido, o qual normalmente é obedecido, em especial no caso das crianças para não cansá-las; ou em uma motivação psicológica forjada, que pode ser feita no intuito de justificar um artifício técnico. A peça A Gata Borralheira apresenta o recurso apontado pelo crítico francês, quando o príncipe é conduzido por uma motivação forjada, inexistente no hipotexto. D. Tinhorão vindo da Espanha não apenas procura uma pretendente, como na história clássica, mas precisa encontrar alguém em boas condições financeiras, pois está falido. É verdade que, depois que conhece Dulcinéia e a enxerga como o grande amor da sua vida, ele não cede mais à pressão exercida pelo Ministro, para que se case apenas por interesse financeiro. Já, no conto, isso seria inverossímil, pois o príncipe é herdeiro de um reino muito rico e, embora o seu pai procure uma pretendente de origem nobre para o seu filho, a situação econômica não é, em nenhum momento, o motivo principal dessa busca. Outra peculiaridade da narrativa, na ótica do crítico francês, é a pausa descritiva, a qual é inútil na cena dramática porque os atores e o cenário são apresentados visualmente, sem necessidade de palavras. Dessa forma, tendo em vista a configuração do teatro, vemos no hipertexto as metáforas e descrições, indicadas nos contos, transmodalizarem-se em imagens e sons no palco. Se considerarmos apenas os textos dramáticos, a transmodalização ocorre de maneira que são suprimidos, por 116 exemplo, trechos descritivos narrados com a intenção de situar o leitor no espaço, no tempo e no lugar da ação. O fato é que, nesse gênero, temos a ação direta sem intermediações, contudo, evidentemente, há sempre exceções, como é o caso de A Gata Borralheira (GENETTE, 2008). Nesse contexto, por causa da instância modal, ocorre também outro tipo de redução inevitável: todas as falas, com exceção daquelas relatadas por um personagem- narrador, apresentam-se no discurso direto. Além disso, na cena dramática, de acordo com Genette (2008), não é possível aprimorar a ideia de focalização, porque os atores estão igualmente presentes no palco e só podem falar um de cada vez. Logo, o ponto de vista narrativo não encontra equivalente no dramático, visto que o espectador passa a ser o único que tem um prisma dramático e só ele pode direcionar e modular sua atenção como preferir de uma forma que quase não pode ser programada ou prevista pelo texto. Em suma, Genette (2008) afirma que a categoria referente à voz narrativa — por definição, completamente ligada à existência de um discurso narrativo — desaparece inteiramente na cena dramática, exceto quando se tem um narrador, o que não significa que esse fato apague a presença “obrigatória” do discurso direto característico do gênero dramático. Logo, quando isso ocorre há a coexistência desses dois tipos de discursos, de modo que, nesses casos, muitas vezes o narrador também é um personagem. Portanto, o importante é pensar a dramatização a partir dos ganhos extratextuais que ela nos proporciona e encontrar nas peças de Maria Clara aquilo que os contos não apresentaram, sem, todavia, focar uma análise de fidelidade entre hipotexto e hipertexto, o que seria ignorar a rede de textos que sempre existe dentro da obra de um autor.

a) A excisão

Gérard Genette (2008, p. 78) afirma que é impossível reduzir um texto sem diminuí-lo, ao subtrair alguma parte ou partes dele. Nesse sentido, ele aponta como procedimento redutor mais simples o da excisão, que consiste numa supressão pura e simples, embora seja o mais brutal e mais agressivo à sua estrutura e sentido, sem nenhuma outra maneira de intervenção. Na sua visão, esse tipo de agressão não afeta o 117 valor, pois “eventualmente é possível ‘melhorar’ uma obra suprimindo cirurgicamente alguma parte inútil e, portanto, nociva”, como percebemos anteriormente. O crítico observa que uma única excisão maciça, a redução por amputação é uma prática literária (ou ao menos editorial) amplamente difundida, que existe de fato. Como exemplo dessa prática, apresenta as muitas edições de Robinson Crusoé para crianças, que sofreram esse tipo de procedimento desde 1719, três meses após a primeira edição do livro. Com isso, reduziu-se a narrativa à parte propriamente “robinsoniana”, ao naufrágio do navio e à vida de Robinson na ilha. Nesse caso e em outros, a prática de reescrita se apoia em uma prática da leitura de escolha da atenção, uma vez que vários leitores passam superficialmente pelas aventuras do herói antes e depois da ilha mesmo quando leem a edição completa. O estudioso acredita que, desde a sua primeira leitura, toda obra é mais ou menos amputada maciçamente ou de uma forma que consiste em múltiplas extrações difundidas ao longo do texto. Quando constata essa última realidade, refere-se à amputação como apara ou poda, logo essas “edições” são muito frequentes, especialmente, nas coleções de literatura “infantojuvenil”, mesmo que isso não seja transparente. Ele exemplifica com obras que são reduzidas à sua trama narrativa, à sucessão ou encadeamento de “aventuras”, como Dom Quixote sem seus longos discursos, digressões e relatos de novelas; e Júlio Verne, de suas explanações descritivas e didáticas. Assim, há um efeito de apara na própria noção de “romance de aventura” por se tratar, em grande parte, de um artifício editorial (GENETTE, 2008). Genette mostra que tais simplificações não são inspiradas apenas pelo público juvenil, mas acometem a literatura em geral. Ele conta que Houdar de La Motte produziu, no século XVIII, uma versão francesa da Ilíada em doze cantos (dos vinte e quatro originais), suprimindo dois terços do texto Homérico, ao retirar discursos redundantes e entediantes, batalhas, entre outros episódios. A justificativa que encontra para esse tipo de atitude é a de que “nem toda época aprecia todos os gêneros, e a Ilíada em doze cantos é um bom exemplo do gosto da sua época” (GENETTE, 2008, p.42). O autor ainda apresenta a auto-excisão, um caso especial da excisão, que é definida como “a amputação ou apara de um texto, obviamente não por ele mesmo — o que, entretanto, seria o ideal, mas, já que não é possível, pelo seu próprio autor” (GENETTE, 2008, p.42-43). O pesquisador francês afirma que os textos dramáticos, com frequência, são diminuídos na sua montagem teatral, de modo que, se as supressões são realizadas 118 meramente por conveniência cênica, permanecem tácitas. Na sua ótica, ainda que as “versões cênicas” sejam consentidas pelo autor, por não serem escritas, “elas escapam, às vezes irremediavelmente, à curiosidade dos historiadores e críticos”. De outro modo, se os estudiosos tiverem acesso a rascunhos, roteiros ou projetos dos dramaturgos e diretores, por exemplo, poderão recuperar as excisões e satisfazer não apenas a curiosidade, mas realizar estudos a respeito. Por essa razão, mais uma vez, insistimos na opinião de que é válido recorrer aos paratextos póstumos, mesmo que algumas perguntas, necessariamente, não encontrem respostas. Nessa perspectiva, “as versões expurgadas” produzidas pela expurgação são uma espécie de excisão que ocorre por amputação maciça ou por aparo disseminado, sendo uma redução com função moralizante. Isso significa cortar informações, por exemplo, acerca da vida sexual, privando-os por mais tempo dessas realidades, uma vez que não é urgente a necessidade de adverti-los ou conscientizá-los sobre esses assuntos. Maria Clara Machado corta alguns trechos dos contos realizando o procedimento de excisão que se manifesta como uma “supressão pura e simples”, sem qualquer outra intervenção. Entretanto, apesar de agressiva, a excisão não ocasiona necessariamente uma diminuição do valor do hipotexto, haja vista que ao suprir quase que cirurgicamente partes do texto inúteis ou nocivas, na visão logicamente do segundo autor, o hipertexto visa a “melhorar” seu hipotexto. Afinal, esse é um dos atos necessários para a construção da nova obra, sob um olhar diferente, pois, de outro modo, não passaria apenas de uma cópia. Em todos os contos de fadas, a excisão por expurgação pode ter ocorrido ao longo do tempo, com o surgimento de suas várias versões. No tocante ao conto mais conhecido como Chapeuzinho Vermelho, se compararmos a versão apresentada por Robert Darnton (2001) com as suas versões atuais, verificaremos que foram expurgadas várias partes dele, pelo motivo principal de não chocar as crianças, uma vez que, hoje, os contos de fadas são dirigidos, sobretudo, para elas. Provavelmente, as cenas do strip- tease realizado por Chapeuzinho e a do esquartejamento da vovó causariam estranhamento por estarem presentes em textos voltados para o público infantil, visto que não são “cenas” apropriadas para menores, de acordo com a censura que vigora atualmente na sociedade contemporânea. É verdade que ainda existem versões em que a vovó e a menina são comidas pelo lobo, mas algumas são amenizadas pela fantasia, quando elas são retiradas vivas pelo caçador da barriga da fera, por exemplo. No caso da peça de Maria Clara, foram 119 expurgados todos os atos de violência, de modo que não morre nenhum dos personagens. Para que esses atos não se repitam, ela encontra soluções, como instaurar uma grande confusão em cena, envolvendo várias personagens – caçador, D. Chapelão, D. Quinquinhas, o lobo, Chapeuzinho, Tinoco e a coelha – pois, na hora em que o lobo revela à menina quem ele é, o caçador chega; ela é trancada no quarto; ele é enganado, inicialmente pelo animal, depois lutam. Em seguida, entram em cena Tinoco e a mãe. O lobo foge, mas antes mente dizendo que comeu Chapeuzinho e D. Quinquinhas. A mentira é logo desmascarada quando a vovó retorna à cena e eles ouvem os gritos da menina. Por fim, a fera é capturada e levada para o Jardim Zoológico, um espaço reservado apenas para os animais, onde eles ficam presos e as pessoas vão visitá-los. Trata-se de um “castigo” bastante moderno, porque, certamente, não é visto como um ato de violência explícita, uma vez que, embora subtraia a liberdade, oficialmente não mata ou tortura os animais. Nessa peça, a dramaturga também corta o episódio em que o lobo engana a vovó, fingindo ser Chapeuzinho, para poder devorá-la. Esse é substituído pela cena em que, ao chegar na casa de D. Quinquinhas, ela confunde o animal com um vendedor de festas. Entretanto, não é um corte tão significativo quanto o primeiro, mesmo que, no desenrolar da trama seja necessário, para reforçar o nonsense representado pela personagem D. Quinquinhas. Assim, não provoca um encontro que desembocasse em uma cena de violência, como na primeira versão do conto apresentada neste trabalho. Em A Gata Borralheira, não ocorre a expurgação, mas somente a excisão. É interessante observar que o episódio que poderia ser considerado violento, a do corte dos dedões e dos calcanhares das filhas da madrasta, não é expurgado, é mantido de forma cômica. O primeiro corte é a participação do pai de Cinderela, que, embora apareça poucas vezes, a sua aparição no final é decisiva porque ele fala ao príncipe da existência da filha, contrariando a esposa.

Desanimado, o príncipe perguntou se havia mais alguma moça na casa. A madrasta respondeu que não, mas o pai de Cinderela disse: - Senhor Príncipe, há ainda a filha do meu primeiro casamento, mas, coitadinha! Não sei por que fica o tempo todo dentro da cozinha e nunca sai de lá... (GRIMM, 1973, p.22). 120

A maior excisão é realizada pela autora no final da narrativa. Após verificar que o sapatinho de cristal pertencia à moça, o príncipe a toma nos braços, monta em seu cavalo, leva-a para o seu palácio e se casa com ela no mesmo dia. Já, na peça, quando Tinhorão descobre que Dulcinéia é a moça do sapatinho, pede-a em casamento, mas, inicialmente, ela resiste ao pedido, por se considerar feia e pobre. Contudo, o rapaz insiste, revela a sua condição financeira e o seu sentimento, propondo a venda do palácio do Alvoroço para que abrissem uma floricultura e, depois, pudessem se casar.

PRÍNCIPE: Linda princesa, quer casar comigo? DULCINÉIA: Sou pobre, sou feia.

PRÍNCIPE (Fica triste e se afasta.)

DULCINÉIA: Ficou triste, Príncipe?

PRÍNCIPE: Fiquei, Dulcinéia, não por você ser pobre, que sou pobre também (MACHADO, 2000, p.170).

Dessa forma, há uma espécie de desmistificação em torno da figura do príncipe encantado dos contos de fadas, de modo que, no texto dramático, ele se torna mais humano e real, como qualquer outro homem, que está sujeito às dificuldades da vida. Em O Gato de Botas, não há esse tipo de corte, talvez por ser o hipertexto que mais se aproxima do seu hipotexto. Ao realizar excisões ou expurgações nos hipotextos analisados, Maria Clara Machado cria novos hipertextos, que não necessariamente podem ser considerados melhores, mas diferentes. Os procedimentos de dilatação, apresentados a seguir, são semelhantes ao postulado “Adaptar é acrescentar”, elaborado por Gabriela Hardtke Böhm, pois não se pode estender um texto sem acrescentar nada. Todavia, Genette distingue tal processo em operações diferentes, apresentando novas nuances. Já iniciamos a análise desse princípio, de forma global, quando discutimos o artigo da autora, mas consideramos pertinente observar mais atentamente como ocorrem essas operações na perspectiva do crítico francês na construção dos palimpsestos.

b) A extensão 121

Além de cortes que reduzem o hipotexto em seu processo de hipertextualização, Maria Clara também trabalha com intervenções que aumentam e dilatam as narrativas, realizando procedimentos de extensão, a qual se refere a um aumento do texto por adição massiva - um preenchimento do hipotexto com novas ações que estendem sua narrativa. Ao acrescentar acontecimentos que não existem nos contos, a dramaturga realiza esse tipo de aumento. Esse procedimento pode ser encontrado nos finais das peças O Chapeuzinho Vermelho e A Gata Borralheira, os quais sofrem uma extensão de forma que várias ações novas são criadas, com o objetivo de preencher o texto original, estendendo a sua trama. No primeiro texto dramático, isso ocorre na terceira cena quando a dramaturga aumenta a participação das personagens envolvidas, originalmente, no episódio (Chapeuzinho, a vovó, o lobo e o caçador/lenhador), além de colocar outras em cena, como D. Chapelão. Para ela, são criadas várias ações durante o desenrolar da história, o que não acontece no conto, no qual sua participação é mínima. Nas falas abaixo, a mãe da menina e Tinoco estão na casa de D. Quinquinhas, querendo saber o que aconteceu com ela e com Chapeuzinho.

MÃE: Vovozinha! Então o lobo não comeu a senhora! TINOCO: Dona Quinquinhas, conta tudo, o que aconteceu? (MACHADO, 2001, p.156)

Na narrativa, o menino não existe e a mãe fica em casa e não vai à casa da avó. Isto demonstra, claramente, que houve uma extensão das ações e dos fatos. Em suma, há um acréscimo massivo quando acontecimentos, como a ida do lobo para o zoológico, são criados. No segundo texto, o príncipe, Dulcinéia, a madrasta e as filhas realizam ações novas, preenchendo várias lacunas encontradas no conto, como o que aconteceu quando Cinderela foi embora e o rapaz ficou no baile. No hipotexto, o narrador apenas conta o baile até o momento da fuga da moça, depois começa a narrar o dia seguinte. Já o hipertexto mostra como o Tinhorão ficou triste após a partida de Dulcinéia, a reação dos convidados que ficaram e a forma que o baile acabou.

PRÍNCIPE (Ao ministro): Mande acabar o baile porque eu estou triste.

TODAS (Decepcionadas): Oh! 122

MINISTRO: Mas, príncipe...

PRÍNCIPE: Diga a todos que peço desculpas.

MINISTRO: Ele pede desculpas. (Todos se colocam, fazem reverência e saem com música). (MACHADO, 2000, p.156).

Na peça O Gato de Botas, o gato conta como foi que a roupa do seu amo foi roubada. Ele descreve a cena e o perfil dos ladrões de uma forma cômica, o que não ocorre no hipotexto, no qual é narrado apenas que os ladrões vieram e levaram as roupas, enquanto o moço tomava banho no rio.

Conto

Enquanto os guardas retiravam o marquês do rio, o gato chegou-se à carruagem e explicou ao rei que, enquanto o seu amo se banhava, tinham vindo ladrões, que lhe roubaram todas as roupas (PERRAULT, 2002, p.22).

Peça

REI: Como eram esses ladrões, gato?

GATO: Bem, eram dois.

REI: Isto eu já sei.

GATO: Um era manco, assim (Imita). Tinha um facão deste tamanho!

PRINCESA: Oh!

REI: E o outro?

GATO: O outro era caolho e se chamava Ri Mem (MACHADO, 2001, p.239-240).

No conto, o rei se contentou com a explicação do gato e não o questionou, por esse motivo não foi preciso comentar mais detalhes do episódio. No caso da peça, como o rei perguntou como eram esses ladrões, o gato preenche o hipotexto ao ter uma nova atitude – a narração desses fatos. Outras ações que são acrescentadas nas peças, além de adições massivas, são recorrentes nas três peças, implicando em uma extensão dos hipotextos no processo de criação dos hipertextos. Como não é nosso objetivo esgotar tal discussão no presente trabalho, apresentamos tais exemplos como uma forma de ilustrá-la. 123

c) Expansão

Quando Maria Clara Machado conta a história dos contos de fadas, ela também recorre a outro processo de dilatação – a expansão. Esse procedimento, por meio de acréscimos de novas figuras de linguagem, de animação realista ou de novas descrições dos detalhes mencionados ou implícitos no texto primário, aumenta o hipotexto, como discutimos anteriormente. Em relação aos três textos dramáticos, o fenômeno de expansão é evidente nos acréscimos, como o de músicas aos hipertextos em momentos determinados, o que é comum em peças infantis, com o objetivo de torná-los mais atraentes e lúdicos para as crianças. Esse tipo de adição, geralmente, é indicado nas rubricas para que seja realizado no palco. Dessa forma, se apenas realizarmos a leitura do texto e não conhecermos as canções, uma vez que as letras não são escritas integralmente, perderemos a riqueza desse recurso. Embora tal limitação não prejudique a compreensão global da história, sem dúvidas, empobrecerá, por exemplo, o efeito cômico, tornando-a menos encantadora. Na peça O Chapeuzinho Vermelho, a primeira indicação de extensão por meio da música acontece na segunda cena.

TRONCO: Do Lobo Mau!

(Ouve-se o Chapeuzinho Vermelho cantando ao longe calmamente. As árvores param e fazem mímica de escutar). (MACHADO, 2001, p.123).

Na fala supracitada, a rubrica apenas mostra que a menina está cantando, mas não cita qual é a música. Isto não é problema para o diretor da peça, que terá mais liberdade de intervir no texto que será encenado, mas, no caso do leitor, pode limitar a sua leitura. Como se trata de uma história com muitas versões orais, algumas músicas são bem conhecidas, como a que ela canta quando está a caminho da casa da vovó, o que pode ser lembrado quando está lendo. Por exemplo, a música “Pela estrada afora eu vou bem sozinha/ Levar esses doces para a vovozinha/ Ela mora longe, o caminho é 124 deserto/ E o lobo mal passeia aqui por perto/ Mas à tardinha, ao sol poente/ Junto à mamãezinha dormirei contente” 11. O caçador também entra cantando no final da cena, mas, dessa vez, Maria Clara diz o nome da música: “Sou o caçador da floresta”. De toda forma, se o leitor não conhecê-la, incorrerá na mesma questão já mencionada. Ainda no início da terceira cena Tinoco e a vovó cantam “Ó Minas Gerais”12, uma música muito conhecida no Brasil todo.

TINOCO: (Entrando) Não e não, pronto. Fica aí bem quietinha que eu vou dar uma volta. (Tira o relógio) Tenho muito tempo. A hora do xarope está longe. (Toma rápido o pulso da vovó, contando alto) Um, dois, cinco, 40, 120, 1.045, 2.420... o pulso está bom. Dorme mais um pouco que sua filha vem ai. (Começa a balançar a cadeira cantando “Ó Minas Gerais...” A vovozinha continua a cantar, “Ó Minas Gerais, quem te conhece não esquece jamais. Ó Minas Gerais”. Vai adormecendo e ainda canta “Ó Minas Gerais”, e adormece [...]). (MACHADO, 2001, p.144).

Temos mais informações sobre a música na rubrica, pois é cantado todo o seu refrão. Ao longo da história, as personagens sempre lutam como se estivessem dançando ao som do tambor e, no momento final, a vovó marca uma quadrilha acompanhada de um acordeon. Portanto, a música instrumental está presente em vários momentos da peça, animando, atraindo e encantando como uma brincadeira de criança. A música está muito mais presente em A Gata Borralheira, desde o início da primeira cena, na ocasião em que as personagens são apresentadas e entram, até o final da peça, quando se ouve um coro cantando “Dulcinéia”. Toda mudança de cenário e começo de cena são marcados por canções que não são determinadas. Além disso, em vários momentos do desenrolar da história há indicações de músicas, coro e fanfarras. Poucas vezes a letra é citada, como no exemplo abaixo.

FADA: Ruindade igual a essa nunca vi. Não chore, minha filha. Não chore. (A cena fica azulada dando um tom de mistério.) (Música)

Dulcinéia, Dulcinéia,

11 O compositor da canção é . Durante o curso de formação de professores, realizado como experiência de ensino nesta tese, os professores lembraram que havia esta música e a cantaram durante a leitura da peça. 12 A música é originária da valsa italiana "Viene Sul Mare" e sua primeira versão brasileira foi escrita por Eduardo das Neves no final do século XIX e início do XX. Disponível em: pt.wikipedia.org/wiki/Hino_de_Minas_Gerais 125

pare de chorar, pois um dia, lá na capela, com um príncipe há de casar... CORO

Cinderela, Cinderela, cante uma canção, pois seu sonho já vai se realizar... (MACHADO, 2000, p.146).

Nesse caso, a música é “profética”, revela o que irá acontecer futuramente com a moça, intervindo, de certa forma, no rumo da história, por meio da expansão de detalhes que são desconhecidos por ela, o que não ocorre no hipotexto, pois só saberá disso no final. Por último, em O Gato de Botas, após a morte do pai de Pedro, soa uma música fúnebre, mas não sabemos qual é. Na segunda é composta, basicamente, pela apresentação musical do gato, que canta a seguinte música.

(Cantando) Miau, miau, miau Eu vou caçar para o Marquês de Carabá Pois o marquês é meu amigo Venham cá, coelhinhas, para o meu puçá. Vocês sabem o que é puçá? (Bis) Aprenderam o que é puçá? No castelo do rei tem cenoura, tomate e alface Tem princesa triste Tem rei guloso Tem rainha gorda, tem bobo da corte Tem gente bonita e feia também Ta na hora de caçar. (MACHADO, 2001, p. 227)

Essa canção, além de ser uma estratégia para atrair várias coelhinhas para o gato caçá-las, descreve como é a corte real – o rei, a rainha e a princesa – e o povo do reino. Desse modo, ele já começa a apresentar as personagens principais e a situar o leitor na história. Com exceção da primeira música, todas as outras cantadas na peça são composições próprias da dramaturga, elaboradas especialmente para esse texto, como a que homenageia a batata, a paixão principal do reino do rei Batata, tanto que o pai e a filha recebem o nome deste alimento. 126

REI: Tragam o banquete real!

Entram a rainha, a princesa, o cozinheiro, os garçons e as garçonetes, cantando e dançando:

Batata! Batata! Cozida, frita ou assada Na manteiga ou na salada Quentinha, frita ou assada (MACHADO, 2000, p.231)

É interessante observar que o principal procedimento utilizado por Maria Clara Machado, que marca a diferença entre a peça e o conto, tendo em vista que esta, dentre as três, é a adaptação mais fiel, é justamente a expansão realizada por meio das músicas presentes nela. O resultado disso é o forte efeito cômico encontrado no hipertexto como um todo, ao contrário do hipotexto, em que prevalece o tom sério. É verdade que a autora mineira usa essa operação nos outros textos, mas de uma forma um pouco diferente, deixando, na maioria das vezes, a música em aberto ou utilizando composições já consagradas. Em suma, o processo de expansão utilizado na construção dos hipertextos analisados, nitidamente, enriqueceu a história, fazendo pulsar mais fortemente o lado lúdico dos textos, encantando não apenas o público infantil, mas a todos que se dispuserem a se envolver nessa atmosfera de brincadeira e de alegria.

d) Ampliação

O processo de ampliação, de acordo com Genette (2008), pode se estabelecer a partir do acréscimo de personagens, da dilatação dos detalhes e das descrições, dos focos de importância histórica e religiosa, do aumento no potencial humorístico, de intervenções extras do narrador, da multiplicação dos episódios secundários do texto de origem ou da dramatização máxima de uma aventura pouco dramática no hipotexto. Em outras palavras, nesse procedimento, amplia-se o que já existe no texto de origem ou se acrescenta algo, como o intuito de aumentar o hipertexto, adequando-o à forma de adaptação escolhida pelo segundo autor. Todos os episódios principais dos contos são ampliados nas peças. Por exemplo: quando a mãe chama Chapeuzinho para que leve uma cesta para a vovó e o encontro do lobo com o caçador (lenhador); todas as ocasiões em que a madrasta maltratou a gata 127 borralheira e a busca pela dona do sapatinho de cristal; bem como o momento da divisão da herança do pai do filho mais moço e o passeio do moço com a comitiva real pelas terras do papão, como verificamos anteriormente. Além desses fatos, há outros que também foram ampliados e que contribuíram, sobretudo, para reforçar o efeito humorístico presente nos textos dramáticos homônimos. Mostraremos, a seguir, algumas cenas que sofreram o processo de ampliação, mas ainda não foram comentadas. Em O Chapeuzinho Vermelho, o encontro da menina com o lobo foi ampliado, de forma que ele finge que está doente e é bom, para enganar a menina; pergunta onde a vovó mora e ela ensina o caminho; o animal assusta Chapeuzinho, dizendo que por onde ela vai pode encontrar o lobo mau e, assim, convence-a a seguir por outro caminho mais distante.

CHAPÉU: Não pode ser ele... deve ser outro... O sr. é o Lobo Mau? (Árvores fazem que sim.)

LOBO: (Com voz rouca) Sou o lobo bom...

CHAPÉU: Ah! Bem... (Faz sinal da cruz) Eu estava achando mesmo que não podia ser o lobo mau... O que é que o sr. tem?

LOBO: Machuquei a minha patinha, e mal posso caminhar (MACHADO, 2001, p.130).

Já na primeira versão da narrativa, esse encontro acontece de forma mais concisa. O lobo cumprimenta a menina, pergunta para onde ela vai, o que leva na cesta e onde mora a sua avó; Capinha responde e continua o seu passeio, distraindo-se pelo caminho. Na segunda versão, a menina do capuz vermelho não dá atenção ao lobo e segue seu caminho. Se considerarmos ela como a base do processo de adaptação da peça, não haverá, propriamente, uma ampliação do episódio, mas uma extensão, uma vez que houve uma adição maciça de outros fatos.

Ao atravessar a floresta, encontrou um lobo de cara muito feia. Capinha, que nunca tinha visto lobo, pensou que fosse algum cachorro perdido e não teve medo algum. - Bom-dia, Capinha, disse o lobo. - Bom-dia, senhor bicho!, respondeu ela. - Para onde vais tão cedo e com tanta pressa? - Vou à casa de vovó, que está adoentada. - E o que levas na cesta? - Um pão-de-ló e uma garrafa de vinho. 128

- E onde mora tua vovó? - Lá longe, a quinze minutos daqui, numa casinha que tem dois carvalhos na frente e três pereiras dum lado (GRIMM, 2006, p.08).

Nitidamente, os diálogos entre as personagens são multiplicados e as ações estendidas em uma cena escrita em onze páginas, de forma que se mantém apenas o núcleo do episódio, adaptando-o à realidade dramática. Na peça A Gata Borralheira, a cena do baile oferecido pelo príncipe é uma ampliação do mesmo episódio do conto. Na narrativa, a descrição da festa já começa com a narração da chegada da Cinderela e da reação do príncipe, que, imediatamente, apaixonou-se e a escolheu para ser sua esposa, por isso somente conversou e dançou com ela. Em seguida, o narrador contou a fuga da moça, à meia-noite, e como deixou o sapatinho de cristal no meio do caminho.

Quando o príncipe viu Cinderela chegar, logo se apaixonou. Durante toda a festa, só dançou e conversou com ela. Já havia feito sua escolha... Mas ninguém sabia quem era aquela moça – nem de onde ela saíra! À meia-noite, Cinderela fugiu. Precisava voltar para casa antes da madrasta e das filhas. O príncipe não queria que ela fosse embora, mas a moça conseguiu desaparecer na noite escura... Perdeu, porém, um dos sapatinhos de cristal (GRIMM, 2006, p. 21).

No texto dramático, a cena do baile se inicia com o Ministro apresentando as famílias convidadas, conversa com os convidados e anuncia o início da festa. Logo, o príncipe começa a tirar as moças para dançar e conhecê-las melhor até que Cinderela chega. Depois, o rapaz dança e conversa longamente apenas com ela, a qual à meia- noite foge e deixa um sapato. Então, o moço se entristece e manda acabar com o baile.

PRINCIPE: Não vá, senhorita. Não faça isso.

DULCINÉIA: Preciso, preciso! (Sai, deixando o sapato).

PRINCIPE: Diga ao menos o seu nome, linda criatura! (Sai atrás dela). Ela foi-se embora, (voltando) mas deixou o sapatinho. A moça do diadema... foi-se embora… (MACHADO, 2000, p.156).

Dessa forma, enquanto no conto esse episódio é narrado só em dois pequenos parágrafos, na peça, a cena se estende por sete páginas, o que, graficamente, também revela o processo de ampliação realizado pela dramaturga durante a adaptação da história para o gênero dramático. 129

Em O Gato de Botas, tanto no conto quanto na peça, o casamento do marquês com a filha do rei é mencionado para ocorrer de forma imediata, mas não é determinada uma data.

Conto

O moço fez uma grande reverência para agradecer a distinção que o rei lhe conferia – e nessa mesma semana casou-se com a princesa. O gato de botas ficou sendo o mais importante fidalgo da corte e até o fim da vida nunca mais perseguiu os ratos senão por divertimento (PERRAULT, 2002, p.25).

Peça

GATO: Meu amo é muito arrebatado e muito modesto...

REI: É isto que eu gosto. Vamos casá-los imediatamente.

GATO: Antes da ceia?

REI: Não. Vamos primeiro cear. Venham meus filhos. Quero dizer ao Marquês de Carabá que desde hoje está noivo de minha filha, a princesa Batatinha (MACHADO, 2000, p.255).

Apesar de os fatos acontecerem de maneira semelhante, a diferença está, justamente, na operação de ampliação realizada pela teatróloga ao estender episódio que dura três pequenos parágrafos em uma cena com três páginas, acrescentando novas descrições e detalhes, como os diálogos entre o rei e o gato, bem como a ceia antes de decidirem o momento do casamento. Além da ampliação dos episódios, esse procedimento ocorreu em todas as peças com a criação de novas personagens, como já apontamos antes. Enfim, o foco de Maria Clara Machado nas peças não é de importância histórica e religiosa, mas o aumento no potencial humorístico do hipotexto, no qual prevalece o tom sério.

4. Encerrando a brincadeira do encolhe, estica e puxa...

A partir das práticas de transposição e transmodalização e dos procedimentos de excisão, extensão, ampliação e expansão, conceituados por Gérard Genette (1982/2006/2008), Maria Clara Machado cria os seus palimpsestos – O Chapeuzinho 130

Vermelho, A Gata Borralheira e O Gato de Botas – sobre os pergaminhos das narrativas clássicas, de forma que em um a demão de tinta é mais visível e nos outros dois, em especial o segundo, não. A peça O Chapeuzinho Vermelho segue o fio narrativo do conto – a mãe pede para a filha ir visitar a avó; durante a viagem, o lobo encontra a menina e a ensina o caminho mais longo para chegar lá; ao chegar primeiro, o lobo se disfarça de vovó e, inicialmente, engana Chapeuzinho; mas, depois, é descoberto e capturado pelo caçador. Entretanto, diferencia-se em vários aspectos, por isso se trata de um texto novo pertencente a outro gênero, como pudemos observar durante o presente trabalho. Uma das mudanças consistiu no acréscimo de novas personagens: Tinoco, a coelha e as árvores, que exercem papéis secundários na peça. Na trama, o menino cuida da velhinha e aparece para avisar a D. Chapelão que ela está doente; e a coelha apenas passa pelas cenas perguntando por seu marido perdido e não o encontra no final. Já as árvores observam, comentam e emitem juízos de valor acerca dos acontecimentos, exercendo o papel de narrador em determinados momentos e interagindo, algumas vezes, com as personagens por meio de gestos, como na cena em que uma árvore dá um chute no lobo. Essas personagens não interferem diretamente no rumo da história, de modo que, se fossem suprimidos, tal ausência não comprometeria o desenvolvimento e o desfecho final do texto, contudo haveria uma diminuição do efeito cômico, uma vez que principalmente Tinoco e as árvores, por meio da maioria de suas atitudes, causam risos. Na peça O Gato de Botas, houve o acréscimo, basicamente, de três personagens secundários – Ofélia, o pajem e o cozinheiro, que participam muito rapidamente da trama, de forma que também não influenciam de maneira decisiva na trama, mas reforçam a comicidade do texto. Nesse caso, como a participação deles é quase insignificante, se fossem retirados, não haveria o comprometimento do efeito cômico, ao contrário das outras peças. A narrativa não possui um fundo moralista, visto que, se tentássemos extrair alguma lição desses textos, a mensagem (“às avessas”) que conseguiríamos depreender era a de que “o crime compensa” e a de que “os fins justificam os meios”, pois, por meio de mentiras, ameaças e até de um “assassinato”, o amo do gato enriquece e conquista a princesa. No texto dramático, ainda fica claro que a honestidade não compensa, porque o gato insinua que Pedro é pobre porque é honesto. Embora na peça o moço se negue a 131 mentir, o que não ocorre na narrativa, ele se omite e é cúmplice do seu servo. Observamos ainda que em O Gato de Botas, dentre as peças analisadas, é a mais fiel ao texto original. Enfim, o texto dramático e o conto se diferenciam, fundamentalmente, no tocante à estrutura por pertencerem a gêneros distintos e ao tom – um cômico e o outro sério. Por último, A Gata Borralheira é a peça que mais se distancia do seu hipotexto, quanto ao número de personagens e a fatos novos, mesmo apresentando um narrador, elemento comum à narrativa e não ao gênero dramático. Existe um núcleo comum aos dois textos – a borralheira, a madrasta má, as irmãs, a fada e o príncipe, mas Maria Clara Machado cria a maioria das personagens que atuam efetivamente na trama, mudando, em parte, o seu desfecho final. Esse é o caso dos pretendentes das irmãs de Cinderela – João Jaca e Simão Leitão que pedem as moças em casamento e elas aceitam no fim. É interessante perceber que há várias referências ao conto durante o desenvolvimento do hipertexto, o que o empobrece em certos momentos, quando, por exemplo, o narrador antecipa que o final será feliz como na história clássica: “Mas se não acontecesse tudo isso, nunca haveria uma história tão bonita como a de Cinderela. Coragem, Dulcinéia, que tudo acabará bem. Coragem!” (MACHADO, 2000, p.145). Nesse momento, encerra-se uma possível expectativa do leitor de que o desfecho final ocorra de outra forma, pois tudo, de fato, termina bem. Por fim, a análise demonstrou que a comicidade é um dos pontos mais marcantes nas três peças, de forma que o processo de adaptação dos contos de fadas homônimos acontece de uma maneira cômica, como uma grande brincadeira, que atrai e encanta crianças e adultos. 132

CAPÍTULO III

ABRACADABRA: LEITURA DO TEXTO DRAMÁTICO NA ESCOLA

Não se pode obrigar a beber a um ani- mal que não tem sede”, diz um provér- bio, mas nas escolas obrigamos as cri- anças a engolir doses maciças e mal preparadas de conhecimento, em rela- ção às quais ela não sente nenhuma “sede de saber”.

Maria Clara Machado, em Por quê? 133

1. Pela leitura do texto dramático...

Neste capítulo, procuramos estabelecer uma ponte entre a análise crítica da obra de Maria Clara Machado e a prática pedagógica, elaborando propostas metodológicas com a obra da dramaturga para o Ensino Fundamental. O trabalho consistiu em oferecer um curso de formação de professores, visando motivá-los a levar, sobretudo, o texto dramático para sala de aula e, assim, incentivar esse tipo de leitura, atingindo um número maior de alunos. Não foi possível realizar a experiência no Ensino Fundamental, o que seria o ideal, porque nenhuma das escolas que entramos em contato estava disponível nesse período.

Antes de concluir a elaboração do curso, sentimos necessidade de experimentar a metodologia desenvolvida em nossas turmas do 2° ano do Ensino Técnico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba – IFPB (na época se chamava CEFET-PB), campus de Campina Grande, com o objetivo de verificar se elas poderiam ser, realmente, colocadas em prática da maneira que havíamos pensado e, desse modo, termos a dimensão de como poderiam funcionar em sala de aula. Assim, esperávamos resolver possíveis problemas, principalmente de caráter metodológico, para que, quando as propuséssemos aos professores, já as tivéssemos experimentado para discutir com eles a partir de fatos concretos e não de suposições teóricas apenas.

Queremos ressaltar, primeiramente, que as propostas metodológicas desenvolvidas nesta pesquisa se restringiram ao texto dramático e não à performance, por essa razão consideramos importante, antes de relatar a experiência realizada, distinguir dramaturgia de teatro, para delimitar o nosso objeto e dirimir eventuais dúvidas quanto ao direcionamento do nosso trabalho. Devido à estrita relação entre a dramaturgia e o teatro, confunde-se normalmente os dois, atribuindo-lhes o mesmo conceito. Ao contrário do senso comum, entendemos a dramaturgia como o próprio texto ou o conjunto de textos escritos por um dramaturgo e teatro como a encenação em si. Nesse sentido, apresentamos a seguir o conceito de dramaturgia apresentado por Pavis (2003), em seu Dicionário de Teatro.

no seu sentido mais genérico, é a técnica (ou poética) da arte dramática, que procura estabelecer os princípios de construção da obra, seja indutivamente a partir de exemplos concretos, seja dedutivamente a partir de um sistema de princípios abstratos. Esta 134

noção pressupõe um conjunto de regras especificamente teatrais cujo conhecimento é indispensável para escrever uma peça e analisá-la corretamente (PAVIS, 2003, p.113).

A partir dessa definição, podemos depreender que a dramaturgia compreende as técnicas utilizadas para escrever uma peça teatral, uma vez que as regras, apontadas pelo crítico, compõem o texto e também se restringem a ele, sem obrigatoriamente considerar a encenação.

Já o teatro se relaciona diretamente às técnicas de representação do texto dramático, isto é, pode-se afirmar que é o meio de se colocar “o texto em ação no palco”. Nessa direção, Pavis mais uma vez é esclarecedor, ao retomar a origem da palavra teatro (theatron), com a intenção de lembrar uma propriedade esquecida dessa arte: “é o local de onde o público olha uma ação que lhe é apresentada num outro lugar. O teatro é mesmo, na verdade, um ponto de vista sobre um acontecimento: um olhar, um ângulo de visão e raios ópticos o constituem” (PAVIS, 2003, p.372). Por essa razão, o trabalho de encenação de um texto pode ser realizado de maneiras bastante diversas, a depender do olhar, especialmente, do diretor. É praticamente impossível presenciarmos duas encenações iguais de um texto, realizadas por companhias teatrais diferentes, visto que são outros diretores e outra equipe de produção, entre diversos fatores determinantes para o resultado final do trabalho. Logo, o termo teatro pode se referir ao local onde se realiza os espetáculos teatrais ou à performance, de modo que esta pode existir sem estar atrelada a um texto escrito, como ocorre nos espetáculos que visam apenas a expressão corporal sem palavras. Portanto, é possível dissociar a dramaturgia do teatro também em sala de aula, mostrando a professores e alunos que uma peça pode ser apenas lida sem necessariamente ter de ser encenada. Para fechar este pequeno parêntese, esclarecemos que nos detivemos no texto, realizando toda a pesquisa em torno dele, por ser a Literatura a nossa área de estudo, o que não se estende à performance, a qual se trata de campo bastante amplo pertencente às Artes Cênicas. Esperamos que à medida que relatamos as experiências realizadas, isto se torne mais claro, como faremos agora. No IFPB, inicialmente, trabalhamos com a dramaturgia sem especificarmos autores e, depois, com um texto dramático infantil de apenas um dramaturgo. Mesmo tendo consciência de que se tratava de um público concebido como não ideal para se trabalhar uma peça infantil, por ser composto de adolescentes que cursam o 2° ano do 135

Ensino Médio integrado ao Técnico, percebemos que esse trabalho era possível, pois os próprios alunos buscaram e leram textos dramáticos infantis na primeira etapa. Assim, testamos as propostas nessa realidade, para enxergar melhor os erros e os acertos e, depois, tentamos aperfeiçoá-las na adequação feita para o público docente escolhido - professores do Ensino Fundamental.

O curso oferecido aos professores de Areial foi realizado em um período curto de tempo, foram apenas cinco encontros, devido à impossibilidade de dispensar os professores de várias aulas, uma vez que não houve acordo para que nos reuníssemos nos finais de semana. Certamente, isso seria o ideal porque não prejudicaria o andamento normal da rotina escolar deles, contudo é perfeitamente compreensível se considerarmos que a maioria só dispõe desse tempo para a família, pois trabalham dois ou até três expedientes.

Por essa razão, construímos as sugestões e as levamos para que os professores pudessem discuti-las, adequá-las e vivenciá-las no intuito de testar a sua viabilidade e exequibilidade na prática regular da sala de aula e, posteriormente, partilhar a sua experiência com o grupo. Por falta de tempo, não construímos as propostas com os professores, o que nos impossibilitaria de experimentá-las e, em seguida, discutir as experiências com os cursistas ao término da formação. No entanto, enfatizamos que todos os participantes poderiam modificá-las, adequá-las ou substituí-las por outras de acordo com a sua realidade, visto que não se tratavam de receitas prontas que deveriam ser seguidas à risca.

Os professores, que participaram do curso, lecionam no Ensino Fundamental (do 3° ao 5° ano) da Rede Municipal e de escolas estaduais de Areial. Essa cidade, localizada no estado da Paraíba, possui 6.234 habitantes, dentre os quais, 1.389 estão matriculados no Ensino Fundamental, no qual lecionam 39 docentes, conforme última pesquisa do IBGE (2007 – 2008). A formação foi realizada por meio de encontros periódicos, que ocorreram em 24/ 25 de setembro e 03/ 04 e 27 de outubro de 2008, em turnos alternados. Realizamos cinco encontros, cada um com a duração de quatro horas, nos meses de setembro e outubro de 2008, totalizando 20 horas/aulas.

No primeiro encontro, participaram 26 pessoas; no segundo, 27; no terceiro, 20 (três justificaram a falta), no quarto, 20 (duas apresentaram justificativas para a 136 ausência) e, por fim, no quinto, 11 participantes13. Inicialmente, entramos em contato com a equipe pedagógica responsável pelo Ensino Fundamental da Prefeitura Municipal de Areial e lançamos o convite para todos os professores que estavam atuando nas séries selecionadas para a pesquisa. Os docentes, que se disponibilizaram a participar do curso, preencheram uma ficha com os seus dados pessoais e profissionais, para que a Secretaria de Educação do Município pudesse entrar em contato com eles e marcar os encontros, bem como para termos uma visão geral e também controlarmos a presença de cada um.

O nosso objetivo foi experimentar as propostas teóricas na realidade concreta das nossas salas de aula porque são os verdadeiros laboratórios para se fazer pesquisas sobre e para a escola. Em suma, a nossa perspectiva, quanto ao trabalho com a dramaturgia para crianças em sala de aula, prioriza o texto dramático não como pretexto para ensinar conteúdos programáticos diversos. Inicialmente, relatamos a experiência realizada com os alunos do Ensino Médio Técnico, para em seguida reconstruir as atividades desenvolvidas em conjunto com os professores do município de Areial.

2. Experiência com o texto dramático infantil no IFPB

Para realizar esse trabalho, retomamos e reelaboramos as propostas que construímos durante a dissertação de Mestrado, mas que não tinham sido postas em prática por falta de tempo hábil até o término da pesquisa. Para isso, baseamo-nos em reflexões de Letícia Mallard (1985) e Cristina Mello (1998), contudo foi necessário adequá-las à dramaturgia infantil, bem como ao público do Ensino Técnico Integrado de Mineração e de Informática do IFPB, visto que as anteriores visavam o teatro de e o Ensino Médio regular. Letícia Mallard (1985, p.10-11) afirma que a literatura é uma prática social no “sentido de atividade humana em intenção transformadora do mundo, que expressa o peculiar da relação do homem com o mundo, os modos de ser do homem no mundo”. Por essa razão, é preciso relacionar a literatura ao seu contexto externo, compreendendo-a como um trabalho humano, cuja matéria-prima é a sociedade e cujo instrumento imprescindível é a língua. Dessa forma, um dos objetivos do ensino de

13 Tal evasão ocorreu, de acordo com a Secretaria de Educação, devido à antecipação do feriado do servidor público para esse dia, como não havia outro disponível, tivemos de permanecer com essa data. 137 literatura é estimular a criticidade nos alunos na interação entre o texto e o contexto externo. Nessa perspectiva, “o melhor caminho de aprender a literatura é a leitura”. Conforme Mallard (1985), o texto como processo de estudo pode ser trabalhado de diversas formas. Por sua vez, o teatro, que é um tipo de texto diferente por ter sido criado para a representação, pode ser montado pelos alunos ou simplesmente lido e/ou assistido. De modo geral, qualquer uma dessas atividades se tornaria mais proveitosa se o professor promovesse um debate, após o seu término, sendo um processo importante para estudar o teatro como texto e encenação. Por isso, ao final das atividades desenvolvidas com os alunos, promovemos uma discussão geral acerca de todo o processo de desenvolvimento delas, como relataremos a seguir. Trabalhar com o texto dramático em salas de aulas do Ensino Técnico foi um desafio duplo para nós, em primeiro, porque os alunos em conversas informais em sala de aula disseram que nunca haviam lido antes um texto dessa natureza; e, em segundo, por se tratar de um curso técnico, cujo objetivo principal é formar profissionais, de maneira que geralmente as disciplinas técnicas são priorizadas em detrimento das demais, como Língua Portuguesa e Literatura. No IFPB, campus de Campina Grande, encontramos uma realidade um pouco diferente, pois a mentalidade tecnocrática não prevalecia como supúnhamos ao iniciarmos tal trabalho, mas o desconhecimento da dramaturgia sim. Por isso, foi importante levar esse gênero, geralmente negligenciado pela escola, para a sala de aula para que os alunos descobrissem que o texto dramático também é literatura e não se restringe apenas ao palco. Na visão de Mallard (1985), o professor não pode indicar leituras distanciadas da prática social do aluno nem do seu gosto pessoal, bem como deve indicar livros que já leu para não passar por incompetente. Primeiro, para selecionar as leituras, ele deve promover uma discussão preparatória, na qual escutará os alunos para descobrir as pistas da prática social deles, encontrando subsídios para a lista de obras que circulará na sala. Essa lista deve ser flexível, isto é, o professor deve deixar claro que está aberto a sugestões, podendo incluir outros livros. Em seguida, pode-se distribuir os títulos entre os alunos, dando um prazo para que eles consigam o livro. Enfim, a autora sugere que o ideal seria que apenas dois livros fossem escolhidos em toda a turma para facilitar e aprofundar o trabalho. 138

Baseamo-nos em alguns dos direcionamentos da estudiosa, adequando-os ao gênero trabalhado e à realidade das turmas selecionadas para a realização da experiência. Por esse motivo, antes de propor o trabalho com o texto dramático, perguntamos informalmente aos alunos a respeito do estilo de leitura do qual gostavam, quais autores preferiam, bem como se conheciam alguma peça ou dramaturgo. Durante a conversa, ninguém citou um texto dramático como leitura predileta nem um dramaturgo como autor preferido, mas alguns responderam que gostavam de encenar e que já haviam encenado antes ao menos uma peça, inclusive formaram um grupo de teatro para participarem do Festival Municipal de Teatro, Música e Dança e, depois, continuaram apresentando algumas improvisações em ocasiões especiais na escola. Como a nossa intenção era iniciar os alunos na leitura do texto dramático pela via do prazer, essas informações eram indispensáveis, visto que necessitávamos saber o que lhes atraia em um livro e qual relação tinham com o gênero escolhido, a fim de direcionarmos a metodologia para a realidade e o gosto deles. Diante desse cenário, resolvemos levar o nosso acervo pessoal de peças para a sala de aula, já que a escola ainda não dispunha de Biblioteca; além disso, selecionamos alguns sites na internet, como o Domínio Público, para que pudessem pesquisar peças integrais, tendo em vista que era imprescindível que todos tivessem acesso a pelo menos uma peça teatral, senão o trabalho não seria viável. Após lançar a proposta de leitura de textos dramáticos, falamos da nossa experiência com esse tipo de texto, comentando algumas peças que já havíamos lido e gostado muito. Essa foi uma maneira que encontramos para tentar lhes motivar a querer saber mais sobre os textos e a lê-los, afinal não poderíamos sugerir livros que não havíamos lido, pois tal atitude poderia comprometer toda a atividade. Realmente, percebemos que tais comentários causaram empolgação em alguns alunos, haja vista que perguntaram muito a respeito deles e ficaram ansiosos por conhecer os livros que citamos. Nesse momento, fizemos algumas considerações rápidas sobre teatro e dramaturgia, diferenciando-os e mostrando que não necessariamente o texto dramático deveria ser encenado. Assim, embora apresente algumas peculiaridades, que devem ser consideradas na hora da leitura, por exemplo: as rubricas, pode ser apenas lido como qualquer outro tipo de texto literário. Essas colocações nasceram da necessidade de acalmar alguns alunos, que resistiram inicialmente ao trabalho porque tinham medo de serem obrigados a encenar alguma peça. 139

Também, comentamos brevemente sobre os gêneros dramáticos: Tragédia e Comédia, para responder a algumas perguntas que surgiram durante a discussão. A nossa intenção foi apenas de esclarecer algumas dúvidas nesse sentido e familiarizá-los com o gênero dramático sem longas teorizações que poderiam desestimulá-los na busca dos textos. A atividade com o gênero dramático apresentou os seguintes passos:  Escolha das peças a serem lidas;  Leitura individual da peça escolhida;  Relato de experiência de leitura no diário de leitura;  Partilha14 coletiva da experiência de leitura em sala de aula;  Avaliação da atividade. Na primeira etapa, levamos o nosso acervo para a sala de aula e o espalhamos no birô e no chão no intuito de atrair a atenção dos alunos para um ou mais livros, porque queríamos que a escolha acontecesse de uma forma mais livre e espontânea. Depois, pedimos para que os alunos circulassem em torno dele, olhassem e caso sentissem atração por alguma daquelas peças podiam pedi-la emprestada. Acreditarmos que à medida que se aproximassem concretamente de um título, pegando-o, folheando-o por causa de uma capa bonita ou de uma orelha interessante, a motivação para lê-lo iria fruir mais naturalmente. Também, enfatizamos que se quisessem alguma indicação de leitura ou saber mais sobre algum daqueles textos, poderiam nos procurar dentro ou fora da sala de aula. Ressaltamos, ainda, que eles poderiam pesquisar na internet ou pedir alguma indicação a um amigo, sem esquecer de que a leitura da peça deveria ser feita de forma integral para não caírem na “tentação” de recorrer a resumos ou algo semelhante. Por fim, deixamos bem claro que a escolha da peça era individual e que o único critério era selecionar uma que eles de fato acreditassem que iriam gostar, pois se não gostassem poderiam escolher outras, uma vez que a base do nosso trabalho era ler por prazer. Para a realização da leitura, como se trata de um texto geralmente curto, estipulamos o período de um mês após todos terem escolhido a sua peça. Sugerimos que fizessem um diário de leitura, para registrarem a sua experiência com o livro escolhido. No início, alguns resistiram, principalmente os meninos, alegando que era “coisa de

14 A partilha é uma espécie de discussão dirigida por meio da qual os alunos apresentam o livro lido, expõem sua opinião a respeito dele, comentam de forma geral como foi a experiência de leitura para a turma em sala de aula e, ao final, disponibilizam um certo tempo (cerca de 5 a 10 minutos) para responderem a perguntas e/ou ouvirem comentários de colegas. 140 menina”, mas ressaltamos a importância de registrar essa experiência, a fim de enriquecer ainda mais a discussão que seria realizada em sala de aula imediatamente após o término das leituras e, ainda, poderíamos recorrer ao diário sempre que precisássemos ou quiséssemos. Sugerimos que fizessem esse registro de duas formas: comentando a peça por atos e/ou cenas ou de forma global, sem esquecer de expressar o que mais gostaram, o que mais os atraíram, o que acharam de cada personagem, entre outros comentários que julgassem importantes. Os diários nos permitiram acompanhar o aluno individualmente, de maneira que pudéssemos ter uma visão mais específica da experiência de cada um, pois puderam se expressar livremente nele, escrevendo a sua opinião e os seus sentimentos em relação ao livro lido sem imposição de número de páginas ou de tempo para “falar”, o que geralmente ocorre em outras atividades em sala de aula. Além disso, esses textos foram um meio de termos certeza de que eles, realmente, leram o livro e não apenas um resumo. Durante o período estipulado para a realização da leitura, no início das aulas, perguntávamos se tinham encontrado um livro interessante; se estavam tendo alguma dificuldade durante a leitura; disponibilizamos alguns horários para atendimento individual; enfim, acompanhamos esse processo por meio de conversas informais. Com exceção de três alunos, a maioria realizou a leitura no tempo estipulado e entregou o diário de leitura. Aos alunos que não conseguiram ler, como alegaram que não haviam gostado da leitura, indicamos outros títulos de acordo com os seus perfis, traçados em uma conversa individual, o que surtiu efeito, pois conseguiram ler o livro integralmente e disseram que gostaram. Quanto à avaliação, Letícia Mallard (1985) afirma que deverá se centrar na comprovação da leitura dos textos. Nesse caso, a avaliação comprovadora só será eficiente se as perguntas sobre o texto forem bem dirigidas, de modo que o professor verifique se o aluno, de fato, leu a obra. Nesse trabalho, uma forma que encontramos para realizar esse tipo de avaliação foi o diário de leitura e o debate em sala de aula, por acreditarmos que por meio do primeiro poderíamos acompanhar o processo de leitura individual; e, no segundo, com os nossos questionamentos e os dos alunos que não conheciam o livro, mas ficaram curiosos para lê-lo, o leitor não teria como nos enganar se não tivesse lido a obra integralmente. Mallard chama a atenção dos professores para que não falseiem a avaliação, descontando ou acrescentando pontos de acordo com o comportamento dos alunos. 141

Normalmente, durante os debates, os ânimos dos alunos se alteram por todos quererem falar de uma vez só ou por discordarem uns dos outros, por esse motivo, em alguns momentos, a sala se torna bastante barulhenta, o que pode ser extremamente produtivo. É verdade que alguns alunos podem aproveitar o momento para conversarem sobre assuntos alheios à aula, mas o professor pode tentar direcionar melhor a discussão, estabelecendo uma certa ordem para não favorecer esse tipo de comportamento, em invés de simplesmente descontar pontos das notas dos alunos como punição. Avaliamos os resultados desse trabalho com o texto dramático por meio dos diários, que nos revelaram que houve adesão por parte da maioria dos alunos, como podemos observar no comentário a seguir.

Como começar meu “diário de leituras”?? Bem, primeiramente deixo aqui registrado meu sincero elogio para a idealizadora deste, proposta pela professora Kelly e em segundo lugar dizer que adorei esta idéia, é um estímulo para nós alunos ao hábito da leitura, deixando de ser algo obrigatório para ser algo prazeiroso” (aluna do Técnico Integrado de Informática, 2° ano).

Realizamos, ainda, uma partilha das leituras em sala de aula para que todos tomassem conhecimento da leitura dos colegas e pudessem escutá-los, perguntar sobre um livro que não leram, tirar dúvidas e, principalmente, interessar-se por outras peças e querer ler mais. Durante a partilha, percebemos algumas dificuldades, por exemplo, em relação à estrutura do texto dramático, como podemos perceber no trecho de um dos diários transcrito a seguir: “Eu achei um pouco difícil de começar a ler, são muitos detalhes e você fica preso a eles” (aluno Int. Inf., 2° ano; O bem amado, de Dias Gomes). Na sua fala, o aluno revelou que uma das maiores dificuldades era o fato do texto ser composto por falas e rubricas, diferentemente dos outros textos com os quais ele estava acostumado. Esse fato impediu o aluno de gostar do gênero escolhido, mas não da história, de forma que considerou tal dificuldade como empecilho para a imaginação, o que ele julga como a melhor parte da leitura. Leiamos um trecho do seu comentário: “A minha experiência com a história foi boa, já que é um livro engraçado e com uma história boa de se ler (...) Quanto a minha experiência com o livro em si, não foi das melhores porque eu nunca havia lido um livro nesse formato de peça” (Idem). Antes de os alunos lerem, discutimos um pouco sobre a estrutura do texto dramático e como eles deveriam lê-lo, considerando as suas peculiaridades, como a 142 rubrica, já prevendo que tal dificuldade poderia surgir devido à falta de familiaridade com o gênero. Quando o referido estudante fez esse comentário em sala, tentamos mostrar o texto dramático e as rubricas por um ângulo contrário, apontando a diferença entre lê-lo e vê-lo encenado ou no cinema. Em outras palavras, discutimos como ler estimulava a nossa imaginação, pois teríamos de “inventar” as personagens, os cenários e os espaços descritos nas rubricas, entre outros elementos que, sem o intermédio de um narrador, havia a possibilidade de criá-los mais livremente, participando também de maneira ativa da construção do texto. Outra aluna também apresentou dificuldade semelhante, como podemos constatar nas suas palavras a seguir.

Minha experiência com o livro foi muito boa; apesar que no início tive um pouco de dificuldade até mesmo por ser uma peça cheia de rubricas. Mais depois que me acostumei e aprendi como se lê uma peça, ficou fácil (Int. Inf. 2° ano; Valsa n° 6, de ).

Em suma, a questão realmente foi a falta de intimidade com o gênero e o desafio de aprender a ler esse tipo de texto, como a própria aluna revela no seu diário, de modo que, quando conseguiram superar as barreiras iniciais, a leitura se tornou fácil e agradável. Outro fato que nos chamou atenção foi o de alguns dos alunos terem escolhido peças infantis ou infantojuvenis, como Pluft, o fantamisnha, de Maria Clara Machado, O fantástico mistério de feiurinha, de Pedro Bandeira, e O menino narigudo, de Walcyr Carrasco, e gostado apesar de serem adolescentes entre 15 e 17 anos. O trecho abaixo confirma isso.

Apesar de ser um livro infantil... (m)inha experiência foi ótima, este livro fez-me relembrar minha infância, onde proporciona a censsação de esta participando dele. Não importa a idade, a imaginação nos faz viajar e traz o centimento de que podemos estar presente em qualquer história só precisamos ler um livro (Aluna do Int. Inf. 2° ano; O fantástico mistério de feiurinha, de Pedro Bandeira).

O livro que eu li foi Pluft, o fantasminha que foi escrito por Maria Clara Machado. Apesar do livro ser infantil eu gostei muito de ter lido e uma lição que pode ser tirada e que nos sempre devemos enfrentar nossos medos como é o caso do fantasma Pluft que teve que enfrentar o seu medo de gente para salvar Maribel (aluno do Int. Inf. 2° ano). 143

Realmente, não esperávamos que os alunos nessa faixa etária e nessa série se interessassem por livros infantis, tendo em vista que se trata de um público adolescente, que, normalmente, procura outras leituras com temas que tratam de conflitos amorosos, por exemplo. Esse fato nos mostrou que peças indicadas para crianças podem encantar a adolescentes e a adultos ou vice-versa. Evidentemente, leituras mais densas, como os romances de Machado de Assis, podem desestimular qualquer leitor iniciante, independentemente da idade, por exigir uma experiência de leitura e de mundo maior. Outra surpresa foi termos descoberto um verdadeiro fã clube de Shakespeare e a familiaridade que alguns alunos tinham com o dramaturgo, de forma que já haviam lido mais de uma peça dele. Algumas das peças do autor que foram lidas por eles, são: Sonhos de uma noite de verão, A comédia dos erros, Trabalhos de amor perdidos, Romeu e Julieta. Isto pode ser observado na fala seguinte:

O livro escolhido foi “Sonho de uma Noite de Verão” porque... Acho inicialmente escolhi-lo por causa do autor (Sekspeare), depois por indicações de outras pessoas, inclusive o livro não é meu, uma amiga me emprestou. E por fim porque não é um livro longo e, como disse, estou com muito pouco tempo. Como deu para perceber, gosto dos textos de Sheakspeare (se é que se é assim que se escreve), e nesse, especificamente, me identifiquei com algumas características do autor, como: englobar uma peça (ou mais) teatral no meio do texto dramático; o uso de conotações, e um pouco comédia. “Falando de comédia... ela se fez mais presente que a maioria dos outros textos de Sheakspeare que já li, acho que esse tom de comédia veio mais por causa da tradução feita por Walcir Carasco... (Aluno do Int. Inf. 2° ano).

É interessante observar que esse aluno faz uma série de reflexões sobre as peças lidas, inclusive acerca da tradução, comparando-as entre si para traçar o estilo de Shakespeare, o que denota que se trata de um leitor mais atento. Apesar da confusão que ele faz entre gênero “Comédia” e efeito “cômico” e de não deixar claro o que quis afirmar com a frase “englobar uma peça (ou mais) no meio do texto dramático”, talvez esteja se referindo a Hamlet ou a existência de algum tipo de intertextualidade presente na peça lida, revela-se um leitor entusiasmado da referida dramaturgia. A fala do aluno supracitado empolgou outros alunos que começaram a querer ler a obra do dramaturgo inglês, o que demonstra que a experiência de adolescentes comentarem suas leituras para outros é muito eficaz para os motivarem a ler mais e por prazer. Esse trabalho, de um modo geral, mudou inclusive a forma como alguns alunos 144 viam a leitura na escola – como algo entediante, monótono e previsível que só se faz por obrigação, como podemos perceber no comentário abaixo.

O que eu tinha medo, era que o livro fosse muito chato, e o legal é que o livro seja imprevisível e que a história não dê vontade de dormir e o “menino narigudo” é um bom exemplo de livros assim. Eu adorei sua iniciativa!!! (aluna do int. inf., 2° ano)

Ao final da partilha, fizemos uma breve avaliação da atividade. Neste momento, os alunos se mostraram entusiasmados em relação às peças que leram e consideraram a experiência positiva, de forma que sugeriram que ela se estendesse a toda a escola por meio de um trabalho de divulgação dos textos lidos (cartazes, panfletos, vídeos, encenações, entre outros), que foi realizado posteriormente. Enfim, o resultado da atividade mostrou que o nosso objetivo principal tinha sido alcançado – despertar os alunos para lerem mais por prazer e não por obrigação, tanto que eles continuam pedindo peças emprestadas e lendo independentemente de atividades propostas por professores.

3. Chapeuzinho Vermelho para adolescentes

Durante a experiência anterior, descobrimos que alguns alunos leram peças infantis, o que despertou a nossa curiosidade para saber como eles reagiriam ao ler a peça O Chapeuzinho Vermelho, de Maria Clara Machado, visto que uma dupla de alunos tinha lido Pluft, o fantasminha, e gostado muito. Então, resolvemos tentar realizar um trabalho com a dramaturgia infantil, lendo e analisando a peça com toda a turma. A experiência foi desenvolvida em seis aulas com duração de 50 minutos. Começamos o trabalho perguntando a eles as versões que conheciam do conto Chapeuzinho Vermelho. Apresentaram três versões muito semelhantes, apenas com finais um pouco diferentes; no primeiro final, o lobo comia a avó e a menina, mas o caçador as retirava vivas da barriga do animal e colocava pedras no lugar. No segundo, a vovozinha era trancada no armário e o lobo era assassinado pelo caçador. Por fim, o lobo devorava a vovó e tentava devorar a menina, mas o caçador o impedia, salvando a menina e matando o lobo. Uma aluna comentou que tinha ouvido 145 uma análise sobre o conto que relacionava a capinha vermelha da menina à menstruação. Em seguida, perguntamos o que eles achavam e se concordavam com a análise, eles responderam que não sabiam e devolveram a pergunta para mim. Respondemos que conhecíamos algumas leituras psicanalíticas parecidas com essa, mas não possuíamos competência para opinar, porque não éramos da área e nos restringíamos apenas a comentar leituras no âmbito da literatura. Em seguida, entregamos e lemos a versão do conto, apresentada por Robert Darnton (2001). Antes de lermos, dissemos aos alunos que aquela era uma das versões mais antigas que se conhecia daquele conto, a que era contada por camponeses franceses no século XVII. Esse fato despertou logo a curiosidade deles, uma vez que já conheciam outras versões mais contemporâneas da narrativa. A leitura do texto foi muito polêmica, pois os alunos ficaram surpresos com os requintes de crueldade do texto, especialmente com o esquartejamento da vovó e o canibalismo de Chapeuzinho. O estriptease que a menina faz a pedido do lobo também causou muita euforia, principalmente nos meninos. Já o final decepcionou a quase todos pelo fato da menina ser devorada e não ser salva por ninguém. Discutimos o conto e o comparamos às outras versões conhecidas. Durante a discussão, os alunos perceberam que o fio narrativo era o mesmo em todas as versões, isto é, em todos os textos, a mãe pede para Chapeuzinho ir à casa da avó, ela encontra o lobo no caminho, que a ensina o caminho mais longo, para chegar primeiro e se colocar no lugar da velhinha para enganar a neta. Também as famosas perguntas que a menina faz ao lobo aparecem em todas as histórias lidas, bem como o desfecho que elas desencadeiam, ou seja, a resposta final do lobo, anunciando que irá devorar a garota. Assim, eles notaram que existem personagens comuns presentes em todas as versões – a menina, a mãe, a vovó e o lobo, bem como aquele que aparece na maioria – o caçador –, o qual só não aparece na versão presente no livro de Darnton. No momento em que eles comentaram as versões que haviam escutado na infância, alguns disseram que se tratava de um texto apenas para crianças, depois de ler o conto, a primeira pergunta foi: - os camponeses contavam essa história para crianças? Eles consideraram o texto inadequado para o público infantil, então dissemos a eles que os contos não eram narrados para os pequenos como atualmente, mas para adultos. A partir dessa observação, eles comentaram que achavam que mesmo as versões atuais não são tão infantis como imaginavam. Embora elas fossem recheadas de 146 fantasias, como o lobo falante e o fato de tirar a vovó viva de dentro da barriga do animal após ser devorada, alguns indícios de crueldade permaneciam, por exemplo, o lobo comia a vovó, o caçador que enchia a barriga do lobo de pedras e, depois, costurava-a, para que ele morresse de uma maneira cruel. Ao final, ficaram curiosos para saber se os outros contos de fadas também tinham uma versão mais antiga como o de Chapeuzinho. Sugerimos que pesquisassem isso. Depois, lemos a peça em voz alta em sala de aula, revezando as falas, de modo que toda a turma participou e se envolveu na leitura, buscando não se perder na leitura e encontrar o tom adequado para cada fala. Essa etapa durou duas aulas de 50 minutos. Por último, assistimos ao filme Deu a louca na Chapeuzinho. Alguns alunos já haviam assistido ao filme, mas a maioria não. Essa produção é uma versão diferente tanto da peça quanto do conto, aproxima-se um pouco da primeira, pelos elementos de modernidade aliados aos tradicionais das versões dos contos que os alunos conheciam; por exemplo, Chapeuzinho anda de bicicleta e o lobo tem um gravador. Já, na peça de Maria Clara Machado, o lobo é levado para um jardim zoológico. Durante a sessão, a turma riu muito e adorou a versão radical da vovó, o bode enfeitiçado que só canta e não fala, o fato de o lobo ser um jornalista e não ser mal, o lenhador ser ator, o sapo detetive, o vilão do filme ser o coelho e os novos personagens inseridos na história, alguns retirados de outros contos, como os três porquinhos que viraram policiais comilões. Dessa forma, o filme envolveu os alunos principalmente pela sua comicidade, por se tratar de “uma história de detetive”, com um pouco de suspense. Inicialmente, ficamos apreensivos em propor a experiência com um conto infantil e um desenho animado para crianças, visto que a turma é composta por adolescentes entre 15 e 17 anos, mas a recepção superou as nossas expectativas mais otimistas. Eles não apresentaram nenhum preconceito por se tratar de produções artísticas voltadas para crianças, ao contrário, em nenhum momento os alunos se negaram a ler ou a assistir ao filme. Como assistimos ao filme na última aula antes de um recesso de 15 dias, fizemos uma breve discussão sobre o conto, a peça e o filme, comparando-os. Em seguida, sugerimos uma atividade escrita, com o seguinte enunciado.

1. A partir da discussão realizada em sala de aula, faça uma análise comparativa entre a peça O Chapeuzinho Vermelho, o conto primitivo 147

e o filme Deu a louca na Chapeuzinho, estabelecendo as semelhanças e diferenças entre eles. Por fim, emita a sua opinião pessoal acerca de cada um.

Como não foi possível concluirmos esse trabalho antes do recesso, propomos essa atividade escrita, para que os alunos refletissem sobre as obras lidas e discutidas em sala de aula. Ao retornarmos, os alunos entregaram a atividade e, a partir das respostas que eles deram, demos continuidade à discussão, detendo-nos no texto dramático e nas suas especificidades, como na caracterização das personagens, no desenvolvimento da ação, mola propulsora desse tipo de texto. Transcrevemos, a seguir, uma das respostas dadas à atividade por um aluno do Curso Técnico Integrado de Informática, para termos dimensão do nível de discussão alcançado pela turma durante o desenvolvimento desse trabalho.

Pudemos ter contato com várias versões da história da Chapeuzinho Vermelho: um conto primitivo, uma peça e um filme. Enquanto os líamos e assistíamos, pudemos notar alguns elementos semelhantes e outros que variavam. Notamos que três personagens sempre aparecem: o lobo, a vovó e a menina que atravessa a floresta. Porém, cada um apresenta características diferentes em cada versão. Outro elemento comum é a presença do “fantástico”: animais falantes, típico das fábulas. No conto primitivo, pudemos notar que a vovó tem pouco destaque, os focos são a maldade do lobo e a inocência da menina. A mãe só aparece no início do texto, mandando a filha visitar a avó. Outra personagem presente é o gato falante, que foi mencionado rapidamente, sem interferir tanto no desenvolvimento da história. Na peça O Chapeuzinho Vermelho, vimos um maior número de personagens. Continuamos tendo as três personagens em comum, sendo que a menina usa um chapéu vermelho, como nas histórias contadas atualmente para crianças. Temos a presença da mãe de Chapeuzinho e do caçador, o que torna essa versão mais parecida com as conhecidas pelo público infantil. Algumas diferenças foram notadas em alguns personagens: a vovó recebeu o nome de Dona Quinquinhas e era meio surda, o caçador era chamado de Pedro Pirlimplimplim e buscava reconhecimento; era meio atrapalhado, o que é notável principalmente no momento em que a mãe de Chapeuzinho desmaiou, a mãe de Chapeuzinho tinha o nome de Dona Chapelão Vermelho e tinha um destaque maior, o lobo tinha sido preso no jardim zoológico e fugiu. Vimos a presença de outras personagens que não são presentes em outras versões: Tinoco, um menino atrapalhado que cuidava da vovó, e a coelha, sempre procurando o marido, além da presença de seis árvores e um tronco, que também tinham participação. Já no filme Deu a louca na Chapeuzinho, vimos uma mudança no comportamento das personagens: o lobo não era mau, era repórter. A vovó praticava esportes radicais, além de ser famosa por suas receitas de doces. Chapeuzinho Vermelho fazia entregas para a avó. 148

A história não era baseada em um lobo enganando uma menina, mas em um ladrão de receitas que levava à falência vários vendedores de doces. Tínhamos a presença de várias personagens novas para essa história, a maioria encontrada em outras histórias infantis: urso (chefe de polícia), três porquinhos e cegonha (policiais), sapo (detetive), coelhinho (vilão), bode enfeitiçado, esquilo (fotógrafo do lobo), entre outros. Foi muito interessante para nós analisarmos várias versões da mesma história. Ficamos surpresos com a crueldade do lobo no conto primitivo, achamos interessante a peça O Chapeuzinho Vermelho, mesmo sendo voltada para crianças, e gostamos muito do filme, por dar uma visão totalmente diferente sobre uma história que ouvimos desde a infância.

No texto supracitado, primeiro, o aluno descreve como foi desenvolvido o trabalho; depois, cita os aspectos comuns entre a peça, o conto e o filme trabalhados, bem como as diferenças, realizando uma síntese da discussão estabelecida em sala de aula. É interessante observar que ele aponta para as personagens que aparecem nas três versões de Chapeuzinho Vermelho e verifica que, apesar de serem os mesmos, eles apresentam perfis diferentes em cada uma, o que denota que o aluno foi perspicaz e realizou uma leitura mais atenta. O fato de também ter percebido o elemento fantástico, de ter citado um exemplo e de tê-lo relacionado às fábulas revela que ele é um leitor proficiente dentro da sua realidade. Dessa forma, ao analisar, comparar a história sob perspectivas variadas e, no fim, emitir a sua opinião, o adolescente, realmente, atende ao apelo do enunciado da atividade, apresentando uma resposta adequada ao que foi pedido. Na verdade, verificamos nitidamente que ela não permaneceu no nível da paráfrase, mas o extrapolou por meio de uma reflexão mais aprofundada sobre os textos e o filme. Ao final da discussão, sugerimos que preenchessem individualmente os quadros de leitura, desenvolvidos por Cristina Mello (1998)15. Mello nos orienta teoricamente acerca do processo de leitura, por meio de estratégias didático-pedagógicas, para que possamos realizar um trabalho inferencial de interpretação do texto. Nessas orientações, ela sugere que as atividades sobre Literatura, desenvolvidas em sala de aula, incidam fundamentalmente sobre o texto literário, sem negligenciar a dimensão linguística na análise e na interpretação textual. Com esse intuito, a autora procurou esboçar formas de atividades que

15 Discutimos mais detidamente a proposta da autora na nossa dissertação de Mestrado, intitulada A farsa da boa preguiça na sala de aula: o ideário cristão e o riso entre a cultura popular e a erudita (UFPB, 2006). 149

suscitem a troca de opiniões, o aprender com o outro, seja no trabalho de pares ou de grupo, em aula ou fora dela, sem que, mas diversas formas de trabalho, o professor abdique da sua função de ensinar, cabendo-lhe, pois, um papel de orientador, de organizador das estratégias de ensino-aprendizagem (MELLO, 1998, p. 354).

Cristina Mello nos ensina que as estratégias didáticas e pedagógicas devem privilegiar o conteúdo da obra e atividades de leitura que envolvam a compreensão e o comentário de textos. Logo, para iniciar o trabalho, utilizamos a estratégia de ler alguns trechos da peça escolhida para ser trabalhada em sala de aula, de uma forma expressiva, buscando o tom adequado de cada fala (tristeza, felicidade, angústia, entre outros sentimentos). Cristina Mello apresenta duas etapas fundamentais que o professor deve observar no processo de compreensão do texto – o subjetivo e o objetivo. Na etapa subjetiva, os primeiros elementos apreendidos pelo leitor são caracterizados por uma visão intuitiva, apresentando-se de forma desconexa. Numa primeira leitura, o texto suscita mentalmente uma torrente de ideias que lhe confere uma apreensão subjetiva, por meio da qual “o leitor ainda não organiza o seu conhecimento do universo imaginário proposto pelo discurso” (MELLO, 1998, p.356), isto é, não possui um conhecimento sistematizado do texto. Já a etapa objetiva é caracterizada pelo ato mental de conferir coerência ao conjunto de informações captadas do texto, de maneira que o leitor confirma ou não as suas pressuposições sobre o universo textual, por meio de determinados procedimentos, conseguindo efetuar uma cognição na medida do possível objetiva. Essa é a fase em que ele detecta, relaciona elementos textuais e extratextuais, infere aspectos semânticos, entre outras atividades. Nessa perspectiva, após a leitura coletiva da peça, pedimos aos alunos que destacassem alguns dos trechos que mais gostaram e lhes chamaram a atenção com o intuito de lê-los em voz alta para a turma. Essa foi uma forma de começar a envolver os alunos na discussão do texto. A partir do que foi dito pelos alunos, começamos a discutir o texto, comentando as temáticas tratadas nele, as atitudes das personagens, o espaço, o tempo, a linguagem, enfim alguns aspectos que ajudassem o aluno a compreendê-lo melhor. É importante ressaltar que o texto dramático, diferentemente da narrativa, revela o seu sentido por meio da ação das personagens e das rubricas. Logo, o seu estudo deve 150 observar, principalmente, esses dois elementos. Quando realizamos uma leitura apressada de um texto dramático, em geral, tendemos a desconsiderar as rubricas de modo que muitas vezes nem as lemos, por isso chamamos a atenção dos alunos, durante toda a leitura, para a importância de lê-las. Tentamos mostrar que nas rubricas não estão contidas apenas informações para quem irá encenar o texto, pois também revelam como são as personagens, os espaços, o tempo em que tudo acontece no enredo, entre outros aspectos que são determinantes para se analisar e compreender o texto como um todo coeso. Outra forma de se conhecer uma personagem, como nos ensina Décio de Almeida Prado (2004), no artigo “A personagem no Teatro”, é verificar o que eles dizem e mostram de si por meio de suas ações, bem como da opinião das outras personagens acerca da personagem analisada. Dessa forma, tentamos levantar hipóteses sobre as personagens do texto e comprová-las nas palavras da própria personagem e das outras personagens para as confirmarem ou não. Por exemplo, fizemos o seguinte questionamento: pela via do seu discurso e das suas ações, todas as personagens demonstram quem de fato são? Na peça lida, os alunos perceberam que o lobo não se revela como é de fato por meio da sua conversa com Chapeuzinho, quando a encontra na floresta, enganando- a para chegar primeiro na casa da vovó. Podemos perceber o quanto ele é dissimulado na fala seguinte.

LOBO: Adeus, menininha... (Levantando-se e mudando de tom e atitudes) Até breve... Vá direitinho, meu benzinho... caiu que nem um patinho. Ah! ah! ah! ah! Ensinei a ela o caminho mais comprido... enquanto andar procurando o pé de tangerina, já estarei muito com a velhinha no papo... minha velha amiga dona Quinquinhas... Sou formidável! Farei farofa de ovo e comerei a vovozinha frita no azeite... O Chapeuzinho, tão tenrinho, será minha sobremesa... Ah! ah! ah! ah! (MACHADO, 2001, p.138)

É interessante observar que a rubrica sinaliza o momento em que a fera revela a sua verdadeira face e intenção – o lobo mau quer devorar as duas personagens. O público e as demais personagens sabem disso, mas a menina e a vovó, por serem ingênuas e não terem dimensão do perigo que as cerca, são facilmente enganadas, o que ocorre também em outras versões da história. Para alcançar os seus objetivos, o animal utiliza o motivo do disfarce, atitude recorrente na Comédia. 151

As outras personagens, como o caçador, demonstram o que são – ingênuos, bons, entre outras virtudes, por meio de suas atitudes e palavras.

CAÇADOR: (Entrando) Fui eu, dona Quinquinhas, o caçador Pedro Pirlimplimplim, filho do velho lenhador Pedro Porlomplomplom... sou o caçador da floresta...

VOVÓ: Ah! O vendedor da festa? Senta, meu filho... vou buscar um cafezinho para refrescar um pouco. (MACHADO, 2001, p.145)

Embora a vovó seja surda, não tenha consciência do que está acontecendo ao seu redor e entenda erroneamente a apresentação e a intenção do caçador, não se contradiz e assume a mesma postura durante toda a trama, agindo honestamente sem falsidade e mentiras. Diante disso, é fundamental que o professor chame a atenção para que os alunos leiam as entrelinhas do texto, de forma que não se detenham apenas nos sentidos expressos, mas tentem descobrir o que verdadeiramente cada fala e gesto das personagens significam na trama. Mostramos, também, aos alunos que o tempo funciona de forma diferente no texto dramático. Como é escrito para ser representado e, geralmente, as encenações duram apenas algumas horas, não pode ser extenso como um romance. Por essa razão, os acontecimentos transcorrem de forma mais rápida que numa narrativa longa, sendo necessário por vezes suprimir alguns fatos, para apenas contá-los com o objetivo de não prejudicar a unidade semântica e a dinâmica da encenação no palco. Por fim, ressaltamos que a forma de ler e compreender o texto dramático pode perpassar caminhos diferentes dos demais gêneros literários, por esse motivo era imprescindível não esquecer que a maior fonte para descobrir os sentidos de um texto é o próprio texto, logo tudo o que for dito a respeito do texto deve ser comprovado e mostrado nele. Cristina Mello (1998) indica, após a primeira fase de compreensão semântica, a análise dos elementos da obra que estruturam os seus sentidos fundamentais, tratando- se, portanto, de descobrir os elementos principais da sua estrutura textual. Assim, ela propõe duas hipóteses: “a primeira é a leitura linear do texto, cena por cena, recapitulando e comentando componentes do universo dramático; outra, mais sistemática, é um trabalho com quadros de leitura que permitam a apreensão visual da informação” (MELLO, C., 1998, p.358). Adotamos a segunda hipótese no caso dos 152

alunos escolhidos, por considerá-la mais eficaz na compreensão da peça lida, sobretudo se elaborarem individualmente os quadros de leitura como uma atividade extraescolar. Com o intuito de observar a configuração da ação dramática de fatos presentes e passados, sugerimos que preenchessem o seguinte quadro elaborado pela estudiosa portuguesa. Apresentamos, a seguir, o quadro preenchido por um dos alunos do Integrado de Informática.

1 Ato/ Cenas Principais acontecimentos

 Tinoco dá a notícia à D. Chapelão Vermelho de

I que a vovó, D. Quinquinhas, está doente;  D. Chapelão manda sua filha, Chapeuzinho, ir à casa da vovó, levando algumas comidas;

 Chapeuzinho sai para a floresta;

 O caçador avisa à Chapelão que o lobo fugiu;

 A mãe decide sair pela floresta procurando a filha.

II  O caçador Pedro Pirlimplimplim busca o lobo;

 As árvores vêem o lobo e se preocupam;

 Chapeuzinho fica perto das árvores;

 O lobo encontra Chapeuzinho, fingindo ser bom;

 O lobo engana a menina, ensinando um caminho mais demorado para ela para ganhar mais tempo.

 Tinoco chega para dar o xarope da vovó;

 O lobo chega logo em seguida; 153

III  Quase no mesmo instante, chega o caçador e o lobo se esconde;

 O caçador fala com a vovó, mas ela não ouve bem e ele não consegue falar o que queria. Sai procu- rando o lobo;

 D. Quinquinhas confunde o lobo com o caça- dor;

 A vovó sai de casa. Enquanto isso, chega Cha- peuzinho e é novamente enganada pelo lobo, disfarça- do da vovó;

 A garota acaba notando que estava com o lobo mau. Nisso, aparece o caçador. O lobo a prende;

 O lobo finge ser a vovó e quase engana o ca- çador, mas consegue fugir;

 Tinoco e D. Chapelão encontram a vovó;

 O caçador segue o lobo. Encontra a mãe, a vovó e Tinoco. Juntos, encontram o lobo;

 Ouvem Chapeuzinho gritando e a soltam;

 O caçador leva o lobo de volta ao Jardim Zoo- lógico.

Mello considera mais produtivo, pedagogicamente, que os alunos preencham o quadro de leitura depois de o professor discutir com eles o texto e só, posteriormente, justificar o comentário e fazer a contextualização das cenas mais representativas no conflito dramático. Por isso, propomos essa atividade depois da discussão inicial realizada logo após a leitura coletiva da peça. Cristina Mello constrói um quadro com a finalidade de considerar vários fatores que identifiquem a personagem selecionada, ou seja, é uma espécie de roteiro de leitura, por tópicos. A partir do exemplo apresentado por ela, pedimos aos alunos que escolhessem duas personagens e construíssem um quadro para cada uma. Abaixo, descrevemos um dos quadros elaborados pelos alunos do Integrado de Informática. 154

Nome:

 Chapeuzinho Vermelho

Centralidade (importância da personagem na peça):

 É a personagem principal. Tudo que acontece “gira” em torno as ações que ela faz

ou deve fazer.

Compleição física (aspectos físicos):

 Sempre usa um chapéu vermelho (o que explica o seu nome);

 É bonitinha (o lobo afirma isso em uma de suas falas);

 É pequena (nota-se que todos se referem a ela com adjetivos no diminutivo. O

próprio nome Chapeuzinho Vermelho, enquanto o da sua mãe é Dona Chapelão

Vermelho, indica que ela seja pequena).

Características psicológicas:

 Muito distraída (percebe-se isso porque ela constantemente se distrai em seus pas-

seios observando animais e árvores);

 Bastante ingênua (vê-se isso quando ela desconfia do lobo, mas acaba acreditando

em suas mentiras);

 Nunca desconfia em ninguém (o que é notável no mesmo momento citado na ca-

racterística anterior);

 É muito tranqüila (pode-se notar isso quando ela dorme nomeio da floresta, quan- 155

do ia para a casa da avó).

Dimensão ideológica e cultural:

 Obediente à mãe;

 Amante da natureza;

 Gosta de ajudar;

 Sempre confia nas outras pessoas.

Relação com outras personagens:

 Obedece ao que a mãe fala;

 Interage com as árvores, admirando-as e elogiando-as;

 Encontra com o lobo na floresta e na casa da avó, em ambas as ocasiões acredita

nas suas mentiras.

Nome:  D. Chapelão Vermelho

Centralidade (importância da personagem na peça):  Ela “comanda” as ações de outros personagens: manda a Chapeuzinho à casa da avó, pede ao caçador para prender o lobo por causa da sua filhinha.

Compleição física (aspectos físicos):

 Usa sempre um grande chapéu vermelho (assim como Chapeuzinho, isso também explica o seu nome); 156

 É alta (chega-se a essa conclusão da mesma forma que fizemos com a Chapeuzi- nho).

Características psicológicas:  Fica aflita com certa facilidade (nota-se isso principalmente no momento em que o Tinoco demora a dar o recado);  Preocupa-se sempre com a vovó;  Gosta de cozinhar (vê-se que ela vai fazer o bolo antes de ir visitar a vovó).

Dimensão ideológica e cultural:  Mãe cuidadosa;  Preocupada com a vovó;  Amante das artes culinárias.

Relação com outras personagens:  Recebe o recado do Tinoco e preocupa-se em ajudar a vovó;  Dá a ordem para a Chapeuzinho ir à casa da avó;  Pede ao caçador para ir proteger a sua filha de possíveis ataques do lobo mau.

Essa atividade foi extraclasse, por demandar um tempo maior de retomada do texto e reflexão. Como o Integrado dispõe apenas de 3 aulas semanais de Língua Portuguesa no IFPB, não foi possível estender mais o tempo do trabalho, de modo que fosse realizado apenas em sala de aula. Mello (1998), após expor esse roteiro, aconselha que o professor provoque os alunos para que possam recuperar a sistematização desses e de outros elementos sobre a personagem na memória de leitura prévia, bem como o comentário de cenas que ofereçam elementos significativos sobre a peça. Por essa razão, fizemos questão de focar a importância de compreender, também, as referências temporais das ações que decorrem em cena ou pregressas, levantando e transcrevendo as referências que são fornecidas pelas rubricas e pelas falas das personagens. 157

De modo geral, essa experiência envolveu os alunos em todas as atividades desenvolvidas, pois, por exemplo, discutiram e preencheram as fichas de leitura e, sobretudo, refletiram sobre o texto e o contexto social atual, revelando-se como leitores perspicazes. Também, percebemos que as estratégias e os quadros de leituras propostos por Mello funcionaram bem em sala de aula e, assim, contribuíram de forma significativa para que eles sistematizassem e amadurecessem as suas reflexões acerca da peça O Chapeuzinho Vermelho.

4. Curso de Formação de Professores

Desde o Mestrado, quando elaboramos uma proposta metodológica para trabalhar o texto dramático no Ensino Médio, a partir das reflexões de Cristina Mello (1998), havia o desejo de promovermos um curso de formação de professores. Retomamos essa ideia de uma forma diferente, com outro público e com peças infantis durante o Doutorado. Para isso, escolhemos a cidade de Areial por se tratar de um público com condições menos favoráveis, principalmente em termos econômicos, e com dificuldade de obter formação por ser um município pequeno e distante da capital do Estado, embora seja um pouco mais próximo de cidades maiores, como Campina Grande. A escolha se deu, também, por conhecemos pessoas que trabalhavam na Secretaria de Educação da referida cidade, o que viabilizou o oferecimento do curso. No curso, inscreveram-se 27 pessoas, a maioria constituída de professores em exercício, alguns afastados temporariamente de sala de aula, outros em salas de acompanhamento de alunos com necessidades especiais ou com dificuldade de aprendizagem e, apenas, duas que ocupam cargos administrativos na prefeitura. A maior parte já atua em sala de aula entre 14 e 29 anos e uma professora ministra aula há 6 anos. Com exceção de três professores que concluíram o curso Logos II, a maior parte é formada no Curso Pedagogia em Serviço, um curso superior especial oferecido pela Universidade Estadual da Paraíba para professores que atuam em sala de aula, mas não possuem graduação; duas concluíram o curso regular de Letras na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB); e uma terminou Pedagogia na Universidade Vale do Acaraú (UVA). 158

Neste trabalho, Maurice Tardif (2002, p. 12) nos orientou, por meio do livro Saberes docentes e formação profissional, por refletir sobre a prática do professor em sala de aula, discutindo os saberes que a fundamentam a partir da realidade individual e social desse público. O autor relaciona o saber do professor aos condicionantes e ao contexto de trabalho, procurando estabelecer uma ponte entre os aspectos sociais e individuais do docente. Ele postula a “idéia de que esse saber é social, embora sua existência dependa dos professores (mas não somente deles) enquanto atores individuais empenhados numa prática”. Nesse sentido, o crítico aponta para os perigos do mentalismo e do sociologismo, os quais pregam respectivamente a redução do saber a processos mentais, baseados na atividade cognitiva dos indivíduos e a eliminação completa da contribuição dos atores na construção concreta do saber, reduzindo-a a uma produção social encerrada em si mesma. Em suma, Tardif se opõe ao mentalismo porque defende, em primeiro lugar, a ideia de que o saber é social, pois é partilhado por todo um grupo de agentes com uma formação comum e que trabalham numa mesma organização, sujeitos a condicionamentos e recursos comparáveis. Em segundo, a posse e a utilização desse saber “repousam sobre todo um sistema que vem garantir a sua legitimidade e orientar sua definição e utilização”. Em terceiro, o objeto desse saber são práticas sociais. Em quarto, o que os professores ensinam e sua forma de ensinar se transformam com o tempo e com as mudanças sociais. E, por último, esse saber é adquirido “no contexto de uma socialização profissional, onde é incorporado, modificado, adaptado em função dos momentos e das fases de uma carreira, ao longo de uma história profissional onde o professor aprende a ensinar fazendo o seu trabalho” (TARDIF, 2002, p.12 e 14). Diante disso, Maurice Tardif (2002) alerta para que não caiamos no outro extremo – o sociologismo, pois, embora o saber dos professores seja profundamente social, não deixa de ser “o saber dos atores individuais que o possuem e o incorporam à sua prática profissional para a ela adaptá-lo e para transformá-lo”. Ele defende que, por um lado, o saber dos professores depende das condições concretas, nas quais o trabalho deles se realiza e, por outro, da personalidade e da experiência profissional dos próprios professores. Logo, a sua perspectiva procura “situar o saber do professor na interface entre o individual e o social, entre o ator e o sistema, a fim de captar a sua natureza social e individual como um todo” (TARDIF, 2002, p.15-16), baseando-se em vários fios condutores: 159

 Saber e trabalho: “o saber dos professores deve ser compreendido em íntima relação com o trabalho deles na escola e na sala de aula” (TARDIF, 2002, p.16- 17);  Diversidade do saber: o saber dos professores é heterogêneo, visto que envolve conhecimentos e um saber-fazer muito variado no próprio exercício do trabalho, procedendo de diversas fontes e de natureza diferente;  Temporalidade do saber: o saber dos professores é temporal, porque foi adqui- rido no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional;  A experiência do trabalho enquanto fundamento do saber: “os saberes oriun- dos da experiência de trabalho cotidiano parecem constituir o alicerce da prática e da competência profissionais, pois essa experiência é, para o professor, a con- dição para a aquisição e produção de seus próprios saberes profissionais” (TAR- DIF, 2002, p.21);  Saberes humanos a respeito dos seres humanos: o trabalho deve ser interati- vo, no qual “o trabalhador se relaciona com o seu objeto de trabalho fundamen- talmente através da interação humana” (TARDIF, 2002, p.22);  Saberes e formação dos professores: parte da necessidade de repensar a forma- ção para o magistério. Nesse sentido, considera os saberes docentes e as realida- des específicas de trabalho cotidiano do professor. Assim, expressa a vontade de encontrar uma nova articulação e um novo equilíbrio entre os conhecimentos produzidos pela universidade a respeito do ensino e dos saberes desenvolvidos pelos professores em suas práticas cotidianas nos cursos de formação de profes- sores. O curso foi ministrado com base nesses fios condutores, principalmente, o quarto e o sexto, haja vista que sugerimos experiências que deveriam ser vivenciadas na prática cotidiana dos professores e de acordo com a realidade de cada sala de aula, de modo que o professor poderia adequá-las ou modificá-las livremente. Assim, não poderíamos ignorar a experiência pessoal e profissional dos participantes do curso, bem como não bastava vivenciar as sugestões metodológicas, apenas, com eles durante a realização da formação sem que retornassem para contar e avaliar o seu trabalho em sala de aula com o texto dramático. Para o estudioso, a partir do momento em que os professores manifestarem suas próprias ideias a respeito dos saberes curriculares e disciplinares e, sobretudo, a 160 respeito de sua própria formação profissional, esses saberes passarão a ser reconhecidos. Nesse caso, era necessário que os professores refletissem, adequassem, modificassem e experimentassem as propostas que levamos para o curso, com o objetivo de validá-las e reconhecê-las como um conhecimento construído por eles também para melhorarem a sua prática pedagógica. Certamente, teria sido mais produtivo se tais propostas fossem produto do trabalho conjunto com todos os professores, porém o tempo disponibilizado para a realização da formação não foi suficiente para fazermos isso. Por esse motivo, levamos as propostas já elaboradas e experienciadas nas salas de aula em que lecionamos. Segundo Tardif (2002, p.35), nas sociedades contemporâneas, “o corpo docente e a comunidade científica tornam-se dois grupos cada vez mais distintos, destinados a tarefas especializadas de transmissão e de produção dos saberes sem nenhuma relação entre si”. Essa visão enfatiza apenas a dimensão da produção, sem evidenciar a posição estratégica do saber docente em meio aos saberes sociais. Por não partilhar dessa postura, fomos encontrar os professores dentro da realidade em que lecionam, a fim de refletir com eles sobre os saberes que foram produzidos no meio acadêmico, mas que tinham de ser vivenciados em salas de aula reais e diversificadas, com o objetivo de testar a sua exequibilidade, viabilidade e funcionalidade. Caso contrário, poderiam ser apenas “letras mortas” em um papel que jamais cumpririam o seu objetivo nem atingiriam o seu alvo.

1° Encontro: início do curso

Nosso primeiro encontro aconteceu no dia 24 de setembro de 2008, no período da tarde, em uma sala de aula da Secretaria de Educação da cidade de Areial - PB. Primeiramente, fomos apresentados à turma pela secretária de Educação, Agmar Mariath Guimarães Silva. Depois, falamos sobre o curso e do seu objetivo, bem como da nossa experiência em sala de aula. Em seguida, pedimos para que cada um se apresentasse e falasse um pouco da sua realidade (se lecionava na zona rural ou urbana, em que série(s), em sistema multisseriado ou não, quantos alunos havia em cada turma, dentre outros aspectos), da sua experiência com o teatro na vida e na escola como aluno e professor. No tocante à 161 partilha16, o nosso objetivo foi traçar o perfil da turma e descobrir o grau de proximidade que havia, principalmente, com o texto dramático no âmbito pessoal e profissional, de forma que pudéssemos considerar o conhecimento e as experiências prévias dos participantes no desenvolvimento do trabalho. Os professores foram bastante participativos, cada um partilhou abertamente e sem receios sobre a sua realidade e experiência, expondo suas dificuldades em sala de aula e expectativas em relação ao curso, bem como demonstrando muita boa vontade e interesse em refletir acerca da sua prática pedagógica. Em seguida, perguntamos se os professores já haviam lido e/ou trabalhado um texto dramático em sala de aula; a maioria afirmou nunca ter levado peças para os seus alunos, apenas leram exemplares que encontraram na Biblioteca da escola, mas não citaram nenhum autor ou título, com exceção de uma professora que disse já ter lido uma peça de Ana Maria Machado, cujo título não lembrava. Durante a discussão, demonstraram desconhecimento desse gênero, pois não souberam caracterizá-lo, distinguindo-o, por exemplo, de uma narrativa. Isto fica mais claro, como veremos adiante, em um diário de leitura, em que o professor confunde peça e conto. Esse momento foi muito produtivo, devido à participação dos professores por meio de colocações e perguntas, de modo que se estendeu mais do que havíamos previsto, tanto que no tempo restante fizemos apenas uma breve explanação acerca da diferença entre dramaturgia e teatro, pois era importante na direção da metodologia do trabalho, já que a intenção principal era levar o texto dramático e priorizar a sua leitura, formando leitores e não atores. Também comentamos rapidamente sobre a ausência desse tipo de texto nas escolas do Brasil, expondo um pouco as causas e as dificuldades que estavam enraizadas na própria formação da escola, por usar (quando usa) apenas a técnica teatral como pretexto para ensinar outros conteúdos ou lições de moral, esquecendo-se do texto. Durante esse encontro, pudemos conhecer melhor os participantes e percebemos um grande interesse por parte dos professores em aprender e mudar a realidade em que vivem com as armas que possuem, apesar de todas as dificuldades que enfrentam diariamente.

16 Neste trabalho, a partilha foi utilizada como técnica de conversação, uma espécie de dinâmica, na qual os participantes do curso expunham suas experiências pessoais e profissionais. 162

2° Encontro: leitura coletiva de O Chapeuzinho Vermelho

Este encontro ocorreu no dia 25 de setembro de 2008. Compareceram todos os professores. Inicialmente, retomamos alguns pontos que foram discutidos no dia anterior para ratificar o objetivo do curso. Em seguida, sugerimos a leitura coletiva da peça O Chapeuzinho Vermelho, de Maria Clara Machado. No tocante à sala de aula, ressaltamos que eles poderiam reunir a turma para contar a história no caso das crianças que não sabem ler; ou ler alguns trechos e, depois, pedir para que os alunos concluíssem a leitura em casa; ou, ainda, realizar a leitura de cenas ou de um ato por aula, sempre parando em uma parte interessante, para que os alunos ficassem curiosos para saber o que aconteceria em seguida na trama. Assim, nas próximas aulas, eles iriam se interessar mais pela leitura e não seria cansativo. Enfim, ressaltamos que o modo como a leitura seria realizada dependeria da realidade de cada sala, por isso cada professor deveria escolher a metodologia que considerasse mais adequada ao contexto em que leciona. Tendo em vista que era quase impossível disponibilizar um exemplar da peça para cada aluno, mostramos a leitura coletiva como alternativa para os professores, a não ser que o trabalho fosse realizado durante um longo período de tempo, de modo que pudesse ser feito um rodízio na turma com os exemplares disponíveis. Enfatizamos que esse tipo de leitura funcionou muito bem nas experiências que havíamos realizado anteriormente, proporcionando um clima de descontração e prazer, desde que fosse realizada de uma forma espontânea e expressiva, ao tentarmos encontrar o tom adequado para cada fala, por exemplo. Logo, não haveria problemas em realizá-la dessa maneira, desde que a turma dominasse a leitura e se dispusesse a participar, caso contrário o professor poderia recorrer a alguma das alternativas apresentadas anteriormente. Como também não foi possível disponibilizar um exemplar da peça para cada professor nem eles podiam comprá-lo, providenciamos cópias xerocopiadas pela Secretaria de Educação. Nesse momento, fizemos um grande círculo e, a partir do título da peça, levantamos algumas hipóteses no tocante à trama e desfecho da história para retomá-las no final. 163

Durante a leitura, cada um lia uma fala ou rubrica, procurando acompanhar a sequência e encontrar o tom de voz adequado para o que era lido. À medida que os professores liam, fizemos questão de enfatizar a importância de uma leitura expressiva que realmente despertasse a atenção do aluno para o texto. Por isso, pedimos para que repetissem a fala, quando ela não correspondia ao que era indicado na rubrica. Logo após, explicamos o papel da rubrica, apontando para as especificidades do texto dramático que deveriam ser consideradas no momento da leitura, para que não compreendêssemos de forma global a peça. Esse foi um momento muito prazeroso, pois percebemos que os professores se envolveram na leitura, mesmo os mais tímidos, como os dois únicos homens da turma, fizeram falsete e tornaram a voz mais grave, gritaram, falaram mais baixo e mais alto, utilizando estes e outros recursos que causaram muito riso e descontraíram a todos. Assim, a leitura da peça tomou quase a manhã toda do encontro. Como não podíamos nos prolongar mais no horário porque alguns iam ministrar aula à tarde, tivemos de interromper a leitura antes do final. Aproveitamos, então, para fazer um certo suspense em relação ao desfecho da história, para instigá-los a terminar de ler a peça em casa. Eles demonstraram muita curiosidade para conhecer o final, tanto que alguns insistiram para que terminássemos de ler, já que faltava pouco, mas não foi possível, o que foi bom no sentido de estimulá- los a concluir a leitura depois. Durante essa atividade, verificamos que muitos professores apresentavam muita dificuldade em relação à leitura oral. A maioria começou a ler de uma forma inexpressiva, sem vigor nenhum e linearmente, desconsiderando a entonação da voz indicada pela rubrica e pela própria fala lida. Talvez esse fato tenha ocorrido por se tratar de uma leitura coletiva, na qual os outros inevitavelmente deveriam prestar atenção no leitor da vez, o que pode ser uma barreira para os mais tímidos, além de não terem realizado uma leitura prévia do texto e de tentarem encontrar o tom adequado da fala no momento em que estavam lendo em voz alta. No final do encontro anterior, pedimos que, se alguém dispusesse de tempo, lesse individualmente a peça O Chapeuzinho Vermelho, dentre todo o material que havia sido distribuído, o que teria facilitado a leitura coletiva, por terem um conhecimento prévio do texto. Quando voltamos, perguntamos se alguém havia lido a peça, mas nenhum dos participantes se pronunciou. 164

Tentamos resolver esse problema durante a leitura coletiva, incentivando-os a encontrar o tom mais adequado, pedindo para que repetissem a fala sem gaguejar, lessem a rubrica de novo, enfim buscando um método mais expressivo e atrativo que encantasse os alunos, convidando-os a ler também. É evidente que não se trata de um trabalho fácil que precisa ser bem conduzido, para que a pessoa não se sinta constrangida e desista da leitura. Por essa razão, tentamos tornar esse momento descontraído, como se fosse uma brincadeira em que todos eram convidados a participar. Essa estratégia funcionou bem, de forma que a leitura melhorou significativamente no final. Por fim, sugerimos que eles dessem continuidade a esse trabalho depois, treinando a leitura em voz alta na frente de um espelho em casa toda vez que fossem ler um texto literário para os seus alunos, como uma forma de visualizarem melhor a sua expressão facial durante o ato de ler e também de se desinibir. Ao final do encontro, mais uma vez, pedimos para que lessem as outras peças e o material que havia sido distribuído.

3° Encontro: término da leitura e discussão sobre a peça

O terceiro encontro foi realizado no dia 03 de outubro de 2008, no período da manhã, com o comparecimento de 20 professores. Começamos o encontro, perguntando se alguém havia lido o restante da peça e as outras peças (A Gata Borralheira e O Gato de Botas) distribuídas. A maioria disse que leu apenas o final de O Chapeuzinho Vermelho e uma professora afirmou ter lido A Gata Borralheira. Diante da realidade, já esperávamos que, em tão pouco tempo, não pudessem ler todo o material entregue, por isso os tranquilizamos, dizendo que os textos teóricos serviriam para que pudessem consultá-los a fim de ampliarem seus conhecimentos ou sanarem alguma dúvida e as peças foram dadas para que eles lessem outros textos infantis adaptados de contos de fadas e tivessem mais opção na hora de escolher a peça que trabalhariam em sala de aula. Como os professores pediram para terminarmos de ler a peça coletivamente na sala, seguimos com a leitura até o final. Após concluirmos a leitura, retomamos as hipóteses levantadas anteriormente para confirmá-las ou não. Dessa forma, verificamos que as personagens do conto se repetiam na peça – Chapeuzinho Vermelho, a mãe da 165 menina, a vovozinha, o caçador e o lobo mau, mas foram acrescentados outros, por exemplo, o menino Tinoco, as árvores e a coelha. Em seguida, perguntamos se haviam gostado do texto e que destacassem a(s) personagem(ns) e o(s) episódio(s) que lhes chamaram mais atenção, justificando tal escolha. Quase todos os participantes escolheram a vovó como a personagem que mais gostaram e o episódio em que ela se revela como uma velhinha surda por considerarem o mais engraçado. Por meio de um comentário de um professor em especial, que disse ter gostado mais da vovó, porque ela era forte, venceu as adversidades sem desanimar, percebemos que eles apresentavam muita dificuldade para interpretar textos. O fato é que a vovozinha de Maria Clara Machado não tinha consciência do que estava acontecendo ao seu redor, de modo que ela, por ser surda, entendeu tudo errado, inclusive ao confundir o lobo mal com o vendedor da festa. Desse modo, não havia como ela ter sido forte e enfrentado as dificuldades se estava alheia à realidade, aos fatos ocorridos em sua casa. Como não podíamos deixar esse equívoco de interpretação da peça passar despercebido ou na condição de verdade, perguntamos ao professor se a personagem realmente sabia o que estava acontecendo na sua casa, se tinha noção do perigo que corria com a presença do lobo e ele respondeu que não. Então, continuamos perguntando se ela podia ter sido forte e vencido as adversidades quando não tinha a menor noção de perigo e eles responderam que não. Durante a discussão, descobrimos ainda que as crianças da história eram ingênuas e os adultos também, exceto o lobo. Além disso, os professores perceberam que dona Chapelão apresentava preocupações supérfluas, como a preocupação com o bolo que estava no forno quando sua filha corria perigo, o que consideraram um absurdo, pois uma mãe jamais poderia se comportar dessa maneira. Também comparamos a peça às versões dos contos conhecidos por eles, verificando as semelhanças e as diferenças, de modo que a discussão se centrou, principalmente, nas personagens novas encontradas no texto dramático. Entre elas, a personagem que mais chamou atenção dos participantes foi Tinoco, por ser um menino que, mesmo sendo um pouco distraído e desorientado, cuidava da vovozinha, preocupava-se com ela, com a hora do seu remédio, enfim com a sua saúde e bem-estar. Por sua vez, o caçador, com sua mania de querer ser herói, foi motivo de discussão por parte de alguns professores que o consideraram uma personagem interessante, por ser 166 engraçado, o que o torna diferente dos demais heróis conhecidos, como o próprio caçador das versões do conto. Depois da discussão, sugerimos que os professores fizessem um diário de leitura, no qual registrariam suas impressões, o que lhes chamou mais atenção na peça, o que gostaram ou não, qual personagem lhes encantou mais, dentre outros apontamentos que considerassem importantes. Dessa maneira, poderiam reviver a leitura, refletir melhor sobre ela e, posteriormente, voltar a ela, por exemplo, quando fossem trabalhar o texto em sala de aula. Além disso, eles poderiam também retomá-la no relato de experiência, podendo dividir com os outros colegas, por exemplo, por meio de uma comunicação em um congresso ou de uma publicação. Embora os professores tenham apresentado dificuldades de interpretação durante a discussão da peça, elas foram sendo sanadas à medida que fazíamos perguntas, retomávamos trechos e enfatizávamos que eles precisavam focar o texto e não fundamentar suas afirmações em suposições ou em “frases feitas” comumente usadas no senso comum. Então, discutimos com eles como compreender e interpretar um texto sem superinterpretações, desfazendo-se da ideia de que qualquer afirmação é válida sem fundamentá-la no próprio texto. Por fim, pedimos que trouxessem material sucata, como tampas de garrafa e de creme dental, pedaços de tecido velho, palito de picolé, entre outros materiais, para que construíssemos os bonecos da próxima experiência que iríamos realizar no encontro seguinte. Não foi preciso providenciar cartolina, papel crepom, lápis hidrocor, giz de cera e cola, porque esse material foi doado pela Secretaria de Educação, o que facilitou por não implicar em nenhum custo financeiro para os participantes. Antes de iniciar o curso, tentamos negociar essa condição com a prefeitura, pois supúnhamos a dificuldade financeira dos professores. Além disso, a ideia sempre foi trabalhar com a realidade deles, por isso mesmo se não houvesse esse material doado, eles iriam construir os bonecos apenas com o material sucata que pode ser encontrado em qualquer lugar sem custos. 167

4° Encontro: o Jogo Dramático e o Teatro de Bonecos na sala se aula

O quarto encontro aconteceu no dia 04 de outubro de 2008, no período da tarde. Inicialmente, oito professores entregaram o diário de leitura, contendo o registro da sua experiência ao ler a peça O Chapeuzinho Vermelho. Em seguida, retomamos alguns pontos discutidos nos encontros anteriores, a fim de enfatizar a necessidade de não apenas teorizar a respeito de propostas metodológicas para trabalhar o texto dramático em sala de aula, mas de vivenciá-las na prática. Dessa forma, iríamos nos tornar mais sensíveis e atentos às reações, ao desempenho e às dificuldades dos alunos durante a atividade, além de ser de extrema importância a vivência prazerosa com o texto lido tanto para o aluno quanto para o professor. Como o objetivo central era experimentar o jogo dramático e o teatro de bonecos, não nos detivemos muito na teoria. Por esse motivo, comentamos brevemente o conceito de jogo dramático, a diferença entre este e o jogo teatral, bem como as regras e as possibilidades de desenvolvê-lo de formas diferentes, com ou sem música, entre outras. Nesse momento, tentamos mostrar a importância do jogo para o desenvolvimento físico e psicológico das crianças, uma vez que não somos psicólogos e o objetivo do trabalho não é fazer terapia e, sim, brincar com a peça lida, vivenciando as personagens, por exemplo. Todas as reflexões foram pautadas no livro Jogos Teatrais (2007), de Viola Spolin (2007), e no texto introdutório do livro 100 Jogos Dramáticos (2001), de Maria Clara Machado. Viola Spolin (2007) escreveu o primeiro livro sobre Jogos Teatrais direcionado para professores com pouco ou sem nenhum conhecimento teatral, com o objetivo de organizarem oficinas de jogos teatrais em sala de aula. Na verdade, a autora acredita que as oficinas de teatro, ao desenvolverem a habilidade de os alunos se comunicarem por meio do discurso, da escrita e de outras formas não-verbais, podem revitalizar as aulas, complementar a aprendizagem escolar e ampliar a consciência de problemas e ideias fundamentais para o desenvolvimento intelectual dos alunos. Assim,

pode tornar-se um lugar onde professor e alunos encontram-se como parceiros de jogo, envolvidos um com o outro, prontos a entrar em contato, comunicar, experimentar, responder e descobrir (SPOLIN, 2007, p.29). 168

Spolin (2007) desenvolveu uma abordagem de solução de problemas baseada na estrutura de jogos e exercícios que permitissem aos alunos absorver habilidades de teatro sem esforço consciente, estimulando a ação, a relação, a espontaneidade e a criatividade em grupo. Logo, o jogo teatral por meio da oficina teatral se tornou o fundamento de uma nova abordagem do teatro, que se espalhou por vários grupos de teatro improvisacional em todo o país. Nessa perspectiva, a brincadeira desenvolve habilidades e estratégias necessárias para o jogo, uma vez que a inventividade e a engenhosidade enfrentam todas as crises apresentadas por ele, de modo que os participantes podem atingir livremente (e do seu jeito) o objetivo proposto, desde que não desrespeitem as regras estabelecidas. A estudiosa afirma que a maioria dos jogos propõe um problema que deve ser solucionado e é altamente social. Como a criança tem poucas oportunidades de interferir na realidade, de maneira que encontre a si mesma, devido ao controle do adulto que a impede de agir ou aceitar responsabilidades comunitárias, a oficina ajuda a exercer sua liberdade, a respeitar o outro e a ter responsabilidade dentro da sala de aula. Essa experiência pede liberdade pessoal, pois “jogador precisa estar livre para interagir e experimentar seu ambiente social e físico” (SPOLIN, 2007, p.31), além de nascer de um envolvimento orgânico (físico, intelectual e intuitivo) por meio do contato direto com o ambiente. Nesse contexto, a intuição, embora seja muitas vezes negligenciada, é vital para a aprendizagem, mas somente poderá ser sentida se os alunos se sentirem livres para se relacionar e agir. Logo, o ato de jogar traz efeitos sociais e cognitivos, de tal forma que o jogador pode ser capaz de transformar objetos ou criá-los. Por sua vez, o jogo teatral possui três pontos essenciais: o foco, a instrução e a avaliação. O primeiro não é o objetivo do jogo, mas o problema essencial que pode ser solucionado pelos participantes, de maneira que coloca o jogo em movimento. Ao se esforçar em permanecer com o foco e a incerteza sobre o resultado, o participante pode criar apoio mútuo, gerar envolvimento orgânico e diminuir preconceitos. Por isso, o professor tem de apresentar o foco como parte do jogo, mantendo-se atento a ele e instruindo para que os alunos não saiam dele. Logo, a instrução, segundo Spolin (2007, p.33), “é o enunciado daquela palavra ou frase que mantém o jogador com o foco”. Ela nasce espontaneamente e é dada no momento em que os jogadores estão em movimento, guiando em direção ao foco, bem como gerando interação, movimento e transformação. Por fim, ela pode ser “evocativa, plena de potencialidades; pode ser um catalisador estimulante, provocante. Adições às 169 instruções impressas irão surgir espontaneamente e instantaneamente quando você estiver trabalhando com o foco”. Por último, a avaliação deve lidar com o problema proposto pelo foco e indaga a respeito da sua solução, de modo que tudo o que é comunicado e percebido pelos jogadores na plateia durante o jogo é discutido por todos, dentro de um ambiente livre. Maria Clara Machado, no livro 100 jogos dramáticos (2001), observou, durante os contatos que teve com crianças em várias situações, que elas precisam fazer exercícios de expressão espontânea, para que não se tornem

máquinas de repetir conceitos, pobres robôs, cópias mal feitas de adultos ressequidos, porta-vozes do que se ouve todos os dias nos programas de televisão, anúncios ambulantes de produtos comerciais, imitadores de heróis mal representados, mal idealizados, veículos puros de uma agressividade mal dirigida e mal controlada (MACHADO, 2001, p. 11).

A autora nega o rumo que é dado à grande capacidade criativa e a sensibilidade infantil de perceber o mundo ao seu redor, por meio de um programa de ensino desligado do mundo da criança, como vimos anteriormente, além de apontar também para o fato de que os professores “abafaram sua sensibilidade e capacidade de criar, num programa rígido, sobrecarregado de teorias pseudopedagógicas” (MACHADO, 2001, p.12). Por essa razão, na busca de alternativas para melhorar esse panorama, ela e Marta Rosman elaboraram o livro supracitado com jogos dramáticos ou de expressão espontânea, após experimentá-los no Tablado, com o objetivo de

encontrar o caminho mais curto e mais atuante de se chegar, ou melhor, de se voltar a um estado de receptividade, de espontaneidade, de libertação da imaginação (perdida na infância), ao mesmo tempo que desenvolve na criança e no professor ou no futuro ator de teatro o espírito de observação, o sentido estético e social da vida (MACHADO, 2001, p. 12).

Nesse sentido, Maria Clara Machado estabeleceu duas regras fundamentais para que os jogos se tornem eficientes em sala de aula, de modo que não se reduza a mero pretexto para que os alunos se exibam ou façam bagunça: a sinceridade e o domínio. A primeira consiste em o aluno procurar sentir a ação e não, simplesmente, mostrá-la de uma forma explicativa. 170

Na visão da educadora do Tablado, “(p)ara sentir ou experimentar um sentimento, ele precisa saber o que está fazendo, compreender a situação dramática (MACHADO, 2001, p. 12). Para que isso ocorra, é fundamental a explicação dada pelo professor, visto que uma personagem apenas será bem representada se for situada física e psicologicamente. Dessa forma, para que o jogo aconteça de fato, é necessário que o professor e a turma opinem acerca da autenticidade, da sinceridade e até sobre os aspectos éticos da situação recriada por cada um. Ela enfatiza o papel do educador no jogo, afirmando que “(d)epende do professor encaminhar a crítica para uma solução satisfatória, tanto artística como psicológica e social, se for o caso” (MACHADO, 2001, p. 13). Já o domínio consiste em “controlar, dominar com a vontade sua capacidade de entrar no jogo”. Assim, o aluno deve permanecer consciente de si mesmo, de modo que ele não esqueça de que está apenas representando, imitando uma situação alheia à própria vida com uma sinceridade que não pode ser desenfreada. Logo, mesmo que os alunos se identifiquem com as personagens representadas não podem se emocionar demais, o que tornaria a aula uma sessão de psicodrama, a qual não é pertinente em sala de aula se não for dirigida por um especialista na área, por essa razão o professor deve estar atento, tendo em vista que o controle deve dominar os excessos sem anular a sinceridade e sem tolher a imaginação. Maria Clara acreditava que o aluno, ao observar situações dramáticas, toma consciência de sua personalidade, de suas próprias reações, bem como de suas responsabilidades. Ela defendia que os jogos de expressão espontânea poderiam ser utilizados por professores de qualquer área do conhecimento, por ajudarem os alunos a se conhecerem e a viverem melhor, além de transmitirem uma forma própria de ver o mundo. Portanto, percebemos mais uma vez a preocupação da dramaturga com a escola, com o ensino oferecido às crianças, de modo que escreveu algumas obras direcionadas para os professores. Realizamos um jogo dramático, primeiro com as músicas que os participantes conheciam sobre a história de Chapeuzinho, por exemplo, “Pela estrada afora, eu vou bem sozinha...” e “Quem tem medo do Lobo Mau”..., as quais foram relatadas durante a partilha da experiência com o conto na infância. Nesse momento, cantamos e dramatizamos, na primeira, a menina e, na segunda, o lobo, gesticulando e andando como eles. 171

Em seguida, foram dados comandos, como na brincadeira “Seu Mestre mandou”, do tipo “eu sou Chapeuzinho Vermelho andando pela floresta”, “eu sou o Lobo Mau perseguindo a menina para devorá-la”, “eu sou a vovó andando pela casa sem saber o que está acontecendo ao seu redor”, entre outros, os quais seriam seguidos por todos. Eles seriam mudados inesperadamente, por isso era preciso ficar atento, para não perder o foco. Mesmo os homens, que eram mais inibidos, participaram de todo o jogo. Apenas uma participante ficou parada e não participou efetivamente da brincadeira. Os jogos não demandaram muito tempo, apenas cerca de 15 minutos, porque eles cansaram rapidamente. No final, fizemos uma breve avaliação oral desse momento. Os participantes demonstraram bastante entusiasmo por terem conseguido se desinibir e participar efetivamente do jogo. Imediatamente, lembraram dos seus alunos, de como se sentiriam ao participar de um jogo dramático, principalmente, as crianças que adoram esse tipo de brincadeira com música e disseram que iriam experimentá-lo nas turmas em que lecionam. De forma geral, a maioria participou e pudemos contribuir para que o vivenciassem primeiro para, depois, levá-lo para a sala de aula, o que foi muito mais produtivo, porque eles puderam ter uma dimensão maior dos benefícios que essa atividade pode trazer para os alunos. Experimentamos também o teatro de bonecos. Primeiro, comentamos de forma muito rápida o material teórico, entregue no primeiro encontro, sobre esse tipo de teatro, mostrando as várias formas de bonecos, como surgiram, a importância deles na carreira de Maria Clara Machado, entre outros aspectos suscitados pela discussão; e, em seguida, confeccionamos os bonecos e, a partir da peça O Chapeuzinho Vermelho, criamos uma história para eles. Inicialmente, enfatizamos que o teatro de bonecos faz parte da tradição popular e não apenas da erudita, de modo que está presente na vida dos homens desde os primórdios. Nesse momento, uma das participantes disse que era filha de um bonequeiro da cidade e conviveu com os bonecos desde que nasceu. Ela nos contou como foi esta experiência, como seu pai fazia os bonecos com madeira e pano, conhecidos como João Redondo, bem como a forma que “botava” na praça e nas casas que visitava. Enfim, retratou a alegria de assistir ao espetáculo e o encantamento diante dos bonecos, das histórias engraçadas, mesmo envolvendo pancadaria. Ao final do seu relato, ressaltamos que a sua experiência seria muito importante para a realização do 172 nosso trabalho com o teatro de bonecos, visto que poderia nos orientar na confecção dos bonecos e na criação da história a ser encenada por eles. Também, relatamos a nossa experiência com o teatro de bonecos no início da nossa vida profissional, quando começamos a trabalhar como auxiliar de professora, em turmas de Maternal e Jardim I e II, na Creche Irmã Santana, na cidade de Pocinhos, no interior da Paraíba, no intuito de mostrar como a atividade pode encantar as crianças. Em seguida, tentamos evidenciar que, embora assuma nomes e características diferentes de acordo com cada tradição, por exemplo, ao ser denominado de fantoche e representado por atores na cultura erudita, ou conhecido por mamulengo e apresentado por bonequeiros na cultura popular, os tipos de bonecos (luva, fio ou vareta) são semelhantes e as histórias contadas se misturam de maneira que há uma troca de fontes, ou seja, o popular se inspira no erudito e o inverso. Por esse motivo, baseamo-nos em dois autores – Maria Clara Machado e Borba Filho, que vivenciaram o teatro de bonecos e refletiram sobre a sua origem, características e modo de representar em cada tradição, para nos ajudar a conhecer melhor esse tipo de teatro. Por fim, discutimos que o teatro de bonecos é uma manifestação presente na cul- tura popular, embora, atualmente, não encontremos tantos bonequeiros como no passa- do, por exemplo, na cidade de Areial não existe mais gente que bota boneco. Nesse mo- mento, os professores contaram que já haviam visto teatro de bonecos na escola e deram o exemplo de evangélicos que fizeram apresentações nas escolas do município. O fato de eles já terem vivenciado essa experiência nos ajudou no desenvolvimento da ativida- de com os bonecos durante o curso, de modo que apresentaram muita facilidade para confeccioná-los e manipulá-los.

Logo após, os participantes foram divididos em três grupos que criaram uma história e os bonecos. Durante a confecção dos bonecos, houve uma empolgação geral, de modo que todos se envolveram no trabalho, uns demonstraram mais talento para o desenho, outros para a costura, entre outras habilidades. Assim, utilizaram o material sucata que trouxeram, como cabaça, meias, pedaços de tecido, espuma, bem como cartolina, lápis hidrocor, papel camurça, crepom, seda, cola, tesouras, entre outros. Nesse momento, sugerimos que, quando fossem fazer essa experiência com os alunos, colocassem os nomes das personagens no quadro e pedissem para eles dizerem como imaginam cada uma física e emocionalmente, incluindo o vestuário. Depois, podiam fazer um roteiro de apresentação, todavia sem esquecer que esse tipo de teatro 173 trabalha mais com a improvisação, logo o roteiro teria apenas o papel de nortear a manipulação e as falas dos bonecos durante a apresentação. Ainda, enfatizamos que os bonecos poderiam ser fabricados apenas com materi- al sucata, como papelão, tubos de papel higiênico, jornal, tecido, meias velhas, tampas de garrafas, palito de picolé, entre outros. Como supúnhamos que o fato de ter de com- prar algum tipo de material seria empecilho para realizar a experiência, tentamos mos- trar que pedir aos alunos para trazerem esse material é muito importante, pois eles se sentirão mais envolvidos na atividade e, consequentemente, mais motivados.

À medida que os professores trabalhavam na construção dos bonecos, evidenciamos que a confecção se torna mais interessante se for coletiva, de modo que podemos dividir a turma em grupos e cada grupo confeccionará um ou mais bonecos. Isso vai depender da realidade da sala, logo só o professor saberá a melhor forma de fazer esse trabalho. As características elencadas anteriormente serão muito importantes, nesse momento, para que os alunos deem forma aos bonecos, deixando claro que eles devem se sentir livres para criar. Em seguida, falamos para eles que, após a confecção dos bonecos, poderiam separar as falas de cada personagem que serão ditas por cada aluno, de forma que se fosse preciso realizasse um sorteio, para que não houvesse confusão na hora de escolher o papel que será encenado por cada um. Os alunos, nessa etapa, já deveriam ter decorado o roteiro antes e o professor deverá orientá-los para que a recriem, improvisem se esquecerem a sua fala na hora da apresentação. Ressaltamos que é de suma importância que toda a turma, ou melhor, que todos os interessados tenham a oportunidade de participar dessa atividade, podendo haver um revezamento na manipulação dos bonecos. Na verdade, o mais importante nessa atividade é o processo e não a apresentação, de modo que se os alunos não quiserem apresentá-la para outras pessoas não há nenhum problema. Dissemos, ainda, aos professores que ensaiassem com os alunos quantas vezes fosse preciso para que se sintam seguros e mais à vontade, mas delimitando o tempo a partir da observação do desenvolvimento dos alunos. Então, propusemos que eles reali- zassem esse trabalho em 6 ou 8 horas/aula (uma ou duas manhãs), dependendo da dis- ponibilidade de tempo de cada turma. Assim, deixamos claro que o professor e os alu- nos devem decidir se querem ou não encenar um texto pronto, como a peça sugerida 174 nesse trabalho, poderiam escolher outro ou improvisarem histórias criadas pelos alunos no momento da manipulação.

No final do trabalho, em média, cada grupo criou os bonecos das personagens principais do conto (a menina, a mãe, o lobo, a vovó, o caçador) e dois retomaram personagens da peça (árvores e o menino Tinoco). Entretanto, nenhuma das histórias foi contada da mesma forma que na narrativa ou no texto dramático, pois todos acrescentaram novos episódios, como o que o caçador se apaixona por Chapeuzinho. Os bonecos ficaram muito bonitos e chamaram a atenção pela riqueza de detalhes, principalmente, de seus trajes coloridos. Também, os professores demonstraram muita facilidade para manipulá-los, o que provocou grande encantamento nos expectadores. Enfim, a apresentação dos três grupos, que durou cerca de trinta minutos (10 minutos para cada um), causou muita euforia e risos, pois todos se divertiram com a manipulação dos bonecos e com as improvisações das histórias sobre Chapeuzinho Vermelho. Concluímos o dia com a avaliação das atividades realizadas, discutindo como foi a experiência com o teatro de bonecos para cada um. Todos se mostraram muito satisfeitos, de maneira que pareciam crianças encantadas, em especial, com os bonecos que criaram e manipularam. Logo, aproveitamos para lhes mostrar que se eles se sentiam alegres daquela forma, os seus alunos também se sentiriam, por isso era importante realizar esse tipo de trabalho nas suas turmas.

5° Encontro: partilha das experiências realizadas pelos professores e avaliação do curso

O encontro foi realizado no dia 27 de outubro de 2008, no período da tarde. Compareceram 11 pessoas. A justificativa apresentada pelos presentes foi a de que o feriado do dia do Servidor Público havia sido antecipado para os funcionários do Estado, mas para os do Município, não. Logo, como o dia foi livre para alguns, estes não compareceram. No último encontro, para atender aos apelos dos professores que trabalhavam no turno da manhã, solicitamos à secretária de Educação que os liberassem das aulas, a fim de que participassem do curso, e o pedido foi atendido. Apesar disso, houve a evasão, 175 acreditamos que isso ocorreu por uma falha de comunicação, como foi constatado posteriormente, quando os professores justificaram a falta. Durante o período disponibilizado para a experiência, uma professora pediu para que outro participante do curso nos perguntasse se ela podia trocar o texto dramático por uma história em quadrinhos. Essa pergunta nos inquietou porque percebemos que o objetivo do curso – abrir as portas das salas de aulas para a dramaturgia – não ficou claro para todos, apesar de ter sido discutido e retomado em todos os encontros. Então, respondemos que o gênero pretendido poderia ser trabalhado em outra oportunidade, mas, se fosse possível, trabalhasse uma das peças escolhidas para o curso. Na tentativa de esclarecer, mais uma vez, o principal objetivo da formação que estava sendo oferecida, começamos o curso focando a importância de se levar o texto dramático para a sala de aula, de lê-lo e discuti-lo com os alunos. Depois, iniciamos a partilha, pedindo para que os professores falassem se haviam realizado a experiência ou não e comentassem os resultados obtidos ou os motivos de não tê-la feito. No encontro anterior, pedimos que eles relatassem a experiência por escrito, mas como apenas dois professores o fizeram, tivemos de anotar o que foi relatado por eles durante a partilha. Por esse motivo, apresentamos em linhas gerais as experiências realizadas, transcrevendo as que foram entregues. A maioria não leu por completo com seus alunos nenhuma das peças sugeridas no curso. O professor que iniciou a partilha disse que tentou ler coletivamente a peça O Chapeuzinho Vermelho com os alunos, mas eles acharam a leitura cansativa e monótona por se tratar de um texto grande com letra muito pequena. Essa leitura foi realizada em uma sala multisseriada (3° e 5° anos), durante três aulas. Depois, ele pediu para que contassem as versões conhecidas do conto e, por fim, discutiu com a turma a respeito. Quando o professor terminou de relatar a sua experiência, perguntamos o porquê de ele não ter ampliado a letra do texto na fotocopiadora da Secretaria de Educação, que foi disponibilizada para o curso, uma vez que já havíamos conversado no encontro anterior sobre a dificuldade que os alunos teriam se eles levassem a cópia que havíamos dado. Ele respondeu que tinha se esquecido de fazer isso e só lembrou quando viu a dificuldade da turma, logo não foi possível. Como o professor mora e ensina na zona rural, é evidente a dificuldade que teria de fazer tais cópias, por isso é compreensível que tenha tentado realizar o trabalho com o material que dispunha no momento. Diante do fato, lembramos a ele que poderia ter 176 levado uma das peças entregues, por serem cópias mais legíveis, pois não necessariamente precisavam trabalhar apenas com O Chapeuzinho Vermelho. Além disso, a leitura poderia ser feita de outras maneiras, como mostramos durante a leitura coletiva que realizaram no curso, para que não se tornasse tão cansativa. Enfim, chamamos a atenção dos professores para outras possibilidades que poderiam ser consideradas em outras oportunidades. Outro professor disse que apenas comentou a peça O Chapeuzinho Vermelho com os alunos do 3° e 5° ano, porque considerou o texto muito extenso para ser lido por eles. Por essa razão, levou dois textos dramáticos encontrados em um livro didático – Faustina Fantasma e O macaco malandro para que os alunos lessem. Ele não detalhou como foi a experiência, embora tenhamos insistido em perguntar como foi realizada a leitura, de modo que apenas afirmou que havia seguido os mesmos passos que foram experimentados no curso durante a leitura coletiva. Ao concluir suas palavras, o educador afirmou que achava pertinente trabalhar com o teatro de bonecos posteriormente com mais tempo, pois não o trabalhou devido à imposição do juiz da cidade para que toda a rede escolar trabalhasse o tema da corrupção, o que impossibilitou o trabalho proposto. Ao final, perguntamos os nomes dos autores das peças e o título do livro didático, mas ele não lembrava. Nesse caso, o professor encontrou uma alternativa diante da dificuldade encontrada na leitura coletiva ao narrar a trama da peça e levar outros textos dramáticos mais curtos, o que demonstrou a sua versatilidade em sala de aula. Essa experiência nos fez refletir sobre o fato de as peças realmente serem extensas para serem lidas pelo público selecionado, visto que são leitores iniciantes, apesar de termos proposto outras possibilidades de trabalhá-las, inclusive, com alunos que não sabiam ler. Embora as peças sejam infantis, temos de considerar a sua extensão na hora de propormos a sua leitura em sala de aula, encontrando estratégias que tornem a atividade prazerosa e não cansativa, como sugerimos anteriormente. O terceiro professor, também, afirmou que não leu o texto com os alunos por ser extenso, por esse motivo apenas contou a história da peça. Eles acharam o enredo estranho por causa das personagens novas que não existiam nas versões dos contos conhecidos. Além de comentarem tais versões, levaram um filme sobre Chapeuzinho Vermelho e o assistiram. Depois, se dividiram em cinco grupos e cada um encenou a versão do conto que conhecia. O professor finalizou a sua fala afirmando que a experiência foi boa e que os alunos gostaram muito. 177

Então, percebemos que, apesar da dificuldade dos alunos para ler textos considerados mais extensos, o professor conduziu o trabalho até o final, buscando alternativas de acordo com a realidade da turma. Como não entregamos “receitas prontas” apenas para serem seguidas, o professor teve liberdade de escolha, de modo que direcionou a experiência como considerou melhor e mais adequado à realidade da sua turma. Discutimos, durante o curso, que não iríamos direcionar o trabalho para a encenação, por isso havíamos feito a distinção entre teatro e dramaturgia, já que exigia ao menos uma noção de técnica teatral e o nosso objetivo era formar leitores e não atores. Mesmo assim, deixamos claro que se os alunos pedissem para encenar a peça, não haveria nenhum problema, se esse trabalho fosse realizado de forma espontânea, como uma brincadeira. Na verdade, expusemos que, na visão de Maria Clara Machado, os textos dramáticos deveriam ser encenados pelos adultos para as crianças assistirem, porque o propósito maior da autora era formar público. Apesar de não disponibilizarmos de nenhum tipo de registro da experiência, apenas do relato oral do professor, acreditamos que a atividade motivou e envolveu os alunos de tal forma que eles quiseram encenar a história contada. O quarto professor trabalhou a leitura coletiva da peça Hoje tem espetáculo no país dos Prequetés, de Ana Maria Machado. Ele entregou um relato escrito sobre a experiência realizada com alunos do 4° ano, apresentado a seguir.

Comecei meu trabalho selecionando o material de Ana Maria Machado, volume 5° Hoje tem Espetáculo: no país dos Prequetés. Iniciei com as perguntas que foram bem respondidas a exemplo de: personagens e bonecos entre outras coisas como teatro alegria etc. Ao fazer esta atividade descobri que os alunos que não gostavam de participar de leituras gostaram de fazer esta atividade se preocupando qua seria o pedacinho que iria lê, a curiosidade de quem iria iniciar a leitura no dia seguinte por conta do pesonagem por conta do nome engraçado “priquiti” isto mostrou-me quanto eles se envolveram já no início da leitura. Depois da leitura foram feito os relatos oral e escrito de uma forma bem espontânea e divertida. Vivenciamos as brincadeiras, existente na peça, a qual eles não conheciam e para terminar foi vivenciada uns personagens com: Juca, Nita, Lucinha, Zé, para mim foi ótimo viver esta experiência.

Embora não tenha sido lida uma das peças sugeridas, observamos que o professor se interessou em levar um texto dramático para a sala de aula de outra autora 178 bem-conceituada pela crítica. Na partilha, ele disse que na escola só existia um exemplar da peça de Ana Maria Machado, por esse motivo teve de ir a outras escolas para tentar encontrar outros exemplares e distribuir para a turma, de modo que cada dupla ficasse com um. Isso demonstra a boa vontade do professor em realizar a atividade com os seus alunos, o que consideramos como um ingrediente fundamental para que qualquer experiência didática tenha êxito. Por meio do relato, verificamos que a leitura coletiva foi estimulante para os alunos, de forma que mesmo um aluno que nunca havia lido em sala de aula anteriormente, interessou-se e participou, também, para surpresa do professor. Percebemos, ainda, que a peça encantou os alunos, quando lemos os relatos escritos por essa turma. Alguns estão quase ilegíveis, mas conseguimos ler ao menos o nome da personagem Nita, que parece ter sido eleita como a favorita de quase todos. Apresentamos, abaixo, dois relatos, dentre os dezoito entregues.

Primeiro relato

O que eu mais gostei foi a personagem Nita e depois Prequéte. As aventuras de Nita é muito divertida a da sopa de pedra, a do frade e de todas. Prequéte apareceu bem depois, ele era um boneco bem engraçado ele gostou de Nita como eu. Ela é morena e muito inteligente gosta de contar histórias e dos amigos também. No final ela ajudou fazer um multirão que os pedreiros estavam preparando para fazer a casa de Zefa ela era uma dona de casa, bem legal ela é a amiga de Nita. Também Nita faz tantos amigos. Enfim falar em amigos Nita tem, vários, Lucinha, Antonio – Pracata – Prequete, Priquiti, Procoto, Prucuto, Zefa, Chico entre outros As brincadeiras dela são: Bento-que-Bento é o frade, o rei mandou e cabra-cega, para pegar coisas redondas. Todas essas foi ela que enventou e tem também a da sopa que eu vou contar: Ela era uma velha que um menino, enventou fazer uma sopa de pedra, foi uma maravilha. Eu espero ler muitos outros livros dela e a sua turma são tão “Bom”. E eu queria colecionar muitos livros dela!!! Foi ótimo!

Segundo relato

Eu gostei da personagem Nita. Eu gostei do boneco prequeté. Eu acho que Nita é legal morena simpática gostei de tudo de todos os 179

bonecos de todas as crianças Chico, Lucinha, Zé, Juca. Eu gostei das brincadeiras e gostei do boneco prequeté por que ele é engraçado gostei dos trabalhadores Zefa Tião, Antônio e Mane e da brincadeira Bento-que-Bento é o frade do Bolo o Mestre mandou etc. da música de Nita e dos trabalhadores do mutirão da nova casa de Zefa Nita ajudou a construir também nessa aventura divertiu muito igual eu que estou falando sobre ela. eu fiz até uma poezia para Nita.

Nita engraçada suprema adorada Gostei da história de todo coração Essas são minhas ideias sobre Nita. Sobre a História dos prequetés e da personagem Nita.

O encanto dos alunos é evidente nos dois relatos, ao dizer que deseja colecionar os livros de Ana Maria Machado, o aluno mostra o quanto a experiência foi significativa para ele, tanto que deseja conhecer outras obras da autora e guardá-las; e o outro faz, inclusive, um poema para a personagem Nita, o que revela, sobretudo, o envolvimento afetivo com o texto (“Gostei da história de todo coração”), visto que não se trata de apenas gostar, mas “gostar com o coração. O primeiro aluno revela Nita como a menina que tem facilidade de fazer amigos (“Também Nita faz tantos amigos”) e que é amiga de todos. O segundo, além de citar todas as personagens que gostou e explicar o motivo de ter gostado de cada uma, descreve Nita de uma forma entusiasmada (“legal”, “simpática”, “suprema”, “adorada”) como se a personagem fosse mais que “gente de verdade”. É interessante observar os adjetivos - “suprema” e “adorada” - usados para qualificar a personagem, por revelarem que ele a enxerga como um ser superior que é digno de adoração como uma espécie de deus. Há, de fato, a identificação do aluno com o texto, como se ele também fizesse parte da história ao contá-la com suas palavras (“Nita ajudou a construir também nessa aventura divertiu muito igual eu que estou falando sobre ela”). Enfim, essa experiência foi uma das mais produtivas do curso, porque o professor escolheu o texto adequado para a realidade da sua turma, utilizou as estratégias certas para desenvolver o trabalho em sala de aula e, principalmente, conseguiu motivar os alunos a lerem por prazer, de maneira que eles sentiram necessidade de ler ainda mais, como ficou nítido nos seus relatos. Isso nos mostra o quanto o diário de leitura ou o relato é importante para o aluno se expressar e, também, para o professor ter dimensão dos efeitos causados pela leitura 180 na sua turma. Dessa forma, ele poderá direcionar o seu trabalho de acordo com o perfil, o gosto e o interesse dos alunos, trazendo livros que atendam ao horizonte de expectativa deles. O quinto professor também não leu a peça O Chapeuzinho Vermelho por causa do tamanho da letra da cópia que dispunha. Mas, trabalhou a peça Casamento de Dona Baratinha, de Walmir Ayala, encontrada em livros didáticos adotados pela escola, por meio da leitura coletiva com uma turma de 5° ano. Depois dessa etapa, disse aos alunos que estava fazendo um curso sobre texto dramático, por isso estava realizando aquela experiência. Por fim, fez a discussão do texto com a turma, porém alguns se negaram a comentá-la, mas todos a leram. O fato de o professor ter lido ao menos um texto dramático com os alunos, já atende ao nosso apelo principal. É verdade que ele não comentou muitos detalhes a respeito da experiência, embora tenhamos insistido para que ele falasse mais um pouco. Assim, não temos dados suficientes para analisar o trabalho realizado, o que se repetiu em outros relatos, visto que os professores se mostraram um pouco tímidos para falar. O sexto professor tentou realizar a leitura coletiva de modo que cada aluno lia apenas a fala de uma determinada personagem; como houve um impasse, principalmente por causa de cinco alunas que queriam ler as falas de Chapeuzinho ao mesmo tempo, ele interrompeu a leitura e não continuou o trabalho. A educadora afirmou que a turma enfrenta sérios problemas de relacionamento e não consegue se entrosar, devido ao fato de os alunos serem muito centralizadores e não saberem trabalhar em grupo. Além disso, há um aluno com problema de dicção, o que dificultou ainda mais o trabalho, porque os outros alunos reclamaram que ele demorava muito para ler. Em suma, o professor se irritou, por isso não continuou o trabalho, talvez por já estar cansado de lidar com a turma. Como já havíamos lecionado em uma turma semelhante, dissemos a ele que, realmente, era difícil lidar com esse tipo de comportamento, contudo era preciso tomar atitudes no sentido de mudá-lo por meio de trabalhos em grupos formados por meio de sorteio, por exemplo. Também, se fosse possível, recorresse à psicóloga da escola para que o ajudasse com a aplicação de dinâmicas ou outras atividades, apontando alternativas concretas que contribuíssem para a socialização desses alunos. Quanto ao trabalho, sugerimos que ele não dividisse a leitura por falas de personagens específicas para cada aluno, pois, dessa forma, nem todos poderiam 181 participar porque o número de alunos é superior ao das personagens. Logo, o professor poderia realizar a leitura coletivamente, seguindo a sequência do círculo de pessoas, como nós fizemos no curso. Isso resolveria, ao menos, o impasse de vários alunos quererem ler a fala de uma única personagem como ocorreu na sua sala, uma vez que todos teriam a oportunidade de ler várias falas de personagens diferentes de uma maneira leve e lúdica, sem brigas e discussões destrutivas. Nesse momento, outro professor, que também havia lecionado anteriormente nessa turma, falou que conseguiu amenizar tal problema porque sempre fazia sorteio para formar os grupos em determinada atividade, confessando, inclusive, que algumas vezes foi tendencioso no sentido de sortear pela caderneta e formar grupos de modo que as “panelinhas” ficassem separadas propositalmente. Ao final, dissemos ao professor que, de fato, era difícil lidar com esse tipo de turma, mas que ele não deveria desistir, porque, ao menos, os alunos estavam brigando para participar da atividade, o que, de certa forma, deveria ser visto como algo bom, pois seria pior se eles não quisessem participar. Assim, ele poderia aproveitar esse interesse tentando driblar os conflitos por meio das sugestões que apresentamos ou de outras maneiras descobertas com a experiência em sala de aula. Essa experiência rendeu muita discussão, porque todos os participantes se uniram para tentar encontrar uma solução para os problemas apresentados pelo professor, o que foi bastante construtivo, pois eles refletiram sobre um caso concreto, trocaram ideias e experiências que enriqueceram o curso. Esse fato nos comprovou como é importante esse tipo de experiência para o amadurecimento da nossa prática pedagógica. O sétimo professor alegou não ter lido nenhuma das peças indicadas porque se tratavam de textos extensos para uma turma de 3° ano. Então, escolheu outra peça, intitulada Meu bichinho de estimação, encontrada em um livro didático, mas não lembrou o nome do autor. Realizou a leitura em grupos, de modo que cada grupo leu uma parte do texto. Por fim, ele disse que os alunos gostaram e que ficou satisfeito com o trabalho por ter havido uma participação efetiva da turma durante a leitura e discussão do texto selecionado. Mais uma vez nos deparamos com a dificuldade de não conhecer o texto nem o professor lembrar o nome do autor, o que nos preocupa, pois não sabemos o conteúdo nem a qualidade estética da peça, uma vez que o objetivo não é apenas levar qualquer texto dramático para a sala de aula e trabalhá-lo de qualquer jeito, como, muitas vezes, 182 acontece com outros gêneros literários. Por essa razão, mais uma vez chamamos a atenção dos professores para o fato de escolherem as peças com cuidado, para não cair, por exemplo, no “moralismo” ou no “pedagogismo”, considerando o perfil e o gosto da turma, bem como a qualidade estética do texto a ser trabalhado. Como um meio de facilitar esse processo, sugerimos que, todo início de ano letivo, os participantes aplicassem um questionário por escrito com perguntas a respeito do gosto literário, musical e cinematográfico, bem como das habilidades artísticas dos alunos, no intuito de tais informações servirem de guia na escolha dos textos literários que serão trabalhados durante todo o ano. A sondagem, também, poderia ser feita por meio de conversas informais durante as primeiras aulas ou em outros momentos, mas, nesse caso, seria importante o professor anotar os comentários dos alunos para recorrer a eles sempre que fosse necessário, como o fizemos durante a experiência com o texto dramático no IFPB. O oitavo professor leu a peça O Chapeuzinho Vermelho com três alunas na sala de Recuperação de Língua Portuguesa. Ele afirmou que as meninas acharam esse texto mais interessante que as versões dos contos que conheciam, por causa das personagens novas. Conforme a educadora, o trabalho realizado seguiu a metodologia sugerida durante o curso, apenas não fez os jogos dramáticos nem o teatro de bonecos, porque se tratava de uma turma muito pequena. Nesse caso, as alunas eram adolescentes e não consideraram a peça extensa, o que nos mostra que se tratavam de leitores um pouco mais experientes que não se assustam mais com a extensão do texto. O fato de a atividade ter sido realizada com poucos alunos pode ter facilitado o trabalho do professor, ao menos no tocante ao controle da participação, e contribuído para um maior envolvimento durante a leitura, uma vez que ele pôde acompanhar mais atentamente cada um. Por outro lado, realmente, dificulta a realização de atividades como o jogo dramático e o teatro de bonecos, principalmente esta última, que, devido ao número de personagens da história lida, demandaria um número maior de alunos para manipulá-los, a não ser que cada uma manipulasse mais de um boneco. O participante disse, ainda, ter tentado trabalhar com outros alunos que ficaram em recuperação em outras disciplinas, mas não conseguiu. Para nós, foi importante os professores terem vivenciado as sugestões em realidades diferentes, pois tivemos a oportunidade de saber o que poderia ser feito e de que forma com alunos de diversas faixas etárias e séries variadas, o que enriqueceu o resultado da pesquisa. 183

O nono professor não leu a peça O Chapeuzinho Vermelho toda com os alunos do 5° ano, apenas contou o resto da história porque dispunha de pouco tempo, visto que teria de entregar a turma para a professora titular após retornar de uma licença. Em seguida, pediu para que escrevessem a versão do conto que cada um conhecia e, depois, as versões apresentadas foram discutidas pela sala toda. Ela disse que os alunos não tiveram dificuldade de ler nem de comentar a peça. Ao final do trabalho, realizou com eles o jogo dramático, no qual todos representaram personagens da história de Chapeuzinho, de forma bastante divertida e entrosada. A experiência demonstrou que, ao contrário do que ocorreu antes com as turmas de 5° ano de outros professores, essa turma não considerou o texto extenso e a leitura fruiu bem. Embora o professor não tenha detalhado a experiência, ele nos mostrou que o jogo dramático de fato funciona bem em sala de aula, de forma que envolve, encanta e estimula a participação das crianças, concretizando o ato de ler de um modo lúdico. Como não houve outro participante que realizou a atividade, não há a possibilidade de comparar no intuito de saber se ela pode obter êxito em realidades diferentes, por exemplo, em salas multisseriadas. Enfim, percebemos que não devemos determinar as séries em que a peça pode ou não ser trabalhada, porque isso dependerá do tipo de leitor e do nível de proficiência de cada um, o que varia muito. Essa experiência evidenciou que uns alunos, considerados como público ideal para esse tipo de texto, tiveram dificuldade de lê-lo devido à sua extensão, já outros do mesmo ano e mesma faixa etária, mas de turma diferente, não; bem como a peça, apesar de ser infantil, atraiu e encantou adolescentes do Ensino Médio. Logo, são variáveis que devem ser consideradas durante o desenvolvimento de trabalhos como este, de forma que apenas o professor, que conhece bem a realidade de sua turma, saberá se o texto dramático escolhido é adequado ou deve ser substituído por outro. O décimo professor leciona no 4° e 5° anos. Ele iniciou a sua fala dizendo que fez uma aula interdisciplinar. Como a experiência foi relatada por escrito, consideramos pertinente transcrevê-la a seguir.

Preparação para a leitura, vários questionando: - Vocês conhecem jeitos diferentes de contar uma história - Conheceram jeitos diferentes de ver e pintar objetos, pessoas... - Conheceram jeitos diferentes de ver os seres humanos... - Vocês conhecem a história do príncipe sapo? - Vocês conhecem a história de Chapeuzinho Vermelho? 184

- Conhecem a história da Cinderela e dos três porquinhos? Apresentei a história de Chapeuzinho Vermelho contada de um jeito diferente. Depois dividi os alunos em grupo; - Entreguei a cada grupo um texto da história que foram escolhidos (Cinderela, O Príncipe Sapo, Chapeuzinho Vermelho e Branca de Neve). - Pedi que fizesse uma produção de texto a cada membro do grupo. E em seguida cada grupo escolhesse uma história e contasse-a de um jeito diferente. Citei vários exemplos: como: Se você imaginasse a vida de Cinderela vinte ou trinta anos depois do casamento com o príncipe? Ou se você transformasse Branca de Neve em uma artista de telenovela? Se os três porquinhos é que fossem malvados e o lobo, bonzinho? Se Emília fosse uma boneca falante muito bem comportada? No grupo, cada um leu em voz alta a sua história e em seguida, o grupo escolheram as histórias que acharam que deveriam ser apresentadas para a turma. Cada grupo comunicaram à turma quais as histórias que escolheram, justificando porque as escolheu. Depois os autores das historias escolhidas leram seu texto para a turma com os desenhos dos bonecos.

Esse professor comentou que os alunos ficaram surpresos por terem sido chamados de autores, porque acreditavam que essa figura estava muito distante da realidade deles. Também, disse que eles dramatizaram um texto em cada grupo, fingindo que eram bonecos, ressaltando a empolgação dos alunos com a atividade que correspondeu à primeira nota do 4° bimestre. No relato, o professor se confundiu ao classificar a sua aula como interdisciplinar, uma vez que a interdisciplinaridade envolve duas ou mais disciplinas em um mesmo trabalho, por exemplo, ao trabalhar a peça na 5ª série, o professor de literatura poderia fazer o trabalho sugerido no curso ou da forma que ele fez; já o de geografia estudaria a floresta onde Chapeuzinho vivia; por sua vez, o de história analisaria a vida, os costumes e as crenças dos camponeses no século XVII, por exemplo; entre outras possibilidades que poderiam envolver todas as disciplinas cursadas pelos alunos, o que não foi feito nesse caso. Isso não atrapalhou o desenvolvimento da atividade, pois ele provocou os alunos a lerem várias histórias e foi bastante criativo em relação às perguntas feitas a eles, envolvendo-os na discussão. O fato de fazer o aluno participar na condição de coautor, ao imaginar as situações propostas, também enriqueceu a experiência, tornando-o mais que um leitor, um partícipe efetivo da história. 185

Assim, os alunos se sentiram motivados a vivenciá-las de várias formas. Logo, é evidente que o professor se preocupou em planejar a experiência de acordo com a sua realidade, de forma que obteve êxito. É verdade que ele não focou o texto dramático, mas as histórias e os contos de fadas conhecidos pelos alunos, criando novas possibilidades de se realizar esse trabalho, o que enriqueceu o curso. O último professor realizou a atividade com o 4° ano. Ele contou a trama da peça Chapeuzinho para os alunos. Depois, eles assistiram a um filme sobre Chapeuzinho e compararam com o texto dramático. Após esse momento, cantaram músicas, conhecidas por todos, sobre a história. Em seguida, pediu para que os alunos fizessem um livrinho com cinco folhas, no qual criariam diálogos para as personagens do conto e, depois, ilustraram-no. Ao finalizar a sua fala, focou a motivação dos alunos durante o trabalho, de modo que, agora, eles querem construir o livro da Cinderela. Nesse caso, o professor não relatou nenhuma resistência por parte dos alunos para construir o livrinho sugerido, o que tornou a atividade, apesar de ter sido proposta pelo professor e de não ter nascido do desejo dos alunos, prazerosa, já que quiseram escrever outros livrinhos sobre outras histórias. Tanto a outra experiência que pediu para os alunos reescreverem várias histórias, quanto esta que determina inclusive o número de páginas para a elaboração do livrinho, preocupou-nos, inicialmente, porque escrever textos literários não é objetivo do trabalho com a literatura em sala de aula. Nesse sentido, é preciso ter cuidado ao propor, por exemplo, que um aluno escreva um poema ou uma peça teatral, pois o professor poderá afastá-lo da literatura ao obrigá-lo a fazer algo que ele pode não querer ou não ter habilidade, o que parece não ter acontecido nesses casos. Por esse motivo, pedimos aos professores que refletissem sobre a imposição desse tipo de atividade, mesmo quando o livro didático traz tal sugestão, haja vista que pode não contribuir para o desenvolvimento de uma relação construtiva entre o aluno e a Literatura. Comentamos sobre vários manuais que traziam atividades que propunham aos alunos escrever poemas, contos, crônicas e peças teatrais, só não encontramos um que sugerisse a criação de um romance. Por exemplo, o livro didático do 5° ano do Ensino Fundamental, Português Linguagens, de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, apresenta um capítulo dedicado ao texto teatral. Ao analisar o livro, com o objetivo de verificar como esse trabalho foi sugerido aos alunos, observamos que propõe a leitura de um trecho da peça Pluft, o fantasminha, de Maria Clara Machado, 186 bem como algumas atividades de compreensão de texto, de encenação e com o teatro de bonecos. O capítulo 2, intitulado Em cena, o teatro, é subdividido em cinco itens: Leitura, Produção de Texto, Texto puxa texto, Lendo textos do cotidiano e Reflexão sobre a linguagem. No primeiro, os autores resumem o início da peça e, em seguida, transcrevem a cena do primeiro encontro de Maribel e Pluft. Esse trecho é transcrito até a fala em que o capitão Perna de Pau volta para o cativeiro da menina. Depois, não há nenhuma sugestão para que os alunos leiam o restante da história, uma vez que não leram a peça por completo e, certamente, ficaram curiosos para saber o que aconteceu logo após a chegada do vilão. As seções seguintes: Os sentidos do texto, A linguagem do texto, Leitura expressiva do texto, Trocando idéias e Texto teatral apresentam perguntas de “cópia” em sua maioria, as quais exigem do aluno apenas a volta ao texto para transcrever as respostas. Na seção Os sentidos do texto, com exceção da primeira pergunta, que aborda o conhecimento de mundo do aluno, e da última que questiona o tipo de história que predomina na peça, mas que não pode ser respondida somente com a leitura do trecho citado, as demais não exploram a compreensão textual por meio de inferências. No final, é sugerido aos alunos que assistam aos filmes Os caça-fantasmas, de Ivan Reitman, Gasparzinho, o fantasminha camarada, de Brad Silberling, e Ghost Dad, de Sidney Poitier, porém eles não relacionam nenhum dos filmes à peça, o que podemos depreender é que o texto dramático e os filmes se aproximam por contar histórias de fantasmas. Na seção, A Linguagem do texto, não existe nenhuma pergunta que trate especificamente do texto dramático, no tocante ao tipo de linguagem que caracteriza esse gênero, visto que a primeira pergunta aborda provérbios populares; a segunda é confusa porque trata do efeito que pode causar a repetição e a oposição das expressões “coragem” e “medo” na plateia. Ora, até esse momento, os autores trabalharam apenas a leitura, de modo que não houve nenhuma referência à encenação, então é pouco provável que as crianças que não assistiram ao espetáculo consigam respondê-la. Por sua vez, a última questão trata do significado de “medo” e “coragem”, restringindo-se aos conteúdos gramaticais sinônimo e antônimo. Na seção Leitura expressiva do texto, a sugestão de leitura é semelhante a que fazemos nas propostas metodológicas do trabalho desenvolvido com os alunos e os professores, pois pedem para os alunos se reunirem em grupo para lerem as falas das 187 personagens do trecho citado. Primeiro, pediram para que lessem individualmente e, depois, de forma coletiva em voz alta, observando como cada personagem escolhida fala. Por último, sugerem uma terceira leitura, na qual vão começar a representar, de acordo com a fala, a pontuação e as rubricas do texto, para finalmente fazerem a leitura do texto para a classe. Essa sugestão é bastante interessante para ser trabalhada com os alunos, como pudemos verificar durante as experiências que fizemos, somente consideramos que ela poderia ser mais proveitosa se trabalhada antes das outras atividades que foram propostas, ou seja, durante a primeira leitura do texto. Se a seção Trocando idéias, que sonda a experiência, o gosto e o interesse da criança pelo teatro também tivesse sido trabalhada junto ao levantamento de hipóteses em relação à história que será contada, provavelmente, o professor teria mais elementos para escolher Pluft, o fantasminha ou outros textos dramáticos de acordo com a preferência dos alunos, bem como exploraria o texto sugerido, instigando mais a curiosidade da turma em relação à sua leitura integral e não só de uma cena. Na seção Produção de texto, o livro compara o texto teatral aos contos maravilhosos e à fábula, para dizer que eles contam uma história e, em seguida, faz duas perguntas de “cópia” no tocante ao lugar onde acontece a cena e às personagens que fazem parte dela. No segundo enunciado, os autores pedem para que os alunos contem o tempo aproximado da encenação do trecho citado, a partir da leitura realizada para a classe. Como o objetivo da questão é sondar a noção de tempo e nada mais, não entendemos a sua utilidade. Nesse caso, os autores poderiam ao menos ter feito uma ponte entre o gênero dramático e outros gêneros literários, por exemplo, para mostrar que a peça se trata de um texto menor do que um romance, porque, quando é encenada, não deve durar mais de 3 horas. No terceiro, há uma comparação entre o conto de fadas ou a fábula e o texto teatral para mostrar que a narrativa se organiza de forma diferente. O item “a” questiona se existe narrador no texto dramático. Se o aluno não leu outra peça antes, mas apenas o trecho sugerido pelo livro, não terá como responder ou será conduzido a responder que não e quando se deparar com alguma que apresente narrador, como A Gata Borralheira, de Maria Clara Machado, objeto desta tese, ficará confuso. O item “b” apresenta a pergunta seguinte – “Como, então, conhecemos a história?” A questão é vaga, confusa e induz o aluno à conclusão de que não existe tal elemento nesse gênero, 188 de modo que, dificilmente, por meio da leitura de uma cena, terá condições de responder que o sentido da história nos textos dramáticos é dado por meio da ação. Na verdade, o próprio professor, se não tiver familiaridade com esse tipo de texto, não saberá respondê-la. O item “c” é ainda mais vago e confuso, ao perguntar “Como são reproduzidas as falas das personagens? Explique.” Se os autores tivessem trazido textos de outros gêneros e feito uma comparação com o texto dramático, por exemplo, para mostrar que a poesia possui o eu lírico – a voz que fala no poema – e a narrativa, o narrador que conta a história, e que, geralmente, tais figuras não estão presentes em uma peça, que é movida pela ação das personagens, por isso é dividida em falas que são organizadas de acordo com a sequência dos acontecimentos na trama, provavelmente, o aluno perceberia mais facilmente como o gênero dramático se estrutura e se diferencia dos demais. No quarto enunciado, embora reduza a definição de rubrica à sua grafia – “trechos em letras de tipo diferente” –, a questão é interessante porque foca as funções que ela pode ter em um texto dramático, pedindo para que os alunos analisem um trecho da cena citada e descubram o papel exercido pela rubrica. No quinto, os autores afirmam que “o texto teatral não é escrito para ser lido”, perguntando em seguida “Para que, então, ele é escrito?”. Nesse ponto, eles se contradizem completamente, visto que, se esse tipo de texto não é para ser lido, por que centraram as atividades, desenvolvidas no capítulo dedicado a ele, na leitura? Essa postura demonstra que a visão do livro corrobora com a de que o texto dramático não é Literatura, logo não pode ser simplesmente lido, mas deve ser encenado. O último enunciado pede para que os alunos se reúnam em grupo para preencherem um quadro com as características do texto teatral sob a orientação do professor. Essa proposta seria mais produtiva se antes os alunos tivessem lido ao menos duas peças completas, haja vista que, por meio da leitura de apenas uma cena, não é possível fazer a atividade a contento, mesmo sendo orientados pelo professor. A seção Agora é a sua vez, de certa forma, preenche a lacuna do trecho sugerido para propor uma atividade, na qual os alunos dão continuidade à história, todavia não substitui a leitura integral do texto, que poderia ter sido incentivada, por exemplo, com o objetivo de comparar o texto do aluno com a peça lida, para, em seguida, fazerem a avaliação que é solicitada. Em seguida, a seção Texto puxa outro, da maneira que é proposta, parece apenas um pretexto para trazer outro gênero textual, no caso a “Tira”, pois não é feita 189 nenhuma relação entre esse texto e a peça. Em Você é o escritor, os autores sugerem que os alunos criem um teatro de bonecos de forma semelhante ao que propomos aos professores durante o curso, por meio de grupos que construirão os bonecos com material sucata. Todavia, eles deixam esse trabalho muito solto e não o relacionam em nenhum momento à peça trabalhada, de modo que podem criar qualquer história que deverá ser encenada. A seção Lendo textos do cotidiano também usa a peça, ou melhor, os seus protagonistas para trabalhar o gênero textual “Cardápio”, ao colocar o nome da lanchonete de Pluft e Maribel. Enfim, eles poderiam ao menos ter colocado os pastéis de vento da mãe de Pluft no cardápio para que houvesse alguma ligação entre os textos trabalhados. A única pergunta que remete ao trabalho que foi feito até esse momento é a penúltima, quando questionam se o aluno já foi ao cinema, ao teatro ou ao circo e onde as pessoas costumam comer. Se essa pergunta tivesse vindo antes do texto poderia ter sido aproveitada pelo professor para indagar os alunos acerca do fato de as pessoas, normalmente, não comerem durante um espetáculo teatral; e, se quisesse trabalhar o gênero sugerido pelo livro, poderia montá-lo juntamente com os alunos, depois de perguntar a eles o que se serve em uma lanchonete localizada, por exemplo, em um cinema, o que tornaria a atividade mais interessante e participativa. No final da unidade 2, Cereja e Magalhães (2008) propõem uma oficina de criação, cujo projeto é Fazendo teatro. Eles sugerem que os alunos encenem o teatro de pulgas, montem uma peça de acordo com as instruções dadas e façam o teatro de bonecos e de pulgas. Nessa parte, também não há nenhuma referência à peça Pluft, o fantasminha. Não analisamos esse trabalho com os professores, apenas comentamos esse e outros exemplos que já havíamos encontrado em vários livros didáticos. Nesse momento, detivemo-nos no tipo de atividade que pede para o aluno escrever uma peça teatral. Comparamos a habilidade de fazer literatura com o talento para a pintura, perguntando o que eles fariam se um professor lhes mandasse pintar uma réplica da Monalisa. Assim, tentamos lhes mostrar que até podemos aprender a técnica de pintura sobre óleo ou de versificação, entre outras, mas transformar alunos em artistas não é função do professor. Ao final da discussão, enfatizamos que isso não significa que não possamos escrever ou pintar quadros ou que vamos impedir os alunos de fazê-los, 190 apenas não podemos impor essas atividades em sala de aula, deixando-os livres para realizá-las se desejarem. Em suma, no curso de formação, a maioria dos professores priorizou a leitura do texto dramático, o nosso alvo principal, mesmo que não tenham realizado o jogo dramático e o teatro de bonecos, uma vez que esses foram sugeridos para tornar o trabalho mais lúdico e atrativo, especialmente para as crianças. De forma geral, o nosso objetivo principal de levarmos textos dramáticos para a escola foi alcançado, partindo da constatação de que todos os participantes que se dispuseram a fazer a experiência sugerida trabalharam, ao menos, uma peça em sala de aula. Apesar de apenas onze professores terem realizado a experiência, o número de alunos envolvidos foi significativo, principalmente se considerarmos o universo em que o curso foi realizado – uma cidade com 39 docentes lecionando no Ensino Fundamental, uma vez que mais de 200 alunos da zona rural e urbana, distribuídos em várias turmas e de anos diferentes, bem como quase um terço desses professores participaram do trabalho até o seu encerramento. Provavelmente, se tivéssemos disponibilizado um tempo maior para a realização da formação em condições mais adequadas, por exemplo, aumentando o número de encontros, com um período de tempo mais longo entre um e outro e em horários mais convenientes para cada professor, atingiríamos mais professores. Contudo, tratam-se de condições ideais que, como justificamos anteriormente, são muito difíceis de serem alcançadas na realidade pesquisada.

4.1. Avaliação do curso: aspectos positivos, negativos e sugestões

Ao final, pedimos para que os professores fizessem uma avaliação escrita do curso, de forma anônima ou não, desde que ficassem à vontade para comentar os pontos positivos e negativos, bem como apresentar sugestões. Todos os participantes fizeram- na e entregaram-na. Apresentamos a seguir quatro textos que representam uma amostra geral da avaliação dos participantes. 191

Primeira avaliação

Eu gostei bastante de participar deste curso, pois aprendi bastante com a professora Kelly, que nos transmitiu uma maneira diferente de trabalhar em sala de aula com nossos alunos. Foi tudo muito bom, onde tivemos a experiência de dialogar com os colegas sobre seus métodos de trabalho em sala de aula. Também foi proveitoso em especial por nos ensinar como trabalhar o texto dramático. Eu gostaria de poder participar outra vez de momentos como estes, pois o ponto negativo foi apenas o curto espaço que nos foi proporcionado. Muito obrigado por tudo querida professora, foi um prazer bastante grande em conhecê-la pessoalmente e poder observar o quanto você é inteligente e tem força de vontade de lutar pelos menos favorecidos.

Na primeira avaliação, percebemos que o método utilizado no curso foi aprovado pelo professor, de modo que ele se sentiu motivado para participar de outras formações como esta. Dessa forma, embora não detalhe como foi a experiência, o único ponto negativo que apresentou foi o curto espaço de tempo destinado para o curso.

Segunda avaliação

O curso de formação com experiência em jogos dramáticos e teatro de bonecos foi muito bom. Pois me enriqueceu bastante, com informações interessantes e mais conhecimento da literatura dramática. Pois através dele posso repassar melhores condições no trabalho diário com os alunos. Quero enfatizar em todos os sentidos que foi bem proveitoso e interessante, não vejo nada de pontos negativos. Devo sugerir que precisamos participar outras vezes, pois não devemos parar, queremos receber mais ricas informações como estas que você professora Kelly nos repassou.

Na segunda avaliação, o professor aponta apenas pontos positivos do curso, afirmando que contribuiu para a sua formação e para melhorar a sua metodologia em sala de aula. Por isso, ele sugeriu que outros cursos dessa natureza fossem realizados posteriormente. Esse comentário demonstrou o interesse do docente em buscar novos conhecimentos e enriquecer a sua prática pedagógica. Tal postura foi fundamental para que pudéssemos realizar essa experiência, apesar das limitações e dos percalços enfrentados durante a sua elaboração e o seu desenvolvimento, de modo que nos motiva a refletir melhor e a desejar aperfeiçoar as propostas sugeridas nesse trabalho.

Terceira avaliação

 Pontos positivos: 192

- Uma experiência nova para a minha pratica em sala de aula. - mais um caminho para a prática de leitura. - Pois analisei um bom desempenho ao trabalhar o texto dramático com a turma, pois observei a participação de todos e o interesse de trabalhar outros textos. - outro método interessante foi o diário de leitura, pois os dois processos caminham juntos leitura e escrita.

 Pontos negativos

- Do curso não analiso pontos negativos, mas só da minha parte que não participei de alguns momentos.

 Sugestão:

- Alguns textos dramaticos menores. - E que você continue sempre assim, pois suas analises nos levam a refleti sobre nossas práticas em sala de aula. - Pois essas experiências trocadas entre professores e você foram enriquecidas para minha profissão.

A avaliação em análise descreve mais detalhadamente os pontos positivos do curso, apontando-o como um caminho novo para a sua prática pedagógica. Também, enfatiza o papel do diário de leitura e o trabalho que realizou em sala de aula como proveitoso porque houve a participação dos alunos, de modo que se interessaram para ler outros textos. Enfim, ele reconhece que poderia ter participado mais dos encontros. As observações demonstraram que o curso atendeu às expectativas desse participante, contribuindo mais para a sua formação profissional, principalmente, por meio da troca de experiência entre os professores.

Quarta avaliação

 Pontos positivos:

- Gostei muito, a metodologia ótima, aprendi a gostar mais em fazer este trabalho, pois eu fazia e não sabia desenvolver desta maneira então eu só tenho o que agradecer neste clareamento para mim será muito útil. Espero que você volte mais vez trazendo bem mais, que eu sei que você tem muito... para nós oferecer.

 Pontos negativos

- O tempo foi pouco eu acho que deveria ser mais dias, porque assim aproveitariá-mos mais, que você tem pra nós oferecer.

 Sugestões:

- este curso se estenda para os demais educadores. 193

Na última avaliação analisada, o professor relata que gostou muito do curso e da metodologia adotada. Ele destaca que aprendeu uma prática metodológica diferente, a qual será muito útil. Também, apresenta o curto espaço de tempo destinado para a realização do curso como um ponto negativo, sugerindo que a formação seja oferecida para os demais educadores do município de Areial. É verdade que, se tivesse sido disponibilizado mais tempo para o curso, poderíamos ter lido as outras peças em sala, além de termos estendido mais as discussões e destinado um tempo maior para os professores realizarem a experiência em suas turmas. Isso não foi possível devido à condição acordada com a Secretaria de Educação de que os professores participariam do curso em dias úteis e no horário de trabalho normal. Como foram dispensados de ministrar aula nos dias dos encontros, não pudemos realizar mais de cinco reuniões porque um período mais longo comprometeria o ano letivo. Por outro lado, temos certeza de que o curso não teria funcionado bem em finais de semana, pois a evasão teria sido maior, haja vista a realidade dos professores. Consideramos que tais condições nos fizeram analisar, refletir e nos adequar à realidade que temos e não trabalharmos em condições ideais. Na verdade, um dos objetivos do curso foi apresentar propostas que se adequassem à realidade da sala de aula dos participantes, por mais adversas que parecessem, por essa razão direcionamos as atividades de forma que não houvesse nenhum custo financeiro para eles nem para os alunos, já que se trata de uma comunidade carente. Dessa forma, esperávamos que a evasão fosse menor e que os professores realizassem a experiência a partir do que vivenciaram no curso, trabalhando, por exemplo, o teatro de bonecos, o qual certamente teria encantado muito as crianças. Em suma, os professores participaram e tentaram encontrar alternativas dentro da sua realidade para trabalhar o texto dramático em sala de aula. Enfim, não podemos desconsiderar que esse foi somente o primeiro passo no sentido de formar professores que, realmente, levem o texto dramático para a sala de aula de uma maneira lúdica e atrativa, formando leitores desse tipo de gênero também. Portanto, mesmo diante das dificuldades apresentadas por nós e pelos educadores, essa formação abriu novos horizontes para todos refletirmos mais sobre a nossa prática pedagógica em sala de aula e encontrarmos novas possibilidades de trabalho na escola. Assim, esperamos contribuir de alguma forma para que a escola abra 194 as suas portas para o texto dramático, conquistando cada vez mais leitores, especialmente, entre as crianças e os adolescentes.

4.2. Diários de leitura: tecendo experiências…

Consideramos importante analisar os diários dos professores com o objetivo de observar como foi, para eles, a experiência com a leitura da peça O Chapeuzinho Vermelho. Dividimos os diários em três grupos: resumo, depoimento e comparação, de acordo com o tipo de comentário realizado pelo professor. No primeiro grupo, os professores apresentam uma síntese da peça. A seguir, transcrevemos os dois diários de leitura que ilustram isso.

Primeiro diário

Chapeuzinho Vermelho

Após a leitura, é possível perceber que esta história possui várias versões, cada uma com suas semelhanças e suas diferenças desde os personagens até a própria história, as mais comuns na nossa realidade são mais resumidas e com menor número de personagens. Neste segmento, esta foi a versão mais extensa que já conheci.

Esse diário cita semelhanças e diferenças entre as várias versões da história de Chapeuzinho Vermelho, mas não as descreve, apontando para o fato de a peça ser mais extensa que as histórias mais comuns. Enfim, não há o registro das impressões suscitadas pela peça em relação ao gosto, expectativas e interesses do leitor.

Segundo diário

O Chapeuzinho Vermelho

Esta foi minha primeira oportunidade de participar de uma peça teatral, através da leitura coletiva. Eu gostei pois foi divertido e também emocionante. Neste conto tem vários personagens, é uma história bem bonita e comovente composta por três cenas. Ela começa por um menino chamado Tinoco que cuida da avó, depois aparece dona Chapelão 195

(mãe) e Chapeuzinho (filha) o lobo mau, uma coelha, um caçador, um tronco e as árvores. O lobo é um espertalhão cheio de disfarce querendo ser o dono da floresta, ele está sempre armando planos para se dar bêm. Em outras cenas aconteceu fatos que me comoveu com as atitudes diferentes que os personagens demonstrou. Foram: A ingenuidade da vovó e da menina, a preocupação em querer dar proteção as duas, pra poder livrar-las das garras do lobo. Pois elas não compreendiam que durante quase toda a história corria perigo de vida. Já na ultima cena senti alegria, quando a menina e a mãe se encontram com vida. Quase todos felizes, menos a coelha e o lobo, medroso! preso pelo caçador, indo parar no jardim zoológico. Era uma vez... uma casinha perto da floresta num lugar seguro.

Ao analisar esse diário, verificamos que o leitor, inicialmente, revela como recebeu o texto - se sentiu parte da peça, emocionou-se e se divertiu por meio da leitura coletiva. Também, notamos que ele confunde o gênero do texto, chamando-o de conto. Além de citar e descrever as personagens, conta os fatos que mais lhe comoveram. Tais acontecimentos não ficam claros porque não sabemos, por exemplo, quem, na sua visão, estava preocupado em proteger Chapeuzinho e a vovó do lobo, pois não é dito o nome da personagem. É interessante perceber que esse professor compreendeu o texto, visto que afirma que a menina e a avó eram ingênuas e não possuíam dimensão do perigo que corriam, por essa razão precisavam de ajuda. Ainda nos chamou a atenção o modo de recepção do texto, visto que ele se alegrou com o final feliz da história, embora aponte que tal fato não atingiu a todas as personagens, como a coelha e o lobo. Realmente, o que não entendemos foi a frase final por não ter relação com o resto do texto, parece que vai iniciar uma nova história, por meio da expressão “Era uma vez...”, o que não ocorre. De toda forma, parece ser uma maneira de querer participar, dar continuidade à história. No segundo grupo, os professores fazem um depoimento sobre a experiência de leitura e alguns a relacionam com a sua vida profissional, como podemos perceber nos diários transcritos a seguir.

Terceiro diário

Introdução

Este trabalho é Parte do Processo de aprendizagem vivenciado no curso de formação de Professores Maria Clara Machado na sala de aula. Ministrante: Profa. Ms. Kelly Sheila Inocêncio C. Aires. 196

Tem com finalidade nos mostrar a importância da experiência com jogo dramático e o teatro de bonecos. Meu querido diário

Gostei muito de estudar os contos de Maria Clara Machado na sala de aula. Comecei a pensar e a questionar a minha realidade profissional. Vi que estou mudando, cada vez mais, com os novos conhecimentos e práticas educacionais adquiridas no meu dia-a-dia. Isso é muito importante pois tem me ajudado a fazer melhor as aulas, com os alunos e vi como é possível melhorar o meu trabalho de professora ao conhecer e explorar mais esses recursos adquiridos com a professora Kelly Sheila Inocência C. Aires. Como é importante sempre ler cada vez mais.

Leitura do conto de ChapeuzinhoVermelho

Ao lê o conto de Chapeuzinho Vermelho, tem me mostrado claramente jeitos diferentes de ver, sentir, escrever as palavras. Gostei muito da vovó porque apesar de vários conflitos, ela se tornou uma heroína muito feliz dançando e marcando uma quadrilha. Eu pensava que as árvores ia terminar ajudando a menina, mais só tinha curiosidade como séria o final.

Por meio desse diário, observamos que o professor confunde peça com conto, ao afirmar que gostou de estudar os contos de Maria Clara Machado, embora tenhamos abordado durante o curso a definição de gênero dramático. É notória a dificuldade de interpretação de texto, ao afirmar que a vovó é uma heroína, uma vez que não conseguimos vislumbrar como a personagem se encaixaria nessa categoria e ele não fundamenta tal colocação.

Quarto diário

Aqui, quero relatar o que descobri porque há tantas dificuldades em trabalhar a literatura infantil dentro da sala de aula, e a forma como lemos os textos, lidos, por serem lidos em seguida estudar a interpretação da leitura aproveitando sempre só a gramática, deixando para trás o tom engraçado do texto. Agora com o convite para participar, vivênciar experiências com jogos dramáticos e teatros de bonecos ministrado pela professora Kelly, abriram-me novos caminhos a respeito do que eu não conhecia, como trabalhar este tipo de leitura em sala de aula, incentivando mais a imaginação de cada um de nós envolvidos na leitura. Com a leitura da peça da Chapeuzinho Vermelho aprendi o que é rública, no texto, tornando-se mais fácil o entendimento da peça que está sendo lida, pois e via e não sabia que ali estava a fala de cada personagem, aprendi agora, porque eu sabia da forma gramatical que dois pontos e logo um travessão era a fala do personagem, mas na peça teatral isso não acontece. 197

Sempre somos orientados a trabalhar esses textos, mas faltava algo para melhorar e desempenhar as atividades de uma forma de apreciar e vivênciar a dramatugia infantil entre as próprias crianças, pelo o pouco que li e nos foi passado pela professora Kelly a imaginação neste momento da leitura nos faz tornarmos leitores expectadores ou atores. Essa foram as minhas experiências adquirida com estas atividades.

No caso desse diário, o autor se detém, primeiro, na questão da descoberta de como enfrentar as dificuldades de leitura em sala de aula por meio de uma forma nova de realizar um trabalho com o texto dramático, de modo a incentivar o ato de ler, sem focar aspectos gramaticais do texto. Em seguida, comenta como descobriu a importância da rubrica para o entendimento do texto. Enfim, narra as experiências que vivenciou com as atividades desenvolvidas no curso e não propriamente da experiência com a leitura da peça em si. É nítida a empolgação do professor por causa dos novos conhecimentos que adquiriu, o que denota que as discussões e as atividades realizadas durante o curso contribuíram para o aprimoramento da metodologia utilizada pelos professores no trabalho com a Literatura.

Quinto diário

Introdução

Este trabalho é parte do processo de aprendizagem vivenciado no curso de formação de professores Maria Clara Machado na sala de aula. Ministrante: Professora Ms. Kelly Sheila Inocêncio C. Aires. Tem como finalidade nos mostrar a importância da experiência com jogos dramático e o teatro de bonecos.

Chapeuzinho Vermelho

Sempre que escuto a história Chapeuzinho Vermelho lembro que quando pequeno já escutava e mim marcou muito devido o medo que tinha do lobo mau, hoje conto para minha netinha mas na versão do lobo eu falo que ele desmaia porque comeu muito. E tenho certeza que ela nunca mais irá esquecer. Ao concluir a leitura vejo que a vovó diante de tanta preocupação dos demais personagens. Ela era alegre e feliz sempre animada então ela a vovó deu uma lição da nossa vida mesmo diante de tanta dificuldade me trouxe outra visão.

No último diário, mais especificamente no parágrafo final, fica evidente mais uma vez a dificuldade em relação à interpretação de texto apresentada por alguns 198 professores, quando, por exemplo, não entendem que a vovó não tinha noção do perigo que corria, ou seja, dos problemas ao seu redor porque era surda e ingênua. O professor focou o seu relato na sua experiência pessoal com o conto desde a infância até hoje, quando já é avô e conta a história para sua neta. Então, demonstra o seu encanto e o seu envolvimento afetivo com o conto, de forma que cria um novo final talvez para não assustar a netinha. Na verdade, não detalha a leitura e as suas impressões em relação à peça, apenas cita uma personagem, a vovó, tecendo alguns comentários a seu respeito. No terceiro grupo, os professores, predominantemente, comparam a peça lida a uma das versões do conto Chapeuzinho Vermelho.

Sexto diário

A princípio meu diário de leitura, achei complicado para saber como começá-lo, mas mesmo assim vou redigir, graças as orientações da professora Kelly, e as leituras de outros exemplares, sem perder de vista as falhas que irão surgir. O texto dramático do Chapeuzinho vermelho, achei interessante devido a presença no proscênio de personagens novas, pois no original não existe, como: a coelha, as árvores, o tronco... A dramatogia conta a história de uma criança graciosa; que gostava: de sua avó; de dá ouvido a todo mundo e por isso foi desobediente a sua mãe, embora a amasse, sendo a maior confusão que caso o contrário, teria sido muito diferente a dramatologia graciosa. O presente texto, serve de lição de vida real para pessoas plenamente ativas, como por exemplo a questão da desobediência, auto suficiência, confiança desordenada e que o destino próprio de cada indivíduo depende muitas vezes de cada atitude tomada.

Esse diário é um pouco confuso, de modo que não conseguimos entender a interpretação final da peça feita pelo professor, por exemplo, ele não explica o que são “pessoas plenamente ativas” (não deixa claro a que tipo de público especificamente se refere), nem “autossuficiência” ou “confiança desordenada” pertencentes a alguma personagem que não foi citada e que, também, não foram explicadas. De fato, apenas entendemos que achou a peça interessante por apresentar personagens diferentes do conto, o que demonstra a sua tentativa de compará-las. Dessa forma, não é possível acompanharmos a trajetória de interpretação do texto percorrida por ele, porque não sabemos se as dificuldades que apresentou são somente no tocante à escrita e/ou à leitura. 199

Sétimo diário

TÍTULO: Chapeuzinho Vermelho Visita a vovó

Eu gostei bastante da maneira renovadoura do desenrolar da história, pois ficou bem mais interessante. Os novos personagens que participaram tornaram mais viva o conto que a cada momento parecia querer conversar com o leitor. Fiquei bastante emocionada com o término da história e voltei a mim sentir criança novamente.

No diário acima, o professor registra rapidamente as suas impressões acerca da peça lida e não explica como essas personagens tornaram a antiga narrativa mais viva, de modo que “parecia conversar com o leitor”. Pressupomos que tenha se referido ao fato de o texto dramático ser mais atual e, por isso, está mais próximo da nossa realidade hoje, mas isso não é dito. Por fim, é retratada a emoção de se vivenciar uma história que o remete à infância por meio da comparação entre a peça e o conto que conheceu quando era criança. Percebemos, portanto, o seu envolvimento afetivo com o texto lido, de forma que até cria um título novo para a história, como uma maneira de também participar dela.

Oitavo diário

“Meu diário de leitura” 1ª leitura: Chapeuzinho Vermelho.

Bem, depois de ler essa versão da história de Chapeuzinho Vermelho, pude chegar a conclusão que ocorreu uma grande auteração na antiga história que era contada por nossos pais e professores. A história de Chapeuzinho Vermelho antes tinha personagens limitados e era bem mais curta. A história de Chapeuzinho Vermelho na versão, com direção de Maria Clara Machado foi passada para os leitores com várias lições de vida sem chamar a atenção dos leitores para o moral da história. Também teve personagens incríveis como: O Chapeuzinho, a Chapelão, Tinoco, a coelha, o caçador, a vovozinha, as árvores falantes, o tronco, não esquecendo do lobo. Gostei da maneira com que a Maria Clara Machado induz a atenção dos leitores para suas novas versões.

Nesse diário, o leitor também compara e observa as transformações da história de Chapeuzinho realizadas pela dramaturga ao escrever a peça, descrevendo-as. Ele mostra que há mais personagens e a peça é mais longa que o conto, bem como passa 200 várias lições de vida sem apresentar uma mensagem moral no final. Embora, as lições não sejam especificadas nem a forma que são veiculadas na história, por meio dessas palavras, percebemos que o professor afirmou que Maria Clara não se preocupa em construir um final explicitamente moralista, que obrigatoriamente tenha de ter uma mensagem para os leitores. Enfim, ele gostou do modo novo como a autora conquista os seus leitores nas versões que escreve de velhas histórias. Como ele cita versões, provavelmente, leu as outras peças distribuídas e comparou a forma como foram escritas, por esse motivo chegou a essa conclusão. Diante dos diários, o primeiro ponto que nos chamou a atenção foi o fato de alguns professores, ainda, confundirem o gênero dramático com o gênero narrativo, o que denota que alguns não conseguiram entender a distinção preliminar entre os gêneros que tentamos explicar durante o curso. Então, pressupomos que uma parte também não entendeu a diferença entre dramaturgia e teatro que insistimos em discutir, para que pudessem direcionar os trabalhos em sala de aula, considerando a importância da leitura, sem ter de necessariamente encenar o texto lido. Contudo, a maioria dos que realizaram a experiência com suas turmas trabalhou com o texto dramático. Em todos os diários encontramos lacunas, de forma que, em alguns momentos, não sabemos o que, de fato, o autor quis afirmar. Na verdade, falta informatividade e clareza, o que dificulta muito a compreensão dos textos. Por exemplo, quando o professor afirma que “O presente texto, serve de lição de vida real para pessoas plenamente ativas, como por exemplo a questão da desobediência, auto suficiência, confiança desordenada e que o destino próprio de cada indivíduo depende muitas vezes de cada atitude tomada”, não conseguimos compreender o significado da palavra “real” que adjetiva o termo “vida”, bem como a expressão “plenamente ativas” atribuída a “pessoas” e o resto da frase sucessivamente, pois não sabemos que lição foi dada e quem são as pessoas citadas. Finalmente, diante dos problemas apresentadas pelos professores durante o curso, especialmente de interpretação de texto, e como não dispusemos de mais tempo com eles, resolvemos não trabalhar com os quadros de leitura propostos por Cristina Mello (1998) nessa ocasião. Os próprios professores teriam dificuldade de realizar tal atividade. Nesse caso, isso seria um empecilho que não se resolveria facilmente na hora de pensar e adaptar, por exemplo, os quadros de leitura para o público com o qual eles trabalhavam. Por essa razão, a experiência não foi realizada da mesma forma que no IFPB, de modo que a 201 encerramos na propositura dos diários de leitura e trabalhamos com o teatro de bonecos por lecionarem no Ensino Fundamental.

5. De volta ao ponto de partida

Em dezembro de 2009, mais de um ano após a realização do curso de formação, voltamos a conversar com dois participantes do curso e enviamos um questionário (apêndice 1) para todos, com o objetivo de sondar se durante esse período realizaram as experiências vivenciadas com o texto dramático em sala de aula. Dez professores devolveram os questionários respondidos, incluindo os dois professores que conversaram conosco e também responderam à pesquisa. Dentre eles, nove professores fizeram uma das experiências e um justificou que não fez porque não está lecionando. As experiências foram realizadas em turmas do 3°, 4°, 5° anos e em salas multisseriadas, da zona urbana e rural da cidade de Areial. O tempo de duração das experiências variou de 50 (cinquenta) minutos, 1 (uma) hora, 2 (duas) horas, 2 (duas) semanas, 1 (um) mês e no decorrer de todo o ano letivo, conforme a atividade desenvolvida e a realidade de cada professor. Como a maioria dos professores não relatou as experiências no questionário, não temos como saber quais atividades foram desenvolvidas por eles, com exceção de dois professores que nos entregaram um pequeno relato acerca do trabalho realizado durante esse período, no qual narram que trabalharam com textos dramáticos e se centraram em sua leitura. O primeiro professor trabalhou a peça infantil Eu chovo, tu choves, ele chove, de Sylvia Orthof, com alunos do 4° ano. Ele disse que, inicialmente, levantou hipóteses acerca da leitura que iria propor antes da entrega do texto dramático e percebeu que a turma se interessou em fazer uma atividade diferente. Ao começar a ler o texto, percebeu que os alunos ficaram curiosos para encontrar as personagens (imaginadas no levantamento das hipóteses) no texto. Como a leitura foi interrompida e retomada apenas no dia seguinte, o educador observou que eles ficaram ansiosos para descobrirem o desfecho final da peça. Depois, cantaram as músicas que foram encontradas ao longo do texto, comentaram as personagens que mais gostaram e, em seguida, desenharam a história. Por fim, o docente sugeriu que os alunos fizessem um relato acerca da experiência da leitura realizada, o qual, na sua visão, demonstrou que a peça foi 202 entendida de várias maneiras diferentes. Ele não explicou como ela foi interpretada pela turma, se houve ou não uma compreensão equivocada do texto em determinado momento por algum aluno, já que alegou ter havido entendimentos diversos. Em suma, o professor considerou o trabalho muito importante, por ter sido realizado com outros alunos e proporcionado um aprendizado diferente. Nessa experiência, notamos que, como na outra relatada pelo mesmo professor, houve um grande envolvimento por parte dos alunos durante a leitura da peça sugerida, de forma que ficaram curiosos, ansiosos por lerem mais e se divertiram com a leitura. Dessa vez, não tivemos acesso aos relatos dos alunos porque já haviam sido devolvidos, mesmo assim notamos que esse educador focou a leitura do texto dramático como objeto da Literatura. Ele não fugiu do objetivo principal de formar leitores, apresentou uma nova autora, uma nova peça e continuou a desenvolver as sugestões vivenciadas durante o curso, adequando-as e reelaborando-as de acordo com a sua realidade. O segundo professor disse que fez a experiência com os contos de Maria Clara Machado em turmas do 4° e 5° anos. Como ele citou o conto de Chapeuzinho Vermelho e afirmou que a sua autora era Maria Clara Machado, não sabemos se, de fato, trabalhou com contos traduzidos pela dramaturga ou se confundiu o gênero dramático com o narrativo. De acordo com o seu relato, o educador trabalhou com o teatro de bonecos e com o jogo dramático da seguinte forma: sugeriu exercícios de síntese, paráfrase, percepção das etapas da narrativa, construção de personagens e levantamento de questões vivenciadas no cotidiano das crianças e adolescentes, focando procedimentos éticos. Inicialmente, o professor pediu para que os alunos relembrassem algum dos contos que foram estudados, deixando-os livres para comentá-los. Depois, propôs que assistissem alguns desenhos animados com o tema “Sonho Infantil”, mas não citou nenhum título. Ele disse que alertou os alunos sobre “o fato de que, por trás de cada um dos sonhos apresentados, está o verdadeiro tema da discussão: um sentimento com o qual não é fácil de lidar” e desafiou a turma a descobrir esses sentimentos. Essa parte do trabalho ficou confusa para nós, pois não conseguimos entender o seu objetivo e o que, realmente, foi feito, já que não tivemos acesso aos desenhos nem conversamos pessoalmente com o professor para questioná-lo a respeito desses procedimentos metodológicos. O professor relatou que seguiu estes passos: dividiu a classe em seis grupos, sorteou os contos entre eles, de modo que cinco grupos ficaram com duas histórias e um 203 com três, Depois, afirmou que exibiu o filme (supomos que assistiram “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”, porque foi a sugestão dada durante o curso e pelo uso do artigo definido), fazendo pausas e retomando quando os alunos solicitavam. Em seguida, reservou um certo tempo para que os grupos discutissem as histórias e pediu para que fizessem uma paráfrase, explicando que poderiam estruturá-la da maneira que desejassem, haja vista que não era obrigatório se ater à sequência narrativa do vídeo. Também, o docente desafiou os alunos a contarem o enredo citando apenas dez fatos ou situações principais, considerando os elementos fundamentais. Posteriormente, pediu para que cada grupo lesse a sua paráfrase e discutisse com a turma os sentimentos que foram identificados em cada história e que se assemelhavam à sua experiência pessoal. Por fim, ele propôs que cada grupo criasse títulos para esses sentimentos, de modo que um substantivo abstrato, introduzido por um artigo definido, seria o foco do título. Por exemplo: A capacidade de ser feliz”. Logo após, confrontou os títulos dados por eles com uma lista de acordo com os contos e os grupos produziram contos ilustrados para serem lidos para as crianças menores. Percebemos que, nesse relato, há algumas lacunas que nos impediram de compreender a experiência como um todo, visto que não sabemos quais foram os textos trabalhados nem como foi trabalhado o teatro de bonecos. Já a experiência realizada com o jogo dramático com foco nos sentimentos despertados foi descrita, mas o professor não apresentou a sua avaliação nem a dos alunos. Finalmente, o último dado nos intrigou porque não ficou claro se os alunos escreveram novos contos e, depois, ilustraram-nos ou se fizeram somente as ilustrações. De forma geral, o professor focou a leitura do conto (ou da peça), conduziu a compreensão e a interpretação do texto por meio de paráfrases e da percepção dos sentimentos despertados por ele, fazendo a ponte com a experiência pessoal dos alunos. Depois, retomou esses sentimentos no jogo dramático. Não sabemos se os alunos ilustraram e/ou escreveram contos, todavia acreditamos que ele não pediu uma produção literária porque discutimos os problemas ocasionados por tal prática durante o curso. Logo, percebemos que ele tentou vivenciar as experiências do curso em sala de aula, pois apresentou e discutiu a história de Chapeuzinho Vermelho, exibiu o filme, propôs o jogo dramático e o teatro de bonecos. Uma parte significativa dos participantes não apresentou pontos negativos (quatro professores) no tocante ao trabalho desenvolvido por eles. Os demais apresentaram avaliações negativas diferentes, como o fato de não ter feito o diário de 204 leitura, dificuldade por parte do professor em realizar o trabalho ou em manusear o material, bem como problemas de escrita e deficiência de leitura dos alunos. Embora não tenham justificado as suas respostas, apontando, por exemplo, que tipo de dificuldade um dos professores teve para realizar a experiência ou o outro no manuseio do material, verificamos que as propostas sugeridas e vivenciadas durante o curso envolveram e estimularam professores e alunos, de modo que leram textos dramáticos e também outros gêneros literários. Não podemos ignorar o fato de que a maioria dos problemas foi de outra ordem – deficiência de escrita e de leitura, que são decorrentes de um ensino deficitário de Língua Portuguesa desde a alfabetização dos alunos e que não poderiam ser resolvidos com as atividades propostas para a leitura do texto dramático em sala de aula. Em suma, não podemos esquecer que todas as experiências realizadas durante o ano de 2009 foram iniciativas individuais, pois os professores não receberam mais as nossas orientações nem se reuniram em planejamentos pedagógicos para elaborá-las, discuti-las e aprimorá-las. Por essa razão, houve uma variação em relação ao tipo e ao tempo de duração do trabalho realizado por eles. Diante disso, é importante destacar que a maioria dos docentes continuou a desenvolver o trabalho iniciado no curso, realizando algum tipo de experiência com, ao menos, uma peça. Dessa forma, eles continuaram a trabalhar a leitura do texto literário sem usá-lo como pretexto com intenção moralizante e/ou utilitária, estimulando os alunos a lerem por prazer e de forma lúdica. De modo geral, os relatos mostraram que as turmas ficaram entusiasmadas, de modo que participaram e se envolveram com as atividades, o que demonstra que o texto dramático pode e deve ser trabalhado como qualquer outro gênero literário, focando a leitura e não, apenas, a dramatização. Portanto, as sugestões metodológicas propostas e vivenciadas na formação docente continuaram a ser desenvolvidas, repensadas, adaptadas e recriadas de acordo com a necessidade e a realidade cada professor. Assim, o objetivo de apresentar e experimentar o texto dramático como texto literário, para que o professor de Língua Portuguesa e Literatura o leia sem a obrigação de encená-lo, de forma lúdica e prazerosa, em especial no Ensino Fundamental, foi alcançado. Acreditamos que esse trabalho continuará a ser vivenciado e multiplicado pelos professores e pelos alunos, de forma que o gênero dramático seja visto e lido também como gênero literário, principalmente, na escola. 205

E FORAM FELIZES PARA SEMPRE?

Embora a história do Teatro Infantil Brasileiro se confunda com a do Teatro Brasileiro, apresentando, ao longo do tempo, grandes dramaturgos, peças bem elaboradas esteticamente e companhias tradicionais, ainda é considerado como um gênero menor, como pudemos perceber por meio de críticas de alguns estudiosos. É verdade que uma parte do que foi (e ainda é) produzido nessa área pode ter sua qualidade questionada, por apontar não para a arte, mas para um utilitarismo que visa “adestrar” as crianças em invés de formar público e /ou leitores. Diante desse cenário, Maria Clara Machado não ficou inerte, ao contrário traçou um projeto novo para o teatro infantil que não consistiu, apenas, na fundação de um espaço próprio e voltado para as crianças, mas também produziu bons textos, refletiu sobre os problemas e buscou soluções, dedicando a sua vida a esse trabalho. Essa foi uma bandeira levantada por outros “fazedores de teatro”, como Lúcia Benedetti, a dramaturga que lançou a pedra fundamental do alicerce de um teatro, de fato, dirigido às crianças. Por esse motivo, não podemos esquecer de que se trata antes de um movimento que envolveu muitas pessoas que abraçaram tal projeto e lutaram no intuito de consolidá-lo no país, de modo que o teatro infantil fosse considerado um gênero literário como os outros. Para isso, produziram obras, formaram companhias teatrais e questionaram a situação do teatro infantil, não se contentando com o status menor imposto a ele. Nesse cenário, Maria Clara Machado se destacou, especialmente, como dramaturga pela qualidade estética da sua obra. Maria Clara Machado, ainda, preocupou-se com a educação das crianças e com os papéis dos pais e da escola nesse processo, por isso escreveu vários artigos que evidenciam uma postura semelhante à de Paulo Freire, com o objetivo de educar e não somente instruir. Dessa forma, mostrou a face de uma educadora comprometida e empenhada em “abrir os olhos” de toda a sociedade para as necessidades infantis por meio do teatro infantil sem usá-lo com intenção moralizante ou com pedagogismo. Por meio da Educação, o Tablado sobreviveu ao tempo como nenhuma outra companhia de teatro no Brasil, sendo uma escola formadora de talentos e assumindo a sua vocação de “formiguinha carregadeira” no cenário do teatro e da televisão brasileira, como profetizou Drummond. Assim, mesmo após a morte de sua fundadora, permanece com suas atividades sem jamais tê-las interrompido desde o seu nascimento. 206

Diante disso, não podemos negar que a educação foi uma das molas propulsoras da vida da filha de Aníbal Machado, de maneira que ela se revelou como uma educadora e, por tudo que pensou, projetou e realizou, pode ser considerada uma mulher à frente de seu tempo. No tocante às peças estudadas, Maria Clara Machado aplica uma leve segunda mão de tinta ao criá-las, de forma que não esconde totalmente os pergaminhos sob os quais foram escritas, mas revela palimpsestos cômicos, mais atuais e, no caso de A Gata Borralheira, críticos também. Desse modo, as velhas histórias são recontadas de uma forma nova, sob a roupagem de um gênero diferente, transformando-as e renovando-as. Nesse sentido, Maria Clara cria O Chapeuzinho Vermelho, A Gata Borralheira e O Gato de Botas – sobre os pergaminhos das narrativas clássicas, utilizando às práticas de transposição e transmodalização e os procedimentos de excisão, extensão, ampliação e expansão, desenvolvidos por Gérard Genette (1982). Dentre esses hipertextos, a demão de tinta é mais visível no primeiro e no terceiro palimpsestos, visto que o segundo destoa mais da história do hipotexto, o que evidencia que ela não transformou todos os textos da mesma maneira. Por isso, o processo de adaptação dos contos de fadas homônimos ocorre de uma forma criativa e cômica, como se a escritora, realmente, brincasse com as personagens e com os acontecimentos de cada conto adaptado. Assim, entre personagens, fatos novos, músicas e danças, a dramaturga mineira, como uma fada com sua varinha de condão disfarçada de máquina de escrever, transforma, com maestria, os contos clássicos conhecidos por todos nós desde a mais tenra infância, em histórias com uma nova roupagem, alegres e próximas da realidade brasileira. Logo, mesmo que não tenhamos a oportunidade de assistir às peças encenadas no palco, a sua leitura também pode nos transportar para o mundo menos ideal e mais realista, mas não menos encantador da contadora de histórias do Tablado, como uma criança que senta aos pés de sua avó para ouvir e sonhar com suas histórias. Por fim, a experiência realizada em sala de aula e no curso de formação de professores nos permitiu compreender melhor as reflexões de Maria Clara Machado, principalmente as relacionadas aos problemas enfrentados em nossas escolas, quanto à questão de enxergar o teatro de uma forma utilitária, ao usar mal a técnica teatral como pretexto para ensinar conteúdos de certas disciplinas ou para homenagear alguma personalidade nos encerramentos do ano letivo. Essa postura não forma um público para 207 o teatro nem muito menos leitores de textos dramáticos, sendo fruto de uma tradição que se arrasta há séculos nas salas de aulas, por isso é importante revê-la e questioná-la para que o texto literário também seja lido como objeto literário sem a obrigação de encená-lo. A experiência realizada com os nossos alunos do Ensino Técnico mostrou que eles se interessaram mais em ler textos dramáticos e que se apresentaram como leitores mais proficientes que os participantes do curso de formação docente, como pudemos perceber nos diários, nos quadros de leitura e ao longo desta pesquisa. Esse fato nos surpreendeu porque contrariou a nossa hipótese inicial de que os alunos do 1º ano do Ensino Médio poderiam apresentar mais dificuldades em relação à leitura e à interpretação do texto dramático do que os professores que já possuem formação superior. Isso nos mostrou que muitos professores têm problemas de formação que advêm da Educação Básica e que permanecem após a conclusão do Ensino Superior, interferindo na sua prática docente. Logo, a formação docente deve, de fato, ser continuada e atender às necessidades e à realidade do seu público-alvo. O curso com os professores, também, mostrou-nos que a maioria se empenhou e desenvolveu o trabalho de acordo com a sua realidade, de forma que as sugestões metodológicas não foram seguidas como receitas prontas, mas apenas como setas. Foi interessante perceber que os docentes leram os textos dramáticos propostos e procuraram outros na biblioteca da escola em que lecionavam, o que ampliou o universo das peças que poderiam ser trabalhadas em sala de aula. Essa postura, por sua vez, facilitou o acesso dos livros por parte dos alunos, visto que, se quisessem ler mais, o professor poderia indicar outras obras que faziam parte do acervo da escola. Nesse caso, o ideal seria que o período de tempo destinado à formação tivesse sido maior, de modo que houvesse a possibilidade de elaborar as sugestões com os participantes, em invés de levá-las prontas, tendo mais tempo para desenvolvê-las, discuti-las, avaliá-las e experimentá-las em sala de aula. Contudo, como dificilmente trabalhamos em condições ideais, acreditamos que, mesmo diante das limitações encontradas, conseguimos atingir a nossa meta. Quando voltamos a entrar em contato com os professores para saber se depois de um ano eles haviam realizado alguma das experiências vivenciadas durante o curso, verificamos que nove, dentre os dez que preencheram os questionários, leram ao menos um texto dramático em sala de aula. Assim, descobrimos que a formação rendeu e ainda pode render muitos frutos, atingindo mais alunos com o passar do tempo. 208

Acreditamos que conseguimos dar o primeiro passo no sentido de levar o texto dramático para que professores e alunos pudessem lê-lo como texto literário sem a obrigação de encená-lo. Dessa forma, continuaremos a enfrentar o desafio de promover a leitura desse tipo de texto em sala de aula, de maneira a questionar a tradição de conceber o gênero dramático apenas como performance, negligenciando o texto. A nossa intenção, também, foi a de levar as reflexões de Maria Clara Machado para a escola, a fim de conscientizar os professores sobre a necessidade de se criar público para o teatro por meio da formação de leitores. Ao formarmos leitores de textos dramáticos estamos, de forma indireta, criando um público para o teatro, o qual provavelmente não se interessará em ver a peça lida no palco se não for possível. Não sabemos se a dramaturga mineira não visava formar leitores por meio do trabalho que realizou, mas isso não significa que, a partir de suas discussões e da leitura de suas obras, não possamos atingir tal objetivo. É importante lembrar que ela era uma educadora comprometida e empenhada na melhoria da educação desde o tempo em que foi Bandeirante e já criticava a questão da alfabetização no Brasil. Portanto, há ainda um longo caminho a ser percorrido nessa direção para que possamos alcançar esse objetivo plenamente. Todavia, o exemplo do Tablado nos motiva a instigar outras pessoas a assumirem a vocação de “formiguinha carregadeira”, alcançando cada vez mais professores e alunos, bem como multiplicando os esforços na tentativa de abrir as portas da escola para o texto dramático. 209

BIBLIOGRAFIA

Fontes primárias

MACHADO, Maria Clara. Clarinha na ilha. 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

______; MOURTHÉ, Cacá. Tudo por um fio. Rio de Janeiro: EDC, 2001.

______. Teatro I. Rio de Janeiro: Agir, 2001.

______. Teatro IV. 6. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001.

______. Teatro V. 5. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001.

______; ROSMAN, Marta. 100 Jogos Dramáticos. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001.

______. Teatro III. 11. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2000.

______. Teatro VI. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1999.

______. Eu e o teatro. Rio de Janeiro: Agir, 1991.

______. O dragão verde. Rio de Janeiro: Agir, 1989.

______. O cavalinho azul. 13. ed. Rio de Janeiro: Cedibra, 1987.

______. Pluft, o fantasminha. 10. ed. Rio de Janeiro: Cedibra, 1987.

______. A aventura do teatro. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1985.

______. Teatro II. 3. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1974.

_____. Teatro em tempo de síntese. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971. 210

MACHADO, Maria Clara. Benjamim e a Floresta. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1970. (Coleção Fantasminha).

______. O sapateiro feliz. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1970. (Coleção Fantasminha).

______. Como fazer teatrinho de bonecos. Rio de Janeiro: Agir, 1970.

______. Os embrulhos. Cadernos de Teatro 57. Rio de Janeiro: Tablado, 1969.

______. Por quê? São Paulo: Liceu, 1967.

______. As interferências. Cadernos de Teatro 47. Rio de Janeiro: Tablado, 1965.

Fontes secundárias

ABRAMOVICH, Fany. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1989.

ADORNO, Theodor. Educação e Emancipação. 3. ed. Tradução de Wolfgang Leo Maar. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

AGUIAR, Vera Teixeira de. Leitura literária e escola. IN: A escolarização da leitura literária – O jogo do livro Infantil e Juvenil. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

______et al (Coord.). Era uma vez... na escola: formando educadores para formar leitores. Belo Horizonte: Formato, 2001.

ALBERGARIA, Lino de. Do folhetim à literatura infantil: leitor, memória e identidade. Belo Horizonte: Lê, 1996.

ALBERTI, Verena. O riso e o risível: na história do pensamento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, FGV, 1999.

AMARAL, Ana Maria. Teatro de bonecos no Brasil. São Paulo: COM-ARTE, 1994.

______. Teatro de formas animadas. São Paulo: Edusp, 1993. 211

AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? Literatura infantil e prática pedagógica. Rio de Janeiro: Vozes; Rio Grande do Norte: UFRN, 1997.

ANDERSEN, Hans Christian. O rouxinol e outras histórias. Tradução de Maria Clara Machado. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.

______. Histórias Maravilhosas de Andersen. Tradução de Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2001.

______. Contos de Andersen. Tradução de Dinamarquês de Guttorm Hanssen. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1997.

ARANTES, Urias Corrêa. Artaud: teatro e cultura. Campinas: Unicamp, 1988.

ARAÚJO, Hilton Carlos de. Teatro integrado: experiências. Rio de Janeiro: MEC, 1976.

ARÊAS, Vilma. Iniciação à Comédia. São Paulo: Jorge Zahar, 1990.

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Tradução de Dora Flaksman. Rio de Janeiro: LTC, 2006.

ARROYO, Leonardo. Literatura Infantil Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1990.

ARTAUD, Antonin. O teatro e o duplo. Tradução de Texeira Coelho. São Paulo: Max Limonad, 1984.

BALL, David. Para Trás e para Frente. Tradução de Leila Coury. São Paulo: Perspectiva, 1999.

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. Tradução de Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC, 1987.

BARTHES, Roland et al. Análise estrutural da narrativa. Tradução de Maria Zélia Barbosa Pinto. Petrópolis: Vozes, 2008.

BARTHES, Roland. O prazer do texto. 4. ed. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2004.

______et all. Lingüística e Literatura. Tradução de Isabel Gonçalves e Margarida Barahona. Colecção Signos 9. Lisboa: Edições 70, 1976. 212

BELINSKI, Tatiana; GOUVEIA, Júlio. Teatro para crianças e adolescentes: a experiência do TESP. In: A produção cultural para a criança. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.

BENEDETTI, Lúcia. O casaco encantado. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

______. Sibila e o dragão. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

______(Org.). Teatro Infantil. Rio de janeiro: SNT-MEC, 1971.

______. Teatro Infantil. Rio de janeiro: SNT-MEC, 1969.

______. Teatro Infantil. Rio de janeiro: O Cruzeiro, 1957.

BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades, 2002.

BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a significação do cômico. 2. ed. Tradução de Nathanael C. Caixeiro. Rio de janeiro: Zahar, 1983.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Tradução de Arlene Caetano. Edição revista por João Moura Jr. 22. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008. 437 p.

BLOOM, Harold. A angústia da influência. 2. ed. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: IMAGO, 2002.

BLOT, Bernard. O teatro. In: Educação Artística: luxo ou necessidade. Tradução de Yan Michalski. São Paulo: Summus, 1982. p.133-160.

BOAL, Augusto. Técnicas latino-americanas de teatro popular. São Paulo: HUCITEC, 1979.

BÖHM, Gabriela Hardtke. Peter Pan para crianças brasileiras: a adaptação de Monteiro Lobato para a obra de James Barrie. In: Leitura e literatura infanto-juvenil: memória de Gramado. São Paulo: Acadêmica/ ANEP, 2004.

BOLETIN INFORMATIVO FNLIJ. 200 Anos Grimm. Edição especial. Agosto de 1987. Rio de Janeiro. 60 p.

BORBA FILHO, Hermilo. Fisionomia e espírito do mamulengo. 2. ed. Rio de Janeiro: INACEN, 1987. 213

BORNHEIM, Gerd A. Teatro: a cena dividida. Porto Alegre: L&PM, 1983.

BRAGATO FILHO, Paulo. Pela leitura e pela literatura na escola de 1º grau. In:_____. Pela leitura literária na escola de primeiro grau. São Paulo: Ática, 1995.

BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro Grego: Tragédia e Comédia. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1984.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Serviço Nacional de Teatro. Teatro integrado: experiências. Rio de Janeiro, 1976.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

BRASILEIRA, Lídia. O boneco mamulengo na escola de 1° grau. Rio Grande do Norte/ Caicó: UFRN, 1997.

BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. Tradução de Fiama Pais Brandão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.

CABRAL, Beatriz Ângela Vieira. Drama como método de ensino. São Paulo: HUCITEC, 2006.

CAMAROTTI, Marco. A linguagem no teatro infantil. 3. ed. Recife: UFPE, 2005.

CAMPEDELLI, Samira Youssef. Teatro Brasileiro do século XX. São Paulo: Scipione, 1995.

CAMPOS, Cláudia Arruda de. Maria Clara Machado. Série Artistas Brasileiros. São Paulo: EDUSP, 1998.

CAMPOS, Maria Tereza Arruda; KUPSTAS, Márcia. Literatura, arte e cultura. São Paulo: Ática, 1988.

CARREIRA, André et al (Org.). Metodologias de Pesquisa em Artes Cênicas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006.

CARTAXO, Carlos. O Ensino das Artes Cênicas na Escola Fundamental e Média. João Pessoa: UFPB, 2001.

CAVALCANTI, Joana. Caminhos da literatura infantil e juvenil. São Paulo: Paulus, 2002. CARVALHO, Bárbara Vasconcelos. Literatura Infantil: estudos. São Paulo: Lótus, s/d. 214

CEREJA, William Roberto; MAGALHAES, Tereza Cochar. Português: linguagens, 5 ano: língua portuguesa. 2.ed. São Paulo: Atual, 2006.

CHAZAUD, Henri Bertaud Du. Le Robert: dictionnaire des synonymes. Paris: Poche, 1989.

CHIAPPINI, Ligia. Reinvenção da Catedral. São Paulo: Cortez, 2005.

CHKLOVSKI, V. A arte como procedimento. In: Teoria da Literatura – formalistas russos. Rio Grande do Sul: Globo, 1976.

COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas: símbolos, mitos, arquétipos. São Paulo: DCL, 2003.

______. Literatura infantil. São Paulo: Moderna, 2000.

______. Panorama Histórico da Literatura Infantil/Juvenil. São Paulo: Ática, 1991

______. O conto de fadas. São Paulo: Ática, 1987.

______. Dicionário crítico da literatura infanto-juvenil brasileira (1882-1982). São Paulo/Brasília: Quiron/INL, 1984.

______. A Literatura Infantil: história - teoria – análise – das origens orientais ao Brasil de hoje. São Paulo: INL, 1981.

COELHO NETO; BILAC, Olavo. Theatro Infantil. 6. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1930.

COHEN, Jean. Estrutura da Linguagem Poética. Tradução de Álvaro Lorencini e Anne Arnichand. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1966.

CUNHA, Maria Antonieta. A comicidade em Maria Clara Machado. Belo Horizonte: Bernardo Álvares S.A, s/d.

DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos: e outros episódios da história cultural francesa. Tradução de Sonia Coutinho. 4. ed. Rio de janeiro: Graal, 2001.

DOMINGUEZ, José Antonio. Teatro e educação: uma pesquisa. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro, 1978. 215

D'ONOFRIO, Salvatore. O texto literário: teoria e aplicação. São Paulo: Duas Cidades, 1983.

ECO, Humberto. Lector em Fabula (Narratologia). São Paulo: Perspectiva, 2004.

EIKHENBAUM et all. Teoria da Literatura: formalistas russos. Rio Grande do Sul: Globo, 1973.

EVANGELISTA, Aracy A. M. et al (Org.). A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: minidicionário da língua portuguesa. 5. ed. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 2007.

FERREIRA, Taís. A escola no teatro e o teatro na escola. Porto Alegre: Mediação, 2006.

FONSECA, José Luís Jobim de Salles et al. Literatura e Encenação. In: Teoria Literária: ensaios. Nova Iguaçu/ Rio de Janeiro: Cronos, 1980.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 48. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.

______. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREITAS, Paulo Luís de. Tornar-se ator: uma análise do Ensino de interpretação no Brasil. São Paulo: Editora da Unicamp, 1998.

GENETTE, Gérard. Palimpsestes: la litterature au second degre. Paris: Editions, 1982.

______. Palimpsesto: a literatura de segunda mão. Tradução de Luciene Guimarães e Maria Antônia R. Coutinho. Extratos: capítulos 1, 2, 7, 40, 41, 45, 80. Belo Horizonte: Faculdade de Letras/UFMG, 2006.

______. Palimpsestos: a literatura de segunda mão. In: Cadernos Viva Voz. Trad. Cibele Braga, Mariana Arruda e Miriam Vieira. Extratos: capítulos 8, 13, 38, 47, 48, 49, 53, 54, 55, 57. Belo Horizonte: Faculdade de Letras/UFMG, 2008 (Edição bilíngue).

______. Introdução ao Arquitexto. Lisboa: Vega, s/d. GORAYEB, Raquel Vaserstein. O tablado - mais de meio século de teatro e educação: História-memória. A chave para a perenidade do mais duradouro grupo teatral do Brasil. 216

1V. 246p. Doutorado. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – FACULDADE DE EDUCAÇÃO. Campinas, 2004.

GRIMM. Contos de Grimm. Tradução de Monteiro Lobato. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006.

______. Contos de Grimm. Tradução de Fernando Klabin. Edição Bilíngüe. Florianópolis: Paraula, 1998.

______. Contos de Grimm. Tradução de Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1996.

______. Contos de Grimm. Tradução de Maria Clara Machado. Rio de Janeiro: Ediouro, 1974.

______. Mais contos de Grimm. Tradução de Maria Clara Machado. Rio de Janeiro: Ediouro, 1973.

GUZIK, Alberto. TBC: crônica de um sonho. São Paulo: Perspectiva, 1986.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2007.

JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do ensino de Teatro. Campinas: Papirus, 2001.

JOBIN, José Luís (org.). Introdução aos termos literários. Rio de Janeiro: UERJ, 1999.

JONH, Gassner. Mestres do teatro I. Tradução de: Alberto Guzik e J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1997.

JESUALDO. A literatura infantil. Tradução de James Amado. São Paulo: Cultrix, 1978.

KHÊDE, Sonia Salomão (Org.). Literatura Infanto-juvenil: um gênero polêmico. 2. Ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.

KISHIMOTO, T. Jogos tradicionais infantis: o jogo, a criança, a Educação. Petrópolis: Vozes, 1993.

KOUDELA, Ingrid Dormien. Texto e Jogo. São Paulo: Perspectiva, 1999. KOUDELA, Ingrid Dormien. Jogos Teatrais. São Paulo: Perspectiva, 1992. 217

KRISTEVA, Júlia. Introdução à Semanálise. 2. ed. Tradução de Lúcia Helena França Ferraz. São Paulo: Perspectiva, 2005.

KÜHNER, Maria Helena. Teatro popular: uma experiência. Rio de Janeiro: F. Alves, 1975.

LACOMBE, Amélia. Maria Clara Machado. Rio de Janeiro: Agir, 1996. Col. Conhecendo nossos clássicos.

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira. São Paulo: Ática, 1984.

LIMA, Francisco de Sousa. Conto popular e comunidade narrativa. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1985.

LIMA, Ebe Maria de. Literatura sem fronteiras: uma leitura da obra de Bartolomeu Campos Queirós. Minas Gerais: Miguilim, 1998.

LOMARDO, Fernando. Teatro infantil. São Paulo: Brasiliense, 1994.

LOPES, Ivo Cordeiro. Pluft, o Fantasminha e O Cavalinho Azul, de Maria Clara Machado: a criança e o conhecimento advindo e buscado. 1. V. 126p. Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ – LETRAS. Paraná, 1997.

LOPES, Joana. Pega teatro. Campinas: Papirus, 1989.

MACIEL, Diógenes. Ensaios do nacional-popular no Teatro Brasileiro Moderno. João Pessoa: Editora Universitária, 2004.

______; ANDRADE, Valéria (Org.). Por uma militância teatral. João Pessoa: Bagagem/Idéia, 2005.

MAGALDI, Sábato. O texto no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1989.

______. Iniciação ao teatro. São Paulo: Ática, 1985.

______. Panorama do Teatro Brasileiro. 4.V. Ministério da Educação e Cultura/ DAC FUNARTE/ Serviço Nacional de Teatro (s/d). 218

MAGNANI, Maria do Rosário M. Literatura e educação: percorrendo nossa história. In: ______. Leitura, literatura e escola: sobre a formação do gosto. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

MALARD, Letícia. Ensino e Literatura no 2º grau. Mercado Aberto: São Paulo, 1985.

MELO, Ana Maria Lisboa de et al. Literatura infanto-juvenil: prosa e poesia. Goiânia: UFG, 1995.

MELLO, Cristina. O ensino da literatura e a problemática dos gêneros literários. Coimbra: Almedina, 1998.

MENEZES, Luis Carlos de (Org.). Professores: formação e profissão. São Paulo: NUPES, 1996.

MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. São Paulo: Cultrix, 1978.

MONTEIRO, Regina Fourneaut. Jogos Dramáticos. 7. ed. São Paulo: Agora, 1994.

MORALES, Pedro. A relação professor – aluno: o que é, como faz. Tradução de Gilmar Saint’ Clair Ribeiro. São Paulo: Loyola, 1999.

ORTHOF, Sylvia. Eu chovo, tu choves, ele chove... V. 5. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. (Coleção Literatura em minha casa).

PAIVA, Aparecida. Teatro para crianças e jovens. In: No fim do século: a diversidade – o jogo do livro infantil e jovem. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

PALLOTTINI, Renata. O que é dramaturgia. São Paulo: Brasiliense, 2006 (Coleção Primeiros Passos).

______. Introdução à dramaturgia. São Paulo: Brasiliense, 1983.

PANTRINI, Maria de Loudes. A renovação do conto: a emergência de uma prática oral. São Paulo: Cortez, 2005.

PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Tradução de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 2003. PAZ, Noemi. Mitos e Ritos de Iniciação nos Contos de Fadas. Tradução de Maria Stela Gonçalves. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 1995. 219

PEACOCK, Ronald. Formas da literatura dramática. Tradução de Bábara Heliodora. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.

PEREIRA, Hercília Tavares de Miranda Telles. O teatro Infantil de Maria Clara Machado: estruturas narrativas e discursivas. Tese. Doutorado. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS. São Paulo, 1981.

PERRAULT. Contos de fadas. Tradução de Monteiro Lobato. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2002.

PIMENTEL, Altimar de Alencar. O mundo mágico de João Redondo. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura: Fundação Nacional de Artes Cênicas, 1988.

PIMENTEL, Figueiredo. Teatrinho Infantil. Rio de Janeiro: Livraria Quaresma, 1938.

PINHEIRO, Hélder (Org.). Pesquisa em Literatura. Campina Grande: Bagagem, 2003.

PONGETTI, Henrique; CAMARGO, Joracy. Teatro da criança. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938.

PRADO, Décio de Almeida. História concisa do teatro brasileiro. São Paulo: EDUSP, 2003.

______. Evolução da Literatura Dramática. In: A Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Olympio, 1986.

______. A personagem no Teatro. In: A personagem de Ficção. São Paulo: Perspectiva, 1976.

PROPP, Vladimir. Comicidade e Riso. Tradução de Aurora Fornoni Bernadini e Homero Freitas de Andrade. São Paulo: Ática, 1992.

______. Morfologia do conto. Tradução de Jaime Ferreira e Victor Oliveira. 2. ed. Lisboa: Vega, 1983. REVERBEL, Olga. Um caminho do Teatro na escola. São Paulo: Scipione, 1997.

______. Jogos Teatrais na Escola: atividades globais de expressão. São Paulo: Scipione, 2002.

REVISTA DE TEATRO. N. 438. Abril, maio e junho de 1981. Revista Trimestral. Edição da Sociedade Brasileira de autores teatrais. Rio de Janeiro. 64 p. 220

REVISTA DE TEATRO. N.419. Setembro e outubro de 1977. Revista Bimestral. Revista Trimestral. Edição da Sociedade Brasileira de autores teatrais. Rio de Janeiro. 72 p.

______. N. 420. Novembro e Dezembro de 1977. Revista Bimestral. Edição da Sociedade Brasileira de autores teatrais. Rio de Janeiro. 64 p.

______. N. 421. Janeiro e fevereiro de 1978. Revista Bimestral. Edição da Sociedade Brasileira de autores teatrais. Rio de Janeiro. 72 p.

______. N. 440. Outubro, novembro e dezembro de 1981. Revista Trimestral. Edição da Sociedade Brasileira de autores teatrais. Rio de Janeiro. 52 p.

REVISTA DIONYSOS. O Tablado. N.27. 1986. INACEN. Rio de Janeiro. 256 p.

______. N.18. ANO XXV. 1974. INACEN. Rio de Janeiro. 179 p.

REWALD, Rubens. Caos: dramaturgia. São Paulo: perspectiva, 2005.

ROCHA FILHO, Rubem. A personagem dramática. Rio de Janeiro: INACEN, 1986.

ROSENFELD, Anatol. Prismas do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2000.

______. O mito e o herói no moderno teatro brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 1996.

RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

SAMOYAULT, Tiphaine. A Intertextualidade. Tradução de Sandra Nitrini. São Paulo: HUCITEC, 2008.

SERVIÇO NACIONAL DE TEATRO – MEC – FUNARTE. Teatro Infantil. Brasília: Departamento de Documentação e Divulgação, 1976. Coleção Prêmios.

SIMONSEN, Michele. O conto popular. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

SOUSA, Ângela Leite de. Contos de fada: Grimm e a literatura oral no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Lê, 1999. 221

SOUZA, Denise Moreira. Pluft: o avesso poético de um fantasma. Rio de Janeiro: INACEN, 1986.

SOUZA, Roberto Acízelo Quelha de; FONSECA, José Luis Jobim de Salles. Literatura e encenação. In: Teoria Literária: ensaios. Rio de Janeiro: Cronos: 1980.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. Tradução de Ingrid Dormien Koudela e Eduardo de Almeida Amos. São Paulo: Perspectiva, 1979.

______. Jogos Teatrais na Sala de Aula: o livro do professor. Tradução de Ingrid Dormien Koudela. São Paulo: Perspectiva, 2007.

SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno [1880-1950]. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 8. ed. Rio de janeiro: Vozes, 2007.

TELES, Gilberto Mendonça. Os Limites da Intertextualidade. In: A Retórica do Silêncio. São Paulo: Cultrix, 1979.

TODOROV, Tzvetan. Os gêneros do discurso. Tradução de Elisa Angotti Kossovitch. São Paulo: Martins Fontes, 1980.

WILLIAMS, Raymond. Tragédia Moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

UBERSFELD, Anne. Para ler o teatro. Tradução de José Simões (Coord.). São Paulo: Perspectiva, 2005.

ZILBERMAN, Regina. A produção cultural para a criança. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.

FILMOGRAFIA

DEU A LOUCA NA CHAPEUZINHO (Hoodwinked). Direção de Cory Edwards. EUA: Europa Films. 2005. 80 min., color, DVD. 222

DOCUMENTOS ONLINE

Acervo de Maria Clara Machado presente na Fundação Casa de Rui Barbosa -http://fcrb2.rionet.com.br/casaruibarbosa/apeb/

Site do teatro O Tablado - http://www.otablado.com.br/ http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/ECAP73MFMF/1/disserta_ _o_mariana_arruda___em_cartaz__chico_buarque.pdf http://www.letras.ufmg.br/site/publicacoes/download/palimpsestosmono-site.pdf 223

APÊNDICE 224

João Pessoa, 06 de janeiro de 2010.

Caro professor,

Após um ano da realização do curso Maria Clara Machado na sala de aula: uma experiência com o jogo dramático e o teatro de bonecos, gostaríamos de obter mais alguns dados sobre a experiência, por este motivo solicitamos que você responda ao questionário em anexo. A sua colaboração é fundamental para que tenhamos êxito na nossa pesquisa de doutorado, como já havíamos colocado durante a realização do curso. Como temos de entregar a versão definitiva da tese no final do mês de janeiro de 2010, pedimos encarecidamente que nos entregue o relato o mais rápido possível. Se houver alguma dúvida, você pode entrar em contato conosco pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone (9.031.83) 3245-2005 (a cobrar). Desde já, agradecemos a sua disponibilidade em colaborar conosco.

Atenciosamente,

Professora Kelly Sheila Inocêncio C. Aires. 225

QUESTIONÁRIO

Nome:

Escola:

1. Você realizou alguma das experiências com o texto dramático sugerida na formação.

a) Sim ( )

b) Não ( )

2. Em caso negativo, por favor, apresente os motivos de não ter podido realizá- la(s) na(s) sala(s) de aula em que leciona.

3. Se houver realizado alguma das experiências, por gentileza, relate os passos que seguiu para fazê-la(s). Por exemplo:

o Público-alvo (o ano que cursa cada turma);

o Duração de tempo da(s) experiência(s);

o Descrição da(s) experiência(s);

o Avaliação da(s) experiência(s) desenvolvida(s) (apresente pontos positivos e negativos, bem como a recepção e a participação dos alunos).

Obs: Caso você tenha recolhido algum material dos alunos e/ou se eles fizeram o diário de leitura, se possível, disponibilize-o para que possamos copiá-lo.