PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)

GISELA ARACELY BARAHONA DE GRACIA

PROGRAMA REDE DE OPORTUNIDADES: UM ESTUDO SOBRE AS MUDANÇAS OCORRIDAS NA VIDA COTIDIANA DE USUÁRIAS – DISTRITO DE – PROVINCÍA DE BOCAS DEL TORO – PANAMÁ – 2006/2010

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO 2011

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PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)

GISELA ARACELY BARAHONA DE GRACIA

PROGRAMA REDE DE OPORTUNIDADES: UM ESTUDO SOBRE AS MUDANÇAS OCORRIDAS NA VIDA COTIDIANA DE USUÁRIAS – DISTRITO DE CHANGUINOLA – PROVINCÍA DE BOCAS DEL TORO – PANAMÁ – 2006/2010

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Serviço Social, sob a orientação da Profa Dra Maria Lucia Carvalho da Silva.

SÃO PAULO 2011

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Banca Examinadora

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São Paulo, de de 2011.

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AGRADECIMENTOS

Ao Estado panamenho, pela valiosa oportunidade de realizar estudos de doutorado em Serviço Social, que me permitirá compartilhar os conhecimentos adquiridos e servir ao desenvolvimento social e econômico de nosso país.

À equipe de trabalho da Secretaria Nacional de Ciência e Tecnologia (Senacyt) e do Instituto para a Formação e Aproveitamento dos Recursos Humanos (Ifarhu), gerentes do Programa de Bolsas Internacionais, pelo compromisso e apoio oferecidos ao longo desses quatro anos.

À Universidade Tecnológica de Panamá, pelo respaldo propiciado à realização deste projeto acadêmico e profissional.

A meus amigos Humberto e Ivet, por sua amizade e por se arriscarem economicamente a fim de que eu realizasse este projeto acadêmico e pessoal, muito obrigada.

À Profa Dra Maria Lucia Carvalho da Silva, por sua orientação e atenção oferecidas durante este processo, o qual foi marcado por mudanças e alguns momentos muito difíceis.

Ao pessoal do Ministério de Desenvolvimento Social (MIDES), no distrito de Changuinola, pela colaboração recebida durante o período de estudos preliminares e no desenvolvimento do trabalho de campo.

Às usuárias da Rede de Oportunidades do distrito de Changuinola que participaram deste estudo, por permitir-nos entrar em seu mundo e compartilhar de parte de sua história e vida cotidiana.

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RESUMO

Esta tese tem como objeto a análise do Programa Rede de Oportunidades: um estudo sobre as mudanças ocorridas na vida cotidiana de usuárias - Distrito de Changuinola - Província de Bocas del Toro - Panamá - 2006/2010. O estudo possui como objetivo analisar os significados expressos pelos sujeitos de pesquisa, quanto: ao entendimento da proposta do Programa Rede de Oportunidades, as mudanças na vida cotidiana das usuárias em Changuinola e em suas famílias a partir de sua participação neste programa de transferência de renda e quanto a seus sonhos e projetos de futuro. Sob o ponto de vista metodológico, a pesquisa é de natureza quanti-qualitativa, que permite conhecer as mudanças na vida cotidiana de 25 usuárias que participam no Programa Rede de Oportunidades em Changuinola, compreendendo três etapas inter-relacionadas: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo, incluindo observação participante, entrevistas semiestruturadas, fotos e vídeo. Selecionamos autores clássicos e contemporâneos, especialmente de origem latino-americana e brasileiros, nas referências conceituais centrais: pobreza; vida cotidiana e participação; inclusão/exclusão social e cidadania, bem como alguns como conceitos complementares, tais como: família, política social e transferência de renda e globalização. Os resultados da pesquisa revelaram que quatro anos de existência do Programa Rede de Oportunidades no distrito de Changuinola contribuíram para melhorias iniciais nas condições de vida das famílias usuárias nas áreas de alimentação, saúde, educação, transporte e, em menor medida, nas condições materiais das moradias e aquisição de alguns artigos para a comodidade e recreação dos membros de famílias. Essas melhorias são geralmente entendidas como ajuda, encaminhadas primeiramente até a compreensão da assistência social como direito na perspectiva de construção de cidadania. Nesse sentido, também foi iniciado um processo de relação intercultural entre algumas usuárias de diferentes grupos étnicos (Ngöbe e Kuna), (Ngöbe e Latinas) que se unem para realizar trabalhos e atividades a fim de gerar recursos e também para estabelecer mais relações comunitárias. Ademais, encontramos alguns limites, entre os quais podemos mencionar o

5 escasso número de promotoras em relação ao número de famílias, considerando que o trabalho socioeducativo é fundamental para garantir o êxito do programa. É necessário distribuir melhor os recursos da região, através do trabalho articulado entre as diferentes instituições. Consideramos que à Associação de Trabalhadores Sociais de Panamá corresponde enfrentar o desafio de lutar pela criação de uma Lei de Assistência Social na República de Panamá.

Palavras-Chave: Política social, Transferência de renda; Pobreza; Vida cotidiana, Cidadania.

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RESUMO

This thesis has as object, the analysis of the Program of Network of Opportunities: a study on the changes that occurred in the daily lives of the users, in the District of Changuinola- province of Bocas del Toro – – 2006/2010. The main aim of this study was to analyze the meanings expressed by the subjects of this research in the understanding of the proposal of the program Network of Opportunities, the changes in the daily lives of the users in Changuinola and their families from the participation in this program of income transference and in their dreams and future projects. From the methodological point of view, this research is considered quant-qualitative; it allows knowing the changes in the daily life of twenty-five users that participated of the referred program. It comprised three interrelated stages: bibliographic investigation, documental investigation and field research, including the observation of the participants, semi-structural interviews, as well as video and photography. Classic and contemporary authors where chosen especially Brazilian and Latin Americans. The central conceptual references such as poverty, daily life and participation, social and citizenship inclusion/exclusion, likewise other complementary concepts as family, social politics, income transference and globalization were also taken in account. The results of this research revealed that in four years of existence of the Program of Network of Opportunities in the district of Changuinola is contributing for initial improvements in the lives of families that use the program in the areas of food, health, education, transportation and in a lesser way the material conditions of the housing and acquisition of some articles for the comfort and recreation of the family members. These improvements are usually understood as help, directed primarily towards the comprehension of the social assistant as a right, in the perspective of the construction of citizenship. In this sense, a process has also been initiated as an intercultural relation between some users of different ethnic groups (Ngöbe and Kuna), (Ngöbe and Latin) that have joined together to perform works and activities to generate income and establish communitarian relations. In addition, there are some limits within which we can mention the small number of promoters regarding the number of families; we also consider that the socio-educational work is fundamental to the success of the program.

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As well as the need to optimize better the natural resources of the region through the articulated work in between the different institutions. We believe that to the Association of Social Workers of Panama, corresponds the challenge to fight for the creation of a specific law of Social Assistance in the Republic of Panama.

Key-Words: Social Policy; Income Transference; Poverty; Daily Life; Citizenship.

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LISTA DE SIGLAS

ACP – Autoridade do Canal de Panamá

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM – Banco Mundial

BNP – Banco Nacional de Panamá

CAI – Centro de Atenção Integral

Cobana – Corporação Bananeira do Atlântico

Cepal – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

ENV – Enquete de Níveis de Vida

Inadeh – Instituto Nacional de Formação Profissional e Capacitação para o Desenvolvimento Humano

INTEL – Instituto Nacional de Telecomunicaçoes

IPF – Indice de Pobreza da Família

IRHE - Instituto de Recursos Hidráulicos e de electrificação

LSMS – Living Standards Measurement Study

Mides – Ministério de Desenvolvimento Social

Minsa – Ministério de Saúde

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Meduca – Ministério de Educação

MEF – Ministério de Economia e Finanças

PMT – Proxy Meanns Test

PNUD – Programa das Naçoes Unidas para o Desenvolvimento

SIGP – Sistema de Gerenciamento de Informaçoes de Panamá

Sinaproc – Sistema Nacional de Proteção Civil

TMC – Transferência Monetária Condicionada

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SUMÁRIO

Capítulo I BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA: CARACTERÍSTICAS E REALIDADE ATUAL DO PANAMÁ 1. Histórico 27 1.1. Época Colonial: 1501-1821 27 1.2. Época de união à Grã-Colômbia 1821-1903 28 1.3. Época Republicana 1903-2010 31 1.4. Época de Dictadura Militar 33 1.5. Época Democrática 36 2. Características Gerais 37 2.1. Aspectos Físicos 37 2.2. Aspectos Político - Administrativos 38 2.3. Aspectos Demográficos 39 2.4. Situação Geopolítica 42 3. Realidade Atual 44 3.1. Pobreza 46 3.2. Saúde 48 3.3. Educação 59 3.4. Habitação 51 3.5. Principais Atividades Económicas 51 Capítulo II PROVÍNCIA DE BOCAS DEL TORO E O DISTRITO DE CHANGUINOLA: CARACTERÍSTICAS GERAIS. 2.1 Provincia de Bocas del Toro 53 2.1.1. Abordagem Histórica 53 2.1.2. Aspectos geo – demográficos 55 2.1.3. Aspectos sociais 57 2.1.4. Aspectos econômicos 63 2.2. Distrito de Changuinola 64 Capítulo III BASES CONCEITUAIS 3.1 Vulnerabilidades, Pobreza e Família 67

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3.2 Proteção Social, Política Social e Política de Transferência de Renda 72 3.3 Vida Cotidiana e Participação 76 Capítulo IV PROGRAMA REDE DE OPORTUNIDADES: UMA EXPERIÊNCIA DE POLÍTICA DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA 4.1 Considerações preliminares 80 4.1.1 Mapa de pobreza 80 4.1.2 Censo de Vulnerabilidade Social 81 4.1.3 Enquete: Níveis de Vida 81 4.2 Proposta do Programa Rede de Oportunidades. 82 4.2.1 Objetivo do Projeto Rede de Oportunidade 82 4.2.2 Componentes 83 4.2.3 Níveis de coordenação 87 4.2.4 Áreas de intervenção 88 Capítulo V IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA REDE DE OPORTUNIDADES NO DISTRITO DE CHANGUINOLA, PROVÍNCIA DE BOCAS DEL TORO: UMA ANÁLISE EM PROCESSO 5.1 Primeiros Pasos 89 5.2 Percepções dos sujeitos investigados: autoridades, promotoras, informantes especiais e usuárias, quanto ao seu entendimento da proposta do Programa Rede de Oportunidades 90 5.3 Significados expressos pelas usuárias sobre mudanças propiciadas por sua participação no Programa Rede de Oportunidades 104 5.3.1 Quanto à alimentação, educação, saúde, moradia, relações familiares e participação da família na comunidade. 104 5.3.2 Quanto ao universo da subjetividade como mulheres, donas de casa, trabalhadoras e cidadãs 139 5.3.3 Quanto a sonhos e projetos de futuro 146 CONSIDERAÇÕES FINAIS 155 REFERÊNCIAS 162 ANEXO 166

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INTRODUÇÃO

O senador brasileiro Eduardo Suplicy, em estudo sobre Programas de Transferência de Renda de caráter universal e incondicional, denominado por ele de Renda de Cidadania e por outros de Renda Básica, destaca os fundamentos que sustentam os programas dessa natureza no campo religioso: no Al Corão, no Budismo e, ainda, nos Velho e Novo Testamentos da Bíblia Sagrada; em filósofos clássicos, como Confúcio e Aristóteles; em revolucionários, como Karl Marx: ―de cada um de acordo com sua capacidade, a cada um de acordo com suas necessidades‖.

Os programas de transferência de renda são classificados por Suplicy como uma possibilidade concreta, simples e objetiva de garantia do direito mais elementar do ser humano, o direito à vida, mediante uma justa participação na riqueza socialmente produzida. Esse autor referencia importantes experiências dessa natureza ao redor do mundo: em vários países da Europa, a partir de 1930; nos Estados Unidos, em 1935, quando Franklin Roosevelt criou o Social Security Act e instituiu o Aid for Families with Dependent Children (AFDC) (Programa de Auxílio a Famílias com Filhos Dependentes), concedendo um complemento a famílias com renda abaixo de certo nível, cujas mães eram viúvas e apresentavam dificuldades para cuidar de seus filhos e oferecer-lhes educação.

Em 1974, foi criado, nos Estados Unidos, o Eamed Income Tax Credit (EITC) (Crédito Fiscal por Remuneração Recebida), imposto destinado a famílias trabalhadoras e com filhos, tendo um nível de renda a partir do qual as famílias recebem uma transferência monetária variável, de acordo com a renda e o número de filhos.

No livro Renda de Cidadania: A Saída É pela Porta, Suplicy analisa a experiência do Estado de Alaska, denominada Fundo Permanente de Alaska, por meio do qual os moradores do Estado recebem uma renda monetária transferida diretamente para suas contas bancárias, considerando o volume do Produto Interno Bruto (PIB) no referido ano, e destaca o programa Basic

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Income European Network (BIEN), a mais ampla articulação europeia em defesa de una renda básica para todo o continente, criada em 1986.

O debate internacional sobre os Programas de Transferência de Renda surge a partir de 1980, no âmbito das grandes transformações ocorridas na economia, com reflexos no mundo do trabalho, cujas consequencias mais importantes são a geração de um número cada vez maior de desempregados, além da ampliação dos trabalhos precários, alcançando homens e mulheres de todas as faixas etárias, principalmente os jovens, fortemente afetados pelo desemprego de longa duração.

Essa situação tem surtido efeitos na sociabilidade salarial, inspirando estudiosos a identificarem novas questões sociais, a partir desse processo e da necessidade de reorientar o Welfare State (estado de bem-estar social), cujos elementos básicos de sustentação (pleno emprego, crescimento econômico e família estável) desmoronam, ao não ter mais sustentação, seu desenho original, no âmbito da economia globalizada (GORZ, 1983, 1985, 1991; ROSANVALLON, 1995; CASTEL, 1995). (SILVA et al. 2004:41)

No plano internacional, os Programas de Transferência de Renda, como possibilidade de solução para a crise do emprego e para o enfrentamento da pobreza, são defendidos por políticos, organizações sociais e estudiosos das questões sociais de diferentes matizes teóricas, dentre as quais se destacam as seguintes: a) uma perspectiva de natureza liberal/neoliberal, que os considera mecanismos compensatório e residual, eficiente no combate à pobreza e ao desemprego, uma política substitutiva dos programas e serviços, ou como mecanismo simplificador dos Sistemas de Proteção Social; b) uma de natureza progressista/distributiva, que considera os Programas de Transferência de Renda como mecanismos de redistribuição da riqueza socialmente produzida e como política complementar aos serviços sociais básicos já existentes, focada na inclusão social; c) outra, que os vê como mecanismos provisórios para permitir a inserção social e profissional dos cidadãos, em uma conjuntura de pobreza e desemprego (Ibid.: 36).

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A América Latina também, em certa medida, sofre as transformações que ocorreram, no plano internacional, no mundo do trabalho, com a criação dos Programas de Transferência de Renda. Nesse sentido, existe muita diversidade entre os países da região e entre setores dentro de um mesmo país.

Os Programas de Transferência de Renda foram implantados, na América Latina, em diferentes momentos, como alternativas propostas por políticos, organizações sociais e alguns estudiosos das questões sociais nos diferentes países da região, onde prevalecem os mais elevados índices de desigualdade econômica e social, tendo em conta a visibilidade e o papel que as transferências de renda vêm assumindo na estratégia de combate à pobreza.

Esses programas estão relacionados com as redes de proteção social e possuem algumas peculiaridades: preocupação com o tema da integralidade, o enfoque multidimensional da pobreza, a centralidade na família, a co- responsabilidade, o tema de gênero, o princípio do ciclo de vida, o foco, a participação social e a inclusão dos temas de etnia e raça (CEPAL, 2006:155).

Di Geovanni chama de Sistemas de Proteção Social às formas, por vezes mais, por vezes menos, institucionalizadas, que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. Esses sistemas resultam de certos vícios da vida natural, ou social, como: a velhice, a enfermidade, o infortúnio, ou as privações. Incluem-se nesse conceito as formas seletivas de distribuição e redistribuição dos bens materiais (como a comida ou o dinheiro) e também a dos bens culturais (como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a integração de várias formas de vida social (CEPAL, 2008:1).

O processo de globalização contribuiu para excluir enormes contingentes de população do mercado formal de trabalho, fazendo emergir novos pobres, ou seja, pessoas aptas para o trabalho, trabalhadores qualificados que, ao verem eliminados seus postos de trabalho, ficaram

15 desempregados ou empregados em trabalhos precários, temporários e sem proteção social, ou participação sindical, agravando as condições de pobreza e desigualdade.

As sociedades latino-americanas caracterizam-se pela persistência da pobreza, da exclusão social e da desigualdade, razão pela qual as reformas dos sistemas de proteção social converteram-se em elemento fundamental nas agendas políticas da região.

A proteção social inscreve-se na região em um complexo panorama econômico e social. Nos últimos 25 anos, o crescimento econômico, insignificante e volátil, se uniu aos altos níveis de pobreza e a uma grave desigualdade, em termos de distribuição de renda, agravando o quadro de exclusão social (Ibid.:58).

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) afirma que o déficit histórico em matéria de exclusão e falta de proteção social obedece fundamentalmente a dois fatores. O primeiro é a promessa não cumprida de sistemas de proteção social baseados no emprego formal. O segundo, são as falhas dos sistemas não contributivos que produziram coberturas baixas e desiguais, bem como serviços de qualidade heterogênea. A necessidade de expandir a cobertura da população, assim como as limitadas perspectivas de formalização dos mercados laborais, e a crescente pressão no custo dos sistemas (devido a aspectos demográficos, epidemiológicos e transições tecnológicas) indicam que é fundamental potencializar o componente no contributivo da proteção social, embora reforçando também os incentivos aos aportes contributivos (Ibid.: 59).

As redes de proteção social foram criadas para atender aos pobres e a circunstâncias especiais. Tratam-se de programas que atuam como apoio à escola, aos serviços de saúde, criando condições, mediante as transferências, para assegurar a presença da população que deles participa.

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Esses programas de fato não podem enfrentar a superação da pobreza, não obstante, podem trazer relevante contribuição para melhorar as oportunidades ofertadas às pessoas ao longo de suas vidas, especialmente para que as crianças e adolescentes possam romper o perverso círculo da pobreza.

Com base nessa realidade, selecionamos o tema de Transferências de Renda para esta tese de doutorado, por ser relevante para a América Latina e para o Panamá, ao desempenhar importante função na política social de nossos países.

Definimos como objeto de pesquisa ―As transformações ocorridas nas famílias que participam do Programa Rede de Oportunidades, em Changuinola, província de Bocas del Toro, república de Panamá, no período 2006-2010‖.

Esperamos que esta contribuição permita ampliar os conhecimentos a respeito das políticas sociais compensatórias que, tal como o Programa de Transferência de Renda, denominado Rede de Oportunidades, pretendem implantar uma política pública de renda cidadã no istmo panamenho.

No Panamá, a Rede de Oportunidades desponta como projeto de Estado, em 2006, parte da estratégia de combate à pobreza extrema. Baseia- se em transferências monetárias condicionadas à participação das famílias nos serviços de saúde, educação e desenvolvimento de capacidades governamentais.

As transferências condicionadas realizam-se sob a premissa de que investir no capital humano cria mais chances de aproveitar as oportunidades que se apresentem em um futuro próximo, a fim de incrementar a qualidade de vida – a sua própria e a de sua descendência. A Rede de Oportunidades incorporou a capacitação para a segurança alimentar e a geração de renda.

Os níveis de pobreza extrema determinados na enquete sobre Níveis de Vida, de 2003 – principalmente nas áreas indígenas, onde 90% da população

17 vivia em condições de pobreza extrema – foram fundamentais para implantar a Rede de Oportunidades no território panamenho.

As seguintes indagações básicas foram feitas no estudo desse tema:

Como o programa Rede de Oportunidades está contribuindo para o distrito de Changuinola melhorar as condições de vida das famílias usuárias na alimentação, saúde, educação, etc? Até que ponto esse programa está sendo entendido como um direito pelas famílias usuárias? Em que forma esse programa está contribuindo na capacitação para o trabalho das famílias que participam da Rede de Oportunidades?

A partir dessas perguntas, definimos como hipótese: O Programa Rede de Oportunidades, no distrito de Changuinola, está contribuindo para melhorias iniciais nas condições de vida das famílias usuárias quanto a: alimentação, saúde, educação, transporte e moradia. Essas melhorias são geralmente entendidas como ajuda e não como direito, na perspectiva de proteção socioassistencial, e apenas algumas famílias usuárias participam de atividades de grupo para a geração de trabalho e renda, na perspectiva da construção de cidadania.

Para conhecer nosso objeto de estudo, definimos como objetivo geral:

Analisar variações na vida cotidiana de mulheres usuárias da Rede de Oportunidades, no distrito de Changuinola, e em suas famílias, a partir de sua participação nesse programa de transferência de renda, tendo presente a implantação de uma política social de construção de direito e cidadania, do período 2006-2010.

A seguir, apresentamos alguns objetivos específicos que contribuíram para alcançar nosso objetivo geral.

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Saber como a Rede de Oportunidades contribui para a permanência dos adolescentes e crianças no sistema educativo. Identificar melhorias na alimentação, no transporte e na moradia das famílias que participam da Rede de Oportunidades. Verificar as alterações na participação das famílias usuárias da Rede de Oportunidades nas ações básicas de saúde. Identificar a participação de membros das famílias usuárias da Rede de Oportunidades nos programas de capacitação para o trabalho. Identificar as transformações na identidade das mulheres enquanto pessoas, esposas, mães, membros de uma comunidade e sujeitos de direito.

Para realizar este estudo escolhemos como referências básicas os seguintes conceitos: pobreza e família; proteção social, política social e transferência de renda; vida cotidiana e participação. Essa constelação teórica permitiu orientar a análise dos dados obtidos na pesquisa, a partir de autores das áreas de Sociologia, Antropologia, Filosofia e Trabalho Social, numa perspectiva crítico-dialética.

Sob o ponto de vista metodológico, a pesquisa é de natureza quanti- qualitativa pois incluiu aspectos quantitativos e qualitativos que permitiram apreciar as transformações na vida cotidiana de 25 famílias participantes do programa Rede de Oportunidades, em Changuinola, província de Bocas del Toro, no período de 2006-2010.

Este estudo abrangeu três etapas inter-relacionadas: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo.

Nosso primeiro contato com o tema Rede de Oportunidades deu-se por meio de publicações disponibilizadas no site do Ministério de Desenvolvimento Social (Mides) e de publicações online do diário La Prensa, do Panamá.

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Posteriormente, procedemos a buscas via Internet sobre os diferentes programas de transferência de renda existentes na América Latina, com atenção especial para os casos do Brasil, México e Chile.

Adicionalmente, investigamos a produção de mestrado e doutorado do Programa de Estudos de Pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), principalmente nas áreas de política social, assistência social e transferência de renda. Selecionamos autores clássicos e contemporâneos, especialmente os de origem latino-americana e brasileira nas áreas de pobreza, inclusão e exclusão social, cidadania, entre outros temas relacionados, como a globalização.

A pesquisa documental compreendeu leis, decretos, planos, programas, informes, mapas do Mides, das Nações Unidas e Cepal sobre a Rede de Oportunidades e outros programas de transferência de renda.

A pesquisa de campo incluiu estudos preliminares, que se iniciaram com uma primeira visita de observação, reconhecimento e aproximação da realidade existente na província de Bocas del Toro e, em particular, no distrito de Changuinola.

Nessa visita, entrevistamos, na condição de informante-chave, o padre Corpus López, que trabalhou em Bocas del Toro nos últimos 35 anos e, durante os quais, manteve contacto perene com a comunidade, inclusive com diferentes gerações dos distintos grupos que compõem os bocatorenhos, a população dessa província.

No período de estudos preliminares, pudemos acompanhar o pagamento da Rede de Oportunidades em áreas de difícil acesso, o que nos permitiu percorrer diferentes comunidades da província (Las Tablas, Bonyic y Sieyic, na região de Naso-, Cayo de Agua, Isla Tigre e Isla Popa, em , Sharkole e San Cristobal em ). O Valle de Riscó foi exceção, pois somente permitia o acesso de reduzido número de funcionários, já que, pelas dificuldades de acesso, se viajaria de helicóptero.

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Adicionalmente, participamos de algumas atividades socioeducativas realizadas pelas promotoras. Em , assistimos a uma palestra sobre os Direitos dos Meninos e Meninas, com o apoio do pessoal do Centro de Atenção Integral (CAI) do Mides.

Visitamos o grupo de mulheres de Finca 51; uma das dirigentes nos recebeu e, em seguida, conforme as participantes da Rede de Oportunidades iam chegando, elas nos convidaram a visitar a Granja de Pollos, localizada em terrenos da Corporação Bananeira do Atlântico (Cobana), longe da estrada e em meio à vegetação.

O governo nacional aprovou a Lei 30, de 16 de junho de 2010, durante o período de estudos preliminares, o que mergulhou o país em um clima de instabilidade social e, à cidade ocidental de Changuinola, no caos.

Essa lei, entre outros aspectos, contemplava a possibilidade de suspender os contratos dos trabalhadores que fizeram greve e a contratação de pessoas para substituir os grevistas, o que provocou a ira de grupos sindicais. A Lei 30 foi derrogada em 11 de outubro de 2010.

Após os dramáticos acontecimentos na área bananeira de Changuinola (mortos e feridos com tiros nos olhos), foi necessário esperar algumas semanas para que a tranquilidade voltasse à comunidade, já que um significativo número de funcionários públicos instalou-se nessa cidade, para apoiar os familiares das vítimas da repressão durante a greve.

Os estudos preliminares foram realizados durante os meses de maio e junho de 2010. A pesquisa de campo propriamente dita abrangeu a seleção da área de pesquisa e dois sujeitos significativos.

Considerando as dificuldades próprias da geografia bocatorenha e os aspectos materiais e econômicos, decidimos realizar a pesquisa no distrito de Changuinola, o maior da província de Bocas del Toro, no qual se encontram

21 como usuários da Rede de Oportunidades, três grupos indígenas distintos, além de mulheres de origens afrodescendente e latina.

Selecionamos cinco famílias de cada um dos principais grupos étnicos que vivem no distrito de Changuinola, a partir de orientações das promotoras sobre as áreas de residência dos diferentes grupos humanos objeto de nosso estudo e atendendo aos seguintes critérios de seleção dos sujeitos: Origem étnica (indígenas: Ngöbe, Naso-Teribe, Kuna; afrodescendentes e latinas); Famílias mais antigas no programa; Famílias com maior número de filhos.

O posto provincial do Mides não contava com acesso à base de dados das usuárias da Rede em Bocas del Toro, pois essa informação é manejada na central, localizada na Ciudad de Panamá, razão pela qual decidimos trabalhar com as mulheres Ngöbes e latinas residentes em Finca 51.

As mulheres Naso-Teribe foram entrevistadas na comunidade de Bonyic, na qual se pode chegar caminhando desde El Silencio (mais de uma hora de ida e outro tanto para regressar). Para chegar a outras comunidades Teribe, se requer o uso de bote.

As indígenas Kunas entrevistadas residem em diferentes áreas de Changuinola: Empalme, Finca 11, Finca 51 e a Antiga Barraca dos Maestros em Finca.

As mulheres usuárias afrodescendentes foram entrevistadas na cidade portuária de Almirante, local com forte presença desse grupo.

Além das 25 usuárias da Rede de Oportunidades, realizamos entrevistas semiestruturadas, com base em um guia de perguntas, com as três promotoras mais antigas do programa, as autoridades provinciais e alguns informantes especiais, como a Assistente Social do Mides. No total, foram 35 os sujeitos de pesquisa.

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A coleta de informação foi feita mediante entrevistas semiestruturadas, observação participante, diário de campo, e fotografias, nas quais registramos detalhes da realidade bocatorenha e filmamos algumas das casas das usuárias, assim como suas impressões sobre a Rede de Oportunidades.

Nas entrevistas com as 25 usuárias da Rede de Oportunidades, realizadas com a autorização verbal de cada uma, tentamos conhecer suas percepções, significados, e o que representa para elas participar das diferentes ações que desenvolve a Rede de Oportunidades. Ainda, conhecer algumas das transformações ocorridas no cotidiano dessas famílias que vivem em condição de pobreza extrema e participam desse programa de transferência de renda em Changuinola, província de Bocas del Toro.

As 25 mulheres usuárias da Rede de Oportunidades que participaram no estudo são identificadas pelos seguintes códigos: Ngöbes: N1, N2, N3, N4, N5; Nasos-Teribes: NT1, NT2, NT3, NT4,NT5; Kunas: K1, K2, K3, K4, K5; Afrodescendentes: AD1, AD2, AD3, AD4, AD5; Latinas: LA, L2, L3, L4, L5.

Os dados do perfil das mulheres anteriormente indicadas são: Ngöbes: N1: 40 anos, 2o ano primário, 6 filhos/as em sua casa, 2 netos/as, marido. Total: 11 pessoas. N2: 48 anos, analfabeta, 6 filhos/as em sua casa, 4 netos/as, marido, enteado. Total: 13 pessoas. N3: 44 anos, analfabeta, 7 filhos/as, marido. Total: 9 pessoas. N4: 48 anos, analfabeta, 10 filhos/as, 5 netos/as, marido, nora e 2 enteados. Total: 20 pessoas. N5: 49 anos, analfabeta, 5 filhos/as, 6 netos/as, marido e enteado. Total: 14 pessoas.

Nasos -Teribes:

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NT1: 30 anos, 3o ano primário, 3 filhos/as em casa. Total: 5 pessoas. NT2: 56 anos, 6o ano primário, 2 netos/as. Total: 4 pessoas. NT3: 33 anos, 6o ano primário, 4 filhos/as. Total: 6 pessoas. NT4: 42 anos, 6o ano primário, 4 filhos/as em casa. Total: 6 pessoas. NT5: 42 anos, 6o ano primário, 7 filhos/as em casa. Total: 9 pessoas.

Kunas: K1: 39 anos, 6o ano primário, 8 filhos/as. Total: 10 pessoas. K2: 29 anos, 2o ano primário, 4 filhas. Total: 6 pessoas. K3: 40 anos, 6o ano secundário Completo, 3 filhos/as. Total: 5 pessoas. K4: 42 anos, 4o ano primário, 8 filhos/as. Total: 10 pessoas. K5: 36 anos, 6o ano primário, 3 filhas em casa. Total: 5 pessoas.

Afrodescendentes: AD1: 39 anos, 1o ano secundário, 7 filhos, 1 neta. Total: 9 pessoas. AD2: 28 anos, 1o ano secundário, 6 filhos/as. Total: 8 pessoas. AD3: 32 anos, 1o ano secundário, 4 filhos/as. Total: 5 pessoas. AD4: 37 anos, 3o ano secundário, 5 filhos. Total: 7 pessoas. AD5: 30 anos, 5o ano secundário, 4 filhos/as. Total: 5 pessoas.

Latinas: L1: 42 anos, 6o ano primário, 8 filhos/as. Total: 11 pessoas. L2: 55 anos, 6o ano primário, 1 filha em casa, 3 netos. Total: 6 pessoas. L3: 30 anos, 6o ano primário, 3 filhos/as. Total: 5 pessoas. L4: 26 anos, 6o ano primário, 2 filhos. Total: 4 pessoas. L5: 33 anos, 2o ano secundário, 4 filhos/as. Total: 6 pessoas.

Os demais sujeitos de estudo são quatro profissionais (três promotoras e uma Assistente Social), cinco autoridades provinciais e o padre Corpus.

As três promotoras da Rede de Oportunidades que participaram no estudo são identificadas com os seguintes códigos: P1: 53 anos; originária de Changuinola, Bocas del Toro; bacharel em Letras; 1o Licenciatura em Educação.

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P2: 39 anos; originária de David, Chiriquí; bacharel em Ciências; 1o Técnico em Edificações. P3: 39 anos; originária de , Bocas del Toro; bacharel em Ciências.

As autoridades que participaram no estudo foram identificadas com os seguintes códigos: A1: 38 anos; originário de Changuinola, Bocas del Toro; licenciado em Contabilidade; coordenador da Rede de Oportunidades em Bocas del Toro. A2: 46 anos; originário de Almirante, Bocas Del Toro; licenciado em Desenvolvimento Comunitário, com ênfase em Organização e Promoção da Saúde. A3: Enlace de Meduca, universitário. A4: 45 anos; originária de Bocas Del Toro; 6o ano secundário; Recaudador - Supervisor del Correo de Changuinola. A5: 26 anos; originária de Changuinola, Bocas del Toro; Técnico (Universidade) em Programação e Análise de Sistemas. ex-coordenadora da Rede de Oportunidades em Bocas del Toro.

Entre as dificuldades materiais, podem ser citadas a distância entre a área de estudo e a cidade, capital do Panamá (11 horas em transporte público direto); o elevado custo de hospedagem e alimentação.

A dificuldade para acessar as comunidades da região Naso-Teribe nas quais não há transporte com horário regular, exigiu o deslocamento a pé por paragens solitárias, sob a inclemência do tempo (fortes chuvas, áreas suscetíveis a inundação), e estrada de terra construída graças à pressão dos indígenas à empresa AES Changuinola, que atualmente constrói uma hidroelétrica na região de Teribe.

Metade das entrevistas com as usuárias foi realizada de pé ou sentadas sobre um tronco ou pedaço de madeira. Em algumas, vizinhas ou filhas ajudaram com a tradução para as usuárias (N2, N5 e K2, K4) que entendem o espanhol, porém a custo expressam suas idéias, por terem um vocabulário limitado.

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Realizamos a transcrição das entrevistas das mulheres usuárias, das autoridades provinciais, promotoras e informantes especiais. Logo procedemos à organização de dados, de acordo com os diferentes grupos étnicos, os aspectos comuns e as diferenças de cada um, para construir os atos de análise. No processo, utilizou-se a Técnica de Análise de Conteúdo que, segundo Chizzotti (1991:98) ―tiene como objetivo comprender críticamente el sentido de las comunicaciones, su contenido manifiesto o latente, los significados explícitos u ocultos‖.

A tese está estruturada em cinco capítulos, que se articulam entre si: Capítulo I Breve Contextualização Histórica, Características Gerais e Realidade Atual de Panamá, contextualiza historicamente a República do Panamá desde a época colonial até nossos tempos. Capítulo II Província de Bocas del Toro e o Distrito de Changuinola: Características Gerais. Capítulo III Bases Conceituais de Referência que Compreendem três grupos de conceitos: Pobreza e Família; Proteção Social, Política Social e Transferência de Renda; Vida Cotidiana e Participação. Capítulo IV Programa Rede de Oportunidades: Uma Experiência de Política de Transferência de Renda. Capítulo V Vozes e Significados das Mulheres Usuárias do Programa Rede de Oportunidades, no Distrito de Changuinola, Província de Bocas del Toro: Uma Análise em Processo.

Finalmente, as Considerações Finais trazem os limites, as possibilidades, os desafios e as perspectivas para o futuro.

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Capítulo I BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA, CARACTERÍSTICAS E REALIDADE ATUAL DO PANAMÁ

1 HISTÓRIA

Em linguagem indígena, Panamá quer dizer abundância de peixes e de mariposas. Os povos indígenas americanos que se fixaram no atual território de Panamá não alcançaram o alto nível das vizinhas civilizações Maya e Inca, mas receberam certa influência de ambas. A população originária do Panamá era formada principalmente por grupos Chibchas, Chocoes e Caribes.

1.1 Época colonial

Primeiro europeu que chegou à região, o conquistador espanhol Rodrigo de Bastidas atracou, em 1501, em Portobelo. No ano de 1502, Cristóvão Colombo, durante sua quarta viagem, chegou à baia de Portobelo e explorou parte de seu território. Sete anos depois, a Coroa espanhola decidiu colonizar a terra firme e a corte outorgou o governo de Castilla del Oro, conforme denominou o território, ao espanhol Diego de Nicuesa. O Panamá alcançou maior relevância em 1513, quando Vasco Núñez de Balboa conseguiu cruzar o istmo e descobrir o Oceano Pacífico, ao que denominou Mar do Sul. Em 1519, o novo governador de Castilla del Oro, Pedrarias Dávila, fundou a cidade de Panamá.

No século XVI, a região foi completamente colonizada pela Espanha e a população indígena, que, originalmente, poderia ter alcançado um número superior a 750 mil pessoas, diminuiu de forma considerável por causa das enfermidades e da exploração a que se viram submetidos. Na década de 1530, o Panamá se converteu no ponto-chave para a conquista do Peru.

Em 1538, foi criada a Real Audiência de Panamá (desde a Nicarágua até o Estreito de Magalhães), suprimida em 1543, porém restabelecida 20 anos

27 depois, com um âmbito jurisdicional muito mais reduzido - pouco mais do que depois conformaria o país.

O istmo converteu-se, ao longo do tempo, na rota do tráfego comercial que entrava e saía do Peru e das colônias próximas; os produtos (sobretudo ouro e prata) embarcavam em direção à cidade de Panamá, de onde seguiam por terra até Portobelo, onde, por fim, passavam aos galeões, rumo à Espanha.

Durante os séculos XVI e XVII, foram vários os piratas que, a exemplo do inglês Francis Drake e do galês Henry Morgan, trataram continuamente de interceptar a rota do istmo; atacar e capturar cidades que possuíam terminais comerciais; ou apoderar-se dos envios — Drake destruiu Portobelo em 1591 e Morgan, a cidade de Panamá, em 1671. Panamá declarou-se independente da Espanha, em 28 de novembro de 1821.

1.2 Época de união à Grã-Colômbia

Panamá, voluntariamente, uniu-se à Grã-Colômbia (Colômbia, Venezuela e Equador), com o nome de Departamento do Istmo. Não obstante, essa união nunca foi estável, devido à sua posição de rota comercial interoceânica e ao descontentamento com as autoridades colombianas, o que levou a uma série de rebeliões.

O Congresso Anfictiônico, de junho de 1826, reuniu, na cidade de Panamá, sob o ideal de Simón Bolívar, representantes dos novos países do continente americano – Centroamérica, Grã-Colômbia, México e Peru –, como uma confederação em defesa do continente contra possíveis ações da Liga da Santa Aliança, formada pelas potências europeias, e contra suas reivindicações de territórios perdidos na América.

A febre do ouro, na Califórnia, produziu a migração de viajantes de todo o mundo por diversas rotas, convertendo o Panamá na via mais curta e factível entre o leste e o oeste do continente americano, fazendo ressurgir a ideia da

28 construção de vias de comunicação, como canais e estradas de ferro, para a passagem de mercadorias e passageiros.

Em 28 de janeiro de 1855, foi inaugurada a Estrada de Ferro do Panamá, uma das obras de engenharia mais importantes da época, pela qual se cruzava o istmo, tornando a cidade do Panamá a primeira grande metrópole da Colômbia.

Don Justo Arosemena, ilustre estadista eleito representante do Istmo pelo Congresso Granadino, conseguiu, em 27 de fevereiro de 1855, que se incorporasse à constituição, mediante um ato legislativo, a criação do Estado Federal do Panamá.

Em 15 de abril de 1856, uma série de episódios violentos entre panamenhos e estadunidenses passou para a História como o incidente da tajada de sandia (fatia de melancia). O estadunidense Jack Olivier decidira comprar, do panamenho José Manuel Luna, uma fatia da fruta. Depois de comê-la, negou-se a pagar um real, ou o equivalente a cinco centavos de dólar, pela mesma. A atitude gera uma discussão que só acaba quando Olivier saca de uma arma e dispara, ferindo Luna e deixando o lugar, o que provoca uma briga entre panamenhos e estadunidenses que terminaram por incendiar as instalações da estrada de ferro. Esse incêndio obriga os soldados estadunidenses a reprimirem a população, com um saldo de 18 mortos (16 estadunidenses e 2 panamenhos). O governo dos Estados Unidos acusa a polícia de Nueva Granada de incapacidade para manter a ordem e garantir proteção adequada ao trânsito estadunidense no Panamá.

Em 19 de setembro desse ano, o exército estadunidense desembarca um destacamento militar para proteger a estação de trem e restabelecer a ordem na cidade do Panamá. Essa ocupação é considerada o primeiro caso de intervenção armada no Panamá, por parte do governo estadunidense, com o alegado motivo de garantir a neutralidade e o livre trânsito através do istmo.

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Em 10 de setembro de 1857, o governo granadino reconhece a sua culpabilidade e assina o Tratado Herrán-Cass, pagando uma indenização de US$ 412.394 (dólares estadunidenses em ouro), para cobrir os danos causados pelos panamenhos.

Em 5 de julho de 1874, é fundada a Compagnie Universelle du Canal Interocéanique pelo conde De Lesseps, com o propósito de construir um canal de nível no Panamá. Os franceses iniciam os trabalhos em janeiro de 1881, mas a obra é interditada e liquidada em 15 de setembro de 1889. Entre as causas prováveis do fracasso, constam: má administração; corrupção; alta mortalidade por enfermidades tropicais, como a febre amarela e a malária; e a recusa do conde de Lesseps em mudar o projeto de canal de nível pelo de eclusas, alternativa e recomendação de engenharia para poder concluir a obra. A aventura francesa no istmo durou dez anos, a um custo aproximado de 1.400 milhões de francos e a perda de cerca de 20 mil vidas humanas.

Depois de 17 tentativas de separação e mais quatro separações declaradas com posterior reintegração da união com a Colômbia, o fracasso da construção do canal da parte dos franceses, a Guerra dos Mil Dias que toma o território panamenho; a precária situação econômica, que não apresentava saída ao empobrecimento da nação do istmo; o fuzilamento do caudilho liberal Victoriano Lorenzo; e o rechaço do senado colombiano ao Tratado Herrán-Hay para construir o canal interoceânico por parte dos Estados Unidos, servem de estopim para um novo movimento separatista, que busca, assim, negociar diretamente com os Estados Unidos a construção do canal interoceânico no Panamá. Por sua parte, Manuel Amador Guerrero viaja em segredo aos Estados Unidos em busca de apoio para o plano. Assim mesmo, o movimento obteve, no Panamá, o respaldo de importantes chefes liberais e o apoio do comandante militar, Esteban Huertas.

Em 3 de novembro de 1903, o movimento separatista proclama a independência do Panamá, logo reconhecida pelo governo estadunidense, no dia 18 do mesmo mês.

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1.3 Época republicana

Declarada a separação do Panamá e da Colômbia, o novo governo, por intermédio de seu embaixador plenipotenciário, Philippe-Jean Bunau-Varilla, consegue celebrar, em 18 de novembro de 1903, uma parceria com o governo dos Estados Unidos da América para construir o canal interoceânico passando pelo istmo, chamado Tratado Hay-Bunau Varilla.

Esse tratado permite que os estadunidenses prossigam com a via que o grupo francês deixara inconclusa. A surpreendente obra de engenharia, pronta em 1914, utiliza tecnologia avançada para a época e, como resultado, o Lago Gatún é consagrado como o maior lago artificial do mundo, até então. Para tanto, o saneamento e fumigação das áreas, assim como a reconstrução dos aquedutos e esgotos das cidades dd Panamá e Colón, foram decisivos.

Os Tratados do Canal concediam à administração uma faixa de terreno de 10 milhas de largura, ao longo da via interoceânica, ao governo dos Estados Unidos, o que, embora reconhecida a soberania do Panamá, gerou situações de conflito entre ambas as nações pelas décadas posteriores.

Em compensação, os Estados Unidos adiantaram ao Panamá a quantia de US$ 10 milhões, aceitando pagar mais US$ 250 mil anuais, além de garantir a independência do país, o que lhe permitia intervir em caso de desordens internas.

Em 1904, a Assembleia Constituinte aprovou a primeira Constituição nacional, que estabelecia um governo democraticamente eleito, formado por: um presidente, dois vices, uma Corte Suprema e uma só Câmara Legislativa. Manuel Amador Guerrero, médico e dirigente nacionalista, foi eleito o primeiro Presidente da República do Panamá.

Houve vários ensaios, de parte do governo colombiano, com vistas a reverter a separação do istmo, desde entrevistas com altos representantes de Bogotá e Panamá, oferecimentos políticos, como a aprovação do Tratado do

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Canal, que havia sido rechaçado, ou a mudança da capital colombiana para a cidade de Panamá, assim como uma vã tentativa de invasão militar através das selvas do Darién, e, inclusive, a invocação do Tratado Mallarino-Bidlack, que exigia dos Estados Unidos submissão militar ao povo panamenho, para restabelecer a soberania colombiana sobre a nação do Istmo. Não obstante, a República do Panamá foi rapidamente reconhecida pelas nações latino- americanas, pelos Estados Unidos e as potências europeias.

Durante as obras de construção do canal, finalizadas em 1914, as tropas estadunidenses intervieram repetidamente para reafirmar sua posição. As controvérsias políticas advindas da interpretação dos tratados eram tidas como ameaça à soberania panamenha e acentuavam as diferenças entre as autoridades do Istmo e as da Zona do Canal. Em 1914, o presidente Belisario Porras menciona, pela primeira vez, a necessidade de um novo tratado sobre o Canal do Panamá.

As exigências da Primeira Guerra Mundial, da qual participou a nação do Panamá ao lado dos aliados, em abril de 1917, resultaram na intensificação do controle dos assuntos internos do país pelos Estados Unidos.

Em 30 de março de 1922, o congresso estadunidense ratificou o Tratado Thompson-Urrutia, que indenizava a Colômbia em US$ 25 milhões, a propósito de "eliminar todas as desavenças produzidas pelos acontecimentos políticos ocorridos no Panamá em 1903", além de outorgar o direito de trânsito gratuito pelo canal para navios de guerra e tropas colombianas. A partir desse tratado, efetua-se o intercâmbio de embaixadores, marca do início das relações diplomáticas e do reconhecimento de ambos os países.

O Tratado Arias-Roosevelt, assinado pelos presidentes Harmodio Arias Madrid, do Panamá, e Franklin Delano Roosevelt, dos Estados Unidos, em 1936, anula o princípio da intervenção militar norte-americana em assuntos internos do Estado panamenho, mudando o conceito jurídico de país protegido pelos Estados Unidos a fim de garantir-lhe a independência.

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Em 1948, cria-se a Zona Livre de Colón, como uma instituição autônoma do Estado panamenho, através de uma zona franca que aproveita a posição geográfica, os recursos portuários e o canal como passagem de rotas navais mundiais. A celebração do Tratado Remón-Eisenhower, de 1955, outorga novas vantagens econômicas e o pagamento de divisas ao Panamá pelo canal.

Em 9 de janeiro de 1964, estudantes do Instituto Nacional lideram um movimento que clama por içar a bandeira panamenha junto com a estadunidense, na Zona do Canal, segundo os acordos Chiari-Kennedy de 1962, terminando em distúrbios estudantis e enfrentamentos com a população civil. Como medida para controlar a situação, o governador da Zona do Canal autoriza o exército estadunidense a abrir fogo contra civis panamenhos, deixando um saldo de 21 mortos e mais de 300 feridos. O sacrifício dos jovens panamenhos tornou-os símbolos nacionais.

O Presidente do Panamá, Roberto F. Chiari, em uma situação inédita no continente americano, rompe relações diplomáticas com os Estados Unidos da América e declara o não reinício das mesmas até que se acorde a abertura das negociações para um novo tratado. Em abril desse ano, ambas as nações reassumem relações diplomáticas e o presidente estadunidense, Lyndon Johnson, aceita iniciar conversações a propósito de eliminar as causas de conflito entre ambas as nações.

Em 1965, Panamá e Estados Unidos celebram a Declaração Robles- Johnson, na qual são abordados temas delicados, como a administração do canal, a exploração para um canal de nível por nova rota, e a defesa da via aquática.

1.4 Época de ditadura militar

Em 11 de outubro de 1968, poucos depois dias da posse do Presidente Arnulfo Arias Madrid, as patentes médias da Guarda Nacional, lideradas por Boris Martínez, desferem um golpe estatal. No comunicado oficial, os golpistas assinalaram que o intento de violar a vontade popular nas eleições legislativas,

33 assim como a integração ilegal do Tribunal Eleitoral, os havia levado a adotar a decisão de assumir o poder por meio de um governo provisório que prepararia o retorno à ordem democrática, estabelecendo o início de uma ditadura militar no país que duraria 21 anos, sob quatro regimes distintos: Junta Militar (1968 a 1969), Omar Torrijos, chamado também O Processo Revolucionário (1969 a 1981), Rubén Dario Paredes (1981 a 1983), e Manuel Antonio Noriega (1983 a 1989).

Sob esses regimes, tiveram lugar exílios e desaparecimentos, como também movimentos armados a favor de Arnulfo Arias Madrid, em Piedra Candela, na Província de Chiriquí, e em Huacas del Ige, na Província de Coclé, derrotados pela Guarda Nacional, resultando em perdas humanas de ambos os lados.

Em 1972, o governo militar emite nova Constituição política (ainda vigente) na qual se reconhece como líder do processo revolucionário de 11 de outubro e chefe do Estado panamenho, ao general Omar Torrijos Herrera.

Esse período foi, para um setor da população, uma ditadura militar, para outros, o início de um processo revolucionário de setores populares que trouxe consigo o desenvolvimento da igualdade social em grupos socioeconômicos de média e de baixa renda.

A aspiração panamenha à soberania total sobre o canal foi assumida plenamente pelo governo do general Omar Torrijos. Em 1977, o general Torrijos, na qualidade de chefe de Estado do Panamá, e o presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, assinam os Tratados Torrijos-Carter, que estabeleceram a entrega da administração do Canal e o fechamento de todas as bases militares estadunidenses em território panamenho, com a promessa de que os militares panamenhos retornassem aos quartéis e se reinstalasse um sistema democrático no Panamá. Em 1981, falece o general Torrijos, vítima de um acidente aéreo.

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Em agosto de 1983, torna-se comandante-em-chefe da Guarda Nacional o general Manuel Antonio Noriega, que transforma a instituição armada nas Forças de Defesa do Panamá.

O general Noriega foi acusado de narcotraficante, por Hugo Spadafora, o qual morre assassinado, e de corrupção e fraude eleitoral (1984), por seu vice, coronel Roberto Diaz Herrera, gerando protestos e manifestações por parte da população panamenha, reprimidas brutalmente pelas Forças de Defesa.

Nos anos seguintes, o país afunda em recessão econômica e social (o Índice de Desenvolvimento Humano passa de 0,769, em 1985, a 0,765, em 1990); sofre a contração do PIB por dois anos seguidos (em1987: -1.8 e em 1988: -13.3). Mais tarde, em maio de 1989, são anulados os resultados das eleições presidenciais.

O general Noriega suspende, em setembro, a Constituição e assume o controle da nação panamenha na qualidade de chefe do gabinete de guerra, declarando o Panamá em estado de guerra com os Estados Unidos.

Em 20 de dezembro de 1989, o exército dos Estados Unidos invade o Panamá com armamento de última geração contra forças pouco equipadas. Não há cifra oficial de mortos, por essa invasão estadunidense, porém se sabe que causou muito dano à economia nacional.

Em 3 de janeiro de 1990, ao cabo de duas semanas de assédio na Nunciatura, Noriega entrega-se às tropas estadunidenses e é levado ante os tribunais estadunidenses acusado de narcotráfico, marcando o fim da ditadura militar no Panamá.

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1.5 Época democrática

Durante a invasão estadunidense, prestam juramento Guillermo Endara Galimany, Ricardo Arias Calderón y Guillermo Ford, como presidente, primeiro vice-presidente e segundo vice-presidente da república, respectivamente.

Endara é considerado virtual vencedor das eleições de 7 de maio de 1989, abolidas, todavia, pelo regime militar de Manuel Antonio Noriega, em 1o de setembro de 1989, toma posse, como Presidente da República, Francisco Rodríguez Poveda, membro do Partido Revolucionário Democrático.

A gestão do governo de 1994 a 1999 se destaca pela intensa reforma do Estado Panamenho, começada por Endara e continuada por Ernesto Pérez Balladares. Essas reformas incluíram: privatizações de empresas prestadoras de serviços públicos (nacionalizadas pelo referido partido na década de 1960) como el Instituto de Recursos Hidráulicos e de Electrificações (IRHE) e o Instituto Nacional de Telecomunicações (INTEL), além das de jogos de azar, dos portos de Cristóbal e Manzanillo, na costa atlântica, e de Balboa, no Pacífico, da fábrica estatal de cimento e trilho trans-sísmico, etc.; um programa de ajuste econômico; e uma reforma trabalhista que reduz o custo de despedir mão de obra em favor dos empregadores.

Mireya Moscoso, viúva do ex-presidente Arnulfo Arias Madrid, vence as eleições de 1999, tornando-se a primeira mulher a presidir o país. Em 31 de dezembro de 1999, em fiel cumprimento dos Tratados Torrijos-Carter, a República de Panamá assume o total controle do Canal do Panamá.

Em maio de 2004, vence as eleições Martín Torrijos Espino, filho do general Omar Torrijos, que ocupa o cargo de setembro desse ano até 30 de junho de 2009.

Ricardo Martinelli, empresário, vencedor das eleições de maio de 2009, está na posse da administração do governo desde 1o de julho de 2009, com previsão para deixar o cargo no ano de 2014.

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Das últimas eleições gerais, de 3 de maio de 2009, participaram oito partidos políticos legalmente constituídos pelo Tribunal Eleitoral do Panamá, dos quais só sobreviveram: Partido Revolucionário Democrático (PRD), Partido Popular (PP), Movimento Liberal Republicano Nacionalista (Molirena), Partido Panamenhista, Cambio Democrático (CD) e Partido Liberal.

No Panamá, vigora uma democracia incipiente, de caráter liberal representativa. Apesar da profunda desigualdade social que persiste entre sua população, é possível notar pequenos avanços quanto ao desenvolvimento de direitos e a construção de cidadania.

Entre os principais movimentos sociais existentes, é possível mencionar os de: operários, camponeses, indígenas, docentes, estudantes e profissionais liberais1.

2 CARACTERÍSTICAS GERAIS

2.1 Aspectos físicos

O Panamá está localizado na América Central, com superfície territorial de 75.517 quilômetros quadrados. Faz fronteira, ao norte, com o Mar do Caribe; ao sul, com o Oceano Pacífico; a leste, com a Colômbia; e, a Oeste, com a Costa Rica.

O clima tropical marítimo, com influência dos dois mares, caracteriza-se por temperaturas moderadamente altas e constantes durante todo o ano, com fraca oscilação diária e anual, abundante precipitação pluvial e alta umidade relativa do ar. Existem duas estações climáticas anuais bem definidas: a seca e a chuvosa.

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2.2 Aspectos político-administrativos

A divisão político-administrativa do Estado Panamenho abrange nove províncias, 75 distritos ou municípios, três comarcas indígenas com categoria de província (Kuna Yala, Emberá e Ngöbe Buglé), pois contam com governador comarcal; e duas comarcas com status de co-regimento (Kuna de Madungandi e Kuna de Wargandí), com os quais se completa um total de 623 co-regimentos no país (PANAMÁ EN CIFRAS, 2010:1).

A República do Panamá é soberana e independente; seu governo é unitário, republicano, democrático e representativo. O poder público emana do povo e é exercido pelo governo mediante a partição de funções entre os órgãos Executivo, Legislativo e Judiciário.

O idioma oficial é o espanhol, contudo, o inglês é amplamente usado no comércio, em bancos e comunidades internacionais. Os hotéis, restaurantes e atividades orientadas para o turismo contam com pessoal que fala inglês.

A moeda panamenha é o balboa, de valor igual ao dólar americano, cuja circulação é legal no Panamá desde 1904, pelos tratados entre os dois países. Panamá não imprime papel-moeda, todavia, cunha suas próprias moedas. O Banco Nacional é de propriedade do Estado e atua como caixa de compensação para o sistema bancário.

Os preços são marcados em balboas (B/.) ou dólares (U$). Usualmente, adotam-se, a uma vez, frações de dólar ou de balboa de forma indiscriminada.

No Panamá, há liberdade de credo, e a maioria da população é católica. Por todo o país, existem diferentes igrejas católicas, evangélicas, ortodoxas (russa e grega), templos, mesquitas e sinagogas.

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2.3 Aspectos demográficos

Segundo estimativas da Direção de Estatísticas e Censo da Controladoria-Geral da República, para o ano de 2010, a população era de 3.405.813 habitantes.

Com relação à distribuição étnica, para o ano de 2010, ―55% dos panamenhos são mestiços, 18% negros e mulatos, 17% brancos, 6% indígenas e 3% asiáticos, estes últimos em sua maioria de ascendência chinesa. Por sua vez, 30% da população possui menos de 14 anos; outros 63,6% entre 15 e 64 anos; e 6,4% estão acima dos 64 anos‖1. Como consequência da posição geográfica do Istmo e de uma série de circunstâncias históricas, a população panamenha é constituída por diversos grupos humanos.

2.3.1 Grupos não indígenas

Hispano-indígena: constitui um dos mais importantes grupos de mestiçagem humana. Situado no litoral do Pacífico, nas terras baixas entre a estrada central e a costa das províncias de Chiriquí, Veraguas, Coclé, Herrera, Los Santos e Oeste da província de Panamá. Sua atividade econômica desenvolve-se em todas as áreas, com especial ênfase na agricultura, pecuária e comércio. É caracterizado pela conservação e pelo fomento das tradições e dos costumes do país.

Afro-colonial: são os descendentes dos escravos africanos trazidos ao Istmo durante a colonização espanhola. Alguns, ao rebelar-se e fugir da escravidão, povoaram a costa atlântica, as selvas de Bayano, Darién e o Arquipélago de Las Perlas. Os que permaneceram como serventes, adquiriram a liberdade, ao ser abolida a escravidão, e mesclaram-se aos outros grupos que atuavam no Istmo, razão pela qual são encontrados em todas as áreas da atividade econômica e estratos sociais do país.

1 Disponível em: . Acesso em:

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Podem-se identificar descendentes deste último nas províncias centrais, em áreas como: Natá, Parita, Monagrillo, em Chiriquí, Puerto Armuelles e Alanje. E do primeiro grupo, em áreas como a Costa Arriba e a Costa Abajo da Província de Colón; Pacora, San Miguel e Chepo, na do Panamá.

Afro-antilhana: população descendente dos trabalhadores antilhanos de anglófonos ou francófonos que desembarcaram no Panamá durante, principalmente, a época de construção do Canal, trazidos primeiro por franceses e logo por norte-americanos. Localizam-se, em grande parte, nas áreas de trânsito (cidades de Panamá e Colón) e na Província de Bocas del Toro. Seus descendentes, de fato, atuam em todos os ramos da atividade econômica, científica e cultural; e em todos os estratos sociais da nação panamenha.

Outros grupos étnicos: são constituídos por pequenos grupos que, por seu número, só permitem a classificação de "colônia". Dentre elas, a mais antiga é a chinesa, que chegou ao Istmo durante a construção da Estrada de Ferro Transísmico, em 1850. Outros representantes são dos grupos indostanos, hebreus, centro-europeus e centro-americanos, que foram atraídos ao Istmo pelo auge comercial da época de construção do Canal e, posteriormente, pelas obras empreendidas para sua defesa, operação e manutenção. Dedicam-se a atividades econômicas próximas ao comércio e aos serviços.

2.3.2 Grupos indígenas

Representam aproximadamente 10,1% do total da população da República. São oito os seus grupos, claramente definidos:

Kuna: localizados principalmente na região insular e costeira do Arquipélago de San Blas, assim como, também, na região continental de selvas pluviais do Rio Bayano; na Comarca de Madungandí, constituída

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por uma área geográfica do Distrito de Chepo (província de Panamá); no curso alto do Rio Chucunaque e afluentes do Rio Tuira.

Segundo o Censo do ano de 2000, esse grupo representava 21,6% (61.707 pessoas) do total da população indígena da República, sendo que 27,6% dessa população, de 10 anos ou mais de idade, é analfabeta. A idade média era de 21 anos. A média de filhos por mulher de 2,5.

Emberá e Wounaan: originários do Chocó colombiano, concentram-se nas margens dos rios darienitas e na comarca Emberá. Apresentam as características típicas de uma cultura de selvas pluviais. Sua economia é à base de agricultura de subsistência, com rendas secundárias de caça e pesca.

Os Emberá representavam 7,9% (22.485 pessoas) do total da população indígena investigada no Censo de 2000. Destes, 28,4% eram analfabetos, com 10 anos ou mais de idade; sua idade média situava-se nos 17 anos e a média de filhos por mulher estabeleceu-se em 3,4.

Quanto aos Wounaan, o Censo afirmou representarem 2,4% (6.882 indivíduos) da população indígena total, da qual 28,5% analfabeta. A idade média desse grupo era de 17 anos.

Ngöbe-Buglé: anteriormente denominados Guaymíes, os dois grupos situam-se principalmente na comarca de Ngöbe-Buglé, que é formada da divisão de terras das províncias de Chiriquí, Bocas del Toro e Veraguas.

Conglomerado mais numeroso, representa, ao todo, 65,5% (186.861 pessoas) do total da população indígena recenseada em 2000, das quais 169.130 são Ngöbes e 17.731 Buglés. A pesquisa também revelou que 39,2% dos Ngöbes e 36.0% dos Buglés, de 10 anos ou mais de idade, são analfabetos. A idade média ficou em 15 anos, para os Ngöbes, e em 18 para os

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Buglés; e a média de filhos tidos por suas mulheres deteve-se em 3.1 (BOCAS DEL TORO. Documento em PDF).

Bokota: um dos grupos menores e menos conhecidos. Foram identificados em 1927; vivem no oriente da província de Bocas del Toro e nas regiões vizinhas a noroeste da província de Veraguas.

O censo de 2000 indicou que representavam 0.3% (993 pessoas) do total da população indígena; e, ainda, que 33.4% da população de 10 anos ou mais era analfabeta. A idade média do grupo foi estimada em 18 anos.

Naso-Teribe: encontram-se às margens dos Rios Teribe e San San, no co-regimento de Teribe (província de Bocas del Toro). Segundo o Censo de 2000, representavam aproximadamente 1,2% (3.805 pessoas) do total da população indígena. Detectou-se que 15,2% da população com 10 anos ou mais de idade era analfabeta. A idade média ficou estabelecida em 19 anos.

Bri Bri: situados às margens do Rio Yorkín, em Bocas del Toro. Em 1911, se dizia que, por seu reduzido número, no território nacional, deviam ser considerados costarriquenses, pois não possuíam a condição tribal nem numérica de outros grupos indígenas. No entanto, o último Censo (2000) reportou uma população de 2.521 habitantes, com idade média de 23 anos. Quanto à porção analfabeta, o Censo revela que representa 6,7% da população de 10 anos ou mais.

2.4 Situação geopolítica

A república do Panamá, geograficamente situada no coração da América Latina, é um fator-chave na geopolítica latino-americana porque se encontra estrategicamente localizada entre dois continentes e dois oceanos. O Canal do Panamá é a infraestrutura mais importante do sistema de navegação marítimo deste hemisfério ocidental.

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A Zona do Canal muito cedo despertou nos Estados Unidos ganâncias incalculáveis, mais que pela passagem, pela economia de tempo e distância de tráfego marítimo entre suas costas leste e oeste. As bases militares norte- americanas no Panamá foram ferramentas estratégicas de controle sobre a América Latina, no marco da Guerra Fria, e, por vezes, serviram de centro de instrução e doutrinamento da Doutrina da Segurança Nacional2 para as forças armadas de todo o continente. Disponível em: . Acesso em:

Os cenários ideológico, político, econômico e social mudaram de forma dramática a região. As novas alianças geopolíticas e militares; os conflitos de baixa intensidade entre alguns países; a corrida armamentista; o aumento do tráfico de drogas e a guerra dos cartéis; além da melhoria das instituições públicas, são alguns dos novos desafios enfrentados pelo Istmo, que tradicionalmente tem cumprido a função de zona de trânsito internacional.

De acordo com as palavras de Chen Barria, ex-controlador da república do Panamá possui interesses estratégicos a proteger, em prol do país e da região:

O sistema bancário panamenho, elemento estratégico nas finanças do Panamá e da América Latina.

O Canal de Panamá, a principal empresa global do país, chave para o desenvolvimento do comércio mundial e latino-americano.

A Zona Livre de Colón, mais importante centro de distribuição comercial da região.

Os portos no Atlântico e Pacífico, servindo à transferência de mercadoria deste para todos os continentes e países.

2Conceito usado para definir certas ações de política exterior dos Estados Unidos, tendentes a que as forças armadas dos países latino-americanos modifiquem sua missão para dedicar-se com exclusividade a garantir a ordem interna, a fim de combater aquelas ideologias, organizações ou movimentos que dentro de cada país podiam favorecer ou apoiar ao comunismo no contexto da Guerra Fria, legitimando a tomada do poder por parte das forças armadas e a violação sistemática dos direitos humanos. Disponível em: . Acesso em:

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Os cabos de fibra óptica que cruzam o país, artérias de comunicação vitais para o mundo.

As infraestruturas aeroportuária, ferroviária, rodoviária, os centros logísticos e as zonas de exportação, servem não só ao Panamá como a toda a região.

O Panamá é um centro cosmopolita aberto ao mundo e à América Latina. O que sucede na região, positiva e negativamente, afeta o país. As instabilidades política e econômica afetarão o sistema bancário, o Canal do Panamá e a Zona Livre de Colón.

A instabilidade social e o aumento da pobreza na região incidem no tráfico ilegal de pessoas, na prostituição, no narcotráfico, na lavagem de dinheiro, nas guerrilhas e novas ameaças emergentes, o que afeta a institucionalidade, o fortalecimento democrático e a paz social de todos os latino-americanos. Uma América Latina em paz, sem conflitos sociais, étnicos, de classes, bélicos, insurrecionais, será garantia de progresso social e econômico. (Disponível em: http://horacero.com.pa/index.php?option=com_content&view=article&id=16985:hora- cero&catid=55:la-pluma-invitada&Itemid=111123>. Acesso em:

Em concordância com a afirmação de Chen Barria, reconhecemos que, apesar da importante posição geopolítica que o Istmo panamenho tem, historicamente, isso não se tem refletido em melhores condições de vida para a maioria dos habitantes, e o confirma o Banco Mundial ao expressar que ―a estrutura econômica dual do Panamá tem contribuído historicamente à persistente pobreza e alta desigualdade‖ (INFORME 39.040-PA:7, de 30 de outubro de 2007).

3. REALIDADE ATUAL

O Canal do Panamá consiste em patrimônio inalienável da nação panamenha, pelo que não pode ser vendido, cedido, ou hipotecado, e de modo algum agravado ou alienado. O regime jurídico estabelecido para a Autoridade

44 do Canal do Panamá (ACP) tem por objetivo central preservar as condições mínimas de ser ele empresa a serviço pacífico e ininterrupto da comunidade marítima e do comércio internacional.

O Canal do Panamá possui 80 quilômetros de comprimento e abriu suas portas à navegação mundial em 15 de agosto de 1914. É via de comunicação entre os Oceanos Atlântico e Pacífico em um dos pontos mais estreitos do continente americano.

O Canal do Panamá, sob a administração panamenha, tem mantido alto nível de eficiência, aumentando significativamente o fluxo de trânsito, cuja renda representou, no ano de 2006, US$ 1,495 milhões e aportes ao tesouro nacional de US$ 570 milhões em direitos por toneladas líquidas, pagamentos e serviços públicos, e excedentes.

Pelo Canal do Panamá, anualmente, transita 4% da carga total que move o comércio internacional. Isso se complementa com o canal seco, importante para as redes internacionais do comércio.

O Panamá também opera a maior Zona Livre da América e um importante centro bancário internacional. Além de possuir exuberante fauna e flora tropical; terras férteis e ricos mares, o que lhe permite oferecer excelentes atrativos turísticos.

Essa pequena faixa de território, onde diariamente se realizam transações comerciais que movem milhões de dólares, conta com uma parcela da população incorporada aos benefícios do desenvolvimento, às tecnologias sofisticadas e às redes de comunicação do mundo globalizado, contudo, também com outros cidadãos panamenhos, que permanecem em um mundo no qual predominam práticas rudimentares de agricultura de subsistência, o que não lhes garante a disposição de alimentos para suas famílias.

O Informe Nacional de Desenvolvimento Humano de 2002 assinala que na penumbra panamenha há muita pobreza. O significado é que a pobreza

45 panamenha não é só um problema técnico, científico, legal, ou econômico: se trata fundamental e criticamente de um problema ético-social, que transcende os interesses de um setor específico para se tornar, por outro lado, problema político, cuja abordagem obriga a formar consenso entre todos os setores, incluindo os menos pobres, porque se trata de tema que afeta toda a sociedade (PNUD, 2002:13-14).

Segundo o Informe de Panamá Sobre los Objetivos de Desenvolvimento del Milenio, as populações indígena e rural apresentam a mais ampla brecha nos indicadores de desenvolvimento humano e concentram as maiores disparidades, dentre as quais sobressaem a mortalidade infantil e a pobreza. A expectativa de vida da população rural gira em torno dos 25 anos, concentrando a maior diferença de gênero.

3.1 POBREZA

No Panamá, aproximadamente quatro, em cada dez pessoas, vivem na pobreza (36,8%) e, do total da população, 16,6% encontra-se em situação de pobreza extrema. Nas áreas urbanas, a pobreza total e a extrema alcançam o menor nível: 20,0% e 4,4% de sua população, respectivamente. Nas áreas rurais não indígenas, pouco mais da metade dos residentes é pobre (54,0%) e uma em cada cinco pessoas (22,0%) encontra-se em situação de pobreza extrema. Nas áreas rurais indígenas, quase a totalidade de seus habitantes é pobre (98.4%) e 90% vive em situação de pobreza extrema (Ibid.: 18).

Os resultados da II Enquete de Níveis de Vida (ENV-2003) do Ministério de Economia e Finanças (MEF) demonstram que a porcentagem de população panamenha cujas rendas são inferiores a um dólar por dia variou de 19,7%, em 1997, a 14.2%, em 2003, ou uma redução de 5,5 pontos porcentuais. Entretanto, ainda há 434 mil habitantes do país vivendo com menos de um dólar diário.

No Panamá, as ENV utilizam o consumo total per capita anual/lar como medida de bem-estar para determinar a incidência de pobreza em vez da renda

46 pelas vantagens que aquele oferece sobre esta. Tais enquetes se realizam com assistência técnica do Banco Mundial e a primeira data de 1997 enquanto a segunda de 2003. Os resultados de ambas as enquetes são perfeitamente comparáveis já que têm seguido procedimentos homogêneos e as linhas de pobreza medem o mesmo nível de bem-estar a preços correntes. A Linha de Pobreza Extrema de 1997 corresponde a B/. 519,00 e a de 2003 a B/. 534,00. A Linha de Pobreza Geral, para o ano de 1997, corresponde a B/. 905,00 e, a de 2003, a B/. 953,00 de consumo per capita anual.

Os níveis de pobreza total acima da média nacional se encontram nas áreas indígenas (16,6%), nas províncias de Darién, Bocas del Toro, Coclé, Veraguas e Colón.

A concentração da desigualdade na área rural indígena evidencia-se ao se analisar o Índice de Profundidade da Pobreza Extrema, que, em 1997, foi de 7,7% e, no ano de 2003, o nacional era de 6,4%, enquanto na área rural indígena foi quase sete vezes maior (47,0% e 47,9% respectivamente). Tais cifras revelam as enormes desigualdades persistentes na sociedade panamenha e indicam que o esforço realizado até 2002 para diminuir a pobreza não estava dando os resultados esperados.

Para dimensionar a magnitude da desigualdade entre os pobres, convém analisar o Índice de Severidade da Pobreza, no qual se nota claramente que o grupo mais afetado corresponde à população rural indígena.

As desigualdades por sexo se apresentam nos Índices de Profundidade e de Severidade da Pobreza; em ambos, quando persistem as diferenças, os homens melhoraram sua situação em maior medida do que as mulheres.

Segundo a ENV 2003, os lares encabeçados por mulheres apresentam níveis de pobreza total (20,9%) e extrema (6,7%) menores do que se observa nos lares com chefia masculina (27,7% e 10,6% respectivamente), e menores que as médias reportadas em todos os lares.

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No Panamá, para o ano de 2003, a distribuição do consumo segue muito desigual; 20% da população mais rica responde por 51,9% do consumo total do país, o que representa 12,9% mais do que os 20% da mais pobre. Enquanto esta última parcela da população panamenha tinha um consumo anual médio de B/. 371,00, a primeira teve média anual por pessoa de B/. 4.803,00.

O Panamá apresenta tendência similar à maioria dos países da região, tal como assinala a Cepal (2005): A relação entre as participações de ambos os quintos, que sintetiza a enorme brecha existente entre os grupos mais ricos e mais pobres, revela que ainda quando a desigualdade é heterogênea nos países de América Latina, em quase todos os casos é marcante. Em Objetivos del Desarrollo del Milenio. 3.2 SAÚDE

A partir das Políticas e Estratégias de Saúde (2005 a 2009), foram definidos como Pilares Operativos do Sistema de Saúde:

● Promoção, prevenção e participação cidadã. ● Saúde sexual e reprodutiva ● Saúde Integral Infantil e do Adolescente ● Saúde Integral do adulto ● Fortalecimento e transformação dos serviços ● Prevenção e controle de riscos ambientais

Em relação à desnutrição, buscou-se resolver o problema nutricional ao nível escolar, quando as condições de peso altura tivessem deixado marcas. O investimento de recursos em etapas mais tardias tem poucos efeitos, visto que certas formas de desnutrição se tornam irreversíveis.

O Ministério da Saúde, com projetos de investimento social, executa o Programa de Alimentação Complementar e micro nutrientes, focalizado para beneficiar menores de 06 a 59 meses e a gestantes, com gravidez risco e/ou desnutrição, que acudam aos controles de crescimento e desenvolvimento e controle pré-natal, nas instalações de saúde de 76 distritos (MINSA-2005).

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A taxa de mortalidade infantil (menores de cinco anos, por mil nascidos vivos), passou de 24,3 em 1990 a 22,1 no ano 2000, e a 20,8 em 2003. Essa taxa tem mantido tendência descendente, tendo sido de 15,22 a nível nacional para 2003, o que representa uma diminuição de 1,45 pontos percentuais em relação a 2000, tendência ainda insuficiente ante a meta proposta para o ano de 2015.

A presença de desigualdades nos diferentes grupos humanos na área da saúde reflete outras discrepâncias econômicas e sociais que persistem na sociedade panamenha.

3.3 EDUCAÇÃO

Panamá está perto de cumprir a meta de educação primária universal, todavia, ainda é necessário transformar tanto os métodos como os conteúdos do sistema educativo, a fim de que se possibilite desenvolver o conhecimento, a criatividade e a capacidade inovadora da população como condição para sua competitividade econômica no mundo globalizado. O seguinte desafio é ampliar a cobertura da educação secundária e pré-escolar.

O sistema educativo panamenho apresenta alta taxa líquida de matrícula na educação primaria: para o ano de 2003, foi de 99,9%, embora em relação à população indígena estas cifras sejam menores. A taxa de aprovação no quinto ano é de 88,3%, uma esperança de vida escolar ajustada a 10,3 anos e uma taxa de término de 95,5%.

Atualmente, o desafio não é o aceso à educação primária, senão a qualidade e pertinência dos aprendizados. É necessário garantir a permanência de meninos e meninas nos outros níveis do sistema educativo.

Com relação à alfabetização das pessoas de 15 a 24 anos, esta é de 96,5%, ainda que se mantenha a brecha entre a juventude urbana (99,1%) e a rural (91,0%), de igual modo que entre mulheres e homens.

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O Informe de Desenvolvimento Humano (2002) diz que as desigualdades educativas possuem relação com a pobreza, o ser indígena e o ser mulher. Em nível nacional, a população indígena segue com os mais baixos índices de alfabetização: na Comarca Ngöbe-Buglé, somente 54,1% da população está alfabetizada, enquanto na Comarca Kuna-Yala o índice é de 61,5% e na Comarca Emberá, 65,5%. Nestas comarcas, a diferença na alfabetização entre homens e mulheres é notória e pode chegar a refletir até 20% de disparidade.

De acordo com os principais resultados da Enquete de Níveis de Vida, de 2003, se corrobora a existência de una alta associação entre analfabetismo e pobreza. A incidência de pobreza total entre pessoas de 10 anos ou mais que não sabem ler e escrever (72,3%) é mais que o dobro daquelas que lêem e escrevem (29,8%).

A estreita relação entre analfabetismo e pobreza se traduz em outras desigualdades, tais como: a do acesso à saúde e moradia, desigualdade de gênero, de participação política, da proteção ao meio ambiente, etc.

Em termos gerais, cada vez se incorporam mais meninas ao sistema educativo, ainda que persistam brechas, sobretudo entre a população indígena.

Na educação primaria, matriculam-se 93 meninas por 100 rapazes; na educação secundária, 102 alunas por 100 alunos. No nível superior, tem sido registrada breve redução na brecha de acesso à educação entre mulheres e homens, de 164,1 alunas por 100 alunos, no ano 2000, para 150 por 100 alunos, no ano de 2003, ou seja: no Panamá, registra-se uma feminização da matrícula universitária.

3.4 HABITAÇÃO

O Índice de Desenvolvimento Humano de Panamá (IDHP) tem crescido nestes sete anos, passando de um valor de 0,695 em 2001 a 0,733 em 2007,

50 quando a dimensão de longevidade foi a mais elevada (0,841), seguida da relacionada a ganhos educativos (0,759) e da última, que mede o nível decente de vida (0,598).

O Informe Nacional de Desenvolvimento Humano do Panamá 2007-2008 reflete a melhora das três dimensões que medem o IDHP no período. Pode-se destacar que as dimensões nas quais foi possível reduzir mais em termos relativos os atrasos do país foram a do acesso a conhecimento (realização educativa), e a do nível decente de vida (PNUD. 2008:9-10).

3.5 PRINCIPAIS ATIVIDADES ECONÔMICAS

A economia panamenha é uma das mais estáveis da América. Entre as principais atividades se encontram os serviços financeiros, turísticos e logísticos, os quais representam 75% do PIB. Panamá depende de seu conglomerado de serviços3.

De 2003 a 2009, o PIB sofreu uma duplicação, propciciada por um altao investimento externo e interno, o turismo e a indústria logística. Panamá depende, sobretudo, de seu conglomerado de serviços de transporte e logística orientados ao comercio mundial, cujo epicentro é o Canal de Panamá (Ibid).

Segundo o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização das Nações Unidas, Panamá tem a renda per capita mais alta da América Central, com mais de vinte anos seguidos (1989) de crescimento estável. O país está classificado na categoria de grau de investimento pelas empresas qualificadoras de risco: Standard and Poors, Moody‟is y Fitch Ratings (Ibid).

Segundo a CEPAL, Panamá é o maior exportador e importador a nível regional; exportou, em 2009, US$ 16,209 milhões de dólares, o que põe o país

3 Consulta: http://es.wikipedia.org/wiki/Econom%C3%ADa_de_Panam%C3%A1. Acesso em:

51 na décima posição em exportações na América Latina. Os principais produtos exportados são: alimentos variados (banana, café), além de resíduos sólidos.

Os principais cultivos são: cana-de-açúcar, banana, plátano, laranja, arroz, milho, café e tomate. Em 2006, o ganho contava com 1,5 milhão de cabeças de gado vacinado, 286.200 de gado porcino e aproximadamente 14,9 milhões de aves de curral. Os produtos florestais estão conformados por uma amplia gama de madeiras, entre as quais se destaca o mogno. As indústrias manufatureiras são basicamente orientadas a satisfazer a demanda doméstica.

Pelo Instituto Nacional de Estatística e Censo (INEC), da Controladoria Geral da República, o desemprego no Panamá finalizará o ano de 2010 à taxa de 6,5%, a qual representa 0,1% a menos que o ano passado. A medição por gênero resulta em maior desocupação para homens que para mulheres; pelo contrário, durante 2009 o índice de desemprego para os homens foi de 5,1% e, para as mulheres, ascendeu a 8,9%4.

O INEC precisou que o número de pessonas desocupadas este ano se manteve em uma média de 101.274 panamenhos sem trabalho, enquanto que 15.218 se incorporaram à população economicamente ativa. De acordo con este instituto, Los Santos e Veraguas foram as duas províncias mais afetadas pelo desemprego na raiz dos danos ocasionados pelas recentes inundações; tanto que, em Bocas del Toro, o desemprego subiu de 6,5 a 8,1 por cento devido ao fechamento dos negócios, resultado dos protestos operários no mês de julho5.

No Panamá a maior parte das mulheres está empregada em serviços, elas se inserem em trabalhos de menor prestígio e remuneração, embora com mais tempo de educação que os homens. Os trabalhos mais feminizados são: a docência (sobretudo ao nível primário, não tanto assim no médio e superior), a enfermagem, o secretariado e os serviços que, de certo modo, prolongam as tarefas domésticas tradicionais.

4 Consulta: http://spanish.china.org.cn/international/txt/2010-11/12/content_21326968.htm - Acesso em: 5 Consulta: http://spanish.china.org.cn/international/txt/2010-11/12/content_21326968.htm - Acesso em:

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CAPÍTULO II PROVÍNCIA DE BOCAS DEL TORO E O DISTRITO DE CHANGUINOLA: CARACTERÍSTICAS GERAIS

2.1 PROVÍNCIA DE BOCAS DEL TORO

2.1.1 Abordagem histórica

Os europeus chegaram pela primeira vez na província em 6 de outubro de 1502, durante a quarta e última viagem de Cristóvão Colombo à América. Desde essa época, colonial, esse território é parte do governo de Veraguas e, a partir de 1821, com a independência da Espanha, e posterior união à Grã Colômbia, o Panamá passa a ser parte do Departamento de Panamá. Por fim, em 1903, ao separar-se da Grã Colômbia, torna-se parte da República de Panamá.

Os habitantes originais de Bocas del Toro eram os povos Ngöbe, Bugleres, Teribe y Bokota.

Ilha de Panamá, porém aberta ao resto do mundo e ao Caribe, a província de Bocas del Toro teve história interessante. Durante o período colonial (séculos XVI a XIX), os espanhóis não estabeleceram povoados na região, quase esquecida por seu governo. Os ingleses aproveitaram-se desse fato estabelecendo assentamentos em Boca del Drago, onde, segundo foi informado, em 1745, criavam gado e frangos. A presença inglesa deu um papel muito importante à vida do Arquipélago. No começo do século XIX, barcos ingleses provenientes da Jamaica mantinham comércio ativo com os povos da costa da América Central, inclusive com a província de Bocas del Toro, onde negociavan mercadorias por carey (conchas de tartaruga marinha), tartarugas marinhas vivas, cacau, madeira de mogno e salsaparrilha.

Em 1826, foi fundada Bocas del Toro, por Daniel e Tadeo Brown, dois irmãos escoceses que emigraram da Ilha de San Andrés, e outros da Jamaica, Providência e Estados Unidos, como os Knapp e Humprey. Ainda durante os

53 primeros anos depois de sua fundação, o povoado era um acampamento de comerciantes de carey.

Em 1837, foi criado o cantão de Bocas del Toro que, nos 50 anos seguintes, foi parte das províncias de Chiriquí, Panamá e Colón, desta última vez, como um distrito.

Em 1880, iniciou-se a história do bananal na região, criando-se a Snyder Banana Company, em 1890, e a United Fruit Company, em 1899.

Além da banana, grandes extensões de terra foram destinadas a plantações de cana-de-açúcar, cacau e coco. Outros negócios também surgiram na região, tal como o embarque de mercadorias e passageiros a Colón e a outros portos do Caribe, pela empresa Surgeon Brothers.

Na época em que o Panamá se separava da Colômbia, Bocas foi palco de alguns conflitos, após o que, em 1903, foi criada a província de Bocas del Toro, e desde então, até 1930, floreceu a economia de Bocas del Toro devido à sua agricultura, pesca, ao crescimento comercial e industrial.

Na época, havia em Bocas del Toro consulados da Inglaterra, Alemanha, Costa Rica, dos Estados Unidos e da França, e, ainda, três jornais eram publicados: El Telégrafo, El Ciudadano e The Central American Express (em inglês).

Uma peste atacou as plantações de banana, por volta de 1914, e em 1934, a destruição foi absoluta. Era o começo de um longo período de decadência.

A província de Bocas del Toro permaneceu ilhada do território nacional, haja vista a inexistência de vias de comunicação terrestre, o que contribuiu para a preservação de sua riqueza natural.

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Em 1981, construíram uma rodovia a partir de Gualaca, juntando a Via Interamericana com Chiriquí Grande, única forma de alcançar Bocas del Toro por terra. Uma nova rodovia, ligando Chiriquí Grande a Almirante, permitiu a união dessa província ao restante do país por terra, findando o isolamento da região.

Graças à riqueza natural do arquipélago, o turismo é agora a mais nova alternativa que chega às ilhas para ficar, apesar de esse turismo desenfreado constituir forte ameaça ao ecossistema preservado pelo isolamento em que se manteve essa província.

2.1.2 Aspectos geo-demográficos

A Província de Bocas del Toro encontra-se a noroeste da República do Panamá. Limita-se ao norte com o Mar do Caribe; ao sul, com a Província de Chiriquí; a leste, com a Comarca Ngöbe Buglé; e, a oeste, com a República de Costa Rica. Está dividida em três distritos: Bocas del Toro, Changuinola e Chiriquí Grande. Possui superficie com extensão de 4.643,90 quilômetros quadrados, ocupando 6,18% do territorio nacional. Em maio de 2010, sua população somava 125.462 habitantes.

Sua capital é a cidade de Bocas del Toro, que deve o nome a uma rocha semelhante a um Touro, situada em uma das saídas – ou ―bocas‖ – da baía de Bastimento.

Altas montahas são características do relevo de Bocas del Toro, o qual constitui parte das Serras de Talamanca e do Tabasará, com seus pontos mais elevados no Cerro Fábrega, com 3.335 metros, no Itamut (3.162m) e Echando (3.162m). Todos integrantes da Cordilheira Central.

Os rios, em seus cursos alto e médios são de caráter torrencial, pela altura do declive. A reserva de Bocas del Toro contém áreas protegidas por serem chaves de proteção da biosfera: o Parque Internacional La Amistad, o Parque Nacional Volcán Barú, o Bosque Protector de Palo Seco e a Reserva

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Forestal de Fortuna, além do Pantanal de San San Pond Sak, do Parque Nacional Isla Bastimentos, e, inclusive, as Lagoas de Volcán. (RODRÍGUEZ, 2008)

A província de Bocas del Toro enfrenta grandes ameaças naturais, que se relacionam às atividades sísmicas, vulcânicas, à instabilidade das ladeiras, às inundações e aos deslizamentos. Nessa zona, ocorreram vários sismos, de grande magnitude, considerados de alto potencial destrutivo.

O derramamento de petróleo é uma potencial ameaça para o distrito de Chiriquí Grande, que possui parte do Oleoduto de Petro Terminal de Panamá, e, a oeste de seu povoado, se localizam instalações portuárias para extração de petróleo. Do outro lado, no topo da colina, a noroeste do povoado, encontram-se dois tanques de grande capacidade para armazenamento do material.

A rodovia que comunica a província ao restante do país, na área de Almirante--Punta Peña-Altos del Valle, está sob influência de um clima tropical muito úmido, com abundantes chuvas durante todo o ano, com períodos de fortes tormentas, inundações e deslizamentos de terra.

Segundo dados da Controladoria-Geral da República, no Censo de População e Moradia 2010: Changuinola é o distrito que possui o maior peso populacional, con 98.310 habitantes (78,36%), seguido de Bocas del Toro, com 16.135 (12,86%), e Chiriquí Grande, com 11.016 habitantes (8,78%).

TAXA DE NATALIDADE

Na província de Bocas del Toro, as taxas brutas de natalidade média dos anos 1980 e 90 foram de 37,5% e 35,7%, respectivamente, enquanto no ano 2000 essa taxa baixou consideravelmente, para 26,8%, sendo superior, entretanto, à taxa média nacional, que foi de 23,2%.

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TAXA DE FECUNDIDADE

Na província de Bocas del Toro, para o ano 2000, a média de filhos nascidos vivos, por mulher, flutuou entre 2,9 e 4,0, chegando, em algumas comunidades indígenas, a 7,7 filhos por mulher em idade fértil. Na província, essa taxa atingiu 3,0 – superior à taxa nacional, registrada em 2,4.

2.1.3. Aspectos sociais

2.1.3.1 Educação

Segundo a Estratégia de Desenvolvimento Sustentável da Província de Bocas del Toro (2002), as condições escolares nesta província são de inferior qualidade, com relação às condições médias encontradas no restante do país.

Para o ano 2000, na província de Bocas del Toro, a população analfabeta era de 16,9%. Se for relacionada à média nacional (7,7%), a taxa de Bocas del Toro mais do que dobra.

No Quadro 1 pode-se observar a porcentagem de população, de 6 a 24 anos, que participava de algum nível educativo: no ano 2000, os valores entre distritos flutuavam entre 58,8%, no distrito de Bocas del Toro, e 64,8%, no distrito de Changuinola.

A escolaridade média contempla os anos de estudo, em média, da população de 15 anos ou mais. No ano 2000, os resultados foram de 5,5, no distrito de Chiriquí Grande, e de 6,4, em Changuinola, comparados à média nacional, de 8,6. Nas áreas urbanas, a escolaridade média chegou aos 10 anos.

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Quadro 1: Dimensão educativa do Índice de Desenvolvimento Humano do Panamá (IDHP). Província de Bocas del Toro e seus distritos. Anos de 1990 e 2000

Assistência Assistência Alfabetismo Alfabetismo Escolaridade Escolaridade Líquida Líquida média média Província combinada combinada (pessoas de (pessoas de

(primária, (primária, 15 anos ou 15 anos ou e secundária e secundária e mais) mais)

superior) superior) % % Distritos % % 1990 2000 Anos Anos 1990 2000 1990 2000 TOTAL PAÍS 62.5 68.2 88.5 92.3 7.7 8.6 Área Urbana 71.2 72.8 95.7 97.4 9.4 10.0 Área Rural 53.1 61.4 79.4 83.3 5.4 5.9 Bocas del Toro 53.7 63.8 77.4 83.3 5.7 6.3 Changuinola 53.9 64.8 77.6 83.5 5.8 6.4 Bocas del Toro 55.9 58.8 81.5 84.2 5.9 6.2 Chiriquí Grande 46.6 60.4 64.6 77.8 4.7 5.5 Fonte: PNUD. INDH Panamá 2002. Baseado em informação da Controladoria-Geral da República.

Na dimensão educativa, apresentamos, no Quadro 2, a porcentagem de docentes com nível superior, ou seja, de cada cem pessoas que se dedicam ao ensino, quantas possuem educação superior à secundária (15 anos ou mais de estudos), enquanto fator que pode incidir positivamente sobre a qualidade da educação. Nesse indicador, para o ano 2000, encontramos porcentagens entre 35,0% para Chiriquí Grande e 63,9% para Changuinola, em relação a 68,3% do nível nacional.

Também se encontra o índice de realização educativa, sobre o quanto se fez nessa matéria, desde a ausência (0,000) até os mais proveitosos(1,000). Os resultados para os distritos da província de Bocas del Toro, no ano 2000, flutuaram entre 0,528 para Chiriquí Grande e 0,640 em Changuinola.

Com relação à evolução da realização em matéria educativa, entre 1990 e 2000, como porcentagem de aumento ou decréscimo, o crescimento distrital tem permanecido entre 13,1 em Bocas del Toro e 37,6 no de Chiriquí Grande.

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Quadro 2: Dimensão educativa do Índice de Desenvolvimento Humano de Panamá (IDHP) Província de Bocas del Toro e seus distritos. Anos de 1990 e 2000

Docentes con Docentes con Realização Realização Evolução da Província Educação Educação Educativa Educativa Realização Superior (15 Superior (15 Educativa e anos ou mais anos ou mais de estudos) de estudos) Índice Índice % Distritos % % 1990 2000 1990-2000 1990 2000 TOTAL PAÍS 55.9 68.3 0.653 0.720 10.3 Área Urbana 64.0 74 0.742 0.783 5.4 Área Rural 30.7 48.8 0.503 0.585 16.4 Bocas del Toro 37.8 59.4 0.523 0.624 19.3 Changuinola 41.7 63.9 0.535 0.640 19.7 Bocas del Toro 27.0 47.2 0.514 0.582 13.1 Chiriquí Grande 9.4 35.0 0.384 0.528 37.6 Fonte: PNUD. INDH Panamá 2002. Baseado em informações da Controladoria-Geral da República.

2.1.3.2 Saúde

Os hospitais da Região de Saúde de Bocas del Toro oferecem serviços de hospitalização e dispõem de equipamentos e instalações para o diagnóstico, reabilitação e tratamentos de longa e de curta duração para qualquer enfermidade ou traumatismo. Os hospitais prestam atendimento ambulatorial tanto no regime de urgência quanto no de consulta externa. Os Centros de Saúde e Subcentros de Saúde prestam serviços de medicina preventiva- curativa, além dos primeiros socorros.

Em 2006, havia 7.485 camas de hospital no país, o equivalente a 2,3 por mil habitantes. Na Província de Bocas del Toro, havia 231 camas, ou seja, 2,1 camas por mil habitantes, bem abaixo da média nacional.

Com relação à Natalidade na Província de Bocas del Toro, a taxa bruta média, dos anos de 1980 e 1990, foi de 37,5% e 35,7%, respectivamente, enquanto que no ano 2000 sofreu considerável redução e situou-se nos 26,8%, superior à taxa média nacional, de 23,2%.

Sobre a Taxa de Fecundidade, observa-se que, na Província de Bocas del Toro, em 2000, a média de filhos nacidos vivos por mulher em idade fértil variou entre 2,9 e 4,0 – chegando em algumas comunidades indígenas a 7,7. Nas províncias, a taxa alcançou a 3,0 – superior à média nacional, de 2,4.

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Com relação à Mortalidade na Província Bocas del Toro, no ano de 1990 a taxa foi de 3,2% e, para o ano 2000, de 2,9%, do que se deduz a redução de 0,3%. Se analisadas, essas taxas, no meio rural, sobretudo nas comunidades indígenas, são muito mais alta, devido a problemas sanitários e à desnutrição.

No que diz respeito à Taxa de Morbidez, segundo informação obtida da Oficina de Controle de Vetores do Ministério da Saúde, a Província de Bocas del Toro apresentava um perfil epidemiológico vulnerável às enfermidades transmitidas por vetores, como o mosquito Anopheles, transmissor da malária, por meio dos parasitas Plasmodium falciparum e P.vivax, doença responsável por 25% dos óbitos no Panamá.

2.1.3.3 Nível de vida

Os rendimentos anuais médios por pessoa, para o ano 2000, em valores correntes, ficaram entre B/. 957 e B/. 1. 203, correspondentes aos distritos de Chiriquí Grande e Changuinola, respectivamente.

Quanto à População Economicamente Ativa (PEA) que esteve ocupada em 2000, a menor porcentagem coube ao distrito de Bocas del Toro (51,3%), e a mais alta a Changuinola (66,9%). (Quadro 3)

Quadro 3: Dimensão nível de vida. Índice de Desenvolvimento Humano do Panamá (IDHP) Província de Bocas del Toro e seus Distritos. Anos de 1990 e 2000

Província Rendimento Rendimento Rendimento Rendimento PEA PEA Médio Anual Médio Anual Médio Anual Médio Anual Ocupada com Ocupada com e por Pessoa por Pessoa por Pessoa por Pessoa salário salário Balboas Balboas Balboas Balboas mínimo ou mínimo ou Distritos Correntes Corrientes 1987 1987 superior superior 1990 2000 % % 1990 2000 1990 2000 TOTAL PAÍS 1598 2377 1575 2098 54.8 68.5 Área Urbana 2366 3224 2331 2846 68.8 81.0 Área Rural 704 968 694 854 36.1 42.5 Bocas del Toro 1220 1171 1202 1034 67.3 63.8 Changuinola 1278 1203 1259 1062 70.3 66.9 Chiriquí Grande 873 957 860 854 43.9 51.5 Bocas del Toro 924 1098 910 969 52.3 51.3 Fonte: PNUD. INDH Panamá 2002. Baseado em informação da Controladoria-Geral da República.

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Dentro da dimensão nível de vida, apresentam-se indicadores relativos às condições de moradia e aos serviços básicos. O Quadro 4 dispõe informação sobre moradias com materiais aceitáveis no piso, parede e teto, de acordo com os critérios técnicos sobre durabilidade e salubridade, bem como porcentagem de moradias com serviços básicos aceitáveis (água, saneamento, eletricidade). No ano 2000, o distrito de Bocas del Toro apresentou a menor porcentagem de moradias com materiales aceitáveis (69,3%), enquanto que a maior (83,7%) coube a Chiriquí Grande.

Em relação aos serviços aceitáveis, a menor porcentagem foi registrada no distrito de Bocas del Toro (25,5%), e a maior (45,9%) em Chiriquí Grande.

Quadro 4: Dimensão nível de vida. Índice de Desenvolvimento Humano do Panamá (IDHP) Província de Bocas del Toro e seus Distritos. Anos de 1990 e 2000

Província Moradias com Moradias com Moradias com Moradias com Materiais Aceitáveis Materiais Aceitáveis Serviços Aceitáveis Serviços Aceitáveis e % % % % Distritos 1990 2000 1990 2000 TOTAL PAÍS 77.1 83.4 46.9 53.7 Área Urbana 94.1 95.2 57.8 60.3 Área Rural 55.1 61.7 32.8 41.4 Bocas del Toro 82.1 81.4 47.5 43.1 Bocas del Toro 69.1 69.3 24.0 25.5 Chiriquí Grande 84.4 83.7 51.7 45.9 Changuinola 68.6 74.8 25.1 38.0 Fonte: PNUD. INDH Panamá 2002. Baseado em informação da Controladoria Geral da República.

A seguir, apresentamos o Quadro 5, que referencia a porcentagem de moradias e o número de pessoas aceitável por dormitório (até duas pessoas na área urbana e até três na rural). Com relação a esse indicador, no ano 2000, a porcentagem de moradias em condições aceitáveis variava entre 64,8%, no distrito de Bocas del Toro, e 79.8%, em Changuinola.

Sobre a porcentagem de moradias com todos os indicadores aceitáveis, o que referencia moradias com adequadas condições materiais e de serviços, em 2000, Bocas del Toro encerrou com 24,5% e Chiriquí Grande com 44,9%, esta última, a taxa mais alta do país.

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Quadro 5: Dimensão nível de vida. Índice de Desenvolvimento Humano de Panamá (IDHP) Província de Bocas del Toro e seus Distritos. Anos de 1990 e 2000 Província Moradias com Moradias com Moradias com Todos Moradias com Todos Número Aceitável de Número Aceitável de os Indicadores os Indicadores e Pessoas por Pessoas por Aceitáveis Aceitáveis Dormitorio Dormitorio Distritos % % % % 1990 2000 1990 2000 TOTAL PÍS 65.2 64.8 45.3 52.0 Área Urbana 63.0 57.9 56.9 59.6 Área Rural 68.2 76.4 30.3 37.9 Bocas del Toro 58.2 71.3 46.9 41.9 Bocas del Toro 57.8 64.8 23.2 24.5 Chiriquí Grande 58.2 71.3 51.1 44.9 Changuinola 59.5 79.8 24.1 35.1 Fonte: PNUD. INDH Panamá 2002. Baseado em informação da Controladoria-Geral da República.

O Quadro 6 apresenta a Dimensão de Vida Digna, onde os valores próximos a 0,000 assinalam ausência de condições mínimas quanto à renda, emprego, moradia e serviços básicos, enquanto valores perto de 1,000 indicam os melhores resultados nesses quesitos. O distrito de Bocas del Toro registrou 0,390, enquanto que o registro mais alto foi de 0,516, em Changuinola.

A porcentagem de crescimento, entre 1990 e 2000, variou entre -7.6%, em Changuinola, e 17,0% de melhora, em Chiriquí Grande.

Quadro 6: Dimensão nível de vida. Índice de Desenvolvimento Humano de Panamá (IDHP) Província de Bocas del Toro e seus distritos. Anos de 1990 e 2000 Província Avanço em Nível de Vida Avanço em Nível de Vida Evolução do Avanço em e Índice Índice Nível de Vida Distritos 1990 2000 % 1990 - 2000 TOTAL PAÍS 0.501 0.586 17.1 Área Urbana 0.610 0.671 10.1 Área Rural 0.339 0.398 17.4 Bocas del Toro 0.531 0.494 -7.0 Changuinola 0.558 0.516 -7.6 Chiriquí Grande 0.357 0.418 17.0 Bocas del Toro 0.385 0.390 1.2 Fonte: PNUD. INDH Panamá 2002. Baseado en informação da Controladoria-Geral da República.

No Quadro 7, valores próximos a 0,000 indicam ausência de avanço e quando se aproximam de 1,000 significa que se concretizou, na média, o maior dos avanços.

Note-se que, no ano 2000, os distritos da província de Bocas del Toro apresentaram níveis de desenvolvimento humano com variação entre 0,540, no

62 distrito de Chiriquí Grande, e 0,643, em Changuinola, com ritmos de crescimento, entre os anos 1990 e 2000, que variaram de 5,9% a 18,4%.

Quadro 7: Índice de Desenvolvimento Humano do Panamá (IDHP) Província de Bocas del Toro e seus distritos. Anos de 1990 e 2000

Província IDHP IDHP Evolução IDHP e Índice Índice % Distritos 1990 2000 1990 - 2000 TOTAL PAÍS 0.646 0.707 9.4 Área Urbana 0.732 o.776 6.0 Área Rural 0.519 0.576 10.8 Bocas del Toro 0.584 0.619 5.9 Changuinola 0.608 0.643 5.9 Bocas del Toro 0.524 0.563 7.3 Chiriquí Grande 0.456 0.540 18.4 Fonte: PNUD. INDH Panamá 2002. Baseado en informação da Controladoria-Geral da República.

No ano de 1996, a expectativa de vida ao nacer, na província de Bocas del Toro, foi de 69,0 anos, enquanto que em 2000 alcançou 70,2 anos. No entanto, se comparado, esse indicador, à média nacional (74,5), a expectativa de vida é menor, sendo mesmo uma das mais baixas de todo o país, igual à província de Darién. Por outro lado, sabe-se que essas cifras por média são ainda mais baixas em locais com população indígena, devido aos problemas sanitários e à desnutrição existentes (PANAMÁ EN CIFRAS. 1996-2000. Ed. 2001).

2.1.4. Aspectos econômicos

A População Economicamente Ativa (PEA), em 2000, na Província de Bocas del Toro, chegou a 27.941 pessoas, tendo crescido 7,8%, ante 1990.

Segundo o Censo de População e Moradia de 2000, no nível nacional, a 6 renda média familiar mensal foi de B/. 380.30, enquanto em Bocas del Toro foi de B/. 282.60. O maior saldo familiar concentrou-se na área rural latina, com rendas familiares entre B/. 156.60 e B/. 276.70, com os menores rendimentos familiares concentrados na área rural indígena.

6 Para o indicador rendimentos familiares se tomou como valor promedio la mediana, por ser mais representativo, e porque, nessa série de dados, há valores extremos, portanto a média aritmética deixa todos os valores fora da realidade por causa da heterogeneidade. Por otro lado, la Direcção de Estadística y Censo también considera registros en mediana y no en media aritmética.

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O custo da cesta básica de alimentos no Panamá, em janeiro de 2010, atingiu os B/. 271.01 mensais. Importa destacar que os custos dos alimentos e do transporte são mais elevados em Bocas del Toro que na capital, para a qual está valorizada a cesta básica de alimentos.

2.2 DISTRITO DE CHANGUINOLA

2.2.1 Aspectos principais

O Distrito de Changuinola encontra-se na província de Bocas del Toro e foi criado em 17 de abril de 1970. Sua capital é a cidade de Changuinola, cabeceira do distrito de mesmo nome.

Em verdade, é desconhecida a data em que se fundou Changuinola, embora se saiba que surgiu mediante a produção da banana, cujo cultivo começou a surgir na região em princípios do século passado.

O rio Changuinola flanqueia o município, sendo o mais importante do distrito. O clima é basicamente tropical chuvoso, com precipitações mais intensas entre novembro e fevereiro. O solo tem suas particularidades, visto que, antes da chegada das bananeiras, grande parte de Changuinola era pântano. De fato, existem solos aluviais, pela sedimentação dos rios em épocas passadas.

O Distrito de Changuinola possui extensão territorial de 4,005 quilômetros quadrados e é o mais povoado e importante, por ser onde funcionam as atividades bananeiras, que representam a principal fonte de trabalho na província de Bocas del Toro. Sua população, na época do Censo de 2010, era de 98.310 habitantes. Abrange sete co-regimentos: Changuinola, Almirante, Guabito, El Teribe, Valle del Riscó, El Empalme e Las Tablas.

A maior parte da população de Changuinola é indígena, com grande parcela de mestiços.

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No co-regimento de Changuinola, convivem diversos povos estrangeiros, tais como sírios, árabes, libaneses, chineses, centroamericanos, dominicanos e colombianos, que se estabelecem e criam fontes de trabalho por intermédio de lojas, supermercados, hotéis, além dos grupos emigrados de outras províncias, principalmente de Chiriquí, Herrera e Los Santos.

O co-regimento de Almirante é uma zona portuária, de grande influência afro-antilhana, enquanto na periferia habitam comunidades indígenas Ngöbe. Nas infraestruturas, predomina o estilo francoamericano, adaptado ao trópico; casas de madeira com grandes janelas, casas amplas e de dois andares.

Os co-regimentos de El Empalme, Las Tablas, Teribe e El Valle de Riscó são relativamente recentes. Em Teribe, vive uma das etnias mais singulares: Los Nasos, grupo étnico cuja monarquia hereditária é única, vive da agricultura e da floresta, de acordo com as suas tradições.

A população de Changuinola possui sinergia de diferentes culturas, com elementos hispanos, semitas (sírios e palestinos), chineses, hispano-indígenas, afro-coloniais, afro-antilhanos, indígenas Gnöbes, Teribes, e Kunas (em menor número), demonstrando riqueza étnica e cultural.

A infraestrutura de serviços apresenta instituções regionais, das quais se podem citar: o Ministério de Desenvolvimento Social, o Ministério de Moradia, o Ministério do Trabalho, Instituto para Formação e Aproveitamento de Recursos Humanos, o Banco de Desenvolvimento Agropecuário, o Banco Nacional do Panamá, a Caixa de Poupança, a Caixa de Seguro Social, Polícia Nacional, Quartel de Bombeiros, Sistema Nacional de Proteção Civil, o Ministério da Educação, o Ministério do Desenvolvimento Agropecuário, o Registro Civil, etc. Além disso, há grande variedade de hotéis, lojas, serviços de Internet e televisão a cabo.

Changuinola conta com quatro emissoras de rádio, duas universidades estatais, Universidad de Panamá e Universidad Tecnológica, e universidades

65 particulares: Isae Universidad, Universidad de la Paz, Centro Tecnológico de Panamá, Bellas Artes de Panamá, entre outras.

As principais instituições e localidades comerciais situam-se na Avenida 17 de Abril, a via principal em Changuinola Centro, que liga os povoados de Changuinola com o distrito de Chiriquí Grande e a República de Costa Rica.

Além de ser porta de entrada para os turistas advindos de Costa Rica7 para Bocas del Toro8, em especial para visitar as áreas protegidas e as belas ilhas do arquipélago.

A Changuinola pode-se chegar por rodovia ou avião. Por rodovia, da Cidade de Panamá9 somam-se mais de 598 quilômetros de percurso e cerca de dez horas de viagem. Por avião, saindo da Cidade do Panamá, leva-se uma hora de viagem, e da Cidade de David, capital da província de Chiriquí e a cidade mais próxima de Changuinola, são 30 minutos de vôo.10

7 Disponível em: . Acesso em: 8 Disponível em: . Acesso em: 9 Disponível em: . Acesso em: 10 Dado disponível em: . Acesso em:

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CAPÍTULO III

BASES CONCEITUAIS

3.1 VULNERABILIDADE, POBREZA E FAMÍLIA

3.1.1 VULNERABILIDADE

Segundo Castel (1995) ―a vulnerabilidade é um vagalhão secular que tem marcado a condição popular do sinal da incerteza e, mais freqüente, da infelicidade‖ (p. 16).

A vulnerabilidade social de sujeitos e coletividades demográficas pode ser expressa de várias formas, seja como fragilidade e indefesa ante mudanças originadas na periferia, seja como desamparo institucional do Estado, o qual não contribui para fortalecê-los, nem cuida de seus cidadãos; como debilidade interna para enfrentar concretamente alterações necessárias do indivíduo ou do lar para aproveitar o conjunto de oportunidades que lhe são apresentadas; como insegurança permanente que paralisa, incapacita e desmotiva a possibilidade de pensar estratégias e atuar em longo prazo para alcançar melhores níveis de bem-estar (MIDES, 2009: 5).

Pode-se definir vulnerabilidade pessoal como a probabilidade de o indivíduo ser prejudicado por eventos inesperados, ou como sua suscetibilidade a impactos exógenos, transcendendo a perspectiva tradicional da pobreza. A probabilidade de ser prejudicado por um impacto depende, portanto, da: Resistência da pessoa a determinado impacto: maior a resistência (a capacidade de enfrentar um impacto), menor a vulnerabilidade. Gravidade do impacto: quanto mais grave o impacto, e sendo impossível reduzir os riscos, maior será a vulnerabilidade (MIDES. 2009:9).

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3.1.2 POBREZA

É um fenômeno complexo, estrutural e multidimensional. Sob a óptica do desenvolvimento humano, implica uma negação das oportunidades e opções fundamentais para esse desenvolvimento (PNUD, 1997).

Marques (2010) considera a pobreza um fenômeno multidimensional gerado por diversos processos sociais, os quais estão ligados à inserção social e econômica dos indivíduos. Essa inserção ocorre de forma dinâmica com trajetórias de vida, ao longo das quais os indivíduos têm acesso tanto a estruturas diversas – considerando os atributos e as credenciais – quanto às estratégias, práticas e eventos sociais cotidianos (p. 27).

A pobreza resume situações de privação, impotência e vulnerabilidade. Privação porque os indivíduos não dispõem de rendas ou bens suficientes para satisfazer suas necessidades materiais elementares; tampouco do acesso aos serviços sociais prestados pelo Estado; e sob uma perspectiva mais ampla, das oportunidades (ESTADO DA NAÇÃO, 2004:53).

Para Potyara Pereira (2000): ―A concepção de pobreza que deve orientar a política de assistência social deve levar em consideração a renda, mas também o acesso da população aos bens e serviços, de modo a atender suas necessidades básicas e não se limitar a garantir o mínimo vital a sobrevivência‖ (p.). Nesse sentido, podemos assinalar que cada família apresenta necessidades diferentes, as quais devem ser consideradas. Todo cidadão tem direito ao acesso a educação, saúde, moradia digna, trabalho, além de poder alimentar-se e à sua família sem ser objeto de estigma.

A pobreza resulta de processos complexos e prolongados no tempo, que são difíceis de apreciar à primeira vista e que requerem profunda investigação e análise para atingir sua compreensão. É produto da desigualdade, envolve a falta de oportunidades para educar-se, o não possuir emprego que permita ao

68 indivíduo sustentar a si mesmo e à sua família; não ter acesso a água potável, a serviços de saúde, a moradia digna, a exercer seus direitos como cidadão.

3.1.3. FAMÍLIA

No mundo todo, a família tem sofrido múltiplas transformações, ao longo do tempo, com suas funções variando de uma para outra região, segundo a sociedade e a cultura. Existem diferentes tipos de famílias, por isso não é possível defini-la com base em um conceito único.

Para Carlos Eroles, a família é o núcleo fundamental da sociedade. Nela, o ser humano nasce, cresce e se desenvolve. Na sua tarefa socializadora, a família cumpre com a transcendente função social de preservar e transmitir os valores e as tradições do povo, servindo de enlace às gerações (2004:131).

Sob uma perspectiva interdisciplinar, a família deve ser entendida como unidade básica biopsicossocial, com leis e dinâmica próprias, que lhe permitam manter o equilíbrio e suportar as tensões e variações sem perder a identidade como grupo primário de organização social, através de unidade, continuidade no tempo e reconhecimento da comunidade que o rodeia.

Para Ribeiro (2000), a família constitui local privilegiado para o desenvolvimento das pessoas, para a socialização infantil, para a cooperação e manutenção de laços afetivos entre seus membros. Diferentes fatores podem comprometer o equilíbrio das famílias e afetar suas capacidades de cumprir suas funções de modo satisfatório. A pobreza, a falta de apoio, o enfraquecimento das redes de parentesco e das redes comunitárias, a dificuldade de adaptação a um entorno inconstante que impacta na estrutura familiar, minam as forças de muitas famílias e as tornam mais vulneráveis.

Silvia Losacco manifesta: Entendemos por família a célula do organismo social que fundamenta uma sociedade. Locus nascendi das histórias pessoais, é a instância

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predominantemente responsável pela sobrevivência de seus componentes; lugar de pertencimento, de questionamentos; instituição responsável por pela socialização, pela introdução de valores e pela formação de identidade; espaço privado que se relaciona com o espaço público. (In: ROJAS y FALLER, 2007:64)

E complementa afirmando que vemos hoje a configuração familiar modificar-se profundamente, apesar de os meios de divulgação e alguns profissionais da área da infância e juventude enfatizarem que a instituição família encontra-se em processo de desestruturação, degradação ou crise, devemos ter claro que, inclusive nas que apresentam problemas, a família é um ―porto seguro‖ para os jovens e as crianças. É muito importante lembrar que a família, como organismo natural, não acaba e, enquanto organismo jurídico, requer uma nova representação (Ibid.).

Na atualidade, a família deixa de ser aquela constituída unicamente pelo matrimônio (civil ou religioso), se complexifica e passa a abranger também as unidades familiares formadas por meio da união estável; por grupos chefiados por um dos pais; ou ascendentes e seus filhos, netos ou sobrinhos; por mãe solteira e seus filhos; pela união de homossexuais (Ibid).

Essa nova concepção de família se constrói baseada mais no afeto do que nas relações de consanguinidade, parentesco ou matrimônio, e são construídas por uma constelação de pessoas interdependentes, girando em torno de um ―eixo comum‖. Qualquer que seja a sua configuração, as estruturas familiares reproduzem as dinâmicas sócio-históricas existentes. Assim, os movimentos da divisão social do trabalho, as modificações nas relações entre trabalhador e empregador, e o desemprego, estão presentes e influentes no contexto familiar (Ibid.).

Para Batista (2001): O empobrecimento da família impõe mudanças significativas na organização familiar, criando novos desafios e dificuldades para o exercício de suas funções primordiais de proteção, pertencimento, de construção de afetos, de educação, de socialização. Frequentemente

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estas funções estão enraizadas na sua cultura, principalmente nas mães de família, que as receberam por um processo de qualificação informal e contínuo, no qual as representações e as práticas vão se construindo naturalmente. (In: ROJAS, 2007: p.65)

A luta diária pela sobrevivência do grupo familiar impede que os pais dediquem tempo para o acompanhamento escolar e a construção de afeto em seus filhos, muitas vezes o cansaço e o peso das tarefas domésticas fazem com que esse curto espaço de tempo não seja de qualidade.

Segundo Sarti (1999): a família é o lugar onde se escutam as primeiras conversas, com o que se constrói a autoimagem e a imagem do mundo exterior. É onde se aprende a falar e por meio da linguagem, a ordenar e dar sentido às experiências vividas. A família, qualquer que seja a forma em que está composta, vivida e organizada, é o filtro através do qual se começa a ver e dar significado ao mundo. Este processo, que se inicia ao nascer, prolonga-se ao longo da vida, a partir dos diferentes lugares que se ocupa na família (p. 100).

As alterações que afetam a vida das famílias encontram relação com as transformações na esfera pública, nas condições sociais, e sua condição de classe social, que influenciam e marcam a vida dos membros de uma família.

Ao longo da vida, as famílias pobres sofrem múltiplas rupturas (corte nas trajetórias educacionais, empregos instáveis, trabalhos precários, mudanças de casa, rupturas nas relações interpessoais, etc.) capazes de produzir a saída temporária ou definitiva de seus membros mais jovens. Nessas condições, os papéis masculino e feminino tornam-se vulneráveis e se realimenta o ciclo perverso de rupturas (FÁVERO, FALLER e BAPTISTA, 2009:17).

Nas famílias pobres, as dificuldades enfrentadas para desempenhar os papéis familiares no núcleo conjugal, em meio a uniões instáveis e empregos

71 incertos, produzem consertos que envolvem a rede de parentes como um todo, a fim de viabilizar a existência da família (SARTI, 2003:29)11.

As famílias pobres, ao longo do ciclo familiar, enfrentam múltiplas dificuldades para cumprir com sua responsabilidade de criar seus filhos, e, em muitas ocasiões, os filhos pequenos permanecem sem o cuidado e a atenção de adultos, enquanto seus pais trabalham, aumentando os riscos à sua segurança.

Nessas famílias, os filhos e adolescentes se vêem muito mais afetados acadêmica e culturalmente, ao não contar em seus lares com suficientes recursos para satisfazer as necessidades materiais, culturais, espirituais e afetivas.

3.2 PROTEÇÃO SOCIAL, POLÍTICA SOCIAL E POLÍTICA DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA

3.2.1 PROTEÇÃO SOCIAL

Di Geovanni (2008:1) chama Sistemas de Proteção Social às: ―… formas, às vezes mais, às vezes menos institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. Estes sistemas resultam de certas vicissitudes da vida natural ou social; tais como a velhice, a enfermidade, o infortúnio ou as privações. Estão inclusas nesse conceito tanto as formas seletivas de distribuição e redistribuição dos bens materiais (como a comida ou o dinheiro) como os bens culturais (como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a integração de várias formas de vida social.‖

Conforme Di Geovanni (2008), consideramos de grande importância que os sistemas de proteção social permitam proteger o conjunto dos membros de uma sociedade e não somente àquelas pessoas que contam com um trabalho estável. Atualmente, são muitas as pessoas excluídas do mercado formal de trabalho, razão pela qual não podem ascender ao estado de seguridade social.

11 Em: “Família, Redes, Laços e Políticas Públicas (2007)”.

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Por justiça social, aquelas pessoas com necessidades especiais devem ser protegidas pelo Estado. No Panamá, os grupos indígenas necessitam receber um tratamento especial, para que possam ter melhores condições de vida e alcançar tanto os bens materiais como os culturais. Como cidadãos, têm direito a adquirir conhecimentos, saberes, a conservar sua cultura, compreendendo a importância do cuidado para com sua saúde e a de seus filhos, melhorando suas condições de higiene e aprendendo a utilizar alimentos saudáveis.

3.2.2 POLÍTICA SOCIAL

A política social é o conjunto de ações para melhorar as condições de vida dos cidadãos nos meios social, econômico e jurídico. Implica a possibilidade de desenvolvimento pessoal e satisfação de necessidades.

Para J.P. Netto (2003), políticas sociais são ―... respostas do Estado burguês do período do capitalismo monopolista a demandas postas no movimento social por classes (ou estratos de classes) vulneráveis pela questão social‖ (p. 15).

Faleiros (2009) assinala que tais políticas são formas e mecanismos de relação e articulação de processos políticos e econômicos. Os processos políticos de obtenção de consentimento do povo, a aceitação de grupos e classes e de manutenção da ordem social, então vinculados aos processos econômicos de manutenção do trabalhador e das relações de produção de riquezas.

O autor continua dizendo que por meio de políticas sociais, como a Seguridade (Previdência) Social, o trabalhador repõe certos desgastes de sua força de trabalho, obtém benefícios que contribuem para reprodução de seus filhos ou para sua manutenção quando se encontre temporariamente excluído do mercado de trabalho. Por isso, afirma-se que as políticas sociais constituem mecanismos de reprodução da força de trabalho (Ibid.).

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Para alguns autores, as políticas sociais deveriam ser encaradas como instrumentos de um ―Estado supra-classista‖, que procura o bem-estar comum, sendo concebidas, no geral, como mecanismos de controle social, inibição e despolitização das classes trabalhadoras na lutas de classes, reduzindo-as ao seu aspecto meramente reivindicativo, a partir da incorporação, por parte do Estado, de certas demandas populares, sob uma perspectiva politicista. Além das políticas sociais, considera-se absolutamente funcional a manutenção do status quo e da ordem social burguesa, segundo concepção instrumentalista dessas políticas sociais em relação aos interesses do capital (MONTAÑO, 2000:12).

A política social deve servir de instrumento ao desenvolvimento nacional e dirigir-se a potencializar capacidades dos setores majoritários, excluídos dos benefícios do desenvolvimento nacional, para conferir-lhes os instrumentos de desenvolvimento humano que requer sua participação no mercado de trabalho e não seguir reproduzindo o ciclo da pobreza.

A política social, enquanto estratégia governamental de intervenção nas relações sociais, unicamente pode existir com o advento dos movimentos operários do século XIX (VIEIRA, 2007). Para esse autor, ao examinar a política social, à primeira vista, é possível encontrar o campo dos denominados serviços sociais, que significam, em outro nível de apreciação, o estudo das relações sociais e até das de produção:

A política social consiste em estratégia governamental e geralmente se expressa em formas de relações jurídicas e políticas, não podendo ser compreendida por si mesma. A política social é um modo de expressar as relações sociais, cujas raízes se localizam no mundo da produção. Portanto, os planos, os projetos, os programas, os documentos referentes em certo momento a educação, moradia popular, condições de trabalho e de uso do tempo livre, a saúde pública, a seguridade social e até a assistência social não se colocam como totalidades absolutas com relação a esferas mais amplas, com a denominação de política social, ou em todo caso, de política econômica. Muito menos se colocam como totalidades absolutas frente a esferas mais específicas,

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sob o nome de política educativa, de habitação, de saúde, de seguridade ou de assistência social. (p. 142-143).

Vieira (2007) aponta que não se pode analisar a política social sem remeter-se à questão do desenvolvimento econômico, isto é, à transformação quantitativa e qualitativa das relações econômicas, produto do processo de acumulação particular de capital. O contrário também deve ser ressaltado: não se pode examinar a política econômica sem deter-se na política social.

Seguindo com a relação entre política social e política econômica, o autor afirma que se tem: ―(...) sempre assistido a evolução do capitalismo ao predomínio da política econômica sobre a política social. A prioridade estará com a política econômica (Ibid.: 144).

Sem justiça e sem direitos, a política social não passa de ação técnica, medida burocrática, mobilização controlada ou de controle da política, quando consegue traduzir-se nisso (Ibid.: 59).

3.2.3 POLÍTICA DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA

As políticas de transferência de renda são atualmente tema obrigatório na discussão sobre proteção social, tanto na Europa quanto na América Latina.

Na Europa, para enfrentar as mudanças no processo produtivo, e os efeitos da reestruturação dos Estados de Bem-Estar. Na América Latina, por ser estratégia de combate à pobreza, a fim de aumentar os investimentos das famílias em capital humano, visando a romper o círculo intergeracional da pobreza.

Os programas de transferência de renda começaram a ser implantados na América Latina no fim dos anos 80 e início dos 90. Após a experiência mexicana, esses programas exerceram uma forte influência sobre os demais países da região, principalmente a partir do ano 2000, quando se implanta, na Nicarágua, a Red de Protección Social, e o Superémonos, na Costa Rica. Em

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2001, na Colômbia surge Família en Acción e no Brasil o Bolsa Escola. Em 2002, surge na Argentina Jefes de Hogar, o Chile inicia o Chile Solidario, e a Jamaica o Programa para el Progreso por medio de Salud y Educación. Em 2003, o Brasil inicia o Bolsa-Família; o Peru, em 2005, o Programa Juntos; El Salvador, La Red Solidaria; o Paraguai, Tekopora (em língua Guarani, significa bem-estar); o Uruguai, o Ingreso Ciudadano, e a República Dominicana o Programa Solidaridad. Em 2006, finalmente, a Bolívia cria o bônus escolar Juancito Pinto, e o Panamá cria a Red de Oportunidades. (PEREIRA e STEIN, 2004)

Esses programas de transferência condicionada de renda são estratégicos para enfrentar a pobreza com um enfoque multidimensional: na família, na co-responsabilidade, no tema de gênero, na focalização, na participação social e na inclusão dos temas de etnia e raça.

São programas com possibilidades limitadas, que privilegiam a atenção a crianças e jovens, e constituem uma estratégia de proteção social que busca o investimento em capital humano com vistas a romper o perverso ciclo intergeracional da pobreza. Nesse sentido, devemos assinalar que as políticas de atenção à pobreza devem incluir como prioridade um grau de conhecimento e destrezas tecnológicas para elevar as possibilidades de os pobres inserirem- se e participar com êxito no mercado de trabalho.

3.3 VIDA COTIDIANA E PARTICIPAÇÃO

3.3.1 VIDA COTIDIANA

Para a compreensão adequada do conceito de Vida Cotidiana, citamos Ágnes Heller (1994), que estudou com profundidade esse tema e, a esse respeito, afirma ser possível defini-lo como: … conjunto de atividades que caracterizam as reproduções particulares criadas da possibilidade global e permanente de reprodução social. Não há sociedade que possa existir sem reprodução particular. E não há homem singular que possa existir sem sua própria auto-reprodução.

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Em toda sociedade há, pois, uma vida cotidiana: sem ela não há sociedade. O que nos obriga, então, a sublinhar exclusivamente que todo homem – qualquer que seja o lugar que ocupe na divisão social do trabalho – tem uma vida cotidiana (p. 9).

Isso não quer dizer que o conteúdo e a estrutura da vida cotidiana sejam idênticos em toda a sociedade e para toda pessoa. A reprodução do particular é a reprodução do homem concreto, é dizer, o homem que em uma determinada sociedade ocupa um lugar determinado na divisão social do trabalho (Ibid.).

Netto (2007) observa que, para Lukács, existem três formas privilegiadas de objetivação que permitem suspender a heterogeneidade da vida cotidiana: o trabalho criador, a arte e a ciência. Essa posição inspira os trabalhos de Agnes Heller, para quem existem quatro formas de suspensão da vida cotidiana, de passar do puramente singular ao humano legítimo: o trabalho, a arte, a ciência e a moral (NETTO e BRANT, 2007:11).

Netto e Brant (2007) acrescem a vida cotidiana, ou seja, essa vida de todos os dias e de todos os homens é percebida e apresentada de forma diversa, em múltiplas cores e aspectos (fases): Um mundo de alienação; Um espaço do banal, de rotina e de mediocridade; O espaço privado de cada um, rico em ambivalências, tragédias, sonhos e ilusões; Um modo de existência social fictício/real, abstrato/concreto, heterogêneo/homogêneo, fragmentário/hierárquico; A possibilidade ilimitada de consumo sempre renovável; O micromundo social que contém ameaças e, portanto, é carente de controle e programação política e econômica; Um espaço de resistência e possibilidade transformadora.

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A vida cotidiana é vista também como um espaço onde o acaso, o inesperado, o prazer profundo, de repente, descoberto, um dia qualquer, iça os homens dessa cotidianidade, retornando a ela de forma modificada (p. 14).

De acordo com Henri Lefebvre, o Estado moderno gere o cotidiano, direta ou indiretamente. Diretamente, pelas regulações e leis, pelas proibições ou intervenções múltiplas e fiscalização, pelos aparatos de justiça, pela orientação dos meios de comunicação, pelo controle das informações, etc. (1981:126). (NETTO: 17).

3.3.2 PARTICIPAÇÃO

É um processo social, que supõe um exercício permanente de direitos e responsabilidades, nas distintas etapas e níveis da instituição: planificação, organização, execução e controle (BURIN,1998).

O interesse de gerar mais participação cidadã na tomada de decisões políticas propiciou o resgate dos espaços locais com a aplicação de políticas de descentralização, que permitiu aproximar a institucionalidade do Estado aos cidadãos, pois: Os processos de redemocratização [...] têm colocado em relevo a problemática da participação cidadã nos sistemas de decisão que se vão construindo. O aperfeiçoamento destes sistemas supõe a maior proximidade possível entre as instâncias de decisão e o cidadão. (Sánchez, 2005:37)

A participação está totalmente relacionada às condições reais da população, de tal modo que se as pessoas não contam com os recursos econômicos para sua mobilização, dificilmente poderão assistir às atividades ou reuniões programadas fora de sua área de residência. Quanto mais graves são as dificuldades das pessoas, mais difícil é conseguir a participação, e esta deve ser dotada de sentido e significado para a população envolvida.

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Kliksberg (1998) tem estudado a importância da participação popular para o desenvolvimento econômico e social. Para ele, essa participação se encontra ―... ao centro do cenário, devido à pressão por estruturas participativas que se faz desde as bases, mas também porque a participação é elemento essencial do desenvolvimento humano‖. In Riqué e Orsi. 2005.p.77.

A participação fortalece a organização interna das comunidades. Ao estar organizadas, podem identificar seus problemas, necessidades e alternativas de solução. A participação outorga poder à comunidade, pois assim suas demandas terão mais possibilidade de serem escutadas e atendidas.

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CAPÍTULO IV PROGRAMA REDE DE OPORTUNIDADES: uma experiência de política de transferência de renda

4.1 Alguns Estudos Preliminares

4.1.1 Mapa da Pobreza

O mapa foi o primeiro instrumento desenhado para melhorar a efetividade das políticas sociais. É uma ferramenta útil e funcional, que orienta a todas as instituições que contam com programas de combate à pobreza (SARMIENTO, 2006). Além disso, permite avaliar a focalização do gasto social e identificar os fatores geográficos que podem explicar, embora sejam parcialmente persistentes as situações de pobreza.(ROBLES, 2006).

O mapa de pobreza, baseado em um Índice de Satisfação de Necessidades Básicas (ISNB), permite hierarquizar as diferentes divisões geográficas do país, em função da proporção dos que não chegam a ter um nível adequado de desenvolvimento humano, satisfação de necessidades e acumulação de capital humano (ROBLES, 2005). As estimativas realizadas para o desenho do mapa de pobreza no Panamá foram obtidas até o nível de distritos (existem 75) e corregimentos (havia 593, no censo realizado em 2000).

O Índice Composto de Marginalidade (ICM) foi o segundo instrumento elaborado para melhorar a focalização das políticas sociais. Este permite identificar, ordenar e selecionar os corregimentos e áreas de intervenção, segundo a situação de vulnerabilidade e marginalidade (MEF, 2006). O ICM combina, em um só índice, a pobreza extrema medida por consumo e as necessidades básicas insatisfeitas de saúde, moradia, água, saneamento e educação.

Para melhorar o processo de focalização, no Panamá, se desenvolveu um terceiro instrumento, o Índice de Pobreza Familiar (IPF), utilizando a informação coletada através da Enquete de Vulnerabilidade Social. O IPF

80 organiza a informação da enquete em oito componentes básicos associados às condições de vida: vulnerabilidade demográfica, vulnerabilidade social, acesso ao conhecimento, acesso ao trabalho, disponibilidade de recursos, desenvolvimento infantil, condições habitacionais e de saúde (Nome, 2010:21).

4.1.2 Censo de Vulnerabilidade Social

A Enquete de Vulnerabilidade Social é um instrumento que permite captar as condições econômicas de cada um dos lares, as características físicas da moradia, os dados socioeconômicos e demográficos de cada um dos membros (Ibid.).

É uma ferramenta que permite auscultar a realidade panamenha, sob uma perspectiva moral, de justiça social e legitimidade. Um mapa revelador da verdade sobre a situação de pobreza e as possibilidades de uma transformação irreversível no país; um juízo de valor que confirma a certeza das ações empreendidas contra a desigualdade, quanto a cenários permanentes de humanidade. (MIDES, 2009: 5-6)

Para definir e caracterizar a população-alvo da Rede de Oportunidades, desenhou-se uma prova de meios (Proxy Meanns Test - PMT), que permite a seleção de beneficiários e evita problemas de subjetividade, além de permitir obter uma aproximação ao consumo de um lar, sem ter que medi-lo de forma direta. Ao utilizar uma prova de meios fundamentada em um método estatístico, é possível identificar tanto as variáveis que realmente se relacionam com a pobreza extrema, como também quantificar a importância ou o peso relativo de cada uma delas (OLINTO et al., 2006). O complexo processo de identificar variáveis se combina sempre com o conhecimento da realidade social do país.

4.1.3 Enquete de Níveis de Vida

O Living Standards Measurement Study (LSMS) é uma enquete baseada na população que coleta informação sobre indicadores detalhados dos padrões

81 de consumo e bem-estar dos membros do lar. É estatisticamente representativa, para populações que vivem em áreas urbanas e rurais não indígenas, indígenas fora das comarcas e indígena das comarcas, a porcentagem de cada variável na probabilidade de ser pobre extremo e caracterizar os lares em pobreza e/ou pobreza extrema.

Ao finalizar o processo, a probabilidade de ser pobre e pobre extremo nos lares deve ser igual e/ou maior que 40%, 30% e 20%, se residem em zonas urbanas, rurais ou indígenas, respectivamente (SARMIENTO, 2006).

A aplicação homogênea do PMT pode resultar inapropriada para alguns lares e logo produzir erros na focalização, porque os corregimentos possuem populações com distintas características.

4.2 Proposta do Programa Rede de Oportunidades

Originou-se de um projeto proposto pelo governo nacional, durante a presidência de Martín Torrijos Espino, como parte do desenvolvimento da estratégia de combate à extrema pobreza.

A Rede de Oportunidades é formada por instituições governamentais focadas em servir aos corregimentos de pobreza extrema do país, identificados no Mapa de Pobreza, no Estudo de Vulnerabilidade Social e na Enquete de Níveis de Vida de 2003.

4. 2.1 OBJETIVO DO PROJETO REDE DE OPORTUNIDADES

Inserir as famílias em situação de pobreza extrema dentro da dinâmica do desenvolvimento nacional, por meio do fortalecimento de suas capacidades, garantindo serviços de educação, saúde e nutrição, melhorando sua qualidade de vida.

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4.2.2 COMPONENTES

A Rede de Oportunidades tem quatro componentes fundamentais de intervenção:

1. Transferência Monetária Condicionada

Refere-se a um aporte monetário, entregue à chefia do lar das famílias em pobreza extrema, participantes do Sistema de Proteção Social, para investirem na satisfação de suas necessidades primárias.

2. Oferta de Serviços

Consiste na gama de serviços que as instituições governamentais oferecem às famílias participantes, outorgando-lhes atenção prioritária e de qualidade.

3. Acompanhamento Familiar

Apoio integral dado pelas instituições da Rede de Oportunidades às famílias participantes, ao manter contato direto com elas: capacitação, orientação e supervisão, para assegurar a efetividade do projeto.

4. Infraestrutura Territorial

Esse componente objetiva fortalecer a infraestrutura básica necessária para desenvolvimento nas áreas de pobreza extrema, dotando as comunidades de serviços de água, aqueduto, saneamento, iluminação, eletricidade, caminhos e vias de acesso. Esse componente não foi objeto de estudo nesta pesquisa.

COMPONENTE 1: TRANSFERÊNCIA MONETÁRIA CONDICIONADA (TMC)

Consiste na entrega de um apoio monetário que inicialmente foi de B/. 35,00 mensais e, a partir de julho de 2008, subiu a B/. 50,00 mensais; considerando o impacto do incremento do preço de combustível e produtos alimentícios na dinâmica econômica dos lares.

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O montante da transferência é igual para todos os lares, independentemente de sua composição demográfica e não varia segundo área nem tipo de população. Nas áreas indígenas, se pode outorgar a transferência a mais de uma família, no mesmo lar.

A transferência é entregue às mães ou mulheres chefes do lar para os serviços básicos indispensáveis ao desenvolvimento. Essas entregas estão vinculadas ao cumprimento das co-responsabilidades de uso dos serviços de saúde e educação.

A TMC, inicialmente, era entregue em espécie, através de um vale postal dos Correios Nacionais para que as famílias usufruíssem melhor dos serviços básicos oferecidos pelo Estado. Posteriormente, através do Banco Nacional de Panamá e pagamento móvel em áreas de difícil acesso.

CO-RESPONSABILIDADES

Formam o conjunto de compromissos entre o Estado e as famílias que integram a Rede de Oportunidades. O cumprimento das co-responsabilidades compartilhadas constitui o ponto de partida para o desenvolvimento humano das pessoas e do coletivo da comunidade.

O ESTADO SE COMPROMETE A:

● Entregar a Transferência Monetária Condicionada (TMC) às donas de casa das famílias, bimestralmente. ● Oferecer serviços de educação a crianças e adolescentes em idade escolar. ● Oferecer serviços de saúde primária, vacinações gratuitas e controles de gravidez. ● Capacitar os integrantes das famílias para que fortaleçam suas capacidades produtivas. ● Facilitar a obtenção de documentação de identidade pessoal.

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AS FAMÍLIAS SE COMPROMETEM A:

● Manter em dia as vacinas de crianças menores de 5 anos. ● Apresentar-se às consultas de controle de gravidez. ● Garantir a assistência de crianças a aulas. ● Assistir às reuniões de pais de família na escola. ● Participar nas capacitações, visando ao fortalecimento produtivo e geração de capital social das diferentes instituições.

COMPONENTE 2: OFERTA DE SERVIÇOS

Os serviços prestados pelas diversas entidades governamentais promovem os desenvolvimentos humano e familiar, e normalizam o acesso à diversidade de serviços a que têm direito, nas áreas de:

● Saúde: Atenção gratuita a todas as crianças menores de 5 anos e mulheres grávidas nas famílias. Orientação em saúde sexual e reprodutiva. ● Educação: Atenção e reinserção nas escolas primárias, pré-média e média a crianças e adolescentes, bem como substituição de ―escolas-ranchos‖ por infraestruturas de qualidade. ● Habitação: Capacitação das famílias sobre o melhoramento de aspectos relacionados às suas condições de vida material e social. ● Registro civil: Orientação e regularização das inscrições de crianças, adolescentes, jovens e adultos das famílias participantes, que não estejam devidamente registrados como panamenhos(as); ou, estando, não tenham ainda obtido sua cédula de identidade pessoal. ● Desenvolvimento rural: Promoção de aprendizagens no manejo técnico de ferramentas para que desenvolvam atividades que permitam melhorar o espaço e a qualidade de vida, aproveitando os recursos naturais existentes no meio. Geração de rendimentos: impulso de atividades técnicas de capacitação para que adquiram conhecimentos e aperfeiçoem as destrezas necessárias para conseguir trabalho e ganhar mais dinheiro. ● Desenvolvimento social: Fomentar a participação cidadã das famílias em atividades e ações de proteção cívica e social das comunidades.

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COMPONENTE 3: ACOMPANHAMENTO FAMILIAR

Atividades que as equipes desenvolvem para melhorar a qualidade de vida dos membros das famílias beneficiárias.

Essas equipes contam com técnicos, promotores e profissionais que realizam o acompanhamento personalizado do processo de fortalecimento individual, familiar e comunitário, e aperfeiçoam o aproveitamento dos recursos investidos. A equipe é composta pelo Enlace Familiar, pelo Comitê de Família e pela Equipe Psicossocial.

● Enlace Familiar: Um representante do Estado que acompanha de modo contínuo às famílias. ● Comitês de Família: São as organizações comunitárias conformadas por famílias, usuárias da Rede, ou não, que participaram de forma conjunta com as entidades governamentais e não governamentais de modo a dar seguimento à Rede de Oportunidades e coordenar a solução de seus próprios problemas. ● Equipe Psicossocial: Equipe de profissionais especializados em orientar e fortalecer as capacidades das famílias, sua coesão e unidade, a fim de melhorar sua qualidade de vida.

CONTROLE DE CUMPRIMENTO

Cada dona do lar é portadora de uma Tarjeta de Compromissos, na qual se registra o cumprimento de cada uma das co-responsabilidades adquiridas com a Rede de Oportunidades.

COMPONENTE 4: INFRAESTRUTURA TERRITORIAL

As entidades governamentais focalizam os recursos nos co-regimentos de pobreza extrema, priorizando o investimento em infraestrutura territorial que se solicite para atender às necessidades de água, saneamento, eletrificação rural e caminhos e vias de acesso nas áreas indígenas e rurais.

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● Água, aquedutos e saneamento: Serão projetadas e desenvolvidas as soluções necessárias às demandas da população em estado de pobreza extrema em matéria de água, aquedutos e saneamento básico. ● Eletrificação: Serão desenvolvidas estratégias necessárias para facilitar a conexão elétrica dos co-regimentos e a população em situação de pobreza extrema. ● Caminhos e vias de acesso: Serão aprimorados os acessos aos co- regimentos e se reabilitarão os caminhos e vias de acesso nas áreas indígenas e rurais, para garantir a acessibilidade e os serviços básicos a todos os panamenhos(as) em situação de pobreza extrema.

4.2.3 NIVEIS DE COORDENAÇÃO

A COORDENAÇÃO DO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL OPERA EM TRÊS NÍVEIS

1. Nível Nacional

● Presidente - Gabinete Social ● Secretaria Executiva - Sistema de Proteção Social

2. Nível Regional

● Governador (a) - Junta Técnica ● Comissões de Trabalho

● Equipes Técnicas Interministeriais

3. Nível Local

● Representantes - Enlaces Familiares ● Juntas locais ○ Juntas Comunais ○ Acompanhamentos Familiares

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4.2.4 ÁREAS DE INTERVENÇÃO

● A Rede de Oportunidades atinge a todos os co-regimentos de pobreza extrema do país, situados em áreas comarcais, rurais e urbanas, no período de 2006-2009. ● Em 2006, a Rede foca seus esforços nos primeiros 26 co-regimentos, que se somam aos 15 co-regimentos atendidos pelo Programa de Segurança Alimentar.

● Todos os co-regimentos serão atendidos progressivamente, até que se incorporem ao Sistema de Proteção Social todos os lares em situação de pobreza extrema, em nível nacional.

(Disponível em: . Acesso em: )

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Capítulo V IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA REDE DE OPORTUNIDADES NO DISTRITO DE CHANGUINOLA, PROVÍNCIA DE BOCAS DEL TORO: UMA ANÁLISE EM PROCESSO

5.1 Primeiros Passos Depois de elaborada a proposta do programa Rede de Oportunidades, o Estado panamenho, por meio do Ministério do Desenvolvimento Social, dá os passos iniciais para sua implementação com a participação do Ministério de Economia e Finanças, Ministério de Saúde, Ministério de Educação e outras instituições estatais, como a Direção Nacional de Correios. Dentre os passos iniciais, destacam-se:

Definição de Bocas del Toro como área geográfica prioritária para o início do programa de transferência de renda Rede de Oportunidades, conforme os resultados do Censo de Vulnerabilidade Social, Enquete de Níveis de Vida 2003 e do Mapa de Pobreza, apresentados no Capítulo IV. Definição da equipe de trabalho: promotoras e coordenador da Rede de Oportunidades em articulação com a Direção Regional do Minsa e do Meduca. A formação das promotoras realizou-se por meio de cursos na capital e em Changuinola.

A princípio, a equipe de promotoras era constituída por vinte profissionais, para atender a província de Bocas del Toro, mas, no momento em que se realiza esta investigação, eram apenas três promotoras. As demais não continuaram, por ter-se finalizado seu contrato de trabalho temporário. Essa situação de contrato de trabalho, posteriormente, mudou com a nomeação de outros dez promotores/as, que contam com o apoio técnico do CAI – grupo constituído por advogada, assistente social e psicólogo –, para realizar as atividades socioeducativas e para prestar a atenção especial a algumas famílias.

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Definição dos recursos financeiros para a execução do programa Rede de Oportunidades, incluindo a transferência de B/. 35,00 mensais (posteriormente, B/. 50,00), para 4.350 famílias registradas na província de Bocas del Toro. Os aportes financeiros são, em parte, do Estado Panamenho e de acordos estabelecidos com o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Logo após tais medidas, deu-se início ao programa Rede de Oportunidades no distrito de Changuinola, província de Bocas del Toro, em abril de 2006, continuando até hoje, em um processo de adequações e aperfeiçoamentos em sua dinâmica de gestão e execução.

5.2 Percepções dos Sujeitos Pesquisados – Autoridades, Promotoras, Informantes Especiais e Usuárias – quanto ao Entendimento da Proposta do Programa Rede de Oportunidades

Na análise dos dados obtidos neste estudo, conforme exposto na Introdução, apresentamos, primeiramente, as vozes dos sujeitos entrevistados; das autoridades, promotoras e usuárias, para, em seguida, elaborar os significados desses relatos. Nesse sentido, a análise se alicerça em três fatos interpretativos: participação e mudanças quanto à alimentação, educação, saúde, moradia, relações familiares e participação da família na comunidade; quanto a mudanças ocorridas no universo da subjetividade das usuárias; e quanto às perspectivas de futuro.

5.2.1 Autoridades

A seguir, apresentamos as considerações das autoridades provinciais que participaram de nosso estudo a respeito da Rede de Oportunidades:

A1: A Rede de Oportunidades é dirigida especialmente às pessoas em extrema pobreza. É dizer, aquelas pessoas que, em um dia, não recebem nem sequer um dólar para sustentar a si mesmas e à sua família. A Rede não vai custear todas as coisas, mas ainda que seja um grão que se destine a essas famílias para que saiam dessa

90 situação e ver algumas que, de repente, consideramos que deveriam entrar, porém, como digo, nada se manipula pela mão do homem. A2: A Rede de Oportunidades é uma estratégia que foi estabelecida para melhorar as condições de vida da população. Na última avaliação que realizamos, vimos que a demanda da população em relação aos equipamentos de saúde tem aumentado, inclusive nas rondas integrais, as jornadas comunitárias, temos visto que essa população beneficiária da Rede de Oportunidades tem atendido aos seus controles; os filhos à sua vacinação; e mantém, basicamente, a proximidade com o Minsa, consideramos que a Rede de Oportunidades foi uma estratégia fundamental, porque motivou as pessoas a cumprirem com suas responsabilidades, como pais de família, quanto à atenção às gestantes, às crianças menores de cinco anos e dos adultos maiores.

A3: No nível geral, a Rede de Oportunidades tem ajudado a manter as crianças na escola. Agora exigem que as crianças estejam no sistema escolar para poder pagar-lhes a Rede. Em 2009, nos lugares indígenas, Ngöbe Buglé, Valle de Riscó, houve queixas, pelo não pagamento da Rede de Oportunidades. A Rede de Oportunidades tem muitas coisas boas; agora, as crianças e as mães têm mais oportunidade de expressar-se.

A4: A Rede de Oportunidades é um bom projeto para os que estão em extrema pobreza, ou seja, os que realmente não têm nenhuma renda. Eu penso que ajuda sempre e quando as pessoas realmente necessitam. É importante a presença das promotoras, porque, por meio delas, são educadas. Não só o dinheiro é dado, o governo lhes dá, mas eles também têm que dar em troca. Isso ajudou as pessoas a levarem as crianças para vacinar e as mulheres a fazerem o papanicolau. Havia muitas crianças sem ir ao médico e que não estavam na escola, por meio da Rede de Oportunidades conseguiu- se inseri-las; foi um ganho.

A5: A Rede de Oportunidades é um bom programa, é um excelente programa para o que se tem pensado, não erradicar, mas diminuir a pobreza. No início, se pensava que a Rede era algo dado à gente, no estilo paternalista, depois foi implantada a parte auto-sustentável, em que tinha que desenvolver suas capacidades. A parte educativa e a saúde foram excelentes, desde o início. É o compromisso das

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mulheres para que frequentem o Centro de Saúde; essa é a parte mais positiva do programa, havia uma grande quantidade que nunca havia feito um papanicolau. Os seis primeiros co-regimentos foram: Changuinola, Almirante, El Empalme, Guabito, Las Tablas, Chiriquí Grande. Os outros onze co-regimentos da província se incorporaram em 2008.

O programa Rede de Oportunidades é percebido como estratégia efetiva para melhorar as condições de vida da população identificada com níveis de pobreza extrema.

A Rede de Oportunidades contribuiu com o incremento da demanda da população de Changuinola quanto às instalações de saúde, especialmente na atenção a crianças e mulheres, e tem favorecido o aumento do número de crianças nos centros educativos.

Segundo a percepção de alguns de nossos entrevistados, a presença das promotoras nas comunidades é fundamental, porque, por meio delas, se educa a população. Ademais, visualizam como muito positivo o compromisso das usuárias no cumprimento das co-responsabilidades.

A Rede de Oportunidades tem favorecido a participação das mulheres e crianças, que agora podem expressar-se e seus direitos são promovidos em atividades socioeducativas.

5.2.2 Promotoras

As promotoras, ao serem consultadas a respeito de suas percepções sobre a Rede de Oportunidades, assinalaram:

P1: O projeto Rede de Oportunidades tem sido muito bom, porque tem ajudado a muitas famílias. A muitas mulheres que se sentiam excluídas. Elas não se atreviam a falar, a conversar, a nada, estavam acostumadas a viver assim. Os homens falavam por elas. Agora, quando fazemos as reuniões, elas são encorajadas a falar o que pensam; ainda que não saibam falar muito bem, elas transmitem,

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dizem a alguém o que querem dar a entender, e assim mesmo nós também temos aprendido a entendê-las. Embora, a princípio, custássemos a entender o que elas queriam dizer. Agora, já entendemos sua forma de falar. Eu me sinto bastante satisfeita, porque eu tenho sentido que pude ajudá-las.

P2: A Rede de Oportunidades tem ajudado a muitas mulheres de pobreza extrema, tirando-as da pobreza extrema, porém nem todas elevam seu nível de vida; umas não conseguem superar seus costumes.

P3: A Rede de Oportunidades tem ajudado algumas mulheres a melhorar suas casas. A educação e a saúde são a fortaleza desse programa. Há pessoas que antes eram bem inibidas, não falavam, somente os homens falavam por elas, agora elas falam por si mesmas.

As promotoras são as pessoas que mantêm contato direto com as usuárias e elas vêem o programa Rede de Oportunidades de forma positiva. No entanto, as três o consideram uma ajuda. Nessas funcionárias, o conceito de direito social ainda não é identificado.

A Rede de Oportunidades contribuiu para tornar visíveis e fortalecer as mulheres dentro de suas famílias e na comunidade. Elevou a autoestima delas e lhes permitiu falar por elas mesmas.

Algumas das usuárias melhoraram seu nível de vida, suas moradias e, sobretudo, aumentou a participação das mulheres e crianças nos programas e serviços de saúde pública. Ademais, a Rede tem favorecido a presença de crianças e jovens nos diferentes centros educativos do distrito de Changuinola.

5.2.3 Informantes Especiais

Nossos informantes especiais se manifestaram da seguinte forma:

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IE1: O projeto Rede de Oportunidades modificou-se bastante desde seu início. Consideramos que é um paliativo para a pobreza dessa província, pobreza extrema. No entanto, falta pessoal técnico para a administração do projeto e que seja de tempo integral, porque é necessária a supervisão nas comunidades. Tem havido mudança cultural em algumas comunidades Ngóbe, onde se sentia que o homem era quem controlava, em todos os níveis, a comunidade e mesmo a sociedade dessa etnia indígena. Era ele que levava tudo para o lar, o que mandava e o que dizia à mulher: fica, tu não podes fazer nada. Quando a Rede de Oportunidades começou a fazer essa mudança, vimos a mulher se capacitar, pois lhes davam certas ferramentas para a administração do lar e criação dos filhos; lhes explicavam sobre os direitos da mulher e dos filhos, um sem-fim de temas e de situações que ela desconhecia. Então, o homem indígena viu que agora a mulher traz informação, traz dinheiro e houve uma mudança ali por parte do homem. Se havia uma situação de violência dentro de casa, a mulher já sabia onde acudir e onde podia fazer a denúncia. Agora, inclusive, permite que a mulher opine e que dê aportes dentro da família. Algumas famílias puderam compreender a importância da Rede de Oportunidades, não somente na parte econômica, mas também na parte social da mesma comunidade, para o desenvolvimento das famílias. Agora, ele toma uma atitude que diz: “agora não posso controlar”, agora a mulher é a que se encarrega.

IE2: A ideia da Rede de Oportunidades é ajudar à mulher, primeiro às que não tinham marido, estavam sós teoricamente, o programa é controlado, elas tem que apresentar o cartão. Há que fazer bem-feito, que o dinheiro vá onde tem que ir, à escolaridade e à saúde. Quando Torrijos o pôs, disse que era para a escolaridade. Em todas as escolas houve um aumento na escolaridade. O governo não deve dar mochilas e materiais escolares a todo o mundo, se não ao que o necessite. “Deve dar as coisas, mas ao que o necessita.”

Nossos informantes especiais vêem a Rede de Oportunidades como um paliativo para a pobreza extrema, uma ajuda; de forma geral, as transferências de renda no Panamá não são consideradas como um direito da população, mas, no melhor dos casos, vistas como doações.

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A Rede de Oportunidades propiciou uma mudança cultural entre os indígenas Ngöbe, ao permitir que as mulheres acessem a informação sobre seus direitos e o direito de seus/suas filhos/as. Agora, elas levam informação ao lar e aportam recursos econômicos à família; também podem opinar, participar das atividades que se realizam na comunidade, e os homens tiveram que aceitar.

As mudanças propiciadas pela Rede de Oportunidades no distrito de Changuinola não só se referem a aspectos econômicos como, o mais importante, têm favorecido mudanças sociais e culturais nas famílias das usuárias.

5.2.4 Vozes das Usuárias

A seguir, apresentamos os testemunhos das 25 usuárias do Programa Rede de Oportunidades que participaram deste estudo em Changuinola, província de Bocas del Toro. Elas pertencem a diferentes grupos étnicos residentes na província, sendo assim, compõem amostra significativa do universo étnico e cultural bocatorenho, composto por: Ngöbes, Naso-Teribe, Kuna, afro-descendentes e latinas.

Ngöbes

As cinco entrevistadas foram unânimes ao expressar que o programa Rede de Oportunidades abriu para elas e a suas famílias novas possibilidades de melhorarem suas vidas. Essas mulheres nunca antes tiveram dinheiro próprio, nem saíam de suas casas. Não contavam com nenhuma forma de sair da realidade de subsistência, muitas vezes passando fome. Nesse sentido, elas manifestaram:

N1: A Rede de Oportunidades me ajuda bastante, em muitas coisas, que eu não tinha. Antes, eu achava difícil conseguir o dinheiro

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(passagem) para ir ao hospital. Agora, posso ir à vizinha pedir emprestado, e, quando recebo, lhe pago, antes não, essa é a diferença. Para mim, é necessário, porque existem muitas mulheres que não têm como ajudar sua família (filhos/as), para mandar seu filho para a escola, para ter “pratinha” para qualquer coisa que lhe peçam e não fracassem. Compro comida, guardo para a passagem dos filhos. Aprendi a criar frangos, a lhes dar remédios. Trabalho na granja de frangos. Aprendi a preparar comida (arroz com frango, tamales, etc.) para vender aos trabalhadores de Cobana duas vezes na semana, recebo como US$ 10 por dia de ganho, assim, tenho mais dinheiro. Há outras mulheres que também vendem.

N2: Rede de Oportunidades ajuda. Antes não tinha nem “quara” (0,25 de dólar), agora é que eu aprendi. Porque eu não sabia nada, como uma „tá em um grupo, uma aprende. Uma não sabe como cuidar frangos, uma aprende. Agora, não posso ir a cuidar frangos, estou doente, tenho diabetes. Com a Rede, eu compra comida, fica pouquinho para passagem de filhinho, tudo tá caro.

N3: Rede de Oportunidades é como uma ajuda. É bom, porque antes eu não tinha nada, meu filhinho andava com chinela furada, eu não podia fazer nada com meu filho. Com esse dinheiro, compro comida, roupa, sapato. Eu guardo um pouquinho para semear banana; comprei 110 sementes, agora necessita adubo. Tenho mandioca, às vezes vendo. Quando recebo da Rede, eu guarda, para filho ir a colégio e ficam como vinte Balboas para emprestar. Aprendi a poupar.

N4: Red é uma ajuda para cuidar do filho, manter filhinho, comprar roupa, comprar algo pa‟ filhinho na escola. Ajuda muito para que os filhos sigam na escola. Agora posso dar dinheiro para passagem. Quando recebo, poupo vinte Balboas com Anabel. Agora, eu trabalho cozinhando para vender e na granja de frangos. Cuidar de frangos é novo.

N5: Nunca recebi dinheiro de governo, o Sr. Martín Torrijos deu uma oportunidade para sair na frente, ganhar mais e poder estudar a família (filhos/as). Eu gosto pa‟ trabalhar, eu compra frango vende, compra porco vende, guardei dinheiro e comprei porquinha; vai parir

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e depois vendo os porquinhos. Aprendi a economizar. Compro comida, chinelas, coisinhas que necessito e guardo para universidade de filha.

A Rede de Oportunidades tem contribuído para que as usuárias de origem Ngöbe iniciem o processo de se identificar como pessoas, ou seja, sujeitos de direitos capazes de expressar o que sentem e pensam. Permitiu- lhes sair do âmbito doméstico e inter-relacionar-se com outras mulheres de sua comunidade e tem lhes disponibilizado a possibilidade de gerar pequenas rendas, através de atividades que realizam em grupo (venda de comidas e trabalho na granja de frangos), ou em forma particular, através da venda de alguns produtos cultivados por elas ou o cuidado de animais (porcos). Agora, elas se sentem capazes de contribuir com a renda do grupo familiar, o que eleva sua autoestima.

Estas mulheres, que nunca tiveram dinheiro próprio, agora aprenderam a poupar parte do que recebem e do que geram com suas pequenas atividades produtivas. Também tem reproduzido aprendizagens adquiridas em seu meio ambiente, como o fato de emprestar para logo cobrar juros.

É significativo o fato de algumas dessas usuárias terem aprendido a poupar. O grupo de Finca 51 possui duas contas de poupança: numa depositam o dinheiro da venda dos frangos, dividido entre as mulheres que trabalham na granja, e, na outra conta, depositam as economias de cada uma delas.

As tesoureiras (uma usuária e a filha universitária de outra usuária) fazem parte da comunidade, têm a responsabilidade de receber o dinheiro na comunidade, depositá-lo no banco em Changuinola e retirá-lo no momento oportuno para dar a cada qual o que lhe corresponda.

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Naso-Teribe

As cinco entrevistadas assinalaram sempre depender economicamente do que seus maridos conseguiam, em seus precários trabalhos, geralmente agricultura de subsistência, trabalhadores manuais e diaristas em fazendas de pecuária. O programa Rede de Oportunidades ampliou suas possibilidades econômicas quanto ao consumo de alimentos básicos e manutenção de seus filhos no colégio. Nesse sentido, expressaram:

NT1: Agora compro comida e coisas para meu filho, minha filha. Me sinto diferente, porque nunca consegui esse dinheiro, é a primeira vez que tenho dinheiro. Me sinto contente, porque nunca comprei nada para meus filhos.

NT2: Antes da Rede, só havia tido dinheiro quando lavava ou cozinhava para alguém. Às vezes, quando tem clientes, cozinho e lavo. A Rede, eu sei que é uma ajuda bem grande que nós conseguimos, não há outra ajuda que possa comparar com isso. É um direito, porque somos ser humano e devemos ter uma ajuda.

NT3: Em minha opinião, a Rede de Oportunidades é uma boa ajuda que nos dão como mães de família e falta de economia, com isso, eu compro comida, pago transporte para que minha filha vá ao colégio. Rede de Oportunidades é um direito, porque agora temos a oportunidade de manejar dinheiro e comprar o que queremos e direito têm meus filhos à educação, saúde e a ter tudo em ordem. Direito a gerir esse dinheiro para mandar os filhos seguirem estudando e, com isso, que eles possam chegar mais adiante a ser alguém no futuro. Direito a ter uma melhor qualidade de moradia e de vida para família.

NT4: A Rede é bom, porque a pessoa mesma pega seu dinheiro e compra o que necessita. Antes eu não tinha dinheiro. Agora tenho dinheiro, agora posso dizer algo na casa. Agora eu sei que não tenho que pedir, eu posso comprar o que necessito, compro comida e as coisas para filha, que está no colégio. A Rede de Oportunidades é um direito, claro que sim, porque temos um direito de receber esse dinheiro para nós mesmas comprarmos o que necessitamos.

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NT5: Para mim, a Rede foi uma ajuda para as necessidades de minha casa. Antes, eu dependia do que meu esposo conseguia. Agora, com a Rede, pago o transporte e os gastos dos meninos no colégio. Compro algo de comida e o que ele consegue, ele usa em outra coisa.

A Rede de Oportunidades favorece o fortalecimento da posição das mulheres em seu grupo familiar, ao contribuir com suas rendas para o sustento da família, permitindo-lhes algumas melhorias em sua alimentação.

Para esse grupo, o programa Rede de Oportunidades é, principalmente, garantia para os estudos de seus/suas filhos/as, já que a distância e a dificuldade de acesso a essas comunidades tem sido fator importante para que os/as jovens possam continuar os estudos secundários.

Kuna

Os Kuna chegaram a Bocas del Toro atraídos pelas oportunidades de trabalho nas plantações bananeiras, e possuem uma visão mais urbana que os demais grupos indígenas que historicamente se assentaram em território bocatorenho. Eles são o grupo de mais contato com as cidades de Panamá e Colón, e muitos deles trabalharam nas antigas bases militares norte- americanas.

As usuárias kuna são as únicas indígenas que administravam rendas próprias antes de participar da Rede de Oportunidades, três das cinco que participaram deste estudo se dedicam à confecção de molas, uma delas ainda trabalhou, durante muitos anos, como empregada doméstica. Duas, dentre elas, são donas de casa, contudo, uma trabalhou como babá, antes de ser mãe. Ao serem consultadas, expuseram:

K1: A Rede é ajuda, poupar, comer, caderno, roupa. Que não termine, porque ajuda filhos a estudar. Agora tenho conta de banco, deixo parte para a universidade de filho.

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K2: Rede é bom, ajuda minhas filhas e meu esposo, não quero que termine. Compro comida, roupa, sandálias, sapatos, sapatilhas, lápis, uniforme.

K3: Rede é uma boa opção que nos tem dado o governo para ajudar a nós, mulheres. Compro comida, materiais escolares, sapatos, uniformes.

K4: A Rede é uma ajuda que beneficiou muito a família. Compro materiais escolares, comida, roupa, sapatos.

K5: Para mim, é muito melhor agora que estou recebendo a Rede, porque tem melhorado. Me ajuda muito para o estudo de minhas filhas. Compro comida, guardo passagem para as meninas, compro materiais escolares, medicamentos que não há no seguro, roupinha para a menina e pra mim.

A Rede de Oportunidades auxilia as cinco famílias basicamente na compra de alimentos e nos gastos escolares. É o meio de alcançar a desejada mobilidade social de seus filhos.

Nesse grupo, encontra-se uma usuária que, apesar de sua evidente condição de pobreza e dificuldade com o idioma (espanhol), se preocupa em guardar na conta poupança, no banco, parte do dinheiro da Rede de Oportunidades para enviar seu filho maior à universidade. Embora essas pessoas não saibam ler ou escrever, desejam que os filhos estudem; ter um filho estudando na universidade é motivo de grande satisfação, é uma esperança em um melhor futuro.

Afro-descendentes

As usuárias afro-descendentes residem em área urbana, possuem filhos de diferentes companheiros e são famílias que enfrentam graves problemas sociais, como violência doméstica, deserção escolar, familiares privados de liberdade, mãe solteira adolescente, moradias em condições precárias. Com

100 essa situação de vida, a maior parte da transferência de renda é empregada na compra de comida. Nesse sentido, indicaram:

AD1: A Rede é boa, porque ajuda a algumas de nós a comprar comida.

AD2: Rede é uma ajuda, o primeiro é a comida para meus filhos, as cópias da escola. Se posso, compro roupinha para todos, o que puder. Uma vez cabe às meninas e outra aos homens. Agora vejo melhor porque estou mais atenta à saúde, sobretudo dos meus filhos.

Penso que todas devemos nos beneficiar da Rede, pois em verdade a necessitávamos. Eu posso dizer que esse projeto foi obra de Deus, temos que cuidá-lo e cumprir com as tarefas que nos deram: a saúde, educação.

AD3: A Rede é uma ajuda bem grande. Pelo menos é uma ajuda para todo mundo, eu a considero um bem para o que sabe utilizá-la. Tem ajudado a algumas famílias que estão necessitadas e abaixo dos recursos para a escola e o lar, eu o acho bem. Para mim, mudou a forma de vida de meus filhos, a comida, a roupa, no lar, embora não tanto. Arrumei um pouco a casa.

AD4: A Rede é uma ajuda, não posso dizer que é um direito, porque não trabalhei por esse dinheiro. Não posso exigir do governo que me dê, pois ele me está apoiando com algo que não tinha. Compro comida, roupa; divido uma vez para as meninas e a outra para os homens. Compro as coisas da escola. Minha casa melhorou, tinha só dois quartos. Comprei materiais (madeira), agora tenho minha casa completa.

AD5: Penso que a Rede é uma ajuda, é muito bom, porque obriga a que uma pessoa cuide mais de seus filhos no estudo, na alimentação e na saúde também. Compro comida, roupa, materiais de estudo e, às vezes, pago o aluguel.

As mulheres afro-descendentes entrevistadas assumiram praticamente sozinhas a responsabilidade da criação de seus filhos. As cinco coincidem, ao indicar que a Rede de Oportunidades é uma ajuda: para possibilitar melhor

101 alimentação, algumas comodidades em seus lares e reparação de suas casas, embora sejam essas ainda precárias.

Manifestaram preocupação em cumprir com as condições do programa, principalmente nos aspectos relativos à saúde e educação, já que são fundamentais para continuar recebendo as transferências monetárias.

Latinas

As cinco usuárias latinas manifestaram que a Rede de Oportunidades é uma ajuda, ainda que para cada uma delas o significado seja diferente. Nesse sentido, disseram:

L1: A Rede de Oportunidades é uma ajuda, é bom, porque, aí, se dispõe desse dinheiro. Serve para pagar as passagens ao colégio. Compro algo de roupa, um a um porque não se pode a todos. Se o gás se acaba antes que chegue o dinheiro, consigo emprestado, pois sei que tenho com que pagar. Agora tenho uma criação de frangos em casa.

L2: A Rede de Oportunidades é uma ajuda, não é um direito, nem dever, é uma ajuda. É uma boa decisão que a mulher receba o dinheiro, mais nos indígenas, pois gostam de beber e não lhes preocupa se os filhos comem ou não.

L3: A Rede é uma ajuda, eu estou de acordo que são três anos. Assim como me ajudaram, que ajudem aos que necessitam até mais do que eu; porque tem gente que necessita que não lhes tirem esse programa.

L4: A Rede de Oportunidades é uma ajuda; me ajudou a ter minha casa nova, há dois meses nos mudamos. Com o dinheiro da Rede, eu comprava a comida e meu esposo utilizou seu dinheiro para comprar pregos e construir a casa, ele já tinha a madeira e o zinco. Há quinze dias, deixamos a casa velha e com essa madeira construímos a cozinha nova provisória, queremos construir a cozinha de cimento. A Rede me ajudou com o tratamento dermatológico e a

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pagar o dentista. Também, algumas vezes, levei os meus filhos ao doutor na policlínica de Guabito (fronteira com a Costa Rica).

L5: A Rede de Oportunidades é uma ajuda, uma grande bênção, porque realmente nos abriu portas para que possamos ser alguém no amanhã. Quando eu não a tinha, somente dependia de meu esposo, a Rede me ajudou a entrar em cursos de: cozinha, pastelaria, beleza (cabeleireira, manicure) e o último foi de costura. Minha vida pessoal mudou, porque, quando ingressei na Rede, eu tinha um problema, que não me considerava o quanto eu valia, nos cursos nos falaram sobre elevar nossa autoestima e nos assessoram, às que temos sido maltratadas, que podemos buscar ajuda. Com o dinheiro, compro comida, tiro uns US$ 10 ou US$ 20 para comprar um pouquinho de blocos para construção, porque estou ampliando minha casa. Estou criando 25 frangos para vender, e tenho ainda dois porquinhos. Tinha três e matei um, recebi mais de US$ 100, e reparti a carne entre os familiares que me ajudaram. Comprei outro leitão para engordar.

A Rede de Oportunidades possibilitou o fortalecimento da autoestima de uma dessas usuárias e sua posterior transformação em uma mulher capaz de gerar seus próprios recursos, com base nos conhecimentos adquiridos nos diferentes cursos de capacitação para o trabalho produtivo de que participou.

Duas das entrevistadas valorizaram as melhorias em suas casas; o que lhes permitiu oferecer às suas famílias um pouco de comodidade, proteção contra as inundações (construção de casa no alto). Além disso, essas duas usuárias agora têm mais privacidade, pois construíram um quarto para os filhos e contam com outro, privado, para elas e seus esposos.

Outras duas latinas declararam não ter havido mudanças significativas em suas vidas, apesar de reconhecerem que a Rede é uma ajuda. Uma delas é pensionista e seu esposo está trabalhando. O marido da outra é proprietário de pequeno lote de terra. É provável que essa situação influencie em sua percepção do programa, diferentemente daquelas usuárias com menos recursos, para as quais a Rede de Oportunidades tem impactado significativamente, ao permitir que elas realizem trocas e transformações na alimentação de sua família, bem como nas condicões materiais de suas casas.

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A outra usuária desse grupo utiliza os recursos da Rede, principalmente, para a alimentação. Essa é a família mais numerosa, dentre as cinco latinas que participaram deste estudo, pois é composta por onze pessoas.

As 25 entrevistadas entendem ser, o programa Rede de Oportunidades, muito importante, porque trouxe melhorias em suas condições de vida pessoal, familiar e comunitária.

O programa é visualizado por todas como uma grande ajuda e três das indígenas Naso-Teribe o consideram um direito como seres humanos, como mulheres e um direito de seus filhos a serem alguém na vida, diferentemente delas, e para que possam ajudá-las na velhice.

Outra valorização dessa ajuda recebida refere-se às atividades socioeducativas, que propiciam a aprendizagem de novas habilidades para gerar renda e desenvolver novas relações sociais.

5.3 Significados Expressos pelas Usuárias sobre Mudanças Propiciadas por sua Participação no Programa Rede de Oportunidades

5.3.1 Quanto à alimentação, educação, saúde, moradia, às relações familiares e relações comunitárias

Com base nas vozes das usuárias, a análise centra-se nos significados das mudanças que o programa tem propiciado, desde o ingresso delas, a partir de 2006. Alguns dos significados dessas mudanças são gerais e outros singulares, existindo uma estreita relação entre eles e a história étnico-cultural de cada grupo de entrevistadas.

Entre os significados gerais, destacam-se mudanças ocorridas nas áreas de alimentação, educação, saúde, moradia, relações familiares e participação na comunidade. Entre os significados singulares, destacam-se os ocorridos nas

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áreas da subjetividade das usuárias, enquanto pessoas, nos papéis de mulher, esposa, mãe, membro de uma comunidade e trabalhadora para a geração de renda própria e construção de novos projetos de vida para elas e seus filhos.

5.3.1.1 Alimentação

Ngöbes

Tradicionalmente, a base da alimentação desses indígenas tem sido o consumo de tubérculos como: yuca, dachin ou malanga, inhame, otoes e banana.

N1: Antes nós só vivíamos de verduras, às vezes íamos pegar camarões ou peixe. Agora compramos arroz, frango, carne, porco, peixe.

N2: Agora eu compra comida: ovos, arroz, frango, “peixe”, açúcar p‟ra comer.

N3: Compra comida. Antes nós “aguentava fome”, agora não.

N4: Compra comida: frango, café, açúcar, arroz. Quando eu não recebia, escolhia camarão, caminho muito sujo (monte), já não vou porque tenho algo pa‟ comprar.

N5: Compra comida: carne, frango, feijão, lentilha, açúcar, café, leite.

As cinco entrevistadas usam o dinheiro da Rede de Oportunidades para a compra de alimentos para sua família. Para elas, aumentar o consumo de produtos alimentícios de origem animal significou dar à família melhor alimentação, já que esses produtos eram menos consumidos, por seu custo mais alto, e são de fundamental importância para manter a dieta balanceada, contribuindo para o melhor desenvolvimento físico e mental dos/as filhos/as e é motivo de satisfação para essas mulheres.

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Naso-Teribe

Os habitantes da região Teribe não contam com supermercados ou comércios sortidos em suas comunidades, por isso, a aquisição de certos alimentos depende da ida de algum membro da família aos centros mais povoados, em El Silencio ou em Changuinola.

NT1: Compro frango, farinha, açúcar, café e leite para a menina de um ano. Antes comíamos sardinha e banana verde.

NT2: Antes só comíamos verduras, inhame e banana. Agora compro salsichas, ovos, sardinhas para acompanhar as verduras no desjejum. Antes, não havia arroz no almoço, tínhamos que comer verduras. Agora o arroz é permanente no almoço, às vezes com ovos, com salsichas, peixe ou frango, quando alguém sai. Também criamos frangos. Na ceia, faço massa folheada, pão ou doce de banana com farinha e creme.

NT3: A mudança que houve é que às vezes eu não tinha o que dar a meus filhos. Antes, não havia a possibilidade de comprar carne. Agora compro: frango, peixe, carne, preparo arroz com vegetais, saladas, Corn Flakes para os meninos e leite para a bebê.

NT4: Agora compro frango, peixe, feijões.

NT5: Quando recebo, trago meu pedacinho de carne ou frango.

As cinco entrevistadas usam o dinheiro da Rede de Oportunidades na compra de alimentos para a família. O arroz é um grão básico de consumo diário no Panamá, embora, para algumas dessas famílias, não seja possível comê-lo diariamente. Elas valorizaram muito o fato de poder contar com arroz permanentemente na alimentação diária.

O consumo de produtos de origem animal também tem sido incrementado, nesse grupo de famílias Naso; inclusive, alguns não tão recomendáveis, mas de uso popular, como as salsichas.

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Para elas, é muito importante poder acompanhar as verduras tradicionalmente consumidas no desjejum com salsichas ou ovos, já que o consumo de proteína animal nessa refeição é culturalmente aceito e até desejado entre a população panamenha.

Kuna

Os indígenas Kuna chegaram a Bocas del Toro principalmente atraídos pelas oportunidades de trabalho nas plantações bananeiras. Algumas das usuárias entrevistadas nunca mais puderam regressar à sua terra natal, na Comarca de San Blas ou em Darién: pela distância, pelo elevado custo de transporte e a dificuldade de viajar com toda a família.

K1: Agora, compro frango, carne.

K2: Agora, compro frango, carne, carne moída, arroz, lentilhas, leite, biscoitos, sorvete.

K3: Agora, rende para comprar leite, gelatina, Corn Flakes e para a merenda escolar, que antes não havia.

K4: Quando ela não tinha a Rede, meu papá às vezes comprava carne, pescado, frango. Agora, ela pode comprar, para o desjejum, pão, salsicha, mortadela, pescoço. Agora, quase todos os dias, comemos carne, frango, peixe, antes nem todos os dias podíamos comer carne.

K5: Agora posso comprar miúdos, frango, carne, nuggets, batatas congeladas, panquecas, ovos, posso fazer pão.

Em relação às mudanças ocorridas na alimentação, para essas usuárias, é de grande valor e satisfação poder comprar alguns produtos muito apreciados pelos/as filhos/as, e frequentemente anunciados na televisão, tais como: Corn Flakes, panquecas, gelatina, sorvete, biscoitos, nuggets de frango, batatas fritas congeladas.

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A Rede de Oportunidades tem propiciado melhoras na alimentação, com o consumo de proteína animal, fundamental para o crescimento e reparação de tecidos e órgãos do corpo.

Transmitem um sentimento de satisfação, ao proporcionar esses alimentos a seus/suas filhos/as e, assim, não se considerarem pessoas excluídas socialmente, ao não poder consumir diariamente carne, frango ou peixe.

Afro-descendentes

As usuárias afro-descendentes destinam quase todo o dinheiro da Rede de Oportunidades à compra de alimentos para suas famílias. A nutrição familiar tem melhorado, com o consumo de leite, carnes, frango, ovos, etc.

AD1: O dinheiro é para comida, agora posso comprar mais alimentos.

AD2: Agora é melhor, porque meus filhos têm seus alimentos para comer: leite, mingaus, biscoitos, sucos. Agora, comemos melhor, tem mais peixe ou frango. Posso cozinhar a tempo.

AD3: Agora posso comprar: suco, leite, Nestum, Corn Flakes, milk shake, bolachas. Eles querem algumas coisas (alimentos) que eu não podia dar.

AD4: Quando recebo da Rede, compro 30 libras de arroz, US$ 25,00 de carne, leite, Corn Flakes. Sempre dei de comer a meus filhos, ainda que fosse banana (verde) com ovo frito.

AD5: A alimentação permanece igual, sem grandes mudanças; às vezes utilizo o dinheiro para pagar o aluguel (B/. 50,00).

As usuárias afro-descendentes sentem-se aliviadas de oferecer, diariamente, desjejum, almoço e ceia a seus filhos. Sentem-se satisfeitas em receber o dinheiro da Rede de Oportunidades pois assim seus filhos não

108 passam fome, e dar-lhes alguns gostos, como a compra de sucos, maltados, bolachas e Corn Flakes.

O programa de transferência de renda permite que essas usuárias comprem mais alimentos para seus filhos, tendo presente que uma dieta balanceada garante ótimo desenvolvimento corporal e evita possíveis infecções e enfermidades.

Latina

A população latina costuma comer diariamente arroz, feijão, algum tipo de carne, banana, etc. O consumo de legumes não é frequente, especialmente por causa da falta de costume e do custo dos produtos.

L1: A alimentação agora é um pouquinho melhor, tem frango, compro um sorvete, uma gelatina. Antes era arroz e feijões. O frango agora é mais frequente.

L2: A alimentação está igual. Aqui se come pouca carne, principalmente compro frango e salsicha, com a Rede, se pode comprar um pouco mais.

L3: Quando recebo, compro algo rico para comer: galinha caipira, salada de batata com beterraba, Chow Mein de frango, pizza.

L4: Com o dinheiro da Rede, eu posso comprar Corn Flakes, maçãs, mortadela, leite. Meu esposo compra o essencial: arroz, feijão, etc.

L5: Antes meu esposo comprava a comida normal. Agora podemos dar-nos uma melhor alimentação. Compramos frango, carne, limonada.

As cinco usuárias latinas utilizam o dinheiro da Rede de Oportunidades para a compra de alimentos, especialmente de carnes. Ademais, proporcionam aos/às meninos/as alguns alimentos de seu agrado: maçãs, sorvete, gelatina, Corn Flakes, os quais geralmente não são de consumo diário. Para essas

109 mães de família, é motivo de satisfação proporcionar aos filhos o consumo de produtos solicitados por eles e divulgados nos anúncios comerciais.

O fato de acompanhar o arroz e feijão com um pedaço de carne faz toda a diferença. No imaginário popular, significa que está melhor. De igual modo, consumir no desjejum algum tipo de carne junto com os patacones, tortillas, mandioca ou pão é agradável para todos/as.

5.3.1.2 Educação

Ngöbe

Neste grupo, encontram-se as piores condições educativas, somente uma das cinco usuárias que participaram fez até segundo grau da escola primária, as outras quatro são analfabetas. Duas delas fizeram um curso de três meses, organizado pelo Mides, contudo, uma delas diz que não aprendeu nada, e a outra revelou que necessita de mais aulas.

N1: Compro sapatos, uniformes, cadernos para meus filhos e guardo para a passagem.

N2: Compro caderno, sapatos, são três filhos, não dá pa‟ comprar outra coisa.

N3: Agora, eu compro sapato, roupa, guardo para o colégio de filho.

N4: Agora posso dar dinheiro para a escola, antes pedia ao marido ou emprestava (pedia emprestado) para mandar filho à escola.

N5: Agora eu tenho dinheiro para que a família (filha) vá à universidade.

Os recursos da Rede de Oportunidades são usados por essas famílias para a compra de material escolar e o pagamento de transporte para que seus/suas filhos/as frequentem a escola secundária e a universidade.

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Especialmente nesse grupo indígena, é fundamental que os jovens elevem seu nível acadêmico e, para isso, é indispensável que a família tenha recursos econômicos para oferecer-lhes a oportunidade de frequentar a escola secundária, é por isso que essas usuárias se preocupam em reservar parte do dinheiro da Rede de Oportunidades também para o pagamento do transporte de seus/suas filhos/as.

A filha de uma dessas usuárias cursa o segundo ano de universidade; o que é motivo de grande satisfação para sua família e para a comunidade. Ela é objeto de referência, os vizinhos dizem: ―A filha de ‗N5‘ está na universidade‖.

Para uma família indígena ter um/a filho/a universitário/a é motivo de orgulho. Definitivamente, é um triunfo, se considerado que o número de indígenas que chega à universidade, em nível nacional, ainda continua sendo mínimo.

Em duas dessas famílias, há jovens no sexto ano de educação secundária, muito embora, da mesma forma que seus pais, tenham se inserido no mercado formal de trabalho como operários bananeiros.

Na região, não existem muitas alternativas de emprego, e o negócio da banana é o mais importante. Ests população deve encontrar motivação para seguir estudando e avançar para a construção de um projeto de superação pessoal.

Naso-Teribe

Todas as usuárias desse grupo são alfabetizadas. Quatro delas possuem educação primária completa e uma delas (NT1) estudou somente até o terceiro grau da educação primária.

NT1: Compro sapatos e coisas para meu filho e minha filha.

NT2: Compro caneta, lápis, mochila para meus netos.

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NT3: A Rede é uma boa ajuda para levar adiante meus filhos, para que prossigam estudando e possam chegar a ser alguém no futuro. Agora, os meninos têm uniformes, sapatos. Na alimentação, há alterações. Agora podem ir bem alimentados à escola.

NT4: Compro as coisas para minha filha que está no colégio, os sapatos, uniformes, maleta, materiais escolares.

NT5: Tenho dedicado mais do dinheiro à menina, que está no sexto ano, pago o transporte para que vá ao colégio em El Silencio.

A Rede de Oportunidades possibilita pagar transporte para que as filhas dessas usuárias possam ir à escola secundária, além de contribuir para a compra de sapatos, uniformes e materiais escolares.

Ainda permite que as usuárias contem com recursos para oferecer melhor desjejum a seus/suas filhos/as antes de irem à escola.

Kuna

Nesse grupo, as cinco usuárias são alfabetizadas; duas delas não completaram a educação primária, K2 apenas cursou até o segundo grau e K4 estudou até o quarto grau primário. No entanto, K1 e K5 têm primário completo. Em suas comunidades de origem, alfabetiza-se em língua Kuna.

Entre as usuárias da Rede de Oportunidades, em Changuinola, as 25 que participaram deste estudo, K3 é a única com educação secundária completa.

K1: Antes, todos os meninos iam à escola, mas a Rede ajuda a comprar cadernos, sapatos, uniformes. Agora, tenho conta no banco e deixo parte para filho ir à Universidade.

K2: Suas filhas sempre foram à escola, porém, a Rede ajuda a comprar uniformes, sapatos, chinelos, cadernos, lápis.

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K3: Sempre foram à escola, contudo, a Rede ajuda a comprar materiais escolares. Quando recebo, guardo especialmente para meu filho, que está no quinto ano secundário, para ter dinheiro quando lhe pedem no colégio.

K4: A Rede de Oportunidades ajuda a comprar materiais escolares, pagar fotocópias. Antes, não nos mandavam à escola porque não tinham dinheiro [os seis filhos estão atrasados em pelo menos um ano na idade escolar], mas meu pai decidiu colocar-nos na escola para que possamos ser algo na vida, não como ele, que não sabe ler nem escrever. Agora, com a Rede, pode comprar uniformes, sapatos. Agora, sim, temos maletas e todos os materiais escolares completos.

K5: A Rede me ajuda para a passagem das meninas e para comprar os materiais escolares.

As cinco mulheres da etnia Kuna utilizam o dinheiro da Rede de Oportunidades para a compra de uniformes, sapatos e material escolar.

A Rede de Oportunidades vem contribuindo para que essas famílias contem com recursos para que seus filhos frequentem centros educativos de diferentes níveis, inclusive a universidade.

Pode-se entender o significado da educação para essa população, quando K1 diz: ―agora tenho conta no banco e deixo uma parte para que filho vá à Universidade”. O padrasto desse jovem disse-lhe: “Não trabalha, filho, estuda”

Essas pessoas simples, sem instrução, são capazes de reconhecer a importância da educação. Querem que seus filhos tenham uma vida melhor, e, mesmo com as grandes necessidades econômicas de seus lares, preferem que seus filhos dediquem seu tempo e esforços para preparar-se e, posteriormente, ter melhor trabalho, com um salário digno, não como eles, que deixaram sua juventude, força e, em muitos casos, sua saúde nos bananais por um salário de sobrevivência.

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A Rede de Oportunidades possibilitou a inserção escolar de muitas crianças e jovens. O testemunho de K4 é impactante, apesar de real, sobretudo em famílias numerosas, sem recursos econômicos: ―não eram matriculados na escola primária, pois os pais não tinham dinheiro‖ para a compra do material escolar solicitado.

Afro-descendentes

As cinco usuárias entrevistadas têm educação secundária incompleta, três delas (AD1, AD2, AD3) somente frequentaram o primeiro ano da escola secundária; AD4 chegou ao terceiro ano; e AD5 estudou até o quinto ano secundário.

AD1: Meus filhos entraram há tempos na escola, se atrasaram na escola, porque tiveram que repetir o ano escolar.

AD2: Antes, faltavam muito às aulas, eu os mandava quando queria. Agora estou mais atenta a isso, também a dar-lhes algum dinheiro para o recreio e para tirarem cópias de material de estudo.

AD3: Compro o que necessitam na escola, lhes dou algum dinheiro para o recreio e pago as cópias.

AD4: Com o dinheiro da Rede, compro as coisas da escola.

AD5: Agora visito com frequência a escola, a Rede obriga a pessoa a se cuidar e a cuidar de seus filhos nos estudos.

A Rede de Oportunidades incentivou o compromisso dessas usuárias com a assistência escolar aos seus/suas filho/as, já que, apesar de encontrar- se em área urbana, algumas delas não mandavam diariamente seus filhos à escola.

114

A Rede de Oportunidades contribuiu para que os/as filho/as dessas usuárias contem com material escolar e de estudo e para que as mães visitem os centros escolares, dando prosseguimento aos estudos de seus/as filhos/as.

Latina

Uma dessas usuárias frequentou até o segundo ano da escola secundária, as outras quatro somente possuem educação primária completa.

L1: Meus filhos grandes dizem: “Mãe, quando nós estávamos no colégio, que difícil era conseguir um quara” (0,25 centavos de dólar). No caminho de ida, iam de carreta [transporte rudimentar puxado por um trator, usado pelos trabalhadores]. Agora, a Rede serve para as passagens ao colégio.

L2: Esta usuária, ao ser consultada, somente respondeu: “Eu vejo igual”.

L3: O dinheiro da Rede, eu utilizo para pagar os trabalhos de Internet, dar um peso ou um dólar aos meus filhos para que comprem algo no recreio.

L4: Não falou sobre a contribuição dos recursos da Rede para educação, dizendo que só foram utilizados a propósito de construir a ―casa nova”.

L5: Agora posso comprar a caixa de lápis, borracha, uniformes, sapatos, meias, material escolar, pagar o transporte a Guabito, para que minha filha vá ao colégio.

A Rede de Oportunidades tem favorecido a permanência de jovens nos colégios secundários fora de sua comunidade, ao proporcionar os recursos necessários para pagar seu transporte aos diferentes centros de estudo e facilitar a compra de material escolar.

115

5.3.1.3 SAÚDE

Ngöbe

Esta população deve locomover-se até a cidade de Changuinola, ou a Guabito, para receber serviços médicos. As cinco usuárias que participaram têm direito a receber serviços médicos nas instalações da Caixa de Seguro Social.

N1: Antes, era difícil cuidar da saúde, só ia quando me adoentava. Agora tudo é diferente. Agora posso pegar transporte para ir a Guabito, antes eu tinha de caminhar uma hora para ir e outra para vir, não havia dinheiro. Agora vou aos controles, me deram uma consulta em Changuinola. Meu esposo está incapacitado por diabetes, eu o ajudo quando tem que ir ao médico, ele também me ajuda quando eu necessito.

N2: Não é igual, porque antes eu não tenho nada. Agora, às vezes, fica um dólar, para mim é bastante. Tem melhorado; pois se alguém está doente, agora tem dinheiro. Agora, sim, eu sabe onde tenho que ir.

N3: Eu melhorei, porque meu filho se machucou e eu tinha US$ 30 e fui ao seguro com o filhinho. Antes tinha que caminhar três horas com meu filho no braço.

N4: Aos domingos saímos a buscar remédio no curandeiro.

N5: Esta usuária somente manifestou que ―cumpre com os controles”.

A Rede de Oportunidades tem contribuído para a população visitar as unidades de saúde, possibilitando-lhes recursos para pagar o transporte. O fato de ter, ao menos, um dólar, significa poder locomover-se de sua comunidade em busca de assistência médica.

Entre essa população, a atenção básica de saúde tem melhorado; as usuárias sabem que devem cumprir com os controles médicos para receber os

116 pagamentos, todavia, elas ainda não internalizaram a importância da saúde preventiva. A saúde ainda se encontra em etapa muito precária; não superaram as práticas culturais tradicionais. Algumas até preferem recorrer a curandeiros, sob risco de receber um tratamento médico tardio.

Naso-Teribe

Em Bonyic, há um posto de saúde que oferece cuidados básicos. Nos outros casos, as pessoas devem ir a outras comunidades, em busca de atenção médica, principalmente à cidade de Changuinola.

NT1: Sempre os levo porque adoecem – diarreia, febre, e as vacinas. Agora, levo mais os meninos ao seguro. Antes não me fazia papanicolau, agora sim.

NT2: Agora, com a Rede, vamos mais a controles de saúde. Meu esposo é botânico, antes usávamos mais medicina natural.

NT3: O dinheiro da Rede serve para levar aos meninos ao centro, pago os remédios.

NT4: Não mudou; sempre os levo.

NT5: Sempre me mantive assim atenta às vacinas. Quando não podem atender-me aqui em Bonyic, vou a El Silencio.

A Rede de Oportunidades possibilita às usuárias a saída de suas comunidades em busca de atenção médica na cidade de Changuinola ou a El Silencio; além disso, auxilia no pagamento dos medicamentos.

Desde o ingresso na Rede de Oportunidades, essas usuárias utilizam mais os serviços de saúde; elas têm que fazer o Papanicolau, como parte das corresponsabilidades. A população ainda utiliza a medicina tradicional, uma vez que, ao residir em áreas isoladas e de difícil acesso, essa era a alternativa a que recorriam.

117

Kuna

A maioria dessas famílias utiliza a Caixa de Seguro Social e K2 utiliza os serviços de saúde pública.

K1: Agora vou à consulta de todos os filhos, me fazem exames.

K2: Agora ela vai mais com as meninas, e se faz os exames de controle.

K3: Somos assegurados e sempre temos ido.

K4: Antes não ia tanto, só quando se adoentavam; levava a filha maior pela asma. Agora vamos aos controles dos meninos e ela vai se checar constantemente. Ela se operou para não ter mais filhos (são 8, com idades entre 2 e 12 anos).

K5: Agora, vou mais a controle e exames com a menina. Fui limpar os dentes e a exame geral. Pedi que me fizessem o tipo de sangue, porque não o sabia.

O cumprimento das corresponsabilidades da Rede de Oportunidades aumentou a ida dessas usuárias às unidades de saúde para efetuar seus controles médicos e de atenção de seus/suas filhos/as

Uma usuária informou que são assegurados e sempre foram aos controles de saúde, ela é quem tem maior grau de instrução, talvez por essa razão tenha dado mais importância à saúde preventiva de sua família.

Afro-descendentes

As usuárias afro-descendentes utilizam os serviços de saúde pública na cidade de Almirante.

AD1: Agora vou mais. Antes não levava os filhos às vacinas; tinham que vir buscar-me em casa para vacinar os meninos.

118

AD2: Talvez, há um tempo, eu tenha sido descuidada quanto à saúde, agora estou mais atenta a isso. Aprendi a ser mais responsável com meus filhos e comigo.

AD3: Agora tenho os meninos em dia no hospital. É verdade, não estava indo ao hospital, um pouco de descuido. Sem isso não podemos receber e isso está bem. Assim a comunidade está mais sadia.

AD4: Antes não me checava. Agora vou mais, me faço o PAP [papanicolau] e levo os meninos ao Centro de Saúde, se estão doentes. Já têm suas vacinas.

AD5: Agora vou mais ao Centro de Saúde.

A Rede de Oportunidades exerce importante influência para que esse grupo de usuárias participe das ações de saúde pública, já que, para receber a transferência monetária, devem cumprir os controles de saúde exigidos.

É significativo que duas delas tenham expressado que antes eram descuidadas com as vacinas de seus filhos, apesar de residir em área urbana na qual contam com mais facilidades de acesso aos serviços médicos. O fato de serem as provedoras do grupo familiar influi na atenção que podem dar a seus/suas filhos/as.

Latina

Essas usuárias utilizam os serviços de saúde pública, da Caixa de Seguro Social e recorrem a clínicas particulares na província e fora dela, quando se tratam de especialistas.

L1: Agora os levo constantemente, antes só às vacinas.

L2: Sou assegurada, virei pensionista por causa de artrite. Agora tenho calores, mau humor, estou irritável, ressecada, me trato, vou ao médico.

119

L3: Com o dinheiro da Rede, levei a menina a Panamá, pelo sopro e isso me ajudou muito, meu esposo teve que pôr menos [dinheiro]. Também levei o menino à clínica, às vezes esses doutores não me convencem, por isso vou à clínica, é mai caro, mas é melhor.

L4: A Rede me ajudou com o tratamento dermatológico em David, a cada 21 dias. Também me serviu para pagar o dentista. Algumas vezes levei os filhos ao doutor na Policlínica de Guabito (fronteira com Costa Rica).

L5: A entrevistada somente manifestou: Sigo os controles.

A Rede de Oportunidades aumentou a participação dessas pessoas nos serviços preventivos de saúde, tanto para as usuárias como para seus/suas filhos/as.

A renda da Rede de Oportunidades é empregada para receber atenção médica para as usuárias e seus/suas filhos/as em clínicas particulares da área fronteiriça de Guabito, na cidade de David, província de Chiriquí e na cidade de Panamá. Algumas dessas senhoras também a utilizaram para pagar consulta odontológica.

5.3.1.4 Moradia

Ngöbe

As moradias dessas usuárias são propriedade da Cobana, estão em más condições e situadas em uma área inundável, o que é um risco permanente para essas famílias.

N1: Não realizei melhorias na casa.

N2: Unicamente gastos com esses meninos: cadernos, sapatos. São três filhos, não serve pa‟ outra coisa.

120

N3: Comprei televisor e geladeira; a cheia (inundação) os danificou. Comprei fogão e colchão. Antes eu dormia no chão.

N4: Comprei panela, pratos, copos, panela grande.

N5: A usuária limitou-se a falar sobre o uso do dinheiro da Rede de Oportunidades para os gastos de sua filha universitária e para realizar investimentos produtivos.

Esse grupo de usuárias emprega a renda da Rede de Oportunidades basicamente em alimentação, gastos escolares e transporte. Elas reproduzem as condições de subsistência, pois quase todos os seus recursos econômicos são aplicados para cobrir necessidades alimentícias de suas numerosas famílias.

Uma dessas usuárias conseguiu comprar um televisor, que foi danificado porém em uma inundação, do mesmo modo que a geladeira, que lhe permitia vender gelo e picolé, gerando alguma renda adicional. Ela também comprou um fogão e um colchão. A moradia dessa usuária é extremamente precária, entretanto, ela tem comprado alguns artigos para sua comodidade e o entretenimento da família.

Naso-Teribe

Essas usuárias residem à margem do rio Teribe, razão pela qual estão em risco permanente de inundação.

NT1: Comprei colheres, pratos, copos.

NT2: Comprei colchão, máquina de costura, pratos, copos, panela, potes, colheres, toalhas, manta.

NT3: Comprei camas, colchões, cercar - forrar a casa (paredes), panela, pratinhos, pratões, copos.

NT4: Comprei estufa, potes, mesa de madeira, bancos plásticos.

121

NT5: Antes vivia em uma choupana tradicional, agora já fizemos uma casa nova, alta, e chão de cimento embaixo. Falta um pouco, mas já temos o cimento. Meu marido é pedreiro, ele mesmo construiu a casa. Não comprei fogão elétrico; gosto de cozinhar a lenha. Comprei pratos, panela e potes.

As cinco usuárias entrevistadas têm dedicado parte dos recursos da Rede de Oportunidades para a compra de utensílios básicos de cozinha, como potes, panelas, vasos, pratos, colheres.

A renda também permitiu que essas usuárias adquirissem alguns artigos para proporcionar mais comodidade à sua família, entre eles, colchão, cama, máquina de costura, fogão elétrico e bancos plásticos.

Uma delas anunciou que, graças aos aportes da Rede de Oportunidades, sua família possui casa nova, alta, e de piso de cimento na parte debaixo. Para essa usuária, é gratificante o fato de que sua família agora viva em melhores condições, mais segura contra eventuais inundações. Além do que, o fato de adquirir uma casa nova representa prosperidade.

A Rede de Oportunidades possibilitou a colocação de paredes na casa de NT3, o que proporciona mais comodidade à sua família e para ela é motivo de satisfação.

Kuna

As cinco usuárias da etnia Kuna que participaram desta entrevista vivem em diferentes comunidades do distrito de Changuinola, uma delas possui casa própria, em reforma. Outra reside em uma pequena casa recém-construída pela empresa bananeira, Bocas Fruit Companny, mas que deve ser paga pelo companheiro da usuária.

122

As demais entrevistadas residem em quartos cedidos pela mesma empresa bananeira.

K1: Comprei fogão, colchão, panela, pote, pratos, copos, colheres.

K2: Comprei pratos, copos e colheres.

K3: Estamos melhorando a casa (a levantamos), eu quero outro quarto para meus filhos e um linóleo. Falei com o Sr. e lhe disse que queria que me consertasse a casa e comprasse o linóleo, que eu lhe compro a roupa nova para Natal e Ano-Novo; para os meninos, sapatos e presentinhos.

K4: Em fevereiro, a empresa nos fez a casa nova (danos por tremores, desgaste pelo tempo, etc.) Meu pai tem que pagar. Com a Rede comprou pratos, vasos, colheres, cortinas.

K5: Comprei cabine, dois colchões, fogão, panela e copos.

A Rede de Oportunidades facilitou, a quatro dessas usuárias, a compra de utensílios básicos de cozinha: potes, panelas, pratos, copos, colheres, o que indica existir a carência de artigos de uso diário em seus lares. Ademais, permitiu que algumas delas adquirissem fogão, colchões e cabine, para a sua comodidade e a de sua família.

A Rede de Oportunidades contribuiu para as melhorias que tem realizado uma das usuárias em sua casa. Agora ela é mais alta, o que contribui com a proteção da família quando há inundações.

Afro-descendentes

Duas dessas usuárias residem em casas de aluguel (AD2 e AD5) e três possuem casas próprias em condições precárias.

AD1: Comprei televisor, rádio, ventilador e colchão.

123

Havia pedido à promotora anterior que me ajudasse com a moradia, mas isso não deu em nada. Fiz um anexo de quarto com madeira, mas quero melhorar o piso, porque inunda quando chove.

AD2: Comprei colchão, pratos e copos.

AD3: Com o dinheiro da Rede, comprei madeira, zinco de segunda; já não goteja. Falta fazer a janela e, na parte de trás, quero pôr outro quartinho. O colchão das meninas está no chão, o compramos entre o avô da minha filha e eu. A outra cama não tem colchão, só spring e papelão. Tenho eletricidade e pago, porém não há televisão.

AD4: Tenho casa própria. Com o dinheiro da Rede, comprei madeira, consertei a casa, primeiro meu quarto e após a sala. Agora tenho serviço, água, quero fazer outro quarto para separar aos varões grandes. Também comprei pratos e copos.

AD5: Às vezes pago o aluguel, US$ 50 mensais. Comprei copos.

As cinco usuárias utilizaram os recursos da Rede de Oportunidades para a compra de artigos para o lar como: televisor, rádio, ventilador, colchões, colchonete, pratos e copos, o que contribui com a recreação e comodidade da família.

Três dessas usuárias compraram madeira e zinco de segunda para reformar suas casas. Elas se sentem satisfeitas em ampliar o reparar suas moradias, embora as casas continuem apresentando condições precárias, porém, o fato de as goteiras de água já não entrarem mais na casa, é um pequeno triunfo.

124

O ―possuir eletricidade” representa um motivo de segurança, porque reduz os riscos de fogo nas casas, construídas geralmente com madeira reusada e o ―pagar essa eletricidade” implica que está legalmente conectada à rede elétrica. Ademais, as faz se sentirem menos excluídas, embora não ter um televisor para o entretenimento dos meninos é motivo de pesar.

Uma das usuárias utilizou o dinheiro da Rede para pagar seu aluguel (B/. 50,00 mensais). Ao utilizar definitivamente a Rede de Oportunidades para o aluguel, essa família empregará o total da transferência mensal nesse pagamento, limitando a aquisição de alimentos ou outros bens materiais.

Latina

Essas usuárias residem em terrenos cedidos pelo Estado à Cobana, são donas de suas casas, porém não da terra.

L1: Comprei fogão, cortinas, pintei a casa. Senti um alívio.

L2: Esta entrevistada não falou sobre outros usos dados ao dinheiro da Rede de Oportunidades, somente fez referência à compra de alimentos: ―Só comida”.

L3: O esposo a ajudou a completar para comprar a geladeira.

L4: Com a Rede, pudemos construir a casa nova. Eu usava meu dinheiro para a comida, e meu esposo utilizou seu dinheiro para comprar pregos, são necessários muitos (se gasta muito dinheiro em pregos), ele mesmo construiu a casa, eu lhe ajudava. Comprei colchonete para o menino.

L5: Comprei blocos para a ampliação de minha casa, a qual agora tem o dobro do espaço de construção anterior, ainda tenho as janelas cobertas com mantas até poder instalar as janelas permanentes.

125

A Rede de Oportunidades contribuiu para que uma dessas famílias pudesse construir sua casa nova mais alta e protegida das inundações. Outra família tem realizado melhorias significativas em sua moradia. Para elas, é motivo de satisfação ter uma casa nova, ou ampliar a sua própria; o fato de ter um quarto para as crianças é de suma importância, já que, anteriormente, todos dormiam no mesmo espaço. Isto lhes proporciona uma sensação de bem-estar, de progresso, de realização de metas.

Outras empregam o dinheiro da Rede de Oportunidades para a compra de alguns artigos para seu lar, como fogão, geladeira – esta última, com a ajuda do esposo. Para uma delas, o fato de comprar cortinas e pintar sua casa significa um alívio; ela se sente diferente, pois a sua casa tem um novo aspecto.

5.3.1.5 Relações familiares

Ngöbe

Por aspectos culturais, esse grupo caracterizou-se pela subordinação das mulheres nas relações conjugais. O espaço público tem sido reservado ao homem pois, tradicionalmente, ele tem sido o provedor do grupo familiar e quem toma as decisões.

N1: Antes ele me batia, agora não. Quando me entregaram o cartão para receber, a promotora explicou que os homens não podem bater, é só chamar a ela e vem prendê-los, se chegarem a bater nas mulheres. Se eles querem, bater na mulher para tirar o dinheiro. Agora, não podem bater na mulher.

N2: Chega promotora, é bem para mim, às vezes vem falando com a gente; homem não bater na mulher, não maltratar crianças. Crianças têm direito.

N3: Agora não, no início me bateu. Se ele não cuidou de mim pequena, não tem porque bater. “Não mais” duas vezes bateu; porque seu filho pegou um cinco (0,05 centavos). Eu disse: “Se não

126

me quer, que se fosse e deixasse a casa e buscasse outra mulher”. Ele batia nas duas mulheres anteriores.

N4: O Sr. nunca bateu. Agora a gente vive mais tranquilo, ele segue dando dinheiro, ele é o responsável da casa. Quando novo, bebia e maltratava.

N5: Não tem problemas, às vezes viaja à montanha com marido, a ver os animais no sítio.

No grupo de indígenas Gnöbes, encontramos a maior subordinação das mulheres à autoridade do cônjuge, praticamente essas usuárias não tinham liberdade de circulação fora de suas casas. Quatro das cinco mulheres manifestaram ter sido vítimas de violência física por parte de seu companheiro em algum momento, na maioria dos casos, essa situação termina quando os maridos ficam doentes e deixam de tomar bebidas alcoólicas.

Nesse sentido, a Rede de Oportunidades vem desempenhando um papel fundamental na promoção dos direitos das mulheres e dos filhos. Para elas, era completamente normal viver subordinadas às decisões de seus maridos, e até serem agredidas fisicamente, já que isso foi aprendido em seu processo de socialização. Agora é o momento de reconstrução dessas aprendizagens e de encaminhar suas vidas para novos horizontes de liberdade e emancipação humana, aprendendo a construir novos tipos de relacionamentos, algo mais equitativo no aspecto de gênero.

Outra prática importante que está sendo trabalhada nas atividades socioeducativas da Rede de Oportunidades está relacionada com o direito das crianças a viverem sem violência. Em seu imaginário, o pai e a mãe tinham poder absoluto sobre seus/suas filhos/as e muitas vezes se violam os direitos das crianças e adolescentes.

127

Naso-Teribe

Nesse grupo de usuárias, há mais equidade quanto às relações de gênero.

NT1: São boas, não bate, ele sempre compra comida. Tenho quatro filhos que não vivem comigo. Um filho de meu marido vive conosco faz quatro anos, desde que vim viver com ele. Ele também tem outra filha de seis anos que não vive conosco, porém ele lhe compra roupa. Meu ex-marido me batia, me tirou os filhos (13, 12, 10 e 9 anos), eles vivem em Río Huyama.

NT2: Vivo tranquila desde que meu marido deixou de beber, há vinte anos. Quando ele bebia, às vezes, eu ia com meus filhos para a casa de minha mãe.

NT3: Eu administro o dinheiro que me dão. Anteriormente, não administrava. Ele fica feliz que eu tenha dinheiro. Meu marido não é violento.

NT4: Em minha casa, as relações familiares são tranquilas.

NT5: Meu marido não é violento. Aqui melhoramos muito, quando eu era menina, os homens maltratavam muito; hoje em dia, muito pouco se vê isso.

As cinco usuárias manifestaram que mantêm boas relações familiares, ainda que algumas delas tenham sido vítimas de violência; NT1, em sua relação anterior, e NT2, quando seu marido era jovem, bebia e a maltratava – algumas vezes teve que ir para a casa de sua mãe. De forma geral, na população indígena prevalece uma cultura tradicional e maior dependência das mulheres em relação a seus maridos.

As campanhas nacionais contra a violência às mulheres e a aprovação de leis que a criminalizam têm contribuído positivamente na educação da população, embora ainda falte muito por fazer em nível nacional, nesse sentido.

128

Kuna

Essas indígenas tradicionalmente têm tido mais liberdade de circulação fora do âmbito doméstico, graças ao significativo papel que desempenham no trabalho artesanal. A confecção e venda das muito apreciadas ―Molas‖, por elas realizadas, proporciona importantes recursos ao grupo familiar.

K1: Marido não bate, marido entrega toda o dinheiro, só guarda para si US$ 5 por quinzena.

K2: O marido lhe manda dinheiro de Panamá, ela e as filhas vão se reunir com ele no Panamá.

K3: Sim, uma mudança grandíssima nas relações familiares em minha casa. Não há violência, graças a Deus. Meu marido assina o cheque e me entrega. Nós estamos em processo de adoção de um menino de dois anos, que é sobrinho de meu esposo.

K4: O homem segue dando o dinheiro para a casa, e diz “esse é teu dinheiro”. Não temos problemas de violência.

K5: Eu fui vítima de violência, o denunciei e o detiveram por 24 horas, para assustar. Depois, chegou suavezinho, nós rimos. Meu marido não voltou a me bater e segue dando o dinheiro para a casa. violência: tem que denunciar.

Quatro das cinco usuárias expressaram não ter problemas de violência em suas relações familiares; K5, em uma ocasião, denunciou seu marido por violência doméstica. Ela tem clareza quanto ao seu direito a viver sem violência, contudo, seu riso, depois que seu esposo foi liberado, poderia significar que o sucedido carece de importância; ainda que, segundo ela, ele tenha aprendido a lição e nunca mais a agrediu.

129

Afro-descendentes

As relações familiares dessas usuárias estão permeadas por momentos de grande estresse, confusão, desespero, depressão, rebeldia e violência. Com respeito a isso, elas manifestaram:

AD1: Sou mãe solteira de sete filhos (às vezes, me deprimo), meu filho mais velho tem 18 anos e está preso por roubo. Minha filha tem 16 anos e foi mãe solteira aos 15 anos, apresenta problemas de rebeldia e depressão; mataram o pai de minha neta quando ela estava grávida (pensamos que o mandaram matar).

AD2: Meu marido é violento, há cinco anos estamos juntos, ele é 29 anos mais velho que eu. Insulta os maiores, que não são seus filhos. Assim como assinei para casar-me, posso assinar para divorciar-me. Se eu tivesse um bom trabalho, ficava sozinha.

AD3: Tinha companheiro, mas não podemos conviver, talvez seja porque não tem trabalho fixo. Ele bebia, tenho meus filhos já grandes de 13, 10, 7 anos e não podem estar vendo isso, melhor nos deixarmos. Quando ele pode, dá algo para a menina de dois anos. Não me batia, não usava drogas.

AD4: Meu marido não é má pessoa com meus filhos nem comigo, vamos cumprir um ano juntos. Eu sou a única que fico louca com esses meninos quando me tiram do juízo. Meu filho de 16 anos mudou muito de caráter. Antes ele era um menino agressivo, agora tem melhor caráter, nunca me contesta. O de 15 anos é incapacitado, se arrebata e tem mau caráter. Tenho cinco filhos, perdi um bebê há 4 meses. O pai dos três maiores lhes dá US$ 80 por mês e o pai dos dois menores não lhes dá nada, está preso.

AD5: Não observei mudanças na minha relação conjugal, é a mesma de antes de participar na Rede.

Essas usuárias, além de sua condição de pobreza e luta por obter os recursos econômicos para alimentar e suprir todas as necessidades básicas de

130 sua prole, enfrentam sérios problemas sociais, como privação de liberdade dos familiares, relações conjugais instáveis e manifestações de violência para elas e seus filhos.

Tudo isso influencia negativamente em seu estado de ânimo, o que repercute no trato e na atenção que dão a seus filhos, alguns dos quais reagem com rebeldia ante a autoridade materna. Inexiste a figura de pai ou então, como na família de AD2, que tem um esposo, este está longe de ser um modelo de pai.

Em alguns casos, essas usuárias devem tomar decisões entre seu papel de mulher e de mãe, como AD3, que analisou a situação em que estava vivendo e decidiu que o bem-estar de seus filhos era prioridade, porque, uma pessoa que frequentemente consome álcool, não é um bom modelo para seus filhos. Devemos recordar que embora o álcool seja uma droga social e legalmente permitida, as consequências de seu consumo para a família são terríveis.

Latina

Nesse grupo de usuárias, encontram-se diferentes tipos de famílias: nuclear, extensa e três famílias reorganizadas.

L1: Meu marido pergunta para onde vou, porém lhe digo que é cosa da Rede e ele não fica bravo.

L2: Meu marido segue dando o mesmo valor; estamos tranquilos.

L3: Não sinto mudança, estamos quites. Ele não fica bravo por que eu tenho dinheiro. Não existe violência, nem antes nem agora. Ele não deixou de sustentar o lar. Às vezes, se deve aguentar, porque tem de pagar peões e tudo isso.

L4: Ele não deixou de sustentar o lar, complementamos as duas rendas para suprir as necessidades da casa e dos filhos.

131

Claro que sim, houve mudanças em minha forma de participar da família. Quando começaram a dar esse dinheiro. Nós não vivíamos muito bem.

L5: Fui maltratada por meu parceiro anterior. Agora, não tenho problemas de violência doméstica.

Nenhuma delas manifestou ter problemas de violência doméstica, uso de drogas entre seus membros, ou rebeldia, segundo elas, vivem tranquilas.

Uma delas foi vítima de violência na relação anterior, contudo conseguiu superar esse trauma.

5.3.1.6 Participação da família na comunidade

Ngöbe

Em Finca 51, existe um grupo organizado de indígenas Ngöbes, que trabalha na criação e venda de frangos. Elas cumprem turnos de trabalho na granja. Ademais, realizam outras atividades de geração de renda e participam de alguns festejos, como o Dia das Mães ou Dia dos Pais.

N1: Sim, há mudanças em minha participação na comunidade, porque antes eu não saía de casa. A Rede me ajudou bastante; há mulheres que dizem: “eu não vivo disso”. Para mim, sim, isso tem ajudado. A promotora escolheu a mim e a L1; duas pessoas da comunidade para participar como dirigentes. Meu marido participa com a gente de Puente Blanco “nas plantadas”.

N2: Não participo porque estou enferma, antes participava, cuidando de frangos.

N3: Não segui participando da granja de frangos porque o sol me dá dor de cabeça e dor nas pernas. Sou evangélica, mas por preguiça não vou à igreja.

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N4: Trabalho na granja de frangos e na venda de comida com as mulheres da Rede. Vou limpar a escola e cozinhar a merenda escolar.

N5: Participo na granja de frangos, meus filhos assistem ao culto evangélico.

Nesse grupo de usuárias, é significativa a mudança propiciada por sua participação na Rede de Oportunidades; por anos, foram vizinhas na pequena comunidade, mas não se conheciam ou se relacionavam; seu universo era o âmbito doméstico, no interior de suas pequenas e calorosas residências.

Agora, estão organizadas, se inter-relacionam, estão gerando pequenos recursos mediante seu trabalho e algumas delas participam, pela primeira vez em suas vidas, de atividades recreativas dentro de sua comunidade.

Encontramos uma usuária que vem desempenhando importante papel de dirigente comunal; o mais significativo é que ela, antes de participar da Rede de Oportunidades, permanecia em sua casa e sentia medo de falar com os desconhecidos. Sua vida transformou-se, é líder comunitária, e se sente diferente, porque agora é escutada em sua casa e seu trabalho é reconhecido pela comunidade.

Uma delas, ainda, contribui na preparação das merendas escolares e na limpeza da escola, atividades em que devem participar as mães de família ou guardiães das crianças que frequentam a escola primária.

Naso-Teribe

As usuárias dessa área não tinham promotor, no momento de realização desta pesquisa. Todas elas participam de algum tipo de atividade dentro de suas comunidades.

NT1: Somente participo das reuniões de pais de família e, às vezes, vou a uma igreja com meus filhos. Meus filhos jogam futebol.

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NT2: Vou a reuniões, quando tem trabalho, participo fazendo sopa, disso se gera fundos. Antes da Rede, também participava de grupos. Às vezes vou à Igreja Católica. Os meninos jogam futebol e softbol.

NT3: Agora estou mais ativa como mãe e moradora da comunidade. Me reúno com outras mulheres. Sou presidenta da Junta Local, trabalho na limpeza da comunidade, do banheiro e do caminho. A família toda joga softbol. Não vou a nenhuma igreja, e nem a família.

NT4: Não participo das atividades da comunidade. Temos Comitê de Saúde, mas eu não participo. Só participo dos jogos de softbol, meus filhos também.

NT5: Há quatro anos, dirijo um grupo de mulheres da comunidade; semeamos bananas, plantamos hortaliças: tomates, pepino, abóbora, pimentão. Temos a ideia de fazer um viveiro. Fazemos tamales, pão, ensopado para vender. Ao fim do ano, repartimos a renda ou quando há um familiar enfermo. O grupo é de 16, a princípio só cinco eram da Rede. Sou presidenta da Junta Comunal. A família vai à Igreja Católica. Jogamos softbol e meu filho de 17 anos joga futebol.

Encontramos usuárias que participam como dirigentes da comunidade, outras assistem a reuniões, participam de trabalhos voluntários da comunidade, em atividades de geração de recursos e jogam softbol.

Nessa comunidade, as usuárias e suas famílias jogam softbol, são as únicas entrevistadas que realizam atividades esportivas e o mais importante é que suas famílias também participam.

Em geral, no Panamá, não é usual que mães de família pratiquem esportes, mas essas mulheres Teribe aproveitam o espaço livre de que dispõem em suas comunidades para participar de atividades recreativas em companhia de suas filhos e familiares, o que contribui para estreitar os laços comunitários e familiares, além da importância do exercício físico para manter a saúde.

134

Kuna

Não existe um grupo organizado de usuárias Kuna, elas se encontram dispersas em diferentes comunidades e algumas se inseriram nos grupos de usuárias Ngöbe existentes em suas comunidades.

K1: Agora não temos promotor e não fazemos atividades. No início da Rede, havia um grupo de treze mulheres, vendíamos tamales, folheado de frango e outras comidas, os ganhos se repartiam. Meu filho de nove anos vai a uma igreja, aqui perto. Agora, o de seis anos também vai.

K2: Reuniões de pais de família. Participava com o grupo de mulheres da Rede fazendo tamales, janiqueque, comida. Agora não. Vou à Igreja Quadrangular, aqui perto. Em San Blas, ia à Igreja Batista.

K3: Participo nas reuniões de pais de família. Toda a família frequenta a Igreja Quadrangular. Quero integrar-me ao grupo de mulheres Ngöbes que cria frangos, mas, como o ano está por terminar, me disseram que no ano novo, porque elas trabalham e dividem as ganhos em dezembro.

K4: Quando ela não cobrava, sempre estava na casa escondida, somente falava comigo (filha de 12 anos). Agora tem muitas amizades, conhece a gente da comunidade. Agora já conhece as senhoras e participa com o grupo de mulheres Ngöbes na venda de comidas. Filha de 12 anos vai à Igreja Maranata e leva dois irmãos. Ao culto para crianças, vão seis irmãos. Em San Blas, ia à Igreja de Cristo (usuária).

K5: Participo de reuniões, assisto à Igreja Apostólica (Evangelho). Em Panamá e em Darién, ia à Igreja Batista.

A Rede de Oportunidades vem favorecendo a interação entre usuárias de diferentes etnias, ao participarem conjuntamente de atividades socioeducativas e de geração de renda.

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A usuária K3 quis participar das atividades de geração de renda realizadas pelas indígenas Ngöbe e foi informada de que, a partir do próximo ano, pode unir-se ao grupo, já que 2010 estava por terminar e repartiriam os ganhos produzidos pelo grupo durante aquele ano.

Três, das cinco usuárias desse grupo, que participaram do estudo, vão a reuniões de pais de família. Duas delas, no início da Rede de Oportunidades participavam das atividades de geração de renda, mas o grupo de trabalho se desintegrou, ao ficar sem promotora.

Nas cinco famílias, alguns membros frequentam atividades religiosas em igrejas evangélicas, que funcionam próximo às suas áreas de residência. Em certos casos, são os filhos pequenos que as frequentam, provavelmente atraídos por cultos para crianças e escolas dominicais dirigidas especialmente a eles/as. Nessas comunidades, praticamente não existem atividades, nem espaços de recreação para as crianças e eles/as se sentem satisfeitos/as com a participação nesses cultos infantis, que desempenham uma importante função na sua formação de valores.

Somente em uma das cinco famílias todos os membros vão à Igreja Quadrangular: duas usuárias desse grupo, anteriormente, iam à Igreja Batista, mas em Changuinola elas vão à igreja que encontram perto de sua residência, para evitar pagar transporte e tentar satisfazer essa necessidade espiritual que sentem.

Afro-descendentes

No momento da entrevista, essas usuárias não tinham nenhum grupo de trabalho organizado, provavelmente o tornem a ativar com a nova promotora.

AD1: Sou delegada na escola. Vou à Igreja ABC Guardadores de Paz.

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AD2: Eu era a presidenta do grupo de mulheres, mas já não quero estar nisso, porque, se somos um grupo, não é para que a metade trabalhe e todas recebam. Igreja Ministério Guardador do Pacto.

AD3: Eu participo de qualquer coleta ou limpeza da comunidade. Coopero em qualquer evento do Dia das Mães, dos Pais, para as Crianças. Participo na Junta Comunal e na Junta de Pais de Família na escola. Frequento a Igreja Evangélica de São Judas Tadeu.

AD4: Somente vou às reuniões da escola de meus filhos e à Igreja Evangélica Ministério Guardador do Pacto.

AD5: Onde vivo, não fazem atividades comunitárias. Somente vou às reuniões da escola.

Quatro, das cinco, participam das reuniões de pais de família, uma delas é membro da Junta Diretiva do Clube de Pais de Família e ainda participa da Junta Comunal.

Quatro delas também vão a diferentes igrejas evangélicas na cidade de Almirante. Ante as dificuldades que enfrentam essas usuárias, como mulheres emães, chefes de família, procuram consolo e um pouco de calma para suas angústias pessoais ao participarem de atos religiosos; especialmente com grupos evangélicos, que tratam de aproximar-se da realidade em que vive cada família e buscam oferecer consolo e fortaleza.

Latina

A participação ativa das usuárias latinas entrevistadas para este estudo, é menos visível na comunidade.

L1: Participo como tesoureira do Grupo de Poupanças. Nesta conta natalina participam 24 mulheres e temos US$ 1.163. Na outra conta, “Criação e Venda de Frangos”, participam 23 mulheres e possuem mais de US$ 500, essa é guardada por Rosita. Antes eu não conhecia, antes não saía, somente ia às reuniões da escola. Agora

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saio, conheço o bairro, sei onde vivem as mulheres. Meu marido pergunta aonde vou, mas lhe digo que é coisa da Rede e não fica bravo. Aqui não há Igreja Católica, às vezes vou à Igreja Evangélica.

L2: Eu não participo, porém as outras sim; apesar de que são indígenas. Eu as vi participar muito ativas e unidas, em meu caso, não participo, pela artrite. Antes tampouco, o trabalho e os filhos não me davam chance.

L3: Na escola, pago US$ 3 a quem ajude a preparar a merenda, quando é minha vez de ir. Nem antes nem agora participo nas atividades da comunidade, porque a gente é muito tumultuada, por isso não saio de casa, esse é o problema em 51 [nome da propriedade]. Todos os anos eu coloco as crianças em atividades da igreja, estudo bíblico. Meu esposo participa das atividades da comunidade, a consertar caminhos, chapear a escola. Ele conserta as máquinas de chapear.

L4: Só vou à igreja, eles possuem um plano para desastres com doações voluntárias. Quando há inundação, os irmãos da igreja me levam até Changuinola.

L5: Participo das reuniões da escola e a família completa vai à Igreja Quadrangular.

Duas dessas usuárias não participam de nenhum tipo de atividades da comunidade, no entanto, uma delas, todos os anos, manda seus filhos às atividades da igreja (estudo bíblico). Nenhuma das duas manifesta disposição de participar das atividades da comunidade, nem antes de fazer parte da Rede de Oportunidades nem agora.

A usuária L3 manifestou que paga a outra pessoa para que vá, em seu nome, à escola de seus filhos, para ajudar na preparação da merenda escolar, no dia em que lhe corresponde ir. Essa atitude pode representar um alheamento à comunidade, na qual a maioria das famílias é de origem indígena. Essas duas usuárias provavelmente foram mal situadas, ao serem classificadas em condições de extrema pobreza; isso influi em sua atitude de

138 distanciamento em relação às demais usuárias de sua comunidade, com as quais não se relacionam.

Três usuárias participam de atividades religiosas, duas delas são evangélicas e a outra é católica, mas vai à igreja evangélica, porque não há igreja católica na comunidade. Ela também é tesoureira do Grupo de Poupança de Finca 51.

5.3.2 Quanto às mudanças ocorridas no universo da subjetividade como mulheres, donas de casa, trabalhadoras e cidadãs

Ngöbes

Com relação às mudanças ocorridas nelas mesmas e em sua forma de ver a vida e enfrentar suas responsabilidades, expressaram:

N1: Eu antes não saía de casa, não tinha conversa com amizades. Era tímida, era minha covardia de enfrentar-se, de conversar. Agora, através das reuniões da Rede de Oportunidades, saio e me sinto bem ao falar com outra gente. Antes me dava medo falar com a pessoa que eu não conhecia; se fosse antes, eu não falava contigo, porque não te conhecia. Agora eu trato de comunicar. Eu já não posso estar pedindo a ele como antes, ele me negava. Agora eu sinto diferente, eu sei que posso. Eu faço atividades em minha casa e cobro por isso. Faço comida e tenho meus centavos, antes não. Ele agora também mudou, eu lhe informo, mas saio, ele não proíbe. Antes me arrebentava, se saía de casa, nem onde minha mãe mora podia ir.

N2: Eu sinto bem, porque nas vezes que homem não tem dinheiro, entrega pouquinho, faz bem ter renda. Entrega dinheiro a mim, quando necessito. Eu não sabia nada, como a pessoa tá‟ em grupo, a pessoa aprende.

N3: Sim, eu mudei; agora eu tenho renda para usar, tenho esperança. Antes, eu pedia a meu marido e ele não dava, dizia que não tinha. Antes, eu não tinha nada, andava pedindo de casa em

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casa um dólar e não me davam nada. Agora eu sente como estava trabalhando. Agora eu me sinto como homem, eu tenho renda. Agora eu empresta dinheiro e cobro juros. Antes só ia a uma casa e marido diz: “a mulher tem que estar em casa”. Agora eu vou a todas as casas e homem não diz nada, não fica bravo. Agora diz: “que mulheres são iguais que os homens”.

N4: Antes tava pobre, essa filha tava na escola, pede pa‟ comprar folhas brancas, eu não tinha dinheiro, ela fica brava comigo, eu fico brava com ele, porque não dava dinheiro. Me sinto bem, posso dar um dólar para filho pagar transporte, para ir a colégio. Antes da Rede só ficava em casa; porque que vou fazer por aí, se não tenho nada que fazer. Agora sim eu saio: vou cuidar de frangos na granja, a reuniões, vou limpar e cozinhar na escola. Marido não enciúma, ele diz: “eu saio por aí, há mulheres novo, o mesmo”.

N5: Se sente bem, porque tem renda para fazer coisas. Dou dinheiro para que a família (filha) vá à universidade. Pode comprar chinelas e coisinhas que ela necessita.

Através da participação nas atividades socioeducativas promovidas pela Rede de Oportunidades, elas têm podido compreender que têm direito a viver sem violência e a participar de atividades que se desenvolvam em sua comunidade.

Sua autoestima se fortaleceu, desenvolveram independência, ao sentir que são capazes de gerar recursos com seu próprio trabalho. Agora sabem que elas também possuem direito a circular livremente pela comunidade e seus maridos têm aprendido a respeitar seus direitos.

A Rede de Oportunidades tem permitido que essas usuárias tenham esperança, podem ver alternativas para elas e suas famílias. Agora podem fazer planos, ter ilusões; sentem-se pessoas com direito a opinar em seus lares e nas reuniões de grupo que realizam.

140

Naso-Teribe

Com relação às transformações subjetivas nelas ocorridas, indicaram:

NT1: Me sinto diferente, porque nunca consegui essa renda, é a primeira vez que tenho dinheiro, me sinto contente.

NT2: Me sinto feliz de poder dar a meus meninos (netos) um ovinho, uma salsicha ou sardinha em seu desjejum, antes só eram verduras, inhame ou banana. Sim, há mudanças, porque às vezes alguém pede um dólar a esposo e ele pergunta para que. Se é meu, eu sei que posso comprar.

NT3: Há mudanças em mim e em minha casa. Eu manejo a grana que me dão, anteriormente não manejava dinheiro. Faz sentir feliz o ter renda, tanto a mim como a meus filhos, pois não estamos como estávamos primeiro. Para mim é muito, porque antes não tinha. Meus filhos podem tomar um bom café da manhã, ir à escola de uniforme e sapatos. Sinto que agora eles podem ser alguém na vida.

NT4: A nível pessoal, a principal mudança é ter renda, não ter que pedir.

NT5: Me senti feliz porque com isso posso comprar algo que eu queira. Não me sinto com mais poder, sempre compartilho com meu esposo, pois quando não tenho, ele consegue. Minha Rede a espero segura, antes nada, eu não tinha nada. Se meu esposo não trazia, eu não tinha nada.

A Rede de Oportunidades favoreceu o desenvolvimento de sentimentos de segurança, felicidade, ao contar com recursos próprios e de poder utilizá-los para suprir suas necessidades e a de seus/suas filhos/as; significa não ter que pedir e poder decidir o que fazer com esse dinheiro.

Ademais, propiciou o desenvolvimento de cidadania nessas mulheres que manifestaram ser, a Rede de Oportunidades, um direito para elas como

141 seres humanos e um direito para que seus/suas filhos/as se eduquem e consigam melhores condições de vida.

Kuna

Ao serem consultadas sobre as mudanças experimentadas por elas a partir de sua participação na Rede de Oportunidades manifestaram:

K1: Somente respondeu: ―Pensando nos filhos”.

K2: Contente porque vai comprar coisas para as suas filhas. Ela ficou contente porque lhe deram a oportunidade de ter a Rede. Ajuda a comprar as coisas de suas filhas e agora está triste porque se vai e lhe disseram que não podiam fazer sua mudança ao Panamá.

K3: Sim, tem havido mudanças, antes não tinha dinheiro próprio; esses recursos significaram uma bênção, porque isso tem trazido um bem-estar à minha família, agora posso oferecer um bem-estar a meus filhos. Eu não sinto que eu posso, esse dinheiro é para nossos filhos; que não lhes falte nada. Especialmente para o que está terminando a secundária, este ano lhe pediram muitas coisas. Quando recebo, guardo para quando lhe pedem no colégio.

K4: Sim, há mudanças, a Rede ajudou a transformar sua vida. Agora se sente mais contente, quando ela recebe, se sente feliz, porque pode comprar comida, roupa para os filhos. Antes, ela não tinha nada de dinheiro. Meu pai diz que essa é sua renda. Agora, as Ngöbe são suas amigas. Aprendeu a fazer outras comidas; arroz com frango, tamales. A levei para conhecer a casa da senhora que está cobrando para a festa do Dia das Mães. Ela não gosta de sair tanto, meu pai nunca se opõe a que ela saia.

K5: Me mudou muito a ideia de falar e de pensamento, civilizando. Quando a gente está em seu lugar, a gente não sai, tem medo. Já não tenho medo, a gente se defende de falar e expressar. Me sinto bem, não sei como posso dizer, quando recebo bem. Se fosse Darién, eu criava meu porco, frango, yuca, inhame [vive em uma barraca da empresa bananeira].

142

A Rede de Oportunidades tem propiciado um sentimento de bem-estar nas usuárias ao contribuir com o sustento de suas famílias e favorecido o desenvolvimento de interações entre mulheres de diferentes etnias, que se organizam para realizar atividades produtivas em conjunto.

O fato de sair de suas casas e interagir com outras pessoas através das atividades socioeducativas que desenvolve a Rede de Oportunidades lhes tem permitido superar pouco a pouco sua timidez e temor de falar, além de adquirir confiança em si próprias e fortalecer sua autoestima.

Afrodescendentes

Essas usuárias cumprem diversas funções como mulheres, mães de família, trabalhadoras e cidadãs. Ao serem consultadas sobre as mudanças ocorridas no seu nível subjetivo, assim disseram:

AD1: Quando recebo a Rede, ao menos posso fazer um bom super (compra de alimentos). Trabalho desde os 14 anos. Às vezes fumo, quando me sinto deprimida pelos problemas.

AD2: Sim, tenho sentido bastantes mudanças no pessoal. Me sinto com um alívio tremendo, antes estava sulfurada, bem sulfurada. Talvez, há um tempo, era descuidada quanto à saúde e à educação, mas agora estou mais atenta a isso, para dar-lhes algo para o recreio.

AD3: O que mudou para mim é a forma de vida de meus filhos, a comida, na roupa, no estudo, no lar, ainda que não tanto.

AD4: Sim, há mudanças, um pouco de meu caráter, porque muitas vezes me tentaram. A promotora anterior me testava, lhe disseram que eu tinha mau caráter, mas eu olhava para trás e via meus filhos e seguia adiante. Meu caráter melhorou, eu via as necessidades de meus filhos. Existem mudanças, pois há mulheres que não entendem; compartilhamos muitas coisas com mulheres, embora não sejam da mesma raça, se comunicam quando tem reunião. Eu ando na rua desde os 13 anos, meu pai nos abandonou quando eu tinha cinco anos e minha mãe sempre foi trabalhar. Graças a Deus

143

não tive que andar de homem em homem para dar de comer a meus filhos. Sempre trabalhei por meus filhos, en lo que sea: lavar, planchar, limpar uma casa, preparar un saus. Aunque sea banano con huevo frito, siempre he dado las cosas a mis filhos.

AD5: Sim, há mudanças, vou mais vezes ao Centro de Saúde com as crianças e visito frequentemente a escola. Eu tenho que me sentir bem, se é uma ajuda.

A Rede de Oportunidades tem ajudado essas usuárias a se sentirem um pouco aliviadas, em sua difícil busca de meios materiais para dar resposta às necessidades de seus/suas filhos/as.

Sentem-se bem ao receber esses recursos da Rede de Oportunidades, o que contribui para diminuir seu nível de estresse e a favorecer seu bem-estar emocional. Isto é sumamente relevante para essas famílias, pois seus/suas filhos/as só possuem a elas. Se essas mães não conseguem controlar sua frustração pessoal ante as dificuldades que enfrentam, não podem transmitir serenidade, tranquilidade e segurança a seus/suas filhos/as.

A Rede de Oportunidades tem contribuído para que essas mães de família sejam mais responsáveis consigo mesmas e com seus filhos, quanto aos cuidados de saúde e à assistência das crianças nos centros educativos da cidade de Almirante.

Algumas delas trabalham desde sua adolescência em diversas e difíceis ocupações, pouco remuneradas. Sua participação na Rede de Oportunidades tem contribuído para melhorar seu caráter, o que repercute positivamente nas relações familiares, especialmente nas funções de mãe e provedoras do lar.

Latina

Algumas dessas usuárias permaneciam no interior de seus domicílios, sem se comunicar nem se relacionar com seus vizinhos. A seguir,

144 apresentamos suas opiniões com relação às mudanças subjetivas ocorridas no nível pessoal: L1: Sinto uma alegria porque agora estamos um pouquinho melhor que antes. Antes, eu nem conhecia, antes não saía; somente a reuniões na escola. Agora saio, conheço o bairro, onde vivem as mulheres.

L2: Eu o vejo igual, de repente, sim, porque às vezes a pessoa diz, quando recebo o dinheiro: “vou comprar tal coisa”, ou os netinhos dizem: “vovó, quero tal coisa” e a pessoa lhes diz: “espera quando paguem a Rede”.

L3: Claro que se sente diferente; a pessoa pode ir comprar algo diferente, às vezes ele não tem. Eu me sinto contente, que três anos me ajudaram muito. Meu marido sempre me deu dinheiro e não briga, ele diz isso [dinheiro da Rede]: “é dela, ela dispõe desse dinheiro”.

L4: Claro que sim, senti mudanças, por ter esse dinheirinho para ir a essas consultas [dermatologista] a cada 21 dias. Me dava pena, pois ele havia gastado tanto, me dava pena pedir para ir ao dentista. Me sinto bem de ter o que dar às crianças, para comprar uma coisinha [guloseimas]. Eu estava poupando com as mulheres da comunidade, mas agora estou poupando aqui em casa, quando meu esposo não está e as crianças adoecem ou acaba o gás, tenho meu dinheirinho poupado.

L5: Minha vida pessoal mudou porque, ao ingressar na Rede, eu tinha um problema que eu não me considerava que valia e nos cursos nos falaram que nós devemos elevar nossa autoestima e assessoram as que têm sido maltratadas e que podemos buscar ajuda.

A Rede de Oportunidades contribuiu para o fortalecimento da autoestima de algumas das usuárias mediante sua participação em atividades socioeducativas e de preparação para o trabalho produtivo. Ainda lhes tem ajudado a conhecer e entender a dinâmica da violência doméstica e, desta forma, tem favorecido a superação de traumas existentes por esse tipo de experiências.

145

Tem permitido que essas famílias melhorem sua alimentação, propiciando sentimentos de alegria e satisfação nas usuárias, ao oferecer produtos de origem animal que contribuem para a manutenção de uma dieta balanceada, especialmente para as crianças em processo de desenvolvimento e crescimento, pelo que necessitam de alimentos dos diferentes grupos básicos da alimentação.

As melhorias realizadas nas casas de algumas dessas usuárias têm contribuído para o bem-estar familiar, ao possibilitar-lhes desfrutar de um pouco de privacidade conjugal e de espaço para as crianças. Algumas famílias têm adquirido alguns móveis ou eletrodomésticos que oferecem algum grau de comodidade e entretenimento ao grupo familiar.

5.3.3 Quanto aos sonhos e projetos de futuro

O ser humano possui a capacidade de sonhar, realizar planos, conceber projetos de futuro, o que nos motiva a avançar e lutar por aquelas coisas que desejamos alcançar.

Nesse sentido, as usuárias que participaram deste estudo manifestaram- se da seguinte forma:

Ngöbe

Ao serem consultadas sobre sonhos e projetos de futuro, expressaram:

N1: Eu não sei; meu desejo é lançar pa‟ diante com minha família. Tem que seguir a Rede, para eu também seguir no que estou fazendo. Ter uma boa casa, minha propriedade, para cuidar de frangos e animais.

N2: Vive. Esta usuária não pôde elaborar nenhuma outra resposta.

N3: Eu quer ter algo assim, “casa própria”.

N4: Que se arrume bem a casa.

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N5: Filha gradue.

Três das quatro mulheres que responderam manifestaram que sonham em ter casa própria, una delas ainda deseja uma propriedade para criar frangos e cuidar de animais. Essas usuárias residem em precárias moradias, cedidas pela empresa bananeira e anseiam por ter um lugar próprio onde viver, sentir que contam com um espaço do qual ninguém os possa despejar.

A graduação da filha universitária é o sonho de uma usuária analfabeta, para quem os gastos com os estudos dessa filha são prioridade no uso do dinheiro da Rede de Oportunidades.

Naso-Teribe

Com relação aos seus sonhos e projetos de futuro, expressaram:

NT1: Que meus outros quatro filhos venham viver aqui. Meu marido quer trazer meus filhos para me acompanhar na casa. Quero viver bem com todos meus filhos.

NT2: Melhorar a casa; minha casa é baixinha, quero pôr um andar alto, subi-la acima, para que não se fique sob a água quando chove. Quando está toda a família, não se cabe na cozinha.

NT3: Para mim, o sonho no futuro é que meus filhos se eduquem para no futuro, se o governo chega a tirar isto, eles já sejam educados. Que sejam alguém e nos possam ajudar, dar o sustento (comida).

NT4: Ter muitas coisas mais adiante, conseguir camas, um painel solar para ver a televisão melhor. Atualmente, usamos a TV e DVD com bateria de carro.

NT5: Já tenho minha casa nova mais alta, sonho com que meus filhos possam estudar.

147

Cada uma dessas usuárias possui sonhos diferentes: ―viver com todos meus filhos em Teribe‖; seu primeiro marido lhe batia e lhe tirou os quatro filhos. Nessas comunidades tradicionais e distantes, prevalece a lei do mais forte. Se essa situação fosse apresentada às autoridades correspondentes, essa mulher não teria por que estar separada de seus/suas filhos/as.

A educação de seus/suas filhos/as é o principal sonho de duas dessas usuárias; desejam que seus/suas filhos/as tenham o que elas não puderam e que no futuro assumam a responsabilidade de cuidar de seus pais, assim como eles os cuidaram e os criaram. Transmite-se um compromisso geracional quanto à responsabilidade dos/das filhos/as com o cuidado de seus pais.

Essas comunidades encontram-se localizadas às margens do rio Teribe, o que representa uma ameaça constante, razão pela qual as casas altas são muito apreciadas, para tentar evitar as perdas materiais e humanas causadas pelas inundações.

A aquisição de bens materiais para a comodidade da família ou para desfrutar de momentos de recreação forma parte dos sonhos dessas usuárias.

Kuna

As usuárias, ao serem consultadas sobre seus sonhos e projetos de futuro, assinalaram:

K1: Cozendo, ajudar-lhes a estudar. Meu marido, sozinho, não alcança (8 filhos). Marido diz: “não trabalha filho, estuda”. Filho ‟tá na universidade [enteado do marido].

K2: Que as filhas saiam da escola, que sigam universidade e que depois as filhas lhe possam ajudar.

K3: Meu principal sonho é ter minha casa terminada. Agora há só um quarto para cinco pessoas, o outro é sala. Necessitamos espaço para a intimidade.

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K4: O maior sonho que tem é ver a sua família de San Blas. Já são 13 anos que não vê sua família, nem à mãe, mas é muito dinheiro (8 filhos). O sonho é que não se quer afastar dos filhos. Quer ver seus filhos grandes, que se possam defender por si mesmos.

K5: Eu lhe digo, a meu Deus, eu quero melhorar, uma mulher mudada, diferente, isso é meu sonho. Assim posso mudar minhas filhas, meu esposo, uma mulher respeitada. Caminhar para a igreja e que os demais me respeitem. Mudar minha pessoa, minha maneira de ser, falar, que não saiam palavras que não deva dizer. Se fosse em Darién, melhorar minha casa, minha propriedade, pensamos voltar.

Para duas dessas mulheres, o grande sonho é que seus filhos e filhas estudem, que cheguem à universidade; elas desejam um melhor futuro para seus/suas filhos/as e consideram que a melhor forma de obtê-lo é através dos estudos. Esse sonho também está relacionado com os benefícios materiais que seus/suas filhos/as possam trazer à família quando forem profissionais.

Nas palavras de K5, percebe-se certa rejeição à sua condição de indígena; ela quer ser diferente, falar diferente. É provável que o fato de não poder falar corretamente o idioma espanhol a faça sentir inferior, ou o menosprezo que alguns sentem pelos indígenas e por essa razão ela deseja ser respeitada.

Para K3, seu principal sonho é ter sua casa terminada. Esta usuária é a única das 25 mulheres que tem educação secundápois ria completa, foi criada entre latinos. É a única indígena que possui características diferenciadas (se expressa com fluidez e clareza, utiliza com facilidade o idioma espanhol, como qualquer cidadão instruído).

Duas dessas usuárias expressaram seu desejo de ter uma casa própria, o que nos faz refletir sobre a importância de ter um lugar a que possamos considerar nosso. Contar com uma moradia própria é um ideal, embora as pessoas vivam em condições de pobreza e exclusão social.

149

No momento de realizar a entrevista, a mãe de K4 estava muito enferma em San Blas e seu maior sonho era ir visitar sua família. Viver longe de seu lugar de origem, de seus parentes, não poder visitá-los, causa-lhe nostalgia, e, sobretudo, pensar que sua mãe pode morrer sem voltar a vê-la, é motivo de dor para esta usuária, por não contar com os recursos econômicos necessários para cobrir os gastos dessa viagem.

Afro-descendentes

A seguir, apresentamos as opiniões dessas usuárias com relação a seus sonhos e projetos de futuro.

AD1: Consertar minha casa é meu maior sonho, consertar minha casinha.

AD2: Sonhos são tantas coisas, ver meus filhos crescer, graduar-se, ser alguém na vida. Ter minha própria casa, meu próprio negócio, ser melhor a cada dia.

AD3: Consertar minha casa.

AD4: Meu grande sonho é ver meus filhos ficarem grandes e ser alguém de bem, humildes e trabalhadores.

AD5: Algum dia fazer uma casa para meus filhos, conseguir um trabalho que possa pagar seus estudos e que tenham muita saúde

Para três dessas mulheres, o grande sonho está relacionado com ter casa própria ou consertar sua moradia. Uma delas ainda deseja ter seu próprio negócio. Poder oferecer a seus/suas filhos/as um lugar próprio em boas condições para viver com tranquilidade e segurança é muito importante para esse grupo de usuárias, que vivem em casas precárias ou de aluguel.

Três dessas usuárias possuem sonhos relacionados com a educação de seus/suas filhos/as, desejam que sejam pessoas honestas, trabalhadoras e

150 que alcancem melhor futuro, êxitos sociais, através da instrução. A educação de seus/suas filhos/as representa mobilidade social, sair da pobreza e exclusão social.

Latinas

Com relação aos sonhos e projetos de futuro, essas usuárias expressaram:

L1: Ter uma casa alta, porque aqui sempre há inundações. Agora se põem as coisas para cima, a primeira vez se perdeu todo.

L2: Meu sonho é meu serviço higiênico, que minha filha tenha sua casinha, com seus filhos, esse é um sonho meu.

L3: Ter minha casa, comprar um terreno e fazer minha casa na propriedade, não é fácil.

L4: Estudar, me casei com 16 anos e somente terminei o primário. Quando os meninos estão pequenos e a pessoa não tem quem cuide deles, é difícil.

L5: Primeiramente, dar uma casa melhor a meus filhos, ter meu próprio local para trabalhar beleza.

A aquisição de uma casa própria é o principal sonho de quatro dessas cinco usuárias latinas; ter moradia própria é um símbolo de prosperidade, de bem-estar, de satisfação, ao oferecer à família um espaço para o desenvolvimento e a convivência familiar.

A única entrevistada que não expressou esse desejo já tem casa própria alta, recém-construída. Portanto, seu maior sonho é estudar. Não ter cursado os estudos secundários, para essa jovem, representa uma perda que somente será superada com a conclusão do ciclo, com o que vai alcançar satisfação pessoal, ao sentir que melhorou e que pode servir de exemplo para seus filhos.

151

Nesse grupo, uma das usuárias participou de vários cursos de capacitação para o trabalho produtivo e deseja realizar um projeto de vida e geração de recurso, mediante o estabelecimento de um negócio próprio. Ela está ampliando sua casa e pensa em deixar um espaço para a instalação de um pequeno salão de beleza.

Os resultados desta pesquisa revelaram que quatro anos de existência do programa Rede de Oportunidades, em Changuinola, têm contribuído para proporcionar melhorias iniciais nas condições de vida das usuárias e suas famílias; especialmente em alimentação, saúde, educação e transporte. Um reduzido número de usuárias tem conseguido realizar pequenas melhorias em suas casas, já que os recursos são utilizados majoritariamente em alimentação e gastos educativos, inclusive pagamento de transporte até as escolas.

As autoridades provinciais que participaram deste estudo consideram a Rede de Oportunidades um bom programa, pois tem sido muito efetivo nas áreas de saúde e educação, graças à existência das condicionantes. Essas usuárias, agora, estão incorporando os cuidados à sua saúde e à de sua família como um valor.

Considera-se que a Rede de Oportunidades, em Changuinola, necessita manter as condicionantes para a promoção das usuárias e suas famílias, isso porque, nessas comunidades, encontra-se uma população muito vulnerável e com atraso em seu desenvolvimento pessoal e também social.

O pessoal técnico que trabalha diretamente com as usuárias tem buscado compreender seu mundo cultural e suas formas de vida, com o propósito de orientar as atividades socioeducativas e propiciar a integração dessas mulheres aos grupos de trabalho e às suas comunidades.

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Segundo José Paulo Netto (1996), a vida cotidiana oferece um espaço privilegiado para o trabalho social; pela proximidade do sujeito e suas necessidades e pelo reconhecimento de que, nesse espaço concreto, existe a possibilidade de transformação, ou seja, remover o ser humano dessa cotidianidade e reinseri-lo de forma modificada, transformada.

Nesse sentido, as usuárias da Rede de Oportunidades de origem Ngöbe, em Changuinola, têm experimentado essa transformação de uma vida cotidiana completamente alienada e subordinada à autoridade do marido, a uma nova visão, na qual se reconhecem como seres humanos capazes de pensar, sentir, expressar suas ideias e pensamentos. Agora também se sentem capazes de produzir alguns recursos para contribuir com o sustento familiar.

A Rede de Oportunidades, como política social de caráter não contributivo, é a primeira desse tipo implantada no Panamá e, como toda política social, enfrenta uma luta de forças entre concepções, interesses, perspectivas, em seu processo para ser efetiva, fortalecer instituições, criar cidadania e justiça social em determinado momento histórico.

De acordo com as abordagens de Di Geovanni (2008), os sistemas de proteção social são formas às vezes mais e às vezes menos institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros e inclui nesse conceito tanto as formas seletivas de distribuição como de redistribuição dos bens materiais e dos bens culturais.

O programa Rede de Oportunidades, em Changuinola, está contribuindo com melhorias iniciais nas condições de vida da população historicamente excluída e está oferecendo às futuras gerações a possibilidade de apropriar-se dos saberes que lhes permitirão alcançar melhores condições materiais de vida e de integrar-se socialmente à comunidade e à sociedade panamenha. Sua avaliação permanente contribuirá para melhorá-lo e a

153 superar algumas de suas fraquezas, como a falta de pessoal técnico para o acompanhamento sociofamiliar e a depuração do registro de usuárias.

A Rede de Oportunidades tem como desafio constituir-se em um sistema de proteção social integral, com caráter de direito social, regulamentado como Lei de Assistência Social, gerando cidadania e contribuindo para reduzir a desigualdade social.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo sobre as mudanças ocorridas em 25 famílias que utilizam a Rede de Oportunidades desenvolveu-se no distrito de Changuinola, por ser o mais povoado e importante, haja vista que aí funcionam as atividades bananeiras, principal fonte de trabalho na província de Bocas del Toro.

O programa de transferência de renda está contribuindo para melhorar as condições de vida gerais e específicas das famílias usuárias, no distrito de Changuinola, sobretudo quanto a aspectos de alimentação, educação, saúde, participação comunitária e relações familiares.

Os sujeitos de estudo são mulheres em condição de sobrevivência, mulheres que melhoraram seus padrões de alimentação, ao introduzirem alimentos que agora são de uso diário, e algumas outras que conseguiram oferecer às suas famílias alguns alimentos apreciados por crianças, embora sejam geralmente industrializados, ou não caseiros, e de consumo esporádico.

Os resultados da pesquisa revelam que houve melhora nas condições de vida das usuárias e foi confirmado um aumento na demanda de serviços básicos de saúde por parte das mulheres integradas à Rede de Oportunidades, as quais têm feito seus controles médicos regulares e levado seus/suas filhos/as para receber vacina e se submeterem ao controle de peso e altura.

A Rede de Oportunidades tem favorecido a assistência e permanência das crianças e jovens nas escolas, facilitando-lhes a compra de material escolar, uniformes, sapatos e repassando-lhes recursos para o passe do transporte a seus colégios. Essas usuárias estão construindo um projeto de vida tanto seu como de suas famílias, através da educação de seus/suas filhos/as.

As usuárias estão começando a construir valores, no sentido de educação, saúde, relações comunitárias, preparação para o trabalho produtivo. Crêem que a educação pode mudar a vida de seus/suas filhos/as. Segundo elas, com sua participação na Rede, houve significativa mudança; agora estão

155 valorizando o cuidado de sua saúde e da família. Colocaram na ordem do dia em suas vidas as visitas ao médico e realizar os controles de saúde. Esse cuidado com sua saúde não fazia parte de sua vida cotidiana antes da participação na Rede de Oportunidades.

As mudanças ocorridas com relação ao aspecto moradia, nessas 25 famílias usuárias da Rede de Oportunidades, têm sido mínimas, na maioria dos casos, porque o dinheiro não é suficiente para investir em melhorias habitacionais. Encontramos um estado muito precário, na maioria das moradias.

Somente duas famílias latinas e uma Kuna efetuaram melhorias significativas em suas casas; outras três usuárias afro-descendentes têm realizado algumas melhorias em suas casas, embora sigam apresentando condições inadequadas. Nessas usuárias, houve o despertar para uma vida mais digna, para conseguir um pouco de valorização como pessoa, como ser humano, como cidadãs.

O Programa Rede de Oportunidades, no entanto, ainda é percebido como uma ajuda e não como direito, sob a perspectiva sócio-assistencial, das famílias usuárias; apenas três mulheres de etnia Naso-Teribe assinalaram que a Rede de Oportunidades é um direito para elas como seres humanos e um direito de seus filhos para conseguirem estudando e ter um melhor futuro.

No nível geral, não há consciência sobre o direito à assistência social por parte do Estado panamenho aos cidadãos menos favorecidos e mais socialmente excluídos; são muitos os que pensam que os recursos investidos no Programa Rede de Oportunidades são um gasto desnecessário, entretanto, é necessário pensar nos resultados do mesmo quanto às mudanças de vida no cotidiano das usuárias, de suas famílias e das comunidades em que vivem.

Somente duas das 25 usuárias que participaram de nosso estudo, haviam recebido cursos de capacitação para o trabalho produtivo nas áreas de: Beleza; Corte e Costura; Pastelaria; Ajudante de Chef e Chef. Após os cursos, elas

156 querem aprender mais, ter uma habilidade, desejam obter mais conhecimentos para produzir mais, gerar renda própria.

As cinco entrevistadas de origem Ngöbe, inicialmente, receberam capacitação para atender a uma Granja de Frangos. Nesse sentido, podemos indicar que nem todas as usuárias da Rede participam da geração de trabalho e renda, na perspectiva da construção de cidadania. E as que participam, despertaram: sabem que podem ter rendimentos próprios, mediante seu trabalho.

Estas últimas iniciaram um processo mágico: o de ver um mundo diferente. Através da Rede de Oportunidades, estão dando seus primeiros passos para o desenvolvimento de capacidades para produzir, de interagir com suas colegas e vizinhas, de explorar o território em que vivem e de ter direito a circular em sua comunidade; ainda que não tenham clareza sobre o significado do conceito ―direito‖, porque não fazia parte de seu mundo mental, nem cotidiano.

Agora estão começando a saber o que é direito e o que é ajuda; interessam-se porque essa ajuda é importante, valiosa, representa uma mudança para uma melhor situação. O cotidiano dessas mulheres era de subsistência básica, de obter a comida do dia a dia, sem horizontes. Agora elas têm uma esperança, estão passando de uma vida cotidiana totalmente alienada, marginalizada, para uma situação na qual compreenderam que existem outros horizontes; isto é imprescindível para um ser humano, que consegue promover-se.

Por sua participação nas atividades socioeducativas que desenvolve a Rede de Oportunidades, as indígenas Ngöbe conseguiram compreender que têm direito a viver sem violência e a participar ativamente da vida comunitária. Agora, estão começando a sair de seu isolamento para integrar-se ativamente na vida da comunidade e passam a dar valor às relações e à participação.

Estão incorporando novos valores, como dignidade, participação, relações comunitárias e familiares; estão despertando para a responsabilidade coletiva, para a visão de si mesmas, no futuro, enquanto sujeitos de direito.

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Em certas comunidades, formou-se uma relação intercultural entre usuárias de diferentes grupos étnicos (Ngöbe e Kuna), (Ngöbe e Latinas) que se unem para realizar trabalhos e atividades em conjunto, para gerar renda ou compartilhar alguns momentos de distração e convivência.

Durante muito tempo, um significativo número de famílias não havia contado com promotoras, o que influi negativamente no desenvolvimento das mesmas, já que a transferência monetária por si só não produz os efeitos desejados na população. Trata-se de incluir essas usuárias nas atividades socioeducativas e numa série de programas e projetos de inclusão produtiva e geração de renda, sob a perspectiva de construção da cidadania.

Consideramos que, pelas condições particulares das usuárias da Rede de Oportunidades em Changuinola, é necessário o compromisso de cada uma delas no cumprimento das corresponsabilidades, bem como sua participação ativa para alcançar a emancipação.

Em certas comunidades, pequenos passos foram dados na busca de geração de renda, porém houve descontinuidade no trabalho socioeducativo, razão pela qual é necessário incrementar o número de promotoras nessa área geográfica e fortalecer a preparação para o trabalho em equipe, através da gestão de técnicas grupais, identificação e gênese de líderes nas comunidades para que os grupos organizados possam seguir funcionando na ausência das promotoras.

A Rede de Oportunidades no distrito de Changuinola não contava com pessoal técnico suficiente para gerir o programa; somente trabalhavam três promotoras para atender toda a província de Bocas del Toro. As promotoras devem ser capacitadas, conhecer e desenvolver empatia com as famílias para que seu trabalho seja efetivo e isso não pode ocorrer. Se esse pessoal é constantemente trocado, é fundamental dar continuidade ao trabalho que se realizava com as usuárias.

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As promotoras sentem que tem sido relevante o trabalho socioeducativo empreendido e seria conveniente investir no aumento desse pessoal e em sua formação contínua, de maneira tal que sejam agentes multiplicadores nas comunidades em que trabalham. Além disso, devem contar com facilidades de transporte para deslocar-se às comunidades, uma grande dificuldade encontrada no momento de realizar esse estudo.

Para garantir o êxito da Rede de Oportunidades no distrito de Changuinola, é imprescindível o acompanhamento sociofamiliar das usuárias, haja vista ter essa população vivido em condições de grande marginalidade e exclusão social, em decorrência da qual as usuárias nem sequer tinham consciência da importância dos cuidados com a saúde.

A Rede de Oportunidades enfrenta grandes desafios para a construção de uma ordem mais justa quanto à redistribuição da riqueza socialmente produzida e, sobretudo, a mudança de atitude da população em geral quanto à percepção do programa enquanto um gasto e não um investimento social.

Pelo menos duas das usuárias que participaram deste estudo, por engano, foram situadas em condição de extrema pobreza e por esta razão elas mesmas não conseguem identificar alterações significativas em suas famílias, a partir de sua participação na Rede de Oportunidades.

No distrito de Changuinola, é mister a adoção de políticas que promovam a geração de emprego produtivo em áreas outras que a de exploração bananeira, de maneira tal que se diversifique a produção e que a região não dependa unicamente da concentração da economia na produção de bananas.

No nível provinciano, torna-se interessante analisar a possibilidade de apoiar as usuárias na construção de casas de interesse social, em especial as de origem afro-descendente e indígena, para que essas famílias possam ter uma morada que lhes proporcione melhores condições de vida, higiene, saúde e dignidade humana.

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A inter-setorialidade e a articulação das políticas sociais permitiriam otimizar os recursos da região e oferecer um melhor serviço à população; nesse sentido, a aproximação da Rede de Oportunidades com o Ministério da Habitação muito favorece as usuárias interessadas em obter condições de adquirirem casa própria.

O Estado, por intermédio do Ministério da Educação, deve proporcionar ônibus colegial aos estudantes de diferentes comunidades do distrito de Changuinola, para que possam continuar os estudos secundários; já que essas famílias de parcos recursos econômicos devem cobrir consideráveis gastos de transporte para enviar seus/suas filhos/as aos colégios secundários. Isso contribuiria para a elevação da taxa de matrícula e permanência dos/as estudantes na educação pré-média e média.

As usuárias indígenas analfabetas e analfabetas funcionais devem ser incluídas no programa Muévete por Panamá, com especial atenção às que necessitam de mais tempo nesse processo de alfabetização, por não ser o espanhol sua língua materna e isso representar maior grau de dificuldade, não só para aprender a ler e escrever, mas para relacionar-se, alcançar sua independência e inclusão social como cidadãs panamenhas em pleno uso de seus direitos.

Consideramos necessário que o Estado realize novos estudos sobre a Rede de Oportunidades, mostrando os avanços, limites, as possibilidades e os desafios, com vistas a consolidá-las para o presente e futuro, como política de transferência de renda implantada no Panamá. De igual modo, deve efetuar mais pesquisas para aprofundar o processo de análise dessa política e seus aportes para que a democratização e cidadania sejam cada dia mais efetivas.

A Universidade de Panamá, através de seus estudantes, poderia desenvolver trabalhos de pesquisa na província de Bocas del Toro, região pouco estudada e que oferece ampla gama de campos de interesse social a serem investigados, sobretudo a riqueza étnica de sua população. Nas áreas de Antropologia e de Sociologia, poderiam ser realizadas investigações de grande

160 interesse e o tema da família oferece um rico universo para estudos sobre os diferentes tipos existentes; cada um deles com características muito particulares.

No grupo de usuárias que participou deste estudo, não existe um único tipo de família; encontramos diferentes arranjos familiares, algumas com vinte membros, e a Rede de Oportunidades não faz distinção ante essa realidade tão diversa. Todas as famílias recebem a mesma quantidade de dinheiro, sem importar o número de membros e precisamente nas mais numerosas o dinheiro é utilizado basicamente para gastos com alimentação. A ampla gama de formas de família em Changuinola, responde à grande diversidade cultural da região, onde se encontram diferentes etnias, em um mundo muito diversificado.

A Associação de Trabalhadores Sociais de Panamá possui como desafio a luta para criar e implementar uma lei de assistência social. Para os trabalhadores sociais, seria significativo obter maios participação, nesse processo de melhorar, consolidar e ampliar o Programa Rede de Oportunidades.

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ANEXOS

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