idança.txt Volume 4 Agosto 2011

idança.txt Volume 4 August 2011

Ben em O monta-cargas, de Harold Pinter, interpretado pela atriz Marjan Luif.

Ben in Harold Pinter’s The Dumb Waiter played by actress Marjan Luif. AIRTON TOMAZZONI / CATARINA SARAIVA / DIANA BLOK / MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS / JORGE ALENCAR Aguiar, Giovane 73 / Giorgia 76, 77, Raoul-Auger 19, 20 85 / Luif, Marjan 42 Alencar, Jorge 66 / 78 / Cornazzano, / Foucault, Michel / Luís XIV 16, 17 / Alvarez, Raphael Antonio 15, 16 / 11, 13, 82, 83, 84 / Marinelli, Ricardo 69, 70 / Apisuk, Cubas, Tamara 52 Freire, Marcelino 75, 76, 77 / Marshal, Chumpon 34 / / D’Cruz, Marion 78, 79 / Gardner, James 11, 28 / Arbeau, Thoinot 15, 34 / de Jong, Trudy Ella 12 / Gluck, Leo Martinus, Miroto 16 / Beauchamps, 44 / de Rooy, 76, 78 / Godard 33, 34 / Masseno, Pierre 20, 21 / Blok, Felix 43 / Deleuze, , Jean-Luc 27 / André 73 / Mendes, Diana 41 / Blok, Gilles 28, 29 / Gonçalves, Simone Murilo 78, 79 / Mol, Monica 46 / Bonem, Derrida, Jacques 84 70 / Hardt, Michael Albert 48 / Monte, Natal Jacome Didden, Sjoerd 47 / 26, 28 / Howe, Elias Cândida 77, 78, 20, 22 / Bonstein Dourado, Rodrigo 21, 23 / Issa, Tatiana 79 / Narodowsky, 12, 13 / Bourcier, 69, 70 / Dourado, 69, 70 / Jesus Cristo Mariano 17, 19, 28 Paul 14, 17, 24 / Rodrigo Carvalho 46 / Kahlo, Frida 7, / Naser, Lucía 52 / Bündchen, Giselle Marques 84 / Ebreo, 43 / Kuen, Tang Fu Negri, Antonio 28 72 / Butler, Judith Guglielmo 15, 16/ 37 / La Ribot 52 / / Negri, Cesari 15, 84 / Calvo, Blanca Effendy, Noor 33, Larrosa, Jorge 28 / 16 / Ng, Joavien 52 /Caminada, 34 / Evelin, Marcelo Licon, Aldren 70 / 34, 35 / Oliveira, Eliana 28 / Caroso, 63, 64, 74 / Falcão, Lorin, Andre 18, 20 Edmilson Castro Fabrizio 15, 16 / Carolina 71, 72, / Lourenço, Kleber de 67 / Pacheco, Coll, Charles 22, 79 / Fernandes, 78, 79 / Louro, Elielson 74 / Park, 24 / Conceição, Aroldo 72 /Feuillet, Guacira Lopes 84, Jeanny 34 / Parodi,

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 2 3 Vol. 4 – Agosto / August 2011 Carole 53 / Passos, William 7, 44, 47, Fernando 72, 73 / 50 / Silva, Eliana Patricia Barbara 79 Rodrigues 73 / / Pelbart, Peter Pál Steele, Christopher 29 /Pereira, Roberto 49 / Stoneley, 29 / Piacenza, Peter 85 / Sucena, Domenico de 15, 16 Eduardo 13, 14, 15, / Pinter, Harold 42 29 / Tajudin, Yudi 36 / Pittoors, Frida 50 / Tchekhov, Anton / Portinari, Maribel 7, 45 / Tomazzoni, 14, 29 / Preciado, Airton 10 / Torres, Beatriz 85 / Primo, Pata 53, 62 / Rosa 14, 29 / Toulouze, Michel Rameau, Pierre 19, 15, 16 / Veiga-Neto, 21 / Ribeiro, Sheila Alfredo 29 / Vianna, 78, 80 / Saidel, Erivelto 75, 76, 77 Henrique 76, 78 / / Vieira, Helena Saraiva, Catarina 74 / Warmerdam, 30 / Seabra, Vincent van 45 / Rickyoncé 74 / Widodo, Besar 34 / Sen, Ong Keng 33, Wilde, Oscar 49 34 / Shakespeare,

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 4 5 Vol. 4 – Agosto / August 2011 O idança.txt é um projeto que visa reunir História. Jorge Alencar, baiano, criador de diretores, compositores, coreógrafos e artistas textos de reflexão sobre as artes cênicas na dança, teatro e audiovisual, faz em seu artigo de áreas diversas. Nesse trabalho, eles são contemporaneidade escritos por pesquisadores um panorama da estética queer nas artes caracterizados e retratados como personagens e artistas de diversos países, com perspectivas cênicas, examinando trabalhos de diferentes do teatro (como o Shylock, de Shakespeare, diversas. Este volume IV traz artigos de Airton partes do Brasil que produzem fissuras nas ou a Irina, de Tchekhov), das artes (como Tomazzoni e de Jorge Alencar, que trabalham questões de gênero. Frida Kahlo), ou da História (como a rainha em diferentes regiões do Brasil, e de Catarina Elizabeth I). Saraiva, de Portugal, além de uma entrevista Catarina Saraiva, nascida em Lisboa e com La Ribot e Tamara Cubas, realizada residente em Madri, escreve sobre o mercado Com apoio da Fundação Prince Claus, da por Lucía Naser, pesquisadora nascida em das artes no Sudeste asiático e reflete sobre Holanda, o idanca.txt é uma série de cinco Montevidéu, Uruguai. Conta ainda com um as relações mantidas entre programadores, edições PDF. O projeto conta com parceria ensaio de fotos da artista Diana Blok, também curadores, produtores e artistas na região da IETM, da revista Obscena e da revista nascida na capital uruguaia embora residente a partir da própria experiência. Já a eletrônica Questão de Crítica. Cada edição, nos Países Baixos, em colaboração com pesquisadora Lucía Naser conversa com La que poderá ser lida on-line, baixada, impressa diversos criadores das artes cênicas. Ribot e Tamara Cubas, importantes nomes da e usada em sala de aula, propõe uma cena contemporânea de dança, sobre questões constante troca de experiências e ideias, Airton Tomazzoni, brasileiro do Rio Grande relevantes no trabalho das duas criadoras. algumas vindas de zonas de sombra, regiões do Sul, coreógrafo, jornalista e professor em desenvolvimento onde a informação ainda universitário, analisa em seu texto os manuais O ensaio fotográfico deste volume traz alguns circula com dificuldade, especialmente em uma de dança publicados desde o século XIX até retratos da série Adventures in cross-casting área de conhecimento tão ampla quanto as os dias atuais e a relação desse material com (Aventuras com papéis cruzados), realizada artes cênicas. o pensamento sobre a dança ao longo da por Diana Blok em parceria com atrizes, Os editores

The idanca.txt project aims to gather texts , visual and theater artist from Bahia. up as characters from the theater (like reflecting upon the contemporary performing He traces a panorama of queer aesthetics Shakespeare’s Shylock or Tchékhov’s Irina), arts written by researchers from several in performing arts, examining works from the arts (like Frida Kahlo) or History (like countries and different perspectives. The 4th different parts of Brazil that create loopholes Queen Elizabeth I). volume brings articles by Airton Tomazzoni in gender issues. and Jorge Alencar, who work in different With the support of Prince Claus Fund, from regions of Brazil, by Catarina Saraiva, from Catarina Saraiva was born in Lisbon and lives Holland, idanca.txt is a series of five PDF Portugal, and an interview with La Ribot in Madrid. She writes about the performing editions. The project also has a partnership and Tamara Cubas, made by Lucía Naser, a arts market in Southeast Asia and reflects of IETM network, Obscena magazine and the researcher from Montevideo, Uruguay. The upon the relationships between programmers, Brazilian electronic magazine Questão de issue also features a photo essay of artist curators, producers and artists in the region, Crítica. Each edition, that can be read online, Diana Blok, also born Uruguay, but currently based on her own experience. Researcher downloaded, printed, used in classrooms, living in the Netherlands. She collaborated Lucía Naser talked with La Ribot and Tamara proposes a constant exchange of experiences with several performing artists. Cubas about relevant issues in the work of and ideas, some of them comings from shadow both artists. zones, regions in development where the Airton Tomazzoni, a choreographer and information still circulates with difficulty, University professor from Southern Brazil, The photo essay brings some portraits of especially in an area of knowledge as wide analyses dance manuals published from the the series Adventures in cross-casting, made as the performing arts. 19th century to our days and the relationship by Diana Blok in partnership with actors, between that material and dance knowledge directors, composers, choreographers and The editors throughout history. Jorge Alencar is a artists from different areas. They dress

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 6 7 Vol. 4 – Agosto / August 2011 DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA por Airton Tomazzoni 10– 29 / O MERCADO DAS ARTES PERFORMATIVAS CONTEMPORÂNEAS NO SUDESTE ASIÁTICO. UMA VISÃO OCIDENTAL SOBRE O SETOR por Catarina Saraiva 30–39 / ADVENTURES IN CROSS-CASTING por Diana Blok 40– 51 / A DUAS VOZES – ENTREVISTA COM MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS por Lucía Naser 52–65 / CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA por Jorge Alencar 66–85

DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS by Airton Tomazzoni 10–29 / THE CONTEMPORARY PERFORMING ARTS MARKET IN SOUTHEAST ASIA. A WESTERN POINT OF VIEW ABOUT THE SECTOR by Catarina Saraiva 30–39 / ADVENTURES IN CROSS-CASTING by Diana Blok 40–51 / TWO VOICES – INTERVIEW WITH MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS by Lucía Naser 52–65 / CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING by Jorge Alencar 66–85 idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 8 9 Vol. 4 – Agosto / August 2011 DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA Por Airton Tomazzoni Dois pra lá, dois pra cá. Pé direito. Pé colabora na formação de um certo tipo de DANÇANDO E esquerdo. Lentamente. Acelera. Orientações sujeitos e de como o ato de dançar envolve APRENDENDO A como essas costumam estar presentes em complexas práticas, requintadas e eficientes, muitas lições de manuais que marcaram a de governamento. E, ao mencionar dimensão SER: ESTR ATÉGIAS história da dança. Orientações sobre como política, não estou me referindo a aspectos se mover adequadamente no palco ou nos partidários, nem a ações da esfera do governo DE SUBJETIVAÇÃO salões. Orientações que podem garantir uma estatal. Alinho-me, nesse sentido, à perspectiva boa dança, mas também bons sujeitos. E é de Michel Foucault, que entende a política a NOS MANUAIS nesse último aspecto que estou interessado. partir das ambíguas relações de poder2 e de 1 Em como a dança é um aparato para a sua expressão não apenas na esfera pública DE DANÇA constituição de sujeitos. Embora as implicações oficial, mas em todo investimento no ato de políticas envolvidas nas práticas de dança e em governar3 os outros, seja na escola, na família, Por Airton Tomazzoni suas estratégias discursivas venham ganhando na igreja, na mídia.

Airton Tomazzoni é coreógrafo, jornalista e professor espaço, ainda são tímidas as tentativas de universitário. Doutor em Educação pela Universidade Federal perceber como a perspectiva pedagógica 2 “Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a do Rio Grande do Sul com a tese Lições de dança no baile da pós- multiplicidade de correlações de forças imanentes ao domínio onde modernidade: corpos (des)governados na mídia. Mestre em Processos da dança esteve e está atrelada a mais do se exercem e constitutivas da sua organização; o jogo que, através Midiáticos pela Unisinos (RS). É diretor do Grupo Experimental que apenas formar bailarinos e bailarinas, de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; de Dança da Cidade, de Porto Alegre, e coordenador do Centro coreógrafos e coreógrafas. os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, Municipal de Dança da Prefeitura de Porto Alegre. Integra a formando cadeias ou sistemas, ou, ao contrário, as defasagens e equipe de pesquisadores da Base de Dados do Programa Rumos contradições que as isolam entre si” (Foucault, 1988, p.88-89). Dança, do Instituto Itaú Cultural. Colunista do site Idança.net. De maneira geral, a dimensão política que 3 A ideia de governar também é aqui entendida na perspectiva foucaultiana, ou seja, como “uma forma de atividade dirigida a a dança assumiu e assume é ofuscada por produzir sujeitos, a moldar, a guiar ou a afetar a conduta das 1 As imagens que ilustram este artigo foram baixadas do site objetivos estéticos que, muitas vezes, parecem pessoas de maneira que elas se tornem pessoas de um certo tipo” http://memory.loc.gov/ammem/dihtml/dicatlg.html impermeáveis à percepção de como a dança (Marshal, 1994, p.28-29).

DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS By Airton Tomazzoni Two steps to the right, two steps to the left. a certain kind of subject, of how the act of DANCING AND Right foot. Left Foot. Slowly. Instructions dancing involves complex, refined and efficient like these are common in the lessons of government practices. It is important to stress LEARNING TO BE: manuals that marked the . that by referring to the political dimension, I STRATEGIES OF Instructions of how to move properly on am not talking about party issues, nor about stage or on ballrooms. Instructions to ensure actions of state government. I thus align SUBJECTIFICATION good dancing, but that can also ensure good myself with Michel Foucault’s perspective of subjects. I am interested in the latter, how understanding politics based on ambiguous IN DANCE dance is an apparatus to construct subjects. relationships of power2 and its expression, Even though the political implications involved not only in the public sphere, but in every 1 MANUALS in dance practices and in their discursive investment in the act of governing3 others, strategies have been getting much attention be it in school, family, church, the media. By Airton Tomazzoni lately, the attempts to perceive how the pedagogical perspective of dance has been 2 “It seems to me that Power must be understood in the first Airton Tomazzoni is a choreographer, journalist and University stance as the multiplicity of force relations immanent in the professor. A doctor in Education by Universidade Federal do Rio and still is attached to something more than sphere in which they operate and which constitute their own Grande do Sul with the essay Lições de dança no baile da pós- just educating dancers and choreographers organization; as the process which, through ceaseless struggles modernidade: corpos (des)governados na mídia (Dance lessons in the and confrontations, transforms, strengthens, or reverses them; post-modern ball: bodies (un)governed by the media). He has a are still shy. as the support which these force relations find in one another, masters degree in Media Processes by Unisinos (RS). He directs thus forming a chain or system, or the contrary, the disjunctions Grupo Experimental de Dança da Cidade, he is the coordinator and contradictions which isolate them from one another” of Centro Municipal de Dança da Prefeitura de Porto Alegre The political dimension dance assumed and (Foucault, 1988, p.88-89). (Porto Alegre’s Dance City Center). He is part of the research still assumes is usually overshadowed by team of the database of Instituto Itaú Cultural’s Rumos Dança aesthetic purposes that seem often impervious 3 The concept of governing is understood here in the program. A columnist at idanca.net. Foucauldian perspective as “a kind of activity aimed at producing to the perception of how the practice of subjects, shaping or affecting the conduct of people in order to 1 The images illustrating this artcile were downloaded from dance collaborates to the construction of make them become a person of a certain kind” (Marshal, 1994, http://memory.loc.gov/ammem/dihtml/dicatlg.html p.28-29). idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 10 11 Vol. 4 – Agosto / August 2011 DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA Por Airton Tomazzoni Por Airton Tomazzoni Portanto, cabe operar com a ideia de relações impregnada desse tipo de material didático que especialmente a partir da Renascença acompanhada pelo lugar de prestígio que de poder. E relações se estabelecem por se destina a ensinar como se dança. E enquanto europeia, e perceptível na ênfase com que eles o professor de dança passaria a assumir, o ações. Foucault foi hábil ao revelar como se aprende como se dança, aprende-se como se aparecem na atual bibliografia de história da que se evidencia em vários relatos históricos. tais ações de poder estão vinculadas a ações deve comportar em sociedade. dança.4 Ao longo do século XV, as danças “Os professores de dança não pertenciam a de saber, uma articulação que encontra na populares, que já vinham sendo apropriadas um nível social baixo: faziam parte do meio ordem discursiva sua expressão. E, no cenário Esse ethos pedagógico, fortemente explícito e pelas cortes europeias, encontram nos imediato dos príncipes” (Bourcier, 2001, p.64). dos manuais de dança, ao longo da história enfatizado em manuais, começou a aparecer manuais o meio para registrar e difundir o Muitas vezes também cumpriam funções esses poderes e saberes perceptivelmente a partir do século XV, marcando diferentes saber em torno dessa prática. Com isso, firma- diplomáticas e podiam até mesmo substituir agiram sobre a vida dos indivíduos de maneira períodos e sociedades. Sua produção é tão se a figura de um novo profissional nas cortes o pai da noiva na cerimônia de apresentação efetiva, e continuam agindo. Um investimento ampla e significativa que a Biblioteca Nacional europeias: o mestre de dança, responsável da filha à família do noivo, o que, em certas nos corpos que dançam (ou que podem e do Congresso dos Estados Unidos possui em por ensinar a métrica e os passos corretos cidades, como Veneza, dava-se sob a forma de devem vir a dançar) que estabelece modos de seu acervo uma coleção especial do gênero. das danças. O mestre de dança tinha grande um balé mudo no período renascentista. subjetivação complexos, sutis, sedutores. An American Ballroom Companion é uma importância e prestígio, e a ele já não cabia coleção com mais de 200 manuais de uma apenas criar coreografias, mas também E mesmo num Brasil em que a corte só chegou Começo, então, buscando identificar essas lista que se inicia com obras raras do gênero, registrá-las e ensiná-las. Ou seja, não bastava três séculos depois do seu descobrimento relações nos manuais de dança, tão diversos, como Les basses danses de Marguerite d’Autriche, conceber e executar a dança – ele também oficial, tal influência pôde ser observada. numerosos e prodigiosos em mostrar a relação publicado em 1490 na Europa, e se estende até tinha que ser um bom professor. Conforme relata Sucena, o explorador da dança com o comportamento e as condutas a cartilha de autoria de Ella Gardner, de 1929, Ferdinand Denis, ao narrar os costumes sociais, como se pode observar na imagem da Public Dance Halls, Their Regulation And Place in A mudança de estatuto da dança provocada do país em sua obra Brésil, fez questão de capa do manual escrito pelo professor Bonstein, The Recreation of Adolescents. pela disseminação dos manuais seria enfatizar que, “enquanto o danseur5 se buscava em 1886, em Chicago (EUA): Dancing and 4 Faço referência aqui a alguns dos principais livros em língua 5 Vocábulo usado para designar o profissional da dança na época: Prompting – Etiquette and Deportment of Society O caráter pedagógico fica evidente no portuguesa que tentam dar conta da história da dança: Bourcier mestre, bailarino, coreógrafo. & Ball Room. A ideia de lição de dança está investimento em publicação de manuais (2001), Caminada (1999) e Portinari (1989).

DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS By Airton Tomazzoni By Airton Tomazzoni Diversos manuais de dança, como o Dancing and Prompting, de Therefore, it is appropriate to work with the Society & Ball Room. The idea of dance lesson is 1886, ensinavam também a se comportar em sociedade. idea of power relationships. Relationships impregnated by this kind of learning material Several dance manuals also taught how to behave in society, are established through actions. Foucault intended to teach how to dance. As one learns like Dancing and Prompting, released in 1886. was skillful in revealing how these power how to dance, one learns how to behave actions are attached to knowledge actions, in society. an articulation that finds its expression in the discursive realm. In the universe of dance This pedagogical ethos, strongly explicit and manuals throughout history, power and emphasized in manuals, first appears in the knowledge noticeably acted upon the lives of 15th century, marking different periods and individuals in an effective way and continue societies. This production is so ample and acting in this manner. An investment in dancing meaningful, the Library of Congress of the bodies (or bodies that could and should come United States of America has a special section to dance) that establishes complex, subtle, of its collection dedicated to the genre. An seductive modes of objectification. American Ballroom Companion is a collection of more than two hundred manuals. The list So, I begin by trying to identify these starts with rare pieces, such as Les basses relationships in dance manuals, which are so danses de Marguerite d’Autriche, published in diverse, numerous and prodigious in showing Europe, in 1490, and goes on to the primer the relationship between dance and social written by Ella Gadner in 1929, entitled Public behavior and conduct. This can be seen in Dance Halls, Their Regulation And Place in The the cover of the manual written by professor Recreation of Adolescents. Bonstein in 1886, in Chicago (USA): Dancing and Prompting, etiquette and deportment of idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 12 13 Vol. 4 – Agosto / August 2011 DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA Por Airton Tomazzoni Por Airton Tomazzoni em uma carruagem luxuosamente atrelada e, por vezes, opostas a essas. Os mestres-de- escrito: o livro. Dessa forma, passa a habitar dança ganha dimensão de cartilha, com direito e se remunerava bem, o professor de línguas cerimônia, ou de dança, organizavam danças um privilegiado local de saber: as bibliotecas. a “alfabeto” e gramática. Esse seria o tom que já não ficavam dependentes do arbítrio tinha de marchar a pé daqui para ali, para de cada um e obedeciam a regras rigidamente O profissional da dança não pode mais mantido nos manuais escritos por dois de seus lições pagas com usura” (Sucena, 1988, p.34). estabelecidas. (Pasi, 1991, p.38) dominar apenas o corpo que dança – precisa alunos: De pratica seu arte tripudii (Prática ou dominar também as letras. Os manuais arte da dança), de Guglielmo Ebreo; e Libro Afinal, a esse mestre e professor de Alguém precisava educar os corpos nessa estabeleciam uma hábil estratégia de saberes dell’arte del danzare (Livro sobre a arte de dança cabia uma missão especial. Como a direção. E os professores de dança e seus e poderes para o governamento dos corpos dançar), de Antonio Cornazzano. pesquisadora Rosa Primo salienta, há, na manuais representam o ápice desse processo, que dançam. Quem podia ensinar e aprender Renascença, uma passagem do corpo nômade no qual se estabelece quem pode e sabe dança, passava a ser, nas cortes europeias, Somam-se a esses títulos diversas obras6 ao corpo metrificado. Vão se desenhando ensinar dança. Ao mesmo tempo, esse saber quem dominava a escrita e a leitura. que instituíram inúmeras lições, como: L’art estratégias que alteram a relação da dança passa a ter uma senha de acesso: a escrita e a et instruction de bien danser (Paris, 1496), de e do corpo. O caráter “popular” da dança leitura. Depois de séculos em que o corpo era As lições de dança proliferaram em muitas Michel Toulouze; Il ballarino (Milão, 1577), de começa a ser “higienizado”, a fim de ser o meio para o ensino da dança, os manuais publicações. Entre 1435 e 1436, é lançado Fabrizio Caroso; Orchésographie7 (Paris, 1588), aceito nos salões da corte. E a dança e o inauguram uma nova era. Se, por um lado, De arte saltendi et choreas ducendi (A arte de Thoinot Arbeau; e Nuove invenzione di balli corpo que dança devem se transformar, essa mídia possibilita maior circulação desse de dançar e dirigir coros), de Domenico de (Milão, 1604), de Cesari Negri. Em todos configurando novos padrões. A dança da corte saber, por outro, numa Europa de grande Piacenza, que sistematiza os movimentos do eles, além das prescrições técnicas sobre começa então a abdicar da improvisação e da contingente de camponeses analfabetos, dançar. Na primeira parte da obra, o autor os movimentos e os passos, transparecia a liberdade de movimentos para se encaixar em esse saber estaria reservado a poucos, estabelece uma gramática do movimento a regras estabelecidas. E aí reside a importância predominantemente à aristocracia. partir de elementos “constituintes da dança: 6 As obras citadas estão disponíveis no site da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, na seção Dance Instruction Manuals, dos manuais e dos mestres de dança. métrica, comportamento, memória, percurso e com exceção do livro de Toulouze, citado por Bourcier. Assim, a dança, arte do corpo, ganha aparência” (Bourcier, 2001, p.65); na segunda Uma vez que não podiam espinotear e entregar- 7 A obra tem um subtítulo que faz referência ao fato de se constituir se a explosões de alegria, como os camponeses, novo status, pois começa a contar com a parte, faz a descrição dos 12 passos que como um tratado em forma de diálogo para todos os que desejam os nobres adotavam atitudes mais comedidas legitimidade de uma produção de saber precisam ser aprendidos. A normatização da aprender ou praticar “o honesto exercício da dança”.

DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS By Airton Tomazzoni By Airton Tomazzoni This pedagogical quality is made evident by Dance’s change in status brought by manuals language teachers had to walk everywhere, to Once they could not leap and give in to the investment in the publication of manuals, was followed by the rising prestige of dance teach lessons paid with avarice” (SUCENA, explosions of joy, like the peasants, noblemen especially after the European Renaissance. It teachers. This can be seen in many historical 1998, p.34), as he narrated the country´s adopted more restrained attitudes and, often, opposite ones. The masters of ceremony, or can also be noted in the emphasis with which accounts. “Dance teachers didn´t belong to situation in his book Brésil. Dance was given of dance, organized that were no longer they appear in the current bibliography of a lower social class: they were part of the such importance that language teachers didn´t dependent on each participant’s free will and dance history.4 Since popular dances were princes´ immediate circle” (Bourcier, 2001, have the same prestige as dance teachers. obeyed the strictly established rules. (Pasi, already being put into metric verse and p.64). They often performed diplomatic duties 1991, p.38) appropriated by European courts, throughout and could even replace the bride´s father in After all, dance teachers and masters had a the 15th century they found the means to ceremonies in which the bride was introduced special mission. As researcher Rosa Primo Someone had to educate the bodies in such document and spread dance knowledge: to the groom’s family. In some cities, like points out, there is a transition from a direction. Dance teachers and their manuals manuals. Thus, a new professional emerges Venice, this ceremony took place as a silent nomad body to a metrical body during the are the icons of this process, which established in European courts: the dancing master, no período renascentista. Renaissance. Strategies that change the who can and know how to teach dance and, at responsible for teaching metrics and the right relationship between dance and the body the same time, this knowledge starts to have a steps. The occupation had great importance Such influence can be noicted even in Brazil, start to emerge. The “popular” quality of password: writing and reading. After centuries and prestige at the time. The master was not where the court only arrived three centuries dance begins to be “sanitized” in order to be of the body being means to dance teaching, only supposed to create choreographies, but after the official Discovery. Sucena reports accepted in the court ballrooms. Dance and manuals inaugurated a new era. If, on one also to document and teach them. It wasn´t that explorer Ferdinand Denis made sure to the body that dances must be transformed, hand, this media allows greater circulation of enough for the master to create and execute emphasize that “while the danseur5 was driven configuring new standards. Court dance this knowledge, on the other, Europe had a dance, he must also be a good teacher. in a luxurious carriage and was very well paid, started to give up improvisation and freedom large population of illiterate peasants and this of movements in order to fit in established knowledge was the privilege of a few, mainly rules. There lies the importance and manuals the aristocracy. 4 I refer to some of main books in Portuguese attempting to 5 French expression used to designate dance professionals at trace the history of dance: Bourcier (2001), Caminada (1999) the time: master, dancer, choreographer. and dance masters. and Portinari (1989). idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 14 15 Vol. 4 – Agosto / August 2011 DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA Por Airton Tomazzoni Por Airton Tomazzoni preocupação com o “bem dançar”, ou com próprio Rei-Sol que vinha iluminar as trevas discurso real deixa clara a relação da aos nobres, mas a todos os que, tendo o o exercício de uma “dança honesta”. Lições que ameaçam o mundo, subindo ao palco dança com o poder, educando aqueles perfil adequado, desejavam se dedicar à estéticas, éticas e morais eram explicitadas por um inédito sistema de elevação e em que devem servir ao rei. A dança parece dança. Os objetivos reais tinham discursos e nesses manuais. meio a um requintado show pirotécnico. Ali ter o papel de adestramento e reafirmação práticas pedagógicas de dança que visavam à se desenhava a figura do primeiro-bailarino da estrutura social. universalização de posturas e condutas. Esses Foi em meio a esse cenário de mestres e (astro principal e mais importante), que marca objetivos, explícitos no projeto da Escola da manuais de dança que nasceu a primeira a produção do balé no mundo até hoje. O grande passo nessa direção foi a criação Academia Real de Dança, encontram eco escola oficial de dança, em Paris, constituída da Escola da Academia, em 1713, que se nos princípios da pedagogia moderna. Como em 1661 por Luís XIV: a Academia Real de Com a Academia Real de Dança, o soberano tornaria um referencial mundial no ensino prescreve a Didática magna, de Comenius, é Dança8. O soberano, símbolo das monarquias estabelece uma relação oficial entre o Estado da dança clássica: a Escola da Ópera de Paris. preciso: absolutistas europeias, desenharia um eficiente e a dança, guiado pela “vontade de imobilizar Em seus preceitos reside uma série de regras um professor para muitos alunos que se jogo de saberes e poderes em torno da dança. o movimento em regras, cujo objetivo é rígidas de dança, desde as posições de pés e acham num mesmo nível de aprendizagem, Em 1651, Luís XIV, aos 13 anos, participou fornecer-lhe um rótulo oficial de beleza braços até metodologias de aprendizados da transmitindo a todos e ao mesmo tempo um como bailarino do Ballet de Cassandre e, três formal” (Bourcier, 2001, p.113). A dança passa técnica clássica que deveriam ser seguidas mesmo saber, sempre com o mesmo método, e meses mais tarde, demonstrou suas habilidades a ter, oficialmente, uma instituição responsável em todas as aulas e por todos os alunos. É necessariamente acompanhado por um mesmo em Ballet des fêtes de Bacchus. Mas seria em por sua normalização. Em trecho de carta, estabelecido um conjunto de conhecimentos texto. Essa cena, repetida nas outras salas de aula da escola e, por sua vez, em todas e em 1653, com o Ballet de la nuit, que mostraria a Luís XIV traduz o entendimento da arte da de dança que, se obedecidos, permitiriam cada uma das salas de um mesmo território. eficácia do espetáculo de dança como forma dança que a Academia tinha, ao enfatizar que a construção de um corpo dançante ideal, Todos ao mesmo tempo, todos tratando dos de adulação real. Na obra, ele encarnou o a dança é “uma das [artes] mais vantajosas buscado pelo projeto estético do balé. mesmos temas, do mesmo modo e com os e úteis à nossa nobreza e às pessoas que têm mesmos recursos. Essa é a pedagogia pintada 8 Cabe enfatizar a importância e a prerrogativa da dança a outros a honra de nos servir, não só em tempo de Mas, mais do que isso, a Escola expõe uma pela pedagogia comeniana. Essa é a paisagem campos do saber nessas instâncias de poder do reinado de Luís XIV, guerra, mas também em tempo de paz, nos ampliação do alcance desses saberes. Trata- pintada pela pedagogia moderna (Narodowsky, uma vez que “a Academia de Inscrições e Letras só será constituída 2001, p.74). em 1663, a de Ciências, em 1666” (Bourcier, 2001, p.114). nossos ” (Portinari, 1989, p.66-67). O se de uma instituição destinada não apenas

DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS By Airton Tomazzoni By Airton Tomazzoni At the same time, dance, art of the body, rises The normalization of dance would gain the instructions about movements and dance spectacle as a form of royal adulation in 1653, to a new status, because it starts to count characteristics of a primer, with an “alphabet” steps, but also concerns about “dancing well” with Ballet de la nuit. He played the Sun-King on the legitimation of written knowledge and grammar. This would be the tone used in or about the exercise of an “honest dance”. that came to bring light to the shadows that production: books. Dance professionals no other manuals written by two of his pupils: Aesthetic, ethic and moral lessons were threatened the world, going up on stage longer had to dominate only the dancing body, De Pratica Seu Arte Tripudii (Practice or art of explained in the manuals. through an unprecedented elevating system but they must also dominate written language. dance), by Guglielmo Ebreo, and Libro Dell’arte and elaborate pyrotechnics. That´s when the Manuals established a skillful strategy of Del Danzare (Book about the art of dancing), by The first official dance school was created in role of lead dancer (the main star) was first knowledge and power for the government of Antonio Cornazzano. Paris, France, amidst the scene of masters and outlined and to this day, he marks ballet dancing bodies. In European courts, those who manuals. The first official institution was built production around the world. can teach and learn dance were those who Countless works6 also established lessons, in 1661, by Louis XIV: the Académie Royale dominated writing and reading. such as: L´art et Instruction de bien danser (Paris, de Danse.8 Besides representing the symbol With the Académie Royale de Danse, the ruler 1496), by Michel Toulouze; Il Ballarino (Milan, of European absolute monarchies, the ruler established an official relationship between Thus, dance lessons started to spread in many 1577), by Fabrizio Caroso; Orchésographie7 drew an efficient game of knowledge and the State and dance, driven by the “wish to publications. Between 1435 and 1436, the (Paris, 1588), by Thoinot Arbeau; and Nuove power around dance. In 1651, a thirteen-year- immobilize movement in rules, whose goal was book De arte saltendi et choreas ducendi (The Invenzione di balli (Milan, 1604), by Cesari old Louis XIV was a dancer of the Ballet de to provide them with an official label of formal art of dancing and directing choruses) written by Negri. All of them had not only technical Cassandre. Three months later, he displayed beauty” (Bourcier, 2001, p.113). Dance now had Domenico de Piacenza, systematized dance his abilities in Ballet des fêtes de Bacchus. But an institution responsible for normalization. In

movements. In the first part of the book, the 6 The books quoted here are available at the website of the he would show the efficiency of the dance a letter written by Louis XI, he translates the author establishes a grammar of movement Library of Congress, in the Dance Instruction Manuals section: Académie’s understanding of the art of dance, except for the Toulouze’s book quoted by Bourcier. based on elements that were “components of 8 The importance and prerogative of dance to other fields of as he highlights that dance is “one of the dance: metrics, behavior, memory, routine and 7 The subtitle of the book refers to the fact that is a dialogue knowledge must be stressed in the context of the government of most beneficial and useful to our nobility and appearance” In the second part, he describes style treaty for all the people who wished to learn or practice Louis XIV, since “the Académie des Inscriptions et Belles-Lettres the people who have the honor to serve us, “the honest exercise of dance”. was only created in 1663 and the Académie des sciences, on twelve steps that dancers had to learn. 1666” (Bourcier,2001, p.114). not only at times of war, but also at times of idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 16 17 Vol. 4 – Agosto / August 2011 DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA Por Airton Tomazzoni Por Airton Tomazzoni No projeto pedagógico da Escola Real de de 1700, de Raoul-Auger Feuillet, aluno de Dança, a trama de saberes e poderes fica Beauchamps que chega a distinguir 460 passos evidenciada e se complementa em manuais diferentes, entre eles pliés, tombés, glissés, jetés. que se especializam com esse fim. O grande Outro livro é Le maitre à dancer (O professor articulador da metodologia e da gramática do de dança) de 1725, de Pierre Rameau. As duas balé foi Pierre Beauchamps, que estabeleceu publicações ajudaram a fixar as regras do balé. as cinco posições básicas do balé, em voga até hoje. Ele próprio não escreveu nenhum manual, Se, num primeiro momento, a maior parte mas suas lições foram perpetuadas por outros desses livros era produzida na Itália, em pouco mestres de dança do período.9 mais de um século essa produção revelaria centralidade na França absolutista. Afinal, os A primeira obra com esses preceitos seria manuais parecem a mais perfeita tradução dos La chorégraphier ou l’arte de écrire la danse par valores caros ao absolutismo: a imutabilidade caracteres, figures et signes démonstratifs avec e a tradição. Suas regras rígidas buscavam lesquels on apprend facilment de soy-même toutes não deixar margem para que outros passos sortes de danses (A coreografia ou a arte de fossem dados e outras danças tomassem os descrever a dança por caracteres, figuras e sinais salões. O importante era preservar o baile, tal demonstrativos através dos quais se aprende como era, para conquistar o maior número de facilmente por si mesmo todos os tipos de dança), participantes. Essa influência deixou marcas até hoje, por exemplo através da utilização do 9 Bourcier menciona ainda dois manuscritos de Andre Lorin que vocabulário francês, amplamente conhecido tratariam de registrar a obra de Beauchamps, cujos títulos o pesquisador não cita, e que seriam: Livre de contredance présenté au para designar e nominar passos e práticas de roy (1685) e Livre de la contredance du Roy (1688). dança, como pliés, tombés, jetés. As lições não

DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS By Airton Tomazzoni peace, in our ballets” (Portinari, 1989, p.66-67). also for those who wished to pursue dance, The royal speech makes clear the relationship provided they had the adequate profile. The between dance and power, educating those royal goals had established dance teaching who served the king. Dance seems to have the discourses and practices that could reach not role of schooling and reinforcing the social only the noblemen of the court, in a project of structure. generalizing postures and conducts.

The great step in this direction was the These goals are clear in the project of the creation of the Académie’s school, in 1713. It Académie’s school and found echoes in would become an international reference in the principles of modern pedagogy. Like classic dance teaching: the School of the Paris Comenius’s Didática Magna dictates, it takes: Opera. The school’s precepts had a series of one teacher for several students on the same strict dance rules, from the position of feet and level, transmitting the same knowledge to arms, classic technique learning methodologies everyone, at the same time, always with the that should be followed in every class, by same method, and following by the same every student. A body of dance knowledge was text. This scene was repeated in the other established. If complied with, this body allowed classrooms at the school and in each and every classroom in the same territory. All at the same the construction of the ideal dancing body time, every one following the same subjects, pursued by ballet’s aesthetic project. O professor de dança é o tema in the same way and with the same resources. de Le maitre à dancer, de 1725. This is the pedagogy portrayed by comenian Furthermore, the school exposed a widening The dance teacher is the theme pedagogy. This is the landscape painted by of the reach of knowledge. The school is an of Le mâitre à danser, (1725). modern Pedagogy (Narodowsky, 2001, p.74). institution destined not only to aristocrats, but idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 18 19 Vol. 4 – Agosto / August 2011 DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA Por Airton Tomazzoni Por Airton Tomazzoni se deram apenas na doutrinação do corpo que Mestres e manuais passaram a fazer parte do como o decreto do papa Zacarias, em 774, dança, mas nos discursos sobre a dança, nos universo das lições de dança, e, mesmo fora contra “os movimentos indecentes da dança”. modos de falar sobre dança. da corte, estes últimos continuaram tendo uma vasta e influente produção. American Reeditando essa posição, surgiram manuais Mais uma vez, tais lições permitem perceber Dancing Master and Ball-Room Prompter, de Elias como Immorality of Modern Dances, editado os jogos de poder nelas envolvidos. E se eles Howe, publicado em 1862, pretendia ser um por Beryl and Associates em 1904, em estavam sendo articulados especialmente na dos mais completos hand books de dança de Nova York, e destinado a todos aqueles que França (centro político e econômico de então), salão, contendo cerca de 500 danças, entre reconhecem “o dano causado pelas modernas tudo o que era lá produzido reverberava por elas, o minueto, a polca, a valsa, o schotschi, danças para as almas do rebanho, mas que todos os que desejavam participar do jogo. a mazurca. O livro, com figuras e descrições, se veem sem forças para suprimir o mal” fornecia ainda regras de comportamento e (p.11). Somam-se títulos mais antigos, como Ao lado destes jogos de poder, também os etiqueta de dança. Social Dancing Inconsistent with a Christian manuais começam a aparecer em outros Profession and Baptismal Vows: A Sermon, países da Europa, como Portugal. O Tratado Todo esse movimento não deixou de revelar de Palmer B.M., de 1846, que tratava da dos principaes fundamentos da dança, escrito por ambiguidade, ao produzir uma série de incompatibilidade das danças sociais com Natal Jacome Bonem e publicado em Coimbra manuais contrários às danças e orientando os os hábitos cristãos. Mesmo o forte apelo à em 1767, é um deles. É um dos raros manuais mestres nesse sentido, de modo semelhante ao dança que tomou conta da América no final preservados em língua portuguesa. Revela a tratamento dado à dança pela Igreja na Idade do século XIX e início do XX convivia com associação da dança com as condutas sociais Média. “Os testemunhos mais interessantes outros discursos e práticas, como as religiosas, das “pessoas honestas” e “polidas”, num sobre a dança religiosa da Idade Média são, envolvidos na significação deste universo Dança, honestidade e polidez são temas tratados no primeiro processo de formação, e por que não dizer de manual em português, oferecido a “toda nobreza portuguesa”. antes de mais nada, os interditos que não simbólico. A arena cultural promovia embates formatação, que implica até mesmo o andar e o cessaram de atingi-la” (Bourcier, 2001, p.46), em que a dança era o pivô. Dance, honesty and courtesy are mixed in the first manual in saudar e demais hábitos que o mundo solicita. Portuguese offered to “all Portuguese Nobility”.

DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS By Airton Tomazzoni By Airton Tomazzoni In the pedagogical project of the Académie’s of dance), written in 1700 by Raoul-Auger school, the web of knowledge and power is Feuillet, one of Beauchamps’ pupils, who has made evident and is complemented by distinguished 460 different steps, including pliés, manuals specialized in that purpose. The tombés, glissés, jetés. Besides, there was also Le great articulator of ballet methodology mâitre à danser (The dance teacher), written and grammar was Pierre Beauchamps, who by Pierre Rameau at 1725. Both books helped established the five basic positions used fixate the rules of ballet. to this day. However, he didn’t write any manuals, but they were passed on by other At first, most of these books were produced dance masters at the time.9 in Italy. A little more than a century later, this production revealed the central position The first book with these rules was La of absolutist France. After all, the manual Chorégraphier ou l´Arte de écrire la danse par seemed like the most perfect translation of the caracteres, figures et signes démonstratifs avec values cherished by absolutism: immutability lesquels on apprend facilment de soy-même and tradition. The strict rules of manuals toutes sortes de danses ( or the art attempted not to leave any room for other of describing dance with characters, figures and steps to be taken and other dances to take signs through which one can easily learn all types over ballrooms. The important thing was to maintain the ball as it was and as it should remain, conquering the largest number of Obras como o American Dancing Master and Ball-Room Prompter 9 Bourcier menciona ainda dois manuscritos de Andre Lorin que Certos manuais, como o Immorality of Modern Dances, de 1904, ensinavam mais de 500 danças diferentes. tratariam de registrar a obra de Beauchamps, cujos títulos o participants. It wasn’t by chance that this alertavam para o perigo das danças à religião. pesquisador não cita, e que seriam: Livre de contredance présenté Books like American Dancing Master and Ball-Room Promptert au roy (1685) e Livre de la contredance du Roy (1688). influence left marks that last to this day. The Some manuals, like Immorality of Modern Dances, de 1904, taught more than 500 different dances. French vocabulary is still used and is widely also warned against the religious threat of dance. idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 20 21 Vol. 4 – Agosto / August 2011 DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA Por Airton Tomazzoni Por Airton Tomazzoni Em meio a esses debates, a dança parece que No novo século, os manuais de dança ganhou novo fôlego, e tais interditos tiveram popularizam-se, como reflexo também das de coexistir com uma franca produção que, mudanças econômicas e culturais, entre as ao longo do século XX, continuou a convocar quais o crescimento de um mercado editorial todos a aprenderem dança de maneira fácil, que deseja ampliar seu público e firmar um rápida e fascinante. A mudança não provinha novo segmento: o do entretenimento – que apenas das danças em voga, mas também teria nos frequentadores dos bailes uma fonte das seduções midiáticas que se popularizavam de renda cada vez maior. Na trama cultural cada vez mais. Afinal, ver fotos de casais do século XX, a dança passa a se inserir dançando por si só era um acontecimento, em novas conexões de saber/poder para um entretenimento e uma singular experiência acompanhar as mudanças político-econômicas, estética. constituindo suas lições no embalo de uma nova época, mas trazendo marcas que nem Tais obras mantiveram sua produção, mas são apagadas nem simplesmente deixadas mudando de conteúdo (acompanhando as para trás. danças da moda) e atualizando suas lições estratégicas. Em 1919, Charles Coll publicava A reverberação dessa tradição aparece em o manual ricamente ilustrado Dancing Made inúmeros artefatos e modos pedagógicos, que Easy, cujo título enfatizava a facilidade de se reeditam os manuais a partir dos recursos aprender a partir dos recursos pedagógicos tecnológicos disponíveis na mídia. Foi assim ali contidos. que, a partir da década de 1980, o mercado brasileiro passou a contar com a videoaula, ainda presente no mercado dançante da

DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS By Airton Tomazzoni known to designate and name dance steps and conduct of “honest” and “educated people, in a practices, like pliés, tombés, jetés. The lessons training process or even a formatting process, didn’t take place only in the indoctrination of which implicate even the walking and salutes the dancing body, but also in the discourses besides other habits required by society. about dance, in the ways to talk about dance. Masters and manuals became part of the Once again, dance lessons allowed the dance lesson universe. And even outside the perception of the power games involved court, this kind of artifact continued to have in them. These power games were being a large and influential production. Works like articulated specially in France (political and Elias Howe’s American dancing master and ball- economical center at the time), what was room prompter, published in 1862, intended produced there reverberated in all those who to be one of the most complete ballroom wished to be part of the game. dancing hand books, holding around five hundred dances, including minuet, , , Along with them, manuals also started to schotschi, the mazurka. The book had pictures appear in other countries in Europe, like and descriptions and even provided rules of Portugal. One of them was Tratado dos behavior and etiquette in dance. principaes fundamentos da dança (Treaty of the main foundations of dance), written by Natal But this whole movement revealed its Jacome Bonem and published in Coimbra, in ambiguities, producing a series of manuals 1767. Besides being one of the few preserved opposed to dance and instructing masters in No século XX, a fotografia trouxe uma nova On the 20th century photography brought a manuals in Portuguese, the piece reveals the percepção dos corpos que dançam. new perception of dancing bodies. that way, similar to the treatment of dance associations between dance and the social by the church in the Middle Ages. “The most idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 22 23 Vol. 4 – Agosto / August 2011 DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA Por Airton Tomazzoni Por Airton Tomazzoni pós-modernidade. Entre as que vêm sendo anos em sites como o do Caldeirão do produzidas desde então, está a coleção da Huck, ensinando a Dança do créu, ou no do Palladino Dança Social, que inclui fitas para Domingão do Faustão, com diferentes estilos ensinar a dançar bolero, forró, country, semanalmente disponíveis para internautas, samba, salsa, rock, tango e valsa, entre durante a última edição do quadro “Dança dos outros. Na videoaula de bolero, a ideia de famosos”. De forma semelhante, proliferam passos básicos como a dos antigos manuais na internet vídeos no YouTube que ensinam a está presente. dançar os mais diferentes tipos de dança, do tango ao rebolation. Os manuais se perpetuam Atualmente essa produção se dissemina em novos meios e formatos tecnológicos, valendo-se de outro suporte: o DVD, como reeditando as lições de dança, agora com o Curso completo de dança do ventre e mesmo recursos audiovisuais cada dia mais refinados o DVD Instruções de dança – Vídeo Aula, em e que, talvez, enfatizem uma lição: a de que, cujo site vinha a justificativa: “Esse é o independentemente do gênero e do estilo, primeiro DVD que estaremos lançando, é devemos ser sujeitos MUITO dançantes. o começo de uma série (...) nosso desejo é que esses produtos possam equipar os Há nesse contexto uma complexa política de ministérios de dança na igreja do Senhor corpos que dançam continuamente solicitando no Brasil e nas nações.” não apenas essa ou aquela postura em relação A ideia de que é fácil aprender a dançar era reforçada por à dança, mas também posturas em relação a si gráficos e esquemas em Dancing Made Easy. Ao lado dos DVDs, os sites também vêm mesmo, aos outros, à vida. É nessa perspectiva The idea is that it’s easy to learn how to dance was reinforced by abrindo espaço para o passo a passo da que busco perceber que, historicamente, resources like graphics and diagrams in Dancing Made Easy. dança. Tais opções apareceram nos últimos a dança sempre esteve associada a um

DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS By Airton Tomazzoni By Airton Tomazzoni interesting testimonies about religious dance the signification of symbolic universe, such as learn with the pedagogical resources of the 1980’s. To this day, they are still part of the in the Middle Ages are, above all, the interdicts religion. The cultural arena incited clashes in manual. post-modern dancing market. Out of the many that never ceased to target it” (Bourcier, 2001, which dance was the pivot. videos produced since then, the collection p.46), such as the decree of Pope Zachary, in In the new century, dance manuals became Palladino Dança Social had tapes teaching how the year 774, against “the indecent movements In such battles, dance gained momentum and popular. The popularity was also a reflex to dance bolero, forró, country, samba, salsa, of dance”. the interdicts would have to co-exist with a of economical and cultural changes, like the rock, tango, among others. In the bolero strong production that continued to summon growth of the editorial market in need of more video-lessons, the idea of basic steps like those Re-editing this stance, manuals like Immorality all to dance in an easy, fast and fascinating consumers and a new segment: entertainment, in old manuals is present. of modern dances emerged in 1904, edited by way throughout the 20th century. The change which had an increasing source of income in Beryl and Associates in New York. Aimed at didn´t take place only in regards to the dances ballroom dancers. In the cultural landscape of Currently, this production proliferates in all those that recognized the “havoc caused in vogue, but also the available media-related the 20th century, dance began to be inserted countless dance classes, but also using another by modern dancing to the souls of their allures that were getting more and more in new connections of knowledge/power that device: DVDs, like the Curso completo de Dança flocks, but they seem powerless to suppress popular. After all, seeing pictures of couples followed political/economic changes, forming do Ventre (Complete course on Belly Dancing) and the evil” (p. 11). Along with this book, there dancing was already a fascinating happening its lessons in the flow of the new era, but even DVD –– Instruções de Dança –– Vídeo Aula were older titles like Social dancing inconsistent and entertainment, a singular aesthetic bringing marks that weren´t erased or simply (DVD – Dance Instructions – Video-class). At the with a Christian profession and baptismal vows: experience. left behind. website of the latter, there was a small text a sermon, written by Palmer B. M., in 1846. It justifying the use of the format: “This is the dealt with the incompatibility of social dances Such works kept being produced, but changed This tradition reverberated in countless first DVD we are launching, it´s the beginning and Christian habits. Even the strong appeal the contents (following the dances in vogue) artifacts and pedagogical ways that of a series (…) our wish for these products is to dance that was taking over the United and adapted strategic lessons to the new forms reconfigured manuals, following technological to equip dance ministries in the church of the States in the end of the 19th century and the that emerged. In 1919, Charles Coll published a resources available in the media. That´s how Lord in Brazil and other nations”. beginning of the 20th century existed alongside richly illustrated manual entitled Dancing made the market in Brazil started, at first, to count other discourses and practices involved in easy. The title emphasized how easy it was to on the introduction of video-lessons after the idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 24 25 Vol. 4 – Agosto / August 2011 DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA Por Airton Tomazzoni Por Airton Tomazzoni investimento na produtividade de corpos que Compreender essa faceta não é reduzir a educação e poder. Afinal, como já enfatizou se movem sob certas regras. Lições que, sob dança a estratégias de controle, mas também o cineasta Jean-Luc Godard, “Il ne peut y o véu da arte e do lazer, não escondem as não é apagar esse seu lado. O que saliento avoir resistance sans memoire”, ou seja, poderosas e eficazes maneiras de constituir é que se há de ter atenção às ambiguidades sem memória, não pode haver resistência. E sujeitos. Em certas épocas, era importante que envolvem os aparatos pedagógicos da talvez, neste sentido, a quase total ausência construir sujeitos polidos e recatados; em dança, em especial os que se caracterizam de análise referente aos manuais de dança outras, sujeitos estimulados a nunca ficar como manuais. Há neles um constante jogo possa ser entendida não apenas como descaso parados, talvez nem para se darem conta de de poderes, tanto em direção à captura desses e desinteresse, mas como estratégia para sua condição. Mas sempre há a busca pelo corpos em movimento quanto à resistência naturalizar refinadas práticas de governamento controle da produção de sujeitos de um certo possível de corpos fugidios que transitam por de sujeitos, no embalo da dança. tipo, buscando o governamento desses corpos. entre as malhas do controle. Afinal, cabe reconhecer também que O investimento nos corpos que dançam qualquer um pode tentar capturar o vento, (ou que podem e devem vir a dançar) o mar, a terra, mas eles sempre serão mais estabelece modos de subjetivação complexos do que podemos apreender. Do ponto de vista e sedutores. Nessas danças e nesses modos da ordem e do controle políticos, assim, a carne de dançar, foram (e continuam) se “colando” elementar da multidão é desesperadamente sentidos culturais, instruções, orientações fugidia, pois não pode ser inteiramente enfeixada nos órgãos hierárquicos de um de condutas e comportamentos. E, neste corpo político. (Hardt e Negri, 2005, p.251) movimento, aprender dança vai se tornando uma importante tarefa cultural, cada vez Procurei, com este breve apanhado histórico, mais valorizada. traçar um mapa que provisoriamente me ajudasse a trafegar por vias que ligam dança,

DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS By Airton Tomazzoni By Airton Tomazzoni Besides DVDs, websites have also been an investment in the productivity of bodies that Understanding this aspect doesn’t mean and power. After all, filmmaker Jean Luc opening space for dance classes, teaching step move under certain rules. Under the veil of art reducing dance to control strategies, but Godard already stressed that “Il ne peut y by step. Such options appeared in the last and entertainment, these lessons don´t hide it also doesn’t mean erasing this other avoir resistance sans memoire”. Without years in the website of Brazilian TV programs the powerful and effective ways to construct side. What I point out is that we must pay memory, there cannot be resistance. And like Caldeirão do Huck or Domingão do Faustão, subjects. At certain times, it was important to attention to the ambiguities involved in the maybe, the almost total absence of analysis of with different styles available at each week. construct polite and modest subjects, at other pedagogical apparatus of dance, especially dance manuals can be understood not only as Similarly, widespread Youtube videos teach times, subjects that would never stop, maybe those characterized as manuals. There is neglect and indifference, but also as a strategy the most different kinds of dance, from tango not even to become aware of their condition. a constant game of power, both towards to naturalize refined government practices of to rebolation, step by step. Manuals perpetuate But there is always a search for control in the capture of these moving bodies and the subjects, going with the flow of dance. themselves in new mediums and technological the production of subjects of a certain kind, possible resistance of bodies that move outside formats, reissuing dance lessons, now with seeking the government of those bodies. the webs of control. After all, we must also increasingly refined audiovisual resources, acknowledge that which perhaps currently emphasize one lesson: The investment in dancing bodies (or bodies anyone can try to capture the wind, the sea, regardless of gender and style, we must be that could and should come to dance) the earth, but there will always be more than VERY dancing subjects. establishes complex and seductive modes we can apprehend. From the point of view of of subjectification. Cultural meanings, order and political control, thus the elementary In this context, there is a complex politics of instructions, conduct and behavior orientations flesh of the multitude is desperately fleeting, the bodies that dance, which is continuously were (and still are) attached to these dances for it can´t be entirely fixed within the hierarchic organs of a political body (Hardt;Negri, requiring this or that posture regarding dance. and ways of dancing. And in this movement, 2005, p.251). These requirements also extend to postures learning dance becomes an important cultural regarding oneself, the others and life. Through task, more and more valued. In this brief historical panorama, I attempted this perspective, I seek to perceive that dance to draw a map that would temporarily help me has always been historically associated with navigate paths that connect dance, education idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 26 27 Vol. 4 – Agosto / August 2011 DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA DANÇANDO E APRENDENDO A SER: ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO NOS MANUAIS DE DANÇA Por Airton Tomazzoni Por Airton Tomazzoni BIBLIOGRAFIA HARDT, Michael e Antonio Negri. Multidão: PASI, Mario. A dança e o bailado: Guia TOMAZZONI, Airton. Lições de dança no baile Guerra e democracia na era do império. Trad.: histórico das origens a Béjart. Lisboa, da pós-modernidade: Corpos (des)governados na BOURCIER, Paul. A história da dança no Clóvis Marques. Rio de Janeiro, Record, 2005. Editorial Caminho, 1991. mídia. Porto Alegre, UFRGS, 2009. Tese de Ocidente. Trad.: Marina Appenzeller. doutorado. Programa de Pós-Graduação em São Paulo, Martins Fontes, 2001. ______. Império. Rio de Janeiro, Record, PELBART, Peter Pál. Vida capital: Ensaios de Educação, Universidade Federal do Rio Grande 8ª ed., 2006. biopolítica. Iluminuras, São Paulo, 2003. do Sul, Porto Alegre, 2009. CAMINADA, Eliana. História da dança: Evolução cultural. Rio de Janeiro, Sprint, 1999. LARROSA, Jorge. “Tecnologias do eu e PEREIRA, Roberto. “Gruas vaidosas”, Lições VEIGA-NETO, Alfredo. “Coisas de governo...”, educação”, in Tomaz Tadeu da Silva (org.). de Dança 1, Rio de Janeiro, UniverCidade, n.1, in Margareth Rago, Luiz B. Lacerda Orlandi, DELEUZE, Gilles. “Post scriptum sobre as O sujeito da educação: Estudos foucaultianos. 1999, p.217-240. Alfredo Veiga-Neto (orgs.). Imagens de Foucault sociedades de controle”, in Gilles Deleuze, Petrópolis. Vozes, 1994, p.35-86. e Deleuze: Ressonâncias nietzschianas. Rio de Conversações. Rio de Janeiro, 34 Letras, PORTINARI, Maribel. História da dança. Rio de Janeiro, DPA, 2002, p.13-34. 1992, p.219-226. MARSHAL, James. “Governamentalidade Janeiro, Nova Fronteira, 1989. e educação liberal”, in Tomaz Tadeu da FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis, Silva (org.). O sujeito da educação: Estudos PRIMO, Rosa. A dança possível: As ligações da Vozes, 1987. foucaultianos. Petrópolis, Vozes, 1994. dança numa cena. Fortaleza, Expressão Gráfica e Editora, 2006. ______. História da sexualidade I: A vontade de NARODOWSKY, Mariano. Comenius & a saber. Rio de Janeiro, Graal, 10ª ed., 1988. Educação. Belo Horizonte, Autêntica, 2001. SUCENA, Eduardo. A dança teatral no Brasil. Rio de Janeiro, Fundação Nacional de Artes ______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Cênicas, 1988. Graal, 1990.

DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS DANCING AND LEARNING TO BE: STRATEGIES OF SUBJECTIFICATION IN DANCE MANUALS By Airton Tomazzoni By Airton Tomazzoni

REFERENCES HARDT, Michael e Antonio Negri. Multidão: PASI, Mario. A dança e o bailado: Guia TOMAZZONI, Airton. Lições de dança no baile Guerra e democracia na era do império. Trad.: histórico das origens a Béjart. Lisboa, da pós-modernidade: Corpos (des)governados na BOURCIER, Paul. A história da dança no Clóvis Marques. Rio de Janeiro, Record, 2005. Editorial Caminho, 1991. mídia. Porto Alegre, UFRGS, 2009. Tese de Ocidente. Trad.: Marina Appenzeller. doutorado. Programa de Pós-Graduação em São Paulo, Martins Fontes, 2001. ______. Império. Rio de Janeiro, Record, PELBART, Peter Pál. Vida capital: Ensaios de Educação, Universidade Federal do Rio Grande 8a ed., 2006. biopolítica. Iluminuras, São Paulo, 2003. do Sul, Porto Alegre, 2009. CAMINADA, Eliana. História da dança: Evolução cultural. Rio de Janeiro, Sprint, 1999. LARROSA, Jorge. “Tecnologias do eu e PEREIRA, Roberto. “Gruas vaidosas”, Lições de VEIGA-NETO, Alfredo. “Coisas de governo...”, educação”, in Tomaz Tadeu da Silva (org.). Dança 1. Rio de Janeiro, UniverCidade, n.1, in Margareth Rago, Luiz B. Lacerda Orlandi, DELEUZE, Gilles. “Post scriptum sobre as O sujeito da educação: Estudos foucaultianos. 1999, p.217-240. Alfredo Veiga-Neto (orgs.). Imagens de Foucault sociedades de controle”, in Gilles Deleuze, Petrópolis. Vozes, 1994, p.35-86. e Deleuze: Ressonâncias nietzschianas. Conversações. Rio de Janeiro, 34 Letras, 1992. PORTINARI, Maribel. História da dança. Rio de Rio de Janeiro, DPA, 2002, p.13-34. p.219-226. MARSHAL, James. “Governamentalidade Janeiro, Nova Fronteira, 1989. e educação liberal”, in Tomaz Tadeu da FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Silva (org.). O sujeito da educação: Estudos PRIMO, Rosa. A dança possível: As ligações da Petrópolis, Vozes, 1987. foucaultianos. Petrópolis, Vozes, 1994. dança numa cena. Fortaleza, Expressão Gráfica e Editora, 2006. ______. História da sexualidade I: A vontade de NARODOWSKY, Mariano. Comenius & a saber. Rio de Janeiro, Graal, 10a ed., 1988. Educação. Belo Horizonte, Autêntica, 2001. SUCENA, Eduardo. A dança teatral no Brasil. Rio de Janeiro, Fundação Nacional de Artes ______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Cênicas, 1988. Graal, 1990. idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 28 29 Vol. 4 – Agosto / August 2011 O MERCADO DAS ARTES PERFORMATIVAS CONTEMPORÂNEAS NO SUDESTE ASIÁTICO. UMA VISÃO OCIDENTAL SOBRE O SETOR Por Catarina Saraiva

CONTEXTO Nessa atribuição de apoios à produção artística, O MERCADO DAS uma das premissas passa, necessariamente, ARTES PERFORMATIVAS O setor das artes performativas pela existência de um espaço de estreia e de contemporâneas é composto por três focos apresentação das criações. Como consequência, CONTEMPORÂNEAS principais de desenvolvimento: os artistas, os artistas/criadores têm que negociar com os fornecedores dos conteúdos artísticos; os detentores dos espaços ou com os promotores NO SUDESTE programadores/produtores, distribuidores dos eventos e festivais, de modo a tornar visível desses conteúdos; e o público, seu consumidor. o seu trabalho. ASIÁTICO. UMA VISÃO Atualmente, a dinâmica desse mercado na Europa ocidental funciona segundo regras Essa é uma forma simples de descrever as OCIDENTAL SOBRE O neoliberais: a produção artística é filtrada dinâmicas do setor, mas também de espelhar pelos espaços de programação e produção, o ritmo neoliberal em que esse mercado está SETOR que definem/selecionam quais serão as obras mergulhado e o desequilíbrio existente entre disponíveis no mercado, limitando, assim, a o poder do programador e o do artista. Só Por Catarina Saraiva possibilidade de escolha dos espectadores. os artistas e as companhias que gerenciam Catarina Saraiva é produtora e programadora. os próprios espaços ou que possuem um forte Depois de dez anos na direção do Alkantara, em Lisboa, em 2009 mudou-se para Madri, onde fez o mestrado em Prácticas Escénicas y Nesse jogo, as relações de distribuição – onde reconhecimento profissional têm a possibilidade Cultura Visual. Lá iniciou o laboratório de investigação Linha de Fuga, é mais relevante o poder de cada agente – são de negociar com os programadores num sistema no qual se questionam as relações entre programador e criador, e que as mais tensas. É aí que se nota a importância paritário. No fundo, todos querem atingir a terminou com uma programação artística apresentada em outubro na Casa Encendida, em Madri. Essa investigação continuou, através dos programadores no mercado. As artes, nessa audiência, mas a profissionalização do segmento de entrevistas com programadores e criadores, com o intuito de região, são apoiadas, majoritariamente, por fez com que muitos assumissem papéis bastante definir terrenos comuns para um diálogo não hierárquico entre esses profissionais. Desde setembro de 2010, é colaboradora de El Ranchito, financiamentos públicos facilitados por subsídios específicos para fazer chegar a obra ao público, projeto de investigação e apoio à criação contemporânea promovido trans-europeus, estatais, regionais ou locais. o que muitas vezes provoca conflitos. por Matadero Madrid.

PERFORMING ARTS MARKET IN SOUTHEAST ASIA. A WESTERN POINT OF VIEW ABOUT THE SECTOR By Catarina Saraiva CONTEXT premiere and presentation of art creations. THE CONTEMPORARY Consequently, artists/creators must negotiate The contemporary performing arts sector is with the owners of the spaces or the PERFORMING composed by three main development focuses: organizers of events and festivals, in order to the artists, providers of artistic contents; make their work visible. ARTS MARKET IN programmers/producers, distributors of that content; and the public, its consumers. This is a simple way to describe the dynamics SOUTHEAST ASIA. A Currently in Western Europe, the dynamics of the sector, but also to mirror the neoliberal of that market works according to neoliberal rhythm in which this market is submerged and WESTERN POINT OF rules: artistic production is filtered by the imbalance between the programmer and programming and production spaces that the artist. Only the artists and companies VIEW ABOUT THE define/select which pieces will be made that manage their own spaces or have strong available at the market, thus limiting the professional recognition have the possibility SECTOR spectator’s possibility of choice. of negotiating with programmers on an equal basis. Deep down, everybody wants to reach In this game, the relations of distribution By Catarina Saraiva audiences, but the professionalization of the – where the power of each agent is more segment made many people assume very Catarina Saraiva is a producer and programmer. relevant – are the tensest ones. This is when specific roles in taking the piece to the public, After 10 years at the direction of Alkantara in Lisbon, in 2009 she the importance of programmers in the market which often creates conflicts. moves to Madrid where she takes a master degree in Performing Studies can be noticed. In this region, the arts are Practices and Visual Culture. In the frame of this master she initiates the This power imbalance is overcome when laboratory and research project Linha de Fuga, a project which questions mainly supported by public financing facilitated the relation between programmer and creator. This project ends with an by trans-European subsidies in state, regional artists and programmers work together in artistic programme hosted in October by La Casa Encendida, in Madrid. or local levels. In this assignment of support the contextualization of pieces and events and Since September 2010 she’s part of the think tank and development group to artistic production, one of the premises in the communication of this context to its of El Ranchito, a research project dedicated to contemporary creations (ou algo assim)promoted by Matadero Madrid. is necessarily the existence of space for the public. However, the frantic pace of the sector idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 30 31 Vol. 4 – Agosto / August 2011 O MERCADO DAS ARTES PERFORMATIVAS CONTEMPORÂNEAS NO SUDESTE ASIÁTICO. UMA VISÃO OCIDENTAL SOBRE O SETOR O MERCADO DAS ARTES PERFORMATIVAS CONTEMPORÂNEAS NO SUDESTE ASIÁTICO. UMA VISÃO OCIDENTAL SOBRE O SETOR Por Catarina Saraiva Por Catarina Saraiva

Esse desequilíbrio de poderes é superado pode desempenhar para ajudar a desenvolver, e artistas, queria entender como funciona mais variadas expressões, de superproduções quando artistas e programadores trabalham através dessa arte, um espírito crítico na esse mercado, quais suas metodologias, a obras pequenas e mais experimentais, além juntos na contextualização de obras e eventos sociedade. se as dinâmicas existentes permitem o de outras oriundas de vários pontos da região e na comunicação desse contexto ao seu estabelecimento de relações paritárias e e do mundo. Singapura também promoveu um público. No entanto, o ritmo frenético do Embora pareça simplista, esta descrição equilibradas entre artistas e programadores e sistema governamental de financiamento às meio e as políticas de financiamento exigem revela o panorama da atualidade nas artes de que forma a percepção entre uns e outros artes, apesar das restrições decorrentes da dos artistas uma produção permanente, performativas contemporâneas da Europa permite gerar um espírito crítico entre esses censura implantada no país. impedindo-os de se concentrar em todos os ocidental. profissionais e promovê-lo junto do público. outros fatores igualmente importantes para as No entanto, esse cenário de apoio às artes artes. Dessa forma, o trabalho com o público O SUDESTE ASIÁTICO A situação é distinta entre os países que é único na região. O Esplanade Theatre acaba ficando nas mãos dos programadores/ visitei. Singapura é bastante ocidentalizada impulsionou o surgimento de uma nova diretores dos espaços de apresentação. Com a globalização, os problemas espelham- e segue sistemas de programação e criação profissão, a de programador. O teatro conta se de forma muito semelhante pelo mundo, muito próximos dos modelos ocidentais com cerca de 20 programadores, cada qual Se os programadores entendem a obra especialmente nas grandes cidades. No âmbito mais hegemônicos. Em 2000, Singapura responsável por um ciclo distinto: artes do criador, esta consegue ser traduzida de uma investigação independente sobre o desenvolveu o Renaissance City Plan, que visuais, teatro, dança, música etc., que deve corretamente ao espectador. Caso contrário, funcionamento desse setor e sobre as relações pretende, entre outros objetivos, posicionar abarcar as mais variadas expressões, das mais corre-se o risco de se exibir uma obra que entre programadores e criadores, interessa-me o país como uma das referências artísticas tradicionais às mais contemporâneas. será, fatalmente, incompreendida. Apesar de expandir esse conhecimento a outras regiões. do Sudeste asiático. O governo apostou trabalharem ambos para o mesmo fim, as Com apoio da Asia-Europe Foundation, ainda na construção de grandes teatros, O grande problema dessa estratégia é que ela relações que se estabelecem entre as duas realizei, recentemente, uma viagem a alguns como o Esplanade Theatre, e em amplos segue uma linha institucional que dificulta o partes estão muito mais concentradas na países do Sudeste asiático (Singapura, Malásia, eventos culturais, como o Singapore Arts desenvolvimento de ações fora das definidas produtividade do que na discussão sobre o Tailândia e Indonésia). Através de uma série Festival – dois ex-líbris nacionais. No festival, pelo governo. Mas existem iniciativas e teatros significado da arte e do papel que cada um de entrevistas feitas com programadores é possível ver artes performativas nas suas independentes, alguns mais outros menos

PERFORMING ARTS MARKET IN SOUTHEAST ASIA. A WESTERN POINT OF VIEW ABOUT THE SECTOR PERFORMING ARTS MARKET IN SOUTHEAST ASIA. A WESTERN POINT OF VIEW ABOUT THE SECTOR By Catarina Saraiva By Catarina Saraiva and the financing policies demand continuous SOUTHEAST ASIA In 2000, Singapore developed the Renaissance The big problem with that strategy is that production from the artists, preventing them to City Plan, that intended to make the country it follows an institutional line that hampers focus in all the other equally important factors With globalization, these problems are similarly one of the arts center of Southeast Asia. The the development of actions outside those for the arts. Thus, the work with the audience mirrored throughout the world, especially government invested in the construction of defined by the government. But there are ends up in the hands of the programmers/ in big cities. I´m interested in expanding this large theaters, like the Esplanade Theatre, and independent initiatives and theaters, some directors of the spaces. knowledge to other regions within the scope of big cultural events, like Singapore Arts Festival more others less financed by the state, an independent investigation among creators – two national ex-libris. The festival shows the depending on the critical stance and the If the programmers understand the work of and programmers. With the support of the most different expression of the performing risks they take with the programming. The the creator, it can be correctly translated Asia-Europe Foundation, I recently made a trip arts, from big productions to smaller, more most emblematic and interesting cases are to the spectator. Otherwise, there is a risk to some countries in Southeast Asia (Singapore, experimental pieces, besides others coming Theatreworks, headquarters of the same of exhibiting a piece that will be fatally Malaysia, Thailand and ). Through from several places in the region and the world. named company directed by Ong Keng Sen, misunderstood. Even though artists and a series of interviews with programmers Singapore also promoted a governmental and Substation, currently directed by Noor programmers work towards the same end, the and artists, I sought to understand how this system to the arts, despite the restrictions Effendy. Their programs have well-defined relationships established between both are market works, which its methodologies are, resulting from the censorship established in aesthetics, be it more intelectual or more much more concentrated on productivity than whether the existing dynamics allow the the country. political and allow sharing decisions with on the debate about the meaning of art and creation of equal and balanced relationships the guest resident artists. the role each one can play in helping develop a between artists and programmers and how the However, this environment of support to critical spirit in society through art. perception between each other can generate the arts is unique in the region. Esplanade In the other countries, most of the a critical spirit and promote it along with the Theatre propelled the emergence of a new companies and artists are supported by Although it may seem simplistic, this audience. profession: programmers. The theater has foreign organizations, by digressions of description reveals the current state of about 20 programmers, each one responsible their work abroad, by financing lines of contemporary performing arts in Western The situation is different in each country I for a different cycle: visual arts, theater, dance, social or educational programs or by Europe. visited. Singapore is very westernized and music etc, which should encompass the most occupations parallel to their main activities. follows programming and creation systems very diverse expressions, from the most traditional Miroto Martinus, choreographer of the close to the most hegemonic Western patterns. to contemporary ones. first generation of contemporary dances in idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 32 33 Vol. 4 – Agosto / August 2011 O MERCADO DAS ARTES PERFORMATIVAS CONTEMPORÂNEAS NO SUDESTE ASIÁTICO. UMA VISÃO OCIDENTAL SOBRE O SETOR O MERCADO DAS ARTES PERFORMATIVAS CONTEMPORÂNEAS NO SUDESTE ASIÁTICO. UMA VISÃO OCIDENTAL SOBRE O SETOR Por Catarina Saraiva Por Catarina Saraiva

financiados pelo Estado, dependendo dança com verba arrecadada com a venda trabalhos sejam mostrados ao público sem Quando questionada sobre suas práticas, da postura crítica e do risco que assumem de espetáculos na Europa. No entanto, e custos para os próprios artistas. a grande maioria adota metodologias de em sua programação. Os casos mais falando de Jogiacarta, a segunda maior cidade trabalho bastante sistemáticas. Já que não emblemáticos e interessantes são o do país, existem somente dois espaços com Só o fato de trabalhar com artes nesses é possível desenvolver um projeto exclusivo Theatreworks, sede da companhia de uma programação regular, Yayasan Bagong países já revela uma posição política forte. nessa área, torna-se necessário planejar mesmo nome, dirigido por Ong Keng, e Kussudiardja, uma fundação encabeçada Excetuando os exemplos governamentais corretamente o processo criativo, definindo o Substation, atualmente sob a direção por Jeanny Park e Besar Widodo, que é mencionados, a precariedade é constante antecipadamente o tema, as ferramentas e os de Noor Effendy. As suas programações essencialmente um espaço de residências e, portanto, atuar na área significa assumir momentos em que o processo evolui de uma têm uma estética bem-definida, seja mais onde se programa um evento público por a sua importância política e social. Grande etapa para outra, de forma a não desperdiçar intelectual ou mais política, e permitem a mês, e o Centro Cultural Francês, que possui parte dos artistas profissionais não vive o tempo de cada colaborador. Também por partilha de decisões com os artistas um auditório e representa, para os artistas exclusivamente do trabalho artístico e tem isso, a maior parte dos criadores, apesar de residentes convidados. locais, uma das poucas possibilidades de se que se dividir entre o processo criativo e considerar positiva a colaboração, prefere que apresentar sem ter que arcar com os custos um ofício que lhes dê alguma estabilidade esta se enquadre em seus próprios parâmetros Nos demais países, a maior parte das de aluguel. financeira. Joavien Ng, umas das jovens e temáticas. Quase todos consideram companhias e artistas é apoiada por coreógrafas singapurenses mais promissoras, importante a escuta constante dos intérpretes organizações estrangeiras, por digressões Por outro lado, Kuala Lumpur, na Malásia, é instrutora de Pilates; Marion D’Cruz, uma e dos demais integrantes da equipe, mas de seu trabalho no exterior, por linhas e Bangkok, na Tailândia, são cidades onde das coreógrafas mais importantes da Malásia, asseguram-se de que seja visível que a decisão de financiamento de programas sociais existem muitos teatros, alguns com uma dá aulas na universidade Chumpon Apisuk, final será de sua responsabilidade. ou educativos ou por ofícios paralelos à programação regular, mas, na sua maioria, na Tailândia; um dos artistas de performance sua atividade principal. Miroto Martinus, dirigidos ou alugados por artistas ou festivais mais marcantes da região dirige um espaço no Ao contrário, os artistas com uma experiência coreógrafo da primeira geração de bailarinos e ciclos performativos. Não há falta de espaço qual desenvolve essencialmente trabalho social internacional mais ampla e também as contemporâneos da Indonésia, conseguiu para apresentação e ensaios, o que falta são ligado à arte. gerações mais jovens veem como um desafio construir o seu estúdio e a sua escola de os meios técnicos e logísticos para que os a possibilidade de uma colaboração paritária.

PERFORMING ARTS MARKET IN SOUTHEAST ASIA. A WESTERN POINT OF VIEW ABOUT THE SECTOR PERFORMING ARTS MARKET IN SOUTHEAST ASIA. A WESTERN POINT OF VIEW ABOUT THE SECTOR By Catarina Saraiva By Catarina Saraiva Indonesia, managed to build his studio and his The mere fact of working with art in these dance school with funds raised by ticket sales countries already reveals a strong political in Europe. However, speaking of , the stance. Except for the above mentioned second largest city in the country, there are governmental examples, scarcity is constant only two venues with regular programming, and therefore working in the area means Yayasan Bagong Kussudiardja, a foundation assuming its political and social importance. headed by Jeanny Park and Besar Widodo, A large part of professional artists doesn’t which is essentially a space for residencies live exclusively out of their artistic work and where one public event is programmed each must divide themselves between the creative month, and the French Cultural Center, which process and an occupation that provides some has an auditorium and represents one of the financial stability. Joavien Ng, one of the most few opportunities for local artists to perform promising young choreographers in Singapore, without having to pay rental fees. is a Pilates instructor; Marion D’Cruz, one of Malaysia’s most important choreographers, On the other hand, Kuala Lumpur, Malaysia teaches at the Chumpon Apisuk University, in and Bangkok, in Thailand, are cities that Thailand; one of the most striking performance have many theaters; some with regular artists in region directs a space where he programming, but most are directed or rented essentially develops social work related with by artists or festivals and performing cycles. the arts. There is no lack of space for presentations and rehearsals, but there are no technical When asked about their practice, the vast or logistic means for the pieces to be shown majority adopts very systematic work to audiences without costs for the artists methods. Since it’s not possible to develop a themselves. project exclusively in this area, it’s necessary to correctly plan the creative process, idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 34 35 Vol. 4 – Agosto / August 2011 O MERCADO DAS ARTES PERFORMATIVAS CONTEMPORÂNEAS NO SUDESTE ASIÁTICO. UMA VISÃO OCIDENTAL SOBRE O SETOR O MERCADO DAS ARTES PERFORMATIVAS CONTEMPORÂNEAS NO SUDESTE ASIÁTICO. UMA VISÃO OCIDENTAL SOBRE O SETOR Por Catarina Saraiva Por Catarina Saraiva

No entanto, acham fundamental questionar uma abertura do processo. Para a maioria, tal um contexto adequado para a apresentação de alguns curadores free-lancer de artes sempre o significado da mesma, especialmente abertura tem que ser pertinente e só deve ser de seus trabalhos e de seus pares. Essa performativas, profissionais que são convidados se as propostas surgem do Ocidente. Yudi feita diante de uma audiência capaz de dar um situação ainda persiste e, talvez por isso, por festivais e teatros para apresentar Tajudin, diretor da Teater Garasi, na Indonésia, retorno específico. A grande maioria defende apesar de entenderem o poder que os poucos propostas de programação ou projetos acredita que uma colaboração é um processo que a primeira apresentação pública da própria programadores possuem, conseguem encontrar artísticos. Um dos mais influentes é Tang Fu de diálogo que deve ter um significado para obra só deve ser realizada no dia da estreia. alternativas, com alguma facilidade, que lhes Kuen. Originário de Singapura, mas residente todos os envolvidos. Por isso já recusou permitam ir além desse poder. em Bangkok, ele é responsável por diversas colaborações propostas por comissários e Por outro lado, os programadores também programações na região e na Europa. É um dos artistas estrangeiros de renome, ao perceber não estão tão interessados nessa abertura Uma das artistas entrevistadas chegou a profissionais mais críticos, mas também um dos que as vantagens filosóficas e artísticas seriam do processo, preferindo contextualizar a obra mencionar que são os programadores que grandes promotores de artistas de Bangkok na nulas para eles. quando esta está concluída. Mas falar de precisam se subjugar aos artistas, já que Europa e vice-versa. Essa profissão demanda programadores nessa região é um pouco difícil. são esses que providenciam os conteúdos. uma vasta rede de contatos, para que seja Os processos de trabalho são pensados e À exceção de Singapura, onde existem muitos Na realidade, a produção artística não é possível desenvolver projetos interessantes. bem planejados, mas existe também uma gestores/programadores, a profissão ainda é tão elevada como na Europa: menor oferta, Assim, ao contrário dos artistas, os preocupação em expor a criação à crítica de uma novidade. Até poucos anos atrás, eram os mais poder para o fornecedor, neste caso, o programadores trabalham em tempo integral seus pares. O contrário da situação europeia, próprios artistas que pensavam em estratégias artista. No entanto, como é difícil encontrar com produção e programação. em que muitas vezes há imposição e pressão para apresentar suas obras e torná-las visíveis verdadeiros programadores, os poucos que por parte dos espaços de residência em abrir – abrindo as portas dos seus teatros ou existem têm, na realidade, bastante poder e CONCLUSÃO o processo de criação ao público. No Sudeste alugando teatros disponíveis. conseguem definir suas regras e suas condições asiático, a decisão é tomada exclusivamente de trabalho. É difícil programar com regularidade quando pelo criador, e de acordo com seus parâmetros. Dessa situação inicial, muitos artistas não existe um sistema público e privado de Alguns classificam as conversas com seus passaram a programar pequenos ciclos ou A parca proliferação de teatros com uma apoio às artes consistente e contínuo. Por intérpretes e demais colaboradores como festivais, vendo aí uma forma de construir programação regular incentiva o surgimento isso, a maior parte dos teatros mantém uma

PERFORMING ARTS MARKET IN SOUTHEAST ASIA. A WESTERN POINT OF VIEW ABOUT THE SECTOR PERFORMING ARTS MARKET IN SOUTHEAST ASIA. A WESTERN POINT OF VIEW ABOUT THE SECTOR By Catarina Saraiva By Catarina Saraiva previously defining the subject, the tools and commissioners and artists when he realized the Singapore, where there are many managers/ artists. However, since it´s hard to find real the moments in which the process evolves philosophical and artistic benefits would be null programmers, the profession is still a novelty. programmers, the few that exist actually have from one stage to the other, in order not to for him. Until a few years ago, the artists themselves a lot of power and are able to define their waste the time of each collaborator. Also, were thinking in strategies to show their work rules and their work conditions. most of the creators, despite considering The work processes are well thought out and and make it visible – opening the doors of their collaboration to be positive, prefer it fit their planned, but there´s also a preoccupation to theaters or renting available theaters. The scanty proliferation of theaters with own parameters and themes. Almost all of expose creation to the critique of their peers. regular programming encourages the them consider it’s important to constantly Contrary to the European situation, in which After this initial situation, many artists started emergence of some free-lance performing hear the performers and other members of the there´s often imposition and pressure from to program small cycles or festivals, perceiving arts curators, professionals that are invited by crew, but they make sure it’s visible the final residency spaces to open the creative process them as a way to build an adequate context festivals and theaters to present proposals or decision is their responsibility. to the public. In Southeast Asia, this decision for the presentation of their works and those artistic projects. One of the most influential is made exclusively by the creators, according of their peers. This situation still persists is Tang Fu Kuen. A Singapore native living On the contrary, artists with broader to their standards. Some consider talks with and maybe that´s why, even though they in Bangkok, he is responsible for different international experience and also the younger performers and other collaborators as opening understand the power the few programmers programs in the region and in Europe. He generations see the possibility of equal the process. For most, such opening must be have, they manage, fairly easily, to find is one of the most critical professionals, but collaboration as a challenge. However, they pertinent and only presented to an audience alternatives that allows them to go beyond also one of the great promoters of artists think it’s fundamental to always question able to give a specific feedback. The vast that power. from Bangkok in Europe and vice-versa. This the meaning of collaboration, especially majority defends the first public presentation profession demands a vast network of contacts if the proposals emerge in the West. of the piece should only be on the premiere. One of the artists that were interview even to make it possible to develop interesting Director of Teater Garasi, in Indonesia, Yudi mentioned that programmers are the ones projects. Thus, unlike artists, programmers Tajudin believes collaboration is a dialogue On the other hand, programmers are also not who submit to the artists, since they are work full time in production and programming. process that must have a meaning for all interested in disclosing the process, rather the ones who provide the content. Actually, those involved. That’s why he has refused preferring to put the piece in context once artistic production is not as heighted as in collaborations suggested by renowned foreign it´s finished. But talking about programmers Europe: the smaller the offer, the greater in this region is a little hard. Except for the power of the providers, in this case, the idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 36 37 Vol. 4 – Agosto / August 2011 O MERCADO DAS ARTES PERFORMATIVAS CONTEMPORÂNEAS NO SUDESTE ASIÁTICO. UMA VISÃO OCIDENTAL SOBRE O SETOR O MERCADO DAS ARTES PERFORMATIVAS CONTEMPORÂNEAS NO SUDESTE ASIÁTICO. UMA VISÃO OCIDENTAL SOBRE O SETOR Por Catarina Saraiva Por Catarina Saraiva

programação irregular e eclética. Apesar de Apesar de tudo, as artes contemporâneas na tudo, os artistas consideram importante a região estão em desenvolvimento. O cenário figura do programador. Este deveria estar indica que a persistência permite chegar longe. mais perto do processo de criação, com uma Os artistas mais maduros trabalham há mais postura crítica e questionadora, e possuir de 30 anos e já abriram muitas portas para ferramentas e conhecimentos adequados que as novas gerações e para uma verdadeira permitissem contextualizar o trabalho artístico discussão sobre o estado das artes e a junto do público. Alguns artistas mencionam necessidade de financiamento das mesmas. a falta de dramaturgos e, muitas vezes, No entanto, embora faltem apoios estruturais olham para os programadores como possíveis e permanentes, eles não desistem. Ao substitutos nesta função. Por outro lado, contrário do mercado da Europa ocidental, os alguns programadores consideram que muitas vícios neoliberais ainda não estão inculcados das falhas do trabalho artístico decorrem do no setor. Para a maior parte dos profissionais fato de os artistas assumirem várias funções, da área a arte tem um significado social e além de criar: gerir, vender, promover etc. político e é uma forma de expressão vital para o desenvolvimento social e humano. A figura do produtor associado a um artista ou companhia é, na realidade, muito mais rara que a de programador. O fato de a maior parte das companhias e dos artistas entrevistados viver numa situação precária não lhes permite contratar produtores que busquem meios de difundir sua obra.

PERFORMING ARTS MARKET IN SOUTHEAST ASIA. A WESTERN POINT OF VIEW ABOUT THE SECTOR By Catarina Saraiva CONCLUSION them to hire producers that could go after means to spread their work. It is difficult to program with regularity when there isn’t a consistent and continuous In spite of everything contemporary arts public and private support system to the arts. are thriving in the region. The environment Therefore, most theaters also consider the indicates that persistence will take you far. role of the programmer to be important. The The artists are more mature having worked programmer should be closer to the creative for more than 30 years and have already process, with a critical and questioning stance, opened many doors for the new generation and have the adequate tools and knowledge and for a true debate about the state of the that allow putting artistic work in context arts and the need for financing. However, for the public. Some artists mention the lack although there´s a lack of structural and of writers and often look to programmers as permanent support, they do not give up. To likely substitutes for this job. On the other the contrary, the neoliberal vices are still not hand, some programmers consider many of the instilled in the sector. For most professionals flaws in artistic works result from the fact that in the area art has social and political meaning artists assume many roles besides creating: and it is a vital form of expression for the managing, selling, promoting etc. social and human development. The figure of the producer associated with an artist or company is actually much more rare than that of the programmer. Most of the companies and artists that were interviewed lived a precarious situation that does not allow

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 38 39 Vol. 4 – Agosto / August 2011 ADVENTURES IN CROSS-CASTING Por Diana Blok

O projeto Adventures in cross-casting foi sempre assim. Longe disso. Algumas pessoas O projeto completo se compõe de uma ADVENTURES IN concebido junto com o escritor/romancista quiseram emular uma performance que as instalação com mais de 40 retratos CROSS-CASTING Don Bloch enquanto fazíamos um brainstorm arrebatou. Foram levadas pelo sentimento por acompanhados de textos e dois monitores de em torno de uma ideia que abrangesse um ator interpretando o papel escolhido, não vídeo mostrando o processo de transformação. Por Diana Blok todo o caleidoscópio do mundo do teatro. pelo personagem em si. Outras buscaram seu O design da instalação foi feito por Jeoen de Atores, bailarinos, performers, compositores, alter ego. Vries, e o projeto foi realizado com apoio do Diana Blok nasceu em Montevidéu, no Uruguai, em 1952. Estudou Sociologia na Cidade do México de 1969 a 1973, antes cenógrafos, figurinistas, coreógrafos, músicos, Theater Instituut Netherland e da Fundação de se mudar, em 1974, para Amsterdã, capital dos Países Baixos, fotógrafos e cineastas formam, juntos, a Algo que aconteceu, infalivelmente, foi que a Mondrian. onde se dedica à fotografia. Em 1998, fez pós-graduação no Maurits Binger Film Institute Amsterdam. Publicou seu primeiro sinfonia que chamamos de teatro. maioria dos modelos mostrou um tipo e um livro, Invisible Forces, em 1980. Depois, seguiram outros títulos: grau de paciência novos para mim, os quais Blood Ties and Other Bonds (1990), Adventures in Cross-Casting, com Percebemos que esse projeto era uma achei impressionantes. Cada um levou um o escritor Don Bloch (1998), Ay Dios, com o escritor Jan Brokken (2001), Possible Paradise (2004) e See Through Us (2010). Lecionou experiência muito especial e íntima. Quando certo tempo para atingir suas transformações, Fotografia na Royal Academy of Fine Arts (KABK), em Haia. perguntamos a pessoas do meio teatral observando-se no espelho enquanto os Seus projetos foram apoiados por instituições como a Fundação para Artes Visuais, Design e Arquitetura (Fonds BKVB) e a que papel do sexo oposto elas gostariam maquiadores e figurinistas os levavam para Mondriaan Foundation. de interpretar, nós claramente tocamos em longe de si mesmos. Até que chegou o questões profundas. momento do reconhecimento – que é também o momento-chave para eu tirar meus retratos Algumas mergulharam em fantasias novas, e que, mesmo depois de tantos anos, ainda outras já tinham o sonho dentro de si, apenas não consigo explicar, mas faz meu coração o liberamos. Nosso plano original previa que parar toda vez que vejo algo e tento capturá-lo elas responderiam ao nosso desafio escolhendo através da minha lente. um personagem picante de algum clássico – como algumas fizeram, mas não funcionou

ADVENTURES IN CROSS-CASTING By Diana Blok Adventures in cross-casting was conceived part, not by the part in the abstract. Others ADVENTURES IN together with writer/novelist Don Bloch while went for their alter-ego’s. brainstorming an idea which encompassed CROSS-CASTING the whole kaleidoscope of the theater world. One thing that happened without fail was Actors, dancers, performers, composers, that most models displayed a kind and By Diana Blok decor & costume designers, choreographers, degree of patience new to me, and deeply musicians, photographers and filmmakers, all impressive. They took their time to achieve together form the symphony of what we call their transformations, watching themselves theater. in the mirror as make-up and costumes took them farther away from themselves until Realizing this project was a very special and the moment of recognition came – the same intimate experience. When we asked people key moment which I know from taking my of the world of theater what role of the portraits – and which after many years I’m still opposite sex they most wanted to play, at a loss to explain but which stops my heart clearly we touched deep chords. each time I see and try to capture it through my lens. Some plunged into new fantasies, for others the dream had long been inside them, we The complete project is an installation of 40 released it. Our original plan envisioned people portraits accompanied by text and two video responding to our challenge by choosing a monitors showing the transformation process. juicy part in some classic – as some did do, but The installation was designed by Jeroen it didn’t always work like that. Far from it. A de Vries. The project was realized with the number of people wished to emulate a certain support of Theater Instituut Netherland and performance that had blown them away. They the Mondrian Foundation. were led by their feelings for an actor in a idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 40 41 Vol. 4 – Agosto / August 2011 Ben em O monta-cargas, de Harold Pinter, interpretado pela atriz Marjan Luif. Frida Kahlo, interpretada pelo diretor de teatro e de cinema Felix de Rooy.

Ben in Harold Pinter’s The Dumb Waiter played by actress Marjan Luif. Frida Kahlo played by theater/film director Felix de Rooy

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 42 43 Vol. 4 – Agosto / August 2011 Hamlet em Hamlet, príncipe da Dinamarca, de William Shakespeare, interpretado pela atriz Trudy de Jong. Irina em As três irmãs, de Tchekhov, interpretada pelo compositor Vincent van Warmerdam.

Hamlet in Hamlet, prins of Denmark played by actress Trudy de Jong. Irina in The Three Sisters of Chekhov played by composer Vincent van Warmerdam.

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 44 45 Vol. 4 – Agosto / August 2011 Jesus Cristo, interpretado pela performer e diretora de teatro Monica Blok. A ama, em Romeu e Julieta, de William Shakespeare, interpretada por Sjoerd Didden, maquiador e peruqueiro.

Jesus Christ by performer & theater director Monica Blok. Male wet nurse in Romeo & Juliet played by Sjoerd Didden, make-up artist /wig-maker

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 46 47 Vol. 4 – Agosto / August 2011 A rainha Elizabeth I, interpretada pelo coreógrafo, comediante e ator Albert Mol. Salomé em Salomé, de Oscar Wilde, interpretada por Christopher Steele, dançarino.

Queen Elizabeth I, played by choreographer, comedian, actor Albert Mol. Salome in Oscar Wilde’s Salome played by Christopher Steele, dancer.

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 48 49 Vol. 4 – Agosto / August 2011 Shylock em O mercador de Veneza, de William Shakespeare, interpretado pela atriz Frida Pittoors.

Shylock in Shakespeare’s The Merchant of Venice played by actress Frida Pittoors.

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 50 51 Vol. 4 – Agosto / August 2011 A DUAS VOZES – ENTREVISTA COM MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS Por Lucía Naser

A uruguaia Tamara Cubas é licenciada em Artes Plásticas Tamara Cubas e La Ribot: duas criadoras, e Visuais pelo Instituto Escola Nacional de Belas Artes – diretoras, bailarinas e espectadoras de dança A DUAS VOZES Universidad de la República (Ienba/Udelar), no Uruguai, e é mestra em Arte e Tecnologia pela Escola de Artes de Utrech, contemporânea. Esta entrevista com as duas – ENTREVISTA na Holanda. Recebeu o prêmio European Media Master of artistas foi realizada em Montevidéu em Arts (Emma) em Imagem e Tecnologia. Ensina sensibilidade corporal na Faculdade de Belas Artes e Arquitetura do Uruguai diferentes momentos: por ocasião da passagem COM e é codiretora artística do coletivo Perro Rabioso, com o de Maria Ribot pela cidade, em novembro de qual realizou projetos culturais ligados à difusão, formação e 2010, e depois da estreia da nova produção de produção artística, como o Festival Internacional de Videodança MARIA RIBOT E do Uruguai (Fivu) e a Videoteca Montevideo. Concebeu e foi Tamara Cubas – Plan de consistencia –, com a a coordenadora geral, entre 2006 e 2009, do Plataforma, companhia Mákina Dt, em maio de 2011. programa de incentivo à produção e à inovação artística, TAMAR A CUBAS além de ter dirigido festivais e eventos ligados às artes cênicas A hibridez caracteriza os projetos de ambas, no Uruguai. porém, o que mais as aproxima talvez seja

Por Lucía Naser Nascida em Montevidéu, Lucía Naser é mestre em Artes Cênicas o conceito de investigação. Movimentando- Tamara Cubas. Foto/Photo: Pata Torres. pela Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA) se na cena internacional, Ribot e Cubas Natural de Madri, Maria Ribot, chamada La Ribot, estudou e licenciada em Sociologia pela Faculdade de Ciências Sociais da desenvolvem produções em países distantes em Madri, Nova York, Colônia e Cannes e tem formação em Universidad de la República (Udelar), no Uruguai. É professora balé clássico. Em 1985, começou a criar, interpretar e vender e pesquisadora no Instituto de Educação Física e na Faculdade de suas origens e uma década as separa no as coreografias Piezas distinguidas, que duram de 30 segundos de Humanidades e Ciências da Educação, nessa universidade, que diz respeito à geração. Mas, entre as a sete minutos. Paralelamente, fundou, junto com a coreógrafa na Escola de Artes do Movimento (INDANS) e no Instituto e bailarina Blanca Calvo, o grupo Bocanada Danza (1986-89). Universitário da Associação Cristã de Jovens de Montevidéu. duas, a contemporaneidade globalizada e Sua obra se situa entre a dança, a performance e as artes Pesquisa crítica de dança, colaborando com diversos meios de globalizante constitui um meio ambiente em visuais. Desde 1997 mora em Londres. Junto com Blanca Calvo, maneira independente. Iniciou os estudos em dança e teatro criou ainda o Desviaciones, que são encontros entre artistas de em 1998, dirige e interpreta obras de dança contemporânea e que as informações circulam fluidamente (o diferentes disciplinas. videodança desde 2004. que não quer dizer que ignorem os contextos sociais e políticos nos quais seus trabalhos

estão inseridos).

TWO VOICES - AN INTERVIEW WITH MARIA RIBOT AND TAMARA CUBAS By Lucía Naser Tamara Cubas, from Uruguay, has a degree in Visual Arts from TWO VOICES – the National School of Fine Arts – Universidad de la República (Ienba/Udelar) and a master’s degree in Art and Technology Tamara Cubas and La Ribot: artists, directors, from the Utrech School of Arts, in the Netherlands. Recebeu o dancers and spectators of contemporary AN INTERVIEW prêmio European Media Master of Arts (Emma) em Imagem e Tecnologia. Ensina sensibilidade corporal na Faculdade de Belas dance. This interview with both artists was Artes e Arquitetura do Uruguai e She is co-artistic director of conducted in Montevideo at different moments: WITH MARIA RIBOT the collective Perro Rabioso, in which she carried out cultural when Maria Ribot was in town on November La RiboT. Foto/Photo: Carole Parodi. projects based on artistic diffusion, training and production, like 2010 and after the premiere of Tamara Cubas’ Uruguay International Videodance Festival (Fivu) and Videoteca E TAMARA CUBAS Montevideo. Between 2006 and 2009, she conceived and was the new production – Plan de consistencia –, with general coordinator of Plataforma, a program fostering artistic Mákina Dt, on May 2011. production and innovation. She also directed performing arts By Lucía Naser festivals and events in Uruguay. Hybridity marks the project of both artists. A Madrid native, Maria La Ribot, also known as La Ribot, Lucía Naser was born in Montevideo. She has a master’s degree However, what brings them closer may be the studied in Madrid, New York, Cologne and Cannes and has in Performing Arts from the Federal University of Bahia (UFBA) a background in classic ballet. In 1985, she started to create, and a degree in Sociology from Universidad de la República concept of investigation. Moving around the perform and sell the choreographies Piezas distinguidas, which last (Udelar), in Uruguay. She is a professor and a researcher at that international scene, Ribot and Cubas develop from 30 seconds to seven minutes. Simultaneuously, she founded University, at (INDANS) and at the University Institute of the the group Bocanada Danza (1986-89), along with dancer and Motevideo YMCA. She researches dance criticism, collaborating productions in countries far from their origins choreographer Blanca Calvo. Her work is situated among dance, with several outlets independently. She started her studies in and a decade separates them, in terms of performance and visual arts. Since 1997, she has been living in dance and theater in 1998. Since 2004, she directs and performs London. Along with Blanca Calvo, she also created Desviaciones, and videodance pieces. generation. But, for both them, globalized and meetings between artists from different disciplines. globalizing contemporaneity is an environment where information flows easily (which doesn’t mean they ignore the social and political context in which their work are inserted).

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 52 53 Vol. 4 – Agosto / August 2011 A DUAS VOZES – ENTREVISTA COM MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS A DUAS VOZES – ENTREVISTA COM MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS Por Lucía Naser Por Lucía Naser

A partir de suas experiências, L Como você vê a dança na mas da contemporaneidade, com que a dança seja uma desenfreada, desfrutou o tem o sonho de mudar de inquietudes e opiniões, cada contemporaneidade, em e não como uma coisa à disciplina diferente, mas eu prazer de se movimentar, vida, mas eu tenho cada vez uma fala, aqui, de sua visão relação à sua evolução parte. E isso depende muito não trabalho para mesclar olhou para si mesma, menos esse sonho. Já não da dança, da motivação histórica? daqueles que dançam, que disciplinas. Isso não me olhou para fora, uniu-se a me interessa mudar de vida, para continuar criando, de R Se eu pensar na dança, na fazem as obras. O que me interessa. O que acontece outras artes, parou de se já não me proponho viver de seus projetos, da relação performance, no cinema preocupa mais é que a dança é que continuo buscando movimentar, voltou a se outra forma. O “como” me com outras linguagens e da etc. como disciplinas, elas não venha a ocupar o lugar descobrir qual é a dança movimentar, se pensou outra importa menos, me parece experiência de se apresentar não me interessam. As que deveria, ou seja, o lugar que eu quero fazer e o que vez… Enfim, ela sempre que trata muito mais do que em lugares tão diversos. coisas não me interessam que todas as outras artes é a dança para mim. Na esteve em movimento, o que é formal. O “porquê” tem Diferentemente de La Ribot, por si mesmas. Então não ocupam. A dança continua realidade, ela continua sendo, é muito saudável, já que tudo mais substância, o porquê que dirige e protagoniza as penso tanto na dança. Não sendo uma arte um pouco para mim, uma pergunta. que fica estagnado apodrece. fazemos as coisas é mais próprias obras, contando ou sei muito bem como vai a diferente porque há nela importante. É tão complicado não com outros intérpretes dança. Há coisas que me uma implicação do corpo Eu acho que a dança tem L Por que você continua saber que eu não sei... As (grande parte de seu trabalho interessam e coisas que não muito mais sofisticada que C refletido sobre si mesma, criando arte e, especifica- criações não são respostas, é como solista), Cubas me interessam, mas acredito na performance, com uma como fizeram outras mente, obras de dança? mas pretextos para voltar costuma dirigir fora da cena, que enquanto a dança olhar história muito maior que a linguagens artísticas ao R Às vezes, quando você é a investigar ou a interrogar mas também é intérprete de para si mesma e avaliar a história da performance, se longo da história. Por jovem, você se joga na piscina por que fazemos as coisas... outros coreógrafos ou de si mesma do ponto de vista incluirmos aí o balé. Tudo conseguinte, os artistas ou investe numa linha, e se Só que essas são perguntas si mesma, experimentando da contemporaneidade, ela isso torna a dança mais foram produzindo conheci- você nunca parou, como existenciais demais para constantemente novos me interessa. Acho que é complexa como arte e como mento, o que foi modificando aconteceu comigo, se você que uma pequena criação as formatos e metodologias de isso que a dança precisa disciplina. Além do mais, há e ampliando a concepção não faz outra coisa, essa responda. criação. conseguir e tem conseguido a efemeridade que as outras de dança. A dança se experiência se torna um – ser vista como uma arte, artes não têm. Tudo isso faz movimentou de maneira modo de viver. Você sempre

TWO VOICES - AN INTERVIEW WITH MARIA RIBOT AND TAMARA CUBAS TWO VOICES - AN INTERVIEW WITH MARIA RIBOT AND TAMARA CUBAS By Lucía Naser By Lucía Naser Based on their experiences, L How do you see dance depends a lot on those who which is the dance I want to L Why do you keep creating to investigate again or ask restlessness and opinions, nowadays, in relation to your dances, those who create make and what dance means art and, specifically, dance ourselves why we do things… each one talks about their historical evolution? the pieces. What worries me to me. Actually, it´s still a pieces? Only these questions are too views on dance, their motives R If I think about dance, most is that dance might not question for me. R Sometimes, when you´re existential to be answered by for continuing to create, their performance, film etc. as occupy the place it should, young, you jump into the a small creation. projects, the relationship with disciplines, I´m not interested or the place every other art C I think dance has reflected pool or invest in a certain other artistic languages and in them. I´m not interested form occupies. Dance is still a a lot upon itself, like other line. If you never stop, like C I think I keep creating pieces the experience performing in things by themselves. So little different because it has artistic languages have me, if you don´t do anything because that´s where I find in such different places. I don´t think much about an implication on the body done throughout history. else, this experience becomes meaning. For instance, Different from La Ribot, who dance. I don´t really know that is more sophisticated Consequently, artists produced a way of life. You always with video, videodance directs and performs her how dance is doing. There than performance, with a knowledge, which changed and have a dream of changing or videoart, there was own works, with or without are things that interest longer history than the art expanded dance. Dance moved your life, but I get that less suddenly a pause and I felt other performers (most of me and there are things of performance, if we also unrestrained, enjoyed the and less. I´m not interested in that nothing was going on, her pieces are solos), Cubas that don’t, but I think count in ballet. All of that pleasure of moving, looked at changing my life anymore, I I couldn´t relate anymore. I usually directs the scene that while dance looks at makes dance more complex itself, looked outside, merged don´t intend to live any other even stopped carrying out from the outside, but she is itself and evaluates itself as art and as discipline. with other art forms, stopped way. I care less about “how”, the videodance festival I also a performer for other from the perspective of Furthermore, it is ephemeral, moving, started moving again, it seems to me it´s a lot more directed. Dance, or more choreographers, constantly contemporaneity, it interests unlike other art forms. All of thought about itself once about form. The “why” has specifically, the scene is experiencing new creative me. I think that’s what this makes dance a different again… Ultimately, it has more substance, why we do something that keeps me formats and methods. dance must achieve and has discipline, but I don´t work to always been in motion, which is things is more important. It´s asking questions, challenging achieved – to be seen as art, mix disciplines. That doesn’t very healthy, since everything so complicated knowing that me. The ritual aspect, the but of contemporaneity, not interest me. What happens is that remains stagnated rots. I don´t know… Creations are codification of the scenic act, as something apart. And this that I keep trying to find out not answers, but pretexts proposes places to dialogue idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 54 55 Vol. 4 – Agosto / August 2011 A DUAS VOZES – ENTREVISTA COM MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS A DUAS VOZES – ENTREVISTA COM MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS Por Lucía Naser Por Lucía Naser

C Acho que continuo criando L Como é a sua experiência interessada na dança, mas etc. Eu gosto de ver, isso possível me relacionar com o uma outra, então é preciso obras porque é nelas que como espectadora e como não tanto quanto antes. O me acrescenta muito como outro. O que é que o artista mudar. Eu me apego às ideias, encontro sentido. Por você se relaciona com a sua que acontece é que tenho pessoa e como criadora. É está propondo, como ele mas elas mudam, e enquanto exemplo, com o vídeo, a atividade criativa? menos tempo e há mais claro que o fato de eu ser propõe, qual o seu contexto – vão mudando, vou seguindo. videodança ou a videoarte, R A minha experiência como coisas que me interessam criadora faz de mim uma essas são algumas perguntas São muito poucas as ideias. houve uma pausa de repente espectadora depende também, então assisto menos. espectadora especializada, que me faço diante de uma Quero dizer: não sei se e senti que não estava muito do momento, do que Mas continuo vendo muita a informação que tenho obra. O lugar do espectador existem ideias. É possível ter acontecendo nada, não estou buscando, do que me dança, já que tenho muitos influencia minha recepção, o é um lugar ativo, ele também muitos pensamentos, muitas conseguia me relacionar mais. interessa. Há momentos em amigos coreógrafos. Ou seja, conhecimento da história e precisa trabalhar. soluções para pequenos Até deixei de levar adiante o que sou uma espectadora a dança contemporânea de algumas linguagens afeta problemas. Mas uma ideia? É festival de videodança que eu mais paciente, aberta e continua sendo uma fonte de o que leio ou vejo. Da mesma L Você se apega às ideias ou difícil ter uma ideia. Portanto, dirigia. A dança, ou melhor, tranquila, que escuta. E há informação. Mas também vejo forma tento, quando me tende a mudar o foco, o se tenho uma, tento agarrá- a cena é algo que continua outros em que sou péssima outras coisas. deparo com uma obra, me interesse? Você questiona o la e não soltá-la mais, caso me fazendo perguntas, me espectadora. Ser espectadora relacionar com ela a partir tema durante os processos seja mesmo uma ideia. Às propondo desafios. O que ela é uma das fontes mais C Em geral, me interessam as da peça em si mesma, ou da criativos? vezes nos confundimos e tem de ritual, do codificado importantes de conhecimento propostas que me interpelam, pessoa que está por trás da R Depende muito. Se acredito acreditamos que tivemos uma que é o ato cênico, me para mim – e tenho sido me questionam. Interesso- obra, e não a partir de mim, que a ideia é boa, vou até ideia, mas o que temos são propõe lugares para dialogar espectadora muitas vezes me pelo fato artístico como ou seja, como eu teria lidado o fim… E, bom, as ideias franjas de ideias. É possível com o público, a cena, as na vida, tanto quando sou lugar de reflexão. Tenho sido com o tema ou como teria também mudam. Às vezes, fazer coisas com franjas, expectativas, a recepção, paciente como quando sou impactada por propostas pensado tal coisa. Esse me é entrando na ideia que a sim. Mas, às vezes, falta a presença. Quando essas impaciente. Acho que é que são tanto do cinema parece um dos lugares mais gente começa a entender e conteúdo. Então, quando tiver coisas se esgotarem, suponho uma das melhores formas quanto das artes visuais, difíceis de evitar, embora se dar conta de que não era uma ideia, uma ideia boa, que deixarei de “fazer dança”. de aprender. Continuo cênicas, musicais, literárias fundamental para que seja aquela que se buscava, mas agarre-a!

TWO VOICES - AN INTERVIEW WITH MARIA RIBOT AND TAMARA CUBAS TWO VOICES - AN INTERVIEW WITH MARIA RIBOT AND TAMARA CUBAS By Lucía Naser By Lucía Naser with the audience, the scene, of knowledge for me. I think literature, and so on. I like is the artist proposing, what ideas, but they change, and pieces, I grope them, put the expectations, reception, that’s the best way to learn. to watch things, it adds a lot is his context – these are while they keep changing, I them in another place to see presence. When these things I´m still interested in dance, to me as a person and as a some of the questions I make keep following them. There what happens. And that’s run out, I suppose I´ll stop but not as much as I used to. creator. Of course, the fact myself when I´m faced with a are very few ideas. I mean, why they demand time, “making dance”. What happens is that I have that I´m a creator makes piece of work. The role of the I don’t know if ideas exist. because I change them a less time and there are more me a specialized spectator, spectator is an active one, he It’s possible to have many lot. Because I’m interested L How is your experience as things that interest me. But I the information I have must also work. thoughts, many solutions for in understanding things. It’s a spectator and how do you keep watching a lot of dance, influences my reception, the small problems. But an idea? not so much about doing relate it with your creative since I have many friends knowledge of history and L Do you hold on to ideas or It’s hard to have an idea. something, but more about activity? that are choreographers. So, of some languages affects do you tend to change the Therefore, if I have one, I try understanding the important contemporary dance is still a what I read or see. Likewise, focus, the interest? Do you to grab it and don’t let go, little things. R My experience as a source of information. But I when I´m faced with a piece question the subject during in case it’s actually an idea. spectator depends a lot on also watch other things. of work, I try to relate to it the creative process? Sometimes we get confused C Each creative process is an the moment, on what I´m based on the piece itself, or R It depends a lot. If I believe and believe we have an investigation about some searching, on what interests C In general, I’m interested on the person behind it, not an idea is good, I’ll go with it idea, but what we have are subject that interests me, me. There are moments in proposals that challenge based on myself, on how I to the end… And, well, ideas fringes of ideas. It’s possible something about which I have when I´m a more patient, me, that question me. I´m would have dealt with the also change. Sometimes, it´s to do things with fringes. But no opinion and this stance opened and calm spectator, interested in the artistic fact subject or how I would have when we dive into the idea sometimes, there’s a lack of allows me to move forward someone who listens. And as a place for reflection. thought about such thing. To that we start to understand content. So, if you have an about this something, to there are other times when I have been impacted by me, this seems to be one of it and realize that wasn´t idea, a good idea, grab it! question it, to put in relation I’m a terrible spectator. proposals coming from the hardest things to avoid, what we were looking for, What happens is that an idea the necessary aspects to Being a spectator is one of film, the visual arts, the even though it´s essential for it was something else, so I obviously demands work. I break with that something. the most important sources performing arts, music, me to relate to others. What need to change. I hold on to almost always change my And later I give shape to

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 56 57 Vol. 4 – Agosto / August 2011 A DUAS VOZES – ENTREVISTA COM MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS A DUAS VOZES – ENTREVISTA COM MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS Por Lucía Naser Por Lucía Naser

O que acontece é que, claro, E depois dar forma a essas forma. Essa obra é dos anos anos 2000, ainda trabalho teatro e músicos. Esses são os um com seu papel, nesse uma ideia dá trabalho. perguntas em uma peça 90 e, sim, era um trabalho muito sozinha, porque meus colaboradores, porque algo que não sabemos o que Quase sempre modifico as diante do público para voltar muito mais próximo do gosto, mas principalmente todo o resto quem faz sou é. Meu trabalho consiste obras, tateio, coloco-as a confrontá-la e continuar trabalho do pintor antigo. planejo sozinha. Estou eu, ou seja, o mais plástico eu em desenhar metodologias em outro lugar para ver encontrando, junto com o Nem mesmo do pintor atual: cada vez mais rodeada de mesma faço. para que o processo avance o que acontece. E por isso outro, novas perguntas. Não o artista plástico, o artista gente, trabalho muito com e depois editar e afinar a demandam tanto tempo, posso me apegar às ideias visual, não trabalha mais intérpretes, com Marie, com C Gosto de trabalhar com proposta final. porque modifico muito. Pois o porque não as possuo. Trata- assim, no estúdio, diante de Delphine, que estão comigo colaboradores, ouvir que me interessa é entender se de encontrar as ideias no uma tela. Era uma forma em duas ou três obras. opiniões, dependo muito da L Como é a experiência de as coisas. Não se trata tanto processo, mas sabendo que antiga de ver o pintor, mas Agora estou planejando opinião dos outros, dependo apresentar a sua obra em de fazer, mas de entender elas podem ser, do mesmo era uma forma de dizer uma obra em que também de saber como o que estou outros países quanto à onde estão as coisinhas modo, facilmente revogáveis. como a relação obra-autor há muita gente. E trabalho fazendo está sendo lido. São recepção e à relação com importantes. é totalmente direta e que quase como qualquer diretor informações valiosas para o público? L Com que tipo de colaboração não há tanta colaboração ou coreógrafo. Mas não tomar decisões imediatas. R Acho que o mundo C Cada processo criativo é uma você gosta de contar em suas como pode haver no teatro trabalho com cenógrafos, Mostro o que estou contemporâneo já não investigação sobre algum criações? ou na dança. As Piezas eu mesma faço os cenários. fazendo e escuto. Trabalho muda tanto. A informação tema que me interessa, algo R Nos anos 90, quando falava distinguidas eram um trabalho Normalmente também faço com pessoas envolvidas circula a toda velocidade. Há sobre o qual não tenho sobre como trabalhava com que propunha essa relação os figurinos e isso toma mais produzindo material a coisas sutis, mas a verdade opinião, e essa instância me as Piezas distinguidas, dizia com a obra, sobre o que é o tempo. Não sou como os partir delas. Geralmente é que não percebo muito permite avançar sobre esse que trabalho mais como um autor como autor-produtor coreógrafos ou diretores que proponho um território sobre a diferença entre países e algo, indagar, pôr em relação pintor no estúdio do que e intérprete. Então eu era têm muitos colaboradores. o qual trabalhar, e não uma continentes. O mundo já está os aspectos necessários para como um coreógrafo. Mas tudo, por isso fazia algo mais Apenas colaboro com ideia a desenvolver. Então muito globalizado. O que se irromper sobre esse algo. agora trabalho de outra plástico e pessoal. Agora, nos técnicos, com iluminadores de submergimos juntos, cada percebe, principalmente em

TWO VOICES - AN INTERVIEW WITH MARIA RIBOT AND TAMARA CUBAS TWO VOICES - AN INTERVIEW WITH MARIA RIBOT AND TAMARA CUBAS By Lucía Naser By Lucía Naser these questions in a play ancient painter. Not even a myself. I’m more and more C I like to work with L How is the experience of in contemporary art. We presented to the audience nowadays painter: the visual surrounded by people. I work collaborators, to listen to presenting your piece in could say being interested and keep finding, along with artist doesn’t work like that a lot with performers, with opinions, I depend a lot on other countries, in terms of in contemporary art is a others, new questions. I can’t anymore, inside a studio, Marie, with Delphine, who the opinion of other people, I reception and the relationship common interest, and in hold on to ideas because I in front of a canvas. It was are with me in two or three depend on knowing how what with the audience? that sense, I’m inserted don’t own them. It’s about an ancient way to see the pieces. Now I’m planning a I’m doing is being interpreted. R I think the contemporary in contemporary art. For finding ideas in the process, painter, but it was a way to piece in which there are many That’s valuable information world doesn’t change so instance, now we did Llámame but knowing they can be say how the piece-author people. And I work almost to make immediate decisions. much anymore. Information Mariachi in Santiago and easily revocable at the relationship is totally direct like any other director or I show what I’m doing and goes around in full speed. Valparaíso and I hadn’t been same time. and that there isn’t as much choreographer. But I don’t I listen. I work with people There are subtle things, to South America in three collaboration as there can be work with set designers, I do involved, producing material but the truth is I don’t see years. We were in Brazil, L What kind collaboration in theater or in dance. The the stage settings myself. I based on them. I usually much difference between Mexico and Colombia, and do you like to have in your Piezas distinguidas were a work normally do the costumes and propose a territory about countries and continents. the truth is in none of those creations? that proposed this relationship it takes more time. I’m not like which to work, and not The world is already very places the reception was any R In the 90’s, when I talked with the piece, about what choreographers or directors an idea to develop. So we globalized. What can be different from the reception about how I worked with is an author as an author- that have many collaborators. submerge together, each one seen, mainly in pieces that in Europe, or in Asia. If we the Piezas distinguidas, I said I producer and performer. So I only collaborate with with their own role, in this are, let’s say, experimental, talk about Africa, then it work more like a painter in a I was everything, that’s why technicians, theather light something I don’t know what is that those who come to may be different. studio than a choreographer. I did something more plastic designers and musicians. it is. My work consists in watch them, with much or But now I work in a different and personal. Now, in the Those are my collaborators, designing methodologies for little information, are not C Reception has to do with way. That piece is from the years 2000, I still work alone because I do all the rest, the process to advance and so disoriented, they kind the level of information 90’s and, yes, that work was a lot, because I like it, but I mean, the plastic things then edit and tune the final of know what they’ll see. I or the codes the public a lot closer to the work of an mainly I plan everything by I do myself. proposal later. imagine they are interested handles in each place. For

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 58 59 Vol. 4 – Agosto / August 2011 A DUAS VOZES – ENTREVISTA COM MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS A DUAS VOZES – ENTREVISTA COM MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS Por Lucía Naser Por Lucía Naser

trabalhos que são, digamos, europeia, nem da asiática. experimentais, é que aquele Se falarmos da África, aí sim que vem assistir, com muita pode mudar. ou pouca informação, não está tão desorientado, já sabe C A recepção tem a ver com |o mais ou menos o que vai ver. grau de informação ou com os Está interessado, imagino, códigos que o público maneja na arte contemporânea. em cada lugar. Por exemplo, Estar interessado na arte em cidades em que predomina contemporânea é um o espetacular, é claro que interesse comum, poderíamos nossa obra parece difícil. Em dizer, e eu, nesse sentido, outros, onde o público é mais estou inserida na arte aberto porque viu mais coisas, contemporânea. Agora, por ou porque é mais curioso, exemplo, fizemos Llámame ou porque se interessa por Mariachi em Santiago e em desafios, é diferente. Mas Valparaíso e fazia três anos já apresentamos nosso que eu não vinha à América trabalho para públicos sem do Sul. Estive no Brasil, no informação e, para nossa México e na Colômbia, e a grata surpresa, nossa obra verdade é que em nenhum pôde se relacionar muito desses lugares a recepção foi bem. Eles não esperavam muito diferente da recepção nada, não sabiam o que

TWO VOICES - AN INTERVIEW WITH MARIA RIBOT AND TAMARA CUBAS TWO VOICES - AN INTERVIEW WITH MARIA RIBOT AND TAMARA CUBAS By Lucía Naser By Lucía Naser instance, in cities where of dance varies. Often, it entertainment dominates, is considered something of course our piece seems merely for entertainment. difficult. In other places, The reflection about where the audience is more language widens the range open because they’ve seen of possibilities and languages more things, more curious in some cities and, therefore, or interested in challenges, the diversity of proposals and it’s different. But we already the coexistence about them. presented our work to people without information and to L What role do image and our grateful surprise our technology have in your piece revealed itself to be work, or your creation? very relatable. They weren’t R I don’t work so much with

Espetáculo Times and Spaces: “the expecting anything, they images as it seems. Actually, marrabenta solo”, de Panaibra Canda. didn’t know what they were I try not to work much with Foto: Arthur Fink. going to find, they didn’t have images, even though it’s true Panaibra Canda’s Times and Spaces: an experience with which to that in the end the Piezas “the marrabenta solo”. Photo: Arthur Fink. relate what they were seeing, distinguidas were like images where to place our proposal or seemed like images. Llámame Mariachi, de La Ribot. Foto: Anne Maniglier. and it was phenomenal. But that never drew my In different countries or attention. I don’t know how Llámame Mariachi, de La Ribot. Photo: Anne Maniglier. continents, the concept these things come to be, it’s idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 60 61 Vol. 4 – Agosto / August 2011 A DUAS VOZES – ENTREVISTA COM MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS A DUAS VOZES – ENTREVISTA COM MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS Por Lucía Naser Por Lucía Naser

iam encontrar, não tinham com imagens, embora seja partir da imagem, não me desnudamento da cena, Piezas distinguidas, o que quer que valor tem a dança, a uma experiência com a qual verdade que no final das interessam no momento antes de mais nada. dizer que o processo desse dança contemporânea, relacionar o que estavam Piezas distinguidas elas eram os estados físicos ou trabalho está há 15 anos a dança como objeto, e vendo, onde colocar nossa como imagens ou pareciam psicológicos de quem está L E como você lida com as na minha cabeça. É verdade qual é o objeto da dança? proposta, e foi fenomenal. Em imagens. Mas isso nunca me dentro. Interesso-me pela continuidades e rupturas na que se trata de algo que Como se valora isso que, diferentes países ou culturas, chamou muito a atenção. imagem como possibilidade produção? continua nutrindo a si mesmo, na verdade, é um ato vivo? a concepção de dança varia. Não sei como se chega a de relação com o outro e R A reprodução também é mas também se nutre de Como valoramos o vivo em Muitas vezes, é considerada essas coisas, é complicado não pelo vínculo pessoal ou contínua. Acho que é assim outros milhares de coisas. um mundo em que o objeto apenas algo para entreter. responder como faço. emotivo com o intérprete com todos os artistas. O que Também porque fragmentei ainda tem uma força A reflexão sobre a linguagem Algumas coisas acontecem e que está na cena. Sobre a acontece é que tenho um esse projeto em séries mercantil brutal? faz com que se ampliem os se resolvem em um segundo, tecnologia, é algo natural projeto como o das Piezas distinguidas, ou momentos da espectros de possibilidades e há outras que levam em nosso entorno. Não distinguidas, que é para toda minha vida, e ainda o chamo C Para além das instâncias e linguagens em algumas anos até que eu as entenda me interessam de modo a vida, no sentido de que, de “projeto distinguido”. No formativas-chave, como cidades e, por conseguinte, a ou resolva. Há objetos particular os novos meios, quando comecei a fazê-lo, fundo, é porque responde a a Escola Nacional de diversidade de propostas e a que aparecem assim, por ou as coisas complicadas, projetei muito, para ser uma algumas mesmas questões. Belas Artes e a Escola convivência entre todas elas. casualidade, e há outros que ou a demonstração das produção maior, e não algo E a questão de vender esse Contradanza, houve uma realmente se impõem, então possibilidades mesmas. Uso o para fazer e terminar. Então objeto, na realidade, mais ruptura muito importante L Que lugar a imagem e a é preciso trabalhá-los mais. que preciso como ferramenta isso proporciona ao projeto que um fato mercantil, é cuja influência reconheço até tecnologia têm na sua obra, Assim, como todas as coisas, para cada obra. Nas últimas uma continuidade verdadeira. uma questão, uma pergunta: hoje. Trata-se de Marcelo ou na sua criação? acho que é uma mistura criações, há muitos cabos, Mas ainda estou vendo se como, agora, no final do Evelin, com quem por sorte R Não trabalho tanto com de vontade, de intuição, de alto-falantes e outras essa continuidade é possível, século XX e início do XXI, ainda mantenho diálogos imagens como parece. Aliás, observação e de olhar. coisas, por estilo, mas trata- na prática. Agora em 2011 valoramos a dança no mundo importantes. Acredito que a tento não trabalhar muito C Na cena, componho a se de uma concepção de faço uma quarta série de da arte contemporânea? E minha formação no visual e

TWO VOICES - AN INTERVIEW WITH MARIA RIBOT AND TAMARA CUBAS TWO VOICES - AN INTERVIEW WITH MARIA RIBOT AND TAMARA CUBAS By Lucía Naser By Lucía Naser complicated to explain how with the performer on stage. project like Piezas distinguidas, I do it. Some things happen Regarding technology, it’ which is a project for life, in and work out in a second and something natural around us. the sense that when I started there are others that take I’m not interested in the new doing it, I planned a lot, so it years until I understand or media in a particular way, or would be a larger production solve them. There are objects in complicated things, or the and not something to make that appear by chance and demonstration of possibilities and finish. So that provides there are others that really by themselves. I use what the project true continuity. impose themselves, so they I need as a tool for each But I’m still seeing if this require more work. So, piece. In my last creations, continuity is actually possible. like all things, I think it’s a there are many cables, Now, in 2011 I’m making mixture of will, intuition loudspeakers and other the fourth series of Piezas and observation. things, as style, but it’s about distinguidas, which means the a concept of undressing the process of the work has been C On stage, I compose based scene, before anything else. in my head for 15 years. It’s on image. At that moment true that it’s something that I’m not interested in the L And how do you deal with keeps nourishing itself, but it’s physical or psychological continuity and rupture in also nourished by thousands states of who is inside. I’m production? of other things. Also because interested in the image as a R Reproduction is also I fragmented that piece in possibility for relationships continuous. I think it’s like distinct series, or moments Actos de amor perdidos, de Tamara Cubas. Foto: Pata Torres. with one another and not in that with every artist. What in my life and I still call it personal or emotional ties happens is that I have a “distinguished project”. Deep Actos de amor perdidos, de Tamara Cubas. Photo: Pata Torres.

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 62 63 Vol. 4 – Agosto / August 2011 A DUAS VOZES – ENTREVISTA COM MARIA RIBOT E TAMARA CUBAS Por Lucía Naser

na cena contribuiu para que constante de papéis me eu tivesse uma amplitude oferece conhecimentos e para articular linguagens ou informações muito valiosos para me relacionar com elas para poder desempenhar de outras perspectivas. Como qualquer um deles. Como do corpo para o audiovisual criadora, acho que tudo se ou do visual para o cênico. baseia em continuidades A minha passagem pela e rupturas. Continuo com gestão na esfera privada e uma interrogação até ter na esfera pública, envolvida acreditado resolvê-la, para em projetos e processos então romper com ela, e vou artísticos de outras pessoas, rompendo até que isso se foi muito enriquecedora. transforme em continuidade. Estar em vários lados da Mas há perguntas que produção artística, desde se mantêm por mais a criação até a produção, tempo, precisam de mais como jurada, na gestão de oportunidades para serem espaços, a oportunidade de postas em relação e serem estar mais focada no público, resolvidas, antes de voltar tudo isso me proporcionou a a buscar outras. possibilidade de compreender melhor a complexidade do fato artístico. Essa troca

TWO VOICES - AN INTERVIEW WITH MARIA RIBOT AND TAMARA CUBAS By Lucía Naser down, it’s because it answers Contradanza School, there opportunity of being more some of the same questions. was a very important rupture focused on the audience, And the issue of selling this whose influence I recognize everything provided me the object is actually more than a to this day. I’m talking about possibility of understanding mercantile fact, but a question: Marcelo Evelin, with whom I better the complexity of the how do we value dance in the still have important dialogues. artistic fact. This constant world of contemporary art, I believe my background exchange of roles brings nowadays, in the end of the in visual and in the scene me valuable knowledge and 20th century and the beginning contributed for me to have information to undertake of the 21st century? And amplitude to articulate any of them. As a creator, what value does dance have, languages or to relate with I think everything is based contemporary dance, dance them from other perspectives. on continuity and rupture. as object, and what is the Like the body for audiovisual I continue with a question object of dance? How do you or the visual for the scene. My until I believe I’ve answered give value to something that experience with management it, then I break with it, and I is actually a live act? How do in the private and the public I keep breaking with it until we value live things in a world sphere, being involved in it turns into continuity. But where the object still has a projects and artistic processes there are questions that brutal mercantile force? of other people was very remain for longer, they need enriching. Being on many more opportunities to be C Beyond the main training sides of artistic production, put in perspective and be institutions, like the Fine from creation to production, solved, before I go back Arts National School and as jury, managing spaces, the and seek others. P

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 64 65 Vol. 4 – Agosto / August 2011 CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA Por Jorge Alencar

Com lona furada e mastros bambos, ginástica rítmica e acrobacias, com uso de CIRQUE DU brincarei do jogo fálico e erótico de mapear objetos como fitas, bolas e arcos. SOLANGE:1 MAPA artistas de dança no Brasil interessados em pensar subjetividades e sensibilidades além Em depoimento à imprensa, o presidente da INTRODUTÓRIO do caráter instrumentalista que demarca Associação, Edmilson Castro de Oliveira, sinais seguros de gênero. Não se trata de afirmou que, antes de mais nada, tratava-se DE UM PICADEIRO expulsão do armário, nem de localizador de uma questão de linguagem: “Baliza é uma GayPS, mas de uma pulsão performativa que palavra feminina, e é esta a palavra que consta BICHA flagra, numa certa cena contemporânea, atos no regulamento. Quem tem que fazer parte que produzem dissonâncias em categorias são as meninas.” Para a secretária executiva Por Jorge Alencar fundacionais de corpo, sexo, gênero e da Afab, Cristina Santos, tratava-se ainda de

Jorge Alencar é criador em dança, teatro e audiovisual. Bacharel sexualidade. uma questão de indumentária: “Os meninos em Comunicação Social pela Universidade Católica de Salvador se caracterizam e se vestem como meninas.” e graduado em Dança pela Universidade Federal da Bahia, é Começarei minha composição por um Mas a proibição dizia respeito especialmente mestre em Artes Cênicas por essa instituição. Tem participado de projetos como Colaboratório e com.posições políticas como episódio baiano. No dia 23 de maio de 2010, à realização de uma coreografia incompatível processador de conteúdos teóricos e pedagógicos (Festival representantes da Associação de Fanfarras e com o sexo masculino. Panorama de Dança – RJ). Diretor artístico do Dimenti desde 1998, tem circulado em diversas praças do Brasil e do exterior e Bandas da Bahia (Afab-BA) decidiram proibir, organizado ações como o encontro Interação e Conectividade. terminantemente, a participação de balizas Em nota divulgada na página eletrônica da masculinos nos concursos artísticos, sob pena Associação, a proibição teria origem em 1 Quando fui assistir, em maio deste ano, ao espetáculo do Circo dos Sete Anões em Petrolina (PE), soube que houve na cidade de Juazeiro (BA) um circo chamado Cirque du Solange. Fui conceitualmente arrebatado por esse nome e assim batizei esta escrita. Este texto atualiza de desclassificação da equipe. Numa fanfarra, queixas de associados, promotores de eventos e desenvolve uma palestra que levei ao projeto com.posições políticas, organizado por Isabel Ferreira, Eduardo Bonito e Nayse López, no a baliza abre e indica os caminhos para que e mesmo regentes das corporações musicais contexto do Festival Panorama de Dança (Rio de Janeiro), em 2010. Em Salvador, essa fala teve o privilégio de ter a boate Âncora do Marujo como paisagem, numa reedição do com.posições políticas dentro do Interação e Conectividade V, realizado pelo Dimenti. a banda possa evoluir. Sua movimentação em relação ao comportamento excessivamente é geralmente incrementada por passos de exuberante dos participantes homossexuais.

CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING By Jorge Alencar Under a big top full of holes and shaky masts, opens and leads the way for the band to CIRQUE DU I’m going to play the phallic and erotic game develop. Her movements are usually boosted 1 of mapping dance artists in Brazil who are by artistic gymnastics moves, acrobatics and SOLANGE : AN interested in thinking about subjectivities and the use of objects like tapes, balls and bows. INTRODUCTORY sensibilities beyond the instrumentalism that delimits safe gender signals. It’s not about In a statement to the press, association MAP OF A QUEER eviction from the closet, or a GayPS locator, president Edmilson Castro de Oliveira said but a performative drive that catches in the act it’s a matter of language above all: “Baliza is CIRCUS RING some actions in the contemporary scene that a feminine word and that’s the word used in produce dissonance in foundational categories the regulations. Girls should be the ones to By Jorge Alencar of body, sex, gender and sexuality. play the part”. For Afab’s executive secretary Cristina Santos, it´s still a matter of costumes: Jorge Alencar is a dance, theater and audiovisual creator. With 2 a degree in Social Communication from Universidade Católica I’ll start my essay with a Baiano episode. On “Boys dress up like girls”, she says. But the de Salvador and in dance from Universidade Federal da Bahia, he May 23rd 2010, members of the Associação de ban refers directly to the performance of a is also a master in Performing Arts from that institution. Jorge Fanfarras e Bandas da Bahia (Afab-BA – “Band choreography incompatible with the male body. has participated in projects like Colaboratório and com.posições políticas as a creator of theoretical and pedagogic contents and Fanfarre Association of Bahia) decided (Festival Panorama de Dança – RJ). He is the artistic director that male majorettes were strictly forbidden According to news posted on their website, of Dimenti since 1998 and has been part of several initiatives in Brazil – and some abroad – and organized events like Interação e to participate in artistic competitions. the ban was due to complaints of members, Conectividade (Interaction and Conectivity). Transgressions made the team liable for event organizers and even bandleaders about

1 When I watched the show of Circo dos Sete Anões in Petrolina (PE) last May, I heard there was a circus called “Cirque du Solange”. I disqualification. In a fanfare, the majorette the excessively flamboyant behavior of the was conceptually blown away and used the name for this writing. This essay updates and develops a lecture I gave during the com.posições homosexual participants. políticas project organized by Isabel Ferreira, Eduardo Bonito and Nayse Lopez in the context of Festival Panorama de Dança Rio de Janeiro), in 2010. In Salvador, this speech had the privilege of having the nightclub Âncora do Marujo as landscape, in another edition of com. posições políticas at Interação e Conectividade V, organized by Dimenti 2 N.T. People born in the state of Bahia idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 66 67 Vol. 4 – Agosto / August 2011 CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA Por Jorge Alencar Por Jorge Alencar

Felizmente, em junho de 2010, a decisão o efeito naturalizante de uma construção extremado que escapa de qualquer padrão sapatão, cola velcro –, o queer ganha força foi revogada, com a seguinte condição: performativa de sexo e gênero. Assim, mais uniforme. Não é preciso pulseirinha performativa quando penetra no próprio que os balizas masculinos disputassem a desejo apontar, em nível introdutório, para ter acesso. Nem há camarote com veneno do insulto. Teoria bicha, teoria premiação somente entre eles, e não com algumas recentes mobilizações na cena varanda. É como um bloco sem corda para viada, teoria sapatão, teoria cola velcro. as balizas femininas. Segundo o presidente da dança brasileira que, de alguma forma, o folião pipoca: confuso e embaralhado. Filtro Não somente no domínio das palavras que da Associação, trata-se de uma questão ajudam a desembaraçar o nó que quase as experiências das quais falo por meio de significam algo, mas na medida em que são de justiça, já que os meninos teriam mais barrou os balizas baianos no baile. E pensar um olhar homoerotizado e, assim, posso ação e produzem sentido no mundo, seja como resistência corporal que as meninas nas como aquilo que, por ora, chamamos de ato ver quase tudo no mundo. Em alguns casos, grafia ou coreografia. É maior o bando que evoluções. queer (ato bicha) problematiza um certo saltam aos olhos coisas especiais que busca desfalcar qualquer regime de dominação: imperativo heterossexual que constrange, operam como critérios de eleição para políticas feministas, negras e pós-coloniais, Para pensar esse episódio talvez seja ou mesmo nega, certas identificações e essa experiência de escrita.3 diferenças geopolíticas de classe e migração. necessário, já de início, penetrar justamente sensibilidades sexuadas.2 na produção da estrutura binária de Coisa dissonante, disruptiva, estranha, lúdica, Quais danças podem produzir fissuras nessa matriz heteronormativa, feita de meninos e Nesta hora, invento um baile cuja convocatória absurda, indiscretamente sexuada. Coisa queer perspectiva, requalificando performativamente meninas, que reivindica uma estabilidade na propõe um universo de traje, de sonoridade que sequestra e reposiciona uma expressão as zonas inóspitas e inabitáveis de um categorização de gênero, nesse caso, por e de movimento ao mesmo tempo amplo e importada, vinda de um contexto bizarro gênero regulado por um ideal normatizador meio da linguagem, da fantasia/indumentária específico. Festa de pijama, de camisa colorida de interpelação maldizente e pejorativa que e naturalizante? Eu poderia embalar uma e da coreografia. e afins, que permite um nível de customização pragueja contra homossexuais. Reiterado ansiedade historicizante e emocionada de com estribilhos clássicos – bicha, viado, reparação, invocando grupos que abriram

Nesta escrita, cabe a mim rascunhar um 2 Para elaborar este texto, conversei com os artistas citados, buracos na heterossexualidade compulsória mapa artístico com uma munheca queer presencialmente ou por e-mail, e, em alguns momentos, lanço mão brasileira há algumas décadas. Falaria dos Dzi 3 Neste texto reúno trabalhos artísticos cujos assuntos, temas ou antropofagizada que assume a exuberante, de palavras usadas por eles próprios. Na maioria dos casos, assisti Croquetes, praticamente desaparecidos para a seus trabalhos ao vivo, mas também tive acesso a eles por meio de questões são explícita e assumidamente ligados a sexualidade e excessiva e afetada missão de desfamiliarizar fotografias e demais registros audiovisuais. gênero, segundo seus criadores e criadoras. minha geração e para o contexto nordestino

CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING By Jorge Alencar By Jorge Alencar Fortunately, on June 2010 the decision was Brazilian dance scene that somehow help special things pop up, operating as criteria for What kind of dance can produce cracks in overturned, under the following condition: untangle the knot that almost barred the this writing experience.4 this perspective, requalifying, in performative male majorettes must compete among majorettes from the party. I want to think way, barren and uninhabitable zones of gender themselves and not with the female majorettes. about how that which we are calling a faggot A dissonant, disruptive, strange, playful, regulated by a normalizing and naturalizing The president of the association stated it action problematizes a certain heterosexual absurd, indiscreetly sexual thing. A queer ideal? I could go with a historicizing and would be a matter of justice, since boys are imperative that constrains or even denies thing that kidnaps and shifts an imported emotional anxiety for reparation, evoking more resistant than girls. sexual identification and sensibility.3 term that comes from a bizarre context of groups that opened holes in the compulsory derogatory interpellation and badmouthing Brazilian heterosexuality some decades ago. To think about this event, we might need to At this point I make up a ball with a call for of homosexuals. This is reinforced by classic I would talk about Dzi Croquetes, a group penetrate exactly in the production of the entries that proposes a world of costumes, chorus – queer, fag, dyke, butch – queer gains that practically vanished for my generation binary structure of the heterosexual matrix, sound and movement. Broad and specific at performative strength when it penetrates into and for the Brazilian Northeastern context made of boys and girls, claiming for stability in the same time. Slumber party, colored shirts the very poison of insult. Queer theory, fag until very recently5 or the group Vivencial de the categorization of gender. In this case, this and the like allowing an extreme level of theory, dyke theory, butch theory. Not only in Pernambuco, contemporary to the Dzi, which is done by the means of language, fantasies/ customization, escaping any uniform pattern. the realm of words that mean something, but I only recently heard about.6 costumes and choreography. You don´t need a neon wrist pass. This is not to the extend they are actions that produce 5 With a huge success in the field of documentary production in a VIP balcony. It´s like a carnival: confusing meaning in the world, be it in graphics or Brazil, the movie Dzi Croquetes (2009), directed by Tatiana Issa and In this text, I’ll draft an artistic map with and messy. I filter the experiences I talk about choreography. The flock/pack seeking to Raphael Alvarez, brought to the open a group from Rio de Janeiro whose presence in the official history of Brazilian performing arts an anthropophagic queer fist that assumes through a homoerotic gaze. Thus, I can see undermine any domination regime: feminist, has been absurdly pale for many years. the exuberant, larger than life mission of almost anything in the world. In some cases, black and post-colonial politics, class and 6 According to researcher Rodrigo Dourado (2011), Vivencial defamiliarizing the naturalizing effect of a 3 In order to elaborate this text, I talked to the artists mentioned migration geopolitical difference. emerged in 1974, in Olinda – a city neighbor to Recife (PE) – and performative construct of sex and gender. here, in person or through e-mail and in some moments I use the became the main agglutinating agent in the city’s avant-guard Thus, I wish to point out, on an introductory words of the artists themselves. In most of the cases, I watched 4 I gather artistic works whose subjects, themes and issues are scene, being a focus point of wild resistance to the military their work live, but I also had access to photos and other explicit and openly linked to sexuality and gender according to dictatorship. In its brief history, Vivencial created a permanent level, some of the recent mobilizations in the audiovisual records. their creators. relationship with the nightlife of the city. idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 68 69 Vol. 4 – Agosto / August 2011 CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA Por Jorge Alencar Por Jorge Alencar

até pouco tempo,4 ou do grupo Vivencial de sinuosidade humorística. Falo do ponto de Aldren Lincon e seu Pau Brasil são explícitas é simples. Ela disponibiliza à plateia Pernambuco, contemporâneo dos Dzi e do vista de quem teoriza no exato momento em máquinas de prazer na cena, organizadas a participante diversos objetos – cosméticos qual só recentemente ouvi falar.5 que encena e compõe no preciso instante da partir de experiências sensoriais no âmbito e alimentos (como alface e rúcula) – com os escrita. Sem maiores pretensões de validação da dança e da fotografia. Para Aldren, as quais é possível modificar as duas imagens. Dessa vez, no entanto, falarei dos netos e e universalidade, os artistas para os quais características da árvore pau-brasil (vermelho- Tanto Carol como a toalha tornam-se um netas, dos pares do momento presente que, chamo a atenção aqui figuram, evidentemente, alaranjada, pesada, dura e incorruptível) são playground fetichizado em que o público por vezes desavisadamente, incorporam a um casting bastante restrito e provisório. como frestas abertas que contribuem para tenta estabelecer relações de igualdade e agenda daqueles que deixaram seus rastros. revelar, em seu trabalho, as exportações do diferença entre as duas mulheres, num jogo de Quero ficar bastante à vontade para situar Começo por um Top Five baiano. corpo da mulata/mulato; das cores das festas pirateamento da própria noção de feminino minha percepção no lugar da criação. Sou populares, como o Carnaval; e da habilidade/ num contexto de consumo. um artista interessado em questões que Simone Gonçalves é artista graduanda da Escola sex appeal dos jogadores de futebol. No palco, conectam desejo, fantasia, performatividade de Dança da Universidade Federal da Bahia, Aldren dança com um shortinho de pelada Como crianças brincando com a Barbie Face, e gênero, muitas vezes a partir de uma negra, lésbica, desbocada, ligada ao movimento futebolística e seu movimento nos convida encarnamos ali instâncias sociais que têm o hip-hop em Salvador, e que desenvolve um solo a penetrá-lo e a penetrar uma alegórica poder de decidir e inscrever naqueles corpos intitulado 44. Assim ela define seu trabalho: pornohistoriografia do Brasil e da Bahia, com marcas de feminilidade e beleza. Na ação 4 Com estrondoso sucesso no campo da produção de documentários no Brasil, Dzi Croquetes (2009), de Tatiana Issa e Raphael Alvarez, “Uma reflexão sobre os estigmas dessa direito a data show. proposta por Carol, brincamos do jogo do trouxe novamente à baila um grupo carioca cuja presença na numeração que remete a vários entendimentos. certo e errado da revista Nova, enquanto “historiografia oficial” da cena brasileira esteve absurdamente pálida por muitos anos. 44 não é o número do meu sapato, muito menos Carolina Falcão é uma artista baiana muita regulamos e controlamos certas normas que de minhas calças; é somente o número da minha bonita. Sua performance Jogo dos sete erros tanto reiteram um status hegemônico de 5 Segundo o pesquisador Rodrigo Dourado (2011), o grupo Vivencial surgiu em 1974 em Olinda (PE), vizinha ao Recife, e se tornou o casa.” A dança de Simone confunde hip-hop e constitui uma ação de emparelhamento, de beleza e feminilidade como estimulam um ritual principal aglutinador da cena de vanguarda da cidade, formando um arrocha, com um tônus bastante erotizado que simetria entre ela – presente e estatuesca – desesperado de demarcação de diferenças que, foco de resistência desbundada ao regime militar brasileiro de então. Em sua curta história, o Vivencial firmou uma relação permanente monta um gênero vacilante interessado em criar e uma toalha de banho que traz, estampada, na performance, resvalam muitas vezes num com a cena noturna e boêmia de Olinda. uma espécie de “viada fálica toda molhadinha”. uma foto de Gisele Bündchen. O mecanismo grotesco interessante.

CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING By Jorge Alencar This time, however, I’ll talk about their upon the stigma of the number that can lead grandchildren, the current fellow artists to different interpretations. 44 is not my the that sometimes unwittingly incorporate the size of my shoes, let alone my pants; it’s just agenda of those who have left their marks. the number of my house.7 Simone’s dance I want to be at ease to place my perception mixes up hip hop and arrocha8, with a highly at creation. I’m an artist interested in issues eroticized tone that builds up a hesitating that link desire, fantasy, performativity and gender interested in creating a kind of “all gender, often based on humorous windings. wet phallic fag”. I speak from the point of view of someone who theorizes and performs at the same Aldren Licon and his Pau Brazil are explicit time and composes in the very moment of pleasure machines on stage, organized after writing. Without any pretense of validation sensorial experiences in the realm of dance and or universality, the artists I highlight here photography. For Aldren, the qualities of Pau- are obviously part of a very restricted and Brasil (rusty red, heavy, hard and unbreakable) temporary cast. are like open cracks that contribute to reveal the exportation of the mulatto body; the I’ll start with a Baiano Top Five.

7 N.T. Brazil 44 is the shoe size equivalent to size 14 in the USA Simone Gonçalves is an artist that graduated and Canada and 46,5 in Europe. It’s also clothes size equivalent to from the Dance School of Federal University of size 14 and 44. Sapatão, big shoe is Brazilian slang for lesbians. Bahia. Black, lesbian, connected to the hip hop 8 N.T. A popular Brazilian rhythm. scene in Salvador, she developed a solo called 9 N.T. Pau Brasil is a plant that was possibly the inspiration for Pau Brasil, de Aldren Lincoln. Foto: Divulgação. 44. She defines her works as “a reflection country’s name, Pau is Brazilian slang for the male genitalia. Pau Brasil, de Aldren Lincoln. Foto: Divulgação. idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 70 71 Vol. 4 – Agosto / August 2011 CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA Por Jorge Alencar Por Jorge Alencar

queer, principalmente no que diz respeito à Aguiar, lançou um edital que convocou relação entre performance e transformismo. criações em dança ligadas às questões da Mais do que falar sobre teoria queer, ele sexualidade e da orientação sexual. No texto faz as vezes da potente pesquisadora que do edital, assim foi definido: “Considera- veste o tailleur rosa da Capes e tumultua se sexualidade as diversas formas, jeitos, nossas percepções.6 Para falar em termos maneiras em que as pessoas buscam para de uma corporalização teórica, vi poucos obter ou expressar prazer. É basicamente a pesquisadores no ambiente da academia busca do prazer humano em suas diversas processarem, como ele, a teoria queer tão formas.” enfaticamente no corpo e na maneira como

Jogo dos sete erros, de Carolina produzem e encenam seus discursos. No Brasil, alguns trabalhos já são Falcão. Foto: João Meirelles. emblemáticos nesta missão. Luis de Abreu, em Jogo dos sete erros, de Carolina Daqui em diante, passarei em revista algumas sua performance Travesti e no já antológico Falcão. Photo: João Meirelles. iniciativas nacionais interessadas, entre O samba do crioulo doido, queeriza a nação outras coisas, em contextualizar o gênero em brasileira geograficamente situada no Aroldo Fernandes tem em seu homo/ a gênero, apresentado em seu trabalho como termos de descontinuidade, estranhamento e cu do artista. O carioqueer é assimilado heterônimo Alec uma fantasmagórica uma construção cênica social. desnaturalização e, por isso mesmo, queer. explicitamente em obras de três artistas composição de sua subjetividade como artista, do Rio de Janeiro. André Masseno, no solo coreógrafo, dançarino e gay. A exemplo Fernando Passos é professor da Universidade Em 2010, o Festival Internacional da Outdoor Corpo Machine, faz um inventário de suas últimas (des)aparições – intituladas Federal da Bahia, no Departamento de Teoria Novadança, em Brasília, dirigido por Giovane coreográfico do acervo de poses do imaginário Prologue to a Dream, realizada em Phoenix, no e Criação Coreográfica. No campo da dança homoerótico, assim como ironiza o boneco

Arizona (EUA), e Alec – Hyperbolic, feita para no estado, é, de longe, o teórico mais vigoroso 6 Fernando Passos orientou parte de meus estudos de mestrado. Ken – o namorado da Barbie – ao mesmo vídeo –, Alec cria dúvida no que diz respeito em assuntos ligados ao gênero e à crítica Com Eliana Rodrigues Silva, encaminhei e finalizei o projeto. tempo em que se transforma no próprio

CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING By Jorge Alencar By Jorge Alencar colors of popular parties like carnival and the Like children playing with Barbie makeup Fernando Passos is a professor at the Federal Under the direction of Giovane Aguiar, ability/sex-appeal of soccer players. On stage, dolls, we embody social instances that have University of Bahia in the department of Novadança International Dance Festival, in Aldren dances a soccer game in short shorts the power to decide and to inscribe marks choreographic theory and creation. In Bahia’s Brasília, launched in 2010 a call for entries and his movements invite us to penetrate him of femininity and beauty in that body. In the dance field, he is by far the most vigorous for dance creations revolving around issues and to penetrate a pornohistory of Brazil and act proposed by Carol, we play the right and theorist of subjects regarding gender and of sexuality and sexual orientation. The Bahia, even using a data show. wrong game of Cosmopolitan magazine, as queer criticism, mainly the relationship regulation determined: “Sexuality is considered we regulate and control certain norms that between performance and drag. More than to be the different forms, ways, manners Carolina Falcão is an artist from Bahia and a both reiterate a hegemonic status of beauty to speak about queer theory, he sometimes in which people seek to obtain or express very beautiful woman. Her performance Jogo and femininity, and also stimulate a desperate embodies the powerful female researcher pleasure. It’s basically the search for human dos sete erros (Spot the seven differences) is a ritual of delimiting differences that often wearing a pink suit and really disrupts our pleasure in its different forms”. pairing act. She creates symmetry between reveal interesting grotesque glimpses. perception10. Speaking in terms of theoretical herself – present and statuesque –, and a bath embodiment, I have seen few researchers in In Brazil, some pieces of work are already towel with Giselle Bündchen’s picture. It’s a Aroldo Fernandes’s homo/heteronym Alec the academic realm process queer theory iconic in this mission: With his performances simple mechanism. She makes several objects is a ghost-like composition of his subjectivity so emphatically in the body, in the way they Travesti and the anthological O Samba do Crioulo available for the audience – cosmetics and food as an artist, choreographer, dancer and gay produce and enact their discourse. Doido, Luis de Abreu geographically queerizes (like lettuce and arugula) – with which we can man. As shown by his latest (dis)appearances the Brazilian nation situated in the artist’s change both images. Both Carol and the towel entitled Prologue to a Dream, performed in From now on, I’ll review some national anus. Queer from Rio de Janeiro is explicitly become a fetishized playground where we Phoenix, Arizona, and Alec – Hyperbolic, made initiatives interested, among other things, assimilated in the work of three artists. With try to establish relationships of similarity and in video, Alec creates doubts about gender, in contextualizing gender in terms of the solo Outdoor Corpo Machine, André Masseno difference between the two women, in a game which is presented in his work as scenic discontinuity, alienation and denaturalization, makes a choreographic inventory of the of pirating the very notion of femininity, in a social construct. and consequently queer. homoerotic imaginary collection of poses and

context of consumption. 10 Fernando Passos was the guiding counselor for some of my also mocks Ken – Barbie’s boyfriend – at the master’s studies. I finished the project with Eliana Rodrigues Silva. same time he turns into the doll and desires idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 72 73 Vol. 4 – Agosto / August 2011 CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA Por Jorge Alencar Por Jorge Alencar

boneco e o deseja, literalmente, de quatro na Always, ou TTA, é resultado de dor de cotovelo, cena. O solo Maria José, de Helena Vieira, que comunicação por internet, MSN, dez horas estreou na edição 2006-2007 do Rumos Itaú ininterruptas de Skype, telefone interurbano Cultural Dança, parte da pergunta: “Quantos Teresina/Votorantim, SMS, final de namoro, gêneros é possível representar em nossa dez gigabytes de lembranças etc. TTA é o performance cotidiana?”, enquanto Rickyoncé nome do perfume da Avon usado por seu ex- Seabra, no solo Empire Love 2 Love u Baby!, faz namorado, que, inicialmente, colaborou com o drag do nacionalismo norte-americano. o projeto, que nasceu como pretexto para colocar o casal em conexão e é configurado No vigoroso Núcleo de Criação do Dirceu de como um web-vídeo-diário-dança-auto- Teresina, interessado nos corpos que pesam documental. gendericamente, destaco Marcelo Evelin e Elielson Pacheco.7 No solo Ai ai ai, criado na Um dos últimos TTA da série é um década de 1990, longe do Brasil, Marcelo documentário sobre a vida simples de Sayara, processa aspectos como êxodo, identidade e heroína e drag que, diurnamente, expõe sua saudade travestindo-se de marcas culturais vida ordinária, seus desejos e limites com arquetípicas que remontam à lavadeira, à pin- médio glamour, através de uma câmera ciber up, à vedete, à ginga do malandro. Elielson faz shot e resolução 300 dpi. Sayara, juntamente um projeto especialmente instigante chamado com Cintia Sapequara (Erivelto Vianna – São TTA. Segundo o artista, Today – Tomorrow – Luis) e Ana, a princesa dos cabelos mágicos (Ricardo Marinelli – Curitiba), formam o 7 Cleyde Silva, também do Núcleo de Criação do Dirceu, desenvolve processo autoral em que medita sobre o lugar da mulher bgirl no projeto Travesqueens. ambiente muitas vezes misógino do hip-hop.

CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING By Jorge Alencar him, literally on all fours. Helena Vieira’s According to Elielson, the project Today- solo Maria José premiered in the 2006-2007 Tomorrow-Always or simply TTA is the result edition of Rumos Itaú Cultural Dança. It of jealousy, internet communication, MSN, starts with the question: “How many non-stop 10 hour Skyping, long distance calls genders is it possible to enact in our daily TTA, de Elielson Pacheco. Foto: Elielson Pacheco. Teresina/Votorantim, texting, a break-up, 10 performance?”, while Rickyoncé Seabra stages TTA, de Elielson Pacheco. Photo: Elielson Pacheco. gigabytes of memories etc. TTA is the name the drag of American nationalism in his solo of the Avon perfume his ex used. At first, he Empire Love 2 Love u Baby!. collaborated with the project that was born as an excuse for keeping the couple in touch and In the vigorous Núcleo de Criação do Dirceu is configured as a web-video-journal-dance- de Teresina, interested in the bodies that count self-documentary. in terms of gender, I pick out Marcelo Evelin and Elielson Pacheco11. In the solo Ai ai ai, One of the last TTA of the series is a created away from Brazil, Marcelo processes documentary about the simple life of Sayara, aspects like exodus, identity and longing, drag heroine who daily exposes her ordinary cross dressing cultural archetypical marks life, he desires and limitations with some that refer to the laundress, the pin up, the glamour, through a cyber-shot camera and starlet, the hustler’s . Elielson Pacheco 300 dpi resolution. Sayara, along with Cintia has a specially instigating project called TTA. Sapequara (Erivelto Vianna – São Luis) and Ana – the princess with magical hair (Ricardo Marinelli – Curitiba) –, form the project 11 Cleyde Silva is also a member of Núcleo de Criação do Dirceu. She develops a process in which she reflects about the place of Travesqueens. women in the misogynist hip hop environment. idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 74 75 Vol. 4 – Agosto / August 2011 CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA Por Jorge Alencar Por Jorge Alencar

A empreitada coreográfica busca constituir um como na peça Pelo a menos no País das troca de carícias,8 da Silenciosa, endereça do rosto de Cândida realisticamente colado corpo que clama pela androginia, acentuando Maravilhas, em que Ricardo se transforma uma espetacularidade burlada e burlesca a fotografias de corpos nus de diferentes a performatividade de gênero e esgarçando numa peniana Jennifer Beals, atriz do filme que suscita a participação total através mulheres – jovens, obesas, magras... Já os limites entre masculino e feminino, ao Flashdance, convoca homomemórias da da liberação do movimento irrefreável do Hipopótama organiza quase uma inversão desse equalizar um certo feminino ampliado da infância e de sua constelação familiar e cria desejo, enaltecendo a espetacularidade como processo, quando o corpo nu de Cândida veste drag queen com a potência irreversivelmente ranhuras na heteronormatividade dos textos estratégia de subversão à ditadura normativa a máscara da paquiderme e presentifica-se corajosa das mulheres travestis. da legislação brasileira. Em outros trabalhos, da funcionalidade, do clientelismo, do controle para engendrar a ação performativa. a afetação de um gênero viajante faz Ricardo e dos binários. Nativa de São Luís do Maranhão, Cintia confessar suas dores, desejos e fantasias, como Os trabalhos de Cândida Monte e o Jogo dos Sapequara é franca. Posso atestar que ela no solo Se ele fosse outra coisa, seria o mesmo, Cândida Monte, integrante da curitibana e sete erros, de Carolina Falcão, se encontram é realmente uma celebridade no estado. É em que se traveste de uma indumentária de mundial comunidade artística Couve-Flor, com investidas da performer carioca locutora de rádio, apresentadora de TV, couro, fashion, bizarra, fetichizada e cortante fez duas obras que desfalcam um ideário Patrícia Bárbara, por meio de uma fricção dançarina e atriz, adora guaraná Jesus e para dar corpo a pulsões suicidas e fabulescas. homogeneizador de corporeidade feminina. entre o vestir e o despir o corpo feminino. doce de espécie de Alcântara. Também é Um outro corpo e Hipopótama ficcionalizam Com diferentes batismos processuais – garota propaganda, madrinha de bateria, faz Ainda em campos curitibanos, a Companhia o corpo da performer por meio de procedi- comPATBilidade, Boneca photo studio, A boneca merchandising e paga as contas de Erivelto. Silenciosa faz uma mixagem no corpo com mentos de mascaramento. No primeiro, vai ao cabaré e Vudú – Uma boneca bafo –, o um caráter de manifesto e ideais burlescos. pôsteres em tamanho corporal hiper-real projeto da artista de 1,60m de altura e 92kg se As criações de Ricardo Marinelli são Capitaneada por Giorgia Conceição, são espalhados pela cidade com a imagem problematiza em noções canônicas do belo. carregadas de uma valência confessional Henrique Saidel e Leo Gluck, a vacilação

bastante queer, num franco processo de de identificações sexuais desse trio e de 8 O manifesto, de autoria de Giorgia Conceição, foi elaborado No espaço da performance, estão uma arara desnudamento. Em alguns de seus trabalhos, seus parceiros artísticos alcança dimensões dentro da pesquisa da Companhia Silenciosa, a partir de com roupas, bijuterias, calçados, acessórios, e essa questão vem motivada por materiais diruptivas, explícitas e arriscadamente intercâmbio com o Erro Grupo (SC), no projeto Salsichão no a artista em pé, encerrada em si mesma como Boquerão/Tainha na Prainha, realizado através do Rumos Itaú especificamente ligados à questão de gênero, físicas e afetivas. Um manifesto inflamado pela Cultural Teatro 2011. autômato inerte e disponível à interferência do

The choreographic endeavor seeks to compose a body crying out for androgyny, stressing the performativity of gender and stretching the limits between male and female by equalizing the amplified femininity of Drag Queens with the irreversibly courageous power of transvestite women.

A native of São Luís do Maranhão, Cintia Sapequara is straight forward. I can testify she really is a celebrity in the state. She is radio DJ, a TV host, dancer and actress. She loves Guaraná Jesus (a soft drink typical of the city) and doce de espécie de Alcântara (also a local delicacy). She is also a poster girl and pays Erivelto’s bills.

The creations of Ricardo Marinelli are filled with a very queer confessional quality, in a frank process of baring it all. In some of his Pelo a menos no país das maravilhas, de Ricardo Marinelli. Foto: Divulgação. works, this issue is motivated by materials specifically linked to the issue of gender, like in Pelo a menos no país das maravilhas, by Ricardo Marinelli. Photo: Divulgação. play Pelo a menos no país das maravilhas idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 76 77 Vol. 4 – Agosto / August 2011 CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA Por Jorge Alencar Por Jorge Alencar

público. Noutra ação da pesquisa, a boneca é De onde falo, da percepção do artista instalação fraudulenta de um empreendimento fotografada tomando banho ao lado de uma criador, cabe abordar investidas pessoais que imobiliário chamado Yemanjá Privilege. Salvador, dupla de porcos, numa simetria animalizada e argumentem sobre uma penetração em códigos como muitas cidades no Brasil, passa por uma grotescamente bela. Fica claro para Patrícia específicos do corpo e suas representações histeria imobiliária asseptizante e gratinadora. que seu trabalho é seu corpo específico, a erotizadas. Evitando uma sintonia por demais O nosso projeto está interessado, entre maneira com a qual ela lida com sua nudez, umbilical, lá vou eu abrindo meu zíper artístico. outras coisas, numa autoexotização, numa a pouca importância que dá a decoros e a Nos diferentes trabalhos que desenvolvo junto autoestigmatização, para flagrar recorrentes beleza que enxerga em si. ao Dimenti, grupo de artistas e produtores proposições identitárias que procuram com o qual trabalho há 13 anos, diversas estabelecer uma fisionomia particular e Em dois de seus solos, Negro de estimação e questões em dança são genderizadas. Seja nas exportável, que disneyficam a paisagem Jandira, o ator e dançarino pernambucano performances ou nos trabalhos audiovisuais, urbana/arquitetônica da cidade. Kleber Lourenço expande, na relação entre cena seja nas peças voltadas para crianças ou para A mulher-gorila, do grupo Dimenti. Foto: João Meirelles. e literatura, a noção exclusivamente sexualizada adultos, há interesse num discurso que tumultue Chuá irmana-se ao balé e conto de fadas O lago de queer, ao articular tal tropo teórico também demarcações por demais asfixiantes no que A mulher-gorila, do grupo Dimenti. Photo: João Meirelles. dos cisnes para projetar um entendimento de a estigmas e questões raciais. Politicamente diz respeito ao direito ao gozo e à autonomia infância que transborde a moldura moralista motivada, essa escolha marca, principalmente, afetiva. Citarei três experiências: Um dente e didatizante recorrente em produções feitas Negro de estimação, que toma como ponto chamado bico, o infantil Chuá e A mulher-gorila. para crianças e jovens, a exemplo da versão de partida o livro Contos negreiros, do autor para desenho animado do balé feito com pernambucano Marcelino Freire, enquanto em Um dente chamado bico é um projeto criado a boneca Barbie.9 O projeto performativo/

Jandira, interessado em construções arquetípicas em parceria entre Dimenti e Sheila Ribeiro/D. 9 Ainda quero publicar uma reflexão especificamente voltada para do universo feminino, bebe da poesia modernista Orpheline que articula coreograficamente os filmes animados da Barbie feitos a partir de balés de repertório – do escritor mineiro Murilo Mendes. mercado imobiliário, turismo e erótica. O O lago dos cisnes e O quebra-nozes – e do fetiche da bailarina – Barbie e as doze princesas bailarinas. No meu estudo de mestrado, já escrevo projeto abarca ações na rua, audiovisuais e uma sobre isso e, em breve, coloco no mundo.

CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING By Jorge Alencar By Jorge Alencar (At least in wonderland), in which Ricardo turns participation through the liberation naked body wears the hippo mask and becomes is her body itself, the way she deals with her into a penile Jennifer Beals – the Flashdance of the unstoppable movement of desire, present to engender the performative action. nudity, the little attention she pays to decorum actress –, summons childhood and family praising the spectacle as strategy for and the beauty she sees in herself. homomemories and creates cracks in the subverting the normative dictatorship of Cândida Monte’s works and Carolina Falcão’s heteronormativity of Brazilian laws. In other functionality, political bargaining, control Jogo dos sete erros come to meet the initiative In both of his solos – Negro de estimação (Pet works, the affections of a wandering gender and binaries. of performer Patricia Barbara, from Rio de Black Man) and Jandira – actor and dancer makes Ricardo confess his pains, desires and Janeiro, by the means of frictions between Kleber Lourenço, from Pernambuco, goes into fantasies as in the solo Se ele fosse outra coisa, Cândida Monte, a member of artistic dressing and undressing the female body. With the relationship between scene and literature seria o mesmo, in which he cross dresses with a community Couve-Flor, created two pieces different conceptual baptisms – comPATBilidade to expand the exclusively sexualized of queer leather, bizarre, fetishized and cutting costume that stifle a homogenizing female body ideal (compatibility), Boneca photo studio (Doll photo by articulating such theoretical locus to racial to embody suicidal and whimsical drives. Um Outro corpo (Another body) and Hipopótama studio), A boneca vai ao cabaré (The doll goes issues and stigmas. Politically motivated, this (Female hippopotamus) fictionalizes the to the cabaret) and Vudú – Uma boneca bafo choice marks mainly Negro de estimação, based Also in Curitiba, Companhia Silenciosa mixes performer’s body through masking procedures. –, (Voodoo – a – the project of 1,60m tall on the book Contos negreiros, by Marcelino a manifesto quality and burlesque ideals in In the first work, unrealistic sized body posters artist weighing 92kg problematizes herself in Freire. Interested in archetypical constructs the body. Spearheaded by Giorgia Conceição, are scattered around the city with the image canonic notions of beauty. On the space of of the feminine universe, he is inspired by the Henrique Saidel and Leo Gluck, the hesitation of Candida’s face realistically glued on photos the performance, a rack with clothes, bijous, modernist poetry of writer Murilo Mendes. of sexual identities in this trio and their artistic of naked bodies of different women – young, shoes, accessories and the performer, standing accomplices reaches disruptive, explicit, obese, skinny... Hipopótama organizes almost up, closed within herself as an inert automaton From my creating artist perspective, it’s daringly physical and affective dimensions. an inversion of that process, when Cândida’s available to the interference of the audience. important to talk about personal projects that The company’s Manifesto inflamado pela troca In another research, the doll is photographed argue about penetrating specific codes of the de carícias (Heated manifesto for the exchange 12 The manifesto written by Giorgia Conceição was elaborated taking a bath besides a couple of pigs in body and their eroticized representations. of caresses)12, addresses a circumvented during the research of Companhia Silenciosa, based on exchanges a bestialized and grotesquely beautiful Avoiding an overly umbilical tune, here I go with Erro Grupo (SC), in the Salsichão project at Boquerão/ and burlesque spectacle that evokes total Tainha, Prainha. symmetry. It’s clear for Patricia that her work opening my artistic zipper. In the different idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 78 79 Vol. 4 – Agosto / August 2011 CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA Por Jorge Alencar Por Jorge Alencar

pedagógico da peça não convoca o príncipe radical ou de um essencialismo absoluto. ela, o excesso esvoaçante e glamourizado descentramento e paródia. Contudo, há salvador, mas tem um cisne asmático que Gênero não é uma construção absolutamente – e uma devoradora Cyd Charisse feita de muitas pintas queer em várias outras obras habita uma gaiola de portas abertas e diversas dada, mas também não é algo portátil, fácil de pernas e piteira. Na maior parte do tempo, os de dança no Brasil que não necessariamente outras aves carnavalizadas – papagaio, se instituir ou transformar, ao mesmo tempo performers vestem e trocam entre si roupas atrelam seus campos declarados de discussão cegonha, galinha, beija-flor, avestruz. Os em que o seu teor de ficção e fantasia também quase saídas de uma casinha de bonecas, a problemáticas ligadas a gênero, desejo e dançarinos vestem materiais ortopédicos – lhe são performativamente constituintes. citando aquele modelinho de papel que só sexualidade. O queer, nessa perspectiva, vai muletas, colar cervical e imobilizadores em possui a parte anterior do traje, nesse caso, além de sua dimensão temática, mas constitui geral – que interferem em suas constituições O título A mulher-gorila faz referência a uma um jeito de enquadrar gênero como cena, um universo amplo e borrado de referências motoras e visuais, gerando jeitos trágicos e atração de parque de diversões que ressalta montagem e travestismo. que atravessam, de jeitos diversos, o trabalho lúdicos de beleza. No palco, dentro de uma a aberrante transformação de uma linda de criadores e criadoras no país, sobretudo piscina de bolas de parque de diversão, quem mulher – Monga – em um gorila e, depois, Do que é fixo, só nos resta uma escadaria no caso de quem assume sua condição se afoga recebe respiração boca a boca, em mulher novamente. As provocações sinuosa, enorme, rija, no centro do palco, em homoerótica. indistintamente, de homens/mulheres/aves. cênicas do trabalho caminham no sentido movimento ascendente para lugar nenhum. Ela de problematizar até mesmo a noção de não tem uma função utilitária no espetáculo, A ideia de borrar demarcações de gênero e A peça coreográfica A mulher-gorila se classificação de gênero centrada na “gaiola” mas lá permanece em seu poderio fálico sexualidade traz à tona a sólida noção de enfia na dança de salão, na moda e nos biológica como fator determinante. autoproclamado. A escadaria é, certamente, território, mas não para reforçá-la, e sim musicais hollywoodianos para pensar um dos elementos mais recorrentes nos para dinamizar um processo de identificações explicitamente o gênero como citacionalidade Os dançarinos capturam trechos inteiros de musicais e tem a ver com a fantasia da diva que problematiza tradicionais oposições e performatividade, entendendo e penetrando coreografias de musicais hollywoodianos, delicada, melancólica ou fechativa. binárias, como: dentro e fora; com e contra; nas reiterações pelas quais um discurso como O Picolino (1935) e Cantando na chuva originalidade e citação; profundidade e marca e nomeia os corpos. No trabalho, uma (1952), desenhando, respectivamente, um As obras brasileiras mencionadas nesse banalidade; verdadeiro e falso. Polarizações subversão performativa pode se dar, quando heteronormativo casal feito de Fred Astaire e texto articulam em suas composições a que fazem parte de um exercício de se trata o gênero fora de um construcionismo Ginger Rogers – ele vestindo o fraque sóbrio; própria noção de gênero, em termos de demarcações territoriais, com seus usuais

CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING By Jorge Alencar By Jorge Alencar works I develop with Dimenti, a group of stigmatization to expose recurring identity visual compositions, creating tragic and playful – into a gorilla and then from the gorilla back artists and producers with whom I have been proposals that seek to establish a particular forms of beauty. On stage, those who drown into the woman. The scenic provocations working for 13 years, several issues about and exportable features that disneyfy the city’s inside a pool filled with plastic balls gets mouth- work towards problematizing even the idea of dance are gendered. Be it in performance or urban/architectural landscape. to-mouth from men/women/bird indistinctly. gender classification focused on the biological video, in pieces aimed at children and adults, “cage” as a determining factor. there is an interest in the discourse that Chuá approaches the ballet and fairy tale Swan The choreographic piece A mulher-gorila messes up overly suffocating delimitations Lake to cast an understanding of childhood meddles with ballroom dancing, fashion and The dancers capture whole scenes of regarding the right to pleasure and affective that overflows the very common moralizing Hollywood musicals to think very explicitly choreographies in Hollywood musicals like autonomy. I’ll mention three experiences: Um and didactical framework of productions about gender as quotability and performativity, Top hat (1935) and Singing in the rain (1952), dente chamado bico (A Tooth Called Beak), Chuá designed for children, like the animated film of understanding and penetrating in the creating a heteronormative couple like Fred and A mulher-gorila (Gorilla Woman). the ballet featuring Barbie.13 The performative/ reiterations through which a discourse marks Astaire and Ginger Rogers – he wears a sober pedagogical project of the play doesn’t include and names bodies. In the work, a performative tail coat, she wears flowing and glamorized Um dente chamado bico is a project created a rescuing prince, but an asthmatic swan that subversion can take place when gender is excess – and a men-eating Cyd Charisse made in a partnership between Dimenti and Sheila lives in cage with open doors and several other handled outside a radical constructionism of legs and cigarette holders. Most of the time, Ribeiro/d. Orpheline that choreographically flamboyant birds – parrot, stork, chicken, or absolute essentialism. Gender is not an the performers dress up and exchange among articulates the real estate market, tourism humming bird, ostrich. The dancers wear absolutely given construction, but it’s also themselves clothes that seem to come from and eroticism. The project encompasses orthopedic objects – crutches, cervical collar not something portable, easy to establish or a dollhouse, like the dress up paper doll that actions on the street, videos and a fraudulent and the like – that interfere in their motor and transform. At the same time, its fiction and only has the top part of the outfit, in this case, installation of a real estate enterprise called fantasy are also performatively constituted. a way to frame gender as scene, assemblage Yemanjá Privilege. Like many other Brazilian 13 I want to publish a reflection specifically about the animation and cross dressing. cities, Salvador is going through a sanitizing movies Barbie made based on classic ballets – Swan Lake and The The title A mulher-gorila refers to a carnival Nutcracker – and the ballerina fetish – Barbie in the 12 Dancing and grinding real estate hysteria. Among other Princesses. In my masters dissertation, I already wrote about this attraction that feature the freakish We are only left with a huge, winding, stiff things, we are interested in self-exotism, self- and soon I’ll bring it to light. transformation of a beautiful woman – Monga staircase in the middle of the stage, in an idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 80 81 Vol. 4 – Agosto / August 2011 CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA Por Jorge Alencar Por Jorge Alencar

pontos de partida e de chegada, que procuram Qualquer desejo de acesso a uma sexualidade criar uma aparente ordem naquilo que é, original – ou mesmo a uma cartilha do que intrinsecamente, desordenado. venha a ser queer – está sujeito a exercícios paródicos e a práticas de apropriação Historicamente, a categoria “sexo” esteve crítica. A tensão heteronormatizante criada atrelada a um sistema de heterossexualidade entre “imitação” e “original”, em termos de compulsória e de reprodução sexual. Já numa identidade e sexualidade, é complicada e inflexão queer, não existe “sexo” que não seja indica a relação tola entre uma identificação resultado de implicações de discurso e poder. primária – com seus pretensos significados O projeto de um sexo elaborado a serviço originais – e as experiências reformuladas de um mecanismo de controle e regulação pela citação. Ao se montar uma corporalidade procura unificar uma variedade de funções interessada em penetrar as citações sexuais distintas e não relacionadas. Nesse performativas de gênero, deflagra-se a própria caso, vale a interferência de Foucault, para estrutura imitativa daquilo que não pode ser quem sexualidade implica um sistema aberto naturalizado, posto que é composição e ficção, e histórico de discurso e poder. O ser sexuado uma coreografia provisória e contingente. está atrelado a uma rede de relações sociais reguladoras que balizam e atuam como princípios formadores do desejo, do sexo e do gênero.

CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING By Jorge Alencar By Jorge Alencar ascending movement to nowhere. It doesn’t The idea of blurring delimitations of gender of Foucault, for whom sexuality implicates an have any practical use in the show, but it and sexuality brings to the surface the solid open and historical system of discourse and remains with its self-proclaimed phallic power. idea of territory, not to reinforce it but power. Being sexual is attached to a web of The staircase is certainly one of the most to set off a process of identification that regulating social relations that beacon and act recurring elements in musicals and it has to do problematizes traditional opposing binaries as forming principles of desire, sex and gender. with the fantasy of the delicate, melancholic or like: inside and outside, with and against, secretive diva. originality and citation, depth and banality, Any desire for access to an original true and false. Polarizations that are part of sexuality – or even a handbook about what The Brazilian pieces mentioned in this essay an exercise of territorial delimitations in their queer is – is subject to exercises of parody articulate in their composition the very notion usual starting and arriving points that seek and critical appropriation practices. The of gender in terms of displacement and parody. to create an apparent order in that which is heteronormatizing tension created between However, there are many queer touches in so intrinsically chaotic. “imitation” and “original” in terms of identity many other dance pieces in Brazil that don’t and sexuality is complicated and it indicates necessarily attach their declared fields of Historically, the “sex” category has been the silly relationship between primary discussion to problematic regarding gender, closely linked to a system of compulsory identification – with its supposed original desire and sexuality. In this perspective, queer heteronormativity and sexual reproduction. meanings – and the experiences formulated by goes way beyond its thematic dimension, but it Meanwhile, from a queer perspective, there citation. By creating a corporality interested constitutes a very wide and blurred universe of is no “sex” that isn’t a result of discourse in penetrating the performative citations of references that cross in several ways the works and power implications. The project of sex gender, the very imitating structure of that of creators in the country, especially in the elaborated at the service of an apparatus of which can’t be naturalized is triggered, since case of those who assume their homoerotic control and regulation seeks to unify a variety it is composition and fiction, a temporary and condition. of distinct and non-related sexual functions. contingent choreography. In this case, we can summon the interference idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 82 83 Vol. 4 – Agosto / August 2011 CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA CIRQUE DU SOLANGE: MAPA INTRODUTÓRIO DE UM PICADEIRO BICHA Por Jorge Alencar Por Jorge Alencar

BIBLIOGRAFIA FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: PRECIADO, Beatriz. Después del feminismo: A vontade de saber. Trad.: Maria Thereza da Mujeres en los márgenes. El País, 13 jan 2007. BUTLER, Judith. “Corpos que pesam: Sobre os Costa Albuquerque e J.A. Guilhon Albuquerque. Disponível em: http://www.elpais.com/ limites discursivos do ‘sexo’”, in Guacira Lopes Rio de Janeiro, Graal, 15ª ed. 1988. solotexto/articulo.html?xref=20070113elpbabes Louro (org.). O corpo educado: Pedagogias da e_1chr(38)type=Tes sexualidade. Belo Horizonte, Autêntica, 2001. . “Friendship As a Way of Life”, in Paul Rabinow (org.). The Essential Works of Foucault STONELEY, Peter. A Queer History of the Ballet. . Problemas de gênero: Feminismo 1954-1984, Volume One – Ethics: Subjectivity and Londres e Nova York, Routledge, 2007. e subversão da identidade. Trad.: Antônio Truth. Trans. Robert Hurley. Nova York, The Mercado. Rio de Janeiro, Civilização New Press, 1997, p.135-140. Sites: Brasileira, 2006. LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: http://www.consuladosocial.com.br/?p=5177. DERRIDA, Jacques. Margens da filosofia. Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Acesso em: 4 jun 2010. Trad.: Joaquim Torres Costa. Campinas, Horizonte, Autêntica, 2004. Papirus, 1991. http://sisalnoticias.com/2010/06/01/fanfarras- . Gênero e sexualidade: Pedagogias nao-podem-mais-ter-baliza-masculino/ DOURADO, Rodrigo Carvalho Marques. contemporâneas. Pro-Posições, v.19, n.2 (56), Filed under: Cultura by Alexandre Reis. Acesso Muñecas hablando para el mundo: (Trans) maio-ago, 2008. em: 1º jun 2010. identidades en la escena brasileña. Revista Conjunto, n.154/155, Casa de Las Americas, http://centraldenoticiasgays.blogspot. Cuba, 2011. com/2010/06/balizas-homens-ja-podem- participar-de.html. Acesso em: 22 jun 2010.

CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING CIRQUE DU SOLANGE: AN INTRODUCTORY MAP OF A QUEER CIRCUS RING By Jorge Alencar By Jorge Alencar REFERENCES DOURADO, Rodrigo Carvalho Marques. LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: Sites: BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre Muñecas hablando para el mundo: (Trans) Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO, identidades en la escena brasileña. Revista Horizonte: Autêntica, 2004 http://www.consuladosocial.com.br/?p=5177 4 Guacira Lopes (org). O corpo educado: Conjunto, N. 154/155, 2011. Casa de Las de junho de 2010 8:30 am pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Americas, Cuba. LOURO, Guacira Lopes. Gênero e sexualidade: Autêntica, 2001. pedagogias contemporâneas. Pro-Posições, v. http://sisalnoticias.com/2010/06/01/fanfarras- FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 19, n. 2 (56) - maio/ago. 2008 nao-podem-mais-ter-baliza-masculino/ ______. Problemas de gênero: feminismo e I: a vontade de saber. 15.ed. Tradução Maria Filed under: Cultura by Alexandre Reis subversão da identidade. Tradução Antônio Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon PRECIADO, Beatriz. Después del Feminismo: 01/06/2010 Mercado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, Mujeres en los márgenes. EL país, 13/01/2007. 2006. Tradução de: Gender trouble: feminism and 1988. Tradução de: Historie de la sexualité: I la http://centraldenoticiasgays.blogspot. the subversion of identity. voloté de savoir. Fuente:http://www.elpais.com/solotexto/ com/2010/06/balizas-homens-ja-podem- articulo.html?xref=20070113elpbabese_1chr(38) participar-de.html 22 de junho de 2010 DERRIDA, Jacques. Margens da filosofia. FOUCAULT, Michel. Friendship as a way of life. type=Tes Tradução Joaquim Torres Costa. Campinas: The Essential Works of Foucault 1954-1984, Papirus, 1991. Tradução de: Marges the la Volume One - Ethics: Subjectivity and Truth. STONELEY, Peter. A Queer History of the philosophie Ed. Paul Rabinow. Trans. Robert Hurley. New Ballet. London and New York: Routledge, 2007. York: The New Press, 1997. 135-140

idança.txt idança.txt Vol.4 – Agosto / August 2011 84 85 Vol. 4 – Agosto / August 2011 Coordenação Geral / General Coordination: Nayse Lopez; Edição / Editing: Daniele Avila; Revisão / Proofreading: Kathia Ferreira; Tradução / Translation: Gabriela Baptista; Conceito Visual / Graphic Concept: Cecilia Costa; Design Gráfico / Graphic Design: Vivian França; Produção / Production: Gabriela Baptista

Esta publicação tem o apoio da Fundação Prince Claus da Holanda / This publication has the support of the Prince Claus Fund

O projeto www.idança.net conta com o Patrocínio da Petrobras para manutenção de suas atividades regulares / The www.idança.net project is sponsored by Petrobras to maintain its activities.

Parceiros / Partners