UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

SIMONE OLIVEIRA VIEIRA PERES

OS SIMPSONS E O BRASIL: IMAGENS DE UM OLHAR ESTRANGEIRO EM “BLAME IT ON LISA”

CUIABÁ - MT 2013

SIMONE OLIVEIRA VIEIRA PERES

OS SIMPSONS E O BRASIL: IMAGENS DE UM OLHAR ESTRANGEIRO EM “BLAME IT ON LISA”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Cultura Contemporânea na Área de Concentração Estudos Interdisciplinares de Cultura, Linha de Pesquisa Poéticas Contemporâneas.

Orientador: Prof. Dr. Mário Cézar Silva Leite

Cuiabá-MT Ano

Para Renato, Guilherme e Glória.

AGRADECIMENTOS

A Deus.

Ao professor Mário Cézar.

Ao ECCO (professores, colegas e funcionários) por sempre encontrar ajuda quando precisei.

À minha mãe, ao meu pai e aos meus irmãos por verem em mim além do que eu posso ver.

Ao meu esposo pela admiração, paciência, compreensão e ânimo em tempo integral.

Ao meu filho que é minha maior motivação.

A todos que me ajudaram de alguma forma na concepção deste trabalho.

Eu só boto bebop no meu samba Quando o Tio Sam tocar um tamborim Quando ele pegar No pandeiro e no zabumba. Quando ele aprender Que o samba não é rumba. Aí eu vou misturar Miami com Copacabana. Chiclete eu misturo com banana, E o meu samba vai ficar assim (...)

(Jackson do Pandeiro / música “Chiclete com banana”)

OS SIMPSONS E O BRASIL: IMAGENS DE UM OLHAR ESTRANGEIRO EM “BLAME IT ON LISA”

RESUMO: Tendo como objeto de análise o episódio “Blame it on Lisa” do seriado norte-americano “Os Simpsons”, o presente estudo discute o processo de construção de imagens sobre o Brasil, a partir do olhar estrangeiro e das relações de identidade e alteridade, identificações e estranhamentos. A escolha por este episódio reside no fato de descrever a visita da família Simpsons ao Brasil e, assim, construir uma narrativa baseada em críticas e estereótipos sobre os personagens brasileiros e a cultura do país. Lançado em 2002, o episódio causou bastante polêmica entre os telespectadores e o próprio governo brasileiro. O desenvolvimento desta pesquisa será pautado principalmente nos Estudos Culturais, através da análise do episódio, a partir de pesquisa bibliográfica e de outros conteúdos (filmes, livros, jornais, revistas, etc) que nos forneçam indícios para entendermos a forma como as imagens sobre o país, sob uma perspectiva “estrangeira”, construiu-se marcada por estereótipos. Partindo da inquietação causada pelas imagens do país reproduzidas nos filmes estrangeiros tentamos discutir de que maneira esse olhar é direcionado a “nós”, qual o processo de construção desse retrato brasileiro e a dimensão do diálogo entre o olhar do “outro” e o do nativo, tendo em vista as identidades do brasileiro e do Brasil forjadas por “nós”. PALAVRAS-CHAVE: imagem; olhar estrangeiro; identidade cultural; Brasil; “Os Simpsons”

THE SIMPSONS AND : IMAGES OF A LOOK AT ALIEN "BLAME IT ON LISA”

ABSTRACT: With the object of analysis the episode "Blame it on Lisa" series of U.S. "", this study discusses the process of images construction on Brazil, from view and foreign relations of identity and otherness, strangeness and identifications. The choice this episode lies in the fact describes the Simpsons family visit to Brazil and thus constructs a narrative based on criticisms and stereotypes about the characters and the Brazilian culture. Launched in 2002, the episode caused quite a stir among viewers and Brazilian government. The development of this research will be guided mainly in Cultural Studies, through analysis of the episode, from literature and other content (movies, books, newspapers, magazines, etc.) that give us clues to understanding how images on the country, from one perspective "foreign", built up marked by stereotypes. Starting from the unrest caused by the images reproduced in the country foreign films, we discuss how this gaze is directed to “ourselves", how the process of constructing this Brazil‟s portrait and the size of the dialogue between the gaze of the "other" and the native, having in view of the identities of Brazil and Brazilian forged by "ourselves."

KEYWORDS: image; look abroad; cultural identity; Brazil; “The Simpsons”

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1………………………………………………………………………….13 IDENTIDADES CULTURAIS: PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

CAPÍTULO 2...... 20 DESENHO E TELEVISÃO: O SURGIMENTO DAS ANIMAÇÕES, SUAS REFORMULAÇÕES E A DIVERSIFICAÇÃO DE PÚBLICO 2.1. Histórico e características do seriado “Os Simpsons”...... 22

CAPÍTULO 3...... 30 “BLAME IT ON LISA”: A CONSTRUÇÃO DE IMAGENS SOB A PERSPECTIVA DO OUTRO 3.1. O Brasil no cinema estrangeiro: os estereótipos e a lógica da indústria cultural...... 36

CAPÍTULO 4...... 40 “BRASIL DOS SIMPSONS”: O DIÁLOGO DOS OLHARES EXTERNOS E INTERNOS NA CONSTRUÇÃO DE IMAGENS SOBRE (E PELO) BRASIL 4.1. A autocrítica no “Brasil dos Simpsons”: quando os estereótipos dizem mais sobre os “outros” do que sobre “nós”...... 55

CONCLUSÃO...... 60 BIBLIOGRAFIA...... 62 ANEXO...... 66

11

INTRODUÇÃO

A escolha do corpus deste trabalho se deu primeiramente pelo critério subjetivo da pesquisadora. Observar os elementos argumentativos e persuasivos em um desenho animado foi uma ideia que surgiu do projeto de estágio do curso de graduação em Letras, no qual a proposta era instigar nos alunos um senso crítico ao observar o conteúdo televisivo e ao mesmo tempo me debruçar sobre um estudo prazeroso que envolvia os efeitos de sentidos provocados pelo humor. Nesse sentido, a série norte- americana “Os Simpsons” tornou-se meu objeto de pesquisa, em função de pertencer ao gênero humorístico e também por possuir um público bastante heterogêneo. Sabemos que a televisão é um dos mais influentes formadores de opinião. Com sua invenção, o poder das comunicações foi ampliado, passando a ocupar um espaço privilegiado como um meio eloquente de expressão das várias representações simbólicas. Assim, como meio eletrônico é capaz de moldar formas de sociabilidade e tornar-se uma referência significativa na modelação dos valores, das formas de percepção do mundo e da cultura, de um modo geral. É importante ressaltar que ao mesmo tempo em que um programa de TV influencia a sociedade, amplifica e dissemina novas ideias e modismos, também um programa televisivo é condicionado pelas demandas da própria sociedade, refletindo em parte suas estruturas e relações sociais. Sujeito à opinião pública são seus índices de audiência que garantem ou não sua “sobrevivência”. Desde modo, a reflexão sobre os mecanismos persuasivos e as estratégias utilizadas para criar efeitos de sentido representam ferramentas poderosas no desenvolvimento de uma percepção crítica das ideias transmitidas pela mídia. Hoje, os desenhos animados integram a produção normal das emissoras e até alguns canais de TV paga são especializados nesse gênero, preenchendo toda a programação com animação. É justamente fazendo uso do poder de sugestão dos desenhos animados, sem a restrição nas representações do mundo das brincadeiras e do não-sério que “Os Simpsons” produzem distorções divertidas e cria um ambiente propício para o satírico e o subversivo, cumprindo a tarefa de seduzir, entreter, divertir o público, e ainda despertar o senso crítico nos telespectadores. A série foi criada em 1987

12

pelo americano Matthew Abram Groening1, e é considerado hoje o seriado transmitido há mais tempo na televisão ininterruptamente. Atualmente, encontra-se em sua 24º temporada, superando a marca de mais de 500 episódios exibidos, já conquistou prêmios importantes, entre eles dezessete Emmy de melhor seriado animado cômico ofertado pela Academia de Artes e Ciência da Televisão, considerado o Oscar da TV americana; doze prêmios Annie entregues pela Sociedade Internacional de Filmes Animados, três prêmios Genesis, sete prêmios International Monitor, quatro prêmios Environmental Media e um Peabody que distingue a excelência televisiva. O seriado ganhou também uma estrela na calçada da fama em Hollywood e, em 2007, a série estreou como filme. O sucesso do desenho também é responsável por movimentar o mercado através da comercialização de diversos jogos eletrônicos, brinquedos, roupas, calçados, entre outros produtos, além de abranger a Internet, onde são exibidos os episódios não só pela homepage oficial “Simpsons”, mas através de muitas outras criadas por fãs de diversas partes do mundo, que se organizam em comunidades virtuais. Descrito na mídia como um fenômeno global e cultural, alcançando a audiência em muitos países da Europa, Ásia, Oceania, América Latina, Oriente Médio, África, entre outros, o desenho retrata as práticas da sociedade contemporânea, a partir de temas polêmicos, e, assim, promove uma sátira acerca da estrutura tradicional das famílias de classe média americana, baseando-se numa visão estereotipada da cultura em que se insere e também de outros povos, uma vez que o seriado trabalha com a temática dos “encontros culturais” nos países aos quais os personagens visitam e também quando estes são visitados. E, a partir da criação de narrativas baseadas no cruzamento entre diversas culturas, a família Simpsons propicia um espaço de análise e discussão sobre a formulação das imagens, dos olhares e dos elementos simbólicos que servem como referências para a representação de quem somos e de quem são “eles”. Assim, o recorte dado a minha pesquisa se deteve ao episódio “Blame it on Lisa” (O feitiço de Lisa), no qual a família decide viajar para o Brasil e assim a narrativa, através de críticas e de estereótipos, ridiculariza os brasileiros e a cultura do país. Lançado em 2002, em sua

1 Matthew Abram Groening nasceu em 15 de fevereiro de 1954, em Portland, Oregon, EUA. É cartunista e criador das séries de televisão Os Simpsons e . Atualmente trabalha como consultor criativo de ambas as séries.

13

13º temporada, o desenho causou bastante polêmica entre os telespectadores e o próprio governo. O enredo retrata a chegada da família em busca de um órfão chamado Ronaldo, que mora no orfanato "Anjos Imundos", no Rio de Janeiro. Inicialmente, Homer não quer viajar e enfatiza que os meninos do Brasil são "pequenos Hitlers". Mas, Lisa exibe um vídeo enviado pelo órfão agradecendo as doações e comentando que havia comprado sapatos para dançar “carnavais” e uma porta para o orfanato, que estava sendo invadido por macacos. Assim, a família decide encontrá-lo. À procura do garoto, Bart e Homer vão à praia de Copacabana e se deparam com exuberantes mulheres de biquíni. Lisa e Marge vão a uma escola de samba onde estão dançando uma nova mania nacional: a "Enfiada". Numa feira, pai e filho são distraídos por uma vendedora enquanto “trombadinhas” os roubam. Num táxi, Homer é sequestrado e levado à Amazônia. Marge encontra Ronaldo no carnaval num carro alegórico. O órfão, que havia ficado rico como figurinista, paga o resgate de Homer, feito nos bondes do “Pão de Açúcar” e que, em seguida, despencam com a família. Finalmente, Bart é engolido por uma anaconda e samba ao som de uma “rumba”. Sob uma perspectiva estrangeira, o episódio exibe um Brasil caricatural sob as lentes turísticas da família Simpsons. Assim, a “brasilidade” é marcada pelos ritmos dançantes do carnaval, pelas praias, pela paixão pelo futebol, pelo erotismo das mulheres, pela sexualidade mais aparente, pela violência, pela Amazônia e consequentemente pela degradação ambiental, além de outros símbolos como o Cristo Redentor, o bondinho, a Carmem Miranda, etc. O presente estudo pretende discutir como se forjou essa imagem brasileira? Até que ponto ela pode ser representativa ou não da identidade nacional? Quais as identificações e os estranhamentos provocados neste contexto de identidades e alteridades, que o olhar estrangeiro nos propõe? De que modo o olhar do “outro” e o olhar do nativo se entrecruzam nesse contexto de imagens e estereótipos? Qual a dimensão desse encontro? Com base nesses questionamentos, analisaremos também o “Brasil” que é retratado no cinema estrangeiro em alguns filmes e como os estereótipos estão inscritos na lógica da indústria cultural. Assim, as produções cinematográficas estrangeiras selecionadas para esta análise compõem, principalmente, o estudo de Tunico Amancio

14

(2000), através do livro O Brasil dos gringos, no qual descreve o modo como o cinema estrangeiro tradicionalmente apresentou e ainda apresenta o Brasil ao mundo. O autor identificou referências ao Brasil, ao Rio de Janeiro e ao brasileiro em sinopses de cento e setenta filmes de diferentes nacionalidades e após fazer uma classificação destes focou sua análise em dez filmes, entre os quais, Voando para o Rio (Thornton Freeland, 1933, EUA), Orquídea selvagem (Zalman King, 1990, EUA), Feitiço no Rio (Stalen Donen, 1984, EUA), Brenda Starr (Robert Ellis Miller, 1989, EUA), T'empêches tout le monde de dormir (Gérard Lauzier, 1982, França) e Amazônia em chamas (The Burning Season, John Frankenheimer, 1994, EUA) considerados por ele emblemáticos no modo de nos representar que se tornou hegemônico no cinema mundial. Amâncio assinala que as imagens do Brasil que prevalecem nos filmes são as que descrevem o país como paraíso tropical, exótico, de natureza exuberante, sem lei e sem ordem, para onde fogem todos os criminosos perseguidos pela justiça do “mundo civilizado”; nesse país onde tudo pode, habita um povo feliz, místico, sensual, preguiçoso, corrupto e inculto. A partir do retrato brasileiro impresso em “Blame it on Lisa” discutiremos a construção de imagens sob a perspectiva do outro, buscando compreender o diálogo dos olhares externos e internos sobre (e pelo) país, que resultaram no “Brasil dos Simpsons”, além de refletirmos sobre as relações de poder que as identidades culturais exercem nessa esfera de sentidos e de representações.

15

CAPÍTULO 1

IDENTIDADES CULTURAIS: PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

Analisar os processos sociais em nossa contemporaneidade é tentar compreender um período de instabilidades e de deslocamentos tão conflitantes quanto o termo capaz de designar essa época. Pós-modernidade (Lyotard, 1979; Vattimo, 1985), modernidade tardia (Jameson, 1991), modernidade líquida (Bauman, 2001) são algumas nomenclaturas utilizadas por estudiosos que tentam entender esse período contemporâneo atravessado por mudanças de ordem global e local. Há também aqueles que insistem em denominar a contemporaneidade apenas como modernidade, argumentando ainda não ter havido uma ruptura significativa a exemplo da propagação das ideias do Iluminismo, da revolução industrial e do capitalismo presentes nesse mesmo período. Entretanto, é fato que houve uma mudança estrutural a partir da segunda metade do século XX, responsável por descentrar, deslocar e fragmentar o sujeito culturalmente e socialmente, provocando uma reconfiguração das identidades culturais. Buscar compreender de que forma a identidade de um povo é construída, a partir de quais perspectivas e fatores sociais, culturais, políticos e econômicos que atravessam esse processo são alguns dos questionamentos que impulsionam a busca sobre nossas identificações e as relações de alteridade que estabelecemos. Considerando a identidade como um processo de representação social flexível ás mudanças do seu contexto cultural, é importante destacarmos que a globalização e as relações de poder têm contribuído para o deslocamento de identidades, produzindo um efeito pluralizador sobre as mesmas e provocando uma tensão entre o global e o local. Ao refletir sobre a identidade no contexto atual, Denys Cuche (1999) ressalta a necessidade de compreender a diferença entre as noções de cultura e de identidade cultural e o espaço que ocupam em sociedade. Para ele, a cultura pode existir sem a consciência de identidade, porém uma identidade cultural, evidentemente não pode

16

existir sem um sistema cultural, já que a identidade é compreendida através de processos conscientes de vinculações (normas) classificados por oposições binárias ao passo que a cultura é um processo inconsciente. Cuche aborda as identidades partindo de uma noção “multidimensional”, mas antes de desenvolver seus argumentos, ele nos apresenta várias utilizações do conceito de identidade, o qual geralmente é associado à cultura. Nessa perspectiva, o autor cita que algumas abordagens relacionadas à identidade cultural explicam que a mesma se fundamenta na vinculação do indivíduo ao grupo, em suas “raízes”, quase que num “patrimônio genético”. Já numa ênfase culturalista, a herança cultural prevalece como determinante na construção da identidade, através da socialização do indivíduo no interior de seu grupo cultural. Assim, numa concepção objetivista da identidade cultural, são levados em consideração critérios determinantes como a origem comum, a língua, a cultura, a psicologia coletiva, o vínculo com um território, etc. Enquanto que numa concepção subjetivista, entende-se que a identidade cultural trata-se de “um sentimento de vinculação ou uma identificação a uma coletividade imaginária” (CUCHE, 1999, p. 101). Partindo dessas perspectivas, Cuche critica a primeira por reduzir a identidade cultural a uma dimensão atributiva, tratando-a como um fenômeno estático; e também critica a subjetivista por enfatizar excessivamente o aspecto efêmero da identidade. Compreendendo a identidade cultural numa concepção relacional e situacional, Cuche cita que: Não há identidade em si, nem mesmo unicamente para si. A identidade existe sempre em relação a uma outra. Ou seja, identidade e alteridade são ligadas e estão em uma relação dialética. A identificação acompanha a diferenciação. Na medida em que a identidade é sempre a resultante de um processo de identificação no interior de uma situação relacional. (CUCHE, 1999. p. 183)

Nessa perspectiva de estudo destaca-se a abordagem do teórico Stuart Hall (2002) que discute a identidade cultural na pós-modernidade, ressaltando a necessidade de uma nova compreensão identitária para o sujeito, já que este está se fragmentando, não sendo mais composto de uma única, mas de várias identidades, às vezes contraditórias ou não-resolvidas. O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático. Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma "celebração móvel": formada e transformada continuamente em

17

relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, 2002, p. 12).

Dessa forma, Hall questiona se não há uma transformação da própria modernidade em si e não apenas dos processos, já que na modernidade, marcada pelo Iluminismo e pela defesa de uma essência do ser, concentrava-se a concepção essencialista ou fixa de identidade. Assim, o autor conduz a discussão da identidade cultural contextualizada no que ele denomina de pós-modernidade, fazendo um relato histórico acerca das concepções de identidade do sujeito do Iluminismo, sujeito sociológico até o sujeito pós-moderno. Conforme descreve Hall, o sujeito do Iluminismo caracterizava-se como um ser praticamente imutável, uma vez que possuía uma essência a partir de seu nascimento, era considerado centrado e unificado numa concepção bastante “individualista” do sujeito e de sua identidade. Já o sujeito sociológico, contextualizado historicamente num período de crescente complexidade do mundo moderno e na tomada de uma nova consciência sobre si mesmo, é descrito como um indivíduo que necessita da relação com as outras pessoas para construir seu “núcleo interior”, ou seja, ele já não é autônomo e autosuficiente. Nessa concepção, a identidade é formada na interação entre o “eu e a sociedade”, partindo do diálogo entre os mundos culturais “interiores” e “exteriores” e das identidades presentes nesses contextos. Após ser preenchida pela interação exterior, a identidade do sujeito sociológico mostrava-se unificada e estável. Em comparação com este período, Hall entende que para a atualidade é preciso que haja uma nova compreensão identitária para o sujeito pós-moderno, que cada vez mais se mostra fragmentado e múltiplo, assumindo identidades contraditórias conforme as situações vividas, “empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas” (HALL, 2002, p. 13). Nessa perspectiva, podemos considerar que a reflexão sobre o conceito de identidade esbarra, necessariamente, nas noções de contato e fronteira, sendo assim, é através das interações sociais e na relação com as instâncias socializadoras, a exemplo da mídia, que a identidade é (re) construída. Pois, é no contato com a alteridade, na medida em que as fronteiras são ultrapassadas ou borradas que os processos identitários tornam-se visíveis.

18

Para Castells (1999), o contexto de transformações em que vivemos é importante para compreendermos a construção das identidades. Ele argumenta que a revolução da tecnologia da informação e a reestruturação do capitalismo introduziram uma nova forma de sociedade, a sociedade em rede. Sendo essa sociedade caracterizada pela globalização das atividades econômicas decisivas do ponto de vista estratégico; por sua forma de organização em redes; pela flexibilidade e instabilidade do emprego e a individualização da mão-de-obra; por uma cultura da virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia onipresente, interligado e altamente diversificado; e pela transformação das bases materiais da vida – o tempo e o espaço – mediante a criação de um espaço de fluxos e de um tempo intemporal como expressões das atividades e elites dominantes. Nesse sentido, essas transformações seguem os contornos pertinentes a cada cultura, bem como às fontes históricas da formação de cada identidade. O autor aborda o caráter múltiplo e fragmentário da identidade, entendendo que uma identidade cultural ou individual pode sustentar múltiplas identidades (CASTELLS, 1999, p. 22). Porém, ele diferencia identidades e papéis sociais (mãe, pai, vizinho, chefe, jogador, etc) destacando que as identidades constituem fontes de significados para os próprios atores, enquanto que os papéis sociais dependem de negociações e acordos entre indivíduos e instituições, tendo uma relação de segunda ordem com as identidades. Dessa forma, ele distingue três formas e origens de construção de identidades, a partir das relações de poder: identidade legitimadora, com um caráter essencialista, instituída pelas instituições dominantes; identidade de resistência, simbolizada pelas entidades que representam grupos contrahegemônicos; e identidade de projeto, na qual os atores constroem uma nova identidade, capaz de redefinir sua posição na sociedade. Assim, ele argumenta que: Não é difícil concordar com o fato de que, do ponto de vista sociológico, toda e qualquer identidade é construída. A principal questão, na verdade, diz respeito a como, a partir de quê, por quem e para quê isso acontece. A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social. (CASTELLS, 1999 p. 23).

Ao discutirmos o caráter construtivista da identidade é importante destacarmos também a relação entre identidade e poder, já que o indivíduo partindo de suas

19

identidades e características, também é produto das relações de poder às quais está sujeito. Assim, podemos pensar que as práticas sociais e discursivas envolvem relações de poder, incluindo ou excluindo as pessoas. Nesse sentido, do mesmo modo como a cultura da classe dominante tende a se impor sobre as demais manifestações culturais, as identidades podem ser formadas a partir de instituições dominantes (CASTELLS, 1999), que podem reformular e até mesmo manipular identidades (CUCHE, 1999). Sendo assim, a identidade e o poder de identificação dependem do posicionamento social e “do que está em jogo nas lutas sociais”. Para Cuche, como a identificação é relativa, pois pode alterar a situação relacional, seria mais adequado adotar o conceito de “identificação” do que o de “identidade”. O autor explica que a identificação pode ocorrer como afirmação ou como imposição de identidade e que a “auto-identidade” é definida pelo próprio sujeito, enquanto que a “hetero-identidade” ou uma “exo-identidade” é definida pelos outros. Ele, ainda, acrescenta que nem todos os grupos têm o mesmo “poder de identificação”, pois isso depende da posição que se ocupa no sistema de relações que liga os grupos. Segundo o autor, a identidade social exprime a resultante das diversas interações entre o indivíduo e seu ambiente social, próximo ou distante. A identidade social de um indivíduo se caracteriza pelo “conjunto de suas vinculações em um sistema social: vinculação a uma classe sexual, a uma classe de idade, a uma classe social, a uma nação, etc” (CUCHE, 1999, p. 177). A identidade permite que o indivíduo se localize em um sistema social e seja localizado socialmente. Nesse sentido, a identidade cultural - entendida como um componente da identidade social e caracterizada pelas vinculações do indivíduo em um sistema social – pode ser explicada como um meio de distinção nós/eles, baseado na diferença cultural, sendo ao mesmo tempo inclusão e exclusão. Hall observa que as culturas nacionais, compostas de símbolos e de representações, constituem-se em uma das principais fontes de identidade cultural, tendo como objetivo a unificação dos membros em torno de uma mesma identidade, sublimando as diferenças de classe, gênero ou raça, ou seja, uma tentativa de representar todos como parte de uma mesma família. Assim, a identidade cultural torna-se também o objeto de lutas políticas. Entretanto, entendemos uma cultura nacional como um foco de identificação, um sistema de representação, no qual se insere uma unidade cultural imaginada, um

20

discurso totalizante e um nacionalismo politicamente construído. Sendo a cultura nacional uma comunidade imaginada a partir de memórias do passado, do desejo de viver em conjunto e de perpetuar sua herança cultural (ANDERSON, 1983), trata-se, então, de uma construção discursiva, um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas (HALL, 2002, p. 51).

Para Castells, é necessário questionarmos por quem e para quê essas identidades são construídas. Ao analisarmos o conceito de cultura nacional, é importante entender que apesar de existir um certo grau de totalidade, pois diferentes comunidades dentro de uma mesma nação compartilham de um sentimento de pertencimento ao Estado-nação, não podemos pensar a cultura nacional como unificada. De acordo com Hall (1992 2003, p. 62) “deveríamos compreender as culturas nacionais como constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade, através do exercício de diferentes formas de poder cultural”. Ele também questiona a ideia de que as identidades nacionais ainda se apresentem tão unificadas e homogêneas quanto demonstram ser suas representações. Nessa perspectiva, ele destaca a globalização como um fator de mudança decisiva sobre as identidades culturais, já que “o alcance e o ritmo da integração global aumentaram enormemente, acelerando os fluxos e os laços entre as nações”. E ressalta ainda que muitos estudiosos têm destacado como possíveis consequências desse processo pós-moderno a desintegração das identidades em função da homogeneização cultural; o reforço das identidades nacionais, locais ou particularistas motivado pela resistência à globalização; e o surgimento de novas identidades, consideradas “híbridas” em lugar daquelas nacionais que estão em declínio. Ao discutirmos a questão das identidades múltiplas é necessário enfatizarmos que essa pluralidade é fonte de tensão e contradição tanto na auto-representação dos indivíduos, quanto para o Estado que, apesar de admitir um certo pluralismo cultural, tende à buscar uma identidade cultural para definir a identidade nacional ou pelo menos uma “identidade de referência”.

21

Appadurai (2005, p. 25), ao discutir a crise do nacionalismo e o fim do patriotismo, explica que, hoje, as identidades e identificações giram em torno das realidades e das imagens de lugar, sendo assim, o “Estado-nação moderno não nasce de fatos naturais (língua, sangue, solo e raça), mas sim de um produto cultural essencial, um produto da imaginação coletiva”. Nesse sentido, como se dá o processo de construção das “imagens de lugar”, de que forma são representativas ou não e quais relações essas imagens constroem sobre as identificações e identidades culturais, no contraste com as alteridades? Questionar o que representa, na contemporaneidade, o conceito de identidade atrelado à noção de cultura e nacionalismo e discutir de que maneira ocorre o processo de construção das imagens, sob a perspectiva do olhar do “outro” tendo em vista as relações de identidade e alteridade, as noções de contato e fronteira, têm sido as diretrizes propulsoras deste trabalho. Depois de realizado este percurso teórico, cabe apresentarmos o objeto de análise deste estudo. Trata-se do programa humorístico americano “Os Simpsons”, mais especificamente o episódio “Blame it on Lisa”, o qual retrata a visita dos personagens ao Brasil e, assim, a narrativa marcada pela presença de críticas e de estereótipos ridicularizam de forma demasiada tipos brasileiros e a cultura do país. O episódio foi lançado em 2002 e causou bastante polêmica entre os telespectadores e o próprio governo brasileiro, que proibiu sua exibição no país. Baseado nesse “retrato brasileiro” pintado por um olhar estrangeiro, frequentemente reproduzido em produções cinematográficas, também na imprensa e na mídia, esse trabalho analisará o processo de construção das “imagens” do país, a partir do olhar do “outro” e as relações de alteridade e identidade que surgem neste contexto de identificações e estranhamentos.

22

CAPÍTULO 2

DESENHO E TELEVISÃO: O SURGIMENTO DAS ANIMAÇÕES, SUAS REFORMULAÇÕES E A DIVERSIFICAÇÃO DE PÚBLICO

Entre os meios de comunicação, pode-se dizer que a televisão é o que conquista consumidores com maior facilidade, seja em função do poder relativo de globalização do indivíduo em sociedade, pois este estará ligado a uma rede de informações em nível mundial ou pela opção de entretenimento que ela oferece aos telespectadores. Devido a inserção desse aparelho midítico, muitas mudanças ocorreram em nossa sociedade, isso em função do seu alcance abrangente e também pelo modo como o produto televisivo tem sido formulado ao longo das décadas. Assim, diversos estudos discutem o caráter social, cultural e ideológico dos conteúdos exibidos pela televisão e seus reflexos na sociedade. Abrangendo uma extensa variedade de atrações, ela possui programas, inicialmente, direcionados a grupos distintos de telespectadores, na tentativa de adequar os conteúdos à faixa etária do público. Entretanto essa “adequação” programa/telespectador existe apenas teoricamente, especialmente em se tratando da televisão aberta. Com as discussões em torno da ideia da televisão como “formadora de opinião”, aumentou-se a preocupação com o público infantil, já que para este também existe um espaço significativo na grade de programas, tendo o desenho animado como principal atrativo. Os desenhos animados, através de movimentos, cores, fábulas e histórias recheadas de duplo sentido, podem exemplificar atitudes que se espelham na realidade, mas que giram em torno de um contexto singular da iconização, distração, diversão e do lúdico. Sendo assim, eles ultrapassam a ideia de simples animação, transmitindo conteúdos bastante significativos concernentes a realidade, ainda que de forma lúdica. Nessa perspectiva, torna-se importante contextualizarmos historicamente a inserção dessas animações no cotidiano das pessoas e de que forma foram conquistando o público infantil e adulto, reformulando seus conteúdos e formatos. Ainda no cinema

23

mudo, na década de 1910, foram criados os primeiros desenhos animados, sendo grande parte elaborada no formato de curta-metragem, com piadas e roteiros direcionados ao público adulto. Apenas em 1920, ainda sem cores e falas, estreou no cinema e na televisão “O Gato Félix”, o primeiro desenho infantil. Alguns anos mais tarde, os Estúdios Disney criaram um dos personagens de desenho animado de maior sucesso entre as crianças, o “Mickey Mouse”. Assim, as animações começaram a se popularizar, deixando de ter uma temática adulta, sendo direcionada especialmente às crianças. Novos estúdios nos Estados Unidos entraram nesse mercado e a “Warner” apostou nos “Looney Tunes” (Desenhos Insanos). Já na década de 40, o Estúdio “Hanna-Barbera” apresentou desenhos como “Tom e Jerry”, “Os Flinstones”, “Zé Colméia”, “Manda chuva” e “Os Jetsons”. A partir da década de 50, as animações se popularizaram como entretenimento de massa. Nos anos 80, a temática dos personagens passou a ser estruturada na luta entre mocinhos e vilões, tendo sempre uma lição moral ao final dos desenhos, a exemplo de “He-Man”, “Caverna do Dragão” e “Thundercats”. Vale lembrar que produções baseadas em histórias de quadrinhos como “Superman” e “Batman” também passaram a fazer sucesso na televisão. Animações com um humor mais elaborado como “Pink e Cérebro”, “Animaniacs” e “Freakazoid” estrearam somente nos anos 90, ao lado dos desenhos japoneses que foram conquistando espaço no mundo, como “Cavaleiros do Zodíaco”, “Dragon Ball” e “Pokémon”. Nesse mesmo período, desenhos com um conteúdo mais adulto e recheados de um humor irônico ganharam espaço, como exemplo “South Park” e “Os Simpsons”. E é em torno deste último que se concentrará minha atenção, através de uma análise sobre as características e a história desse desenho que, devido ao seu sucesso, transformou-se na série mais antiga da televisão. Com base na trajetória histórica das animações, pode-se dizer que as inovações tecnológicas e as transformações sociais contribuíram para que os desenhos animados sofressem inúmeras modificações, desde sua apresentação na televisão quanto em relação ao seu conteúdo temático, diversificando cada vez mais o público. Atualmente, essas animações são exibidas diariamente tanto na televisão aberta quanto na TV a cabo (com canais que exibem desenhos em toda sua programação). Partindo de inúmeras temáticas e abrangendo todas as faixas etárias, os desenhos animados são produzidos e conquistam público em diversas partes do mundo.

24

2.1 HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS DO SERIADO “OS SIMPSONS”

Considerado um dos desenhos animados de maior sucesso artístico e comercial da televisão dos últimos 20 anos, o seriado americano “Os Simpsons” é descrito na mídia como um fenômeno global e cultural, pois possui um público bastante heterogêneo, alcançando audiência em muitos países da Europa, Ásia, Oceania, América Latina, Oriente Médio, África, entre outros. Retratando práticas da sociedade contemporânea e temas polêmicos, o desenho promove uma sátira acerca da estrutura tradicional das famílias da classe média americana, baseando-se numa visão estereotipada da cultura em que se insere e também de outros povos, uma vez que o seriado trabalha com a temática dos “encontros culturais” nos países aos quais os personagens visitam e também quando estes são visitados. Assim, “Os Simpsons” destaca-se como o seriado que se mantém há mais tempo na televisão ininterruptamente. Atualmente, encontra-se em sua 24º temporada, superando a marca de mais de 500 episódios exibidos, já conquistou prêmios importantes, entre eles dezessete Emmy de melhor seriado animado cômico ofertado pela Academia de Artes e Ciência da Televisão, considerado o Oscar da TV americana; doze prêmios Annie entregues pela Sociedade Internacional de Filmes Animados, três prêmios Genesis, sete prêmios International Monitor, quatro prêmios Environmental Media e um Peabody que distingue a excelência televisiva. O seriado ganhou também uma estrela na calçada da fama em Hollywood e, em 2007, a série estreou como filme. Vale lembrar que todo esse sucesso é responsável por movimentar o mercado, através da comercialização de diversos jogos eletrônicos, brinquedos, roupas, calçados, entre outros produtos, além de abranger a Internet, onde são exibidos os episódios não só pela homepage oficial “Simpsons”, mas através de muitas outras criadas por fãs de diversas partes do mundo, que se organizam em comunidades virtuais. Inserida na lógica mercadológica e do merchandising editorial, responsável por uma arrecadação monetária considerável, “Os Simpsons”, na qualidade de produto de mídia de massa e por discutir temas importantes para sociedade, tornou-se alvo não só da crítica televisiva, mas também objeto de análise acadêmica em diversos países,

25

contribuindo para a publicação de artigos, teses, revistas e livros que tentam analisar os episódios sob a perspectiva de campos como filosofia, física, comunicação, linguagem, etc. Entre os livros publicados estão “Os Simpsons e a Filosofia” de Aeon J. Skoble, Mark T. Conard e William Irwin, “Os Simpsons e a Ciência”, de Paul Halpern, e também “A sabedoria dos Simpsons”, de Steven Keslowitz. Em algumas universidades dos Estados Unidos, o seriado tornou-se até mesmo instrumento base para disciplinas, como é o caso da Tufts University e da Siena Heightsde. “Os Simpsons” foi idealizado pelo americano Matthew Abram Groening2 em 1987, quando ele produzia tiras em quadrinhos sob o título de Life in Hell, as quais eram publicadas em diversos jornais da América do Norte. James L. Brooks, fã das histórias, teve a ideia de levar o trabalho de Groening para o programa de TV The Tracey Ullman Show. Assim, foram criados os personagens da família “Os Simpsons” e exibidos, inicialmente, como uma série de curtas de trinta segundos. Segundo dados do site oficial do desenho, a reação dos telespectadores foi tão positiva que a animação evoluiu para um programa, estreando como um especial de Natal de meia hora em 1989 e depois como série regular em 1990 exibida pelo canal de TV a cabo Fox. A série estreou no Brasil em 1991 na Rede Globo e mais tarde no SBT. Vale lembrar que a Fox exibe o desenho diariamente em diferentes horários, com a dublagem em português, podendo o telespectador acompanhar as traduções através da legenda no canal pago. O programa é mundialmente conhecido por apresentar uma sátira ao padrão de vida da sociedade capitalista estadunidense, estereotipando-a nos personagens e em várias situações. Os protagonistas são os membros da família Simpson, composta por Homer Jay Simpson, Marjorie (Marge) Simpson, Bartholomew (Bart) Simpson, Elisabeth (Lisa) Simpson e Margareth (Maggie) Simpson, que estão no centro da narrativa, representando as famílias de classe média americanas. Ainda conforme o site “The Simpsons” (acesso em março de 2011), para batizar esses personagens, usou os nomes de membros da sua família: Homer é o nome de seu pai e Marge tem o mesmo nome de sua mãe, suas irmãs chamam-se Lisa e Maggie, e Bart é um trocadilho de brat, que em inglês significa “pirralho, fedelho”. Na série há também

2 Matthew Abram Groening nasceu em 15 de fevereiro de 1954, em Portland, Oregon, EUA. É cartunista e criador das séries de televisão Os Simpsons e Futurama. Atualmente trabalha como consultor criativo de ambas as séries.

26

um grande número de coadjuvantes, incluindo colegas de trabalho e escola, professores, policiais, entre outros. Atualmente, conforme informações do site, para animar um único episódio é preciso produzir 24 mil desenhos e gastar até oito meses de trabalho, com 300 profissionais e um custo de 1,5 milhão de dólares. A produção chega a contar com uma orquestra de 35 instrumentos e um compositor próprio. São dezesseis roteiristas, dois comediantes, alguns redatores de piadas, roteiristas de seriados, um redator publicitário, etc. Depois de prontos, os textos do episódio são avaliados pela equipe e os dubladores começam a gravar as vozes dos personagens, após animadores e criadores de storyboard (rascunho) começam a trabalhar. O próximo passo é juntar todo o material que foi feito e enviar para a Coréia. Lá são feitas a animação final, a pintura e a câmera, porém, depois, todo o material retorna para os Estados Unidos. Esse processo leva de sete a oito semanas. O último estágio da produção é incluir os efeitos sonoros, músicas e vozes que já foram gravadas anteriormente. Todos os procedimentos, desde o início, com o roteiro até a finalização, demoram de cinco a sete meses. A série tem como pano de fundo a cidade Springfield, tendo sido escolhida por ser um nome comum de cidades americanas. E, pode-se dizer que esta apresenta problemas parecidos com às cidades de uma sociedade real, porém estes são exibidos de maneira escancarada. E são peculiaridades como essas que tornam o desenho um texto próximo ao cotidiano comum, pois o cenário possui a estrutura necessária a uma cidade e os personagens são dotados de um caráter psicológico distinto e complexo. Assim, a família Simpson, ainda que fícticia, acaba se tornando o espelho de uma família real, onde cada membro possui qualidades e defeitos. Para entendermos mais sobre esse núcleo familiar descreveremos a seguir o perfil dos personagens principais com base nos episódios já exibidos, que apesar de não seguirem um tempo cronológico, reconstituem o passado dos personagens e até vislumbram o futuro destes em alguns desenhos: Homer possui 38 anos de idade, é um pai de família e trabalha como Inspetor de Segurança na Usina de Energia Nuclear de Springfield, apesar de não ter competência e responsabilidade suficiente para o cargo. Ele foi criado por seu pai, Abe, que tentava compensar a ausência da mãe de Homer, uma hippie radical. Após se formar em último lugar no secundário, junto com sua namorada de escola, Marge Bouvier, ele se

27

estabeleceu em Evergreen Terrace, um bairro de classe média baixa de Springfield, onde cria seus três filhos. Esforça-se para ser um bom pai, mas fracassa em suas tentativas, vivendo em conflito com Bart, não dando valor a inteligência de Lisa e se omitindo com Maggie. Homer gosta de cerveja, roscas (donut‟s), costeletas de porco e de passar o maior tempo possível em frente à televisão. Suas antipatias incluem seu patrão, o Sr. Burns e seu vizinho, Ned Flanders. É caracterizado como um homem acima do peso, preguiçoso e desprovido de inteligência, pois suas atitudes são quase sempre estúpidas. Apesar de se mostrar um tanto alienado, também costuma transgredir as regras de etiqueta ditadas pela sociedade atual, agindo pelo impulso. Uma de suas virtudes é o entusiasmo pela vida, mostrando-se, em alguns momentos, através de sua infantilidade um comportamento sem maldade. , 37 anos, é uma dona de casa e seu maior orgulho são seus três filhos e Homer. É uma mãe e esposa dedicada e zelosa, podendo ser vista até como a figura que mantém a família unida e que tenta assegurar a harmonia em casa. É casada com Homer há onze anos, ama incondicionalmente os filhos e o marido, adora limpar, lavar e cozinhar para eles. Ela pode ser compreendida como o estereótipo da mulher que se ocupa apenas em cuidar do lar, dos filhos e do marido. Está sempre tentando resolver os problemas da família e aplicando lições de moral para corrigir quando necessário. Antes de se casar queria ser jornalista, mas desistiu da ideia. Assim como já demonstrou interesse por uma série de profissões, mas continua passiva a sua condição. Marge também tem um relacionamento forte com suas irmãs, Patty e Selma, e com seu sogro, Abe Simpson. Bart, 10 anos, é o primogênito da família e possui uma personalidade forte. É um menino problemático, um filho incorrigível e um irmão implicante. Gosta de chamar a atenção e de manter a imagem de bad boy. Cursa o 4º ano e vive se envolvendo em confusões na escola, adora passar trotes telefônicos e andar de skate. Para ele, as regras impostas são feitas para se transgredir, por isso se expressa livremente e age sem medir conseqüências. Por conta disso, no decorrer dos episódios, já passou por situações complicadas: teve hematomas e ossos quebrados em manobras de skate, já tomou Ritalina quando diagnosticado como hiperativo e até vendeu a alma ao diabo por cinco dólares. Assim, pode ser considerado o estereótipo de rebeldia e experimentação do

28

mundo que o cerca. O seu maior inimigo é o diretor da Escola Primária de Springfield Seymour Skinner. Lisa, 8 anos, é a filha do meio, é muito inteligente e espera ansiosa pela faculdade. Apesar de nova, ela demonstra características de superdotada, lê perfeitamente bem e já escreveu ensaios de qualidade excepcional. Entretanto, por viver num mundo “não intelectual”, ela sofre por ser inteligente. Portanto, é construída de forma estereotipada como o tipo de nerd inteligente e isolado, já que ela não consegue amigos e muito menos popularidade como seu irmão Bart. Está sempre defendendo os direitos humanos, as causas sociais e ambientais, os direitos das mulheres e dos animais. É vegetariana e adepta ao budismo em oposição ao resto da família, que segue o cristianismo. Ela busca o sucesso na vida, sonha até em ser presidente dos EUA, mas vive numa família e numa sociedade que pouco dá valor ao seu potencial e tem como exemplo um pai que quase sempre fracassa em tudo. Adora tocar saxofone, jazz, ir à escola e ler uma revista para garotos. É fã da Malibu Stacy (boneca parecida com a Barbie) e sonha em ter um pônei. Maggie tem apenas 1 ano de idade. É muito apegada à mãe e quase inexistente para o pai. Vive no seu mundinho de bebê, mas é muito esperta e observadora. Já aprendeu a soletrar o próprio nome. Em um dos episódios da série, andou sozinha por Springfield e atirou no homem mais rico da cidade, o Sr. Burns. Sua marca principal é a chupeta, que não sai de sua boca. E com base nesses personagens que extrapolam o caricatural o enredo constitui- se levando em consideração a identidade de cada membro da família. É importante destacar que por mais suscetíveis às transformações comportamentais e em relação à personalidade, no decorrer da narrativa dos episódios não ocorrem mudanças significativas nas personagens, mantendo-se sempre como personagens reconhecíveis aos telespectadores. Vale ressaltar que o posicionamento ideológico divergente entre os personagens contribui para o surgimento de conflitos, fornecendo os elementos necessários para a discussão dos assuntos abordados. Entre os temas recorrentes na série estão o preconceito, imigração, consumismo, armas, política governamental e presidencial, alcoolismo, casamento homossexual, culto às celebridades, adultério, pena de morte, aquecimento, energia nuclear, religião, obesidade, moralidade, pobreza, leis, pena de morte, aquecimento global, poluição, entre outros assuntos polêmicos.

29

A abordagem desses temas é feita a partir da comicidade, marcada por sátiras e por um teor irônico, no qual quase sempre pode-se perceber a ridicularização de personagens e de situações. “Os Simpsons” satiriza não apenas o modo de vida americano e a própria cultura daquele contexto, mas também a cultura de outros países, não poupando nem mesmo a FOX, principal veiculador do desenho. A abrangência e a aceitação do seriado nos mais diversos países ocorrem de forma bastante interessante, uma vez que permite ao telespectador vislumbrar no discurso do seriado o cruzamento de identidades culturais divergentes tanto entre si, quanto em relação a ele mesmo enquanto sujeito contextualizado em outra cultura. Entretanto, esse processo dialógico entre o telespectador e o seriado sofre com as interferências ideológicas de controle político e social, ou seja, em alguns países a série sofre alterações na tentativa de se adequar a alguns critérios já pré-estabelecidos, como, por exemplo, nos países do Oriente Médio, pela MBC (Middle East Broadcasting Center Dubai), o desenho recebeu outro nome Al Shamshoon, Homer é chamado de Omar e Bart de Badr. Todas as referências a cerveja e drogas foram removidas, o que fez com que a Taverna do Moe saísse dos episódios. Personagens como Apu, Reverendo Lovejoy e Krusty foram praticamente removidas por causa das suas religiões. Em 2011, conforme informações do site Folha UOL (acesso em maio de 2011), devido ao acidente nuclear de Fukushima, no Japão, a televisão suíça alemã decidiu não transmitir mais os episódios que tratem de segurança nuclear. Já no Brasil, conforme o site Terra o desenho também foi alvo de censura nesse mesmo ano. De acordo com a coluna Zapping, do jornal Agora São Paulo, a Globo censurou a exibição da cena de um beijo gay entre os personagens Homer e Moe no episódio Todo o Mundo Morre um Dia de Os Simpsons. Além desta, cenas de alcoolismo e trote telefônico também foram cortadas. (Disponível em: http://diversao.terra.com.br/tv/jornal-globo-censura-cena-de-beijo-gay/ Acesso em maio de 2011)

De acordo com o site Animation Info (acessado em março de 2011) a revista americana Time publicou uma lista com os desenhos mais polêmicos da história, tendo o episódio “Blame it on Lisa” (O feitiço de Lisa) ocupado a terceira colocação. Lançado em sua 13º temporada, no ano de 2002, o desenho narra a visita da família Simpsons ao Brasil e faz uma série de críticas à segurança pública, às condições de moradia, à

30

preservação ambiental, além de reproduzir alguns estereótipos da cultura brasileira. O episódio causou indignação por parte do governo e de órgãos relacionados ao turismo que se posicionaram revoltados com os produtores de “Os Simpsons” e exigiram-lhes um pedido formal de desculpas. O fato foi veiculado em uma reportagem da Revista Veja, em 17 de abril de 2002, conforme extraímos o trecho abaixo: O humor politicamente incorreto do desenho animado americano “Os Simpsons” desembarcou no Brasil e fez estrago. Em um episódio que acaba de ser exibido nos Estados Unidos, a família decide visitar o Rio de Janeiro e se mete em uma série de confusões. Aparecem ruas cheias de ratos e trombadinhas. Um táxi clandestino seqüestra o patriarca, Homer. Macacos e sucuris andam pela cidade. O pestinha Bart se dedica a aprender espanhol antes da viagem e a trilha sonora é de ritmos caribenhos. A Riotur, empresa de turismo do Rio, anunciou que vai processar a Fox, produtora do desenho animado. O episódio deve ser exibido no Brasil apenas em outubro. Outros países já foram alvo desse tipo de gozação, sem maiores conseqüências (...) (VEJA, 2002)

Após a repercussão, no mesmo mês, a produção do desenho pediu desculpas ao presidente Fernando Henrique Cardoso pelo episódio, conforme noticiou o jornal folha de São Paulo. "Pedimos desculpas à amável cidade do Rio de Janeiro", disse o produtor James L. Brooks. "Se isso não resolver a questão, se oferece para lutar com o presidente do Brasil no 'Celebrity Boxing'." Ele se referia ao novo programa da Fox, emissora de "Os Simpsons", que reúne duas celebridades já em decadência para uma luta de boxe. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2002)

Segundo o site Wiki Simpsons (acesso em março de 2013), desde o seu lançamento, o episódio foi exibido no Brasil apenas duas vezes pela FOX e uma vez em TV aberta pela rede Globo, tendo em sua exibição o esclarecimento de que a produção da série “é de responsabilidade de seus criadores, que têm no exagero uma de suas principais características”. (Disponível em: http://www.etur.com.br/conteudocompleto.asp?idconteudo=469/Acesso em março de 2013). Em 2007, o seriado voltou a fazer referência ao país, em sua 18º temporada, vindo a sofrer censura em sua exibição, conforme veiculou o site da UOL: O site Simpsons News descobriu que o episódio exibido na semana passada (dia 22-10-2007) pelo canal foi sumariamente censurado pela tradução! Na cena original de The Wife Aquatic, Marge Simpson comenta sobre um local sujo que a família visita e Lisa diz que é o lugar mais imundo que ela já foi. Aí o Bart pergunta – “mais do que o Brasil?” – e Lisa complementa – “depois do Brasil”. Porém, na dublagem, simplesmente ignoraram o script correto e criaram um novo diálogo suprimindo o que foi originalmente dito. (UOL, 2007)

31

Podemos dizer que um dos temas centrais do seriado é a sua revolta constante e implacável contra a autoridade, ou melhor, contra o autoritarismo, através dos questionamentos que faz seja dos sistemas governamental, administrativo, educacional, de saúde ou familiar. É fundamental também lembrar que a ótica de julgamento que o seriado faz acerca dos temas parte de uma proposta sarcástica não só do outro como de si mesma, ou podemos até pensar que através dessa ridicularização do “outro” constrói- se a crítica principal que é sobre si. Um processo de análise complexo devido a essa inversão, que é proposta na medida em que os personagens são calcados dentro de um contexto cultural e social próprio, nesse caso os Estados Unidos, e se posicionam com uma visão distorcida da realidade e, ás vezes, alienada à mídia para construir seu discurso acerca do universo que os cerca. Assim, é fazendo uso do poder de sugestão dos desenhos animados, que “Os Simpsons” produzem distorções divertidas e cria um ambiente propício para o satírico e o subversivo, cumprindo a tarefa de seduzir, divertir o público, e ainda despertar o senso crítico nos telespectadores, além das constantes polêmicas.

32

CAPÍTULO 3

“BLAME IT ON LISA”: A CONSTRUÇÃO DE IMAGENS SOB A PERSPECTIVA DO OUTRO

É fato que os meios de comunicação são relevantes para entendermos nossa cultura contemporânea e influenciam significativamente o comportamento social, cultural e educacional das pessoas. A partir das ideologias impressas pela mídia criam- se novos hábitos, afirmando tendências ou extinguindo-as do meio social. Nesse contexto, a televisão ainda é considerada uma das ferramentas midiáticas mais abrangentes, estando nela inseridos os gêneros textuais mais diversos e com ideologias distintas, muitas vezes implícitas em seu conteúdo. Partindo daí, podemos dizer que entre os gêneros televisivos, o humor destaca-se como o mais intrigante, tendo em vista o fato de que o teor de seu discurso é quase sempre carregado de intenções às vezes “suavizadas ou disfarçadas” pelo efeito do riso. Nessa perspectiva, analisaremos a construção de sentidos do episódio “Blame It on Lisa”, partindo do pressuposto de que a função social do humor não é de apenas divertir, mas também de humilhar, ridicularizar, punir, alienar e criticar a cultura oficial. Nesse sentido, Adorno (1985) acredita que o riso ganhou um caráter maldoso e amarrado às instâncias da dominação, estando nesta indiferença a indústria do prazer, enquanto que para Bérgson (1978), o riso trata-se de um trote social, que embute o sentido de humilhar alguém. Já, Mikhail Bakchtin (1996), partindo de um estudo feito acerca do carnaval compreende que o humor é ambivalente, já que possui um caráter burlador e também sarcástico. Seguindo este pensamento, Sodré e Paiva (2002), relacionam o humor ao seu caráter crítico, pelo viés do grotesco, baseado em sua capacidade de nos propor o rebaixamento de idealizações, aproximando-nos daquilo que soa ridículo e grosseiro. A partir da construção do humor satírico, a cada temporada “Os Simpsons” apresenta um episódio no qual visitam um país ou são visitados por pessoas de outros países, promovendo assim uma narrativa marcada por estranhamentos e identificações entre as diversas culturas que são destacadas. No episódio “Blame it on Lisa”, a família

33

decide viajar para o Brasil, após ter sua conta telefônica desativada em função das inúmeras ligações que Lisa havia feito para um orfanato no Rio de Janeiro chamado “Anjos Imundos”, na tentativa de ajudar financeiramente o órfão Ronaldo. Inicialmente, Homer não quer viajar e enfatiza que os meninos do Brasil são "pequenos Hitlers". Lisa exibe um vídeo enviado pelo órfão agradecendo as doações e comentando que havia comprado sapatos para dançar “carnavais” e uma porta para o orfanato, que estava sendo invadido por macacos. Assim, a família deixa a caçula Maggie com as irmãs de Marge e decide encontrar o “pobre órfão brasileiro”. À procura do garoto, Bart e Homer vão à praia de Copacabana e se deparam com exuberantes mulheres de biquíni. Lisa e Marge vão a uma escola de samba onde estão dançando uma nova mania nacional: a "Enfiada". Numa feira, pai e filho são distraídos por uma vendedora enquanto “trombadinhas” os roubam. Num táxi, Homer é seqüestrado e levado à Amazônia. Marge encontra Ronaldo no carnaval num carro alegórico. O órfão, que havia ficado rico como figurinista, paga o resgate de Homer, feito nos bondes do “Pão de Açúcar” e que, em seguida, despencam com a família. Finalmente, Bart é engolido por uma anaconda e samba. Sob uma perspectiva estrangeira, a narrativa exibe um Brasil caricatural sob as lentes turísticas da família Simpsons, que mesmo antes de desembarcar ao país trouxera diversas impressões e pré-conceitos, como na cena em que Bart se empenha aprendendo espanhol e sua mãe o alerta que a língua nacional é o português. Assim, a “brasilidade” é marcada pelos ritmos dançantes do carnaval, pelas praias, pela paixão pelo futebol, pelo erotismo das mulheres, pela sexualidade mais aparente, pela violência, pela Amazônia e consequentemente pela degradação ambiental, além de outros símbolos como o Cristo Redentor, o bondinho, a Carmem Miranda, etc. Como se forjou essa imagem/paisagem brasileira? Até que ponto ela pode ser representativa ou não da identidade nacional? Quais as identificações e os estranhamentos provocados neste contexto de identidades e alteridades, que o olhar estrangeiro nos propõe? De que modo o olhar do “outro” e o olhar do nativo se entrecruzam nesse contexto de imagens e estereótipos? Qual a dimensão desse encontro? É com base nesses questionamentos que buscaremos direcionar nossas análises, não em busca de respostas, mas de novas inquietações, discussões e desdobramentos acerca do tema.

34

Entendemos que a sociedade contemporânea é cada vez mais marcada pela configuração dos mercados, das técnicas de produção e reprodução de imagens e das orientações culturais. A partir do aumento dos processos de globalização, da interação entre os povos e da circulação de informação e de bens comerciais e culturais tornou-se mais evidente a importância de se discutir e de se perceber a questão do olhar e do diálogo com o outro como um fator relevante no delineamento das identidades. Ao assistir o episódio “Blame it on Lisa”, num primeiro momento somos levados a questionar diretamente àquele retrato brasileiro, como se, numa explicação metafórica, quiséssemos entender quais tintas foram utilizadas ou de que forma desenharam tais contornos. Entretanto, compreender a imagem do “Brasil dos Simpsons” é uma tarefa mais complexa, pois requer, primeiramente, a discussão sobre o olhar que captou e imprimiu aquele retrato. Refletir sobre o olhar do outro é aprofundarmos nas relações de alteridade e identidade, reconhecendo que o que faz dele o “outro” contribui com a construção de um “eu”. Hall (1997) explica que para a teoria lingüística saussureana as oposições binárias representam a forma mais extrema de marcar a diferença e são essenciais para a produção do significado. Assim, podemos dizer que o processo de construção cultural das identidades está vinculado à concepção da diferença, que pode ser construída negativamente por meio da marginalização e exclusão daqueles que são vistos como “outros” ou positivamente entendida como fonte de diversidade e heterogeneidade e hibridismo. Em seu estudo sobre identidade e diferença, Woodward (2000) cita que muitos autores criticam as oposições binárias com o argumento de que os termos em oposição sempre recebem uma importância desigual, sendo um termo de oposição mais valorizado que o outro e contribuindo para a necessidade de um desequilíbrio de poder entre eles, “um é a norma e o outro é o „outro‟, visto como o desviante ou „de fora‟”. Nesse sentido, cabe dizer que o significado que é produzido através dos sistemas classificatórios dependem de sistemas sociais e simbólicos, e que essa classificação é construída em torno da diferença. Os sistemas sociais e simbólicos produzem as estruturas classificatórias que dão um certo sentido e uma certa ordem à vida social e às distinções fundamentais – entre nós e eles, entre o fora e o dentro, entre o sagrado e o profano, entre o feminino e o masculino – que estão no centro dos sistemas de significação da cultura. Entretanto, esses sistemas classificatórios não

35

podem explicar sozinhos, o grau de investimento pessoal que os indivíduos têm nas identidades que assumem. (WOODWARD, 2000, p. 68).

As identificações e os estranhamentos resultam das relações com o outro, a partir das noções de contato e do apagamento de fronteiras. Nesse contexto, as imagens e até mesmo os estereótipos são construídos, desconstruídos ou reconstruídos, conforme os sistemas sociais e simbólicos de classificação. Os produtos midiáticos contribuem de forma massiva, nesse sentido, na produção e reprodução dessas imagens e estereótipos. No episódio “Blame it on Lisa”, escrito e produzido por um grupo de editores americanos, o Brasil é apresentado pelas lentes da família Simpsons, numa perspectiva do que somos “nós” a partir do “outro”, do turista, do estrangeiro. Assim, cabe também refletirmos sobre a noção de estrangeiro que representa aqui bem mais do que “aquele que é de outro país, proveniente, característico de outra nação”, conforme descrito no dicionário; o termo estrangeiro pode ser empregado tanto a um grupo quanto a um indivíduo, e depende da imagem e da identidade que um outro grupo ou que um outro indivíduo constrói para si próprio. Vale destacar que essa atribuição é baseada numa análise dos modos de ser do outro; modos que, colocados em oposição com os modos de ser do grupo dominante, apresentarão determinadas diferenças que contribuirão na rotulação do dessemelhante como o estrangeiro. Muitas vezes esse processo ocorre com base em preconceitos e nas relações de poder. A construção social do “nós” produz diversas disparidades, através de uma hierarquização de valores que lhes serve de base para o reconhecimento do outro e, por conseqüência, de si mesmo, já que é na tensão das inúmeras diferenças culturais, étnicas, políticas, existentes entre os grupos sociais, que forja-se a autoimagem. Nesta perspectiva, ao analisarmos o enredo de “Os Simpsons” não estamos apenas tentando (re) conhecer a imagem do brasileiro, mas também do estrangeiro. É, nesse conflito, que percebemos diferentes óticas de análise, pois existe o retrato do país pelas lentes do outro onde discutimos identificações e estranhamentos do que somos “nós”, partindo de uma pretensa identidade brasileira (a qual já esclarecemos que não é fixa e nem una, trata-se mais de um posicionamento); há também a possibilidade de analisarmos esse mesmo retrato questionando a configuração desse outro/estrangeiro, através do modo como nos olha. Essa tensão está calcada em posições sociais e ideológicas e nas relações de poder, e se evidenciam através dos revestimentos

36

semânticos que não cessam de atribuir sentidos tanto aquele que é considerado como um “nós” quanto ao que representa o “outro”. Ao refletirmos sobre a representatividade das alteridades, podemos nos apoiar nos estudos propostos por Larrosa e De Lara (1998) que usam o termo “imagens do outro” para explicar as imagens dos loucos feitas pelas pessoas com uso da razão, que definem o sentido da razão e da sem-razão; dos selvagens pelos civilizados, que determinam o que é civilização e o que é barbárie; dos deficientes pelas pessoas normais, que estabelecem os padrões de normalidade, entre outros parâmetros, que nos dão a dimensão do modo como a produção dessas imagens é coletiva e multideterminada, implicando relações de poder historicamente estabelecidas em cada sociedade, num processo complexo, ao qual não se pode buscar uma única origem, causa ou agente, envolvendo os meios de comunicação, os quais estão integrados às matrizes culturais e inseridos fatores determinantes dessa configuração. Nesse sentido, alguns estudos antropológicos que tentam explicar a cultura como uma lente através da qual o homem vê o mundo e que, portanto, pessoas de culturas diferentes usam lentes diferentes, tendo, assim, visões distintas, nos fornece base para refletirmos que as imagens do outro são construídas através das “lentes” desse olhar marcado culturalmente, socialmente e ideologicamente. Para Geertz (1989), que é intitulado como o fundador da antropologia interpretativa, um dos métodos para entender a cultura do outro é a descrição etnográfica densa de caráter interpretativo e microscópico, onde o pesquisador se baseia nas palavras dos informantes, levando-se em consideração a visão que eles possuem de si mesmos, seus conhecimentos e práticas cotidianas, sua concepção do mundo. Entretanto, o teórico não descarta a qualidade discutível dos textos antropológicos devido ao seu caráter interpretativo, já que um “nativo” pode interpretar sua cultura. Sendo assim, para Geertz “trata-se, portanto, de ficções; ficções no sentido de que são „algo construído‟, „algo modelado‟”. Assim, os primeiros olhares sobre o outro remontam há milênios o encontro entre povos diferentes e servem como base para diversos estudos sobre as alteridades. No Brasil, o primeiro registro histórico, a carta escrita por Pero Vaz de Caminhas encaminhada ao Rei de Portugal, Dom Manuel I, quando do “descobrimento” do país, já nos mostra imagens do Brasil, construídas a partir do olhar do outro. A percepção do imaginário europeu revelava, através da carta, o deslumbramento diante da terra, dos

37

habitantes e das possibilidades de usufruto de um paraíso a ser explorado. Com relação aos indígenas, apesar de Caminhas questionar se seriam “seres bestiais”, eles eram descritos como inocentes e dotados de uma sensualidade natural. As imagens da carta são inúmeras e fazem parte destas o imaginário quinhentista europeu sobre o paraíso terrestre ou o “Éden” perdido. Atualmente, muitas imagens continuam a ser construídas sobre e pelo Brasil, através dos diversos olhares e das mais variadas lentes culturais, tanto na convivência dos indivíduos quanto nos demais contextos sociais, especialmente nos meios de comunicação. Vivemos um momento em que a globalização ocorre não apenas no campo econômico, mas tecnológico, político, social e cultural, contribuindo para uma série de mudanças no modo de viver e nas escolhas de cada indivíduo. Neste contexto, definido por Castells (1999) como uma época virtual e midiática, a comunicação eletrônica, através da mídia, é responsável por criar uma “realidade” baseada em imagens. Fridman (2000) explica que a exacerbação da imagem acaba resultando numa “confusão entre a imagem e a realidade”, uma vez que as pessoas são direcionadas a compreender aquelas imagens que são constantemente difundidas como parte de sua realidade. Essa dificuldade em distinguir o que é real do que é imagem, dada à relevância que a imagem exerce na vida das pessoas contribui para descrever a sociedade contemporânea, designada por alguns teóricos como a sociedade do espetáculo, na qual tudo se transforma em mercadoria consumível, inclusive as pessoas, através dos meios de comunicação de massa (Jameson, 1996). A partir dessa construção de imagens, alicerçada por um universo simbólico complexo, os meios de comunicação, especialmente no caso da televisão, dado ao seu poder de visibilidade, os indivíduos são forjados (e forjam-se) conforme diferentes interesses e motivos. Para o mundo midiatizado, ver-se na “telinha”, estar em evidência, é o caminho para tornar-se uma celebridade, desse modo, “existimos” a partir do momento em que somos vistos pelo outro no espelho narrativo e imagético da TV. Desse modo, tendo em vista que o objeto desta análise trata-se de um produto televisivo, cabe discutirmos as imagens que contestam papéis e lugares sociais tradicionalmente estabelecidos, no contexto televisivo e cinematográfico.

38

3.1. O BRASIL NO CINEMA ESTRANGEIRO: OS ESTEREÓTIPOS E A LÓGICA DA INDÚSTRIA CULTURAL

Entendemos que a relação do espectador com os filmes é um processo complexo que envolve interpretação, significação, atribuição de sentido e ressignificação ao longo do tempo, sendo esse processo mediado por diferentes fatores, como: as características do emissor e do espectador. Dada à importância que as matrizes culturais e os vínculos sociais dos indivíduos, os filmes tendem a reproduzir representações mais ou menos hegemônicas nas culturas nas quais estão inscritos e ou às quais se endereçam, visando à comunicação com o espectador. Assim, cabe destacar, que tanto o cinema quanto a televisão não podem ser considerados os principais agentes produtores de “imagens do outro”, porém é fato que desempenham um papel importante no interior do sistema no qual elas são produzidas, na medida em que produz e reproduz modos de ver, de agir e de pensar. A partir da impressão de realidade e do alcance social conquistado por filmes e personagens, muitas representações são construídas e recebem contornos de verdade muito convincentes e duradouros, que contribuem na cristalização de imagens, na produção e reprodução de estereótipos. Desse modo, mulheres fatais, negros violentos, latinos lascivos, índios cruéis, árabes terroristas, entre outros estereótipos foram naturalizados ao longo da história do cinema e da TV. De acordo com Lippman, o conceito de estereótipos pode ser designado como as “imagens em nossa cabeça” que representam a percepção de certas facetas da realidade (LIPPMAN apud MAISONNEUVE, 1977: 114). De um modo geral, podemos dizer que os estereótipos constituem a base dos pré-conceitos, apresentando um forte enraizamento histórico e cultural. Para Maisonneuve (1977), eles são criados para agregar, simplificar e categorizar o mundo, tendo um mecanismo inerente à própria compreensão humana, que procura diferenciar, generalizar e esquematizar para conseguir absorver informações. Ele observa que pelo fato do estereótipo repousar num essencialismo simplista e grosseiro é importante que não ignoremos suas armadilhas: o preconceito, a fixação, a superficialidade, o reducionismo, a caricatura, o exagero e a repetição.

39

Simões (1985) cita que, enquanto generalizações, os estereótipos apresentam três características importantes: são considerados abusivos, quando aplicados de maneira uniforme a todos os membros de um grupo (admitindo poucas exceções); extremos, ou seja, atribuídos de forma superlativa; e mais frequentemente negativos do que positivos. O fato da estereotipia negativa ocorrer em maior quantidade que a positiva pode estar relacionado ao seu papel principal que é o de legitimar formas de dominação e do poder social de um grupo sobre outro, e assim, assumir um caráter frequentemente depreciativo face aos “outros”, muito diferentes de “nós”. Os meios de comunicação já produziram e reproduziram diversas imagens do Brasil, muitas delas carregadas de estereótipos, retratados principalmente em produções cinematográficas. Nesse sentido, o olhar estrangeiro contribuiu na construção de um “Brasil” que mais parece um personagem do que um país, devido a sua caricatura sempre redesenhada ao longo da história do cinema, marcada com os mesmos traços, ás vezes reforçados, em outras suavizados, baseando-se no “jeitinho brasileiro” combinado à imagem do malandro, um país composto pela diversidade, mas retratado como exótico na construção de um país selvagem, aporte do país tropical caracterizado por uma Amazônia “logo ali” ao lado dos grandes centros, muitas vezes pouco civilizado ou então habitado por macacos. Representações que constantemente nos associam ao erotismo: mulheres mulatas reduzidas às partes genitais, geralmente à “bunda”, que quase sempre sambando ou, equivocadamente, dançando salsa ou “tcha-tcha-tcha”, gêneros que não são brasileiros. Há ainda outros equívocos como imagens de praias em que as mulheres fazem topless, que não é permitido pelas leis brasileiras. Além de representações de pessoas que não trabalham e apenas pensam em futebol, um país pobre, repleto de crianças carentes e favelas, onde só se pensa em sexo, no qual bandido vem passar férias ou se esconder, etc. Imagens como essas têm sido repercutidas na mídia internacional há muito tempo e parecem caracterizarem a fórmula perfeita para produção de filmes de boa bilheteria. No livro O Brasil dos gringos, Tunico Amancio (2000) descreve e analisa o modo como o cinema estrangeiro tradicionalmente apresentou e ainda apresenta o Brasil ao mundo. O autor identificou referências ao Brasil, ao Rio de Janeiro e ao brasileiro em sinopses de cento e setenta filmes de diferentes nacionalidades e após fazer uma classificação destes focou sua análise em dez filmes, entre os quais, Voando para o Rio

40

(Thornton Freeland, 1933, EUA), Orquídea selvagem (Zalman King, 1990, EUA), Feitiço no Rio (Stalen Donen, 1984, EUA), Brenda Starr (Robert Ellis Miller, 1989, EUA), T'empêches tout le monde de dormir (Gérard Lauzier, 1982, França) e Amazônia em chamas (The Burning Season, John Frankenheimer, 1994, EUA) considerados por ele emblemáticos no modo de nos representar que se tornou hegemônico no cinema mundial. Amâncio assinala que as imagens do Brasil que prevalecem nos filmes são as que descrevem o país como paraíso tropical, exótico, de natureza exuberante, sem lei e sem ordem, para onde fogem todos os criminosos perseguidos pela justiça do “mundo civilizado”; nesse país onde tudo pode, habita um povo feliz, místico, sensual, preguiçoso, corrupto e inculto. Com base no livro, foi produzido o documentário O olhar estrangeiro, de Lucia Murat, lançado em 2007, no qual são entrevistados diretores, roteiristas e atores dos filmes analisados por Amâncio. A proposta da diretora brasileira foi a de inverter a lente das câmeras e questionar a criação desse personagem chamado “Brasil”. Vale destacar, assim, que o documentário teve grande influência sobre o direcionamento de minhas pesquisas e análises. Entre os filmes selecionados pelo documentário estão “Feitiço no Rio” (Blame it on Rio) de 1984, dirigido por Stalen Donen; “O Beijo da Mulher Aranha” (1986) de Hector Babenco; “T‟empêche tout le monde de dormir”, de 1982, e “O filho do francês”, de 2000; “Le Grabuge” em 1968 de Édouard Luntz; “Lambada, a Dança Proibida”, lançado em 1990, de Greydon Clark; “Próxima Parada, Wonderland” (1999), dirigido por Brad Anderson; “L‟homme de Rio”, de 1962, de Philipe de Brocca; etc. Nas entrevistas, Murat apresenta atores, diretores e roteiristas que contam o que pensam sobre o Brasil e explicam o processo de criação e filmagem das produções cinematográficas. No documentário, uma pequena parte dos entrevistados, em geral os atores, afirmaram acreditar que tais filmes representam a realidade brasileira; já os diretores e roteiristas explicaram que anteriormente à execução dos filmes são realizadas pesquisas sobre o país, mas afirmaram também que acreditam que as imagens estereotipadas são bem mais aceitas pelo público, pois já estão “padronizadas”; e outros se basearam no princípio da “licença poética” da ficção. Nesse sentido, um dos diretores entrevistados Gerard Lauzier, responsável pelo filme “O filho de frânces” (2000), quando questionado a esse respeito, justifica com base no poder da indústria

41

cinematográfica, focada no lucro, destacando que o “Brasil” que ele apresenta em seu filme é o Brasil que vende: exótico, rural e sensual. Nessa perspectiva, entendemos que a lógica da indústria cultural é a da repetição, do menor esforço mental, do consumo mais ou menos automático de produtos conhecidos. Assim, a reprodução de imagens estereotipadas, portanto já padronizadas, atenderiam aos desejos do público de não ter questionados ou problematizados na tela pressupostos e visões de mundo tradicionalmente instaurados em sua cultura. Tal lógica pode ser compreendida como uma via de mão dupla, um círculo vicioso no qual prevalece o “sempre mais do mesmo”, além de contribuir para a preservação de hierarquias sociais e a preservação dos interesses dos dominantes que são aqueles que definem o lugar do outro. Cabe frisarmos também que este não é um problema enfrentado somente pelo Brasil, pois vários países periféricos também sofrem de uma visão redutora e de imagens estereotipadas.

42

CAPÍTULO 4

“BRASIL DOS SIMPSONS”: O DIÁLOGO DOS OLHARES EXTERNOS E INTERNOS NA CONSTRUÇÃO DE IMAGENS SOBRE (E PELO) BRASIL

Partindo da inquietação causada pelas imagens do país reproduzidas nos filmes estrangeiros, tentamos discutir de que maneira esse olhar é direcionado a “nós”, qual o processo de construção desse retrato brasileiro e a dimensão do diálogo entre o olhar do “outro” e o do nativo, tendo em vista as identidades do brasileiro e do Brasil forjadas por “nós”. Nesse sentido, o episódio “Blame it on Lisa” do seriado “Os Simpsons” nos serve de base para as análises, já que se trata de uma produção norte-americana que em diversas ocasiões constrói suas narrativas a partir de outros países e culturas. Com base num humor satírico, o seriado utiliza-se de diversos intertextos para provocar situações irônicas e cômicas. O próprio título “Blame it on Lisa”, que ao ser lançado em português traduziu-se em “Feitiço de Lisa” é uma clara referência ao famoso filme “Blame it on Rio” (Feitiço no Rio), dirigido por Stalen Donen, em 1984, com os atores Michael Caine e Demi Moore, tendo como pano de fundo a cidade do Rio de Janeiro. Nas cenas, demonstra-se uma aparente “naturalidade” em relação ao erotismo e ao sexo, principalmente quando se trata das mulheres brasileiras. O país é exibido como um lugar exótico, onde as fantasias são permitidas sem constrangimentos. Isso fica mais evidente nas cenas em que são mostradas mulheres brasileiras se divertindo na praia, fazendo top less e segurando filhotes de macaco, como se a nudez e a presença de macacos fossem algo comum nas praias do Rio. Nessa mesma perspectiva, o cinema já produziu diversos filmes que solidificaram ainda mais esse apelo caricatural, exótico e especialmente erótico da “brasilidade”, como nos conhecidos filmes: “Lambada: A dança proibida” (1990), “Orquídea Selvagem” (1990), “Próxima Parada, Wonderland” (1998), entre outros. Outro intertexto bastante interessante que também se refere a filmes estrangeiros sobre o Brasil pode ser identificado logo no início do episódio, quando Lisa explica à família que estava ajudando um órfão brasileiro chamado Ronaldo, através de ligações telefônicas, e Homer mostra-se preocupado, questionando se a filha sabia que os

43

meninos do Brasil são pequenos Hitlers, que havia visto isso num filme, do qual não se lembrava o nome. Lisa conta que o orfanato havia lhe enviado uma fita de vídeo em agradecimento às doações. Ao colocá-la no aparelho de vídeo, aparece o nome da fita como “Pequenos Hitlers adotivos”. Vale salientar que no seriado, o personagem Homer é caracterizado como uma pessoa alienada, que cultua a televisão como uma fonte fiel de valores e verdades. Posto isso, cabe destacar que o seu comentário sobre os meninos brasileiros serem “pequenos Hitlers”, trata-se de uma referência ao filme “Os meninos do Brasil”, lançado nos finais da década de 1970, baseado no romance de Ira Levin e dirigido por Franklin J. Schaffner, que narra a existência de grupos nazistas na América do Sul que realiza experiências de clonagem, na tentativa de reproduzir o ditador Hitler, por meio da fertilização de células congeladas com óvulos de mulheres parecidas com sua mãe. A experiência ocorre em território brasileiro, local onde os meninos nascem, porém não prevê apenas a reprodução genética, mas também de todo o seu contexto familiar, assim “os meninos do Brasil” são logo enviados para famílias alemãs. Nesse sentido, podemos perceber através do comentário de Homer, o modo como o desenho de forma sutil critica a forma como as pessoas são condicionadas através do que veem na televisão, ou seja, Homer, devido a um filme do qual nem se lembrava o nome, já se posicionava com base em pré-conceitos, isso nos dá a dimensão em que as produções cinematográficas estrangeiras operam no imaginário do outro que, nesse caso, desconhece a realidade brasileira. A partir de um “olhar turístico”, o episódio “Blame it on Lisa” narra a visita da família Simpsons ao Brasil, desde suas expectativas, seu conhecimento acerca do país até suas impressões ainda carregadas de pré-conceitos. O enredo nos chama atenção para alguns momentos em que a família reproduz um discurso pré-concebido da cultura brasileira e em alguns momentos fantasioso e incoerente à realidade. Nesse sentido, buscarei fazer os recortes no objeto de análise com vistas a pensar as questões relacionadas à sexualidade, ao carnaval, ao futebol, entre outros elementos da identidade cultural retratados a partir de imagens. Ainda no avião, Bart se esforça para aprender espanhol e sua mãe o adverte que a língua nacional no Brasil é o português. Uma incoerência que persiste ao longo da história cinematográfica de que “todos” os países da América do Sul têm o espanhol como língua oficial. Enquanto isso, Homer e Lisa preparam-se para interagir com a

44

cultura brasileira através dos ensinamentos de um manual de viagem, cujo título é “Como ser um brasilionário?”. A partir daí, os personagens iniciam o seguinte diálogo: Lisa: Olha só, algumas dicas de viagem: só bebam água mineral; não entrem em num táxi não licenciado; e não esqueçam que eles têm o inverno durante o nosso verão. Homer: Calma, calma aí! Então, é frio em agosto? E, em fevereiro é quente? Então, é a terra do contrário: ladrão corre atrás da polícia, o gato tem cão.. Lisa: Não, pai. É só o tempo! Homer: E a neve cai pra cima?

Com base nessa passagem, podemos identificar o modo pelo qual o personagem vai construindo uma imagem pré-concebida do Brasil em oposição à sua própria cultura, demarcando as alteridades e as fronteiras entre brasileiros e americanos. Hall (2002) entende a diferença como uma categoria central na constituição das identidades culturais, não representando apenas uma simples oposição binária, mas uma posição complexa e aberta para “outros sentidos adicionais e suplementares”. Na concepção de Woodward (2000, p. 54), “a diferença exerce a função de sistemas classificatórios que permitem a construção de fronteiras simbólicas entre as diferentes comunidades imaginadas”. É fato que as imagens construídas sobre o Brasil estão no centro de discussões que perpassam as relações de identidade e alteridade, implicando em estranhamentos e identificações em relação à cultura nacional. Assim, os estereótipos surgem como representações equivocadas e, até mesmo, preconceituosas do que seria a identidade nacional. Ainda é importante enfatizar que não queremos condicionar, aqui, uma visão moralista em relação a nossa identidade, mas discutir de que forma essas imagens se relacionam com as múltiplas identidades culturais que, também discutivelmente, representam o país internamente. Em relação à sexualidade brasileira, o episódio, assim como a maioria dos filmes estrangeiros, exibe a ideia de um país tropical exótico e com um erotismo natural, como é retratado na cena em que a família Simpsons ainda está no avião e o piloto diz aos passageiros: “Aqui é o seu comandante falando. A temperatura no Rio de Janeiro é quente, quente, quente, quente com a chance de 100% de paixão”. Ao lado o copiloto o repreende com um tom de fala “adocicado”: “Fernando você faz essa piada toda vez.” E o piloto o responde: “Isso não é piada. Foi isso que fez você se apaixonar por mim.”

45

É interessante observar que antes mesmo de aterrissarem no país, os turistas já são advertidos de que estão num lugar onde o prazer é garantido, devido ao calor e a paixão. Ainda reproduzindo a ideia da permissividade e da lascívia “natural” ao Brasil, há uma passagem em que a família está almoçando um típico churrasco brasileiro, mas Lisa recusa-se a comer, pois é vegetariana. Logo, Homer lembra à filha que ela está no Brasil de férias e como exemplo mostra que ele não está usando sua aliança. Num outro momento, Homer e Bart passeiam pela praia de Copacabana, mas são repreendidos por um salva-vidas musculoso, que com voz firme diz: “Americanos, não, não. Há um regulamento de roupas nessa praia”. Surpreso, Homer pergunta como ele adivinhou. Depois, é exibido um close da estampa de sua camiseta, que possui um desenho do planeta Terra, com a imagem do Tio Sam3 mordendo o globo e a frase “Try and stop us”, que significa “Tente nos parar”. Na sequência, com “trejeitos” e uma voz efeminada, o salva-vidas grita: “Mas, temos o jeitinho brasileiro”. Em seguida, cada um veste uma sunga e Bart reclama que se sente muito europeu, já que sua sunga lhe serve perfeitamente. Homer diz que a sua desapareceu (virando um modelo fio dental), incomodado ele veste outra, mas o mesmo se repete. E ele diz: “entrou, de novo”. Após mais uma tentativa fracassada, ele desiste e diz estar indo para um bom lugar. Enquanto caminham pela praia, os dois passam por mulheres com biquines bem pequenos e que, sem exceção, exibem corpos maravilhosos. Mas, elas, ao verem a forma física de Homer, se assustam. As imagens retratadas reproduzem a ideia de uma “brasilidade” onde a sexualidade é explicita e, ao mesmo tempo, natural. Assim, a praia onde ocorre o encontro entre os personagens brasileiros e norte-americanos torna-se um palco perfeito para os estranhamentos entre as identificações culturais. O desenho exposto na camiseta de Homer pode ser entendido simbolicamente como algo que distingue de forma evidente as posições sociais, culturais e ideológicas que giram em torno dos sujeitos (nós/eles) envolvidos. Assim, o episódio não apenas critica a pretensa superioridade dos Estados Unidos em relação ao mundo, através da figura do “Tio Sam devorando o mundo”, como também mostra o modo como parte dos americanos “vestem a camisa”,

3 O termo “Tio Sam” foi criado em 1812 por soldados estadunidenses que estavam no norte de Nova Iorque e representa a personificação dos Estados Unidos.

46

quando se trata de defender alguns posicionamentos ideológicos e políticos, ainda que baseados numa visão etnocêntrica, em relação ao resto do mundo. Ao refletirmos sobre a sexualidade, primeiramente, é importante argumentarmos, a partir da filósofa Judith Buttler (2003), que trata-se de um processo estruturado a partir do discurso e do poder, sendo este último influenciado pelas convenções culturais heterossexuais e fálicas. Sendo assim, é necessário pensar as possibilidades subversivas da sexualidade e da identidade nos próprios termos do poder. Discutir o contexto social contemporâneo da sexualidade é refletir sobre as relações de gênero e o modo que se reverberam historicamente na cultura do país, sendo marcadas fortemente ainda pelo modelo patriarcal e pelos sistemas hierárquicos de dominação masculina nas mais diferentes esferas da sociedade. Em se tratando do contexto brasileiro vale destacar os períodos históricos em que a censura fora o principal instrumento político de controle social e o modo como se produziam as “linhas de fuga” da opressão, através das manifestações artísticas e culturais. Assim, é importante dizer que a mídia há muito tempo têm exercido um papel significativo na reprodução de uma “identidade” erótica do país, através das telenovelas, dos programas, dos filmes, revistas, mas vale lembrar que esse discurso estereotipado da sexualidade brasileira também tem raízes históricas. Pode-se dizer que essa imagem sexualizada do país que permeia o imaginário, e que tem como ponto partida principalmente um corpo feminino voluptuosamente cheio de curvas e desnudo, tem origens históricas da época da colonização do país, quando a sexualidade “naturalizada” das indígenas causavam inquietação entre os desbravadores; com a miscigenação de raças, as relações sexuais de dominação entre senhores e escravas, até o surgimento da mulata “cartão-postal brasileiro”. Nesse sentido, num período em que era importante a “exportação” de uma identidade brasileira moderna e com ampla aceitação, figuras como Carmen Miranda, exaltada por sua sensualidade contribuíram para a construção do imaginário de mulher brasileira sensual, carregando a imagem da “brasilidade”, através de produções cinematográficas que fizeram sucesso no exterior com o filme “Banana da Terra”, de 1938, onde interpretou “O que é que a baiana tem?” de Dorival Caymmi. Assim, imagens estereotipadas foram construídas e fortaleceram um discurso que dá dimensões naturalizantes de uma “brasilidade” caracterizada pela ideia de “sexualidade á flor da pele” e de que “nesse paraíso tropical tudo é permitido”.

47

A dança e a música também foram elementos importantes utilizados pela série na caracterização da cultura brasileira. Entretanto, o fundo musical usado tratava-se de uma rumba ou de uma salsa, ritmos característicos de outros países. Tanto as músicas, quanto a caracterização física dos personagens brasileiros, mais parecidos com latinos, dotados de bigodinhos, são incoerências recorrentes nos filmes estrangeiros em relação ao país. No episódio, assim que a família desembarca no Rio, a personagem Marge lê no “manual de viagem” que no país as pessoas podem ir a qualquer lugar entrando numa “linha de conga”. Logo a cena é direcionada a Homer que segue atrás de uma fila de pessoas dançando um ritmo caribenho em direção ao hotel. Dessa forma, o desenho vai reproduzindo a imagem de que até as atividades mais cotidianas, como o trajeto do aeroporto ao hotel, giram em torno da música, da dança e da festividade; assim como num outro momento Ronaldo, aparece na frente do seu orfanato que está sob ruínas, e agradece às doações de Lisa, dizendo que com o dinheiro comprou novos sapatos de dança que durarão muitos carnavais, e ali mesmo já ensaia alguns passos. Partindo dessas imagens, podemos entender que a música, a dança e o carnaval permeiam o imaginário estrangeiro como integrantes essenciais do cotidiano brasileiro, às vezes mais valorizados até que outras necessidades como moradia, segurança, alimentação, transporte, etc. O episódio nos remete a alguns símbolos já impregnados em nossa cultura, através dos intertextos que podem ser identificados quando a família já está no quarto do hotel, Bart se surpreende com a recepção, dizendo: “Olha, eles oferecem um chapéu de frutas”. E Homer também encontra um “chapéu” montado com produtos do frigobar. Então, os dois com seus chapéus em referência à Carmen Miranda começam a dançar e a cantar a canção: “Sou a Chiquita banana e tô aqui pra declarar. Eu vou comer esse chocolate e não vou pagar”. A primeira frase da música e o ritmo referem-se a uma canção gravada por Carmen Miranda, chamada “Chiquita Banana”. Vale destacar que a cantora se consagrou como um ícone brasileiro no exterior, na década de 30, tendo como marca registrada seu imenso turbante composto de frutas tropicais. Nascida em Portugal, porém criada no Brasil desde bebê, a artista saltou do teatro para o cinema, estreando com “Down Argentine Way”, em português “A Serenata Tropical” e foi considerada a artista brasileira que até hoje fez mais sucesso no exterior. Entretanto, ao retornar de Hollywood recebeu algumas críticas brasileiras sobre ter voltado muito

48

“americanizada”. Na época, a revista “O Cruzeiro” publicou algumas críticas sobre o desempenho da artista em seu segundo filme, ressaltando que rejeitar a “pequena notável”, como ela era chamada, era também uma forma de rejeitar a imagem do Brasil que “dava certo lá fora”. Nesse sentido, percebemos que a produção de uma determinada “imagem” para o exterior sempre foi vista como uma necessidade, ou seja, era importante direcionarmos o “olhar estrangeiro” para um determinado Brasil, uma pretensa identidade nacional forjada para exportação. Em relação à dança, que também é um traço característico da imagem brasileira, o episódio narra o momento em que Marge e Lisa visitam uma escola de samba a procura do órfão Ronaldo e são recebidas de forma bastante grosseira por um personagem masculino, de corpo franzino, caracterizado como dançarino, com uma voz estridente e cheia de desdém. Em seguida, Marge mostra a foto de Ronaldo e inicia-se o seguinte diálogo. Marge: Com licença, achamos que esse menino pode estar aqui. Dançarino: Olha aqui minha filha, isso aqui é uma escola de dança e não o achados e perdidos. Aqui nós ensinamos a lambada e o samba. Agora estamos desenvolvendo nossa dança mais poderosa, a rebolada. Ela faz a lambada parecer uma ciranda de roda. Marge: Acho que minha filha não devia ouvir isso. Dançarino: Ai minha tia, não vai poder protegê-la pra sempre. Sua baranga estúpida.

Cabe destacar que durante o diálogo aparecem alguns casais ensaiando com muita sensualidade passos parecidos com dança de salão. A tentativa de representar a relevância da dança e da música através do episódio corresponde a uma imagem já solidificada que o país alcançou através desses elementos na mídia internacional. Tendo como principal representante da cultura musical e performática brasileira, o samba já passou por diversas trajetórias, da repressão à exaltação, de “dança de preto” a canção brasileira para exportação, até ser considerado um “produto genuinamente nacional”, assim como a capoeira, outro elemento importante da cultura brasileira. Nesse sentido, podemos dizer que há muito tempo o país é reconhecido no exterior pela música, pela dança e por manifestações como o carnaval. Tais elementos presentes na cultura brasileira sempre figuraram no noticiário estrangeiro, tanto de forma positiva quanto negativa. Em 1997, quando o Papa João Paulo II visitava o Rio de Janeiro, o jornal norte-americano The New York Times exibia uma reportagem sobre a ocasião, cujo primeiro parágrafo narrava o seguinte:

49

Em um país onde nádegas nuas são comuns nas praias, bancas de revistas vendem abertamente vídeos pornográficos e a dança mais popular inclui girar o pélvis sobre uma garrafa de refrigerante, o Papa João Paulo II está apelando aos católicos que retornem aos valores tradicionais de família. (Sims 1997:8)

A citação acima contextualiza a época em que o grupo de samba “ É o tchan” fazia sucesso com o hit “Boquinha da garrafa”. É interessante notar o modo como a imagem do país tem sido construída por uma sexualidade impressa na música e na dança, sendo reproduzida não só através dos ritmos já conhecidos e exportados como o samba e a lambada que figurou no exterior como “dança quente e proibida”, mas também de outros hits que são consagrados anualmente como “a nova mania do carnaval” e ou pertencentes ao funk, entre outros ritmos que abusam de uma sensualidade corporal. Através da indústria cultural, ano após ano, acompanhamos a construção de símbolos sexuais, principalmente mulheres, que em corpos bem demarcados pela linguagem erótica reforçam os estereótipos que constituem essa ideia de “brasilidade”. Podemos exemplificar com a exibição tradicional da “Globeleza” nos períodos carnavalescos, as “mulheres fruta”, as dançarinas de auditório, entre outras. Nesse sentido, o episódio “Blame it on Lisa” reproduz o erotismo presente na televisão brasileira. Quando a família se instala no hotel e liga a TV, Bart começa a assistir ao programa infantil “Telemelões”, apresentado por uma loira vestindo uma roupa justa ao corpo, exibindo um grande decote e as pernas de fora. No programa, ela aparece entretendo as crianças, rebolando e se “esfregando” em grandes letras ao lado de personagens fantasiados de animais e frutas. Num outro momento ela aparece girando os seios e ensinando os sentidos horário e anti-horário. Ao perceber o teor erótico, Marge questiona sobre o que os filhos estariam assistindo e logo o menino explica que “é o programa infantil preferido do Brasil”. Por meio da ridicularização e do apelo caricatural, o episódio nos remete a programas infantis de auditório, como das apresentadoras , Angélica, Eliane e Mara Maravilha. Seja através de filmes, noticiários, livros e até manuais de viagens, a imagem do país foi (e é) construída no exterior, a partir de olhares externos e internos, sobre e pelo Brasil. Assim, foram dados contornos a esse retrato brasileiro e forjou-se a ideia de um país tropical, quente, com uma mistura de raças, repleto de belezas naturais, associado ao futebol, ao carnaval, ao samba, à floresta, ao mulato, ao papagaio, entre outras imagens frequentemente reproduzidas na mídia. Cabe dizer aqui que a imagem do

50

papagaio, em especial, ganhou representatividade no exterior, através da criação do personagem Zé Carioca, em 1942, quando a empresa de entretenimento Walt Disney lançou o filme “Alô; amigos”. Nele, Zé Carioca servia de guia turístico do Pato Donald pelas terras brasileiras, oferecia-lhe cachaça, fumava e sambava junto do novo amigo. Vestindo um fraque, guarda-chuva e chapéu de palha, o personagem era caracterizado como um falastrão, simpático e um malandro, que não trabalhava, fazia trapaças e gostava de levar vantagens sobre as pessoas. Com o sucesso do papagaio brasileiro, após três anos, o desenho “Você já foi à Bahia?” foi estrelado por Zé Carioca, que apresentava “as belezas dessa terra de Carmen Miranda”. Assim, era o próprio olhar que vinha de fora que reconhecia nesse “malandro simpático” uma espécie de síntese local, ou ao menos uma boa imagem a ser exportada. Deste modo, a ideia da malandragem e do “jeitinho brasileiro” foram inseridos na construção da imagem do país até mesmo através dos desenhos. No episódio “Blame it on Lisa” é possível verificarmos tais características em vários momentos, além das críticas que “Os Simpsons” direcionam ao governo, através do humor satírico. Quando a família passeia pelo Rio de Janeiro e se depara com a favela, Marge se surpreende dizendo ser uma “vizinhança encantadora”. Então, Lisa a adverte: “Mãe, essas são as favelas. O governo pintou elas de cores vivas, só para que os turistas não ficassem ofendidos”. E Marge segue dizendo que “está tudo lindo”, quando aparecem centenas de ratos coloridos e Homer enfatiza que “parecem balinhas”. Nesse ponto, o episódio começa a evidenciar a imagem de um Brasil que não é marcado apenas pela festa e pela dança, mas também pela miséria e pelo descaso político. Partindo daí, podemos analisar o encontro entre uma imagem brasileira que é forjada para os turistas e o modo como “eles”, no papel dos Simpsons, olham para essa imagem. Num outro momento, a família se divide para procurar o órfão Ronaldo, Homer e Bart vão até uma feira, onde o pai decide experimentar uma “bebida feita com as doces frutas brasileiras”, conforme o personagem faz referência. Depois Bart preocupado com o órfão, diz: Bart: Deve ter um milhão de crianças aqui, deve ser impossível encontrar o Ronaldo. Vendedora de bebidas: Ronaldo? Bart: Conhece ele? Vendedora de bebidas: Ah!Não. Eu só distrai vocês para os meus filhos poderem roubar.

51

Enquanto isso umas seis crianças arrancam dinheiro dos bolsos dos “Simpsons”. A cena extrapola a ideia da “malandragem” brasileira e a coloca no nível da criminalidade, expondo a violência e o roubo como uma questão natural, pertencente ao convívio familiar e educacional, ou seja, é a própria mãe incitando seus filhos para o crime. Também podemos analisar o modo como os turistas são retratados como vítimas em potencial para tais ocorrências. Outra face do “Brasil dos Simpsons” é mostrada quando Marge e Lisa estão numa outra parte da feira e se encantam com animais que, aparentemente, estão empalhados sendo comercializados nas bancas. Porém, ao se aproximar para tentar comprá-los, os animais avançam e Marge reclama: “Tudo aqui está vivo”. Nesse sentido, refletimos sobre a imagem que o país reproduz em relação à exploração e ao tráfico de animais silvestres. Na sequência, Homer e Bart entram num carro com a placa “táxi não licenciado” e são surpreendidos pelo taxista que, de porte de uma arma, sequestra o pai. Na cena seguinte, o episódio mostra dois sequestradores levando Homer encapuzado num barco pelo rio Amazonas. Ao questionar o lugar para onde estaria sendo levado, ele recebe a seguinte resposta: “É a Amazônia, mas aproveita bem, porque nós estamos queimando ela toda”. Após, ele fica preso num cativeiro. Enquanto isso, Marge, ao saber do sequestro, procura a polícia do Rio de Janeiro. Policial: Você quer que eu encontre o seu marido? Marge: Quero. Policial: E também quer que eu encontre um garotinho? Eu estou achando que não existe marido, nem garotinho. Eu estou achando é que você está afim de mim.

Logo após, entra um homem ferido no braço, dizendo ter sido atingido por um tiro. Mas, o policial, explica-lhe: “Olha aí, eu sei que eu atiro muito bem, mas não fui eu não, valeu?!” Nesse sentido, novamente, o desenho critica as instituições públicas, que não conseguem desempenhar o seu papel, não garantindo segurança. Então, antes que pudéssemos demarcar duas faces brasileiras em momentos distintos do episódio, como um “Brasil de fantasia e diversão” e um “Brasil de problemas sociais”, surge o carnaval como um elemento de transgressão, despojamento e até mesmo fuga da realidade, dependendo do posicionamento ideológico com o qual se analisa. Após não conseguir o dinheiro para o pagamento do resgate de Homer, Marge, Bart e Lisa caminham desolados por uma avenida, quando são surpreendidos por uma música.

52

Assim, Lisa, já não segurando os movimentos do corpo, questiona: “O que é esse barulho, com uma música irritante, intoxicante, com uma batida que acaba com todas as suas inibições?”. Bart grita animado: “É o carnaval”. Então, a família percebe que está no meio do desfile carnavalesco, os carros alegóricos e os blocos passam com suas fantasias. Á margem da avenida aparece uma mulher seminua dançando ao lado de dois homens, caracterizados como homossexuais, que dançam sensualmente, enquanto todos bebem. Ao ver a cena, Marge diz revoltada: “Ah! Seu pai teria adorado isso. A bebedeira, a sexualidade ambígua. Ah! Eu tenho que ir embora daqui!!”. Termina a frase em tom desesperado, mas dois carnavalescos a advertem que “é impossível fugir do carnaval, porque até correr é uma forma de dança”. Enquanto isso, um dos homens está em chamas gritando: “Estou pegando fogo. E estou dançando”. Assim, Marge decide dançar e se preocupar ao mesmo tempo, alternando alguns passes e cruzando os braços, logo em seguida. A descrição de Marge e a cena em si, apesar de estarem relacionadas a uma festa, portanto, à ideia de diversão, estão carregadas de um teor negativo e dramático. Na fala de Lisa, quando se refere “a uma batida que acaba com todas as suas inibições”, mais uma vez é reforçada a ideia de que é impossível se conter no carnaval, não existem limites, parecendo haver uma atmosfera mística e incontrolável que envolve as pessoas no ritmo. Da mesma forma, Marge é surpreendida pela impossibilidade de escapar da festa. Com base na construção de imagens em torno dos problemas sociais apresentados no episódio, a exemplo da miséria das favelas, do descaso com as crianças, da violência (furto, sequestro, etc), da degradação ambiental da Amazônia, da comercialização de animais, do forte apelo erótico destinado ao público infantil presente na televisão, o carnaval pode ser interpretado pelo “olhar estrangeiro” como uma forma alienada de fugir e se omitir dos problemas e ou de reforçar a ideia de que o brasileiro “apesar de tudo é feliz”. Nesta perspectiva, não buscamos aqui analisar a produção de sentidos sobre o que se pretendeu dizer através da imagem do carnaval e do modo como a família reagiu à festa, mas trazer um pouco a discussão do que o carnaval representa para cultura brasileira, para, assim, fazer um contraponto com o que o “olhar estrangeiro” captou pelas lentes dos “Simpsons”. Ao estudar a construção da identidade brasileira, o antropólogo Roberto Da Matta (1984) descreve o Brasil como múltiplo e rico, o país do carnaval e do feijão com arroz: da mistura e da fantasia. “Mas também do

53

jeitinho que dribla a lei e da hierarquia velada pela cordialidade. Somos brasileiros na devoção e no sincretismo, no culto à ordem e na malandragem, no trabalho duro e na preguiça”. (Da Matta, 1984. p. 6) Já com relação ao carnaval, o autor o descreve como a festa mais importante, criativa, irreverente, livre e popular do país, ou seja, uma ocasião em que a vida diária deixa de ser operativa e passa a ser extraordinária. Sabemos que o carnaval é definido como „liberdade‟ e como possibilidade de viver uma ausência fantasiosa e utópica de miséria, trabalho, obrigações, pecado e deveres. Numa palavra, trata-se de um momento onde se pode deixar de viver a vida como fardo e castigo. É, no fundo, a oportunidade de fazer tudo ao contrário: viver e ter uma experiência do mundo como excesso – mas agora como excesso de prazer, de riqueza (ou de „luxo‟, como se fala no Rio de Janeiro), de alegria e de riso; de prazer sensual que fica – finalmente – ao alcance de todos. (DA MATTA, 1984. p. 49)

Desse modo, através do que nos sugere a imagem dos Simpsons no carnaval brasileiro, podemos analisar a construção de sentidos produzidos pela festa, através dos olhares internos e externos (nós/eles). O cruzamento entre esses olhares abre espaço para o conflito de posicionamentos, que permeia as identidades culturais, ou seja, o personagem brasileiro vive o carnaval como um momento de transbordamento, independentemente dos problemas; já a família Simpsons, através de Marge, lança um olhar moralista e reprovador dos excessos cometidos na festa (bebedeira, sexualidade ambígua, etc) e ao perceber-se diante da impossibilidade de fugir da festa, já que o carnaval é representado estereotipadamente como natural e incontrolável, na tentativa de “ajustar-se” ao modo brasileiro resolve “dançar e se preocupar ao mesmo tempo”, conciliando passos de dança e o cruzamento dos braços, em sinal de preocupação. Na mesma cena do desfile de carnaval, a família encontra o órfão Ronaldo, que havia ficado rico como dançarino figurante no programa infantil “Telemelões”. Ele oferece o dinheiro para pagar o resgate de Homer, explicando que por não ter pais, não tem como ser roubado. Assim, o episódio exibe a cena em que o pagamento é feito nos bondinhos do Pão de Açúcar. Após, abrir a mala contendo 50 mil reais, um dos sequestradores diz: “Aí, mané. Olha só todo aquele rosa e roxo.” E o outro complementa: “Mas, o nosso dinheiro é muito boiola.” Então, Homer é libertado e pula sobre o bondinho onde está o restante da família, só que os fios se rompem e o bondinho despenca numa área de matagal, parecida com a que o desenho reproduziu como a Amazônia. Em seguida, Homer e Marge se beijam e são alertados por Lisa que

54

Bart fora engolido por uma sucuri. Mas, o menino grita: “Não se preocupem, estamos no carnaval”; e logo começa a sambar ao ritmo de uma salsa, que é reproduzida como trilha sonora. Nas imagens produzidas pelo episódio os estereótipos traduzem-se em incoerências, a exemplo da trilha sonora e dos animais (macacos e sucuris) espalhados pelo Rio de Janeiro. A ideia de um país onde o sucesso artístico é o meio de fugir da pobreza também é enfatizada, através do personagem Ronaldo, que pode ser identificado como uma clara referência ao ex- jogador de futebol, Ronaldo Luis Nazário de Lima, conhecido como “Ronaldo fenômeno”, que no mesmo ano de exibição do episódio, em 2002, foi eleito “herói” do pentacampeonato brasileiro na Copa do Mundo, considerado o artilheiro da competição e melhor jogador do mundo. A imagem do futebol brasileiro também foi incorporada ao episódio, no transcorrer da cena em que a família chega ao saguão do hotel e se surpreende com a recepcionista chutando as chaves do quarto a um carregador de malas, que as recebe e, após fazer várias embaixadinhas, as chuta para outro carregador que também faz “dribles”, chutando-as no ângulo da porta. Então, ele grita “gol”, se ajoelha e tira a camisa. Bart comenta: “nossa, eles gostam mesmo de futebol por aqui”. Após a cena, Homer diz: “olha só que maravilha, eu também sou brasileiro”, e tenta fazer embaixadinhas com sua mala, mas ela logo cai e se abre. Podemos perceber que, ao tentar “construir o Brasil” sedimentado no imaginário estrangeiro, o desenho utiliza-se mais uma vez de estereótipos, apresentando o futebol como um esporte “naturalizado” no cotidiano das pessoas, em tudo que fazem, como se os brasileiros “respirassem” o futebol, não discernindo as esferas da vida, como o ambiente de trabalho e ambiente de lazer. Esse fanatismo apresentado tende, a princípio, à duas possibilidades de análise: mostrar a alienação dos brasileiros em relação ao esporte, já que “tudo gira em torno do futebol” e ou demonstrar essa “paixão nacional” como uma distinção do povo brasileiro em relação aos demais povos, destacando a alegria e o amor ao esporte que os contagia e os une em praticamente “todos” os momentos. Essa última leitura da cena é reforçada pela tentativa fracassada de Homer fazer embaixadinhas. Quando ele diz “também sou brasileiro” e tenta tal manobra evidencia o fato de que tal habilidade funcionaria como prerrogativa para “ser brasileiro”. No momento em que não consegue fazer as embaixadinhas reforça-se a

55

construção da imagem/identidade brasileira, sob a perspectiva da “paixão pelo futebol” e do estilo diferenciado dos demais povos ao praticar o esporte. Assim, podemos dizer que a imagem do futebol brasileiro e sua representatividade como elemento cultural nacional é resultado de relações sociais, culturais e históricas, aliados a influência dos meios de comunicação. Definido por muitos como “o país do futebol”, o Brasil é conhecido na mídia por ter “reinventado” o esporte, que fora trazido para o país apenas no final do século XIX por funcionários de empresas inglesas, sendo considerado, inicialmente, um esporte de elite. Conforme narra a história - um tanto quanto controversa a outras - Charles Miller, brasileiro, filho de ingleses, em 1894, ao voltar da Inglaterra, trouxe as regras do jogo, dois uniformes e duas bolas de couro. Segundo Helal e Gordon (2002), o período em que o futebol foi introduzido no país foi marcado por importantes mudanças na sociedade, como a passagem dos regimes de monarquia para república e de escravismo para trabalho assalariado, etc. Após sua introdução, o futebol se popularizou e se tornou um esporte de massas, reinterpretado conforme os códigos da cultura brasileira, que atribuiu-lhe significados mais complexos. Conforme DaMatta (1982), o futebol, como qualquer outra atividade, pode ser apropriado de formas diferentes por diferentes sociedades. Nesse sentido, há a tentativa de explicar a distinção entre o futebol praticado no Brasil e nos países europeus. Dessa maneira, opera-se a identidade baseando-se em processos de oposição e se constrói um discurso identitário sobre o futebol brasileiro marcado por sua “singularidade”, por um “estilo de jogo” alegre e bonito, diferente dos demais. Assim, o futebol desempenha um papel relevante como princípio aglutinador do povo brasileiro na sua constituição como nação. Conforme acrescenta Édison Luis Gastaldo: Mesmo sem negar que a mítica do “país do futebol” seja resultado de um processo histórico e social que tem pouco mais de 50 anos, este esporte é hoje um dos principais emblemas da “identidade brasileira”, juntamente com o samba e as chamadas “religiões afro-brasileiras”. Ao futebol jogado no Brasil são atribuídas características constituintes do que seria uma “identidade brasileira”, como a modalidade de conduta conhecida como a “malandragem”. (Gastaldo, 2003, p. 14.)

Esse “estilo diferenciado de se jogar futebol”, conforme descrevem estudiosos da área como Tiago Lisboa Bartholo e Antonio Jorge Gonçalves Soares (2011), é narrado como um modo singular de uso do corpo, uma técnica corporal explicada por vezes biologicamente e em outras culturalmente. Eles citam ainda a “arte do drible, a

56

ginga da capoeira e o ritmo do samba” como marcas de reconhecimento de um estilo que vem sendo construído numa luta simbólica em comparação a outros estilos de jogar futebol há muito tempo. Ao abordar esse estilo nacional, Gilson Gil (1994) discute como a imagem do futebol-arte se vincula com a ideia de povo brasileiro harmonicamente miscigenado, destacando que nessa modalidade esportiva, ocorreu uma “feliz associação entre negros, brancos e mulatos, de tal modo que a partir do futebol elaborou-se uma visão essencialmente mestiça de nossos jogadores e de nossa cultura”. Em seu estudo acerca da sociologia do futebol brasileiro, Francisco Xavier Freire Rodrigues faz uma citação de Gilberto Freyre (1971) na qual explica que as qualidades do futebol no Brasil, a maneira artística de jogar, os dribles geniais e a dança gingada confirmariam a “brasilidade”, resultado da mistura de raças, tão positiva na constituição da identidade nacional. Rodrigues ressalta ainda a importância de se pensar na ideia de democracia racial proposta por Freyre para se entender não só o futebol, mas a própria sociedade brasileira. É, nessa visão, que alguns estudiosos compreendem o futebol como metáfora da nacionalidade. Vale destacar que a “paixão nacional” por esse esporte pode ser descrita em dimensões diferentes, se considerarmos o interesse dos brasileiros pelos clubes de futebol, o qual simboliza um pertencimento social regionalizado e dotado de forte vinculação afetiva. Já numa conjuntura maior, a seleção brasileira de futebol representa uma espécie de “unidade nacional” que marca a “importância” do país diante de outros países. Nesse sentido, a imprensa esportiva e o discurso da mídia têm um papel fundamental na legitimação da seleção de futebol, principalmente nos períodos de Copa do Mundo, evento ritualizado de extrema relevância para os brasileiros. Tendo em vista a influência da mídia, cabe salientar que muitos discursos na imprensa brasileira e internacional foram responsáveis por “construir” o “estilo brasileiro de se jogar futebol”. Antonio Jorge Gonçalves Soares e Hugo Lovisolo (2011) analisaram as narrativas jornalísticas e de intelectuais acerca do futebol brasileiro e as denominaram como repetitivas e reprodutoras dos “desejos de afirmação da identidade nacional, da tensão entre os ideais civilizatórios e de afirmação da autenticidade cultural e das contradições na afirmação da cidadania”. Segundo os autores, a partir dessas narrativas o futebol é considerado como reflexo dos dilemas da sociedade brasileira, ou seja, o estilo do futebol brasileiro não seria explicado por suas técnicas corporais. A

57

abordagem central dos autores analisa o processo histórico de construção do estilo do futebol brasileiro e questiona se este “estilo” não seria um produto de uma invenção cultural de jornalistas e acadêmicos ou se realmente o movimento corporal dos jogadores brasileiros se diferenciaria dos demais, imprimindo uma nova estética ao jogo. Partindo daí, a problemática se amplia pela dificuldade em elaborar e distinguir as categorias desse estilo, conforme indicadores de pesquisa.

4.1. A AUTOCRÍTICA NO “BRASIL DOS SIMPSONS”: QUANDO OS ESTEREÓTIPOS DIZEM MAIS SOBRE OS “OUTROS” DO QUE SOBRE “NÓS”

Entendemos que a leitura de uma imagem pode suscitar mais interações do que se pode dar conta nessa pesquisa. Interações entre linguagens tão diversas que algumas nos escapam ao entendimento imediato; seja pelo ritmo próprio que impõem, seja pelos referenciais que requerem para a efetivação de seu significado. Embora quase sempre não nos demos conta, a “leitura do mundo” começa pela imagem, seja ela concreta ou abstrata, idealizada ou construída. Deste modo, podemos dizer que a televisão exacerba principalmente um dos nossos sentidos – o olhar, pois diante da imagem televisiva podemos tecer tantas associações de sentido intertextual quanto nosso imaginário nos permitir, a partir da ancoragem de sentido que dependerá da ideologia, cultura e história em comum que enunciador e enunciatário possuam para estabelecer uma ponte intertextual. Nesta perspectiva, as imagens do “Brasil dos Simpsons” propiciam a construção de sentidos diversos, dependendo da posição sócio-cultural de cada espectador. Discutir o processo de construção dessas imagens requer a reflexão sobre o olhar do outro em relação à cultura brasileira e pensarmos também em que medida o nosso próprio olhar contribuiu nessa composição. A dimensão desse encontro está alicerçada sobre as identidades culturais e as alteridades, sendo construídas com base em identificações e estranhamentos. Sabemos que em todas as sociedades as imagens são fabricadas para determinados usos individuais ou coletivos. Assim, compreendemos que

58

a construção de imagens como representação da sociedade e sua cultura sempre existirão, e servirão de referência, pois estamos tratando de uma sociedade cada vez mais mediada por imagens. Entretanto, percebemos que muitas vezes a base para construção destas está calcada em visões estereotipadas que são produzidas e reproduzidas no cotidiano dos indivíduos e que ganham força através da mídia, a partir da televisão, do cinema, dos livros, revistas, etc. Na maioria dos casos, o estereótipo carrega aspectos negativos, os quais sentimos ao vermos nossa imagem distorcida na tela/espelho. Desde modo, grande parte dos filmes estrangeiros, ao longo dos anos, retratou um Brasil que serve de “petisco” a um mundo europeu e norte-americano, que sempre implica o olhar do viajante, de projeções utópicas, imagens que são construídas muitas vezes de “dentro” de nosso país, porém vulgarizadas e consumidas do lado de fora. O cinema, partindo da concepção da indústria, se utiliza de códigos prontos e se baseia no estereótipo, em imagens pré-concebidas sedimentadas no imaginário do espectador. O fato de tais representações não passarem despercebidas revelam o quanto essas imagens atingem diretamente as questões morais e, ao mesmo tempo, “distorcem” uma suposta identidade do brasileiro. A (re) produção de imagens na mídia relacionadas às identidades culturais proporcionam discussões em todos os níveis, que vai do espectador com levantes nas redes sociais até o surgimento de mecanismos de defesa por órgãos responsáveis que implicam em sanções legais. É interessante notar que o efeito causado pelos estereótipos leva a negação da identidade, por exemplo: delegando a culpa à determinada região ou cultura como do carioca, do paulista; ou a música brasileira, a certos costumes, etc. Enfim, a identidade é sempre colocada em xeque. Entretanto, não podemos nos esquecer de que o retrato brasileiro que é pintado pelos outros também é resultado de um outro Brasil forjado por “nós”, já que existe a tendência de nos projetarmos, com base num determinado contorno. Atualmente, a preocupação com a “exportação” de uma imagem brasileira tem se tornado mais forte, já que o país entrará em evidência na mídia internacional sediando a copa do mundo em 2014 e as olimpíadas em 2016. Em relação às imagens construídas através do “Brasil dos Simpsons”, podemos entender que a construção de sentidos que o olhar do outro provoca sobre nosso próprio olhar está ligada às questões identitárias. Landowski (2002) acredita que a emergência

59

do sentimento de identidade surge a partir da intermediação de uma alteridade a ser construída e que os contornos e a definição da identidade dependem não apenas de uma autodefinição. Assim, conforme o autor, os contornos/definição da identidade dependem da reflexão a partir das ofertas de “imagem” que o outro envia de mim mesmo e da maneira pela qual objetivo a alteridade do outro, atribuindo um conteúdo específico à diferença que me separa dele. Ao compreendermos o caráter construtivista da identidade como um processo de representação social flexível às mudanças do seu contexto cultural, é importante enfatizar a existência das relações de poder que permeiam essa esfera, podendo atuar na produção, reformulação e manipulação das identidades. No caso das identidades nacionais, o estudioso Benedith Anderson (1983) desenvolve o conceito de “comunidades imaginadas” para explicar o modo como as identidades nacionais apoiam-se em mitos fundadores, invenções e laços imaginários que permitam “ligar” as pessoas. Segundo ele, tendo em vista que não seria possível conhecer todas as pessoas que partilham de nossa identidade nacional, devemos ter uma ideia partilhada do que a constitui. Assim, a diferença entre as diversas identidades nacionais, uma vez que são múltiplas e não são fixas, reside nas formas pelas quais são imaginadas. Hall (2002, p. 15) destaca a globalização como um fator de mudança decisiva sobre as identidades culturais, já que “o alcance e o ritmo da integração global aumentaram enormemente, acelerando os fluxos e os laços entre as nações”, contribuindo com o deslocamento de identidades e produzindo um efeito pluralizador sobre as mesmas. Nesse sentido, o autor argumenta que, na pós-modernidade, a identidade cultural do sujeito apresenta-se fragmentada e múltipla, podendo ser formada ou transformada pelos sistemas culturais que nos cercam. Para ele, as culturais nacionais se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural, sendo compostas de símbolos e representações que visam uma pretensa unidade. Entretanto, o teórico questiona a ideia de que as identidades nacionais se apresentem unificadas ou homogêneas, como tentam ser suas representações. Ao pensar a construção da identidade brasileira, DaMatta (1986) argumenta primeiramente que tanto a identidade quanto a própria sociedade se constroem a partir da afirmativa e da negativa de certos questionamentos, sendo assim, da diferenciação do

60

que representamos, enquanto brasileiros, e do que representam outros povos, como americanos, japoneses, etc. Ele lembra também que: A identidade se constrói duplamente. Por meio dos dados quantitativos, onde somos sempre uma coletividade que deixa a desejar; e por meio de dados sensíveis e qualitativos, onde nos podemos ver a nós mesmos como algo que vale a pena. Aqui, o que faz o Brasil, Brasil não é mais a vergonha do regime ou a inflação galopante e “sem vergonha”, mas a comida deliciosa, a música envolvente, a saudade que humaniza o tempo e a morte, e os amigos que permitem resistir a tudo... ( DaMatta, 1986, p. 13)

Dessa forma, o país delimita sua “construção identitária” partindo de duas perspectivas que a princípio parecem simplistas, mas extremamente recorrentes na sociedade e na mídia nacional e internacional. O autor faz, ainda, uma comparação entre os processos de construção da identidade brasileira em relação à identidade americana e de países europeus, afirmando que enquanto no Brasil o carnaval, o samba, a religiosidade e o futebol representaram fontes de identidade social, nos Estados Unidos e na Europa a identidade foi construída a partir de fontes como a constituição, o congresso nacional, o sistema universitário, a ordem financeira, a história política, instituições centrais na criação de solidariedade e identidade. Segundo DaMatta, as esferas do lazer e do esporte seriam consideradas nesses países fontes secundárias. Nesta perspectiva, é importante pensarmos que cada cultura tem suas próprias formas de classificar o mundo e pela construção de sistemas de classificação que a cultura nos propicia os meios pelos quais podemos dar sentido ao mundo social e construir significados. Neste contexto, direcionamos nossos olhares através de nossas “lentes culturais” e construímos imagens, seja na tentativa de representar pretensas identidades e ou de (re) produzir estereótipos. Ao discutirmos a finalidade dos estereótipos e seus condicionantes simbólicos, Amancio (2000) questiona o fato de sempre recaírem na relação colonizador/colonizado. Nessa lógica, podemos dizer que o poder hegemônico precisa produzir outros para se reafirmarem continuamente. Para Maisonneuve (1977), os estereótipos não buscam uma verdade científica, mas, antes, uma eficácia pragmática, ou ideológica. Sendo assim, por basearem-se em relações afetivas em detrimento de observações empíricas, os estereótipos dizem menos sobre a realidade do que é retratado e mais sobre como (por que e por quem) são retratados. Assim, o “Brasil dos Simpsons” não revela apenas um retrato caricatural do país, composto de estereótipos e críticas à cultura brasileira, mas sim a dimensão do

61

olhar estrangeiro, carregado de uma visão simplista, etnocêntrica e, muitas vezes, deturpada. O episódio, através da família Simpsons, critica a própria visão norte- americana construída e alienada com base nos estereótipos que a mídia (re) produz sobre as demais culturas. Nesse sentido, entendemos que as imagens construídas sobre (e pelo) país são condicionadas, a partir dos diversos olhares (internos e externos) e alicerçadas simbolicamente pelos sistemas culturais e pelas relações de poder, na medida em que identidades e alteridades se relacionam, gerando identificações e estranhamentos. As produções de sentido que estas imagens nos possibilitam são imensuráveis, sendo assim, é mais pertinente trilharmos os caminhos das discussões, do que nos perdermos em posicionamentos muito conclusivos. É fato que o Brasil existe e dentro dele está contido o “Brasil dos Simpsons” e tantos outros “brasis” quanto pudermos imaginar. Por isso, é importante não nos fecharmos em “uma pretensa identidade”, mas refletirmos sobre como são construídas (e construímos) as imagens que nos representam e como são direcionados os olhares (nossos e dos outros) sobre elas.

62

CONCLUSÃO

É fato que o “Brasil dos Simpsons” não é uma construção narrativa feita de ideias “aleatórias ou ingênuas”. As imagens representadas em “Blame it on Lisa”, ancoradas no gênero humorístico, constroem um discurso baseado na concepção de um “Brasil” sedimentado no imaginário estrangeiro. Assim, o humor empregado é baseado na construção de estereótipos, na ridicularização de “identidades”, na distorção de “realidades” e lugares, na ironia, no rebaixamento de idealizações, aproximando-se daquilo que soa ridículo e grosseiro, daquilo que provoca o riso. Com esse tom de comédia, o desenho não direciona a crítica ou o “deboche” apenas às demais culturas, mas também se insere nesse contexto, colocando a família Simpsons como a representação (também estereotipada) da família americana capitalista, etnocêntrica, manipulada pela mídia, com um olhar distorcido e, às vezes preconceituoso, sobre a “realidade” e sobre às demais culturas. Desde modo, o “Brasil” que é exibido no episódio foi se construindo através das lentes dos Simpsons e das imagens que são produzidas e reproduzidas na mídia, a partir das produções cinematográficas, dos jornais e revistas, etc. Nesta perspectiva, torna-se relevante ressaltar o modo como a lógica da indústria cultural influencia a construção das imagens sobre o país, ou seja, a lógica da repetição, do consumo mais ou menos automático de produtos já conhecidos. Assim, o Brasil que é mais facilmente reconhecido e vendável no cinema estrangeiro, principalmente no norte-americano é o país do samba, do futebol, das mulatas, da caipirinha, da Amazônia, da violência, etc. Seguindo essa “receita” muitos filmes já tiveram o país como cenário, alguns mostrando-o como uma rota de fuga, um “paraíso” perfeito para fugitivos da legalidade, a exemplo do último filme da série “Velozes e Furiosos”, em que os personagens se refugiam da polícia dos Estados Unidos no Rio de Janeiro e contracenam com belas mulheres, tráfico de drogas e corrupção policial. Produções mais recentes como o último filme da saga “Crepúsculo – Amanhecer (parte II)”, lançado no ano passado, também incluiu o Brasil na narrativa, apresentando-o como “exótico”. No filme, são recrutados vampiros de várias partes do mundo para uma batalha. E, para representar o país, são mostradas como personagens indígenas duas

63

mulheres com uma aparência bastante diferente dos traços indígenas do país. Além disso, cada vampiro possuía um “poder” e no caso das “brasileiras” o dom demonstrado era de manipular a visão do inimigo fazendo-o enxergar aquilo que elas queriam. Na cena, as “indígenas” trazem à visão o cenário do que seria a Amazônia, repleta de árvores e macacos. Com a proximidade da Copa do Mundo, que será realizada em 2014, e das Olimpíadas em 2016, ambas sediadas no Brasil, a mídia tem anunciado que “os olhos do mundo estarão voltados para o país”. Com base nesse pressuposto, acredito que esta pesquisa embora debruçada sobre um desenho produzido há dez anos se atualiza, pois cabe questionar sob que “olhar” o país será impresso e como transcorrerá o diálogo entre os olhares internos e externos sobre aquilo que acreditamos que seja o Brasil. Nesse sentido, ainda trilhamos um caminho de discussões sobre nossas identificações e estranhamentos, identidades e alteridades, bem distantes de um fechamento fixo e acabado e, assim, de uma conclusão.

64

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Júlia Falivene. A invasão cultural norte-americana. São Paulo: MODERNA, 1988.

APPADURAI, Arjun. Dimensões Culturais da Globalização. Trad. Telma Costa. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2005.

AMANCIO, Tunico. O Brasil dos gringos: imagens no cinema. Niterói Ed: Intertexto, 2000.

ADORNO et. al., Dialética do Esclarecimento, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro.1985

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 1996.

BERGSON, Henri. O Riso - Ensaio Sobre o Significado do Cómico, 2ª ed., col. Filosofia & Ensaios, Guimarães Editores, Lisboa, 1978.

BOAS, Franz. Os objetivos da pesquisa antropológica (1932). In: CASTRO, Celso (org.) Antropologia Cultural: Franz Boas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. 3ª ed. Trad. Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

CUCHE, Denys. A noção de Cultura nas Ciências Sociais. Trad. Viviane Ribeiro. Bauru – SP: Edusc, 1999.

65

DAMATTA, Roberto. Antropologia do óbvio: nota sobre o significado social do futebol brasileiro. Revista USP, n. 22 – 1994.

______O que faz o Brasil, Brasil? 1ª Ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade – a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 12ªed, 1997.

FERRÉS, J. Televisão subliminar: socializando através de comunicações despercebidas. 1. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

GASTALDO, Edison. Futebol, mídia e sociedade no Brasil: reflexões a partir de um jogo. Cadernos IHU Ideias, ano 1 – nº 10- 2003.

GEERTZ, Clifford. Uma Descrição Densa: Por uma Teoria Interpretativa da Cultura. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1989.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 7ª. Ed. Rio de Janeiro: DP&a, 2002.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

LANDOWSKI, E. Presenças do outro: ensaios de sociossemiótica. São Paulo, Perspectiva, 2002.

MAISONNEUVE, Jean. Opiniões e estereótipos. In: Introdução à psicossociologia. São Paulo: Edusp, 1977.

ORLANDI, Eni P. Análise de discurso, Campinas: Pontes, 1999.

66

Olhar Estrangeiro. Produção de Luís Vidal e Paola Abou-Ajoude. Argumento e direção de Lúcia Murat. Rio de Janeiro: Europa Filmes, 2008, (70min.). DVD, NTSC, color. Port. Legendado.

SIMÕES, A. Estereótipos relacionados com os idosos. Revista Portuguesa de Pedagogia, XIX, 1985.

SOARES, Antonio Jorge Gonçalves; e LOVISOLO, Hugo. Futebol: a construção do estilo nacional. In HELAL, R.; SOARES, A.J. Futebol, Jornalismo e Ciências Sociais: interações. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2011.

SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. O império do grotesco. Rio de Janeiro: MAUAD, 2002.

RODRIGUES, Francisco Xavier Freire. Futebol e teoria social: introdução a uma sociologia do futebol brasileiro. In: A formação do jogador de futebol no Sport Club Internacional (1997-2001): um estudo de caso. (Dissertação de mestrado da UFRGS)

WOODWARD, K. Identidade e diferença: introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

DVD: Os Simpsons: a décima terceira temporada completa. Produção Gracie Films em associação com Twentieth Century Fox Television.

História – “Os Simpsons”. Portal “Os Simpsons”. Disponível em: http://thesimpsons.com.br/informacao/historia/ Acesso em março de 2011.

Presse . "Os Simpsons" é censurado na Alemanha após acidente nuclear no Japão”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/894920-os-simpsons-e-

67

censurado-na-alemanha-apos-acidente-nuclear-no-japao.shtml. Acesso em: maio de 2011.

Finotti Ivan. Saiba como é o episódio dos Simpsons no Brasil minuto-a-minuto. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u29263.shtml http://www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_Messa.PDF. Acesso em: maio de 2011.

Redação Teleséries. Fox utiliza dublagem como forma de censura. Disponível em: http://teleseries.uol.com.br/fox-utiliza-dublagem-como-forma-de-censura/. Acesso em: maio de 2011.

Folha de São Paulo. Polêmicos, hoje "Os Simpsons" chegam ao país. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u29297.shtml. Acesso em: maio de 2011.

68

ANEXO

TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO “BLAME IT ON LISA” (O FEITIÇO DE LISA) DE “OS SIMPSONS”

Após a abertura tradicional, o filme inicia-se com a exibição do programa de humor preferido da família “O show de Comichão e Coçadinha”, retratando o episódio “O corpo de golf”. No desenho assistido os personagens estão em um campo de golf e travam o seguinte diálogo: COÇADINHA: Prepare a bola pra mim, gatinho! COMICHÃO: Com prazer, ratinho! (risos) Logo, o gato posiciona a bola para que o rato dê a tacada, mas este se adianta e fazendo uso do taco decepa a cabeça de Comichão. COMICHÃO: Ahahahahaha!!!!! Bela tacadaaaaaa!!!!!! A cabeça do gato vai de encontro com a lua, que possui um formato de rosto, a qual comenta: LUA: Aí...Isso é o que eu chamo de zoar a bola, valeu! Após, Coçadinha joga alguns dólares sobre o corpo do gato e se encerra o desenho. Na sala, Homer e Bart assistem e riem do desfecho, enquanto tomam cerveja “Doof” e suco, respectivamente. HOMER: Isso é o que é zoar a bola! Vapt Vupt! BART: Pai, essa fala era do desenho. HOMER: Eu tenho certeza que não. Então, chega Marge com uma conta de telefone na mão, dizendo: MARGE: A conta de telefone é de 400 dólares, nos cobraram por uma ligação para o Brasil HOMER: Fez alguma ligação de trote para o Brasil?! BART: Não senhor! Eu não fiz! HOMER: Engasgue-se com suas mentiras! Eu te mato!(Enquanto isso ele estrangula Bart, que se desespera).

69

MARGE: Homer, eles devem ter se enganado. É só a gente ir a companhia telefônica e resolver isso. HOMER: Que companhia telefônica? Tem um montão delas e elas ficam mudando de nome. (Chora desesperado) MARGE: Eu acho que a nossa é a “Com quatro”. BART: Não. Eu acho que a nossa que é a “Niangular”. MARGE: Semana passada eles se tornaram a “Vertical”. (Homer chora ainda mais). A cena é transferida a outro cenário, no qual aparecem dois funcionários mudando o nome de fachada da companhia telefônica de “Com quatro” para “Zovunas”. Ao entrar na companhia, Marge vê um monte de robôs atendendo aos telefones: MARGE: Olha só! É tudo tão moderno. ROBÔ 01: Discando 56309. ROBÔ 02: Aí eu disse pra Vana esse cara é um vagabundo. Mais a frente Marge reconhece o “Cara do telefone de filmes” e diz surpresa: MARGE: Ah! É o cara do telefone de filmes. “CARA DO TELEFONE DE FILMES”: O filme passa às 20:00 horas, no cinema Springfield 06. Obrigado por namorar o senhor telefone de filmes. Nossa noite terá censura 18 anos. (Fala para uma mulher bonita) Ao passar por atendentes de telefone humanos, Marge ouve: ATENDENTE 01: A senhora estaria interessada em trocar o seu serviço de longa distância por um...Han???O que???Desligou na minha cara. O que foi que eu fiz?!(Chora enquanto o outro atendente o consola) Na sala de atendimento ao cliente Marge e Homer conversam com Lice Negon: LICE NEGON: Olá! Vou atender vocês. Sou Lice Negon. MARGE: Já nos vimos várias vezes, senhorita Negon. Por que fica trocando de emprego? LICE NEGON: Sou uma predadora sexual. MARGE: Han. LICE NEGON: Então, em que posso ajudá-los hoje? MARGE: Cobraram por ligações para o Brasil que não fizemos. HOMER: Não vamos pagar essa conta.

70

LICE NEGON; Ótimo! Vou cortar a sua linha. (Tecla no computador) HOMER: Tudo bem. Eu vou cortar seu rabo de cavalo. MARGE: Homer! HOMER: Marge, isso se chama negociar (fala baixinho)

Em casa, Lisa ao telefone conversa com seus pais: LISA: Eu tenho que ligar pra Jane, mas o telefone não dá sinal. MARGE: Não pagamos nossa conta. Então a companhia telefônica cortou a linha. LISA: Ai! Por que briga com todas as empresas de utilitários?! HOMER: Eu falei pra você Lisa, tenho bastante tempo nas mãos. AMIGO DO HOMER (pela janela): Homer! Estávamos limpando um dulto de resfriamento da usina e encontramos uma velha caixa de tacos vencidos. HOMER: Ah! Por que vocês não me ligaram? AMIGO DO HOMER: Tentamos, mas uma gravação diz que vocês são um bando de caloteiros. HOMER: Ah é?! Chega! Eles acabam de acordar o gigante adormecido. MARGE: Homer, o que vai fazer?! BART: Plano maluco, plano maluco, plano maluco! (torcendo) HOMER: Quero ferramentas e cerveja. BART: Isso!

Homer subindo no poste de eletricidade, comenta: HOMER: Telefone de graça, vamos lá. Ao mexer nos fios do padrão: HOMER: Ah! Legal! Agora, vamos tentar o vermelho. Ahahahahaha!!!!Tá bom! Eu vou tentar o verde. Ahahahahaha!!!! De novo o vermelho. Ahahahahaha!!!!Aiaiaiaiai! de novo não! Ai! Vamos tentar eles juntos. Aiiiiiiiiiiii!!!! Após uma sucessão de choques é arremessado do poste. Em seguida sobe novamente e diz: HOMER: Ah...quem sabe o vermelho... Ahahahahaha!!!!

Já no sofá, sendo cuidado por sua esposa:

71

HOMER: Ahahaha!Ui! Como eu cheguei aqui?! BART: Achamos você queimando nos arbustos. MARGE: Já chega!!!Nós vamos ter que pagar aquela ligação para o Brasil. LISA: Que ligação para o Brasil? HOMER: Uma que eu não fiz, a Marge não fez e o Bart não fez. Daí que ninguém na casa fez. LISA: Ai não.... Em clima de surpresa: MARGE: Você fez aquela ligação? Mas você é comportada! HOMER: É a que mais gostamos. MARGE: Por que você fez isso? LISA: Por favor, não fiquem zangados. Eu tava ajudando um rapaz órfão no Brasil. MARGE: Ah!Ela não é uma gracinha?! Dividindo a mesada com um pobre menino brasileiro. HOMER: Não sabia que os meninos do Brasil são pequenos Hitlers?! Eu vi isso eu um filme, mas não consigo me lembrar o nome dele. LISA: O Ronaldo me mandava uma carta todo mês, mas daí ele parou. Foi por isso que eu liguei para o orfanato. Mas disseram que ele sumiu. MARGE: Como foi que a ligação chegou a 400 dólares?! LISA: É que eles começaram a me pressionar para fazer mais ligações. E não se pode desligar na cara de uma freira. MARGE: É. Tem razão. Elas têm poderes mesmo.

Lisa em frente da televisão fala à família: LISA: Quando mandei a primeira doação à organização beneficente me mandou esse vídeo. (Na targeta da fita de vídeo está escrito: “Pequenos Hitlers adotativos”).

Em frente ao orfanato em ruínas: RONALDO: Oi Lisa! Obrigado por sua doação! Por causa da sua generosidade eu comprei sapatos maneiros que vão durar muitos carnavais. Valeu gatinha! Pam-pam- pam-pam (enquanto dança)

72

A família em tom de comoção: FAMÍLIA: Ahhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!

MARGE: Mas ele é tão adorável. Podemos ter outro bebe?! HOMER: Sem chance! Ainda não perdi o peso que ganhei com o último bebe.

Ainda na gravação da fita, Ronaldo diz: RONALDO: E com o troco do dinheiro o orfanato pôde comprar uma porta. Agora os macacos não podem mais me pegar. Ah! Não! (Um monte de macacos o persegue e ele fecha a porta) Eles adoram brincar comigo.

HOMER: Ah! Aquele pobre menino. Nós temos que encontrá-lo. Quantas pessoas moram no Brasil? (pergunta a Lisa) LISA: Mais ou menos uns 170 milhões. BART: Temos que encontrar esse menino. O que?! Eu to preocupado mesmo. Tá bom! Eu quero ver os macacos. MARGE: Não sei não. É muito caro viajar para o Brasil. LISA: Não se comprarmos as passagens na Internet. É barato mesmo. A gente troca de avião em Fênix ou no Lulu Sancine e São Lui. Passa uma noite em uma casa assombrada. Dá pra partir agora. HOMER: Então tá resolvido. Os Simpsons vão para o Brasil. BART: Daí, vou ter viajado para todos os continentes. LISA: Exceto a Antártica. HOMER: Os Simpsons vão para a Antártica ano que vem. Este ano é Brasil.

No interior do avião, Lisa, ao ler um livro intitulado “Como ser um brasilionário?”, explica para o seu pai: LISA: Olha! Algumas dicas de viagem. Só bebam água mineral. Nunca entrem em um táxi não licenciado. E não esqueçam eles têm o inverno durante o nosso verão. HOMER: Calma aí, calma aí, calma aí. Então é frio em agosto? E em fevereiro é quente? Então é a terra do contrário? Ladrão corre atrás da polícia, o gato tem cão...

73

LISA: Não pai! É só o tempo. HOMER: E a neve cai pra cima? LISA: Dãã..Cai.. HOMER: Uhuhuhuh!!!!

Enquanto isso Bart coloca um fita cassete em um wolk men intitulada “Espanhol para antas” e conversa com sua mãe: BART: Prepare-se Brasil. Agora eu falo um espanhol fluente. MARGE: Muito bem Bart. Acontece que no Brasil eles só falam português. BART: Ai caramba!!!Que mujer tonta. Veinte horas a estudar por nada. HOMER: Esqueça cada palavra garoto. É inútil. MARGE: Homer!!! HOMER: Eu disse esqueça!! (apontando o dedo na cara do menino) Após quebrar o aparelho de fone, ele diz: BART: Pronto. Sumiu tudo.

Através do sistema de áudio do avião o piloto avisa os passageiros: PILOTO: Aqui é o seu comandante falando. A temperatura no Rio de Janeiro é quente, quente, quente, quente com a chance de 100% de paixão. CO-PILOTO: Fernando você faz essa piada toda vez. PILOTO: Isso não é piada. Foi isso que fez você se apaixonar por mim.

Enquanto isso, em Springifield, no “Apartamento Cidade das Solteironas” as irmãs de Marge sentadas, fumando no sofá, perguntam a Megg: IRMÃ: E ai Megg, como que está indo aí atrás? O neném faz um sinal positivo, passa o talco em seu bumbum, põe a fralda e o vestido. IRMÃ: Oh!Ela é tão indefesa!

No aeroporto internacional do Galeão, no Rio de Janeiro: LISA: Olha só! É a estátua gigante do Cristo no Corcovado! HOMER: Nossa!É como se ele estivesse no painel de todos os carros do país.

74

MARGE (lendo o livro de lisa): Aqui diz que podemos ir a qualquer lugar entrando em uma linha de conga.

Homer logo engata em uma conga e grita: HOMER: Hei! Está nessa Marge?!Me leve para o hotel. Minha mão está na bunda de um cara e esse cara deve malhar. Hei! Hei!

Ao chegar a linha de conga no hotel: BART: É. Eles gostam de futebol por aqui. A recepcionista chuta uma chave ao porteiro e grita: RECEPCIONISTA: Chuta! Ele, após dar algumas embaixadinhas, passa as chaves ao carregador de malas, que também faz alguns dribles e passa a outro carregador que arranca a camisa e grita: CARREGADOR: Gol!!!!!!!!!!!!!!!!! HOMER: Olha só que maravilha...Eu sou brasileiro! (Tenta fazer o mesmo que o carregador de malas, mas não consegue e deixa cair um livro de sua mala. E Lisa o pega). LISA: (lendo o título) “Como pilhar o Brasil”. HOMER: Me dá, me dá, me dá! (Pega o livro e sai correndo)

No interior do quarto, Bart assiste a um programa infantil brasileiro, no qual uma apresentadora semi-nua faz gracejos: MARGE: Bart, o que está assistindo? BART: É pra crianças. APRESENTADORA: Tum quichiqui tum quichique tum (dançando) BART: Olha o quarto oferece um chapéu de frutas. HOMER: E um chapéu de frigobar.

(Cantando e dançando) BART: Sou a Chiquita banana e to aqui pra declarar... HOMER: Eu vou comer esse chocolate e não vou pagar. Abrindo a janela, Lisa diz:

75

LISA: Gente, vocês estão cantando e dançando e o Ronaldo está lá fora em algum lugar, esperando pra ser encontrado. HOMER: Hum. Lá está ele. Espera, você disse cabelo castanho, não foi?!

O cenário muda e mostra uma favela no Rio de Janeiro, muito colorida, e ao fundo ouve-se uma música do tipo bolero, em espanhol. MARGE: Que vizinhança encantadora! LISA: Mãe!Essas são as favelas. O governo pintou ela de cores vivas só para que os turistas não ficassem ofendidos. MARGE: É. Tudo Lindo. BART: É. Saca só os ratos. Aparece um monte de ratos coloridos. HOMER: Oh! Eles parecem balinhas! LISA: Chegamos. Rua Papaia, 123. Esse é o orfanato do Ronaldo. Na sacada do prédio a seguinte inscrição: “Orfanato dos Anjos imundos” Aproximando-se de uma freira, Lisa pergunta: LISA: Com licença. Nós estamos procurando esse menino. FREIRA: Ah! Sim! O Ronaldinho. Ele foi embora há meses e não tivemos mais notícias dele. Todos os dias nós acendemos uma vela. BART: Tentaram procurar por ele? FREIRA: Esse era o plano B. LISA: Nós nunca vamos encontrá-lo. Ai, ai... HOMER: Calma Lisa, as coisas não estão tão ruins. Pode voar comigo pela cidade e procurar por ele. (Sobe nas costas da freira) FREIRA: Freiras não podem voar. HOMER: Ah! Muito peso na mala, né?! FREIRA: É.

Na churrascaria. BART: Come uma carne na espada Lisa. Vai te animar. LISA: Sabe que eu sou vegetariana. HOMER: Mas você esta de férias querida. Eu não estou usando minha aliança.

76

MARGE: Homer! LISA: Ta legal. Eu marquei nesse mapa todos os lugares que o Ronaldo gostava de ir. Se a gente se dividir, talvez dê pra procurar em todos eles. HOMER: Nós faremos o possível. Agora vamos andando. A conta, por favor. (Dirigindo-se ao garçom) GARÇOM: É claro irmão. HOMER: Já inclui a gorjeta? GARÇOM: Claro que sim. Na praia de Copacabana: BART: Olha ali. É a praia de Copacabana. O coração e a alma do Rio.

O salva-vidas apita e diz: SALVA-VIDAS: Americanos!Não, não, não! HOMER: Como adivinhou?! (Frase estampada na camiseta de Homer: “Try and stop us”) SALVA-VIDAS: Há um regulamento de roupas nessa praia. Mas, nós temos o jeitinho brasileiro. BART: Puxa! Eu me sinto tão europeu. HOMER: O meu fica desaparecendo. Entrou. De novo. Ah! Estou indo p/ um bom lugar. Vamos filhão! Mostrar o nosso físico. (Cantarola: Estou no Rio, passeando pela praia, estou no Rio...hehehe) MOÇA DE BIQUINE 01: Ahhhhh! MOÇA DE BIQUINE 02: Oh!! Nossa!!Que isso??? Que horror!!! MOÇA DE BIQUINE 03: Ahhhh!!!!

Na escola de Samba: MARGE: Com licença, achamos que este menino pode estar por aqui. PROFESSOR DE DANÇA: Olha aqui minha filha, isso aqui é uma escola de dança e não o achados e perdidos. Aqui nós ensinamos a lambada e o samba. Agora estamos desenvolvendo nossa dança mais poderosa, a rebolada. Ela faz a lambada parecer uma ciranda de roda. MARGE: acho que a minha filha não deveria ouvir isso.

77

PROFESSOR DE DANÇA: Ai minha tia, não vai poder protegê-la pra sempre. Sua baranga estúpida.

Na favela: Homer e Bart se aproximam de uma barraca de uma vendedora de bebidas ambulante com a seguinte inscrição: “Guaraná, jambo e manga” HOMER: Me faça uma bebida com todas essas doces frutas brasileiras. (A vendedora mistura três bebidas diferentes.) VENDEDORA: Prontinho. Homer após beber: HOMER: Doce, doce, doce. (Esfrega sua língua nas pedras) BART: Deve ter um milhão de crianças aqui. É impossível encontrar o Ronaldo. VENDEDORA: Ronaldo? BART: Conhece ele? VENDEDORA: Ah! Não. Eu só distrair vocês para que os meus filhos pudessem roubar. Umas oito crianças aparecem e roubam pai e filho e correm.

Marge e Lisa ao visitar outro comércio ambulante brasileiro. MARGE: Ah! Olha só esses quatis empalhados. LISA: A Megg adoraria ter um. Ao tentar pegar em um dos quatis, ele avança sobre Marge. MARGE: Acho melhor comprar só esse bracelete. Ao tentar pegá-lo, o bracelete é na verdade uma cobra, que também avança sobre a personagem. MARGE: Ahhh!Tudo aqui está vivo.

Enquanto isso Homer e Bart procuram Ronaldo do outro lado da cidade: HOMER: Em quantos outros lugares nós temos que procurar? Bart: Só um. É do outro lado da cidade. HOMER: Táxi! (Para um táxi com a seguinte inscrição: “Táxi não licenciado”.)

78

Após os dois entrarem, o taxista se vira e com uma pistola na mão diz: TAXISTA: Meu camaradinha acho que isso é um sequestro. HOMER: Então não preciso pagar a corrida? TAXISTA: Hãã...Eu acho que não... HOMER: Uhuhuhu!!!! TAXISTA: Meu irmão acho que você não ta entendendo qual a seriedade da situação. HOMER: Tá bom, me leve, mas deixe o menino ir. TAXISTA: Eu acho que ele já se mandou. (Após, aparece Bart já virando a esquina.) HOMER: Cachorro!

Após já aparecem os dois sequestradores em um bote na Amazônia, estando Homer com um saco na cabeça. HOMER: Para onde estão me levando? SEQUESTRADOR 01: Cala boca. E tira esse saco idiota da cabeça. HOMER: Não! Ele tem cheirinho de canela. SEQUESTRADOR 02: Aí mané, a Amazônia. Mas, vê bem, aproveita, porque nós tamos queimando ela toda. HOMER: Olha, eu preciso ir ao banheiro. SEQUESTRADOR 01: De novo?! HOMER: A minha bexiga é do tamanho de uma castanha brasileira. SEQUESTRADOR 02: Se liga mané. Aqui é castanha do Pará.

Eles param o bote e Homer saiu correndo algemado. HOMER: Hehehehehe! Otários!!! (Após ele volta gritando com um monte de morcegos em sua cabeça.)

Enquanto isso, Marge e Lisa no quarto do hotel conversam, olhando para a foto de Ronaldo. MARGE: Hum. Eu acho que tirar férias para procurar um menino desaparecido não é divertimento.

79

Após, Bart chega e liga a televisão no programa infantil. BART: Oi! Vai começar o programa infantil preferido do Brasil. “Tele melões”. Na tela, aparece uma apresentadora loira com um pequeno top girando os seios para a direita e a esquerda dizendo: APRESENTADORA: Sentido horário. Sentido anti-horário. Marge desliga a Televisão e pergunta: MARGE: Onde está seu pai?! BART: Sequestrado. MARGE: Ahhhh!!!!!Meu Deus!!!O que devemos fazer agora??? BART: Sei lá. Esperar pela ligação. Ele novamente liga a televisão. APRESENTADORA: Pra direita. Pra esquerda. LISA: Hannnnnn...(assustada com o programa infantil)

Em uma Delegacia de Polícia, com várias rachaduras, Marge conversa com o policial. POLICIAL: Você quer que eu encontre seu marido? MARGE: Quero. POLICIAL: E também quer que eu encontre um garotinho? MARGE: Quero. POLICIAL: Eu acho que não existem nem marido, nem garotinho. Eu acho é que você está afim de mim. Após chega um homem baleado: BALEADO: Aiai...Eu levei um tiro. POLICIAL: Olha, eu sei que atiro muito bem, mas não foi eu não, valeu?!

Em seguida aparece Homer deitado em uma cama com os braços e as pernas amarrados. HOMER: Está coçando em outro lugar. SEQUESTRADOR 01: É. Então coça você mesmo, que eu não vou coçar você de novo. SEQUESTRADOR 02: Já mandei o pedido de resgate. Se a sua família quiser ver você vivo de novo é melhor eles arranjarem dinheiro. HOMER: Não sei não. Eles vivem comigo de graça há muito tempo.

80

Em companhia dos sequestradores Homer liga para Marge, que está junto dos filhos contando o dinheiro. HOMER: Consegui os 50 mil Marge? MARGE: Olha, com toda a poupança e o dinheiro que o vovô nos mandou temos 1.200 dólares. HOMER: Ohhh! Isso é muito bom querida. Com isso vai poder comprar uma de minhas pernas ou um saco surpresa. Eu falo com você depois. HOMER: Temos 1.200. SEQUESTRADOR 02: 1.200 dólares???Já gastou isso com comida, velho! HOMER: Ah! Que isso!Eu não comi não. Ah! Deixa eu ver....Talvez. SEQUESTRADOR 01: Já chega dessa palhaçada, arruma a grana.

Após Homer faz algumas ligações: Trimmmmm (Telefone) BURNS: “Burns Comunity”. HOMER: Senhor Burns. É Homer Simpsons. Fui seqüestrado e preciso de 50 mil dólares. BURNS: Estou bêbado depois de tomar leite de ovelhas. Estou generoso. Eu lhe adianto o dinheiro e você trabalha para me pagar. HOMER: Nada feito!!!! Trimmmmmm...(Telefone) MOE: “Bar do Moe. O bar do pano mais fedido da América” HOMER: Oi Moe. MOE: Homer, preciso de 50 mil. Não me pergunte porquê. HOMER: Não!!! Eu que preciso de 50 mil. MOE: Não! Eu falei primeiro. HOMER: Ta bom. Eu te mando os 50 mil. MOE: Valeu. Trimmmmm...(Telefone) HOMER: Alô. Flanders?! Eu preciso de 100 mil.

81

FLANDERS: Eu não tenho todo esse dinheiro, mas se precisa tanto assim, rezarei por você. HOMER:Vai pentear a bíblia.

Marge, Bart e Lisa caminham em uma rua do Rio de Janeiro, durante o desfile das alegorias de samba. LISA: Isso é tudo minha culpa, vir procurar uma pessoa e acabo perdendo o papai. E ai...O que é esse barulho? Com uma música irritante, intoxicante, com uma batida que acaba com todas as suas inibições??? (Enquanto fala já começa a mexer seu corpo) BART: É o carnaval. MARGE: Ah! Seu pai teria adorado isso. A bebedeira, a sexualidade ambígua. Ah! Eu tenho que ir embora daqui!! (Em tom desesperado) Aparece alguém fantasiado e diz: CARNAVALESCO 01: Olha aqui! Você não pode fugir do carnaval, porque até correr é uma forma de dança. Aparece um homem em chamas, bastante alvoroçado. CARNAVALESCO 02: Estou pegando fogo. E estou dançando. MARGE: Ai. Acho que vou dançar e me preocupar ao mesmo tempo. Aproxima-se um carro alegórico com os participantes do programa infantil. BART: Olhe é a apresentadora do programa infantil. Com ela é fácil prestar atenção. Em cima do carro alegórico Ronaldo, fantasiado de um pássaro, reconhece Lisa: RONALDO: Oi Lisa!Lisa! LISA: Ahhhh! (Assustada) RONALDO: Sou eu, Ronaldo. LISA: Ronaldo?! RONALDO: É. Eu sou o Flamingo Flamenco. E tudo isso começou com os sapatos de sapateado que você comprou pra mim. LISA: Por que você não me contou?! RONALDO: Eu tentei escrever, mas não sabia em que estado você estava morando. LISA: Isso aí é um mistério mesmo, mas se você examinar bem as pistas pode descobrir. RONALDO: Ah! Não. O desfile ta começando. Me procure no estúdio, ta?!

82

LISA: Onde é o estúdio. APRESENTADORA (girando os seios para o lado direito): Pra lá!

Após, no estúdio, no camarim de Ronaldo, Marge, Lisa e Bart conversam com ele: RONALDO: Aqui está para o resgate do seu pai. LISA: Tem certeza que pode dar tudo isso? Ronaldo: Claro que tenho. Eu sou um garoto muito bem pago e porque não tenho meus pais não tem ninguém para roubar o meu dinheiro.

Em seguida Marge, Lisa e Bart aparecem no bondinho do Pão de Açúcar: LISA: Só o que nós temos que fazer é levar esse dinheiro para o topo do pão de açúcar. MARGE: Essa tensão está me matando. BART: Que tal isso? (Muda a música de fundo para uma bem descontraída) MARGE: Não está tenso o suficiente. Está zombando da situação. É. Esse é o tom certo. LISA: Essa é ótima. Olha!!!O papai ta ali.

Homer aparece em um outro bondinho com os assaltantes. HOMER: Sabia que eu fiz um álbum só pra me lembrar do sequestro. No álbum encontra-se a inscrição “Memórias”. BART: Ainda estou terminando, mas como podem ver. (Folheia o álbum e olha algumas fotos) HOMER: Ah!Olha o toco de cigarro que vocês usaram para me queimar. SEQUESTRADOR 01: Você dormiu como um bebê essa noite. Os três riem. HOMER: É. Eu me lembro disso.

Os dois bondinhos se cruzam. MARGE: Do que você está rindo?! SEQUESTRADOR 02: É gatinha ele está com a síndrome de Estocolmo. Ele se identificou com os seqüestradores dele. HOMER: Eles me deixaram acordado a noite toda.

83

MARGE: É, mas não vai ficar fazendo isso em casa. SEQUESTRADOR: Agora entrega a grana e terá o Homer de volta. Bart joga o dinheiro e os sequestradores conferem. SEQUESTRADOR 01: Aí mane. Olha só todo aquele rosa e roxo. SEQUESTRADOR 02: Mas, o nosso dinheiro é muito boiola. SEQUESTRADOR 01: Você está livre. Pode ir. HOMER: Uhuhuhuhuhu!!! É moleza. (Depois salta de um bondinho para o outro e acaba arrebentando os fios e derrubando toda a família) SEQUESTRADOR 02: Nós devíamos fazer essas trocas em um lugar mais seguro, não é não?! SEQUESTRADOR 01: Foi ideia do Homer. Quem diz não pra essa carinha linda?! Ao cair, o bondinho vai parar na Amazônia (já que está fica ao lado do Pão de Açúcar). MARGE: Homer, você está bem?! HOMER: Sim, querida. Eu estou muito bem, porque eu aprendi que não importa o quanto eu faça besteira. Você estará sempre me resgatando. MARGE: Ah.....(suspirando beija Homer) LISA: Mãe, pai. É melhor a gente tomar uma atitude. BART:Não fiquem tristes, estamos no carnaval. Termina com Bart dançando rumba dentro da barriga de uma cobra.