38º Encontro Anual da ANPOCS

GT18 - Instituições judiciais, agentes e repercussão pública

2º Sessão - Conflitos morais e lutas políticas nos tribunais

Supremo Tribunal Federal – a dimensionalidade da votação

Fabiana Luci de Oliveira

Caxambu, 27 a 31 de Outubro de 2014 Processo decisório no Supremo Tribunal Federal – a dimensionalidade da votação Fabiana Luci de Oliveira1

Resumo

O artigo discute a formação de grupos de votação no STF, enfocando as alterações de composição do tribunal, verificando o impacto da trajetória de carreira dos ministros na determinação da composição dos grupos e no processo decisório do STF. A discussão se insere no debate teórico sobre comportamento judicial e relações entre Judiciário e política. O cerne está na dinâmica decisória interna, visando mapear fatores capazes de explicar o comportamento de voto dos juízes. Três modelos teóricos estão em disputa: legal, atitudinal e estratégico, com a articulação de suas características principais nas abordagens neoinstitucionais. No Brasil, o modelo atitudinal é criticado a partir do questionamento de sua aplicabilidade à nossa realidade, e à dificuldade de operacionalização da ideologia dos juízes. O artigo se posiciona nesta discussão ao buscar responder se importa quem está sentado no STF no momento da decisão e se e como é possível testar o papel da ideologia dos ministros. Para isso, são analisadas ADIns decididas de forma majoritária entre 1995-2012, buscando explicar o dissenso, e entender o papel da trajetória de carreira dos ministros nessas divisões. Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal, processo decisório, comportamento judicial, dissenso, ideologia, trajetória de carreira.

Introdução

O objetivo central do paper é discutir a formação de grupos e a constituição de redes de votação no Supremo Tribunal Federal, enfocando as alterações de composição da corte ao longo de dezessete anos (1995-2012), verificando o impacto da trajetória de carreira dos ministros (e de outras variáveis) na determinação da composição dos grupos (redes) e no processo decisório do STF.

Essa discussão se insere em um debate teórico mais amplo sobre comportamento judicial e relações entre Poder Judiciário e política, pensando a forma pela qual os tribunais participam do processo decisório. O debate tem se constituído em pelo menos quatro âmbitos: do desenho institucional, focando as características e ferramentas que

1 Professora do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos. Bolsista Produtividade CNPq. O paper apresenta os resultados iniciais de pesquisa que conta com financiamento da FAPESP. A autora agradece as alunas de iniciação científica Sarah Pereira e Simone Braghin pela dedicação na coleta e codificação dos dados das ADIns.

1 possibilitam ao Judiciário ter impacto nas decisões políticas2; da mobilização dos tribunais por atores políticos diversos, e a consequente formação de uma agenda temática a partir da alçada de assuntos de impacto politico, econômico e social aos tribunais3; da dinâmica interna, ou seja, do processo de decisão e das respostas que os tribunais têm dado4; e da reação dos diversos atores às decisões do tribunal (compliance)5.

Embora o projeto que dá origem ao paper passe por esses quatro âmbitos, o cerne aqui é a dinâmica decisória interna, inserindo-se em uma agenda de pesquisas empíricas que busca mapear os fatores e as características capazes de explicar o comportamento de voto dos juízes que integram os tribunais superiores. Esta agenda têm sido influenciada por três modelos teóricos principais, elaborados para entender o comportamento da Suprema Corte norte-americana: legal, atitudinal e estratégico, e pela articulação de características desses três modelos nas abordagens neoinstitucionais.

No Brasil, o modelo atitudinal tem sido bastante criticado, a partir do questionamento da sua capacidade de ser aplicado à realidade jurídica e política do país, especialmente pela dificuldade de se operacionalizar sua variável central: a ideologia dos juízes. Uma vez que classificação da ideologia tem se dado a partir de posições liberais

2 Ver entre outros: ARANTES, Rogério Bastos (1997). Judiciário e Política no Brasil. São Paulo, Idesp: Sumaré: Fapesp: Educ. VIEIRA, Oscar Vilhena (1994). Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais. TAYLOR, Matthew (2008). Judging Policy – Courts and Policy Reform in Democratic . Stanford University Press. 3 Ver entre outros: TAYLOR, Matthew. (2007), “O Judiciário e as políticas públicas no Brasil”. Dados, 50 (2): 229-257. PACHECO, Cristina Carvalho. (2008), “Os estudos sobre judiciário e política no Brasil pós- 1988: uma revisão da literatura”. Pensar, Fortaleza, 13 (1): 75-86. MACIEL, Débora Alves & KOERNER, Andrei (2002). “Sentidos da Judicialização da política: duas análises”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 57: 113-133. SADEK, Maria Tereza Aina (2011), “O Judiciário e a arena pública”, in Lourdes Sola e Maria Rita Loureiro, Democracia, mercado e Estado: o B de Brics, Rio de Janeiro, Editora FGV. CARVALHO NETO, Ernani (2009). Judicialização da política no Brasil: controle de constitucionalidade e racionalidade política. Análise Social, vol. XLIV (191), p. 315-335. 4 Ver entre outros: OLIVEIRA, Fabiana Luci de. (2012). Supremo Relator: Processo decisório e mudanças na composição do STF nos governos FHC e Lula. RBCS, vol. 27, n:80, p. 89-115. SUNDFELD, Carlos Ari et al (2010). Controle de constitucionalidade e judicialização: o STF frente à sociedade e aos Poderes - Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. 5 Ver entre outros: KAPISZEWSKI, Diana and TAYLOR, Matthew M. (2008). Doing Courts Justice? Studying Judicial Politics in Latin America. Perspectives on Politics, , pp 741-767. OLIVEIRA, Vanessa Elias (2005). “Judiciário e Privatizações no Brasil: existe uma judicialização da política?” Revista de Ciências Sociais, vol. 48, n. 3, p. 559-587.

2 versus conversadoras, a opção no Brasil tem sido priorizar a filosofia judicial, classificada como ativismo versus contenção judicial6.

Nos Estados Unidos, a classificação da ideologia dos juízes da Suprema Corte têm se dado de três formas principais – (i) pelo modelo de escalonamento desenvolvido por Schubert (1965) 7 , dimensionando o voto de juízes em decisões anteriores e verificando a tendência de cada juiz em manter percepções consistentes em seus votos em casos parecidos. Esse método foi criticado pela falta de independência em utilizar decisões anteriores para prever decisões futuras; (ii) pelo modelo de atributos (Ulmer, 19738; Tate e Handberg, 19919), que usa características pessoais dos juízes para predizer seus votos (como gênero, faculdade de formação, classe social, e também o partido político do governo de nomeação); e pela cobertura midiática (Segal e Cover, 198910), analisando editoriais de jornais acerca da vida pregressa dos juízes antes de ingressarem no tribunal.

A pesquisa que dá origem ao paper testa estas diferentes formas de mensurar a ideologia dos ministros do Supremo Tribunal Federal, observando as clivagens entre os ministros do Supremo em casos de controle de constitucionalidade das leis, buscando responder se importa quem está sentado ao tribunal no momento da decisão desses casos.

Para isso, analisamos as ADIns (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) com decisão final no período de 1995 a 2012, com destaque para os casos que provocaram divisões no tribunal (decisões majoritárias). Buscamos identificar os motivos e as consequências do dissenso, discutindo se e como a trajetória de carreira dos ministros

6 Ver entre outros KAPISZEWSKI, Diana (2010). How Courts Work: Institutions, Culture, and the Brazilian Supremo Tribunal Federal.In: COUSO, Javier A. et ali (org). Cultures of Legality Judicialization and Political Activism in Latin America, Cambridge University Press. KOERNER, Andrei. Ativismo Judicial? Jurisprudência Constitucional e política no STF pós-88. Novos estud. - CEBRAP, São Paulo , n. 96, p. 69-85. 7 Schubert, Glendon. (1965). The Judicial Mind: the attitudes and ideology of Supreme Court Justices, 1946-1963. Evanston: Northwestern University Press. 8 Ulmer, Sidney. (1973). Social Background as an indicator of the votes of Supreme Court Justices in Criminal Cases: 1947-1956 terms. American Journal of Political Science, 17: p. 622-30. 9 Tate, N. e Handberg, R. (1991). Time Biding and theory building in personal attribute models of Supreme Court Behavior, 1916-1988. American Journal of Political Science, 35: p. 460-80. 10 Segal, J. A. e Cover, A. D. (1989). Ideological Values and the votes of US Supreme Court Justices. American Political Science Review, 83: p. 557-65.

3 influencia no grau de divergência entre eles, e quais outras características ajudam a entender tais divisões11.

Como já ressaltado, aqui são apresentados e discutidos apenas os dados iniciais da pesquisa, estando assim os resultados e a discussão sujeitos a revisões significativas.

O paper que segue está estruturado em três seções: a primeira cobrindo o perfil da agenda decisória do STF em controle de constitucionalidade no período analisado e o perfil dos atores que acionam o tribunal; a segunda voltada ao processo decisório interno, identificando os elementos que ajudam a entender o dissenso no Supremo; e a terceira enfocando a constituição das redes de votação no Supremo.

I. Agenda decisória em controle de constitucionalidade no STF entre 1995-2012

A partir do trabalho de Falcão, Cerdeira e Arguelhes (2013) sabemos que o Supremo em pouco mais de 20 anos proferiu 1,3 milhões de decisões, sendo 91% deste montante em sede recursal. E a partir das estatísticas do STF, vemos que no período de outubro de 1988 a julho de 2014, foram proferidas 3.530 decisões em sede de ADIn, sendo 2.493 decisões finais – objeto central de interesse da presente pesquisa. Aqui cobrimos as 2.090 decisões finais entre os anos de 1995 e 2012. Conforme já observado por outras pesquisas (Werneck Vianna, 1999; 2007), há um predomínio de diplomas estaduais sendo questionados nas ADIns, correspondendo a 62% do total de ações julgadas no período; 26% dos diplomas são federais, 9% têm origem no Judiciário e outros 2% são de outras origens, como municípios, Ministério Público e conselhos profissionais.

E quando observamos os principais autores ou requerentes dessas ações, vemos que os governadores lideram, responsáveis por 28% do total de ADIns, seguidos de perto por associações, confederações e sindicatos.

Vianna et al (2007: 43-45) já haviam observado que no período pré-governo FHC, do montante de 1.184 ADIns impetradas, os governadores e a Procuradoria-Geral da República foram responsáveis cada um por 28% do total de ações, seguidos de perto pelas associações, com 25% do total.

11 Numa continuidade e refinamento de pesquisa anterior, publicada em OLIVEIRA, Fabiana Luci. (2012). Processo decisório no Supremo Tribunal Federal: coalizões e “panelinhas”. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 44, p. 139-153.

4 Durante o governo FHC os partidos políticos se destacam, sendo que das 1.631 ADIns propostas, 28% foram de partidos políticos (contra 13% no período pré-FHC). Os governadores e as associações continuam tendo forte presença, com 27% e 26% do total de ações impetradas respectivamente. Já a Procuradoria-Geral da República reduziu sua atuação, sendo responsável por apenas 11% do total de ações propostas no período. Os autores observam que nos três primeiros anos do governo Lula a Procuradoria- Geral da República volta a ter destaque, sendo responsável por 36% das 830 ADIns impetradas, vindo na sequência as associações, com 23%, e os governadores, com 21% do total. Os partidos reduzem sua participação, sendo autores de 14% das ADIns. Apesar de alternância no predomínio dos requerentes entre os períodos, no geral notamos que há um relativo equilíbrio na participação desses quatro atores: Governadores, Procurador-Geral da República, Associações e Partidos Políticos. No período consta, também, o arquivamento e não conhecimento de 30 ADIns monocraticamente por serem provenientes de atores não legitimados, correspondendo a pessoas físicas, prefeitos e câmara de vereadores (agrupados em município), sendo que pessoas físicas tentaram checar ao STF via ADIn sobretudo para questionar diplomas do próprio judiciário, como acórdãos e resoluções judiciais.

Tabela 1. Requerentes das ADIns N % Governador 576 28 Associação/Confederação/Sindicato 510 24 Partido Político 457 22 Procurador-Geral da República 413 20 OAB 80 4 Mesa Assembléia 23 1 Pessoa Física 22 1 Município 8 0,4 Presidente da República 1 0,0 Total 2090 100 Fonte: Elaboração própria, a partir das 2.090 ADIns julgadas entre 1995-2012

Em termos de atores questionados, temos o Legislativo Estadual, seguido do Governo Estadual (categoria que reúne mais de um requerido no nível estadual, podendo ser o Governador e a Assembleia, ou alguma secretaria do governo ou ainda o Tribunal de Contas do Estado) – juntas essas duas categorias representam 57% dos requeridos nas ações julgadas nesse período. Em terceiro lugar aparece o Governo Federal (reunindo também mais de um ator questionado, podendo ser o Executivo e o Legislativo, ou ainda algum Ministério,

5 Agência Reguladora, ou o Tribunal de Contas da União), seguido pelo Executivo Federal, ambos totalizando 22% dos atores questionados nessas ADIns.

Tabela 2. Requeridos nas ADIns N % Legislativo Estadual 602 29 Governo Estadual 578 28 Governo Federal 261 12 Executivo Federal 219 10 Judiciário 200 10 Executivo Estadual 114 5 Legislativo Federal 63 3 Município 36 2 Ministério Público 13 1 Conselhos 4 0 Total 2090 100 Fonte: Elaboração própria, a partir das 2.090 ADIns julgadas entre 1995-2012

Uma das variáveis centrais para a compreensão da atuação do Supremo é o assunto em discussão no tribunal. O tipo de caso em julgamento pode ser um importante preditor para a formação de redes – e esta variável será testada aqui. Mas além disso é a partir do tema e da temática em disputa que se tem acesso à agenda do Supremo, ou seja, às questões que têm sido levadas ao Tribunal, os temas sobre os quais ele tem sido chamado a responder. Vianna et al (2007) observaram que 60% de todas as ADIns que ingressaram no STF entre 1988 e 2005 referiam-se a assuntos ligados à administração pública, embora não seja possível a partir de seus dados identificar especificamente o peso que cada aspecto da administração pública tem nesses questionamentos. Seus dados indicam também que 13% das ações tratam de assuntos tributários, 12% da regulação da sociedade civil, 6% da regulação da economia, 4% de politica social, 3% de regulação da competição política, e 2% de relações de trabalho. Ao desdobrar nesta pesquisa a classificação da administração pública em três frentes, notamos que a discussão acerca da regulamentação de carreiras e de prerrogativas de cargos (reunidos aqui na categoria “agentes públicos”) ocupa 41% de toda a agenda de controle concentrado do tribunal em sede de ADIn – o que torna o tribunal uma espécie de departamento pessoal do Estado, ou um “Supremo RH”. Outros 14% tratam de questões da administração pública relativas às finanças públicas, à política orçamentária, ao processo legislativo, à criação e delimitação de municípios, às licitações e concessões de serviços públicos, e a separação de poderes (categoria “administração pública”). E 7% referem-se à administração das instituições da justiça, englobando

6 emolumentos, precatórios, direito processual, e as políticas de segurança pública no tocante à atuação das polícias civil e federal (categoria “administração da justiça”). Ou seja, 62% de tudo o que o STF decidiu em termos de controle concentrado via ADIn foi referente à organização do Estado, e às carreiras de seus agentes e servidores. Apenas 15% das ações tratam de assuntos de maior impacto para a sociedade civil, como políticas de direitos sociais, civis, direitos do consumidor, meio ambiente, entre outros. A agenda temática do Supremo em controle direto de constitucionalidade faz com que o que tem se chamado de “judicialização da política” no Brasil, gire em torno do funcionamento do próprio Estado, afetando muito pouco políticas públicas de alcance mais amplo.

Tabela 3. Tema das ADINS N % Agentes públicos 849 41 Sociedade civil 311 15 Administração pública 301 14 Política tributária 215 10 Regulação da economia 175 8 Administração da justiça 144 7 Competição política 95 5 Total 2090 100 Fonte: Elaboração própria, a partir das 2.090 ADIns julgadas entre 1995-2012

Evidente que o Supremo é um ator reativo, dependendo dos legitimados para levarem as questões até ele. Mas torna-se preocupante quando detalhamos o que tem sido debatido na temática agentes públicos e percebemos que 45% das questões referem-se às próprias carreiras da justiça e à organização do Judiciário. Esses dados sobre os assuntos e as temáticas específicas sendo discutidos num tribunal que recebe cerca de 30 mil processos por ano - o que segundo Falcão, Cerdeira e Arguelhes (2013: 307), demandaria “118 decisões por dia, 15 decisões por hora de trabalho ou mais de uma decisão por hora por ministro”- explicitam a necessidade de promover-se um debate em torno do tipo de instituição máxima da justiça que a democracia brasileira requer e almeja: o colegiado de uma corte suprema deveria dedicar cerca de metade de seu tempo no controle concentrado para decidir sobre questões afetas ao funcionalismo público? Essa é uma questão central ao debate das relações entre judiciário e política no Brasil, mas que foge ao escopo desse paper.

7 Os atores que mais têm levado questões afetas ao funcionalismo público ao STF são o Procurador-Geral da República, a Ordem dos Advogados do Brasil e os governadores, havendo grande participação também das associações de classe e dos partidos políticos.

É preocupante que instituições representativas como são os partidos políticos dediquem tanto esforço a essa temática – 32% das ADIns de partidos políticos são referentes aos agentes públicos, sendo a temática mais frequente de sua atuação no tribunal, vindo em segundo lugar questões de administração pública, com 24% do total de sua atuação.

Feita essa descrição do perfil das ADIns, e dos atores envolvidos no acionamento do Supremo, focamos agora no processo decisório.

II. Dinâmica decisória no STF entre 1995-2012

O primeiro aspecto a ser observado no estudo do processo decisório é a composição do colegiado. Um fato já notado e criticado pelos estudiosos do Supremo é o percentual elevado de casos decididos de forma monocrática. No período em análise foram 935 ADIns (ou 45% do total) com decisão monocrática. A Lei 9.868/99, prevê em seu artigo quarto que “a petição inicial inepta, não fundamentada e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator”, cabendo agravo neste caso. Note-se que a maioria dessas decisões são tomadas monocraticamente como decisões finais, e por isso integram a base de dados.

Falcão, Cerdeira e Arguelhes (2013) afirmam que esse comportamento decisório monocrático deturpa o perfil institucional do STF. E constatam essa realidade ao verificarem que das 1,3 milhões de decisões proferidas entre 1988 e 2009, 87% foram tomadas monocraticamente; 11,6% nas turmas e menos de 1% no plenário.

Tabela 4. Forma como colegiado votou N % Monocrática 935 45 Unânime 814 39 Majoritária 341 16 Total 2090 100 Fonte: Elaboração própria, a partir das 2.090 ADIns julgadas entre 1995-2012

Os temas que mais foram decididos monocraticamente foram os ligados à competição política, à política tributária e à regulação econômica. As decisões

8 monocráticas não são foco dessa pesquisa, mas dada a vasta produção de dados nesse aspecto, tornar-se-á questão a ser abordada futuramente de forma mais detalhada.

Monocrá2ca$ Unânime$ Majoritária$

100%$ 8%$ 16%$ 15%$ 90%$ 17%$ 21%$ 21%$ 21%$ 80%$ 36%$ 70%$ 27%$ 24%$ 32%$ 40%$ 60%$ 38%$ 45%$ 50%$ 40%$

30%$ 56%$ 56%$ 55%$ 47%$ 45%$ 20%$ 42%$ 39%$ 10%$ 0%$ Compe2ção$ Tributária$ Econômico$ Administração$da$ Administração$ Sociedade$Civil$ Agentes$Públicos$ polí2ca$ Jus2ça$ Pública$ Gráfico (1) Comportamento do colegiado de acordo com o tema geral das ADINS Fonte: Elaboração própria, a partir das 2.090 ADIns julgadas entre 1995-2012

Aqui, interessam as decisões do plenário e mais especificamente aquelas que dividiram a corte – considerando apenas as ADIns julgadas pelo colegiado, 70% foram decididas com unanimidade, 30% de forma majoritária.

Quando observamos o resultado das ADIns, excluindo as decisões monocráticas, notamos que o STF não tem sido nada tímido em se posicionar de forma a declarar a inconstitucionalidade dos diplomas normativos questionados: 53% das ações foram julgadas procedentes, e 15% parcialmente procedentes – o que indica que o Supremo tem acolhido as demandas que chegam até ele de forma bastante responsiva aos demandantes.

Mas a situação varia dependendo da origem do diploma questionado: o STF parece mais cauteloso ao decidir sobre diplomas federais. Ainda é preciso observar os detalhes desses questionamentos para uma análise mais precisa, mas não podemos desconsiderar nessa análise o que afirmam Kapiszewski e Taylor (2008),

…it is undeniably the case that governments often act constitutionally (implying that judicial endorsement of their actions cannot be equated with either deference or subservience). Further, opposition political forces frequently use the judiciary to challenge perfectly legal and constitutional governmental policies as an extension of their political strategies elsewhere in the political system. Third, even courts widely considered to be independent more frequently than not rule in favor of the government. Finally, dependent courts are perfectly capable of selectively challenging governments: for instance, case selection mechanisms (especially in high courts) may permit judges to issue challenging rulings in less highly charged cases that fall within the “tolerance interval” of the executive and legislative branches, while avoiding more controversial cases. (Kapiszewski e Taylor , 2008: 749).

9 Observando as respostas do STF ao longo do tempo (tabela 6) não parece haver grandes oscilações, com exceção de uma aparente mudança na orientação entre ações não conhecidas e julgadas prejudicadas.

No que diz respeito aos assuntos, as temáticas em que o STF mais interveio foram “agentes públicos” e “sociedade civil”, julgando mais da metade das ações procedente. E a que menos interveio foi a competição política – isso porque muitos dos questionamentos referem-se à decisões do TSE, corte na qual há ministros do próprio STF.

Tabela 5. Sentido da decisão final (mérito) Total Excluindo monocráticas N % N % Procedente 606 29 606 53 Prejudicado 464 22 55 5 Não conhecido/Não provido 392 19 138 12 Negado seguimento 202 10 2 0,2 Improcedente 184 9 178 15 Parcialmente procedente 173 8 173 15 Arquivado/Extinto 69 3 3 0,3 Total 2090 100 1155 100 Fonte: Elaboração própria, a partir das 2.090 ADIns julgadas entre 1995-2012

Tabela 6. Sentido da decisão final (mérito), de acordo com governo de decisão 1995–1998 1999-2002 2003-2006 2007-2010 2011-2014 Total Improcedente 9% 5% 10% 10% 8% 9% Procedente 26% 25% 32% 31% 26% 29% Não conhecido/Não provido 44% 34% 18% 5% 3% 19% Prejudicado 12% 19% 23% 24% 29% 22% Parcialmente procedente 10% 6% 8% 9% 13% 8% Negado seguimento 0% 11% 9% 11% 12% 10% Arquivado/Extinto 0% 0% 0% 10% 8% 3% Total 104 525 775 491 194 2090 Fonte: Elaboração própria, a partir das 2.090 ADIns julgadas entre 1995-2012

Procedente$ Parcialmente$procedente$ Improcedente$ Não$conhecido$ Prejudicado$

100%$ 5%$ 5%$ 4%$ 4%$ 3%$ 2%$ 7%$ 11%$ 12%$ 12%$ 90%$ 12%$ 10%$ 12%$ 16%$ 15%$ 80%$ 10%$ 15%$ 15%$ 15%$ 20%$ 70%$ 18%$ 16%$ 36%$ 22%$ 22%$ 60%$ 15%$ 14%$ 14%$ 17%$ 50%$ 13%$ 13%$ 40%$ 19%$ 30%$ 60%$ 54%$ 53%$ 49%$ 49%$ 20%$ 42%$ 40%$ 29%$ 10%$

0%$ Total$ Agentes$Públicos$ Sociedade$Civil$ Administração$ Econômico$ Tributária$ Administração$da$ CompeIção$ Pública$ JusIça$ políIca$ Gráfico (2) Sentido da decisão final (mérito), de acordo com tema da ADIN Fonte: Elaboração própria, a partir das 1.155 ADIns julgadas entre 1995-2012 (excluindo monocráticas)

Para os propósitos da pesquisa, foi importante identificar as composições ou cortes que se alternaram no STF ao longo do período analisado. A partir do quadro 1 verifica-se que houve treze diferentes composições ao longo desses dezessete anos –

10 catorze quando considerarmos a nomeação de Roberto Barroso – mas este ministro só entrará na análise quando se completar a base das decisões até 2013, em decorrência do baixo volume de ADIns das quais participou em 2012.

Uma primeira exploração a fazer com relação às cortes é observar o comportamento decisório a partir do resultado final das ADIns julgadas. Os dados apresentados no gráfico 3 indicam que as cortes 12, 6, 3 e 7 foram as que mais proferiram decisões monocráticas. E quando excluímos as decisões monocráticas da base, as cortes 10, 2 e 6 foram as mais divididas – a corte 13 ainda apresenta poucos casos, restando ser completada a base para que se possa trabalhar com essa composição.

Quadro (1). Composições (cortes) no STF entre 1995-2013 Moreira Alves; Néri da Silveira; Sydney Sanches; Octavio Gallotti;Sepúlveda Pertence; Celso de Mello; 16 Dez 1994 - 15 Abr 1997 1 Carlos Velloso; Marco Aurélio; Ilmar Galvão; Francisco Rezek; Maurício Corrêa (Paulo Brossard) Moreira Alves; Néri da Silveira; Sydney Sanches; Octavio Gallotti;Sepúlveda Pertence; Celso de Mello; 16 Abr 1997 - 22 Nov 2000 2 Carlos Velloso; Marco Aurélio; Ilmar Galvão; Maurício Corrêa; Nélson Jobim (Francisco Rezek) Moreira Alves; Néri da Silveira; Sydney Sanches; Sepúlveda Pertence; Celso de Mello; Carlos Velloso; 23 Nov 2000 - 26 May 2002 3 Marco Aurélio; Ilmar Galvão; Maurício Corrêa; Nélson Jobim; Ellen Gracie (Octavio Gallotti) Moreira Alves; Sydney Sanches; Sepúlveda Pertence; Celso de Mello; Carlos Velloso; Marco Aurélio; 27 May 2002 - 24 Jun 2003 4 Ilmar Galvão; Maurício Corrêa; Nélson Jobim; Ellen Gracie; (Néri da Silveira) Sepúlveda Pertence; Celso de Mello; Carlos Velloso; Marco Aurélio; Maurício Corrêa; Nélson Jobim; 25 Jun 2003 - 14 Jun 2004 Ellen Gracie; Gilmar Mendes; Cesar Peluso; Ayres Britto; Joaquim Barbosa (Moreira de Barros; Ilmar 5 Galvão; Sydney Sanches) Sepúlveda Pertence; Celso de Mello; Carlos Velloso; Marco Aurélio; Nélson Jobim; Ellen Gracie; Gilmar 15 Jun 2004 - 15 Feb 2006 6 Mendes; Cesar Peluso; Ayres Britto; Joaquim Barbosa ; Eros Grau (Maurício Corrêa) Sepúlveda Pertence; Celso de Mello; Marco Aurélio; Nélson Jobim; Ellen Gracie; Gilmar Mendes; Cesar 16 Feb 2006 - 20 Jun 2006 7 Peluso; Ayres Britto; Joaquim Barbosa; Eros Grau; (Carlos Velloso) Sepúlveda Pertence; Celso de Mello; Marco Aurélio; Ellen Gracie; Gilmar Mendes; Cesar Peluso; Ayres 21 Jun 2006 - 31 Dec 2006 8 Britto; Joaquim Barbosa; Eros Grau; Ricardo Lewandowski; Cármen Lúcia () Celso de Mello; Marco Aurélio; Ellen Gracie; Gilmar Mendes; Cesar Peluso; Ayres Britto; Joaquim 01 Jan 2007 - 01 Set 2009 9 Barbosa; Eros Grau; Ricardo Lewandowski; Cármen Lúcia; Menezes Direito (Sepúlveda Pertence) Celso de Mello; Marco Aurélio; Ellen Gracie; Gilmar Mendes; Cesar Peluso; Ayres Britto; Joaquim 23 Out 2009 - 02 Mar 2011 10 Barbosa; Eros Grau; Ricardo Lewandowski; Cármen Lúcia; (Menezes Direito) Celso de Mello; Marco Aurélio; Ellen Gracie; Gilmar Mendes; Cesar Peluso; Ayres Britto; Joaquim 03 Mar 2011 - 18 Nov 2011 11 Barbosa; Ricardo Lewandowski; Cármen Lúcia; Dias Toffoli; (Eros Grau) Celso de Mello; Marco Aurélio; Gilmar Mendes; Cesar Peluso; Ayres Britto; Joaquim Barbosa; Ricardo 19 Nov 2011 - 28 Nov 2012 12 Lewandowski; Cármen Lúcia; Dias Toffoli; Luiz Fuz; Rosa Weber (Ellen Gracie) Celso de Mello; Marco Aurélio; Gilmar Mendes; Ayres Britto; Joaquim Barbosa; Ricardo Lewandowski; 29 Nov 2012 - 25 Jun 2013 13 Cármen Lúcia; Dias Toffoli; Luiz Fuz; Rosa Weber; Teori Zavascki ()

Monocrá3ca# Unânime# Majoritária# Unânime# Majoritária# 100%# 100%# 12%# 8%# 8%# 10%# 90%# 18%# 19%# 90%# 16%# 16%# 16%# 20%# 20%# 29%# 25%# 22%# 24%# 34%# 32%# 33%# 31%# 32%# 33%# 80%# 39%# 37%# 80%# 5%# 46%# 38%# 27%# 70%# 70%# 45%# 34%# 57%# 40%# 60%# 29%# 43%# 60%# 81%# 39%# 47%# 50%# 50%# 88%# 40%# 76%# 40%# 82%# 81%# 61%# 71%# 67%# 66%# 68%# 68%# 69%# 30%# 58%# 30%# 61%# 63%# 54%# 55%# 45%# 50%# 44%# 48%# 20%# 37%# 36%# 35%# 31%# 20%# 10%# 7%# 10%# 19%# 0%# 0%# 1# 2# 3# 4# 5# 6# 7# 8# 9# 10# 11# 12# 13# 1# 2# 3# 4# 5# 6# 7# 8# 9# 10# 11# 12# Gráfico (3) Comportamento do colegiado, de acordo com composição da corte Fonte: Elaboração própria, a partir das 2.090 ADIns julgadas entre 1995-2012

11 Considerando o sentido da decisão a partir das cortes (gráfico 4), tem-se as cortes 11, 8, 9, 4 e 5 como as mais receptivas às demandas dos autores. Aqui é um ponto crucial para a análise entender as características dos ministros sentados à corte, assim como dos casos sendo discutidos, para compreender esses padrões.

Procedente$ Parcialmente$procedente$ Improcedente$ Não$conhecido$ Prejudicado$

100%$ 1%$ 0%$ 7%$ 4%$ 2%$1%$ 4%$ 3%$ 6%$ 7%$ 6%$ 7%$ 3%$ 5%$ 0%$ 13%$ 6%$ 7%$ 3%$ 1%$ 18%$ 90%$ 18%$ 19%$ 19%$ 21%$ 17%$ 18%$ 18%$ 80%$ 18%$ 34%$ 70%$ 34%$ 19%$ 11%$ 21%$ 48%$ 4%$ 13%$ 12%$ 60%$ 11%$ 17%$ 26%$ 16%$ 44%$ 50%$ 5%$ 40%$ 13%$ 6%$ 10%$ 30%$ 61%$ 60%$ 64%$ 61%$ 60%$ 55%$ 54%$ 46%$ 20%$ 45%$ 34%$ 29%$ 31%$ 10%$ 0%$ 1$ 2$ 3$ 4$ 5$ 6$ 7$ 8$ 9$ 10$ 11$ 12$ Gráfico (4) Resultado do mérito, de acordo com composição da Corte Fonte: Elaboração própria, a partir das 1.155 ADIns julgadas entre 1995-2012 (excluindo monocráticas)

Na observação das características (perfil) dos ministros, seguimos as orientações adotadas por Songer et al (2012). Os autores se voltam ao estudo da suprema corte canadense, buscando entender se no processo decisório judicial importa quem está sentado à corte no momento da decisão. Eles partem das críticas ao modelo atitudinal, e especialmente da dificuldade de “exportá-lo” a realidades externas ao cenário estadunidense, e propõem uma combinação de dimensões na forma de chegar ao perfil ideológico dos juízes da Suprema Corte, separando a classificação do perfil dos juízes em (i) ideologia judicial e (ii) filosofia judicial.

A ideologia judicial teria a ver com valores pessoais e atitudes políticas – ou seja, com a tendência de um juiz individual manter percepções consistentes sobre o escopo e o propósito adequado do papel do governo na sociedade. Por exemplo, esse juiz favorece a intervenção do governo na economia? Tende a se inclinar para o governo com mais frequência quando está avaliando o julgamento de criminosos ou a apoiar os direitos do réu ao devido processo legal?

A ideologia judicial é usualmente classificada em liberalismo x conservadorismo ou federalismo x comunitarismo. Aqui adotamos a classificação “conservador x progressista”.

12 Já a filosofia judicial tem a ver com a forma como o juiz interpreta e aplica o seu poder de revisão judicial na sua atividade interpretativa, num sentido de expansão ou restrição de direitos. Assim, a filosofia judicial é usualmente classificada em ativismo x restrição ou ativismo x autocontenção. Aqui utilizamos “técnico (significando restritivo ou autocontido) x político (significando ativista)”.

Quadro (2). Perfil dos ministros do STF com atuação entre 1995-2013 Presidente Data de posse Filosofia Ideologia Data Experiencia prévia ID Ministro Carreira anterior nomeação no STF Judicial Judicial Aposentadoria PJ MP Política 1 Moreira Alves Geisel 20/06/75 técnico conservador 19/04/03 Proc-Geral da Rep não sim sim 2 Néri da Silveira Figueiredo 01/09/81 técnico conservador 24/04/02 Juiz TFR sim não não 3 Sydney Sanches Figueiredo 31/08/84 técnico conservador 23/04/03 Desembargador TJSP sim não não 4 Octavio Gallotti Figueiredo 20/11/84 técnico conservador 27/10/00 Ministro TCU não sim não 5 Paulo Brossard Sarney 05/04/89 político progressista 24/10/94 Ministro da Justiça não não sim 6 Sepúlveda Pertence Sarney 17/05/89 político progressista 17/08/07 Proc-Geral da Rep nao sim não 7 Celso de Mello Sarney 30/06/89 técnico conservador * Secret Consultoria Geral Presid Rep não sim sim 8 Carlos Velloso Collor 13/06/90 técnico progressista 19/01/06 Ministro STJ sim sim não 9 Marco Aurélio Collor 13/06/90 político conservador * Ministro TST sim sim não 10 Ilmar Galvão Collor 26/06/91 técnico progressista 02/05/03 Ministro do STJ sim não não 11 Francisco Rezek Collor 21/05/92 político progressista 05/02/97 Ministro Relações Exteriores não sim sim 12 Maurício Corrêa Itamar 15/12/94 técnico conservador 09/05/04 Ministro da Justiça não não sim 13 Nelson Jobim FHC 15/04/97 político progressista 29/03/06 Ministro da Justiça não não sim 14 Ellen Gracie FHC 14/12/00 técnico conservador 05/08/11 Juíza TFR sim sim não 15 Gilmar Mendes FHC 20/06/02 técnico conservador * Advogado Geral da União não sim sim 16 Cezar Peluso Lula 25/06/03 técnico conservador 31/08/12 Desembargador TJSP sim não não 17 Ayres Britto Lula 25/06/03 político progressista 14/11/12 Advogado não não sim 18 Joaquim Barbosa Lula 25/06/03 político progressista 31/07/14 Procurador MP não sim não 19 Eros Grau Lula 30/06/04 técnico progressista 30/07/10 Advogado não não não 20 Ricardo Lewandowski Lula 16/03/06 técnico progressista * Desembargador TJSP sim não sim 21 Cármen Lúcia Lula 21/06/06 técnico progressista * Procuradora-geral do Estado não não não 22 Menezes Direito Lula 05/09/07 técnico conservador 01/09/09 Ministro STJ sim não sim 23 Dias Toffoli Lula 23/10/09 político progressista * Advogado-geral da União não não sim 24 Luiz Fux Dilma 03/03/11 técnico conservador * Ministro STJ sim sim não 25 Rosa Weber Dilma 19/11/11 técnico progressista * Ministra STJ sim não não 26 Teori Zavascki Dilma 29/11/12 técnico conservador * Ministro STJ sim não não 27 Roberto Barroso Dilma 26/06/13 técnico progressista * Advogado não não não As categorias para a classificação do perfil “ideológico e filosófico” dos juízes se constituem em "códigos in vivo”, no sentido postulado pela teoria fundamentada (Strauss e Corbin, 1990), tendo sido adotadas a partir da própria terminologia da fonte de dados. As classificações foram feitas com base em reportagens do jornal Folha de S. Paulo quando da nomeação do ministro para o STF, no caso daqueles nomeados a partir de 2004. Para os ministros nomeados de 2003 para trás, utilizamos a classificação de estudos anteriores (Oliveira, 2004; 2011; 2012). Note-se que as classificações ainda precisam ser refinadas, estando em fase de consolidação, pois foram baseadas exclusivamente em um único perfil apresentado pelo jornal. Essa classificação será revisada a partir do apoio de outras fontes midiáticas, incluindo a revista Veja – etapa da pesquisa em andamento.

Na esteira do modelo atitudinal, observamos a influência que o presidente que nomeou o ministro tem sobre o resultado da decisão. A operacionalização dessa observação se dá com base no trabalho de Lindquist, Yalof e Clark (2000).

13 Os autores afirmam que para que haja influência do presidente no direcionamento das decisões do tribunal, três condições precisam ser atendidas: (1) o presidente deve ter a oportunidade de nomear um ou mais juízes, (2) quando um presidente nomeou vários juízes, estes devem votar de forma igual entre si em ações decididas de forma majoritária (decisões não unânimes), e (3) a coesão deve, ainda, corresponder às preferências políticas do presidente. Assim, além da análise da composição de grupos no tribunal, e dos fatores que explicam estas composições, observamos em assuntos de interesse dos governos FHC, Lula e em parte do governo Dilma, demandas que questionam diplomas federais com origem no Poder Executivo. Buscamos responder como os ministros nomeados por cada um desses governos se comportaram em termos de votação (deferimento, indeferimento, abstenção/ausência no plenário, impedimento, etc.) dos diplomas de interesse direto do governo federal.

A partir dos dados dispostos no gráfico 5, vemos que as duas primeiras cortes sistematicamente não conheceram das ações que questionavam diplomas federais, em mais da metade dos casos. Sendo que a oitava corte foi a que mais deferiu no todo ou em parte diplomas federais – aqui novamente caberá uma análise detalhada do perfil dos ministros e das temáticas para dar sentido a estes dados.

Prejudicado$ Não$conhecido$ Negado$seguimento/arquivado$ Improcedente$ Procedente$ Procedente$em$parte$

100%$ 3%$ 3%$ 5%$ 8%$ 5%$ 9%$ 5%$ 6%$ 5%$ 4%$ 8%$ 14%$ 90%$ 20%$ 3%$ 7%$ 6%$ 15%$ 10%$ 17%$ 7%$ 15%$ 10%$ 80%$ 5%$ 18%$ 4%$ 19%$ 17%$ 18%$ 25%$ 15%$ 24%$ 13%$ 70%$ 9%$ 16%$ 20%$ 60%$ 9%$ 17%$ 50%$ 33%$ 18%$ 15%$ 33%$ 22%$ 50%$ 21%$ 65%$ 33%$ 50%$ 0%$ 40%$ 21%$ 32%$ 15%$ 9%$ 30%$ 5%$ 46%$ 44%$ 20%$ 37%$ 42%$ 21%$ 30%$ 30%$ 29%$ 3%$ 10%$ 23%$ 24%$ 14%$ 10%$ 15%$ 0%$ 1$ 2$ 3$ 4$ 5$ 6$ 7$ 8$ 9$ 10$ 11$ 12$ Gráfico (5) Resultado do mérito das ADIns que questionam diplomas federais, de acordo com composição da Corte. Fonte: Elaboração própria, a partir das 544 ADINS(diplomas federais), julgadas entre 1995-2012

Para finalizar essa seção, observamos com base em um modelo de regressão logística, quais os fatores que contribuem para haver cisão no colegiado.

Os dados dispostos na tabela 8 indicam que quanto maior a proporção de ministros com perfil progressista no Supremo, maiores são as chances de haver

14 polarização nas decisões. E que nos casos em que o diploma questionado é de origem federal, as chances de haver cisão diminuem.

A proporção de ministros com perfil político ou com carreira prévia na magistratura não obtiveram coeficientes estatisticamente significativos. Já o tema em questão faz diferença, sendo que nos casos em que estão em discussão temas da sociedade civil e regulação da economia aumentam as chances de haver divisões no colegiado, comparados à temática de agentes públicos.

O autor das ações também tem algum impacto, sendo que as ADIns propostas por governadores em comparação às propostas pelo Procurador-Geral da República, diminuem as chances de cisão, enquanto as propostas por associações em comparação ao Procurador-Geral, aumentam as chances de divisão.

Tabela 8. Regressão logística considerando como alvo a variável forma de agrupamento do colegiado (decisão majoritária) B Sig. Ideologia judicial - proporção de progressistas na composição 5,51 0,00 Origem do diploma - federal -0,53 0,00 Proporção de magistrados na composição 0,11 0,97 Filosofia judicial – proporção de políticos na composição -2,31 0,16 Decisão no mesmo período (governo) de entrada 0,11 0,46 Tema Agentes públicos (referência)

Tema Sociedade civil 0,39 0,05 Tema Regulação da economia 0,77 0,00 Tema Política tributária -0,43 0,16 Tema Administração da justiça 0,22 0,42 Tema Administração pública 0,30 0,16 Tema Competição política -0,12 0,74 Autor Procurador-Geral da República (referência) Autor Governador -0,42 0,04 Autor Associações (inclui OAB) 0,70 0,00 Autor Partidos políticos 0,17 0,43 Autor Outros -0,01 0,99 Constante -2,027 0,225 Nagelkerke R Square = 0,15 Número de observações: 1.155

Observando apenas as ADIns que tiveram decisão majoritária, num modelo de regressão logística, notamos que as chances de o Supremo julgar procedente a ação diminuem quando se trata de diploma de origem federal e quando a ação é julgada dentro do mesmo governo em que deu entrada. E aumentam conforme aumenta a proporção de ministros com perfil progressista na composição, assim como quando há maior proporção de ministros com carreira na magistratura.

15 O autor da ação também faz diferença aqui, sendo que o que os governadores, os partidos políticos e as associações, em comparação ao Procurador-Geral da República, têm menores chances de ter uma ação julgada procedente. E as temáticas também influenciam em alguma medida, sendo que as ações que questionam diplomas relativos à administração da justiça, à administração pública e à competição política têm menores chances de ser deferidas se comparadas às ações que questionam temas ligados aos agentes públicos.

Tabela 8. Regressão logística considerando como alvo a variável resultado da decisão (decisão procedente) B Sig. Origem do diploma - federal -1,518 0,00 Decisão no mesmo período (governo) de entrada -0,753 0,01 Ideologia judicial - proporção de progressistas na composição 7,868 0,01 Proporção de magistrados na composição 7,244 0,08 Autor Procurador-Geral da República (referência) Autor Governador -0,804 0,05 Autor Partidos políticos -1,773 0,00 Autor Associações (inclui OAB) -1,276 0,00 Tema Agentes públicos (referência) Tema Administração da justiça -1,359 0,01 Tema Administração pública -0,689 0,09 Tema Competição política -1,07 0,12 Tema Regulação da economia -0,37 0,44 Tema Política tributária -0,892 0,16 Tema Sociedade civil -0,357 0,34 Constante -4,399 0,12 Nagelkerke R Square = 0,35 Número de observações: 341

Como já ressaltado, esses são apenas alguns modelos iniciais, havendo necessidade de maior exploração dos dados, sobretudo os relativos ao perfil ideológico (filosofia e ideologia judicial) e ao perfil profissional dos ministros.

III. Redes e dimensionalidade da votação no Supremo

Observar as divisões no STF, a partir das decisões não unânimes, permite discutir um dos assuntos mais polêmicos (tanto no mundo acadêmico quanto midiático) relativos ao tribunal: a forma de nomeação dos ministros e a consequência das nomeações para a configuração ideológica e doutrinária do tribunal. Nesta análise há três categorias de destaque: a carreira dos ministros (experiência na magistratura – variável central da pesquisa); a experiência política dos ministros (passagem por cargos majoritários ou de nomeação) e o presidente que nomeou o ministro ao STF. Aqui observamos as 341 ações majoritárias, verificando o comportamento dos

16 ministros nomeados por cada presidente em relação aos demais ministros nomeados pelo menos presidente, comparando seu posicionamento frente ao dos demais ministros nomeados em outros governos, e atentando especialmente para o comportamento de ministros com trajetórias de carreira semelhantes mas nomeados por diferentes presidentes. Ou seja, o interesse está em entender as relações existentes entre trajetória de carreira, nomeação presidencial e processo decisório. Note-se que já realizamos esta análise para um período mais curto, de oito anos12. Agora o objetivo é expandir a análise e permitir a comparação com todas as nomeações presidenciais ao longo de duas décadas, agregando robustez à análise. O primeiro aspecto observado é a quantidade de decisões majoritárias em que cada ministro votou (ver coluna total, quadro 3). E a partir deste total calcular os votos na maioria e na minoria.

Quadro (3). Comportamento de decisão dos ministros em decisões majoritárias Minoria Minoria Minoria Minoria Total Maioria Relator (N) (%) isolada (N) isolada (%) Marco&Aurélio 329 76 253 77% 127 50% 27 Sepúlveda&Pertence 219 157 62 28% 6 10% 15 Ayeres&Brito 209 154 55 26% 9 16% 20 Joaquim&Barbosa 188 153 35 19% 4 11% 23 Celso&De&Mello 250 219 31 12% 0 11 Carlos&Velloso 152 122 30 20% 4 13% 16 Néri&Da&Silveira 83 54 29 35% 0 6 Cezar&Peluso 219 197 22 10% 4 18% 9 Gilmar&Mendes 226 206 20 9% 1 5% 32 Eros&Grau 142 123 19 13% 2 11% 44 Ilmar&Galvão 98 81 17 17% 2 12% 17 Ellen&Gracie 197 183 14 7% 0 14 Cármen&Lúcia 140 128 12 9% 0 14 Maurício&Corrêa 127 116 11 9% 2 18% 32 Octavio&Gallotti 70 61 9 13% 2 22% 10 Nelson&Jobim 150 142 8 5% 0 10 Ricardo&Lewandowski 153 145 8 5% 1 13% 8 Menezes&Direito 35 29 6 17% 0 4 Sidney&Sanches 97 91 6 6% 0 6 Dias&Toffoli 55 50 5 9% 1 20% 8 Moreira&Alves 99 94 5 5% 0 10 Francisco&Rezek 10 7 3 30% 0 1 Luiz&Fux 31 28 3 10% 1 33% 4 Rosa&Weber 14 14 0 0 0

Como já verificado na pesquisa anterior, o ministro Marco Aurélio é o campeão isolado de votos vencidos – em 77% das decisões majoritárias de que participou, ele ficou na posição vencida, e ainda em 50% das decisões em que votou na posição dissidente, ele ficou vencido sozinho, sem a adesão de nenhum outro membro do tribunal.

12 Ver OLIVEIRA, Fabiana Luci de. (2012). Processo decisório no Supremo Tribunal Federal: coalizões e “panelinhas”. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 44, p. 139-153.

17 Foi também codificado o número de vezes em que cada ministro foi relator de ADIns. Em apenas 12% das decisões não unânimes o voto do relator foi derrotado. Há uma forte correlação entre o voto do relator e o resultado do mérito (coeficiente de Pearson de 0,737). Outro aspecto importante para a análise é observar o tamanho das maiorias. A constituição estabelece que no controle concentrado, é preciso haver um mínimo de oito ministros votando, e que a decisão se dá por maioria simples. Em 16% das 341 ADIns com decisão majoritária, apenas 8 dos 11 ministros votaram; em 23% dos casos, 9 ministros votaram, e em 38% dos casos, 10 ministros votaram, sendo que em apenas 23% dos casos o colegiado completo participou. No período foram 42 ações decididas por um ou dois votos de diferença, e são essas as ações que mais interesse despertam na identificação dos fatores de influência na constituição das redes de votação. As ações com um só voto de diferença não interessam, ainda mais quando verificamos que um único ministro é responsável por 76% delas.

Tabela 11. Quantidade de votos na minoria Quantidade de votos N % na minoria 1 166 49 2 83 24 3 50 15 4 29 9 5 13 4 Total 341 100 Fonte: Elaboração própria, a partir das 341ADIns com decisão majoritária, julgadas entre 1995-2012

Os diplomas de origem federal tendem a gerar maiores divisões na corte, mas ainda é preciso explorar melhor os dados. Nesses casos em que houve maior dificuldade para se chegar a uma decisão, como os ministros se agruparam para decidir? Quem votou com quem? Nas decisões em que “cada voto conta”, a carreira do ministro e o presidente que nomeou tem alguma importância na compreensão da formação de coalizões? Essa análise ainda está em curso. Aqui apresentaremos apenas parte da análise, focada na constituição de coalizões e no peso que o presidente que nomeou o ministro tem nessas composições. Para isso, identificamos isoladamente a combinação de cada par de votos, e percebemos algumas combinações mais robustas que poderiam configurar "panelinhas", ou seja, grupos com posição compartilhada consistente. Por combinações robustas

18 entendemos um nível de coesão de mais de 0,85 (a partir de 86%) entre os juízes (ver quadro 4).

Quadro (4). Matriz dos índices de similaridade, correspondentes às combinações de juízes 2 x 2, nas ações não-unânimes Luiz%Fux% Eros%Grau% Dias%Toffoli% Ellen%Gracie% Ayres%Britto% Rosa%Weber% Ilmar%Galvão% Cezar%Peluso%% Nelson%Jobim% Lewandowski% Cármen%Lúcia% Carlos%Velloso% Marco%Aurélio% Celso%de%Mello% Néri%da%Silveira Gilmar%Mendes% Octavio%Gallotti Sydney%Sanches Francisco%Rezek Maurício%Corrêa% Menezes%Direito% Joaquim%Barbosa% Sepúlveda%Pertence% Moreira%Alves 63% 92% 83% 56% 90% 77% 12% 78% 70% 95% 97% 89% 92% Néri%da%Silveira 68% 64% 69% 67% 70% 34% 72% 70% 66% 62% 83% Sydney%Sanches 85% 56% 86% 79% 18% 81% 67% 92% 91% 82% 100% Octavio%Gallotti 49% 74% 79% 9% 89% 75% 80% 86% Sepúlveda%Pertence% 70% 61% 38% 55% 56% 58% 70% 73% 77% 76% 73% 70% 83% 80% 92% Celso%de%Mello% 71% 30% 75% 78% 81% 86% 84% 78% 78% 73% 73% 73% 82% 82% 78% 74% 78% 78% Carlos%Velloso% 31% 67% 44% 78% 81% 70% 76% 75% 67% 58% 70% Marco%Aurélio% 22% 22% 16% 20% 25% 24% 29% 34% 23% 25% 25% 25% 26% 17% 26% 29% Ilmar%Galvão% 67% 77% 81% 77% 80% Francisco%Rezek 71% Maurício%Corrêa% 94% 81% 83% 75% 43% 67% Nelson%Jobim% 86% 91% 80% 56% 76% 87% 50% Ellen%Gracie% 89% 83% 66% 74% 78% 91% 88% 78% 88% Gilmar%Mendes% 86% 66% 81% 82% 86% 86% 81% 92% 89% 91% Cezar%Peluso%% 65% 78% 82% 88% 86% 88% 84% 71% 57% Ayres%Britto% 66% 69% 74% 71% 69% 71% 75% 100% Joaquim%Barbosa% 71% 85% 82% 69% 82% 81% 82% Eros%Grau% 82% 84% 83% 79% Lewandowski% 87% 79% 90% 86% 100% Cármen%Lúcia% 91% 85% 77% 69% Dias%Toffoli% 85% 92% Luiz%Fux% 100% Foram identificados dois grupos robustos (panelinhas). O primeiro grupo é composto por ministros nomeados durante o regime militar, um nomeado por Itamar Franco e os três ministros nomeados por Fernando Henrique Cardoso (Moreira Alves, Sydney Sanches, Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes). O segundo grupo é composto por três dos ministros nomeados por Lula: Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia. Sepúlveda Pertence, Ayres Britto e Joaquim Barbosa são os ministros, após Marco Aurélio de Mello, com maior proporção de votos dissidentes. Esses ministros não têm uma forte coesão com nenhum dos grupos identificados no Tribunal, não constituem qualquer panelinha. Mas Sepúlveda Pertence apresentam alta coesão com Carmen Lúcia. E Barbosa tem uma coesão alta com Rosa Weber, mas ainda há poucos votos codificados no governo Dilma, portanto esses grupos a partir dos nomeados por Lula e Dilma podem ser alterados uma vez que a base de dados se expanda. No entanto, medir a coesão entre os juízes não é suficiente para identificar o impacto que as nomeações presidenciais tem sobre as decisões judiciais como um todo, especialmente quando os presidentes têm a oportunidade de nomear mais de um Justiça.

19 Assim, concordamos com Lindquist, Yalof e Clark (2000) que, para o presidente de exercer influência sobre as decisões do Tribunal, três condições devem ser atendidas: (1) o Presidente deve ter a oportunidade de nomear um ou mais ministros, (2) quando um presidente nomeou vários ministros, esses ministros devem votar juntos nas decisões por maioria, e (3) a coesão deve corresponder às preferências políticas do presidente. Assim, com a finalidade de testar o impacto global das nomeações presidenciais no Supremo, e em alinhamento com a metodologia utilizada por Lindquist, Yalof e Clark (2000), foi calculado o score de coesão para cada um dos blocos de nomeação presidencial no Supremo.

Quadro (5). Blocos de nomeação presidencial Bloco Nomeação Ministros o Moreira Alves o Neri da Silveira 1 Militares o Sidney Sanches o Octavio Gallotti o Sepúlveda Pertence 2 Sarney o Celso de Mello o Carlos Velloso o Francisco Rezek Collor / 3 o Ilmar Galvão Itamar o Marco Aurélio o Maurício Corrêa o Nelson Jobim 4 FHC o Ellen Gracie o Gilmar Mendes o Cezar Peluso o Ayres Britto o Joaquim Barbosa o Eros Grau 5 Lula o Ricardo Lewandowski o Carmen Lúcia o Menezes Direito o Dias Toffoli o Luiz Fux 6 Dilma o Rosa Weber o Roberto Barroso

Aqui foi replicada a questão que Lindquist, Yalof e Clark (2000) se propuseram a responder em seu estudo: o presidente teve ou não êxito ao escolher os ministros nomeados? Por êxito entende-se que os ministros votam coesamente como grupo.

20 Média$Bloco$ Média$Corte$(sem$bloco)$ Diferença$entre$médias$ Média$corte$total$

120%$

100%$ 96%$ 89%$ 85%$ 85%$ 85%$ 79%$ 79%$ 80%$ 79%$ 80%$ 80%$ 80%$ 75%$ 76%$ 76%$ 68%$

60%$

40%$ 20%$ 20%$ 14%$ 6%$ 9%$ 0%$ Bloco%1% Bloco%2% Bloco%3% Bloco%4% Bloco%5% *20%$ *17%$ *40%$ Gráfico (6) Resultado do mérito das ADIns que questionam diplomas federais, de acordo com composição da Corte. Fonte: Elaboração própria, a partir das 341 ADIns julgadas entre 1995-2012

A hipótese elaborada por Lindquist, Yalof e Clark (2000), e que foi testada aqui, é de que: 1. Blocos presidenciais são mais propensos a votar juntos do que a dividir seus votos. 2. Blocos presidenciais são mais propensos a fornecer pontos de coesão superiores a blocos gerados pela combinação aleatória de ministros.

Os blocos de maior coesão foram o bloco 4 (ministros nomeados por Fernando Henrique Cardoso), com 96% de coesão e o bloco 1 (juízes nomeados pelos presidentes militares), com 89% de coesão. Na sequência, está o Bloco 2 (ministros nomeados por Sarney) e o bloco 5 (ministros nomeados por Lula), ambos apresentando 85% de coesão interna. O bloco 3 (ministros nomeados por Collor / Itamar) apresentou o menor nível de coesão - um grau tão baixo é principalmente devido ao comportamento de voto o ministro Marco Aurélio. Com exceção do Bloco 3, todos os outros blocos presidenciais têm escores de coesão maiores do que os dos grupos aleatórios (média da corte excluindo grupo). No entanto, segundo Lindquist, Yalof e Clark (2000), os escores de coesão de grupos, se analisados isoladamente ou em relação a pontuação de combinação aleatória, não são suficientes para comprovar a influência da nomeação presidencial. Para isso, seria necessário ter uma base de comparação com o comportamento de voto da corte como um todo, para garantir que a coesão do bloco não reflete apenas o alto nível de coesão que já existe na instituição durante o período.

21 Mais uma vez, a única exceção é o bloco 3. Entre os outros blocos, confirmou-se que a coesão do bloco presidencial é maior do que a coesão do Tribunal como um todo, ! durante o período considerado. Em seguida, observou-se o grau de coesão dos grupos no período de cada governo, a fim de verificar se havia diferenças (quadro 6). Aqui foram consideradas apenas as ações em que pelo menos dois ministros do bloco votaram.

Quadro (6). Comportamento dos blocos de acordo com governo de decisão Coesão da Diferença Governo no Coesão Grupo momento da Coesão corte coesão grupo e total da Casos do grupo (excluindo corte (sem (N) decisão corte grupo) grupo FHC 1 (1995-1998) 85% 73% 12% 77% 47 1 FHC 2 (1999-2002) 92% 75% 17% 80% 48 Lula 1 (2003-2006) 94% 84% 10% 83% 8 FHC 1 (1995-1998) 75% 77% -2% 76% 30 FHC 2 (1999-2002) 82% 82% 0% 81% 28 2 Lula 1 (2003-2006) 88% 79% 9% 80% 84 Lula 2 (2007-2010) 93% 81% 12% 82% 7 FHC 1 (1995-1998) 72% 83% -11% 77% 47 FHC 2 (1999-2002) 69% 87% -18% 80% 53 3 Lula 1 (2003-2006) 65% 86% -21% 79% 71 Lula 2 (2007-2010) 65% 79% -14% 74% 8 FHC 2 (1999-2002) 96% 76% 20% 80% 23 4 Lula 1 (2003-2006) 96% 76% 20% 80% 106 Lula 2 (2007-2010) 97% 77% 20% 80% 77 Lula 1 (2003-2006) 84% 78% 6% 80% 102 5 Lula 2 (2007-2010) 89% 68% 21% 81% 36

Como se pode observar, com exceção do bloco 3, os escores de coesão de grupos aumentaram de um governo para o outro, o que indica que quanto mais tempo os ministros passam votando juntos, mais próximos eles ficam em suas preferências de voto. Esses são os dados iniciais que ainda estão sendo consolidados na pesquisa em andamento, com finalização prevista para o início de 2015. Resta ainda finalizar a codificação das ADIns até o ano de 2013 e consolidar os parâmetros de análise. Até o momento, os achados iniciais mais interessantes dizem respeito à agenda decisória da corte, à constatação de que os blocos de nomeação presidencial tendem a ser mais coesos internamente do que os demais membros da corte agrupados aleatoriamente, e as evidências de que quanto mais tempo os ministros nomeados por um mesmo presidente passam votando juntos, mais coesos eles ficam. No aspecto do peso que o perfil dos ministros têm para a sua atuação, embora as classificações ainda necessitem de aprimoramento, já notamos alguns indícios do impacto da carreira e da ideologia dos ministros no processo decisório.

22 As evidências iniciais aqui reunidas constituem indícios – em alguns aspectos mais robustos, em outros menos – de que importa, sim, o perfil dos ministros sentados à Corte no momento da decisão.

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