A EMERGÊNCIA DE NOVAS CENTRALIDADES. O CASO DE LISBOA 187

A EMERGÊNCIA DE NOVAS CENTRALIDADES: O CASO DE LISBOA

Francisco Manuel Serdoura Faculdade de Arquitectura, Universidade Técnica de Lisboa, Rua Sá Nogueira, Pólo Universitário, Alto da , CEP 1349-055, Lisboa, , e-mail: [email protected]

Resumo Este trabalho pretende contribuir para a compreensão da evolução da estrutura funcional de Lisboa proporcionando melhor entendimento das acções de planeamento urbanístico, enquanto processo dinamizador do crescimento da cidade, suportado pela gestão do uso do solo. Do estudo realizado concluiu-se que, em Lisboa, estão a emergir novos pólos de centralidade, onde a dinâmica do uso do solo leva as funções urbanas centrais a localizarem-se preferencialmente numa zona da cidade, em detrimento de outra. Em síntese, o uso do solo e as propriedades sintácticas do espaço urbano parecem revelar-se fundamentais para se conhecerem as possibilidades de localização das actividades urbanas centrais. Palavras-chave: centralidade, centro funcional, dinâmica urbana, análise espacial, Lisboa.

Introdução cidade em áreas com diferentes usos (Figura 1a). A indústria A evolução dos processos de planeamento urbanís- era proposta em ocupações periféricas com forte concen- tico da cidade e da estrutura urbana de Lisboa reconhece tração na zona Oriental, organizando-se ao longo do rio. como importante para a evolução da cidade que o orde- Essa função era apoiada pelo caminho-de-ferro que namento incorpore preocupações formais e não exclusi- articulava ainda com a actividade portuária. Os serviços vamente funcionais, uma vez que as necessidades das e a administração eram propostos junto à Baixa, enquanto pessoas que habitam a cidade se alteram e também as a habitação se consolidava em torno do centro, quer nos funções por elas utilizadas. Nos últimos 50 anos, o ordena- bairros históricos, quer em novas áreas, afirmando a sua mento da cidade esteve, por um lado, associado às posição dominante em torno do centro geográfico da cidade condicionantes das características topográficas do território, (). as quais foram promovendo a expansão da cidade para O PDUL ficou concluído em 1966 e regulou a expan- áreas de melhor acessibilidade (menos acidentadas), sem são da cidade nos 20 anos seguintes, designadamente accionar processos de regeneração urbana nas áreas de quanto à expansão da rede viária, distribuição de emprego menor acessibilidade (mais acidentadas), conduzindo as e da habitação. A Figura 1b mostra a distribuição geral áreas adjacentes ao centro à segregação espacial e funcional, dos principais usos do solo propostos para o ordenamento com a consequente degradação das estruturas económicas da cidade. As actividades centrais, como os serviços e e sociais. o comércio especializado, continuavam a ser propostos de forma concentrada no centro tradicional (Baixa–Aterro O Ordenamento e a Dinâmica Urbana da Boavista), com expansões para Norte em direcção ao Em 1932 foram estabelecidas as bases de colaboração Marquês de Pombal, estruturadas pelos eixos da Avenida técnica e financeira entre o Estado e as autarquias locais. da Liberdade/Rua Castilho/Avenida Joaquim António de O Estado gerou todo um conjunto de obras, como estradas, Aguiar/Avenida Fontes Pereira de Melo. Esta função portos, caminho-de-ferro, aeroportos e obras de hidráulica, central também apresentava a expressão de ‘pólo’ nas zonas que acabaram por se fazer reflectir na política urbana. A do Campo Pequeno e Praça de Espanha. Segundo Gaspar política urbana então promovida, conjuntamente, pelo (1976), no seu trabalho ‘A dinâmica funcional do centro município e pelo Estado, consistia na criação de infra- de Lisboa’, a área Baixa– funcionava como o centro estruturas fundamentais ao desenvolvimento da cidade. de Lisboa, concentrando a quase totalidade das actividades terciárias centrais da cidade. A importância da Avenida Os Planos Directores de Lisboa [1950-2001] 5 de Outubro parecia estar relacionada com a fixação de O Plano Director da Cidade de Lisboa (PDCL) foi actividades comerciais e pequenos escritórios de empresas. apresentado em 1948 por Gröer. O principal instrumento Na Avenida Almirante Reis, o comércio grossista e de retalho de intervenção do PDCL foi o zonamento, organizando a eram as actividades económicas mais importantes.

Minerva, 5(2): 187-196 188 SERDOURA

a) b)

c) d)

Figura 1 Planos Directores de Lisboa: a) PDCL [1948], b) PDUL [1966], c) PDL [1977] e d) PDM [1994].

Em maio de 1977 foi aprovado o Plano Director de localização dos serviços prevista na proposta de ordena- Lisboa (PDL), com um horizonte de 20 anos. Silva (1994) mento parece contribuir para justificar a dimensão da zona ressalta o racionalismo do Plano, pressupondo uma central do centro da cidade, as Avenidas Novas. As intervenção científica, não ideológica, na organização do acessibilidades privilegiadas entre o centro geográfico – espaço urbano de Lisboa. A Figura 1c mostra o ordenamento Avenidas Nova – e a nova expansão urbana da cidade – proposto no PDL para a cidade. A localização das actividades EXPO’98 – contribuíram para justificar o surgimento de terciárias no centro tradicional permanece intocável, sendo uma nova centralidade naquela área da cidade. A expansão de realçar o adequar das novas localizações propostas no do centro para Norte sugere que o crescimento da cidade PDUL, o que parecia ser uma nova ideia de estrutura se apoiou no preenchimento de vazios existentes, tornando urbana descentralizada em unidades de ordenamento, a estrutura urbana da Coroa Periférica mais densa (Ser- integradas hierarquicamente, mas esquecendo-se dos doura, 2006). poderes efectivos da CML e do Plano, largamente ultra- passados pela dinâmica dos agentes privados (Silva, 1994). A Dinâmica do Centro Funcional [1950-2001] O centro geográfico da cidade tornou-se mais denso, na A definição de centro nem sempre tem sido consen- sequência do preenchimento dos vazios existentes. As sual entre diversos autores. Neste trabalho explorou-se operações urbanísticas levadas a efeito durante os anos uma metodologia abrangente recorrendo às teses de vários 80 do século XX parecem ter servido para conduzir à teóricos. Hillier (2001) considerou que o ‘centro funcional’ desertificação e à terciarização da área central da cidade da cidade deveria incluir toda a estrutura urbana formada (Avenidas Novas) (Serdoura, 2006). pelas linhas axiais que surgissem representadas em Em 1994, a prioridade do Plano Director Municipal vermelho, laranja e amarelo, tendo em consideração a escala (PDM) foi a de estabelecer regras para a ocupação, uso cromática produzida pelo programa de análise sintáctica e transformação do território municipal. Na Figura 1d (Axwoman 2.0). Outros autores fazem referência à deter- apresenta-se o modelo de ordenamento urbano proposto minação do ‘centro funcional’ segundo o intervalo de 10% para a cidade. Pela sua particularidade, o concelho de Lisboa a 25% das linhas mais integradas da estrutura urbana em ficou afecto apenas a uma única classe de espaço, o análise. Para esses autores, deve ser considerado o intervalo ‘Espaço Urbano’. Os serviços eram propostos em loca- de 10% de linhas mais integradas para aglomerados com lizações como a Área Histórica da Baixa (centro tradicional) mais de 100 eixos axiais, e 25% dos espaços com maior ou Avenidas Novas (centro funcional da cidade), com integração para aglomerados cuja estrutura axial é definida destaque para os eixos Avenida da República, Avenida por menos de 100 linhas axiais. Assim, tendo em consi- 5 de Outubro, a área em torno do Marquês de Pombal, deração a dimensão do aglomerado urbano de Lisboa em Parque Eduardo VII e Rato. O PDM propôs o reforço dessa qualquer dos períodos analisados [1950, 1970, 1990 e 2001], função central no centro geográfico da cidade (Avenidas considerou-se para este estudo que o ‘centro funcional’ Novas) e em localizações mais descentralizadas, como a da cidade seria definido pelos 10% de linhas axiais mais área central de Chelas, o centro dos e a ‘Zona de integradas no sistema urbano, em cada ciclo estudado sobre Intervenção da EXPO’98’ na parte oriental da cidade. A a evolução morfológica de Lisboa.

Minerva, 5(2): 187-196 A EMERGÊNCIA DE NOVAS CENTRALIDADES. O CASO DE LISBOA 189

A expansão do centro funcional A boa permeabilidade demonstrada pela malha Com o crescimento da cidade, o centro funcional urbana em quadrícula do centro pode atestar também uma também se expandiu, demonstrando um dinamismo próprio, boa acessibilidade ao centro da cidade (Campos, 1997). quase sempre superior ao testemunhado pela cidade. A O ‘centro funcional’ de Lisboa em 1970 evidencia alguma Figura 2a mostra o centro funcional de Lisboa em 1950. evolução em relação ao período anterior. A Figura 2b permite A análise da figura permite a identificação de um centro reconhecer outra alteração na estrutura morfológica, a sua polinucleado, formado por dois núcleos fortes que se densificação. A estrutura do centro é essencialmente a articulam entre si através de eixos estruturantes. O primeiro mesma que se observava em 1950, no entanto, o núcleo núcleo, a Sul, identifica claramente a estrutura urbana da da Baixa surge agora confinado à malha Pombalina, já não Baixa, o centro funcional e de prestígio à época [1950]. se estendendo para Poente [Cais do Sodré/S. Paulo]. A Esse núcleo é constituído por uma malha urbana mais este facto também se associou a perda de algumas funções compacta e que se identifica com o traçado Pombalino em de prestígio. Nesse período [anos 70], a acessibilidade ao quadrícula, sendo nele que se fixaram as principais funções centro ficou reforçada e, apesar da densificação das malhas (comércio e serviços) da cidade de então (Serdoura, 2006). urbanas pelo preenchimento dos vazios (Krüger et al., 1996), Outra parte do núcleo Sul apresenta desenvolvimento linear a sua permeabilidade reforçou-se em relação ao período onde se concentravam as actividades comerciais mais anterior (Figura 4). Apesar de a cidade ter crescido e o seu populares, com ligação a actividades marítimas e portuárias. centro se ter densificado, a permeabilidade das suas malhas O segundo núcleo, que constitui o centro de Lisboa em (centro) manteve-se muito boa, sendo agora r = 0,77. 1950, identifica claramente o traçado ortogonal das Aveni- A década de 80 do século XX coincidiu com o período das Novas. Em 1950, essa zona da cidade era essencialmente marcado por ausência de processos de planeamento na uma área residencial de uma classe média abastada. A cidade. O centro funcional de Lisboa não denotou evolução permeabilidade do centro da cidade de Lisboa [1950] era significativa, como se pode observar na Figura 2c, que reflecte boa (Figura 3), e o valor de r = 0,74 atesta esse facto. essa falta de dinamismo no processo de planeamento.

a)N b) N

0,819-0,972 0,899-1,084

0,188-0,333 0,240-0,392 Rio Tejo Rio Tejo 02Km 02Km

c)N d) N

0,844-1,014 0,855-1,028

0,240-0,379 0,266-0,394 Rio Tejo Rio Tejo 02Km 02Km

Figura 2 Centro funcional de Lisboa: a) [1950], b) [1970], c) [1990] e d) [2001].

Minerva, 5(2): 187-196 190 SERDOURA

4

3

2

ln (conectividade) 1 y = 0,5013x – 1,1782 R2 = 0,5441; r = 0,7376 0 3 4,5 6 7,5 9 ln (comp. linhas axiais) Figura 3 Correlação entre o comprimento das linhas axiais e a conectividade, centro funcional de Lisboa 1950.

4

3

2

ln (conectividade) 1 y = 0,6149x – 1,9075 R2 = 0,5871; r = 0,7662 0 3 4,5 6 7,5 9 ln (comp. linhas axiais)

Figura 4 Correlação entre o comprimento das linhas axiais e a conectividade, centro funcional de Lisboa 1970.

O núcleo da Baixa, apesar da intervenção urbana versão urbana de uma vasta área degradada na Zona de que foi objecto, em resultado do incêndio do Chiado Oriental puxou o centro funcional da cidade para a periferia. (1985), não recuperou o prestígio que detinha em 1950. A nova expansão urbana da cidade – Parque das Nações – No núcleo das Avenidas Novas, não se observou uma afirmou-se pela coerência da malha urbana e pela força alteração significativa na estrutura morfológica; apenas da ligação ao principal núcleo do centro (as Avenidas Novas). se deu continuidade ao processo de densificação. A O núcleo mais Oriental do centro é também um subsistema excessiva terciarização da área resultou na desvalorização coeso, resultante de uma operação sustentada de valor do seu espaço público, contribuindo para a degradação urbanístico, que requalificou aquela parte da cidade, das estruturas e das condições de vida urbanas. A expan- valorizando a sua imagem e devolvendo a área à estima são do centro para Este resultou da inexistência de gestão pública. O núcleo central (Avenidas Novas) surge agora urbana planeada da cidade, agravada pela desadequada mais densificado e limitado, em resultado de algumas política fundiária praticada com a promoção de zonas operações urbanas. concentradas de habitação social em áreas periféricas. Em Porém, a ligação para Norte da 2a Circular não se consequência, verificou-se uma expansão do centro desenvolveu como se podia esperar, até por estar em curso desarticulada da estrutura funcional da cidade. Estes factos outra operação urbanística de grandes dimensões, a Alta de corroboram a redução, embora ligeira, na permeabilidade Lisboa. Por último, o núcleo histórico do centro (Baixa) surge das malhas do centro funcional (Figura 5). Em consequência confinado aos principais eixos da malha Pombalina, que desse crescimento desordenado do seu centro, a permea- correspondem aos espaços economicamente mais activos bilidade dessas malhas sofreu ligeira redução (r = 0,75). (comércio). A expansão do centro, em associação com a A Figura 2d mostra o centro funcional de Lisboa em reconversão urbanística levada a efeito na zona Oriental da 2001. Nela pode observar-se o resultado da evolução do cidade, produziu efeito positivo na acessibilidade ao centro centro da cidade ao longo dos últimos dez anos. A recon- e na permeabilidade das suas malhas (r = 0,78) (Figura 6).

Minerva, 5(2): 187-196 A EMERGÊNCIA DE NOVAS CENTRALIDADES. O CASO DE LISBOA 191

4

3

2

ln (conectividade) 1 y = 0,5847x – 1,7458 R2 = 0,5635; r = 0,7507 0 3 4,5 6 7,5 9 ln (comp. linhas axiais)

Figura 5 Correlação entre o comprimento das linhas axiais e a conectividade, centro funcional de Lisboa, 1990.

4

3

2

ln (conectividade) 1 y = 0,6085x – 1,8603 R2 = 0,609; r = 0,7804 0 3 4,5 6 7,5 9 ln (comp. linhas axiais)

Figura 6 Correlação entre o comprimento das linhas axiais e a conectividade, centro funcional de Lisboa, 2001.

O aumento da permeabilidade das malhas associadas buídos recorrendo à formulação matemática dentro da escala a intervenções urbanísticas de ‘costura’ permitiram com- definida.) A integração do centro de Lisboa diminuiu entre pletar outras malhas que permaneciam incompletas há 1950 e 2001. O valor da integração média calculada para décadas (Serdoura, 2006). 1950 foi de 84,47, sendo de 78,65 em 2001 (Figura 7). Essa tendência descendente também se verifica na A acessibilidade ao centro funcional de Lisboa cidade enquanto sistema global: 53,61 em 1950 e 46,68 em O incremento do ‘centro funcional’ de Lisboa é 2001. Esse paralelismo sustenta a ausência de processos analisado com o recurso ao grau de acessibilidade. Para de planeamento globais entre 1950 e 1990, quando o desenho tal recorre-se ao estudo da propriedade sintáctica ‘integração da cidade não foi uma preocupação central do processo (rn)’, que define o grau de acessibilidade de um espaço de planeamento, resultando na formação de um tecido urbano em relação a todos os outros que integram o sistema muitas vezes descontínuo, marcado por debilidades de espacial, e é por isso uma medida global. Com o objectivo ligação entre as diferentes malhas, que foram surgindo de de comparar a acessibilidade [integração (rn)] do centro forma dispersa na cidade (Dalton, 2001). De salientar que nos quatro períodos em estudo, procedeu-se à normalização a integração do centro é, em média, 30% superior à apresentada dos valores da medida sintáctica para cada momento [1950, para a cidade. Entre 1950 e 2001, os valores obtidos para 1970, 1990 e 2001]. (Optou-se pela escala de Medeiros et o centro posicionaram-se dentro do último quarto da escala al. (2003), que varia entre ‘0’ e ‘100’. O valor mínimo da (superior a 75). No entanto, o valor mais baixo da integração integração, expresso pela análise sintáctica em cada período, do centro foi obtido em 2001 e correspondeu a 78,65. O valor corresponde a ‘0’, enquanto o valor máximo corresponde médio mais elevado, obtido em 1950, correspondeu a 84,47. a ‘100’. Os valores intermédios da integração, resultantes O ‘centro funcional’ acompanhou a tendência de cresci- da configuração urbana para cada período, foram distri- mento denotada pela cidade (Tabela 1).

Minerva, 5(2): 187-196 192 SERDOURA

85

70

55

(rn) normalizado

40 1950 1970 1990 2001 Ano Centro 84,47 81,51 80,12 78,65 Lisboa 53,61 50,38 48,40 46,68

Figura 7 Integração do centro e da cidade de Lisboa, 1950-2001.

Tabela 1 Medidas sintácticas do centro funcional de Lisboa (1950-2001). Medida Ano No de linhas 1950 1970 1990 2001 Dimensão do centro 162,37 244,12 291,22 356,56 % em relação à cidade 19,64 19,00 18,70 18,82 Integração (m) –normalizada– Valor da média 84,47 81,51 80,12 78,65 Valor mínimo 78,77 75,22 72,95 71,39 Valor máximo 100,00 100,00 100,00 100,00

De referir que a sua importância relativa foi diminuin- (227,78 km de extensão), mas também por concentrar 2/3 do entre 1950 e 1990 (correspondendo a 19,64% do sistema do centro da cidade (Tabela 2). A sua acessibilidade urbano em 1950, passando para 18,7% em 1990), conse- [integração (rn)] é elevada: 79,41. Esse núcleo representa quência da falta de estratégia de desenvolvimento para 12% da Lisboa actual. O núcleo da Zona Oriental, onde a cidade. No entanto, no último período estudado [2001], se inclui o Parque das Nações, representa 1/3 do centro registrou-se um crescimento da sua importância (18,82%) da cidade. Mais de 50% do núcleo da Zona Oriental localiza- no contexto da cidade. Nesse período, a conectividade se no Parque das Nações. A importância do tecido urbano média do centro também aumentou (5,50). O centro funcional é pequena (3%), mas é três vezes maior que a Baixa, antigo de Lisboa, em 2001, é formado por diferentes núcleos com centro funcional de Lisboa. A integração do núcleo do pesos diferentes na acessibilidade. O núcleo mais importante Parque das Nações (77,20) é idêntica à da Zona Oriental é o das Avenidas Novas, não só porque é o mais extenso (77,81), no entanto, é superior à da Baixa (76,55).

Tabela 2 Medidas sintácticas dos núcleos do centro de Lisboa em 2001.

Núcleos do Centro Medida Parque das Baixa Av. Novas Z. Oriental Nações No de linhas 59 617 337 112 Dimensão do núcleo (km) 18,69 227,78 110,09 58,28 % em relação ao centro 5,24 63,88 30,88 16,35 % em relação à cidade 0,99 12,03 5,81 3,08 Integração (m) –normalizada– Valor da média 76,55 79,41 77,81 77,20 Valor mínimo 71,59 71,39 71,39 71,39 Valor máximo 87,64 99,33 100.00 94,64

Minerva, 5(2): 187-196 A EMERGÊNCIA DE NOVAS CENTRALIDADES. O CASO DE LISBOA 193

O efeito de centralidade da sua estrutura urbana (121,87 km, Figura 9) e a permeabi- A análise do centro funcional de Lisboa nos últimos lidade da sua malha (r = 0,75, Figura 11b), deixaram antever 50 anos (1950-2001) permite a identificação de três núcleos uma alteração num futuro próximo. O centro funcional, em distintos: Baixa, Avenidas Novas e zona Oriental da cidade. 1970, não identifica com clareza a existência de um núcleo O centro funcional de Lisboa, em 1950, possuía apenas forte capaz de assumir o protagonismo de centro compacto, dois núcleos, a Baixa e as Avenidas Novas. A integração clarificando o efeito de centralidade. O núcleo da Baixa de cada um desses núcleos é idêntica, sendo de 85,75 para apresenta integração de 81,14, as Avenidas Novas, de 81,80 a Baixa e de 83,88 para as Avenidas Novas (Figura 8). (superior à do centro tradicional Baixa), enquanto o núcleo No traçado compacto da malha Pombalina, a profun- emergente, zona Oriental, apresenta uma integração de 80,29 didade média baixa (11,66, Figura 10) e o facto de a (Figura 8). De salientar que o núcleo da Baixa perde eixos permeabilidade da malha apresentar uma razão boa (r = e reduz a sua dimensão (20,70 km), enquanto o núcleo das 0,74, Figura 11a), em conjugação com a concentração de Avenidas Novas se expande (190,92 km), acompanhando actividades económicas importantes (comércio e serviços), a tendência do centro funcional e da cidade. O mais recente funções culturais e políticas, concederam àquela zona da núcleo do centro surge mais extenso (32,50 km) do que cidade o prestígio associado ao ‘centro funcional’, validando o núcleo da Baixa (Figura 9). o efeito de centralidade (Trigueiros & Medeiros, 2003; Palma A observação da permeabilidade das malhas nos três & Krafta, 2001). O núcleo das Avenidas Novas assumiu- núcleos (Figura 12) permite-nos compreender que a elevada se como núcleo secundário do centro, sendo definido pelo permeabilidade da malha da Baixa (r = 0,86, Figura 12a) resulta facto de a integração média (83,88, Figura 8) ser inferior não de alterações na sua estrutura, mas de redução na sua à do núcleo principal, pela profundidade média (11,84, Figura dimensão, enquanto o incremento observado na permea- 10) também ser superior e ainda por ser uma zona predo- bilidade da malha das Avenidas Novas (r = 0,77, Figura 12b) minantemente residencial. Dois outros factores, a dimensão assenta numa alteração da sua estrutura, que sofreu expansão.

87 Centro N. Baixa 84 N. Av. Novas N. Z. Oriental P. Nações 81

int (rn) norm. 78

75 1950 1970 1990 2001 Ano

Figura 8 Integração (rn) dos núcleos do centro de Lisboa 1950-2001.

400 Centro N. Baixa 300 N. Av. Novas N. Z. Oriental P. Nações 200

100

Dimensão do núcleo (km)

0 1950 1970 1990 2001 Ano Figura 9 Dimensão dos núcleos do centro de Lisboa 1950-2001.

Minerva, 5(2): 187-196 194 SERDOURA

Associado a esse conjunto de factores, algumas o surgimento de um pólo com características de efeito de actividades económicas, como os escritórios, a banca, os centralidade no núcleo Oriental do centro funcional, que seguros, certo comércio especializado e serviços centrais corresponde à área do Parque das Nações (Serdoura, 2006). do Estado, deslocaram-se do núcleo da Baixa para o das O valor da integração na área do Parque das Nações, tomado Avenidas Novas, facto que ajudou a consolidar a centra- isoladamente (77,20), é muito próximo do observado no lidade daquela área da cidade. Nos anos 90, a cidade núcleo Oriental a que pertence, sendo superior ao da Baixa expandiu-se na direcção da periferia, e o mesmo aconteceu (76,55) (Figura 8). Esse pólo da zona Oriental representa mais com o seu centro funcional. A análise do parâmetro de de 50% da dimensão (58,28 km) do seu núcleo (Figura 9), integração foi reforçada pela especialização que se verificou denotando uma profundidade (13,57) melhor do que a do na área, à custa da fixação de sedes de bancos e de núcleo Oriental (13,94) (Figura 10). Por sua vez, a permea- seguradoras, hotéis e outros serviços especializados. O bilidade (Figura 14) da sua malha urbana é superior (r = 0,88) valor da integração média na estrutura urbana das Avenidas (Figura 14d) à apresentada pelo núcleo onde está localizado Novas é agora de 80,62, a Baixa continuou a perder impor- (r = 0,77) (Figura 14c). Em síntese, a nova expansão urbana tância, sendo o seu valor de 78,01, enquanto a zona Oriental de Lisboa passou a integrar o efeito de centralidade de se posicionou entre os dois primeiros núcleos, com 79,22. acordo com os parâmetros considerados na análise morfológica A análise da profundidade média nesses núcleos do adoptada. centro (Figura 10) indica que o núcleo das Avenidas Novas é aquele que apresenta melhor valor para o parâmetro Conclusão profundidade (13,07) enquanto a Baixa se mantém como o O estudo do centro funcional de Lisboa identificou núcleo menos acessível (13,35). A zona Oriental apresenta a existência de um núcleo estruturante que se desenvolveu valor intermédio (13,22), explicado não pela permeabilidade ancorado no modelo tradicional (quadrícula), cuja consist- da sua malha (r = 0,67, Figura 13c), mas pela forte ligação ência morfológica foi determinante no ordenamento urbano. que mantém com o núcleo central (Avenidas Novas). De A densificação continuada de padrões morfológicos salientar que a permeabilidade do núcleo das Avenidas Novas tradicionais não afectaram a acessibilidade e permeabilidade continuou a aumentar (r = 0,77, Figura 13b). A análise da do centro, mas geraram desequilíbrios funcionais, tendo integração confirma a existência de um pólo de centralidade alterado o efeito de centralidade. A nova expansão urbana no núcleo Oriental. A integração das Avenidas Novas é agora de Lisboa – Parque das Nações – constitui-se, assim, em de 79,08, enquanto a do núcleo Oriental se fixa em 77,24 e nova centralidade na cidade, facto que é demonstrado pela a do núcleo da Baixa, em 75,84 (Figura 8). importância da sua estrutura urbana no centro funcional Os dois núcleos principais (Avenidas Novas e zona e na cidade e que fez desviar o crescimento do centro para Oriental) continuam a expandir-se (229,85 km e 110,59 km, a zona Oriental, em direcção à periferia. No caso de Lisboa, respectivamente), enquanto a Baixa mantém o efeito de a configuração do centro parece estar relacionada com a contracção (18,07 km) (Figura 9). A permeabilidade das tipologia da malha urbana. Em suma, as funções urbanas malhas também melhora (Figura 14), sendo de r = 0,79 para e as propriedades sintácticas do espaço urbano parecem as Avenidas Novas (Figura 14b) e r = 0,77 para a zona revelar-se fundamentais para se conhecerem as possi- Oriental (Figura 14c). bilidades de localização das actividades urbanas centrais, Esses dois núcleos principais registaram ainda, nesse em termos de acessibilidade e mobilidade. Através dessa período, crescimentos significativos das suas malhas (Figura metodologia pode-se estudar a dinâmica de ordenamento 9), sendo ligeiro nas Avenidas Novas (229,85 km) e mais de um território, onde as funções urbanas se localizam acentuado na zona Oriental (110,59 km). Uma análise mais preferencialmente numa zona da cidade em detrimento de detalhada desses parâmetros morfológicos permite evidenciar outra.

14 Centro N. Baixa 13,5 N. Av. Novas N. Z. Oriental 13 P. Nações

12,5

Profundidade média 12

11,5 1950 1970 1990 2001 Ano Figura 10 Profundidade média dos núcleos do centro de Lisboa, 1950-2001.

Minerva, 5(2): 187-196 A EMERGÊNCIA DE NOVAS CENTRALIDADES. O CASO DE LISBOA 195

3,5 4 y = 0,5537x – 1,3806 y = 0,5264x – 1,3641 R2 = 0,5548; r = 0,7448 R2 = 0,5636; r = 0,7507 2,5 3

1,5 2

ln (conectividade) a)ln (conectividade) b) 0,5 1 345678 3 4,5 6 7,5 9 ln (comp. linhas axiais) ln (comp. linhas axiais)

Figura 11 Permeabilidade das malhas dos núcleos: a) Baixa e b) Av. Novas, em 1950.

3,5 4 y = 0,6435x – 1,7827 y = 0,6503x – 2,134 R2 = 0,7351; r = 0,8574 R2 = 0,5943; r = 0,7709 3 2,5 2 1,5 1

ln (conectividade) a)ln (conectividade) b) 0,5 0 345678 3 4,5 6 7,5 9 ln (comp. linhas axiais) ln (comp. linhas axiais) 4 y = 0,4892x – 1,2889 R2 = 0,5325; r = 0,7297 3

2

1

ln (conectividade) c) 0 3 4,5 6 7,5 9 ln (comp. linhas axiais)

Figura 12 Permeabilidade das malhas dos núcleos: a) Baixa, b) Av. Novas e c) Zona Oriental, em 1970.

3,5 4 y = 0,6431x – 1,777 y = 0,6503x – 2,1404 R2 = 0,7335; r = 0,8564 R2 = 0,5987; r = 0,7738 3 2,5 2 1,5 1

ln (conectividade) a)ln (conectividade) b) 0,5 0 345678 3 4,5 6 7,5 9 ln (comp. linhas axiais) ln (comp. linhas axiais) 4 y = 0,4261x – 0,9334 R2 = 0,4461; r = 0,6679 3

2

1

ln (conectividade) c) 0 3 4,5 6 7,5 9 ln (comp. linhas axiais)

Figura 13 Permeabilidade das malhas dos núcleos: a) Baixa, b) Av. Novas e c) Zona Oriental, em 1990.

Minerva, 5(2): 187-196 196 SERDOURA

Referências Bibliográficas MEDEIROS, V. A.; HOLANDA, F. R. B; TRIGUEIRO, E. CAMPOS, M. B. Strategic spaces: patterns of use in public B. F. From compact colonial villages to sparse metropolis: squares of the City of London. In: INTERNATIONAL Investigating grid integration, compactness and form of SPACES SYNTAX SYMPOSIUM, VOLUME II, URBAN the integration core in Brazilian cities. In: INTERNATIONAL THEMES, 1., 1997. Proceedings... 1997. p. 26.1-26.11. SPACES SYNTAX SYMPOSIUM, 4., 2003, London. CML. Plano Director. Lisboa, Portugal: Câmara Municipal Proceedings... London, 2003. p. 12.1-12.16. de Lisboa, 1967. PALMA, N. C.; KRAFTA, R. Specific centralities spatial CML. Plano Director Municipal: regulamento. Lisboa: configuration linked to socioeconomic complementarity Câmara Municipal de Lisboa/Direcção de Projecto de between urban spaces. In: INTERNATIONAL SPACES Planeamento Estratégico, 1994. SYNTAX SYMPOSIUM, 3., 2001, Atlanta. Proceedings... 2001. p. 65.1-65.8. DALTON, N. Fractional configurational analysis and a solution to the Manhattan problem. In: INTERNATIONAL SERDOURA, F. M. Espaço público. Vida pública: o caso SPACES SYNTAX SYMPOSIUM, 3., 2001, Atlanta. do Parque das Nações. 2006. Dissertação (Doutoramento Proceedings... 2001. p. 26.1-26.13. em Planeamento Regional e Urbano) – Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa. GASPAR, J. A dinâmica funcional do centro de Lisboa. Separata de FINISTERRA, Revista Portuguesa de SILVA, C. N. Política urbana em Lisboa, 1926-1974. Lisboa: Geografia, Lisboa: Centro de Estudos Geográficos de Livros Horizonte, Ltda, 1994. (Colecção Cidade de Lisboa). Lisboa, v. XI-21, p. 37-150, 1976. TRIGUEIROS, E. B. F.; MEDEIROS, V. A. S. Marginal HILLIER, B. A theory of the city as object, or how the spatial heritage: Studying effects of change in spatial integration laws mediate the social construction of urban space. In: over land-use patterns and architectural conservation in INTERNATIONAL SPACES SYNTAX SYMPOSIUM, 3., the old town centre of Natal, Brazil. In: INTERNATIONAL 2001, Atlanta. Proceedings... 2001. p. 02.1-02.14. SPACES SYNTAX SYMPOSIUM, 4., 2003, London. Proceedings... London, 2003. p. 20.1-20.16. KRÜGER, M.; HEITOR, T. V.; TOSTÕES, A. A morfologia da cidade de Lisboa: da época medieval à cidade actual. Técnica, Revista de Engenharia, Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico, Lisboa, n. 1, p. 49-70, jan. 1996.

Minerva, 5(2): 187-196