Revist{ntrevista

Entrevista com Dimas Filgueiras Filho, dia 22 de setembro de 2011

Mariana - Dimas, vamos começar do co- esse profissional ... A indicação do nome meço. Como foi que o futebol surgiu na sua Dimas - (interrompendo) Não. Nunca de Dimas foi uma suges- tão de Pedro, que, na di- vida? pensei. Eu tinha uma visão - nós que nas- visão das duplas, acabou Dimas - Eu nasci no morro. No morro de cemos de origem pobre =, a gente tem uma ficando na equipe de pro- São Cartos, no (comunida- visão totalmente de sonhador, mas eu não dução da entrevista com o ídolo do Ceará. de localizada no bairro do Estácio, na Zona sonhava com isso. Eu sonhava só em me Norte da cidade). Naquele período em que formar algum dia pra seguir minha carreira eu jogava pelada, o meu primo me apresen- normal. Não tinha nada pretendido de so- tou a um diretor do Banco do Brasil, porque nhar de ser jogador de futebol. Nunca pas- ele (o primo) trabalhava no Banco do Brasil. sou na minha cabeça. Tive essa oportunida- (Eles) me deram a oportunidade de ir treinar de e é o que digo a você: fui na bola como no Botafogo (de Futebol e Regatas. Clube num prato de comida. Tive sorte. Você tam- carioca fundado em 1894. O time de futebol, bém tem de ter sorte pra vencer na vida. no entanto, surgiu apenas em 1904). Igor - Mas seus pais apoiavam esse ca- Nessa época eu tinha de 14 pra 15 anos. minho do futebol? Aí fui. Tive a felicidade de que nesse dia de Dimas - Apoiaram porque, veja bem, treinamento eu fiz dois gols e ficaram co- como eu tava no morro e minha mãe traba- migo para fazer mais um período de adap- lhava na Ducal, que era uma casa que fazia tação. Me deram essa oportunidade e eu roupas, depois passou para a Casa Tavares, consegui, com ajuda realmente daquelas ela não tinha muita oportunidade de me dar pessoas que faziam o Botafogo, que era o muita assistência, e eu tinha dito a ela que Marinho (Rodrigues, ex-jogador e técnico), a bola poderia, num espaço curto, (fazer) a que depois foi treinador, campeão pelo Ce- gente ganhar alguma coisa, algum dinhei- ará, em 1971. Tive a oportunidade de ser ro. Então eu fui aí. E quando eu fui na bola, convocado para as Olimpíadas de Roma (na como eu disse a vocês anteriormente, eu fui Itália, em 1960), não fui. Depois fui para as como num prato de comida. Logo depois Olimpíadas de Tóquio (no Japão, em 1964), que eu fiz o contrato (com o Botafogo), ga- representei o Brasil no Pan-Americano tam- nhei o meu primeiro salário mínimo que fez bém, em São Paulo (em 1963), e, com esse com que, antes de eu ir pra Tóquio, eu com- futebol, eu consegui conhecer 42 países. prasse o primeiro apartamento e dei para a Nós viajávamos muito. Sempre digo a todo minha mãe (com a voz embargada). mundo que eu nasci no morro e tô aqui por- Pedro - Você falou que, na infância, hou- que escorreguei. ve dificuldade. Explica melhor como era A dificuldade foi grande, mas sabe mui- esse dia a dia. Você chegou a trabalhar para to bem que as pessoas de origem pobre, ajudar a família? pra vencer na vida, têm de ter uma pitada Dimas - Trabalhava. Pra você ter uma de sorte. Não adianta você ser competen- idéia, no morro, eu trabalhava pra minha tia te, tem de ter sorte também. E eu, graças a de babá. Cuidava dos meus sobrinhos (pri- meu bom Deus, eu tive sorte porque esse mos). Depois eu dei tudo a eles, né?! Carro, meu primo se dava com o doutor Rivadávia casa, aliás, apartamento. Eu comprei muito Corrêa Meyer, que foi presidente do Bota- apartamento na época. Dei tudo a eles. En- fogo (entre os anos entre 1973 e 1975) e, tão era babá. Chegava do colégio e ia tomar naquela época, era diretor do amador. conta dos meus sobrinhos (primos) peque- João Victor - Dimas, e antes do Botafo- nos. Tomava conta deles direto. Só que na go, como era sua história com o futebol? hora de brincar, quem brincava era eu, eles No dia da seleção Dimas - Eram aquelas peladas ... Você não. Ficava com os brinquedos deles ... (ri- dos entrevistados para a sabe que, quando você se destaca muito sos da turma). edição 27 da Revista En- aquela competição de várzea, o pessoal Juliana - Mas você fala da sua tia e dos trevista, Dimas foi bem votado em todas as fa- sempre gosta de procurar pra jogar porque seus primos. Como era a relação com a sua ses da escolha. Mariana, ocê é o que joga mais ou menos, tem algu- mãe, o seu pai, os seus irmãos? que também fez parte da a afinidade com a bola. Normal. Dimas - Melhor, impossível. Eu só tenho equipe de produção, re- velou, depois, que votou Raiana - Mas, nessa época, o que era o uma irmã. Sempre conversava com eles. no ex-jogador em todas ebol pra você? Você já pensava em ser Mas eu tinha de ajudar, né? Eu só não lavava as etapas.

S FILGUEIRAS I 11 A primeira tentativa de contato com Dimas foi feita por Mariana, que conseguiu o número do celular do entrevistado e ligou para ele, mas a liga- ção não foi atendida,

roupa, mas passar roupa eu passava. Fazia Afonso Cavalcanti, 158. Eu morava a uma tudo. quadra do baixo meretrício do Rio de Ja- Mariana - Você falou que foi levado para neiro, onde vivia Madame Satã, que era um o Botafogo. Antes disso, você já tinha algu- negão de 1 metro e 90. Certo? E como eu jo- ma relação com esse time ou foi por opor- gava no final de semana por eles, pelo time tunidade? deles, o Canadá, então teve essa afinidade. Dimas - Oportunidade. Eu só jogava pe- Ele me teve como um filho. Era um viado lada na rua. Todo mundo achava que eu jo- de 1 metro e 90. Agora ninguém podia to- gava muito e eu era sempre preferido pra car em mim, falar mal de mim. No jogo, nin- jogar as peladas de final de semana, ou en- guém podia bater em mim porque ele toma- tão durante o dia. Eu tinha de buscar água lá va as dores. Então foi uma pessoa que me embaixo, porque não tinha água no morro, ajudou em tudo. Ele que me dava o dinheiro né? Eu tinha de ir buscar nessas (latas) de do transporte pra ir pro Botafogo. Você pra 20 quilos. Eu enchia d'água e trazia. Umas ir pro Botafogo pagava dois bondes. cinco por dia. Mas no meio do caminho eu João Victor - A que você atribui essa afei- ficava jogando bola. Apanhava. Então a mi- ção do Madame Satã por você na época? nha tia fazia o seguinte: ela cuspia no chão. Dimas - É porque, normalmente, eu era o Se eu não voltasse num tempo hábil, apa- ídolo do pessoal porque todo mundo acha- nhava. Todo dia eu sabia que ia apanhar va que eu jogava bola, eu era uma pessoa mesmo, então ... (risos da turma). que todo mundo reconhecia. Então ele tam- Nayana - Isso aí de certa forma ajudou bém se apegou a uma pessoa que era tida no futebol, né? A desenvolver. como ídolo naquela redondeza. Dimas - Ajudou! E até as latas d'água na Pedro - Sobre o que vocês conversa- cabeça reforçaram as pernas. Você ia fazen- vam? Você o considerava um amigo? do aquele reforço na perna. Então quando Dimas - Amigo. Amigo. Mas era amigo eu cheguei já no Ceará (Sporting Club. Fun- mesmo, né? Aquelas pessoas que me ti- dado em 2 de julho de 1914), eu tinha umas nham como filho. Então o tratamento era pernas grossas de tanto subir e descer o 10. Coisa que eu não recebia em casa ele morro. me ajudava. Às vezes tinha de comprar chu- Roberta - Dimas, você declarou ao Jor- teira, comprar alguma coisa, ele bancava nal O Povo, nas Páginas Azuis, publicadas pra mim tudinho. Era uma pessoa que foi no dia primeiro de agosto, que chegou a ser de uma importância muito grande no meu amigo de uma figura lendária que foi o Ma- início de vida como jogador. dame Satã (o pernambucano João Francis- Ranniery - Ele chegou a brigar com al-

No dia seguinte, foi a co dos Santos, o Madame Satã, foi um per- guém por sua causa? vez de Pedro tentar falar sonagem mítico dos subúrbios cariocas do Dimas - Mas quem é que vai brigar com com Dimas. No primeiro século Xx. Era considerado um componen- um negão de 1 metro e 90? (risos da turma) telefonema, ele atendeu, mas, ao som de "alô, por te da velha malandragem do Rio de Janeiro, Tá louco? O termo que a gente usa na gíria favor, o Dimas?", desli- dono de uma rotina agitada. Durante a vida, é "só dava sugesta", né? Todo mundo da gou, Pedro tentou ligar se envolveu em 29 processos criminais). redondeza do Estácio sabia que ele me tinha outras duas vezes no mesmo dia, mas o entre- Como foi que começou essa amizade? como filho, então ninguém chegava. Pra vo- vistado não atendeu, Dimas - Veja bem, eu morava na Rua cês terem uma idéia como era a situação,

REVISTA ENTREVISTA 112 eu jogava, no Vila Isabel, futebol de salão. veio para o Ceará ... o contato 50 o' esta- E o futebol de salão termina muito tarde. Eu Dimas - Continuou, mas ele morreu. Eu belecido no terceiro dia de tentativas. Mariana chegava ali, naquele local onde eu morava, fui lá no enterro. Ele foi preso, certo? Ele fi- ligou para Dimas, expli- às vezes duas horas da manhã. Como eu era cou lá, e eu fui visitar ... Depois, mataram ele cou o projeto da Revista da redondeza, e todo mundo me conhecia, na prisão. Entrevista e marcou com ele um momento para en- eu não tinha medo. Roberta - O que você mais aprendeu tregar alguns exemplares Num dia desses, eu cheguei uma e meia com ele? antigos e detalhar mais a da manhã e teve uma pessoa nova naquele Dimas - (silêncio) A vida todo dia nos entrevista. setor que veio e quis tomar o pouco dinhei- ensina alguma coisa. A inteligência tem de ro que eu tinha. Tomar um relógio. E quem saber discernir o que é bom e o que é ruim. tinha me dado esse relógio era ele (Madame Eu, na minha vida, aprendi e continuo apren- Satã). Um relógio de fundo preto, com um dendo. Todo dia a gente vê o que é bom e São Jorge, coisa dele, né? Ele (o assaltan- guarda na bagagem conhecimento. Então te) levou. E eu falei: "Você não é daqui de foi uma passagem (referindo-se à amizade perto. Eu sou daqui, eu moro aqui do lado". com Madame Satã) em que eu aprendi a "Não, não, passe tudo se não eu vou cortar lealdade. Lealdade é uma coisa que não se teu dedo". Eu falei: "Mas você quer o anel adquire com o tempo, e ele era uma pessoa ou o relógio?". "Não, eu quero o relógio. Ah, leal, como eu sou com o próprio Ceará. você tem um anel?" Então levou o anel tam- Ranniery - Você disse que era um ídolo bém (risos da turma). No outro dia, eu louco lá da região em que você morava. Na infân- pra chegar logo pra eu ir lá no Canadá, no cia, quais eram seus ídolos no futebol, prin- campo, pra avisar a ele (Madame Satã): -ó. cipalmente? o fulano novo aí me tomou as coisas". Eu fui Dimas - Rapaz, pra você ter uma ideia, embora, chorei, chorei e fiquei calado. no início da minha vida, eu torcia pelo Vas- No outro dia de manhã, oito horas eu ti- co (Clube de Regatas Vasco da Gama. Fun- nha meu jogo lá no Canadá. Eu fui lá. Quem dado em 21 de agosto de 1898 no Rio de eu vejo na roda deles? (dos jogadores) Esse Janeiro) e ali tinha o Ademir. Ademir era o camarada. (aquele que o havia roubado) Pu- melhor jogador do Vasco. Ademir e Ipojucã xando ali, o cigarro deles. Esse camarada que faziam parte da linha do Vasco, na épo- já se levantou e falou: "Que é que você tá ca. Pinga, Ademir, lpojucá, Augusto, Ely, vá- querendo aqui, moleque?". "Você tá falando rias pessoas ... com quem?", o Madame Satã (perguntou). (Nota da edição: Dimas se refere, nesta "Não, tê falando com esse aí (referindo-se resposta, aos jogadores Ademir Marques a Dimas). "Rapaz, eu tenho ele como meu de Menezes, o Queixada, que atuava como filho. O que você fez com ele?". Fomos lá no atacante. Jogou pelo Vasco da Gama em hotel em que ele estava, pegou tudo que era duas oportunidades: entre 1942 e 1945 e meu, tudinho ... E eu falei pra ele (Madame entre 1948 e 1956 e faleceu em 1996; lpo- Satã): "Olha, do jeito que vai, meu filho, ele jucã Lins de Araújo, meia-armador, faleceu vai me pegar na esquina". "Ele não vai pegar em 1978; Pinga José Lázaro Robles, ex-ata- mais ninguém!". Então você vê a afinidade cante, faleceu em 1996; Augusto da Costa, que ele tinha comigo. ex-zagueiro, faleceu em 2004; Ely do Ampa- Igor - E essa amizade depois que você ro, ex-meia-direita, faleceu em 1991.)

Dimas foi bastante re- ceptivo e marcou a con- versa com a equipe de produção no dia seguinte na sede do Ceará SC, que fica na Avenida João Pes- soa, no bairro de Poran- gabussu, em Fortaleza.

DIMAS FILGUEIRAS 113 Dimas chegou ao Ce- Mariana - E como foi pra um vascaino i ará Sporting Club, como jogador, em novembro jogar no Botafogo? de 1972, depois de ter Dimas - Rapaz, você sabe que tem um atuado, profissionalmen- ditado que diz: "Quando você recebe al- te, pelo Botafogo e pelo Fortaleza. Após encerrar guma coisa, você não pode escolher", né? a carreira como jogador, Mas eu treinei no Vasco! Eu estudei num Dimas assumiu, imedia- colégio chamado Pio Americano, do Rio de tamente, a função de su- Janeiro, que era ali em São Cristóvão (bair- pervisor de futebol. ro da Zona Norte do Rio de Janeiro) e era bem pertinho do Vasco, na mesma rua. Eu treinei no infantil do Vasco, mas houve essa proposta do Botafogo aí eu fui embora. Eu estava treinando no infantil, mas só que eu não tinha dinheiro pra ir toda hora. João Victor - Já quando você estava jogando no Botafogo, você conviveu com grandes ídolos ... Dimas - (interrompendo) Quatro anos com Mané Garrincha (nome popular de Ma- nuel dos Santos. O ponta-direita foi um dos maiores jogadores da história do Botafogo, onde jogou entre 1953 e 1965, e da Seleção Brasileira, com a qual foi campeão da Copa do Mundo de Futebol em 1958 e 1962). João Victor - Garrincha e também Nilton Santos (considerado um dos melhores late- rais-esquerdos da história do futebol brasi- leiro. Durante a carreira, o ex-jogador atuou pelo Botafogo, em 723 partidas, e pela Sele- canto. E um dia eu entrei lá pra falar com o ção Brasileira, em 84 jogos) ... Mané, e o Mané nessa época dormia com Dimas - (interrompendo) Eu convivi com o Joel, lateral-direito, que depois foi tam- Nilton Santos, Mané (Garrinha), Zagallo (Má- bém treinador aqui do Ceará, que eu trouxe. rio Jorge Lobo Zagallo. Ex-ponta-esquerda), Eu vi que o Mané estava pedindo ao Joel Didi (Waldir Pereira. Ex-meiocampista. Fale- pra escrever carta. Cheio de mulher, né, o ceu em 2001), ( Filho. Mané?! Nessa época, a Elza (Soares. Can- Ex-atacante) subiu comigo do juvenil. tora e compositora carioca. Elza e Garrin- João Victor - Especificamente em re- cha mantiveram um relacionamento por 16 lação ao Nilton Santos, a gente pesquisou anos, de 1962 a 1978) ainda não tinha apa- que você era considerado como que um recido ainda não. A Elza tinha uma afinidade neto dele porque ele já estava no final de muito grande comigo. carreira. Como era a sua relação com ele? O que é que aconteceu. Eu falei: "Mané, Dimas - Você sabe que isso foi, pra que é que você tá querendo?". Eu não cha- mim, importante porque eu jogava na po- mava de Mané, eu chamava de torto. Ele sição que o Nilton jogava, e diziam que eu me chamava de mosca de boi, porque eu era neto dele. Quando você diz uma coisa era muito chato, sabe? "Mosca, você não dessas do Nilton Santos, o neto, a pessoa quer escrever uma carta?" Eu falei: "Escre- acha que joga igual a ele. Pra mim é bom, vo, rapaz". "Você escreve, Mosca?". "Escre- propaganda é a alma no negócio. Se tiver vo, pode vir aqui no quarto". Aí pa, pa, pa, que falar mal, mas fale! Então aquilo ali me escrevi. A gente chegava a cada país, e ele serviu porque todo mundo começou a per- dizia: "Dimas, você compra lá o negócio das ceber que, quando o Nilton Santos saísse, cartas pra você escrever pra mim?" Eu com- eu iria assumir. prava postal, comprava tudo ... João Victor - E afetivamente com ele, A tal ponto, pra você ter uma ideia ... como era a relação? Toda viagem que tinha eu era o primeiro da Munidos de cinco Dimas - Me dava demais com o Nilton! lista, não tinha nem problema não. Ele dizia: edições antigas da Revis- Agora, me dava muito bem era (com) Nilton "Olha, o Mosca joga nas quatro posições aí ta Entrevista, a produção foi até o Ceará para ter o e Mané. Mané por quê? A primeira viagem atrás". Foi uma das alavancas que eu tive primeiro contato pesso- que eu fiz pro exterior com o Botafogo, logo pra viajar o tempo todo com o Botafogo. al com Dimas. Era uma que eu cheguei do Japão, no outro dia eu Era difícil! Só podiam viajar 18 (jogadores) quinta-feira, dia de aula de Laboratório de Jorna- viajei com o Botafogo pra passar três meses e tinha um monte de jogador no Botafogo lismo Impresso. fora, jogando na Europa, jogando em todo na época, e eu era o principal. Ele já dizia lá

REVISTA ENTREVISTA 114 pro treinador: "O Dimas tem que ir." Pronto, de jogadores que iam treinar. Eu cheguei Durante a aula. '0 bastava isso. A tal ponto que a minha irmã na porta aqui e perguntei lá ao roupeiro, de proposto que a produção perguntasse a Dimas se escrevia muito bem, e eu mandava ela es- longe, o Otacílio, me lembro como se fos- ele poderia ser o primeiro crever umas 20 cartas. Ela ia escrevendo e se hoje: "Seu Roupeiro, o senhor pode me entrevistado do projeto, eu só mudava o nome da pessoa. Ele gosta- emprestar uma chuteira?". "Primeiro venha no dia 22 de setembro. Às 4 da tarde, Mariana e Pe· va, adorava as cartas, ele lia e falava assim: aqui, garoto". Lá fui eu já envergonhado. dro chegaram ao Ceará. "Você escreve bem demais". (risos da turma) Todo mundo me olhando. "Que foi?". "Eu Era minha irmã que escrevia. preciso de uma chuteira". "Ah, rapaz, você Mas essa vida é assim mesmo. Folclore não traz chuteira pra treinar não, é? Então mesmo. Ela (a Elza) era espírita e eu também, não vai treinar não. Aqui tem de trazer chu- quando eu comecei, eu era espírita. Essa ati- teira, rapaz". E eu: "Sim, senhor, sim, se- vidade me aproximou muito do Mané e da nhor". Desci, todo mundo olhando pra mim, Elza. E nós íamos para o centro espírita todo fui embora. dia. A gente saía durante a semana, porque Quando eu passei, falaram: "Rivinha". os jogos eram aos domingos, não tinha jogo Rivinha era o diretor que tinha mandado eu no meio de semana, a gente ia na semana ir lá, que é o diretor juvenil. Eu falei: "Seu pra ver se o Mané estava com aquele pro- Rivinha, eu sou aquela pessoa que o meu blema no joelho, né? (Garrincha conviveu, primo mandou pro senhor". "Ah, o Marcos durante a carreira, com sérios problemas mandou foi você, é?". "Mas o roupeiro lá fa- nos joelhos, entre eles uma artrose). Foi um lou que não dá não, não trouxe chuteira". tempo que vale a pena recordar. "O quê?! Você falou que veio a mando de Raiana - E o que as viagens proporcio- mim?". "Falei que o senhor que tinha manda- naram em termo de experiência? Quando do". "Então venha aqui". Chegamos (e o di- você ia viajar, as experiências que você vi- retor disse): "Otacílio, eu mandei ele mudar veu eram só através do jogo, do campo, ou a roupa aí, rapaz. Você é funcionário. Trate você chegou a conhecer outros lugares? No de dar roupa a ele e chuteira". Eu pensei: que é que isso afetou na sua vida? 'Tô morto, o cara brigou com o roupeiro" Dimas - Veja bem. Quando nós chegáva- (risos da turma). Eu fui lá e ele (o roupeiro) mos, eu era uma pessoa diferente. Na época olhando pra minha cara ... Eu peguei minhas das Olimpíadas, eu aproveitei muito. Eu co- coisas e nem olhei pra ele (para o roupeiro). nheci o Japão, né? Eu ia pra todo canto. Eu Depois eu tive sucesso lá dentro porque eu tinha o cartão das Olimpíadas e não pagava fiz os dois gols. Mandaram eu voltar no ou- o metrô. Com o metrô, você ia pra Tóquio tro dia e eu fui bem também. todinha. Eu aproveitava. Eu e mais uns três Mariana - Você já falou bastante das difi- jogadores. Tinha o Roberto (Lopes Miran- culdades que você tinha quando era mais jo- da, ex-centroavantel, que era do Botafogo, vem. Como foi pra você, então, ter esse con- tinha o Mura (Maurício Pereira Barros. Ex- trato com o Botafogo, que era um dos maiores zagueiro) também, que era do Botafogo, o times do Brasil na época e até hoje é? Othon (. Ex-atacante). Dimas - Eu sempre digo: saí da água pra Nós juntávamos nossa patota (grupo) e ía- vir pro vinho, pô. Se não, taria até hoje lá mos fazer compras, pra todo canto, porque eu ainda arranho inglês até hoje. Nos outros (países) não dava muito tempo. No Botafogo você chegava num dia, já no outro dia tinha "Sempre digo a todo jogo, daqui a três dias já tinha jogo em outro país. A gente não passava muito tempo. No mundo que eu nasci México, passávamos. o México eu conheço quase todo, porque nós parávamos no Mé- no morro e tô aqui xico e jogávamos ali em todo canto. porque escorreguei. A Pedro - Dimas, você falou que os dois primeiros treinos foram suficientes para fir- dificuldade foi grande, mar um espaço lá no Botafogo. Você lembra do primeiro treino no Botafogo? mas sabe muito bem Dimas - Pra mim, queira ou não queira, quando a gente vai para um centro desses que as pessoas de Na entrada da sede, a gente fica com vergonha. Apesar de eu a produção conversou ser uma pessoa nascida no morro e acos- origem pobre, pra com um funcionário do tumada a lidar com problema, e foi graças clube que prometeu que vencer na vida, têm de chamaria Dimas para fa- a isso que eu consegui treinar ... Quando eu lar com Pedra e Mariana. cheguei no Botafogo, tinha uma rampa pro ter uma pitada de sorte". Enquanto isso, os dois vestiário, o vestiário ficava embaixo, cheio ficaram assistindo ao trei- no do time.

D/MAS F/LGUE/RAS /15 Mais de 15 minutos Eu joguei contra o Pelé umas 13, 14 ve- depois e nada de Dimas. zes, e eu tinha uma intimidade com ele por- Preocupada com a demo- que, nas viagens Botafogo e Santos, nós ía- ra, Mariana ligou para o entrevistado, que pediu mos sempre para os mesmos hotéis. E o que para a produção encon- é que eu fazia? Depois que eu peguei afinida- trá-Io na loja do clube. de com o Mané, dormia no quarto de Mané, o Já no local certo, o ex- jogador do Ceará puxou Pelé vinha conversar, trocar idéia, tudo ... Ao três cadeiras e atendeu a ponto de eu usar os dois. Eu falava: "Olha, equipe. rapaz, eu fui ali, o pessoal vendendo umas camisas" ... No Chile, né? Primeira vez no Chile. "0 pessoal falou que se eu levar vo- cês dois pra tirar uma fotografia em frente à coisa (à loja) eu ganho umas coisas lá. Você sabe que eu sou pobre coitado, eu tô pre- cisando de ajuda" (risos da turma). O Pelé falou: "Garoto, você não é bobo não". Eu falei: "Não, não, Pelé. Não sou bobo não. E você, Pelé, você sabe que se jogar con- tra o Botafogo quem vai marcar você sou eu, não é o Nilton Santos, não! Então você tem de me ajudar. Como é que eu vou dar pancada em você sabendo que você está me ajudando aqui fora?". "Você é vivo mes- mo!". Fomos na primeira (foja). Ganhamos coisa, rapaz! Só pra tirar duas fotografias. Eles tiraram a fotografia, e eu na frente da loja, querendo fazer marketing deles. Daí, toda vez que cruzava Botafogo e Santos (em viagens) eu levava eles pra loja (risos da tur- IIFui na bola como num ma). (As viagens conjuntas de Botafogo e Santos aconteciam por serem os dois me- prato de com ida. Tive lhores times brasileiros, e a base da Sele- sorte. Você também ção. A partir daí, surgiram muitos convites para jogos no exterior entre os dois times). tem de ter sorte pra João Victor - Muito do seu sucesso você acaba atribuindo a uma série de oportunida- vencer na vida". des que você aproveitou. Mas em relação, especificamente, a seu talento dentro de campo, o que as pessoas falavam? (no morro de São Carlos). Foi tudo pra mim. Dimas - É verdade que, naquela época, Foi tudo! Eu, através do futebol, consegui (eu) não era jogador feito. Hoje, você tem a ajudar minha família todinha, não só me aju- escolinha do Ceará aqui, que tem 400 meni- dar, mas ajudar a família, porque eu acho nos inscritos e 200 esperando vaga. Então que o importante é a família. você prepara o atleta, que vai na escolinha Ranniery - Você tinha consciência, Di- aperfeiçoar o potencial dele. Lá não, nós tí- mas, de que estava jogando na melhor épo- nhamos de trazer tudo do berço e adaptar. ca do Botafogo? Eu tinha alguma qualidade, se eu não tives- Dimas - Ah ... (rindo) Rapaz, pra você ter se eu não tinha conseguido vencer com dois uma idéia, a Seleção Brasileira era formada treinos. Eu acho que, se por acaso, eu tives- por Santos (Futebol Clube. Fundado em 14 se uma escolinha na época, tivesse aprimo- de abril de 1912, na cidade de Santos, em rado mais ainda, eu seria melhor jogador do São Paulo) e Botafogo. Aqui no Botafogo, que fui. jogavam Mané Garrinha, Manga (Aílton Cor- João Victor - Eu queria que você falasse Em dez minutos de rêa Arruda. Ex-goleiro), Didi, Zagallo, Nilton um pouco sobre essa fama que você tinha conversa, o celular de Di- Santos, Amarildo (Tavares da Silveira. Ex- de ser um pouco agressivo na época em mas tocou quatro vezes. que era jogador. Na quarta vez, ele disse, meia-esquerda). Lá no Santos, existia Pelé, meio aborrecido: "Isso Pepe (José Macia. Ex-ponta-esquerda), Gyl- Dimas - Ah, você soube, é? (risos da nunca para". Dimas reve- mar (dos Santos Neves. Ex-goleiro) ... E eu turma) Eu dava pancada. Comigo é assim, lou ainda que acabara de comigo não tem negócio de amizade aqui ganhar o aparelho e não me dava muito com o Pelé (Edson Arantes sabia executar bem todas do Nascimento, o Pelé). Eu que marcava ele dentro do campo não. Mentira! Eles ficavam as funções. na época ... com medo de mim porque eu dava mesmo.

REVISTA ENTREVISTA I 16 Não tinha cartão amarelo, não tinha (cartão) A equipe de produção vermelho, era só expulsão. Expulsar um jo- sugeriu a data da primeira entrevista, no que Dimas gador do Botafogo é mais difícil. O Botafogo abriu a agenda e consul- era o Botafogo! tou o dia 22 de setembro, Raiana - O futebol, você acha que é um que, até ali, estava em branco. Com a entrevis- esporte agressivo ... ta marcada, a produção Dimas - (interrompendo) Não, não ... tinha três semanas para Raiana - Eu ia perguntar que sensações levantar as informações. acometem um jogador quando ele está no meio de campo. É o calor do momento, é a vontade de ganhar ... O que acontece lá dentro? Dimas - Rapaz, você tá sempre jogando, você vira uma máquina. Uma máquina que sabe que dentro do campo tem de prestar atenção em tudo e tem de fazer o seu pa- pel, tem de desempenhar sua função. Se você não desempenhar sua função, o outro vai desempenhar e você vai pra reserva. O Mané Garrincha, que vivia comigo, ele foi para o Corinthians (Sport Club Corinthians Paulista. Fundado em 1g de setembro de 1910, em São Paulo). Primeiro jogo Botafo- go e Corinthians todo mundo falava disso, a imprensa toda comentava qual seria o meu relacionamento com o Mané ... O Mané do outro lado e eu desse. E todo mundo sabia da afinidade que nós tínhamos. Antes de começar o jogo, o Mané veio e falou: -ó. tafogo, e eu tive a oportunidade de ganhar Mosca, faz o teu futebol aí, que você tá co- mais dinheiro aqui. Conheci o Castillo (Car- meçando agora e eu tô parando". Ele com- los José Casti//o), que foi goleiro do Flurni- preendeu. Eu não dei (pancada) no Mané. nense e era treinador do Fortaleza (Esporte Não dei. Marquei duro, mas não dei panca- Clube. Fundado em 18 de outubro de 1918). da, até porque seria uma covardia com uma Eu estava num momento difícil. E ele falou: pessoa que me ajudou muito. Acho que "Dimas, não quer passar umas férias lá no uma das maiores virtudes do ser humano é (Estado do) Ceará não? Passa três meses jo- ser grato às pessoas. gando lá, você ganha um troco. Eu consigo Roberta - Dimas, como foi o fim da era o teu empréstimo". Eu vim embora pra cá Botafogo? pra passar os três meses e estou aqui até Dimas - A gente tem de saber o momen- hoje. to de sair. Já tinha saído todo mundo do Bo- Juliana - Você veio jogar no Fortaleza ... Dimas - Fortaleza. Um ano e três meses. Juliana - Como é que foi esse primeiro ano? Dimas - Foi bom demais! Eu era o capi- tão do time, era o dono do time. Fazia tudo. IJEujogava na A passagem lá foi ótima como jogador tam- bém. Ótima mesmo! Posso reclamar não. posição que o Nilton Raiana - Qual a primeira impressão que você teve quando chegou aqui na cidade? jogava, e diziam que Dimas - Eu cheguei aqui no final de 1971 eu era neto dele. (na verdade, Dimas chegou em julho de 1971). Eu tinha passado aqui em 1966 jo- Quando você diz gando pelo Botafogo. Vim aqui, fizemos um treino lá com o Ferrim (Ferroviário Atlético Foi um corre-corre. uma coisa dessas do Clube, fundado em 9 de maio de 1933, em Ao todo, foram feitas três Fortaleza). Eu já tinha passado aqui e a ci- pré-entrevistas: com o Nilton Santos, o neto, funcionário do Ceará e dade é uma coisa ... Acho que Fortaleza, não autor de uma biografia a pessoa acha que é que eu more aqui há 40 e poucos anos, é sobre Dimas, Alberto Da- acolhedora demais. Todo mundo aqui rece- masceno; com a atual es- posa, Vânia Maria Chaves joga igual a ele". be bem ... Vieira, e com o jornalista João Victor - E você que vinha de um Tom Barros.

DIMAS FILGUEIRAS I 17 A entrevista com AI- futebol digamos, de elite, nacionalmente, o conhecimento muito grande das coisas. Eu berto Damasceno acon- que achou do futebol cearense? falei pra ele o seguinte: "Ó, o senhor deve teceu no Ceará Sporting Club. Ele detalhou alguns Dimas - Rapaz, o futebol, tanto da elite estar enganado. Sabe por quê? Eu estou aspectos da obra "Di mas: quanto daqui, na época, você tinha jogado- acostumado a defender tudo que é joga- O Guerreiro Alvinegro", res que jogavam muito. Gildo (Fernandes dor lá na Fugap, de contrato, de rescisão e que estava na gráfica a ponto de ser impressa. de Oliveira. Ex-atacante), Luciano Oliveira nunca vi isso não!". "Não, mas aqui todos (Ex-meiocampista), Victor (Epanor Victor da os contratos são iguais". "O senhor pode Costa Filho. Ex-meiocampista), que veio de estar pensando que o senhor está lidando lá também, do Botafogo, emprestado aqui. com qualquer um. O senhor está lidando Eram jogadores que aproveitaram a oportu- com uma pessoa que tem uma certa con- nidade e conseguiram fazer nome aqui den- dição financeira, que não precisa disso pra tro do Estado. Acho que antigamente você trabalhar, uma pessoa esclarecida, certo?". tinha jogadores com mais competência, "O que é que você quer dizer com isso?". porque só aqueles que tinham capacidade "Eu quero dizer que o senhor não está lidan- e competência podiam ter condição de so- do com qualquer um. O senhor quer que bressair. Na minha época, existiam poucos eu continue no Fortaleza? Vamos conversar jogadores de fora aqui. Dois, três jogadores aqui sobre o novo contrato. Agora, se o se- (de fora) preenchiam o time do Ceará e do nhor quiser ir por esse lado aí, não tem ne- Fortaleza, pra você ter ideia de como tinham gócio comigo". Ele falou: "Então tá. Então bons jogadores aqui. você pode sair que eu resolvo isso aí". Mariana - Dimas, você chegou aqui pra Ele avisou ao Castilho (técnico do Forta- passar três meses. Como é que você foi fi- leza no período) que me tirasse do time, que cando? não queria renovar o contrato. Eu, como es- Dimas - Eu sempre digo pra todo mundo tava bem no Fortaleza, era o capitão e to- na brincadeira que lugar bom é onde você mava conta do time, eu e o Castilho, então ganha dinheiro. Se você ganha dinheiro aqui eu poderia ter ficado no Fortaleza, só que e o local é bom, então você fica. Eu sempre veio uma proposta impondo uma coisa que digo isso porque é verdade. Você hoje tra- não era legal (referindo-se ao contrato uni- balha aqui, é jornalista. Se te oferecerem o lateral). Aí o Castilho: "Ele é meu capitão dobro, você vai, porque é uma oportunida- e vai continuar até o final. Enquanto eu for de de procurar outras coisas. treinador ele é meu capitão." Nesse ínterim, Mariana - Você chegou a sentir saudade o Ceará me ofereceu o que eu ia pedir ao do Rio de Janeiro? Teve alguma vontade de Fortaleza, me ofereceu dez vezes mais. Dez voltar? vezes mais porque eu era um ídolo no For- Dimas - Aí que eu digo a você: eu sem- taleza. Eu fiz o contrato com o Ceará e tô pre fui uma pessoa que sempre senti sau- até hoje. dade. Como eu vivia num mundo-cão onde Pedro - Você foi desvalorizado pelo For- você tem de se sobressair de qualquer ma- taleza? neira, onde você é a pessoa responsável Dimas - Não é desvalorizado. Até lá no por sustentar a sua família, você não pode Fortaleza eu era valorizado. O nosso amigo escolher o local. Aquele dinheiro que você (referindo-se ao diretor do Fortaleza), no está ganhando, está sustentando aquelas comando da patrulha, achava que ia fazer pessoas que confiam em você, que depen- um contrato comigo sem gastar, entendeu? dem de você. João Victor - Dimas, como foi a sua saí- da do Fortaleza pra entrar no Ceará? Dimas - Eu gostaria até de não dizer nome de algumas pessoas. Existe uma pes- IJEu, através do soa que trabalhava num jornal aqui, que comandava o Fortaleza. Estava pra terminar futebol, consegui meu contrato, em novembro, nós estávamos ajudar minha família em outubro. Ele me chamou lá no !jornal) O Povo, reuniu o pessoal. Ele me disse: "Di- todinha, não só me A entrevista com Tom mas, nós queremos ficar contigo e vamos Barros ocorreu na reda- fazer um contrato unilateral". "Contrato uni- ajudar, mas ajudar ção da TV Diário, um dos lateral?". Ele falou: "É obrigado. Você tem locais onde o jornalista a família, porque eu trabalha. O jornalista cre- de assinar o contrato, porque é unilateral". ditou Dimas como um "Unilateral? Eu não entendo essa história". acho que o importante técnico "inteligentíssimo", Ele estava lidando com uma pessoa que era que já sofreu persegui- ções e injustiças dentro vice-presidente da Fugap (Fundação Garan- é a família". do Ceará SC. tia do Atleta Profissional), e que tinha um

REVISTA ENTREVISTA I 18 E não era isso. Ele não estava lidando com surgiu essa paixão pelo time? Vânia recebeu a pro- qualquer um. Ele estava pensando que esta- Dimas - Foi uma coisa que surgiu da vi- dução na própria casa dela e de Dimas. O ex- va lidando com uma pessoa que precisava vência, do que se passou. E eu digo uma jogador sabia que a espo- do futebol pra sobreviver. Eu preciso do fu- coisa a vocês: eu tenho o Ceará como um sa ia dar uma entrevista, tebol pra viver, pra sobreviver não. filho mais velho mesmo. E um filho mais ve- mas ela não revelou para quem: "Ele quis saber Nayana - Você se sentiu ofendido? lho você não abandona nunca. Se, por acaso com quem era, mas eu Dimas - Eu me senti ofendido porque ele tiver de precisar e precisar de alguma coisa desconversei". achava que o jogador de futebol, naquela que eu puder ajudar, eu vou ter de ajudar. época, não tinha instrução, não tinha conhe- Raiana - Por que você acha que isso cimento, não tinha nada e não é isso. Não é aconteceu? Por que pelo Ceará e não pelo isso. Se ele tivesse chegado e conversado Botafogo? comigo direito, talvez eu tivesse lá (no For- Dimas - Eu estou aqui há 40 anos. Não taleza) até hoje. são 40 dias. No Botafogo eu fiquei 12 anos, Ranniery - Depois de um ano e três me- vindo das categorias de base. ses no Fortaleza, você guarda alguma lem- Mariana - Como foi reencontrar o Pelé, brança mais afetiva do Fortaleza, apesar de aqui no Ceará, num jogo tão importante? ele ser o maior rival ... (no dia 3 de novembro de 1972, Santos e Dimas - (interrompendo) Eu acho que eu Ceará jogaram em Fortaleza. A partida mar- tenho de agradecer ao Fortaleza. Eu sempre cou o jogo de número 1000 de Pelé com a tenho dito aos torcedores do Ceará que, camisa santista. Na ocasião, Dimas já era graças ao Fortaleza, eu vim pro Ceará, se- não não viria nunca. Não me transformaria numa pessoa, hoje, dentro do Ceará que tem uma história. Foi o Fortaleza quem des- cobriu. liA gente tem de saber Raiana - E por que você resolveu se filiar a outro time? o momento de sair. Dimas - Eu vim aqui como um profissio- Já tinha saído todo nal. Isso não nasce da noite pro dia. Você não gosta da sua namorada da noite pro dia. mundo do Botafogo, e Tem algumas coisas que vão fazendo que você vá gostando, depois casa ... Então foi eu tive a oportunidade um casamento que teve namoro, noivado ... Ranniery - Nos 97 anos que o Ceará tem, de ganhar mais você já está aqui há 39, vai fazer 40. O que dinheiro aqui". o fez passar tanto tempo no Ceará? Como

Com Vânia, Dimas tem duas filhas: Vânia e Lia. Além delas, tem ou- tros dois filhos mais ve- lhos: Ney e Danielle. Em algumas das ocasiões em que foi técnico do Ceará, como em 2008 e 2010, ele deixou o cargo por causa da família.

DIMAS FILGUEIRAS I 19 Durante a entrevis- ta, Vânia revelou que nâo gosta quando Dimas assume o Ceará como técnico. Ela contou um episódio em que uma das filhas ia brigando na escola por causa das pro- vocações sofridas contra o pai.

titular do Ceará} Dimas - Joguei contra ele aqui. E nós ga- IIEu sempre tenho nhamos o jogo! Pedro - Fala um pouco pra gente sobre dito aos torcedores esse episódio. Dimas - Eu já tinha ido ao hotel (ao antigo do Ceará que, graças Hotel Savanah, na Praça do Ferreira, no cen- tro de Fortaleza). Depois que ele veio pra cá, ao Fortaleza, eu vim eu fui no hotel falar com ele e tudo. Ele falou: "Mosca, não só eu, mas como você, nós já pro Ceará, senão estamos na descendente (da carreira}". Eu fa- não viria nunca. Não lei: "É, é verdade, mas você ficou rico e eu pobre", brincando com ele. Foi um apren- me transformaria dizado muito grande que a gente teve com o Pelé. A simplicidade. Eu sempre digo que numa pessoa, hoje, a torcida do Ceará carrega a gente no colo. Este ano que eu estou passando no Ceará eu dentro do Ceará que nunca vi igual. Em todo canto é fotografia ... tem uma história. Torcedor hoje faz questão de bater fotogra- fia comigo. Eu já vou num canto diferente e Foi o Fortaleza quem a mulher (referindo-se à esposa, Vânia) já fica com ciúmes (risos da turma). "Esse pes- descobriu". soal não para, né?". Igor - Mas o Dimas como jogador ... Você gostava da posição em que você jogava, Roberta - Dimas, o que significou a figu- como zagueiro? ra do Ivonísio Mosca (de Carvalho. Técnico, Nayana - Zagueiro ou lateral-esquerdo ... supervisor e diretor de futebol do Ceará nos Dimas - Joguei de lateral-esquerdo, de No Ceará SC, Dimas zagueiro. Eu fui lateral-esquerdo primeiro, anos 1970) pra você? já ocupou todos os car- depois eu fui zagueiro. Dimas - O Ivonísio foi uma das pesso- gos administrativos pos- as que armaram tudo pra eu vir pro Ceará. síveis, menos o de pre- Nayana - E qual era sua predileção? sidente do Clube. Como Dimas - A melhor (posição) é de zaguei- Quem me trouxe pra cá (para o Ceará) foi treinador, Dimas é conhe- ro. Quando você joga na lateral, todo erro o doutor José Luís Teixeira, que era diretor cido por assumir o time do Ceará, e se dava (bem) também com o em momentos difíceis, todo mundo vê. Agora, por dentro, tem sempre que outro técnico sempre alguém, tem sempre o volante. Difi- falecido (referindo-se ao Ivonísio). Ele acha- deixa o comando. culta mais, né? va (o Ivonísio) que a minha presença podia

REVISTA ENTREVISTA I 20 ofuscar a presença dele. Eu, como jogador, só fala do Dimas. "Ah, e o treinador?" "Tem A menos de d as eu senti que ele passou a me pressionar. de botar o Dimas". E não é o caso, porque semanas para a entre- vista com Dimas, no dia Falava ao treinador pra não (me) botar (em eu já falei até pro Evandro (Leitão, presiden- 11 de setembro, o então campo). Eu nem esquentava minha cabeça. te do Ceará) que eu não quero mais saber técnico do Ceará, Vagner Fazia o meu trabalho. Depois de um ano, de ir pra borda do campo, porque eu quase Mancini, deixou o cargo depois de uma sequência quando ele começou a ficar doente, eu fazia morro na vez passada e eu não quero mor- ruim de resultados. o seguinte: "Seu Ivonísio, o senhor tem de rer ali não. Ali é uma cadeira elétrica. ir ao médico hoje?". "Tenho, Dimas. Tenho Juliana - O que é que mudou na sua ro- de arranjar um táxi". "Pode deixar que eu tina? Você parou de ser jogador, passou a levo o senhor". Eu passei a levá-Io porque ser treinador. .. eu queria tê-Io como meu amigo. Era uma Dimas - Eu comecei a trabalhar aqui na pessoa que eu sabia da competência dele. supervisão, ajudando o falecido (lvonísio E aprendi com ele muita coisa. Ele me pas- Mosca). Depois que ele faleceu, eu tomei sava tudo. Começou a ter uma amizade de conta da supervisão. De repente, faltou o irmão. Eu levava ele, ele morava lá depois treinador. "Di mas, tu pode desempenhar o da (avenida) Bezerra de Menezes (em For- papel aí?". Eu fui. Fui uma vez, gostaram. Fui taleza), longe ... Eu levava sempre ele, pra lá a outra, comecei a ganhar. Porque tem de e pra cá. Eu jogador ainda. Depois ele fez ganhar! Se não ganhar. .. Comecei a ganhar. questão de me trazer pra perto dele, porque Com isso eu ganhei vários títulos como trei- eu tinha um conhecimento muito grande no nador, coloquei o Ceará em duas compe- Sul. Com um telefonema meu, resolvia coisa tições internacionais, na (copa) Conmebol pra ele. Ele sentiu que ali tinha um amigo. (competição organizada pela Confedera- Juliana - Como foi o processo de parar ção Sul-Americana de Futebol, entre 1992 de ser jogador? e 1999. O Ceará se classificou para a Copa Dimas - É importante quando você sabe de 1995 após ser vice-campeão da Copa do que não dá mais pra correr atrás dela, né? Brasil de 1994) e na (Copa) Sul-Americana Atrás da bola. Isso é fundamental pra todo (o Ceará se classificou para a competição ·jogador. Porque se você parar mal, você vai de 2011 após terminar o Campeonato Bra- deixar uma imagem horrível. Se você parar sileiro da Série A, de 2010, na 12ª coloca- bem ... No caso agora (referindo-se ao perí- ção). Evitei que o Ceará caísse pra terceira odo em que treinou o Ceará, em 2010), eu (divisão), quando eu comandei na segunda deixei o Ceará, como treinador, na (Copa) (divisão). Ajudei a evitar. É o termo que a Sul-Americana (Campeonato internacional gente deve usar. organizado pela Confederação Sul-Ameri- Igor - Hoje em dia, você considera que o cana de Futebol). Então, hoje, todo mundo Dimas era melhor como jogador ou o Dimas

A produção ficou afli- ta com a possibilidade de Dimas assumir interina- mente o time do Ceará - mais uma vez. Caso isso acontecesse, a possibili- dade de a entrevista ser adiada, ou desmarcada, era grande.

DIMAS FILGUEIRAS I 21 De repente, todos os hoje é melhor como treinador, supervisor ... Dimas - (interrompendo) Eu já fui até o componentes da turma, Dimas - Eu digo que eu sou melhor como vice-presidente ... até aqueles que não gos- tam de futebol, interessa- treinador e como supervisor pela vivência Roberta - Ah, e você não tem vontade de ram-se pelo mercado de que eu tive antes: primeiro como jogador. ser o presidente? técnicos. Todos os dias, Como jogador você tem uma vivência gran- Dimas - Não, não. (risos da turma) Eu as notícias eram acompa- nhadas para saber quem de e aprende a lidar com o jogador. Isso é acho que, num time de futebol, quem sofre seria o novo treinador do fundamental, você saber lidar com o joga- mais é o presidente e o treinador. É! Só cai Ceará. O escolhido não dor. Você tem de ter passado como jogador em cima dessas duas pessoas. foi Dimas. pra tirar proveito disso. Normalmente você João Victor - Alberto Damasceno disse que nunca foi jogador acha que lidar com que, em alguns momentos de crise do Ce- jogador é fácil. Não é fácil. Jogador de time ará, há uns 20 anos, apesar de você não ter grande, como o Ceará, não é fácil de lidar. sido, oficialmente, presidente, você atuava, Raiana - Dimas, você falou sobre essa na prática, como tal. Como foram essas ex- coisa da relação difícil, às vezes, com os jo- periências? gadores. E como é essa relação? Dimas - Você sabe que há alguns proble- Dimas - Primeiro que eu faço o jogador mas que só se resolvem de uma maneira. perceber que ali tem um amigo. Não é um Só se resolve de uma maneira. E tem hora diretor, é uma pessoa que quer ajudar. Eu que faltava aqui, e eu chegava junto. O Cea- sempre procuro ajudar. rá não me deve nada, nada, nada, mas nos Juliana - Mas você foi inspirado por al- momentos difíceis que eles precisaram, eu gum treinador, algum jogador? sempre ajudei. E você sabe que o futebol Dimas - Não. A vantagem de você ter sempre vive momentos difíceis. Mariana - Dimas, você falou que os dois piores cargos, dentro de um time, são o de . treinador e o de presidente. Se você já en- O sa que carou ser técnico tantas vezes, por que não . e cararia ser presidente? e c a, Dimas - Eu acho que todos nós somos in",,· ..-•.oete. es para alguma coisa. Então, eu casso . E e e o co pe ente pra dirigir o Ceará. . - -e , ta ez a é pudesse, mas hoje o Ceará a co sa e a de O Ceará, hoje, se transformou de ime para um clube grande. ce : e e o o Raiana - Mas você deixaria de ganhar, se Ceará como um filho fosse presidente? Dimas - Não, mas não é problema de ga- mais velho mesmo". nhar. O problema de ganhar está em segun- do plano. É a questão só de competência mesmo. Eu não me sinto competente pra dirigir o Ceará. passado em uma faculdade e ter estuda- Ranniery - Dimas, pra você, o que é um do psicologia é que ensina a lidar com as bom técnico? Qual o segredo de um bom pessoas. Eu não mando, eu peço. Eu sem- técnico? pre digo: se você xingar uma pessoa, você Dimas - Eu sempre digo que um bom xinga a pessoa de uma maneira que ela vai treinador depende dos detalhes. Igual ao rindo. De outra maneira, ela quer te dar um (cantor e compositor capixaba) Roberto tiro. Saber lidar com o ser humano é uma Carlos: os detalhes. Então eu sou um treina- das virtudes que eu guardo pra mim. E eu dor que sou detalhista. Um treinador de fora tô aqui hoje dando essa entrevista pra vo- repete aqui 10 vezes um pênalti, eu tenho de cês por saber lidar com as pessoas. Quem repetir 20. Por quê? Porque quanto mais se é a Mariana? (procura a Mariana, da equipe repete, mais se aprende. A naturalidade faz de produção da entrevista). Mariana ligou, com que você consiga chegar aonde você e eu marquei na minha agenda uma entre- nem espera. A entrevista aconte- O treinador de fora, ele vem aqui, perde ceu na Sala de Imprensa vista pra ser dada, já tinha separado o local do Ceará, local escolhi- e tudinho. A tua importância é nisso aí, não duas, três e vai embora, não tem problema. do pelo próprio Dimas. é chegar e "não, não posso não". As pes- O treinador da terra sofre a família, sofre o Como o clube é bastante neto, sofre a mulher, todo mundo sofre. En- próximo da Universida- soas têm de saber lidar com os momentos, de, o professor Ronaldo porque a vida é feita de momentos, não se tão, é mais um motivo pra você ser detalhis- sugeriu que todos fizes- engane. ta e se aperfeiçoar mais. Eu vou sempre no sem o trajeto, juntos, a melhor, sempre fazendo o melhor. Ele tem pé. Inicialmente, a turma Roberta - Dimas, você já assumiu vários concordou. cargos no Ceará... de ser atuante. Atuante, que ego, e estar

REVISTA ENTREVISTA I 22 sempre perto, como eu. Eu vivi sete meses da pele? No dia da entrevista, e meio (como técnico, em 2010) e só vivia Dimas - Tem de ser calculado. Por isso Igor, Pedra e Gleydson, futebol. Eu chegava em casa e a minha pre- existe o planejamento de jogo. Tudo é pla- responsável pelas fotos, foram de carro. Roberta ocupação era em saber dos jogos do time nejado, nada é feito por acaso. foi sozinha de ônibus. O que eu ia jogar, os jogos que foram grava- Juliana - Dimas, o Ceará foi vice-cam- resto da turma manteve a dos ... Passava duas, três horas vendo, ana- peão da Copa do Brasil em 1994. Foi o me- ideia original de ir a pé. lisando. Então, ele tem de ser um profissio- lhor momento ou foi a maior frustração? nal mesmo, pra ele conseguir alguma coisa. Dimas - Pra mim, foi uma frustração. Pro Porque, num time pequeno, você não tem Ceará, não. O Ceará nunca tinha conseguido pressão não, mas aqui, num time de massa, uma coisa dessas, né? Mas eu achava que a pressão é muito grande. E você só sai des- nós tínhamos condição de ir mais longe, e sa pressão se você começar a tratar todos não fomos porque o Godoy (Oscar Rober- os detalhes de tudo. to Godoy, árbitro da partida final, contra o João Victor - Na hora das partidas, pra Grêmio, para quem o Ceará perdeu por 1 a muitas pessoas, você é tachado como um zero) prejudicou a gente mesmo. O Godoy técnico retranqueiro. Você se considera as- nos prejudicou totalmente. Ali foi carta mar- sim? Você acha isso uma vantagem? cada, e não tem nem jeito de dizer nada. Dimas - Tem um ditado que diz "quem João Victor - Mas hoje, olhando um pou- quer muito, traz de casa". No ano passado co mais de fora desse episódio que aconte- (2010), nós tivemos dez empates em 18 par- ceu, você não percebe que foi um episódio tidas. Dez empates, quatro vitórias e quatro muito bom para o Ceará? derrotas. Eu somei 22 pontos. E eu tirei o Dimas - Do Ceará, foi. Mas pra mim foi time do rebaixamento. Veja bem: se você vai jogar contra um time que tem mais qua- lidade, e você tem de reconhecer isso, que , seu time, às vezes, tem a qualidade limita- /JEimportante da, você tem de estar preparado pra isso. Aí você faz o seguinte: você espera, porque fu- quando você sabe tebol é espaço. Primeiro é espaço, segundo é espaço, terceiro é espaço. Você atrai eles que não dá mais pra pra cima de você e usa o espaço que eles deixam nas costas deles pra usar o contra- correr atrás dela, né? golpe. E conseguimos chegar aonde chega- mos, na (Copa) Sul-Americana (de 2011). Atrás da bola. Isso Aí dizem: "O Dimas é retranqueiro". O é fundamental pra Dimas não é retranqueiro não, o Dimas só usa aquilo que tem de usar. Eu tenho de ter todo jogador". um objetivo pra ganhar. O que eu ganho aqui? Se eu for lá, se eu for me arriscar, eu posso perder o jogo, então eu não me arris- co. Quem tem de se arriscar são eles, eles uma frustração, porque eu queria ser cam- que têm de vir pra cima de mim. Porque fu- peão. tebol, no (Campeonato) Brasileiro, é ponto. Mariana - Como você se sentiu naquele Tanto dentro, como fora (de casa), você tem momento? de ganhar ponto. Você pode conseguir os Dimas - Eu ia tomar algumas atitudes três (pontos, com a vitória), mas um ponto que eu não tomei na hora, graças a meu você tem de levar pra casa (com o empate). bom Deus, porque eu ia voar pra cima dele, É questão só de matemática. e não fui. Alguém me segurou, e eu tive Roberta - Qual foi o seu melhor momen- mais tranquilidade. Mas você já pensou: to como técnico do Ceará? você está com tudo certo pra ser campeão Dimas - Esses sete meses e meio (em e ser tomado assim? 2010). Como treinador em relação à afeição Ranniery - Dimas, antes desse jogo, do torcedor corniqo. Eu já fui vice-campeão você disse, em entrevista, a seguinte fra- da Copa do Brasil eu ajudei a ganhar vários se: "Nós vamos para uma guerra, nós não campeonatos, co o treinador, mas, ago- vamos para um jogo, nós vamos para uma Quando a turma che- ra, a afeição do orcedor comigo foi muito guerra. Uma guerra onde o futebol cearense gou, Dimas já estava no grande porque e . e um destaque muito vai ter o seu destaque, se Deus quiser, se local. A Sala de Imprensa já havia sido arrumada grande no Bras - nós conseguirmos trazer esse caneco pra pelo próprio entrevistado. Mariana -:: a ocê, o futebol é mate- cá, a CBF vai começar a olhar com outros A entrevista demorou um mática ou é pai ão? Tem de ser calculado olhos pro futebol cearense". Você é conhe- pouco para começar por- queRobertasepe~euno ou tem de ser jogado com as emoções à flor cido como o Guerreiro Alvinegro. Quando trajeto para o Ceará.

DIMAS FILGUEIRAS I 23 Roberta foi a última a se perde uma guerra como essa, o que pas- fica logo satisfeito ... chegar porque confundiu sa pela cabeça? Roberta - Dimas, a última vez que você as entradas do Ceará SC. Quando finalmente con- Dimas - O meu momento de frustração assumiu o Ceará foi num momento delica- seguiu entrar no clube, não foi pelo trabalho que nós executamos. do ... demorou a achar a Sala Os jogadores, a diretoria, todos fizeram o Dimas - Sempre foi num momento deli- de Imprensa. trabalho certo. Você ficaria chateado se, por cado. Nunca foi num momento bom. acaso, você fosse o responsável por aqui- Roberta - Algumas pessoas falam que lo que estava acontecendo. Não foi. Pelo te colocam na frente da equipe nesses mo- contrário: você fez que aquilo acontecesse, mentos para prejudicá-Io. Acha que isso e não aconteceu porque o juiz não deixou. acontece? Então, isso dá uma certa tranquilidade a nós Dimas - Não, não. Eu acho que eles me que fazemos o Ceará, mas, por outro lado, colocam achando que eu posso resolver o pra nós, que vivemos muito tempo no fute- problema, como eu venho resolvendo. Nun- bol, levar o Ceará a um vice-campeonato já ca pra prejudicar, pelo contrário. Eles sem- era muita coisa, imagine levar para um cam- pre deixam que eu decida. E, se eu vou, é peonato! E ser roubado com todo mundo pra ajudar o Ceará, e sempre foi esse o meu vendo, o Brasil todo vendo, tá louco ... sentido. João Victor - Eu queria retomar um pon- Igor - Dimas, como é que você se sente to: hoje você diz que sai e é assediado pela sendo chamado pra ser técnico do Ceará só torcida do Ceará, mas, em alguns momentos em segundo plano? você chegou a ser vaiado em campo. O que Dimas - Eu acho que ser treinador do passa pela cabeça do treinador nessa hora? Ceará já é um prestígio muito grande. É um Dimas - É o que eu digo a você: eu já prestígio grande porque você comanda, e o estou preparado pra isso. Eu vou ali e eu torcedor vai analisar o seu trabalho, e isso aí sei que eu posso ser vaiado e eu posso ser é como um desafio. Eu já estou acostuma- elogiado. Você não vai esperar que tudo do com isso. A questão de você se acostu- saia certo e que a torcida vá lhe carregar no mar ... "Ah, Dimas, amanhã você vai dirigir o colo não. Pelo contrário, você tem de estar Ceará". Tudo bem, pra mim é normal. Vou preparado, senão, não assuma. E eu, cobra fazer o trabalho que eu estou acostumado a criada nesse ponto, não esquentava não. fazer e que deu certo. Raiana - Na entrevista às Páginas Azuis Igor - Você gosta, então, de estar como do /jornal) O Povo, você falou que nunca foi técnico do Ceará? tão reconhecido como é agora. Então, como Dimas - Gosto não. A única profissão era antes? que eu não gosto dentro do Ceará é ser trei- Dimas - Oportunidades desse reconhe- nador. cimento eu tive pelo que eu fiz. Eu não sei Igor - Por quê? se é porque houve uma divulgação muito Dimas - Porque não. Eu, particularmen- grande em torno do meu nome, em todo te, me dedico demais. É como eu digo a canto que eu chego é impressionante. Isso, você: eu tenho como um filho mais velho, pra mim, é gratificante. Tem certas coisas então eu faço aquilo cuidando de todos os na vida da gente, que massageiam o ego da detalhes, então eu sofro muito com isso. Eu gente, que não é o dinheiro. emagreço, eu não como, eu não almoço ... Mariana - E quando a situação é o con- Em dia de jogo, eu só lancho e mais nada. trário? Quando é aquela pressão forte, como Vou emagrecendo ... é para o Dimas? Raiana - Você falou na entrevista às Pá- Dimas - Eu sou do mesmo jeito. Eu sou ginas Azuis do /jornal) O Povo que "tern cer- uma pessoa que, se o camarada vem me tas coisas que doem. Tem hora que você é agredir, é diferente, mas se ele vem falar e relegado a terceiro, segundo plano e sabe discutir tudo, por isso, por aquilo, eu trato que pode ajudar". Eu queria pe guntar o ele bem. Eu mudo ele totalmente. Eu vou que doeu, o que dói em estar o Ceará e falando, falando, dou logo razão a ele, ele já que momentos foram esses e e -ocê foi

Antes das primeiras perguntas, Dimas disse que havia sido chama- "Saber lidar com o ser humano é u a das do pra acompanhar um . jogo do Ceará em São virtudes que eu guardo pra mim. E e o aqui Paulo no mesmo período da entrevista, mas recu- sou: "eu disse que era hoje dando essa entrevista pra vocês saber por causa da construção de 12 casas, mas era por lidar com as pessoas". causa da entrevista".

REVISTA ENTREVISTA I 24 Sabendo que nem todos na turma acompa- nham futebol, a produção tentou esclarecer na pau- ta alguns termos ligado ao esporte. Mesmo as- sim, no dia da entrevista, Ranniery tinha algumas dúvidas, como: "O que é categoria de base?".

relegado a esse segundo, terceiro plano? Dimas - Tenho nada não. Quando você Dimas - Num clube onde você vive nor- gosta de um time, você olha para o time, malmente com a função de resultados, tem não para as pessoas. O que for bom pro momentos em que você está bem e tem mo- time é bom pra você. Se aquela pessoa não mentos que você não está bem. Às vezes, é boa pra você, mas é boa pro time, você tem relações que você faz com um e com tem de conviver com ela. outro você não se dá bem. São coisas que Roberta - Você acha que já sofreu injus- você tem de aprender a conviver. Às vezes, tiça ou perseguição aqui dentro do clube? dói quando, por acaso, você é relegado a Dimas - Já, isso aí é fato. Tem momen- segundo plano, você não é chamado para tos na vida em que você passa por aquilo e discutir algumas coisas, mas eu estou acos- se submete àquilo porque gosta do clube. tumado. Eu sempre digo o seguinte: engolir Em outros momentos, você tem vontade de sapo é fácil, difícil é conviver com o sapo. deixar, largar ... João Victor - Nas pré-entrevistas, tan- Mariana - E por que você sofria essa in- to o /jornalista) Tom Barros quanto a Vânia justiça, essa perseguição? (esposa do Dimas) citaram o fato de que, há Dimas - Isso é porque tem algumas pes- dois anos, você teria chegado aqui no Ceará soas que acham que você está se metendo e teria sido impedido de entrar no clube. Por em coisas que não deve se meter, e está que isso aconteceu? conversando coisas que não deve conver- Dimas - Não, não foi nem no clube, foi sar. .. E, às vezes, se o time não ganha, po- no vestiário. Foi uma pessoa que trabalha- dem achar que você é culpado porque está va aqui. Eu estava fazendo um trabalho na andando ali. Sempre a transferência de res- base, então quase não estava vindo aqui. E ponsabilidade vai existir. tinham proibido de eu andar por esses la- Pedro - Você quer citar algum nome? dos (do vestiário) e eu disse que não, só se Dimas - Não, acho que as coisas que eu o presidente me proibisse. Eu sou uma pes- passei e que eu possa vir a passar depen- soa que tem rnu'to tempo de Ceará, não vou dem só de mim. O Ceará é muito grande deixar de andar por esse lado. Posso não pra gente ficar se preocupando com pesso- entrar no ves ·a"'·o porque o treinador tem as que, às vezes, não dão valor àquilo que sua particularidade. falar com os jogadores, você faz ou que você fez. Ao fim da entrevista, mas andar desse ado aqui, não. No vesti- João Victor - Quando você não é o trei- Roberta puxou uma cami- ário eu deixe- e Ir, porque se o treinador nador, mesmo com toda essa experiência, sa do Ceará, que ela dis- não tem afinida tiqo, não tem sentido qual é a sua relação com o time? Você acha se ser do irmão, e pediu para Dimas autografá-Ia. você ir lá. que você se mete? O ex-jogador atendeu Juliana - == ._~ ágoas? Dimas - Não, não. Eles me dão até liber- prontamente.

DIMAS FILGUEIRAS I 25 No caminho de volta, a turma decidiu não re- petir o trajeto a pé. As 11 pessoas se dividiram nos carros do Pedro e do Igor para voltar à Universida- de Federal do Ceará.

dade, porque eu trabalho aqui como coor- filho mais velho tá aí!". denador, e posso ter um acesso direto, mas Ranniery - Como é que a sua esposa e a eu evito, também. Porque cada treinador sua família acompanham o futebol? tem a sua particularidade pra comandar seu Dimas - Juntos. Tudo lá é Ceará. time. E o Dimas, aqui, é tido como um trei- Nayana - E qual a importância deles? nador, não como coordenador. Você declarou às Páginas Azuis que você já Juliana - Quando você foi diagnosticado sofreu muita pressão da sua família e que, com câncer de próstata, como foi parar de algumas vezes ... cuidar do Ceará pra cuidar de si mesmo? Dimas - Você queira ou não queira, quan- Dimas - Foi bom você lembrar isso. Sabe do é treinador do Ceará, e é da terra, sofre o que aconteceu? Eu estava marcado pra fa- todo mundo. Sofre a mulher, sofrem os fi- zer uma operação e eu tinha que me inter- lhos ... Isso é uma coisa que, por mais que nar às onze horas da noite. Eu cheguei às queira mudar, não muda, porque as pessoas três horas da manhã, que eu tinha ido com que gostam da gente não gostam que nin- o time pra Itapipoca (município da região guém fale mal da gente. norte do Ceará, distante 130 km da capital, Ranniery - Mas você prioriza o Ceará em Fortaleza), jogar lá. Acabou à noite, e fui di- relação à sua família? reto para o hospital. É o Ceará sempre na Dimas - Eu já priorizei. Agora, que a mu- frente. Eu fui tomar conta contra o Itapipoca lher falou, eu dei uma segurada. lá em cima, voltei 23h 30min e cheguei três Raiana - Sua mulher, na entrevista que horas da manhã, já pra me preparar pra ser ela cedeu à equipe de produção, ao Pedro operado. e à Mariana, ela ressalta isso, em vários mo- Juliana - E no tempo de descanso, mes- mentos. De que em alguns momentos você mo assim, o senhor ainda se preocupava já colocou o Ceará acima da família ... com o Ceará? Ficou quanto tempo afastado? Dimas - (interrompendo) Quem falou isso aí? Dimas - Afastado de quê? Nada! Foi só uma Todos - A Vânia. semana (risos da turma). Não teve isso não. Dimas - Ah, foi? E quando foi isso? Na hora de escrever Juliana - E a sua esposa não reclamava? Mariana - Semana passada. os perfis, algumas dificul- Dimas - Ora, se reclamava! (risos de to- Dimas - Ah, logo vi! (risos da turma) dades apareceram: Ran- dos) E, no final das coisas, é o que eu digo Raiana - A minha pergunta é se você acha niery, por exemplo, pediu socorro à equipe de pro- a vocês: tem certas coisas que, às vezes, a que, de fato, já colocou o Ceará acima da fa- dução para saber como gente atropela e discute, mas não adianta, no mília e como se dá essa relação. atua um lateral-esquerdo. final, elas têm sempre razão. É, tem sempre Dimas - Veja bem: a esposa, quando ela é E mais: perguntou se jo- gadores dessa posição razão. Quando existe alguma injustiça contra preterida por outra coisa, ela acha isso (risos podem fazer gol. mim, ela fala: "Eu não disse a você? Esse teu da turma).

REVISTA ENTREVISTA I 26 João Victor - Quando é, então, que a fa- eles sofrem muito mais que eu. E eles fala- A volta de Dimas ao mília é colocada à frente do Ceará? Teve ca- ram: "Papai, você tem de se preocupar tam- cargo de técnico do Ce- ará pegou a turma de sos que você pode falar? bém com a gente, não é pra se preocupar surpresa, depois de a Dimas - Eu disse pra família, agora, que só com o Ceará". É aí que eles acham que entrevista ser editada e não vou mais tomar conta do Ceará como eu coloco a minha família em segundo plano, finalizada. Pedro, na lista de e-mailsdaturma.co- treinador. Não vou ser mais treinador. Eu que eu me preocupo mais com o Ceará que mentou: "Essa entrevis- disse pra elas, e elas estão acreditando (risos com a própria família. ta só vai acabar de vera de todos). Ela me vê muito em cima de esta- Juliana - E hoje, você acha que encontrou quando a revista for pra impressão e não der mais tísticas, eu faço estatísticas pra ver o Ceará, um equilíbrio entre a sua família e o Ceará? pra mudar!" como é que vai, como é que não vai. E ela Dimas - Se eu não for treinador, eu tenho fala: "Eu não sei por que, rapaz, você faz es- um equilíbrio total (risos da turma). Mas eu sas estatísticas. Você não quer ser treinador, já falei pra ela, que não vou ser mais, e eu não quer ser nada". Eu falo pra ela que eu não vou ser mais não. Está na hora de eu me tenho de passar pra eles, mais ou menos, o aposentar dessa parte. Já dei o que tinha que que eu penso. "Mas você tá com muita preo- dar, já fiz o que podia fazer. Posso ajudar em cupação com isso". outras coisas, mas treinador ... João Victor - E pras filhas, como é ter o João Victor - E se o Ceará precisar de você? pai treinador e ex-treinador do Ceará? Dimas - O Ceará hoje tem condições de Dimas - Elas sofrem muito no colégio trazer treinadores caros, e tudo. Eu sou uma quando eu sou treinador. Todo mundo sabe pessoa que vai por amor à pátria, né? Isso aí quem sou eu, né? Quando o time não ganha é difícil encontrar. elas devem sofrer muita especulação, muito Igor - E com os seus amigos? A maioria falatório. Ganhou, tudo bem. Não ganhou, dos seus amigos é do Ceará ou torcem pra treinador e presidente são quem sofre. outro time? Mariana - Quando você é técnico, há uma Dimas - Três anos atrás, eu tinha um ami- influência da sua mulher, que é torcedora? go que era Fortaleza. E, quando a gente se Dimas - Tem discussão. Quando acaba- sentava à mesa, ele vinha falar sobre futebol. vam os jogos, quando eu saía, depois das Ele puxava o assunto e eu falava "não, nin- entrevistas, e ela falava: "Por que você não guém fala de futebol aqui. Aqui, de futebol, colocou fulano, por que não colocou cicra- eu não falo". E eu não falava, porque senão no? Você ouviu a torcida e não fez nada?". Eu virava discussão. E discussão de graça, daqui falo "Tá bom, tá bom ...". Ela discute e eu fico a pouco você perde uma amizade. E eu sem- no carro calado. pre digo que amigo é dinheiro em caixa: só os Raiana - Dimas, houve um momento em amigos ajudam na hora que você precisa. que você declarou que não ia ser treinador Juliana - E quem são os seus amigos aqui do Ceará por conta da pressão da sua família. no Ceará? O que a sua família estava passando, a ponto Dimas - Tenho vários amigos. Se eu ci- de pedir pra você que não fosse treinador? tar um ou dois o pessoal vai ficar com raiva Dimas - Nós, que fazemos as coisas pelo de mim (risos de todos). São vários amigos Ceará, não temos a sensibilidade que eles aqui. têm. A minha mulher, filhos, eles têm uma Igor - Sua relação com a diretoria do Ce- sensibilidade de sentir o torcedor mais perto ará, então, é boa? que eu. Porque elas estão na escola, e todo Dimas - É, total, total. Eu vivo com pesso- mundo sabe que é a minha esposa que vai as amigas. Isso é importante. E que reconhe- buscar as crianças na escola, e tem sempre cem o valor da gente. Eles sabem que po- piada, isso tudo. Eu fico longe disso. Então, dem contar comigo pra ajudar. Não pra ser

IIEu acho que num 110 treinador da terra time de futebol, sofre a família, sofre o neto, sofre a mulher, quem sofre mais No dia 4 de dezembro de 2011, depois de uma todo mundo sofre. derrota dramática para é o presidenter e o o Bahia, em Salvador, o treinador. E~Só cai Então, é mais um motivo Ceará, sob o comando de Dimas, foi rebaixado para pra você ser detalhista e a Série B do Campeonato em cima dessas duas Brasileiro. O placar foi de 2 a 1 para o time da casa, pessoas". se aperfeiçoar mais". e o Vovô terminou o bra- sileirão no 18ª lugar.

DIMAS FILGUEIRAS I 27 Apesar do rebaixa- treinador, mas pra ajudar. mento, o Soldado Alvi- Ranniery - Dimas, você disse que, no co- negro continuou como /JIAh, Dimas, amanhã técnico e no dia 1Q de fe- meço da sua carreira, você costumava fre- vereiro de 2012 comple- quentar centros espíritas com o Mané Gar- você vai dirigir o tou 500 jogos à frente do rincha, com a Elza Soares. A religiosidade, na Ceará. O recorde foi bati- do com uma goleada por sua vida, no futebol, como é? Ceará'. Tudo bem, pra 5 a 1 contra o Tiradentes Dimas - Na minha casa (no Rio de Janei- no estádio Presidente ro), pra você ter uma ideia, existia um terrei- mim é normal. Vou. Vargas. ro. Minha casa era um terreiro. Minha mãe fazer o trabalho que recebia os santos. E quem puxava os pontos pra sair os caboclos era eu. eu estou acostumado Raiana - Como começou isso? Dimas - Minha mãe recebia um pai de a fazer e que deu santo chamado Rompe Mato, aí eu fui, né? Ranniery - Antes de entrar em campo, certo". você tinha alguma superstição? Dimas - Eu nasci em 13 de maio, né? En- tão sou apegado a isso. Direto, direto. Não Tem de ter fé em alguma coisa pra conseguir entrava em campo lá no Rio, como jogador ... alcançar os seus objetivos. Nada acontece Aqui mesmo como jogador eu botava (uma por acaso na vida de ninguém. vela), e como treinador eu botava uma vela, Raiana - Qual a importância dessas práti- porque nós levamos as imagens e coloca- cas religiosas? mos no vestiário. Eu acho que, sem fé, você Dimas - Pra mim é fundamental. Tem não vai a canto nenhum. Você tem de ter fé sido. Na vida, tem horas que você tá por em alguma coisa. Você tem de acreditar em baixo, tem horas que você está por cima ... E alguma coisa. quando você está por baixo, você tem de ter Mariana - Como é essa sua devoção a alguém que proteja você, pra você saber que Nossa Senhora de Fátima? aquilo vai passar. Dimas - Surgiu daí. Se você for lá no meu Mariana - Tem algum episódio, uma vitó- apartamento, no meu quarto, você vai ver ria, alguma ajuda que você tenha relaciona- umas 40 (imagens de) Nossa Senhora de Fá- do o futebol e atribuído a Nossa Senhora de tima, num altar feito pra isso. Quando eu saio Fátima? de manhã e quando eu volto, eu rezo. Dimas - Você sabe que tudo que acon- Roberta - E como você passa essa fé para tece de bom na minha vida eu acho que é os jogadores? através disso. Tudo que acontece, acontece Dimas - A fé que eu passo, veja bem ... porque eu sou protegido de Nossa Senhora Tem gente que é crente, tem gente que é ca- de Fátima, por ter nascido no dia dela. tólica, tem gente que é espírita, mas todos Igor - Dimas, desses quase 40 anos de têm fé numa coisa só, que é Deus. O Ceará Ceará, você já falou de vários bons momen- não entra em campo sem antes ter três, qua- tos, mas qual foi o seu pior momento aqui tro minutos de reza. no Ceará? Raiana - E como foi essa sua passagem Dimas - Você sabe que o pior momento do espiritismo para o catolicismo? a gente não gosta nem de lembrar. Por isso Dimas - Surgiu com a Nossa Senhora de é que eu faço questão de lembrar os bons Fátima. Minha mãe, todo dia 13, me levava momentos. Os bons momentos é que nos pra fazer a procissão. Aí foi surgindo. dão força pra nós continuarmos sendo quem Raiana - Havia um sincretismo? nós somos. Se eu for falar de maus momen- Dimas - Isso. A minha mãe foi a respon- tos, eu vou falar de alguma pessoa dentro sável por isso. do Ceará, que passou ou que continua aqui. Igor - Dimas, você acredita que, no fute- E é bom relembrar coisa que é boa, né? As bol, fé e sorte contam também, ou é só técni- coisas que passaram de ruim se em como ca, matemática? lição pra gente. Dimas - Pra todo jogo, a sorte é funda- Mariana - Mas alguma ez m mau Quase 19 mil pessoas mental. Você pode ser a pessoa mais compe- momento que lhe deu vo ta e - ? compareceram ao PV para tente do mundo, mas se não tiver um pingo Dimas - É uma das co! as _= = passa- homenagear Dimas pelo de sorte, você não consegue chegar aonde marco. O treinador rece- va para os jogadores: eu ar C _= omem beu uma placa comemo- você quer, alcançar seus objetivos. E a fé é que desiste é um home =~nunca rativa da diretoria do Ce- que dá uma condição de você achar que está desisti de nada na minha ::::; -::; a! ará e outra da Federação sendo protegido e que vai produzir aquilo Cearense de Futebol, que Pedro - Dimas, você se consroera um ído- instituiu, naquele dia, o que tem de produzir. Não só como treinador, lo do Ceará? "troféu Dimas Filgueiras". não só como jogador, em tudo que você faz. Dimas - Não. Eu sou uma pessoa que tem

REVISTA ENTREVISTA I 28 um serviço prestado pelo Ceará e que hoje é O Soldado Alvinegro que estava lá à disposi- o técnico pediu de- reconhecido pela torcida. É um trabalho que ção, para o que precisasse, em qualquer fun- missão do cargo de técni- co no dia 16 de fevereiro eu faço, é um trabalho que eles sabem ... Que ção. Aqui, eu desempenho várias funções, de 2012, um dia depois ada você consegue vencer na vida se você estou sempre à disposição de trabalhar pelo da nona rodada do Cam- nâo fizer por amor. Você tem de fazer por clube. Eu achei bom me chamarem de solda- peonato Cearense, quan- do o alvinegro derrotou amor alguma coisa. O meu amor pelo Ceará do, de guerreiro, porque massageia o ego da o Itapipoca por 3 a O no az com que eu faça as coisas bem feitas. É gente saber que nós somos importantes pra PV. O treinador alegou issto que eu acho: com amor você faz me- torcida. Porque tudo que se faz aqui, tudo o motivos de ordem pes- soal e voltou a comandar lhor que só fazer por fazer, ou fazer porque que se faz no Ceará é pra agradar a torcida. as categorias de base do ganha mais. Nada se faz aqui pra agradar ninguém, só Ceará. João Victor - A Vânia disse que, princi- agrada a torcida. Então, se o torcedor sen- palmente, em algumas épocas de crise do te isso, a gente se sente recompensado pelo Ceará, você chegou a tirar algumas coisas que tem feito pelo Ceará. suas, do seu bolso, para dar pro Ceará. Hoje Igor - Oimas, como é que você analisa o você acha que toda a sua doação pelo time é futebol cearense hoje? recompensada satisfatoriamente, em termos Dimas - O crescimento foi muito grande financeiros? no futebol cearense. Pra você ter idéia, nós Dimas - O que eu faço pelo Ceará não é temos (em 2011) cinco equipes disputando visando ao dinheiro. Nunca fiz nada pelo Ce- cinco competições nacionais (diferentes divi- ará visando ao dinheiro. Eu acho que o di- sões do Campeonato Brasileiro). Tem o Cea- nheiro é importante, mas não é tudo na vida. rá na série A, tem o Fortaleza na série C, tem O reconhecimento que eu estou vivendo o Icasa na série B, o Guarany de Sobral na hoje não tem dinheiro que pague. série C e o Guarani de Juazeiro na série O... Ranniery - Você tem alguma outra pai- xão, além do futebol? Dimas - Tenho pelos meus filhos e pela minha esposa. A Vânia (esposa), a Vaninha, a Lia, a Oaniele e o Ney. E tem os netos tam- "Nunca fiz nada pelo bém. Tenho três netos. Ceará visando ao Juliana - Algum deles pensa em seguir carreira no futebol? dinheiro. Eu acho Dimas - Não, porque ainda estão pequenos. Mariana - E o seu filho? que o dinheiro é Dimas - O meu filho, o Ney, ele pensa- va, mas ele estava jogando aqui no juvenil importante, mas não e machucou o nariz. E eu falei com ele: nó, é tudo na vida. O Ney, vai tratar da sua faculdade". Ele é um engenheiro hoje. "Deixa a bola só pro seu reconhecimento que pai". Na época ele ficou chateado. Pra você ter ideia de como ele era bom jogador, ele foi eu estou vivendo hoje da seleção brasileira na Espanha, e em Por- ugal, acho, que ele foi representar o Brasil não tem dinheiro que na Seleção Universitária. Duas vezes ele foi pague". representando o Brasil lá, mas o pai já está Ilessa vida ... Pedro - Um dia os seus netos vão chegar ao momento de decidir qual carreira vão se- Coisa que antes só existia Ceará e Fortaleza, guir, no futuro. Você os aconselharia a ser e um pouco o Ferroviário, mas hoje não. Isso jogador ou treinador de futebol? mostra o crescimento do futebol cearense. Dimas - Treinador não, mas jogador ... Jo- E temos um clube entre os 20 melhores do gador ganha hoje o quê? Ganha coisa que, Brasil, que é o Ceará. Isso, pra nós que faze- normalmente, vocês nem imaginam. mos o futebol, é, por demais, importante pro Raiana - Oimas, você é conhecido como nosso crescimento. Não é um crescimento o Guerreiro Alvinegro, e você mesmo se diz só interno. Hoje, você abre a TV e tem o pes- Ao final de sua 40ª passagem pelo comando um soldado do time. Então, o que significa soal falando do Ceará, todo mundo comen- do Vovô, Dimas se retirou ser um soldado para um clube e o que sig- tando do Ceará. por tempo indefinido dei- nifica assumir essa função que você mesmo Mariana - Depois de 39 anos, quase 40, xando o time no segun- do lugar do Campeonato se colocou? aqui no time do Ceará, você faria tudo igual Cearense. O desejo de Dimas - Não fui eu que falei não, foram os ou teria alguma coisa que você mudaria, se alcançar os 600 jogos à torcedores que falaram que eu era o Guerrei- você pudesse? frente do time foi adiado para que ele se dedicasse ro Alvinegro, que era um Soldado Alvinegro. Dimas - Tudo que eu fiz pra ajudar o Cea- mais à saúde.

DIMAS FILGUEIRAS I 29 o motivo alegado foi rá eu faria do mesmo jeito. Se pudesse fazer futuro a Deus pertence". Eu tenho 67 anos, coerente com as expecta- mais, faria mais. Porque eu acho que o Ce- não sei quando é que Deus vai me levar. tivas de Vânia, mulher do Soldado Alvinegro. Ela ará, como está na série A (do Campeonato Espero que ele me leve eu estando dentro contou, em pré-entrevis- Brasileiro), e teve um crescimento, o Ceará do Ceará. A mulher (Vânia) falou: "Eu vou ta, que se preocupa mui- não é mais um time, é um clube, ele vai pre- preparar sua bandeira:' (risos da turma). As to com a saúde do mari- do quando ele assume o cisar, cada vez mais, crescer. pessoas importantes falecem aqui e a gente comando do time, pois o Mariana - E existe algum episódio que bota uma bandeira. Eu falei: "Ah, se você bo- desgaste é muito grande. você acha que deveria ter feito mais? tar, eu vou ficar satisfeito". A gente vai fazen- Dimas - Sempre existe, né? Sempre exis- do o Ceará enquanto pode e enquanto eles te um episódio que você poderia dar mais e quiserem que a gente faça, né? Porque você não deu, mas o importante é que você pro- sabe que não depende só da gente, depende curou dar, naquele momento, aquilo que ele também da diretoria. Acho que eu vou mor- precisava. rer aqui mesmo, mas eu ainda vou demorar Nayana - E, nesses quase 40 anos, foi muito. Eu tenho sempre me baseado pelo mesmo paixão ou teve alguma vez que se meu pai: eu vou chegar aos 100 anos. Vou tornou obsessão? chegar, só pode ser. Se ele chegou aos 96 Dimas - Obsessão não, eu sou uma pes- sem fazer nada, sem fazer meio por cento do soa muito realista na minha vida. Eu sei o que que eu faço. eu quero, sei o que eu faço e por quem faço. Eu procuro fazer não só aquilo que me agra- da e que me deixa satisfeito, mas aquilo que eu faço também deixe satisfeitas as pessoas pra quem eu faço. O Ceará reconhece isso. JJTem um ditado que Então, não existe motivo de eu não deixar de fazer o melhor pelo Ceará. diz que 10 futuro a Mariana - Você falou que, pra você, o Ce- ará é um filho. E pro Ceará, o que você é? Deus pertence'. Eu Dimas - Aí tem de perguntar ao Ceará, né? (risos da turma) Ao presidente do Ceará, tenho 67 anos, não sei às pessoas que fazem o Ceará, são elas que quando que Deus podem responder, mas eu acho que elas é sabem dar o devido valor que eu mereço, vai me levar ..Espero e isso é muito importante dentro de uma agremiação. que ele me leve eu Pedro - A gente pode encerrar com o fu- turo. Eu pergunto pra você: até quando? Até estando dentro do quando o Dimas no Ceará? Ceará". Dimas - Tem um ditado que diz que "o

No dia 2 de novembro do mesmo ano, seriam completados 40 anos da chegada de Dimas ao time. Com 504 jogos à frente do time, ele se tornou o quinto técnico com maior número de jo- gos pelo mesmo time no Brasil.

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