RELATÓRIO DE AUDITORIA ÀS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS DE 5 DE SETEMBRO

UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DE ELEIÇÕES LIVRES, JUSTAS E TRANSPARENTES EM

NOVEMBRO DE 2008

ÍNDICE Página

Introdução e Síntese das Conclusões 3

I- Ambiente Político-Constitucional 8

II- Infracções Eleitorais Ligadas ao Não Esclarecimento Cívico dos Cidadãos e à Falta de Condições de Plena Liberdade, Justiça, Democracia e Transparência 13

III- Financiamento Desigual aos Concorrentes 23

IV- Violações à Lei Pela Administração Eleitoral

(a) Actas das operações eleitorais 24

(b) Membros das mesas de voto 28

(c) Locais de funcionamento das assembleias de voto e Disponibilização dos cadernos eleitorais 30 (d) Distribuição e uso dos boletins de voto 35

(e) Mesas de voto fantasmas 44

(f) Delegados de lista 46

V- Impacto do Deficit Democrático, das Infracções Eleitorais e do Financiamento Desigual aos Concorrentes na Legitimidade dos Órgãos Eleitos 50

VI- Recomendações 54

2 Introdução e Síntese das Conclusões

1. À luz dos princípios e direitos consagrados nos Artigos 3° e 4° da Lei constitucional e com vista a contribuir para a defesa do Estado Democrático de Direito, para o exercício dos direitos políticos dos cidadãos, para a formação da opinião pública e para o desenvolvimento das instituições políticas do País, a UNITA - União Nacional Para a Independência Total de Angola – realizou uma auditoria ao processo político-administrativo que conduziu à organização das eleições legislativas de 2008 e demais actos eleitorais, tendo, no final, produzido o presente relatório.

2. A auditoria teve por objectivos:

a) identificar as causas do deficit democrático que caracterizou o ambiente político-constitucional que presidiu as eleições;

b) apreciar a conformidade da organização e condução do processo eleitoral, incluindo as operações de apuramento dos resultados e demais actos eleitorais, às disposições constitucionais e legais;

c) documentar vícios, irregularidades e violações à lei;

d) emitir recomendações para garantir a efectiva democraticidade das próximas eleições e para o aperfeiçoamento contínuo da justiça eleitoral angolana.

3. A auditoria foi realizada entre 15 de Setembro a 10 de Novembro de 2008. Ela assenta em entrevistas, constatações, testes, exames e outros procedimentos profissionais de validação inerentes ao acto de auditar que foram julgados necessários nas circunstâncias. Os dados auditados relativos ao número de eleitores, mesas, actas das operações eleitorais e boletins de voto são os oficiais e definitivos publicados pela Comissão Nacional Eleitoral.

3

4. A auditoria concluiu que as eleições de 5 de Setembro de 2008 foram realizadas num ambiente de violações sistemáticas da Lei, acesso desigual aos meios públicos de comunicação e transporte, corrupção eleitoral, intimidação política e económica e de subversão e abuso das instituições do Estado e do poder tradicional para condicionar e obrigar o eleitor a votar no Partido que controla o Governo. Concluiu ainda que o processo padece dos seguintes vícios, irregularidades e indícios de fraude:

a) Porque não foram observadas as disposições legais relativas à liberdade do eleitor, à votação e ao apuramento, não é possível concluir que todos os votos expressos, actas produzidas e resultados apurados sejam legítimos; b) não foi dado destino legítimo aos boletins de voto que entraram em Angola e ficaram sob custódia da empresa Valleysoft e da Casa Militar do Presidente da República; os maços selados de 100 unidades foram violados, porquanto as assembleias de voto e as Comissões Provinciais Eleitorais registaram “boletins de voto recebidos” em números fraccionados, não múltiplos de 100; c) os boletins de voto foram manipulados antes da votação; houve boletins de voto não controlados pelo sistema da CNE que, apesar de contabilizados como “não utilizados” terão sido, de facto, utilizados; assim como poderá ter havido boletins que foram utilizados mas não foram contados; d) o centro de escrutínio nacional terá recebido actas relativas a 50195 mesas, quando a votação ocorreu em apenas 37995 mesas, pelo que o escrutínio foi efectuado com base em actas de mesas de voto fantasmas produzidas por agentes secretos e sem fiscalização, numa operação que terá sido controlada pelos serviços da Casa Militar;

e) não houve mecanismos fiáveis de controlo da observância dos princípios da liberdade, do secretismo e da unicidade do voto. Os eleitores foram vítimas de ameaças e artifícios fraudulentos para votar. Os cadernos eleitorais não foram utilizados. Não houve nenhum outro instrumento para validar a condição de eleitor presumida pela mera posse do cartão de eleitor e nem foi efectuado o controlo sistemático e verificável dos eleitores a medida que iam votando;

4 f) o uso da tinta indelével sem os cadernos eleitorais revelou-se nas circunstâncias insuficiente para assegurar a unicidade e a legitimidade do voto; g) mais de 60% das actas remetidas ao centro de escrutínio não estão assinadas por delegados de lista que não são do Partido/Estado;

5. Apesar dos procedimentos e regras da eleição estarem viciados; apesar desta eleição padecer de vícios e indícios de fraude e seus resultados não exprimirem a livre vontade do povo angolano, a sua realização foi importante para a normalização constitucional, rumo ao amadurecimento institucional do País. Não se deve permitir, porém, que elas sirvam de padrão para a organização de futuras eleições na República de Angola.

6. O ambiente antidemocrático que presidiu a realização das eleições bem como os abusos e violações que o caracterizam, foram sistematicamente denunciados e reclamados pela UNITA, junto às várias instâncias do Estado, ao longo dos tempos. Foram também referidos ou documentados por outras entidades, incluindo o Presidente da República, a Human Rights Watch, a Associação Justiça Paz e Democracia, Deputados à Assembleia Nacional, Partidos Políticos e Deputados ao Parlamento Europeu.

7. Porque somente a observância de regras imparciais em processos eleitorais democráticos, e não meros resultados eleitorais, garante a plena legitimidade dos órgãos eleitos, a auditoria apresenta soluções para as causas do deficit democrático vigente e para os vícios, irregularidades e indícios de fraude que lhe acompanham e recomenda medidas de política para a sua erradicação, antes da próxima eleição.

8. Não está em causa apenas o resultado oficial da eleição. Estão em causa a consagração efectiva dos direitos e liberdades individuais dos angolanos, o triunfo do regime multipartidário e da soberania popular em Angola, a efectiva unidade da Nação e a adequação da conduta da República de Angola a de um Estado Democrático de Direito.

5 9. A realização de qualquer nova eleição no mesmo ambiente consagraria a subversão e a corrupção como instrumentos da estatização da política para inviabilizar a democratização efectiva do País e legitimar a exclusão social por via de um Estado absolutista. A adopção, agora, de medidas correctivas, contribuirá sobremaneira para a gestão credível dos futuros processos eleitorais e para o desenvolvimento democrático da justiça eleitoral na República de Angola.

10. Das medidas correctivas que se recomendam aos órgãos competentes do Estado, no Capítulo VI, destacamos as seguintes:

a) Consagração de cláusulas constitucionais de irreversibilidade e de uma estrutura procedimental e processual adequada e eficaz para proteger e conferir plena realização prática aos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.

b) Inversão do desvio de poder, ou de fim, que se verifica na prossecução, pelo Estado, do interesse público. O interesse público que os órgãos da Administração Pública – incluindo a Comunicação Social e a Administração Eleitoral - perseguem não deve ser o interesse do Partido/Estado, mas sim o interesse da colectividade nacional.

c) O fim da corrupção institucional e da utilização e subversão, pelo Estado, dos poderes públicos e tradicional para fins privados, incluindo a estatização da política partidária. O poder tradicional deve ser apolítico, apartidário e desestatizado. Deve ser inclusivo, aglutinador e contribuir para a coesão social.

d) Assegurar, no cumprimento do princípio da justiça, que não haja tratamento desigual dos cidadãos – e dos partidos que integram – quanto às matérias que deveriam ser tratadas de forma igual à luz dos valores constitucionais e legais, nomeadamente quanto ao acesso à geração da riqueza, ao exercício de cargos públicos, à formação da vontade popular e o acesso efectivo ao poder político, económico e judicial.

6 e) Assegurar, em obediência ao princípio da imparcialidade, que a Administração Pública trate isentamente os cidadãos – e os Partidos que integram – não os favorecendo ou desfavorecendo por razões que se prendam com a sua filiação política ou com a posição dos titulares dos órgãos ou dos agentes que têm de decidir ou actuar. f) Promover a reforma da Administração Eleitoral, de forma a garantir:

i. Que o Partido dominante, através da CIPE, do SINFO, da Presidência da República ou de qualquer outro órgão do Estado, não dirija, de facto, as operações eleitorais.

ii. A extinção da Comissão Interministerial Para o Processo Eleitoral (CIPE) e a “reestruturação” ou “refundação” da Comissão Nacional Eleitoral de forma a garantir a sua efectiva imparcialidade estrutural e funcional, a sua perenidade e profissionalização, nos marcos dos princípios universais que governam a organização de eleições democráticas.

7 I. Ambiente Político-Constitucional

11. As eleições extraordinárias de 5 de Setembro de 2008 decorrem da consagração constitucional, em 1992, dos direitos e liberdades individuais, da soberania popular, da igualdade política e jurídica dos cidadãos e do Estado Democrático de Direito. Com a sua realização nos marcos dos princípios democráticos, Angola consolidaria, por via da normalização constitucional, a transição para o novo sistema político, que consagrou em 1992.

12. Porém, as eleições de 5 de Setembro foram utilizadas para cristalizar a matriz constitutiva de um Estado absolutista, assente no clientelismo e na subversão, que começou a ser construída em 2002 e ganhou ímpeto em 2005. Essa matriz radica em cinco elementos de gestão do poder que visam sustentar uma hegemonia política, económica e cultural que mantém uma fachada de democracia e realiza eleições, sim, mas sem efectiva competição política.

13. Os elementos sustentadores dessa hegemonia são os seguintes:

a) a indistinção efectiva entre Estado, Partido dominante, Governo e Administração Pública; b) a centralização de consideráveis faculdades não escritas nas mãos do Chefe do Executivo; c) a minúscula autonomia do Legislativo e do Judiciário em face da força Presidencial; d) a estatização da política partidária por via do abuso e subversão dos poderes públicos e tradicional, dos órgãos de comunicação social e da corrupção; e e) a existência de abundante moeda de troca em “sacos azuis” que escapam ao controlo do poder fiscalizador do Estado, para calar ou cooptar descontentes e opositores.

8 14. Nesse ambiente, a consagração efectiva das liberdades individuais, da igualdade política e do Estado Democrático de Direito está ameaçada. 15. A partir de 2002, Angola recuou mais abertamente do seu compromisso para com a paz e a democracia reais. Aceitou o jogo democrático no plano formal mas rejeitou as suas regras no plano material. Em 2005, Angola adoptou um Direito eleitoral moldado pelo domínio do partido de Estado e dominado pelo poder executivo do Estado, de modo a perpetuar o domínio do Partido/Estado. Criou, por isso, a Comissão Interministerial Para o Processo Eleitoral - CIPE, ainda em Dezembro de 2004, chamou a si o controlo das fichas individuais de eleitores e consagrou, em Agosto de 2005, uma administração eleitoral quiçá participada, mas efectivamente dominada pelo Chefe do Executivo. Além disso, instrumentalizou sectores da sociedade – incluindo as autoridades tradicionais e os profissionais liberais - para arregimentar os eleitores e garantir o voto do medo, por via de actos de intimidação e de corrupção eleitoral. Deste modo, em Setembro de 2008, aquando da votação, não necessitaria usar os mecanismos mais rudimentares e evidentes de fraude. Bastaria assegurar que a Casa Militar e órgãos afins cuidassem da logística eleitoral e subvertessem alguns órgãos da Comissão Nacional Eleitoral. Foi o que aconteceu.

16. Não obstante a Assembleia Nacional possuir reserva legislativa absoluta em matéria eleitoral, a actuação eficaz, a todo o terreno, de um partido de Estado e a constituição de um sistema sócio-político-económico arquitectado – de 2003 a 2008 - de modo a perpetuar o predomínio desse partido e a suprimir qualquer incerteza decorrente do jogo democrático, definiram um regime político aparentemente estável, que, embora permeável a diversos interesses, no fundamental – a preservação do poder – apresenta-se quase monolítico, quiçá com uma fachada democrática. Este parece ter sido o objectivo da criação do quadro Político-Constitucional das eleições de 5 de Setembro de 2008. De facto, a realização de eleições nesse ambiente, em 2008, consagrou o absolutismo como regime político efectivo de Angola.

17. A lei estabelece que “a administração dos actos eleitorais compete a um órgão cuja composição é participada nos termos da lei, pelo poder judicial e outras entidades nacionais que garantam a independência do mesmo.” (Artigo 8º da Lei Eleitoral,

9 Lei 6/05, de 10 de Agosto). Este órgão é a Comissão Nacional Eleitoral (CNE), criada pela mesma lei.

18. Pouco antes da criação da CNE, o Governo instituiu a Comissão Interministerial Para o Processo Eleitoral (CIPE), a quem atribuiu a responsabilidade de “criar as condições técnicas e materiais” para a realização de eleições. Em muitos sentidos, a CIPE, que é formada por Ministros do Partido/Estado, sobrepôs-se à CNE, controlando ou limitando a autonomia executiva da CNE e o livre acesso desta à base de dados do registo eleitoral e a uma infra-estrutura de comunicações eleitorais própria. O Coordenador da CIPE, que é membro do Bureau Político do Partido/Estado, actua também como garante do controlo do processo eleitoral pelo Poder Executivo do Estado.

19. Após a criação da CNE, e através da Casa Militar do Presidente da República ou da autoridade do Partido/Estado, o Executivo colocou oficiais do SINFO ou a eles ligados em posições-chave no aparelho executivo da CNE. Estes cidadãos ocuparam posições estanques ou actuaram como “consultores” do Presidente da CNE ou da sua estrutura na gestão da logística, da organização e comunicações eleitorais e do centro de escrutínio. Ademais, o Chefe da Casa Militar do Presidente da República terá actuado como elo de ligação entre o Chefe do Executivo e o Presidente da Comissão Nacional Eleitoral.

20. Em Janeiro de 2008, a Assembleia Nacional recebeu do Tribunal Supremo os Acórdãos relativos aos processos números 16 e 17/05, lavrados em 15 de Janeiro de 2008, sobre a reclamação que seus deputados apresentaram em Agosto de 2005, relativa a constitucionalidade de certas normas que governariam o processo eleitoral, nomeadamente, sobre a legitimidade democrática da Comissão Interministerial Para o Processo Eleitoral (CIPE), a composição e competências da Comissão Nacional Eleitoral, a legitimidade do Governo para legislar sobre matéria eleitoral, o condicionamento do direito de voto aos angolanos residentes no exterior e a razoabilidade dos prazos que o Estado fixou para disponibilizar aos concorrentes fundos públicos para a campanha eleitoral.

10 21. O Tribunal considerou “democrática” e “isenta” a Comissão Nacional Eleitoral, formada for 11 membros, sendo oito ligados ao Partido-Estado e três ligados a Partidos na oposição. Considerou adequados e constitucionais os poderes eleitorais conflituantes atribuídos à CIPE.

22. O Tribunal concordou com os Deputados reclamantes no que respeita ao direito de voto dos angolanos residentes no exterior. Todavia, invocou razões de interesse público para não tornar a sua decisão aplicável ao processo eleitoral em curso na data do Acórdão.

23. O Tribunal não decidiu ainda sobre a legalidade constitucional da bandeira actual da República de Angola, face à consagração constitucional da II República, em 1992, nem sobre a legalidade da bandeira do Partido/Estado, face à sua estreita semelhança gráfica com a bandeira da República, o que viola as disposições legais.

24. A lei constitucional proíbe os juízes de desempenhar qualquer outra função pública ou privada, excepto a de docência ou de investigação científica. Nesse sentido, a Assembleia Nacional aprovou em Junho de 2008 legislação pertinente, com base na qual os juízes foram removidos da composição da Comissão Nacional Eleitoral. Todos, menos um, o Presidente da CNE, que é juiz, Vice-Presidente do Tribunal Supremo. Nem a pessoa do Presidente da CNE, nem o Tribunal Supremo, nem as estruturas da CNE apresentaram ao público qualquer evidência atestando que o Presidente da CNE não está a exercer as suas funções de Estado à margem da lei.

25. Em Julho de 2008, a CNE demonstrou, em dois actos públicos, não ser um órgão isento e independente: (1) Emitiu um Parecer “por encomenda” para sustentar a posição do Partido/Estado na Assembleia Nacional que visava alterar a Lei Eleitoral - já depois de convocadas as eleições - a fim de realizar as eleições “em dois dias.” A lei estabelece que “as eleições regem-se pela lei vigente ao tempo da sua convocação.” (Artigo 6º da lei eleitoral) (2) Participou numa cerimónia pública, promovida pelo Governo, para receber do Ministro da Administração do Território (MAT) “os cadernos eleitorais em formato digital.” O “Termo de Entrega” foi assinado mas os cadernos eleitorais em formato digital não foram entregues. A

11 cerimónia foi transmitida pela Televisão Pública de Angola. De facto, a não entrega atempada de cadernos eleitorais correctos pelo MAT foi uma das razões para a sua indisponibilidade nas mesas de voto no dia da eleição.

26. Assim, as eleições foram administradas por um órgão não isento, quer na sua composição quer no seu funcionamento. E esta não isenção verificou-se, e tem-se verificado apenas com relação a um dos 14 Partidos concorrentes.

12 II. Infracções Eleitorais Ligadas ao Não Esclarecimento Cívico dos Cidadãos e à Falta de Condições de Plena Liberdade, Justiça, Democracia e Transparência

(a) O Papel da Comissão Nacional Eleitoral Antes do Dia da Votação

27. A lei manda a Comissão Nacional Eleitoral “promover através dos órgãos de comunicação social o esclarecimento cívico dos cidadãos sobre as questões relativas ao processo eleitoral.” (alínea (r) do Artigo 156º da Lei nº 6/05, de 10 de Agosto) Considerando a natureza pós-conflito da sociedade angolana, esta deveria ser uma prioridade permanente da CNE. Durante dois anos inteiros, de 2005 a 2007, apesar de ter uma estrutura denominada “Direcção de Educação Cívica,” a CNE não organizou nenhum programa sério, a nível nacional, para o esclarecimento cívico dos cidadãos. Pelo contrário, deixou o seu espaço ser ocupado pelo Partido que controla o Governo. Este transformou os órgãos de comunicação social em veículos de propaganda política para a partidarização da sociedade.

28. A CNE programou algumas acções de esclarecimento cívico dos cidadãos para o ano de 2008. O programa de “educação cívica” da Comissão Nacional Eleitoral previa a construção de cerca de 850 djangos eleitorais, formação, manutenção e despacho de 1752 activistas pelas aldeias para distribuição de material educativo incluindo a exibição de peças teatrais e audiovisuais, com conteúdos próprios, em três fases, cobrindo apenas os meses de Junho a Agosto. Nada disso foi cabalmente executado.

29. A lei manda a CNE “estabelecer medidas para que o processo eleitoral se desenvolva em condições de plena liberdade, justiça e transparência.” (alínea (o) do Artigo 156º da Lei nº 6/05, de 10 de Agosto) Ante a passividade ou conivência da CNE, O Partido/Estado utilizou as suas estruturas para atentar sistematicamente contra a vida e as liberdades dos cidadãos: (a) por perseguir, intimidar, queimar casas, assassinar e orquestrar o assassinato de militantes de outros partidos

13 políticos; (b) por forçar os cidadãos a fornecer-lhes os seus cartões de registo eleitoral para fins obscuros; (c) por negar a cidadãos de outros Partidos o direito de exibir os seus símbolos e de realizar actividades políticas em condições de liberdade; (d) por manipular e instrumentalizar as autoridades tradicionais para fins ilícitos, atentatórios à unidade nacional; (e) por utilizar os cargos e recursos públicos para promover a corrupção eleitoral, através de “ofertas” de bens, empregos públicos, posições de chefia e créditos, em troca de declarações públicas a favor do Partido/Estado ou contra os seus concorrentes.

30. Todos estes atentados à vida e à liberdade dos angolanos bem como as violações à Lei com eles relacionados foram sistematicamente denunciados por vários agentes eleitorais, em particular pela UNITA, para receberem todos eles, em resposta, o silêncio da Comissão Nacional Eleitoral.

31. Um atentado famoso à liberdade dos angolanos foi protagonizado pelo agente eleitoral Kundy Payama, que, nas vestes de Ministro da Defesa, foi citado em manchete pela edição número 115 do Semanário Cruzeiro do Sul, de 19/1/08, como tendo ameaçado os eleitores num comício na Matala, Província da Huila, assim: “... todos os partidos políticos que enveredarem pela difamação de coisas injustas e que toquem directamente o Governo do MPLA vão sentir a carga da Polícia, acabando, se calhar, atrás das grades.”

32. Durante os três anos da sua existência, a CNE não fez sentir a sua autoridade no estabelecimento de medidas pró-activas para que o processo eleitoral se desenvolvesse em condições de plena liberdade, justiça e transparência. Não estabeleceu padrões de comportamento, não fez uso da lei, não fez pronunciamentos públicos para dissuadir comportamentos injustos, não promoveu a responsabilização dos violadores da lei. Os outros órgãos do Estado também nada fizeram. De facto, não houve liberdade nem justiça eleitoral.

14 (b) O Papel do Partido/Estado no Dia da Votação

33. O Partido/Estado jogou um papel preponderante no dia da votação. Mobilizou as suas estruturas para, de modo organizado, impor a autoridade do “Estado” utilizando a coacção, a violência, a corrupção e outros artifícios fraudulentos, para induzir os eleitores a votarem nele, violarem o segredo do voto ou abster-se de votar na UNITA.

34. Indivíduos “preparados e credenciados” antes dos membros das mesas que tinham sido recrutados e formados pela CNE, tomaram de assalto as Assembleias de Voto e passaram a comandar as operações eleitorais, como presidentes das mesas, polícias eleitorais ou escrutinadores, orientando a população a votar, direccionando o seu sentido de voto e rompendo até o carácter secreto do voto. Nos casos dos eleitores que não sabiam ler nem escrever, estes molhavam o dedo do referido eleitor na almofada e indicavam o nº 10 para ser assinalado.

35. Em várias Assembleias, em contravenção ao disposto no Artigo 123° da Lei eleitoral, havia um cartaz reproduzindo o Boletim de Voto com o X no nº 10. Em outras Assembleias alinhavam os eleitores em filas do 10 e do 11. Houve casos em que apontava-se uma arma (presa à cintura) aos eleitores que alinhavam pelo 11 e os eleitores fugiam para a “fila” do 10. Os que persistiam em ficar na fila do 11, tinham que esperar que a fila do 10 terminasse a votação para poderem votar. Quando os eleitores do 10 acabavam de votar escasseavam milagrosamente os Boletins de Voto!

36. Estas situações ocorreram em praticamente todo o País. Realçamos que, tal como no período colonial, os Sobas e os Administradores foram utilizados como principais manipuladores da vontade popular para defraudar o eleitor. Pelo País fora, particularmente nas áreas mais atingidas pelo fratricídio, num atentado contra a reconciliação e a unidade nacionais, o povo foi coagido a votar no Partido/Estado mediante ameaça do recurso à guerra. Eis alguns exemplos:

15 a) Em Kanakassala, Província do Bengo, o Administrador mandou embora os Delegados de Lista da oposição e antes do início da votação fez um comício proferindo ameaças contra quem não votasse no 10. b) Na Província de , na Comuna da Chimboa, no Município da Ganda, foram instrumentalizados o Regedor Tchimbulu e o Soba Koto da Missão do Ndunde; e o Regedor Kaliakassa da Povoação de Kachimbangu. O próprio Secretário do MPLA, Júlio Sassulu, encarregou-se ele próprio, de usar os artifícios fraudulentos previstos no Artigo 202° da Lei eleitoral para coagir os eleitores a votarem no Partido/Estado. c) Na Aldeia de Vália, do Município de Kamakupa, Província do Bié, a treze km da Comuna de Umpulu, antes do início da votação o Soba declarou que quem não votasse no MPLA seria corrido da Aldeia. Segundo ele, eram ordens recebidas da Administração da Comuna e que tinham de ser cumpridas. d) Na Província do Bié, no Município do , houve abuso de autoridade no sufrágio e coacção. A Primeira Secretária do MPLA e Administradora Comunal de Kalusinga, Sra. Faustina Bundu, reuniu eleitores na Igreja Católica e, em contravenção ao disposto nos Artigos 202° e 203° da Lei eleitoral, ordenou a todos eles para votarem no MPLA. O soba Kawawa, que respondeu que isso era uma violação à lei, foi detido no local, algemado e levado para parte incerta, um crime previsto no Artigo 198° da Lei eleitoral. Três dias depois, foi encontrado por familiares, em plena mata e sempre algemado. e) No Município do Andulo, Província do Bié, a Administradora Municipal e 1ª Secretária do MPLA, Maria Lúcia Chikapa, transportou pessoalmente em várias viaturas, a população de Cariongo para as Assembleias de Voto da cidade do Andulo e intimou-a a votar no MPLA sob pena de “sofrerem consequências.” Durante todo o acto eleitoral, esta agente eleitoral continuou na prática do crime de abuso no exercício de funções, previsto no Artigo 203° da Lei eleitoral, pois, não saiu das referidas Assembleias até estar convencida que exerceu suficiente pressão psicológica sobre os eleitores para votarem no MPLA.

16

f) Na Província do , também houve abuso no exercício de funções e coacção, em contravenção ao disposto nos Artigos 202° e 203° da Lei eleitoral. Os Sobas António Tomé, da Aldeia de Chikelu Kalombeu, Município do ; Sobas Kalisoyola, Paulino Sanene, Adriano Tchimbwendo, todos do Município do Mungo e os Coordenadores dos Comités do MPLA colocaram-se nas filas de eleitores para intimidar os eleitores e influenciar o seu voto. O tipo de discurso intimidatório utilizado foi: “se não votares no 10, haverá guerra, ficarão sem sal e irão para as montanhas”.

37. Na noite de 4 para 5 de Setembro de 2008, apareceram na Direcção Municipal de Investigação Criminal no , Província de Benguela, indivíduos com Boletins de Voto, a coagirem os presos que ali se encontravam a votarem no número 10 (MPLA), em troca de Kz. 1.000,00 (Mil Kwanzas) cada um.

38. Ainda no Lobito, Província de Benguela, na Assembleias de Voto 112 e 134, no Bairro Bela Vista, na Assembleia 237, no Bairro da Luz, na Assembleia 117 na Escola Rei Katiavala, no Bairro da Kalumba, apareceram grupos de activistas do Partido MPLA a ameaçar os eleitores e forçarem-nos a votar no número 10, caso contrário se o MPLA perdesse, haveria guerra. Outros membros do MPLA utilizavam a corrupção eleitoral, prevista Artigo 205° da Lei eleitoral, ameaçando retirar os empregos e trazer miséria a quem não votasse no MPLA. Os Delegados de Lista foram mantidos à distância e as suas reclamações não foram atendidas.

39. Na Assembleia de Voto 11.03.001 do Município do Kuhemba, na Província do Bié, no momento da entrega dos Boletins de Voto, os Presidentes das Mesas 1 e 4, abusaram das suas funções e indicavam onde o eleitor deveria votar. O mesmo aconteceu nas Assembleias de Voto da Escola 13 no Bairro Kambulukutu no Kuíto, capital da Província.

40. No Município da Nhareia, Comuna da Nhareia, mais de 6430 eleitores foram defraudados e não exerceram o seu direito de voto. Por não terem sido abertas as Assembleias de Voto programadas, as populações de Chikomo, Katuma, Santarém,

17 Chilesso, Savita, Lomunda, Salale, Kangoti e Samatamba foram obrigadas pelo Gabinete Municipal Eleitoral a deslocar-se a pé para a Embala Etalala localizada há mais de dez km de distância. Muitos dos cidadãos eleitores acabaram por não se deslocar. Os que foram, viram-se defraudados porque quando lá chegaram constataram que os eleitores da própria Embala Etalala não tinham votado todos por falta de Boletins de Voto.

41. Na Província do Bié, foi generalizado por parte do Partido/Estado o recurso à ameaça do retorno à guerra. Para reforçar a intimidação do cidadão eleitor, foram colocadas pelo Partido/Estado unidades equipadas das Forças Armadas em vários pontos da Província. Nas Assembleias de Voto houve abuso de autoridade do sufrágio e coacção, com indicação explícita do voto aos eleitores, por Membros das Mesas, ao longo das filas e nas cabines de voto.

42. No Kambuengo, Município do Mungo, o Governador, Paulo Cassoma também incorreu no crime de abuso de exercício de funções e de corrupção eleitoral previstos nos Artigos 203° e 205° da Lei eleitoral. Levou às populações, pela primeira vez, um camião cheio de pães, dizendo à população que se votarem no 10 terão sempre pão; pão que nunca mais apareceu.

43. Em quase toda a extensão da Província do Huambo, a coacção e artifício fraudulento foram utilizados sobre o eleitor por via de propaganda política nas Assembleias de voto e vários tipos de intimidação. Com efeito, a caminho das Assembleias de Voto, militantes do MPLA colocaram supostos feiticeiros no trajecto dos votantes, alegadamente com o poder sobrenatural de enfeitiçar aqueles que votassem na UNITA. “Quem não votar no 10 irá preso; ou deixará de trabalhar ou então será enfeitiçado” era o lema. Outros exemplos:

a) No Município sede do Huambo, os eleitores na Assembleia localizada na Paróquia de Santo António, na Assembleia de Cacilhas e na Assembleia do Bairro S. José foram ameaçados de prisão ou morte;

18 b) No Município do Mungo registou-se o voto do medo, por violência ou ameaças, nas Aldeias Tchimbula, Damasco e Chango, onde se destacou o Soba Adriano Tchimbwendo, que estava a obrigar as pessoas a votar no 10; no Sector Kavili, destacou-se o Soba Paulino Sanene e no Sector Kayumbuka Alto, o Soba Kalisoyola. O povo relata que “estes foram os autores da intimidação e que estavam a obrigar as pessoas a votar no 10.” c) A mando do Governador Paulo Cassoma, dois autocarros foram retirar pessoas da Comuna de Tchiyaka, para o Município de Tchinjenje. Pelo caminho, os cidadãos sofreram uma “lavagem cerebral” nesses termos: “todos terão de votar no número 10. Se votarem no 11, haverá guerra e ficarão sem sal (ukakala esãse)”. Na própria Comuna de Thiyaka, havia Assembleias de voto que ficaram “às moscas”. O mesmo sucedeu no sector de Chikoko, Município Sede de Tchinjenje e nas Assembleias do Bairro 27 e de Kavava, no Município de ,. d) No Município do Bailundo, Província do Huambo, surgiram adultos e crianças de proveniência desconhecida, transportados pelo Governo para votarem em várias Assembleias de Voto do Município sede. e) O Vice-Administrador da Comuna do Bimbe, senhor Jorge Katimba, apareceu no Local da votação, reuniu jovens da JPMLA para influenciarem o voto para o MPLA. f) Na Província de Luanda, no Município de Sambizanga, nas Assembleias nºs 04.07.195, 196 e 197 (Centro Social do Sambizanga), militantes do MPLA montaram uma barraca utilizando bebidas alcoólicas e bandeiras do MPLA a dois metros da Assembleia de Voto, e coagiam o eleitorado a dizer em voz alta que iam votar no N.º 10 e abster-se do voto no N.º 11, exibindo um Boletim de Voto nele assinalado o X no MPLA (N.º10). Os Delegados de lista apresentaram queixa aos respectivos Presidentes de Mesa que se abstiveram de tomar quaisquer medidas correctivas.

19 g) Na Província de Luanda, no Município do Kilamba Kiaxi, Golfe II, na Assembleia de Voto colocada na Maternidade, os Membros da Mesa (que substituíram os anteriormente designados, mandaram os eleitores formar duas filas: uma dos que iriam votar no Nº 10 e outra dos que iriam votar no Nº11. Um dos eleitores presentes discordou deste método por violar o segredo de voto e foi taxado como sendo “Samakuvista”.

44. Um pouco por todo o lado foi registado o “abuso no exercício de funções” previsto no Artigo 203° da Lei eleitoral. Eis alguns exemplos:

a) O Administrador Comunal do Kassequel, Município da Maianga, Província de Luanda, Sampaio, dirigiu-se a todas as Assembleias de Voto da sua Comuna para instruir os Delegados de Lista do MPLA para usarem a sua influência junto dos eleitores e direccionarem o voto no MPLA.

b) Na Província da Lunda Norte, os polícias eleitorais desempenharam o papel de activistas do Partido no poder, direccionando o voto no MPLA.

c) Na Província de Malange, responsáveis de estruturas administrativas com realce para as municipais e comunais, incluindo autoridades tradicionais, influenciaram o voto a favor do MPLA em várias Assembleias de Voto. Os Secretários de Mesas das Assembleias de Voto instruíram eleitores a votarem no MPLA, exibindo um Boletim de Voto gigante em frente da bicha de eleitores. Os protestos dos Delegados de Lista da oposição não foram considerados.

d) Na Província do Namibe, Boletins de voto com X marcado no Número 10, foram exibidos à entrada de várias Assembleias de Voto. Além disso, os activistas do MPLA e as autoridades tradicionais estavam enquadrados como polícias eleitorais e Membros das Mesas nas Assembleias 14.01.011 (Escola São João Baptista), 14.01.103 (Escola Hélder Neto), 14.01.051 (Escola 22 de Novembro) e nos Municípios do , Lucira e Chitado. Nessa função, orientavam expressamente os eleitores a votarem no N.º 10. Nessas

20 assembleias, e também nas Assembleias 14.03.012 e 14.05.016 do Município do Tombwa, havia Boletins de voto já assinalados no 10, colados na parede ou à entrada das mesmas. Na Assembleia 14.01.084, o Soba do Forte Santa Rita reuniu os eleitores para dizer que quem votar UNITA iria morrer ou ser expulso do Bairro. e) Na Província do Huambo, no Município do Mungo, o senhor Mateus Kanhama, Presidente duma das Assembleias de Voto da área de Kaunje, disse que tinha sido orientado pelo Gabinete Municipal Eleitoral do Mungo para só votarem 345 eleitores. Foi o que ele fez: permitiu a votação a 345 e deixou sem votar 655 cidadãos eleitores. O mesmo sucedeu no Issongue, Mungo. O presidente da mesa também disse ter recebido orientações de atender apenas 141 eleitores. Dito e feito: Permitiu a votação a 141 eleitores e impediu a votação de 859 cidadãos.

45. A subversão à Lei e ao Estado de Direito pelo Partido/Estado no dia da votação e a inacção conivente da CNE antes e durante a votação, principalmente na ausência de campanhas prévias de esclarecimento cívico aos governantes, autoridades tradicionais, activistas e eleitores – todos classificados pela lei como agentes eleitorais - contribuiu para os abusos, violações e imensos casos de corrupção eleitoral, em todo o País.

46. Os delegados de lista tentaram reclamar dessas violações, sem sucesso. Neste processo notabilizou-se um Delegado de lista que tentou reclamar de forma mais firme pelo cumprimento da Lei. Foi o candidato a Deputado Altino Eugénio Jamba Kapango. Em resultado, foi preso no próprio local de voto, pelos agentes secretos do Partido/Estado na pele de membros das mesas de voto, tendo ficado detido durante 3 dias na 36ª Esquadra do Projecto Nova Vida, Município do Kilamba Kiaxi, em Luanda, em violação do Artigo 41º da Lei Eleitoral e do Código de Conduta Eleitoral, aprovado pela Resolução número 10/05, de 4 de Julho, da Assembleia Nacional. Na Província do Huambo, a tentativa de exercer o direito de reclamar causou sete feridos numa das Assembleias da Chiva e um ferido na Assembleia da Munda, Cidade do Huambo.

21 47. Estes exemplos ilustram apenas o ambiente antidemocrático criado pelo Partido/Estado e sustentado com o silêncio e inacção da CNE para inviabilizar a instalação de um verdadeiro Estado Democrático de Direito na República de Angola.

22 III. Financiamento Desigual

48. O orçamento inicial para as eleições foi aprovado em Março de 2008 por cerca de $420 milhões. O valor real já utilizado ultrapassa agora os $840 milhões. Estima-se que a distribuição dos dispêndios efectivos desse valor inclua 8% para “educação cívica”, 20% para subsídios aos membros das mesas de voto, 33% para logística eleitoral, 17 % para transportes e 22% para tecnologias de informação. Das despesas efectuadas, apenas cerca de $95 milhões, foram objecto de concurso limitado por prévia qualificação. O mais absurdo parece ser o avultado gasto sob a rubrica “educação cívica” para os benefícios produzidos.

49. O financiamento que o Estado atribuiu aos partidos e coligações concorrentes nos termos do Artigo 95º da Lei eleitoral ascende aos $16 milhões, cabendo cerca de $1 milhão a cada um. As despesas incorridas pelo Partido/Estado no período de Março a Julho de 2008, que foram tornadas públicas por via das aquisições, doações e exibições que organizou, ultrapassavam já os $320 milhões antes do início da campanha eleitoral.

50. Os fundos e outros recursos públicos que o Governo e demais órgãos da Administração Pública utilizaram em benefício do Partido-Estado concorrente às eleições não estão incluídos naquele montante de $320 milhões de dólares.

23 IV- Violações à Lei Pela Administração Eleitoral

IV. (a) Actas das Operações Eleitorais

51. Ao todo, deveriam existir 164 (cento e sessenta e quatro) centros de despacho municipais a partir dos quais seriam remetidas as actas relativas às 12,274 Assembleias de voto aprovadas com base nas quais se faria o escrutínio (provisório) e o anúncio dos resultados parciais.

52. As comunicações regulares da CNE sobre o apuramento parcial, indicavam sempre que o apuramento era feito a partir de um certo número de “mesas escrutinadas.” Tal apuramento provisório deveria ter sido feito a partir das actas síntese das assembleias de voto e não das actas das mesas de voto.

53. De acordo com a Acta oficial do apuramento nacional, o escrutínio definitivo foi feito com base em actas de 50195 mesas escrutinadas, quando apenas estavam aprovadas 37,995 mesas de voto.

54. Assim, a legitimidade das actas remetidas ao centro de escrutínio é questionável, porque:

a) O centro de escrutínio terá recebido actas relativas a 50195 mesas, quando a votação ocorreu em apenas 37995 mesas;

b) não há evidência incontestável para sustentar que as actas remetidas e recebidas pelo centro de escrutínio foram as efectivamente produzidas nas assembleias de voto como resultado de uma votação válida;

c) mais de metade das actas remetidas não estão assinadas por delegados de lista que não são do Partido/Estado e cujo credenciamento e trabalho de fiscalização foi metódica e sistematicamente obstruído.

24 55. De facto, se para cada mesa de voto foi elaborada uma só “acta das operações eleitorais” só poderão existir 37,995 actas correspondentes às 37,995 mesas. legítimas. Não houve 50195 mesas legítimas com eleitores legítimos que produziram 50195 actas legítimas. A diferença que precisa de ser explicada entre actas legítimas e actas escrutinadas, em cada Província, está representada na Tabela I, A Legitimidade das Actas Escrutinadas é Questionável, logo a seguir.

Tabela I - A Legitimidade das Actas Escrutinadas é Questionável

Província Assembleias Actas/Mesas Actas/Mesas Diferença Diferença Aprovadas Legítimas Escrutinadas Actas/Mesas (%) Bengo 335 652 987 335 51% Benguela 1,076 3,576 4,657 1,081 30% Bié 680 2,168 2,848 680 31% 215 759 974 215 28% C Cubango 269 748 1,020 272 36% C Norte 330 754 896 142 19% Cuanza Sul 824 2,522 3,346 824 33% Cunene 395 1,245 1,640 395 32% Huambo 1,003 2,982 3,985 1,003 34% Huila 1,167 3,885 5,104 1,219 31% Luanda 2,540 9,959 12,499 2,540 25% L Norte 524 1,597 2,121 524 33% Lunda Sul 321 746 1,067 321 43% Malange 594 1,509 2,157 648 43% 362 1,096 1,458 362 33% Namibe 281 714 995 281 39% Uige 1,076 2,322 3,398 1,076 46% Zaire 282 761 1,043 282 37% Total 12, 274 37, 995 50, 195 12,200 32%

56. A CNE tem a obrigação legal de disponibilizar três cópias de cada acta síntese da Assembleia de Voto aos delegados de lista no local da votação, antes de serem transportadas, e os delegados de lista têm o direito de fazer observações às actas e

25 de rubricá-las. Centenas de presidentes das mesas negaram esse direito aos Partidos concorrentes e não disponibilizaram as actas, ao arrepio das alíneas c), d), e), f) e h) do Artigo 111° da Lei eleitoral.

57. No Uige, no Município de , relativamente às 59 Assembleias de voto e 31 Mesas, foram entregues apenas 11 actas. No Município de com 166 assembleias e 220 mesas, foram entregues apenas 76 actas. No Município da com 72 mesas, foram entregues apenas 14 actas.

58. Na Província do Kwanza Norte, com excepção de três assembleias de voto e dos delegados de lista do Partido/Estado, aos Delegados de Lista dos Partidos Políticos concorrentes não foi dado acesso às actas eleitorais.

59. No Município de Benguela, das 245 Assembleias e 924 mesas de voto, foram apenas disponibilizadas 75 actas síntese das Assembleias de voto, 19 actas síntese das mesas de voto e 356 actas das operações eleitorais.

60. Nas Províncias do Moxico e Lunda Norte mais de metade dos Presidentes das Mesas mais de 880 assembleias de voto não cumpriram a Lei, uns por manifesta ignorância, outros por “estarem a cumprir ordens superiores do Governo.”

61. No Município do Lobito, Província de Benguela, os Presidentes das Assembleias de Voto abaixo indicadas não entregaram cópias das respectivas Actas aos Delegados de Lista dos partidos políticos: Assembleias de voto 09.05.005, 006, 007, 008, 022, 030, 041, 058, 059, 063, 064, 065, 072, 075,076, 078, 080, 089, 090, 091, 092, 100, 108, 110, 114, 118, 119, 125, 126, 133, 136, 142, 145, 148, 162, 166, 167, 169, 176, 180, 184, 189, 190, 198, 199, 209, 221, 225, 231, 232, 238, 232, 240, 241, 245 e 248.

62. No Namibe, Município de , apenas os Presidentes das Assembleias 14.07.001, 14.07.008, obedeceram à Lei. No Município do Tombwa, das 76 assembleias que funcionaram, apenas 50 actas ficaram na posse dos Delegados de Lista.

26

63. Na Província da Huila, Município da , foi negado aos delegados de lista, pelos Presidentes de 29 Assembleias de Voto, o direito a obter cópias das Actas.

64. Em Cabinda, a acta relativa à assembleia 019, na localidade de Simulambuco, Comuna de Massabi, Município de e outras relativas à Assembleias identificadas do Município de Buco-Zau, registam o voto anormal de cerca de 4000 indivíduos, que, segundo os populares, são militares levados à Cabinda nas vésperas do acto eleitoral, cuja legitimidade eleitoral não foi verificada em conformidade com os cadernos eleitorais, ao arrepio do número 2 do Artigo 126º da Lei eleitoral e da Directiva número 9/CNE/2008.

27 IV- Violações à Lei Pela Administração Eleitoral

IV. (b) Membros das Mesas das Assembleias de Voto

65. A CNE não teve o controlo pleno do processo de selecção e colocação dos cidadãos que trabalharam como membros das mesas de voto. Quem o terá tido foram as estruturas do SINFO e da Casa Militar. Para garantir a destituição efectiva da CNE do controlo do processo, os membros designados e formados por ela para trabalhar nas mesas de voto foram substituídos, à última hora, por elementos ligados ao SINFO e às estruturas do Partido/Estado e sem a formação adequada para a função. Estes elementos foram credenciados no lugar dos professores e outros agentes que haviam sido recrutados e formados pela CNE para trabalhar nas mesas de voto.

66. As substituições ocorreram em todo o País. Para os efeitos desta auditoria foi construída uma amostra, estatisticamente relevante, para entrevistas. Foram entrevistados algumas dezenas de cidadãos que foram substituídos, incluindo os que haviam sido recrutados e treinados para trabalhar no Município do Kilamba Kiaxi, Assembleia do Quintalão do Petro, código 254 – 259, Assembleia da Maternidade, no Moxico, nos Municípios de Kamanongue, Lumbala Nguimbo e Léwa, na Lunda Norte, no Lobito, no , em Viana, em Cabinda, Maquela do Zombo, Huambo, Bié, Kwanza Sul, Ganda e nas Assembleias 14.05.013, 14.05.020 e 14.05.03, no Virei, Província do Namibe.

67. Assim, em contravenção ao disposto nos Artigos 104º e 105º da Lei eleitoral e nos Artigos 79º, 81º, 84º e 87º do seu Regulamento,

a) milhares de mesas de voto foram constituídas fora dos locais programados;

b) os membros das mesas de voto não estavam qualificados para a função e não foram designados nem capacitados pelas entidades competentes (CPE´s);

28

c) não foram lavrados nem afixados os competentes certificados de designação;

d) não foi dada a devida publicidade à designação dos membros das mesas de voto nem às alterações verificadas e às respectivas razões.

68. Consequentemente, a Administração Eleitoral, o SINFO e a Casa Militar do Presidente da República contribuíram para a violação dos princípios democráticos que governam as eleições na República de Angola e para a consumação de várias infracções eleitorais em especial as previstas no Capítulo II do Título X da Lei eleitoral, nomeadamente:

a) a admissão ou exclusão abusiva de voto;

b) a recusa de recepção de reclamações;

c) a violação das disposições legais relativas à votação e ao apuramento;

d) a ilegitimidade das actas produzidas e escrutinadas;

e, consequentemente,

e) para a nulidade das eleições nas “mesas em causa”, como determina o número 2 do Artigo 105° da Lei eleitoral.

29 IV - Violações à Lei Pela Administração Eleitoral

IV. (c) Locais de Funcionamento das Assembleias de Voto e Disponibilização dos Cadernos Eleitorais

69. “Compete à Comissão Nacional Eleitoral determinar o número e o local das assembleias e das Mesas de Voto.” O mapeamento do local de funcionamento das assembleias de voto produzido pela CNE foi substituído à ultima hora por outro, produzido e distribuído pelo Governo, cujo conteúdo os órgãos locais da CNE consideraram inadequado e incompleto.

70. Nos termos dos Artigos 100º e 101º da Lei eleitoral, o mapa definitivo das Assembleias de Voto, bem como as listas dos cadernos de registo eleitoral deveriam ter sido afixados em lugar público ou de fácil acesso ao público, e publicitados pela CNE, pelo menos 25 dias antes da eleição. Não o foram. Nos termos do Artigo 74º do Regulamento da Lei Eleitoral, o mapa definitivo das assembleias de voto e os cadernos de registo eleitoral deveriam ter sido remetidos aos Partidos e Coligações concorrentes até ao 25º dia anterior ao dia das eleições. Nunca o foram. Além disso, o cronograma que a CNE remeteu à Sua Exa. o Presidente da República, através do ofício 108/GAB.PR/CNE/2008, de 30 de Maio, indica que os cadernos eleitorais e os locais de funcionamento das Assembleias de Voto seriam divulgados em 11 de Agosto. Não foram.

71. Alguém que não a CNE deliberou a favor da constituição das mesas das assembleias de voto em lugar diverso do determinado. Esta deliberação foi tomada em contravenção ao disposto nos Artigos 105º, 106º e 107º da Lei eleitoral e do Artigo 85º do seu Regulamento, porquanto, a) não feita tomada pelos órgãos ou entidades competentes; b) não visou a salvaguarda do interesse do eleitor; c) não foi precedida de audição dos fiscais designados; d) não foi objecto de edital afixado no local inicialmente previsto; e) não foi lavrada acta nem tornada pública a razão para a mudança.

30 72. Em resultado dessas acções e omissões da Administração Eleitoral, do SINFO ou da Casa Militar do Presidente da República,

i. milhares de eleitores ficaram sem votar; ii. a legitimidade do eleitor e a integridade do voto foram feridos porque a eleição não foi feita com base nos cadernos eleitorais; iii. aldeias e comunidades tiveram de ser arregimentadas em transportes arranjados pelo Governo, para ir votar já com o seu voto condicionado e dirigido, sob os auspícios dos sobas que actuaram como activistas do Partido/Estado, em contravenção à lei; iv. não houve mecanismos fiáveis de controlo da observância dos princípios da liberdade, privacidade e unicidade do voto.

73. Importa registar alguns exemplos da desorganização organizada na constituição e funcionamento das mesas de voto, em todo o País:

a) No município do Lobito, Província de Benguela, não funcionaram as Assembleias de Voto nºs 09.05.015, 032, 066, 205 e 213, no Bairro Alto Esperança; 049 e 051 no Bairro Boa Vista; 102 no Bairro Lixeira; 115 no Bairro da Luz; 092, 116 e 138 no Bairro da Kanata; 048 na Boa Esperança; 081 na Santa Cruz; 009 no Bairro Poli; e 228 no Alto Niva, o que impossibilitou que mais de 13154 eleitores exercessem o seu direito de voto.

b) Na Província do Kuando Kubango, em contravenção ao disposto no Artigo 85º do Regulamento da Lei Eleitoral, a Assembleia de Voto nº 1 com o código 13.01.060, mapeada para a comuna do Missombo, foi transferida para a aldeia do Soba Matias, no Município sede, a 15 km de distância.

c) No Município da Maianga, em Luanda, a Assembleia de voto 03.04.041 funcionou num local de culto, as instalações da Igreja Bom Deus, na Gamek, e teve o mesmo número repetido numa Assembleia de voto fantasma montada no Catambor a escassos metros da Assembleia de voto nº 03.04.040, instalada junto do Centro de Saúde do Bairro Mulembeira.

31 d) Na Província de Malange, em contravenção ao disposto no Artigo 85º do Regulamento da Lei Eleitoral, verificaram-se alterações de última hora das áreas anteriormente previstas para a colocação de Assembleias de Voto, tendo algumas localidades passado a figurar noutros Municípios, o que impossibilitou os Fiscais de exercerem as suas funções, para além de mais de 3,620 eleitores não terem podido votar. Em contrapartida, o Partido/Estado colocou em vários Municípios meios rolantes de grande porte para o transporte dos seus simpatizantes para outros locais. e) Na cidade do Luena, Província do Moxico, a Assembleia prevista para funcionar na Praça do Zorro foi transferida para Samanenga, sem prévio aviso aos eleitores e sem o acordo dos concorrentes, ao arrepio da Lei, o que forçou a abstenção de centenas eleitores. f) Na Província de Benguela, não foram colocadas assembleias de voto para servir os mais de 1,400 eleitores registados na Povoação Ngandu, Comuna da Chikuma, e nas Povoações de Tchilavi e Mbongola, Comuna da , ambas no Município da Ganda, bem como os cerca de 38,609 eleitores da Zona Alta da Cidade do Lobito. g) Na Província do Bié, Município da Nhareia, os cerca de 5168 eleitores nas Aldeias da área de Jimba, Chicuma, Songue, Comuna de Lúbia, não puderam votar porque as assembleias de voto previstas não foram ali instaladas. Os Membros das Mesa designados para estes locais foram deslocados de helicóptero para a Localidade do soba Choka, a 25 km de Jimba. h) Na Província do Bié, Município de Kamakupa, Comuna Sede de Kamakupa, os 7756 eleitores das Aldeias de Kapunda, Kavili, Chiyoka, Santo Biangui, Jamba Kapuku, Sambaka, , Benda e Kapepula, não votaram por não abertura de Assembleias de Voto previstas. O mesmo sucedeu com os 3122 eleitores das Aldeias de Saviti, Chimbonde, Kalalavela, Mukendengue e Kasseque, Comuna

32 de Muinha, e com os cerca de 457 eleitores das Comunas do Munhango e Luando, Município do Kuhemba.

i) Na Província do Huambo, Comunas da Kalima e Sambo, Municípios do Huambo e da Tchicala-Tcholohanga, cerca de 10,800 cidadãos nas aldeias Somanjamba, Lomanda, Katchindumbu, Kamonha, Kasema, Salutelele, Chikuliko, Sakatchoko, Esoko, Nhany, Hombo, Kanganda, Enhele e Kapukula, ficaram impedidas de exercer o seu direito de voto.

74. Dez dias antes da eleição, a CNE terá adquirido 6500 PDA´s (cadernos eleitorais digitais) para uso das cerca de 6500 assembleias de voto nos centros urbanos, tendo aprovado, para o efeito, o Instrutivo nº 6/CNE/2008, de 1 de Setembro. Tal equipamento iria complementar o uso das quatro cópias dos cadernos eleitorais em papel, facilitar a identificação do eleitor e permitir que ele votasse em qualquer assembleia do seu Município. Ora, cerca de 90% dos PDA´s ficaram no armazém ou não chegaram ao destino.

75. Apesar de à última hora, entre 1 a 3 de Setembro, terem sido despachados de forma atabalhoada quatro exemplares dos cadernos eleitorais para cada assembleia de voto, na maior parte das mesas a votação foi feita sem cadernos eleitorais, em papel ou em formato digital. Mesmo lá onde havia cadernos eleitorais, eles foram ignorados e não foram utilizados para confirmar a identidade do eleitor. Os membros das mesas arranjados ad hoc pareciam instruídos para não os utilizar.

76. Em resultado dessas acções e omissões da Administração Eleitoral, do SINFO ou da Casa Militar do Presidente da República,

i. foram violadas as regras de votação consagradas no número 2 do Artigo 126º da Lei eleitoral que estabelece a obrigatoriedade de se verificar a identidade do eleitor em conformidade com os cadernos eleitorais; ii. não houve nenhum outro instrumento para validar a condição de eleitor presumida pela mera posse do cartão de eleitor;

33 iii. não foi efectuado o controlo sistemático e global dos eleitores a medida que iam votando; iv. não foi garantida a observância do princípio da unicidade do voto. v. não foi assegurada a legitimidade do voto.

34 IV - Violações à Lei Pela Administração Eleitoral

IV. (d) Distribuição e Uso dos Boletins de Voto

77. A CNE encomendou e recebeu 10,350,000 boletins de voto em maços selados de 100 unidades, dos quais distribuiu apenas 9,439,714 pelas assembleias de voto. As assembleias de voto e as Comissões Provinciais Eleitorais contabilizaram números fraccionados, não múltiplos de 100, de “boletins de voto recebidos.” Isto significa que, de acordo com os dados oficiais da CNE, transcritos na Tabela II, Boletins de Voto: Os Maços de 100 Unidades Foram Violados, na página seguinte,

i. existem 910,286 boletins de voto armazenados que não foram distribuídos pelas mesas de voto;

ii. alguém teve acesso aos boletins de voto antes da votação e violou os maços de 100 unidades, porquanto as assembleias de voto e as Comissões Provinciais Eleitorais registaram os “boletins de voto recebidos” em números fraccionados, não múltiplos de 100.

78. A custódia, gestão e distribuição dos boletins de voto e das actas foi assegurada por entidades não especializadas, estranhas à CNE, nomeadamente a firma Valleysoft e a Casa Militar do Presidente da República. O pessoal da CNE não teve acesso ao controlo dos armazéns onde estavam guardados os boletins de voto antes da votação.

35 Tabela II- Boletins de Voto: Os Maços de 100 Unidades Foram Violados

Província Boletins Recebidos Cabinda 207,950 Zaire 189,392 Uige 516,537 Luanda 2,407,575 Cuanza Norte 226,500 Cuanza Sul 642,364 Malange 345,890 Lunda Norte 361,969

Benguela 918,915

Huambo 771,780

Bié 560,589

Moxico 268,499

Cuando Cubango 175,951

Namibe 183,005

Huila 1,010,773

Cunene 313,452

Lunda Sul 190,181

Bengo 148,392

Total distribuído (a) 9,439,714

Total encomendado (b) 10,350,000

Total não distribuído (b-a) 910,286

79. De facto, para além dos 910,286 boletins não distribuídos, terão saído dos armazéns mais 2,190,662 boletins de voto do que o necessário. Estes boletins saídos a mais dos armazéns estão contabilizados como “não utilizados.” Será que não foram mesmo utilizados? Os parágrafos seguintes ajudam a responder a essa questão.

36 80. Em contravenção ao disposto no Artigo 97º do Regulamento da Lei eleitoral, foram a Valleysoft e a Casa Militar do Presidente da República, e não a Comissão Nacional Eleitoral e seus órgãos, que asseguraram a entrega dos boletins nas respectivas assembleias de voto. Tal entrega não foi feita em sobrescrito fechado e devidamente lacrado, como prescreve a lei.

81. A lei (Artigo 97º do Regulamento da Lei eleitoral) estabelece que devem ser entregues a cada Assembleia de Voto boletins em número igual ao dos eleitores inscritos na assembleia, mais 15%. A Tabela III, Foram Retirados dos Armazéns Mais Boletins do que os Necessários e Legalmente Estabelecidos, em baixo, demonstra que esta margem de 15% não foi atingida nas províncias de Luanda, Lunda Norte e Cuando Cubango, mas foi largamente ultrapassada em mais de metade dos círculos eleitorais provinciais.

37 Tabela III - Foram Retirados dos Armazéns Mais Boletins do Que os Necessários e Legalmente Estabelecidos

Província Eleitores Boletins Retirados Excesso

Registados dos Armazéns (%)

Bengo 118,321 148,392 25

Benguela 779,723 918,915 18

Bié 471,241 560,589 19

Cabinda 173,305 207,950 20

Cuando Cubango 156,250 175,951 13

Cuanza Norte 142,423 226,500 59

Cuanza Sul 529,921 642,364 21

Cunene 263,218 313,452 19

Huambo 623,140 771,780 24 Huila 855,903 1,010,773 18 Luanda 2,411,108 2,407,575 10 Lunda Norte 343,819 361,969 5 Lunda Sul 150,598 190,181 26 Malange 304,264 345,890 14 Moxico 232,110 268,499 16 Namibe 143,209 183,005 28 Uige 450,051 516,537 15 Zaire 158,569 189,392 19 Total 8,307,173 9,439,714 14 Total encomendado 10,350,000 Total não distribuído 910,286 Total não utilizado 2,190,662

82. Em alguns círculos eleitorais, parece existir uma relação directa entre o excesso de boletins entregues nas assembleias de voto, a percentagem de votos nas urnas

38 (votantes) e a percentagem da vitória do Partido/Estado. Esta relação está ilustrada na Tabela IV, Os Excessos de Boletins de Voto e as Margens da Vitória, nesta página 39. Lá onde houve altos excessos de boletins entregues, registou-se também uma percentagem elevada de votos nas urnas (votantes). Em todos esses casos, a maioria do Partido/Estado foi igual ou superior a 90%, excepto nas províncias da Lunda Sul, Huambo e Cabinda.

Tabela IV - Os Excessos de Boletins de Voto e as Margens da Vitória

Círculo Eleitoral Excesso de Boletins Não Vitória Boletins (%) Utilizados (%) Votantes (%) do Partido/Estado

(%)

Cuanza Norte 59 26 100 94 Namibe 28 26 88 94 Lunda Sul 26 25 91 51 Bengo 25 25 92 90 Huambo 24 22 93 82 Cuanza Sul 21 23 98 93

Cabinda 20 29 88 63

83. Nas eleições de 5 de Setembro, foram utilizados mais boletins de voto do que aqueles que foram oficialmente encomendados e adquiridos pela Comissão Nacional Eleitoral. Além disso, o número de boletins de voto que saiu dos armazéns não foi o mesmo que chegou às Assembleias de Voto. Estas conclusões de facto derivam da leitura da Tabela V, Os Boletins de Voto Foram Manipulados, na página seguinte.

39 Tabela V - Os Boletins de Voto Foram Manipulados

Província Boletins Boletins Boletins Boletins Boletins Diferença Utilizados Não Inutilizados Saídos (?) Recebidos nas Utilizados dos Assembleias Armazéns de Voto

Bengo 108,758 38,170 964 147,892 148,392 500 Benguela 699,727 199,297 5,622 904,646 918,915 14,269 Bié 430,283 124,961 2,596 557,840 560,589 2,749 Cabinda 150,415 59,918 1,527 211,860 207,950 (2,910) C Cubango 150,933 47,641 1,295 199,869 175,951 (23,918) C Norte 156,801 58,143 10,238 225,182 226,500 1,318

Cuanza Sul 520,682 148,716 1,937 671,335 642,364 (28,971)

Cunene 214,324 96,125 2,123 312,572 313,452 880 Huambo 579,372 173,953 3,692 757,017 771,780 14,763 Huila 747,062 245,300 6,014 998,376 1,010,773 12,397 Luanda 1,971,963 449,852 14,003 2,435,818 2,407,575 (28,243) L Norte 290,889 84,405 2,047 377,341 361,969 (15,372) Lunda Sul 135,120 47,673 823 183,616 190,181 6,565

Malange 258,547 82,512 1,365 342,424 345,890 3,466

Moxico 210,786 85,699 1,542 298,027 268,499 (29,528) Namibe 125,344 49,051 1,080 175,475 183,005 7,530 Uige 326,034 151,575 3,515 481,124 516,537 35,413 Zaire 136,241 47,671 770 184,682 189,392 4,710 Total 7,213,281 2,190,662 61,153 9,464,096 9,439,714 (24,382)

Tendo a CNE encomendado e adquirido apenas 10,350,000 unidades e tendo as Assembleias recebido 9,439,714 boletins de voto, conclui-se o seguinte:

a) A Valleysoft e a Casa Militar manusearam neste processo mais boletins de voto do que aqueles que terão sido encomendados pela CNE; ou seja, boletins não boletins não boletins boletins distribuídos + utilizados + inutilizados + utilizados = 10,375,382 910,286 2,190,662 61,153 7,213,281

40 b) o número de boletins de voto saídos dos armazéns não foi o mesmo que foi recebido oficialmente pelas Assembleias de Voto; ou seja, em nenhuma das 18 províncias a soma dos boletins utilizados, inutilizados e não utilizados pelas assembleias de voto é igual aos boletins recebidos pelas mesmas assembleias de voto. De facto,

em seis províncias, o número de boletins recebidos pelas mesas de voto é inferior (em 128,942 unidades) à soma dos boletins utilizados, inutilizados e não utilizados pelas mesas de voto. Ao passo que, em doze províncias, o número de boletins recebidos pelas mesas de voto é superior (em 104,560 unidades) à soma dos boletins utilizados, inutilizados e não utilizados. Não devia haver diferença, nem para mais nem para menos. Houve mais boletins à disposição dos manipuladores do que os oficialmente contabilizados pela CNE. Os boletins de voto foram mesmo manipulados antes de chegarem às assembleias de voto.

84. Para provar as conclusões acima referidas, determinamos as diferenças percentuais entre o excesso de boletins recebidos em relação aos eleitores registados e o excesso de boletins recebidos em relação aos eleitores que efectivamente votaram. Comparamos depois estas diferenças com a diferença percentual entre os eleitores registados e os que efectivamente votaram. Conclui-se da análise que:

i. há boletins “perdidos, ou não controlados pelo sistema da CNE;” ou ii. há boletins que apesar de contabilizados como “não utilizados” terão sido, de facto, utilizados, ou iii. há boletins que foram utilizados mas não foram contados.

As províncias com diferenças mais expressivas são Cuanza Norte, Uige, Cabinda, Zaire e Cunene.

41 85. Procedemos a um segundo teste: partindo da premissa segundo a qual a diferença entre boletins recebidos e utilizados pelas assembleias de voto deve ser igual à soma dos boletins contabilizados como não utilizados e inutilizados, analisamos para cada província os respectivos percentuais. Novamente conclui-se que há diferenças significativas, especialmente nas províncias fronteiriças do Namibe, Uige, Lunda Sul e Cunene.

86. A Tabela VI, sob o título Os Boletins Contabilizados Como “Não Utilizados” Foram Mesmo Utilizados, evidencia os cálculos efectuados e a análise comparativa. Nessa Tabela, (a) menos (b) deveria ser igual a 100 menos (d). E (b) deveria ser igual a (f). Assim, (b) menos (f) representa a percentagem de boletins de voto com destino não explicado.

42 Tabela VI - Os Boletins Contabilizados Como “Não Utilizados” Foram Mesmo Utilizados

Províncias Excesso de Excesso de Diferença eleitores Diferença % Boletins % Boletins com boletins boletins em entre os registados entre não destino não explicado em relação relação a dois que eleitores utilizados + a eleitores eleitores excessos votaram registados e inutilizados registados votantes (%) (%) votantes (%) em relação a boletins recebidos (b) – (f) (a) (b) (a)-(b) (d) (100-d) (f) Bengo 25% 36% 11 92 8 26% 10 Benguela 18% 31% 13 90 10 22% 9 Bié 19% 30% 11 92 8 23% 7 Cabinda 20% 38% 18 90 10 30% 8 Cuando 13% 17% 4 97 3 28% 11 Cubango Cuanza 59% 44% 15 100 0 30% 14 Norte Cuanza Sul 21% 23% 2 99 1 23% 0

Cunene 19% 46% 27 82 18 31% 15 Huambo 24% 33% 9 93 7 23% 10 Huila 18% 35% 17 88 12 25% 10 Luanda 10% 22% 12 82 18 19% 3 Lunda Norte 5% 24% 19 85 15 24% 0

Lunda Sul 26% 41% 15 91 9 25% 16 Malange 14% 34% 20 86 14 24% 10 Moxico 16% 27% 11 91 9 32% 5 Namibe 28% 46% 18 88 12 27% 19 Uige 15% 58% 43 73 27 30% 28 Zaire 19% 39% 20 87 13 26% 13

43 IV - Violações à Lei Pela Administração Eleitoral

IV. (e) Mesas de Voto Fantasmas

87. A acta do apuramento nacional elaborada pela Comissão Nacional Eleitoral revela que o apuramento foi efectuado a partir de 50195 (cinquenta mil cento e noventa e cinco mesas escrutinadas). Ora, de acordo com o plano, pronunciamentos e registos da CNE, o apuramento deveria ter sido feito a partir das actas das 37,995 mesas de voto, agrupadas nas 12274 assembleias de voto oficialmente abertas. Nenhum registo da CNE indica em momento algum que os eleitores votariam em 50195 mesas. De facto, não houve 50195 mesas legítimas com eleitores legítimos.

88. A distribuição da diferença - mesas fantasmas - pelo País, de acordo com a acta do apuramento nacional, está evidenciada na Tabela VII, Distribuição Geográfica das Mesas de Voto Fantasmas.

44 Tabela VII- Distribuição Geográfica das Mesas de Voto Fantasmas

Província Assembleias Mesas Mesas Diferença Aprovadas Aprovadas Escrutinadas Bengo 335 652 987 335 51%

Benguela 1,076 3,576 4,657 1,081 30%

Bié 680 2,168 2,848 680 31% Cabinda 215 759 974 215 28% C Cubango 269 748 1,020 272 36%

C Norte 330 754 896 142 19% Cuanza Sul 824 2,522 3,346 824 33% Cunene 395 1,245 1,640 395 32%

Huambo 1,003 2,982 3,985 1,003 34%

Huila 1,167 3,885 5,104 1,219 31% Luanda 2,540 9,959 12,499 2,540 25% L Norte 524 1,597 2,121 524 33%

Lunda Sul 321 746 1,067 321 43% Malange 594 1,509 2,157 648 43% Moxico 362 1,096 1,458 362 33%

Namibe 281 714 995 281 39%

Uige 1,076 2,322 3,398 1,076 46% Zaire 282 761 1,043 282 37% Total 12, 274 37, 995 50, 195 12,200 32%

45 IV - Violações à Lei Pela Administração Eleitoral

IV. (f) Delegados de Lista

89. Através da Directiva N° 03/CNE/2008, de 11 de Agosto, a CNE determinou que os Partidos e Coligações concorrentes comunicassem aos seus órgãos os nomes dos respectivos delegados de lista até oito dias antes da data das eleições. Cada concorrente poderia indicar um delegado de lista e mais dois suplentes por cada mesa de voto.

90. Havendo catorze concorrentes e 37,995 mesas de voto programadas, a CNE deveria organizar-se para credenciar um mínimo de 531,930 (14 x 1 x 37995) cidadãos e um máximo de 1,595,790 (14 x 3 x 37995) cidadãos em oito dias! Mas não se organizou para o efeito. Centralizou o serviço num só fornecedor contratado à última hora, asfixiou os eleitores em filas intermináveis noites adentro, deixou queimar as máquinas e falhou. Foi uma vergonha nacional o que se viveu em todo o País nas portas dos Gabinetes Municipais Eleitorais da CNE e de algumas das suas Comissões Provinciais, nas vésperas do dia 4 de Setembro de 2008.

91. No final, pelo menos mais de metade dos delegados de lista designados pela maioria dos concorrentes, especialmente pela UNITA, não foram credenciados.

92. Paradoxalmente, no dia da votação, todas as assembleias tinham delegados ou Presidentes de mesa pertencentes ao Partido/Estado. Noutras assembleias surgiram delegados fantasmas, pela UNITA, que não haviam sido designados pela UNITA. Não obstante a supracitada Directiva da CNE determinar no seu ponto 3 que, relativamente a cada concorrente, “só devem permanecer nas mesas de voto um delegado de lista ou um suplente,” em todas as províncias, na maioria dos casos, o Partido/Estado surgiu com mais de dois “delegados” em simultâneo, em cada mesa, que, para além de fiscalizarem, manipulavam e intimidavam o eleitor menos esclarecido e violavam o seu direito constitucional ao voto livre. Nestes actos de

46 agressão à liberdade, o Partido/Estado também instrumentalizou sobas e outras autoridades, que foram credenciados como “delegados de lista.”

93. Citamos a título exemplificativo, alguns relatos e depoimentos recebidos:

a) No Município do Sambizanga, em Luanda, Fidel Kuasi Masunda, Delegado de Lista da UNITA, teve de abandonar a sua Assembleia de Votos antes do encerramento das urnas, porque elementos do Partido/Estado, prometeram matá-lo na eventualidade de o Partido/Estado perder as eleições nessa Assembleia.

b) Na Província do Namibe, a Sra. Delegada Cristofana Kuayela, foi ameaçada pelo Presidente de Mesa, na Assembleia 14.01.011, que lhe afirmou que se continuasse a exercer o seu direito de reclamar, nos termos da lei, seria expulsa ou ficaria sozinha na Assembleia.

c) No Município do Virei, Província do Namibe, na assembleia 14.05.010 (junto à Escola do Kaindi), o 3º Escrutinador, Sr. Paulo Alfredo, reclamou junto do Presidente da Mesa, que a Lei não permitia indicar ao eleitor onde ele deveria sinalizar o seu voto. Contudo, o Presidente respondeu que era chefe e todos dependiam dele, salvo se o escrutinador Paulo estava aí ao serviço da UNITA. Quando a Administradora Municipal (entidade estranha à CNE) soube desta ocorrência, foi ao local ameaçar o escrutinador dizendo–lhe que voltaria a pé do Kaindi até ao Virei Sede.

d) Na Província do Uige, as seguintes autoridades tradicionais foram instrumentalizadas e utilizadas pelo Partido/Estado como delegados de lista para direccionar compulsivamente o voto dos eleitores:

47 Município da Damba Miguel Kudimuene – Regedor do Bairro Salabongui Soba Mbonca – do Bairro Salabongui Nkoko Negro – Soba do Bairro Kinsanga Matungana – Regedor do Bairro Quicoxe Nkanga – Soba adjunto do Bairro Kimbambi

Município do Bungo Monteiro Kamutuandi – Soba do Bairro Quissoma António Sala – Soba adjunto do Bairro Mulamba

Maquela do Zombo Mbengui Pedro – Soba do Bairro Deolinda, Assembléia de voto nº. 03.13.16 David Miguel – Soba do Bairro Gika.

Sanza Pombo Manuel Bayeta – Regedor do Kimiguel, na comuna do Uamba e) Na Província de Benguela, o Partido/Estado designou Sobas para Delegados de Lista no Município da Baia Farta, nomeadamente o Sr. Pedro, Regedor Municipal, soba Pedro Kalosubida, soba André Moma e Ancião da Igreja Pentecostal do Chiome. f) Na Província do Bié, foram utilizados os Sobas Samalesso, da Embala de Chiyombo, Comuna do Andulo e Kambundi, da Comuna de Kalussinga, Município do Andulo. g) Na Província do Moxico, os sobas foram instrumentalizados e utilizados como delegados de listas, polícias eleitorais, e outras funções nas assembleias e mesas de voto, incluindo a função de “impulsionadores” ou “activistas” junto da população para que votassem no Partido/Estado, sob condição de lhes cortarem os salários. Seguem alguns exemplos:

48

Município do

Sobas Topi e Kawawa – Delegados de Lista;

Município Sede

Regedor Kanhengue – impulsionador;

Município do Leua

Regedor Muachiyava e soba Kapalo– impulsionadores;

Município do Lumege Cameia

Regedores Jamba, Nyalikatula, Nyalikumbi, Sobas Kahona, Mukapa, e Nyamingochi – impulsionadores;

Município do Kamanongue

Soba Sananda – polícia eleitoral e o soba Muque como impulsionador.

49

V. Impacto do Déficit Democrático, das Infracções Eleitorais e do Financiamento Desigual dos Concorrentes na Legitimidade dos Órgãos Eleitos

94. Sem cadernos eleitorais, com membros das mesas substituídos por agentes secretos sob o controlo do Partido/Estado, com os boletins de voto sob controlo de agentes manipuladores estranhos à CNE, com mesas fantasmas escrutinadas, e sem fiscalização, o processo de votação, apuramento e demais actos eleitorais relativos às eleições de 5 de Setembro de 2008 padece dos seguintes vícios, irregularidades e indícios de fraude:

a) Não é possível concluir que todos os votos expressos sejam legítimos.

b) Não foi dado destino legítimo aos boletins de voto que entraram em Angola e ficaram sob custódia da Valleysoft e da Casa Militar do Presidente da República.

c) Houve boletins de voto não controlados pelo sistema da CNE e que, apesar de contabilizados como “não utilizados” terão sido, de facto, utilizados;

d) Poderá ter havido boletins que foram utilizados mas não foram contados.

e) O escrutínio foi efectuado com base em actas de mesas de voto fantasmas produzidas por agentes secretos e sem fiscalização, numa operação que terá sido controlada pelos serviços da Casa Militar do Presidente da República.

f) Não se pode garantir que cada eleitor tenha votado uma só vez. O uso da tinta indelével sem os cadernos eleitorais é insuficiente para assegurar a unicidade do voto.

50 95. Não se pode considerar que o resultado da eleição de 5 de Setembro de 2008 reflecte, de maneira fidedigna, a vontade livre do povo angolano. Face aos elementos estudados neste trabalho de auditoria, estima-se que o resultado oficial dessa eleição seja o produto misto de três grupos de factores combinados, que quantificamos do seguinte modo:

a) Primeiro Grupo – o ambiente político, a intimidação orquestrada, o não esclarecimento cívico dos eleitores, os abusos no exercício de funções por parte dos poderes públicos, incluindo as autoridades tradicionais, o financiamento desigual dos concorrentes e a corrupção eleitoral terão contribuído em 40% para o vício da vontade popular.

b) Segundo Grupo - o ambiente institucional, incluindo a composição e a conduta não isenta da Administração Eleitoral, os vícios processuais, em particular o uso fraudulento dos boletins de voto, a indisponibilidade dos cadernos eleitorais, as mesas de voto fantasmas, as barreiras impostas à fiscalização e outras irregularidades planeadas pela Administração Eleitoral e pela Casa Militar d Presidente da República terão contribuído em 40% para os resultados anunciados.

c) Terceiro Grupo - as próprias debilidades endógenas dos concorrentes terão contribuído em 20% para o resultado oficial dessa eleição.

96. Como é prática do poder executivo do Estado sobrepor-se ao legislativo e ao judicial, durante a organização da eleição de 5 de Setembro, a Casa Militar e os Serviços de Informação (SINFO) sobrepuseram-se às estruturas da CNE para controlar a logística sensível, as assembleias de voto, os centros de despacho das actas e os centros de escrutínio.

97. O Instrutivo 07/CNE/2008, de 1 de Setembro, veio facilitar e legitimar, indirectamente, o controlo do despacho das actas pelo SINFO, na medida em que as actas passaram a ser despachadas a partir das Administrações Municipais e não dos Gabinetes Municipais Eleitorais. Diz assim o Instrutivo: “Tendo em conta que

51 não foram oportunamente criadas as condições tecnológicas para a recepção e envio das actas sínteses, actas das operações eleitorais e sacos invioláveis em alguns Gabinetes Municipais Eleitorais;.....Considerando que, findo o escrutínio na Assembleia de Voto, terá de se fazer a entrega dos boletins de voto que serão transportados em sacos invioláveis e das actas a serem entregues às Administrações Municipais ou Comunais.....serve o presente Instrutivo para revogar o disposto nos articulados 5º e 6º do Instrutivo nº 03/CNE/2008, passando a ter a seguinte redacção:

“Este saco, contendo as actas das operações eleitorais e a acta síntese da Assembleia de voto, devem ser levados pelo Presidente da Mesa 1 a Administração Municipal a que pertence.”

“Na Administração Municipal, o Presidente da mesa 1 deve entregar o saco com as actas ao Director do Gabinete Municipal Eleitoral;”

98. Não por acaso, os Presidentes das Mesas número 1 foram cuidadosamente seleccionados, não por concurso público, não de entre os professores e outros cidadãos anónimos que se apresentaram voluntariamente e foram treinados para o efeito. E no que respeita ao envio das actas, os Presidentes das Mesas número 1 e os Directores dos Gabinetes Municipais Eleitorais não actuaram como membros de órgãos colegiais. Actuaram como agentes da máquina do Partido/Estado e não no interesse público.

99. Em suma, as eleições de 5 de Setembro de 2008 foram realizadas num ambiente com um elevado deficit de liberdade, justiça, lisura e democracia, eivado de violações sistemáticas da Lei, acesso desigual aos meios públicos de comunicação e transporte, corrupção eleitoral, intimidação política e económica e de subversão e abuso das instituições do Estado e do poder tradicional para condicionar e obrigar o eleitor a votar no Partido que controla o Governo.

100. Todavia, apesar dos procedimentos e regras dessa eleição estarem viciados e colocarem em risco a possibilidade de expressar a livre vontade do povo angolano,

52 a sua realização foi importante porque conduzirá ao amadurecimento institucional do País, à definitiva consolidação de um ambiente de liberdade política, e à mudança. Porque a mudança e a alternância no poder são a decorrência natural da democracia.

101. Porém, qualquer nova eleição realizada no mesmo ambiente consagrará, igualmente, a subversão e a corrupção como instrumentos da estatização da política partidária para inviabilizar a democratização efectiva do País. Consagrará ainda a exclusão social e a hegemonia, por via da “arregimentação” ou “corporatização” da sociedade, do clientelismo, dos cartéis, comités de especialidade, comissões de moradores, e outras instrumentalidades, como veículos para a subversão da democracia e do Estado de Direito.

53 VI - Recomendações

102. Somente a observância de regras imparciais em processos eleitorais democráticos garante a plena legitimidade dos governos eleitos, e não meros resultados eleitorais. A plena legitimidade dos órgãos electivos do Estado angolano exige a aceitação definitiva e a adopção efectiva das regras do regime democrático pelos poderes públicos.

103. Tal aceitação implica a adopção de um conjunto de medidas correctivas de carácter político, jurisdicional e administrativo, cujo objectivo é, tão só, adequar a conduta da República de Angola a de um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos a unidade nacional, a dignidade da pessoa humana, o pluralismo de expressão e de organização política e o respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como indivíduo, quer como membro de grupos sociais organizados, tal como postula a Lei constitucional.

104. Nestes termos, recomendam-se aos órgãos competentes do Estado a adopção de medidas correctivas para o alcance dos seguintes objectivos:

a) Consagração de cláusulas constitucionais de irreversibilidade e de uma estrutura procedimental e processual adequada e eficaz para proteger e conferir plena realização prática dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.

b) Inversão do desvio de poder, ou de fim, que se verifica na prossecução, pelo Estado, do interesse público. O interesse público que os órgãos da Administração Pública – incluindo a Comunicação Social e a Administração Eleitoral - perseguem não deve ser o interesse do Partido/Estado, mas sim o interesse da colectividade nacional.

54 c) Reforma da Administração eleitoral, de forma a garantir:

i. Que o partido dominante, através da CIPE, do SINFO ou de qualquer outro órgão do Estado, não dirija, de facto, nunca mais, as operações eleitorais.

ii. A extinção da Comissão Interministerial Para o Processo Eleitoral.

iii. A reestruturação da Comissão Nacional Eleitoral de forma a garantir a sua efectiva imparcialidade estrutural e funcional, a sua perenidade e profissionalização, nos marcos dos princípios universais que governam a organização de eleições democráticas, incluindo os aprovados pela SADCC e a Carta Africana Sobre Democracia, Eleições e Boa Governação.

d) Fim da corrupção institucional e da prática de subversão, pelo Estado, dos poderes públicos e tradicional para fins privados, incluindo a estatização da política partidária. O poder tradicional deve ser apolítico, apartidário e desestatizado. Deve ser inclusivo, aglutinador e contribuir para a coesão social. e) Assegurar, no cumprimento do princípio da justiça, que não haja tratamento desigual dos cidadãos – e dos partidos que integram – quanto às matérias que deveriam ser tratadas de forma igual à luz dos valores constitucionais e legais, nomeadamente quanto ao acesso à geração da riqueza, ao exercício de cargos públicos, à formação da vontade popular e o acesso efectivo ao poder político, económico e judicial.

f) Assegurar, em obediência ao princípio da imparcialidade, que a Administração Pública trate isentamente os cidadãos – e os Partidos que integram – não os favorecendo ou desfavorecendo por razões que se prendam com a sua filiação

55 política ou com a posição dos titulares dos órgãos ou dos agentes que têm de decidir ou actuar.

105. A implementação destas medidas contribuirá sobremaneira para a gestão credível dos futuros processos eleitorais e para o desenvolvimento democrático da justiça eleitoral na República de Angola.

56