Lasar Segall e a perseguição ao Modernismo: Arte Degenerada no Brasil e Alemanha

DANIEL RINCON CAIRES*

A comunicação apresenta uma pesquisa desenvolvida no âmbito do programa de Mestrado em História Social da Universidade de , sob orientação de Francisco Cabral Alambert Junior, e também como parte das atividades do Setor de Pesquisa em História da Arte/SPHA, departamento do Museu Lasar Segall. Partiu-se do objetivo geral de analisar os impactos da política cultural adotada pelo regime Nacional Socialista em relação às obras de arte moderna na Alemanha e países sob sua influência ou controle direto, acompanhando especificamente os destinos de algumas obras do artista russo Lasar Segall. Ao mesmo tempo, fez parte do escopo da pesquisa observar algumas manifestações de repúdio à obra de Lasar Segall também no Brasil, de natureza similar àquela experimentada por elas na Alemanha. Percebeu-se que no Brasil houve também uma crítica negativa à arte moderna que encontrou na apreciação à obra de Lasar Segall uma oportunidade de se manifestar. Isso ocorreu de maneiras que foram pontualmente observadas: na Alemanha, a partir de 1933, houve o processo de identificação e remoção das obras modernas, consideradas degeneradas, comunistas e “judaizantes” dos acervos públicos e sua inserção na exposição de Arte Degenerada, com finalidade de censurar os artistas, as antigas autoridades responsáveis pela gestão da cultura e, finalmente, o regime republicano anterior. De acordo com levantamento realizado durante a pesquisa, Segall teve 49 obras retiradas de 8 instituições públicas alemãs. Cinco delas foram exibidas na Exposição de Arte Degenerada organizada pelo Ministério de Propaganda do regime nazista, que circulou pela Alemanha entre 1937 e 1941; outras foram exibidas em exposições similares promovidas por autoridades locais. Do total, 15 foram destruídas e 14 estão desaparecidas. Uma das obras que figurou em diversas edições das exposições de Arte Degenerada, a pintura a óleo “Eternos Caminhantes”, que pertencera ao Museu Municipal de , foi reencontrada após a guerra e adquirida pela família Segall, fazendo parte hoje do acervo do Museu Lasar Segall em São Paulo. Foi possível também acompanhar a trajetória de algumas obras que, por meio do confisco direto ou por vendas realizadas em momentos de urgência e extrema necessidade, saíram de coleções particulares. A pintura a óleo “Dança Apache” de Lasar Segall estaria nesta categoria, sendo descrita como

* Mestrando em História Social na Universidade de São Paulo; pesquisador no Setor de Pesquisa em História da Arte – SPHA do Museu Lasar Segall, Instituto Brasileiro de Museus-IBRAM - Ministério da Cultura-MinC.

oriunda de uma coleção particular de obras de arte moderna vendida às pressas, por preços considerados muito abaixo dos praticados no mercado, para que sua proprietária amealhasse recursos suficientes para fugir ao Holocausto2. No Brasil, a perseguição à modernidade foi encabeçada, por um lado, pelo Estado Novo (1937-1945), que através de seus órgãos de monitoramento e controle das atividades culturais produziu uma série de documentos que sugeriam a ligação entre arte moderna, subversão política, degeneração moral, infiltração estrangeira etc. Lasar Segall foi monitorado com especial atenção, conforme revelam documentos oriundos dos arquivos da Delegacia Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS). Por outro lado, a partir da atividade de algumas pessoas que ocupavam espaço na imprensa, Segall e sua arte foram alvo de repetidas campanhas de difamação, amplamente inspiradas pela concepção nazista de detratação da arte moderna. Os ataques se tornaram particularmente agudos por ocasião da grande exposição individual realizada em 1943 no . Nessa altura, foram tão contundentes as acusações e invectivas que alguns dos críticos de arte e cultura em atuação no Brasil decidiram sair em defesa de Segall, o que gerou uma controvérsia que se estendeu por algum tempo nos jornais e revistas. É interessante notar que parte do público pareceu concordar com os acusadores, uma vez que se registraram atos de vandalismo contra as obras de Segall – e também de outros artistas modernos - em diversas ocasiões. Como índice para todas estas questões, procurou-se acompanhar a trajetória de Lasar Segall que, vivendo entre a Alemanha e o Brasil justamente no momento em que estes acontecimentos se desenrolavam, viu sua obra sofrer sob a perseguição à arte moderna nos dois lados do Atlântico. Durante a pesquisa, no entanto, ficou claro que o tema não seria adequadamente desenvolvido se o trabalho ficasse resumido à observação do caso específico de Lasar Segall e das trajetórias singulares de algumas de suas obras de arte. A busca por um olhar compreensivo sobre o repúdio à modernidade estética levou a um recuo do enquadramento temporal, exigindo que se considerasse fenômenos que se desenrolavam pelo

2 Segundo dados obtidos no site “The Lost Art Internet Database”, Margarete Mecklenburg, viúva de um colecionador judeu de arte moderna, teria vendido “Dança Apache”, em meio a muitas outras obras, para um negociante em Berlim, entre 1940 e 1941, cfe. http://www.lostart.de/DE/Verlust/409818 (acessado pela última vez em 31/7/2017). O “Lost Art” contém informações sobre objetos culturais expropriados pelos nazistas ou removidos, vendidos ou realocados em função da perseguição nazista ou das consequências da Segunda Guerra Mundial, e acolhe reivindicações de restituição. Tais informações são oferecidas pelas pessoas expropriadas, seus descendentes ou pelos membros do comitê que gerencia a base de dados. O caso de Margarete Mecklenburg encerrou-se de maneira trágica: a despeito de todos os esforços que fez, não pôde fugir, e foi enviada em 9 de dezembro de 1942 para o campo de extermínio de Auschwitz, onde foi assassinada; cfe. NITSCHE, 2015.

menos desde a década de 1870, e levou-nos a incorporar novos objetos de pesquisa, para além do caso específico de Lasar Segall. Nessa perspectiva, a trajetória de Lasar Segall serviu como guia privilegiada ao tema, revelando aspectos singulares e proporcionando a oportunidade de conectar estudos e realizar comparações entre cenários culturais afastados entre si no tempo e no espaço. Desde pelo menos 1991, quando uma grande exposição reuniu em Los Angeles um conjunto de obras que participaram da Exposição de Arte Degenerada nazista, na busca por reconstituir o mais fielmente possível aquela mostra, os especialistas no tema formaram uma rede, e vêm compartilhando informações referentes a esse momento da história da arte3. A visão que se tinha a respeito da política cultural nazista, que havia sido forjada logo após a derrota alemã, em 1945, havia sido delineada por interesses advindos das reacomodações do pós- guerra, e apresentava muitas intencionalidades que dificultavam uma observação sóbria. Por um lado, deixava-se de considerar que o repúdio à arte moderna era elemento anterior aos nazistas e não exclusivamente deles. Além disso, a narrativa que emergiu na esteira do final da guerra transformou os artistas perseguidos, de maneira automática e irrefletida, em vítimas ou em heróis, quando não numa mescla dessas duas figuras. Deixou-se de considerar as particularidades de cada caso, o que permitiu que alguns deles, notórios simpatizantes do regime nazista, deixassem de ser responsabilizados por seus atos4. A política cultural nazista, em estudos recentes, demonstra ter sido forjada aos poucos, de maneira assistemática e sem embasamentos doutrinários ou teóricos coerentes, ao longo do processo de ascensão do partido. Por isso exibiu sempre, como um de seus traços centrais, a contradição. Foi só tardiamente que o Expressionismo foi proscrito. Por algum tempo, Joseph Goebbels e alguns outros grupos ligados às altas esferas do regime nazista chegaram a defender que esta corrente – devidamente expurgada da “contaminação” estrangeira, bolchevique etc. – fosse adotada oficialmente como a verdadeira arte moderna alemã. Pequenos expoentes locais do partido promoviam sua própria versão da política cultural, resultando em ações descoordenadas. Ocorreu mais de um caso em que artistas “condenados”, cujas obras estavam expostas na mostra de Arte Degenerada, tivessem simultaneamente obras expostas na Große Deutsche Kunstausstellung (Grande Exposição de Arte Alemã), que tinha como objetivo exaltar o cânone oficial. Outro assunto que

3 Da exposição de 1991 resultou uma publicação relevante, que ainda serve de referência essencial para estudos desse tema (BARRON, 1991); uma nova mostra, realizada pela Neue Galerie de Nova Iorque, somou dados ao conjunto (PETERS, 2014). 4 O caso de Emil Nolde, conforme discutido por FULDA et SOIKA, 2014, é emblemático dessa questão.

foi tratado como tabu até os anos 1990, e que ainda é bastante incômodo, é o da restituição das obras confiscadas. Cada uma das nações vitoriosas adotou uma política distinta, mas quase todas evitaram desfazer os confiscos, o que na prática significa uma aceitação implícita daquelas ações. Há, enfim, uma série de aspectos novos a respeito do tema, que vêm sendo levantados através de pesquisas mais recentes, e que ainda não obtiveram sistematização e divulgação no Brasil, algo que se pretendia fazer, ao menos parcialmente, através deste estudo. Procurou-se compreender como e por que a arte moderna passou a ser considerada “degenerada” ou, em outras palavras, como se articulou o discurso que associou arte moderna e degeneração. Para iluminar esta questão, analisamos o desenvolvimento do conceito de Degeneração no século XIX e sua aplicação à análise cultural, processo em que a obra de Max Nordau foi importante. Interessou também observar a maneira pela qual os nazistas se apropriaram desse discurso e o reorientaram para seus interesses, tornando-o um de seus principais dispositivos de apelo às massas alemãs. Da mesma forma, pretendeu-se observar o processo de recepção à modernidade estética no Brasil, destacando com especial ênfase as resistências a ele. Observou-se a penetração das ideias que associam modernidade estética e degeneração no Brasil. A pesquisa apontou que as ideias de Max Nordau tiveram grande trânsito no Brasil do final do século XIX, divulgadas tanto pela imprensa quanto por diversos livros editados aqui. Nordau ocupou por alguns anos uma coluna na imprensa carioca, numa série de crônicas semanais sob o título “Cartas da Alemanha”. Como era usual que as folhas do século XIX reproduzissem o conteúdo de suas congêneres, os escritos de Max Nordau nas “Cartas da Alemanha” difundiram-se para várias províncias brasileiras, de Norte a Sul. Sabe-se também “Degeneração” – a obra em que Nordau sistematizou o ataque à modernidade estética por meio de argumentos médicos e científicos - foi traduzida para o português e publicada no Brasil pela casa editora Laemmert em 1897, assim como outras obras do mesmo autor, que obtinham ampla aceitação pelo público local.

Para compreender a gênese e a natureza do repúdio à arte moderna recorreu-se à leitura de algumas obras que representaram uma formalização de tais ideias, especialmente a já citada “Degeneração” de Max Nordau (publicada originalmente em duas partes nos anos de 1892 e 1893). Algumas outras obras foram compulsadas, na busca por compreender a formação desse pensamento refratário à modernidade: “O Homem de Gênio”, de Cesare Lombroso (1888) e o estudo de Fritz Stern sobre a gênese e disseminação do repúdio à modernidade na Alemanha,

“Politics of Cultural Despair”. A disseminação da ideia de degeneração foi apreciada por meio do estudo de Daniel Pick, “Faces of Degeneration”. Quanto ao Brasil, procurou-se encontrar as ideias que ligam arte moderna e degeneração em obras de críticos como Monteiro Lobato (especialmente no famoso texto em que comenta a exposição de em 1917, “Paranoia ou Mistificação”), Flexa Ribeiro, Mário Guastini, Oscar Guanabarino, cujos escritos foram escrutinados com vagar, além de muitos outros pequenos exemplares de críticas esparsas, às vezes escritas anonimamente, às vezes sob pseudônimo, por ocasião de eventos desencadeadores de polêmicas, como a Semana de Arte Moderna de 1922, o Salão Revolucionário de 1931, as atividades da SPAM (Sociedade Pró- Arte Moderna), entre outros. Procurou-se dar atenção às condições políticas e sociais na Alemanha e no Brasil no início do século XX, com ênfase na articulação entre as variações e suas implicações no campo da cultura. É consenso entre os estudos disponíveis que ao fim do Império e à ascensão da República de Weimar (1918) correspondeu uma reorientação da política cultural alemã quanto à arte estrangeira e uma abertura maior às correntes modernas: o Expressionismo foi oficialmente aceito e as coleções de arte públicas passaram a adquirir obras de arte moderna. Da mesma maneira, a ascensão dos nazistas trouxe uma mudança geral nas políticas culturais, desembocando na perseguição oficial à modernidade estética. No Brasil, detectou-se uma primeira corrente modernizante, ativa a partir de 1880, nominalmente contra a arte acadêmica ligada ao regime imperial; esses jovens modernos, triunfantes com a República, constituir-se-iam no bastião resistente às propostas formais dos artistas e literatos das vanguardas no século XX5. De todo modo, percebeu-se que a polêmica inicial causada pelas propostas modernistas se converteu –ainda que muito lentamente - em penetração institucional; os nomes principais do modernismo brasileiro inseriram-se aos poucos no estado, tratando de instituir oficialmente suas concepções. A grande exposição individual de Segall de 1943, por exemplo, se fez sob os auspícios do Ministério da Educação, graças, em grande parte, ao chefe de gabinete de Gustavo Capanema, Carlos Drummond de Andrade. Da mesma forma, Portinari foi elevado, não sem alguma controvérsia, ao posto de pintor símbolo do Brasil no final dos anos 1930. Mas essa penetração se fez acompanhar de uma forte hostilidade por alguns setores do público e por contraposição aberta e violenta por parte de

5 O caso mais emblemático dessa conversão dos “modernos” em “passadistas” pode ser visto na trajetória do crítico Oscar Guanabarino, que de defensor da renovação nos anos 1880-1890 tornou-se um dos mais renitentes e obstinados críticos do “modernismo” a partir dos anos 1920; ver CAIRES, 2017.

alguns elementos ligados à imprensa, bem como de alguns baluartes das instituições tradicionais. Além disso, ela atravessou o tumultuado período do Estado Novo, que tinha entre suas facetas uma tendência ao fascismo. Procurou-se compreender, por meio da análise da bibliografia disponível, a articulação entre as questões estéticas e os fenômenos sociais e políticos em andamento, na Alemanha e no Brasil. Como fontes para a análise dos casos singulares das obras de Lasar Segall, contamos com documentos pessoais que foram mantidos pelo próprio artista e que hoje compõe o acervo do Museu Lasar Segall. No Arquivo Lasar Segall (ALS) formado por correspondência, documentos de negócio, textos etc, encontram-se, por exemplo, diversos documentos ligados à obra “Eternos Caminhantes”, desde aqueles que permitem reconstituir as circunstâncias de sua produção e aquisição pelo Museu Municipal de Dresden, em 1919, até as cartas trocadas entre 1954 e 1957 com Emeric Hahn, um negociante de arte húngaro radicado em Paris que vendeu a obra de volta para a família Segall. O Museu conta ainda com os registros produzidos por Segall e sua família, contendo os dados de produção e comercialização de parte expressiva de suas obras, o que permite delinear suas trajetórias ao longo do tempo. No segmento que trata de Segall na Alemanha, a Provenance de suas obras foi reconstituída o mais detalhadamente possível, por meio da análise dos documentos do Arquivo Lasar Segall, o que permitiu detectar claros movimentos culturais – de abertura à modernidade e de sua posterior proscrição. Além dos itens do Arquivo Lasar Segall, a pesquisa se beneficiou de um conjunto bastante relevante de documentos, que permitiram reconstituir as ações governamentais de perseguição à arte moderna. Quanto ao estado nazista, um conjunto de documentos divulgados recentemente permitiu compreender a extensão e os métodos empregados para realizar tal tarefa. Em janeiro de 2014 o Museu londrino “Victoria and Albert” disponibilizou um inventário elaborado pelo Reichsministerium für Volksaufklärung und Propaganda (Ministério do Reich para o Esclarecimento do Povo e Propaganda) entre 1941 e 1942. O documento datiloscrito em dois volumes fornece informações sobre a origem, histórico expositivo e destino de cada uma das cerca de 16 mil obras de arte confiscadas. Além disso, a Freie Universität Berlin elaborou e disponibilizou para consulta uma extensa base de dados contendo informações as mais completas possíveis a respeito das obras confiscadas pelos nazistas, inclusive algumas oriundas de coleções particulares que estavam emprestadas a museus públicos no momento do confisco. As ações de confisco sobre coleções particulares são melhor documentadas em outras instâncias; entre estas, destaca-se o já citado projeto “The Lost Art Internet Database”.

No caso do Brasil, os inventários e investigações recentes feitos sobre o acervo dos órgãos de repressão política do Estado Novo trouxeram à tona informações relevantes sobre a forma com que o regime manteve a arte moderna sob estreita vigilância. O DEOPS (Delegacia Estadual de Ordem Política e Social), por exemplo, conforme atestam trabalhos de Maria Luiza Tucci Carneiro e Taciana Wiazovski, elaborou uma série de dossiês tendo em mira artistas, estrangeiros e ativistas políticos, empregando, no tocante à arte moderna, um jargão nitidamente inspirado pelo pensamento nazista. Procurou-se recorrer a estes documentos como forma de compreender a ótica oficial sobre a arte moderna no período em questão. O contato com os documentos demonstrou que a preocupação do DEOPS se voltava com ênfase maior às implicações políticas do modernismo – que consideravam, a priori, inevitavelmente ligado à subversão da ordem; questões estéticas foram muito pouco discutidas nos documentos policiais. Parte importante da discussão sobre a arte moderna no Brasil se deu na imprensa. Foi nesse foro que Segall foi atacado e defendido em 1943. Ali se entrincheirava a crítica de arte brasileira, e dessa maneira, a imprensa constou como parte importante da documentação nessa pesquisa. O acesso às discussões travadas na imprensa foi facilitado pelo fato de que o Museu Lasar Segall possui uma coleção expressiva desse tipo de fonte, por conta do hábito mantido por Segall de conservar as referências feitas a si nos jornais. Outro canal importante foi a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, que disponibiliza, para consulta on-line, cópias digitais de diversos periódicos brasileiros.

A pesquisa encontra-se ainda em andamento, mas é possível, no âmbito dessa comunicação, adiantar algumas considerações gerais. Por um lado, parece ressaltar da leitura das fontes e da bibliografia uma constante bastante nítida: a questão de fundo que atravessa os acontecimentos e coloca Segall e sua arte no fogo cruzado é a da identidade nacional. Em toda parte, ao que parece, os povos sentiam-se instados a repensar suas identidades coletivas. Parece haver um recuo nas posições, resultando no abandono da ideia de uma humanidade universal, levando ao entrincheiramento em territorialismos particulares. Segall – sempre um estrangeiro onde quer que estivesse - e a arte moderna por ele defendida, desafiavam os conceitos identitários, seja na Alemanha ou no Brasil. Para certos segmentos nacionalistas, a arte moderna podia representar uma ameaça à “pureza nacional”, uma intrusão estrangeira daninha. Além disso, a pesquisa parece demonstrar que houve um certo apagamento dessas tensões na narrativa sobre a instauração do modernismo. A “vitória” dos modernistas foi seguida por uma reescrita da sua trajetória, realizada pelos próprios vencedores. Nessa narrativa

triunfante, minimizou-se a importância dos opositores, ao ponto de se criar a impressão de que eles eram uma minoria retrógrada em meio a um mar de aclamações. A observação detida do caso de Lasar Segall, no entanto, parece indicar que o caminho foi muito mais árduo e prolongado.

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