A TV Globo E Os Fluxos De Comunicação
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A TV Globo e os fluxos de comunicação∗ Sergio Denicoli dos Santos 2005 Índice promover um equilíbrio da produção e circu- lação de informação entre as nações. 1 Introdução 1 Num movimento nitidamente contrário à 2 O mundo imperializado 2 tendência criticada pela UNESCO, a Rede 3 A TV Globo e as telenovelas: o Globo, por meio da televisão, trabalhava contra-fluxo 6 um know-how adquirido do grupo norte- 4 Jornalismo da TV Globo 9 americano Time-Life, e criava um padrão de 5 A rede Globo hoje 12 qualidade comercial e de produção, conse- 6 Conclusão 14 guindo abrir dessa forma as portas do mer- 7 Bibliografia 15 cado internacional para programas feitos no Brasil, tendo como principal oferta as tele- 1 Introdução novelas. Ao mesmo tempo a emissora apostava no Este estudo foi desenvolvido no âmbito da jornalismo com a expansão da cobertura in- disciplina Políticas da Comunicação, do ternacional própria, não exclusivamente de- mestrado em Informação e Jornalismo, da pendente das agências de notícias dos países Universidade do Minho, em Braga, Portugal. do norte. O objetivo é perceber, a partir de meados Criou-se assim uma grade de programação década de 60, o que levou a TV Globo a de- que intercalava como âncoras os programas senvolver um fluxo de comunicação inverso feitos pela própria empresa, baseados na te- aos padrões da época. Naquele período já ledramaturgia e nos noticiários, garantindo eram embrionárias as análises que assegu- altos índices de audiência. ravam que o hemisfério norte era o grande A TV Globo completou, em 2005, 40 anos emissor de informação consumida pelo he- de existência. Nessa trajetória ela acumulou misfério sul. Isso viria a ser confirmado de- críticas sobre o comportamento político do pois por estudos da UNESCO, que publicou, grupo na qual está inserida, sobre a visão so- em 1980, um relatório que analisava as assi- cial impregnada em sua programação, mas metrias de fluxo e pregava a necessidade de ao mesmo tempo comprovou ser uma grande ∗Trabalho referente à disciplina Políticas da Co- divulgadora do Brasil, tendo exibido sua pro- municação do Mestrado em Informação e Jornalismo, gramação em todos os continentes. Universidade do Minho. Não cabe aqui analisar se o que a Globo 2 Sergio Denicoli mostrou ou mostra em suas produções cor- presentações coletivas como as leis, o sis- responde ou não fielmente à organização da tema educacional, a religião, a arte e a litera- sociedade e culturas brasileiras. Nas páginas tura. Outra, com ênfase em estudos de Max a seguir procura-se avaliar os motivos que re- Weber, considera a sociedade e, consequen- sultaram na consolidação da TV Globo, os temente a cultura, como resultado das ações meios utilizados para isso e os caminhos tri- dos indivíduos. lhados pela emissora na complexa rede inter- Os marxistas avaliam que a cultura é de- nacional de fluxos de comunicação. terminada por forças e relações de produção. Para os seguidores dessa linha, a cultura seria 2 O mundo imperializado contaminada por uma estrutura capitalista, onde uma elite detentora de capital determi- A principal base deste estudo deriva do con- naria a produção cultural. ceito de cultura. Como o termo possui diver- Tal conceito foi amplamente estudado na sas interpretações, torna-se necessária uma Escola de Frankfurt. E foram justamente breve análise de estudos que serviram e ser- dois teóricos dessa escola que criaram uma vem como base às interpretações sobre o tese que dominaria os estudos sobre cultura fenômeno. Toma-se aqui como referência as mais analisados durante o período em que conclusões de Isabel Ferin (FERIN, 2002). se desenvolvem as primeiras teorias de flu- Da antiguidade clássica à idade Média, xos de comunicação, imperialismo cultural chegando também ao Iluminismo, o conceito etc. Adorno e Horkheimer, no final da dé- de cultura foi definido como o cultivo de ca- cada de 40 criaram o conceito de indústria racterísticas espirituais, da língua, da arte, cultural. MATTELART (2002:66), escreve, das letras e das ciências, muito voltados para sobre o trabalho dos autores: um desenvolvimento das sociedades e dos indivíduos, e isso caracterizaria as respecti- “Analisam a produção industrial de bens vas civilizações. culturais enquanto movimento global de A antropologia define o conceito de cul- produção de cultura como mercadoria. tura como uma forma de classificar os ob- Os produtos culturais, os filmes, os pro- jetos e símbolos das sociedades. Tais estu- gramas radiofónicos e as revistas revelam dos surgiram no final do século XIX e foram a mesma racionalidade técnica, o mesmo influenciados por estudiosos evolucionistas, esquema de organização e planificação como Darwin. da gestão, que os do fabrico de automó- No estruturalismo, a cultura é vista como veis em séria ou dos projectos do urba- uma estrutura que influencia a ordem social, nismo”. que seriam manifestações superficiais inca- pazes de mudar a base profunda que dita as É a cultura padronizada, feita em série, regras das manifestações de âmbito cultural. transformada em mercadoria. É a crítica Na sociologia há duas importantes ver- da associação da cultura à evolução tecnoló- tentes básicas. Uma delas, onde se destaca gica. Dessa crítica surgem estudos que res- Émile Durkhein, defende que as estruturas saltam positivamente o que seria o acesso dominam o agir individual e seriam elas re- das massas à cultura, numa corrente dos www.bocc.ubi.pt A TV Globo e os fluxos de comunicação 3 chamados Integrados. Surge também a nalização dos sistemas de comunicações e corrente dos textitApocalípticos, que vêem conduz as análises para uma nova esfera. nessa mercantilização uma ameaça à cultura De acordo com MATTELART (1991), e à democracia. (FERIN, 2002) uma das primeiras iniciativas para a dis- O fato era que a visão de cultura havia cussão da soberania dos países diante do sur- sido influenciada pelo movimento tecnoló- gimento do satélite - que tornava possível gico que surge a partir da industrialização uma transmissão mundial sem a necessidade da Europa ocidental capitalista. Segundo de uma rede de retransmissão terrestre – par- BRETON & PROULX (1997) isso acontece tiu da União Soviética, em 1972, durante quando a ideia de sociedade de massas se ex- a 27a assembleia geral da ONU. Os Esta- pande junto com o crescimento da urbani- dos Unidos sempre se opuseram à ideia de zação, a expansão dos meios de transporte, se promover esse controle, numa explícita e de comunicações e o aparecimento dos mo- então comum adversidade entre o mundo do vimentos da classe trabalhadora, mais nota- leste, socialista, e o mundo do oeste, capi- damente a partir do século XIX. Era uma or- talista. Enquanto o oeste queria avançar em dem ligada à uma burguesia industrial capi- sua propaganda, pregando o livre fluxo de in- talista. formações, o leste queria evitar que ela che- Discursos sobre dominadores e domina- gasse às suas áreas de influência. dos, esquerda e direita, comunismo e capi- Intensificam-se os estudos sobre os flu- talismo, englobam os media e situam as co- xos comerciais dos produtos culturais entre municações num contexto político e ideoló- as nações e sobre o imperialismo. Herbert gico marcado, sobretudo, pela Guerra Fria. É Schiller cria o conceito de “imperialismo uma época onde circulam publicações apai- cultural”: xonadas que funcionam como propaganda política considerada subversiva por uns e “O conjunto de processos pelos quais libertadora por outros, de acordo com a uma sociedade é introduzida no seio do ideologia dominante, mas que discutiam as sistema moderno mundial e a maneira diferenças entre as classes e as socieda- como a sua camada dirigente é levada, des. Termos como “dependência do terceiro pelo fascínio, a pressão, a força ou a mundo”, “nações subdesenvolvidas”, “face corrupção, a modelar as instituições so- imperialista do desenvolvimento do capita- ciais para que correspondam aos valores lismo”1 ajudaram a acirrar os debates. Além e às estruturas do centro dominante do disso, a tecnologia que permite a internacio- sistema ou a tornar-se no seu produtor”. (SCHILLER, 1976 apud MATTELART 1 HARNECKER & URIBE [S. 1.: s.n., s.d.]. O li- & MATTELART, 2002) vro de 63 páginas e em formato de bolso circulou em Portugal traduzido e adaptado por uma equipe de tra- balho (segundo consta na obra) que não se identificou, GALTUNG (1977) escreve que o mundo utilizando apenas o pseudónimo “Maria José”, o que é formado por nações de Centro e de Perife- retrata bem como circulavam as obras que naquela ria. O autor diz que essa relação acontece época eram consideradas subversivas. quando nações Centro emitem influências para as nações Periferia, resultando em be- www.bocc.ubi.pt 4 Sergio Denicoli nefício para ambas. Nessa relação a Perife- imperializada. Galtung afirma que o passo ria oferece, por exemplo, matérias-primas, e seguinte então é o imperialismo cultural. o Centro os bens de consumo. Isso torna-se Para TOMLINSON (1991) o imperia- um ciclo, no qual diversos tipos de imperia- lismo cultural é o domínio de uma cultura lismo criam condições para que possam se que se impõe sobre outra. Ele cita estu- instalar como consequência uns dos outros. dos da Unesco que estimam que “more than Ele lista cinco tipos de imperialismo: econô- two thirds of printed materials are produced mico, político, militar, das comunicações e en English, Russian, Spanish, German and cultural. O imperialismo das comunicações French”. Isso apesar de, segundo o autor, leva, põe exemplo, ao imperialismo cultu- existirem no mundo cerca de 500 linguagens ral, pois o Centro controla o fluxo de infor- escritas e 3 mil 500 verbais, o que configu- mações. raria um exemplo da força do imperialismo Para o autor, as condições de imperialismo cultural. surgiram a partir do momento em que as Uma outra obra de destaque é do brasi- nações Centro ocuparam fisicamente a Pe- leiro Paulo Freire.