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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – VIRTUAL – 1º a 10/12/2020

Globoplay: Do Espectador ao Usuário1

Larah Camargo Barbosa2 Prof. Dr. Cesar Augusto Baio3 Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP

RESUMO

O presente artigo tem como objeto de estudo o , plataforma de streaming com vídeos sob demanda do , como um produto do ciberespaço atrelado à televisão broadcast. A partir da literatura sobre o tema e da entrevista realizada com a diretora de ​ conteúdo do Globoplay, Ana Carolina Lima, mapeou-se e investigou-se as experimentações e estratégias de posicionamento, produção e distribuição de conteúdos audiovisuais do Globoplay que caracterizam a produção televisiva do Grupo Globo em um contexto de convergência midiática corporativa. Foi possível identificar na plataforma um modelo de negócios cada vez mais independente da programação televisiva, mas que se aproveita do alcance e do acervo da televisão broadcast para expandir o contato com os consumidores. ​ ​

PALAVRAS-CHAVE: broadcast; convergência midiática; streaming ​ ​ ​ ​

Televisão e ciberespaço: convergência midiática corporativa

Para que possamos assistir à televisão, há uma organização interna desde o estágio ​ ​ inicial da produção televisiva, que leva em consideração a marcação do tempo dentro de um fluxo ininterrupto (WILLIAMS, 2016), sem que a tela jamais fique sem programação. Os enunciados televisivos se apresentam de forma única e singular dentro de uma esfera de intencionalidades que se utiliza dos códigos televisuais e seus recursos expressivos, relacionadas à recepção caracteristicamente dispersiva da televisão. Os produtos adequados a este modelo de difusão não buscam assumir uma forma linear progressiva com efeitos de continuidade rigidamente amarrados como no cinema, de modo a incorporar o intervalo comercial à estrutura da obra (MACHADO, 2000). A lógica temporal e linear da televisão é atravessada pela emergência do ciberespaço e sua potencialidade interativa em relação a

1 Trabalho apresentado na IJ05 – Comunicação Multimídia, da Intercom Júnior – XVI Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2 Estudante de graduação do Curso de Comunicação Social - Habilitação em Midialogia do IA - UNICAMP e bolsista de ​ Iniciação Científica CNPq, e-mail: [email protected].

3 Orientador do trabalho. Professor do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação do IA - UNICAMP, e-mail: ​​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ ​ [email protected]

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outros meios. Concebida sob o modelo de broadcast - tecnologia caracterizada pela ​ transmissão de conteúdo a partir de um ponto para vários pontos, em sentido único (RIBEIRO, 2007) - a televisão encontra no ciberespaço um tempo diferente do seu eterno ao vivo. A fruição das formas textuais televisivas delineadas por um fluxo contínuo passa a operar sob a demanda do usuário; é estabelecido um fluxo isolado caracterizado pela atenção ampliada e direcionada para um único texto (MASSAROLO, MESQUITA, 2017). Nas plataformas de streaming com vídeos sob demanda (os chamados VOD), como e ​ ​ ​ Amazon Prime, os conteúdos são transmitidos através de dados pela e se ordenam por acervos e diferentes possibilidades de fluxos, orientados a partir das escolhas do interator da plataforma. As produções audiovisuais concebidas para um consumo sob demanda apresentam mudanças na fruição e nas estruturas narrativas, em comparação com o sistema broadcast, uma vez que dispensam os intervalos comerciais e os demais códigos televisuais ​ característicos. O processo de convergência dos meios de comunicação “altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos e altera a lógica pela qual a indústria midiática opera e pela qual consumidores processam a notícia e o entretenimento” (JENKINS, 2009, p. 43). Neste contexto, as dinâmicas produtivas das emissoras de televisão passam por um processo de reestruturação e faz com que as formas que a televisão tem construído sua relação com o telespectador sejam reavaliadas sob novas condições de circulação e de transformações na geração do vínculo com o usuário, expandido o contato para o ambiente digital (PEDROSO, SGORLA, 2018). Estas alterações de produção e distribuição de conteúdos integram o que Jenkins (2009) entende por convergência midiática corporativa: A indústria midiática está adotando a cultura da convergência por várias razões: estratégias baseadas na convergência exploram as vantagens dos conglomerados; a convergência cria múltiplas formas de vender conteúdos aos consumidores; a convergência consolida a fidelidade do consumidor, numa época em que a fragmentação do mercado e o aumento da troca de arquivos ameaçam os modos antigos de fazer negócios (JENKINS, 2009, p. 325)

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Neste sentido, mostrou-se relevante realizar um estudo de caso do Globoplay, plataforma de streaming com vídeos sob demanda do Grupo Globo, enquanto uma interface ​ ​ do ciberespaço atrelada a televisão broadcast. Como um produto que exemplifica a ​ ​ convergência midiática corporativa, entender as estratégias de consolidação do modelo de streaming do Globoplay em concomitância aos canais de televisão broadcast permite analisar ​ o consumo e a recepção do modelo de streaming no Brasil e compreender como se dá este ​ processo de convergência no caso do maior conglomerado de mídia e comunicação do país4. Partindo deste caso, mapeou-se e investigou-se as experimentações e estratégias de posicionamento, produção e distribuição de conteúdos audiovisuais do Globoplay que caracterizam a produção televisiva do Grupo Globo para formatos digitais Para entender como se dá essa reconfiguração do programação tradicional televisiva para plataformas de streaming, debruçou-se sobre pesquisas já realizadas sobre o Globoplay, como as de ​ Massarolo e Mesquita (2017), que traz uma categorização das estratégias de distribuição da plataforma empregada nesta pesquisa, e de Mungioli, Ikeda e Penner (2018). Esta última levanta e analisa dados sobre as estratégias de exibição de séries ficcionais do Globoplay entre o período de 2016 a 2018 e serviu como uma premissa para a expansão do levantamento realizado. Além disso, foi feita uma entrevista com a diretora de conteúdo do Globoplay, Ana Carolina Lima, para agregar uma perspectiva institucional à pesquisa. A partir destes estudos, foi possível destacar as especificidades da dinâmica de produção e consumo de conteúdos para diferentes mídias e discutir se de fato existe uma reconfiguração estética nos produtos audiovisuais do fluxo televisivo para plataformas de streaming. ​ ​

Do Globo Media Center ao Globo TV+

O movimento para sustentar o padrão Globo de qualidade faz com que o Grupo ​ Globo, enquanto um conglomerado de mídia, precise buscar constantemente atualizar sua estrutura tecnológica e reforçar sua presença em diferentes meios de comunicação. Em um contexto de convergência midiática corporativa (JENKINS, 2009), o grupo passa por

4 Disponível em: ​ https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/09/18/aos-70-anos-televisao-brasileira-investe-em-novas-experiencias -e-possibilidades.ghtml. Acesso em 20 set. 2020. ​

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diferentes processos que visam expandir as possibilidades de exploração das produções originais da Globo para além do broadcast (MUNGIOLI, IKEDA, PENNER, 2018), de modo ​ ​ a reforçar seu vínculo com o consumidor - que é, ao mesmo tempo, telespectador e usuário. O ciberespaço torna-se, portanto, mais um território a ser explorado para sustentar a fidelidade desse consumidor em diferentes janelas. A inserção do Grupo Globo na internet é marcada pela criação do website ​ ​ On em julho de 1996. A partir de março de 2000, a página passa a ser incorporada ao portal Globo.com - desenvolvido inicialmente para abarcar a produção dos jornais, revistas, rádios e canais de televisão da então Organizações Globo em uma nova plataforma (FISCHER, 2008, p. 118). Naquele momento, o portal já oferecia aos usuários a visualização de trechos de vídeos da programação da TV Globo, mas é em 2003, com a criação do Globo Media Center que o grupo passa a disponibilizar e estruturar um acervo amplo de conteúdos para seus assinantes, com 50 mil vídeos cadastrados em sua base de dados na fase de seu lançamento, entre conteúdos da TV Globo e dos canais Globosat. Integrado ao portal e provedor Globo.com, o Globo Media Center funcionava como uma central de conteúdo de vídeo por streaming, representando a primeira iniciativa de estruturação de uma plataforma de vídeos ​ sob demanda do grupo Globo. Os conteúdos eram, em sua maioria, associados à televisão, incluindo íntegras de telejornais e novelas, programas esportivos e infantis, minisséries e reality shows. Em 2006, o Globo Media Center passa a ser Globo Vídeos, com alterações ​ pontuais na interface em decorrência desta nova versão, mas com conteúdos ainda associados majoritariamente a programação televisiva corrente. Em 2012, um ano após o serviço de streaming Netflix chegar ao Brasil, o sucessor do Globo Vídeos ganha uma nova interface e ​ passa a se chamar Globo.TV+, que disponibilizava o acervo da emissora e trechos de conteúdos da programação da TV Globo e dos canais Globosat. Sob o slogan "A ​ programação da Globo do jeito que você quiser", a plataforma, assim como suas antecessoras, também era promovida em relação a programação da televisão broadcast do ​ Grupo Globo. Concomitantemente, em 2014, o grupo lança a central de entretenimento GShow. Integrada ao Globo.com, o portal exibe webséries originais e conteúdos derivados de programas exibidos na televisão, como spin-offs (narrativas derivadas de obras já existentes), ​ ​

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trailers e teasers que exibem prévias do conteúdo, entrevistas de bastidores e páginas de ​ ​ ​ telenovelas e séries, atuando enquanto um desdobramento da grade televisiva a partir da lógica de narrativas transmídias em multiplataformas (JENKINS, 2009).

Globoplay

Em outubro de 2015, é anunciado o sucessor do Globo.TV+, o Globoplay, que se torna a principal plataforma de streaming com vídeos sob demanda do Grupo Globo. Seu ​ modelo de negócios, assim como o de suas antecessoras, é um modelo flexibilizado de freemium e SVOD (subscrition VOD), com a combinação de serviços gratuitos (free) e pagos ​ ​ ​ ​ (premium) que possibilitam o acesso a conteúdos sob demanda (ANDERSON, 2006, p. 19). ​ ​ Os usuários não-assinantes do Globoplay conseguem acessar trechos de novelas, séries e minisséries e a íntegra de programas jornalísticos e telejornais esportivos, com anúncios antes da reprodução dos vídeos. Enquanto os assinantes têm acesso à íntegra de todos os conteúdos da plataforma, programação ao vivo e às câmeras do reality show Brasil. Os ​ novos recursos trazidos pelo Globoplay em relação ao Globo TV+ incluem a transmissão da programação da TV Globo em tempo real e o acesso em multiplataformas; e a disponibilização da grade televisiva da TV Globo completa por dia e horário - o que reforça aqui o vínculo existente da programação broadcast com o Globoplay. ​ ​ Com a chegada do modelo de streaming da Netflix no Brasil a partir de 2011, o grupo ​ ​ Globo reforça seu olhar para o ciberespaço como um campo a ser explorado para atingir e fidelizar seus públicos. O Globoplay se distingue de suas plataformas antecessoras para além da reformulação de sua interface e de suas novas funcionalidades: sob a lógica transmídia (JENKINS, 2009), os conteúdos de seu catálogo começam a ultrapassar os limites da grade televisiva. A primeira estratégia de chamamento para a plataforma foi o lançamento exclusivo do capítulo zero da novela antes da estreia do primeiro capítulo ​ na televisão, um primeiro passo para a produção de projetos originais. Inicialmente estes conteúdos foram concebidos como desdobramentos da grade televisiva, os chamados spin-offs, e posteriormente também investiu-se em produções exclusivas do Globoplay e no ​ licenciamento de títulos que não são produzidos pelos Estúdios Globo. Em comparação às

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plataformas anteriores, o Globoplay caminha para se tornar uma primeira janela de exibição, explorando o lançamento prévio em diferentes intervalos de tempo como um recurso de ineditismo. As estratégias de ações combinadas entre os sistemas broadcast e streaming ​ ​ ​ permitem uma maior abrangência dos produtos ofertados na plataforma e, em contrapartida, uma maior profundidade dos conteúdos da grade de programação. A emissora se aproveita do alcance da transmissão televisiva para acionar o consumo no Globoplay, o que inclui chamadas e intervalos comerciais que divulgam a plataforma durante a programação e a exibição de prévias de conteúdos na grade televisiva. Uma das grandes potencialidades da plataforma, segundo informado pela diretora de conteúdo Ana Carolina Lima em entrevista para esta pesquisa, é que o Globoplay é um produto nacional idealizado por um grupo de mídia que já é familiarizado e reconhecido pelo consumidor brasileiro. Neste sentido, os dados de audiência e de consumo tanto do streaming quanto do próprio broadcast fornecem ​ ​ ​ ​ informações sobre o perfil do telespectador/usuário que retroalimentam e orientam as produções do Grupo Globo. No lançamento do Globoplay, seu catálogo inicial incluía apenas produções da TV Globo, atreladas sobretudo à programação corrente. Mungioli, Ikeda e Penner (2018) identificam neste momento um modelo de lançamentos que subordinava o streaming à grade da emissora aberta. Em 2016, das nove séries veiculadas na TV Globo, quatro tiveram ​ lançamento no Globoplay em data diferente da televisão (MUNGIOLI, IKEDA, PENNER, 2018). Entre elas, a série Supermax teve todos seus episódios disponibilizados na plataforma ​ antes da estreia da TV, exceto do capítulo final, que foi ao ar apenas no dia de sua exibição televisiva. Trata-se da primeira experiência de binge watching5 do Globoplay em busca de ​ engajamento e convergência de audiências, de modo a mesclar o hábito de maratonar característico do streaming e a expectativa gerada pela exibição do último episódio na ​ televisão (MASSAROLO, MESQUITA, 2017). No caso da subordinação do último capítulo de Supermax a estreia televisiva, há ainda um incentivo que o telespectador transite entre as ​ diferentes janelas - maratonando a série pelo Globoplay, mas sem abrir mão do engajamento na grade televisiva. No modelo de binge watching, a forma como a narrativa se estrutura ​ ​

5 Maratona ​

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obedece a arcos dramáticos estendidos que eliminam a necessidade de ferramentas como a recapitulação e a uniformidade de duração dos episódios oferecendo ao usuário a liberdade de assistir a série integralmente de uma só vez (MATRIX, 2014). O usuário passa a ser conduzido por um fluxo isolado autoprogramado por si, caracterizado pela atenção ampliada e direcionada para um único texto (MASSAROLO, MESQUITA, 2017) que contrasta com o caráter dispersivo da natureza televisiva (MACHADO, 2000). A inserção de determinadas novelas da TV Globo no Globoplay, por exemplo - gênero tipicamente televisivo -, se dá de modo a excluir as marcas de interrupção do capítulo, como a divisão em blocos e as vinhetas de abertura e fechamento do episódio, em busca da fruição do fluxo isolado, alternativo à concepção inicial da obra - desenhada para ser decodificada em partes e simultaneamente com outros programas (MACHADO, 2000) a partir de uma lógica de fruição linear e dispersiva. A reestruturação destes gêneros televisivos e a produção de narrativas seriadas sob a lógica de binge watching é justamente o ponto de reconfiguração estética do broadcast ​ ​ ​ para o streaming. Não há, portanto, alterações significativas nos formatos televisivos já ​ ​ existentes quando inseridos no Globoplay; já os títulos produzidos originalmente para o streaming são concebidos a partir de uma lógica de consumo digital, mas também não se ​ aproveitam integralmente dos recursos de interatividade que o ciberespaço pode oferecer. A partir de 2017, o lançamento antecipado no streaming, estratégia de digital first6, ​ ​ ​ torna-se um padrão e o Globoplay se consolida como primeira janela de exibição de narrativas seriadas. Apenas uma série é lançada primeiro na televisão, de um total de onze ​ ​ exibidas (MUNGIOLI, IKEDA, PENNER, 2018). Em 2018, todas as cinco séries exibidas na televisão já haviam estreado anteriormente no Globoplay; neste ano, a emissora exibiu apenas o primeiro capítulo de quatro séries que já estavam disponíveis na íntegra apenas para assinantes do streaming, explorando a estratégia de cross promotion7 que visa atrair novos ​ ​ ​ usuários pagantes para plataforma. O telespectador é novamente convocado a acessar os conteúdos no Globoplay via televisão broadcast, reiterando a disponibilidade de produções ​ ​ exclusivas do streaming. Não apenas no intuito de alcançar esta audiência em diferentes ​ ​

6 Primeiro no digital 7 Promoção cruzada

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momentos, mas também de conduzi-la por multiplataformas, de tal modo que o fluxo sob demanda estabelece relações de complementaridade com a programação televisiva. Este estímulo ao consumo digital se dá ainda na inserção de comerciais, vinhetas e da logomarca do Globoplay ao final de programas e telejornais da emissora, além de menções ao vivo à plataforma trazidas pelos próprios apresentadores. O chamamento na televisão para acessar o Globoplay mobiliza o apelo do consumo antecipado, indicando a disponibilização de produtos primeiramente para os assinantes da plataforma na busca por um deslocamento que efetive este consumo na internet (PEDROSO, SGORLA, 2018). Em 2018, a plataforma incorpora em seu catálogo conteúdos internacionais e passa a produzir as chamadas produções Originais Globoplay - conteúdos digital only8 -, de acesso ​ ​ exclusivo aos seus assinantes. O investimento crescente nestes conteúdos refletem as ​ ​ estratégias de diferentes serviços de streaming, como Netflix e Amazon Prime, que buscam ​ ​ investir nas produções inéditas para fidelizar seus assinantes. A grande moeda de troca deste modelo de negócio é a exclusividade, e neste sentido, as distribuidoras de streaming têm ​ fortalecido e ampliado seus catálogos com conteúdos próprios (MUNGIOLI, IKEDA, PENNER, 2018). Excepcionalmente em 2019, uma das seis séries exibidas pela emissora naquele ano foi escalada diretamente para a televisão - a obra Segunda Chamada (11 ​ ​ episódios) estreou no Globoplay após a exibição no broadcast, o que não acontecia desde ​ ​ 2017. A série Aruanas foi lançada apenas no ano seguinte na televisão, enquanto A Divisão e ​ ​ ​ ​ Eu, a vó e a boi não chegaram a ser exibida até o momento. O lançamento da segunda temporada de Sessão de Terapia, produção original do canal de TV por assinatura GNT, ​ ​ confirma os esforços de ampliação do catálogo também a partir do próprio leque de produções dos Estúdios Globo, não restritas a programação da TV Globo. A estratégia de cross promotion que se utiliza do alcance da TV como um recurso de direcionamento para o ​ digital é consolidada em 2019, com a fixação da Sessão Globoplay na grade da programação ​ televisiva. Com isso, o horário nobre das sextas-feiras da TV Globo passa a exibir os destaques de conteúdos do Globoplay, sobretudo os primeiros episódios de narrativas seriadas. Esta incorporação de conteúdos de diferentes frentes indica tendências de

8 Exclusivo do digital

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centralização das produções do Grupo Globo, confirmadas posteriormente com o anúncio do projeto UmaSóGlobo. A proposta transforma TV Globo, Globosat, Globo.com, DGCorp e em uma única empresa, “com o objetivo de integrar equipes e estruturas, desenvolver novas áreas de competência e buscar outras receitas”, segundo o então presidente executivo do Grupo Globo, Jorge Nóbrega (MEIO E MENSAGEM, 2018). Este movimento confirma o processo de convergência midiática corporativa que o Grupo Globo atravessa, com a reestruturação de metodologias e procedimentos relativos à produção midiática e alterações em suas dinâmicas de trabalho (FERREIRA, 2014). No contexto do isolamento social em decorrência da pandemia de covid-19, a partir de março/2020 o Globoplay emprega uma série de estratégias para atrair assinantes para plataforma; entre elas, a liberação do acesso a conteúdos infantis e aos primeiros episódios de todas as novelas do catálogo sem a necessidade de assinatura durante 30 dias. Entre março e maio de 2020, foram mais de 70 títulos liberados9. No modelo freemium, o acesso a ​ ​ conteúdos fragmentados organizados e tecnicamente atraentes buscam criar a disposição para que o consumidor se mantenha engajado na plataforma. Em entrevista, o diretor de produtos e serviços digitais da Globo, Erick Bretas, atribuiu o crescimento de 2,5 vezes da base de assinantes do Globoplay a busca por entretenimento na quarentena10. Além disso, é anunciado o lançamento de 4 títulos originais com a temática relacionada ao isolamento social e a transmissão de lives de artistas contratados no quadro Em casa para assinantes e ​ ​ não-assinantes11. Em resumo, conforme dados coletados, entre novembro/2015 e julho/2020, das 33 séries veiculadas na TV Globo, 8 foram incluídas no Globoplay concomitantemente à exibição na televisão, enquanto 24 foram lançadas primeiro na plataforma de streaming. ​ ​ Neste período, a Globo exibiu apenas os primeiros episódios de 13 títulos dos Estúdios Globo

9 Disponível em: https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2020/05/11/com-mais-assinantes-streamings-tem-desafio-da-f idelizacao.html. Acesso em 30 jul 2020 ​ 10 Disponível em: ​ https://www.mobiletime.com.br/noticias/18/06/2020/base-de-assinantes-do-globoplay-cresce-25-vezes-em-um-a no/. Acesso em 30 jul 2020 ​ 11 Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/2020/04/25/live-da-ivete-sangalo-inaugura-em-casa-programa-de-l ives-da-globo-globoplay-e-.ghtml. Acesso em 30 jul 2020 ​

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no programa Tela Quente e Sessão Globoplay, sem que o conteúdo fosse exibido na íntegra ​ ​ na televisão. Até o momento de realização desta pesquisa, a plataforma integra em seu catálogo 26 produções originais Globoplay, entre séries de ficção e documentais, spin-offs, ​ ​ programas especiais e de variedades, sendo 22 títulos exclusivos do streaming, sem estreia ​ ​ prevista na televisão.

Considerações finais

Do Globo Media Center ao Globo TV+, as sucessivas plataformas de streaming com ​ ​ vídeos sob demanda do Grupo Globo tinham a presença da televisão broadcast no cerne de ​ suas produções. Seus catálogos se restringiam a trechos e íntegras de conteúdos da programação dos canais televisivos. A constante reestruturação destas plataformas de vídeos sob demanda revelam os esforços do Grupo Globo enquanto um conglomerado de mídias de se inserir em um contexto de convergência midiática corporativo, na busca por expandir seu alcance e fidelizar suas audiências - movimento este que provoca alterações concretas nas dinâmicas produtivas antes estabelecidas. É com o lançamento do Globoplay em 2015 que o Grupo Globo reforça sua participação no mercado de streaming se aproveitando do potencial alcance de seus canais de ​ televisão broadcast. Para consolidar seu modelo de negócios, o Globoplay se utiliza de uma ​ ​ série de estratégias de marketing, posicionamento, produção e distribuição de conteúdos que ​ ​ visam direcionar seus públicos também para o ciberespaço. A partir do levantamento e da análise realizada, é possível constatar que ao decorrer dos anos a estreia antecipada das produções dos Estúdios Globo no Globoplay, estratégia de digital first, tornou-se um padrão ​ ​ ​ para o lançamento das produções do Grupo Globo; e este intervalo de tempo entre a estreia no streaming e no broadcast não segue necessariamente uma regra, reforçando o caráter de ​ ​ ​ experimentação adotado pelo Globoplay. Aliada a produção dos Originais Globoplay, conteúdos exclusivos para plataforma (digital only), e ao investimento nas ações de cross ​ ​ ​ promotion - que se utilizam do alcance da programação televisiva para acionar o consumo no ​ streaming -, concluímos que o modelo inicial identificado por Mungioli, Ikeda e Penner ​ (2018) que subordinava o Globoplay aos conteúdos e às datas de estreia da TV Globo não

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opera mais a partir desta lógica. O investimento na produção de títulos Originais Globoplay partem da exclusividade e do ineditismo para fidelizar seus assinantes, mas o Grupo Globo certamente também se aproveita do extenso catálogo da programação televisiva e sua familiaridade com a audiência brasileira para consolidar seu modelo de negócios - títulos estes que não sofrem grande reconfigurações estéticas para se inserir na plataforma, se não a supressão de marcas do fluxo televisivo como vinhetas e intervalos comerciais. O Globoplay não se restringe a reprodução ou catch-up da programação aberta (conteúdos já exibidos na ​ televisão) como faziam suas antecessoras, trata-se de um modelo de streaming em ​ convergência com a programação broadcast dos canais do grupo Globo e, cada vez mais, ​ com um catálogo independente da programação televisiva.

REFERÊNCIAS

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