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7º Encontro Associação Brasileira de Relações Internacionais Atores e Agendas: Interconexões, Desafios e Oportunidades De 23 a 26 de julho de 2019, Belo Horizonte – MG Área temática: Análise de Política Externa TRAJETÓRIAS POLÍTICO-INSTITUCIONAIS DOS MINISTROS DAS RELAÇÕES EXTERIORES NA NOVA REPÚBLICA (1985-2019): A RELAÇÃO ENTRE DIPLOMACIA E POLÍTICA Solange Pastana de Góes Universidade Veiga de Almeida - UVA Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais PPGRI - UERJ Resumo O padrão de nomeação dos ministros das Relações Exteriores ainda não é suficientemente estudado. Aparentemente, as nomeações para o MRE não decorrem de arranjos político-partidários e são feiras apenas a partir das habilidades específicas ou da qualificação técnica dos escolhidos. O presente trabalho analisa a trajetória dos ministros das Relações Exteriores (1985-2019) a partir de três fatores escolaridade, filiação partidária e cargos ocupados. O objetivo é o de, a partir dos resultados, discutir o conceito de insulamento burocrático e identificar se há padrões de nomeação, de perfil e de envolvimento político dos ministros das Relações Exteriores. Parte-se do pressuposto de que as trajetórias sócio educacionais e políticas definem os instrumentos à disposição dos atores políticos, dando parâmetros do que podem ou devem fazer. Ademais, a nomeação ministerial é um dos principais recursos da Presidência da República para compor as demandas das coalizões. Nesse sentido, a identificação de quem são os membros dos grupos decisórios contribui para o desvendamento da mítica em torno da autonomia do MRE, autonomia essa que ganha impulso com a criação do Instituto Rio Branco em 1945. São dois os métodos utilizados: 1) Teoria do campo, em particular os escritos de Pierre Bourdieu e 2) prosopográfico para mapear o perfil dos ministros das Relações Exteriores para entender as relações estabelecidas entre os campos diplomático e político. Palavras-chave: Insulamento burocrático; MRE; trajetória sócio-educacional e política; campo diplomático 2 INTRODUÇÃO A história do Ministério das Relações Exteriores do Brasil1 remonta ao Brasil colônia, através do decreto de 11 de março de 1808, o qual instituiu a criação do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Guerra para atender os negócios da corte de Portugal, então instalada na ainda colônia Brasil em decorrência das invasões napoleônicas na Península Ibérica. Com a declaração de independência, o decreto de 13 de novembro de 1823 outorgou ao antigo Ministério de 1808 a autonomia compatível com suas novas funções: a de Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros do Império do Brasil. Após a proclamação da República, o Ministério passou a chamar-se Secretaria de Estado das Relações Exteriores, e a partir da Lei Nº 23, de 30 de outubro de 1891, uma nova alteração designou-o de Ministério das Relações Exteriores (MRE). Essa cronologia institucional do MRE, argumentam Cheibub (1985) e Castro (2009), que remonta a 1823, vincula o MRE à fundação da comunidade política brasileira, e ao novo status do Brasil no sistema internacional2. Porém, foi no início do período republicano que os primeiros óbices a esse novo regime se apresentaram cruamente através das disputas de fronteiras, tendo sido definitiva, nos primeiros anos do século XX, para uma nova orientação da política externa do país cujo eixo deslocou- se da Europa para as Américas, sob a liderança do Barão do Rio Branco, que imprime uma novo simbolismo profissional aos diplomatas brasileiros. Já, a partir da década de 1930, há um novo tipo de inserção dos diplomatas definido pelo saber especializado que começa a se desenhar desde as reformas propostas nos primeiros anos do Governo Vargas que tinham a pretensão de “modernizar” todo o aparato burocrático a partir da criação de “burocracias profissionais e meritocráticas” do Estado. Um dos símbolos desse processo foi a criação, em 1938, do Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP, que serviu principalmente para centralizar a organização do funcionamento do serviço público federal. O dASP passaria a ser o responsável pelos concursos públicos para seleção de entrada nas carreiras federais, incluindo a carreira diplomática. Em meados do século XX, no entanto, após sua participação em duas guerras mundiais, o Brasil cresce em visibilidade e prestígio internacional conquistando nova inserção no sistema internacional de Estados soberanos. No plano interno, o MRE intensifica sua associação a essa imagem internacional do país, à participação do Brasil nos dois principais foros internacionais, a Liga das Nações e a Organização das Nações Unidas, sem descuidar da memorabilia dos sucessos do Barão do Rio Branco, sobretudo no que tange à conclusão das negociações de demarcação das fronteiras nacionais, 1 Doravante denominado pela abreviação MRE ou Itamaraty, nome do palácio que sediou o MRE entre 1889 a 1970, no Rio de Janeiro. 2 Anteriormente, por exemplo, o Ministério ocupava-se dos assuntos coloniais do Reino de Portugal. 3 festejadas como marco da unidade nacional. Institucionalmente, o Ministério que já havia passado por inúmeras reformas em sua organização interna (SILVA ET. AL, 2010) e reagiu à perda de controle da seleção dos diplomatas com a criação do Instituto Rio Branco (IRBr), em 1945. O Instituto instituiu a obrigatoriedade, sob sua exclusiva responsabilidade, da formação, treinamento e aperfeiçoamento técnico do corpo diplomático. A mítica em torno da autonomia ou “insulamento burocrático” do MRE ganha, assim, impulso e, desde a criação do IRBr, passa a ser não somente associado à unidade nacional e ao desenvolvimento econômico nacional, mas também ao ideal de modernidade e meritocracia. O corpo diplomático passa a ser percebido, interna e internacionalmente, como altamente especializado e representante legítimo dos interesses nacionais e o MRE, adquire especificidade e institucionalidade para reivindicar o status de uma carreira de Estado cuja formação e hierarquia3 somente seria equivalente à dos militares e, em alguma medida, a do judiciário. Segundo Edson Nunes (2010 [1997]), o “insulamento burocrático” promovido no Brasil acenava para um processo de rompimento com os setores que representavam o modelo de clientelismo que atrapalhavam a criação do moderno Estado meritocrático que as reformas varguistas propunham4. O insulamento burocrático seria uma forma de proteger “o núcleo técnico do Estado contra a interferência oriunda do público ou de outras organizações intermediárias (NUNES, 2010, p. 54-55)”. Afastavam-se, assim, as agências do jogo político pelo qual interesses e demandas populares se apresentavam, resguardando estas organizações contra tradicionais demandas burocráticas ou redistributivas. Nessas condições, argumenta Nunes (2010): [...] a informação é fortemente valorizada, e a coalizão formada com atores externos selecionados é vital para garantir tanto os recursos adicionais para a realização das metas como para solidificar a proteção do núcleo técnico contra ruídos originados no mundo externo (NUNES, 2010, p.55)”. 3 De acordo com o Decreto Nº 6.559, de 8 de setembro de 2008, a promoção do diplomata obedece a seguinte ordem promoção: por merecimento, ministro de Primeira Classe, ministro de Segunda Classe, Conselheiro e Primeiro-Secretário. Por promoção a Segundo-Secretário, obedecida a antiguidade na classe e a ordem de classificação no Concurso de Admissão à Carreira de diplomata (CACd). Para se chegar ao grau máximo é preciso que o candidato esteja há 20 anos no exercício da função, sendo dez exercidos no exterior e três em função de chefia na Secretaria de Estado ou no exterior. Para que seja promovido, o diplomata deverá permanecer no mínimo três anos em cada função. Segundo o presente decreto, para efeitos de promoção por merecimento para as classes de ministro de Primeira Classe, ministro de Segunda Classe, Conselheiro e Primeiro-Secretário, o desempenho do diplomata na carreira e, em particular, durante sua permanência na classe, será considerado pela Comissão de Promoções do Ministério das Relações Exteriores. 4 Segundo Nunes, o clientelismo brasileiro perdura ao longo de toda história republicana e está baseado em uma série de redes personalistas estabelecidas entre políticos e burocracias e que envolvem toda a sociedade. “As elites políticas nacionais contam com uma complexa rede de corretagem política que vai dos altos escalões até a localidade...As instituições formais do Estado ficaram altamente impregnadas por esse processo de troca de favores... (2010, p.53).” 4 Desse modo: [...] ao contrário da retórica de seus patrocinadores, o insulamento burocrático não é de forma nenhuma um processo técnico e apolítico: agências e grupos competem entre si pela alocação de valores alternativos; coalizões políticas são firmadas com grupos e atores fora da arena administrativa, com o objetivo de garantir a exequibilidade dos projetos; partidos políticos são bajulados para proteger projetos no Congresso (NUNES, 2010, p. 56). A profissionalização dos diplomatas não significa, portanto, o afastamento do campo do poder ou da atividade política. Em que pese o Ministério das Relações Exteriores (MRE) ser de fato uma burocracia especializada, com forte proeminência quando se trata de formulação e execução da polÍtica externa brasileira, a relação da diplomacia com a política é permanente. O “insulamento do Itamaraty”, fruto de um processo histórico de construção do campo, concede autonomia relativa do Ministério, já que as disputas extrapolam as fronteiras do campo diplomático e estão