A Emergência De Novas Centralidades
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A EMERGÊNCIA DE NOVAS CENTRALIDADES. O CASO DE LISBOA 187 A EMERGÊNCIA DE NOVAS CENTRALIDADES: O CASO DE LISBOA Francisco Manuel Serdoura Faculdade de Arquitectura, Universidade Técnica de Lisboa, Rua Sá Nogueira, Pólo Universitário, Alto da Ajuda, CEP 1349-055, Lisboa, Portugal, e-mail: [email protected] Resumo Este trabalho pretende contribuir para a compreensão da evolução da estrutura funcional de Lisboa proporcionando melhor entendimento das acções de planeamento urbanístico, enquanto processo dinamizador do crescimento da cidade, suportado pela gestão do uso do solo. Do estudo realizado concluiu-se que, em Lisboa, estão a emergir novos pólos de centralidade, onde a dinâmica do uso do solo leva as funções urbanas centrais a localizarem-se preferencialmente numa zona da cidade, em detrimento de outra. Em síntese, o uso do solo e as propriedades sintácticas do espaço urbano parecem revelar-se fundamentais para se conhecerem as possibilidades de localização das actividades urbanas centrais. Palavras-chave: centralidade, centro funcional, dinâmica urbana, análise espacial, Lisboa. Introdução cidade em áreas com diferentes usos (Figura 1a). A indústria A evolução dos processos de planeamento urbanís- era proposta em ocupações periféricas com forte concen- tico da cidade e da estrutura urbana de Lisboa reconhece tração na zona Oriental, organizando-se ao longo do rio. como importante para a evolução da cidade que o orde- Essa função era apoiada pelo caminho-de-ferro que namento incorpore preocupações formais e não exclusi- articulava ainda com a actividade portuária. Os serviços vamente funcionais, uma vez que as necessidades das e a administração eram propostos junto à Baixa, enquanto pessoas que habitam a cidade se alteram e também as a habitação se consolidava em torno do centro, quer nos funções por elas utilizadas. Nos últimos 50 anos, o ordena- bairros históricos, quer em novas áreas, afirmando a sua mento da cidade esteve, por um lado, associado às posição dominante em torno do centro geográfico da cidade condicionantes das características topográficas do território, (Avenidas Novas). as quais foram promovendo a expansão da cidade para O PDUL ficou concluído em 1966 e regulou a expan- áreas de melhor acessibilidade (menos acidentadas), sem são da cidade nos 20 anos seguintes, designadamente accionar processos de regeneração urbana nas áreas de quanto à expansão da rede viária, distribuição de emprego menor acessibilidade (mais acidentadas), conduzindo as e da habitação. A Figura 1b mostra a distribuição geral áreas adjacentes ao centro à segregação espacial e funcional, dos principais usos do solo propostos para o ordenamento com a consequente degradação das estruturas económicas da cidade. As actividades centrais, como os serviços e e sociais. o comércio especializado, continuavam a ser propostos de forma concentrada no centro tradicional (Baixa–Aterro O Ordenamento e a Dinâmica Urbana da Boavista), com expansões para Norte em direcção ao Em 1932 foram estabelecidas as bases de colaboração Marquês de Pombal, estruturadas pelos eixos da Avenida técnica e financeira entre o Estado e as autarquias locais. da Liberdade/Rua Castilho/Avenida Joaquim António de O Estado gerou todo um conjunto de obras, como estradas, Aguiar/Avenida Fontes Pereira de Melo. Esta função portos, caminho-de-ferro, aeroportos e obras de hidráulica, central também apresentava a expressão de ‘pólo’ nas zonas que acabaram por se fazer reflectir na política urbana. A do Campo Pequeno e Praça de Espanha. Segundo Gaspar política urbana então promovida, conjuntamente, pelo (1976), no seu trabalho ‘A dinâmica funcional do centro município e pelo Estado, consistia na criação de infra- de Lisboa’, a área Baixa–Chiado funcionava como o centro estruturas fundamentais ao desenvolvimento da cidade. de Lisboa, concentrando a quase totalidade das actividades terciárias centrais da cidade. A importância da Avenida Os Planos Directores de Lisboa [1950-2001] 5 de Outubro parecia estar relacionada com a fixação de O Plano Director da Cidade de Lisboa (PDCL) foi actividades comerciais e pequenos escritórios de empresas. apresentado em 1948 por Gröer. O principal instrumento Na Avenida Almirante Reis, o comércio grossista e de retalho de intervenção do PDCL foi o zonamento, organizando a eram as actividades económicas mais importantes. Minerva, 5(2): 187-196 188 SERDOURA a) b) c) d) Figura 1 Planos Directores de Lisboa: a) PDCL [1948], b) PDUL [1966], c) PDL [1977] e d) PDM [1994]. Em maio de 1977 foi aprovado o Plano Director de localização dos serviços prevista na proposta de ordena- Lisboa (PDL), com um horizonte de 20 anos. Silva (1994) mento parece contribuir para justificar a dimensão da zona ressalta o racionalismo do Plano, pressupondo uma central do centro da cidade, as Avenidas Novas. As intervenção científica, não ideológica, na organização do acessibilidades privilegiadas entre o centro geográfico – espaço urbano de Lisboa. A Figura 1c mostra o ordenamento Avenidas Nova – e a nova expansão urbana da cidade – proposto no PDL para a cidade. A localização das actividades EXPO’98 – contribuíram para justificar o surgimento de terciárias no centro tradicional permanece intocável, sendo uma nova centralidade naquela área da cidade. A expansão de realçar o adequar das novas localizações propostas no do centro para Norte sugere que o crescimento da cidade PDUL, o que parecia ser uma nova ideia de estrutura se apoiou no preenchimento de vazios existentes, tornando urbana descentralizada em unidades de ordenamento, a estrutura urbana da Coroa Periférica mais densa (Ser- integradas hierarquicamente, mas esquecendo-se dos doura, 2006). poderes efectivos da CML e do Plano, largamente ultra- passados pela dinâmica dos agentes privados (Silva, 1994). A Dinâmica do Centro Funcional [1950-2001] O centro geográfico da cidade tornou-se mais denso, na A definição de centro nem sempre tem sido consen- sequência do preenchimento dos vazios existentes. As sual entre diversos autores. Neste trabalho explorou-se operações urbanísticas levadas a efeito durante os anos uma metodologia abrangente recorrendo às teses de vários 80 do século XX parecem ter servido para conduzir à teóricos. Hillier (2001) considerou que o ‘centro funcional’ desertificação e à terciarização da área central da cidade da cidade deveria incluir toda a estrutura urbana formada (Avenidas Novas) (Serdoura, 2006). pelas linhas axiais que surgissem representadas em Em 1994, a prioridade do Plano Director Municipal vermelho, laranja e amarelo, tendo em consideração a escala (PDM) foi a de estabelecer regras para a ocupação, uso cromática produzida pelo programa de análise sintáctica e transformação do território municipal. Na Figura 1d (Axwoman 2.0). Outros autores fazem referência à deter- apresenta-se o modelo de ordenamento urbano proposto minação do ‘centro funcional’ segundo o intervalo de 10% para a cidade. Pela sua particularidade, o concelho de Lisboa a 25% das linhas mais integradas da estrutura urbana em ficou afecto apenas a uma única classe de espaço, o análise. Para esses autores, deve ser considerado o intervalo ‘Espaço Urbano’. Os serviços eram propostos em loca- de 10% de linhas mais integradas para aglomerados com lizações como a Área Histórica da Baixa (centro tradicional) mais de 100 eixos axiais, e 25% dos espaços com maior ou Avenidas Novas (centro funcional da cidade), com integração para aglomerados cuja estrutura axial é definida destaque para os eixos Avenida da República, Avenida por menos de 100 linhas axiais. Assim, tendo em consi- 5 de Outubro, a área em torno do Marquês de Pombal, deração a dimensão do aglomerado urbano de Lisboa em Parque Eduardo VII e Rato. O PDM propôs o reforço dessa qualquer dos períodos analisados [1950, 1970, 1990 e 2001], função central no centro geográfico da cidade (Avenidas considerou-se para este estudo que o ‘centro funcional’ Novas) e em localizações mais descentralizadas, como a da cidade seria definido pelos 10% de linhas axiais mais área central de Chelas, o centro dos Olivais e a ‘Zona de integradas no sistema urbano, em cada ciclo estudado sobre Intervenção da EXPO’98’ na parte oriental da cidade. A a evolução morfológica de Lisboa. Minerva, 5(2): 187-196 A EMERGÊNCIA DE NOVAS CENTRALIDADES. O CASO DE LISBOA 189 A expansão do centro funcional A boa permeabilidade demonstrada pela malha Com o crescimento da cidade, o centro funcional urbana em quadrícula do centro pode atestar também uma também se expandiu, demonstrando um dinamismo próprio, boa acessibilidade ao centro da cidade (Campos, 1997). quase sempre superior ao testemunhado pela cidade. A O ‘centro funcional’ de Lisboa em 1970 evidencia alguma Figura 2a mostra o centro funcional de Lisboa em 1950. evolução em relação ao período anterior. A Figura 2b permite A análise da figura permite a identificação de um centro reconhecer outra alteração na estrutura morfológica, a sua polinucleado, formado por dois núcleos fortes que se densificação. A estrutura do centro é essencialmente a articulam entre si através de eixos estruturantes. O primeiro mesma que se observava em 1950, no entanto, o núcleo núcleo, a Sul, identifica claramente a estrutura urbana da da Baixa surge agora confinado à malha Pombalina, já não Baixa, o centro funcional e de prestígio à época [1950]. se estendendo para Poente [Cais do Sodré/S. Paulo]. A Esse núcleo é constituído por uma malha urbana mais este facto também se associou a perda de algumas funções compacta e que se identifica com o traçado Pombalino em de prestígio. Nesse