Relatório De Auditoria Às Eleições Legislativas De 5 De Setembro

Relatório De Auditoria Às Eleições Legislativas De 5 De Setembro

RELATÓRIO DE AUDITORIA ÀS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS DE 5 DE SETEMBRO UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DE ELEIÇÕES LIVRES, JUSTAS E TRANSPARENTES EM ANGOLA NOVEMBRO DE 2008 ÍNDICE Página Introdução e Síntese das Conclusões 3 I- Ambiente Político-Constitucional 8 II- Infracções Eleitorais Ligadas ao Não Esclarecimento Cívico dos Cidadãos e à Falta de Condições de Plena Liberdade, Justiça, Democracia e Transparência 13 III- Financiamento Desigual aos Concorrentes 23 IV- Violações à Lei Pela Administração Eleitoral (a) Actas das operações eleitorais 24 (b) Membros das mesas de voto 28 (c) Locais de funcionamento das assembleias de voto e Disponibilização dos cadernos eleitorais 30 (d) Distribuição e uso dos boletins de voto 35 (e) Mesas de voto fantasmas 44 (f) Delegados de lista 46 V- Impacto do Deficit Democrático, das Infracções Eleitorais e do Financiamento Desigual aos Concorrentes na Legitimidade dos Órgãos Eleitos 50 VI- Recomendações 54 2 Introdução e Síntese das Conclusões 1. À luz dos princípios e direitos consagrados nos Artigos 3° e 4° da Lei constitucional e com vista a contribuir para a defesa do Estado Democrático de Direito, para o exercício dos direitos políticos dos cidadãos, para a formação da opinião pública e para o desenvolvimento das instituições políticas do País, a UNITA - União Nacional Para a Independência Total de Angola – realizou uma auditoria ao processo político-administrativo que conduziu à organização das eleições legislativas de 2008 e demais actos eleitorais, tendo, no final, produzido o presente relatório. 2. A auditoria teve por objectivos: a) identificar as causas do deficit democrático que caracterizou o ambiente político-constitucional que presidiu as eleições; b) apreciar a conformidade da organização e condução do processo eleitoral, incluindo as operações de apuramento dos resultados e demais actos eleitorais, às disposições constitucionais e legais; c) documentar vícios, irregularidades e violações à lei; d) emitir recomendações para garantir a efectiva democraticidade das próximas eleições e para o aperfeiçoamento contínuo da justiça eleitoral angolana. 3. A auditoria foi realizada entre 15 de Setembro a 10 de Novembro de 2008. Ela assenta em entrevistas, constatações, testes, exames e outros procedimentos profissionais de validação inerentes ao acto de auditar que foram julgados necessários nas circunstâncias. Os dados auditados relativos ao número de eleitores, mesas, actas das operações eleitorais e boletins de voto são os oficiais e definitivos publicados pela Comissão Nacional Eleitoral. 3 4. A auditoria concluiu que as eleições de 5 de Setembro de 2008 foram realizadas num ambiente de violações sistemáticas da Lei, acesso desigual aos meios públicos de comunicação e transporte, corrupção eleitoral, intimidação política e económica e de subversão e abuso das instituições do Estado e do poder tradicional para condicionar e obrigar o eleitor a votar no Partido que controla o Governo. Concluiu ainda que o processo padece dos seguintes vícios, irregularidades e indícios de fraude: a) Porque não foram observadas as disposições legais relativas à liberdade do eleitor, à votação e ao apuramento, não é possível concluir que todos os votos expressos, actas produzidas e resultados apurados sejam legítimos; b) não foi dado destino legítimo aos boletins de voto que entraram em Angola e ficaram sob custódia da empresa Valleysoft e da Casa Militar do Presidente da República; os maços selados de 100 unidades foram violados, porquanto as assembleias de voto e as Comissões Provinciais Eleitorais registaram “boletins de voto recebidos” em números fraccionados, não múltiplos de 100; c) os boletins de voto foram manipulados antes da votação; houve boletins de voto não controlados pelo sistema da CNE que, apesar de contabilizados como “não utilizados” terão sido, de facto, utilizados; assim como poderá ter havido boletins que foram utilizados mas não foram contados; d) o centro de escrutínio nacional terá recebido actas relativas a 50195 mesas, quando a votação ocorreu em apenas 37995 mesas, pelo que o escrutínio foi efectuado com base em actas de mesas de voto fantasmas produzidas por agentes secretos e sem fiscalização, numa operação que terá sido controlada pelos serviços da Casa Militar; e) não houve mecanismos fiáveis de controlo da observância dos princípios da liberdade, do secretismo e da unicidade do voto. Os eleitores foram vítimas de ameaças e artifícios fraudulentos para votar. Os cadernos eleitorais não foram utilizados. Não houve nenhum outro instrumento para validar a condição de eleitor presumida pela mera posse do cartão de eleitor e nem foi efectuado o controlo sistemático e verificável dos eleitores a medida que iam votando; 4 f) o uso da tinta indelével sem os cadernos eleitorais revelou-se nas circunstâncias insuficiente para assegurar a unicidade e a legitimidade do voto; g) mais de 60% das actas remetidas ao centro de escrutínio não estão assinadas por delegados de lista que não são do Partido/Estado; 5. Apesar dos procedimentos e regras da eleição estarem viciados; apesar desta eleição padecer de vícios e indícios de fraude e seus resultados não exprimirem a livre vontade do povo angolano, a sua realização foi importante para a normalização constitucional, rumo ao amadurecimento institucional do País. Não se deve permitir, porém, que elas sirvam de padrão para a organização de futuras eleições na República de Angola. 6. O ambiente antidemocrático que presidiu a realização das eleições bem como os abusos e violações que o caracterizam, foram sistematicamente denunciados e reclamados pela UNITA, junto às várias instâncias do Estado, ao longo dos tempos. Foram também referidos ou documentados por outras entidades, incluindo o Presidente da República, a Human Rights Watch, a Associação Justiça Paz e Democracia, Deputados à Assembleia Nacional, Partidos Políticos e Deputados ao Parlamento Europeu. 7. Porque somente a observância de regras imparciais em processos eleitorais democráticos, e não meros resultados eleitorais, garante a plena legitimidade dos órgãos eleitos, a auditoria apresenta soluções para as causas do deficit democrático vigente e para os vícios, irregularidades e indícios de fraude que lhe acompanham e recomenda medidas de política para a sua erradicação, antes da próxima eleição. 8. Não está em causa apenas o resultado oficial da eleição. Estão em causa a consagração efectiva dos direitos e liberdades individuais dos angolanos, o triunfo do regime multipartidário e da soberania popular em Angola, a efectiva unidade da Nação e a adequação da conduta da República de Angola a de um Estado Democrático de Direito. 5 9. A realização de qualquer nova eleição no mesmo ambiente consagraria a subversão e a corrupção como instrumentos da estatização da política para inviabilizar a democratização efectiva do País e legitimar a exclusão social por via de um Estado absolutista. A adopção, agora, de medidas correctivas, contribuirá sobremaneira para a gestão credível dos futuros processos eleitorais e para o desenvolvimento democrático da justiça eleitoral na República de Angola. 10. Das medidas correctivas que se recomendam aos órgãos competentes do Estado, no Capítulo VI, destacamos as seguintes: a) Consagração de cláusulas constitucionais de irreversibilidade e de uma estrutura procedimental e processual adequada e eficaz para proteger e conferir plena realização prática aos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. b) Inversão do desvio de poder, ou de fim, que se verifica na prossecução, pelo Estado, do interesse público. O interesse público que os órgãos da Administração Pública – incluindo a Comunicação Social e a Administração Eleitoral - perseguem não deve ser o interesse do Partido/Estado, mas sim o interesse da colectividade nacional. c) O fim da corrupção institucional e da utilização e subversão, pelo Estado, dos poderes públicos e tradicional para fins privados, incluindo a estatização da política partidária. O poder tradicional deve ser apolítico, apartidário e desestatizado. Deve ser inclusivo, aglutinador e contribuir para a coesão social. d) Assegurar, no cumprimento do princípio da justiça, que não haja tratamento desigual dos cidadãos – e dos partidos que integram – quanto às matérias que deveriam ser tratadas de forma igual à luz dos valores constitucionais e legais, nomeadamente quanto ao acesso à geração da riqueza, ao exercício de cargos públicos, à formação da vontade popular e o acesso efectivo ao poder político, económico e judicial. 6 e) Assegurar, em obediência ao princípio da imparcialidade, que a Administração Pública trate isentamente os cidadãos – e os Partidos que integram – não os favorecendo ou desfavorecendo por razões que se prendam com a sua filiação política ou com a posição dos titulares dos órgãos ou dos agentes que têm de decidir ou actuar. f) Promover a reforma da Administração Eleitoral, de forma a garantir: i. Que o Partido dominante, através da CIPE, do SINFO, da Presidência da República ou de qualquer outro órgão do Estado, não dirija, de facto, as operações eleitorais. ii. A extinção da Comissão Interministerial Para o Processo Eleitoral (CIPE) e a “reestruturação” ou “refundação” da Comissão Nacional Eleitoral de forma a garantir a sua efectiva imparcialidade estrutural e funcional, a sua perenidade e profissionalização, nos marcos dos princípios universais que governam a organização de eleições democráticas. 7 I. Ambiente Político-Constitucional 11. As eleições extraordinárias de 5 de Setembro de 2008 decorrem da consagração

View Full Text

Details

  • File Type
    pdf
  • Upload Time
    -
  • Content Languages
    English
  • Upload User
    Anonymous/Not logged-in
  • File Pages
    56 Page
  • File Size
    -

Download

Channel Download Status
Express Download Enable

Copyright

We respect the copyrights and intellectual property rights of all users. All uploaded documents are either original works of the uploader or authorized works of the rightful owners.

  • Not to be reproduced or distributed without explicit permission.
  • Not used for commercial purposes outside of approved use cases.
  • Not used to infringe on the rights of the original creators.
  • If you believe any content infringes your copyright, please contact us immediately.

Support

For help with questions, suggestions, or problems, please contact us