Actas de las iv jornadas de jóvenes investigadores del valle del Duero 2014 A civitas dos banienses: em torno da sua implantação e territorium Joan Garibo Bodí ([email protected]), Sérgio Simões Pereira ([email protected]). Arqueólogos INTRODUÇÃO

om o presente trabalho pretendemos contribuir para a resolução de uma questão em aberto, relativa ao local de implantação da civitas dos Cbanienses. A sua existência é inequívoca face ao reconhecimento de duas epígrafes, uma na ponte de Alcântara (Espanha), que faz menção aos muni- cipia da Lusitaniae que colaboraram na sua construção, e a outra no sítio do Baldoeiro (Adeganha-Torre de Moncorvo) citando a civitati baniens. Nesta abordagem procurámos reler as fontes documentais, que abor- dam o tema da localização da cidade e os achados epigráficos. Os sítios indicados pelas fontes como potenciais sede da civitas beniensis foram visi- tados, com o intuito de confirmar a informação publicada e recolher novos dados, de modo a podermos cruzar as diversas fontes. Considerámos ain- da o panorama do povoamento pré-romano, os fatores de fixação de civi- tates, assim como a singularidade dos aglomerados das zonas interiores. Por último, lançaremos algumas propostas de trabalho relacionadas com o territorium da civitas, possíveis fronteiras e outras particularidades que consideramos interessantes.

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REFERÊNCIAS EPIGRÁFICAS ter, recolhida no sítio do Baldoeiro. À CIVITAS DOS BANIENSES O aparecimento desta epígrafe co- rrobora a existência desta civitas e A mais antiga referência a esta ci- permitiu uma maior aproximação à vitas, conhecida nos séculos XV e sua localização. Tratando-se de um XVI, é a inscrição que se encontra- altar de granito, dedicado a Júpiter, va inserida na Ponte de Alcântara foi publicado pela primeira vez por (CIL II 760), indicando os diversos António Carneiro de Magalhães. No municipia que contribuíram na sua seu relato, António Magalhães tes- construção. temunhou o achado in loco, encon- A transcrição da peça original trando-se a peça à superfície devido pode ter motivado alguns erros, aos revolvimentos motivados por tais como Arani em vez de Aravi e uma habitante de Estevais, que pro- Talores em vez de Tapores, todavia as curava tesouros. O local exato onde dúvidas não se reduzem a questões foi encontrada a epígrafe, foi rela- epigráficas, uma vez que a maioria cionado com os vestígios da igreja das civitates continuam por localizar denominada “Mesquita”, dedicada com precisão. Se excetuarmos os ca- a S. Mamede. Não parecem existir sos dos Igaeditani (Idanha-a-Velha) dúvidas de que a peça procede do e dos Aravi (Devesa), todas as res- Baldoeiro, sendo Estevais a po- tantes sedes de civitas se encontram voação mais próxima ao sítio, o por localizar. facto de Carneiro de Magalhães ter A segunda referência à civitas en- sido acompanhado por habitantes contra-se numa ara dedicada a Júpi- da aldeia e ser a origem do referido

Fig. 1: Réplica atual da inscrição da ponte de Alcântara (CIL 760). Fig. 2: Reprodução da ara encontrada no Baldoeiro (CIL2399) publicada por Leite de Vasconcelos (1913, III, p. 229). 533 Actas de las iv jornadas de jóvenes investigadores del valle del Duero 2014 caçador de tesouros. Também a in- Mais tarde, Leite de Vasconce- dicação da existência de uma capela los (1913, III, p. 176) a propósito da e de “cobras esculpidas na rocha”, civitas Baniensium refere que “o seu gravuras publicadas por Santos Jú- oppidum creio ter sido um impor- nior (1931), confirmam ser esse o tante castro que está sobranceiro ao local do achado. vale da Vilariça”. A mesma ideia é repetida mais à frente (Vasconcelos, SÍNTESE SOBRE O ESTADO DA 1913, III, p. 223) “Aqui perto ha um INVESTIGAÇÃO castro que (…) creio ter sido a sede da civitas Baniensium. A partir daqui Os primeiros autores a debruça- a localização da civitas começa a ser rem-se sobre a questão da civitas dos relacionada com o cabeço de Santa banienses foram Carneiro Magalhães Cruz de Vilariça. (1845), General Pery (1845) e A. Ca- O Abade de Baçal (Alves, 1938- bral (1910), relacionando-se a sede 2000, IX, p. 238) ao fazer uma relei- da civitas com o local do achado da tura de L. Vasconcelos pensa que segunda epígrafe - Baldoeiro. O ma- “Derruida, São Mamede e Vila de nuscrito do general Pery, referido Santa Cruz coincidem ou se equi- por L. Vasconcelos, F. Alves e por J. valem geográfica e arqueologica- Alarcão, refere também que no local mente”. A confusão pode dever-se à designado por Mesquita (Baldoeiro) maior monumentalidade dos vestí- haveria uma capela em ruínas, na gios arqueológicos preservados no qual se encontraria a ara. Em sua cabeço de Santa Cruz da Vilariça, opinião, a capela seria adaptação de também à existência de uma cape- um templo romano e conservaria la, à posição geoestratégica do sítio ainda, no seu muro norte, parte da e mesmo a obtenção de foral em original obra romana até 2 m de al- 1225. A partir dos textos de Leite tura. Segundo a mesma fonte, num de Vasconcelos outros autores vão rochedo sobranceiro à capela have- repetindo o equívoco de relacionar ria “escavações de várias formas”, a sede da civitas com o sítio de San- à volta da capela haveria alicerces, ta Cruz da Vilariça ou Derruída - F. pedras de cantaria, telhas e em casa Alves (1938), V. Rodrígues (1957), J. próxima da capela haveria uma ins- Alarcão (1998, 1990 e 1995-96) e S. crição latina. Lemos (1993). A. Cabral (1910) publica ainda Jorge de Alarcão (1988, II, F1, o achado de um “touro” e de uma p. 45) sintetiza a questão e levanta “pedra lavrada”. No seu artigo, a uma nova hipótese: “Mesquita se- depreender pelas imagens, as pe- ria o local de um santuário romano, dras parecem elementos arquite- mas não a “civitas Baniensium”, tónicos da igreja: o suposto touro mantendo a eventual sede na “Vila seria antes um cachorrão represen- Morta de Santa Cruz da Vilariça” tando uma cabra e a outra peça um ou “Derruída”. elemento de porta.

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Fig.3: Vale da Vilariça com implantação das manchas de dispersão de materiais nos sítios de Baldoeiro (a), Santa Cruz da Vilariça (b), Chão da Capela (c), Olival das Fragas (d) e Vila Maior (e). GoogleEarth.

Sande Lemos (1993, II, p. 354- Uma nova proposta de implan- 355) coloca algumas reticências à tação da civitas surge no trabalho localização da sede da civitas em académico de Carlos Cruz (2000, Santa Cruz, reconhecendo que II, p. 222), ao defender que poderia “nunca foram encontrados ma- implantar-se no sítio de Chão da teriais que demonstrassem uma Capela (Junqueira). Para além da ocupação romana do local”. O ausência de vestígios romanos nos autor, inclusive, chama a atenção trabalhos arqueológicos desenvol- para a ausência de vestígios ro- vidos pelo PARM, nos sítios de Bal- manos nas primeiras sonda- doeiro e de Santa Cruz da Vilariça, gens desenvolvidas pelo PARM o reconhecimento de uma “enorme em Santa Cruz da Vilariça, embora concentração de materiais de cons- relacione as 11 estelas, reutilizadas trução, cerâmica comum, elementos na capela de N. Sr.ª do Roncal, com de mó e alguma escória” junto ao uma eventual necrópole do sítio. lugar de Junqueira sustentam esta

535 Actas de las iv jornadas de jóvenes investigadores del valle del Duero 2014 hipótese. O mesmo autor arrola ainda ao sítio a presença de quatro Análise comparativa dos dife- epígrafes e a existência de uma ne- rentes sítios propostos crópole, com base em informações Analisadas as distintas propostas orais que referem a identificação de da investigação, juntaremos os dados sepulturas. arqueológicos recolhidos em cada um Num trabalho recente, dado à destes sítios, com o intuito de poder- estampa por António Silva (2014), o mos cruzar toda a informação dis- sítio do Chão da Capela foi reinter- ponível. De entre as diversas opções pretado, tendo como argumentos o tentaremos reduzir o número de hi- aparecimento de cinco novas estelas póteses procurando chegar até à mais funerárias e a subdivisão da enorme provável localização da sede de civitas mancha de materiais supracitada em dos banienses. três áreas de dispersão distintas. Se- gundo o autor (SILVA, 2014) “o sítio a) Baldoeiro do Chão da Capela deverá ser classi- ficado como santuário cristão da Alta O sítio está implantado na vertente Idade Média, com necrópole associa- voltada a oeste do Vale da Vilariça, da. Este santuário poderá sobrepor-se num esporão-plataforma destaca- a uma necrópole romana, relacionada da. A área de dispersão da mancha com o aglomerado rural do Freixo e/ de materiais é próxima aos 41.197 ou com o casal agrícola de Campo”, m2. Ali foram executadas várias sem no entanto apresentar alternativa intervenções arqueológicas, desen- à localização da civitas. volvidas pelo PARM, em volta da Os recentes trabalhos de recon- igreja de São Mamede e dos vestí- hecimento deste território, ao abrigo gios de uma possível torre roquei- da contextualização do Baixo Sabor, ra. Os materiais recuperados nestas permitiram-nos conhecer melhor os escavações apontam para duas ocu- diferentes sítios até agora propostos pações distintas - Calcolítico-Bron- como possível sede dos banienses. Por ze Final-Ferro I e Alta Idade Média. um lado, foi possível confirmar al- Aquela igreja foi referida como lo- gumas das informações publicadas, cal do achado da ara, dedicada a por outro, recolher novos dados que Júpiter por Sulpicius Basus e pelos podem contribuir para o aprofundar banienses. Do templo destacam-se desta temática. Nesta pesquisa recor- os elementos arquitetónicos preser- damos, também, uma notícia de Luís vados e uma necrópole rupestre as- Cardoso (1747-51) que refere a exis- sociada. Para além da epígrafe, não tência de uma antiga grande cidade se reconheceram materiais romanos no termo de Adeganha, no local hoje à superfície e nas escavações do em dia conhecido como Santuário de PARM, sendo mais provável que a Nossa Senhora do Castelo. Embora a peça tenha sido trazida de outro lo- notícia não faça alusão aos Banienses, cal e ali reutilizada no templo cris- o sítio merecerá, igualmente, a nossa tão. A sede da civitas em Baldoeiro atenção. parece ficar assim afastada. 536 A civitas dos banienses b) Santa Cruz da Vilariça II (1225), agregando como território uma boa parte dos atuais concelhos Como vimos, foram vários autores de Torre de Moncorvo, , equacionaram o cabeço de Santa Cruz Alfândega da Fé e Carrazeda de como possível sede de civitas. O sítio Ansiães. A perda de importância e implanta-se numa elevação entre a consequente declínio da vila ditou confluência da Ribeira da Vilariça e a transferência de funções políti- o Rio Sabor. Encontra-se em excelen- co-administrativas de Santa Cruz te posição estratégico-defensiva, do- para Torre de Moncorvo, a que minando visualmente grande parte alude o foral de D. Dinis, anterior do Vale da Vilariça. Conserva-se um a 1286, condenando Santa Cruz de recinto delimitado por uma linha de Vilariça ao despovoamento. Apesar muralha, de planta triangular, com os de em 1320 ainda figurar como pa- ângulos arredondados, sendo a área róquia, em 1468 estava plenamente intramuros de 8.826 m2, aproximada- despovoada, tendo sido solicitada mente. Nalguns pontos, a muralha de autorização ao rei, pelo concelho de alvenaria de xisto conserva cerca de 2 Moncorvo, para a utilização da cer- m de altura. A porta situada no lado ca como recinto para guardar gado Oeste, está flanqueada por duas to- (ALVES 1934, IV, 299-300). rres semicirculares. No interior recon- Apesar de Leite de Vasconcelos hecem-se estruturas habitacionais, (1896, 1902 e 1913), Francisco Alves uma eventual torre sineira, alicerces (1938), Vasco Rodrigues (1957), Jor- de uma igreja e algumas sepulturas ge de Alarcão (1988a), Sande Lemos escavadas na rocha. (1993) apontarem este local como O único achado que parece an- possível centro urbano, a não iden- teceder o período Baixo-Medieval tificação de qualquer material ro- é um “tosco e deteriorado quadru- mano no interior e exterior do recin- pezinho” publicado por Vascon- to, confirmado com nas sondagens celos (1936), e que poderá corres- arqueológicas, a pequena dimensão ponder a um pequeno berrão. As e a própria topografia, atípica ao sondagens realizadas pelo PARM padrão dos restantes exemplos ur- (Rodrigues, 1992, p. 101-102) per- banos, invalida, inevitavelmente, mitiram registar quatro momen- aquela hipótese. A própria relação tos diferentes: Fase I - Construção de uma eventual necrópole, que da cerca muralhada (final do séc. poderia existir nas redondezas da XII); Fase II - Construção do Muro capela de Nossa Sr.ª do Roncal é I paralelo à cerca (séc. XIII); Fase também problemática, uma vez III - Destruição planeada do Muro que as nove estelas reutilizadas no I (final séc. XIII-início XIV; Fase IV pequeno templo e outras duas na - Abandono do povoado e derrube Estalegem da Silveira são de ori- parcial da cerca muralhada (mea- gem desconhecida, sendo provável dos séc. XIV). Convém ainda lem- o seu deslocamento de outro ponto brar que a vila de Santa Cruz da do vale. Vilariça obteve foral com D. Sancho 537 Actas de las iv jornadas de jóvenes investigadores del valle del Duero 2014

Santa Cruz Baldoeiro

Fig.4: Vale da Vilariça (Norte-Sul); ao fundo o rio Douro. c) Chão da Capela, Freixo, Olival vel “centro político-administrativo, do Rei e Prado (Junqueira) muito provavelmente a capital da civitas Baniensis” foi Carlos Cruz O sítio aqui considerado como (2000, p. 222, n.º 232). Delimitou o Chão da Capela agrupa três man- sítio “à beira da estrada nacional chas de materiais, muito próximas, que liga o vale da Vilariça a Alfân- mas não contínuas, localizadas en- dega da Fé, a oeste da Junqueira”. tre a Estrada Nacional, que liga a Como posicionamento geoestraté- Junqueira a Alfândega da Fé, e a Ri- gico destacou a sua implantação na beira da Vilariça, tendo como limite “margem esquerda da Ribeira da norte o ribeiro de S. Martinho. O Vilariça e junto à via secundária que sítio foi reconhecido pela equipa do ligava o vale do Douro com a via PARM e classificado como “habitat XVII”. O mesmo autor argumenta e necrópole do período romano”. ainda a “enorme concentração de Mais tarde, Sande Lemos (1993, n.º materiais de construção, cerâmica 650) interpreta os vestígios como comum, elementos de mó e alguma pertencentes a uma “mutatio ou ca- escória”. Refere ainda a recolha de sal rural romano”, considerando, uma estela funerária, por um dos como vimos, outra localização para proprietários, e de outras três de- a civitas. O primeiro autor a defen- positadas no Museu de Vila Flor. der o Chão da Capela como prová- Segundo os seus cálculos, esta seria 538 A civitas dos banienses

Fig.5: Vista geral do Chão da Capela.

Fig.6: Delimitação de áreas e localização de topónimos: a.Chão da Capela (REBANDA, N., 2008, PDM); b.Olival do Rei (Idem); a nossa proposta de delimitação do sítio (imagem Google Earth, 2006).

539 Actas de las iv jornadas de jóvenes investigadores del valle del Duero 2014 a maior área de dispersão de mate- da vala do ramal C24 do sistema riais rondando os “27,6 hectares”. de rega” supra citado, reconheceu Carlos Cruz (2000, p. 301, n.º 390) vários “elementos arquitetónicos, refere ainda a existência de uma ne- entre os quais uma base de coluna crópole, com base em informações e um silhar almofadado”, cerâmica orais, que recordam “sepulturas de de construção romana, um crânio pedra com tampa também de pe- humano em corte e “numerosos dra”, a recolha de uma estela fune- fragmentos de ossos humanos refe- rária por um proprietário e de três rentes a, pelo menos, dois adultos e outras epígrafes depositadas no um bebé”. O autor acrescenta ainda Museu de Vila Flor. a informação oral de um morador Recentemente, António Silva da Junqueira, que participara na (2014) publicou cinco epígrafes des- abertura da referida mina de água, cobertas no Chão da Capela, no âm- recordando o aparecimento de bito do acompanhamento arqueo- “várias inscrições, algumas lajes de lógico da implantação do sistema xisto com uma cruz incisa no centro de rega do Vale da Vilariça (Bloco e numerosas ossadas. Algumas ins- Norte), em 2002. No mesmo artigo, crições foram levadas por um indi- o autor analisa e reinterpreta os da- víduo residente no Alentejo, outras dos disponíveis em torno do Chão quatro foram depositadas no adro da Capela. Em sua opinião, em vez da igreja da Junqueira” e publicadas da “vasta mancha” de materiais as- por António Silva (2014). Com base sinalada por Carlos Cruz considera nestes dados, o autor interpreta a a existência de “três manchas de mancha do Chão da Capela/Prado dispersão bem individualizadas”: como necrópole e santuário cristão Freixo, Chão da Capela e Campo. Alto Medieval, possivelmente ante- Na primeira mancha, com apro- cedido por uma necrópole romana. ximadamente 30.400m2, reconhe- A útima mancha, o Campo, encon- ceu “materiais cerâmicos de cons- tra-se um pouco mais a sul, num trução, silhares e alvenaria, TSH e olival, a poente de uma habitação, cerâmica comum”, de cronologia sendo a área de dispersão de 3.850 romana, interpretando o local como m2. Tendo ali observado “materiais aglomerado rural. Na segunda área de construção, cerâmica romana (Chão da Capela/Prado), António e telha de meia cana”, o autor co- Silva (2014) refere a dispersão de loca a hipótese de se tratar de um materiais de construção romanos casal agrícola romano e, segundo por aproximadamente 1.800 m2. uma fonte oral, de ali ter existido Regista ainda que a abertura de um forno de telha de meia cana uma mina de água no local trouxe recentemente destruído. A análise à superfície alguns elementos ar- dos dados recolhidos levou Antó- quitetónicos, uma possível estela nio Silva (2004) a considerar que o anepígrafa, uma estela funerária e “sítio do Chão da Capela deverá ser equacionou a reutilização de uma classificado como santuário cristão terceira inscrição. Na “abertura da Alta Idade Média, com necrópo- 540 A civitas dos banienses le associada. Este santuário poderá da à opinião de Carlos Cruz (2000, sobrepor-se a uma necrópole roma- p. 418). Através de uma ferramenta na, relacionada com o aglomerado SIG, calculámos a área de dispersão rural do Freixo e/ou com o casal em 214.655 m2 (21,4 hectares), na- agrícola de Campo”. turalmente maior que a ocupação A nossa visita de reconheci- efetiva. O sítio foi encaixado entre o mento ao sítio permitiu confirmar Ribeiro de S. Martinho (a norte) e a a localização de alguns topónimos, Ribeira da Vilariça (a oeste), em ple- apreender a questão das manchas no vale, sobressaindo a abundân- de dispersão e reconhecer novos ele- cia de recursos hídricos. A planura mentos materiais caracterizadores. da área e o risco de cheias, dada a Em primeiro lugar, parece con- relativa proximidade de ambos os sensual que estamos perante um cursos de água, perece minimizado, grande sítio, que parece desenvol- uma vez que o sítio se encontra pro- ver-se em três áreas distintas. Em tegido por taludes, que no Olival nosso entender, pode parecer mais do Rei/Freixo e Campo chegam a coerente a opinião de António Sil- proporcionar um desnível de cer- va (2014), que distingue claramen- ca de 5 m. À superfície do extenso te três manchas de ocupação, atri- olival (Freixo/Olival do Rei) obser- buindo-lhes tipologias e funções vam-se abundantes materiais cerâ- distintas. De facto, entre o Freixo e micos que confirmam uma cronolo- o Chão da Capela, confirma-se uma gia do Alto e Baixo Império e uma faixa onde não se detetam materiais ocupação ainda presente na Idade e onde o tipo de solo é mais are- Média. O material encontra-se em no-argiloso, porém numa pequena maior quantidade na faixa mais vala recém-aberta observaram-se próxima da ribeira, destacando-se alguns materiais de construção ro- a cerâmica de construção romana manos, nas terra revolvidas, ou seja, (tegulae, imbrices e lateres). Entre as os vestígios parecem encontrar-se cerâmicas destacamos dois frag- mais profundos. Entre o Chão da mentos de potes (Inv. R097-1 e 2) Capela e o Campo os materiais vol- apresentando características de tra- tam a ser escassos, registando-se dição indígena, com acabamento de uma densidade muito reduzida na tipo romano, talvez enquadráveis área do último topónimo, que se en- no século I d. C. Os diversos frag- contrava lavrada e com boa visibi- mentos de Terra Sigillata Hispânica lidade. Assim, tendo em conta que e Terra Sigillata Hispânica Tardia se trata de uma zona muito revol- apontam para uma continuidade de vida, devido a agricultura, mas em ocupação entre o Alto e o Baixo Im- que as condições de visibilidade do pério. Algumas formas de cerâmica terreno e a densidade dos materiais comum romana parecem também à superfície não são uniformes, op- enquadrar-se no Alto Império (Inv. támos por considerar uma grande R097-3, 4 e 31). Foram ainda obser- mancha de dispersão, correspon- vados diversos fragmentos de tal- dente a um grande sítio, aproxima- has, dolia, asas e fundos, que apon- 541 Actas de las iv jornadas de jóvenes investigadores del valle del Duero 2014 tando para uma cronologia romana Alexandre Pegado Barroso. San- não foi possível afinar. Registou-se de Lemos (1993, II, p. 342) aponta também escória de ferro e um frag- como hipótese de origem das três mento de parede de forno. Dois bo- peças o sítio das Cevadeiras, por jos de cerâmica de armazenamento eventual ligação com uma estela (INV R097-19 e 20) indiciam uma publicada por Franciso Alves (1934, ocupação na Baixa Idade Média. IX, p. 446). Porém, o Abade do Baçal Reconhecemos alguns elementos não reconheceu a origem segura da arquitetónicos, como blocos de gra- estela dedicada a Aelivs, uma vez nito afeiçoados, fragmentos de mós que a leitura lhe chegara por carta circulares e uma estela de granito, do pároco da Adeganha, com indi- inédita, que se junta ao conjunto de cação de ter surgido no termo de epígrafes já publicadas. Junqueira. Talvez o autor só conhe- Na área do Chão da Capela é cesse, na altura, as Cevadeiras e o inequívoca a existência de uma ne- Castelo de Junqueira, onde recon- crópole, confirmada no acompan- hecia vestígios da Idade do Ferro hamento de António Silva, em 2002, e Romanização, acabando por re- e na informação disponível na base lacionar o achado com aquele sítio. de dados do Endovélico (DGPC, Para Nelson Rebanda (2008, PDM, portal do Arqueólogo, CNS 4716). ADG009) as três “lápides” levadas Não é possível, para já, contabili- para o Museu Municipal de Vila zar o número exato de epígrafes Flor terão sido recolhidas no Chão que daqui foram recuperadas. Às da Capela. De qualquer modo, a cinco publicadas por António Silva presença de pelo menos dez monu- (2014), podemos juntar, uma outra mentos epigráficos é por si só um na posse de um proprietário e ou- elemento de peso, reflexo de uma tra estela que recuperámos junto de ocupação considerável, ainda mais, um “casão”, ainda inédita. Importa porque cinco surgiram inequivoca- também lembrar a informação oral mente em contexto arqueológico. recolhida por António Silva (2014) Atentemos ainda noutros fatores de “várias inscrições, algumas la- que abonam em favor deste grande jes de xisto com uma cruz incisa no sítio do Freixo/Chão da Capela, centro e numerosas ossadas foram como a abundância de água, essen- postas a descoberto nessa altura, as cial em qualquer cidade romana. inscrições mais bem conservadas Também a passagem e o cruzamen- foram dadas a um indivíduo resi- to de vias de comunicação terres- dente no Alentejo”. A origem das tres parece aqui ter lugar. Passaria três epígrafes depositadas no Mu- no local a via romana vinda de sul seu de Vila Flor não é consensual. pelo Vale da Vilariça e que se dirigia Para Domingos Brandão (1966, p. à via XVII, a norte. Não longe, cru- 338-358) as inscrições são “prove- zaria com outra via secundária, que nientes da povoação da Junquei- ligaria o planalto de Alfândega Fé, ra”, duas foram oferta de Manuel a este, ao de Vila Flor-Carrazeda de Victor Teixeira e uma de António Ansiães, a oeste. 542 A civitas dos banienses

Fig.7: Localização do sítio N. Senhora do Castelo, Olival das Fragas e Olival dos Pardieiros no Vale da Vilariça.

A própria topografia da implan- der pela epigrafia, a cidade poderia tação do Freixo/Chão da Capela chamar-se Bania ou Banium, todavia lembra outros casos de cidades no período suévico parece ser dife- romanas, fundadas de raiz, no iní- rente - Vallaeritia. Não vamos aqui cio do Alto Império como Ammaia, analisar o que pode ter ditado uma Eburobritium, Aegiditanorum, Cobel- alteração da designação da civitas, corum ou Aravorum. Lembramos a mas avaliar a continuidade da de- especificidade do Vale da Vilariça signação e da própria localização. na II Idade do Ferro, onde abun- A designação de Vallaeritia surge davam os povoados, cujas caracte- pela primeira vez associada à cun- rísticas contemplavam áreas fortifi- hagem de moeda por Viterico (603- cadas, em elevações ou esporões, e 610), surgindo no final do séc. VI na áreas abertas, nas vertentes e sopés. Divisio Theodomiri como paróquia Neste contexto regional, faria mais de Valariza. Cinco séculos depois, sentido uma fundação ex nihilo, ain- encontramos no foral de D. Sancho da que o grosso da população fosse I, concedido à vila da Junqueira, a maioritariamente indígena. designação de Junqueira de Valarisa. Pensamos que a própria desig- Se nos dois primeiros casos ainda nação da cidade poderá também poderemos associar os geónimos à conter algumas pistas. A depreen- sede da civitas, mantemos algumas

543 Actas de las iv jornadas de jóvenes investigadores del valle del Duero 2014 reservas quanto à relação de Jun- mofadados, assim como cantarias e queira da Valarisa com o centro de até epígrafes reutilizadas, talvez re- poder romano-suévico. Se os topó- sultantes de um eventual desmonte nimos Olival do Rei e Chão da Ca- do centro urbano dos banienses, in- pela poderiam ser encarados como dependentemente de ser aqui a sua indicadores de uma memória polí- localização. tico-religiosa, em face da escassez Outra questão a realçar é o fac- de materiais tardios nessas áreas, to de o lugar de Junqueira (Jun- poderia o centro de poder medieval queira de Valarisa) ter obtido foral estar já alojado na atual Junqueira, , ao tempo de D. Sancho I (15 de Ja- justificando a junção dos dois topó- neiro de 1201), contemplando um nimos - Junqueira (nova área) + Vala- amplo território, que abarcava parte risa (alusão à antiga cidade). do atual concelho de Torre de Mon- É certo que muitas cidades roma- corvo, de Alfândega e de Carrazeda nas peninsulares se encontram sob lo- de Ansiães. Não sabemos se a im- calidades ou povoações atuais (Pax Iu- portância conferida à Junqueira, no lia-Beja; Ebora-Évora; Abelterium-Alter tempo do rei “Povoador”, fez sim- do Chão; Igaeditanorum-Idanha-a-Vel- plesmente parte de um plano mais ha; Olissipo-Lisboa; Scallabis-Santa- alargado de povoamento e de uma rém; Aeminium-Coimbra; Bobadela; intenção estratégico-territorial, ou Aravorum-Devesa). Noutros casos se legitimou uma continuidade po- deram origem, na área extramuros ou lítico-administrativa e religiosa her- envolvente, a novas localidades (Am- dada da antiga civitas tardo antiga. maia-S. Salvador da Aramenha; Ari- Por último, a questão ideológi- tium Vetus-Alvega; Eburobritium-Óbi- co-religiosa poderia ser vista tam- dos; Conimbriga-Condeixa-a-Velha; bém como um legado ou argumen- Cobelcorum-Almofala; Zoelarum-Cas- to interessante. Se algumas sedes tro de Avelãs; e neste caso, talvez Ba- de civitas alcançaram o estatuto niensium-Junqueira). Não raras vezes, de dioceses, a maioria desenvol- a deslocação do habitat para áreas li- veu apenas a função de paróquia. mítrofes foi motivada pela progressi- No Parochiale Sueuorum ou Divisio va ruína dos centros urbanos, ditando Theodomiri, redigido entre 572 e 582, a sua inabitabilidade. mencionam-se três paróquias nes- Na maioria dos casos, as ruínas ta área geográfica: “Na Diocese de romanas de cidades e villae fun- Braga a paróquia de Astiatico (hoje cionaram no pós-abandono como Santiago, Vila de Ala, ) e pedreiras, ao longo de séculos, re- de Vallariza (Vilariça, Cardanha,To- legando a sua existência para o sub- rre de Moncorvo); e na Diocese de solo ou manchas de dispersão de Viseu a paróquia de Caliabria (Mon- materiais. Em Torre de Moncorvo, te Calabre, Almendra, Vila Nova Vila Flor, nas aldeias e construções de Foz Côa)” (BARROCA, 2009, p. próximas reconhecem-se inúmeros 194-195)”. Segundo a mesma fonte, elementos arquitectónicos, silhares a “paróquia suévica de Vallariza não com vestígios de forfex, alguns al- viu o seu estatuto alterado com a 544 A civitas dos banienses

Divisio Wambae (672-680)”. Mais tar- leitura do conjunto, cuja soma das de, em finais do séc. IX, a paróquia áreas de dispersão de materiais se de Vallariza encontrava-se na de- aproxima dos 277.546 m2. A avaliar pendência da diocese de Caliabria, pela topografia distinta das três sendo depois reclamada por Braga áreas, poderemos estar perante fun- (ALARCÃO, 2004, P. 202-203). Pen- cionalidades e ocupações crono-cul- samos ser possível a continuidade turais diferenciadas. Apenas Luís daquela paróquia com a “porrochia Cardoso (1747-51) relaciona este Sancti Jacobi de Junqueira” referida grande sítio como a eventual locali- nas Inquirições de D. Afonso III zação de uma antiga cidade, embo- (ALVES, 1934, IV, p. 77). A existên- ra não a vincule a outros dados, ten- cia nesta área de uma necrópole e do por base informações orais. Para de um eventual santuário Alto Me- já, reconhecemos a excecionalidade dieval, sobrepostos a um provável arqueológica do sítio, que reúne um espaço funerário romano, como su- conjunto de fatores só enquadráveis geriu António Silva (2014), não se num importante aglomerado, cuja podem relacionar diretamente com tipologia ainda suscita dúvidas, pe- a referida paróquia, no entanto, não rante à ausência de escavações. deixa de constituir uma hipótese de trabalho.

D) NOSSA SENHORA DO CASTELO-OLIVAL DAS FRAGAS-OLIVAL DOS PARDIEIROS

Utilizamos aqui um critério distin- to em termos de representação das manchas de dispersão de materiais. Tratando-se de um sítio enorme, as manchas de ocupação repartem-se por três grandes áreas, bem diferen- ciadas entre si, do ponto de vista es- pacial, geomorfológico, cronológico e até tipológico-funcional. A longa diacronia do sítio e a respetiva inte- ração permite-nos agrupar as áreas, designadas por Nossa Senhora do Castelo, Olival das Fragas, a oeste, e Olival do Pardieiros, ainda mais a poente, num único sítio. Apesar de Fig. 8: Estela recolhida na Vila Maior, a bibliografia individualizar cada dedicada a Júpiter pelo vicus Ilex(…); uma das manchas de dispersão, foto reproduzida de Susana Bailarim (FE, 2001, N.º 67/300. torna-se mais pertinente fazer uma 545 Actas de las iv jornadas de jóvenes investigadores del valle del Duero 2014

A área de Nossa Senhora do do alinhamento de uma muralha, Castelo corresponde a um esporão que protegia o povoado, encon- de vertente que se desenvolve do trando-se com melhor qualidade santuário para sudoeste, com pen- e preservação um troço do lado dente na mesma direção. O terreno sudeste. Os materiais recolhidos é acidentado, apresentando boas nesta área são muito díspares cro- condições estratégico-defensivas no-culturalmente. Junto do atual em relação ao Vale da Vilariça, a santuário observámos cerâmicas poente. Na obra de Luís Cardo- manuais, muito fragmentadas, al- so, Diccionário Geográfico, no artigo gumas com decorações em espinha Adeganha encontramos a referên- e penteadas (Calcolítico-Idade do cia a uma cidade antiga que teria Bronze). Reconhecemos também existido neste local, ainda que sem algumas tegulae, imbrices e cerâmica referência à civitas Banienses: “No li- de cozinha (fragmento de alguidar mite desta ha hum monte a - R114-22 - talvez séc. V d. C.) e um que chamaõ Castello-Velho, povoado de fragmento de prato forma Hayes 3 arvoredo silvestre; e no mais alto delle C/D de produção Late Roman C ou está muita quantidade de pedra, que TSFocense Tardia (2.ª met. séc. V). parece ser ruina de alguma antiga for- O Sr. Alberto Vilela (Adeganha) é taleza; e dizem, que era hum castello de detentor de um conjunto de moe- Mouros. Deste monte se arrancaõ boas das recolhidas nesta área, aquan- pedras de cantaria, que saõ procuradas do das lavras de um seu terreno. O de terras muy distantes pela sua boa conjunto de numismas enquadra-se qualidade. No sitio, em que hoje se acha em dois períodos distintos, o mais a Senhora do Castello, dizem que hou- antigo nos sécs. III-IV e o mais re- vera antigamente huma grande Cidade, cente entre os sécs. XIV e XVII. cujo nome se ignora, da qual ainda se O Olival das Fragas implanta-se descobrem parte de seus muros arrui- numa extensa plataforma, locali- nados.” (CARDOSO, 1747-1751, p. zada no sopé do esporão de Nossa 50-51). Hoje, ainda se observam Senhora do Castelo. Está voltada vestígios de construções de granito, para poente e Vale da Vilariça, bem provavelmente de apoio à agricul- sobrelevada em relação ao próprio tura ou pastorícia, nas imediações vale. A plataforma, ovalada, é limi- do santuário. Do miradouro para tada a noroeste e a sudeste por duas poente, numa zona de acentuada pequenas linhas de água e por um pendente, registam-se muitos ves- pequeno vale meridional. Santo Jú- tígios de derrubes de cabanas e nior (1978a, p. 235-251) reconheceu negativos de buracos de poste nos no local três linhas de “paredões”, afloramentos. As cabanas ou áreas orientados de norte para sul, que familiares-funcionais implantam-se sustentam extensos socalcos ou pa- em pequenos patamares e recantos tamares artificiais. O autor inter- descendentes desde o topo, onde se preta os “paredões” como “simples encontra o santuário, até ao limite arrumo de pedras”, reconhecendo do esporão. Apresenta várias partes a existência de uma “portada” ou 546 A civitas dos banienses passagem com 2,85 m de largura. cultural, existem diversos fragmen- Nos ditos muros ou paredões ob- tos de cerâmica, fragmentos de bojo, servam-se alguns elementos arqui- asas (Inv. R106-27 e 28) e um fundo tetónicos, como silhares, soleiras, de alguidar (Inv. R106-46). Alguns ombreiras e elementos de mós, in- fragmentos de parede ou de grelha diciando uma edificação pós-aban- de forno poderiam relacionar-se tal- dono, não invalidando que a sua vez relacionar-se com as escórias de edificação fosse estruturada em ferro, resultantes dos trabalhos de função de outros patamares e estru- redução de ferro ou forja. turas mais antigas. No que concer- As opiniões sobre a tipologia do ne ao espólio, Santos Júnior (1978a, Olival das Fragas são semelhantes, p. 240-249) registou uma soleira de para Sande Lemos (1993, n.º 655, p. granito, um fragmento de sepultura 344) trata-se de um povoado roma- antropomórfica, fragmentos de mós no e para Carlos Cruz (2000, p. 263) manuais, dois pesos de rede, abun- um povoado aberto/aldeia (Roma- dantes fragmentos de cerâmica, um nização). Realçando alguns elemen- fragmento de TSSG (2.ª met. séc. I d. tos desta área, como a imponência C.), tegulae, imbrices, um objeto de fe- dos paredões, a topografia do terre- rro indeterminado, escórias, um an- no, a densidade e a longa diacro- zol de bronze, um numisma (Licínio nia dos materiais e a abundância I, 313-315) e fauna. Da nossa visita ao de materiais importados, poderão local, destacamos a elevada densida- indiciar um estatuto superior ao de de materiais cerâmicos à superfí- de povoado aberto, como propôs cie, com destaque para a cerâmica de Carlos Cruz (2000, p. 263). Retoma- construção. Observámos fragmentos remos esta questão um pouco mais cerâmicos de formas indígenas mas à frente. de acabamento tipicamente roma- A área do Olival dos Pardieiros/ no, enquadráveis nos inícios do Im- Barral da Ribeira localiza-se em pério. Realçamos um fragmento de pleno vale, entre a EN102 e a ribei- ânfora bética com pastas do Guadal- ra da Vilariça, a poente do Olival quivir (Inv. R106-16), forma Dressel das Fragas. Atualmente encontra-se 9 ou 7-11, enquadrável entre 15 a. C. plantada com uma extensa vinha. e séc. II d. C. Destacaram-se também Segundo Santo Júnior (1978a, p. cerâmicas tipo imitação de engobe 236) a palavra Pardieiros signigica vermelho e TSH das formas Drag. “casas em ruínas”. Na Quinta da 27, Drag. 15/17, Drag. 36, Drag. 37 e Terrincha, Santos Júnior (1918a, p. Ritt. 8 (2.ª met. Séc. I-II d. C.). De en- 235-236) registou três epígrafes, das tre os materiais mais tardios registá- quais duas estelas teriam apareci- mos TSHTardia (Baixo Império), um do no Olival dos Pardieiros. Estas fragmento de alguidar (Inv. R106-10) acabariam por ser levadas para Sa- com um enquadramento na 2.ª met. brosa do Douro, enquanto a tercei- séc. V-VII. Um fragmento de talha ra peça, ilegível e de proveniência (Inv. R106-11) remete-nos para os desconhecida está embutida numa séculos IX-XI. Do mesmo contexto parede de um armazém, na Quin- 547 Actas de las iv jornadas de jóvenes investigadores del valle del Duero 2014 ta da Terrincha. Da nossa visita ao mente nesta área. Nesta análie, gos- local realçamos a abundância de taríamos ainda de salientar, que os materiais construtivos (tegulae e im- vários autores têm aqui localizado brices) e abundantes fragmentos de uma necrópole com base em duas cerâmica comum, de diversas cro- estelas funerárias ali encontradas, nologias. Na cerâmica destaca-se mas que se encontravam na Quinta um bordo multifacetado (II Idade da Terrincha, desconhecendo-se o do Ferro - Fase III), bordo da talha contexto em que foram recolhidas (Inv. R091-39 - II Idade do Ferro ?) no Olival dos Pardieiros - arqueoló- e uma marca de jogo (Inv. R091-9). gico ou reutilizado? Assim, não po- Reconhecemos alguns fragmen- demos excluir que esta mancha de tos de TSH disformes, uma forma dispersão de materiais corresponda Drag. 36 e talvez um fundo de Drag. a outra tipologia de sítio. 37 (Flávios-séc. II d. C.). Foi ainda Uma pequena nota sobre uma recolhido um fragmento de TSH ara descoberta, nas proximidades, Tardia (Baixo Império). Reconhece- por Santos Júnior (1978a, p. 236) ram-se ainda alguns fragmentos de na “borda do caminho” de acesso cerâmica romana, não afinados cro- à Quinta do Carrascal, partindo nologicamente, como de jarro (Inv. da EN102. Segundo o proprietário R091-42), bordo de pote (Inv. R091- da quinta, a peça fora descober- 40), fundo (Inv. R091-7), asas (Inv. ta numa vinha, na margem direi- R091-6,8,41), bordo de dolium (Inv. ta da Ribeira da Vilariça, no sítio R091-5) e fragmento de peso de tear do Barral da Ribeira. Para Santos (Inv. R091-43). Do período Tardo Junior a peça, dedicada às Ninfas Antigo registaram-se fragmentos , poderia ter origem na “fonte n.º de dois bojos e cerâmica fina polida 1 da Água de Bem Saúde, que fica (Inv. R091-25). Um fragmento de a umas centenas de metros a mon- cerâmica de armazenamento, com tante”. O topónimo de Barral da Ri- um cordão digitado (Inv. R091-19) beira abrange uma vasta área, não poderia enquadrar-se na Baixa Ida- sendo possível localizar com segu- de Média. No que toca à ceramica rança a origem da peça. Do mesmo comum, importa sublinhar que es- modo, não é coerente relacionar o tamos perante materiais recolhidos altar com as áreas mais próximas do à superfície, descontextualizados, Olival dos Pardieiros ou Olival das pelo que deverão ser entendidos Fragas, porém não seria descabida como indicadores e com as devi- a sua relação com um santuário li- das reservas. Quanto à tipologia do gado às águas. Olival dos Pardieiros, tanto Sande Voltando à temática da locali- Lemos (1993, p. 345) como Carlos zação da civitas e no contexto des- Cruz (2000, p. 302) apontam para te grande sítio, o Olival das Fragas a hipótese de ali existir uma necró- afigura-se como uma nova hipó- pole romana. Lembramos, também, tese de trabalho. Na plataforma, a que a via romana secundária que área da mancha de dispersão, co- seguia para norte passava precisa- rrespondente a uma possível área 548 A civitas dos banienses intramuros, não ultrapassaria os 4 contrando-se a área do Olival das hectares. Para uma cidade, a área Fragas relativamente perto, que faz é reduzida, no entanto, podemos parte do mesmo sítio. equacionar o contexto regional e in- De salientar ainda que o próprio terior, facto que poderia diferenciar C. Cruz (2000, p. 417-418) chama a este centro urbano da norma roma- atenção do sítio do Olival das Fra- na. As informações materiais deste gas como possível sede da civitas: local apontam para uma diacronia “a favor deste jogam, desde logo, as que percorre o final da II Idade do evidências arqueológicas expressas Ferro-início da Romanização, Alto e no material cerâmico disseminado Baixo Império, Tardo Antiguidade, por uma vasta área de aproxima- até à Baixa Idade Média. A longa damente 4 hectares” e “o facto que diacronia de ocupação da área, com ser aquele que está mais próximo destaque para o período romano, do local do possível santuário se S. propriamente dito, a imponência Mamede (cerca de 2,5km) onde terá dos actuais paredões, que mesmo aparecido a epígrafe que vem po- sendo mais recentes, contêm mui- deria ter sido deslocada deste local. tos elementos arquitectónicos e Para além disso, está implantado uma grande massa de pedras apa- numa zona que sobressai, no Vale relhadas só encontram justificação da Vilariça pela, longevidade de no contexto de um aglomerado im- ocupação, com boa posiçao estraté- portante, independentemente do gica, neste povoado ocorreu, ainda estatuto. epigrafia vária, além de estar rela- Alguns dos argumentos que cionado com a provável necrópole enumerámos para o Freixo/Chão de Olival dos Pardieiros, a escassos da Capela, também aqui pode- metros.” riam encaixar, como a cunhagem Importa chamar ainda a atenção de moeda suévica, o estatuto de para o facto de o Olival das Fragas paróquia ou localização do pagi da poder encontrar-se bastante altera- Valariza. Já a notícia de Luís Car- do pelos trabalhos agrícolas ou de doso (1747-1751, p. 50-51), que não limpeza de terreno, daí que a man- aludindo diretamente à civitas dos cha de dispersão seja mais densa e Banienses, mas a uma antiga cidade os paredões reúnam um volume tão no termo de Adeganha e na área elevado de pedras. do Santuário de Nossa Senhora do Um argumento de peso que pode Castelo, deve ser entendida com al- contradizer a argumentação relati- gumas reservas. A notícia baseia-se va ao Olival das Fragas prende-se na memória popular e, como pa- com um novo modelo de povoado rece óbvio, na zona do santuário é da II Idade do Ferro, descoberto incomportavel, topográfica e mate- nas intervenções do Vale do Sabor rialmente, a existência de uma cida- - Silhades e Quinta de Crestelos - e de romana. Poderíamos considerar que pode muito bem estender-se ao um desvio da localização da infor- Vale da Vilariça. Abreviando, tra- mação, passados tantos séculos, en- ta-se de povoados com áreas fortifi- 549 Actas de las iv jornadas de jóvenes investigadores del valle del Duero 2014 cadas, em plataformas ou esporões, romanos in situ ou em posição ar- e áreas abertas junto ao vale e no queológica secundária. sopé das vertentes. A ocupação de Apesar de o Olival das Fra- ambos os sítios percorre um lon- gas-Olival dos Pardieiros reunir go ciclo desde a II Idade do Ferro mais evidências materiais, que à Baixa Idade Média. Este modelo, conduzem à ideia de uma longa aparentemente conhecido através diacronia, confirmadas crono-cul- de prospeções, é certamente exten- turalmente, não podemos esque- sível ao Vale da Vilariça ainda que cer outros fatores que podem ter a dimensão seja francamente maior. motivado a densidade material, Neste modelo poderão encaixar-se, como o revolvimento de terras, a não apenas o Cabeço da Alfarela, plantação do olival, a construção de Povoado da Junqueira/Cevadei- “novos” socalcos ou mesmo a não ras, N.ª Senhora dos Anúncios, S. utilização do local como pedreira Pedro de Lodões e Cabeço da Mina no pós-abandono. Recorde-se que (?), como o próprio Povoado de N.ª os recentes trabalhos arqueológicos Senhora do Castelo/Olival das Fra- em Silhades e Quinta de Crestelos gas. Neste cenário, de uma grande revelaram povoados de longa dia- densidade populacional na II Idade cronia e com uma arquitetura com- do Ferro, não faria mais sentido a plexa, contrariando claramente a criação de um novo centro urba- interpretação inicial da mancha de no, em detrimento da adaptação de materiais. É também verdade que um povoado, modelo de uma nova as cidades romanas do interior de identidade e de uma nova ordem foram escavadas muito político-administrativa e social? Só parcialmente, pouco se conhecendo futuras intervenções arqueológicas em termos de estrutura urbana, o poderão resolver a questão. que tem dado aso a muita especu- lação em torno da malha urbana e QUESTÕES EM TORNO DA equipamento. CIVITAS BANIENSIS Enquanto o Freixo/Chão da Ca- pela encaixaria melhor numa civi- Podendo descartar-se em defini- tas fundada de raiz, no Olival das tivo os sítios de Baldoeiro, San- Fragas/N.ª S.ª do Castelo faria mais ta Cruz da Vilariça e Vila Maior sentido a urbanização de um po- como sedes da civitas Baniensium, voado da II Idade do Ferro. Se pen- apenas restam dois sítios cujas ca- sarmos neste segundo sítio, por que racterísticas se poderão encaixar motivo a escolha recaiu neste e não nessa tipologia - Freixo/Chão da outro povoado pré-romano do Vale Capela e Olival das Fragas/Olival da Vilariça, como N.ª Sr.ª dos Anún- dos Pardieiros. Um detalhe diferen- cios ou S. Pedro de Lodões? ciador prende-se com o facto de o No Olival das Fragas/N.ª Sr.ª Chão da Capela ter sido interven- do Castelo pesa a longa diacro- cionado e revelado uma necrópole, nia de ocupação, desde a Idade do bem como monumentos funerários Ferro à Idade Média, a qualidade 550 A civitas dos banienses e raridade de certas produções, pelo menor grau de interferência como o fragmento de ânfora, a pro- do poder romano, limitado a mon- dução oriental de terra sigillata ou a tar um mecanismo que lhe permi- própria variedade. tisse garantir a lealtade dos povos A falta de monumentalidade de submetidos, recolher regularmente algumas cidades tem sido abordada os impostos devidos e potenciar a pelo professor Pedro Carvalho em exploração de alguns recursos na- diversos trabalhos (2007 e 2010). turais. A fundação de civitates e vici O noroeste peninsular sofreu um exige a presença de colonos, ainda proceso de romanização tardio e que nestas zonas interiores, como a um escasso desenvolvimento do Beira Interior, a epigrafia mostre a fenómeno urbano. O modelo clás- presença de poucos colonos (CAR- sico de cidade capital de civitas, ca- VALHO, 2010, p. 79-82). racterizado por uma malha urbana Neste contexto poderia juntar-se desenvolvida e por todo um apa- a aparente falta de monumentali- rato arquetectónico e monumental zação das cidades interiores e o ca- encontrar-se-ia principalmente nas rácter filantrópico do finançamento capitais conventuais Bracara, Asturi- das construções públicas. Numa ca e Lucus, assim como Aquae Flavia, civitas em que a base social é funda- Tude e Iria Flavia. O resto de civita- mentalmente indígena, com valores tes dos territórios de Asturia (SAS- culturais autóctones, mais dificil- TRE, 2001, p. 133-143) ou Gallaecia mente se pode enraizar o modelo (PÉREZ LOSADA, 2002, p. 338-340) romano do evergetismo, uma vez assim como do interior norte da Lu- que neste contexto as elites locais sitânia e a atual Beira Interior (CAR- não aspirariam as contrapartidas de VALHO, 2007, p. 99-100) escapam a ascensão social que procedem a este este modelo clássico e monumental. investimento. Este cenário poderá ter ocorrido no Assim, a civitas poderia ver-se conjunto da Terra Quente trasmon- limitada à representação simbólica tana e em concreto na área tratada do ideário imperial e ao exercício do neste trabalho. poder político e fiscal, assim como A romanização foi um processo uma natural função comercial. de aculturação das comunidades Abrange uma série de conceitos: a indígenas, pressupondo uma rutu- urbs, ou espácio físico da capital, e ra com o seu passado, gradual, com o territorium, área delimitada onde diferentes ritmos e resultados regio- se estabelecia um populus. A civitas nais, originando uma diversidade gozava de uma capacidade autó- de paisagens sociais. A resistência noma de gestão sobre o conjunto ao processo é observável através de de rendas, bens e outros interesses uma adopção progressiva da cultu- comuns dessa comunidade (res pu- ra romana, tanto ideológica como blica) (ORTIZ DE URBINA, 2000, p. material. O ritmo da romanização 51-53; CARVALHO, 2007, 99-100). foi condicionado pela base social A possível ausência de ambien- predominantemente autóctone e tes claramente urbanos constitui o 551 Actas de las iv jornadas de jóvenes investigadores del valle del Duero 2014 reflexo de uma estrutura de poder diocese de Caliabria sendo depois e controlo social baseada numa reclamada por Braga. Não sabemos efectiva preponderância de aristo- quando a cidade desaparece, adi- cracias indígenas que regulam e do- vinhando-se uma degradação do minam a restante comunidade, em poder político-administrativo que seu proveito e em benefício do Esta- conduziu, progressivamente, ao de- do, a partir de castella ou de peque- clínio das estruturas de poder local nos aglomerados fundados de raiz e dos próprios espaços ou edifícios e à margem da organização cívica públicos. Entre inícios do séc. X e ou do modelo governativo clássi- o início da nacionalidade, a civitas co centrado na cidade (SASTRE e parece perder-se no espaço, perden- PLÁCIDO, 1999 em CARVALHO, do-se-lhe o rasto documental. 2007). A implantação da civitas dos BREVES CONSIDERAÇÕES baniensis pode ter ocorrido no iní- SOBRE O TERRITORIUM DA cio do Alto Império, à semelhança CIVITAS de outras civitates peninsulares. A amostragem de materiais observa- Se a implantação da civitas está re- dos em cada um dos sítios deve ser vestida de algumas incertezas, em encarada com as devidas reservas, relação ao territorium as dúvidas não nos permitindo afirmar com não são menores. Apesar de exis- segurança, que a ausência de ves- tir um investimento científico no tígios de um período cronológico tema verifica-se a ausência de in- signifique uma não ocupação nessa tervenções arqueológicas. Os tra- fase. A presenta de materiais im- balhos de referência que fornecem portados do Alto e Baixo Império, dados credíveis sobre o assunto em ambos os sítios, comprova a sua são, uma vez mais, os trabalhos ocupação no período romano em académicos de Sande Lemos e de geral. A cunhagem de moeda por Carlos Cruz. O território desta civi- Viterico (603-610) na civitas Vallea- tas, considera como zona nuclear o ritia, mesmo que possa tratar-se de vale da Vilariça, estendendo-o pelo “ceca de viaje”, seria reflexo de algu- planalto de Alfândega, as vertentes ma vitalidade político-administrati- ocidentais da serra do Reboredo, a va e económica. depressão do Freixo (entre a serra No final do séc. VI, a existência de Reboredo e o rio Douro) e a par- da paróquia de Valariza encontra-se te oriental do planalto de Ansiães. confirmada na Divisio Theodomiri, Segundo estes limites gerais, o ager e no final do séc. VII, Vallariza foi Baniensium confrontava a noroeste registada na Divisio Wambae. Nesta com os Interamici, a norte e nordeste fase pouco conhecemos da cidade, com os Zoelas, a oriente, ao longo para além de se afirmar como cen- do Douro, com os Vetões e a ociden- tro de poder religioso. Em finais te, ao longo do Tua, com uma etnia do séc. IX, a paróquia de Vallariza desconhecida (LEMOS, 1993: 490- encontrava-se na dependência da 492 e CRUZ, 2000: 410-411). 552 A civitas dos banienses

Um dos limites prováveis poderia finir as diferenças existentes no estilo ser a Serra de Bornes, acidente geográ- e tipologia da epigrafia funerária, or- fico marcante na paisagem, que limita namentação, fórmulas utilizadas, da a norte o Vale da Vilariça e cujo topóni- zona dos Baniensis e dos Zoelas. mo parece associar-se à ideia de extre- Pode sublinhar-se que este territó- mo ou limite, neste caso com a civitas rio lembra o que D. Sancho I conferiu Zoelarum. Outro elemento indicador no Foral à Junqueira da Vilariça e se- da fronteira é estabelecido por um ter- melhante ao que D. Sancho II define minus augustalis localizado na igreja na Carta de Foral de 1225 à vila de da Lamas de Orelhão com a inscrição Santa Cruz da Vilariça. Esta foi sede “Heinc Leteram” ou “Heinc Letera- de um extenso concelho medieval, ni” o qual indica o limes pelo extremo que incluía não só o vale da Vilariça, Noroeste e o nome do povo vizinho: mas também parte dos actuais con- os Leterani. Esta epígrafe foi publicada celhos de Torre de Moncorvo, Vila pelo Abade de Baçal e anteriormente Flor, Alfândega da Fé e Carrazeda de apontada por Carneiro de Fontoura Ansiães (REBANDA, 1998). A coinci- (ALVES, 2000, Tomo I: 361). Ainda dência entre a hipótese do territorium que esta epígrafe esteja deslocada, dos Banienses e a do concelho de Santa encontra-se próxima de um conjun- Cruz vem originada no facto de que to de elevações muito destacadas e estes limes correspondem a limites na- estratégicas, como são a Serra de Pas- turais em torno de características que sos-Santa Comba. O rio Tua poderia apresentam uma certa homogeneida- constituir o limite pelo lado Oeste. A de paisagística. Assim o polígono cir- outra referência conhecida deste povo cunscreve a área marcada entre o Tua, vem do Paroquial Suévico onde Lete- Bornes, Planalto Mogadouro-Miran- ra na bacia méia do Tua, é um dos três da e Douro, limites naturais com um pagi do Noroeste junto com Vergancia espaço central centrado no Vale da Vi- e Valariza (LEMOS, 1995: 134-135) lariça e o vale do Baixo Sabor. No extremo Sul e Sudeste o aciden- Assim, os territórios montanho- te geográfico mais significativo é o rio sos do interior com populações de Douro que poderia marcar a fronteira origem indígena podem ter resistido com a civitas dos Meidobrigenses, povo à implantação do modelo clássico da que vem citado, anteriormente, na cidade, assim como de villae. Os cam- epígrafe da ponte de Alcântara. Pelo pos seriam essencialmente ocupa- extremo leste, a paisagem natural dos por quintas ou granjas e casais, vem marcar uma realidade distinta por vezes agrupando-se e formando entre esta área e o Planalto Mirandês pequenos povoados, sendo as escas- a partir da povoação de Mogadouro sas villae manifestações tardias do e as cristas de Zava e das Fragas de Baixo Império (CARVALHO, 2010: São Cristóvão, imponentes marcos 81). O único exemplo claro de villa, geográficos com vestígios arqueoló- no território teórico dos banienses, gicos do período romano. Em termos é a da Quinta da Ribeira/ Tralhariz, arqueológicos talvez seja a epigrafia na qual foram achados mosaicos, tipo Picote, a que melhor permite de- publicados pelo Abade Baçal. As ca- 553 Actas de las iv jornadas de jóvenes investigadores del valle del Duero 2014 racterísticas de excelência do Vale da religiosas, afastados como estavam Vilariça, poderiam também albergar da capital de civitas da qual depen- villae, ainda não relacionadas com os diam, reuniriam algumas das suas vestígios de superfície ou não iden- funcionalidades mais caractarís- tificadas. O resto do território seria ticas, constituindo-se como uma ocupado por quintas ou granjas espécie de extensões desse “lugar (Quinta de Crestelos e Silhades ?), central” (LE ROUX, 1994: 155-156, casais, assim como outras estruturas em CARVALHO 2010). auxiliares de transformação, ocu- No territorium teórico dos Ba- padas sazonalmente ou nos ciclos nienses encontram-se epígrafes que de plantio, colheitas agrícolas e ou confirmam três vici: Vila Maior-vi- tranformação (Foz Ribeira do Poio, cus Ilex, Quinta da Ribeira-villa-vi- Olival da Santa, Cabeço da Grincha). cus Tiri e Lugar da Costa-vicus Um dos principais pilares do pa- Labr- nos extremos meridionais e drão de ocupação do solo foram os ocidental deste território. Outros sí- vici, uma das especificidades da Bei- tios com dimensões e características ra Interior e uma das marcas identi- semelhantes, apoiados por acha- tárias destas paisagens provinciais, dos epigráficos podem evidenciar sendo estabelecimentos relativa- que estamos perante vici como o mente habituais no interior norte da Monte de Santa Luzia?, Cabeço de Lusitânia, tal como mostra a epigra- Alfarela?, São Pedro de Lodões?, fia (FERNANDES et alii, 2006, em Nossa Senhora dos Anúncios?, ou, CARVALHO, 2010). Michel Tarpin com mais dúvida, Silhades? Faltam (2002) considera o vicus como uma ainda intervenções arqueológicas fundação oficial e “instrumento de num sítio seguro com esse estatuto, colonização”. Nisto concorda Le permitindo estabelecer um padrão Roux, acrescentando que na sua de comparação ou a simples confir- maioria, os vici parecem ter sido mação epigráfica. fundações ex nihilo, tendo recebido, Para terminar, uma breve re- aparentemente, as populações dos lação deste territorium com a pro- antigos cerros amuralhados mais fusão de esculturas de zoomorfos, próximos ou, nalguns casos, sobre- nomeadamente berrões. São por pondo-se às áreas mais abertas dos volta de 47 berrões os que se en- povoados do final da II Idade do Fe- contram referenciados no território rro (Silhades ?). Uma parte dos vici proposto para esta civitas, de um to- estariam posicionados, estrategica- tal de cerca de 741 berrões encontra- mente, nas proximidades dos limi- tes dos territoria das civitates, bem como no trajecto de vias imperiais 1 Segundo a contagem realizada por C. Bonnaud e secundárias (funcionando como (2008), em Portugal são contabilizados 69 verrões estações de apoio aos viandantes e com a seguinte distribuição: Trás-os-Montes 65, Beira Alta 5, Minho 4, Douro Litoral 1 e Beira Bai- ao correio oficial). Seriam lugares xa 1. A estas quantidades temos que acrescentar, 4 de mercado e palco de algumas das seguros e 1 possível, novos verrões encontrados du- tarefas administrativas e práticas rante as prospeções, 1 na aldeia de Cabanas de Bai- 554 A civitas dos banienses dos em Portugal, estando uma boa São portanto produções escul- parte nas regiões envolventes. No tóricas, que os especialistas datam geral encontram-se berrões nas re- no período romano, ainda que com giões portuguesas de Trás-os-Mon- claras origens na II Idade do Fe- tes e Beira Alta, e nas espanholas de rro. A funcionalidade destas peças Zamora, Salamanca, Ávila, Madrid, parecem relacionar-se com marcos Toledo e Norte de Extremadura. territoriais, ou, mais comum, com Dentro de todas estas áreas, Ávila é elementos sepulcrais. O facto de a que conta com maior quantidade estas aparecerem em considerável de estas esculturas, seguida pela re- quantidade nos sítios de Olival dos gião de Trás-os-Montes. Berrões, muito próximo do vicus Neste território encontram-se Ilex (Vila Maior) e no Monte de San- também as conhecidas “cabeças cor- ta Luzia, outro possível vicus, con- tadas” ou “cabeça de guerreiro” de vida a pensar na sua utilização em Nossa Sr.ª dos Anúncios, publicada ambientes funerários, com maior por Santos Júnior (1978b) e posterior- incidência em aglomerados. mente por A. Silva 1986. Na descrição Com o nosso modesto con- de A. Silva: Rosto proporcionado com tributo, pretendemos reanimar a olhos globulosos, vestígios de nariz problemática acerca da localização modelado, fraturado, e boca marcada da civitas do Baniensis, assim como por fenda e de barba e bigode. A exis- dos limites e características do seu tência na base da nuca de uma barra territorium. transversal moldurada e de uma sa- liência na parte superior e depressão BIBLIOGRAFIA na zona das orelhas e o recorte da ca- beça sugerem o cabelo e a figuração ALARCÃO, Jorge de (1988a) - Roman Por- de um capacete muito destruído na tugal. Warminster. Vol. II, Fasc. 1. parte anterior como, de resto, toda a ALARCÃO, Jorge de (1988b) - O domínio escultura. Esta cabeça destaca-se do romano em Portugal. Mem Martins: Pu- blicações Europa América. 3.ª Edição, pescoço que mostra torques com re- p. 49. mates. Recentemente foi publicada ALARCÃO, J. de (1995-1996) - As civita- outra cabeça de granito, procedente tes do Norte de Portugal. 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