K.O.: O Nocaute Remix Da Drag Pabllo Vittar1
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www.e-compos.org.br | E-ISSN 1808-2599 | K.O.: O nocaute remix da drag Pabllo Vittar1 Rose de Melo Rocha e Danilo Postinguel Resumo Quem é esse fe-menino? ID 1416 Discutimos neste artigo aspectos das políticas de Tem drag no samba. Pabllo Vittar conquista fo- visibilidade e da estética ativista articulada pela liões do Carnaval com uma exaltação ao direito drag brasileira Pabllo Vittar, apontando como chave de todos os gêneros sexuais à “vadiagem” de leitura o entrelace entre subjetividade e cultura (Revista ÉPOCA, 2017). remix. Os modos de presença e as formas de resistência identificadas na performance pública de Vittar apontam ainda para um modo peculiar de O pop transgênero de Pabllo Vittar. [...] drag-ativismo, que negocia e ultrapassa as fronteiras Diva de qualquer estação. Sucesso no Youtube, de gênero e de estilos musicais. Pós-periférica, a nos palcos e no programa Amor & Sexo, cantora transita pelos entremeios e interstícios de a drag queen Pabllo Vittar é a cantora mais urbanidades e tecnicidades. animada da nova leva de artistas LGBT (Revista VEJA, 2017). Palavras-Chave Pabllo Vittar. Subjetividade remix. Drag-ativismo. A carreira meteórica da drag queen brasileira Pabllo Vittar, conduziu-a, aos 22 anos, a uma presença intensiva na cena midiática e nas redes digitais, tanto em veículos do mainstream massivo quanto em espaços cult-alternativos2 – os próprios, como seu vlog, e em outros inúmeros, Rose de Melo Rocha | [email protected] sejam ou não de “vittar-fãs”. Entre seus feitos, Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São recordes de visualização de videoclipes no Paulo – USP, Brasil. Realizou Pós-Doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, Brasil. YouTube, de seguidores no Instagram, figurando Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing por vezes entre os top 10 semanais brasileiros – ESPM-SP, Brasil. do Spotify, além de protagonizar programas | [email protected] Danilo Postinguel televisivos e campanhas publicitárias. Pabllo Vittar, Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing outrora Pabllo Knowles3, e Phabullo Rodrigues da – ESPM-SP, Brasil. Pesquisador do Grupo Juvenália (CNPq). Professor do FIAMFAAM – Centro Universitário, Brasil. Silva em sua origem, ganha visibilidade justamente Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.20, n.3, set./dez. 2017. www.e-compos.org.br | E-ISSN 1808-2599 | a partir do YouTube, em 2015, com “Open Bar”, de dominação. Guerrilha sonora, artivismo do versão do hit “Lean On” de Major Lazer e DJ visível, a corporalidade drag, atravessada, em Snake, com participação especial da cantora presença, por recuos autobiográficos, engendra dinamarquesa MØ. um cross-self espaço-temporal. Pabllo reveste-se de Vittar, para, travestido, melhor ser (ou re- Posteriormente são colocados em circulação apresentar) a si mesmo. Consumo audiovisual por Vittar novos samples, realizadas parcerias midiatizado, corpo-mídia banhado de cultura e participações especiais com DJs, cantores e remix, acende e dissemina regimes afetuais em cantoras do rap, do funk e do pop, como Anitta, que a impermanência, a plasticidade e a fluidez e um sucesso é emplacado no Carnaval de 2017, são valores a serem partilhados. Se o capitalismo ID 1416 fugindo tanto à tradição do samba tipo exportação, força o desempenho, rechaça a errância e os quanto da exploração sexista de corpos femininos erros, punindo aos diferentes e aos desviantes, a cisgêneros em sua construção audiovisual. Essa presença pública de Vittar dispara fluxos gregários polivalência e ecletismo, marcados por uma que fazem ressoar um pulsar político molecular reflexividade auto-irônica e estilizada, que a capaz de mobilizar a multidões. levam, no momento atual, a pesquisar ritmos e sonoridades brasileiras, também podem ser vistos Em 2017, alguns portais de notícias (NUNES, em seus shows: “El[a] faz as poses de Madonna 2017; QUERINO, 2017), especializados em em Vogue, dá os trinados agudos de Beyoncé e compartilhar informações do universo musical Whitney Houston e rebola como dançarina de pop, destacavam que a cantora havia desbancado funk” (MARTINS, 2017, p. 96). uma das mais famosas e longevas drag queens da cena midiática, a estadunidense RuPaul. Sua performance pop, lascívia sedutora que Em número absolutos, Pabllo Vittar, além de confronta e convida, opera, desde o terreno do se tornar – com “Todo dia”, parceria com o entre e do entretenimento, questionamentos rapper paulista Rico Dalasam, compositor da frontais e astutos à dominação masculina música – a drag queen com mais visualizações e do masculino, ao mesmo tempo em que em um clipe original no YouTube, posição denuncia o próprio olhar como instrumento anteriormente ocupada por RuPaul, com o clipe 1 Versão revisada e ampliada de trabalho apresentado no GP Comunicação e Culturas Urbanas do XVII Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento componente do 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), realizado de 4 a 9 de setembro de 2016, em Curitiba-PR. 2 Um interessante debate sobre o conceito e a experiência do alternativo na contemporaneidade foi desenvolvido por Pontes (2017). 3 Inicialmente, adotou o sobrenome de Beyoncé, mas converteu-se em Pabllo Vittar por receio de ser processado pela cantora estadunidense (MARTINS, 2017). Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.20, n.3, set./dez. 2017. www.e-compos.org.br | E-ISSN 1808-2599 | “Sissy that walk”, também transformou-se, Assim, o menino gay afeminado que, segundo suas em junho de 2017, na drag mais seguida do próprias palavras, faz drag, entrelaça narrativas Instagram. Registramos ainda a participação do entretenimento e do consumo com a negociação da cantora na edição de 2017 do Rock in Rio. da presença pública de expressões e experiências Além de um pocket show em um dos stands subjetivas de alteridade. Com uma estética do do festival, tornou-se a primeira drag queen a jogo e da bricolagem, Vittar remete a toda uma subir no Palco Mundo, principal do evento, ao genealogia das políticas de audiovisibilidade trans fazer uma participação especial no show da no Brasil, nas quais a centralidade da mídia e do cantora Fergie4. showbiz foi emblemática, contribuindo, inclusive, para a negociação e aceitação das alteridades ID 1416 No universo da comunicação publicitária na vida pública e também no âmbito doméstico (GOMES, 2016; GLAMOUR, 2017), e na esteira mais mediano e comezinho, trespassado pelo que do forte investimento de algumas marcas no a literatura freudiana chamou de narcisismo/ apelo à representatividade e à diversidade de totalitarismo das pequenas diferenças e, gênero, Vittar estrelou campanhas de relativo atualmente, percebe-se na popificação dos impacto. Foi o caso, por exemplo, do lançamento discursos de ódio. pela Adidas, na semana em que acontecia a 20ª Parada do Orgulho LGBT em São Paulo, do Pride Olhando para o entre, o através e a bricolagem, Pack, coleção exclusiva, composta de quatro percebe-se no desempenho de Pabllo uma tênis, voltada ao público LGBT e “em apoio” à reflexividade auto-irônica e estilizada. O fe-menino comunidade gay, por meio de doação de parte dos emergente de seu transe cênico-político transita lucros obtidos com a venda5. Entre as garotas e os em um contexto de descompressão comunicativa, garotos propaganda que estrelavam a campanha negociando com os regimes noturnos e em defesa da igualdade de gênero, estava Vittar. diurnos da exposição pública-midiática. O lado Podemos ainda mencionar a dobradinha com B, o bas-fond, emerge e se vale das lógicas a marca de cosméticos Avon, em 2015, com a comunicacionais articuladas pelo excesso de campanha “Loucas por cores”, e, em 2017, com a iluminação do artificial e do artifício, construindo, campanha “E aí, tá pronta?”6. como revanche, uma ordem ou um regime de 4 Inicialmente Pabllo Vittar faria uma participação especial no show da cantora Lady Gaga, mas em função do cancelamento, foi substituída para a apresentação da cantora Fergie. (“É a primeira vez que uma drag queen subiu no Palco Mundo”, vibra Pabllo Vittar. 2017. Disponível em:<http://multishow.globo.com/especiais/rock-in-rio/videos/6154315.htm>. Acesso em 18 set. 2017). 5 “Adidas lança o Pride Pack 2017”. Disponível em: https://sneakersbr.co/adidas-apresenta-o-pride-pack-de-2017/ Acesso em: 12 jul. 2017. 6 Anos atrás a estadunidense MAC havia lançado uma campanha protagonizada por RuPaul. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v.20, n.3, set./dez. 2017. www.e-compos.org.br | E-ISSN 1808-2599 | sensibilidade que dá a ver, pelo avesso, sujeitos por outros fluxos de imagens, imaginários e tecnicidades. Assim, falar de uma cena pós-pe- antes submetidos. Bandivagem sem vergonha, riférica equivale, em um primeiro momento, à resistência ambígua e ambivalente. “Vem papai”, identificação de um campo – cultural, midiático, social, estético e de consumo – expandido, de canta Vittar em um de seus clipes, substrato bordas dilatadas e irregulares9. sexy-lítico irreverente, dona do palco, rainha que [...] penetra e invade o mainstream. Imaginários diaspóricos são postos em circulação, dinamizando processos pós- Na televisão comercial, após a saída do cantor periféricos, com dinâmicas buttom-up de e apresentador Leo Jaime7, Pabllo assumiu, significação – de si, dos outros, do mundo em que se vive. Escapa-se de noções de ter- 8 ID 1416 juntamente com Régis Paulino , os vocais da nova ritorialidades delimitadas, atentando-se para banda do programa Amor & Sexo, da Rede Globo as mesclas próprias aos contextos juvenis, ur- banos e tecnológicos. A existência de um lugar de Televisão, comandado pela ex-modelo Fernanda tecnológico reticular e colonizado por narrativas Lima (DANTAS, 2015). Em 2017, aventurou-se autobiográficas contribui para acentuar e recon- figurar este trânsito.