DOI: 10.5585/ExactaEP.v15n1.6645 Artigos

Gestão da inovação em uma empresa do setor de borracha e termoplástico Innovation management in a rubber and thermoplastics company

Vanessa Theis1 Bruna Haubert2 Joice Zmijewski3 Dusan Schreiber4

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Qualidade Ambiental na Universidade Feevale – Feevale, Mestre em Qualidade Ambiental e Bacharela em Administração de Empresas pela mesma instituição. , RS [Brasil]. [email protected]

2 Mestre em Indústria Criativa e Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Feevale – Feevale. Novo Hamburgo, RS [Brasil]

3 Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Feevale – Feevale. Novo Hamburgo, RS [Brasil] Resumo 4 Doutor em Administração pela Universidade Federal do A gestão da inovação no meio organizacional pode melhorar a qualidade – UFRGS, Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Qualidade Ambiental e a eficiência do trabalho, acentuar a troca de informações e refinar a e graduação em Administração da Universidade capacidade empresarial de aprender e utilizar conhecimentos e tecnologias. Feevale – Feevale. Novo Hamburgo, RS [Brasil] Nesta perspectiva, foi realizada esta investigação com o objetivo de estudar como ocorre o processo de gestão da inovação em uma empresa do setor de borracha e termoplástico, na região do Vale do Rio dos Sinos, RS. Para tanto, os autores optaram pelo delineamento metodológico que se iniciou com a revisão bibliográfica e documental e, em seguida, de coleta de dados empíricos por meio de observações diretas, levantamento documental e entrevista sistemática em profundidade em um estudo de caso único. Os resultados demonstram que a empresa assume um caráter inovador em diversos aspectos, pois busca inovar em produtos e processos, sempre se atentando à especialização de sua equipe para atender às demandas de mercado. Palavras-chave: Desenvolvimento de produtos. Gestão da inovação. Inovação. P&D.

Abstract The management of innovation in organizational environments can improve the quality and efficiency of work, enhance the exchange of information, and refine businesses’ ability to learn and use knowledge and technology. In light of this, we carried out this study in order to understand how the process of managing innovation occurs in a rubber and thermoplastics company in the Sinos River Valley region of Rio Grande do Sul, Brazil. To accomplish this, the authors opted for a methodological design that started with a bibliographic and documentary review, followed by empirical data collection through direct observations, documentary surveys, and systematic in-depth interviews in a single-case study. The results of this study demonstrate that, in many ways, the company takes on an innovative stance, seeking innovation in products and processes while always paying attention to the expertise of its staff in order to meet market demands. Keywords: Innovation. Innovation management. P & D. Product development.

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1 Introdução rinstitucional que embasa a inovação para cria- ção, difusão e aplicação do conhecimento gerado Com base na constatação da criação de mo- (OCDE, 2005). delos de negócios, na ênfase da colaboração entre O processo de inovação se diferencia de- empresas e na emergência de novas tecnologias, pendendo do ecossistema em que está inserido. é possível afirmar que a inovação tem recebido Regiões com maior facilidade de acesso a conhe- destaque. Neste atual contexto, influenciado pela cimento e tecnologias podem apresentar taxas inovação, os gestores necessitam compreender o de desenvolvimento superiores às que possuem escopo global das novas formas de fornecimento, alguma dificuldade em obter esses recursos para logística e redes de comunicação. Assim, tanto inovar. Determinados setores podem desenvolver no aspecto social como no mercadológico, mar- mudanças em velocidade maior do que outros cados pela inovação, é possível perceber que o (OCDE, 2005). A região do Vale dos Sinos, com- valor do produto ou do serviço está sendo cons- posta por 14 cidades, ocupa a terceira posição na truído a partir de experiências singulares, espe- geração do produto interno bruto (PIB) do estado cialmente por meio de colaboração e cocriação. do Rio Grande do Sul (FEE, 2013), com relevante A partir disso, sugerem-se constituir redes de co- potencial industrial (MTE, 2012). operação ou alianças estratégicas para otimizar Neste contexto regional, localiza-se a empre- os recursos distribuídos globalmente (Prahalad e sa que foi objeto de estudo desta investigação, cujo Krishnan, 2008). objetivo foi o de analisar o processo de gestão da Uma organização que introduz uma nova inovação em uma organização que atua no setor tecnologia no mercado pode obter vantagem com- de borracha e termoplástico. Para atender ao ob- petitiva, diferenciando-se por meio da redução de jetivo proposto, foi adotado o método de pesqui- custos de produção ou automação de processos sa exploratório e descritivo, em uma abordagem (Porter, 1989). O ecossistema no qual as empresas qualitativa. estão inseridas pode influenciar o rumo da inova- O trabalho inicia com a apresentação de con- ção. Mesmo que os contextos nacional, regional e ceitos acerca de gestão da inovação, bem como setorial – representados pelos recursos disponíveis suas aplicações em contexto organizacional. O se- e estrutura econômica, que resultam em diferentes gundo capítulo contém o detalhamento da meto- tipos de oportunidades de investimentos – não de- dologia que norteia este estudo teórico, bem como finam os resultados, podem influenciá-los (Tidd e os procedimentos adotados para a coleta de dados Bessant, 2015). empíricos na empresa fabricante de borracha e Para Schumpeter (1982), o desenvolvimen- termoplástico. O terceiro capítulo expõe informa- to econômico é conduzido pela inovação, seja ções da organização investigada para compreen- de processos, produtos, mercados, ou fontes de são de suas atividades e de sua área de atuação. O recursos. Para que esta não ocorra de forma as- quarto capítulo mostra os resultados do estudo de simétrica, sugere-se que o processo seja mediado caso disposto em categorias de análise, com base pelo Estado, já que, sem condições econômicas nos elementos empíricos que emergiram a partir propícias, não há inovação, pois para inovar é da entrevista em profundidade, observação não necessário realizar investimentos em ativos tan- participante e análise documental. O quinto e úl- gíveis e intangíveis. A inovação é um processo timo capítulo versa sobre as considerações finais dinâmico que enfatiza a força da interação inte- deste estudo.

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2 Gestão da inovação Com este novo modelo de negócios, as organiza- ções precisam desenvolver abordagens capazes de Os conceitos sobre os ciclos econômicos, extrair valor econômico das relações com o consu- expressados pelo economista Schumpeter (1982), midor, a fim de aumentar a variedade de ofertas, são relevantes para a atual ciência econômica. De personalizando-as para cada cliente ou envolvê- acordo como o autor, o que provoca a alteração los no processo de criação de valor. no estado de equilíbrio econômico, avançando Para Tidd e Bessant (2015), a inovação é para um processo de expansão, é o surgimento de orientada pela habilidade de fazer relações, de vi- alguma inovação. Para ele, a abertura de novos sualizar oportunidades e de tirar vantagem des- mercados, a criação de novos bens e serviços, a tas. A capacidade de distinguir oportunidades e descoberta de um método inovador de produção criar novas formas de explorá-las é indispensável ou comercialização, o uso de novas tecnologias ou ao processo de inovação e envolve possibilidades a alteração da estrutura do mercado vigente, são inteiramente novas, como a exploração de avan- indicadores de inovação. ços tecnológicos totalmente radicais. Ressalta-se Contribuindo para o tema em questão, que a inovação não se relaciona apenas a abertura Porter (1989) afirma que a evolução tecnológica de novos mercados, ela exige a implementação de se constitui no fato mais relevante do século XX, novas formas de servir àqueles já estabelecidos e capaz de modificar as regras da concorrência, maduros (Tidd & Bessant, 2015, p. 23). exercendo um papel importante na criação de Diferente dos conceitos de inovação men- novos mercados. A introdução de uma inovação cionados, como a abertura de novos merca- tecnológica pode facultar a redução de custos ou dos ou a alteração da estrutura dos negócios já a diferenciação, e talvez ambas. Aliás, “[…] no- existentes, no Manual de Oslo (OCDE, 2005), vas práticas inovadoras sem relação com a tecno- elaborado pela Organização para Cooperação e logia também podem ter este efeito […]” (Porter, Desenvolvimento Econômico, discute-se como a 1989, p. 17). inovação pode ocasionar mudanças no nível da Os estudos de Schumpeter (1982) influencia- empresa individual. Assim, concentra-se em pro- ram outros pesquisadores, originando a amplia- cessos e produtos significativamente aprimora- ção do conceito de inovação, de forma a alcançar dos, reconhecendo que as inovações organizacio- o comportamento do consumidor. Christensen nais podem resultar em “melhoras significativas (2012) constatou que o surgimento de mercados, no desempenho das empresas”. com necessidades e expectativas totalmente dife- Evidencia-se que a percepção de que a tec- rentes, fez com que muitas empresas falhassem nologia desempenha um papel de vital impor- ao fazer a transição tecnológica, pois estavam ha- tância no desenvolvimento da inovação é comum bituadas à inobservância desta prática essencial aos autores Tidd e Bessant (2015), bem como aos de sucesso. membros da OCDE (2005). Além disso, as opor- Dentro deste contexto, Prahalad e tunidades tecnológicas são reconhecidas e explo- Ramaswany (2004), recomendam às empresas a radas de maneiras distintas entre as empresas, se libertarem do sistema tradicional de criação de visto que os colaboradores são considerados um valor, e criar uma interconexão com os consumi- recurso-chave de uma empresa inovadora OCDE dores, para agregar valor aos bens e serviços ofer- (2005). Ressalta-se que, na indústria brasileira, o tados, por meio do modelo de cocriação de valor. desenvolvimento e a absorção de tecnologia, por

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meio da aquisição de máquinas e equipamentos, aperfeiçoando a maneira de fazer as coisas e, ao continuam sendo as atividades de maior relevân- ser executada, transforma ideias criativas em re- cia atribuída à inovação, segundo os resultados alidades comercialmente viáveis (Davila, Epstein evidenciados pela Pesquisa e Inovação (PINTEC) & Shelton, 2012). (IBGE, 2010). A estratégia de inovação organizacional Percebe-se que gerir uma empresa é uma ta- precisa adaptar-se à situação do negócio e ser refa que se desenvolve em duas dimensões distin- transparente para todos os seus membros. A or- tas. Há a gestão diária, constituída por decisões ganização deve aplicar seus recursos em áreas es- que aperfeiçoam o processo de forma constante tratégicas que proporcionam maior retorno sobre e que faz as coisas acontecerem. Mas, também, o investimento, do contrário pode afetar a sua existe um segundo tipo de gestão, em que o ad- capacidade de competir no mercado. A decisão ministrador inventa o futuro, desenvolve cená- de qual estratégia de inovação melhor se adapta à rios e procura por novas ideias, visando a mo- situação da concorrência externa do mercado e às dificar a maneira como as coisas são vistas. As condições internas da empresa constitui respon- duas formas de gestão, realidade e percepção, sabilidade da equipe de altos executivos, e, em ocorrem em paralelo e são essenciais para mol- última análise, é tarefa do diretor geral (Davila, dar a mudança que incidirá em todos os níveis Epstein & Shelton, 2012). (Brabandere, 2006). Nos cenários competitivos em rápida modi- A mudança de realidade é um processo con- ficação, os processos internos não podem ser es- tínuo que desafia toda a equipe, sendo alimenta- táticos. A dinâmica do mercado determina a ve- da por ideias práticas e sugestões úteis. Portanto, locidade da mudança nos modelos de negócios e a inovação é uma abordagem mediante a qual na estratégia. Desta forma, a inovação responde uma equipe consegue mudar a realidade. Para continuamente às demandas, comportamentos e que isso ocorra, modifica-se primeiro a percep- experiência dos consumidores. A fim de criar uma ção do colaborador diante da nova realidade. estrutura facilitadora da inovação, as empresas Esta percepção Brabandere (2006) associou com precisam estabelecer conexões explícitas entre es- a criatividade quando ponderou que a criativida- tratégia, modelos de negócios e processos internos de é o modo como o indivíduo consegue êxito em mudar a sua percepção. Logo, inovar é criar algo (Prahalad & Krishnan, 2008). novo para o sistema, e ser criativo é pensar em A história dos negócios está repleta de exem- um novo sistema. plos de empresas que conseguiram assumir a posi- Neste sentido, evidencia-se que a inovação ção de líder por meio de inovações bem-sucedidas. inclui a gestão de grandes volumes de criativi- Entretanto, cada uma delas cedeu sua posição dade. Na realidade, equilibrar e impulsionar as para um concorrente, muitas vezes recém-chegado tensões inerentes entre criatividade e comerciali- ao mercado, que conseguiu lançar uma ideia supe- zação demanda uma clara estratégia de inovação, rior. O que acontece, é que poucas organizações processos bem definidos e sólida liderança. Sem conseguiram desenvolver uma profunda e dura- a intervenção da administração, a criatividade doura capacidade de inovar que impulsionasse acaba impedindo o avanço da comercialização constantemente o crescimento da receita e manti- ou vice-versa. Por conseguinte, a criatividade vesse a vantagem competitiva da empresa no lon- propicia o desenvolvimento de novos conceitos, go prazo (Gibson & Skarzynski, 2008).

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Os autores Tidd e Bessant (2015, p. 28) vações relativamente simples, convenientes e de corroboram os referidos pressupostos de que os baixo custo para promover crescimento e vencer executivos devem presumir estrategicamente as os líderes de setor. Tal inovação pode criar no- atividades de inovação, defendidos por Gibson e vos mercados ou reestruturar os já consolidados, Skarzynski (2008). Para Tidd e Bessant (2015, p. pois oferece proposição de novo valor. Divide-se 28), as empresas devem calcular todos os riscos nos dois seguintes tipos: a de baixo mercado e a de uma inovação e não simplesmente inovarem em de novo mercado. qualquer direção, pois o custo de uma inovação é As inovações disruptivas de baixo mercado elevado e os recursos são limitados. A inovação é ocorrem quando as empresas desenvolvem pro- uma questão de organização dos diferentes recur- dutos com desempenho superior ao exigido pela sos e, principalmente, “[…] de equilibrar a criati- média de mercado e, portanto, com preço superes- vidade com a disciplina de efetivamente fazer com timado em relação ao valor que os consumidores que as coisas aconteçam […]”. podem pagar, restringindo o número de compra- Scherer e Carlomagno (2009) complementam dores. Este cenário oportuniza que um novo en- que a inovação é um processo que deve ser geren- trante ofereça um produto de preço baixo e relati- ciado e, para tal, deve estar vinculada à estratégia vamente simples (Christensen, 2012). corporativa adotada pela empresa. Igualmente, As inovações de novo mercado, alteram as Tidd e Bessant (2015) afirmam que as organi- bases de competição, gerando uma nova proposta zações precisam ter definida, claramente, a sua de valor, pois levam o consumo aos não consumi- estratégia comercial, bem como a forma como a dores. Distingue-se por não limitar o número de inovação pode contribuir para viabilizá-la. Deste consumidores, tampouco forçar que o consumo modo, o problema não é a escassez de maneiras ocorra de forma inconveniente e centralizadora e, de obter vantagem competitiva pela inovação, mas ainda, tornando mais fácil para as pessoas fazer saber quais delas escolher. algo que antes exigia profundo conhecimento ou Independentemente do escopo de atuação muito dinheiro (Christensen, 2012). norteador das atividades de pesquisas e desenvol- Prahalad (2010) aplica a teoria da inovação vimento, o enfoque deve ser no aperfeiçoamento disruptiva em seus estudos na base da pirâmide dos propósitos estratégicos que impulsionem “[…] econômica, em que se concentram os consumido- novos negócios baseados em novas tecnologias, res mais sensíveis a preços. O autor adverte que além da ampliação da capacitação tecnológica da penetrar este mercado “[…] não se trata simples- empresa […]” (Terra, 2009, p. 41). No contexto mente de confeccionar versões mais baratas dos mencionado, a P&D “[…] deve promover os pro- produtos comercializados nos mercados desenvol- dutos que o departamento de marketing e de ven- vidos […]” (Prahalad, 2010, p. 36). Para tanto, das oferecem, os processos que a produção opera é imprescindível que as organizações obtenham e muitas das decisões de investimento que a ad- conhecimento e confiança local mediante a cria- ministração toma […]” (Roussel, Saad & Bohlin, ção de soluções em conjunto com consumidores e 1992, p. 17). outras instituições. Com o propósito de descrever sua visão so- Transformar a base da pirâmide em consumi- bre a inovação, Christensen (2012) criou a teoria dores certamente contraria os pressupostos domi- da inovação disruptiva. Ela destina-se a situações nantes entre executivos multinacionais. Uma nova nas quais as novas empresas podem criar ino- mentalidade de desenvolvimento e de inovação de

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produtos que considera as realidades deste merca- cia de um ambiente de alta sincronia e paralelismo do é indispensável. Deste modo, as inovações para entre as diversas etapas do processo de inovação, atendê-los devem eliminar o desperdício, reduzir a uma vez que elas devem ser difundidas para todas intensidade dos recursos e reciclar. Devem ainda as instituições envolvidas. Para tanto, faz-se neces- ser funcionais em ambientes hostis e “transpor- sário um ambiente de alta conectividade que per- táveis entre países, culturas e idiomas diferentes” mita administrar o fluxo intenso de informações (Prahalad, 2010). e conhecimentos de naturezas diversas (Barbieri, Vale destacar que Schumpeter (1982) já su- Álvares & Cajazeira, 2009). geria que as organizações devem priorizar as ne- Ressalta-se a importância da participação cessidades dos clientes, uma vez que são o fim de do governo no fomento a inovação tecnológica toda a cadeia produtiva. Entretanto, normalmen- do país, uma vez que esta é associada ao cres- te, são as organizações que iniciam o processo cimento e ao desenvolvimento de uma nação de mudança com o lançamento de novos produ- (Kuhlmann, 2008). De acordo com Wallsten tos ou os já existentes com utilizações distintas. (2000), nos últimos anos têm aumentado a oferta Assim, os consumidores são influenciados a que- e disponibilidade de recursos para os programas rer bens novos, ou aqueles que diferem em um de financiamento público para as atividades de aspecto ou outro daqueles que tinham o hábito pesquisa e desenvolvimento (P&D). A modalida- de comprar. de de financiamento ofertada varia, e os mais en- Assim, é possível afirmar que a competiti- contrados são os subsídios financeiros, incentivos vidade das empresas deriva de sua capacidade fiscais, empréstimos e recursos financeiros não de aplicar a tecnologia de modo a lançar novos reembolsáveis de fomento à inovação (Romijn produtos ou melhorar seus processos. Para isto, &Albaladejo, 2002; Souitaris, 2002). é imprescindível fazer investimentos em pesqui- Desta forma e nesta perspectiva, o Estado sa e desenvolvimento (P&D) e aplicar o conheci- pode participar ativamente na criação de um mento científico. Contudo, para tal conhecimen- ambiente mais favorável ao desenvolvimento de to ser posto em prática, na maioria das vezes, é inovações no setor empresarial. Os autores De necessário realizar adaptações e prover soluções Negri e Kubota (2008) entendem que o Estado complexas. Portanto, para facilitar o processo de deve trabalhar para a manutenção de uma po- inovação, recomenda-se às organizações a cons- lítica econômica estável, com altas taxas de tituir redes de cooperação, formais e mesmo não crescimento, reduzindo os riscos econômicos e formais, capazes de promover a interação entre alavancando financeiramente as empresas. Pode empresas, instituições acadêmicas e órgãos go- ainda, promover linhas de financiamento para vernamentais (Coral, Ogliari & Abreu, 2009; estimular empresas, universidades e institutos de Guimarães, 2011). pesquisa para o desenvolvimento rumo à socie- Nestas redes, desenvolvem-se diversas for- dade do conhecimento. mas de intercâmbios, como “[…] acordos para realização de P&D, uso compartilhado de ban- co de dados, licenciamentos cruzados e parcerias 3 Metodologia com objetivos múltiplos […]” (Barbieri, Álvares & Cajazeira, 2009, p. 29). Esta maneira de criar e Com o propósito de adotar as decisões ade- gerir a inovação tem como pressuposto a existên- quadas no processo de investigação científica, a

20 Exacta – EP, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 15-29, 2017. THEIS, V. et al. Artigos fim de que aos resultados possa ser conferido o 4 Caracterização do caso rigor científico, os autores optaram pela realiza- estudado ção do estudo de caso único e abordagem qualita- tiva. A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas: Localizada a aproximadamente 40 quilôme- (i) uma visita técnica, com apresentações sobre a tros de Porto Alegre, a região do Vale do Rio dos organização, e uma visita à fábrica; (ii) uma entre- Sinos é conhecida como uma das áreas de maior vista em profundidade com o gerente comercial da potencial econômico e industrial do estado do Rio organização, que está diretamente envolvido com Grande do Sul. Em termos socioeconômicos, esta o processo no planejamento e execução das estra- região detém o terceiro maior PIB do Estado, fi- tégias de inovação da companhia. cando atrás somente do arranjo produtivo local da Por meio da visita técnica, os pesquisadores Serra e da região metropolitana Delta do Jacuí, realizaram observações diretas assistemáticas, na o qual inclui a cidade de Porto Alegre e o polo empresa objeto do estudo. Esta visita durou duas Petroquímico de Triunfo (FEE, 2013). Os bons in- horas, o que facultou aos pesquisadores��������� observa- dicadores econômicos e sociais decorrem da inten- rem a realização de diversas rotinas organizacio- sa atividade produtiva, com destaque da indústria nais. Desta maneira, foi possível reconhecer vários dos setores coureiro-calçadista e metalomecânico processos e práticas internalizadas pelos colabora- (MTE, 2012). dores no desempenho de suas funções. O Vale do Rio dos Sinos, cuja abreviatura Para a realização das entrevistas, utilizou-se comumente utilizada é Vale dos Sinos, compreen- um gravador, a fim de armazenarem-se os dados de uma região de 1398,5 km², composta por 14 na íntegra. A entrevista teve uma duração média municípios, de acordo com definição do Conselho de duas horas e, no prazo máximo de seis horas, Regional de Desenvolvimento do Vale do Rio dos após sua realização, esta foi transcrita. Como Sinos (COREDE, 2010). São eles: Araricá, Campo transcrições resultam, normalmente, em um tex- Bom, Canoas, Dois Irmãos, Estância Velha, to não linear e até mesmo confuso, as entrevistas , , , , Novo foram reescritas de modo coeso, em formato de Hamburgo, Portão, São Leopoldo, e narrativa. Na sequência, foram submetidas à apre- . ciação dos respondentes para conferência, ajustes ou contribuições. A empresa Alfa, analisada neste estudo de Baseando-se na metodologia de Bardin caso, está sediada na cidade de São Leopoldo. Com (2004), o teor da entrevista em profundidade foi capital 100% brasileiro, ela atua no mercado nacio- submetido à análise de conteúdo. Nesta etapa da nal e internacional no setor de borrachas. Fundada pesquisa, utilizou-se o software NVivo, a fim de em 1953, a organização produzia inicialmente dia- compilar, comparar e decifrar os dados da entre- fragmas, buchas, gaxetas, retentores, perfis, man- vista, de forma segura. Além disto, também se gueiras, lençóis de borracha e outros componentes obtiveram dados por meio da análise documen- para indústrias diversas. Seus primeiros clientes tal, com base em documentos internos fornecidos são, na maioria, os fabricantes de peças e compo- pela empresa, tanto em meio físico como eletrô- nentes para a indústria aérea. A Alfa é considerada nico, via sistema interno de controle, que possi- uma das principais indústrias brasileiras de trans- bilitou a identificação e caracterização de proces- formação de elastômeros e termoplásticos para a sos internos mencionados durante a entrevista. fabricação de artefatos de borracha.

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Em 1969, a organização expandiu sua linha vação ou concepção de um produto inovador. Este de produtos abrangendo mais fortemente o setor ponto de vista também é apresentado por Porter automobilístico, que em meados dos anos 1950 (1989) que descreve a evolução tecnológica como teve um crescimento significativo no mercado. fator importante na disputa da liderança de mer- Ao longo do tempo, foi ampliando sua área pro- cado perante a concorrência. dutiva, assim como inovou em maquinários, in- crementando consideravelmente sua capacidade produtiva. A Alfa foi uma das primeiras empre- 5 Análise dos resultados sas a profissionalizar a gestão na década de 1990. Constitui, em 2001, o Conselho de Administração Com o objetivo de evidenciar os resultados para que os sócios diretores deixassem os cargos que emergiram do processo de coleta de dados de gestão. Segundo os documentos analisados e o empíricos e facultar sua análise à luz de vertentes teor da entrevista, este fato contribuiu de forma teóricas revisadas, foram concebidas, ex-ante, cin- relevante para o crescimento acelerado da organi- co categorias de análise. A primeira categoria cor- zação ao longo da última década. responde às inovações de máquinas e equipamen- Este processo de crescimento levou a Alfa a tos da empresa. A segunda refere-se à abertura de ocupar posição de destaque no seu segmento de novos mercados a partir da concepção do modelo atuação, exigindo revisão do seu posicionamento de negócios (abertura de novas empresas) e esta- estratégico e mercadológico. Este processo resul- belecimento de parcerias com outras organizações tou, no ano 2011, na formalização de parcerias com internacionais. A terceira categoria aborda ques- empresas de outros países, visando ao compartilha- tões referentes à inovação de produtos, seguida da mento de melhores práticas tecnológicas e de ges- de processos, elencada como quarta categoria. Por tão. Nesse processo evolutivo, fundaram-se duas fim, analisam-se os aspectos relativos ao modelo novas empresas. A primeira, a Beta, foi direcionada de gestão dos colaboradores adotado e operacio- para a fabricação de artefatos termoplásticos por nalizado pela organização analisada. um processo inovador e menos poluente, amplian- do o mercado de reposição de peças. Um ano de- 5.1 Inovação tecnológica em pois da abertura da Beta, foi fundada a segunda máquinas e equipamentos organização, a Delta, para realizar a reciclagem de Com base nos resultados de análise dos mé- resíduos de borracha e fabricação de compostos. todos e processos, “[…] a Alfa desenvolveu um Na Alfa, adotou-se, como estratégia, a inser- conjunto de ferramentas próprias, voltado para a ção de práticas e processos inovadores à cultura fabricação de moldes […]” (conforme documen- da organização. Ao analisar seu histórico é pos- tos fornecidos pela empresa). Este investimento sível perceber que a empresa mantém uma curva em customização de equipamentos trouxe como ascendente de crescimento ao longo de sua trajetó- benefícios maior agilidade no desenvolvimento ria, em razão de suas atitudes e projetos inovado- de novos projetos, redução significativa no tem- res. Esta constatação vai ao encontro da literatura po necessário para entrega das amostras iniciais revisada sobre as práticas de inovação, com desta- e rapidez no desenvolvimento de protótipos, pos- que à afirmação de Schumpeter (1982), segundo o sibilitando maior agilidade na manutenção dos autor a expansão da atividade econômica organi- moldes e confidencialidade sobre os projetos em zacional exige a implantação do processo de ino- andamento.

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O laboratório da Alfa é um dos mais necessidade de vincular a estratégia comercial à bem estruturados da indústria de arte- inovação. fatos de borracha no Brasil, contando Ao longo da década de 1990, a direção da com uma ampla gama de equipamen- Alfa realizou investimento relevante para renovar tos de última geração, que permitem o conjunto de máquinas e equipamentos: “A em- realizar os principais ensaios reque- presa adquiriu as primeiras injetoras robotizadas ridos pelos seus clientes em peças para fabricação de peças em silicone, sendo na épo- técnicas de borracha tanto no desen- ca a única a operar fora da Europa com o processo volvimento quanto no controle de pro- que gera menos resíduo […]” (conforme informa- dução. (Dados fornecidos pela empre- ção identificada na pesquisa documental). Essa vi- sa Alfa). são da direção, que prioriza os investimentos em tecnologia e operações, de maneira geral, também A decisão de desenvolver as ferramentas é destacada por Porter (1989) e Schumpeter (1982) que apontam para o uso da tecnologia como estra- encontra respaldo na literatura que versa sobre tégia primordial na expansão dos negócios. o tema de inovação tecnológica, em especial no Já no fim dos anos de 1990, a empresa ex- Manual de Oslo (OCDE, 2005), que destaca a pandiu sua linha de produtos com a aquisição importância da inovação tecnológica, além de das primeiras máquinas de sopro-extrusão para a produtos e processos, contribuindo para o apri- fabricação de coifas para mecanismos de direção moramento do desempenho da empresa. Tal fato é em termoplástico vulcanizado (TPV). Assim, foi confirmado por Prahalad e Krishnan (2008), que viabilizada a transição de compostos de borracha citam a importância de criar uma estrutura que para termoplásticos, consolidando a entrada da facilite o processo de inovação integrando a estra- organização na transformação de materiais ter- tégia da empresa e os processos internos. moplásticos. A análise documental mostrou que o A priorização dos investimentos em tecnolo- referido investimento ocorreu com base na percep- gia, na empresa Alfa, não é um fenômeno recente, ção de uma oportunidade no mercado específico, visto que, já no ano 1971, “[…] a Alfa começa a o que vai ao encontro da constatação de Tidd e operar com injetoras de borracha importadas da Bessant (2015), quanto à identificação de oportu- França, sendo a pioneira na América do Sul a usar nidades como fonte de inovação, e de Christensen esta tecnologia de produção para a fabricação de (2012), quanto à inovação disruptiva, criando no- peças de borracha […]” (dados da empresa, con- vos mercados para não consumidores. forme identificado na pesquisa documental). Esta estratégia evidencia a visão de negócios dos ges- 5.2 Concepção de novas tores, que buscam atualizar o parque fabril para empresas e parcerias assegurar alto desempenho e produtividade do internacionais processo produtivo, como forma de alavancar o Em alinhamento com as afirmações de resultado financeiro e econômico da organização, Prahalad e Krishnan (2008) que evidenciaram a situação encontrada também pelos pesquisadores acelerada modificação do cenário de mercado, da Pintec (IBGE, 2010). Entende-se também que, a Alfa realizou uma importante associação com deste modo, a organização confirma o que desta- uma empresa italiana, a Gama, para a fabrica- cam Tidd e Bessant (2015), quando ressaltam a ção de coifas em material termoplástico no Brasil.

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Desta forma, a organização fomentou uma cultura Todo este processo de treinamento come- de inovação constante, representando uma parcela çou muito antes de ser anunciada oficialmente a menor, mas relevante, de empresas, confirmando nova empresa, ou seja, a organização capacitou a visão de Gibson e Skarzynski (2008) que alegam as pessoas, adquiriu os equipamentos e, só en- que poucas conseguem manter essa constância na tão, foi inaugurada. Nota-se que foi um processo capacidade de inovar em longo prazo. bem estruturado e de risco calculado, conforme “Utilizando uma inovadora tecnologia alemã, recomendam Tidd e Bessant (2015) e Gibson e que permitiu a migração da fabricação deste tipo Skarzynski (2008). Inicialmente, ocupou um es- de artefato de borracha para termoplástico” (do- paço fechado dentro da própria Alfa, mas com o cumentos da empresa), a Alfa, em conjunto com aumento da demanda, constatou-se a necessidade a empresa italiana Gama, constituiu a empresa de ampliação. Em 2014, as novas instalações esta- Beta, que orientou para a fabricação de artefatos vam na etapa de finalização de obra, e a mudança termoplásticos, por meio de um processo menos estava prevista para o primeiro semestre do ano poluente. “Esta fusão foi muito inovadora no mer- de 2015. Tidd e Bessant (2015) bem como Scherer cado nacional e teve boa aceitação no mercado e Carlomagno (2009) ressaltam a importância de […]” (conforme aponta o Gerente Comercial en- planejar as atividades de inovação de modo que trevistado). Coral, Ogliari e Abreu (2009), em con- se avaliem os riscos da ação, pois inovar requer a cordância com Guimarães (2011), afirmam que a organização de diferentes recursos, considerando cooperação entre as organizações pode contribuir a limitação destes e também o custo elevado. para aplicar conhecimentos científicos e desenvol- A unidade Delta, fundada em 2012, voltada ver inovações. Terra (2009) também defende esta para a reciclagem de resíduos de borracha e fabri- percepção e acrescenta que, assim, é possível esti- cação de compostos, apresentou benefícios com- mular novos negócios, de base tecnológica. plementares às demais empresas do grupo, por A inserção desta nova tecnologia aos proces- representar uma atividade sequencial na cadeia sos da empresa exigiu a organização de um trei- produtiva em relação às outras duas organizações namento rigoroso. Para tanto “[…] a empresa se- constituídas. lecionou alguns colaboradores que posteriormente iriam atuar neste novo processo, para serem trei- Ciente das dificuldades envolvidas nados na Itália, por um período de 30 dias […]” para a destinação dos resíduos de (trecho da entrevista). Este processo se repetiu até borracha, a empresa criou uma nova estarem totalmente aptos a começar o processo de unidade de reciclagem, que com um produção. Esta capacitação dos colaboradores da processo de fabricação inovador, já empresa no desenvolvimento de suas habilidades possibilita a reciclagem de grande par- confirma o teor da literatura revisada, com desta- te dos resíduos gerados. (Relado do que para Davila, Epstein and Shelton (2012) que entrevistado). indicam a necessidade de aplicar recursos em áre- as estratégicas, neste caso, no capital humano da A criação desta empresa também atendeu os organização. Da mesma forma é corroborado pelo pressupostos teóricos da abordagem de Prahalad exposto no Manual de Oslo (OCDE, 2005) que (2010), que afirma que a inovação deve represen- aponta os colaboradores como recurso-chave de tar uma nova forma de interpretar a realidade, um uma empresa inovadora. novo modelo mental, priorizando funcionalidade,

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coordenação e operacionalização que contemplem monitora os concorrentes, tanto nacionais como a preservação ambiental. A Alfa adotou esta teoria internacionais, desenvolvendo novos produtos e/ em prática por meio da verticalização da cadeia ou customizando os já existentes, assegurando a produtiva. sua competitividade, atendendo mercados já con- solidados e com chances de expandir a atuação 5.3 Desenvolvimento de novos para outros nichos. produtos Schumpeter (1982) destaca a importância 5.4 Inovação de processos de observar as necessidades dos clientes, pois são Segundo Terra (2009), independentemente eles que definem o seu produto. No início das ati- do foco da organização, o objetivo principal deve vidades da Alfa, eram produzidos apenas anéis, ser sempre o posicionamento estratégico, visando diafragmas, buchas, gaxetas, retentores, perfis, a facultar a ampliação e a capacitação tecnológi- mangueiras, lençóis de borracha e outros com- ca da empresa. Ao analisar as práticas adotadas ponentes para indústrias diversas. “Em 1969, foi pela Alfa, nota-se que a organização mantém uma criado o setor de flutuadores, que produzia ini- constância quanto à inserção de métodos inova- cialmente boias feitas com uma resina sintética dores em diversas áreas, as quais convergem e a de natureza plástica (ebonite) expandida para uso levam ao seu objetivo. em tanques de combustível […]” (conforme análi- Como um processo inovador, pode-se citar a se documental). Logo após, iniciou a produção de criação da unidade de reciclagem, Delta, que pos- boias de ebonite para carburadores de automóveis. sibilitou a destinação adequada dos resíduos gera- Correspondendo à ideia de Schumpeter (1982), de- dos pelas outras companhias do grupo, agregando fendida também por Porter (1989), entre outros este como um processo final na cadeia produtiva autores, em relação à inovação de produtos, a em- da Alfa. Historicamente, a Alfa vem realizando presa alcançou, desta forma, um nível superior de investimentos na otimização dos seus processos diferenciação em relação à concorrência, abran- produtivos com a intenção de reduzir as perdas gendo uma área de mercado maior. O exposto de materiais. Este processo, interpretado à luz também é defendido por Brabandere (2006), que do texto de Barbieri, Álvares e Cajazeira (2009), sugere que a gestão organizacional tem o dever de evidencia a capacidade da empresa de gerir a ino- fomentar novas ideias, inovadoras e, assim, “in- vação e administrar o fluxo de informações em ventar futuros”. um ambiente conectado com as diversas etapas do “Na década de 80, a Alfa desenvolveu a fabri- processo de inovação. cação de diafragmas em borracha SBR (borracha A organização está voltada para o atendi- sintética) e EPDM (borracha de etileno – propile- mento das necessidades e expectativas dos clien- no) para sistemas de freio […]” (documentos da tes, incentivando seus colaboradores na busca de empresa). Esta sequência de inovações concebidas melhoria contínua, otimizando recursos e estimu- confirma as afirmações de diversos autores, como lando a gestão participativa. O entrevistado relata de Tidd e Bessant (2015), segundo os quais, cabe à que “[…] a empresa vem investindo bastante no empresa, ao perceber a oportunidade de mercado, quesito meio ambiente, construíram a estação de agir proativamente para se organizar de maneira tratamento de seus efluentes, programas 5S, re- a explorar essa chance. Nesta perspectiva, desde a colhimento de óleo de cozinha, pilhas e baterias globalização, no início da década de 1990, a Alfa […]”. Estas ações foram operacionalizadas com

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base em resultados de pesquisa junto a clientes, tecnológico, inspirada nos ideais de seu fundador por meio de grupos focais, estando em alinhamen- […]” (dados da pesquisa documental). Brabandere to com a recomendação de Schumpeter (1982), (2006) afirma que o administrador modifica o que ressaltou a importância de priorizar as neces- cenário e inventa o futuro, de tal forma que pro- sidades dos clientes, e de Prahalad e Ramaswany move mudanças para todos os níveis da empresa, (2004), que sugeriram que as empresas criem valor pois influencia os colaboradores da organização a e se interconectem com seus consumidores a fins contribuírem de maneira assertiva diante do cená- de extrair valor econômico desta relação. rio que se modifica constantemente. Em 2001, a Alfa aprimorou a fabricação Em 2011, a Alfa investiu em novas tecnolo- de diafragmas para freios a ar investindo numa gias para fabricação de compostos em silicone, nova linha de produção voltada à exportação para consolidando-se como um dos maiores processa- Europa e Ásia. Conquistou as certificações ISO dores de silicone sólido para aplicações automo- 9001 (gestão da qualidade) e TS 16949 (gestão da tivas no Brasil. Ampliou o mercado de reposição qualidade para indústria automotiva) e, ao longo com considerável inserção de seus produtos nesse da década, também obteve o certificado ambien- segmento. Porter (1989) afirma que a evolução tal ISO 14001 (gestão ambiental). O investimento tecnológica é consideravelmente o aspecto mais em certificação de processos vem ao encontro de relevante da inovação, pois modifica as regras da Tidd e Bessant (2015), que expõem a relevância de concorrência e eleva a empresa inovadora a um abrir novos mercados por meio da inovação. Com patamar superior pela diferenciação. as certificações obtidas, a empresa potencializa suas chances de conquista de novos mercados, que 5.5 Gestão de colaboradores valorizam os investimentos da organização em Sabendo da importância de ter um grupo de melhorias em seus produtos e processos, conforme colaboradores capacitados, a empresa estruturou expõem Tidd e Bessant (2015). um corpo técnico especializado e hoje é referência na fabricação de artefatos de borracha no Brasil. A Alfa foi uma das primeiras indús- Conta com aproximadamente 400 colaboradores trias de borracha na América Latina que se atualizam, de modo constante, com as me- a ser recomendada para o recebimento das certificações ISO 9001:2000 e TS lhores práticas de produção e gestão. Segundo o 16949:2002 (atualmente nas revisões texto de Manual de Oslo (OCDE, 2005), as pes- ISO 9001:2008 e ISO/TS 16949:2009, soas devem ser consideradas e tratadas como re- respectivamente), que habilitam a em- cursos-chave da organização e é esta a realidade presa a fornecer produtos a qualquer percebida na Alfa. Para isso, ela investe em pro- planta automotiva no mundo. (Relato gramas de auxílio à formação e qualificação pro- do entrevistado). fissional, bem como dispõe de um pacote de be- nefícios visando a reconhecer o seu maior capital: Além do seu comprometimento com a qua- as pessoas. O empenho da empresa em valorizar lidade, a empresa também estruturou um sistema seus colaboradores vai ao encontro da literatura de gestão ambiental robusto, certificado de acor- revisada, em especial, do Manual de Oslo (OCDE, do com a norma ISO 14001:2004. “A trajetória 2005), que destaca a relevância da capacitação dos de sucesso da Alfa é marcada pelo pioneirismo colaboradores, pois o capital humano detém co-

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nhecimento sobre inovação e a carência de pessoal Prahalad e Krishnan (2008) que afirmam que as qualificado dificulta o processo de inovação. empresas devem criar conexões entre a estratégia, O ambiente organizacional da empresa Alfa os modelos de negócio e os processos internos. pode ser considerado conservador, pois os horá- rios de trabalho são fixos e controlados, e a pontu- alidade e assiduidade são cobradas. “Os horários 6 Considerações finais são rigorosos, se houver atrasos o colaborador é advertido. Então, a pontualidade e assiduidade são Ao analisar os resultados obtidos, tanto na bastante cobradas, mas em geral, é uma boa em- entrevista com o gestor da empresa quanto na presa para se trabalhar […]” (relato do entrevista- análise documental, foi possível constatar um do). Em contrapartida, ela oferece para seus cola- conjunto de decisões de cunho estratégico que boradores diversos benefícios, tais como refeitório moldaram os processos internos de forma a esti- na empresa, enfermaria, plano de saúde, plano de mular a inovação. Nesta perspectiva, destacam- carreira, vale cesta básica, auxílio educação. “O se estratégias que visam a aperfeiçoar processos auxílio educação é algo recente na empresa e pos- internos e a buscar novas alternativas de produ- sibilitou a muitas pessoas se especializarem e cres- ção com parcerias internacionais. A estratégia da cerem profissionalmente” (relato do entrevistado). organização foi evidenciada pela triangulação de Davila, Epstein and Shelton (2012) abordam a dados empíricos, sendo destacada a partir da per- necessidade da clareza e transparência do negócio cepção de gestores que visualizam as oportunida- da empresa para os colaboradores. No entanto, ao des de mercados e trabalham para viabilizá-las e mesmo tempo em que o ambiente organizacional criar valor para a empresa. é pautado pela disciplina, com base na valorização Além de propiciar, desta forma, o desenvol- do senso de comprometimento e responsabilidade vimento interno da organização, entende-se, com de cada colaborador, a empresa procura ser justa base em evidências empíricas, que a empresa tem e igualitária no tratamento dispensado a todos os posicionamento estratégico fundamentado na ino- trabalhadores, independentemente da posição hie- vação. Além disso, ela prioriza a interação com os rárquica ocupada. consumidores, o que suscitou a valorização cres- “Cada novo colaborador passa por um trei- cente de políticas voltadas para a preservação do namento em todos os setores da empresa a fim de meio ambiente. Esta realidade percebida orientou demonstrar a importância de cada processo […]” os investimentos organizacionais, notadamente na (relato do entrevistado). Desta forma, estimula- abertura de novas unidades, que facultaram a ver- se a multidisciplinaridade, de modo a garantir o ticalização da cadeia produtiva desde a concepção atendimento de especificações e requisitos técni- dos produtos até a fase de descarte, evitando des- cos, cada vez mais rigorosos, no segmento auto- perdícios. Foi possível constatar, também, que a motivo. A empresa participa de diversos congres- gestão valoriza seu quadro de colaboradores e os sos e feiras, com o propósito de identificar e buscar incentiva a contribuir com organização oferecendo soluções inovadoras para o desenvolvimento de treinamentos no exterior e também um ambiente novos compostos e aperfeiçoar os processos de interno adequado à suas atividades e necessidades. produção utilizados. Tais práticas de capacitar os Quanto ao desenvolvimento de novos pro- colaboradores e analisar as técnicas adotadas por dutos, identificou-se a relação entre as atividades outras companhias vão ao encontro do citado por da empresa e a observância das necessidades dos

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Recebido em 28 jul. 2016 / aprovado em 8 set. 2016

Para referenciar este texto THEIS, V. et al. Gestão da inovação em uma empresa do setor de borracha e termoplástico. Exacta – EP, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 15-29, 2016.

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