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José Portugal Dos Santos Ramos* - Bruna Frascolla**

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comentários conimbricenses sobre os meteorológicos de aristóteles

José Portugal dos Santos Ramos* - Bruna Frascolla**

Tratado Quinto dos Comentários Conimbricenses Sobre os Meteorológicos de Aristóteles

The Fifth Treatise of the Conimbricenses’ Commentaries on ’s Meteorologica Abstract The aim of these considerations is to provide an overview of the explanations set out in the fifth treatise of the Commentaries on Aristotle’s Meteora, published by the Coimbra Jesuits in Lisbon, 1593. In order to introduce the Latin edition and the Portuguese translation of this treatise on the rainbow (an atmospheric phenomenon that, for philosophical, physical and methodological reasons deserved special attention from Antiquity until the Modern Age) we offer a summary of the Commentary’s main Proemium and of the fifth treatise itself. Keywords: Conimbricenses, Science, , Rainbow.

Resumo Estas considerações introdutórias pretendem fornecer uma breve introdução à edição bilíngue (latim- português) do quinto tratado dos Comentários sobre os Meteorológicos de Aristóteles publicados em 1593 em Lisboa como segundo volume do Curso Conimbricense da Companhia de Jesus. Esse tratado discute o arco-íris, um fenómeno atmosférico que, por razões filosóficas, físicas e metodológicas mereceu especial atenção desde a Antiguidade até à Idade Moderna. Palavras-chave: Conimbricenses, Ciência, Meteorologia, Arco-íris.

* Membro do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana. ** Doutora em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia.

© Mediaevalia. Textos e estudos, 35 (2016) pp. 115-122. DOI: http:/dx.doi.org/10.21747/21836884/med35a6 115

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1. Introdução1

Os Commentarii Collegi Conimbricensis Societatis Iesu in libros Meteororum Aristotelis Stagiritae, obra impressa em Lisboa na Tipografia de Simão Lopes em 15932 pelos mestres Jesuítas do Colégio das Artes3, inclui como seu tratado V uma completa discussão sobre o arco-íris. O tratado intitulado “De Iride sive arcu coelesti (Do arco-íris ou arco celeste)” está dividido em três capítulos intitulados: (i) As diversas opiniões dos filósofos acerca da natureza e origem do arco-íris; (ii) Acerca da origem do arco-íris, o que é necessário além disso para que ele seja sentido pelos espectadores? (iii) Da significação do arco-íris. O arco-íris é um fenómeno atmosférico que chamou a atenção de diversos pensadores ao longo da história da ciência, entre os quais se destacam Descartes e Newton no início da modernidade, Grosseteste e Rogério Bacon em meados do século XIII e Platão e Aristóteles na Antiguidade. Ao tratarem também do arco- íris a partir das diretrizes de um Curso magistral, os Conimbricenses surgem na história da filosofia natural estabelecendo uma continuação entre o pensamento antigo e a formação do pensamento moderno. A partir da sistematização dos conteúdos das obras de Aristóteles, os Conim- bricenses contribuíram significativamente para a restauração e revalorização do aristotelismo medieval no período da Segunda Escolástica (iniciada na Península Ibérica pelos esforços de Francisco de Vitória e dos seus discípulos em Salaman- ca)4. O Curso Conimbricense da Companhia de Jesus foi editado em cinco mon- umentais volumes correspondentes a oito tomos, entre 1591 e 1606, em Coimbra e em Lisboa. Embora a obra seja publicada sem menção de qualquer autor, sub-

1 Por José Portugal dos Santos Ramos. 2 A tradução foi realizada a partir da primeira edição: Commentarii Collegi Conimbricensis Societatis Iesu in libros Meteororum Aristotelis Stagiritae, Ex officina Simonis Lopesii, Olisipone 1593 (2ª edição: Sumptibus Horatii Cardon, Lugduni 1608). 3 Sobre as origens, publicação, estrutura, conteúdos e influência do curso, publicado em 8 tomos entre 1592 e 1606, veja-se a «Introdução geral» por de Mário Santiago de Carvalho ao volume Comentários do colégio Conimbricense da Companhia de Jesus sobre os três livros do Tratado da alma de Aristóteles Estagirita, tradução do original latino por Maria da Conceição Camps, Ed. Sílabo, Lisboa 2010, pp. 7-157 e Idem, Psicologia e ética no curso jesuíta conimbricense, Ed. Colibri, Lisboa 2010. 4 Cfr. C. dos Santos Abranches, «Origem dos Comentários à Metafísica de Aristóteles de Pedro da Fonseca», Revista Portuguesa de Filosofia, 2/1 (1946) 5-52.

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linhando assim a sua autoria coletiva, os comentários sobre os Meteorológicos, publicados em 1593, têm Manuel de Góis como seu principal autor5. A reunião dos comentários num curso integral pelos jesuítas de Coimbra permitiu ultrapassar o próprio propósito dos comentários, propondo um conjunto de pequenos tratados sobre problemas que se tinham constituído como centrais na evolução dos debates peripatéticos, tal como veremos com o tratamento dado ao fenómeno do arco-íris nos Comentários Sobre os meteorológicos. O plano de estudos dos jesuítas de Coimbra organizava-se do seguinte modo6:

Primeiro ano Primeiro trimestre: De terminorum introductione; Dialectica; Porphyrii Isagoge. Segundo trimestre: In Aristotelis Praedicamenta; Perihermeneias; Topica (início). Terceiro trimestre: continuação dos Topica até ao Livro VII; Libri Ethicorum I-IV. Segundo ano Primeiro trimestre: Analytica Priora; VIII Topicorum; Analytica Posteriora (início). Segundo trimestre: Analytica Posteriora (continuação e conclusão); Libri Ethicorum V-VI. Terceiro trimestre: Libri Ethicorum VII-X; De Sophisticis Elenchis; Libri Physicorum I-II. Terceiro ano Primeiro trimestre: Libri Physicorum II-VIII. Segundo trimestre: De coelo et mundo; De generatione et corruptione; Metaphysica (início). Terceiro trimestre: Meteorologic I-IV; De anima I-II, Metaphysica (continuação). Quarto ano De anima III; Parva naturalia; Metaphysica (conclusão).

5 Cfr. P. Gomes, Os Conimbricenses, ed. Biblioteca Breve, Lisboa 1992, p. 56. 6 Cfr. Gomes, Os Conimbricenses, cit., pp. 29-30.

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De acordo com Bacelar e Oliveira7 nos cursos estão presentes duas formas de dialética, as quais se intercalam na sua estruturação e exposição: a histórico- doutrinária e a puramente especulativa. O método utilizado é o silogístico, por ser considerado o mais claro e rigoroso na via da ciência. O quadro geral do contexto das questões, pela sua articulação racional, corresponde ao sistema interno do estabelecimento de cada prova e à fundamentação das conclusões. Outro elemento distintivo é a presença da Quaestio ou Disputatio, um esquema daquilo que faz a verdadeira disciplina da Filosofia: o desafio vivo da disputa. Tais características, como veremos, são manifestas ao longo dos Comentários sobre os Meteorológicos, especialmente no Tratado V desta obra. Os Conimbrinceses expõem em quatro partes e do seguinte modo a distribuição da Fisiologia de Aristóteles: 1) A primeira parte, que é contemplada nos livros da Física, trata dos princípios e causas das coisas naturais e suas qualidades comuns; 2) A segunda parte, compreendida nos livros Do céu e do mundo, investiga as partes passivas do ente móvel e trata da estrutura e da composição de todo o universo e dos cinco corpos simples – do céu e dos quatro elementos do mundo sublunar, enquanto são passíveis de mudança de lugar e possuem no mundo um lugar natural; 3) A terceira parte, que se ensina nos livros Sobre a geração e a corrupção, explica o que convém universalmente às coisas dissolúveis, tais como a geração, a corrupção, a alteração, o aumento e a mistura. 4) A quarta parte, em que os livros dos Meteorológicos concluem, mostra a doutrina dos mistos imperfeitos designados meteoros, tais como a neve, o gelo, o granizo, os cometas e ainda os que aparecem com o reflexo da luz, tal como o arco-íris, discutido no tratado que aqui se reedita e traduz pela primeira vez. Os Meteorológicos de Aristóteles são a fonte que inspira a elaboração dos Commentarii Collegi Conimbricensis Societatis Iesu in Libros meteororum Aristotelis Stagiritae. Segundo Alister C. Crombie8, os filósofos medievais inspirados pela física aristotélica entendem que os fenómenos meteorológicos são produzidos nas regiões do fogo e do ar, elementos cujo lugar natural está entre a esfera da lua e o globo da terra (e dos mares). Assinala Crombie que, ao tratar

7 Cfr. J. P. Bacelar e Oliveira, «Filosofia Escolástica e Curso Conimbricense. De uma teoria de Magistério à sua sistematização Metodológica», Revista Portuguesa de Filosofia, 16 (1960) 124- 141. 8 Cfr. A. C. Crombie, Histoire des sciences: De Saint Augustin a Galilée (400-1650), Presses Universitaires de France, Paris 1959, pp. 83-84.

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desses fenómenos, Aristóteles alega que todas as mudanças observadas no céu são decorrentes dos próprios movimentos dos corpos celestes. Aponta também que nessa cosmologia o elemento do fogo era mais um princípio de combustão do que uma chama e, por consequência, não era efetivamente visível, mas entendido como um movimento facilmente inflamável, cuja agitação ocasionada pelas quentes e secas exalações que se elevavam da terra pela atuação dos raios do Sol, gerava um determinado número de fenómenos produzidos na esfera do fogo, como por exemplo os cometas, as estrelas cadentes e as auroras. Acrescenta ainda que todos estes fenómenos deveriam ser produzidos na região situada sob a Lua. Na esfera do elemento ar, aquelas exalações quentes e secas são identificadas como causa do vento, as quais produziam também os trovões, os raios e os relâmpagos, ao passo que as exalações frias e húmidas produziam, pelo efeito dos raios do Sol sobre a água, as nuvens, a chuva, o nevoeiro, a neve, o granizo e o orvalho. Ressalta além disso que há um grupo peculiar de fenómenos atmosféricos relacionados com as exalações húmidas, entre os quais se destacam os falsos sóis e o arco-íris. Ainda neste contexto, Crombie9 afirma que para Aristóteles o arco-íris é causado pelo reflexo da luz nas gotas da água oriundas das nuvens. Sobre o proémio (ou introdução) aos quatro livros Sobre os Meteorológicos, Bacelar Oliveira assinala que os Conimbricenses explicam sucessivamente a “ordem da doutrina”, o “objeto de estudo”, o “título” e a“razão” da obra10. A seguir exporemos detalhadamente esse proémio com o propósito de contextualizar o Tratado V11. A ordem da doutrina estabelecida nos comentários Sobre o Meteorológicos propõe investigar detalhadamente a natureza dos compostos, isto porque os Conimbricenses consideram que a partir das coisas que são originadas pela composição algumas são apenas constituídas em virtude das qualidades, tais como o orvalho, o gelo e a geada, ou seja, aquelas que por reterem a forma própria de um elemento, obtêm as quatro qualidades primárias: o calor, o frio, a humidade e a secura. Salientam, pois, que existem outras coisas que são compostas em virtude da substância que, além da mistura destas quatro qualidades, requer uma forma própria e distinta dos elementos a partir da espécie, e neste género de coisas

9 Cfr. Crombie, Histoire des sciences, cit., p.87. 10 Cfr. J. P. Bacelar e Oliveira, «Filosofia Escolástica e Curso Conimbricense», cit., 124-141. 11 Cfr. Commentarii collegi Conimbricensis Societatis Iesu In libros Meteororum Aristotelis Stagiritae, cit., pp. 3-4 (na na sedunda edição estas páginas não estão numeradas).

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identifica-se que umas são compostas de anima, tais como os animais, e outras desprovidas de anima, tais como as pedras e os metais12. A partir da ordem da doutrina apresentada, os Conimbrincenses relatam que Aristóteles propõe o objeto de estudo desta ciência dividindo a explicação deste objeto de modo a que nos quatro livros sobre os Meteorológicos se transmita a disciplina das coisas que não possuem anima, a saber, os imperfeitos e os perfeitos13. No que diz respeito ao título da obra, os Conimbricenses assinalam que se designam estes livros por τῶν μετεώρων ou por μετεωρολογικῶν em virtude de versarem sobre as coisas que têm origem na região atmosférica e por μετεωρολογία a razão e a ciência dos fenómenos atmosféricos. Acrescentam também uma indagação a respeito do motivo pelo qual o título do tratado é proposto em virtude do que ocorre na região atmosférica14. Os Conimbricenses dividem então o exame da obra em treze tratados: (1) Teoria geral dos meteoros; (2) Meteoros ígneos; (3) Cometas; (4) De Spectris; (5) Do arco celeste; (6) Dos ventos; (7) Das águas; (8) Dos Mares; (9) Das fontes e dos rios; (10) Das qualidades da água; (11) Dos Terramotos; (12) Do fogo subterrâneo; e (13) Dos metais. Cada tratado está dividido em capítulos, somando no total oitenta capítulos de questões. Como notou Pinharanda Gomes, enquanto temas como a teoria geral dos meteoros se limitam a três capítulos, os ventos, as águas e os mares requerem cinquenta e nove capítulos, sendo o aspeto com maior desenvolvimento15. No que se refere especificamente ao tratado quinto, sobre o arco-íris, os Conimbricenses investigam no primeiro capítulo as opiniões dos filósofos sobre a sua natureza e origem16. Neste tratam inicialmente da questão da admiração. Esta questão é uma marca indissociável dos comentários aos fenómenos atmosféricos no período da escolástica tardia, sobretudo quando se trata de explicar o arco-íris. Boyer, por exemplo, trata dessa questão ao expor o argumento do filósofo jesuíta Jean Leurechon anunciado na obra Récréations mathématiques. Neste argumento, Leurechon, ao investigar o arco-íris, afirma que concorda com Platão no que se

12 Ibid., Proœmium, cit. 13 Ibid., Proœmium, cit. 14 Ibid., Proœmium, cit. 15 Cfr. Gomes, Os Conimbricenses, cit., 73-74. 16 Cfr. In libros Meteororum Aristotelis Stagiritae, tr. V, cit., pp. 43-44.

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refere à questão da admiração17. Como veremos, os Conimbricenses, de modo semelhante, também utilizam as palavras de Platão para manifestar a questão da admiração pelo arco-íris. Após descrever as opiniões dos filósofos acerca da natureza e origem do arco- íris, os Conimbricenses tratam especificamente da sua origem no segundo capítulo, a saber, procurando entender o que é necessário para que o arco-íris seja sentido pelos espectadores. Nesta perspetiva identificam oito possíveis circunstâncias. Na primeira mostram que para a produção do arco-íris concorrem o Sol e a nuvem. Na segunda assinalam, a partir das indicações dadas por Aristóteles, que o arco- íris não é observado pelos espectadores se não estiver colocado entre a nuvem onde o fenómeno brilha e o próprio Sol. Ainda neste período, fornecem vários exemplos de experiências e relatos que corroboram o que é assinalado. Na terceira afirmam que o arco-íris jamais pode ser observado pelos espectadores ao meio- dia se estiverem no quinto clima, isto porque não é possível que os espectadores fiquem entre o arco-íris e o Sol. Na quarta alegam que vários arcos-íris podem ser produzidos ao mesmo tempo e explicam minuciosamente os pormenores desta ocorrência. Na quinta ressaltam que a Lua também produz um arco, ainda que não com a variedade de cores e beleza do arco-íris, mas com aproximadamente uma cor, a saber, a branca. Na sexta, examinando o que diz respeito às cores dos arcos-íris, constatam que aparecem na nuvem, oriundas da luz transmitida pelo Sol, refletida para os olhos dos espectadores e modificada com variações. Acrescentam que se vê o mesmo quando a água oriunda da boca se espalha num leve borrifo pelo ar na direção oposta ao Sol: aparecem então naquele ar, segundo eles, várias cores, tal como brilham no arco. Na sétima circunstância constatam que o arco-íris tem figura de semicírculo ou de uma secção menor. Segundo a sua leitura, Aristóteles defende isto no livro 3, capítulo 5, e o mesmo consta em S. Tomás, Olimpiodoro e outros intérpretes. Também em Witelo na sua Perspectiva, proposição 74; Alberto Magno, no livro 3, tratado 4, capítulo 23. Todavia, como a demonstração disso pressupõe diversas coisas, as quais requerem uma explicação mais longa e não podem ser entendidas senão pela Perspectiva, optam por não aprofundar a investigação desta questão. Por fim, na oitava circunstância, os Conimbriceses enveredam por um caminho de âmbito teológico ao indagarem sobre a ocorrência do arco celeste antes do dilúvio18.

17 Cfr. B. Boyer, The Rainbow, Princeton 1987, pp. 207-208. 18 Cfr. In libros Meteororum Aristotelis Stagiritae, tr. V, cit., pp. 44-47.

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No terceiro e último capítulo do tratado quinto, os Conimbricenses tratam o significado do arco-íris a partir de quatro enunciados. No primeiro mostram que o arco-íris é signo de chuva e seguidamente descrevem com detalhe a prova deste enunciado. No segundo defendem, por intermédio dos esclarecimentos de Aristóteles, que o arco-íris não é o signo natural do dilúvio. No terceiro constatam que o arco-íris, por uma razão física, indica que não ocorrerão inundações próximas da sua aparição por causa do estado do ar que se verifica. No quarto enunciado, os Conimbricenses sustentam por meio de diversas referências teológicas que o arco-íris indica que jamais irá ocorrer a evulsão da terra19.

19 Ibid., pp. 47-50.

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Anexo: Texto e tradução

COMMENTARII �COLLEGII�� e o N I M B R I e E N s I s s o, C I E T A T I S I E S V. IN LIBROS METEORORVM

A R I S T O TE L I S S TA G I R ITA!.

Priuilcgia, �pprob.1tiones1 facultatesq. ad typogrJphicam cJi­ tioncm horum ltbrorum contrnenturin principio huius Tomi ante exorJ1um librornm de cu:lo.

OLISIPONE, Ex officina Simonis Lopelij. Anno M. D. XClII.

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TRACTATUS QUINTUS DE IRIDE, SIVE ARCU COELESTI

CAPUT I

De natura et ortu Iridis variae Philosophorum opiniones

Meteora omnia pulchritudine vincit Iris, quae conspicui arcus inflexione, et tot colorum pictura, omnium in se oculos convertit. Unde illud Ecclesiastici cap. 3. Vide arcum et benedic eum qui fecit illum. Valde speciosus est in decore suo, gyravit caelum in circuitu gloriae sua. Manus exclesi aperuerunt illum. Hinc etiam in Theaeteto, Iridem Thaumantis filiam propter admirationem dictam, censuit. Sed de illius ortu et natura diversae sunt Philosophorum sententiae, quas videre est apud Plutarcham libr. 3 de placitis cap 5, M. Albertum libr. 3 tractat. 4. cap. 8 et 26, Picum Mirandulam libr. I. de examine vanitatis capite 12.

Aliquorum opinio est; pluvio [44] tempore dari quaedam stillicidia quae radio Solis admisso splendeant, quaedam magis coacta, quam ut transluceat: ita ut ab illis fulgorem reddi, ab his umbram; et sic ab utriusque intercursu effici arcum: in quo pars fulgeat, quae Solem recipit; pars obscurior sit, quae exclusit, et ex se umbram proximis fecit. Aliis placuit, singula stillicidia pluviae cadentis singula specula esse, et a singulis imaginem reddi Solis: deinde multas imagines,

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TRATADO QUINTO DO ARCO-ÍRIS OU ARCO CELESTE1

CAPÍTULO I

As diversas opiniões dos filósofos acerca da natureza e origem do arco-íris

O arco-íris supera em beleza todos os meteoros: com a conspícua inflexão do arco e a pintura de tantas cores, leva os olhos de todos para si. Por isso aquela passagem do Eclesiastes, capítulo 3: «Vê o arco e bendiz aquele que o fez. Belo é em sua graça, circundou o céu na sua glória. Mãos grandiosas abriram-no». Por isso também Platão pensou, no Teeteto, que Íris foi designada filha de Espanto por causa da admiração. Mas, sobre a sua origem e natureza, são diversas as posições dos filósofos, as quais se veem em Plutarco, no livro 3 Sobre as opiniões dos filósofos, capítulo 5; Alberto Magno no livro 3, tratado 4, capítulos 8 e 16; e Pico della Mirandola no livro 1 do Exame da vaidade, capítulo 12.

A opinião de alguns é que determinadas gotas são produzidas pelo tempo chuvoso, as quais brilham diante dos raios do Sol. Algumas gotas são mais impulsionadas até refletirem, e assim o fulgor é devolvido por umas e a sombra por outras. Desta maneira, por ambos os meios é gerado o arco, no qual uma parte fulge (a que recebe o Sol) e uma parte é a mais escura (a que o deixou de fora) e, de si, gerou sombra para as próximas. A outros parece que cada gota de chuva é um espelho, e cada uma reflete a imagem do Sol: então muitas imagens,

1 Tradução por Bruna Frascolla e José Portugal dos Santos Ramos.

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imo innumerabiles et devexas, et in praeceps transeuntes confundi: ac demum arcum esse multarum imaginum Solis confusionem. Metrodorus voluit, Iridem tunc fieri, cum per nubes Sol splenduerit, utpote quia nigrescat nubes, et splendor ipse subrutilet. Anaximenes Iridis causam retulit in splendorem Solis, densae nubi et crassae et nigrae occursantem; cum penetrare nequeant radii, nubemque; transmittere. Anaxagorae visum est, ex crassa nube, quae Solis coruscationi obsitat, et sideri ipsam efformanti opposita sit: refractionem Irides contingere. Autor libri de Mundo ad Alexandrum arcum definit speciem segmenti solaris vel lunaris, editam in nube humida et cava, quam velut in speculo intuemur, imagine relata in speciem circularis ambitus. Plinius lib. 2 Cap. 59 de eadem re disserens, manifestum esse inquit, radium Solis immissum cavae nubi repulsa acie in Solem refringi, oculorumque varietatem mixtura nubium, aeris, igniumque fieri.

CAPUT II Quid de ortu Iridis aliusque ad eam spectantibus sentiendum sit

Superiores sententiae, etsi Iridis ortum et naturam haud omnino expresserint; non tamen a veritate penitus aberrarunt. Ut ergo res planius intelligatur, nonnulla animadvertenda erunt. Primum sit: ad generationem Iridis causam concurerre Solem et nubem: illum ut causam efficientem collustrationis ac luminis, quod in nubem iacitur; hanc, ut causam materialem et receptricem eiusdem luminis. Oportet vero nubem roridam esse, ac talem, ut in aquam proxime solui possit: partimque traslucida sit, nimirum externa facie, qua nos respicit; sic enim facile iniectum lumen imbibet: partim opaca, videlicet a tergo, ut lumen repercutiat, more speculi, a quo imagines dissiliunt. Unde Iris hunc in modum describi consuevit: Iris est arcus multicolor, in nube rorida, opaca, et concaua, ex radiorum Solu opposui reflexione apparens oculis spectantium. Secundum est: non cadere Iridem sub nostrum aspectum, nisi simus inter nubem qua Iris splendet, et Solem ipsum constituti. Quod et traditum est ab Aristotele lib. 3 huius operis, cap. 4 et ex eo ostenditur: quia cum [45] nubes sit nobis quasi speculum, e quo fit ad oculos reflexio, necesse est duci abea ad nos lineam rectam, nullo in medio opaco corpore existente. Secundo idem

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inumeráveis, tendo descido ao ponto mais baixo e subido ao topo, se confundem. E o arco é precisamente a confusão de muitas imagens do Sol. Metrodoro entendeu que o arco-íris é produzido quando o Sol brilhasse através da nuvem, de modo que então enegreça as nuvens e o próprio esplendor se avermelhe. Anaxímenes remeteu a causa do arco-íris ao esplendor do Sol vindo à nuvem densa, grossa e negra, uma vez que os raios não podem penetrar e atravessar a nuvem. Pareceu a Anaxágoras ser da nuvem grossa, que impede agitação do Sol e se opõe ao próprio astro moldador, que acontece a refração do arco-íris. O autor do livro Do Mundo para Alexandre define o arco como aparência de segmento solar ou lunar elevado na nuvem húmida e cava, o qual vislumbramos, por exemplo, no espelho, pela imagem rebatida para a aparência do círculo redondo. Plínio, no livro 2, capítulo 59, contrapondo-se a isto, afirma ser manifesto que o raio de Sol manifesto na nuvem cava é refratado pela visão rebatida para o Sol, e que a variedade dos olhos é realizada pela mistura de nuvens, ar e fogo.

CAPÍTULO II Acerca da origem do arco-íris, o que é necessário além disso para que ele seja sentido pelos espectadores?

As posições acima, conquanto não tenham exposto por inteiro a origem e a natureza do arco-íris, não desviaram muito da verdade. Para que sejam, portanto, entendidas por inteiro (a origem e a natureza), devem-se notar algumas coisas. A primeira é: Para a geração do arco-íris concorrem o Sol e a nuvem, aquele como causa eficiente do brilho ou luz que se lança à nuvem, e esta como causa material e receptora desta mesma luz. De fato, é necessário que a nuvem seja húmida, de modo que possa quase dissolver-se em água, e em parte translúcida, sem dúvida na parte externa que se nos mostra, de modo que absorva facilmente a luz lançada, e opaca em parte, decerto atrás, de modo que repercuta a luz natural tal qual um espelho, do qual saltam imagens. Por isto o arco-íris é comumente descrito assim: «O arco-íris é um arco multicolor numa nuvem húmida, opaca e côncava, aparecendo pela reflexão dos raios do Sol posta diante dos olhos dos espectadores». A segunda é: O arco-íris não aparece às nossas vistas se não estivermos postos entre a nuvem onde o arco-íris brilha e o próprio Sol. Isto foi relatado por Aristóteles no livro 3 de sua obra, capítulo 4, e foi por ele mostrado que: por a nuvem ser para nós como um espelho, do qual se faz reflexo para os olhos, é necessário que seja conduzida dela para nós uma linha reta, não existindo no

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corroboratur: quia si nubes interiecta sit inter nos et Solem, non poterit illustrari, nisi ab ea parte qua Solem respicit; non autem versus nos, cum nubes non repercutiat radios, nec Iridem exhibeat, nisi sit opaca secundum posteriorem partem, ut paulo ante diximus. Quod si Sol inter nos et nubem sit, nec tunc Iris videri poterit: quia ex communi sententia, maxima distantia, qua Iris spectari potest, est ad tria milliaria: talis autem Iris, quod minimum, distabit a nobis per 18 gradus, quibus in terra respondent 1125 milliaria, asseribendo singulis gradibus cum Ptolemaeo 62 et dimidium. Denique idem suadet experientia: semper enim cum ante tempus meridianum Iris apparet, ad Occasum cernitur; cum vesperi, ad Ortum, vel ad Aquilonem visitur: quibus temporibus inter Iridem et Solem sumus. Tertium, quod ex proxime dictis patet, est: nunquam a nobis in quinto climate existentibus posse Iridem ad meridiem cerni. Cum fieri nequeat ut versus eam partem maneamus inter Iridem et Solem; siquidem oporteret nubem esse ad meridiem: Solem vero ultra verticem nostri capitis, quod in praedicto climate repugnat, ut planum est. Quartum est: posse eodem tempore simul effici plures Irides: idque dupliciter, nimirum si utraque fiat directe a Sole, v.g. si Sol medium coeli teneat, nubes vero apta ad impressionem Iridis, fit altera ad Occasum, altera ad Ortu: nihil enim impedit, quo minus valeat tunc Sol utramque radiis ferire; esto ut sub nostrum aspectum cadant, servandum sit id quod paulo ante diximus. Alio modo possunt gigni simul plures Irides: videlicet in eodem situ, id est, ad Occasum vel Ortum; sed ita ut una fiat primum directe a Sole, secunda vero ex reflexione primae: ideoque secunda, quia causam minus potentem habet, debilior iam est. Quod si ex secunda oriatur tertia, ut interdum accidit, haec multo iam debilior existit, coloribus pene evanescentibus. Huiusce multiplications causa est, quia contingit, ad occidentem v. g. esse duplicem nubem roridam, cum idonea materia ad exprimendum arcum. Quod si ex his alteram Sol ex opposito situ directe respiciat, in eam radios primo iaciet, et arcum pinget: ex quo fiet alter in vicina nube, si haec ad illius repercussionem accipiendam disposita sit: quod similiter de tertia intelligendum erit. Quintum est: etiam Lunam arcum efficere, etsi non ea colorum varietate et pulchritudine, sed fere uno tantum colore, eoque candido. Nam cum radii lunares ob tenuitatem suam nequeant nubem roridam profunde penetrare, sed eam in externa superficie duntaxat artingant, nitorem illum absque alia pictura aspergunt.

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meio qualquer corpo opaco. Em segundo, o mesmo é corroborado: porque se a nuvem for interposta entre nós e o Sol, não poderá ser iluminada senão por aquela parte voltada para o Sol, já que a nuvem não repercute raios nem exibe o arco- íris se não for opaca na parte posterior, como dissemos há pouco. Ora, se o Sol estiver entre nós e a nuvem, então o arco-íris não poderá ser visto, uma vez que, segundo o julgamento comum, a maior distância em que se pode ver um arco-íris é de três milhas; tal arco-íris, tanto menor, estará de nós por 18 graus, aos quais correspondem na terra 1.125 milhas, acrescentando a graus individuais, como em Ptolomeu, 62 1/2. O mesmo nos persuade a experiência: isto porque, sempre que o arco-íris surge antes do meio-dia, é observado a Oeste; e à tarde, é observado a Leste ou ao Norte. Neste período estamos entre o arco-íris e o Sol. A terceira, que está clara pelas coisas que foram ditas há pouco, é: o arco-íris nunca pode ser visto por nós ao meio-dia se estivermos no quinto clima. Como não é possível que, em direção àquela parte, fiquemos entre o arco-íris e o Sol; e mesmo se fosse, seria necessário que a nuvem estivesse ao meio-dia, além de o Sol ao vértice das nossas cabeças, o que o clima mencionado repugna, como claro está. A quarta é: podem ser realizados ao mesmo tempo diversos arcos-íris, e isto duplamente, sem dúvida, se ambos se fizerem diretamente pelo Sol. Por exemplo: Se o Sol estiver no meio do céu e as nuvens forem realmente aptas à impressão do arco-íris, faz-se um a Oeste e outro a Leste, pois nada impede que o Sol tenha força para atingir ambas com os raios. Se vier a acontecer de maneira que caiam sob a nossa vista, isto que há pouco dissemos deverá ser observado. Podem surgir ainda de outro modo vários arcos-íris ao mesmo tempo, como se pode ver no mesmo lugar, isto é, ao Oeste ou ao Leste, mas isto se um for feito primeiro diretamente pelo Sol e o segundo, de fato, pela reflexão do primeiro. Sendo assim, caso do segundo se origine um terceiro, como às vezes acontece, este já será muito mais fraco, com as cores quase desaparecendo. A causa desta multiplicação é que acontece de estar, por exemplo, ao Ocidente, uma nuvem húmida dupla com matéria para reproduzir o arco. Ora, se, por tudo isso, o Sol der as costas diretamente a esta, lançará primeiro nela os raios e pintará o arco: daí será feito outro arco na nuvem vizinha, se esta estiver disposta a receber a sua repercussão – o que igualmente se deve entender quanto à terceira. A quinta é: a Lua também produz um arco, ainda que não com aquela variedade de cores e beleza, mas com aproximadamente uma só cor, a branca. Afinal, como os raios lunares não podem penetrar profundamente a nuvem húmida, mas atingem-na até à superfície externa, salpicam aquele brilho sem outras pinturas.

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Asserit autem lib. 3 tractatu. 4 cap. 22 istiusmodi Lunae arcum non apparere continuum ut Solarem, sed lineas subnigras intermedias continentem. Verum non videtur hoc perpetuo sic se habere, sed nonnunquam: idque ob dispositionem materiae, quam Luna tunc ad arcum aequabili tenore non possit inflectere. [46] Sextum est: Quod ad colores Irides attinet, constat apparere illos in nube ex lumine a Sole in eam transmisso, et repulso ad aspectum nostrum varieque modificato. Idemque videre est cum aqua ex ore, levi aspergine in aerem Soli abversum diffunditur: apparent enim tunc in illo aere varii colores, quales in arcu fulgent. Ac simile quid etiam cernimus in aere lucernae lumen ambiente, cum praehumidus est, densus infectusque nigrore fuliginis a flamma defluentis. Videtur autem arcus imbecillo obtutu cernentibus. Varia prorsus et incerta colorum pictura distingui, unde illud Poetae 5 Aen. Mille trahit varios aduerso Sole colores. Apparet enim in eo aliquid flammei, aliquid lutei, atque caerulei, punicei, herbacei, viridis, purpurei, crocei, et alia mira naturae arte quasi subtilibus lineis ducta, et indiferiminata varietate, in ipsis praesertim commissuris ambitiosa natura solertiam ostentante, quam nulla ars exprimere valet imitando. Caeterum tres precipui colores in Iride notantur, puniceus, viridis, et purpureus: ut tradit Aristoteles lib. 3 cap. 4 et 5, M. Albertus lib. 3 tract. 4 cap. 14, Vitellio lib. 10 proposition. 67 et alii. Ex his coloribus, qui nubem in tres veluti semicirulos distinguunt; primus, id est, altissimum locum ab peripheriam obtinens est, puniceus, diciturque a quibusdam citrinus, quod talis sit color mali citrei. Medius, id est, qui mediam nubem pingit, est viridis, qualis apparet in herbescente viriditate. Tertius infimam habens sedem, describensque minorem circulum, est purpureus. Istius vero distinctionis haec ratio traditur ab auctoribus, etsi nonnullum inter eos dissidium existat: nimirum radius lucis cum exigua opacitate efficit colorem puniceum, cum mediocri viridem, cum maiore purpureum: at opacitas nubis exigua est in parte externa, mediocris in media, maior in interiori; quia externae partes nubis versus medium decumbunt. Aliam eiusdem rei explicationem lege apud Vitellionem libro 10 prop. 67. Porro in secunda Iride, quae interdum apparet, ut supra diximus, cernuntur colores primae inverso ordine: siquidem intimus est puniceus, medius viridis, extimus purpureus. Cuius rei causa petenda est ex natura et ratione speculorum, in quibus res per imaginum reflexionem videntur, et dextra apparent sinistra, et e converso. Qua de re Vitellio propositione 72.

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Alega, porém, Alberto Magno no livro 3, tratado 4, capítulo 22, que o arco da Lua não aparece deste modo contínuo como o arco solar, mas contém linhas negras intercaladas. Não parece verdadeiro que ele seja disposto de modo contínuo, mas sim intermitente; e isto por causa da disposição da matéria, a qual a Lua não pode curvar num arco de continuidade uniforme. A sexta é: no que concerne às cores dos arco-íris, consta que aparecem na nuvem, oriundas da luz transmitida a ela pelo Sol, refletida para as nossas vistas e modificada variadamente. E vê-se o mesmo quando a água oriunda da boca se espalha num leve borrifo pelo ar oposta ao Sol: de fato, aparecem então naquele ar várias cores, tal como brilham no arco. E similar ao que discernimos no ar é a luz da lamparina no ambiente, quando está de antemão húmido, denso e pestilento pelo negrume da fuligem originada pela chama. Diante disto o poeta diz: «Desenha-se mil cores várias em direção oposta à do Sol» (Eneida, 5). Desse modo, surge nele algo de flâmeo, algo de lúteo, e de azul, e de escarlate, herbáceo, verde, púrpura, açafroado, e outras maravilhas da natureza, como que desenhadas artificiosamente em linhas subtis e variedade indiscriminada, a natureza ostentando ambiciosa, em especial nas próprias comissuras, a habilidade que nenhuma arte consegue imitar. Outras três cores perspícuas notam-se no arco-íris: escarlate, verde e púrpura, como traz Aristóteles no livro 3, capítulos 4 e 5; Alberto Magno no livro 3, tratado 4, capítulo 14, Witelo no livro 10, proposição 67, e outros. É a partir destas cores que se divide a nuvem em três semicírculos. O primeiro, isto é, o que acontece no lugar mais alto da periferia, é escarlate, e dito por alguns “citrino”, porque a cor se faz tal como o cítreo da macieira. O médio, isto é, o que embeleza a nuvem média, é verde, tal qual aparece no verdor herbáceo. O terceiro, que tem o lugar mais baixo e descreve o menor círculo, é purpúreo. A razão desta divisão é manifesta pelos autores, embora haja algum dissenso entre eles. Ora, o raio de luz com exígua opacidade gera a cor escarlate; o com mediana, a verde; o com a maior, a purpúrea. E, ainda, a opacidade exígua da nuvem está na parte externa; a medíocre, na média; a maior, na interna, porque as partes externas da nuvem reclinam em direção ao meio. Lê-se outra explicação da mesma coisa em Witelo, livro 10, proposição 67. Em seguida, no segundo arco-íris, que de vez em quando aparece, como dissemos acima, discernem-se as primeiras cores em ordem inversa: se de fato o mais interno é escarlate, o médio é verde e o mais externo é purpúreo. A causa disto deve ser procurada na natureza e razão dos espelhos, nos quais as coisas são vistas pela reflexão das imagens, e as direitas aparecem esquerdas, e vice-versa. Acerca disto, cf. Witelo, proposição 72.

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Septimum est, Iridem figuram semicirculi aut sectionis minoris tantum habere. Quod docuit. Aristotelis libro 3 capite 5, ibidemque Divus Thomas, Olympiodorus, et alii interpretes. Item Vitellio in sua Perspectiva proposit. 74, Magnus Albertus libro tercio tract. quarto capite 23. Quoniam vero huius rei demonstratio multa supponit, quae longiorem explicationem desiderant nec nisi a Perspectivo intelligi possunt, non est cur in ea re nunc immoremur. Ob quam etiam causam Perspectivis relinquemus tractationem aliorum, quae de Iride experimentis comperta traduntur: videlicet Iridem altam [47] effici demisso Sole, demissam alto: item minorem occidente vel oriente, sed in latitudinem sparsam; meridie exilem, sed ampliori ambitu. Item brevissimis anni diebus frequenter fieri: aestate post meridiem raro aut nunquam: post Autumni Aequinoctium qualibet hora cerni. Octavum est quaeri a quibusdam num ante diluvium coelestis arcus extiterit? Dubitandi ratio in eo est, quod cum Geneseos 9 dicat Deus positurum se arcum suum in nubibus, ut signum numquam futuri diluvii, videtur sane ante id tempus eiusmodi arcus non fuisse. Igitur negantem controversiae partem amplexi fuere nonnulli, quorum meminit D. Thom. ad locum illum Geneseos. Verum contraria opinio, quae affirmat a primis mundi originibus, atque ab eo tempore, quo pluvia esse coepit, arcum fuisse, vera est; quam tuentur doctores Graeci, et D. Thomas loco citato, Lippomanus, Eugubinus, Abulensis, Dionysius Carthusianus. Etenim cum arcus sit naturale quoddam Meteorum, cuius causae physicae sunt lux Solis, et nubes certo modo affecta; atque hae causae ante diluvium non minus, quam modo concurrere potuerunt? nequaquam inficiandum erit, multis seculis ante effulsisse arcum.

CAPUT III

De significatione Iridis

Quod ad significationem Iridis spectat, sit primum pronunciatum: Arcus caelestis est signum pluviae. Probatur ex superius dictis; siquidem arcus non nisi in nube roscida, et quae in imbrem solui parata sit, respondet. Idem astruit communis consensus philosophantium, qui inter cetera pluviae argumenta, hoc annumerant. Seneca I. nat. q. c. 6. Arcus, inquit, a meridie ortus magnam vim aquarum vehit, si circa Occasum refulsit rorabit. Plinius libro 18 cap. 35. Arcus,

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A sétima é: O arco-íris tem figura ou de semicírculo ou de secção menor. Isto Aristóteles ensina no livro 3, capítulo 5, e o mesmo consta em S. Tomás, Olimpiodoro e outros intérpretes. Também Witelo em sua Perspectiva, proposição 74; Alberto Magno no livro 3, tratado 4, capítulo 23. Ora, como a demonstração disso pressupõe diversas coisas, as quais requerem uma explicação mais longa e não podem ser entendidas senão pela Perspectiva, não é a coisa na qual nos demoraremos agora. Por isso, deixemos à Perspectiva o tratamento dos outros, a qual traz experimentos comprovados acerca do arco-íris: por exemplo, o arco- íris alto ser feito pelo Sol baixo, e o arco-íris baixo pelo Sol alto; ser igualmente menor ao ocidente ou oriente, mas em latitude esparsa; ser fino ao meio-dia, mas com circunferência mais ampla. Do mesmo modo, são produzidos com frequência nos dias mais breves do ano; no verão após o meio-dia, raramente ou nunca; após o Equinócio do Outono, é discernido à hora que quisermos. A oitava é indagada por alguns: Existiu o arco celeste antes do dilúvio? A razão para duvidar se encontra em Génesis, 9, pois, afirmar que Deus colocaria o arco nas nuvens como signo de nunca haver futuros dilúvios, parecendo razoável que o arco, desta maneira, não tenha existido antes desse tempo. Então alguns tomaram a parte negadora da controvérsia, dos quais S. Tomás se lembra, contra aquela passagem do Génesis. Contudo, a opinião contrária, que afirma que desde as primeiras origens do mundo, e desde o tempo em que a chuva começou a existir, o arco existe, é a verdadeira. Mantêm-na os Doutores Gregos, S. Tomás (na passagem citada), Lipomano, Eugubino, Abulense, Dionísio Cartusiano. E, de fato, o arco faz-se naturalmente, como um meteoro, e suas causas físicas são a luz do Sol e de certo modo a nuvem afetada. Quando tiverem podido concorrer agora; em vão terão tingido por muitos séculos, antes de o arco brilhar.

CAPÍTULO III

Sobre a significação do arco-íris

Eis o primeiro enunciado sobre a significação do arco-íris: O arco celeste é o signo da chuva. Isto prova-se pelas coisas anunciadas acima, uma vez que o arco não resplandece senão na nuvem banhada e que esteja pronta para dissolver-se em chuva. O mesmo contribui para o consenso comum dos filósofos que, entre outros argumentos acerca da chuva, enumeraram isto. Séneca, no livro primeiro das Questões naturais, capítulo 6, diz: «O arco originado ao meio-dia carrega a grande força d’água; se, por volta do ocaso, refulgiu, humedecer-se-á». Plínio,

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cum sunt duplices, pluvias nunciant. Virgilius primo Georg. Aut bibit ingens arcus. Ovidius primo Metamorph. Nuncia Iunonis varios induta colores Concipt iris aquas, alimentaque nubibus affert. Sit secundum pronunciatum: Arcus non est signum naturale diluvii, sive universalis sive particulares nunquam futuri. Hoc pronunciatum quoad priorem partem ex eo planum est, quia universale diluvium, ut per causas physicas invehi nequit; (nec enim ut alibi advertimus, congruebat Astrorum vim aliasve causas naturales ita constitui et dispensari ab auctore naturae, ut totam terram, quam hominibus ad incolendum attribuerat, obruere aquis possent: unde et Aristoteles 1. huius operis c. 14 negat posse totius terrae eluvionem per naturam accidere; ita vanum est existimare arcum signum esse talis diluvii nunquam futuri. Posterior pars eiusdem pronunciati inde ostenditur, quia constat post multarum Iridium ge[48]nerationem fuisse aliquando eluviones provinciales: ut in Thessalia sub Deucalione, annis circiter octingentis post generale diluvium, id est, anno 2.700 a creatione mundi: et in Phato insula anno circiter 3.006 quae certe non accidissent, si arcus coelestis tanquam ipsius naturae signum eas nunquam futuras indicasset. Tertium pronunciatum: Arcus est naturale signum, indicans non futuram proxime magnam aquarum eluvionem. Hoc pronunciatum statuit D. Thomas quodlib. 3 art. 30, Hervaeus quodl. 1 quaest. ulti., Ioannes Archiepiscopus Cantuariensis in compendio perspectivae lib. 3 cap. 2 prop. 9. Abulensis in cap. 9 Gen. Q. 7 et alii. Probaturque a D. Thoma locis citatis: quia trifariam sese habere potest calor Solis ad vapores, qui pluviae materia sunt: aut enim illos omnino discutit et absumit, sicque non concrescunt in nubes, nec pluviam effundunt: aut eos acervatim in sublime evectos disiicere nequit; et tunc assidui imbres magnaque inundatio contingit: aut denique mediam quandam rationem ad eos servat, quia nec eorum concretionem dispescit, nec diu conglobari finit. At Iris non nisi cum vis Solis medio illo modo affecta est, apparet: siquidem cum nubes nimium gravidae sunt ac tetricae, ad radios Solis excipiendos reddendosque (sine quo minime Iris effulget) idoneae non sunt. Quo pater, arcum ex physica ratione indicare non futuram proxime magnam inundationem: cum eiusmodi aeris status ei repugnet.

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no livro 18, capítulo 35: «Os arcos, quando são dúplices, anunciam chuvas«. Virgílio, no livro primeiro das Geórgicas: «Ou bebe o ingente arco». Ovídio, no livro primeiro das Metamorfoses: «A mensageira de Juno, Íris, revestida de diversas cores concebe as águas e reparte-as, como alimento, pelas nuvens». Eis, pois, o segundo enunciado: O arco não é o signo natural do dilúvio, quer seja universal quer seja particular, nunca vir a ocorrer. Este enunciado, até à sua primeira parte, é evidente, pois, como o dilúvio universal não pode ocorrer por causas físicas e, como falamos, não se ajustava a força dos astros com as causas naturais constituídas e dispensadas pelo autor da natureza de tal maneira que toda a terra, a qual atribuíra aos homens para morar, pudessem cobrir com águas. Por isso, Aristóteles, no livro primeiro desta obra, capítulo 14, nega que a evulsão de toda a terra possa acontecer por natureza, é em vão estimar que o arco seja signo de tal dilúvio nunca vir a acontecer. A parte posterior da mesma proposição daí se mostra, porque consta que, após a geração de muitos arcos-íris, houve, uma vez ou outra, evulsões de províncias – como na Tessália sob Deucalião, por volta do octogésimo ano após o dilúvio geral, i.e., no ano 2.700 contado a partir da criação do mundo, e na ilha de Phato, por volta do ano 3.006, que certamente nunca teriam acontecido se o arco celeste indicasse, tal como signo da própria natureza, que essas coisas nunca viriam a acontecer. Terceiro enunciado: O arco é o signo natural que indica não vir a ocorrer brevemente grande inundação de água. Este enunciado o determinou S. Tomás no Quodlibet 3, artigo 30; Herveu no Quodlibet 1, na última questão; João Arcebispo de Cantuária no compêndio sobre a perspectiva, livro 3, capítulo 2, proposição 9; o Abulense no capítulo 9 sobre o Génesis na questão 7, e outros. Prova-se por S. Tomás nas passagens citadas: isto porque o calor do Sol pode ser triforme segundo os vapores, os quais são a matéria da chuva. Isto porque, ou o calor os parte e os consome inteiramente, e portanto não se agregam em nuvens nem efetivam chuva; ou não os pode separar em pedaços sublimemente transportados, contendo em si grandes chuvas assíduas e inundação; ou, então, conserva para eles certa razão média, pois nem separa a sua agregação nem finda enquanto se aglomeram. Mas o arco-íris apenas aparece quando a força do Sol é afetada daquele modo médio: se, de fato, quando as nuvens estão bastante carregadas, e cinzentas, não estando adequadas para receber e refletir os raios do Sol (sem o que o arco-íris não brilha de modo algum). É, pois, manifesto que o arco-íris, por uma razão física, indica que não irá ocorrer brevemente uma grande inundação, uma vez que o estado do ar desta maneira o impede.

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Quartum pronunciatum: Arcus ex divino instituto significat nunquam futuram totius terrae eluvionem. Hoc pronunciatum statuunt D Thomas, Hervaeus, et Abulensis locis citatis, et alii. Probaturque testimonio Sacrae paginae Gen. 9 ubi Deus sancto Noe promittit, non amplius totam terram aquis diluvii obruendam, eiusque rei caelestem arcum omnibus eius posteris futurum signum. Arcum meum, inquit, ponam in nubibus, et recordabor foederis mei vobiscum, et non erunt ultra aqua diluvia. Ad quem locum ita scribit Lipomanus Methonensis Episcopus in sua catena: Cum Iris sit naturalis effectus, et querundam sententia etiam ante diluvium, quemadmedum nubes et pluvia fuerit, quomodo signum esse possit huiuscemodi pacti, supernaturaliumque, iudiciorum? Ad quod respondetur, signum esse ad placitum diluuii non futuri, quatenus Deus arbitratu suo ita decrevit ac voluit, ut apparitio huiusce naturalis effectus, videlicet Iridis, signum sit foederis Dei cum homnibus initi, de diluvio nunquam futuro. Quemadmodum interdum lapis in agro constitutus, hominum decreto signum est ad disterminandos agros. Nec absurdum est, naturalem effectum signum esse ex instituto rei Supernaturalis, quam alioqui naturaliter designare non valeret. Haec fere Lippomanus: quibus similia scripsere. Dionysius et Eugubinus ad eundem locum. Eucherius, Strabus, Albinus, D. Gregorius et alii tradunt istiusmodi arcu duplex diluvium notari: alterum aquae iam praeteritum, quod testetur color caeruleus: alterum ignis futurum; quod rubeus color praemonstret. Videlicet ita nos de aquarum illuvione securos esse Deus vo[49]luit, ut futurum ante diem iudicii ignis incendium, et totius orbis deflagrationem formidaremus. Quin et ipsa coelestis arcus figura nobis Dei simul clementiam et severitarem ante oculos ponit: severitatem, quia arcus instrumentum est ad feriendum: clementiam, quia cum arcus sit, caret tamen sagittis, quibus impetat, et inversus est, nec chordam ad terram, sed ad caelum directam habet, quia hinc illum nostra scelera iaculis ad vindictam armant. D. Hieronymus in caput tertium lamentationum Ieremiae, ait per arcum iudicii diem designari: quia ut in arcu quanto longius trahitur chorda, tanto de eo districtior exit sagitta: sic extremi iudicii dies quanto longe disfertur, ut veniat, tanto cum venerit de illo districtior sententia procedet.

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Quarto enunciado: «O arco, por instituição divina, indica nunca vir a acontecer a evulsão de toda a terra». Este enunciado estatuem S. Tomás, Herveu e o Abulense nas passagens citadas, e outros. Prova-se pelo testemunho da santa página do Génesis, 9, onde Deus promete ao santo Noé não mais cobrir toda a terra com as águas do dilúvio, e disto o arco celeste era o signo a ser realizado para todos os hão-de vir depois de Noé. «Porei meu arco nas nuvens», disse, «e lembrar- me-ei do meu acordo convosco, e não mais haverá dilúvios de água». Sobre esta passagem assim escreve o bispo Lipomano Metonense: «Visto que o arco-íris é um efeito natural, e é opinião que antes do dilúvio existia previamente, uma vez que existiam nuvens e chuva, como poderia desse modo ser signo de acontecimento e de juízos sobrenaturais? Ao que se responde: É o signo convencionado de que não há de vir o dilúvio, uma vez que Deus, por arbítrio, assim decretou e quis, de maneira que a aparição desse efeito natural – o arco-íris – seja o signo do acordo de Deus com os homens de jamais vir a fazer um dilúvio, assim como uma pedra posta num terreno é, por decreto, signo dos homens para delimitar terrenos. Nem sequer é absurdo um efeito natural ser um signo pela instituição de uma coisa sobrenatural que de outro modo não se estabeleceria assinalar naturalmente». Lipomano, quase; Dionísio e Eugobino escreveram coisas semelhantes acerca da mesma passagem. Euquério, Estrabão, Albino, S. Gregório e outros atestam ser o dilúvio duplo marcado pelo arco deste modo: um é da água, já pretérito, que mostra a cor azul; o outro, do fogo, o futuro que antecipa a cor rubra. Diante disto, é certo que Deus quis que houvesse a inundação das águas, assim como estamos certos do incêndio antes do dia do juízo, e tememos a queima de todo o orbe. Ora, a própria figura do arco celeste põe-nos diante dos olhos a apenas um tempo a clemência e a severidade de Deus: severidade, porque o arco é um instrumento para ferir, e clemência, porque, tal como é, ao arco faltam flechas com as quais ataca, e está invertido, tem a corda dirigida não para a terra, mas para o céu – porque desta os nossos crimes armam-no com flechas para a vingança. S. Jerónimo, no capítulo terceiro das Lamentações de Jeremias, diz que, pelo arco, o dia do juízo é registado: isto porque, tal como no arco, quanto mais longe a corda é trazida, mais atuante sai a flecha, no último dia do juízo, quanto mais tarda a vinda, mais contundente será a sentença que vier Dele.

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