Mídia E Futebol: a Construção Do Personagem Dunga Pelas Revistas Placar E ESPN Na Copa De 20101
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Mídia e futebol: a construção do personagem Dunga pelas revistas Placar e ESPN na Copa de 20101 VENANCIO, Pedro (Graduado em Jornalismo pela UFMA)2 Universidade Federal do Maranhão/Maranhão FERREIRA JUNIOR, José (Doutor em Comunicação e Semiótica/PUCSP) Universidade Federal do Maranhão/Maranhão Resumo: Este Trabalho se propôs a estudar a construção do personagem Dunga como técnico da seleção brasileira na Copa do Mundo nas edições das revistas “Placar” e “ESPN” entre os meses de março e julho de 2010. O debate entre as duas revistas se dá em torno dos conceitos de futebol-arte e futebol-resultado, cuja tradução para o campo da cultura no Brasil está colocada em trabalhos como o de José Miguei Wisnik (2008). É abordada a relação conflituosa que se constituiu entre Dunga e a mídia esportiva durante os quatro anos em que ele ocupou o cargo. Criticado duramente nesse período, ele encontrou nos resultados anteriores ao Mundial o respaldo necessário para responder de maneira cada vez mais ríspida aos ataques sofridos. Os títulos da Copa América e da Copa das Confederações fizeram com que ele conquistasse alguns defensores. O tratamento rude destinado a alguns jornalistas, aliado à escolha por um futebol que não se identifica com os valores do futebol-arte, trouxe muitos opositores ao seu trabalho. Em função da Copa do Mundo ter ocorrido em ano de eleição presidencial, há uma análise sobre o fato de Dunga ter agradado e desagradado jornalistas que declaram suas preferências políticas, como Diogo Mainardi, da Veja, e Rodrigo Viana, do blog “Escrevinhador”. Palavras-chave: Mídia esportiva. Futebol-arte. Futebol de resultados. 1 IN T R O DU Ç Ã O A Copa do Mundo é o cenário ideal para a construção de heróis e de vilões esportivos que são explorados em imagens e palavras pelos veículos de comunicação que cobrem o evento. Responsáveis por vitórias e derrotas, jogadores e técnicos são, indubitavelmente, os principais personagens do torneio e se tornam ídolos ou culpados pelo fracasso com a mesma velocidade em que acertam ou erram lances capitais que decidem os rumos de uma partida. A glória e a culpa são redimensionadas de acordo com a repercussão dada pela mídia aos lances. A diferença entre esses heróis e vilões (COSTA, 2008) sofre a influência fundamental 1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Impressa, integrante do VIII Encontro Nacional de História da Mídia, 2010. 2 Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Maranhão. Colunista dos sites trevela.com e olheiros.net e colaborador da revista ESPN. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUCSP. Professor Associado da Universidade Federal do Maranhão. Orientador do trabalho. de três variáveis: o resultado das partidas, o resultado do torneio e a expectativa anterior criada sobre as partidas e o torneio. Como no Brasil a expectativa é sempre o título da Copa do Mundo, qualquer resultado que não seja o título é classificado como negativo. Junto com a derrota, há a busca imediata por bodes expiatórios, personagens que sejam capazes de simbolizar e trazer respostas para um fracasso coletivo. Neste trabalho, buscamos analisar a construção do personagem Dunga como técnico da seleção brasileira na Copa do Mundo, analisando a abordagem das revistas “Placar” e “ESPN” em relação ao treinador entre os meses de março e julho de 2010, quando a seleção brasileira foi eliminada do torneio. Com um discurso que prega o comprometimento acima de tudo e o resgate do amor à camisa da seleção, Dunga foi convidado para assumir a seleção brasileira depois da Copa do Mundo de 2006. Através dos bons resultados conquistados como os títulos da Copa América e da Copa das Confederações, sustentou-se no cargo até o Mundial de 2010. Ainda assim, vivia em conflito permanente com a imprensa especializada, entrando em atrito com jornalistas e sofrendo críticas pesadas. Há também um comentário sobre a postura de colunistas de veículos de mídia não especializados, sobretudo aqueles que declaravam suas preferências políticas, como Diogo Mainardi e Rodrigo Vianna, em relação às atitudes tomadas por Dunga. Afinal de contas, as eleições presidenciais foram realizadas em outubro de 2010, apenas quatro meses após a Copa do Mundo, e o futebol também fez parte desse cenário. Dunga no comando: relação conturbada com a mídia Durante os quase quatro anos em que foi técnico da seleção brasileira, Dunga usou frequentemente o termo “comprometimento” nas entrevistas e mostrou logo nas primeiras convocações que, para atuar na seleção com ele no comando, só o “nome” não bastaria. A prova disso é que Kaká e Ronaldinho Gaúcho, os dois jogadores brasileiros mais badalados naquele momento, chegaram a ir para o banco de reservas no início do trabalho. As críticas da mídia esportiva sobre as escolhas de Dunga não demoraram a surgir. A afirmação de que a seleção que ele armou não jogava o “verdadeiro futebol brasileiro”, e sim um jogo “europeizado”, baseado na força física e sem muita criatividade, encontrava eco em diversos setores da imprensa. Além disso, nomes como Afonso Alves, convocado algumas vezes, eram motivos de chacota. Com o passar do tempo e as conquistas da Copa América e da Copa das Confederações, Dunga passou a revidar as críticas, dando cada vez mais respostas atravessadas aos jornalistas e acusando-os de tentar atrapalhar o trabalho da seleção brasileira. Os jornalistas não gostavam de ser criticados no ar e retrucavam. A relação entre Dunga e a crônica esportiva era cada vez mais pautada por uma espécie de rancor contínuo na qual ambos os lados se queixavam de atritos do passado e quase não se suportavam mais, como numa espécie de casamento de conveniência. O ponto alto do conflito foi após a partida entre Brasil e Costa do Marfim, em 20 de junho de 2010, pela Copa do Mundo. Na entrevista coletiva após a vitória por 3 a 1, Dunga se irritou com o repórter Alex Escobar, da Rede Globo, que estava falando no telefone celular no meio da entrevista coletiva, interpelou-o, perguntando se havia algum problema, e, diante da resposta negativa, chamou-o de “cagão”. O som foi captado pelo microfone. Após o episódio, a maioria esmagadora da crônica esportiva ficou do lado de Escobar. Dunga foi chamado de “desequilibrado” e “destemperado” em diversos programas televisivos e matérias em jornais. Depois da eliminação brasileira na Copa do Mundo, as críticas aumentaram mais ainda. A Rede Globo, que teria tido alguns pedidos de entrevistas exclusivas negados pelo treinador, pôs no ar um editorial com críticas pesadas ao trabalho do treinador, lido pelo repórter Marcos Uchôa. O comentarista Mauro Cezar Pereira, da TV ESPN Brasil, disse naquele momento que Dunga “já vai tarde”. DUN G A E AS R E V ISTAS “PLACAR” E “ESPN” Para que seja melhor compreendida a relação entre Dunga e a mídia brasileira no período anterior e posterior à Copa do Mundo, fez-se importante uma análise comparativa da abordagem de dois veículos de comunicação do mesmo meio. Os veículos escolhidos foram as revistas “Placar” e “ESPN”, que, por serem segmentadas e mensais, podem dedicar um número maior de páginas sobre os assuntos que escolherem. 5.1 Breve histórico das revistas “Placar” e “ESPN” As duas revistas visam mais ou menos ao mesmo público: apreciadores de futebol em geral, de classe média, em sua grande maioria do sexo masculino. Em função da semelhança desse público, saber as diferenças entre elas é fundamental para que possam ser compreendidas as decisões sobre os temas e enfoques das reportagens. Pertencente ao grupo Abril, “Placar” foi às bancas pela primeira vez em março de 1970, passou por diversas reformulações editoriais ao longo do tempo. Grandes reportagens, a da Máfia da Loteria Esportiva, publicada em 1981, considerada por Bruno Chiarioni e Márcio Kroehn (2010), autores do livro “Onde o esporte se reinventa: histórias e bastidores dos 40 anos de Placar”, deram lugar a textos curtos, enxutos, com a maior quantidade possível de informações contidas na mensagem. Fotografias ganhavam cada vez mais destaque. Atualmente, “Placar” possui o formato de 20 x 26.5cm e uma circulação de 95.800 exemplares, atingindo cerca de 1.8 milhões de leitores em todo o país. A revista “ESPN”, por sua vez, é quase uma recém-nascida no mercado editorial brasileiro. Publicada pela editora Spring, a mesma que veicula a revista Rolling Stone, foi pela primeira vez às bancas em novembro de 2009 e é mais um produto com a marca do grupo Entertainment Sports Programming Network. A “ESPN” lançada no Brasil segue o padrão gráfico de sua “irmã” norte-americana e é veiculada no mesmo formato da Rolling Stone – 25.5 x 30cm -. E, assim como a TV ESPN Brasil, prioriza o futebol em sua cobertura, mas também dá espaço a outros esportes. Foram analisadas apenas as matérias relacionadas ao treinador da seleção brasileira publicadas entre os períodos de março e julho de 2010, para que possa ser melhor compreendida a forma como foram modificadas ou solidificadas as características do “personagem” Dunga como técnico da seleção brasileira na Copa do Mundo. Futebol-arte x Futebol de resultados Ao longo do tempo, se constituiu uma dicotomia no futebol brasileiro, entre o futebol- arte, que visa ao espetáculo, e o futebol-força, que prioriza o resultado, ou, em outros termos, o futebol-poesia e o futebol-prosa (WISNIK, 2008). A discussão ganhou força sobretudo após a derrota da seleção brasileira em 1982, quando apresentou um estilo de jogo identificado com os valores do futebol-arte, e a vitória em 1994, quando mostrou um jogo organizado, pragmático, que buscava o resultado. Dunga, campeão mundial em 1994 foi, ao longo do tempo, construído como um representante do futebol-força, que prioriza o resultado, e não o espetáculo.