O Poder Local E a Identidade Cultural De Torre De Moncorvo
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O PODER LOCAL E A IDENTIDADE CULTURAL DE TORRE DE MONCORVO Virgílio Tavares INTRODUÇÃO O presente trabalho, inserido no Seminário Moncorvo: da Tradição à Modernidade, resulta da necessidade de se reflectir sobre o desenvolvimento sustentado de Moncorvo para as próximas décadas, que não pode dispensar o sector cultural, bem como de várias investigações que temos efectuado ultima- mente no concelho e região. Por isso escolhemos o título O poder local e a identidade cultural de Torre de Moncorvo, já que era o mais adequado à temá- tica que se tem vindo a trabalhar localmente, bem como ao próprio tema do seminário que pressupõe a existência de um poder local interessado em deba- ter as estratégias de desenvolvimento local que melhor poderão servir os inte- resses do concelho, numa ligação do passado ao presente e prospectivamente. Vivemos uma época em que o poder local, de origens ancestrais, ganhou outros dinamismos, outras responsabilidades, alargando o campo de acção, pelo que, por muitas formas e modos se impõe a sua presença numa participação cada vez mais activa na cidadania. Portanto, é mais que pertinente e adequado reflectir sobre que relação é que o poder local tem com a construção da identi- dade cultural deste concelho. Sendo assim, com este trabalho pretende-se mostrar o papel do poder local na construção da identidade cultural de Moncorvo, ao mesmo tempo que se tenta justificar a existência de enquadramento lógico entre o tema do Seminá- rio e o assunto desta comunicação. Para a realização deste trabalho, usaram-se fontes muito diferenciadas, desde os Livros de Actas das sessões de Câmara e Assembleia Municipal, Jun- tas e Assembleias de Freguesia, posturas, relatórios variados, imprensa regio- nal e nacional, Boletins Municipais, registos magnéticos, para além da biblio- grafia já existente sobre o concelho. O Arquivo Histórico Municipal de Torre de Moncorvo foi o local onde tivemos acesso a muitas destas fontes. Por questões metodológicas que se prendem com uma percepção fluente e directa da mensagem a transmitir, privilegiaram-se os métodos descritivo e comparativo com recurso a imagens e à cronologia dos diferentes aconteci- mentos referenciados. Na apresentação do trabalho, para além da introdução, há quatro pontos essenciais: no primeiro ponto estabelece-se a conceptualização teórica dos termos 73 VIRGÍLIO TAVARES Mapa do concelho de Torre de Moncorvo Paços do Concelho, século XIX 74 O PODER LOCAL E A IDENTIDADE CULTURAL DE TORRE DE MONCORVO chave usados: cultura, identidade, poder local. Isto para clarificar a abrangên- cia do uso das expressões poder local e identidade cultural, bem como a sua relação. No segundo ponto faz-se uma breve referência ao poder local em Torre de Moncorvo, com indicação dos seus aspectos mais relevantes, a fim de se com- preenderem depois as realidades culturais concelhias. No ponto três explicam- -se e indicam-se algumas manifestações culturais e acções consideradas como parte integrante da identidade cultural local. Finalmente, no ponto quatro, estabelece-se a relação entre o poder local e a identidade cultural de Moncorvo, registando alguns exemplos mais significati- vos e intervenientes que fizeram inclusive movimentar as populações ora con- cordando, ora contestando. Para além disso, apontam-se alguns exemplos de intervenções que o poder local ainda não levou a cabo e que podem contribuir para o desenvolvimento e afirmação da identidade concelhia. 1. CONCEPTUALIZAÇÃO TEÓRICA: CULTURA, IDENTIDADE, PODER LOCAL O homem e a sua existência provocam uma complexidade de funções, de actividades, de necessidades biológicas, fisiológicas mas também culturais pro- priamente ditas, que gravitam à volta dele e constituem a sustentabilidade do seu percurso como ser vivo. Tudo o que envolve este percurso pode ser consi- derado cultura, que se vai transformando num fenómeno universal. A cultura é constituída por uma enorme variedade de realizações, de acções, ou seja, faz parte integrante das produções do homem, desde a forma de falar, a linguagem usada, a escrita, até à maneira de se alimentar, vestir, viver em sociedade. Cultura pode ser uma variedade de tradições: artísticas, científicas, religiosas e filosóficas duma sociedade, como também as suas téc- nicas próprias, costumes políticos e os inúmeros usos da sua vida quotidiana. Por isso, toda a sociedade global tem uma cultura, ou seja, a sua própria cultura, a sua própria maneira de se relacionar com a natureza, com os outros, compreendendo a maneira como produzir, o comportamento comum (usos, costumes, moral, hábitos, modos), a forma de expressão, a maneira de hierar- quizar as necessidades, os bens, instituições, normas religiosas, políticas, jurí- dicas ou morais, a maneira de encarar o mundo. Não há uma só cultura, mas sim várias culturas, que são dinâmicas e em constante transformação1. É na diversidade que surge o peculiar, ou seja, as muitas culturas levam à existência de identidades culturais e não identidade cultural para evidenciar, desde logo, a pluralidade e o dinamismo da identidade cultural. Hoje é quase impossível reconhecer uma cultura que não esteja em íntima interdependência 1 VIRTON, 1979: 362-364. 75 VIRGÍLIO TAVARES de outras. A identidade supõe uma relação de igualdade e diferença, que pode ser antagónica ou não2. Ou seja, é na cultura diversificada que nasce a identi- dade cultural, pelo que esta vive das culturas que, marcando a diferença, permi- tem estabelecer níveis de igualdade genérica extensiva a um grupo, a um espaço. A cultura nasce no homem que é simultaneamente produtor e transmissor, sendo uma combinação original e coerente de um grande número de elemen- tos. Do mesmo modo, poder local é o poder que o homem exerce a nível de uma área restrita sobre os cidadãos ali residentes e faz parte da produção cul- tural que ele constrói na sua vida quotidiana. O poder local é o poder que a Constituição da República Portuguesa de 1976 confere às autarquias locais. Consta na administração dos interesses que lhe são peculiares, através da vontade dos seus membros, transformando-se assim em poder local democrático. O âmbito do poder local está limitado não só à legislação em vigor que é expressa na Constituição pelos órgãos do poder central, mas também a um determinado espaço, como uma freguesia ou um município, com os seus pró- prios órgãos: Junta e Assembleia de Freguesia, Câmara e Assembleia Munici- pal, respectivamente. Ora, costuma designar-se por poder local todas as atri- buições das autarquias locais que, após o 25 de Abril de 1974, ganharam um dinamismo democrático nunca antes experimentado, bem como novos desafios e competências que tornaram mais complexas as funções dos dirigentes das fre- guesias e municípios. Contudo, antes de 1974 já existiam as administrações municipais, cujas tra- dições remontam à época medieval, altura em que são criados os concelhos através de Carta de Foral, ganhando certa autonomia. O que levou ao apareci- mento das freguesias e concelhos foi a fixação das pessoas nas localidades, o desenvolver das actividades económicas (agricultura, pecuária, artesanato e comércio), das vias de comunicação, o surgir de interesses comuns e a neces- sidade de encontrarem soluções para os seus problemas da vida em sociedade. Aorganização do concelho e a sua administração era personalizada em função das suas características quer económicas, religiosas, militares ou até políticas. Segundo Baquero Moreno, nos séculos XIV e XV verifica-se uma profunda transformação nos municípios. O acesso da cavalaria vilã aos primeiros luga- res governativos gera inúmeros abusos. Isto vai criar condições para a inter- venção do poder real. E, em Portugal, surge o 1.º sinal intervencionista do poder central na vida local expresso no regimento dos corregedores concedido por D. Afonso IV em 13323. Após a época medieval, os concelhos continuaram, embora suportados pelas cartas de foral e numa subserviência ao rei, onde o exercício da autono- mia era limitado, não tendo meios ao seu alcance para desenvolver as suas loca- lidades. No século XIX,com o liberalismo, as alterações sucedem-se, como: 2 GADOTTI, 1991: 1-3. 3 MORENO, 1986: 13. 76 O PODER LOCAL E A IDENTIDADE CULTURAL DE TORRE DE MONCORVO são extintos muitos concelhos e criados outros, embora em menor número; no Código Administrativo de 1836, há alguma descentralização face à autonomia local. Mas segue-se a legislação de Costa Cabral (Código de 1842), que faz retornar a 1832. Os administradores dos concelhos eram de novo da escolha governamental. E, com avanços e recuos assim se caminhou até ao fim do século XIX4. Durante o século XX, na I República, é a lei n.º 621 de 23 de Junho de 1916 que confere às paróquias civis o nome oficial de Freguesias e o corpo adminis- trativo passou a ser a Junta de Freguesia5. As atribuições do poder local aumen- tam, a Administração Municipal passa por momentos que a atrofiam e limitam, nomeadamente no Estado Novo, em que a sua independência em relação ao poder central era sufocante para o desenvolvimento local. É um centralismo redutor de 140 anos (1834-1974) que tornaram difícil o aparecimento do ver- dadeiro poder local. Depois de 1940, o código administrativo divide o territó- rio em concelhos que se formam de freguesias e se agrupam em distritos e estes em províncias. O concelho é assim a unidade básica. Após o 25 de Abril de 1974, as autarquias ganham o voto popular, outras atribuições e surgem as grandes transformações que o poder local democrático operou nas suas localidades com a ajuda de fundos comunitários e descentrali- zações que o governo central foi executando. 2. O PODER LOCAL EM TORRE DE MONCORVO Como se viu, o poder local nem sempre teve a mesma designação e muito menos atribuições. Antes de 1974 os Presidentes de Câmara eram nomeados, mostrando uma forte dependência em relação ao Poder Central. Em Torre de Moncorvo também assim se passou, atravessando vários sécu- los, num percurso iniciado com a Carta de Foral de D.