1 “A Alma Ao Nível Da Terra” (Ressonâncias Do “Amém” Na Poesia De Cecília Meireles) Osmar Soares Da Silva Filho
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“A alma ao nível da terra” (Ressonâncias do “Amém” na poesia de Cecília Meireles) Osmar Soares da Silva Filho Rio de Janeiro 2012 1 “A alma ao nível da terra” (Ressonâncias do “Amém” na poesia de Cecília Meireles) Osmar Soares da Silva Filho Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Doutor em Ciência da Literatura (Poética). Orientadora: Professora Doutora Angélica Maria Santos Soares Rio de Janeiro Janeiro de 2012 2 “A alma ao nível da terra” (Ressonâncias do “Amém” na poesia de Cecília Meireles) Osmar Soares da Silva Filho Orientadora: Professora Doutora Angélica Maria Santos Soares Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Ciência da Literatura (Poética). Examinada por: _________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Angélica Maria Santos Soares - UFRJ _________________________________________________ Professor Doutor Claudio de Sá Capuano - UFRRJ _________________________________________________ Professora Doutora Maria Lúcia Guimarães de Faria – UFRJ _________________________________________________ Professora Doutora Martha Alckmin de Araújo Vieira – UFRJ _________________________________________________ Professor Doutor Manuel Antonio de Castro – UFRJ _________________________________________________ Professora Doutora Teresa Cristina Meireles de Oliveira – UFRJ, Suplente _________________________________________________ Professora Doutora Maria Helena Sansão Fontes – UERJ, Suplente Rio de Janeiro Janeiro de 2012 3 SILVA FILHO, Osmar Soares da “A alma ao nível da terra” (Ressonâncias do “Amém” na poesia de Cecília Meireles) / Osmar Soares da Silva Filho – Rio de Janeiro: UFRJ, CLA, 2012. xiv, 215 f., 30cm Orientadora: Angélica Maria Santos Soares Tese (Doutorado) – UFRJ/CLA/ Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura, 2011. Referências Bibliográficas: f. 201-214. 1. MEIRELES, Cecília. 2. Poética. 3. Filosofia da Natureza. I. SOARES, Angélica Maria Santos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Ciência da Literatura (Poética). III. Título. 4 Aos meus avós, entre o Céu e a Terra 5 “A Natureza reconhece os poetas”1 Cecília Meireles 1MEIRELES, Cecília. A lição do poema: Cartas de Armando Côrtes-Rodrigues. Celestino Sachet. (org). Ponta Delgada: Instituto Cultural Ponta Delgada, 1998, p. 6. (12 de Março de 1946). 6 Porto, 09 de julho de 2010. Querida Cecília, Esta noite sonhei estar em sua casa, a do Cosme Velho, fazendo um itinerário curioso entre as suas coleções de xícaras de café e outros objetos que você veio trazendo pelo mundo em suas viagens. Agora sei que seu itinerário é outro e que o café está cada vez pior. Por ora, ando bebendo café aqui mesmo pela terra, e você finalmente passou a conhecer de que são feitas as palavras e as nuvens que tão bem pastoreava. Como é ver tudo de cima? Neste vasto, imenso território alado em que você está? Esta carta que lhe escrevo com tão abusada intimidade é para dizer da minha admiração por sua poesia e por sua pessoa, da minha humilde veneração desesperada e distante. Confesso ter ficado com muita inveja da Fernanda de Castro quando li "Cartas além do tempo"... Primeiro, por ela a ter conhecido quando você veio a Portugal em 1934, depois por terem sido vocês duas confidentes, amigas, próximas e tudo o mais... A inveja é um animal que fica dentro e à espreita, mas às vezes dá os seus resultados mais mirabolantes e, talvez, por força desse animal, nossos diálogos já se façam há muito mais tempo que imaginamos e que vimos nos acompanhando como que por amor. Você, pela poesia. Eu, pelos seus poemas. Sim porque gosto de muitos poemas. Adoro alguns; e os seus eu amo! E eles já me acompanham desde a infância quando já sua pena diria para mim: “Criança, meu amor”, e eu, entre escolher “Ou isto ou aquilo”, acabei ficando com profunda saudade da sua “voz de amizade” dizendo "bom dia". Uma voz que só ouviria aos 18 ou 19 anos na Universidade por aquela bem fazeja iniciativa do disco de Festa... Sua voz era frágil, pequenina, emocionada e firme. Frágil e pequenina por parecer não gritar contra nada que não mereça um grito, emocionada porque não há poeta sem água por dentro e firme porque ainda se movimenta com um sangue eterno de asa de pássaro em manhãs morenas. Ando lendo suas cartas para o Armando Cortes-Rodrigues, Cecília, e, por elas, tenho conhecido você melhor. São todos seus os momentos de ternura entremeados pela profunda melancolia e tédio repentinos, o desejo de solidão... Eu sou de uma geração que conhece e não conhece a solidão (e cada vez mais desconhece a ternura), pois, por mais que se queira estar sozinho, isso nunca é possível... Hoje em dia somos muito mais pessoas do que nos seus anos. E inventaram uma máquina muito útil chamada computador e com ela veio a internet, com a internet os e-mails e com os e-mails acabaram-se as cartas... Com tudo isso ficou muito obsoleto estar só. Todo o tempo estamos nos comunicando, nos falando, rindo uns com os outros... O mundo virou uma grande praça pública. Suas ousadias do seu tempo, Cecília, de ter amigos além-mar e suas reclamações de o correio demorar tanto para enviar uma carta, hoje são "balela"; não fazem mais sentido. Aliás, nem os segundos fazem sentido mais. As horas viraram minutos e os segundos desapareceram, pois, daqui pra lá é possível saber tudo o que acontece... Só não é possível saber nada daqui para aí onde você está. Os deuses estão há muito tempo calados. E a natureza, que foi sempre uma deusa, sofreu um rapto e, como Perséfone, ruma às profundezas dos abismos humanos. Tanta exploração da terra, Cecília; tanta exploração dos homens, dos animais, das plantas. Não há mais anjos, nem há música. Os olhos de muita gente são um cenário de guerra. O Rio de Janeiro que você tanto amou está em total colapso... Não que você não tenha sabido o que foi guerra. Eu sei que soube. E soube da bomba atômica, dos meninos de Pistóia e outras coisas do seu tempo, mais terríveis que isso tudo. Mas agora a guerra se dá em nossa porta e chega a cada um pelo tiro. Há muito revólver, muita droga, muita diversão e pouco sono. Eu receio que seu corpo físico não aguentaria o Rio de Janeiro dos nossos dias, Cecília. Se você já se acastelava naqueles tempos, nesses anos 2000 creio que teu refúgio seria uma copa de árvore na Floresta da Tijuca ou uma concha no meio do mar. Mas o MAR ESTÁ POLUÍDO, Cecília. Há “línguas negras” por toda a parte e, no Oceano 7 Pacífico, há agora uma tal sopa de plástico... Tartarugas marinhas confundem águas-vivas e anêmonas com sacolas plásticas e garrafas pet (a desgraça do milênio são essas garrafas eternas!). Elas engolem os plásticos e morrem asfixiadas. Há matanças de baleias e já não há muitas baleias. O mar virou um mar de sangue total - e o sangue não é só humano, como bem vê. O mar deixou de ser absoluto. Infelizmente, não há refúgio, Cecília. E o retrato da situação é humano. Como eu dizia, aprendi a ler praticamente lendo os seus poemas de "Ou isto ou aquilo". Isso era num tempo em que as crianças ainda eram protegidas por uma educação pública mais ou menos estruturada. A rapidez com que as coisas se deterioram não deixou de alcançar a escola, que anda “muito mal das pernas”... Todas as suas convulsões em torno da Escola Nova e de um sistema educacional razoável ainda são lembradas por muitos estudiosos, mas ninguém coloca em prática os sonhos, Cecília. Em suma, em educação está tudo muito abandonado e infiel à felicidade. Mas há aqueles poucos que acabam se tornando, aos trancos e barrancos, qualquer coisa a mais, por conta da poesia. E sua poesia ainda encanta muitas crianças, mas já há adultos em muitas crianças, que, como o “Menino Azul”, ainda não aprenderam a ler. Foi aquele poema a maior lição da minha vida. Talvez eu mesmo ainda não saiba ler, ainda que ensine a tantos outros essa arte. Por isso, peço, desde já, licença para ler sua poesia, escrever sobre ela, estudá-la, apresentá-la... Sua poesia como planta verde, sua poesia como sacrifíicio à terra, sua poesia como salvação em lugares em que só aumenta o perigo... Sua poesia como pretensão. Está vendo como ainda não sei ler tão bem? Sua poesia, Cecília, acabou trazendo-me para lugares que nunca imaginaria estar... Fui empurrado pela sua vida a conhecer Portugal e nessas janelas e ruelas daqui volta e meia o seu vulto aparece. Não, eu também não me encontrei com o Fernando Pessoa. Apenas com uma estátua quase antropomórfica, quase monstruosa, no Chiado em Lisboa. Vi muitos painés de Vieira da Silva e parte do seu traço neles. Não me pergunte como, mas vi. Vi também muito da sua ausência... da ausência do Drummond, da ausência do Bandeira. O Vinícius de Morais todos conhecem - parece que um se salvou... - mas acho que somente pela música. Como pode ser possível? Logo você que cantou tanto Portugal (na verdade você cantou o Universo) estar assim tão esquecida? Talvez você não esteja esquecida, mas escondida, o que dá na mesma e não me serve de consolo. Mas me serve de consolo saber que pelo menos muitos portugueses guardam certo lirismo nos gestos e nas escolhas. É um povo curioso e nós somos muito eles. Somos e não somos, na verdade. Essas impressões,não dá pra expor em poucas e tão óbvias linhas. Seria melhor se conversássemos. Para isso, vou fazer o seguinte, daqui a pouco pego alguns poemas seus e os digo pro vento.