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ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

André Figueiredo Nunes

Segurança Energética: OPAEP e a Geopolítica do Petróleo no século XXI

Rio de Janeiro 2020 ANDRÉ FIGUEIREDO NUNES

Segurança Energética:

OPAEP e a Geopolítica do Petróleo no século XXI

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Militares do Instituto Meira Mattos da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências Militares.

Orientador: Prof. Dr. Paulo G. Fagundes Visentini

Rio de Janeiro 2020

N972s Nunes, André Figueiredo

Segurança Energética: OPAEP e a Geopolítica do Petróleo no século XXI. / André Figueiredo Nunes. 一2020. 333 f. : il. ; 30 cm.

Orientação: Paulo G. Fagundes Visentini. Tese (Doutorado em Ciências Militares)一Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2020. Bibliografia: f. 293-333.

1. PETRÓLEO. 2. OPAEP. 3. SEGURANÇA 4. ENERGIA 5. PAÍSES ÁRABES. I. Título.

CDD 333.79

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela possibilidade de conduzir esta pesquisa, bem como por me conceder tempo e capacidade intelectual para me debruçar sobre questões de política internacional envolvendo geopolítica e energia no Oriente Médio.

Aos meus pais, Renivaldo e Lúcia, à minha irmã Tamara e cunhado Rafael, pelo apoio e presença nos momentos alegres e difíceis que fizeram parte de toda esta trajetória.

Ao meu orientador, o Prof. Dr. Paulo G. Fagundes Visentini, pela disponibilidade, correções de conteúdo, tratamento fraterno e pela troca de conhecimentos.

Ao Capitão de Mar e Guerra Leonardo Mattos, editor responsável do Boletim Geocorrente, publicado pelo Núcleo de Avaliação da Conjuntura, da Escola de Guerra Naval, que foi um importante incentivador para o desenvolvimento de estudos ligados à região do Oriente Médio, assim como a todos os colegas que compõem esse grupo de pesquisa.

A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército pelos ensinamentos, parceria e compreensão em todo o decorrer do curso de doutorado.

RESUMO O objetivo desta pesquisa é investigar o conceito de segurança energética, com base nas relações entre as nações envolvendo o petróleo, a partir do desenvolvimento de um estudo acerca dos países árabes exportadores de petróleo filiados à Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP). A escolha dessa Organização é importante porque seus membros concentram uma parcela significativa das reservas e exportações mundiais; encontram-se localizados em uma mesma faixa regional, que abrange o Oriente Médio e do Norte da África; e tem como seus principais mercados consumidores regiões longínquas, como o Leste Asiático, a América do Norte e a Europa, que apesar de não ser geograficamente distante do Norte da África, é separada das reservas do Golfo Pérsico por chokepoints marítimos como os estreitos de Ormuz, Bab el-Mandeb e o Canal de Suez. Para cumprir o propósito desta pesquisa, propõe-se – a partir de uma análise teórica sobre segurança energética aplicada, exclusivamente, à dinâmica de relações e interesses dos países produtores e consumidores na geopolítica do petróleo – que, quando analisado o contexto da OPAEP, a segurança energética internacional possa ser alcançada a partir da garantia da ininterruptibilidade do fluxo petrolífero pelos chokepoints; da diversificação de fontes energéticas domésticas dos países árabes, o que lhes permitiria direcionar uma maior parcela da produtividade interna para o mercado global; e do papel da Arábia Saudita como produtor mundial de ajuste que atua como possível afiançadora do fornecimento internacional de petróleo.

Palavras-Chave: Petróleo – OPAEP – Segurança – Energia – Países Árabes

ABSTRACT The objective of this research is to investigate the concept of energy security, based on relations between nations involving oil, from the development of a study about Arab oil exporting countries affiliated to the Organization of Arab Petroleum Exporting Countries (OAPEC) . The choice of this Organization is important because its members concentrate a significant portion of the world's reserves and exports; they are located in the same regional strip, which covers the Middle East and North Africa; and its main consumer markets are distant regions, such as East Asia, North America and Europe, which although is not geographically distant from North Africa, is separated from the Persian Gulf reserves by maritime chokepoints such as Hormuz and Bab el-Mandeb straits and the Suez Canal. To fulfill the purpose of this research, it is proposed - from a theoretical analysis on energy security applied exclusively to the dynamics of relations and interests of producer and consumer countries in the geopolitics of oil - that, when analyzed the context of OAPEC, the international energy security can be achieved by guaranteeing the uninterrupted flow of oil throw the chokepoints; the diversification of domestic energy sources in the Arab countries, which would allow them to direct a greater share of domestic productivity to the global market; and the role of Saudi Arabia as the global swing producer that acts as a possible guarantor of international oil supply.

Keywords: Oil - OAPEC - Security – Energy – Arab Countries

LISTA DE ABREVIATURAS

AGP Arab Gas Pipeline AIE Agência Internacional de Energia AIER Agência Internacional de Energia Renovável AIEA Agência Internacional de Energia Atômica AMPTC Arab Maritime Petroleum Transport Company ANP Agência Nacional do Petróleo APICORP Arab Petroleum Investments Corporation APOC Anglo-Persian Oil Company APSCO Arab Petroleum Services Company APTI Arab Petroleum Training Institute ARAMCO Arabian American Oil Company ASRY Arab Shipbuilding and Repair Yard Company BP British Petroleum bpd Barris por Dia CAE Conferência Árabe de Energia CASOC California-Arabian Standard Oil CE Comunidade Europeia CIJ Corte Internacional de Justiça CIA Central Intelligence Agency CIP Companhia de Petróleo do Iraque CNT Conselho Nacional de Transição CNUDM Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar COVID-19 Novo Coronavírus EAU Emirados Árabes Unidos EI Estado Islâmico EIA Energy Information Administration EJs Exajoules EUA Estados Unidos da América FIE Fórum Internacional de Energia FLN Frente de Libertação Nacional FMI Fundo Monetário Internacional

GNL Gás Natural Liquefeito GWh Gigawatt-hora IPSA Iraqi Pipeline in Saudi Arabia IRGCN Iranian Revolutionary Guard Corps Navy IRIN Islamic Republic of Iran Navy JODI Joint Oil Data Initiative KACARE King Abdullah City for Atomic and Renewable Energy m3 Metros Cúbicos mbpd Milhões de Barris por Dia MW Megawatts OCI Organização para a Cooperação Islâmica OI Organização Internacional OMI Organização Marítima Internacional ONU Organização das Nações Unidas OPAEP Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte PIB Produto Interno Bruto REAOL Renewable Energy Authority of Libya REPDO Renewable Energy Project Development Office SOCAL Standard Oil of California TWh Terawatt-hora União Europeia UE UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development VAT Value-Added Tax WNA World Nuclear Association ZEE Zona Econômica Exclusiva

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Disposição geográfica dos países da OPAEP ...... 53 Figura 2 – Chokepoints marítimos internacionais ...... 54 Figura 3 – Principais rotas de trânsito marítimo de GNL ...... 55 Figura 4 – Dutos no Golfo Pérsico ...... 56 Figura 5 – Dutos internacionais no Norte da África ...... 59 Figura 6 – Arab Gas Pipeline ...... 60 Figura 7 – Dolphin Pipeline ...... 61 Figura 8 – Fluxo global de petróleo em 2019 em milhões de toneladas ...... 114 Figura 9 – Mapa ilustrativo do subcomplexo de chokepoints ...... 131 Figura 10 – Sistema de separação de tráfego marítimo no estreito de Ormuz ...... 144 Figura 11 – Sistema de separação de tráfego marítimo na entrada do Golfo Pérsico ...... 148 Figura 12 – Estruturas petrolíferas da Península Arábica alvejadas por grupos não estatais em 2019 ...... 151 Figura 13 – Sistema de separação de tráfego marítimo no estreito de Bab el- Mandeb ...... 154 Figura 14 – Objetivo de composição da matriz energética do Egito para 2035 ...... 196

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Reservas de petróleo dos países da OPAEP em bilhões bpd ...... 62 Gráfico 2 – Reservas de gás natural dos países da OPAEP em trilhões de metros cúbicos (m3) ...... 63 Gráfico 3 – Consumo mundial de petróleo x energia primária em EJs (1974-2019) ...... 98 Gráfico 4 – Geração mundial de energia elétrica por fontes em terawatt-hora (TWh) ...... 99 Gráfico 5 – Consumo mundial de petróleo por setor econômico (1973 e 2016) ...... 100 Gráfico 6 – Importação de petróleo dos EUA por país de origem (1975-2018) ...... 117 Gráfico 7 – Volume estimado petróleo que atravessou o estreito de Bab el- Mandeb em mbpd (2011-2018) ...... 157 Gráfico 8 – Ataques de piratas próximos aos estreito de Bab el-Mandeb ...... 159 Gráfico 9 – Quantidade e média de navios mercantes que atravessaram o Canal de Suez (2011-2019) ...... 166 Gráfico 10 – Volume de petróleo cru e derivados que atravessou o Canal de Suez e o SUMED em mbpd (2012 -2018) ...... 168 Gráfico 11 – Volume de petróleo cru e derivados que atravessou o SUMED em mbpd (2011 -2018) ...... 168 Gráfico 12 – Comparação do fluxo de GNL produzido no Catar e em outros países que atravessou o Canal de Suez no sentido sul-norte em toneladas (2011- 2019) ...... 171 Gráfico 13 - 25 maiores subsidiadores mundiais de combustíveis fósseis em porcentagem do PIB no ano de 2019 ...... 217 Gráfico 14 – Subsídios de combustíveis fósseis em milhões de dólares (2010- 2019 ...... 218 Gráfico 15 – Participação, por país, na produção de petróleo da OPAEP em 1973 ...... 237 Gráfico 16 – Comparativo de produção petrolífera em mbpd: Arábia Saudita X Líbia (jan. 2011-jan. 2012) ...... 243

Gráfico 17 – Evolução do preço do petróleo em dólares para o WTI e o Brent (2000-2011) ...... 244 Gráfico 18 – Evolução do preço do petróleo em dólares para o WTI e o Brent (2011) ...... 244 Gráfico 19 – Consumo mundial de energia por fonte energética em EJs (1981- 1985) ...... 250 Gráfico 20 – Relação produção-consumo de petróleo da Arábia Saudita em mbpd (2001-2019) ...... 277 Gráfico 21 – Consumo de petróleo e gás natural da Arábia Saudita em EJs (2001- 2019) ...... 278

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Navios atacados por ano durante a Guerra Irã-Iraque no período 1981-1987 ...... 89 Tabela 2 – Volume estimado petróleo por chokepoint em mbpd (2011-2016) 145 Tabela 3 – Volume estimado petróleo que atravessou o estreito de Ormuz em mbpd (2014-2018) ...... 145 Tabela 4 – Volume estimado petróleo que atravessou o estreito de Bab el- Mandeb em mbpd (2011-2016) ...... 157 Tabela 5 – Volume de petróleo cru, derivados e GNL que atravessou o Canal de Suez e o SUMED em mbpd (2011-2016) ...... 167 Tabela 6 – Tráfego marítimo sul-norte pelo Canal de Suez de petróleo bruto e derivados (2011-2019) ...... 170 Tabela 7 – Tráfego marítimo norte-sul pelo Canal de Suez de petróleo bruto e derivados (2011-2019) ...... 172 Tabela 8 – Produção e consumo de petróleo de membros da OPAEP em milhares de bpd (2006-2018) ...... 181 Tabela 9 – Exportação e importação de petróleo de membros da OPAEP em milhares de bpd (2006-2018) ...... 183 Tabela 10 – Produto Interno Bruto (PIB) dos membros da OPAEP em milhões de dólares (2010-2017) ...... 185 Tabela 11 – Parcela do PIB referente à exportação de petróleo cru dos membros da OPAEP em milhões de dólares (2010-2017 ...... 185 Tabela 12 – Porcentagem da exportação de petróleo cru dos membros da OPAEP em relação ao PIB (2010-2017) ...... 186 Tabela 13 – Geração de energia elétrica dos países membros da OPAEP em Gigawatt-hora (GWh) (2010-2018) ...... 192 Tabela 14 – Consumo de energia elétrica dos países membros da OPAEP em GWh (2010-2018) ...... 192 Tabela 15 – Importação de petróleo dos EUA em mbpd (1975-2018) ...... 270 Tabela 16 – Importação de petróleo dos EUA originado da Arábia Saudita (1975- 2018) ...... 270

SUMÁRIO Introdução ...... 16

Capítulo I – OPAEP e a Geopolítica do Petróleo no Oriente Médio Considerações iniciais ...... 34 1. A criação da OPAEP e o petróleo como recurso de integração econômica regional ...... 35 2. O uso político do petróleo na crise de 1973 ...... 40 3. Petróleo como instrumento político de poder pelos países árabes: um caso de sucesso ou de fracasso? ...... 45 4. A importância geopolítica da OPAEP no mundo contemporâneo ...... 50 5. Estrutura organizacional e resultados da cooperação no âmbito da OPAEP ...... 64 6. OPAEP e cooperação: Uma OI de compliance ou enforcement? ...... 71 Considerações finais ...... 79

Capítulo II – O Conceito de Segurança Energética Considerações iniciais ...... 81 1. Análise de casos de interrupção do fluxo petrolífero em países da OPAEP a partir de guerras regionais pós-1973 ...... 83 1.1. A Guerra Irã-Iraque (1980-1988) ...... 85 1.2. Guerra do Golfo (1990-1991) ...... 90 2. Conceituando segurança energética ...... 94 3. O petróleo e a interdependência complexa ...... 108 3.1. OPAEP e mercados consumidores ...... 113 3.2. FIE e o diálogo entre produtores e consumidores ...... 119 Considerações finais ...... 124

Capítulo III – A Segurança do Fluxo no Subcomplexo Regional de Chokepoints do Oriente Médio Considerações iniciais ...... 126 1. OPAEP e o subcomplexo regional de chokepoints no Oriente Médio . 127 2. Os estreitos e a CNUDM ...... 132

3. Regime internacional de navegação pelo subcomplexo regional de chokepoints no Oriente Médio ...... 137 4. O estreito de Ormuz ...... 142 5. O estreito de Bab el-Mandeb ...... 152 6. O Canal de Suez ...... 161 Considerações finais ...... 174

Capítulo IV – Diversificação de Fontes Energéticas nos Países da OPAEP Considerações iniciais ...... 177 1. Produção e consumo de petróleo e gás natural nos países da OPAEP ...... 178 2. Diversificação de fontes energéticas no contexto da OPAEP ...... 189 2.1. Norte da África ...... 193 2.2. Oriente Médio Mesopotâmico ...... 198 2.3. Península Arábica ...... 202 3. Desafios à diversificação da energia no âmbito da OPAEP ...... 212 Considerações finais ...... 226

Capítulo V – Arábia Saudita: Afiançadora da Segurança Energética Internacional? Considerações iniciais ...... 228 1. O inícios da indústria petrolífera na Arábia Saudita ...... 229 2. A Arábia Saudita detém o poder do petróleo ...... 234 3. A aplicação do poder do swing producer ...... 237 3.1. Modo repositor ...... 240 3.2. Modo estabilizador ...... 245 3.2.1. Crise de preços 1982-1985 ...... 245 3.2.2. Crise financeira de 2008 ...... 251 3.3. Modo punitivo ...... 255 3.3.1. Guerra de preços: Doha 1976 ...... 256 3.3.2. Crise de preços 1985-1986 ...... 263 4. A Arábia Saudita continuará a influenciar o mercado global no futuro? ...... 268 4.1. Disputa de mercado com novos concorrentes ...... 268

4.2. A ameaça do cerco xiita ...... 272 4.3. O limite interno de produção ...... 274 4.4. Consumo doméstico de petróleo ...... 277 Considerações finais ...... 283

Conclusão ...... 285 Referências ...... 293

16

Introdução

O objetivo desta pesquisa é investigar o conceito de segurança energética para o caso específico do petróleo e as interações de exportadores e importadores desse recurso em âmbito internacional. Com a finalidade de atender esse objetivo, a delimitação espacial deste estudo foi concentrada nos Estados árabes membros da Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP) e sua delimitação temporal foram as duas primeiras décadas do século XXI. Mesmo assim, em diferentes ocasiões foram apresentadas e analisadas situações históricas do século XX, uma vez que contribuíram para desdobramentos do século XXI. Embora não haja uma definição teórica, ou conceitual, singular e específica do que possa ser realmente entendido como segurança energética no que diz respeito aos interesses e das relações internacionais envolvendo o mercado global de petróleo, pelo fato de cada Estado, organização internacional, ou empresa do setor compreender tal ideia conforme suas condições e necessidades particulares, este trabalho apresenta uma opção de interpretação que leva em consideração fatores inerentes tanto para os produtores quanto para os consumidores desse recurso. Desse modo, para atender o propósito da pesquisa, este estudo relacionado à segurança energética para o caso exclusivo do petróleo, considera como essencial ao seu desenvolvimento uma análise aproximada do conceito de segurança energética apresentado pelo norte-americano Daniel Yergin, que já serviu seu país como conselheiro de assuntos relacionados à energia. Ao publicar um artigo na revista Foreign Affairs, no ano de 2005, Yergin afirmou que a ideia de segurança energética, para o caso do petróleo, deve ser definida levando em conta tanto o ponto de vista dos países consumidores, que dependem da disponibilidade do petróleo a preços acessíveis para importação, quanto o dos produtores, muitos dos quais dependem da comercialização do petróleo no mercado externo para angariar receitas e garantir a estabilidade econômica interna:

Embora no mundo desenvolvido a definição usual da segurança energética seja simplesmente a disponibilidade de um 17

abastecimento suficiente a preços acessíveis, diferentes países interpretam o que o conceito significa para eles de maneiras diferentes. Os países exportadores de energia se concentram em manter a "segurança da demanda" para as suas exportações, que, afinal, geram a parcela esmagadora de suas receitas de governo (YERGIN, 2005, p. 70,71. Tradução nossa).

A definição de segurança energética elaborada por Yergin busca mostrar que, no que diz respeito à geopolítica do petróleo, existem duas grandes forças que moldam a dinâmica do mercado de energia: a segurança da oferta, de interesse dos Estados consumidores, e a segurança da demanda, de interesse dos produtores. É com base nas relações entre ambos os polos que é possível observar um sistema, ora de disputas, ora de cooperação, pela manutenção de um fluxo ininterrupto de hidrocarbonetos no cenário internacional. Nesse contexto, por mais que demandantes e ofertantes sejam as forças de referência, é reconhecida, também, a existência dos interesses de empresas multinacionais do setor, tais como as grandes companhias das indústrias petroquímica, farmacêutica e em certos casos da automobilística, cujos produtos dependem da estabilidade ou instabilidade do fluxo para que seus preços finais sejam moldados. Todavia, é importante deixar claro que por questão de metodologia o escopo da pesquisa aqui realizada privilegiará os interesses dos Estados e das organizações internacionais (OIs), tratando as questões ligadas às empresas multinacionais de forma secundária. Desse modo, o objetivo geral da pesquisa consiste na análise da dicotomia da segurança energética, considerando aspectos de crises do petróleo a partir da década de 1970, no século XX, e buscando desenvolver uma compreensão mais próxima da singularidade acerca da segurança da energia para o século XXI. Para tanto, privilegiou-se trabalhar com os países exportadores de petróleo da OPAEP porque, em conjunto, eles concentram em seus territórios uma parcela significativa das reservas, produção e exportações mundiais; encontram-se localizados em uma mesma faixa regional, que abrange o Oriente Médio e o Norte da África, onde todos eles compartilham uma massa horizontal de fronteiras ininterruptas; e porque tem como seus principais mercados consumidores regiões longínquas, como o Leste Asiático, a América do Norte e a Europa, que apesar de não ser geograficamente distante do Norte da África, é separada das reservas do Golfo Pérsico por chokepoints marítimos, 18 também conhecidos como pontos de estrangulamento, como os estreitos de Ormuz, Bab el-Mandeb e o Canal de Suez. Trabalhar com a OPAEP é também importante porque permite analisar os países árabes exportadores de petróleo do Oriente Médio e do Norte da África em bloco. Ainda assim, esta tese não deixou de abordá-los de forma individual em diferentes ocasiões, como pode ser observado no capítulo 4, por exemplo. Além disso, os países da OPAEP, conforme o British Petroleum Statistical Review of World Energy 2020, desde sua fundação em 1968, somados sempre produziram mais de 20% do total da produção mundial de petróleo. A exceção foi em 1985, quando produziram 18,9%. Como pode ser observado no capítulo 5, o ano de 1985 foi quando a Arábia Saudita, atuando como swing producer estabilizador, produziu menos petróleo do que poderia fornecer ao mercado. Isso de deu de forma voluntária pelo governo em Riad para defender o preço do barril estabelecido pela OPEP. Essa discussão é melhor examinada no subtópico 3.2.1 do capítulo 5. Assim, é possível inferir que se os sauditas permanecessem produzindo e exportando normalmente a exceção aqui apontada possivelmente não existiria. Assim, os objetivos específicos deste estudo são três, os quais consistem em: 1) investigar dados estatísticos e ameaças envolvendo as principais rotas marítimas por onde transita o fluxo internacional do petróleo prospectado no âmbito da OPAEP, cujos principais destinos são os mercados longínquos do Leste Asiático, da América do Norte e Europa; 2) atentar para os riscos geopolíticos ao fluxo de petróleo por conta do crescente consumo doméstico de hidrocarbonetos nos países árabes afiliados à OPAEP e para os projetos de fontes complementares de energia adotados por esses atores a fim de direcionar a maior parte de suas produções internas para o mercado global; e 3) avaliar o papel do Reino da Arábia Saudita e sua propensão de asseguradora da estabilidade do mercado petrolífero por meio de sua capacidade de forçar os preços do barril para cima, através de cortes de produção, e para baixo, através da habilidade de produzir mais petróleo do que o padrão nacional, recorrendo ao artifício da capacidade produtiva ociosa. Os objetivos específicos desta tese foram transformados em capítulos devido à complexidade e à profundidade de análise que todos eles requerem. 19

A peculiaridade deste trabalho se justifica na multidisciplinaridade buscada a partir da convergência de três importantes áreas do conhecimento: a História, as Relações Internacionais e a Geopolítica. Todas elas contribuíram para o desenvolvimento e o aprofundamento do estudo da relação do petróleo com a segurança da energia em âmbito global. Ademais, esta pesquisa visa contribuir com as Ciências Militares por meio de uma abordagem científica voltada para questões de geopolítica e segurança internacional em torno do petróleo, que além de um recurso estratégico, pode ser de igual modo considerado como um elemento de poder de caráter e natureza estratégica tanto para os Estados que o produzem e exportam quanto para aqueles que o consomem através da importação. Nessa perspectiva, é possível encontrar no capítulo 3 elementos de análise geopolítica e de segurança internacional quando este trabalho se propõe a trabalhar os chokepoints marítimos da região da OPAEP a partir da lente teórica do complexo de segurança regional desenvolvida por Barry Buzan e Ole Waever, que é melhor discutida abaixo no subtópico do referencial teórico e no próprio capítulo. Já no capítulo 4, são trabalhadas as estratégias dos dez afiliados à OPAEP para reduzir sua dependência do consumo interno de petróleo e, assim, manterem sua relevância geopolítica como fornecedores seja no âmbito global ou até mesmo no regional. Vale deixar claro, no entanto, que alguns países dessa OI possuem um peso maior do que outros quando se trata exclusivamente da geopolítica do petróleo. Isso porque alguns deles têm maior atuação nesse sentido devido à capacidade de produção, exportação e volume de reservas, por exemplo, como é o caso da Arábia Saudita. Ainda no que tange à contribuição para as Ciências Militares, o capítulo 5 trata justamente sobre a estratégia saudita de atuação como swing producer global com o emprego do petróleo como instrumento de poder. Aliás, para a Arábia Saudita, o petróleo além de ser uma de suas principais fontes de receitas governamentais – que lhe proporciona meios financeiros para investir em diferentes setores internos como o de Defesa – é também um elemento de projeção internacional que fortalece sua relevância geopolítica entre os países árabes, nas regiões do Oriente Médio e do norte da África e, de igual forma, em outras regiões do mundo. 20

Aliado a isso, a originalidade da pesquisa se dá pelo fato de se propor uma análise da segurança energética a partir dos pontos de vista dos países produtores e consumidores de petróleo. Dessa forma, foi elaborada uma comparação dos interesses dos dois grupos de países a partir dos países árabes da OPAEP como objeto central do trabalho, tendo em vista que os mesmos são alguns dos mais importantes major players do setor petrolífero no que se refere ao volume de produção, reservas e formulação de preços do recurso devido, especialmente, às suas movimentações políticas, no âmbito da própria organização árabe, bem como da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e de suas relações com agências de países importadores de petróleo, a exemplo da Agência Internacional de Energia (AIE). O estudo do tema é relevante para a academia brasileira porque o Brasil é consumidor e, em menor grau, concorrente de alguns Estado afiliados à OPAEP. Segundo o Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2020, publicado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), cerca de 41,5% do petróleo importado por dia pelo Brasil em 2019 foi proveniente do Oriente Médio e 39,5% do continente africano. Somente da Arábia Saudita o Brasil importou aproximadamente 36% do petróleo adquirido no exterior, sendo seguida pela Argélia com 23% do total. Ambos são Estados membros da OPAEP. Ainda no que diz respeito ao relatório da ANP, vale destacar que a importação brasileira reduziu significativamente em relação aos primeiros cinco anos da década de 2010. Em 2011 foram importados 121.273 milhões de barris por dia (mbpd) e em 2019 foram em média 69.084 mbpd. Uma redução de aproximadamente 43% em relação ao princípio da década. A Arábia Saudita se tornou o principal parceiro exportador para o Brasil a partir de 2016 e a Argélia no segundo principal em 2017. Os dois países da OPAEP passaram a frente da Nigéria, país esse que até 2015 era o maior exportador de petróleo para o Brasil. (Agência Nacional do Petróleo, 2020, p. 121). A necessidade de importação é um dos fatores que torna o Brasil sensível em situações de redução de fornecimento e de interrupção do fluxo internacional. Somado a isso, alterações bruscas do preço do petróleo cru e de derivados podem prejudicar, do ponto de vista econômico, a produção interna em períodos de desvalorização do barril. Dessa forma, pode-se afirmar que em um contexto 21 de interdependência, o Brasil também é afetado positiva ou negativamente pela escassez ou liquidez de petróleo no mercado internacional.

Referencial Teórico Neste tópico referente ao quadro teórico são apresentados conceitos e definições de suma importância para a construção do conteúdo do estudo aqui desenvolvido. Os conceitos trabalhados na pesquisa são: segurança energética, interdependência complexa; subcomplexo regional e swing producer, que em português também se traduz de uma forma livre como produtor de ajuste. Segurança energética é um conceito que aceita tipos diversos de definição, pois a visão que se tem desse conceito depende da perspectiva particular dos atores que pretendem assegurá-la. Os principais atores da política internacional do petróleo e dos hidrocarbonetos em geral são os Estados produtores, Estados consumidores, Estados de trânsito, OIs e companhias públicas ou privadas que operam no setor energético. Nesta tese, porém, privilegiou-se as interações internacionais envolvendo Estados e OIs, enquanto as empresas multinacionais, ficaram em segundo plano. Conforme levantado no primeiro item desta introdução, Daniel Yergin defende que quando se tratar de segurança energética, os interesses dos países consumidores e produtores de petróleo devem ser levados em consideração, de modo que os países produtores pensam a segurança energética como a segurança da demanda, enquanto os consumidores pensam na garantia da oferta. No ano de 2006, em Londres, um ano após a publicação do artigo de Yergin na Foreign Affairs, o nigeriano Mohammed Barkindo1, representando o então Secretário-geral da OPEP Edmund Daukoru, em um discurso sobre a perspectiva global da segurança energética, proferiu algo na mesma linha de pensamento do autor norte-americano, afirmando o seguinte: “a segurança energética deve ser recíproca. É uma via de mão dupla. A segurança da procura é tão importante para os produtores, como a segurança do abastecimento é para os consumidores (...)”.

1 Barkindo assumiria o posto de Secretário-geral da OPEP dez anos depois, em 2016, e até a finalização desta tese ainda permanecia no cargo. 22

Nesse mesmo enquadramento, em 2014, na Grécia, em uma conferência que tratou sobre o fortalecimento político e dos negócios entre a Europa e os países árabes, o então Secretário-geral da OPAEP, Abbas Ali al-Naqi, defendeu o ponto de vista dos dois grupos de países ao definir o conceito de segurança energética como “a segurança do abastecimento e da demanda” acrescentando que “a segurança reside na estabilidade de todo o mercado, para o benefício dos países produtores e consumidores”. Para ele, “a necessidade de reforçar a segurança energética tem que ser vista tanto do ponto de vista da oferta quanto da demanda, que deveriam apoiar-se mutuamente” (AL-NAQI, 2014). Sob uma perspectiva um pouco mais generalista, pode-se deduzir que o conceito de segurança energética esteja intrinsicamente ligado à preocupação com a interrupção do fluxo; ao desvio da distribuição de recursos energéticos; à variação de preços provocada pela escassez ou abundância dos mesmos recursos no mercado; e à disponibilidade deles no comércio internacional para que o acesso às fontes de energia não seja prejudicado colocando em risco a estabilidade do setor energético. Dessa forma, é possível inferir que a principal preocupação refletida pela ideia de segurança da energia, tendo por pressuposto uma visão macro do assunto, seria a continuidade da provisão de suprimentos energéticos ininterruptos no âmbito internacional, pois sem acesso a grandes quantidades de fontes de energia para processos de produção, transporte e consumo doméstico, nenhuma economia industrializada poderia subsistir. Yergin (2005, p.75) propõe que o atual sistema de segurança energética, criado em decorrência do Choque do Petróleo de 1973, é uma resposta coordenada entre os países industrializados para assegurar a colaboração mútua entre eles e deter qualquer uso futuro de uma “arma do petróleo” por parte dos exportadores. No entanto, a questão da segurança energética não diz respeito somente aos países que dependem da importação de petróleo, mas também aos Estados exportadores, que se preocupam com a segurança da demanda futura, pois para eles é de suma importância manter um alto nível de exportações a fim de garantir uma renda sustentável, uma vez que é a renda oriunda da comercialização do petróleo que gera grande parte das receitas governamentais desses países. Assim, o conceito de segurança da energia deve ser analisado sob a ótica dos consumidores e produtores, bem como dos elementos que tornam comum 23 os interesses de ambos os extremos, pois esses dois grupos de países, assim como os demais atores, procuram estabelecer medidas de segurança para atender e fazer valer seus interesses. Os Estados consumidores, dependentes do petróleo produzido no exterior, procuram assegurar o acesso aos recursos energéticos a um preço acessível, enquanto os Estados produtores, muitos dos quais dependentes da exportação de petróleo, buscam garantir a demanda externa para conseguir recursos financeiros. Dentro desse contexto de interdependência complexa, não é de interesse nem de um nem de outro lado que haja interrupção em nenhuma das etapas do ciclo energético (que compreende basicamente extração, refino, transporte e comercialização), a não ser em casos em que o petróleo se torne em um instrumento de poder para a política externa de determinado país com o intuito de forçar alguma das partes a se curvar às suas exigências e/ou interesses em dada situação. A interdependência complexa – que assim como o conceito de segurança energética são debatidos com maior profundidade no capítulo 2 – conforme Keohane e Nye Jr. (2011, p. 7-9), pode ser compreendida como uma grande rede através da qual os protagonistas ou os acontecimentos em diferentes partes de um sistema afetam-se mutuamente, isto é, uma situação de dependência entre as nações que mistura tanto questões internas quanto externas. Dentro da concepção dos autores, um evento importante na história do petróleo como o Choque de 1973, pode ser percebido no âmbito dessa perspectiva, já que o fato alterou a balança de poder internacional em relação ao recurso, pois antes do Choque a taxa de produção e o preço da comercialização do barril eram determinados pelas grandes companhias do setor, porém nos anos conseguintes à crise, tanto o volume de produção quanto a determinação dos preços ficaram sob controle dos países produtores concentrando-se principalmente nas mãos da OPEP. O conceito de interdependência é relevante porque insere no contexto de análise do sistema internacional atores não exclusivamente estatais, abrindo espaço para inclusão de OIs, como a OPEP e a própria OPAEP. Nesse sentido, Bahgat declara que em determinados países, acontecimentos como crises econômicas, guerras entre Estados ou guerras civis geram impactos negativos que refletem nos produtores e consumidores de petróleo. Ele ainda explica que a segurança energética faz parte de um amplo padrão que envolve as relações 24 entre as nações, de modo que assegurá-la não é, e nem pode ser, competência individual de um único ator internacional (BAHGAT, 2011, p. 16; 214). No que tange ao conceito de subcomplexo regional, Buzan e Waever (2003, p. 43) defendem que o nível regional é o mais apropriado para uma análise de segurança internacional. Aqui, é importante deixar claro que os autores trabalham com uma abordagem exclusivamente de segurança e não de mercado. Entretanto, como a interrupção do fluxo de petróleo pelo bloqueio de rotas comerciais é também uma questão se segurança energética, a ideia de complexo regional oferece um escopo teórico para unir os dois: segurança e mercado. A partir disso, a região da OPAEP dividida no capítulo 1 em Norte da África, Oriente Médio Mesopotâmico e Península Arábica, por conta de características geográficas similares, recebeu uma nova subdivisão no capítulo 3 envolvendo os estreitos de Ormuz e Bab el-Mandeb e o Canal de Suez. Assim, como tais rotas guardam aspectos semelhantes na geopolítica do petróleo, essa nova subdivisão passou a ser referenciada nesta tese como o subcomplexo regional de chokepoints do Oriente Médio, respeitando os limites da teoria formulada por Buzan e Waever como pode ser observado abaixo:

Para se qualificar como um complexo de segurança regional, um grupo de Estados ou outras entidades deve possuir um grau de interdependência de segurança suficiente para estabelecê-los como um conjunto vinculado e para diferenciá-los das regiões de segurança vizinhas. (...). Nos termos da teoria dos complexos regionais de segurança, os complexos regionais de segurança se definem como subestruturas do sistema internacional pela intensidade relativa da interdependência de segurança entre um grupo de unidades e a indiferença de segurança entre esse conjunto e as unidades vizinhas (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 47-48).

O limites teóricos são respeitados em primeiro lugar porque em certa medida os estreitos mencionados são interdependentes e o fechamento de um pode interferir no tráfego marítimo de outro. Se Suez for bloqueado possivelmente menos petroleiros atravessarão Bab el-Mandeb, por exemplo. Em segundo lugar, o subcomplexo dos chokepoints é também uma subestrutura do sistema internacional e da geopolítica do petróleo pelo grande volume de carga diário que atravessa suas rotas marítimas – em torno de um quinto da produção petrolífera mundial – o que também o configura como fator de interdependência 25 com outras regiões do globo. Já a indiferença entre esse subcomplexo e unidades ou regiões vizinhas não foi possível medir, visto que dependeria de aspectos particulares de diferentes países de diferentes regiões, o que fugiria do objetivos principal da tese. A impossibilidade de que um único ator possa assegurar a segurança energética – como argumentado por Bahgat antes da discussão sobre a teoria do complexo regional – é entendida como uma afirmação coerente e é aceita pelo autor desta pesquisa. Todavia, se um ator não pode assegurar a segurança energética, poderia ele atuar como fiador dela para produtores e consumidores em situações de crise? Esse é um questionamento que envolve o conceito de swing producer, presente no capítulo 5, cujo propósito é discutir o papel da Arábia Saudita como afiançadora da segurança energética internacional. Seria esse país árabe o ator que cumpre essa função na política internacional do petróleo? O termo swing producer diz respeito a um grande produtor de commoditty que detém um grande volume de reservas comprovadas, bem como capacidade de produção e de exportação superior ao de seus concorrentes ou parceiros e que pode influenciar significativamente os rumos do mercado internacional forçando os preços para baixo, quando produz em plena capacidade e libera estoques, ou para cima quando corta produção. Dois dos principais desenvolvedores da ideia de swing producer foram John D. Morecroft e Kees van der Heijden, que enxergaram na Arábia Saudita o país exportador de petróleo que atua como o produtor mundial de ajuste ao publicarem, em 1990, o artigo com o título de Modelling the Oil Producers. De acordo com os dois autores, o swing producer atua de duas formas diferentes, isto é, atuam ora como estabilizador de preços e ora cumprindo um papel coercitivo. O papel estabilizador seria o padrão natural de atuação para manter os preços em um nível aceitável, enquanto o coercitivo seria para punir outros produtores que apoiam e se beneficiam de preços altos do barril que, no médio ou longo prazo, prejudicam as exportações de petróleo abrindo margem para o investimento de concorrentes no setor, sejam eles novos potenciais exportadores de petróleo ou produtores de outras fontes de energia que possam cumprir papel similar ao do petróleo. 26

No capítulo 5, esta pesquisa considera um terceiro papel do swing producer, que é o de repositor, ou seja, ele completa a oferta de petróleo de algum Estado que, por motivos econômicos ou por conta de conflitos internos ou externos, se tornam incapazes de exportar sua própria produção. Ademais, é mencionado que além de atuar como estabilizadora, punidora e estabilizadora, a Arábia Saudita também emprega o petróleo como instrumento de política externa para fazer valer seus interesses nacionais, aplicando-o em forma de hard power, quando impõe embargos suspendendo a comercialização com um determinado país, ou como soft power, quando é benevolente exportando sua produção com valor abaixo da cotação padrão visando ganhos futuros. Entretanto, a aplicação do hard e do soft power saudita nesse sentido são enquadrados como ferramentas políticas e não como um exercício de poder atuando como swing producer. As ideias de hard e soft power para o petróleo saudita foram usadas levando em consideração a conceituação de Keohane e Nye Jr. (2011, p.216) que concebem o significado de poder como a capacidade de determinado ator obter os resultados que almeja por meio da utilização dos seus recursos. Nesse contexto, os autores criam uma subdivisão da ideia em hard power e soft power. O primeiro é definido como a capacidade de levar os outros a fazerem o que de outra forma não fariam, através da ameaça de punição ou promessa de recompensa, seja por meio de instrumentos econômicos ou militares. Já o segundo diz respeito à habilidade de se alcançar os resultados desejados através da atração ou convencimento, ao invés da coerção. O conceito de poder pode ser compreendido como a capacidade de persuasão ou influência que determinado ator pode exercer sobre outro para mudar seu comportamento seja pelo uso da força, por estímulos ou pela cooptação como é o caso do hard e soft power acima mencionados. Vale ressaltar que a discussão sobre poder não relacionada ao conceito de swing producer não é tema central desta pesquisa.

Hipótese: Como já visto, a política internacional do petróleo e as relações de interdependência entre os atores internacionais estatais e não-estatais são objetos de análise para o desenvolvimento da ideia de segurança energética 27 proposta. Para que o desenvolvimento do tema da pesquisa seja fundamentado, serão trabalhadas as hipóteses enumeradas abaixo:

I. O que se entende por segurança energética deve ser considerado a partir da perspectiva dos pontos de vista dos países consumidores e produtores de petróleo e daquilo que torna comum seus interesses. De forma que, se forem examinadas as perspectivas apenas de uma ou outra parte, o resultado será incompleto, haja vista que para o primeiro grupo é importante que a segurança da oferta seja estável e para o segundo grupo o fator mais importante é garantir a solidez da demanda. Assim, é sugerido que os interesses dos dois conjuntos de países sejam, na prática, complementares;

II. Apesar de admitirmos que a concepção de segurança energética dependa da visão de cada país sobre sua dependência em relação ao petróleo; sob o ponto de vista das relações de interdependência no contexto internacional o referido conceito pode efetivamente ser compreendido a partir de três fatores, sendo o primeiro a preocupação em evitar a interrupção do fluxo contínuo de energia em rotas estratégicas como os estreitos de Ormuz, Bab el-Mandeb e Canal de Suez a fim de que a estabilidade do ciclo energético seja mantida e, consequentemente, os mercados e os preços. O segundo diz respeito à diversificação das fontes de energia interna nos países produtores da OPAEP para que a oferta para o mercado externo seja mantida e, consequentemente, a demanda dos países importadores. Por fim, o terceiro tem a ver com influência saudita no mercado e na política internacional como fiadora da estabilidade do fluxo petrolífero para exportadores e importadores.

III. Nenhuma medida pode oferecer a garantia de segurança energética. O máximo que se pode alcançar é um maior nível de redução de riscos. Portanto, quem controla o fluxo tem maior 28

capacidade de diminuir seus níveis de insegurança. O controle ocorre quando um ator (consumidor ou produtor) tem recursos estratégicos de natureza política, econômica ou militar capazes de influenciar outro ator a responder ou se comportar conforme seus interesses, de modo que a manutenção do fluxo seja garantida ou interrompida de acordo com sua estratégia para determinada situação.

Referencial Metodológico Para uma eficiente demonstração da relevância das hipóteses propostas no tópico anterior, é necessário compreendermos a importância do petróleo para o mundo contemporâneo. Segundo o British Petroleum Statistical Review of World Energy 2020, o petróleo é a fonte de energia mais consumida do mundo. Somente no ano de 2019, por exemplo, o recurso respondeu por cerca de 34% do total consumido, seguido pelo carvão, gás natural e energia hídrica com 27%, 24% e 6%, respectivamente. Todos valores aproximados. Outras fontes energéticas como a nuclear e renováveis foram responsáveis por 9% do todo. Nesse mesmo ano a OPAEP respondeu por mais de 30% do total da produção petrolífera mundial. O petróleo é considerado como uma commodity fungível, ou seja, apesar de haver diferenças quanto à sua composição química em diversas regiões, o mesmo é largamente permutável, de forma que a diferença de preços entre o petróleo mais leve, produzido na Arábia Saudita e o mais pesado, produzido no Brasil, ocorre mais por conta do custo de produção do que pela constituição básica do produto. Apesar disso, é essencial e relevante afirmar que as propriedades físico-químicas são essenciais na orientação do preço do barril de petróleo. Por outro lado, uma vez consumido, não é possível reaproveitá-lo ou fazê- lo tornar ao seu estado cru original, o que lhe caracteriza como um recurso finito e ao mesmo tempo estratégico. Dessa forma, para que se estabeleça uma padronização do preço do recurso, ou se aproxime dela, para o mercado não importa, necessariamente, a origem do barril, de sorte que os fatores que de fato influenciam a queda ou aumento dos preços é o volume da oferta ou da demanda no comércio internacional, ou seja, o volume do fluxo. Aqui, no entanto, é mais 29 uma vez importante frisar que o volume do fluxo e a origem do barril não anulam a precificação do barril por sua composição físico-química. Desse modo, a pesquisa aqui proposta caracteriza-se como um estudo de natureza qualitativa, pois esse tipo de abordagem tem por característica a obtenção de um resultado valorativo que permite compreender o significado da ideia de segurança energética em um contexto internacional que abranja tanto os interesses dos países produtores e consumidores de petróleo. Para atingir os objetivos da pesquisa, a metodologia empregada foi a de análise histórica através da pesquisa documental e de observação de casos. No que diz respeito à pesquisa documental, são examinados documentos governamentais e de OIs, como por exemplo memorandos e dados estatísticos fornecidos por fontes primárias diretamente ligadas à política internacional do petróleo. A relevância dos dados estatísticos se dá pelo fato da possibilidade de acompanhar a evolução de tendências e pela possibilidade de qualificar o presente e projetar o futuro. Alguns desses documentos e o porquê foram escolhidos podem ser conferidos no subtópico desta introdução que diz respeito ao corpus documental. A observação de casos, diferentemente do estudo de casos, não tem o propósito de analisar profundamente um determinado fato ou período histórico a fim de responder como e por que tal situação ocorreu, assim como seus antecedentes e suas consequências. Recorrer à observação de casos, neste estudo, tem por finalidade indicar como um fato histórico pode alimentar a teoria, isto é, procura averiguar a relação entre o fenômeno e perspectiva teórica, buscando, sobretudo, encontrar repetições ou padrões em situações históricas correlatas a fim de testar as hipóteses previamente citadas. Em vista disso, a pesquisa é estruturada em cinco capítulos da seguinte forma: no primeiro deles é feita uma apresentação da história da OPAEP e a sua significância no que diz respeito à integração regional no setor petrolífero; em seguida, é traçado um panorama histórico resumido do comportamento dos países pertencentes à organização em situações que influenciaram a geopolítica do petróleo, tais como o Choque do Petróleo de 1973; sua importância geopolítica; e os resultados da cooperação no setor energético que permanecem ainda no século XXI. 30

No segundo capítulo são discutidos alguns aspectos sobre o conceito de segurança energética, iniciando com a apresentação de casos de conflitos regionais que levaram à interrupção do fluxo petrolífero e que geraram preocupação quanto à disponibilidade de petróleo no mercado. Em seguida, é debatido o conceito propriamente dito, considerando os pontos de vista de produtores e consumidores, bem como seus interesses comuns e, por fim, é investigado como os atores se relacionam no ambiente internacional de interdependência complexa. O terceiro capítulo é dedicado à discussão sobre a segurança do fluxo internacional via chokepoints marítimos por onde é escoada a produção oriunda dos países árabes da OPAEP. Os chokepoints marítimos abordados nessa parte da pesquisa são o estreito de Ormuz, o estreito de Bab el-Mandeb e o Canal de Suez. Para isso, são apresentadas algumas características específicas do Direito internacional acerca do trânsito marítimo através de estreitos e canais aquaviários artificiais, com base na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), de 1982, e da Convenção de Constantinopla, de 1888. Ainda nesse capítulo, são analisados aspectos geográficos concernentes às rotas marítimas mencionadas e observados os riscos geopolíticos que podem levar à interrupção do fluxo, assim como algumas políticas de gerenciamento de riscos que possam ser aplicadas nesses possíveis cenários a fim de contornar ou minimizar os impactos sobre a comercialização do petróleo produzido no âmbito da OPAEP. No capítulo seguinte, que versa sobre a diversificação de fontes energéticas nos países da OPAEP, é abordada a relação de consumo dos dez países que compõem a OI árabe, bem como a importância do petróleo para sua economia e composição do Produto Interno Bruto, os planos nacionais para implementação de energia complementar de origem renovável ou nuclear e, depois, na parte final, são avaliados os principais desafios para a concretização do planejamento. Desafios esses que passam desde as caraterística de intermitência e diluição de renováveis como a energia solar e eólica, além da questão dos subsídios governamentais que facilitam o consumo de eletricidade e combustíveis. Para concluir, no quinto e último capítulo, são explorados o papel e a relevância do Reino da Arábia Saudita no contexto da geopolítica do petróleo. 31

Ali é também questionado se esse país seria o afiançador da segurança energética mundial devido ao seu peso no mercado petrolífero como swing producer. A discussão passa por características da indústria petrolífera saudita, pelo interesse dos EUA no país desde os último anos da Segunda Guerra Mundial, pelo período que esse país ultrapassou os norte-americanos em produção e passou a empregar o petróleo como instrumento de política externa aplicando o poder do swing producer nos modos repositor, estabilizador e punitivo. Por fim, é levantado um debate sobre a possibilidade de a Arábia Saudita permanecer influenciando o mercado global no médio e longo prazo no século XXI.

Apresentação do Corpus Documental Para empreender esta pesquisa fez-se necessário a análise de mapas, rotas comerciais marítimas e terrestres, bem como trabalhar com fontes estatísticas e documentais primárias de organizações intergovernamentais de países produtores e consumidores de petróleo, de organizações econômicas internacionais, de grandes companhias de petróleo e de governos. No que diz respeito às organizações intergovernamentais foram examinados documentos, dados estatísticos e histórico de preços da OPAEP, da OPEP, Fórum Internacional de Energia (FIE) e da AIE. Alguns exemplos disso são os OAPEC Annual Statistical Reports, da OPAEP, que são os principais documentos estatísticos produzidos pela organização e publicados anualmente. Todavia, tais publicações apresentam informações apenas de países árabes pertencentes ou não à OPAEP, o que não permite fazer comparações com outros países de outras regiões. Desse modo, foram também consultados dados da OPEP através dos Annual Reports, que também apresentam dados anuais sobre produção, porém, de forma diferente da OPAEP, a base estatística da OPEP não se restringe somente aos seus Estados membros ou a apenas uma região do globo, pois apresenta informações de diferentes países, o que inclui até mesmo os importadores. Por sua vez, o Key World Energy Statistics 2019, a versão mais atualizada lançada até a conclusão desse trabalho, é o documento estatístico lançado anualmente pela AIE. Como esse relatório periódico é uma produção de uma OI 32 de países importadores de petróleo, seus dados foram consultados para efeito de comparação quando assim se fez necessário ao longo desta tese. É importante ressaltar que a base de dados providenciada pela OPAEP, OPEP e AIE, apresentam não somente material relacionado a reservas, produção e exportação de petróleo. Para além disso, as referências documentais acima mencionadas compreendem indicadores e históricos de outras fontes energéticas, como gás natural, carvão e energia nuclear, por exemplo. Já o Joint Organisations Data Initiative (JODI), produzido no âmbito do FIE, possui uma base de dados voltada apenas para o petróleo e gás natural. Todavia, de forma distinta dos relatórios previamente citados, o JODI é alimentado mensalmente. Ocorre, no entanto, que como as estatísticas são enviadas voluntariamente ao secretariado geral pelos ministérios da energia dos países ligados ao FIE, em alguns casos, há meses sem informações para alguns países2, o que impede, em certa medida, uma análise mais aprofundada de certos Estados em casos específicos. Somado a isso, os tratados oficiais de fundação das referidas organizações foram também consultados, pois como fontes primárias permitem conhecer seus objetivos e funções precípuas como OIs. Para estatísticas econômicas e de população foram consultados dados específicos do Banco Mundial que em seu website permite levantar informações de diferentes países em diferentes períodos históricos. Além do campo das estatísticas, o Banco Mundial também fornece para domínio público alguns estudos encomendados por governos. Um desses estudos que serviu como fonte bibliográfica nesta tese foi o Syrian Arab Republic Electricity Sector Strategy Note, publicado por encomenda da Síria em 2009 com o objetivo de buscar soluções de médio prazo para o setor energético desse país. Uma outra fonte referente a indicadores populacionais é publicada anualmente pela Organização das Nações Unidas (ONU), mais especificamente pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais, que publica o World Population Prospects. A versão de 2019 desse documento, foi a empregada nesta tese por ser a mais recente e por abranger informação acumulada de anos anteriores. Recorrer ao World Population Prospects foi entendido como

2 Isso ao menos até a publicação da versão final deste trabalho. 33 necessário porque não foram encontrados dados atualizados de população para todos os países da OPAEP em websites de seus respectivos governos. Quanto aos documentos referentes às grandes companhias de petróleo, foram feitas análise dos dados disponibilizados pela British Petroleum (BP), mais especificamente do BP Statistical Review of World Energy 2020, que assim como o World Population Prospects 2019 é o mais recente (até a conclusão desta pesquisa) e acumula dados estatísticos e informações acumuladas dos anos anteriores. Ademais, o BP Statistical Review of World Energy disponibiliza informações que servem como fonte primária para OPEP e OPAEP, por exemplo. Contudo, não são apenas as OIs que lançam mão de informações contidas nos relatórios da BP, pois eles são fontes estatísticas amplamente consultadas por autores de artigos e livros que se debruçam sobre estudos ligado ao petróleo – e energia em geral – pelo fato de possuírem informações referentes a países de todos os continentes do globo e em diferentes períodos históricos, o que permite efetuar comparações a partir de uma perspectiva espacial e temporal. No que diz respeito a governos, os dados providenciados pelo governo norte-americano, através do The U.S. Energy Information Administration (EIA), ligado ao Departamento de Energia dos EUA, se justifica por ser uma referência na elaboração de panoramas individuais de nações de diferentes continentes e dos EUA, em particular. A BP é também uma das fontes primárias para a composição de estatísticas e textos da EIA. Contudo, diferente da BP, a EIA traduz os dados estatísticos em publicações qualitativas sobre diferentes países e regiões do mundo. Esse organismo é um dos principais responsáveis por levantar dados acerca do tráfego de petróleo por chokepoints marítimos, através da publicação do World Oil Transit Chokepoints, o que inclui os estreitos de Ormuz, de Bab el-Mandeb e o Canal de Suez. Todos os documentos aqui referidos são periodicamente atualizados, a maioria anualmente, e podem ser consultados na seção de Referências Bibliográficas com os respectivos links para acesso às suas páginas públicas de internet.

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CAPÍTULO I

OPAEP e Geopolítica do Petróleo no Oriente Médio

Considerações Iniciais A Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP) é uma Organização Internacional (OI) que abrange Estados árabes do Norte da África e do Sudoeste Asiático que foi criada para promover a integração de seus membros na indústria petrolífera. Sua fundação em janeiro de 1968 se deu após a derrota dos países árabes na Guerra dos Seis Dias contra Israel em junho 1967, quando grandes produtores e exportadores de petróleo da região – a exemplo da Arábia Saudita e do Kuwait – impuseram sem sucesso real um embargo de petróleo aos Estados Unidos da América (EUA) e a alguns países da Europa Ocidental com o intuito de pressionar o Ocidente em favor da causa palestina e para dar suporte político à aliança militar formada por Síria, Egito e Jordânia. Em 1973, durante a quarta Guerra Árabe-Israelense, que envolveu em combate Egito e Síria contra Israel, os países da OPAEP se envolveram no conflito de forma indireta suspendendo as exportações para os países parceiros do governo israelense a fim de fazer valer a causa árabe no conflito. Esse embargo gerou uma grande inquietação internacional e proporcionou uma rápida elevação nos preços do barril de petróleo ocasionando o evento que ficou conhecido como o primeiro Choque do Petróleo. Após os desdobramentos do Choque de 1973, os países da OPAEP não recorreram mais a embargos de petróleo generalizados para afirmação de sua política externa e a entidade passou a funcionar como estimuladora para promover a aproximação comercial no setor petrolífero, em nível regional, para todos os seus membros. Dessa forma, para discutir o papel e a relevância da OPAEP na geopolítica do petróleo, este capítulo encontra-se dividido em cinco seções. A primeira delas discute a fundação, os objetivos gerais e a composição de 35 membros da organização; a seção seguinte trata do uso da “arma do petróleo” na guerra árabe-israelense de 1973 e a repercussão internacional do uso desse artificio. A terceira seção aborda a importância geopolítica da OPAEP na contemporaneidade trabalhando com dados estatísticos como volumes de reserva e de produção de óleo e gás e disserta sobre as principais rotas marítimas e terrestres de escoamento desses recursos para os mercados regional e mundial. Na parte subsequente é apresentada a estrutura da organização e alguns dos resultados da cooperação intergovernamental, como por exemplo as joint ventures criadas em âmbito institucional pelos membros associados. Por fim, a quinta e última divisão do capítulo traz uma discussão sobre se a OPAEP seria uma entidade de compliance ou enforcement, isto é, se a cooperação ocorre porque os Estados são comprometidos ou se isso ocorre por conta de pressões externas para assim fazê-lo.

1. A criação da OPAEP e o petróleo como recurso de integração econômica regional Fundada oficialmente no dia 9 de janeiro de 1968 por Arábia Saudita, Kuwait e Líbia, cerca de seis meses após a Guerra dos Seis Dias de 1967, quando os Estados árabes promoveram um embargo de petróleo sem sucesso contra os aliados de Israel, a OPAEP, sediada na Cidade do Kuwait – capital do Estado do Kuwait – foi criada com o propósito de estabelecer diretrizes de cooperação regional e intergovernamental entre os seus membros por meio de interesses comuns para o melhor desenvolvimento da indústria petrolífera dos Estados afiliados. De acordo com Jeffrey Robinson, biógrafo de Ahmed Zaki Yamani, ex- ministro do Petróleo e de Recursos Minerais da Arábia Saudita entre 1962 e 1986, a ideia de criar uma organização voltada exclusivamente para os países árabes exportadores de petróleo partiu do próprio Yamani, já que em situações de conflitos, mais especificamente contra Israel, os Estados árabes não poderiam confiar nos não árabes para apoiá-los na utilização petróleo como instrumento político. Além disso, mesmo no mundo árabe, as questões relacionadas ao petróleo deveriam ser conduzidas em um fórum internacional que congregasse apenas os produtores de petróleo conforme informado pelo ex- ministro saudita ao autor: 36

Até este ponto, o petróleo árabe sempre foi considerado dentro da estrutura da Liga Árabe. Isso não parecia certo para mim porque muitos países que não tinham petróleo eram influentes nas decisões aprovadas pela Liga Árabe. (...). Mencionei isso ao ministro do petróleo do Kuwait e disse-lhe que tínhamos que pensar seriamente em estabelecer uma organização onde os produtores de petróleo árabes pudessem falar sobre petróleo sozinhos, sem que ninguém mais interferisse. (ROBINSON, 1988, n.p. Tradução nossa).

Ainda assim, diferente do que havia ocorrido em 1967, a organização instituiu como objetivo manter o petróleo fora do plano político, ou seja, não recorrer ao uso do petróleo como instrumento de política externa para fazer valer seus interesses nacionais. Esse objetivo se sustentou até outubro de 1973, quando os Estados árabes iniciaram um novo embargo que deu origem ao evento que ficou conhecido como o primeiro choque do petróleo.

O principal objetivo da OPAEP, mas não exclusivo, era promover a cooperação entre seus membros fundadores nos diversos ramos das atividades relacionadas ao petróleo. O objetivo era desenvolver um novo quadro diferente daquele da Liga dos Estados Árabes e liberar o petróleo do crescente estrangulamento da politização e removê-lo da sempre presente tentação de usá-lo na arena política. (MAACHOU, 1982, p.17. Tradução nossa).

Nesse sentido, tendo em vista que o petróleo era a principal fonte de recursos e receitas nacionais dos países árabes, o tratado de fundação da entidade declara em seu artigo 2º os cinco objetivos primários que devem conduzir as atividades da OPAEP:

[1] A cooperação entre os membros em várias formas de atividades econômicas na indústria do petróleo, [2] o estreitamento dos laços entre eles nesse setor, [3] a determinação de modos e meios de salvaguardar os interesses legítimos dos membros nessa indústria, individual e coletivamente, [4] a unificação de esforços para assegurar o fluxo de petróleo para os seus mercados consumidores em condições razoáveis e equitativas, [5] e a criação de um clima adequado para o capital e expertise investidos na indústria do petróleo nos países membros.” (Agreement of the Organization of the Arab Petroleum Exporting Countries, article 2. Tradução nossa).

De acordo com Nunes (2016, p. 42), a criação da OPAEP foi motivada, à época, pelo movimentos pan-arabista que, resumidamente, visava reunir os países de língua e cultura árabe do Oriente Médio e do Norte da África em uma 37 grande comunidade de interesses, bem como pelo espírito nacionalista árabe manifestado pelo interesse desses Estados em deter o controle total de sua produção petrolífera que nesse período encontrava-se sob a égide das grandes companhias internacionais do setor conhecidas como as Sete Irmãs.3 A afirmação acima, no entanto, está incorreta. A formação da OPAEP ocorreu a partir da ideia de Yamani que servia ao rei Faisal, um dos monarcas árabes mais combativos à ideologia pan-arabista promovida pelo então presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, que era antimonarquista e que continha um viés político voltado para o socialismo, algo que era repudiado por Faisal e por Saud – seu irmão e antecessor no trono – que eram monarcas absolutistas, muçulmanos sunitas wahhabistas e que consideravam o socialismo e o comunismo como anátemas pelo seu secularismo e até mesmo por seu ateísmo. Segundo Vassiliev (2000, p. 741) um exemplo do desprezo saudita aos regimes comunistas foi o fato de Saud não atender a conferência de países não alinhados, em setembro de 1961, na cidade de Belgrado, porque a Iugoslávia era um país comunista. Outras duas razões que demonstram que o argumento de Nunes não foi acertado são que a OPAEP foi fundada por três Estados monarquistas – até então a Líbia era governada pelo rei Idris desde 19514. Ademais, na década de 1960, o Egito era tido como um inimigo das monarquias árabes uma vez que a Revolução Iemenita de 19625 criou uma guerra de procuração entre o Egito, de Nasser, que a apoiava os republicanos socialistas e a Arábia Saudita, de Saud e depois de Faisal, que apoiava os monarquistas.

3 Cartel formado por grandes companhias petrolíferas que desde 1928, por meio do Acordo de Achnarry, Escócia, acordaram dividir a exploração de hidrocarbonetos em contexto global, definindo preços e cotas de produção. As Sete Irmãs são: Royal Dutch Shell; Anglo Persian Oil Company, atual British Petroil (BP); Standard Oil of New Jersey, rebatizada como EXXON; Standard Oil of New York, rebatizada como MOBIL (Estas duas últimas empresas se fundiram e formam a atual EXXON-MOBIL); Texaco; Standard Oil of California, que se tornou a Chevron e fundiu-se com a Texaco; e Gulf Oil, absorvida pelo grupo Chevron-Texaco. Atualmente as Sete Irmãs são apenas quatro: EXXON-MOBIL; Chevron-Texaco; Shell; e BP.

4 Arábia Saudita e Kuwait permanecem como monarquias até o princípio da terceira década do século XXI.

5 A Revolução iemenita de 1962 se passou durante um conflito interno que derrubou o último monarca do país e dividiu o Iêmen em Iêmen do Norte, ou República Árabe do Iêmen (que nos primeiros anos apoiava a monarquia) e o Iêmen do Sul, ou República Democrática Popular do Iêmen (república socialista que contava com apoio e a ideologia pan-arabista nasserista).

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O conflito entre os dois países no Iêmen é comumente referenciado como a Guerra Fria Árabe, com os sauditas alinhados com os EUA6 e os egípcios com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Uma das formas que Faisal encontrou para combater a influência de Nasser no mundo árabe foi a promoção do pan-islamismo, que levou à criação da Organização para a Cooperação Islâmica (OCI), em 1969, com sede em Jidá na Arábia Saudita.

Nos anos 1960, Faisal imaginou uma organização de conferência islâmica na tentativa de ampliar o escopo da política regional e incluir Estados muçulmanos não árabes, como Irã e Paquistão, para diluir a influência do Egito. (...) O pan-islamismo de Faisal tinha três objetivos: promover a cooperação intergovernamental entre os Estados muçulmanos; eliminar as ameaças soviéticas e as tendências comunistas no mundo árabe; e mobilizar os países muçulmanos para a luta contra Israel. (AL-RASHEED, 2010, p. 127. Tradução Nossa).

O que alterou o panorama geopolítico entre os países árabes foi a rápida derrota para Israel na guerra de 1967 e o compromisso de que o Egito retiraria suas tropas do Iêmen durante a Conferência de Cartum no mesmo ano. Conferência, aliás, que marcou os “três nãos” à Israel: não à paz, não ao reconhecimento e não às negociações (LEAGUE OF ARAB STATES, 1967). Dessa forma, é razoável afirmar que a criação da OPAEP se deu por meio do consenso da compreensão de Israel como um inimigo em comum dos árabes e pelo insucesso no uso do petróleo como instrumento de política externa e de embargo dos países árabes durante a Guerra dos Seis Dias. Por coincidência ou não, Arábia Saudita, Kuwait e Líbia, os três fundadores da OPAEP, se comprometeram a financiar parte da recuperação econômica dos Estados árabes envolvidos diretamente no conflito:

Na conferência de Cartum, o Kuwait, a Arábia Saudita e a Líbia prometeram fornecer à União das Repúblicas Árabes e à Jordânia - (...) - uma ajuda anual de £135 milhões, dos quais o Egito receberia £95 milhões e a Jordânia £40 milhões. O Kuwait concordou em doar £55 milhões, a Arábia Saudita £50 milhões e a Líbia £30 milhões. A Arábia Saudita alertou, no entanto, que só começaria o pagamento depois que os egípcios completassem a retirada de suas forças do Iêmen. Em 10 de outubro de 1967, o Egito declarou que quase todas as suas

6 Em dezembro de 1962 o governo John Kennedy reconheceu o Iêmen como república, mas não deixou de apoiar a Arábia Saudita e nem de contribuir para a defesa da integridade territorial do país por meio do emprego de sua Força Aérea a partir da base norte-americana de Dhahran. 39

tropas haviam sido retiradas de Sanaa e que o último contingente deixaria o porto de Hodeida em 9 de dezembro. (VASSILIEV, 2000, p. 152. Tradução Nossa).

Em poucos anos, além de Arábia Saudita, Kuwait e Líbia, na época os três maiores produtores do petróleo do mundo árabe, nessa ordem, outros países se juntaram à OPAEP somando um total de 10 membros. Em 1970 se filiaram Argélia, Bahrain, Catar e Emirados Árabes Unidos (EAU)7, seguidos por Iraque e Síria em 1972 e Egito em 1973. Em abril de 1979 o Egito foi desligado da organização por celebrar um tratado de paz com Israel ignorando os três nãos de Cartum 1967 – resultado do progresso dos Acordos de Paz de Camp David de 1978 – e sofreu um embargo total de petróleo de todos os membros da instituição (KAREEM, 2008). O país norte-africano só seria readmitido pela organização em 1989. Nesse mesmo período o Egito também ficou suspenso da Liga Árabe. Dentre os países árabes, apenas Omã, Sudão e Somália não asseveraram relações com o Cairo (WREN, 1979). Em 1982 a Tunísia também passou a fazer parte da OPAEP se tornando seu décimo primeiro membro, porém por motivos internos decidiu se desligar da organização quatro anos após seu ingresso, em 1986. Apesar disso, ao governo de Túnis foi concedida a possibilidade de retomar sua qualidade de associado junto à entidade em caso de interesse futuro (VASSILIOU, 2009, p. 363). Ainda no que tange aos Estados Partes da OPAEP, vale destacar que dentre os dez membros atuais, salvo Bahrain, Egito, Síria e Catar, todos os outros seis são também membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), fundada em 1960 por Arábia Saudita, Iraque, Irã, Kuwait e Venezuela.8 Dentre eles, o Catar foi membro da OPEP por cinquenta e oito anos entre 1961 e 2019. É importante mencionar que no acordo de fundação da OPAEP havia sido estabelecida uma cláusula, no artigo 7, que determinava que o ingresso de novos membros na entidade deveria ter como princípio a necessidade de o aspirante à

7 À época os EAU eram representados por Abu Dhabi, Dubai e outros emirados independentes. A unificação ocorreria apenas em dezembro de 1971. Os emirados que se tornaram os atuais EAU são: Abu Dhabi, Ajman, Dubai, Fujaira, Ras al-Khaima, Sharja e Umm al-Qaiwain.

8 Países membros da OPEP em março de 2021: Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait e Venezuela (1960); Líbia (1962); EAU (1967); Argélia (1969); Nigéria (1971); Gabão (1975-1994, retornando em 2016); Angola (2007); Guiné Equatorial (2017). 40 adesão ter o petróleo como “fonte principal e essencial” de suas receitas nacionais. Foi com base nesse artigo que a organização aceitou as solicitações de associação dos quatro Estados que nela adentraram como membros em 1970. Mingst (1977, p.102) e Maachou (1982, p. 45) explicam que em 1971 o acordo da OPAEP foi alterado e que o petróleo não precisava mais ser a fonte básica e principal das receitas dos membros, mas que a partir de então o petróleo deveria ser “uma importante fonte das receitas nacionais” alcançada através da exportação. Essa nova fórmula permitiu a entrada de países como o Egito e a Síria, que mesmo não sendo grandes produtores ou exportadores de petróleo, desempenhavam um papel relevante no mercado petrolífero como países de trânsito por via marítima, pelo Canal de Suez, no caso egípcio; e terrestre, como passagem de gasodutos para terminais portuários no Mar Mediterrâneo, no caso sírio. O pedido de ingresso mais controverso da OPAEP, no entanto, foi o iraquiano, pois países contrários à sua entrada na entidade como a Arábia Saudita, Bahrein, Catar e EAU temiam que a influência de organizações com viés socialista em atividade no Iraque, principalmente do partido Baath, que assumira o poder no ano de 1968, ameaçassem os objetivos de integração estritamente econômica e de mercado comum entre os países árabes produtores de petróleo. Por outro lado, Líbia, Kuwait e Argélia por questões de afinidade política davam suporte à adesão de Bagdá e decidiram não enviar representantes para reuniões da entidade enquanto houvesse oposição à aprovação da entrada do Iraque na organização, até que em 1972 o país foi formalmente aceito como membro do grupo. Esses três países mais o próprio Iraque eram vistos como “radicais” pelos outros membros pelo fato de defenderem o uso político do petróleo como instrumento dissuasório contra os parceiros ocidentais de Israel (MINGST, 1977, p.102).

2. O uso político do petróleo na crise de 1973 Além da intenção de integração e cooperação no campo econômico, para alguns países árabes a OPAEP era vista como uma instituição por meio da qual o petróleo poderia ser usado para alimentar interesses políticos em âmbito regional, tendo em vista que no contexto da OPEP provavelmente isso não 41 ocorreria pelo fato de que Estados não árabes como a Venezuela, Indonésia, Nigéria e Irã preferiam não se envolver nos conflitos árabe-israelenses. De acordo com Mingst (1977, p. 97), até mesmo alguns Estado árabes vacilavam quanto ao seu comprometimento de usar o petróleo como instrumento político na causa anti-israelense, já que tal artifício não havia produzido resultados significativos no período da guerra de 1967. Segundo Ahrari (1979, p.12) um dos motivos da oposição das monarquias do Golfo Pérsico em relação ao uso do petróleo para fins políticos tinha relação com a sensação de insegurança causada pelos movimentos antimonarquistas associados ao regime nasserista egípcio que havia derrubado os reis Faruk I do Egito, em 1952; Faiçal II do Iraque, em 1958; Muhammad al Badr do Iêmen, em 1962; e Idris I da Líbia, em 1969. Ademais, em sua visão, o autor argumenta que até a década de 1970 parecia haver uma relação de troca de favores entre os reinos do Golfo e os EUA. Tal relacionamento acontecia de modo que os EUA desempenhavam um papel de garantidor da sobrevivência desses Estados, ou seja, de seus regimes governamentais, enquanto eles serviam como canais de segurança para os norte-americanos, Europa Ocidental e Japão. Assim, de acordo com a concepção do autor, esse tipo de envolvimento entre as partes pesava em favor dos EUA e impedia que os governos da região, dependentes da proteção providenciada por uma potência externa, influenciassem a política norte-americana a se posicionar contra os interesses de Israel. O interesse de usar o petróleo como plataforma de política internacional, segundo Maachou (1982, p. 43,44), se sobrepunha aos objetivos de criação da OPAEP que visavam essencialmente “providenciar um aparato institucional para um grupo de países árabes que não haviam aprovado nem o processo de politização crescente do petróleo, nem as novas direções em que as ações da OPEP pareciam cada vez mais estar se movendo”. Porém, conforme afirmação de Mingst (1977, p.103), sob a influência dos novos membros, as políticas com direcionamento para as aplicações internas entre os membros da organização passaram a ser suprimidas por outras orientadas para o exterior, de modo a garantir os interesses de parte dos membros fazendo uso do petróleo como “arma” em situações consideradas propícias para esse fim. Yergin (2010, p. 671) revela que o interesse na utilização do petróleo como instrumento de política externa remonta à década de 1950, período no qual 42

“os membros do mundo árabe discutiam sobre o uso da vagamente definida “arma do petróleo” para atingir seus vários objetivos a respeito de Israel”. Essa discussão ocorria através do Comitê de Especialistas em Petróleo Árabe, criado em 1950 no âmbito da Liga Árabe, que entre outras tarefas “supervisionava o boicote contra Israel e impedia o desvio do petróleo árabe para aquele país; esse foi o começo da politização do petróleo” (MAACHOU, 1982, p. 34-36). Apesar disso, a OPAEP não foi criada como um organismo da Liga Árabe, mas sim como instituição independente (AL-SOWAYEGH. 1984, p. 57). A primeira vez que o petróleo foi empregado como arma política pelos países árabes foi em 1956, quando o Egito nacionalizou a Companhia do Canal de Suez (empresa franco-britânica) e fechou o canal para navegação, o que resultou na declaração de guerra contra o país africano e invasão conjunta de França, Grã-Bretanha e Israel. Nesse momento, como forma de combater essa invasão, a Arábia Saudita decidiu proibir as exportações para a Inglaterra e a França. Além do episódio de 1956, durante a Guerra dos Seis Dias de 1967, conforme anteriormente mencionado, houve uma tentativa de embargo contra os aliados de Israel quando o Egito novamente interrompeu a navegação pelo Canal de Suez e a Arábia Saudita, em conjunto com Argélia, Iraque, Kuwait e Líbia decidiram suspender todos os carregamentos de petróleo para os EUA, Grã- Bretanha e, em menor grau, Alemanha Ocidental. Em ambos os casos acima citados, a “arma do petróleo” não gerou ganhos políticos e econômicos para os Estados árabes, pois quando o fluxo internacional de petróleo foi interrompido os EUA supriram a demanda do mercado internacional. A “arma do petróleo” se traduziria em ganhos econômicos e políticos durante a Guerra do Yom Kippur, ou Guerra do Ramadã, como a ela os árabes se referem, em outubro de 1973 – a quarta guerra árabe-israelense em 25 anos desde a fundação do Estado de Israel em 1948. Dois meses antes da guerra, o presidente egípcio Anwar Sadat foi à Arábia Saudita para se encontrar com o rei Faisal al-Saud com o intuito de pressioná-lo para que considerasse a utilização do petróleo como arma política para apoiar o Egito em caso de conflito contra Israel. O rei se sentia forçado a aderir à causa egípcia para que seu governo não fosse considerado um traidor dos países árabes da “linha de frente” e dos palestinos na luta contra Israel (YERGIN, 2010, p. 673). 43

Com a conflagração de mais um conflito bélico no Oriente Médio envolvendo a aliança formada por Egito e Síria contra Israel, a Organização de Libertação da Palestina, os nacionalistas radicais na Assembleia Nacional do Kuwait, alguns membros da corte saudita e o Partido Baath iraquiano solicitaram que os países árabes produtores de petróleo recorressem à “arma do petróleo” contra Israel e seus apoiantes. Os trabalhadores da indústria petrolífera do Kuwait ainda ameaçaram parar completamente a produção nacional, a menos que as remessas para os EUA fossem cortadas, no mínimo, pela metade (SINIVER, 2013, p. 174). Foi nesse cenário que no dia 17 de outubro de 1973, onze dias após o início da guerra, os países da OPAEP emitiram um anúncio comunicando os primeiros cortes progressivos de produção.9 O objetivo da OPAEP era fazer pressão internacional pela liberação das colinas de Golã e da Península do Sinai, territórios sírio e egípcio conquistados por Israel na Guerra dos Seis Dias, bem como pela restauração dos direitos legítimos dos palestinos como pode ser observado abaixo:

Os países árabes exportadores de petróleo contribuem para a prosperidade do mundo e para o crescimento da sua economia através de suas exportações desse recurso natural. Apesar do fato de que a produção de muitos desses países tenha ultrapassado os níveis exigidos pela sua economia interna e as necessidades de energia e receita de suas futuras gerações, eles continuaram a aumentar a sua produção, sacrificar seus próprios interesses ao serviço da cooperação internacional e do interesse dos consumidores. Sabe-se que grandes partes dos territórios de três Estados árabes foram forçadamente ocupados por Israel na guerra de junho de 1967. Israel continuou a ocupá-los desafiando às resoluções da ONU e várias chamadas para a paz dos países árabes e das nações amantes da paz. Embora a comunidade internacional esteja sob uma obrigação de implementar as resoluções da ONU e prevenir o agressor de colher os frutos de sua agressão e ocupação dos territórios de outros pela força, a maioria dos países industrializados que são consumidores do petróleo árabe falharam em tomar medidas ou agir de uma forma que poderia indicar sua consciência dessa obrigação internacional pública. De fato, as ações de alguns países tendem a apoiar e reforçar a ocupação. Antes e durante a guerra atual, os EUA têm sido ativos em fornecer a Israel todos os meios de poder que tem servido

9 O comunicado foi assinado por representantes da Arábia Saudita, Kuwait, Líbia, Argélia, Egito, Síria, Abu Dhabi, Bahrein e Qatar. O Iraque recusou a assinar o documento por entender que os países árabes deveriam praticar um embargo de 100% das exportações de petróleo para os EUA.

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para agravar sua arrogância e habilitá-lo a desafiar os direitos legítimos de terceiros e os princípios inequívocos de direito internacional público. Em 1967, Israel foi instrumental para fechar o Canal de Suez e sobrecarregar a economia europeia com as consequências dessa ação. Na guerra atual, Israel atacou os terminais de exportação de petróleo do Mediterrâneo oriental, causando a Europa outro déficit no suprimento. Esta é a terceira ocorrência resultante do desrespeito de Israel dos nossos direitos legítimos com o apoio dos EUA. Os árabes foram, portanto, induzidos a tomar uma decisão de descontinuar os seus sacrifícios econômicos na produção de quantidades de seus ativos de petróleo em excesso do que seria justificado por considerações econômicas domésticas, a menos que a comunidade internacional se apresse a retificar matérias para convencer Israel a se retirar de nossos territórios ocupados, bem como deixando os EUA saberem o alto preço que os grandes países industriais estão tendo que pagar como resultado do suporte cego e ilimitado para com Israel. Por isso, a reunião dos Ministros do petróleo árabes no Kuwait hoje decidiu reduzir sua produção de petróleo mais rapidamente possível por não inferior a 5 por cento do nível de produção do mês de Setembro (1973) em cada país árabe exportador de petróleo, com uma redução similar será aplicada sucessivamente a cada mês, calculada com base na produção do mês anterior, até o momento em que a evacuação total das forças israelenses de todos os territórios árabes ocupados durante a guerra de junho de 1967 seja concluída e os direitos legítimos do povo palestino sejam restaurados. Os conferencistas tiveram o cuidado de garantir que as reduções na produção não devem afetar qualquer Estado amigável que tenha entendido ou que no futuro venham prestar assistência concreta aos árabes. O fornecimento de petróleo para qualquer desses Estados será mantido na mesma quantidade que eles estavam recebendo antes da redução. O mesmo tratamento excepcional será estendido a qualquer Estado que tome medidas significativas contra Israel com vista a obriga-lo a terminar sua ocupação dos territórios árabes usurpados. Os ministros árabes apelam a todos os povos do mundo e, particularmente, para o povo americano, para apoiar a nação árabe na sua luta contra o imperialismo e a ocupação israelense. Reafirmamos a eles o desejo sincero da nação árabe em cooperar plenamente com todos os povos do mundo e sua disponibilidade de abastecer o mundo com suas necessidades de petróleo, assim que o mundo demonstre sua simpatia conosco e denuncie a agressão contra nós (Communiqué issued by the Conference of Arab Oil Ministers, Kuwait, October 17, 1973. In: SHIHATA, Ibrahim, 1975, p. 75-77. Tradução nossa).

O embargo total das exportações de petróleo só ocorreria dois dias depois, no dia 19 de outubro, em ocasião do anúncio norte-americano de ajuda financeira a Israel de US$ 2,2 bilhões. Na mesma data a Líbia anunciou um embargo total de petróleo contra os EUA que foi estendido à Holanda, Portugal, África do Sul e Rodésia (atual Zimbábue). A decisão do país africano foi seguida 45 por Argélia e Arábia Saudita no dia 20, Kuwait, Catar e Iraque no dia 21 e por Omã – que nem mesmo era membro da OPAEP – no dia 25 (SHIHATA, 1975, p. 7; 83). Além do embargo outras medidas políticas foram tomadas contra os EUA. No dia 20, o Bahrein anunciou que no período de um ano os americanos deveriam retirar sua base naval do país, enquanto o Iraque concedeu privilégios de atracação para navios soviéticos no porto fluvial de Umm Qasr, no canal ao norte da ilha Warbah, pertencente ao Kuwait (COOPER, 2011, p. 156). O embargo de 1973 levou a um aumento nos preços dos combustíveis e à escassez e racionamento de gasolina em países como os EUA, França e Japão. Nesse contexto, apesar de o corte no fornecimento ter sido promovido pela OPAEP, no dia 1 de janeiro de 1974 foi a OPEP, pela primeira vez de forma unilateral, isto é, sem a interferência das grandes companhias de petróleo, quem definiu o preço do barril de petróleo em US$ 11,65, uma valorização de 400% em relação ao valor de outubro de 1973, quando o barril era comercializado a US$ 2,90 (YERGIN, 2010, p. 708). O embargo promovido pela OPAEP durou até 18 de março de 1974 quando os países árabes, em encontro da OPEP, em Viena, retomaram sua produção normal de petróleo. Embora os EUA tenham mediado junto aos países árabes pelo fim do embargo, outro fator que os levou a dar fim às sanções foi a capacidade de recuperação do mercado, haja vista que à medida que ele se prolongava, mais petróleo era produzido por países como Venezuela, Nigéria, Canadá e Irã e os cortes eram cada vez menos produtivos. A Síria e a Líbia, em seu turno, decidiram por mantê-lo por mais tempo porque os objetivos iniciais proclamados pela OPAEP – liberação dos territórios conquistados por Israel em 1967 e defesa dos direitos do povo palestino – não tinham sido alcançados.

3. Petróleo como instrumento político de poder pelos países árabes: um caso de sucesso ou de fracasso? No tópico anterior foi possível verificar que, com o início da quarta guerra árabe-israelense, os países da OPAEP em nome da causa árabe exerceram um embargo de petróleo que culminou com a disparada do preço do barril no mercado internacional. Nesse contexto surge o seguinte questionamento: o uso da arma do petróleo como um recurso estratégico de poder em 1973 pode ser considerado um caso de sucesso ou de fracasso? 46

Antes de responder à pergunta faz-se necessário compreender como podem ser entendidos os conceitos de estratégia e poder. Quanto ao primeiro, Nye (2011, p. 208, 209) aborda a concepção do termo como o estabelecimento de uma relação entre meios e fins que requer clareza no tocante aos propósitos, recursos e táticas para seu uso. Ainda segundo o autor, uma estratégia inteligente deve considerar questões envolvendo os objetivos que se pretende alcançar; os recursos disponíveis e o contexto em que serão empregados; a situação e os objetivos do alvo que se pretende influenciar; as formas de emprego de poder com maior probabilidade de lograr o fim em vista; e, por fim, as probabilidades de sucesso da materialização da estratégia. Schnaubelt, em seu turno, entende o conceito como um artifício “que define inequivocamente os fins que devem ser alcançados, os meios que serão empregados para alcançar esses fins e as formas em que esses meios serão usados". Nessa lógica, os fins são os objetivos pretendidos; os meios são os recursos ou elementos de poder usados para atingir os fins; e as formas são os métodos ou cursos de ação que descrevem os parâmetros de aplicação dos meios para alcançar os fins (SCHNAUBELT. In: NEAL; WELLS, 2011, p. 53). Ao considerarmos as definições de estratégia de Nye e Schnaubelt, é possível verificar que o embargo de petróleo provocado pela OPAEP atendeu a ideia central do conceito, pois possuía um objetivo, que era apoiar o Egito e a Síria na luta contra Israel e pressionar a comunidade internacional para a causa árabe; um meio, o petróleo, que foi usado como instrumento de poder para cumprir o objetivo; e uma forma de usá-lo num contexto internacional favorável para tal. Sobre o conceito de poder, Raymond Aron o define da seguinte forma:

A capacidade de fazer, mas, antes de tudo, é a capacidade de influir sobre a conduta ou os sentimentos dos outros indivíduos. No campo das relações internacionais, poder é a capacidade que tem uma unidade política de impor sua vontade às demais. Em poucas palavras, o poder político não é um valor absoluto, mas uma relação entre os homens. (ARON, 2002, p. 99. Tradução nossa).

Em The Future of Power, Joseph Nye corrobora a interpretação de Aron ao definir o referido conceito como “a capacidade de fazer coisas e afetar os outros para atingir os resultados pretendidos”. Para ele, como visto 47 anteriormente, o poder pode ser exercido através de cooptação ou soft power, isto é, por meio da habilidade de afetar as preferências de outros entes levando- os a querer aquilo o que o influenciador quer; e a segunda pela habilidade de fazer os outros mudarem seu comportamento por meio da utilização de mecanismos de força, ou seja, pelo hard power, que também diz respeito a sanções no campo econômico. (NYE, 2011, p. 5-6). A definição de Aron também destaca que o poder não é um valor absoluto e sim um valor relativo, ou seja, o poder possui um valor abstrato e sua capacidade de alterar o comportamento de alguém só pode ser mensurada quando confrontada com o poder ou com a ausência dele em determinado domínio daquele contra quem o mesmo é exercido. Hans Morgenthau, em sua obra A Política entre as Nações, indica que é possível mensurar o poder de um Estado em termos de recursos que ele possui, os quais seriam elementos do seu poder nacional dentre os quais destaca, entre os mais importantes, os atributos relacionados à geografia; à capacidade industrial; ao desenvolvimento tecnológico; poder militar e recursos naturais como o petróleo. Nesse sentido, em um sistema interdependente como é o mercado petrolífero, um Estado militarmente mais fraco pode exercer um poder maior sobre um mais forte que possua vulnerabilidade nesse campo da economia (KEOHANE; NYE, 2011, p. 16). O embargo imposto pela OPAEP, pode ser tomado como um exemplo de Estados militarmente mais fracos buscando impor sua vontade pela negação de um recurso indispensável para os países embargados. Apesar do resultado positivo no campo econômico com o aumento dos preços e, consequentemente, com maior arrecadação de receitas provenientes do lucro de exportação do petróleo, Alnasrawi (1991, p. 93, 94) explica que a utilização da arma do petróleo não surtiu o efeito esperado nas exigências políticas dos países árabes, pois os EUA em nenhum momento deixaram de apoiar Israel. Aliado a isso, a causa relacionada aos “direitos legítimos do povo palestino” não foi levada adiante. Além disso, Alnasrawi também explica que, ao contrário do que havia sido comunicado no dia 17 de outubro de 1973, o petróleo como instrumento de política externa não alcançou sua finalidade porque a OPAEP adotou medidas de relaxamento nos cortes de produção em quatro ocasiões: A primeira foi no 48 dia 17 de novembro com a suspensão do corte de 5% para a Comunidade Europeia (CE) pela manifestação de apoio direcionada aos árabes na Declaration on Midlle East. A segunda, entre 26 e 28 do mesmo mês, a exemplo da anterior, foi a suspensão do corte de 5% para o Japão por conta de seu posicionamento internacional pró-árabe. A terceira foi a resolução de 8 de dezembro que prometia o levantamento do embargo sobre os EUA, caso os norte-americanos garantissem a retirada, mesmo que gradual, das tropas israelenses dos territórios ocupados em 1967. Por último, em uma reunião da OPAEP em 24 e 25 de dezembro, no Kuwait, foi decidido elevar o nível de produção de petróleo em 10% a partir de 1 de janeiro de 1974, reprimindo a redução global das exportações de sua taxa de 25% em dezembro para 15%, calculado com base na produção de setembro 1973.

A mudança mais séria e significativa na estratégia petróleo árabe foi a resolução de 8 de dezembro pelos ministros do petróleo que, como mencionado anteriormente, comprometeram os países produtores de petróleo a levantar as medidas de embargo em troca de um programa anunciado de retirada das forças israelenses dos territórios árabes ocupados. (...) A retirada não precisou acontecer para que as medidas de petróleo fossem removidas. Ao invés disso, os governos árabes ficariam satisfeitos com a garantia dos EUA de uma retirada gradual das forças israelenses (ALNASRAWI, 1991, p. 94. Tradução nossa).

Outro fato que contribuiu para que o Choque perdesse solidez política foi a atitude saudita, representada por Yamani na reunião da OPEP de 18 de março de 1974, de forçar rapidamente o preço do barril para baixo a fim de atender seus próprios interesses internos controlando o mercado e inibindo os interesses dos outros Estados produtores árabes e não árabes, como explicado por Cooper:

O embargo de petróleo foi levantado em uma reunião da OPEP em Viena em 18 de março. Os sauditas também anunciaram um aumento imediato em sua produção de petróleo em um milhão de barris por dia. Quando o Irã propôs elevar os preços do petróleo em mais 5%, Yamani declarou que a Arábia Saudita logo se retiraria do cartel. As outras delegações reagiram com raiva, mas foram impotentes para evitar que o maior swing producer do mundo usasse suas reservas como alavancagem contra elas. Uma semana depois, a produção de petróleo saudita estava de volta ao seu nível de embargo de 8,3 milhões de barris por dia e Yamani anunciou que seu governo havia decidido expandir sua capacidade de produção para 11,2 milhões de barris por dia até o final de 1975, um aumento de 37% sobre a sua taxa corrente. (COOPER, 2011, p. 191.Tradução nossa). 49

Além de tudo, de acordo com Alnasrawi (1991, p. 95), era totalmente inadequado e incoerente por parte dos governos árabes requerer dos EUA a mediação de um acordo com Israel e, ao mesmo tempo exercer pressões econômicas contra o próprio mediador. Ao contrário, eles deveriam decidir entre a mediação norte-americana e a manutenção das sanções. Em janeiro de 1974, os EUA intermediaram um acordo de desengajamento de tropas entre Egito e Israel que causou uma fratura na aliança sírio-egípcia e na OPAEP, recebendo oposição do mundo árabe e em especial da Síria, que rapidamente alegou que Sadat tinha começado a negociar com Israel por intermédio de Washington desde o primeiro dia da guerra sem comunicar Damasco. Nesse contexto, o então presidente sírio Hafez al-Assad se convenceu de que havia sido vítima de um ato de traição por parte do Cairo, que emergiria da guerra como o único entre os Estados árabes envolvidos direta ou indiretamente no conflito a alcançar os objetivos iniciais pré-guerra, o que o governo sírio acusaria ter sido feito às custas de Damasco (SINIVER, 2013, p. 80). O acercamento entre o Cairo e Tel-Aviv tumultuou a relação do Egito com outros Estados árabes de tal forma que em abril de 1979, quase seis anos após a Guerra do Yom Kippur, o Egito foi desligado da OPAEP por celebrar um tratado de paz com Israel em Camp David, Maryland, nos EUA. Um acordo de paz entre a Síria e Israel só seria tentado em 1999, com apoio velado da Arábia Saudita, quando o presidente Bill Clinton, dos EUA, recebeu representantes diplomáticos de ambos os países em Shepherdstown, Virgínia Ocidental. Na ocasião o consenso não foi alcançado por conta de discussões quanto a linha de fronteira na costa nordeste do Lago Tiberíades (Mar da Galileia) e o acesso sírio à água (RIEDEL, 2017, p. 118). Desse modo, para responder o questionamento se o embargo de petróleo árabe de 1973 foi um caso de sucesso ou de fracasso é necessário levar em consideração os resultados gerados nos campos econômico e político. No que tange ao primeiro, é possível inferir que a arma do petróleo foi um sucesso, haja vista que no dia 1 de janeiro de 1974, ainda antes do fim do embargo, a OPEP fixou unilateralmente o preço do barril de petróleo em US$11,65, ou seja, um aumento de 400% em relação ao valor de US$2,90 praticado três meses antes. Desse modo, os países produtores aumentaram drasticamente as receitas 50 provenientes da exportação do recurso, inclusive os membros não árabes da OPEP a exemplo de Irã, Nigéria e Venezuela. Já no campo político o embargo resultou em fracasso, pois o uso do petróleo como recurso de poder na estratégia árabe não cumpriu com o objetivo inicial que era a retirada total de tropas dos territórios conquistados por Israel na Guerra dos Seis Dias de 1967. Além disso, não foi suficiente para fazer os EUA deixarem de apoiar Israel com armas e ajuda financeira, sem contar que os direitos do povo palestino parecem ter sido deixados em segundo plano após determinadas manifestações de apoio aos árabes declaradas por parte de europeus e japoneses. A percepção do fracasso dos objetivos políticos envolvendo a OPAEP foi o levantamento do embargo em março de 1974 com a pendência de um acordo de desengajamento entre Síria e Israel, o que fez com que a Síria e a Líbia mantivessem o embargo mesmo após o levantamento das sanções. Porém sem a presença da Arábia Saudita, a continuidade do embargo por esses dois países não chegou a produzir efeito significativo no mercado internacional.

4. A importância geopolítica da OPAEP no mundo contemporâneo No que diz respeito ao papel contemporâneo da OPAEP na geopolítica do petróleo, chamam a atenção dois importantes aspectos no contexto energético internacional que destacam a significância da organização e dos países que a formam. São eles os aspectos geográfico e o comercial. No que tange ao primeiro, quando nos debruçamos sobre o mapa mundial, é possível verificar que os territórios dos países da OPAEP, embora encontrem-se em uma região com bioma predominantemente desértico, estão localizados em uma posição geográfica estratégica ocupando espaços desde o Norte da África até o Sudoeste asiático – incluindo quase todos os países da península Árabe à exceção do Iêmen e Omã – e desde o Mar Mediterrâneo até o Golfo Pérsico, numa forma de cinturão alongado cercado por estreitos. Tais condições geográficas somadas à grande concentração de hidrocarbonetos disponível na região, conferiram aos países árabes, na geopolítica do petróleo, a posição de centro de produção e de distribuição desses recursos para o Ocidente e para o Oriente. 51

Para uma melhor análise da posição geográfica dos Estados pertencentes à organização, é possível dividir a extensão por eles ocupada em três sub- regiões: O Norte da África, onde estão localizados o Egito, a Líbia e a Argélia; a Península Arábica que abrange países como Arábia Saudita, Bahrain, EAU, Kuwait e Catar; e o Oriente Médio Central, ou Oriente Médio Mesopotâmico – que compreende a área do sistema fluvial que forma a bacia dos rios Tigre e Eufrates mais o Levante – onde encontram-se o Iraque e a Síria. É válido ressaltar, contudo, que no que tange ao escoamento de produção, os países do Oriente Médio Mesopotâmico possuem similaridades logísticas com os países da Península Arábica e do Norte da África. o Iraque, por exemplo, possui uma dinâmica em parte semelhante à dos países da Península Arábica, que, banhados pelo Golfo Pérsico, dependem desse mar e do estreito de Ormuz para exportar sua produção. O diferencial iraquiano é a possibilidade de transportar petróleo por oleodutos sem a necessidade de trafegar por estreitos com petroleiros. O Kirkuk–Ceyhan, por exemplo, é um oleoduto que que leva a produção do norte do país até o Mar Mediterrâneo pelo território da Turquia. Essa vantagem, porém, encontra limitações já que navios petroleiros possuem capacidade de transportar um maior volume diário de petróleo para mercados distintos. Ademais, a região de Kirkuk é, de certa forma, controlada por uma administração semiautônoma do Curditão no Iraque. Além disso, as guerras envolvendo o Iraque transformaram estruturas críticas ligadas à indústria petrolífera em alvo de sabotagem. A Síria, em seu turno, assim como os países do Norte da África, tem na proximidade com a Europa a possibilidade de encontrar mercado para sua exportação de petróleo. Em 2010, um anos antes de estourar a guerra civil síria, sete de seus principais parceiros importadores eram europeus. Alemanha e Itália representavam cerca de um terço, cada, dos destinos de exportação. França, Holanda, Áustria e Espanha completavam a lista de principais importadores do ano (U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2010). Entretanto, desde a guerra civil de 2011 a imposição de sanções internacionais contra Damasco limitaram o alcance das exportações sírias. Os reflexos do conflito em zonas de produção e transmissão também afetaram a capacidade produtiva do país. 52

Essa região onde se encontram os países da OPAEP, também propõe desafios marítimos e terrestres para o escoamento de petróleo dos seus membros. Quanto aos desafios marítimos, a figura 1 chama a atenção para o fato de que nenhum Estado pertencente à organização possui acesso direto ao oceano aberto, por onde trafegam grande parte de suas exportações em direção às Américas, ao Leste asiático e à Europa, pois a mesma é cercada por estreitos, também conhecidos como chokepoints, como os Estreitos de Ormuz, Bab el- Mandeb, Gibraltar e canais aquaviários como o Canal de Suez. Esses chokepoints são pontos de estrangulamento que em situações de crise de longa duração podem prejudicar as exportações de petróleo e consequentemente afetar os preços de comercialização do barril alterando assim, significativamente a dinâmica do mercado internacional de petróleo. Esse tipo de restrição marítima afeta em menor grau os Estados norte-africanos por sua posição de defrontação ao continente europeu, porém não deixa de ser uma preocupação no que diz respeito às exportações para o Leste Asiático. Já a navegação para o Ocidente através de Gibraltar não apresenta os mesmos desafios dos pontos de estrangulamento que circundam a Península Arábica. O capítulo 3 apresenta uma análise mais detalhada dos chokepoints do Oriente Médio, destacando a possibilidade de encarar Ormuz, Bab el-Mandeb e o Canal de Suez como um subcomplexo regional marítimo que influencia a o fluxo global e regional de petróleo.

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Figura 1 – Disposição geográfica dos países da OPAEP

Fonte: Elaboração própria com base em imagem do Google Maps10

Os estreitos e canais aquaviários são importantes corredores do trânsito comercial marítimo. Aqueles localizados na região dos países da OPAEP possuem relevância estratégica do ponto de vista econômico e militar, por serem importantes rotas de tráfego dos petroleiros que diariamente chegam e partem dos portos dos países árabes produtores de petróleo. Aliás, as rotas oceânicas são as principais vias do comércio mundial de hidrocarbonetos ligando os mercados produtores e consumidores de diferentes continentes. De acordo com o Energy Information Administration (EIA), do departamento de energia dos EUA, os quatro chokepoints com maior trânsito de petróleo do globo são Ormuz, com um volume transportado de aproximadamente 19 mbpd; Malaca, com 16 mbpd (que liga os Oceanos Índico e Pacífico e é a rota marítima mais curta entre o Oriente Médio e o Leste Asiático); o Cabo da Boa Esperança, com 5,8 mbpd; o Canal de Suez com 5,5 mbpd (aqui também foi calculado o volume transportado pelo duto SUMED que liga Ain Sokhna, no

10 Disponível em: Acesso em: 22 de setembro de 2017

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Mar Vermelho, a Alexandria no Mediterrâneo)11; e Bab el-Mandeb, com 4,8 mbpd. Somados, os estreitos supracitados representaram 51,1 mbpd no trânsito marítimo de petróleo em 2016 (U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2017) como mostra a figura 212.

Figura 2 - Chokepoints marítimos internacionais

Fonte: EIA13

De modo semelhante, a figura 3 mostra as principais rotas de navegação dos navios gaseiros que transportam gás natural liquefeito (GNL).14 Assim como a anterior, é possível perceber que os pontos de estrangulamento do Oriente Médio também são passagens-chave para o tráfego marítimo desse produto, pois no Oriente Médio localizam-se duas das três maiores reservas de gás do

11 O SUMED, ou Arab Petroleum Pipelines Company, é um empreendimento internacional de países árabes tornado operacional em 1974, cujos acionistas são as companhias petrolíferas estatais de Arábia Saudita, Catar, EAU, Egito e Kuwait.

12 Até a conclusão dessa pesquisa, a última atualizaçãos das rotas marítimas mundiais havia sido publicada pela EIA em 2017, com dados referentes a 2016. Para algumas rotas em específico, como Ormuz, babe l-Mandeb e Suez, foram disponibilizadas atualizações em 2019, cujos detalhes foram trabalhado com maior atenção no capítulo 3.

13 Disponível em: Acesso em: 4 de agosto de 2017.

14 O GNL é o gás natural congelado a uma temperatura de aproximadamente -160o Celsius e depois liquefeito usando o princípio da refrigeração, isto é, de resfriamento controlado. Nessa condição, o gás pode ser transportado por via marítima através de longas distâncias.

55 globo pertencentes respectivamente ao Catar e ao Irã, que são superados apenas pela Rússia (THE BRITISH PETROLEUM COMPANY, 2020). Catar e Irã, inclusive dividem o maior campo de exploração mundial de gás natural offshore, o South Pars/North Dome, localizado no interior do Golfo Pérsico e, consequentemente, dependente da passagem por Ormuz para exportação. As informações contidas na figura 3 também são referentes ao ano de 2016:

Figura 3 – Principais rotas de trânsito marítimo de GNL

Fonte: International Gas Union15

Sob o ponto de vista terrestre, os principais desafios estão ligados ao planejamento dos trajetos dos oleodutos e gasodutos que escoam a produção dos hidrocarbonetos aos portos do mar Mediterrâneo, de onde seguem carregamentos marítimos para o mercado europeu. Nesse caso, os países de trânsito do Oriente Médio Mesopotâmico e a Arábia Saudita possuem papeis relevantes pelo fato de seus territórios ligarem o Golfo Pérsico ao Mar

15 Disponível em: Acesso em: 30 de outubro de 2018.

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Mediterrâneo e Vermelho, respectivamente. A figura 4, abaixo, mapeia os principais dutos da região.

Figura 4 - Dutos no Golfo Pérsico

Fonte: EIA16

Entre os principais dutos dos países da OPAEP, destacam-se dois oleodutos alternativos ao estreito de Ormuz. O primeiro deles é o East-West pipeline operadoa pela Saudi Aramco. O duto atravessa o território saudita desde a costa oriental, no Golfo Pérsico, até a ocidental, no Mar Vermelho, o que permite o país transportar uma parcela do petróleo produzido no Golfo para sua costa Oeste. Em junho de 2016, o então ministro do Petróleo e Recursos

16 Disponível em: Acesso em: 4 de agosto de 2017.

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Minerais saudita, Khalid A. Al-Falih, anunciou um planejamento para aumentar a capacidade de transporte do duto de petróleo de 5 mbpd para 7 mbpd até 2018 (FANDRICH; IDEN, 2016). O segundo, pertencente aos EAU, é o Abu Dhabi Crude Oil Pipeline, cuja função é levar o petróleo produzido onshore no emirado de Dubai até o porto de Fujairah, na costa do Golfo de Omã, de forma que os petroleiros que atraquem no porto não precisem passar pelo estreito (U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2017). Até a Guerra do Golfo no início da década de 1990, o território saudita era também uma importante rota estratégica para escoamento da produção iraquiana de petróleo por meio do Iraqi Pipeline in Saudi Arabia (IPSA), que havia sido criado durante a Guerra Irã-Iraque na década de 1980 como alternativa para exportação iraquiana, já que durante o conflito houve casos de navios petroleiros atacados e destruídos enquanto passavam pelo Golfo, algo que é discutido com maior precisão no capítulo 2. O IPSA foi fechado para escoar o petróleo iraquiano por ocasião da invasão de tropas iraquianas no Kuwait e da Guerra do Golfo de 1990-1991. Em 2001 os sauditas confiscaram o duto como compensação pelas dívidas adquiridas por Bagdá na Guerra Irã-Iraque e desde então tem sido utilizado para transportar gás natural para usinas de energia no oeste do país. Em 2012 foram realizados testes para que o IPSA também transportasse petróleo produzido na Arábia Saudita (AL SAYEGH; EL GAMAL; PULLIN, 2017). Há também um oleoduto no Golfo que promove a cooperação e o comércio petrolífero entre dois países da OPAEP: A Arábia Saudita e o Bahrein. O duto conhecido como AB-4 pipeline foi inaugurado em novembro de 2018 e liga a instalação de processamento de petróleo de Abqaiq à ilha bareinita de Sitra. Ele foi construído para substituir as operações de um duto anterior chamado de AB-1 pipeline em operação desde 1945 (SAUDI ARABIA..., 2018). Com menos de um ano em funcionamento o oleoduto foi temporariamente fechado devido à ocorrência de ataques de drones contra instalações petrolíferas sauditas, incluindo Abqaiq, no segundo semestre de 2019. (EL GAMAL; PAYNE; GHADDAR, 2019). É válido salientar que entre os membros da OPAEP o Bahrein é aquele que mais adquire petróleo do exterior no bloco, sendo os sauditas seus principais fornecedores. Entre 2006 e 2018 a importação bareinitas variou entre 200 e 235 mil barris por dia (bpd), enquanto sua produção interna não ultrapassou os 202 58 mil bpd17. É provável, no entanto, que esse país árabe diminua seu volume de importação nos próximos anos com o desenvolvimento das operações na bacia de Khalij al-Bahrain, onde foi identificada uma reserva estimada de 80 bilhões de barris de petróleo (NATIONAL OIL & GAS AUTHORITY, 2018). Uma das maiores entre todos os países da OPAEP. Outros dois oleodutos que poderiam servir como alternativa a Ormuz são o Kirkuk–Baniyas Pipeline e o Kirkuk–Ceyhan Pipeline. O primeiro, fora de operação desde a Guerra do Iraque em 2003, levava a produção da região semiautônoma do Curdistão iraquiano ao porto sírio de Baniyas; o segundo, que alterna períodos operacionais e não operacionais, é constante alvo de sabotagem e ataques de grupos terroristas como o Estado Islâmico (EI), e transporta a produção iraquiana ao porto turco de Ceyhan no Mar Mediterrâneo.18 Como pode ser observado nas figuras 5 e 6, os países do Norte da África também exportam hidrocarbonetos por dutos. A Argélia por exemplo, transporta grande parte de sua produção de gás natural do campo de Hassi R’Mel, o maior do país, via gasodutos submarinos para a Europa. Dali partem os dutos Trans- Mediterranean, ou Enrico Mattei Pipeline, que atravessa a Tunísia e chega até à Sicília, na Itália; Medgaz, que chega até a cidade de Almería, na Espanha; e o –Europe Gas, também conhecido pelo nome de Pedro Duran Pipeline, que passa pelo território do Marrocos e chega até Córdoba, também na Espanha. Além dos três dutos norte-africanos mencionados, existe um projeto conjunto dos governos da Nigéria e da Argélia para a criação do gasoduto Trans- Saariano, cuja pretensão é ligar a região de Warri, no Sul da Nigéria – passando pelo Níger – até o campo de Hassi R’Mel, de onde pretende-se transportar o gás nigeriano para a Europa usando as estruturas dos dutos acima mencionados.

17 Para trabalhar esta informação foram consultadas todas as edições do OAPEC Annual Statistical Report entre os anos de 2010 e 2019. Disponíveis em: Acesso em: 24 de junho de 2020.

18 A Turquia, embora não seja um país árabe e nem faça parte de organizações como a OPAEP e a OPEP, desempenha um importante papel de trânsito de dutos, devido à sua posição geográfica, e de escoamento das exportações de petróleo e gás natural oriundas de países do Oriente Médio, do Cáucaso e da Rússia em direção ao Mediterrâneo. 59

Figura 5 - Dutos internacionais no Norte da África

Fonte: Interfax Energy19

A Líbia, em seu turno, mesmo após o conflito interno existente no país desde 2011, não desativou o sistema de gasoduto Greenstream, inaugurado em 2004. Esse duto liga o campo de Wafa, próximo à fronteira com a Argélia, à Sicília, na Itália, para transmitir gás natural para a Europa e, assim como, os dutos argelinos complementam a demanda europeia de petróleo e gás natural competindo com outros grandes fornecedores da OPAEP situados na Península Arábica e com a Rússia. (BAHGAT, 2009, 46-48). O Egito, além do já citado oleoduto SUMED, que liga o Mar Vermelho ao Mediterrâneo, também conta com o Arab Gas Pipeline (AGP) que leva o gás natural egípcio produzido em Arish, na Península do Sinai, para a Jordânia, Síria e Líbano. Apesar de o AGP ter sido constante alvo de ataques terroristas que visam destruir suas estruturas e interromper seu fluxo de energia, ele ainda é reconhecido como um importante gasoduto na região.

19 Disponível em: Acesso em: 4 de julho de 2017.

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Figura 6 – Arab Gas Pipeline

Fonte: Global Research20

O Dolphin Pipeline, como mostra a figura 7 – sistema de gasodutos que transmove a produção do campo North Dome/South Pars – transporta a produção de gás do lado catari por via submarina até Taweelah nos EAU, de onde é feita a transmissão para o restante do país. Os EAU são os maiores importadores de gás natural entre os países da OPAEP. Embora Abu Dhabi possua a sétima maior reserva mundial de gás natural, a produção nacional não supre a demanda interna. Assim, o Catar se apresenta como o maior provedor desse recurso para o país (THE BRITISH PETROLEUM COMPANY, 2020).

20 Disponível em: Acesso em: 27 de julho de 2017. 61

Figura 7 – Dolphin Pipeline

Fonte: Dolphin Energy21

Diferente do transporte marítimo por navios petroleiros ou gaseiros, os oleodutos e gasodutos têm alcance pontual e limitado pela extensão de suas estruturas. Apesar disso, os dutos desempenham função de destaque na geopolítica do petróleo porque conduzem a produção por caminhos alternativos aos chokepoints. Além dos elementos relacionados à geografia, do ponto de vista comercial, a relevância da entidade árabe no comércio internacional de óleo e gás é refletida pelos números. Quanto ao petróleo, de acordo com análise dos dados disponibilizados pelo British Petroleum Statistical Review of World Energy 2020, até o final do ano de 2019 os países da OPAEP compartilhavam pouco mais de 42% das reservas internacionais comprovadas de petróleo e eram responsáveis por cerca de 31% da produção mundial desse recurso. Em relação ao gás natural, os países da entidade árabe foram a fonte de produção de quase 15% de todo o gás natural do globo e controlavam 25% de todas as reservas internacionais. O gráfico 1 apresenta a distribuição das reservas de petróleo por Estado associado à OPAEP nos anos de 1999, 2009 e 2019, representando o fim do

21 Disponível em: Acesso em: 2 de agosto de 2017. 62 século XX e as duas primeiras décadas do século XXI. Nele é possível verificar que todos os países mantiveram reservas comprovadas estáveis ou crescentes. Da mesma forma, o gráfico possibilita conferir a predominância saudita em relação aos demais membros da organização árabe. Aliás, em larga medida as reservas petrolíferas do bloco têm crescido graças a descobertas de novas jazidas na própria Arábia Saudita e no Iraque. No nível global, os sauditas que em 1998 e 2009 possuíam a maior reserva petrolífera do mundo, em 2018 apareceram na segunda posição atrás da Venezuela, que ocupa o primeiro lugar desde 2010.

Gráfico 1 – Reservas de petróleo dos países da OPAEP em bilhões bpd

Fonte: Elaboração Própria. Dados do BP Statistical Review of World Energy 2020 e do OAPEC Annual Statistical Report 2011 e 201922

22 Disponível em: e Acesso em: 26 de junho de 2020. Como a BP não apresenta dados relacionados às reservas do Bahrein, a informação para este país foi complementada pelo OAPEC Annual Statistical Report. Para 1999 não foram encontrados valores para as reservas bareinitas e para 2019 ainda não foi publicado. Portanto, como 0,1 tem sido replicado desde 2014 na mesma publicação, no gráfico foi inserido como forma de estimativa nesse mesmo valor. O relatório da OPAEP não foi usado como a base principal do gráfico pelo fato de a BP ser uma das bases de dados que compõem as estatísticas da OPAEP e, como há valores discrepantes privilegiou-se empregar a fonte mais confiável. Ademais, o documento da BP permite a comparação com outros países do mundo, algo que o da OPAEP não faz. A BP entende como reservas petrolíferas não só o petróleo bruto, mas também condensado de gás e líquidos de gás natural recuperáveis nos campos petrolíferos. 63

O gráfico 2 exibe a estimativa de reservas de gás natural da OPAEP para o mesmo período de tempo. Ao observar a mesma percebe-se que nesse quesito o Catar supera em muito todos os outros parceiros de organização.

Gráfico 2 - Reservas de gás natural dos países da OPAEP em trilhões de metros cúbicos (m3)

Fonte: Elaboração Própria. Dados do BP Statistical Review of World Energy 202023

Doha controla a terceira maior reserva mundial de gás natural atrás apenas de Irã e Rússia. Desde 2006, quando superou a Malásia como maior exportador de GNL, o Catar se mantém na primeira posição respondendo por aproximadamente 22% das vendas internacionais desse produto em 2019, seguido pela Austrália com também cerca de 22%. A Austrália e os EUA são os principais competidores do Catar no mercado global de GNL. Nada obstante, como as exportações australianas saltaram de cerca de 26 trilhões m3 para 104,7 trilhões m3, entre 2011 e 2019, enquanto, no mesma séria anual a catari cresceu de 100,7 trilhões m3 para 107,1 trilhões m3, é possível inferir que se o país da Oceania mantiver o mesmo nível de evolução de exportações, possivelmente assumirá o posto de maior fornecedor mundial de GNL ainda nos primeiros anos da década de 2020.

23 Disponível em: Acesso em: 26 de junho de 2020. 64

É importante destacar que apesar de serem reconhecidos como grandes produtores, alguns países da OPAEP são também grandes consumidores de energia primária. Ainda segundo os dados da BP, só no ano de 2019 os afiliados da instituição árabe reunidos consumiram mais de 28,18 exajoules (EJ), pouco menos do que a totalidade consumida pelo somatório dos Estados da América do Sul e Central, que juntos consumiram 28,61 EJs no mesmo ano. A Arábia Saudita, por exemplo, com sua população de aproximadamente 34,2 milhões de pessoas (UNITED NATIONS, 2019), teve uma demanda, avaliada em cerca de 11,4 EJs. Esse nível de consumo é tão alto que o Brasil com uma população estimada em cerca de 211 milhões de habitantes consome em torno de 12,40 EJs. O clima desértico, o calor, a alta taxa de eletricidade empregada nas plantas de dessalinização de água do país, bem como os subsídios governamentais para consumo de energia elétrica, combustíveis e água, são condicionantes do grande dispêndio energético do Estado árabe. O consumo de petróleo saudita é avaliado com maior profundidade nos capítulo 4 e 5. Mesmo que os dados da BP apresentem números significativos, é provável que eles poderiam ser ainda mais expressivos se não houvesse os problemas de instabilidade e de guerras que assolam alguns países da região desde a Primavera Árabe, em 2011, como a Líbia, o Iraque e a Síria.

5. Estrutura organizacional e resultados da cooperação no âmbito da OPAEP Antes de iniciar a discussão sobre os resultados da cooperação alcançados no domínio da instituição árabe, faz-se necessário elucidar alguns aspectos que diferenciam a OPAEP da OPEP. Ambas são organizações de países que são produtores e exportadores de petróleo, ou que adquirem parte significativa de suas receitas através da exploração e da venda do recurso no mercado internacional. Inclusive, seis dos dez membros da OPAEP também são associados da OPEP como já abordado na primeira seção deste capítulo. A primeira diferença entre essas duas OIs diz respeito à área geográfica de atuação, pois enquanto a OPAEP é uma organização intergovernamental voltada para a cooperação regional dos países árabes produtores de petróleo, a OPEP abrange Estados de cinco regiões geográficas diferentes (África 65

Ocidental, América do Sul, Leste Asiático, Norte da África e Oriente Médio), obtendo dessa forma uma projeção internacional mais acentuada. Aliado a isso, enquanto ao longo de sua existência a OPAEP tem privilegiado mais a cooperação no sentido técnico do que político, a OPEP tem provado ser um espaço de maior atuação política do que técnica, concentrando esforços em coordenar e unificar as políticas petrolíferas dos Estados associados, bem como proteger seus interesses individuais e coletivos. Influenciar e buscar a estabilidade de preços combatendo a volatilidade acentuada deles no mercado global também faz parte dos seus objetivos primários, o que faz total sentido se considerada a missão da organização apresentada em seu estatuto como pode ser observado abaixo:

O objetivo principal da organização será a coordenação e a unificação das políticas petrolíferas dos países membros e a determinação dos melhores meios para salvaguardar seus interesses, individual e coletivamente. A organização deve elaborar formas e meios de assegurar a estabilização dos preços nos mercados internacionais de petróleo com o objetivo de eliminar as flutuações nocivas e desnecessárias. Devem ser devidamente respeitados os interesses das nações produtoras e a necessidade de assegurar uma renda estável para os países produtores; um abastecimento eficiente, econômico e regular de petróleo para as nações consumidoras; e um retorno justo de capital para aqueles que investem na indústria do petróleo. (Organization of the Petroleum Exporting Countries Statute, article 2. Tradução nossa).

A OPAEP, por sua vez, procura estabelecer a cooperação de seus membros em diversas formas de atividade econômica na indústria petrolífera. Para isso, a entidade tem sido um vetor para a criação de mecanismos para: manter coordenação das políticas econômicas do petróleo de seus membros; harmonizar os sistemas jurídicos dos países membros, na medida do necessário para permitir que a organização realize sua atividade; ajudar os membros a compartilharem informações e conhecimentos proporcionando oportunidades de treinamento e emprego para os cidadãos dos países membros, onde tais possibilidades existirem; promover a colaboração conjunta dos membros na elaboração de soluções para os problemas enfrentados na indústria do petróleo; e estabelecer projetos conjuntos nas várias fases da indústria do petróleo (ORGANIZATION OF ARAB PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, [201-?]). 66

Talvez a melhor distinção entre a OPAEP e a OPEP tenha sido feita por Yamani com a seguinte declaração: “a OPEP é uma organização de nível governamental cujo propósito primário é manter a estabilidade do preço do petróleo, enquanto a OPAEP é uma espécie de mercado comum de petróleo” (MAACHOU, 1982, p. 101). No que tange a sua estrutura organizacional, a OPAEP é formada por quatro órgãos, que são: o Conselho de Ministros; o Gabinete Executivo; o Secretariado Geral; e o Conselho Judicial. O Conselho de Ministros, formado por um representante de cada Estado Parte (Ministro do Petróleo ou equivalente), é a autoridade suprema da associação e tem a responsabilidade de estabelecer suas diretrizes e de definir sua política geral, aprovar o orçamento anual, aprovar os acordos da instituição com outras organizações, entre outras atividades. O Gabinete Executivo auxilia o Conselho na supervisão dos assuntos da organização submetendo propostas e recomendações para consideração do primeiro, elaborando agendas de encontros dos ministros, revisando o projeto de orçamento anual, avaliando os regulamentos de pessoal do Secretariado, ente outras atividades de caráter burocrático. Esses dois órgãos se reúnem no mínimo duas vezes ao ano podendo ocorrer encontros extraordinários se convocados por algum dos membros ou pelo Secretariado. A Secretaria Geral assume a função de planejamento executivo e administrativo da OPAEP de acordo com o direcionamento do Conselho. Esse órgão é formado por um Secretário Geral, apontado pelo Conselho com mandato de três anos podendo ser renovado por período ou períodos equivalentes, e três Secretários Assistentes, também apontados pelo Conselho com mandatos de quatro anos prorrogáveis por período ou períodos com a mesma extensão temporal. O Secretário-geral é o representante legal da entidade. O Conselho Judicial é o órgão jurídico permanente de solução de controvérsias da OPAEP e é constituído de não menos de sete e não mais de onze juízes árabes, todos eleitos pelo Conselho de Ministros entre candidatos apontados pelos países associados. Os juízes podem ser reeleitos apenas uma vez. O Tribunal foi estabelecido em maio de 1978 por um protocolo especial, o Protocol of Judicial Board of the Organization of the Arab Petroleum Exporting Countries, que foi anexado ao acordo original da OPAEP e passou a vigorar em abril de 1980. 67

De acordo com o documento oficial sobre as atividades do Conselho Judicial, o Tribunal é competente para deliberar sobre situações relacionadas à interpretação e a aplicação do acordo da instituição; divergências envolvendo dois ou mais membros; questões outras que o Conselho de Ministros considere que possam ser julgadas; disputas envolvendo qualquer Estado Parte e uma companhia de petróleo operando em seu território; litígios envolvendo a entidade e Estados associados e/ou companhias a eles pertencentes; e disputas envolvendo qualquer membro e uma companhia de petróleo pertencente a outro membro da organização. Os casos apresentados à arbitragem da Corte devem ter anuência das partes envolvidas (Protocol of Judicial Board of the Organization of the Arab Petroleum Exporting Countries, Clause 24. In: MAACHOU, 1982, p.173, 174). No que tange às atribuições do Tribunal, Bernhardt (1983, p. 284-286), explica que as regras estabelecidas no acordo e no protocolo são inspiradas nos Estatutos da Corte Internacional de Justiça e no Tribunal de Justiça da CE, atual União Europeia (UE). Além disso, ele chama a atenção para o fato de que a possibilidade de companhias estatais e privadas de petróleo poderem se envolver em um tribunal internacional para resolverem questões inerentes ao setor ser um avanço importante promovido pela OPAEP. O autor ainda salienta que para julgar os casos submetidos ao Conselho Judicial, o Tribunal pode recorrer às seguintes fontes do Direito Internacional:

1) O acordo de fundação da organização e os tratados internacionais que vinculam as partes; 2) O direito internacional consuetudinário; 3) Princípios gerais de direito reconhecidos pela comunidade jurídica internacional; 4) Princípios comuns nos sistemas jurídicos dos Estados membros; 5) Jurisprudência baseada em decisões da Corte e do Direito Público dos Estados membros, esse último como fonte subsidiária. 6) Direito Islâmico

Vale ressaltar que os princípios do Direito Islâmico são aplicáveis, prevalentemente, a litígios envolvendo pessoas jurídicas pertencentes à OPAEP: 68

Estados, empresas ou mesmo a própria instituição. Quando as disputas submetidas ao Tribunal envolverem pessoas jurídicas de origem externa à OPAEP, ele deve julgar de acordo com a lei que considerar aplicável ao caso (Protocol of Judicial Board of the Organization of the Arab Petroleum Exporting Countries, Clause 26. In: MAACHOU, 1982, p.173, 174). Apesar de tudo, De Baere e Wouters (2015, p. 30) classificam o órgão como amplamente inativo pelo fato de apenas dois casos terem sido submetidos à apreciação dos seus magistrados. O primeiro julgamento foi proferido no Kuwait em 1989 e o segundo foi processado no Cairo em 1994. O primeiro envolvendo Iraque e Síria foi dispensado pelo Tribunal devido ao seu caráter político. O segundo caso foi entre a Arab Maritime Petroleum Transport Company (AMPTC) e a Argélia (ROMANO. In: ROMANO; ALTER; SHANY, 2014, p. 118). Com base no artigo 2 do acordo de fundação da OPAEP, foram criadas algumas empresas e joint ventures com o intuito de estreitar os laços e coordenar a cooperação entre os membros em atividades relativas à indústria petrolífera. Algumas dessas companhias deixaram de existir como a Arab Engineering Company, fundada em 1981 e liquidada em 1989, que tinha como objetivo apoiar as empresas nacionais de engenharia mediante a prestação de assistência especializada, treinamento e organização de uma base operacional comum. Sua sede ficava em Abu Dhabi, nos EAU (MAYS, 2015, p. 72). As joint ventures que ainda se encontram em atividade são a AMPTC, Arab Shipbuilding and Repair Yard Company (ASRY), Arab Petroleum Investments Corporation (APICORP), Arab Petroleum Services Company (APSCO) e Arab Petroleum Training Institute (APTI). A AMPTC foi fundada em 1972 como pessoa jurídica independente com a missão de prestar serviços de transporte marítimo de hidrocarbonetos em benefício da OPAEP e de seus membros, assim como para negociar de forma independente no mercado internacional. Entre seus clientes, além das estatais de óleo e gás dos associados da OPAEP, encontram-se companhias como a Petrobras, BP, Chevron-Texaco, Shell e Total, por exemplo. Salvo a Síria, todos os membros da organização são acionistas da AMPTC. A sede da empresa fica no Kuwait e seus escritórios de operações ficam no Egito.24

24 Para acessar o website da AMPTC ver: Acesso em: 8 de agosto de 2017. 69

Estabelecida formalmente em 1977 no Bahrein, a ASRY opera docas secas e flutuantes e atua em reparos, manutenção e revisão de navios-tanque (petroleiros e gaseiros). A ASRY trabalha com quatro divisões de serviços: reparação de navios, serviços offshore, serviços de consultoria e uma divisão de energia dedicado à produção de barcaças de geração de energia (MAYS, 2015, p. 85). Sem contar as companhias de países da OPAEP, a empresa fornece serviços a clientes como a brasileira Transpetro, a Marinha Britânica, Euronav e a Maersk. Além disso, a ASRY possui parcerias com empresas de logística na China, Suécia, Paquistão, Noruega e Brasil, onde trabalha com a Sonave- Comercio e Representações Ltda. com escritório na cidade do Rio de Janeiro. Em 2011, 2013, 2015 e 2016, a ASRY ganhou o Prêmio de Estaleiro do Ano da Lloyds List Middle East and Indian Subcontinent (pertencente ao Lloyd's List Group)25 uma das principais honrarias da região na indústria naval. Com exceção de Argélia, Egito e Síria, todos os outros países da OPAEP são acionistas da ASRY (ORGANIZATION OF ARAB PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, [201?]). Sediada em Damman, na Arábia Saudita, em 1974 a APICORP foi fundada como banco multilateral pelos produtores árabes de petróleo da OPAEP com a participação de todos os membros da organização como acionistas. Seu principal objetivo é ser um parceiro financeiro confiável dos países árabes exportadores de petróleo e gás natural, auxiliando com consultoria, pesquisa e principalmente com financiamento de projetos relacionados à indústria de energia. A corporação participa de projetos conjuntos em países como o Bahrain, Egito, Iraque, Líbia, Arábia Saudita, Jordânia e Tunísia26. Esses dois últimos não são membros da OPAEP. A APSCO foi fundada em 1977 e é sediada na Líbia. Todos os países da OPAEP são acionistas da empresa. A função da APSCO é fornecer serviços

25 O grupo britânico Lloyd's List Group faz parte do Informa Group, um dos principais fornecedores mundiais de informações e serviços especializados para as comunidades empresariais, científicas, profissionais e comerciais. As produções da Lloyd's List remontam a 1734. Todas as premiações vencidas pela ASRY podem ser consultadas em: Acesso em: 8 de agosto de 2017.

26 Para acessar o website da APICORP ver: Acesso em 12 de outubro de 2017.

70 petrolíferos criando filiais, que com especialização em um ou mais ramos do setor petrolífero. Atualmente a companhia conta com três subsidiárias: The Arab Drilling And Workover Company, cuja tarefa envolve operações de perfuração de poços onshore e offshore, nos países membros e em outros países; Arab Geophysical Exploration Services Company, que trabalha com levantamentos geofísicos; e The Arab Well Logging Company, especializada em operações de perfuração e outras operações técnicas para a descoberta e desenvolvimento de campos petrolíferos27. O APTI, fundado em 1979 e sediado em Bagdá, Iraque, foi criado com o objetivo de preparar instrutores qualificados para capacitar os diversos aspectos técnicos da indústria petrolífera e para aumentar o pessoal administrativo e técnico responsável pelas diferentes áreas desse setor, bem como para a realização de pesquisas e de estudos relacionados às técnicas de organização industrial, metodologia e técnicas de treinamento e educação. O APTI também funciona como um sistema central de informação e documentação relacionados à indústria do petróleo. O instituto é a joint venture que tem enfrentado as maiores adversidades devido às guerras envolvendo o Iraque desde a Guerra do Golfo de 1990-91, a Guerra do Iraque de 2003 e a guerra civil iraquiana de 2014. Em maio de 2017, o iraquiano Shawki Al-Khalisi, chefe de estudos do APTI à época, em entrevista por ocasião da 11° Conferência de Petróleo do Iraque, comentou que a função do instituto é contribuir para desenvolvimento e qualificação de recursos humanos para o setor de óleo e gás (INTERVIEW..., 2017). Além das empresas fundadas por meio da OPAEP, a própria instituição enquanto pessoa jurídica independente se relaciona com outras organizações regionais como a Liga Árabe, o Fundo Árabe para Desenvolvimento Económico e Social e a Organização Árabe para Desenvolvimento Industrial e Mineração. A cooperação entre essas organizações se dá, entre outras formas, por meio da Conferência Árabe de Energia (CAE). Até o ano de 2017 já ocorreram dez reuniões da CAE, a primeira foi no ano de 1979 em Abu Dhabi, nos EAU, e a última, em 2014, na cidade de Trípoli, Líbia. A OPAEP também possui parcerias com o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) – formado por Arábia Saudita,

27 Para acessar o website da APSCO ver: Acesso em: 8 de agosto de 2017. 71

Bahrein, Catar, EAU, Kuwait e Omã – e outras OIs, como por exemplo a OPEP, a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fórum Internacional de Energia (FIE) e o The Oxford Institute for Energy Studies – especializado em pesquisas avançadas sobre economia e política energética internacional – o qual a OPAEP é membro fundador. A instituição também encoraja a pesquisa científica por meio de concursos de artigos, com temas ligados à indústria do petróleo e outras fontes energéticas, com premiações em dinheiro para os dois primeiros colocados na disputa pelo OAPEC Award for Scientific Research. As chamadas para submissões são bienais, a análise da classificação de artigos é feita por um comitê de avaliadores e um certificado de apreciação é concedido pelo Conselho de Ministros. As submissões de artigos são restritas a pessoas físicas, sendo vedadas a participação de instituições e organizações.

6. OPAEP e Cooperação: Uma OI de compliance ou enforcement? Desde sua fundação em 1968, com exceção da guerra árabe-israelense de 1973, o papel da OPAEP enquanto OI tem ficado restringido à cooperação em âmbito regional, cumprindo com certo grau de eficiência os objetivos do artigo 2 do seu acordo de fundação. Apesar disso, é importante ressaltar que mesmo como pessoa jurídica independente, a OPAEP existe e busca cumprir suas funções institucionais porque são os Estados-membros que, em última instância, a gerenciam, financiam e concedem poder para a realização de suas tarefas. Isso indica que na relação de poder entre a OPAEP e seus membros prevalecem os interesses dos próprios membros, pois eles se sujeitam à cooperação por decisão própria e, como Estados soberanos, têm liberdade para dela se retirarem – com todos os custos políticos e econômicos que isso possa implicar – quando julgarem necessário, como fez a Tunísia em 1986. Ademais, até mesmo a submissão de litígios judiciais ao Conselho Judicial depende da vontade dos Estados ou do corpo diretivo das companhias petrolíferas nacionais e internacionais que atuem em seus territórios. Nessa lógica, sem um artifício de imposição de força capaz de garantir que os membros cumpram as normas do Tratado da instituição, cabe-se indagar o porquê de a OPAEP ainda continuar existindo depois de quase meio século desde sua 72 fundação. Antes de responder à indagação faz-se necessário buscar compreender o motivo pelo qual os Estados fundadores – Arábia Saudita, Líbia e Kuwait – decidiram cooperar e, de igual modo, a razão pela qual continuaram assim fazendo após o ingresso de novos associados. Sobre isso, Hedley Bull admite o seguinte:

Uma sociedade de Estados (ou sociedade internacional) existe quando um grupo de Estados, conscientes de certos interesses e valores comuns, estabelece uma sociedade no sentido de que eles se concebem ligados por um conjunto comum de regras em suas relações uns com os outros, e participam do trabalho de instituições comuns. (...) Isso ocorre porque, reconhecendo certos interesses comuns e talvez alguns valores comuns, eles se veem obrigados por certas regras em suas relações mútuas, tais como que eles deveriam respeitar as pretensões de independência uns dos outros, que deveriam honrar os acordos em que eles entram, e que eles devem estar sujeitos a certas limitações no exercício de força uns contra os outros (BULL, 2002, p. 13. Tradução nossa).

A partir do trecho retirado da obra de Bull, é possível descrever alguns dos interesses comuns e valores comuns para o início da cooperação entre os países árabes exportadores de petróleo, entre os quais destacam-se: o petróleo como produto de exportação responsável por uma importante parcela das receitas nacionais; o idioma árabe; os interesses concernentes aos desdobramentos regionais no que dizia respeito às guerras contra Israel; e uma maior autonomia para exploração de hidrocarbonetos em relação às grandes companhias internacionais do Ocidente. Todavia, para que as pretensões de independência dos membros fossem respeitadas, havia de ser firmado um acordo para gerar consenso e confiança entre as partes, sendo assim criada a OPAEP como uma entidade intergovernamental. Esse acordo, ou tratado, seria uma condição para que a colaboração entre os afiliados fosse respeitada, pois “entre os Estados como indivíduos, a cooperação só pode ocorrer com base em acordos, e os acordos podem cumprir sua função na vida social apenas com base em uma presunção de que, uma vez firmado, eles serão mantidos” (BULL, 2002, p. 18). Dessa forma, alguns fatores ou características similares de determinados países como cultura, idioma, religião, etnia, produtos de exportação, entre outros aspectos, contribuem para a formação de uma OI com vistas de aprofundar as 73 relações entre os Estados fundadores e possíveis futuros novos membros. No caso dos países exportadores de petróleo, é possível argumentar que embora possam haver outras, três forças principais conduzem a cooperação no setor:

Três forças conduzem as origens da OPEP e sua resistência contínua. O que une essas três forças e as torna tão poderosas é o fato de que elas são defensivas. Os membros da OPEP tomam medidas, em primeiro lugar, por razões domésticas críticas: para proteger e, quando possível, aumentar suas receitas internas. Em segundo lugar, eles têm o desejo, na economia internacional interdependente, de empurrar o ônus do ajuste para mudar as circunstâncias em outros países e para longe de suas próprias economias domésticas. Em terceiro lugar, eles agem em conjunto com a visão de que somente através da ação coletiva com outros países que compartilham um conjunto de circunstâncias semelhantes eles podem alcançar seus dois primeiros objetivos (MORSE; JAFFE. In: GOLDWYN; KALICKI, 2005, p. 69. Tradução nossa).

Como é possível observar, a citação acima diz respeito aos fatores que contribuíram para a criação e manutenção da OPEP. Todavia, esse fragmento textual também serve para explicar o porquê da continuidade da existência da OPAEP, pois conforme o item 3 do artigo 2 do acordo da organização, salvaguardar os interesses legítimos dos membros na indústria do petróleo individual e coletivamente é um dos objetivos primários e indispensáveis da instituição. Nesse sentido, CLAES (2001, p. 14) argumenta que os países produtores de petróleo cooperam em OIs, como a OPEP e a OPAEP, porque em última instância procuram o bem comum para todos cuja renda nacional é favorecida pelas exportações de óleo. O bem comum na visão do autor seria um preço mais alto para venda. Essa afirmação, no entanto, não pode ser considerada totalmente correta, haja vista que um preço muito alto favorece tanto a competição de outros Estados produtores não-membros das instituições supracitadas, quanto a substituição do petróleo por outras commodities em determinados nichos de mercado. Nessa lógica, uma afirmação mais razoável poderia alegar que o bem comum desses países seria o controle dos preços internacionais, ou a influência do grupo sobre eles, bem como a possibilidade de buscar unificar posições políticas e técnicas a fim de assumirem um papel de relevância internacional que sozinhos não conseguiriam alcançar. Ainda assim, esse raciocínio não pode ser tomado como algo inteiramente acertado nem 74 universalmente aceito, porque cada Estado da organização possui interesses particulares que correspondem às necessidades de suas realidades internas. Todavia, no século XXI, nem as guerras contra Israel28 e nem a busca pela autonomia de mercado em relação às grandes companhias petrolíferas europeias e norte-americanas figuram entre as maiores prioridades dos países da instituição árabe. Somente o petróleo (e o gás natural) como produto relevante para a geração de receitas e investimento nos demais ramos desse tipo de indústria permaneceu entre as principais condições de cooperação da OPAEP (o que afinal era o elemento fundacional básico para o estabelecimento da organização). Isso tem viabilizado uma maior interação entre seus membros que demonstram o mínimo interesse de utilizar o recurso como artifício de política externa, voltando-se, assim, para a cooperação técnica e indo ao encontro dos objetivos cristalizados no artigo 2 do acordo da entidade que, como visto na primeira seção deste capítulo, aponta os cinco objetivos primários que devem conduzir as atividades da organização. Em vista disso, uma possível explicação para a manutenção da cooperação no âmbito da organização é abordada por Keohane e Martin (1995, p. 42), que afirmam que “as instituições podem fornecer informações, reduzir os custos de transação, tornar os compromissos mais confiáveis, estabelecer pontos focais para a coordenação e, em geral, facilitar o funcionamento da reciprocidade”. Não obstante, é relevante esclarecer que os diferentes membros da OPAEP (e por extensão da OPEP) possuem diferentes expectativas quanto ao funcionamento e coesão do grupo ao qual pertencem. No caso específico da instituição árabe, vale ressaltar que as relações entre os países associados estão longe de ser homogêneas, pois como atores com características distintas, os Estados possuem interesses e percepções diferentes e, portanto, também agem de formas diferentes. Por isso, entre eles já houveram disputas e conflitos de diferentes aspectos, incluindo sanções e embargos econômicos, rompimento de relações diplomáticas e guerras. Um exemplo de conflito armado envolvendo membros da OPAEP é a Guerra do Golfo, quando o Iraque invadiu o Kuwait em agosto de 1990 e que, no fim janeiro de 1991, Saddam Hussein chegou a enviar tropas iraquianas para

28 Aliás, até a conclusão da pesquisa quatro países árabes já haviam reconhecido Israel como Estado, três deles afiliados à OPAEP: Egito, Jordânia, EAU e Bahrein. 75 atacar a cidade saudita de Khafji, próxima à fronteira com o Kuwait. A guerra civil da Líbia iniciada em março de 2011, é um outro exemplo, pois a campanha de bombardeio aéreo encabeçada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) recebeu apoio de países árabes pertencentes à OPAEP, a exemplo dos EAU e do Catar. O primeiro chegou a oferecer apoio aéreo à OTAN, com missões de caças de sua própria Força Aérea; enquanto o segundo, além da aviação, chegou a enviar tropas para atuar no terreno em conjunto com os rebeldes contrários ao regime de Muammar al-Gaddafi (MONIZ BANDEIRA, 2013, P. 273,274). Ainda sobre o Catar, o periódico britânico The Guardian publicou em outubro de 2011 uma declaração do então chefe do Estado-Maior do emirado, Major-General Hamad bin Ali al-Atiya, que corroborava a participação de Doha no conflito:

Nós estávamos entre eles [rebeldes] e o número de cataris no solo era de centenas em todas as regiões. Treinamento e comunicações estavam nas mãos do Catar. O Catar ... supervisionou os planos dos rebeldes porque são civis e não têm experiência militar suficiente” (...). “Nós agimos como o elo entre os rebeldes e as forças da OTAN" (BLACK, 2011. Tradução nossa).

Além de conflitos militares, rusgas diplomáticas e embargos de petróleo também demonstram que as relações entre os Estados da OPAEP estão longe de serem harmoniosas. Em outubro de 2016, a Arábia Saudita suspendeu o fornecimento de petróleo para o Egito. A medida foi tomada, aparentemente, em resposta ao apoio do governo egípcio à Rússia para manutenção de Bashar al- Assad na presidência da Síria, o que não agradou os sauditas que, na ocasião, tinham interesse em sua destituição. Outra possível motivação teria sido o uso do recurso como instrumento político para pressionar o país africano a solucionar uma indefinição jurídica envolvendo a transferência de duas ilhas controladas pelo Cairo para a Arábia Saudita no Mar Vermelho. Em março de 2017 as ilhas se tornaram territórios sob soberania saudita (FAROUK; KNECHT, 2017). Uma outra situação de repercussão diplomática foi a crise do Catar de 2017, cujo desdobramento teve início como uma declaração, não confirmada de forma oficial, do emir Tamim bin Hamad al-Thani à Qatar News Agency na qual ele aceitava o Irã como uma potência islâmica; afirmava não haver razão para que os países árabes fossem hostis com Teerã; admitia boas relações com 76

Israel; e reconhecia o Hamas como representante oficial dos palestinos. Embora o emir catari tenha afirmado que tal declaração não tenha sido feita por ele, a Arábia Saudita e países como o Bahrein, EAU e Egito cortaram relações com Doha (QATAR..., 2017). Além de conflitos militares e diplomáticos, existe também a possibilidade do esfriamento de relações entre os países pertencentes à OPAEP mesmo que os laços diplomáticos não sejam de fato desfeitos. É o caso de Arábia Saudita e Líbia, que não alimentaram aproximação diplomática por cerca de quatro décadas de governo Gaddafi29 por conta de distúrbios políticos entre ambos os países (EL-KATIRI. In: PARTRICK, 2016, n.p.). Posto isso, para responder se a OPAEP é uma organização de compliance ou enforcement é preciso compreender a definição de ambos os termos. Raustiala e Slaughter definem compliance como “um estado de conformidade ou identidade entre o comportamento de um ator e uma regra especificada”. Para os autores, no entanto, não é necessariamente obrigatória a existência de um tratado ou acordo internacional para que os Estados ajam em conjunto para atingir propósitos semelhantes. Por outro lado, os autores entendem que o conceito de enforcement enfatiza as dimensões estratégicas da cooperação, o papel central da obrigação e a qualidade endógena das regras e instituições, defendendo que os acordos com maior grau de profundidade entre as partes exigem penas mais severas para impedir o descumprimento e sustentar a cooperação (RAUSTIALA; SLAUGHTER, 2002, p. 539; 542-543). Uma definição mais simples de ambos os termos é feita por Von Stein (2010, n.p) que entende compliance como o grau em que o comportamento do Estado cumpre o que o acordo prescreve ou proíbe e enforcement como “a existência de sanções ou alguma consequência material no caso de não cumprimento”. Downs, Rocke e Barsoom (1996, p. 380) defendem que, em relação a acordos internacionais, a cooperação no sentido de compliance geralmente proporciona bons resultados e, por outro lado, cooperação com grau elevado de enforcement tem tido um papel de baixa relevância nas relações interestatais, haja vista que os Estados como atores soberanos podem deixar de cumprir alguma determinação em âmbito internacional se o custo de a cumprir for de

29 Gaddafi chegou ao poder em setembro de 1969 e a OPAEP foi criada em janeiro de 1968. 77 encontro aos seus interesses primordiais. Os autores afirmam que o que garante o cumprimento dos tratados não é a ameaça da punição, mas sim um processo de interação entre as partes envolvidas no esforço de estabelecer o equilíbrio da vantagem que fez determinado acordo existir e ter aderência internacional. A partir da distinção acima entre compliance e enforcement é possível inferir que a OPAEP é uma organização de compliance, pois mesmo possuindo um tribunal para solução de controvérsias tal mecanismo deve ser provocado pelas partes litigantes para que uma sentença seja emitida, ou seja, o tribunal da instituição possui atribuição de arbitragem e não de coerção. O artifício da punição em tratados de OIs é entendido como muito custoso porque a retaliação por violar um compromisso internacional de integração pode arriscar a quebra da cooperação no presente ou no futuro (DOWNS; ROCKE; BARSOOM, 1996, p. 381). Mesmo assim, os Estados Partes também podem usar a entidade como plataforma de política externa utilizando de instrumentos de punição não acordados em tratado para expulsar membros que se relacionem com um inimigo comum, como foi feito com o Egito em 1979 após celebrar a paz com Israel. Além disso, partindo do princípio de que os Estados membros – mesmo considerados juridicamente partes iguais no tratado – possuem características diferentes de reserva, produção e consumo de petróleo, determinado país pode forçar ou punir certo comportamento de um outro país afiliado de forma a fazê- lo agir de forma que agrade os interesses do primeiro. Não à toa, Von Stein (2010. n.p) afirma que “não surpreendentemente, a coerção é essencialmente a ferramenta dos poderosos” e continua em outro trecho com a reiteração de que enforcement “não é uma questão de direito internacional, mas de interesse nacional e distribuição de poder”. No entanto, ainda de acordo com a autora, enforcement também pode ter uma denotação positiva através de recompensas, algo semelhante aos conceitos de hard e soft power discutidos no capítulo 2 e que no caso do estudo da geopolítica do petróleo aqui desenvolvido, optou-se por utilizar os termos “embargo” e “benevolência” para discutir o emprego da diplomacia do petróleo como instrumento de poder. Um exemplo de Estado Parte da OPAEP e da OPEP que tem a capacidade de punir ou recompensar outros produtores de petróleo a partir de seus próprios recursos nacionais é a Arábia Saudita, que graças a sua 78 capacidade produtiva ociosa pode aumentar sua produção para aumentar a oferta e forçar uma queda nos preços, ou reduzi-la com o intuito de forçar os preços para cima. Em ambos os casos os sauditas buscam atender interesses domésticos, ou seja, interesses superiores aos das OIs mencionadas. No capítulo 5, é debatido esse papel da Arábia Saudita. No entanto, no que diz respeito ao caso da expulsão do Egito após Camp David, tal situação não pode ser qualificada como um caso de enforcement propriamente dito. Isso porque não houve descumprimento de norma jurídica referente ao tratado da OPAEP, mas sim uma alteração da política externa egípcia em relação a Israel, desrespeitando os princípios da Liga Árabe formalizados no artigo 3 da Conferência de Cartum, no Sudão, em 1967, que condenava qualquer relacionamento com Israel negando a paz, o reconhecimento e as relações com esse país (LEAGUE OF ARAB STATES, 1967) Portanto, nesse caso houve intensificação de quebra da unidade da conduta acordada pelos árabes no que tange a Israel e não um descumprimento de normas do tratado em particular. Tanto que o Egito também foi suspenso da Liga Árabe pelo mesmo período como já abordado no primeiro tópico do capítulo. Já o caso da capacidade de coerção da Arábia Saudita é diferente e pode ser enquadrado como enforcement mesmo que no tratado da OPAEP não exista especificação legal ou definição de punições para países que não cumpram as normas do acordo. Em suma, os Estados associados à OPAEP, mesmo diante de crises e conflitos envolvendo um ou mais membros, sustentam a existência da organização e continuam cooperando por meio dela em determinados ramos do setor petrolífero porque escolhem fazê-lo por motivo de conveniência e não porque são obrigados, pois após cinco décadas eles ainda entendem sua relevância em âmbito regional, mesmo a maior parte deles sendo membros da OPEP, que possui uma projeção internacional muito maior do que a organização árabe. Por fim, levando em consideração que as relações entre os países associados à OPAEP não são homogêneas e tendo conhecimento de que a existência da organização não impede conflitos de interesses e até mesmo conflitos armados entre os países membros, conclui-se que a OPAEP é uma organização predominantemente de compliance, pois ela rejeita as sanções e 79 outras formas de coerção em favor da gestão coletiva de desempenho, mas que, por outro lado, também já demonstrou características de enforcement, pois pode recorrer a mecanismos de exclusão de determinados membros em determinados casos em que se posicionem em desacordo com os interesses comuns dos Estados associados.

Considerações Finais Criada com o objetivo de promover a cooperação entre seus membros nos diversos ramos das atividades relacionadas à comercialização do petróleo, de defender seus interesses e de estimular o investimento de capital e expertise na indústria petrolífera dos Estados afiliados, a OPAEP é uma OI cujas atividades influenciam a política de óleo e gás natural em países árabes do Oriente Médio e do Norte da África, mas que possui alcance e parceiros em diversas partes do mundo. Embora a OPEP tenha sido criada antes e com a finalidade de congregar os interesses políticos dos países produtores de petróleo que procuravam se contrapor às grandes companhias internacionais do setor, que controlavam todos os aspectos da indústria petrolífera nesses países – desde a extração até a revenda – a Arábia Saudita, o Kuwait e a Líbia entenderam que a criação da OPAEP como uma entidade formada apenas por países árabes poderia providenciar uma maior integração de políticas voltadas ao mercado petrolífero. Até o Choque do Petróleo de 1973, cinco anos depois de sua fundação, mais sete países haviam aderido ao acordo de cooperação somando-se um total de dez membros. Neste capítulo foi possível perceber que a OPAEP desempenhou um papel importante na Quarta Guerra Árabe-Israelense estabelecendo um embargo de exportações que gerou o Primeiro Choque do Petróleo, muito embora a determinação da elevação nos preços de comercialização desse produto tenha ficado a cargo da OPEP e os resultados do Choque não tenham atingido seus objetivos políticos. No capítulo também foi abordada a importância da organização na geopolítica internacional contemporânea, com uma demonstração de que os países árabes produtores e exportadores de petróleo desempenham papel de 80 referência no mercado global de óleo e gás, com destaque para a Arábia Saudita no primeiro e para o Catar no segundo. Sobre os resultados da integração regional, no que diz respeito à estrutura organizacional da OPAEP, foi explicitado que além da estrutura burocrática existe um tribunal permanente para solução de controvérsias, mesmo tal órgão sendo bastante inativo. Além disso, foram apresentadas as joint ventures criadas pelos Estados Partes e as relações da OPAEP com outras OIs. Quanto à distinção entre compliance e enforcement, verificou-se que a organização analisada foi criada para colaboração nos diversos ramos das atividades relacionadas ao petróleo dos países árabes que dependiam do petróleo para gerar parte significativa de suas receitas. Desse modo, é possível afirmar que a OPAEP possui características de compliance, tendo em vista que os Estados a ela afiliados tornaram-se partes porque escolheram assim o fazer e foram admitidos na instituição pelo fato de atenderem os requisitos básicos para cooperação em nível de aceitação pelas outras partes com quem passariam a interagir de forma coordenada. Da mesma forma, ela já demonstrou algum traço de enforcement quando expulsou o Egito após a consolidação dos acordos de Camp David em 1978. No próximo capítulo será trabalhada a tese principal desta pesquisa que é a concepção de segurança energética considerando aspectos relacionados aos exportadores e importadores de petróleo, onde alguns países da OPAEP possuem papel diferenciado como será abordado ao longo deste trabalho.

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CAPÍTULO II

O Conceito de Segurança Energética

Considerações iniciais Este capítulo tem por objetivo discutir o conceito de segurança energética abrangendo aspectos particulares e comuns dos grupos de países exportadores e importadores de petróleo em manter a ininterruptibilidade do fluxo desse recurso no mercado mundial. Antes de tudo, no entanto, é importante deixar claro que a concepção de segurança energética varia conforme as necessidades, interesses, restrições geográficas e de recursos naturais de um determinado país ou OI formada por Estados soberanos, ou seja, a ideia de segurança energética é diferente e pode ser mutável, e até mesmo moldável, dependendo do ponto de vista a partir do qual é cunhado. Desse modo, propõe-se aqui delinear tal concepção a partir da inferência de que a segurança energética internacional pode ser alcançada, de forma equilibrada, quando há uma situação de estabilidade internacional entre todos os atores relacionados à geopolítica do petróleo. Assim, tomando por base a compreensão de que a preocupação de alcançar a segurança energética, e de resguardá-la, vai ao encontro dos interesses dos Estados produtores e consumidores de petróleo, propõe-se aqui trabalhar o objetivo geral desta tese que é a segurança energética no caso do petróleo e abrir caminho para, nos próximos capítulos, discutir os objetivos específicos que são três fatores que podem contribuir para o equilíbrio da segurança energética. São eles: a ininterruptibilidade do fluxo petrolífero (seja pelo lado do exportador ou do importador);a diversificação de fontes na matriz energética interna dos afiliados à OPAEP, reduzindo o volume de consumo doméstico em relação à quantidade exportada; e o papel da Arábia Saudita como possível afiançadora do equilíbrio do mercado internacional devido à sua capacidade de atuar como produtor de ajuste em nível global. Nesse sentido, nas relações entre os Estados e, mais precisamente, no comércio internacional, é possível identificar três conjuntos de países que têm papel atuante no cenário internacional, são eles: Os países consumidores de 82 energia dependentes da importação de recursos; os produtores de energia dependentes da exportação de recursos; e os países de trânsito, cujos territórios ou áreas marítimas sob sua soberania são amplamente utilizados para ligar o comércio entre os produtores e os consumidores. É sabido que além dos países e OIs existem outros importantes atores que atuam no mercado global de energia, que são as companhias privadas multinacionais e as estatais nacionais (ou companhias nacionais de economia mista) como por exemplo a Shell, a BP, a Total e a ExxonMobil para o primeiro grupo de empresas; e a Saudi Aramco, a Qatar Petroleum, a Petrobras e a Gazprom, no segundo caso. No entanto, este trabalho tem como finalidade analisar questões ligadas ao comportamento dos Estados, de modo que as grandes companhias, quando citadas, encontrar-se-ão sob o escopo de abordagem do comportamento das nações. Dessa forma, para trabalhar com o conceito proposto de segurança energética, este capítulo encontra-se dividido em três tópicos. No primeiro deles é realizada uma breve análise de casos históricos de interrupção do fluxo petrolífero em países da OPAEP por motivo de conflitos bélicos regionais pós- 1973. Sabe-se que casos de interrupção dessa natureza não são uma exclusividade de Estados afiliados à organização, porém, para atender o objetivo desta pesquisa, foram delimitados apenas situações envolvendo os Estados filiados à entidade árabe. No segundo item do capítulo é apresentado o conceito de segurança energética central para o desenvolvimento e sustentação da tese com base em definições de autores acadêmicos, bem como de OIs que são atuantes no setor, como a OPEP, a OPAEP e a Agência Internacional de Energia (AIE), por exemplo. No terceiro tópico é abordado o funcionamento das relações de interdependência no cenário internacional, no qual são discutidas as interconexões das relações comerciais entre alguns países da OPAEP e seus mercados consumidores. Além disso, é também discutido o papel de diálogo e intermediação do FIE nas relações entre exportadores e importadores de petróleo.

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1. Análise de casos de interrupção do fluxo petrolífero em países da OPAEP a partir de guerras regionais pós-1973 O propósito deste primeiro tópico é abordar algumas situações históricas onde houve interrupção do fluxo de petróleo a partir de países que fazem parte da OPAEP. Como não será possível fazê-lo considerando todas as vezes que esse fato ocorreu a partir do Oriente Médio e do Norte da África, serão analisados alguns casos específicos na região do Golfo Pérsico – sub-região onde encontram-se as maiores reservas e os maiores exportadores da organização e por onde o Iraque também escoa sua produção por via marítima– como a Guerra do Irã-Iraque (1980-1988) e a Guerra do Golfo (1990-1991). É importante deixar claro para o leitor que os pormenores dos conflitos citados não serão analisados de forma profunda, privilegiando, assim, uma melhor abordagem dos efeitos das rupturas por eles causadas no âmbito da geopolítica do petróleo. Embora seja reconhecida a sua importância como mobilizador da agenda internacional para garantir a segurança energética e ininterruptibilidade do fluxo de petróleo em âmbito global, o Choque do Petróleo de 1973, já abordado no capítulo anterior, não será discutido nesta seção. Aliás, vale ressaltar que o movimento político dos Estados árabes produtores de petróleo, em outubro do referido, ano não foi uma novidade histórica. Antes de 1973 a restrição de exportações de petróleo já havia sido utilizada como instrumento de política externa em outras ocasiões por esses países, como, por exemplo, durante a crise do Suez em 1956 e na ocasião da Guerra dos Seis Dias, em 1967. Em outubro de 1956 uma coalizão militar formada por Grã-Bretanha, França e Israel atacou a região do Sinai, no Egito, como reprimenda à nacionalização do Canal de Suez pelo governo de Gamal Abdel Nasser. A empreitada desses países suscitou reações de apoio ao governo egípcio – que havia bloqueado o Canal de Suez interrompendo o fluxo de petróleo do Oriente Médio pela rota mais curta até a Europa – em outros Estados árabes como no Kuwait, na Síria e na Arábia Saudita, com sabotagens de dutos que transportavam petróleo para os portos no Golfo, no caso do Kuwait, e com explosões de oleodutos que levavam petróleo do Iraque para o Mediterrâneo, no caso sírio (NUNES. 2016, p. 34). Riad, por outro lado, embora guardasse diferenças políticas com o regime de Nasser, cortou relações e aplicou um embargo de petróleo contra Paris e Londres. 84

“A maioria dos sauditas foram surpreendidos quando Saud apoiou a nacionalização do Canal de Suez pelo presidente Nasser, e que levou à crise do Suez em 1956, enquanto a ARAMCO ainda era responsável pelo pleno controle do petróleo saudita (...) A Arábia Saudita rompeu relações diplomáticas com a Grã-Bretanha após a crise”. (AL-RASHEED, 2010, p.111. Tradução nossa).

No dia 6 de junho de 1967, após a ofensiva israelense contra Egito, Síria e Jordânia (um dia após o início da terceira guerra árabe-israelense), nações como Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Líbia e Argélia suspenderam todos os carregamentos de petróleo para as nações que davam suporte político ou militar a Israel, como os EUA, a Grã-Bretanha e, em menor grau, a Alemanha Ocidental. Os sauditas inclusive chegaram a suspender as operações da Trans-Arabian Pipeline, também conhecida como Tapline, um oleoduto com mais de 1.700 quilômetros que transportava a produção de Dhahran, na costa do Golfo Pérsico, ao porto de Sidom, no Líbano (KAUFMAN, 2014, p. 104). Já os iraquianos suspenderam a navegação de petroleiros pelo canal de Shatt al-Arab,30 reduzindo o fluxo marítimo de petróleo no Golfo. Além da questão política influenciada pelo sentimento anti-israelense, Yergin (2010, p. 627) explica que muitos casos de greves, motins e sabotagens de oleodutos, ocorreram por conta de distúrbios internos nos países árabes. É importante destacar também que perturbações no ciclo petrolífero por embargos, guerras, ou mesmo por motivações políticas não são uma exclusividade dos países da OPAEP. Outros casos de interrupção do fluxo petrolífero internacional de relevância na história da geopolítica do petróleo foram: o embargo norte-americano sobre o Japão, em 1941, como represália às agressões militares de Tóquio na Ásia – notadamente na China e na Indochina – e à aliança tripartite com a Itália de Mussolini e com a Alemanha de Hitler; A crise iraniana de 1953, cujo estopim foi a disputa dos governos britânicos e iraniano, encabeçado pelo Primeiro-Ministro Mohammed Mossadegh, que com apenas um dia no cargo conduziu no congresso uma votação para nacionalização da Anglo-Iranian Oil Company (atual British Petroleum), uma

30 Formado por uma confluência dos rios Tigre e Eufrates no Iraque e de outros afluentes no Irã, o canal é parte do único rio do Oriente Médio que deságua no Golfo. com uma extensão aproximada de 200 km e é o marco geográfico natural de fronteira sul entre o Iraque e o Irã. 85 empresa britânica de economia mista até então controlada majoritariamente por Londres; e o segundo Choque do Petróleo, em 1979, decorrente da Revolução Islâmica iraniana e do início da Guerra Irã-Iraque que perdurou desde 1980 até 1988.

1.1. A Guerra Irã-Iraque (1980-1988) A Guerra Irã-Iraque foi iniciada no dia 22 de setembro de 1980, quando a Força Aérea e o Exército iraquianos atacaram diversos alvos no Irã. Uma das principais razões para a ofensiva de Bagdá foi a disputa pela soberania sobre o canal de Shatt al-Arab. Uma importante rota para o Irã para transportar o petróleo refinado na refinaria de Abadã (uma das maiores do mundo no período) e ao mesmo tempo vital para o Iraque pelo fato de ser a sua única via de acesso ao mar, pincipalmente porque o principal porto iraquiano, Basra, encontra-se dentro do canal. Alguns outros motivos que podem ter cooperado para a guerra foram as desavenças políticas entre Saddam Husseim e o Aiatolá Ruhollah Khomeini – que havia passado quatorze anos asilado no Iraque e que em 1978 foi expulso do país por Saddam após pedido do xá Mohammed Reza Pahlavi – e o temor de Bagdá, com governo secular (e também de outros Estados árabes), de que a Revolução Islâmica transbordasse para outros países da região. Para o Iraque, com uma população majoritariamente xiita, governada pelo partido Baath controlado pela minoria sunita, a ameaça da expansão dos ideais religiosos que derrubaram a dinastia Pahlavi no Irã era considerada um perigo real por Bagdá. De acordo com Yergin (2010, p. 805), nos estágios iniciais da guerra foram retirados do mercado cerca de 4 mbpd, o equivalente a 8% da demanda total de todo o mundo livre, forçando para cima o preço internacional do barril que começava a dar indícios de estabilização após a Revolução Iraniana de 1979. Até o início de 1978, o Irã era o segundo maior exportador mundial de petróleo atrás somente da Arábia Saudita. Dos mais de 5,5 mbpd produzidos pelo país persa, cerca 4,5 milhões eram exportados. Porém devido às greves que assolavam diversos setores da economia nacional, inclusive o petrolífero, em novembro do mesmo ano as exportações caíram para aproximadamente 1 mbpd e até o final de dezembro todas as exportações iranianas haviam cessado por inteiro. Diante das circunstâncias, alguns produtores da OPEP, 86 especialmente a Arábia Saudita, passaram a aumentar sua capacidade produtiva para repor a lacuna deixada pelo Irã no mercado. Nesse contexto, Riad passou a utilizar sua capacidade ociosa de produção para atender à demanda internacional, ultrapassando, assim, seu teto de produtivo auto imposto de 8,5 mbpd para 10,5 milhões no final de 1978, baixando depois para 10,1 milhões no primeiro trimestre de 1979 e voltando para 8,5 milhões no segundo trimestre.31 Em julho de 1979, porém, atendendo ao pedido de Washington, os sauditas voltaram a produzir acima do teto. (YERGIN, 2010, p. 768-781; 787). Aqui, a Arábia Saudita atuou como swing producer no modo repositor, como pode ser observado com maior atenção no subtópico 3.1 do capítulo 5. Os efeitos da Revolução Iraniana no mercado petrolífero internacional levavam os compradores – Estado e companhias – a adquirem mais petróleo do que o necessário para, dessa forma, evitarem pagar um preço mais caro por barril no futuro do que no presente. Nesse sentido, muitos países produtores da OPEP e não-OPEP, como os britânicos, que exportavam petróleo do Mar do Norte, aproveitavam para aumentar continuamente o preço do barril (YERGIN, 2010, p. 789). Contudo, conforme os estoques passavam a ser utilizados a capacidade de barganha dos consumidores aumentava e lentamente os preços voltavam a dar demonstrações de ajuste futuro. O início da guerra entre Irã e Iraque havia derrubado, por ora, as expectativas de estabilização dos preços internacionais porque ambos os países tinham como alvo prioritário as instalações petrolíferas um do outro. Enquanto os iraquianos atacavam Abadã, as forças iranianas retaliavam bombardeando as instalações de exportação de petróleo do Iraque, inclusive Basra, forçando a suspensão de todas as remessas marítimas do país para o exterior e deixando- o, dependente de exportações através dos oleodutos Kirkuk–Ceyhan e Kirkuk– Baniyas que atravessam os territórios da Turquia e da Síria, respectivamente. A última rota, aliás, foi fechada a pedido de Teerã ao partido Baath rival ao de Bagdá em Damasco, reduzindo, assim, a capacidade de exportação iraquiana para cerca de um quarto daquilo que vendia em 1979, quando o país havia

31 Algumas possíveis razões para o recuo produtivo saudita: tentativa de emitir sinais de conciliação com o novo regime em Teerã; demonstração de descontentamento com os Acordos de Camp David; conservação de suas próprias reservas petrolíferas; ou até mesmo a observação de que o Irã em breve retornaria ao mercado internacional. 87 assumido a posição de segundo maior exportador mundial no lugar do Irã. (ALNASRAWI, 1994, p. 79; 83-84). Como em termos materiais a Marinha do país árabe era inferior à persa, Bagdá chegou a encomendar da Itália quatro fragatas e quatro corvetas para fazer frente aos três destroieres, quatro fragatas e quatro corvetas iranianas e recuperar o acesso ao mar. Embora alguns dos navios encomendados tenham sido construídos e lançados ao mar, as embarcações nunca chegaram a ser entregues devido às objeções de Washington em entregar ao governo de Saddam as turbinas a gás fabricadas nos EUA que compunham as embarcações italianas (EL-SHAZLY, 1998, p. 174-180). Com menos oferta de petróleo no mercado internacional mais uma vez a Arábia Saudita desempenhava um papel importante para a estabilização do mercado. De fato, os sauditas, e em menor escala os EAU, haviam adotado uma estratégia, desde os últimos meses de 1978, de produção acima do teto nacional para forçar os preços para baixo e garantir o fornecimento de petróleo a um preço acessível para os consumidores, enquanto outros produtores reduziam sua capacidade produtiva para forçar os preços para cima e conseguirem maiores ganhos financeiros às custas da Revolução Iraniana. O objetivo de Riad era apresentar-se ao mundo como um fornecedor confiável, tendo em vista que tal recurso era (e ainda é) sua principal fonte de receitas e que como detentor das maiores reservas mundiais de petróleo à época, o melhor negócio seria ir contra a ganância de outros produtores da OPEP e garantir a demanda futura do seu principal produto em detrimento de outras fontes de energia e, principalmente, de outros fornecedores emergentes.

Os sauditas não iam deixar que algo tão inconveniente quanto a Guerra Irã-Iraque derrotasse sua estratégia e, em apenas alguns dias após as primeiras batalhas anunciaram um aumento de novecentos mil barris da sua produção diária. (...) só esse aumento equivalia a um quarto da produção perdida nos países beligerantes. Outros produtores da OPEP aumentaram sua produção e até mesmo algum petróleo do Irã e do Iraque estava voltando ao mercado. Ao mesmo tempo, aumentava a produção do México, da Inglaterra, da Noruega e de outros países fora da OPEP. (...) Os compradores agora começavam a se revoltar contra os preços altos (YERGIN, 2010, p. 808).

Alnasrawi (1994, p. 86) explica que ironicamente ao mesmo tempo que o preço do barril caía e o Iraque perdia capacidade de exportação com estruturas 88 danificadas e acesso ao mar restringido pela forças iranianas, mais dependente do petróleo o país ficava “pois a renda decrescente tinha que pagar por importações militares e não-militares essenciais e ainda servir de base para novos empréstimos”. A partir disso três países foram essenciais para manutenção do esforço de guerra de Bagdá: a Turquia, a Arábia Saudita, e o Kuwait. O primeiro permitiu obras de ampliação da capacidade de exportação do Kirkuk–Ceyhan; o segundo, além de suporte financeiro, permitiu a construção do IPSA que, conectado ao East-West Pipeline, transportava o óleo iraquiano até o porto de Yanbu no Mar Vermelho; o terceiro, por sua vez, atuou com suporte financeiro e logístico permitindo, inclusive, a passagem de armas por seu território para abastecer as forças armadas iraquianas (algo que Turquia, Arábia Saudita e Jordânia também faziam). Um outro país importante foi a França, que atuou como seu principal fornecedor de armamentos, oferecendo desde unidades do caça-bombardeiro Super Étendard até mísseis antinavio Exocet, dois importantes componentes do engajamento iraquiano na estratégia daquilo ficou conhecido como a “guerra dos petroleiros” (EL-SHAZLY, 1998, p. 198). Como a exportação do petróleo iraquiano ficou restrita à opção terrestre, Bagdá iniciou uma campanha de ataque aos petroleiros que chegavam e saíam dos portos iranianos que passou a se intensificar a partir de 1984, quando Teerã começou a revidar os ataques da mesma forma. Segundo El-Shazly (1998, p. 208), em determinado momento do conflito os caças iraquianos passaram a atacar até mesmo petroleiros de Estados árabes aliados que se aproximavam da ilha de Kharg, na parte nordeste do Golfo Pérsico próxima à costa iraniana, a ponto do então Ministro do Petróleo saudita Ahmed Zaki Yamani, em reunião da OPAEP de 1984, recomendar que o navios dos países membros não navegassem próximos à Kharg. É importante salientar que apesar de os petroleiros serem os principais alvos também foram atacados navios mercantes de outros tipos. O quadro abaixo mostra o total de embarcações alvejadas (mas não necessariamente afundadas) durante a “guerra dos petroleiros”:

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Tabela 1: Navios atacados por ano durante a Guerra Irã-Iraque no período 1981-1987

Responsável 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 Total pelo Ataque

Iraque 5 22 16 53 33 66 88 283 Irã 0 0 0 18 14 45 91 168

Total no ano 5 22 16 71 47 111 179 451

Fonte: O'ROURKE, 1988, n.p.

O principal alvo dos iranianos era o Kuwait, o que levou o governo local, em 1986, a pedir auxílio para os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU para mudarem o registro de bandeira dos navios de seus países para dar mais segurança às embarcações – grande parte da frota naval mercante das empresas dos países em questão utilizava bandeiras de conveniência de países como a Libéria e o Panamá. Apenas a França e a China não atenderam ao pedido do país árabe. Apesar disso, até 1985, porém, tanto o Kuwait quanto os países do CCG, fundado em 1981, não tinham interesse na presença de Marinhas estrangeiras no Golfo (EL-SHAZLY, 1998, p. 272, 273). Em 1987, porém, unidades navais dos EUA, Itália, Bélgica, Holanda, URSS, e dessa vez também da França, ou patrulhavam ou faziam escolta de petroleiros nas águas do Golfo (YERGIN, 2010, p. 867). Apesar da guerra entre Irã e Iraque e das suas consequências para o setor petrolífero regional, o conflito não limitou a oferta de petróleo em nível internacional. Alguns dos motivos para isso, segundo Ronald O’Rourke, autor do artigo intitulado The Tanker War de maio de 1988 (ainda no período da guerra que terminaria em agosto do mesmo ano), foi a capacidade dos Estados árabes de escoarem parte de suas produções por oleodutos, isto é, sem passar necessariamente pelo Estreito de Ormuz, passagem marítima que o Irã ameaçou bloquear durante o conflito. Além disso, havia maior oferta de petróleo de exportadores emergentes que não eram membros de OIs como a OPEP e a OPAEP. Uma outra razão era o fato de que apenas uma pequena porção dos navios do Golfo estava sendo atacada e parte significativa dessas embarcações haviam sofrido danos relativamente pequenos, possíveis de serem reparados em poucos dias. 90

Por fim, vale ressaltar que a maior parte da guerra entre os dois países ocorreu em um momento desfavorável para os países produtores de petróleo, pois havia mais oferta do que demanda pelo recurso no mercado internacional e, consequentemente, o barril era negociado a preços mais baixos, muito por conta dos traumas de 1973, 1979 e 1980, e por conta do papel desempenhado pela Arábia Saudita que bombeou excedente de petróleo no mercado.

1.2. Guerra do Golfo (1990-1991) No dia 2 de agosto de 1990 tropas iraquianas invadiram o Kuwait. Seis dias após a invasão, Bagdá declarou a anexação do país vizinho ao seu território. Era o início da segunda guerra no Golfo envolvendo o Iraque menos de dois anos após o fim do conflito com o Irã. Não foi a primeira vez que o Iraque utilizou seu poderio militar contra o país vizinho, já que em junho 1961 o presidente Abd al-Karim Qasim reivindicou a posse territorial do Kuwait e ameaçou empregar duas divisões de Exército para tomá-lo. O interesse de Qasim foi refreado após o governo britânico, com apoio dos EUA, enviar um batalhão de fuzileiros navais para dissuadi-lo (RIEDEL, 2017, p. 34). Mais de uma década depois, em março de 1973, tropas sob o comando do presidente Ahmed Hassan al-Bakr chegaram a adentrar e ocupar alguns territórios no Kuwait, testando sua capacidade de defesa e a reação das monarquias do Golfo (COOPER, 2011, p. 117). A principal razão para o Iraque entrar em outro conflito bélico foi econômica. Após a guerra contra o Irã, a economia iraquiana encontrava-se combalida e enfraquecida. Internamente o país se deparava com desafios como inflação, desemprego, setor privado não responsivo, produção estagnada, queda dos padrões de vida e empobrecimento geral. No âmbito externo, Bagdá enfrentava dificuldade de angariar recursos para a reconstrução devido à depreciação da moeda nacional, baixa receita do petróleo e dívidas. Sobre isso, no esforço de guerra, o país gastou duas vezes e meia mais dólares, entre 1980- 1988, do que arrecadou em receitas de petróleo desde 1931, “quando o governo recebeu seu primeiro pagamento pela exportação de petróleo das companhias petrolíferas que operavam no Iraque”. (ALNASRAWI, 1994, p. 100; 109). Nesse contexto, como o Iraque dependia, em larga medida, das receitas da exportação do petróleo para reconstruir sua economia e como o preço de 91 comercialização encontrava-se mais baixo do que em 1980 – pela recuperação do mercado petrolífero das crises dos anos 1970 e início da década de 1980 e da estabilização das relações entre produtores e consumidores – Bagdá não podia fazê-lo. Dessa forma, Saddam Hussein passou a acusar os governos do Kuwait e dos EAU de produzirem mais petróleo do que o teto estabelecido pelos parâmetros da OPEP, sendo ambos, portanto, responsáveis pelo excesso de oferta no mercado e, consequentemente, pela queda das receitas iraquianas.

Embora os preços do petróleo da OPEP tenham atingido, em média, $14,28 e $17,31 em 1988 e 1989, respectivamente, o Kuwait e os Emirados Árabes Unidos continuaram a não observar suas cotas. E quando o preço chegou perto de $20 por alguns dias no início de janeiro de 1990, esses dois países continuaram a violar as cotas de produção da OPEP de tal forma que o preço caiu 32%, para $13,67 em junho de 1990. (ALNASRAWI, 1991, p. 201. Tradução nossa).

Como forma de aumentar a pressão sobre os vizinhos, em julho de 1990 Bagdá deslocou cerca de cem mil homens para a fronteira com o Kuwait, que havia adotado uma estratégia de produção excessiva para manter o preço do petróleo baixo. O movimento e protestos do Iraque contra o Kuwait e os EAU recebeu apoio formal da Arábia Saudita e do Irã, que procuravam manter maior disciplina no compromisso de manter um teto de produção entre os exportadores – mesmo com Riad permitindo que Abu Dhabi produzisse acima da cota estabelecida pela OPEP, embora menos do que os emiradenses pretendiam (IBRAHIM, 1990). Alguns dias depois, em encontro da Organização no dia 28 de julho, foi acordado que os países membros buscariam aumentar o preço do barril no mercado para 21 dólares. À época, o acordo foi tratado como uma vitória da cooperação entre Iraque e Irã, inimigos há menos de dois anos. Até mesmo os sauditas receberam o acordo de bom grado, já que um aumento gradual seria mais fácil de absorver pelos consumidores do que um provocado por crises regionais como havia ocorrido em ocasiões anteriores (IBRAHIM, 1990). Além da questão dos preços, Saddam Hussein acusava o Kuwait de estar bombeando óleo do campo iraquiano de Rumaila, próximo à fronteira, e reivindicava que o vizinho do sul pertencia historicamente ao Iraque e por isso 92 seu país tinha direito sobre ele pelo fato de o Kuwait já ter sido administrado pela província de Basra durante o período de domínio do Império Otomano.

A afirmação histórica do Iraque baseia-se no fato de que ambos os países, bem antes de se tornarem independentes, eram parte e parcela do Império Otomano. Como o Kuwait era apenas um distrito da província de Basra sob o sistema administrativo otomano, afirmava o Iraque, o Kuwait se tornaria ipso facto parte do Iraque quando as três antigas províncias otomanas (Mawsil, Bagdá e Basra) fossem reconstituídas como Estado-nação após a I Guerra Mundial. O Kuwait replicou, no entanto, que já havia se tornado completamente autônomo quando passou a ficar sob proteção britânica em 1899, muito antes de o Império Otomano ter desaparecido; assim, quando a proteção britânica foi retirada em 1961, emergiu totalmente soberano, reconhecido por muitos países, incluindo o Iraque em 1963. (KHADDURI; GHAREEB, 1997, p. 6. Tradução nossa).

Para Yergin (2010, p. 875, 876), a lógica do líder iraquiano não poderia ser considerada como justificativa para anexação do país vizinho, mesmo com afirmação de que os britânicos o teriam “roubado” do Iraque e negado ao seu país o direito às reservas de petróleo ali existentes. O autor explica que as origens do Kuwait remontam a 1756, muitos anos antes da configuração geográfica do Iraque moderno moldada em 1920 pelos britânicos. Ademais, de acordo com geólogos contemporâneos do período, não havia petróleo na região do Kuwait em 1920, muito embora já houvesse sido descoberto petróleo no Bahrein no mesmo ano. Mesmo assim, no início de agosto, tropas iraquianas ocuparam o território kuwatiano. A resposta de parte da comunidade internacional através da ONU foram sanções comerciais e um embargo às exportações de petróleo do Iraque e do Kuwait, pressionando a economia iraquiana para que as tropas se retirassem do vizinho do sul. Os EUA, França, Grã-Bretanha e países árabes como o Marrocos, Síria e Egito, entre outros Estados árabes e não árabes, enviaram forças expedicionárias para a Arábia Saudita, formando uma coalizão militar internacional. Incialmente, de acordo com o presidente norte-americano George Bush, a coalizão teria fins defensivos destinada à defesa do Reino da Arábia Saudita e de seus campos de petróleo, pois segundo o presidente a liberdade e o modo de vida dos americanos sofreriam se Saddam ganhasse o controle da Arábia Saudita: “nossos empregos, nosso modo de vida, nossa própria liberdade e a 93 liberdade de países amigos em todo o mundo sofreriam se o controle das grandes reservas de petróleo do mundo caísse nas mãos de Saddam Hussein” (APPLE JR, 1990). O embargo internacional tirou aproximadamente 4 mbpd do mercado petrolífero, uma quantidade superior à produção dos países da OPAEP situados no Norte da África em 1989, que produziram cerca de 3,3 mbpd segundo o BP Statistical Review of World Energy 2020. Em setembro de 1990, quando Saddam ameaçou atacar a Arábia Saudita, e Israel, caso as sanções da ONU estrangulassem a economia iraquiana, o preço do barril disparou para 40 dólares, praticamente dobrando os objetivos de preço firmados pela OPEP no final de julho. Na ocasião, o líder iraquiano declarou o seguinte no dia 24 do mesmo mês: “as áreas petrolíferas na Arábia Saudita e em outros Estados da região, todas as instalações petrolíferas, serão incapazes de responder às necessidades daqueles que nos procuraram como ocupantes para usurpar nossa soberania, dignidade e riqueza”, e continuou "Israel será afetado em todas as ações que afetam os donos da terra natal", referindo-se à Arábia Saudita, onde estavam posicionadas as tropas da coalizão (BURNS, 1990). Para conter a valorização desenfreada do barril e estabilizar o mercado, mais uma vez Riad e outros produtores bombearam excedente de petróleo para abastecer o mercado e controlar os preços, rompendo o acordo das cotas firmado em julho:

Em dezembro de 1990, a produção perdida foi completamente compensada pelo petróleo “alívio” produzido a partir de outras fontes. Somente a Arábia Saudita trouxe três milhões de barris por dia de petróleo de reserva de volta à produção, constituindo três quartos do suprimento perdido. Outros grandes incrementos da oferta adicional chegaram da Venezuela e dos Emirados Árabes Unidos. (...) Ao mesmo tempo, à medida que os Estados Unidos e outros países caminhavam para uma recessão econômica, o que significou uma redução na necessidade de petróleo (YERGIN, 2010, p. 878).

As tensões se seguiram até que no dia 17 de janeiro aeronaves da coalizão internacional começaram a bombardear o Iraque. Khadduri e Ghareeb (1997, p. 169, 170) explicam que a guerra aconteceu em três estágios, sendo o primeiro a Operação Escudo do Deserto, que foi um arranjo defensivo realizado após a invasão do Kuwait para defender a Arábia Saudita e outros países do 94

Golfo de possíveis ataques provenientes das forças iraquianas; a Operação Tempestade do Deserto, segundo estágio, foi marcada pelos bombardeios a estruturas militares e civis em território iraquiano; e o terceiro, e último, pela invasão terrestre das tropas posicionadas na Arábia Saudita (nenhuma força árabe adentrou em terras iraquianas). Durante a campanha ofensiva da coalizão, o Iraque respondeu com ataques de mísseis contra Israel – visando atrair o Estado judeu para o conflito e dividir as tropas árabes – e contra a Arábia Saudita, chegando inclusive a adentrar com tropas e blindados na cidade saudita de Khafji, próxima à fronteira com o Kuwait, na região costeira. A estratégia de Saddam em atacar o Kuwait não foi favorável à política econômica do Iraque de angariar maiores receitas com a valorização do preço do petróleo. Embora o preço do barril tenha atingido os 40 dólares e praticamente dobrado a meta da OPEP de atingir os 21 dólares no primeiro período da guerra, após a invasão da coalizão em território iraquiano o mercado já se encontrava em fase de estabilização pelos esforços da Arábia Saudita e de outros produtores em equilibrar os preços internacionais. Durante toda a década de 1990 o mercado petrolífero ficou marcado por um período de preços relativamente baixos. No início dos anos 2000 os preços internacionais tiveram variações para cima e para baixo devido a eventos históricos como os ataques terroristas às torres gêmeas do World Trade Center em Nova York, EUA, em 2001; a Guerra do Iraque de 2003; crises internas em países como a Nigéria e a Venezuela; e a crise financeira norte-americana de 2008. Um outro evento importante foi a Primavera Árabe, iniciada em 2011, que atingiu diversos países da OPAEP.

2. Conceituando segurança energética O termo segurança energética é um conceito que aceita tipos diversos de definição, pois a visão que se tem da acepção dessa ideia depende do ponto de vista dos atores que procuram adequar suas necessidades energéticas às próprias demandas internas. Na geopolítica do petróleo, são relevantes como atores todas as entidades envolvidas em questões de securitização de energia, como por exemplo, os Estados produtores, os Estados consumidores, os países 95 de trânsito, as OIs e companhias privadas, públicas e estatais que operam no setor energético. Energia é o alimento que capacita um corpo ou um sistema a produzir trabalho. Sem as fontes energéticas aptas para gerá-la os atuais padrões de vida da sociedade moderna não poderiam ser alcançados.

Energia é o que mantém o mundo funcionando. Ao longo da história - em todos os países e através de todas as eras - a energia tem sido o motor do crescimento econômico, a fonte do poder militar e o principal determinante do bem-estar das pessoas. É o acesso à energia, seja humana, animal ou natural, que primeiramente tem determinado a escala e o sucesso de uma civilização ou Estado. É por isso que as grandes civilizações floresceram em lugares onde havia sol e água abundantes que se traduziam em disponibilidade de energia. (SIKRI, 2008, p. 5. Tradução nossa).

A geração de energia tem desempenhado um papel fundamental para a humanidade desde antes da utilização de fontes fósseis – como o carvão, o petróleo e o gás natural – para esse fim. A energia gerada pela utilização do fogo, por exemplo, por muito tempo tem sido aproveitada com a finalidade de aquecer os indivíduos; realizar queimadas a fim de “limpar” a terra para o cultivo de plantações, ou formação de pastos para criação de gado; e até mesmo como artifício para criar armamentos através da fusão de metais em forjas, bem como para subjugar inimigos queimando seus vilarejos e cidades em tempos de guerras. A água, por sua vez, há séculos se tornou um elemento fundamental para a geração de energia. Nas sociedades predominantemente agrárias, por exemplo, ela facilitava o trabalho da agricultura através dos moinhos, que eram importantes para o desenvolvimento da estrutura do trabalho dos agricultores, que aproveitavam a força cinética do movimento e da queda d´água para facilitar a moedura dos grãos cultivados; irrigar grandes plantações e drenar terrenos alagados. Existem dois tipos de moinhos, o de rotação horizontal e o de rotação vertical. Acredita-se que o primeiro tenha se originado nas montanhas da Armênia por volta do ano 200 A.C. e consistia, basicamente, de uma roda armada com pás, colocada horizontalmente no córrego, com um dos lados mascarado contra a corrente ou equipado com uma calha para guiar o fluxo. A 96 criação do segundo tipo, mais comumente conhecido e utilizado, é atribuída aos romanos, mais especificamente a Marcos Vitrúvio Polião, um engenheiro da Era Augustana (31 A.C. - 14 D.C.) que publicou um tratado de dez volumes intitulado De Architectura, onde expôs seu modelo de moinho vertical, no qual a parte inferior ficava imersa no fluxo de modo que a corrente a transformasse em uma direção inversa. (GIES; GIES, 2010, p. 31, 32). Em seu turno, o carvão mineral é um recurso que foi inserido em grande escala no contexto internacional a partir da Revolução Industrial. Esse elemento junto com o ferro cumpriu um papel primordial na economia, nos transportes e na indústria. Durante grande parte dos séculos XVIII e XIX o carvão forneceu a energia necessária para acionar as máquinas a vapor – importantes inventos do período criados e aperfeiçoados por homens como Thomas Savery, Thomas Newcomen e James Watt32 – e para a fabricação do ferro, que por sua vez era utilizado para aperfeiçoar o próprio maquinário e os diversos tipos de ferramentas, bem como na construção de pontes, ferrovias e navios, concedendo à siderurgia um papel de destaque no desenvolvimento industrial. No mundo contemporâneo o carvão ainda se mantém como a principal fonte energética empregada para a geração de eletricidade. Já o petróleo começou a ser utilizado como fonte de energia a partir da perfuração da Seneca Oil Company no poço de Titusville, no Estado da Pensilvânia, EUA. A atividade foi conduzida no ano de 1859 por Edwin Laurantine Drake, considerado o pai da indústria petrolífera moderna. Desde então, o petróleo passou gradualmente a substituir o óleo de baleia que era o principal produto utilizado para iluminação doméstica e na lubrificação de máquinas no século XIX. Vinte anos depois da descoberta de Drake, a Standard Oil Company, fundada por John D. Rockfeller, foi a primeira companhia do setor a integrar todas as etapas do ciclo comercial do petróleo (basicamente extração, refino, transporte e distribuição). No primeiro quarto do século XX, tanto o desenvolvimento do motor à combustão interna por Henry Ford, nos EUA, assim como a decisão estratégica do Almirante britânico John Fisher e de Winston Churchill – enquanto Primeiro

32 A unidade de potência elétrica Watt (W), é uma homenagem ao engenheiro britânico James Watt.

97

Lorde do Almirantado britânico entre os anos 1911 e 1915 – de substituir o carvão produzido nas ilhas britânicas (especialmente nas minas do País de Gales) por combustível derivado de petróleo prospectado na Pérsia para abastecer a Royal Navy, contribuíram para a expansão do mercado petrolífero internacional. Além do mais, com a descoberta de grandes jazidas nas regiões do Cáucaso33 e do Oriente Médio, o petróleo passou a superar e substituir, em parte, o carvão como o principal componente da matriz energética global, especialmente nos setores de indústria e transportes, a exemplo de trens e navios. O Choque do Petróleo de 1973 pela dimensão que alcançou, pode ser considerado um dos principais eventos históricos que inseriu a preocupação com a segurança da energia na agenda internacional, pois sua ocorrência demonstrou a capacidade dos exportadores de cortarem o suprimento de petróleo utilizando-o como instrumento de política externa de forma coordenada entre eles. Ademais, o Choque também mostrou a capacidade de organização dos países consumidores, que no ano seguinte criaram a AIE – cujos membros devem ser obrigatoriamente países que façam parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – que entre seus principais desígnios tinha como objetivo estabelecer e manter mecanismos capazes de promover respostas rápidas e eficientes em casos de emergência internacional através da criação de estoques emergenciais de petróleo e da capacidade de comutação de combustíveis entre os países membros (NUNES, 2016, p. 94). Nesse sentido, organizações como a OPAEP, a OPEP e a AIE se apresentaram como a expressão do conflito de interesses que envolveu produtores e consumidores por muitos anos no cenário internacional. A Quarta Guerra Árabe-Israelense e a consequente valorização do barril de petróleo impulsionaram os Estados dependentes de importação a investirem em outras fontes de geração de energia, a exemplo da nuclear, e em fontes renováveis. Além disso, houve também investimentos em campos de exploração de petróleo com custo operacional mais alto e de difícil acesso, como por

33 A região do Cáucaso também conheceu um grande boom do mercado de petróleo desde as últimas décadas do século XIX até a Revolução Bolchevique, na Rússia, em 1917. Em Baku, Azerbaijão, houve grande investimento de homens como Zaynalabadin Taghiyev e Ludvig Nobel que contribuíram para o desenvolvimento do setor petrolífero local.

98 exemplo os campos offshore do Mar do Norte e as reservas na Baía de Prudhoe, no Alasca. Após o embargo de 1973, o petróleo permaneceu sendo a principal fonte de energia do mundo durante os anos que se seguiram. Todavia, a diferença entre o consumo desse recurso em relação à demanda global de energia primária34 tem aumentado desde então, como é possível verificar abaixo:

Gráfico 3 – Consumo mundial de petróleo x energia primária em EJs (1974-2019)

Fonte: Elaboração Própria. Dados do BP Statistical Review of World Energy 202035.

No gráfico acima, é possível verificar que entre 1974 e 2019 o consumo de energia primária cresceu aproximadamente 144%, enquanto o de petróleo não ultrapassou os 66%. Um dos motivos para isso é o fato de que o petróleo perdeu espaço como fonte geradora de energia elétrica para o abastecimento de cidades e indústrias, enquanto outras, como o gás natural e o carvão (já dominante no setor) tiveram crescimento exponencial entre os anos de 1985 e

34 O BP Statistical Review of World Energy 2020 entende que energia primária compreende combustíveis comercializáveis fósseis e renováveis capazes de serem empregados para geração de eletricidade.

35 Disponível em: Acesso em: 27 de junho de 2020.

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201736 ganhando uma parcela relevante nesse nicho de mercado conforme aponta o gráfico 4.

Gráfico 4 – Geração mundial de energia elétrica por fontes em terawatt-hora (TWh)

Fonte: Elaboração Própria. Dados do BP Statistical Review of World Energy 202037.

Sobre isso, ainda em 1990, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) relatou o seguinte em um dos seus boletins trimestrais:

Na era pré-1973, o mundo dependia cada vez mais do petróleo para muitas aplicações energéticas, incluindo a produção de eletricidade. Em 1973, mais de um quarto da eletricidade mundial era produzida pela queima de petróleo. Em 1987, no entanto, apesar de um grande aumento na demanda elétrica, o uso do petróleo foi reinicializado para gerar menos de 10% da eletricidade mundial. A energia nuclear desempenhou um papel importante nessa reviravolta. De 1973 a 1987, analistas (...) descobriram que a energia nuclear deslocou a queima de 11,7 bilhões de barris de petróleo no mundo e evitou $323 bilhões de dólares em compras de petróleo (INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY, 1990, v. 32, p. 31. Tradução nossa).

36 Diferente do gráfico 3, no qual o período avaliado teve início em 1973, o gráfico 4 iniciou-se com o ano de 1985 por indisponibilidade de dados, na fonte consultada, referentes a datas anteriores.

37 Disponível em: Acesso em: 26 de junho de 2020. 100

Apesar da queda de procura para utilização do petróleo na geração de eletricidade, tal recurso permanece como principal fonte de abastecimento energético mundial correspondendo a aproximadamente 34% do total consumido em 2019, seguido pelo carvão, gás natural, energia hídrica e nuclear com 27%, 24%, 6% e 4%, nessa ordem. Outras fontes foram responsáveis por 6% do todo, conforme os dados disponibilizados pelo BP Statistical Review of World Energy 2020. Alguns dos principais motivos para o petróleo se manter como a principal fonte energética é o emprego de derivados em setores como transportes (marítimo terrestre e aéreo) e a pavimentação de estradas. O gráfico 5, abaixo, compara os principais setores de aplicação do petróleo nos anos de 1973, quando ocorreu o Choque do Petróleo ocasionado pela OPAEP, e o ano de 2017.

Gráfico 5 – Consumo mundial de petróleo por setor econômico (1973 e 2017)

Fonte: EIA: Key World Energy Statistics 2019.38

Na imagem acima é possível observar que a construção e manutenção de estradas, assim como a aviação são as áreas que mais demandaram o uso do petróleo desde 1973, enquanto a navegação se mantém em nível semelhante ao de quarenta e quatro anos antes. Por outro lado, a indústria e as residências

38 Disponível em: Acesso em: 30 de dezembro de 2019. 101 se tornaram menos dependentes do petróleo como primeira opção de geração de energia em larga medida pela expansão do gás natural e do carvão nesse nicho de mercado, a exemplo do que aponta o gráfico 4. A procura por fontes renováveis, embora tenha crescido ainda não os competidores expressivos dos recursos fósseis a nível global. O petróleo é um produto barato, se considerado o custo de extração do solo ou do leito marítimo e sua distribuição até o consumidor final; abundante, porque é normal que todos os anos ocorram novas descobertas de campos com capacidade comercial e, também, porque existe renovação tecnológica para exploração de jazidas de difícil acesso como em regiões polares e de alto mar; e confiável, porque a oferta é abundante em nível internacional e porque é um recurso fungível que pode ser substituído por outro do mesmo tipo independentemente da origem ou destino. O petróleo é também um produto versátil porque possui uma multiplicidade de aplicações em diferentes setores da atividade econômica como, por exemplo, nos setores de geração de energia elétrica, transportes, agricultura, sintéticos, farmacêutico, pavimentação de estradas, químico, entre outros. Uma outra característica importante do petróleo além do fato de ser barato, abundante, confiável e versátil é a sua portabilidade, pois como líquido pode ser facilmente transportado em grande quantidade para diversas partes do mundo e, de igual forma, é capaz de abastecer e gerar potência o suficiente para mover com estabilidade grande e pequenos veículos terrestres, marítimos e aéreos, para uso civil ou militar.

A portabilidade é valiosa por muitos motivos. Pessoalmente, o petróleo é o combustível da liberdade - o combustível que liberou os americanos para irem onde quiserem, quando quiserem. Economicamente, o petróleo é o combustível do comércio. Todo o nosso padrão de vida depende da especialização – de pessoas que fazem o que fazem melhor, onde quer que estejam, e depois conseguem transferir seus produtos para aqueles que mais precisam deles. Quanto maior o preço da energia portátil, mais lenta a economia mundial se move. (EPSTEIN, 2015, p. 52. Tradução nossa).

Dessa forma, o petróleo é um ativo importante tanto para os Estados consumidores quanto para os produtores. Assim, a segurança da energia, relacionada a esse recurso, pode ser entendida como uma responsabilidade de 102 ambos os lados. Sobre isso, no entanto, é importante considerar que o que de certa forma distingue um grande produtor ou grande consumidor é a diferença entre o volume que é ofertado e demandado por determinado país. Um exemplo disso é a Arábia Saudita, reconhecida internacionalmente por ser um dos principais produtores de petróleo, mas que com uma população estimada em cerca de 34 milhões de pessoas em 2019 (UNITED NATIONS, 2019) é o quinto maior consumidor mundial desse recurso a mais de uma década. Além disso, em 2019, o país consumiu aproximadamente 11,04 EJs em energia primária, o décimo primeiro maior consumo desse tipo no mundo. Essa demanda é tão grande que é maior do que a de todos os países da Europa – exceto a Alemanha – e que é superada em pouco pela brasileira, a sétima maior do mundo, que com uma população superior no mesmo período teve um consumo em torno de 12,40 EJs. Mesmo com o alto nível de consumo interno a Arábia Saudita se mantém como líder no que se refere à exportação de petróleo, o que a torna um grande produtor tanto pelo volume internamente produzido para atender a demanda doméstica quanto pela sua capacidade de comercializar o excedente em volume acima do consumo em seu território. Uma discussão mais aprofundada sobre o consumo de petróleo saudita é realizada nos capítulos 4 e 5. Outro exemplo de distinção entre um grande produtor e grande consumidor são os EUA, ao mesmo tempo o maior produtor e consumidor de petróleo do mundo, que em 2019 tiveram uma produção avaliada em 17.045 mbpd, mas que consumiram aproximadamente 19.400 mbpd, demonstrando uma diferença entre um e outro de 2.355 mbpd. Essa diferença representou o equivalente a 57% do total produzido no continente africano e 39% de toda a América do Sul e Central juntas no mesmo ano, conforme dados do BP Statistical Review of World Energy 2020. Embora os EUA ainda possam ser caracterizados como grandes importadores de petróleo, a diferença entre produção e consumo nos EUA caiu significativamente desde o início do século. Em 2001 a diferença era 11.864 mbpd, em 2011 era 10.425 mbpd. A produtividade norte-americana a partir do óleo de xisto é um dos motivos para a redução da dependência externa, em especial de países da OPAEP, ao passo que os países como o Canadá tem 103 ganhando espaço no mercado interno dos EUA, como aponta o gráfico 6 no tópico 3.1 deste capítulo. Conforme afirmado no início deste tópico, o entendimento sobre segurança energética é amplo e não possui uma definição universal, de forma que tal ideia pressuporia um conceito amebiano, que muda de forma e de dimensão continuamente (ALHAJJI, 2008, v. 6, part 4/5, n.p), pois a interpretação que se dá a ele depende do ponto de vista dos atores internacionais que procuram adequar suas necessidades energéticas às suas próprias demandas internas (NUNES, 2016, p. 95). A AIE, por exemplo, como uma organização voltada para a defesa dos interesses dos Estados consumidores define o termo como “a disponibilidade ininterrupta de fontes de energia a um preço acessível” e continua da seguinte forma:

“A segurança energética tem muitas dimensões: a segurança energética a longo prazo lida principalmente com investimentos oportunos para fornecer energia de acordo com os desenvolvimentos econômicos e as necessidades ambientais sustentáveis. A segurança energética a curto prazo concentra- se na capacidade do sistema energético de reagir prontamente a mudanças repentinas dentro do equilíbrio entre oferta e demanda. A falta de segurança energética está, portanto, ligada aos impactos econômicos e sociais negativos da indisponibilidade física de energia, ou dos preços que não são competitivos ou são excessivamente voláteis” (INTERNATIONAL ENERGY AGENCY, [20-?])

Embora a AIE seja uma OI relevante no contexto global, sua definição não é o suficientemente abrangente para estabelecer uma ideia de segurança energética para as relações de interdependência entre produtores e consumidores porque sua preocupação essencial é com a disponibilidade de suprimentos de energia para os importadores de petróleo – embora não negue a importância do equilíbrio entre ofertantes e demandantes. Desse modo, a ideia exposta pela AIE é voltada quase que exclusivamente para os interesses dos seus membros, ou seja, dos consumidores, cuja parcela significativa de seu consumo interno é dependente de importação. Já autores como Gawdat Bahgat, árabe de nacionalidade egípcia, de forma diferente do argumento central da AIE, considera que o equilíbrio entre oferta e demanda é mais importante para os exportadores do que para os importadores, como pode ser observado abaixo: 104

Pode-se argumentar que o comércio internacional de petróleo é mais importante para os exportadores de petróleo bruto do que para os importadores de petróleo. Como as exportações de petróleo representam uma proporção tão elevada das exportações totais, e seu valor flutua, uma boa medida da dependência da "balança de pagamentos" dos exportadores é a parcela de suas importações que é paga pelas exportações de petróleo (BAHGAT, 2011, p, 214-215).

Nesta pesquisa, no entanto, como se pretende explicitar um conceito de segurança energética válido para compreender de forma ampla e mais abrangente o sistema internacional da geopolítica do petróleo, faz-se necessário apresentar uma conceituação que leve em consideração as perspectivas dos países consumidores e produtores de petróleo, bem como, na medida do possível, a dos países de trânsito. Sobre isso, em 2005, em artigo intitulado Ensuring Energy Security publicado na revista Foreign Affairs, Daniel Yergin escreveu o seguinte:

Embora no mundo desenvolvido a definição usual da segurança energética seja simplesmente a disponibilidade de um abastecimento suficiente a preços acessíveis, diferentes países interpretam o que o conceito significa para eles de maneiras diferentes. Os países exportadores de energia se concentram em manter a "segurança da demanda" para as suas exportações, que, afinal, geram a parcela esmagadora de suas receitas de governo. (YERGIN, 2005, p. 70,71. Tradução nossa).

Alguns anos mais tarde, em seu livro The Quest: Energy, Security, and the Remaking of the Modern World, originalmente publicado em 2011, o autor refinou seu entendimento de segurança energética explicitando-o da seguinte forma:

“Os países importadores de petróleo pensam em termos de segurança da oferta. Já os países produtores de energia pensam de modo inverso. Falam na “segurança da demanda” para suas exportações de petróleo e gás, das quais dependem para gerar o crescimento econômico e uma grande porção de sua receita governamental – e para manter a estabilidade social. Querem saber se os mercados estarão lá para poderem planejar seus orçamentos e justificar níveis futuros de investimento”. (YERGIN, 2014, p. 279)39.

39 A citação do livro de Yergin está com o ano de 2014 porque foi utilizada como fonte bibliográfica a versão brasileira da obra, publicada nesse mesmo ano. 105

Na mesma linha de análise de Yergin, ou seja, considerando os pontos de vista dos países produtores e exportadores de petróleo, a OPEP e a OPAEP definiram seu entendimento sobre segurança energética. Em julho de 2006, em discurso no London Oil Club, na Inglaterra, o então Secretário-geral interino da organização, o nigeriano Mohammed Barkindo40 afirmou que “o desenvolvimento dinâmico e sustentável de nossa civilização depende do acesso confiável à energia” e continuou dizendo que isso “é melhor assegurado pelo fortalecimento da parceria entre os países produtores e consumidores de energia, incluindo diálogo reforçado sobre crescente interdependência de energia, segurança de oferta e demanda”. Para Barkindo, a segurança da demanda é importante para os produtores da mesma forma que a segurança do fornecimento o é para os consumidores: “refiro-me, em particular, à natureza recíproca da segurança energética, e gostaria de salientar que isso é importante não apenas para os produtores, mas também para a indústria como um todo. A segurança do fornecimento e a segurança da demanda apoiam-se mutuamente” (BARKINDO, 2006). Os relatórios anuais da OPEP de 2006, 2007 e 2008 fazem menção à questão da segurança energética definindo-a de forma similar ao discurso de Barkindo no London Oil Club. O documento de 2006 expõe que “a segurança do aprovisionamento e a segurança da procura apoiam-se mutuamente e devem andar de mãos dadas”. Ele ainda acrescenta que “o intercâmbio regular de informações atempadas e fiáveis entre todos os participantes no mercado é também essencial para o bom funcionamento dos mercados mundiais da energia” e por isso deve ser aplicado a toda cadeia de suprimentos (ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, 2006, p. 35). O relatório de 2007, fazendo menção à reunião ministerial de diálogo energético entre a OPEP e a UE, reafirma o “reconhecimento da natureza recíproca da segurança energética, com a segurança do fornecimento e segurança da procura, sendo duas faces da mesma moeda”. Em outro trecho do relatório é dito que “a segurança energética deve ser vista como uma rede de fornecimento e demanda mutuamente solidária e interligada”. Além disso, o

40 O Secretário-geral da OPEP neste período era o também nigeriano Edmund Daukoru.

106 documento relata que nesse contexto nenhum ator deve agir sozinho e que é importante “olhar para as necessidades e responsabilidades dos produtores e consumidores de petróleo, exportadores e importadores de petróleo e nações desenvolvidas e em desenvolvimento, muitas das quais exigem maior acesso a serviços energéticos modernos, confiáveis e acessíveis” (ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, 2007, p. 50-51). O documento da OPEP referente ao ano de 2008, por sua vez, também cita a reunião ministerial de diálogo energético entre a sua organização e a UE, ocorrida no ano de sua publicação, e mais uma vez reconhece a natureza recíproca da segurança energética como a segurança do fornecimento e a segurança da demanda, enfatizando a importância da segurança da demanda futura para o petróleo e derivados, estimulando o investimento em todas as fases da cadeia produtiva e contribuindo, assim, para uma maior segurança do suprimento (ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, 2008, p. 50). Assim como a OPEP, a OPAEP também concebe a segurança da energia como uma responsabilidade que deve ser atribuída aos países consumidores e produtores. Em 2014, durante uma conferência na Grécia sobre o fortalecimento político e comercial entre a Europa e os países árabes, o então Secretário-geral da organização, Abbas Ali al-Naqi, definiu o conceito da seguinte forma:

“Acreditamos que a “segurança energética” deve ser conhecida como a segurança do fornecimento e a segurança da demanda. A segurança reside na estabilidade de todo o mercado, em benefício dos países consumidores e produtores. A necessidade de maior segurança energética tem que ser vista de ambas as perspectivas de oferta e demanda, que devem se apoiar mutuamente. Ao promover a transparência entre os principais atores do mercado de petróleo, produtores e consumidores, o mundo certamente dará um passo importante em direção à segurança energética” (AL-NAQI, 2014. Tradução nossa).

Essa mesma ideia é repetida no 41° relatório anual do Secretário-geral da OPAEP de 2016, em tópico que diz respeito ao comércio de hidrocarbonetos com a China, onde se fala em “reforçar a cooperação existente entre as duas partes do ponto de vista da segurança energética, tanto para fornecer a segurança da oferta da China quanto a segurança da demanda dos países 107

árabes produtores e exportadores de petróleo e gás” (ORGANIZATION OF ARAB PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, 2016, p. 268). Linha semelhante de raciocínio foi exprimida pelo diplomata norueguês Arne Walther em discurso de 2007 enquanto ocupava a função de Secretário- geral do FIE. Walther salientou que “o diálogo de nível político no FIE destaca os dois lados da moeda de segurança energética. Segurança do fornecimento e segurança da demanda. Para consumidores e produtores, isso implica dependência um do outro” (WALTHER, 2007). O FIE é um fórum de diálogo internacional que congrega países produtores, consumidores e de trânsito, mais OIs e companhias internacionais que atuam na indústria de energia, especialmente nos setores de petróleo e gás natural. Conforme exposto acima, os países produtores e exportadores de petróleo pensam a segurança energética como a segurança da demanda e os países consumidores e importadores de petróleo pensam a segurança energética como a segurança da oferta, mas nenhum dos autores ou organizações supracitados faz menção aos países de trânsito, que são Estados que possuem uma função de ligação entre os dois extremos e que, ao mesmo tempo, podem ser grandes consumidores ou grandes produtores de petróleo. Aliás não existe país que seja unicamente produtor, consumidor, ou de trânsito, pois em certa medida todos produzem ou consomem uma quantidade específica de energia, ou em algum momento podem permitir a passagem de dutos ou navios por seu território ou mar territorial. No entanto, no que diz respeito à classificação dos países de trânsito, é possível agrupá-los em três grandes categorias, quais são: os terrestres; os semi-terrestres, ou semi-marítimos; e os marítimos. Os países de trânsito terrestres permitem a construção e a passagem de dutos em seus territórios nacionais de forma a conectar a produção do país de origem à área de distribuição do país consumidor. Esse é o caso dos países do Leste Europeu que permitem a passagem de dutos russos por seus territórios para abastecer a Europa Ocidental, como por exemplo a Bielorrússia e a Ucrânia. Na região da OPAEP atualmente não existem sistemas de dutos internacionais exclusivamente terrestres. O grupo dos semi-terrestres compreende os Estados que permitem a passagem de dutos em seus territórios, mas em direção a um porto, ou de um 108 porto para um sistema de dutos que abasteça o país que é o destino da carga transportada. A Turquia, cedendo seu território para a passagem de dutos originários do Cáucaso que o atravessam em direção a portos como o de Ceyhan, é um exemplo desta classe de Estados. Outro exemplo é Myanmar, por onde passa o Sino-Myanmar pipeline que transporta petróleo e gás para a China – evitando o Estreito de Malaca – desde Kyaukphyu na costa do Oceano Índico até a cidade chinesa de Kunming. No âmbito da OPAEP, a Arábia Saudita poderia ser considerada como um país de trânsito semi-terrestre se o IPSA, com fluxo inicial no Iraque ligado ao sistema East-West Pipeline saudita, voltasse a se tornar uma opção operacional para escoamento do petróleo iraquiano. O Egito, com o oleoduto SUMED, é um outro exemplo de país de trânsito que pode ser enquadrado nessa classificação. Já os marítimos possuem dois subgrupos de países, os de trânsito oceânicos cujo mar territorial é cruzado por petroleiros ou gaseiros que, exercendo o direito da passagem inocente, ou inofensiva, o fazem independentemente de sua aquiescência (questões que são discutidas com maior atenção no capítulo 3); e os de águas interiores, os quais permitem o trânsito de navios por canais marítimos ou fluviais no interior de seus territórios. É no grupo dos oceânicos que se enquadra o caso dos Estreitos como o de Ormuz, onde estão localizados os EAU, que é membro da OPAEP; e no grupo dos de águas interiores que se encaixa o caso do Canal de Suez, que atravessa o território egípcio, que também faz parte da entidade árabe. Como o mercado petrolífero mundial forma uma grande rede que interliga e impacta, direta e indiretamente, em maior ou menor grau, as relações dos atores estatais e privados em todas etapas da cadeia produtiva, isso significa que, em âmbito internacional, o mercado petrolífero estabelece um elo de interdependência entre o grupo dos Estados produtores e consumidores de petróleo, bem como dos países classificados como de trânsito, como será exposto a seguir.

3. O petróleo e a interdependência complexa Conforme abordado na seção anterior, o petróleo é um produto facilmente transportável devido, principalmente, à sua comercialização massiva em estado líquido, o que o caracteriza como um produto de fácil portabilidade. Essa 109 particularidade do petróleo, bem como a possibilidade de sua utilização em diversos outros setores além do energético, é o que o mantém como o responsável por pouco mais de um terço do total de todo o consumo mundial de fontes de energia existentes atualmente. Como visto, o petróleo é um produto de utilização universal e, portanto, de importância estratégica tanto para os países produtores quanto para os consumidores deste recurso. Desse modo, tendo em vista a abordagem do conceito de segurança energética, é possível afirmar que ambos os extremos sejam dependentes um do outro, ou melhor, interdependentes no que diz respeito ao acesso ao mercado global do “ouro negro”. Em reunião do secretariado do FIE, em dezembro de 2006, na cidade de Riad, Arábia Saudita – onde está localizada a sede da organização – foi destacado que a agenda de energia faz parte dos interesses das nações e é, ao mesmo tempo, uma questão de soberania e uma questão global em um mundo cada vez mais interdependente, o que implica em dependência mútua entre consumidores e produtores. Dessa forma, a interdependência de energia pode ser boa ou ruim. Por isso, para que seja boa e sustentável a ponto de evitar crises de interrupção de abastecimento e de procura, ela deve ser benéfica para todos os envolvidos nas relações de conexões entre as partes (THE INTERNATIONAL..., 2006). Sobre isso, Yergin afirma o seguinte:

As relações entre os países produtores e consumidores geralmente baseiam-se muito mais na interdependência e cooperação do que no passado, embora novos conflitos continuem a surgir. Ainda assim, essas relações mais cooperativas fornecem uma base crucial para lidar e minimizar os choques (YERGIN. In: KALICKI and GLODWYN, 2013, p. 72. Tradução Nossa).

Em Power and Interdependence, Keohane e Nye (2011, p. 7,8) tratam sobre isso da seguinte forma: “dependência significa um estado de ser determinado ou significativamente afetado por forças externas. Interdependência, mais simplesmente definida, significa dependência mútua” e continuam “a interdependência na política mundial refere-se a situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou entre atores em diferentes países”. Para eles, “onde há efeitos caros recíprocos de transações, há interdependência. Onde interações não têm efeitos significativos, há 110 simplesmente interconectividade” e interconectividade não seria o termo mais adequado para ser empregado no que diz respeito ao mercado mundial de petróleo, haja vista que mais do que uma commodity com um preço definido pelas leis de oferta e demanda, o comércio internacional de petróleo envolve aspectos políticos e geopolíticos, principalmente nas regiões do Oriente Médio e Norte da África onde localizam-se os países da OPAEP. Portanto, neste tópico são abordadas duas importantes características da interdependência complexa para esses países: as interconexões com seus principais mercados importadores e a relação entre produtores e consumidores no âmbito do FIE. No parágrafo anterior, foi visto que Keohane e Nye comentam em sua obra que interdependência diz respeito à dependência mútua e efeitos recíprocos, porém, essa relação de dependência compartilhada e de reciprocidade não indica necessariamente que haja inexistência de assimetria ou desequilíbrio de vantagens para barganhar ou realizar manobras políticas de um lado ou de outro. É a condição de assimetria que aumenta ou diminui a influência de um ator sobre outro. No caso da segurança energética, relacionada ao petróleo, foi apontado anteriormente que os Estados produtores pensam na segurança da demanda e os Estados consumidores pensam na segurança da oferta, ou seja, um quer garantir que seu produto será vendido e o outro quer que o produto esteja disponível para ser comprado. Nesse caso, uma maneira de um ator exercer influência política, ou poder, sobre o outro seria através do que os autores supracitados definiram como hard e soft power, que no caso da geopolítica do petróleo se adequariam na forma de embargos ou de benevolências.

“Hard power é a capacidade de fazer com que os outros façam o que de outra forma não fariam através de ameaça de punição ou promessa de recompensa. Seja por cenouras econômicas ou bastões militares, a capacidade de persuadir ou coagir tem sido o elemento central do poder. (...) Soft power, por outro lado, é a capacidade de obter resultados desejados porque os outros querem o que você quer; é a capacidade de alcançar os resultados desejados por atração e não por coerção. Funciona convencendo os outros a seguir ou levá-los a concordar com normas e instituições que produzem o comportamento desejado”. (KEOHANE; NYE, 2011, p. 216. Tradução nossa).

Nesse caso, os embargos podem ser classificados como instrumentos de hard power, por se tratarem de punições de natureza econômica. As 111 benevolências, por sua vez, podem assumir aspectos ora de hard, ora de soft power. No primeiro caso podem ser implementadas como promessa, ou mesmo como expectativa de recompensas, já no segundo podem funcionar como mecanismos de convencimento, atração e de aproximação política visando ganhos futuros não imediatos. Ambos os artifícios podem partir tanto dos produtores quanto dos consumidores. O caso clássico de embargo de produtores foi o de outubro de 1973, durante a Guerra do Yom Kippur. Já um caso que partiu dos consumidores foi a suspensão, por parte da UE, da aquisição de carregamentos de petróleo iraniano em janeiro 2012 como forma de pressionar o avanço do programa nuclear iraniano (PRIME MINISTER, 2012), ou mesmo o embargo internacional sobre as exportações iraquianas de petróleo após a invasão do Kuwait em 1990. Outra situação semelhante, em relação ao Irã, ocorreu em 2018, quando os EUA anunciaram sua retirada do Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA)41 comumente conhecido como o Acordo Nuclear Iraniano, firmado em 2015, e a imposição de sanções à importação de petróleo do Estado persa, visando enfraquecer tanto seu programa nuclear quanto atrasar o desenvolvimento do programa de mísseis balísticos do país (MNUCHIN, 2018). As benevolências, de forma semelhante aos embargos, podem partir do consumidor ou do produtor, porém, nesse caso em específico, normalmente o produtor é quem procura tirar vantagens de sua condição de ofertante para garantir mercado futuro, ou ainda, buscar influenciar a política do país comprador. É importante destacar que em política atos de benevolência são acompanhados de interesses. Um caso de país consumidor benevolente, isto é, que deu preferência a um fornecedor, é o do Sudão, que em maio de 2018 se encontrava em situação de crise de combustíveis e fechou parceria com a Arábia Saudita, concedendo a esse país preferência de abastecimento em troca de preços especiais para compra (SAUDI ARABIA..., 2018). O acordo firmado com financiamento do Banco Saudita de Desenvolvimento, veio poucos dias depois

41 O Acordo Nuclear do Irã, foi firmado em 14 de julho de 2015 pelo P5 + 1 (China, Estados Unidos, França, Rússia, Reino Unido e Alemanha). Entre outras coisas, o acordo renunciado pelos EUA e ainda mantido pelos outros signatários prevê a redução do estoque iraniano de urânio em aproximadamente 98%; o reprojeto de reatores para que não produzam plutônio para uso militar; e a proibição da construção de reatores adicionais que possam acumular excesso de água pesada por um período de 15 anos.

112 do governo sudanês anunciar reconsiderar sua participação na coalizão militar sob liderança saudita na Guerra do Iêmen, iniciada em 2015, se retirando do conflito, o que pode ter contribuído para que Riad assumisse o compromisso de abastecer o Sudão e, ao mesmo tempo, ganhar com a concessão de crédito e sustentação da participação sudanesa no conflito. Um caso de benevolência de produtores é o Acordo de Cooperação Energética Petrocaribe. Um acordo entendido como solidário através do qual a Venezuela facilita a exportação de petróleo para países caribenhos em troca de financiamento a longo prazo, negociações comerciais intergovernamentais diretas sem intermediários e recebimento de parte dos pagamentos em bens e serviços como alimentos, serviços médicos, incentivos à educação e esportes (TRATADO..., 2005). Uma outra situação de benevolência ocorreu em 1998 quando a Arábia Saudita forneceu apoio político e econômico ao Paquistão após Islamabad ter recebido sanções internacionais por realizar testes nucleares como forma de reação aos testes promovidos pela Índia.

Naqueles momentos críticos, a Arábia Saudita mais uma vez ajudou o Paquistão com fornecimento de petróleo gratuito por quatro anos até 2003. Nos primeiros dois anos, 80 mil barris por dia foram fornecidos, enquanto 40 mil barris por dia foram fornecidos para o período restante e representaram 23% das importações de petróleo do Paquistão. Essa facilidade também ajudou a estabilizar a crise do balanço de pagamentos do Paquistão (AHMAD; FAISAL, 2018, p. 31. Tradução nossa).

O auxílio econômico e político através do petróleo rendeu ganhos estratégicos para Riad. Em 1999 o então Ministro da Defesa saudita, príncipe Sultan bin Abdulaziz al-Saud, foi o primeiro estrangeiro a conhecer pessoalmente uma instalação nuclear e algumas armas dessa natureza no Paquistão. Seis anos mais tarde, seu filho Khalid bin Sultan, que ocupava o cargo de vice-Ministro da Defesa, esteve presente em um teste nuclear em solo paquistanês (CIGAR, 2017, p. 91). A Arábia Saudita é um país privilegiado pela sua capacidade de utilizar o petróleo como instrumento de poder por meio de embargos ou de benevolência. O país detém tanto a capacidade material quanto a capacidade política para isso pelo fato de ser o maior exportador mundial e por possuir a maior capacidade 113 ociosa de produção entre todos os produtores da OPEP e da OPAEP. Desse modo, a Arábia Saudita resguarda um tipo de poder análogo ao que Nye (2011, p. 22, 23) classifica como smart power, ou poder inteligente, que seria a “capacidade de combinar recursos de poder duro e poder brando em estratégias efetivas”. Conforme mencionado, a interdependência repercute nas relações entre os países produtores e consumidores de petróleo, concedendo assim uma possibilidade de observação prática do conceito de segurança energética previamente apresentado. Dito isso, nas páginas subsequentes são discutidas as interconexões entre as relações comerciais entre alguns países da OPAEP e seus mercados consumidores e, também, o papel de diálogo e intermediação do FIE nas relações entre ambos os grupos de países.

3.1. OPAEP e mercados consumidores De acordo com os dados do BP Statistical Review of World Energy 2020 já comentados no capítulo 1, no que diz respeito às reservas de petróleo comprovadas dos países da OPAEP, é possível verificar que a organização árabe foi responsável por cerca de 42% de todas as reservas mundiais de petróleo no ano de 2019, ou seja, mais de um terços das reservas globais encontram-se concentradas em dez países da Península Arábica, do Norte da África e do Oriente Médio Mesopotâmico. Somente a Arábia Saudita, contabilizou aproximadamente 17,2% do total mundial (correspondente a 297,6 bilhões de barris, a segunda maior do mundo superada apenas pela Venezuela com 303,8 bilhões de barris ou 17,5% do total de 1733,9 bilhões de barris) e 41% entre os membros da OPAEP42. Além de concentrar mais de um terço das reservas internacionais de petróleo, os países da OPAEP, em conjunto, apresentaram-se como responsáveis por cerca de 27% do total produzido em 2019, com a Arábia Saudita mais uma vez figurando como o maior produtor entre os membros dessa OI, com 11% do todo no mundo e aproximadamente 41% entre os membros da

42 As estatísticas da BP não fornecem dados sobre as reservas do Bahrein, mas deixa subentendido que esse país contribuiria para contagem com menos de 0,2% do total do Oriente Médio, pois esta é a contribuição do Iêmen para a região, o menor valor descriminado no documento de um país da região.

114 entidade árabe. Aliado a isso, seus principais mercados consumidores de petróleo encontram-se em regiões mais afastadas como a América do Norte, a Europa e o Leste Asiático. A figura 8, a seguir, mostra o fluxo de petróleo (óleo cru e derivados) correspondente ao ano de 2019 para esses e outros mercados consumidores de petróleo.

Figura 8 – fluxo global de petróleo em 2019 em milhões de toneladas

Fonte: BP Statistical Review of World Energy 202043.

Uma análise meticulosa do gráfico acima, mostra a posição de destaque do Oriente Médio na distribuição intercontinental de petróleo. Antes de tudo, vale a pena mencionar que tal região é também grande consumidora de óleo, que é produzido no âmbito regional e normalmente é suprido pela produção interna dos países ali localizados. No domínio da OPAEP, apenas o Egito e Síria – especialmente após a guerra civil de 2011 – são dependentes de importação, sendo o principal fornecedor do primeiro a Arábia Saudita e do segundo o Irã (U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2015)44.

43 Disponível em: Acesso em: 27 de junho de 2020.

44 Sobre isso, a informação mais recente referente à Síria diz respeito ao ano de 2014. 115

O Egito que foi o maior consumidor de petróleo do continente africano nas duas primeiras décadas do século XXI, desde 2010 assiste um crescimento de sua demanda interna acima da capacidade produtiva, que, por sua vez, se encontra em processo de estagnação e queda. Já os sauditas desde 2009, quando superaram a Rússia, representam o quinto maior consumo mundial de petróleo atrás apenas dos EUA; China; Índia e Japão, conforme dados do BP Statistical Review of World Energy 2020. O Oriente Médio, como é possível perceber na figura 8, é o principal fornecedor de petróleo para áreas distantes de sua posição geográfica. Na geopolítica do petróleo, poderia ser comparado à parte central de uma estrela que fornece energia para as suas pontas, que nessa analogia representariam outros continentes. Nessa perspectiva, no ano de 2019, o Oriente Médio e o Norte da África foram responsáveis, em média, por um fluxo em torno de 49% de todo óleo cru comercializado no mundo e 16% de todos os derivados (como combustíveis, querosenes, lubrificantes, entre outros). A exportação de petróleo oriunda dos países da OPAEP valoriza a relevância dos estreitos do Oriente Médio, particularmente Ormuz e Bab el- Mandeb, e também o Canal de Suez, haja vista que à exceção do emirado de Fujairah, nos EAU, nenhum país dessa OI possui acesso ao oceano aberto. A figuras 8 ressalta a importância do Oriente Médio e, por extensão, da OPAEP na geopolítica do petróleo, pois os países árabes da região apresentam- se como o segundo maior mercado fornecedor de petróleo para a Europa e América do Norte, assim como o maior exportador para o Leste Asiático. No caso da Europa, os países da OPAEP se apresentam como os principais fornecedores de óleo cru para o continente. Dentre os membros da entidade, desde 2016 os dados da BP apresentam o Iraque como responsável pelo segundo maior volume de exportações de petróleo cru para a região, atrás somente da Rússia. Por outro lado, no quesito derivados, os sauditas ficaram com o quarto lugar em 2016 e com o terceiro nos três anos posteriores, sendo superado pelos russos, norte-americanos e, em 2016, pelos indianos. Os Estados do Norte da África, como países de defrontação e, por conta disso, sem necessidade de que seus navios petroleiros atravessem estreitos para abastecer o mercado europeu, têm desempenhado papel alternativo ao petróleo aprovisionado por empresas sob o controle de Moscou. Dentre os 116 países da OPAEP na região, desde o início do século XXI até 2011, a Argélia e a Líbia disputavam o posto de segundo maior produtor de petróleo do continente africano – com a Nigéria na vanguarda – enquanto o Egito havia se tornado dependente de importação desde 2010. Após a Primavera Árabe, a Argélia, menos instável politicamente que os vizinhos, tornou-se o principal fornecedor desse recurso para a Europa, enquanto a produção líbia caiu mais do que pela metade em 2011, com uma robusta recuperação no ano seguinte, seguida de constantes quedas até 2016, ano de produção inferior ao início da guerra civil local recrudescida desde o fim de 2012. A partir de 2017 o país mostrou indícios de recuperação atingindo os maiores níveis produtivos desde 2010. Quanto a América do Norte, o Canadá é, de longe, o maior fornecedor de petróleo para os EUA, o maior mercado consumidor do mundo. Em 2019, os canadenses foram responsáveis por mais de 49% de todo petróleo (cru e derivados) importado pelos EUA. A OPAEP, em seu turno, forneceu cerca de 13% para os americanos. Ainda nesse ano, a Arábia Saudita foi superada pelo México e perdeu o posto de segundo maior fornecedor de petróleo para os EUA. Algo que não ocorria desde o início da década de 2010 (U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2019). Embora a diferença em relação ao Canadá seja considerável, Riad continua sendo um importante parceiro de Washington no que diz respeito ao setor petrolífero, como pode ser observado no gráfico 6.

117

Gráfico 6 – importação de petróleo dos EUA por país de origem (1975-2018)

Fonte: EIA. U.S. Imports by Country of Origin45.

Na imagem acima, percebe-se que desde a virada do século os canadenses têm dominado o mercado de exportação para os EUA, enquanto todos os outros fornecedores apresentam tendência de queda nesse sentido. Desde 2015, os sauditas têm disputado parcela de mercado com os mexicanos, que por sua vez, tem a vantagem de fazerem fronteira com o maior consumidor de petróleo do globo. É possível, no entanto, que o movimento de queda das exportações da Venezuela – em crise social e econômica sob o governo de Nicolás Maduro em quase toda a segunda década do século XXI, impulsione os árabes a encontrar meios competitivos de recuperar o segundo posto como fornecedor dos EUA. Algo que, em certa medida, depende da evolução de uma outra variável, que é a crescente produção interna de óleo de xisto e seu atendimento ao consumo doméstico. Com relação à Ásia, é possível destacar duas importantes zonas de mercado petrolífero para os países da OPAEP: a Índia, país consumidor mais próximo do Golfo Pérsico, cujo consumo e importação encontra-se em curva ascendente; e o Leste Asiático, que abrange importantes mercados de países como a Coreia do Sul, o Japão e a China.

45 Disponível em: Acesso em: 12 de junho de 2020.

118

A Índia, país que possui a segunda maior população do mundo, é o terceiro maior consumidor mundial de petróleo desde 2014, ano em que superou o Japão. O Oriente Médio é a região que mais exporta para os indianos, com o Iraque sendo o maior fornecedor mundial de petróleo para o país desde 2017, quando passou a Arábia Saudita. Como os indianos são os grandes importadores geograficamente mais próximos dos países árabes do Golfo Pérsico, Sikri (2008, p. 2; 18) defende que Nova Deli “precisa estar alerta para garantir que as reservas de petróleo dos países do Golfo não estejam sob o controle de potências externas que possam estar em posição de negá-las à Índia”. Para ele “a Índia precisa estabelecer sua presença militar independente no Golfo”. Para isso, o país precisa investir na estruturação e “construção de uma ‘Marinha de águas azuis’ para garantir as rotas marítimas de comércio e fluxos de energia do Golfo”. No Leste da Ásia, a China é o país da região com maior demanda de petróleo para atender as necessidades internas. Em 2017, esse país ultrapassou os EUA como o maior mercado importador de petróleo em todo o mundo. Apesar disso, o carvão ainda é a principal fonte energética do país. No ano mencionado, por exemplo, o petróleo representou 20% e o carvão 61% da energia primária consumida pela China. Ainda em 2017, o consumo dos chineses, correspondente a 12.842 mbpd, foi superior ao triplo do consumo japonês de 3.971 mbpd e pouco mais do que o quadruplo do consumo sul-coreano de 2.801 mbpd. Ambos os países, ao contrário da China, encontraram no petróleo o principal componente de suas matrizes energéticas nacionais nas duas primeiras décadas do século XXI. Os principais fornecedores de petróleo para a região são a Arábia Saudita e o Iraque, sendo a China e o Japão os maiores importadores desse produto na região. Em 2016 os sauditas perderam para os russos o posto de maior exportador de petróleo para a China, porém durante visita do rei Salman bin Abdulaziz al-Saud a Pequim, em março de 2017, o presidente Xi Jinping deu garantias de que seu país é um mercado estável e, consequentemente, confiável para o petróleo saudita (WONG, 2017). Outro grande importador do petróleo produzido no Oriente Médio é a Coreia do Sul, que desde 2011 guarda um consumo superior ao da Alemanha, o maior do continente europeu. 119

Além das interações de mercado dos países da OPAEP com a Europa, América do Norte e Ásia, outra característica importante da interdependência é o diálogo interpartes e a transparência de informações entre os países que compõem o ciclo do petróleo, isto é, entre produtores, de trânsito e consumidores, cristalizado, em certa medida no âmbito do FIE.

3.2. FIE e o diálogo entre produtores e consumidores Em Power and Interdependence, Keohane e Nye (2011, p. 20, 21) atribuem três características principais à Interdependência Complexa, que são: a utilização de múltiplos canais para as relações entre as nações; agenda internacional composta de temáticas diversas sem a especificação de uma hierarquia entre elas; e a redução da utilização do poder militar como instrumento coercitivo (embora não negue a importância do poder militar como instrumento político). No que diz respeito à segurança energética e à geopolítica do petróleo no Oriente Médio, a aplicação do primeiro aspecto da interdependência mostra-se conveniente porque os países da região interagem tanto por meio de contatos bilaterais quanto através de associação em OIs, como a OPAEP e a OPEP. Sobre a segunda característica, não é necessária uma explicação com maiores detalhes porque o objetivo da tese já aborda uma agenda internacional específica relacionada à segurança energética. O terceiro aspecto, por sua vez, deve ser examinado com maior prudência, considerando que os poços de petróleo, em determinados casos e em certas regiões, podem ser ou tomados em territórios alheios através da força ou defendidos por um Estado soberano que os detenha por intermédio do poder militar. Logo, mesmo que a negociação entre produtores e consumidores seja o modelo natural de obtenção e venda de produção de óleo cru e de derivados, a utilização desse recurso não pode ser removida da análise proposta nesta tese. Até porque, no item 1.2 deste capítulo já foi abordado um caso que se encaixa nesse quesito, que foi a invasão iraquiana no Kuwait. Além disso, na região do Golfo, o Irã já ameaçou mais de uma vez bloquear o trânsito marítimo por Ormuz em retaliação a sanções e embargos econômicos do Ocidente capitaneados pelos EUA, visando prejudicar a exportação de petróleo dos países árabes da região aliados aos norte-americanos. 120

Entretanto, neste subtópico em específico, prevalecerá a discussão referente à primeira caraterística da Interdependência Complexa direcionando, desse modo, a discussão para a questão da segurança energética como um problema que envolve os países consumidores e produtores de petróleo. Anas Alhajji explica que especialistas e formuladores de políticas se convenceram de que a segurança energética é de responsabilidade conjunta de consumidores e produtores. De acordo com ele, os principais fatores que contribuíram para essa concepção por parte dos agentes decisores incluem instabilidade política recorrente em países produtores de petróleo (o que abrange Estados membros da OPAEP); o aumento da cooperação entre os países produtores de petróleo; o crescente investimento internacional e multinacional de petróleo nos países produtores de petróleo; a politização da expansão de capacidade produtiva nos países produtores para abastecer a crescente demanda de petróleo; a controvérsia de informações sobre as reservas comprovadas existentes; e a possibilidade de um pico de produção de petróleo em alguns países produtores de petróleo (ALHAJJI, 2008, v. 6, part 3/5, n.p). Como já mencionado, países ofertantes e demandantes de petróleo interagem entre si por meio de conversações bilaterais, no âmbito de OIs e entre suas respectivas OIs, das quais são filiados. No ano de 1991, após as consequências imediatas da Guerra do Golfo para o mercado petrolífero, os presidentes Carlos Andrés Pérez Rodríguez, da Venezuela, e François Mitterrand, da França, deram um importante passo para convergência de interesses de ambos os lados ao organizarem, em Paris, o Seminário de Produtores e Consumidores, que reuniu ministros de pastas relacionadas à energia de mais de vinte países e nove OIs (FATTOUH; VAN DER LINDE, 2011, p. 62). A cúpula de Paris não alcançou muitos resultados concretos e muitos dos países participantes46 enviaram representantes diplomáticos ao invés de

46 Países: Alemanha, Arábia Saudita, Argélia, Brasil, Canadá, Coreia do Sul, EAU, Egito, EUA, França, Holanda, Indonésia, Índia, Itália, Irã, Japão, México, Nigéria, Noruega, Omã, Reino Unido, Tchecoslováquia, URSS, Venezuela. OIs: AIE, Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento, Banco Mundial, CE, Conselho de Cooperação do Golfo, EUROPIA (atual FuelsEurope, empresa que atua no ramo de refinarias), Fundo Monetário Internacional, ONU e a OPEP. 121 ministros de Estado, todavia depois do encontro na França seguiram-se outros – também em nível ministerial – na Noruega, em 1992; Espanha, 1994; Venezuela, 1995; Índia, 1996; e Catar, 1998. A partir de 2000, na Arábia Saudita, o encontro passou a ser organizado sob a nomenclatura de Fórum Internacional de Energia e as reuniões passaram a ser bianuais. Em 2001, foi lançada a Carta do FIE durante encontro extraordinário também sediado na Arábia saudita. Dentre os países da OPAEP, somente a Síria e a Líbia não são signatários do documento, o que não impede a participação de ministros desses países nas reuniões bianuais.47 Aliás, o Brasil que também não é signatário da carta do FIE foi coorganizador da conferência de 1996 na Índia. Na décima conferência do FIE organizada pelo Catar, na cidade de Doha, foi destacado que ministros de Estado e diretores executivos de empresas concordam que, tanto no presente quanto no futuro, “em um mundo de crescentes interdependências, o diálogo reforçado entre governos, bem como entre governos e indústria, é essencial para enfrentar os desafios energéticos”, certificando que “as parcerias entre os países produtores e consumidores, bem como entre as companhias petrolíferas nacionais e internacionais, melhorariam a segurança energética”, que é uma responsabilidade compartilhada por todos os atores envolvidos no mercado e na política energética internacional (INTERNATIONAL ENERGY FORUM, 2006). Dentre os objetivos do FIE enumerados na seção II de seu estatuto, o IEF Charter, destacam-se: o interesse de fomentar a ideia de consciência de interesses mútuos para os atores internacionais do campo energético; de promover uma compreensão de interdependência entre eles; enfatizar que a segurança energética passa tanto pela segurança do aprovisionamento para os consumidores, quanto pela segurança da procura para os produtores; e de construir confiança entre os atores por meio do diálogo e da transparência entre todas as partes (INTERNATIONAL ENERGY FORUM, 2011, p. 5). Conforme abordado no primeiro tópico do capítulo, as interrupções de fornecimento e as incertezas quanto à provisão de petróleo e quanto ao investimento em áreas produtivas geram instabilidade no mercado internacional

47 A lista completa de membros do FIE encontra-se disponível em: Acesso em 18 de janeiro de 2019.

122 afetando inclusive o preço de comercialização do barril. Desse modo, de acordo com Alhajji, “uma vez que tanto os países produtores quanto os consumidores sofrem, somente a interdependência e a cooperação podem eliminar esse sofrimento” (ALHAJJI, 2008, v. 6, part 5/5, n.p), pois um cenário de constante incerteza quanto a disponibilidade de oferta e demanda tornam mais difíceis os planejamentos e estratégias de produção e investimentos. No caso do FIE, um dos mecanismos de cooperação por meio da transparência se apresenta através do Joint Organisations Data Initiative (JODI), um projeto iniciado em 2001 e apresentado ao público em 2005 pelo então monarca saudita Abdullah bin Abdulaziz al-Saud, por ocasião de uma conferência do secretariado do fórum. O JODI é uma base de dados de petróleo e gás fornecida voluntariamente pelos países e copilada pelo FIE. Todavia, embora esse mecanismo seja um avanço na cooperação entre produtores e consumidores, Fattouh e Van der Linde (2011, p. 94, 95) explicam que “ainda existem lacunas em termos de cobertura geográfica, tipos e qualidade dos dados A completude, a atualidade e a qualidade dos dados apresentados diferem substancialmente entre os países membros, algo que o banco de dados ainda não consegue superar”. Em ata do encontro de 2006, o G-848 admitiu, em cúpula realizada na cidade de São Petersburgo, na Rússia, a importância do JODI como mecanismo de ampliação da transparência nas relações entre os atores internacionais no setor energético e do diálogo entre países e OIs para fortalecer a segurança energética global. Nessa perspectiva, o grupo reconheceu a relação de interdependência entre os múltiplos atores desse setor e tornou público o entendimento de que a segurança energética é de responsabilidade compartilhada por produtores e consumidores de recursos desse tipo, declarando que “o sistema de oferta e demanda de energia tornou-se verdadeiramente global. Essa situação exige o fortalecimento da parceria entre os países produtores e consumidores, por meio de um diálogo contínuo e construtivo, com objetivo comum de aumentar a segurança energética global” e

48 Grupo de países com a economia mais avançada do mundo. Composto por: Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido. Em 2014 a Rússia foi suspensa do grupo após ter anexado a Crimeia, território até então pertencente à Ucrânia. A UE também é representada nas reuniões do G-8.

123 em outro trecho do documento do G-8 é chamada a atenção para um maior estreitamento do diálogo entre produtores e consumidores de petróleo, incluindo OIs como a AIE (G-8 SUMMIT 2006, 2006, p. 1; 4). Dessa forma, é valido afirmar que as relações de interdependência em âmbito global na geopolítica do petróleo requerem a manutenção da ininterruptibilidade do fluxo energético para que os mercados consumidores sejam atendidos e para que a produção dos ofertantes tenha mercado para ser recepcionada com poucos riscos de rejeição, ou de substituição por outras fontes mais baratas ou de mais fácil acesso. Uma outra característica da interdependência é a necessidade de diversificar os mercados e criar alternativas para fontes de energia, pois da mesma forma que um Estado demandante de petróleo do exterior não pode depender apenas de um fornecedor externo para atender sua demanda interna, um Estado exportador não pode ficar submisso a um só importador, devendo de igual modo estabelecer laços comerciais com outros consumidores a fim de diminuir os riscos de futuros embargos e ampliar as possibilidades de agir com benevolência quando julgar necessário para angariar ganhos políticos e prestígio com o país parceiro. Investir em fontes alternativas e complementares de energia é também importante para ambos os extremos aqui citados. Por fim, esta tese visa explicar a segurança energética para o caso do petróleo, considerando os fatores inerentes aos três objetivos específicos levantados na introdução que se comunicam e se complementam entre si e que são ligados à interdependência entre produtores e consumidores de petróleo, ao passo que mantê-los estáveis e controlados pode ser de interesse compartilhado de ambos os lados. Estes três fatores são: 1) um fluxo ininterrupto e equilibrado de petróleo pelas rotas geográficas marítimas na região da OPAEP; 2) a diversificação de fontes energéticas internas, além de hidrocarbonetos como petróleo e gás natural, nos países exportadores de petróleo da OI árabe com vistas a liberar um maior volume de produção para a exportação; e 3) a estabilidade da produção e capacidade de exportação da Arábia Saudita para que tal país mantenha sua condição de swing producer na geopolítica do petróleo atuando como afiançadora da segurança energética de forma direta ou indireta.

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Considerações finais Neste capítulo verificou-se que as interrupções do fluxo de petróleo em situações de conflitos bélicos pós-1973 envolvendo países da OPAEP, como a Guerra Irã-Iraque de 1980 até 1988 e a Guerra do Golfo de 1990 a 1991, apesar de inicialmente terem causado efeitos negativos no mercado internacional de petróleo e na geopolítica regional, não foram capazes de transformar em pânico generalizado as relações comerciais entre produtores e consumidores. Um dos motivos para isso foi o papel de alguns países produtores, encabeçados pela Arábia Saudita, que excederam seus limites produtivos com o intuito de ofertar o suficiente para suprir as necessidades dos consumidores e, ao mesmo tempo, compensar as perdas ocasionadas pelos países envolvidos em guerra ou indiretamente afetados por elas. No tópico sobre segurança energética, privilegiou-se uma abordagem relacionada à responsabilidade conjunta de consumidores e produtores de petróleo para a garantia da segurança energética internacional. Dessa forma, foram levantados argumentos relacionados a autores e OIS ligados aos dois grupos de países, buscando demonstrar que os interesses são mútuos e, ao mesmo tempo, interdependentes e complementares. Nele também foi chamada a atenção para os países de trânsito em seus três subgrupos de análise: terrestres, semi-terrestres ou semi-marítimos e marítimos. A interdependência entre os atores internacionais, com destaque para os Estados, também foi discutida neste capítulo, sobretudo as relações interdependentes entre os países da OPAEP e seus principais mercados consumidores na Europa, América do Norte e Leste Asiático, sem excluir a Índia que se localiza no sul do continente asiático. Também foi tratado no terceiro tópico o esforço de interação e transparência entre os dois extremos no âmbito do FIE, criado após a Guerra do Golfo com o propósito de promover o diálogo entre todos os atores da política e do mercado internacional de energia, entre eles os países produtores e exportadores de petróleo. Por fim, o capítulo foi concluído com o entendimento de que o propósito de trabalhar com o conceito de segurança da energia, considerando os interesses dos exportadores e importadores de petróleo, devem levar em conta três fatores que podem ser essenciais para garanti-la, ou melhor, para que se alcance um maior nível de redução de riscos no que tange à interrupção do fluxo 125 petrolífero, já que a hipótese III deste trabalho é a firmação de que a plenitude da segurança energética não pode ser garantida. Posto isso, para que esta tese seja defendida com maior coerência, nos próximos três capítulos serão desenvolvidos cada um dos três aspectos da segurança energética de forma separada para que assim tal ideia possa ser melhor aprofundada com uma análise particular de cada um deles.

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CAPÍTULO III

A Segurança do Fluxo no Subcomplexo Regional de Chokepoints do Oriente Médio

Considerações iniciais Este é o primeiro dos três capítulos que visa atender os objetivos específicos desta tese, quais são: a ininterruptibilidade do fluxo petrolífero; a diversificação de fontes energéticas nos países da OPAEP para que um maior volume de petróleo e gás, que seriam consumidos internamente, possam ser exportados; e o papel da Arábia Saudita como afiançadora da segurança energética internacional entre os países produtores e consumidores de petróleo. Com o intuito de se dedicar exclusivamente ao primeiro dos três objetivos específicos, que é a segurança do fluxo petrolífero, e com uma análise a partir do tráfego marítimo, por ser a principal via de comercialização de petróleo com mercados consumidores de continentes longínquos, neste capítulo são abordadas questões relacionadas ao fluxo de petróleo que passa pelos chokepoints do Oriente Médio e que envolvem os Estados árabes afiliados à OPAEP, a saber: o estreitos de Ormuz, o de Bab el-Mandeb e o Canal de Suez. O termo chokepoint ou ponto de estrangulamento, é aqui empregado porque pode englobar estreitos e canais artificiais marítimos, como é o caso de Suez, que não é um estreito. Desse modo, compreendendo que os três chokepoints mencionados possuem uma dinâmica própria, e ao mesmo tempo conjunta, no tráfego marítimo petrolífero da região do Oriente Médio, propôs-se considerá-los como parte de uma subdivisão regional assim como as apresentadas no capítulo 1, quando, por motivação geográfica, os países da OPAEP foram divididos em Península Arábica, Norte da África e Oriente Médio Mesopotâmico. Nesse contexto, porém, a proposta de sub-região seria de natureza marítima, abrangendo Ormuz, Bab el-Mandeb e o Canal de Suez. Essa proposta de sub- região foi analisada dialogando com a lente teórica dos complexos de segurança regional de autoria de Barry Buzan e Ole Waever. 127

O direito internacional marítimo, no que se refere à passagem de navios comerciais e militares por estreitos e, no caso de Suez, de canais artificiais, também foi abordado. A inclusão de uma discussão com base em jurisdição internacional é importante devido à possibilidade de vislumbrar uma padronização de ações com vistas ao tráfego de navios pelos chokepoints e, a partir dela, alguns dos principais desafios à segurança do fluxo de petróleo dos países da OPAEP. Assim, o capítulo encontra-se dividido em seis sessões que obedecem a seguinte ordem: na primeira delas, é proposta a visualização de um complexo regional de segurança marítimo denominado como subcomplexo regional de chokepoints do Oriente Médio. Logo depois, é discutida a regulação internacional desses pontos de estrangulamento marítimos com o Direito do Mar à luz da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM); e em seguida, são apresentados os tipos de passagem aceitos pela CNUDM e sua aplicação em relação ao subcomplexo regional marítimo do Oriente Médio. As seções quatro, cinco e seis, em seu turno, trazem uma discussão ligada às particularidades de Ormuz, Bab el-Mandeb e do Canal de Suez, no que diz respeito aos interesses dos países da OPAEP relacionados à segurança, aderência ao direito internacional marítimo e, principalmente, ao fluxo petrolífero que transita diariamente por eles.

1. OPAEP e o subcomplexo regional de chokepoints do Oriente Médio Devido à posição geográfica onde estão localizados os países da OPAEP, da Península Arábica, do Oriente Médio Mesopotâmico e do Norte da África, os estreitos são a principal rota comercial de seus membros para atender os grandes mercados consumidores de petróleo e gás natural do Leste Asiático, da América do Norte e da Europa. Isso se dá porque mesmo que todos os membros da OPAEP possuam acesso direto ao mar, nenhum deles tem acesso direto ao oceano aberto49, o que em larga medida os torna dependentes da navegação pelos estreitos de Ormuz, Bab el-Mandeb e o Canal de Suez, para acessar

49 A costa Leste dos EAU, onde está localizado o porto de Fujairah, fica além do estreito de Ormuz e tem acesso direto ao Oceano Índico. Apesar disso, tecnicamente o local é banhado pelas águas do Golfo de Omã e não pelo Índico.

128 mercados longínquos50. Cabe deixar claro que o Canal de Suez não é um estreito e sim um canal marítimo classificado como águas interiores egípcias, como será possível verificar mais adiante. O estudo do fluxo de petróleo por estreitos é importante porque grande parte do comércio marítimo internacional acontece através do mar, que é o principal meio de ligação entre as nações de diferentes continentes. De acordo com as edições consultadas do Review of Maritime Transport do United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD), publicadas entre 2002 e 2019, cerca de 80% do comércio mundial em volume e mais de 70% de seu valor é transportado por navios51. A versão de 2019 do Review of Maritime Transport, com dados referentes ao ano de 2018, apontou que mesmo que as frotas de petroleiros não dominem mais o comércio marítimo no que se refere ao carregamento de produtos em milhões de toneladas – como era até o fim da década de 1990 – sua expansão continuou a se fortalecer durante o século XXI, crescendo cerca de 32% entre 2000 e 2018 e ocupando aproximadamente 29% do comércio internacional marítimo nesse último ano (UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT, 2019, p. 4-5). Nesse sentido, embora os estreitos se configurem como as principais rotas comerciais para os países da OPAEP, a relação de dependência entre eles é desigual, haja vista que alguns países atravessam menos estreitos, ou até mesmo não atravessam para atender determinados mercados consumidores. Esse é o caso dos países do Norte da África e da Síria, que com costas banhadas pelo Mar Mediterrâneo não necessitam que seus navios trafeguem por estreitos para atender o mercado europeu, por exemplo. Todavia, para os mercados

50 O estreito de Gibraltar, formado pelo sul da Espanha, pelo território britânico ultramarino de Gibraltar e pelo norte do Marrocos, embora seja uma importante rota para que o petróleo produzido pelos países da OPAEP chegue a destinos como o continente americano, por exemplo, não será abordado com maior profundidade pelo fato de não se concentrar exclusivamente na região do Oriente Médio do ponto de vista geográfico, mesmo que o Marrocos, situado no Norte da África, possa ser considerado parte da região.

51 A primeira edição a ser consultada foi a de 2002 porque apresenta dados referentes ao ano de 2001. O acesso a todas as edições mencionadas pode ser visualizada através do website do UNCTAD no seguinte link: a consulta a todos os documentos citados foi finalizada no dia 13 de maio de 2020.

129 asiáticos, os navios que partem de portos de Estados do Norte da África têm em Suez e em Bab el-Mandeb a rota mais curta para acessar seus destinos. Nunes e Visentini (2018, p. 86) propõem a possibilidade de analisar tais passagens marítimas como um subcomplexo regional do Oriente Médio com uma dinâmica própria. Tal espaço geográfico regional, envolveria um triângulo de estreitos formados pelos estreitos de Ormuz, de Bab el-Mandeb e pelo Canal de Suez. A divisão dos países da OPAEP em sub-regiões – Península Arábica; Norte da África; e Oriente Médio Mesopotâmico – foi uma forma de facilitar a visualização geográfica dos membros da entidade árabe na região do Oriente Médio. Tal subdivisão no que se refere a estudos de geopolítica envolvendo o local está longe de ser uma exclusividade desta pesquisa. No entanto, tal artifício também encontra respaldo em autores como Buzan e Waever que em sua obra Regions and powers: the structure of international security elaboram sua própria subdivisão do Oriente Médio em três subcomplexos regionais: Golfo, correspondendo aos países banhados pelo Golfo Pérsico e a Península Arábica; Levante, que compreende os países do Mediterrâneo Oriental e a Jordânia; e o Magreb, onde estão localizados os países do Norte do continente africano. Posto isso, é importar deixar claro que no capítulo 1 a separação das sub- regiões dizia respeito aos condicionantes geográficos, enquanto a subdivisão regional de Buzan e Waever é pautada em torno da segurança regional considerando o seguinte:

Os Complexos de Segurança Regional são definidos por padrões duráveis de amizade e inimizade, assumindo a forma de padrões sub-globais e geograficamente coerentes de interdependência de segurança. O caráter particular de um Complexo de Segurança Regional local será frequentemente afetado por fatores históricos, como inimigas de longa data (gregos e turcos, árabes e persas, khmers e vietnamita) ou o abraço cultural comum de uma área civilizacional (árabes, europeus, sul-asiáticos, asiáticos do nordeste, Sul-americanos). A formação de Complexos de Segurança Regional deriva da interação entre, por um lado, a estrutura anárquica e suas consequências na balança de poder e, por outro, as pressões da proximidade geográfica local (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 45. Tradução nossa).

Não obstante, diferente dos autores supracitados, Nunes e Visentini (2018, p. 86) incluem o Chifre da África como uma sub-região essencial em sua 130 análise, já que ela é a margem ocidental do estreito de Bab el-Mandeb e, consequentemente, parte da entrada ou saída do Mar Vermelho para navios que navegam nos sentidos sul-norte e norte-sul do Canal de Suez. Muitos deles são petroleiros e gaseiros que também podem passar em algum momento por Ormuz. A proposição de um subcomplexo regional de chokepoints não é arbitrária e atende requisitos da teoria como padrões duráveis de amizade e inimizade, vide as relações turbulentas entre Arábia Saudita e EAU com o Irã, no caso de Ormuz; Arábia Saudita, EAU e Iêmen, no caso de Bab el-Mandeb, que já se estendeu a Egito e Israel na guerra árabe-israelense de 1973; e Egito e Israel e Egito e potências extrarregionais no Canal de Suez. Aliás, a presença militar naval de Estados de fora do Oriente Médio no Djibouti, no Chifre da África é mais um agravante do papel do Chifre da África na formação do subcomplexo dos chokepoints. Além disso, a participação de potências extrarregionais é um dos quatro níveis de análise da teoria dos subcomplexos regionais em conjunto com as vulnerabilidades domésticas dos Estados que os compõem; as interações interestatais locais; e a interação da região com regiões vizinhas (BUZAN; WAEVER, 2003, p. 51). O contato inter-regional ocorre na medida em que a área que compreende Ormuz, Bab el-Mandeb e o Canal de Suez é considerada como um corredor de exportação de petróleo que liga a Península Arábica, o Norte da África e o Oriente Médio Mesopotâmico aos mercados consumidores da Ásia, Europa e Américas. Essa ligação otimiza o fluxo petrolífero internacional e, consequentemente a segurança energética para produtores e consumidores, seguindo a lógica de que os primeiros visam alcançar mercados para suprir a demanda com sua oferta, enquanto os consumidores visam o contrário. Ocorre, no entanto, que o Canal de Suez – mesmo sendo uma passagem marítima estratégica de ligação entre o Ocidente e o Oriente – é um canal aquaviário artificial, e não um estreito. Por isso, para tornar mais precisa a análise aqui proposta, quando houver referência ao conjunto dos três corredores marítimos, os termos a serem utilizados devem necessariamente ser “chokepoint” ou ponto de estrangulamento. Posto isso, O EIA conceitua esta expressão da seguinte forma:

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Os pontos de estrangulamento são canais estreitos ao longo de rotas marítimas globais amplamente utilizadas, algumas tão estreitas que são impostas restrições ao tamanho da embarcação que pode navegar por eles. Eles são uma parte crítica da segurança energética global devido ao alto volume de petróleo comercializado em seus estreitos (U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2017. Tradução nossa).

A figura 9 aponta no mapa a localização dos pontos de estrangulamento da região que formam o subcomplexo regional dos chokepoints:

Figura 9 – Mapa ilustrativo do subcomplexo de chokepoints

Fonte: The Heritage Foundation. 2016 Index of US Military Strength52

Mesmo diante da justificativa para empregar o termo chokepoint, é preciso voltar aos estreitos para fazer valer um compreensão mais detalhada tanto de suas características geográficos gerais quanto dos aspectos jurídicos a partir do Direito Internacional à luz da CNUDM, de 1982. É importante deixar claro que nem todos os membros da OPAEP são signatários da Convenção, a exemplo dos EAU e da Síria. Dentre os que assinaram a CNUDM, apenas a Líbia não procedeu com a ratificação53.

52 Disponível em: Acessado no dia 15 de novembro de 2017.

53 Para acessar a lista dos países signatários da CNUDM, atualizada até o dia 31d de julho de 2019, ver: 132

2. Os estreitos e a CNUDM De acordo com a Organização Hidrográfica Internacional, estreitos são “uma passagem estreita entre duas massas de terra ou ilhas ou grupos de ilhas que conectam duas áreas marítimas maiores” (INTERNATIONAL HYDROGRAPHIC ORGANIZATION, 2006, p. 144). No mesmo sentido, Nunes e Visentini (2018, p. 84), entendem que os estreitos são “braços marítimos curtos que separam duas massas terrestres, sejam elas continentais ou insulares”. Já Ana G. López Martín, autora da obra International Straits Concept, Classification and Rules of Passage, que cunhou um conceito para os estreitos voltados para a navegação internacional, em conformidade com a CNUDM, de 1982, os descreve de uma forma geral da seguinte maneira:

Uma passagem marítima natural que implica uma contração das águas não superior a duas vezes a largura do mar territorial dos respectivos Estados costeiros, que separa duas massas terrestres e comunica uma zona de alto mar ou [Zona Econômica Exclusiva] ZEE com outra zona de alto mar ou zona de ZEE, ou uma zona de alto mar ou ZEE com o mar territorial de outro Estado ou, possivelmente, com suas águas interiores ou com as águas do arquipélago, e é usada para navegação internacional. (MARTÍN, 2010, p. 61. Tradução nossa).

Com base nessa definição, é preciso destacar a existência de dois grupos de estreitos: os formados por águas interiores de um país e os estreitos internacionais. Alguns exemplos de estreitos em águas interiores são o de Tsugaru, entre as ilhas japonesas de Hokkaido e Honshu, e o da Tartaria, entre a ilha de Sakahlin e a massa continental oriental russa no Oceano Pacífico. Por outro lado, os estreitos formados por dois ou mais países ribeirinhos são considerados estreitos internacionais, como Ormuz e Bab el-Mandeb, por exemplo. A CNUDM, em sua parte III, dispõe sobre as normas de navegação através dos estreitos internacionais. James KRASKA e Raul PEDROZO, autores da obra International Maritime Security Law contabilizam como seis os tipos de estreitos para a navegação internacional:

Acesso em 13 de maio de 2020. 133

Existem seis tipos de estreitos internacionais: (1) estreitos geográficos através dos quais existe um corredor de alto mar (como o estreito de Taiwan ou alguns dos estreitos japoneses); (2) estreitos governados por convenções de longa data (como o (...) Estreito de Magalhães e o Estreito da Turquia, bem como o Estreito dinamarquês); (3) estreitos com rotas através do alto mar ou ZEE que são de conveniência semelhante; (4) estreitos formados por ilhas (por exemplo, o estreito de Messina); (5) estreito arquipelágico, governado pela passagem de vias marítimas arquipelágicas e (6) estreito sem saída. Cada arquétipo tem características únicas (KRASKA; PEDROZO, 2013, p. 224. Tradução nossa).

O grupo 1 de estreitos mencionado acima diz respeito às passagens marítimas com largura superior a 24 milhas náuticas54, isto é, duas vezes superior à soma da distância máxima do mar territorial55 dos países ribeirinhos que formam o estreito. Alguns Estados ribeirinhos de estreitos, entretanto, podem delimitar seu mar territorial com extensão inferior ao valor máximo a fim de gerar uma ZEE ou corredor de alto mar evitando “sobrevoos, passagens submersas e pode suspender passagens inocentes em seu mar territorial, ao custo de ceder parte da largura a que tem direito, a fim de criar uma passagem para o alto mar” (MARTÍN, 2010, p. 83). Isso ocorreria para também evitar o direito de passagem de trânsito, que é abordado na seção 3. O grupo de estreitos número 2 tem a ver com estreitos de convenções pré-existentes à CNUDM. Já as rotas de conveniência semelhante e os estreitos formados por ilha de determinado Estado costeiro podem ser considerados partes do mesmo grupo, haja vista que os dois se enquadram no artigo 38 da CNUDM (1982), pois a passagem em trânsito de um navio através da navegação entre a ilha pertencente ao país ribeirinho e o território continental pode ser impedida se houver uma outra rota conveniente através do alto mar, mesmo que haja um acréscimo de milhas a serem navegadas. Martín (2010, p. 93) explica que o estreito de Messina entre a ilha italiana da Sicília e a Itália continental faz parte do grupo 4 e não do grupo 3 porque é uma exceção por conta da distância navegável acrescentada pela mudança de rota de uma embarcação, que pode

54 Em torno de 1,852 km cada milha náutica.

55 Os termos “mar territorial” e “ZEE” correspondem a limites que as águas jurisdicionais de um país costeiro podem atingir. Segundo o artigo 3 da CNUDM (1982), o limite máximo do mar territorial de um Estado é de 12 milhas náuticas. No caso da ZEE, o artigos 55 e 57 explicam que ela é uma zona adjacente ao mar territorial e não pode superar as 200 milhas náuticas. 134 ser superior a 60 milhas náuticas. A rota sul do estreito de Jeju, Coreia do Sul, é tomada como um exemplo de rota de conveniência:

Quando afirmamos que a existência de uma rota de conveniência semelhante é reivindicada, várias condições podem ser levadas em consideração. por exemplo, recifes, condições de navegação naturais e artificiais, a velocidade das correntes marítimas e o comprimento da rota são condições a serem consideradas para julgar se existe uma passagem tão conveniente quanto o estreito. O sul da ilha de Jeju não tem nenhum problema especial em atender aos critérios de "conveniência semelhante". Existe uma rota de navegação segura ao sul da ilha, bem marcada por faróis e outros meios de navegação. (...) Ao se desviar para o sul da ilha, um navio acrescentaria apenas 30 a 35 milhas à sua viagem. Esse desvio é mínimo o suficiente para atender aos requisitos de uma rota de conveniência semelhante? A resposta deve ser afirmativa (MANGONE, 1988, p. 101. Tradução Nossa).

O grupo 5, de estreitos arquipelágicos, corresponde às travessias marítimas formadas pelas linhas de base estabelecidas por Estados arquipélagos, como a Indonésia e as Bahamas, por exemplo. Os países com essas características geográficas podem delimitar suas águas interiores a partir das linhas de base delimitadas, conforme disposto no artigo 50 da CNUDM (1982). O sexto e último grupo se refere aos estreitos sem saída, cujo termo “se aplica a circunstâncias geográficas nas quais o alto mar ou a ZEE se conecta aos mares territoriais de um estado por meio de um estreito limitado por um ou mais estados” (KRASKA; PEDROZO, 2013, p. 228. Tradução nossa). Um exemplo de estreito sem saída é o de Tiran, cuja contração é formada pelo noroeste da Península Arábica e o sudeste da Península do Sinai e é continuada por toda a extensão do Golfo de Aqaba. Ainda assim, nem todos os estreitos mencionados por Kraska e Pedrozo são regulados pela parte III, somente aqueles localizados entre uma parte do alto mar ou uma ZEE e uma outra parte do alto mar ou uma ZEE, conforme seu artigo 37. Para Martín (2010, p. 101), somente a categoria dos estreitos “principais” ou “normais”, isto é, aqueles governados pelo regime de passagem em trânsito, no que diz respeito à sua travessia, são os estreitos que se enquadram na parte III da CNUDM, a exemplos de Ormuz e Bab el-Mandeb. Sobre isso, a própria autora separa o alcance da parte III da seguinte forma: 135

Portanto, existem cinco categorias de estreitos internacionais que estão fora do escopo de aplicação da Parte III, mas pelo menos três delas não estão fora da Convenção, pois seu regulamento estaria sujeito a outras partes da CNUDM. É o caso dos estreitos formados por águas internas que seriam regidas pelas disposições da Parte II, dos estreitos pelos quais existe uma rota de alto mar ou uma zona econômica exclusiva à qual as Partes II, V ou VII se aplicariam dependendo da zona, bem como dos estreitos arquipelágicos regulados pela parte IV. Enquanto os outros dois tipos de estreitos são regulamentados por tratados internacionais específicos, uma aplicação clara do princípio da lex specialis (MARTÍN, 2010, p. 69. Tradução nossa).

Embora na citação utilizada a autora não especifique as duas categorias de estreitos concernentes à sentença “regulamentados por tratados internacionais específicos”, tais passagens marítimas são: os estreitos regulamentados total ou parcialmente por convenções internacionais de longa data e os estreitos regulamentados por tratados específicos compatíveis com a CNUDM que não são de longa data (MARTÍN, 2010, p. 76-81). Antes de abordar os chokepoints da região dos países da OPAEP é importante destacar que no Oriente Médio existem outros pontos de estrangulamento além de Ormuz, Bab el-Mandeb e Canal de Suez, a exemplo do estreito de Tiran e o canal de Shatt al-Arab. Ambas as passagens marítimas embora possuam importância estratégica para o fluxo petrolífero regional – ao menos para os países que deles dependem – não são rotas de navegação de primeira grandeza para a segurança do fluxo de petróleo em nível global. Ademais, no que diz respeito à CNUDM, não são considerados como estreitos para navegação internacional conforme a parte III do documento da ONU. Isso porque a norma internacional da CNUDM não estabelece regras específicas para estreitos que já possuam vigência de tratados bilaterais ou multilaterais que regulamentem a navegação através deles, como já abordado. Tiran é um estreito importante tanto para a Jordânia, cujo único acesso ao mar se dá a partir do Golfo de Aqaba, quanto para Israel, por causa do porto de Eilat, o único não situado na costa do Mediterrâneo. Embora ele tenha sido bloqueado pela Marinha egípcia durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, seu fechamento não resultou em desdobramentos negativos para o mercado 136 petrolífero no mesmo nível do que o segundo bloqueio do Canal de Suez56 também por decisão dos egípcios durante o mesmo conflito. A regulamentação da navegação por esse estreito não diz respeito à CNUDM, mas sim ao Tratado de Paz Israel-Egito (1979) – mais precisamente no seu artigo 5 que abrange tanto a livre navegação através de Tiran e do Canal de Suez para embarcações de todos os países – e ao Tratado de Paz Israel- Jordânia, em seu artigo 14 (1994). Ambos são compatíveis com a parte III da CNUDM. A Arábia Saudita, embora faça parte do estreito, não possui tratados específicos para regulamentação da navegação com nenhum dos três países, mas também não faz oposição às suas disposições no que que se refere a isso nos acordos entre eles. Já Shatt al-Arab é um canal natural que delimita parte da fronteira sudeste entre Iraque e Irã, cuja formação natural se dá pela confluência dos rios Tigre, Eufrates e Karun. Até se unirem no canal, os dois primeiros rios nascem na Turquia, perpassam a Síria e adentram o território iraquiano. O Karun, em seu turno, nasce no Irã e deságua na parte sul do canal. Palco de disputas fronteiriças entre Iraque e Irã no século XX, atualmente Shatt al-Arab é juridicamente regido pelo Acordo de Argel de 197557, que foi costurado durante uma Cúpula da OPEP na Argélia por Houari Boumédienne, então presidente do país, mais o xá Reza Pahlavi, do Irã, e Saddam Hussein, à época vice-presidente do Iraque durante o governo de Ahmed Hassan al-Bakr (SCHOFIELD. In: POTTER; SICK, 2004, p. 54). O Acordo de Argel foi endossado pelo Tratado Relativo à Fronteira de Estado e Relações de Vizinhança Irã e Iraque (1976). Embora o regime de navegação pelo canal não seja abrangido pela CNUDM, seu regime de navegação não contraria a Convenção. Ademais, o canal tem importância estratégica para o Iraque por representar sua principal comunicação comercial com o mar através de portos, como o de Basra, visto que o país não possui estruturas desse tipo em sua costa no Golfo Pérsico. Para os iranianos, Shatt-

56 O primeiro foi em 1956.

57 A acordo foi selado por um Protocolo de ajuste de fronteiras calculado por um comitê misto formado por Argélia, Irã e Iraque. Em setembro de 1980 o acordo foi denunciado pelos iraquianos, mas após a Guerra Irã-Iraque (1980-1988) Bagdá e Teerã reestabeleceram sua validade. 137 al-Arab é a principal saída para o mar dos petroleiros que saem de Abadã, onde fica localizada uma das maiores refinarias de petróleo do mundo (LAUTERPACHT, 2016, p. 226). Dessa forma, mesmo reconhecendo a importância regional de Tiran e Shatt al-Arab, tais passagens marítimas não serão analisadas com maior profundidade nesta pesquisa. Por conseguinte, Ormuz, Bab el-Mandeb e Suez, por sua posição geográfica, importância para a navegação internacional de petroleiros e adequação à parte III da CNUDM58 serão os estreitos analisados para a segurança do fluxo petrolífero global a partir dos países da OPAEP.

3. Regime internacional de navegação pelo subcomplexo regional dos chokepoints no Oriente Médio A parte III da CNUDM trata dos tipos de passagem por estreitos que uma embarcação civil e/ou militar gozam de direito legal para travessia e que não devem ser impedidas pelo Estado ribeirinho. São elas: a passagem inocente e a passagem em trânsito. Essas definições jurídicas de passagem se aplicam a Ormuz e Bab el-Mandeb, mas não ao Canal de Suez, que faz parte das águas internas do Egito. Segundo a Convenção, em seu artigo 18, o vocábulo “passagem” tem o significado de travessia pelo mar territorial de um determinado país sem que uma embarcação estrangeira adentre em suas águas interiores ou faça uso de instalações portuárias do país ribeirinho. Ela deve ser contínua e rápida. A travessia deve ser interrompida apenas em casos de incidentes; para prestação de socorro a outras pessoas, embarcação ou aeronave em situação de perigo; e em caso de força maior. No que tange à questão da passagem, é possível sugerir a existência implícita de um conflito de interesses entre os países costeiros e o país que, com seu meio naval59, necessite atravessar o mar territorial do primeiro Estado para cumprir algum tipo específico de missão.

58 O Canal de Suez é regido pela Convenção de Constantinopla de 1888, mas suas disposições são ajustáveis à CNUDM.

59 Ou o meio de uma empresa sediada em seu território com nacionalidade desse determinado país. 138

Sobre isso, Burke e DeLeo (1983, p. 392-393) afirmam que os Estados costeiros buscam restringir o acesso estrangeiro em suas águas jurisdicionais ao mesmo tempo que buscam estender sua soberania sobre elas. Tais medidas vêm acompanhadas da justificativa de preservar seus recursos vivos em sua costa. De outra maneira, as nações marítimas, assim referidas pelas autoras, visam “liberdade de acesso aos oceanos para transporte, comunicação, fins militares e produção e troca de matérias-primas e mercadorias”. Ao considerar o conflito de interesses entre as nações costeiras e marítimas, é possível afirmar a existência dos dois grupos de países na região da OPAEP, já que ali encontram-se países ribeirinhos de estreitos, que são também países de trânsito, e os países marítimos, já que seus navios, ou a maior parte do volume de sua produção de petróleo, atendem seus principais parceiros importadores através do mar em regiões longínquas como o Leste da Ásia. Nesse contexto, os dois grupos se preocupam com a segurança da energia, isto é, da oferta e da demanda, que se aplicam também ao fluxo marítimo. Portanto, tanto a segurança da integridade territorial, jurídica e soberana dos países costeiros quanto a regulação da navegação internacional atendem os interesses de ambos os lados. Foi esse equilíbrio, de certa forma, que a CNUDM procurou alcançar em relação à travessia por estreitos quando adotou a passagem inocente60 e a passagem em trânsito como regimes de passagem por essas rotas marítimas. Desse modo, com as considerações do artigo 18, o parágrafo 1 do artigo 19 define que a passagem inocente deve ser assim entendida “desde que não seja prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Estado costeiro”. Por sua vez, o parágrafo 2 do mesmo artigo define doze atividades realizadas por um navio estrangeiro que podem ser consideradas como perturbadoras da paz do Estado costeiro. Em linha gerais, são elas: a) a ameaça do uso da força; b) exercícios militares; c) atos para obter informações do país ribeirinho; d) ato de propaganda contra a segurança do país ribeirinho; e) lançar ou receber a bordo dispositivos militares (por exemplo, pouso e decolagem de aeronaves em porta- aviões e desembarque de lanchas a partir de navios de maior porte, por

60 Direito consuetudinário anterior à CNUDM e consagrado pela Corte Internacional de Justiça no caso do canal de Corfu, envolvendo a Grã-Bretanha e a Albânia, no período da guerra civil grega entre 1946 e 1949. 139 exemplo); f) desembarque ilegal de pessoas, moedas e produtos; g) embarque ilegal de pessoas, moedas e produtos; h) poluição grave; i) pesca ilegal; j) levantamento e investigação hidrográfica; k) perturbação dos sistemas de comunicação e de outras instalações pertencentes ao Estado costeiro; l) outras atividades incompatíveis com a definição de passagem. Em caso de infração da norma, o Estado costeiro pode tomar medidas para impedir a continuidade da passagem, exceto o uso da força em concordância com o artigo 301. Ainda sobre o disposto no artigo 19, Martín (2010, p. 116-117) explica que algumas atividades proibidas podem se tornar lícitas se houver anuência do país costeiro, de forma que, quando tal situação passa a ocorrer, a passagem não deixa de ser inocente. É o artigo 21 que trata das normas e regulamentos que o Estado costeiro pode implementar em seu mar territorial. Dessa forma, o artigo 19 limita as atividades citadas, porém não permite o impedimento da passagem de navios de guerra estrangeiros pelo mar territorial de um determinado Estado. Inclusive por estreitos, conforme o artigo 45 parágrafo 2. Os submarinos, por sua vez, devem navegar à superfície e arvorar bandeira em consonância com o artigo 20 da CNUDM. O artigo 22 positiva o direito do Estado costeiro de designar sistemas de separação de tráfego no seu mar territorial e ainda exigir que navios-tanque trafeguem por uma rota específica. O que for estabelecido pelo Estado costeiro deve ser tornado público e levar em conta recomendações de organismos internacionais competentes, como a Organização Marítima Internacional (OMI). Mesmo que a passagem inocente em mar territorial de países que formam estreitos não possa ser impedida, em determinados casos o Estado ribeirinho pode estabelecer zonas temporárias de proibição de navegação como no caso da prática de exercícios militares.

As nações conduzem rotineiramente práticas e exercícios de armas navais dentro de seus mares territoriais. Para garantir a segurança da navegação de navios e aeronaves comerciais que transitam pela área de exercício, o Artigo 25 (3) da CNUDM permite que o Estado costeiro suspenda temporariamente a passagem inocente em áreas específicas do seu mar territorial “se tal suspensão for essencial para a proteção de sua segurança, incluindo exercícios com armas (KRASKA; PEDROZO, 2013, p. 75. Tradução nossa).”

140

No tocante à “suspensão para a proteção de sua segurança”, uma outra exceção para a suspensão pontual da passagem inocente diz respeito à situação de guerra. Embora a CNUDM não seja clara quanto a isso, o Manual de San Remo de Direito Internacional Aplicável a Conflitos Armados no Mar61, de 1994, em seu artigo 89 concede permissão ao Estado ribeirinho neutro suspender a passagem em determinadas zonas marítimas de seu mar territorial se for providenciada uma outra rota segura para um determinado navio passar – mesmo que de um estado beligerante. Isso, porém, sem prejudicar a passagem inocente, ou seja, a suspensão se dá em determinados pontos da travessia pelo estreito e não em toda a sua extensão. Ademais, no que diz respeito aos Estados beligerantes, o artigo 27 do Manual expõe que os navios neutros têm direito à passagem inocente no mar territorial de um país em guerra. Até mesmo os bloqueios navais não devem impedir o acesso aos portos e costas de Estados neutros, conforme o artigo 99 da legislação mencionada. Nesse sentido, embora tanto a CNUDM quanto o Manual sejam silentes, é exequível a interpretação de que uma guerra e um bloqueio naval, envolvendo um Estado costeiro, não suspenda o direito de passagem inocente pelo estreito onde não tiver sido implantada uma zona de exclusão. Diferente da passagem inocente, a passagem em trânsito, é definida pelo artigo 38 da CNUDM da seguinte forma:

‘Passagem em trânsito’ significa o exercício, de conformidade com a presente Parte, da liberdade de navegação e sobrevoo exclusivamente para fins de trânsito contínuo e rápido pelo estreito entre uma parte do alto mar ou de uma zona econômica exclusiva. Contudo a exigência de trânsito contínuo e rápido não impede a passagem pelo estreito para entrar no território do Estado ribeirinho ou dele sair ou a ele regressar sujeito às condições que regem a entrada no território desse Estado (CONVENÇÂO, 1982. Tradução nossa).

Similar à passagem inocente, ao Estado com costa formadora de estreito é permitido, nos artigos 40 e 42, os direitos de negar a realização de atividades de investigação e levantamento hidrográficos sem a sua anuência; regulamentar

61 Embora o Manual de San Remo seja reconhecido internacionalmente ele não é um documento vinculante à CNUDM. Disponível em: Acesso em: 15 de abril de 2020. 141 o tráfego marítimo; estabelecer medidas para controlar e reduzir a poluição marítima; proibir a pesca ilegal; e coibir o embarque e desembarque de moeda, produto e pessoa de forma em contravenção das leis e regulamentos aduaneiros. Por outro lado, o artigo 44 proíbe o impedimento e a suspensão da passagem em trânsito, ou seja, os estreitos internacionais que se enquadram na parte III da CNUDM não podem ser fechados. Segundo Martín (2010, p. 110), a passagem em trânsito é “o regime de passagem por excelência de estreitos internacionais”. Isso porque sua aplicação não é válida para todo o mar territorial de um país ribeirinho de estreito, mas somente para o tráfego por essa contração marítima. Nessa circunstância, apesar de dispor de algumas similitudes com a passagem inocente, a passagem em trânsito possui uma diferença importante em relação a ela. Menezes (2015, p. 96-97) comenta que o diferencial entre os dois tipos de passagem é a extensão do alcance do tráfego para outras zonas e espaços no caso da passagem em trânsito, ou seja, aqui há a inclusão do espaço aéreo e, mais do que isso, é deixada a interpretação para que os submarinos possam navegar submersos ao invés de fazê-lo na superfície com bandeira arvorada. A questão em relação à navegação submersa de submarinos para a passagem em trânsito não é clara na parte III da CNUDM, porém, a alínea “c” do parágrafo 1 do artigo 39, que versa sobre os deveres dos navios e aeronaves durante a passagem de trânsito, elucida que eles devem “abster-se de qualquer atividade que não esteja relacionada com as modalidades normais de trânsito contínuo e rápido, salvo em caso de força maior ou de dificuldade grave” (CONVENÇÂO, 1982). Aqui, o emprego da expressão “modalidades normais” permite a interpretação de que submarinos possam atravessar o mar territorial de um Estado ribeirinho de estreito internacional sem, necessariamente, sua anuência e sem a possibilidade de suspensão da passagem em determinado ponto do estreito de forma legal, com o respaldo da CNUDM, como no caso da passagem inocente.

O termo "modo normal" significa que os submarinos têm direito a transitar submergidos, as aeronaves militares podem sobrevoar em formação de combate e, com operação normal do equipamento, e os navios de superfície podem transitar de maneira consistente com a segurança da embarcação, incluindo vapor de formação e lançamento e recuperação de aeronaves, 142

se consistente com as práticas de navegação. O artigo 44 proíbe que os Estados que fazem fronteira com um estreito internacional suspendam a passagem de trânsito para qualquer fim, inclusive exercícios militares. Além disso, o artigo 42 (2) não permite que esses Estados adotem leis ou regulamentos que tenham o efeito prático de negar, dificultar ou prejudicar o direito de passagem de trânsito (KRASKA; PEDROZO, 2013, p. 222. Tradução nossa).

Dessa forma, distintamente das normas de passagem inocente que limitam as atividades de meios militares no mar territorial do país costeiro, não há limitação positivada da mesma natureza na CNUDM para a passagem em trânsito que, além de ampliar o escopo de sua abrangência ao trânsito aéreo sobre estreitos62, é silente quanto a restrições de meios militares. A passagem em transito é o tipo de passagem exclusivamente voltada para a aplicação em estreitos que se enquadrem na parte III da CNUDM. Mesmo assim, diante das incertezas quanto à segurança do Estado costeiro em relação ao braço armado naval, aéreo, ou aeronaval, de um outro Estado, alguns países ribeirinhos do subcomplexo regional dos chokepoints como os EAU – que é o único membro da organização árabe entre eles – não reconhecem o regime de passagem em trânsito como forma de passagem que possa ser aplicada em seu mar territorial. Desse modo, somente a passagem inocente possui legitimidade jurídica internacional e é incorporada em sua legislação interna. Ademais, alguns desses países não ratificaram e nem mesmo assinaram a CNUDM como será observado nos tópicos a seguir.

4. O estreito de Ormuz Situado no sudoeste asiático entre Irã, EAU e Omã, o estreito de Ormuz é o único ponto de união marítima entre o Golfo Pérsico, o Golfo de Omã e o Oceano Índico. Seu comprimento é de aproximadamente 21 milhas náuticas em sua parte mais estreita63. Dentre eles, apenas Omã assinou e ratificou a CNUDM em 1983 e 1989, nessa ordem. O Irã e os EAU assinaram em 1982, mas não ratificaram. Quanto ao regime de passagem por Ormuz, apenas a passagem inocente é aceita na legislação interna dos países que formam esse estreito.

62 O tráfego aéreo internacional é regulado com base na Convenção de Chicago de 1944.

63 Em torno de 38.892 quilômetros.

143

O Act on the Marine Areas of the Islamic Republic of Iran in the Persian Gulf and the Oman Sea, legislação iraniana de 1973, portanto anterior à CNUDM, determina que a passagem inocente é o tipo de passagem aplicada a navios estrangeiros em águas iranianas. Aliado a isso, navios de guerra e embarcações nucleares que transportem carregamento com “substâncias nucleares ou outras substâncias perigosas ou nocivas ao meio ambiente” devem solicitar autorização à autoridade marítima nacional para transitar. Os submarinos, em seu turno, devem navegar na superfície e mostrar bandeira (IRAN, 1973). Da mesma forma, o artigo 5 da lei emiradense Federal Law No. 19 of 1993 in respect of the delimitation of the maritime zones of the United Arab Emirates também reconhece a passagem inocente para todos os navios estrangeiros e requer que navios de guerra e submarinos – que devem navegar na superfície com bandeira arvorada – notifiquem às autoridades competentes permissão para atravessar as águas nacionais. Nessa mesma direção, o decreto omani de 1981, Royal Decree concerning the territorial sea, continental shelf and exclusive economic zone, adota a passagem inocente para navios e estende o entendimento também para aeronaves no que diz respeito ao trânsito por estreitos. Na lei em questão não é feita distinção entre navios mercantes e de guerra. Sua aplicação tem maior semelhança com a passagem em trânsito do que com a passagem inocente. Ademais, mesmo que tal legislação vigente seja anterior à CNUDM é possível interpretar que o Sultanato de Omã não seja, de todo, contrário aos princípios da passagem em trânsito (embora não tenha editado um novo decreto para citá-la expressamente). Ainda no que concerne a Ormuz, é importante destacar que as águas jurisdicionais dos países ribeirinhos são juridicamente separadas apenas pelo encontro dos seus limites territoriais marítimos, ou seja, não há rota de alto mar entre suas ZEEs, mas sim tratados que delimitam o alcance soberano dos Estados em questão. O tráfego de navios pelo estreito corresponde a um espaço de 6 milhas náuticas de largura, com duas rotas, de entrada e saída do Golfo Pérsico de 2 milhas náuticas cada, mais uma intermediária que as separa com a mesma extensão. O tráfego marítimo por Ormuz, de acordo com a OMI, se dá de acordo com a ilustração da figura 10.

144

Figura 10 – Sistema de separação de tráfego marítimo no estreito de Ormuz

Fonte: IMO: Ship´s Routing 201964

Como já discutido nos tópicos anteriores, o Direito do Mar não permite o fechamento dos estreitos. Ademais, nem mesmo a legislação marítima interna de Irã, EAU e Omã também não o permite. Entretanto, sob diferentes circunstâncias o Irã já ameaçou bloquear a passagem por Ormuz, uma rota estratégica para o escoamento da produção petrolífera dos países da OPAEP da Península Arábica e do próprio Estado persa. No capítulo 1 desta tese foi apontada a importância dos chokepoints internacionais, mais precisamente nas figuras 2 e 3, que mostram os principais percursos do petróleo e gás natural produzidos no mundo. Segundo o EIA, Ormuz é o principal ponto de estrangulamento do globo no que tange à geopolítica dos hidrocarbonetos, com aproximadamente 18% e 20% do tráfego petrolífero marítimo internacional passando diariamente por ele. A tabela 2, abaixo, aponta uma estimativa do volume de petróleo que atravessou Ormuz e outros estreitos entre 2011 e 2016. Já a tabela 3 mostra valores atualizados

64 Os números de 1 a 16 indicados na figura 10 correspondem a marcações de latitude e longitude, que podem ser acessados na íntegra no documento citado. Tais marcações não foram abordadas nesse trabalho porque a imagem em questão foi utilizada com finalidade ilustrativa. 145 somente para Ormuz a partir de 2014. As atualizações foram publicadas pelo EIA em junho de 2019.

Tabela 2 – Volume estimado petróleo por chokepoint em mbpd (2011-2016)

Fonte: EIA65

Tabela 3 - Volume estimado petróleo que atravessou o estreito de Ormuz em mbpd (2014- 2018)

Fonte: EIA66

Com a visualização das imagens mencionadas do capítulo 1 mais as tabelas acima, que têm como objetivo demonstrar a importância de Ormuz como o principal ponto de estrangulamento do globo, é possível vislumbrar que o fechamento do estreito por um ator como o Irã67 poderia retirar de circulação,

65 Disponível em: Acesso em: 4 de agosto de 2017.

66 Disponível em: Acesso em: 4 de agosto de 2019.

67 O exemplo do Irã é utilizado porque o Estado persa é ribeirinho do estreito e é o único país da região que já ameaçou bloqueá-lo no século XXI. Todavia, não se deve excluir a hipótese de que uma potência naval extrarregional também o possa fazer.

146 mesmo que por um curto período de tempo, uma parte significativa da produção petrolífera internacional, mais precisamente a produção de países da OPAEP banhados pelo Golfo, como Arábia Saudita, EAU, Kuwait e Iraque. A exportação de GNL do Catar e do Bahrein também poderia ser gravemente afetada. Dessa forma, tanto a segurança da oferta, para os países importadores, quanto a segurança da demanda, para os exportadores, seriam atingidas de forma negativa. O Irã por mais de uma vez já vislumbrou a possibilidade de fechamento do estreito de Ormuz. Algumas vezes como forma de demonstração de força e de autodefesa em caso de agressão a sua liberdade de comércio internacional. Alguns episódios desse tipo ocorreram durante a guerra dos petroleiros, no mesmo contexto da Guerra Irã-Iraque de 1980-1988; em 2006, quando o general Yahya Rahim da Guarda Revolucionária iraniana ameaçou bloquear o estreito como forma de pressionar o Ocidente; em dezembro de 2011, quando Mohammad-Reza Rahimi, então no cargo de vice-presidente ameaçou fazê-lo se as sanções internacionais, por ocasião do programa nuclear iraniano, afetassem as exportações de petróleo nacionais; em dezembro de 2018, novamente se as sanções internacionais reimpostas por conta de seu programa nuclear – que haviam sido levantadas em 2015 – impedissem que o país exportasse seu petróleo (IDDON, 2018); e, em 21 de agosto de 2019, quando o presidente Hassan Rouhani em encontro com o aiatolá Ali Khamenei disse que tal rota não estaria segura caso a venda do petróleo iraniano fosse reduzida a zero (TAGHATI, 2019). Apesar disso, o Irã nunca engajou suas forças militares para fechar o estreito. Contudo, o país dispõe de meios e posição geográfica estratégica para tentar fazê-lo. No que tange aos meios, é importante ressaltar que o Irã possui comandos de forças armadas: uma do Estado e outra do regime teocrático que assumiu o poder em Teerã após a revolução de 1979, que é a Guarda Revolucionária Iraniana. No que tange às forças navais há a Marinha convencional, ou Islamic Republic of Iran Navy (IRIN) e a Marinha da Guarda Revolucionária ou Iranian Revolutionary Guard Corps Navy (IRGCN). A IRIN tem como áreas de responsabilidade o Mar Cáspio e o Golfo de Omã, assim como a diplomacia naval. Já a IRGCN atua no Golfo Pérsico e possui uma doutrina voltada para a guerra naval assimétrica (UNITED STATES 147

OF AMERICA, 2017, p. 5). De acordo com o The Military Balance 2020, publicado pelo International Institute for Strategic Studies, a IRIN, como uma Marinha regular, opera navios de combate de primeira linha como fragatas, corvetas e submarinos68. Por outro lado, os meios da IRGCN são predominantemente embarcações menores como lanchas rápidas de ataque e embarcações de patrulha costeira. Quanto à posição, o Irã é Estado ribeirinho de Ormuz e tem como sede da esquadra Bandar Abbas69, uma cidade situada na costa do estreito. O Irã também controla algumas ilhas na entrada dessa passagem marítima, como Greater Tunb, Lesser Tunb e Abu Musa, cuja soberania é disputada com os EAU. O mapa abaixo mostra a demarcação do tráfego marítimo reconhecido pela OMI na entrada do Golfo Pérsico. Nela é possível observar que, diferentemente da figura 10, a separação das rotas não é demarcada por um espaço artificialmente delimitado, mas sim pelas ilhas controladas por Teerã que formam barreiras geográficas naturais para o trânsito de navios que entram e saem do Golfo. Ademais, é importante destacar que o Irã tem posição privilegiada no interior do Golfo por dominar toda a extensão da costa leste, desde a fronteira com o Paquistão, antes de Ormuz, até o canal de Shatt al-Arab que delimita sua fronteira com o Iraque.

68 A única Marinha que opera submarinos no Golfo Pérsico.

69 Onde também existe uma base da Força Aérea, embora não seja a maior do país.

148

Figura 11 - Sistema de separação de tráfego marítimo na entrada do Golfo Pérsico70

Fonte: Voice of America71

As ilhas Tunb e Abu Musa, não são as únicas controladas pelo Irã nas proximidades do estreito72, mas possuem um valor significativo para esta pesquisa pelo fato de serem palco de disputa por soberania entre Irã e EAU. A situação política vigente nas ilhas foi estabelecida no final de novembro de 1971, alguns dias antes da declaração de independência dos EAU. Al-Mazrouei (2015, p. 11-16), explica que antes de os britânicos se retirarem militarmente do Golfo – onde possuíam protetorados na Península Arábica – Londres mediou um Memorando de Entendimento para soberania compartilhada de Abu Musa entre o Irã e o emirado de Sharja. Os britânicos buscaram fazer o mesmo com o emirado de Ras al-Khaima, sobre as ihas Tunb, que os árabes não aceitaram. No mesmo dia em que foi formalizado o acordo

70 Na figura 11 optou-se por utilizar uma imagem ilustrativa no lugar do mapa do Ship´s Routing 2019, da OMI, porque a nomenclatura das ilhas controladas por Teerã são diferentes de todas as fontes consultadas, apesar de se tratar das mesma ilhas. Além disso, no mapa do Ship´s Routing 2019 não é apontada a posição de Bandar Abbas, pois seu objetivo é apontar somente as rotas de tráfego de navios. o mapa da OMI encontra-se na página IV/10 do documento da organização aqui citado.

71 Disponível em: Acesso em 5 de maio de 2020.

72 Há também ilhas como Sirri, Farur e Farur Kochak, dentro do Golfo e relativamente próximas ao estreito, bem como as ilhas Ormuz e Larak na extensão dele. 149 com Sharja e as forças iranianas entraram pacificamente na ilha, as Tunb foram tomadas à força por Teerã. Nesse enquadramento, Visentini (2014, p. 189) explica que Ras al-Khaimah, que tinha objetivo de se tornar um Estado independente, preferiu se juntar aos outros emirados que fazem parte dos EAU como um único país ainda em dezembro de 1971. O Memorando relacionado à Abu Musa vigorou até 1992, ano no qual Teerã acusou os EAU de alterarem o padrão de habitação na ilha ao concederem moradia para estrangeiros e impediram que trabalhadores de outras nacionalidades pudessem acessá-la, cerceando, assim, a parcela compartilhada de soberania emiradense, deixando a impressão nos EAU, e nos Estados árabes da região, que com a derrota do Iraque na Guerra do Golfo de 1990-1991, o Irã passava a testar suas capacidades como potência regional dominante (AL- AIKIM. In: POTTER; SICK, 2002, p. 160). A posição geográfica concede ao Irã a possibilidade de aumentar sua presença militar e de empregar os meios da IRIN e da IRGCN para bloquear, ou causar distúrbios, no estreito de Ormuz. Por outro lado, sua situação privilegiada nesta rota marítima também já lhe rendeu desgaste político com os países árabes da região e com potências extrarregionais. Dentre os países árabes, os EAU se destacam pela controvérsia quanto às ilhas Tunb e Abu Musa. Aliás, quando em 1971 os iranianos ocuparam essas ilhas, a Líbia condenou o Memorando de Entendimento e o Iraque expulsou cerca de sessenta mil iranianos residentes no país (COOPER, 2011, p. 66-67). Ademais, No início da Guerra Irã-Iraque de 1980-1988, o governo de Saddam Hussein chegou a defender o objetivo de recuperar as ilhas citadas e devolvê-las aos EAU (AL- MAZROUEI, 2015, p. 11-16). Além dos atritos políticos com os árabes, a restrição da liberdade de passagem de navios pelo estreito pode render um conflito armado contra os EUA e a Grã-Bretanha. Os norte-americanos possuem presença militar na região com uma bases naval e aérea no Bahrein e no Catar, respectivamente, e com bases de Exército e Fuzileiros no Kuwait, bem como acesso a instalações militares e logísticas nos EAU e em Omã. Já os britânicos também possuem base no Bahrein e desde 2018 em Omã (MELVIN, 2019, p. 19; 23-24). Além disso, há ainda presença de tropas norte-americanas no Afeganistão e no Iraque, mesmo após o término oficial das guerras iniciadas em 2001 e 2003, respectivamente. 150

O único período em que os EUA e o Irã tiveram um embate militar direto foi no final da Guerra Irã-Iraque, no período da Operação Earnest Will – entre julho de 1987 e agosto de 1988 – a Marinha norte-americana passou a escoltar petroleiros kuwaitianos pelo Golfo, pois eram alvos dos países combatentes na guerra dos petroleiros já destacada no capítulo 2. Tal embate ocorreu com maior intensidade entre os dias 14 e 18 de abril de 1988, cujo estopim se deu após a fragata USS Samuel B. Roberts se chocar contra uma mina submarina iraniana lançada em uma rota de navegação no Golfo. Nessa ocasião, foi lançada a Operação Praying Mantis no dia 17 quando em apenas dois dias os EUA tomaram duas plataformas iranianas de petróleo, afundaram uma fragata, a Sahand, pertencente à classe Saam, encomendada da Grã-Bretanha no período pré-1979, e inutilizaram uma outra da mesma classe, a Sabaland (ZATARAIN, 2008, p. 230; 247; 284; 293-295). A presença militar dos EUA em países da região, como Arábia Saudita, Catar, EAU e Omã, além de fazer frente ás forças iranianas para garantir a livre passagem de navios pelo Golfo e por Ormuz no conflito do fim da década de 1980, foi importante para as operações logísticas das duas operações citadas, especialmente no atendimento de navios e aeronaves. Na segunda década do século XXI, as principais alternativas ao trânsito de petroleiros pelo estreito de Ormuz foram os oleodutos. Entre eles o saudita East-West pipeline e o emiradense Abu Dhabi Crude Oil Pipeline, que transporta o petróleo produzido em Habshan, no emirado de Dubai, até o porto de Fujairah, no Golfo de Omã (U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2017). O Kirkuk-Ceyhan, que liga a produção do norte do Iraque até o porto de Ceyhan na Turquia, em situação de pleno funcionamento também seria uma opção viável. Além dos oleodutos, foi cogitada a criação do Canal de Salman, um canal artificial que ligaria o Golfo Pérsico ao Oceano Índico atravessando a Arábia Saudita e saindo ou pelo Iêmen ou por Omã. Tal plano, porém, não prosperou (CIGAR. 2017, p. 56). É provável, no entanto, que o fechamento de Ormuz não seja estrategicamente viável para Teerã, pois além gerar tensões com os EUA grande parte de sua exportação de petróleo passa todos os dias pelo estreito. Aliás, como já visto, a ameaça aos carregamentos de petróleo que saem do próprio Irã é um dos motivos que levam esse país a ameaçar o tráfego por Ormuz. Afinal, 151 se o petróleo iraniano não puder ser comercializado por via marítima, aí sim Ormuz poderia ser bloqueado. Todavia, a inviabilidade do fechamento do estreito não significa que o Estado persa não possa empregar meios não convencionais a partir de uma doutrina de guerra não-convencional por meio da IRGCN – e da Guarda Revolucionária de forma mais abrangente – para assediar o fluxo petrolífero e a livre passagem de navios pelo local, promovendo, ou patrocinado, ataques a petroleiros e a instalações de produção e processamento de países produtores de óleo e gás da OPAEP na Península Arábica. Algo nesse sentido aconteceu em 2019, quando ativos e estruturas árabes foram atacadas por grupos não- estatais com suposta ligação política com Teerã. A figura 12 aponta alguns locais atingidos, a exemplo do porto de Fujairah, nos EAU, a instalação de processamento de petróleo saudita de Abqaiq, a maior do mundo, e o segundo maior campo de petróleo do país, o de Khurais:

Figura 12 – Estruturas petrolíferas da Península Arábica alvejadas por grupos não estatais em 2019

Fonte: Market watch73

73 Disponível em: Acesso em: 27 de setembro de 2019. 152

O posicionamento de baterias de artilharia costeira e antiaérea em posições estratégicas ao longo da costa, no estreito, e o investimento em mísseis balísticos e veículos aéreos não tripulados é também uma forma de ameaça ao tráfego marítimo por Ormuz. Isso porque em caso de ataque de países árabes, ou dos EUA, contra posições militares iranianas em ilhas no Golfo, como Abu Musa, ou na costa, como em Bandar Abbas, tais instrumentos podem ser utilizados como meios de retaliação contra alvos militares e civis. Alguns grupos não-estatais ligados à Teerã, como os houthi74 do Iêmen, apontados como possíveis autores de alguns dos ataques aos alvos ilustrados na figura 12, atuam próximos a outro importante chokepoint da região da OPAEP, o estreito de Bab el-Mandeb. Passagem marítima que é abordada no próximo tópico.

5. O estreito de Bab el-Mandeb Localizado entre o Iêmen e o Djibouti e separando ao sul a Península Arábica do Chifre da África, o estreito de Bab el-Mandeb é a principal rota marítima internacional de ligação entre o Oceano Índico, o Golfo de Áden, o Mar Vermelho e o Mar Mediterrâneo. De acordo com Martín (2010, p. 102-103), Bab el-Mandeb possui aproximadamente 19 milhas náuticas de largura. A ilha Perim – que pertence ao Iêmen – divide o estreito em dois. A parte da navegação internacional, Dact el- Mayun, com cerca de 10 milhas náuticas e a parte das águas jurisdicionais iemenitas, o estreito de Alexander, com aproximadamente 3 milhas náuticas e meia de largura. No que tange ao regime de passagem pelo estreito, apenas o Iêmen reconhece em específico algum tipo de passagem que possa ser aplicada em suas águas jurisdicionais. Sobre isso, o país através do Act No. 45 of 1977 concerning the Territorial Sea, Exclusive Economic Zone, Continental Shelf and other Marine Areas, reconhece em seus artigos 6 e 9 o direito da passagem inocente de navios estrangeiros em seu mar territorial, podendo a autoridade

74 Os houthi são um grupo paramilitar rebelde que atuam no Iêmen e são ligados ao ramo islâmico zaidista, que se auto define como xiita (SOURDEL; SOURDEL, 1996, p. 865-866). A nomenclatura desse grupo deriva de Hussein Badreddin al-Houthi, um ex-comandante morto pelo Exército iemenita no ano de 2004.

153 marítima competente suspendê-lo em caso de detecção de passagem que não atenda os requisitos estipulados. Apesar de se ler uma lei anterior à CNUDM ela não fere os princípios dessa convenção, assinada e ratificada pelo Iêmen, respectivamente, em 1982 e 1987. Já a Law No. 52/AN/78 concerning the territorial sea, the contiguous zone, the exclusive economic zone, the maritime frontiers and fishing, do Djibouti, não faz menção ao tipo de passagem reconhecido pelo Estado. Todavia, o artigo 14 garante a “todos os Estados liberdade de navegação e sobrevoo e liberdade para instalar cabos e tubulações submarinos em sua zona econômica exclusiva” e o artigo 15, em seu turno, afirma que “as disposições desta lei não modificarão as regras internacionais de navegação no Estreito de Bab el-Mandeb”. Para Martín (2010, p. 195), a aceitação de sobrevoo, a liberdade de navegação sem menção a um tipo específico de passagem, assim como a posição de aceitação dos regimes internacionais relacionadas à navegação pelo estreito – embora não faça referência direta à passagem em trânsito inserida na CNUDM em 1982 – pode ser um indício de que Djibouti reconheça como legítimos os dois tipos de passagem expressos na parte III da Convenção. Além de ser um estreito internacional por ser formado por dois ou mais países ribeirinhos, em Bab el-Mandeb o trajeto via el-Mayun é também uma rota de conveniência em relação a Alexander. No mapa abaixo, é possível visualizar a demarcação das zonas de tráfego marítimo reconhecidas pela OMI. Assim como no caso de Ormuz, a largura de cada uma das zonas de tráfego para o norte e para o sul é de duas milhas náuticas. A mesma largura corresponde ao espaço medial entre elas.

154

Figura 13 - Sistema de separação de tráfego marítimo no estreito de Bab el-Mandeb

Fonte: IMO: Ship´s Routing 201975

As atividades de pirataria e a guerra do Iêmen foram as principais ameaças, com diferentes intensidades, à interrupção do fluxo petrolífero por esse chokepoint nas primeiras duas décadas do século XXI. Porém, no início da década de 1970 – no mesmo período em que o Canal de Suez havia sido bloqueado pela segunda vez entre 1967 e 1975 – ocorreram ameaças ao fechamento do estreito e até mesmo um bloqueio de aproximadamente dois meses. A primeira ameaça de fechamento do estreito foi contra o livre trânsito de navios israelenses em dezembro de 1967, isto é, seis meses depois da Guerra dos Seis Dias, pela Frente de Libertação Nacional (FLN) da República Democrática Popular do Iêmen, ou Iêmen do Sul, que havia capturado Perim e

75 De forma semelhante à figura utilizada para o estreito de Ormuz, a numeração indicada no mapa dizem respeito a marcações de latitude e longitude. Todos os detalhes quanto a isso podem ser analisado na íntegra do documento publicado pela OMI. A ilha de Mayyun, no mapa, é outra nomenclatura para a ilha de Perim. 155 pretendia a partir da ilha bloquear o estreito. No entanto, o primeiro ataque a navios ligado à FLN foi contra o Coral Sea, petroleiro que tinha como destino o porto de Eilat, o único terminal marítimo de Israel não localizado no Mediterrâneo. No ano seguinte, um destroier francês foi bombardeado pela artilharia costeira da FLN em Perim, ali instalada com financiamento da Líbia (MORDECHAI, 1974, p. 14-16; 23-24). Apesar dos ataques relacionados ao Iêmen do Sul contra embarcações, o estreito só seria realmente bloqueado durante a Guerra do Yom Kippur em 1973. Isso, no entanto, foi realizado de forma não declarada pela Marinha do Egito, que possuía envergadura militar superior à FLN para fazê-lo. Como já abordado no capítulo 1, o Egito, junto com a Síria, era um dos países diretamente envolvidos no conflito contra Israel. De acordo com Lapidoth (1978, p. 183), o bloqueio foi imposto durante a guerra iniciada em outubro e só foi suspenso no dia 13 de dezembro do mesmo ano. No mesmo período, nove navios, entre eles três petroleiros, ficaram presos em Eilat e outros onze que atenderiam esse porto tiveram que dar a volta na África pelo Cabo da Boa Esperança para chegarem aos portos israelenses na parte oriental do Mar Mediterrâneo. Para Mordechai (1974, p. 20; 23; 25-26) isso foi possível porque além da Marinha egípcia ser superior à israelense no Mar Vermelho – uma vez que Tel- Aviv havia concentrado os principais meios de sua força naval no Mediterrâneo – o corredor marítimo do próprio Mar Vermelho havia perdido significativamente seu valor estratégico para os EUA e URSS após fechamento do Canal de Suez em 1967. Além disso, ainda segundo o autor, a crescente dependência do Ocidente em relação ao petróleo produzido pelos países da OPEP e, mais especificamente da OPAEP, deu aos Estados árabes uma maior “liberdade de ação e um senso de importância e poder completamente desproporcional ao seu tamanho, população e estágio de desenvolvimento”. Não se pode julgar como equivocada a leitura de Mordechai em 1974, quando seu artigo sobre Bab el-Mandeb foi publicado, no que diz respeito à visão de poder que os Estados árabes tinham deles mesmos nesse período em decorrência do embargo de petróleo imposto pela OPAEP. No entanto, no capítulo 1 foi apontado que o embargo não surtiu os efeitos políticos desejados pelos árabes que, nos anos seguintes à guerra, ou passaram a se relacionar 156 diplomaticamente com Israel, a exemplo do próprio Egito, ou recorreram aos EUA, contra quem haviam imposto o embargo, para mediarem um acordo de desengajamento de tropas entre Cairo e Tel-Aviv. No século XXI, uma outra guerra nas proximidades do estreito foi oficialmente iniciada em 2015, quando uma coalizão militar árabe liderada pela Arábia Saudita iniciou operações no Iêmen para conter o avanço dos houthis que tomaram a capital Sanaa em 2014 e que levaram o então presidente do país, Abdu Rabbu Mansour Hadi, a fugir e conseguir asilo em Riad. A coalizão árabe que se envolveu na guerra conta com três países banhados pelo Mar Vermelho, que são a Arábia Saudita, o Egito e o Sudão. Os membros do CCG, à exceção de Omã, também fazem parte dessa aliança militar. Para os países da OPAEP, Bab el-Mandeb é uma passagem marítima que chama a atenção para interesses estratégicos. De acordo com a tabela 2, apresentada no tópico anterior, o estreito foi o quinto76 principal chokepoint marítimo do globo na maior parte da segunda década do século XXI, no que tange ao carregamento de petróleo. É provável que se o Canal de Suez atendesse a passagem de petroleiros de todas as dimensões – no que diz respeito ao tamanho e tonelagem, por exemplo – tal estreito concentraria um fluxo maior de carregamentos de petróleo, haja vista que os navios que não passam pelo canal fazem seu trajeto, para o Ocidente ou Oriente, através do Cabo da Boa Esperança. Abaixo, a tabela 4 traz um demonstrativo do tráfego de petroleiros em mbpd nas direções norte e sul. Os valores nela contidos são estimativas.

76 Ou o quarto se for excluída da análise o Cabo da Boa Esperança no sul da África, que não é nem um estreito e nem um canal artificial.

157

Tabela 4 - Volume estimado petróleo que atravessou o estreito de Bab el-Mandeb em mbpd (2011-2016)

Fonte: EIA77

A direção norte, é a principal rota tomada pelos exportadores da OPAEP localizados na Península Arábica e para o Iraque. A direção sul, em seu turno, é importante para os exportadores da sub-região do Norte da África e para a Síria. Em 2019, a EIA publicou uma outra estimativa com valores corrigidos a partir do ano de 2014 para ambas as direções, como pode ser observado no gráfico 7 que apresenta dados estimados até o ano de 2018 em mbpd.

Gráfico 7 – Volume estimado petróleo que atravessou o estreito de Bab el-Mandeb em mbpd (2011-2018)

Fonte: EIA78

A guerra do Iêmen iniciada em 2015 teve como efeito colateral a incidência de ataques a ativos da infraestrutura petrolífera da Arábia Saudita e dos EAU. Alguns deles, inclusive, já apontados na figura 12. Nas proximidades do estreito, alguns navios civis e militares também foram atacados, como foi o caso de dois petroleiros sauditas. Um deles alvejado em abril de 2019, como

77 Disponível em: Acesso em: 4 de agosto de 2017.

78 Disponível em: Acesso em: 23 de maio de 2020. Os valores para a direção norte entre 2014 e 2018 em mbpd são: 3.1; 3.6; 3.9; 3.6; 3.6. Os valores para o sul são: 1.9; 2.2; 2.0; 2.6; 2.6. 158 resposta dos houthi a um bombardeio aéreo da coalizão árabe contra a cidade litorânea de Hodeida, banhada pelo Mar Vermelho (ABOUDI; NEBEHAY, 2019); e o outro em março de 2020, onde foram empregadas pequenas embarcações remotamente controladas, isto é, sem tripulantes, para explodirem contra o casco do navio. A utilização desse tipo de meio pode gerar uma nova ameaça ao tráfego marítimo da região (SAUDI..., 2020). Quanto aos navios militares, até julho de 2017, por exemplo, três embarcações da coalizão árabe foram avariados pelos houthi, sendo duas pertencente à Marinha dos EAU e outra, a fragata al- Madinah, à Força Naval da Arábia Saudita (TREVITHICK, 2017). Para garantir posição estratégica no que tange à guerra do Iêmen e também aos seus interesses em relação à livre navegação por Bab el-Mandeb, sauditas, emiradenses e egípcios têm aumentado sua presença militar no Mar Vermelho. Os sauditas, através do braço armado do CCG – a Força do Escudo da Península – possuem base militar na Eritreia e está em processo de negociação para construir uma no Djibouti. O país também possui uma sede de esquadra em Jidá79. Os EAU, assim como os sauditas, possuem presença militar na Eritreia. Os emiradenses também chegaram a arrendar instalações militares no Djibouti e na Somália, mas romperam relações diplomáticas com ambos em 2015 e 2018, restando uma base militar na Somalilândia80. Por fim, o Egito que em 2017 inaugurou sua segunda sede de esquadra em Port Safaga, na costa do Mar Vermelho, participa da atividade de bloqueio naval imposto pela coalizão árabe contra portos iemenitas. (MELVIN, 2019, p. 5; 13; 16-18). A pirataria é também uma fonte de preocupação quanto ao tráfego de petroleiros e outros tipos de navios pelo estreito, porém menos intensa do que a guerra do Iêmen. Aliás, desde os primeiros anos da década de 2010 as ocorrências de pirataria têm diminuído nas proximidades do estreito como mostra o gráfico 8 que apresenta números do Golfo de Aden, do Mar Vermelho e da Somália entre os anos de 2007 e 2019.

79 A outra sede da esquadra fica no Golfo, em al-Jubail.

80 A Somalilândia se declarou independente da Somália em 1991, mas não é um Estado reconhecido internacionalmente.

159

Gráfico 8 – Ataques de piratas próximos aos estreito de Bab el-Mandeb

Fonte: Elaboração propria. Dados do Piracy and Armed Robbery Against Ships. Versões de 2011, 2016 e 201981

Alguns dos motivos para que os casos de pirataria fossem contidos na região, com reflexo no total mundial de ocorrências, estão ligados à presença militar, no geral, e de forças navais, em particular, regionais e extrarregionais com interesses recíprocos de liberdade e segurança da navegação por Bab el- Mandeb e pelos mares adjacentes. Como já abordado anteriormente, alguns Estados como Arábia Saudita e EAU possuem bases no Chifre da África, Somália e países banhados pelo Mar Vermelho. Além deles, há também a presença de grandes consumidores de petróleo que instalaram bases no Djibuti, como a França, que desde 1977 – ano da independência do país africano – manteve presença militar no país até que em 2014 passou a operar a partir de uma base exclusiva; os EUA, que desde 2001 operam a partir da base naval djibutiana de Camp Lemonnier; e a China, que no ano de 2017 instalou sua primeira base naval fora da Ásia também nesse Estado africano (MELVIN, 2019, p. 3; 6; 20). Vale ressaltar que a França é o segundo maior consumidor de petróleo da Europa desde 2001, atrás apenas da

81 Para a elaboração do gráfico foram consultadas todas as versões do Piracy and Armed Robbery Against Ships do Internation Chamber of Commerce entre os anos de 2011 a 2019. Porém, como todas elas repetem os dados atuais dos cinco anos anteriores a partir de sua publicação, optou-se por referenciar apenas as edições de 2011, 2016 e 2019. 160

Alemanha, e que os EUA e a China são os dois maiores consumidores mundiais desse recurso segundo o BP Statistical Review of World Energy 2020. As bases militares dos países mencionados servem de apoio logístico para missões navais multilaterais na região como a Combined Maritime Forces, encabeçada pelos EUA, e que tem a participação de Marinhas de países afiliados à OPAEP como Arábia Saudita, Bahrein, Catar, EAU e Kuwait (COMBINED MARITIME FORCES, 2020). A Operação Atalanta, da UE, e a Ocean Shield, da OTAN, também atuam na região (MELVIN, 2019, p. 24-25). Além disso, existem iniciativas de cooperação regional para securitização da região, como é o caso da criação do Código de Conduta Relativo à Repressão à Pirataria e Roubo Armado contra Navios no Oceano Índico Ocidental e no Golfo de Áden, elaborado em 2008 na Tanzânia e aderido pela OMI e países signatários a partir do ano seguinte após o segundo encontro no Djibuti (INTERNATIONAL MARITIME ORGANIZATION, 2009). Em 2017, o escopo de atuação desse grupo sub-regional que envolve países da OPAEP como Arábia Saudita, Egito e EAU, ampliou o combate de atividades ilícitas referentes à pirataria e incluiu a pesca ilegal e o tráfico de armas e pessoas em seu código de conduta com a adoção da Emenda de Jidá (INTERNATIONAL MARITIME ORGANIZATION, 2017). Em 2020 foi também anunciado o estabelecimento do Conselho dos Estados Costeiros Árabes e Africanos do Mar Vermelho e do Golfo de Áden, também conhecida como Aliança do Mar Vermelho, que inclui a Arábia Saudita e o Egito dentre os membros da OPAEP. Quando a Aliança foi proposta em 2018, ela era entendida como uma forma de os países dessa sub-região do Oriente Médio minarem e combaterem a presença iraniana no local representada pelos houthis do Iêmen (ABDELWHAB, 2018). Em 2020, o diário saudita Arab News reafirmou esse intuito em publicação que mencionava que o objetivo da aliança é o de “aprimorar a cooperação política, econômica e de segurança entre seus membros” e que “as ameaças à segurança na região incluem drogas e tráfico de pessoas e contrabando de armas, especialmente pelo Irã e seus representantes (ALUWAISHEG, 2020). Por outro lado, o periódico emiradense The National, criticou a não participação de países do Golfo além da Arábia Saudita na Aliança, afirmando que tal região é de interesse desses Estados pelo fato de ser uma das mais importantes rotas 161

de exportação de hidrocarbonetos do mundo (ALSHATERI, 2020). Aliás, é possível afirmar que ela é também importante para os países da OPAEP do Norte da África, que utilizam a rota sul para exportar petróleo e gás natural para a Ásia. Um reflexo disso pode ser visualizado nas tabelas 6 e 7 do sexto tópico deste capítulo. A relevância de Bab el-Mandeb transcende a questão da energia. Apesar disso, sua importância para a geopolítica do petróleo e para a segurança energética em escala global, está intrinsicamente ligada ao funcionamento e à liberdade de navegação através do Canal de Suez. Em períodos em que o canal esteve fora de operação, como o do seu segundo fechamento pelo Egito entre 1967 e 1975, tal passagem marítima tornou-se majoritariamente uma via de navegação para petroleiros de países banhados pelo Mar Vermelho e pelo Golfo de Aqaba. No próximo tópico, são abordadas questões relacionadas a esse importante canal marítimo controlado pelo Egito.

6. O Canal de Suez Criado para facilitar e encurtar a navegação internacional entre o Ocidente e o Oriente em 1869, o Canal de Suez é uma hidrovia artificial que atravessa o território egípcio entre Port Said e o Golfo de Suez, ligando os mares Mediterrâneo e Vermelho, separando a parte africana da parte asiática do Egito. A autorização para a construção do canal, iniciada em 1859, foi concedida pelo vice-rei do Egito Mohammed Said Pasha em 1854 e confirmada, em 1856, ao francês Ferdinand de Lesseps. Tanto a construção quanto a administração do canal ficaram sob a responsabilidade da empresa de de Lesseps: a Compagnie Universelle du Canal Maritime de Suez, ou simplesmente Companhia do Canal de Suez. A concessão previa um período de operação da Companhia no Canal de Suez de noventa e nove anos contados desde a inauguração da hidrovia, ou seja, até 1968 (Act of Concession of the Viceroy of Egypt, and Terms and conditions for the Construction and Operation of the Suez Maritime Canal and Appurtenances, Alexandria, January 5, 1856. In: OBIETA S. J.; BAXTER, 1970). 162

O canal, inicialmente concebido como um empreendimento franco- egípcio82, logo se tornou atraente para o Império Britânico, já que a hidrovia era compreendida por Londres como um atalho estratégico para acessar as possessões coloniais no Oriente, particularmente a Índia. Yergin (2010, p. 539) explica que os britânicos aproveitaram a oportunidade de adquirir direitos administrativos sobre o canal em 1875, quando Ismail Pasha, então soberano egípcio vendeu 44% das ações pertencentes ao seu país à Londres. Além das ações compradas, Lapidoth (1976, p. 10) comenta que a influência britânica sobre o canal se expandiu a partir de 1882, ano no qual ocuparam o Egito após a eclosão de revoltas nacionalistas e lá permaneceram por cinquenta anos, até a independência do país em 1922. Mesmo após a independência, os britânicos mantiveram presença militar no país, em especial nas proximidades do canal, até 1956. Desde que de Lesseps conseguiu a concessão do vice-rei egípcio a intenção era de que o canal deveria permanecer aberto à utilização de todas as nações sem exceção (OBIETA; BAXTER, 1970, p. 50). Tal propósito foi confirmado nos artigos 14 e 15 do documento da concessão firmado em 1856 conforme apresentado abaixo:

XIV. Declaramos solenemente, para nós e nossos sucessores, sujeitos a ratificação por Sua Majestade Imperial, o Sultão, que o grande canal marítimo de Suez a Pelusium e os portos pertencentes a ele estarão abertos para sempre, como passagens neutras, a todos os navios mercantes cruzando de um mar para o outro, sem distinção, exclusão ou preferência em relação a pessoas ou nacionalidades, em consideração do pagamento das taxas e cumprimento dos regulamentos estabelecidos pela empresa universal, a concessionária, para o uso do referido canal e suas estruturas.

XV. Em consequência do princípio estabelecido no artigo anterior, a companhia universal detentora da concessão não pode, em nenhum caso, conceder a qualquer embarcação, companhia ou parte privada qualquer vantagem ou favor não concedido a todas as outras embarcações, companhias ou companhias partes privadas nos mesmos termos (Act of Concession of the Viceroy of Egypt, and Terms and conditions for the Construction and Operation of the Suez Maritime Canal and Appurtenances, Alexandria, January 5, 1856. In: OBIETA; BAXTER, 1970).

82 O Egito à época, possuía autonomia em relação ao Império Otomano, especialmente após a ascensão de Muhammad Ali Pasha ao poder e a guerra entre egípcios e Otomanos entre 1831 e 1833. 163

Com a assinatura da Convenção de Constantinopla, em 1888, o Canal de Suez passou a operar sob um regime internacional de navegação. Apesar disso, Allain (2004, p. 56) elucida que o tratado só passou a valer, de fato, em 1904, quando a Grã-Bretanha, que o havia firmado com reservas, passou a reconhecê- lo integralmente após resolver uma controvérsia diplomática com a França em torno de suas reivindicações coloniais no Egito, bem como das reivindicações francesas no Marrocos. Originalmente, o texto da Convenção foi assinado por Grã-Bretanha, Alemanha, Áustria-Hungria, Espanha, França, Itália, Holanda, Rússia e Império Otomano. Nunes e Visentini (2018, p. 95) explicam que o artigo 16 do tratado permite aos signatários convidar outras nações a aderi-lo. No entanto, não foram encontrados registros de que outros países assim o fizeram. O Egito foi inserido na Convenção como parte do Império Otomano, mesmo após a ocupação britânica em 1882. Aliás, o país norte-africano só passaria a ser formalmente um protetorado britânico a partir de 1914. A Convenção de Constantinopla ainda se mantém como a regra internacional que regula o trânsito de navios pelo Canal de Suez e é reconhecida pela legislação egípcia. Isso conforme o artigo 14, que já previa que o alcance do tratado não estaria restrito ao período da concessão da Companhia no Canal de Suez. De fato, o Decreto Republicano No. 30 de 1975, editado pelo presidente Anwar Sadat, que instituiu o Autoridade do Canal de Suez como entidade pública responsável pelo gerenciamento do canal, reforçou o compromisso do Egito em respeitar a Convenção83. Quanto à passagem de navios pelo canal, a Convenção (1888) em seus artigos 1 e 4 deixa clara a intenção de que a hidrovia é de livre navegação para todos os países, independentemente de sua bandeira, sem nunca ser submetido ao direito de bloqueio, em tempos de paz ou de guerra ainda que o Império Otomano – Turquia – fosse um dos beligerantes. Além disso, em períodos de guerra as embarcações militares devem permanecer no canal por um limite máximo de tempo de até vinte e quatro horas. No período da guerra ítalo-turca, que envolveu dois Estados signatários, entre 1911 e 1912, cinco canhoneiras de

83 Para acessar o texto do decreto na íntegra ver: Acesso em: 13 de junho de 2020. 164 bandeira turca foram retiradas arbitrariamente de Port Said pelo Egito sem protesto por parte da Turquia (OBIETA; BAXTER, 1970, p. 79).

A Convenção estabeleceu cinco princípios básicos: (1) liberdade de passagem em todos os momentos, sem distinção de bandeira, mesmo em tempo de guerra, para todos os navios de comércio ou de guerra, incluindo navios de guerra de beligerantes; (2) passagem rápida de beligerantes pelo canal em tempo de guerra, sem desembarcar ou embarcar tropas e materiais de guerra; (3) neutralização do canal; (4) o direito do Egito de garantir por suas próprias forças sua defesa e a manutenção da ordem pública, sem, no entanto, interferir no livre uso do canal; e (5) vagos poderes de supervisão concedidos aos agentes dos poderes das potências signatárias no Egito (LAPIDOTH, 1976, p. 12).

Ainda assim, houve períodos em que o canal foi bloqueado impedindo a livre navegação. Durante a Primeira Guerra Mundial, os britânicos fecharam o canal para embarcações de países da Tríplice Aliança e restringiram o tráfego para outros Estados a partir de agosto de 1914 (ALLAIN, 2004, p. 57). Na Segunda Guerra Mundial, uma vez mais os britânicos bloquearam a travessia do canal – mesmo enquanto o Egito esteve neutro no conflito – para obstruir a passagem de navios inimigos, e em determinadas ocasiões até mesmo de navios neutros, o que o tornou alvo de bombardeios aéreos de potências do Eixo, como a Alemanha e a Itália (OBIETA; BAXTER, 1970, p. 83-84). Os bloqueios promovidos pela Grã-Bretanha enquanto mantiveram presença militar no Egito, seja pela ocupação no período do protetorado seja pela defesa da zona do canal até 1956, foram violações da Convenção de Constantinopla de 1888. Portanto, mesmo quando o país norte-africano obstruiu a travessia pela mesma passagem marítima em 1956 e depois pela segunda vez entre 1967 e 1975, a prática de bloqueio no Canal de Suez já não era nenhuma novidade. Além de bloqueios para a navegação em geral, ocorreram também impedimentos relacionados à bandeiras e destino ou origem da carga, especialmente no que diz respeito à Israel desde sua declaração como Estado soberano em 1948, ou seja, ainda no período em que a Companhia do Canal de Suez gerenciava o canal. Navios saindo e chegando de portos israelenses, ou com bandeira do país, via de regra eram impedidos de transitar pelo canal e só 165 foram formalmente permitidos a partir da promulgação do Tratado de Paz Israel- Egito (1979). Desde então, ocasionalmente a Marinha de Israel também utiliza o canal, como ocorreu em 2009, quando três embarcações – duas corvetas da classe Saar e um submarino da classe Dolphin – o fizeram em um espaço de tempo de algumas semanas (FLEISHMAN; SOBELMAN, 2009). Em 2011, foi a vez de Israel condenar a passagem de uma fragata e um navio de apoio logístico iranianos pela mesma rota marítima – a primeira vez desde a Revolução islâmica de 1979 que navios de guerra iranianos atravessaram Suez – embora as autoridades egípcias tenham cumprido a Convenção (MOHAMED, 2011). A partir da segunda metade do século XX, o Canal de Suez perdeu parte de sua importância estratégica para os britânicos após a independência da Índia, no ano de 1948. No entanto, cresceu em importância para o comércio mundial por se tornar uma importante via de escoamento do petróleo produzido pelos países do Golfo Pérsico.

Em 1955 o petróleo era o responsável por dois terços de todo o tráfego do canal, e, por conseguinte, dois terços do petróleo para a Europa passavam por ele. (...), o canal era o elo vital na estrutura pós-guerra da indústria internacional do petróleo. Além disso, era uma passagem marítima de importância inigualável para as potências ocidentais que estavam se tornando cada vez mais dependentes do petróleo do Oriente Médio (YERGIN, 2010, p. 540).

No século XXI, mais especificamente na segunda década, os carregamentos de petróleo continuaram a compor parte significativa do tráfego marítimo do canal. O gráfico 9 apresenta uma contabilização média, na parte de cima, e total, na parte de baixo, da quantidade de navios e tipos que passaram pela hidrovia entre 2011 e 2019. Nele, é possível visualizar que os navios petroleiros representaram pouco menos de um quarto da frota que trafegou pelo canal no período mencionado, atrás apenas dos navios porta-contêineres. Isso nos sentidos norte-sul e sul-norte. Também parte da indústria dos hidrocarbonetos, embora não faça parte do escopo central desta pesquisa, os navios gaseiros, que transportam GNL, representaram pouco mais de 4% do tráfego pelo canal no mesmo espaço temporal.

166

Gráfico 9 – Quantidade e média de navios mercantes que atravessaram o Canal de Suez (2011-2019)

Fonte: Suez Canal Authority84

A tabela 2, que trabalhou com uma estimativa média de volume de petróleo calculada pelo EIA nos principais chokepoints globais, apresenta dados que mostram que o pico de carga de petróleo que atravessou o Canal de Suez representou 5,5 mbpd no ano de 2016, o que faz do canal o quarto principal chokepoint do mundo atrás de Ormuz, Malaca, Cabo da Boa Esperança e à frente de Bab el-Mandeb85. Isso com o volume transportado pelo oleoduto SUMED já incluído. O mesmo EIA apresentou de forma discriminada o volume

84 Disponível em: Acesso em: 15 de junho de 2020. No gráfico 9, os termos laden e ballast dizem respeito, respectivamente, a navios com carga a bordo e navios sem carga.

85 Embora Bab el-Mandeb seja uma rota marítima natural para Suez, o volume de petróleo que passa por esse estreito é menor porque além dos petroleiro que o atravessam há também carregamentos de petróleo que transitam pelo Canal de Suez que saem de portos localizados no Mar Vermelho. O porto de Yanbu, que atende o duto saudita East-West é um deles. O volume somado do SUMED é outro fator que contribuiu para que Bab el-Mandeb seja superado pelo Canal de Suez.

167 de petróleo no fluxo norte e sul e do SUMED em uma outra parte de sua publicação, como mostra a tabela 5.

Tabela 5 – Volume de petróleo cru, derivados e GNL que atravessou o Canal de Suez e o SUMED em mbpd (2011-2016)

Fonte: EIA86

Em atualização de sua base de dados em 2019, o EIA apresentou dados estatísticos referentes ao Canal de Suez com a soma do volume de petróleo cru e derivados, entre 2012 e 2018, para o canal e o SUMED, em conjunto. Essa atualização, guarda valores aproximados com os da tabela 5, que são os mais antigos.

86 Disponível em: Acesso em: 14 de junho de 2020.

168

Gráfico 10 - Volume de petróleo cru e derivados que atravessou o Canal de Suez e o SUMED em mbpd (2012 -2018)

Fonte: EIA87

Houve também uma atualização somente para o SUMED entre 2011 e 2018, que é apresentada no gráfico 11, no qual é possível notar um decréscimo da transportação de petróleo pelo duto.

Gráfico 11 - Volume de petróleo cru e derivados que atravessou o SUMED em mbpd (2011 -2018)

Fonte: Energy Information Administration88

87 Disponível em: Acesso em: 14 de junho de 2020. Diferente do gráfico 7, também em forma de linhas, não foram encontrados os valores específicos para cada um dos anos do período de tempo estipulado, principalmente para 2017 e 2018 que não aparecem na tabela 5.

88 Disponível em: Acesso em: 14 de junho de 2020. 169

Em larga medida, a menor recorrência ao duto se deu pelas obras de expansão do canal ocorridas nos anos de 2015 e 2016, que permitiram que navios de maior tonelagem trafegassem por ele. A classe de petroleiros Suez- Max representa as maiores especificações para carregamentos de petróleo com o máximo de carga de acordo com as limitações do canal. No entanto, superpetroleiros como os da classe Very Large Carriers, que totalmente carregados não são suportados pelo canal aliviam sua carga transportando parte dela pelo SUMED e após a travessia recarregam o navio do outro lado. Já os petroleiros ultragrandes como os Ultra Large Crude Carriers não trafegam pela hidrovia (U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2017). De forma complementar às tabelas 2, 5 e ao gráfico 10, as tabelas 6 e 7, mostram discriminadamente os dez países cujo carregamento de petróleo bruto e de derivados, em tonelagem de carga e não em mbpd, mais utilizaram o canal. A primeira apresenta detalhes do tráfego sul-norte, que atende em larga escala o mercado europeu, e a segunda do tráfego norte-sul, cujo principal destino são os mercados da Índia e do Leste Asiático. Os países membros da OPAEP foram destacados em negrito nas tabelas para permitir uma melhor visualização.

170

Tabela 6 – Tráfego marítimo sul-norte pelo Canal de Suez de petróleo bruto e derivados (2011-2019)

2011 2012 2013 2014 Arábia Arábia Arábia Índia 15.543 24.610 26.756 27.213 Saudita Saudita Saudita Arábia 13.671 Iraque 15.969 Iraque 17.358 Iraque 26.757 Saudita Irã 7.461 Índia 12.956 Índia 12.699 Índia 11.183 EAU 5.991 EAU 6.651 Kuwait 7.890 Kuwait 8.596 Iraque 5.156 Kuwait 5.557 EAU 7.556 Irã 8.592 Egito 4.192 Irã 4.319 Irã 6.851 EAU 8.141 Kuwait 3.728 Egito 2.641 Omã 2.731 Omã 3.128 Cingapura 2.526 Cingapura 1.733 Egito 2.459 Cingapura 2.655 Catar 2.465 Omã 1.610 Cingapura 1.977 Egito 2.257 Omã 1.265 Catar 1.382 Catar 1.205 Catar 1.935 Outros 2.232 Outros 1.334 Outros 1.723 Outros 2.103 Total 64.230 Total 78.762 Total 89.205 Total 102.560 2015 2016 2017 2018 2019 Arábia Iraque 28.848 Iraque 31.382 Irã 34.697 31.433 Iraque 30.986 Saudita Arábia Arábia Arábia 21.215 21.815 Iraque 25.222 Iraque 30.613 28.511 Saudita Saudita Saudita Arábia Índia 12.109 Irã 21.649 23.029 Irã 23.628 Índia 19.067 Saudita EAU 9.456 Índia 13.735 Índia 11.537 Índia 14.459 EAU 10.073 Kuwait 9.209 EAU 10.174 EAU 9.751 EAU 11.211 Irã 4.691 Irã 8.962 Kuwait 6.843 Kuwait 4.620 Kuwait 3.483 Kuwait 4.639 Cingapura 2.128 Cingapura 2.498 Cingapura 2.246 Omã 2.635 Omã 2.900 Omã 2.055 Omã 2.374 Catar 2.061 Catar 1.571 Egito 2.496 Egito 1.417 Catar 1.805 Omã 1.508 Cingapura 1.013 Catar 1.984 Catar 1.389 Egito 1.016 Egito 966 Egito 1.005 Cingapura 1.847 Outros 2.501 Outros 1.562 Outros 1.846 Outros 2.018 Outros 4.178 Total 99.289 Total 114.853 Total 117.483 Total 123.069 Total 111.372 Fonte: Elaboração própria. Dados do Suez Canal Traffic Statistics Annual Report89

A tabela 6 mostra que na segunda década do século XXI os países da OPAEP aparecerem entre os principais usuários do canal no trajeto sul-norte. De uma carga total de petróleo e derivados de 900.823 toneladas, os membros da organização árabe foram responsáveis por 592.368, ou seja, aproximadamente 66% do todo. Vale ressaltar que os valores relacionados ao Egito dizem respeito a cargas originadas de portos do Mar Vermelho. Dos membros da OPAEP da Península Arábica, ou do Oriente Médio Mesopotâmico – como é o caso do Iraque que também é banhado pelo Golfo Pérsico – o Bahrein é o único que não aparece entre os dez maiores exportadores de petróleo pela via marítima.

89 Disponível em: Acesso em 16 de junho de 2020. Foram consultadas todas as versões do Suez Canal Traffic Statistics Annual Report entre os anos de 2011 e 2019. 171

A Arábia Saudita e o Iraque foram os principais usuários do canal, com cada um dele sendo responsável por cerca de 24% do tráfego desses insumos. O caso iraquiano chama a atenção porque desde o fim da ocupação do país pelos EUA, iniciada em 2003 e oficialmente encerrada em 2011, o Estado árabe passou a produzir pela primeira vez uma média anual superior a 3 mbpd (THE BRITISH PETROLEUM COMPANY, 2019). Isso mesmo em meio a conflitos envolvendo Bagdá e o EI e Bagdá e os curdos do norte do país, onde está situada uma parcela relevante das reservas iraquianas. O Catar, por outro lado, embora seja um exportador de petróleo menor dentro do grupo, com seu nível de carregamento máximo tendo sido alcançado no primeiro ano da série apresentada acima, dominou o fluxo de GNL no sentido sul-norte como aponta o gráfico 12. Nele, é possível verificar que além de ocupar quase todo tráfego de GNL, ao longo da década a tonelagem de carregamento tem diminuído. Isso tem ocorrido, em larga medida, porque o gás de xisto produzido nos EUA tem surgido como um forte competidor no mercado europeu, o principal mercado consumidor do gás catari no Ocidente. Todos os outros países da OPAEP mencionados na tabela 6, salvo a Arábia Saudita, também exportaram GNL pelo Canal de Suez no mesmo período.

Gráfico 12 – Comparação do fluxo de GNL produzido no Catar e em outros países que atravessou o Canal de Suez no sentido sul-norte em toneladas (2011-2019).

Fonte: Elaboração própria. Dados do Suez Canal Traffic Statistics Annual Report90

90 Idem. 172

Por sua vez, a tabela 7, a seguir, mostra os dez principais países que escoaram carregamento de petróleo no sentido norte-sul entre 2011 e 2019.

Tabela 7 - Tráfego marítimo norte-sul pelo Canal de Suez de petróleo bruto e derivados (2011-2019)

2011 2012 2013 2014

Turquia 6.146 Líbia 12.959 Turquia 10.227 Rússia 15.773

Holanda 3.567 Turquia 9.421 Chipre 6.948 Turquia 11.022

Líbia 3.221 Holanda 7.585 Holanda 6.560 Holamda 7.599 Ucrânia 3.190 Chipre 5.178 Líbia 5.348 Argélia 5.748 Chipre 2.482 Malta 3.571 Malta 5.012 Chipre 5.385 Argélia 2.636 Rússia 3.214 Argélia 4.721 Espanha 3.938 Malta 2.183 Grécia 2.574 Rússia 3.567 Ucrânia 3.456 Espanha 2.132 Letônia 2.571 Espanha 2.609 Grécia 3.164 Grécia 1.625 Espanha 2.434 Itália 2.460 Malta 3.069 Letônia 1.437 Ucrânia 2.313 Grécia 2.282 Itália 2.859 Outros 9.730 Outros 13.638 Outros 14.469 Outros 14.303 Total 38.349 Total 65.458 Total 64.203 Total 76.316 2015 2016 2017 2018 2019

Rússia 17.245 Rússia 12.038 Russia 23.777 Russia 26.479 Rùssia 33.218

Turquia 9.492 Turquia 10.743 Holanda 13.593 Holanda 13.813 Líbia 16.099

Chipre 8.339 Holanda 7.925 Turquia 10.209 Líbia 13.665 Argélia 13.841

Holanda 8.336 Argélia 5.516 Argélia 6.825 Argélia 8.275 EUA 11.460 Argélia 5.531 Chipre 4.596 Malta 6.328 Turquia 8.076 Turquia 9.554 Itália 4.662 Malta 4.369 EUA 6.021 EUA 7.811 Holanda 9.474 Malta 4.636 EUA 3.678 Líbia 5.706 Malta 6.135 Grécia 5.395 Grécia 4.454 Itália 3.376 Grécia 4.510 Itália 5.174 Malta 3.825 Espanha 4.143 Líbia 3.281 Itália 4.408 Grécia 4.871 Egito 3.419 Líbia 2.557 Grécia 2.870 Egito 3.488 Egito 4.545 Noruega 2.577 Outros 14.320 Outros 13.802 Outros 17.835 Outros 13.597 Outros 18.359 Total 83.715 Total 72.194 Total 102.700 Total 112.441 Total 127.221 Fonte: Elaboração própria. Dados do Suez Canal Traffic Statistics Annual Report91

No que tange ao tráfego norte-sul, a carga de petróleo bruto e derivados de países da OPAEP representou cerca de 15% do total de 742.597 toneladas que atravessaram o canal. O volume de países da OPAEP foi formado apenas por países do Norte da África, sendo a Líbia dona da maior fatia entre os membros da organização árabe com 55% e pouco mais de 8% do total acumulado, seguida pela Argélia com 47% e 7%, respectivamente. A propósito, mesmo que em 2011 a Líbia tenha sido responsável pela 3.221 toneladas de carga ocupando a terceira posição no ano, em relação a 2010, quando atravessou Suez com 7.705 toneladas de carga, o país decresceu pouco menos de 60% (SUEZ CANAL AUTHORITY, 2010). Vale ressaltar que em

91 Idem.

173

2011 foi iniciada a guerra civil líbia que teve como um de seus pontos altos o assassinato de Muammar al-Gaddafi. Nesse mesmo ano a produção do Estado norte-africano foi reduzida e a Arábia Saudita supriu grande parte da redução de oferta como pode ser observado no gráfico 16, no capítulo 5. O Egito, cuja carga no sentido norte-sul é originária de portos do Mar Mediterrâneo, só aparece entre os dez maiores exportadores de petróleo nessa direção a partir de 2016. A Rússia, que em 2011 não constava entre os dez principais países, foi quem mais transportou petróleo no sentido norte-sul, com uma fatia de aproximadamente 18% do volume total na década. A Síria, para quem desde 2012 não foram encontrados dados de exportação , ainda que em 2011 – ano em que foi iniciada uma guerra civil no país – tenha superado o Egito em produção de petróleo (ORGANIZATION OF ARAB PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, 2017), não foi contabilizada nas estatísticas da Autoridade do Canal de Suez. Vale ressaltar que os principal mercado consumidor de petróleo dos países da OPAEP do Norte da África é a Europa, de modo que o Canal de Suez é uma via para mercados de certo modo secundários no Leste Asiático, o que não diminui sua importância, já que lá estão localizados grandes consumidores como a China, o Japão e a Coreia do Sul. Isso também ocorre quando se trata da exportação de GNL pelo canal, sendo os mercados europeus o principal destino da produção de Argélia, Líbia e Egito92. Por conseguinte, é importante destacar que no acumulado entre 2012 e 2019 a Argélia e o Egito foram os países que mais transportaram GNL pela hidrovia, seguidos dos EUA, França e Espanha. O Egito liderou os dois primeiros anos 2.912 e 2.331 toneladas registradas e a Argélia em 2015, com 2.289 toneladas. A marca argelina só seria superada pelos EUA em 2019, com 2.562 toneladas, quando os norte- americanos lideraram os carregamentos desse tipo pelo segundo ano consecutivo. Os principais destinos das exportações de GNL que passam pelo

92 Para afirmar que a Europa é o principal mercado consumidor dos países da OPAEP do Norte da África, tanto no que diz respeito ao petróleo quanto ao GNL, foram consultadas todas as edições do BP Statistical Review of World Energy entre 2011 e 2020. Em particular, foram analisadas a seções de movimentos comercias entre países e continente: oil Inter-area movements e gas trade movements LNG.

174

Canal de Suez são o Leste Asiático, a Índia e a Península Arábica, especialmente os EAU e o Kuwait93. Desde que foi aberto em 1869, o Canal de Suez passou a ser uma importante via de comércio marítimo entre o Oriente e o Ocidente reduzindo significativamente a trajeto entre os dois hemisférios. Seu regime legal de trânsito regido pela Convenção de Constantinopla e reconhecido pelo Egito não é contrário às disposições de direito internacional marítimo consagrados pela CNUDM assinada e ratificada pelo próprio Egito nos anos de 1982 e 1983. Assim sendo, o Canal de Suez, no caso do petróleo é um chokepoint com importância e relevância ligadas à livre navegação por Ormuz, para a rota sul- norte, e Bab el-Mandeb, para as duas rotas, visto que o bloqueio de um desses estreitos implicaria de forma direta no tráfego de petroleiros e gaseiros pela hidrovia. No entanto, seu valor para a segurança energética internacional é relativo, porque em períodos em que permaneceu fechado o comércio petrolífero internacional não foi impedido e os custos relacionados ao tempo de navegação dos petroleiros foi redimensionado com a construção de navios com maior espaço para acomodar a carga, como os superpetroleiros. Além disso, se no futuro a navegação pela hidrovia voltar a ser impedida, o SUMED, guardadas as suas limitações de transportação, pode se tornar um atenuador para o comércio petrolífero regional, mas não necessariamente para o global.

Considerações finais Este terceiro capítulo da pesquisa apresentou os estreitos de Ormuz e Bab el-Mandeb, assim como o Canal de Suez, como partes integradas de um subcomplexo regional marítimo de chokepoints no Oriente Médio. Mesmo considerando-os como partes de uma sub-região, foram respeitados os aspectos particulares jurídicos, de segurança e de importância para o fluxo energético internacional. Abordar os três chokepoints citados como partes de uma sub-região do Oriente Médio foi uma forma de constituir um argumento capaz de fazer o leitor

93 Foram consultadas todas as versões do Suez Canal Traffic Statistics Annual Report entre os anos de 2011 e 2019. Na versão de 2011 não foram reportados dados de exportação de GNL por país para o sentido norte-sul. 175 compreender a dinâmica do fluxo petrolífero local em um único enquadramento, guardadas, evidentemente, as diferenças que distinguem cada chokepoint. A abordagem do Direito do mar por meio da CNUDM foi entendida como necessária para que o leitor compreenda as regras internacionais de navegação pelos estreitos, bem como a aderência dos países da OPAEP a elas. Algumas dessas regras, em especial as concernentes aos regimes de passagem, se aplicam a alguns estreitos e não a outros, daí a importância de discorrer sobre seus diferentes tipos antes de chegar ao ponto de convergência entre Ormuz e Bab el-Mandeb, que atendem a parte III da Convenção e são classificados como estreitos internacionais. O Canal de Suez, em seu turno, por não ser um estreito é regulamentado pela Convenção de Constantinopla de 1888, assinada quase um século antes da Convenção de 1982. Todavia diferente da CNUDM, ela não foi aderida por nenhum outro Estado a não ser os signatários originais. Ainda assim, o Egito, por força do tratado e de legislação interna que reconhece sua legitimidade, se mantém obrigado a manter o Canal aberto para embarcações de todos os países, sem distinção de bandeira. Ainda assim, este capítulo conclui que os chokepoints que formam o subcomplexo regional de chokepoints do Oriente Médio possuem ao mesmo tempo relevância quando integrados como uma única sub-região e, também, pesos distintos para a segurança do fluxo petrolífero internacional devido ao volume de petróleo que trafegue por eles. Por uma questão de controle regular exercido pela Autoridade do Canal de Suez, foi possível coletar dados com maior exatidão do Canal de Suez do que dos outros dois chokepoints. Todavia, os dados estimados do EIA e a localização geográfica dos maiores campos de petróleo da Arábia Saudita – o maior exportador da OPAEP – no Golfo Pérsico, bem como as ameaças iranianas e suas disputas pela soberania de ilhas como Abu Musa, fazem de Ormuz o principal ponto de estrangulamento da região. Além disso, tal estreito possui um maior nível de independência em relação a Bab el-Mandeb e Suez, que são mais integrados devido à posição geográfica. Uma outra conclusão aqui alcançada é o fato de que o subcomplexo de chokepoints é mais importante para os países da OPAEP como exportadores de petróleo do que para a segurança energética global. Embora o bloqueio dos três 176 pontos estrangulamento nunca tenha ocorrido ao mesmo tempo na história, é possível inferir que mesmo com o impacto que causaria para a segurança energética dos consumidores – baseada na segurança da oferta – e para o preço do barril, os maiores prejudicados seriam os exportadores árabes, que perderiam grande parte de suas receitas nacionais dependendo do tempo do fechamento dos chokepoints, o que também é uma variável relevante. Por fim, a última conclusão é a de que os chokepoints do Oriente Médio são de grande importância mas não são essenciais à segurança do fluxo internacional de petróleo, pois no caso de a segunda conclusão aqui apresentada se tornar uma realidade, os mercados consumidores poderiam recorrer a outros produtores de outras regiões para atender suas demandas. Uma outra opção poderia ser a criação de protocolos emergenciais nacionais e internacionais, como ocorreu durante o Choque do Petróleo de 1973, que levou à criação da AIE no ano seguinte. Para além dos chokepoints a importância da diversificação da matriz energética nos países da OPAEP é também essencial para compreender a ideia de segurança energética desenvolvida nesta pesquisa. Aliás, Esse tema remete ao segundo dos três objetivos específicos desta tese é abordado no próximo capítulo.

177

CAPÍTULO IV

Diversificação de Fontes Energéticas nos Países da OPAEP

Considerações Iniciais Os países membros da OPAEP, como indica o próprio nome da OI, são em sua maioria Estados exportadores de petróleo e também de gás natural, isto é, são países exportadores de hidrocarbonetos, que são recursos que para eles representam uma importante fonte de receitas nacionais. Nos capítulos anteriores, foram abordadas questões concernentes à faceta de exportadores dos membros da OPAEP com um olhar voltado para seus interesses de alcançar os mercados consumidores. Todavia, como os membros da entidade árabe são também grandes consumidores de petróleo e gás natural, neste capítulo são trabalhadas algumas opções de diversificação da matriz energética interna desses países. No capítulo 3 foi trabalhado o primeiro dos três fatores essenciais que, nesta pesquisa, compõem a segurança energética: a ininterruptibilidade do fluxo que diariamente passa pelo subcomplexo regional de chokepoints do Oriente Médio. Já aqui é trabalhado o segundo dos três fatores, que é o movimento de diversificação de fontes energéticas nos membros da OPAEP para além do petróleo e do gás natural. A ampliação da matriz energética dos países árabes exportadores de petróleo é importante para a segurança energética internacional porque, por um lado, contribui para a redução do consumo interno de hidrocarbonetos normalmente subsidiados pelos governos locais e, por outro, amplia a oferta desses recursos no mercado global, mantendo o fluxo, a relevância geopolítica dos exportadores e a capacidade de angariar receitas em dólares. Vale ressaltar que a diversificação de fontes energéticas no países da OPAEP é uma das hipóteses levantadas no capítulo 2, bem como um dos objetivos específicos apresentados na introdução e, portanto, faz-se necessária sua averiguação. 178

Em vista disso, este capítulo é composto de três seções da seguinte forma: a primeira delas é uma análise da relação de produção e consumo de petróleo e gás natural dos países árabes que integram a OPAEP, avaliando tanto a matriz energética desses Estados quanto a participação do petróleo em suas economias. A seção número 2 aborda as estratégias e os programas de desenvolvimento de energia renovável no âmbito da OPAEP considerando as três sub-regiões geográficas dos Estados da organização: o Norte da África, o Oriente Médio Mesopotâmico e a Península Arábica. O terceiro e último item do capítulo trata acerca dos desafios concernentes à implementação de energia renovável nos países da OI árabe, considerando tanto à confiabilidade de fontes energéticas como a eólica e a solar, quanto o problema dos subsídios governamentais para energia elétrica e combustíveis. Subsídios esses que são apontados como parte de um contrato social não escrito nos países árabes exportadores de petróleo.

1. Produção e consumo de petróleo e gás natural nos países da OPAEP Formada como uma OI de integração regional dos países árabes exportadores de petróleo, a OPAEP passou por transformações desde sua fundação em janeiro de 1968. Algumas delas do ponto de vista político e também econômico. Do ponto de vista político, como já observado no capítulo 1, houve a alteração do artigo 7 do tratado de formação da organização – que diz respeito aos requisitos de ingresso na OPAEP – e, também o emprego do petróleo como arma diplomática punitiva, que gerou o embargo aos aliados de Israel na Quarta Guerra Árabe-Israelense em 1973, dando origem ao episódio conhecido como o primeiro Choque do Petróleo. Com o passar dos anos alguns de seus membros chegaram a entrar em guerra uns contra os outros e a romper laços diplomáticos entre eles, mas mesmo assim nenhum deles saiu da entidade árabe de exportadores de petróleo. A única exceção para esse caso foi a Tunísia, que foi filiada à OPAEP por quatro anos entre 1982 e 1986 e que se retirou dela não por desavenças políticas ou diplomáticas, mas sim por questões de política interna. Por outro lado, a OPEP já conheceu a desfiliação de um maior número de membros, dentre os quais o Catar, que se retirou dessa OI em janeiro de 2019 para se dedicar à 179 expansão de sua indústria de gás natural, setor onde o país é um player maior do que no setor petrolífero (QATAR...2018). Não obstante, Doha permaneceu como membro da OPAEP, onde tem aplicações financeiras em joint ventures como a AMPTC, ASRY, APICORP, APSCO e APTI. Do ponto de vista econômico, uma transformação significativa foi a alteração de prioridades de mercados consumidores, que passou do Ocidente para o Oriente, movida em larga medida pelo decréscimo do consumo de petróleo na Europa; aumento da procura por essa matéria-prima no Leste Asiático e no próprio Oriente Médio; o aumento da produção dos EUA; e levantamento da lei que bania as exportações petrolíferas norte-americanas em dezembro de 2015. Lei essa que vigorava desde 1975 (GRIGAS, 2017, p. 144). Um outro exemplo de transformação econômica tem a ver com o próprio aumento do consumo em países árabes, que levou Egito e Síria – este último em larga medida por conta da guerra civil que assola o país desde 2011 – a se tornarem dependentes de importação de petróleo, como já abordado no capítulo 2. O aumento do consumo de petróleo em países da OPAEP pode influenciar na segurança energética internacional porque tal situação reduziria o excedente produzido para exportação e, como resultado disso, afetaria diretamente parte das receitas desses Estados. Por isso, recorrer à diversidade de fontes energéticas como alternativa para atender o consumo interno pode contribuir para que a segurança energética internacional, com base no petróleo, tenha maior possibilidade de ser mantida no longo prazo. Desse modo, com uma maior diversidade de fontes energéticas para geração de energia nos Estados partes da OPAEP, a segurança energética internacional poderia ser assegurada porque os demandantes, ou grandes importadores, teriam mais petróleo disponível no mercado por um maior período de tempo, enquanto os ofertantes, ou exportadores árabes, teriam excedente de petróleo o suficiente para atender a demanda internacional e, de igual modo, garantir a absorção de receitas internacionais para investimento em outros setores de suas economias, entre os quais o próprio setor energético, visando reduzir a dependência do petróleo. Dessa forma, para fundamentar esse argumento é importante verificar a produção e o consumo interno de petróleo dos dez países da OPAEP antes de 180 analisar de forma mais específica as fontes energéticas alternativas ou complementares no âmbito dessa OI. Logo, para este levantamento estatístico serão priorizados os dados do BP Statiscal Review of World Energy. No entanto, como a BP não possui informação para todos os membros da OPAEP, os valores publicados pelos OAPEC Annual Statistical Reports serão empregados como complemento. É importante frisar, no entanto, que pode haver distorção de valores no que se refere à produção e consumo desses países nos relatórios da OPAEP e da BP, pelo fato de a metodologia das duas organizações não ser completamente similar. Por isso, aqui é deixado claro que os valores para os dados estatísticos são aproximados e não absolutos. Mesmo assim, os relatórios da BP continuam sendo a principal base de dados desta pesquisa porque eles são algumas das fontes primárias até mesmo das estatísticas publicadas pela organização árabe. A tabela abaixo mostra a relação produção e consumo de petróleo por países da OPAEP.

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Tabela 8 – Produção e consumo de petróleo de membros da OPAEP em milhares de bpd (2006-2018) Arábia Saudita Bahrein Catar EAU Kuwait Produção Consumo Produção Consumo Produção Consumo Produção Consumo Produção Consumo 2006 10671 2274 183.3 36.8 1238 138 3135 539 2740 378 2007 10269 2407 184.3 37.5 1263 148 3094 576 2667 383 2008 10665 2622 182.2 41.9 1432 178 3113 603 2791 406 2009 9709 2914 182 26.2 1415 173 2795 606 2502 455 2010 9865 3206 182 27.5 1630 191 2937 654 2564 478 2011 11079 3295 190 25.6 1824 246 3300 735 2918 453 2012 11622 3460 173 28 1928 257 3425 773 3173 499 2013 11393 3451 197 28.6 1991 287 3566 852 3134 517 2014 11519 3764 202 29.3 1975 294 3603 880 3106 455 2015 11998 3883 202 30.5 1933 332 3898 957 3069 471 2016 12406 3875 202 31.1 1938 347 4038 1028 3150 482 2017 11892 3838 197 31.6 1882 312 3910 1012 3009 440 2018 12261 3769 194 32.8 1900 325 3912 1057 3050 434 Argélia Egito Líbia Iraque Síria Produção Consumo Produção Consumo Produção Consumo Produção Consumo Produção Consumo 2006 1979 258 679 601 1872 200.6 1999 507 421 274.2 2007 1992 286 698 642 1908 203 2143 490 404 350.9 2008 1951 309 715 686 1875 221 2428 481 406 341 2009 1775 327 730 725 1739 329.6 2446 536 401 439.5 2010 1689 327 725 766 1799 358.5 2469 570 385 391.1 2011 1642 349 714 720 516 246.9 2773 629 353 386.1 2012 1537 370 715 747 1539 253.6 3079 666 171 274.8 2013 1485 387 710 756 1048 232.1 3103 716 59 274.8 2014 1589 401 714 806 518 256.8 3239 681 33 146.2 2015 1558 425 726 834 437 220.6 3986 683 27 134.1 2016 1577 412 691 857 412 217 4423 760 25 144.3 2017 1540 407 660 804 929 217 4538 724 25 160.7 2018 1511 417 699 757 1165 224.5 4632 705 24 150.4 Fonte: BP Statiscal Review of World Energy 2020 e OAPEC Annual Statistical Report. Versões de 2011, 2014 e 201994.

Na tabela 8, acima, é possível perceber que na maior parte da série histórica, a Síria, a partir de 2009, e o Egito, a partir de 2010, foram os únicos países que consumiram mais petróleo do que produziram em seus próprios territórios. Mesmo assim, Arábia Saudita, EAU, Iraque e Kuwait foram os países que consumiram maior volume de petróleo nesse período. Consumo esse que de acordo com os dados da BP e dos OAPEC Annual Statistical Reports não faz distinção entre petróleo cru e derivados.

94 A amostra da série histórica em questão iniciou em 2006 pelo fato de que os primeiros dados disponíveis da OPAEP serem referente a esse ano. Os valores da amostra são médias anuais. As médias de produção e consumo para o Bahrein, bem como de consumo para a Síria e Líbia sofreram alterações em diferentes versões do OAPEC Annual Statistical Reports. Assim, foram privilegiados os valores das versões mais recentes, por comporem as última atualizações. Disponível em: e Acesso em: 13 de julho de 2020. 182

Ainda sobre a tabela 8, chama atenção o fato de os sauditas com população inferior a 35 milhões de habitantes consumirem mais do que o Egito com mais de 102 milhões. O mesmo vale para os EAU que também ultrapassaram os egípcios em 2011, mesmo à época com uma população de aproximadamente 9 milhões de habitantes enquanto o país africano tinha quase 84,5 milhões. Algo semelhante ocorre em relação ao Kuwait e a Argélia, com o primeiro consumindo sempre mais, mesmo com uma população em torno de dez vezes menor do que a argelina (UNITED NATIONS, 2019). A tabela 8 também mostra que a Primavera Árabe prejudicou de forma significativa a produção petrolífera síria e em alguns anos a líbia, a ponto de em 2011 a Arábia Saudita atuar como repositora da produção do Estado do Norte da África, como é possível visualizar no gráfico 16, no capítulo 5, que aponta o papel de produtor de ajuste dos sauditas no mercado global de petróleo. Apesar disso, outros países que foram palcos de revoltas populares como o Egito, o Bahrein e em menor extensão a Argélia, não tiveram queda na média de produção anual. Até o Iraque, que passou por uma guerra interna na segunda década do século XXI, viu sua média de produção crescer, mesmo em face de combates contra grupos terroristas como o EI. A tabela 8 revela que somente a Síria e o Bahrein tiveram consumo inferior em 2018 ao computado em 2006. Mesmo assim, os bareinitas são os maiores importadores de petróleo da OPAEP, como pode ser observado na tabela 9.

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Tabela 9 – Exportação e importação de petróleo de membros da OPAEP em milhares de bpd (2006-2018)

Arábia Saudita Bahrein Catar EAU Kuwait Exportação Importação Exportação Importação Exportação Importação Exportação Importação Exportação Importação 2006 7029.4 0 0 228.4 620.3 0 2420.3 0 1723.4 0 2007 6962.1 0 0 229.7 615.1 0 2342.7 0 1612.9 0 2008 7321.7 0 0 212.1 703.1 0 2334.4 0 1738.5 0 2009 6267.6 0 152.0 224.0 601.1 0 2012.5 1.5 1348.3 0 2010 6644.1 0 142.0 235.0 491.7 0 2102.7 0 1429.6 0 2011 7218.1 0 149.0 217.0 587.8 0 2342.0 0 1816.1 0 2012 7556.8 0 133.0 219.0 588.3 0 2444.0 0 2071.2 0 2013 7571.0 0 142.0 215.0 509.2 0 2701.1 0 2058.3 0 2014 7153.0 0 155.0 208.0 474.0 0 2557.0 0.0 1994.8 0 2015 7163.0 0 149.0 216.0 561.8 0 2501.5 38.1 1967.6 0.0 2016 7483.0 0 155.0 210.0 508.8 0 2407.8 52.4 2128.2 1.4 2017 6968.0 0 153.8 220.0 452.4 0 2379.0 68.0 2002.2 3.0 2018 7371.6 0 154.8 220.0 536.2 0 2296.5 41.7 2050.0 3.0 Iraque Síria Argélia Egito Líbia Exportação Importação Exportação Importação Exportação Importação Exportação Importação Exportação Importação 2006 1467.8 0 247.8 0 947.2 0 57.2 0 1425.6 0 2007 1643.0 0 250.2 0 1253.5 0 44.0 0 1377.8 0 2008 1855.2 0 252.7 0 840.9 0 99.0 0 1403.4 0 2009 1960.0 0 250.2 0.1 747.4 8.1 121.5 98.9 1140.4 0 2010 1890.0 0 149.1 0 708.8 6.3 114.2 74.4 1249.9 0 2011 2166.0 0 113.7 0 697.6 4.4 111.2 42.7 354.1 0 2012 2423.3 0 0 0 685.9 6.4 189.6 58.6 1032.8 0 2013 2390.0 0 0 0 608.0 3.1 198.1 55.4 648.0 0 2014 2578.7 0 0 0 483.2 6.0 239.0 96.4 341.2 0 2015 3109.6 0 0 0 519.5 5.4 247.9 92.8 361.3 0 2016 3370.2 0 0 0 542.7 4.7 236.4 78.7 350.1 0 2017 3384.1 0 0 0 529.8 4.5 217.2 113.7 792.1 0 2018 3552.2 0 0 0 435.4 4.1 210.7 112.8 998.6 0 Fonte: OAPEC Annual Statistical Report. Versões de 2011, 2014 e 201995.

Embora o Bahrein possua a menor população da OPAEP e produza mais do que consome, seu volume de importação é superior ao de exportação. Além disso, o volume de importação bareinita é superior ao do Egito, com a maior população do bloco. Os EAU também têm se mostrado um importador em potencial de petróleo em comparação com os outros países da entidade árabe. Já para a Síria, não foram encontrados dados disponíveis para os anos posteriores a 2011. No que tange à exportação, a Arábia Saudita se manteve sempre como o maior fornecedor do bloco para o mercado internacional, o que se repete no

95 Onde foi inserido o valor “0”, diz respeito à indisponibilidade de dados ou à possibilidade da importação realmente inexistir. Por outro lado, onde foi inserido o valor “0.0” não há ambiguidade quanto a inexistência de barris importados. Disponível em: Acesso em: 13 de julho de 2020.

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âmbito da OPEP. Aliás, a volatilidade das exportações não tem a ver somente com a capacidade de produção dos países, mas também com o compromisso de cotas de produção assumidos com a OPEP nesse período. Vale ressaltar que até 2019, entre os países da OPAEP apenas Bahrein, Egito e Síria não eram também membros dessa organização de produtores, com o Catar sendo o quarto membro a não participar dessa mesma OI a partir de janeiro do referido ano. Apesar disso, em determinadas situações, a OPEP concedeu à Líbia e ao Iraque a possibilidade de não adotar cotas de produção, como ocorreu em 2016, por exemplo, quando países produtores da organização e de fora dela promulgaram a Declaration of Cooperation96. Como a OPAEP é uma OI de exportadores de petróleo, cujo o ingresso de novos membros foi aceito pelos três fundadores – Arábia Saudita, Kuwait e Líbia – inicialmente por terem no petróleo a principal fonte de receitas nacionais e, a partir de 1970, sendo esse recurso uma importante fonte das receitas nacionais, como já apontado no capítulo 1, é importante verificar o quanto dessas condições ainda se mantém no século XXI, a partir de uma análise das tabelas 10, 11 e 12.

96 A Declaration of Cooperation é um documento estratégico para cooperação de ajuste de mercado lançado na primeira Reunião Ministerial dos Países Produtores da OPEP e não OPEP em dezembro de 2016.

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Tabela 10 – Produto Interno Bruto (PIB) dos membros da OPAEP em milhões de dólares (2010-2017)

Fonte: OAPEC Annual Statistical Report. Versões de 2011 a 201997.

Tabela 11 – Parcela do PIB referente à exportação de petróleo cru dos membros da OPAEP em milhões de dólares (2010-2017)98

Fonte: OAPEC Annual Statistical Report. Versões de 2011 a 201999.

97 O período histórico utilizado na amostra é o disponibilizados nos relatórios da OPAEP disponíveis em sua página oficial de internet. Até a formatação dessa tabela não havia valores relacionados a 2018. Disponível em: Acesso em: 13 de julho de 2020.

98 Os dados mostram apenas valores para petróleo cru. Derivados exportados não foram contabilizados.

99 Disponível em: Acesso em: 13 de julho de 2020. 186

Tabela 12 – Porcentagem da exportação de petróleo cru dos membros da OPAEP em relação ao PIB (2010-2017)

Fonte: OAPEC Annual Statistical Report. Versões de 2011 a 2019100.

Apresentadas as tabelas, antes de tudo é importante deixar claro que elas dizem respeito somente à economia do petróleo para os países da OPAEP, o que significa que o gás natural não foi contabilizado. Um outro adendo importante é que o volume de exportação de um país não significa que sua receita será maior do que em anos quando a exportação for menor, isso porque o principal determinante do montante da receita é o preço do barril no cenário internacional. É por esse motivo que entre 2012 e 2014 as receitas de exportação foram superiores aos anos que se seguiram, pois em grande parte desse período o barril era negociado em torno dos US$ 80,00 e US$ 110,00. Nesse contexto, até mesmo o Iraque e o Egito que acompanharam crescimento nas exportações depois de 2014 arrecadaram menos do que nos anos de supervalorização do petróleo. Dito isso, com exceção da Síria para quem os relatórios da organização não apresentam dados sobre exportação para o ano de 2012 em diante, as tabelas acima mostram três importantes aspectos dos membros da OPAEP em relação à economia do petróleo dessas nações. O primeiro deles é que o petróleo não é uma importante fonte de receitas para todos os países da OPAEP. Isso fica evidente no caso do Egito, por

100 Idem. 187 exemplo, já que o máximo que o petróleo representou na composição de seu PIB foi 3% em 2012. Até em 2016, quando o PIB egípcio ficou acima do de 2012, a participação do petróleo retraiu, o que demonstra que esse recurso não teve relação causal com o crescimento econômico do país, até porque, quando observada as tabelas 9 e 11, nesses anos a exportação de petróleo cresceu, mas a captação de dólares com a venda de barris diminuiu. O segundo aspecto aponta que, embora o Egito não seja dependente economicamente do petróleo, é possível identificar dois grupos de países que o são, sendo o primeiro um grupo onde a comercialização de petróleo exerça um impacto intermediário no PIB, como é o caso de Bahrein, Catar, EAU e Argélia e o segundo um conjunto de países que se aproximam da dependência da exportação de petróleo, a exemplo de Líbia, Iraque e Kuwait. No período de tempo abordado nas tabelas 10, 11 e 12, a Arábia Saudita aparenta migrar do grupo de dependência para o intermediário, pois mesmo que tenha exportado mais do que em 2010 em todos os anos posteriores, o impacto da comercialização no PIB reduziu em mais de 50% em 2017. É evidente que não se pode julgar o caso saudita como definitivo, mas não deixa de ser uma indicação de que a redução da dependência da exportação possa ser alcançada. O terceiro aspecto tem a ver com a possibilidade de inferir que para alguns países como Arábia Saudita, Catar, EAU, Kuwait, Argélia, Líbia e Iraque, a exportação de petróleo esteja atrelada à saúde de suas economias. Isso porque, na série histórica das tabelas 10, 11 e 12, após a desvalorização do barril a partir do segundo semestre de 2014, houve retração parcela do PIB referente à exportação de petróleo na mesma medida em que a economia desses países desacelerou. Essa desaceleração, por sua vez, pouco teve a ver com o volume de exportação, pois em anos posteriores houve casos em que as exportações cresceram em relação ao período entre 2012 e 2014, ao passo que o maior recuo de exportação se deu em 2017 para atender à Declaration of Cooperation. O caso da Líbia, em guerra civil desde 2011, chama bastante a atenção porque os anos de enfraquecimento e fortalecimento econômico espelham a participação da exportação de petróleo na composição do PIB. O mesmo não foi possível verificar no caso sírio pela indisponibilidade de dados. O único caso em que a arrecadação com petróleo, ou falta dela, não foi essencial para crescimento ou 188 retração do PIB foi o do Bahrein, cuja economia relativamente estável não foi sustentada pela venda de petróleo no mercado internacional. No âmbito da OPAEP, o aumento do consumo interno de petróleo, a queda na produção e a necessidade de importação de alguns Estados, bem como a dependência econômica para composição do PIB, pode colocar em risco a capacidade de sustentação do fluxo petrolífero internacional além do que já foi abordado no capítulo 3. O crescimento do consumo interno de petróleo nos países árabes pode reduzir a exportação e, logo, também reduzir as receitas internas, o que prejudicaria o investimento em outros setores da economia interna desses Estados sustentados pelas receitas oriundas da comercialização internacional de petróleo. Diante disso, quando retornamos à definição de segurança energética do capítulo 2, que entende que os países importadores de petróleo pensam na segurança da oferta e os exportadores na segurança da demanda, é plausível trabalhar com a afirmação de que, no médio ou longo prazo, o conceito de segurança energética apresentado por Daniel Yergin em 2005 na Foreign Affairs e adotado tanto pela OPAEP quanto pela OPEP possa estar sob risco. Isso porque com menos petróleo disponível para venda no mercado internacional os importadores poderiam ser afetados pela falta de opções de reposição – especialmente da Arábia Saudita, como é melhor abordado no capítulo 5 – e, por consequência disso, poderiam se deparar com preços inacessíveis que, em seu turno, serviriam de incentivo para o desenvolvimento de fontes energéticas alternativas. Por outro lado, os exportadores enfrentando uma situação de aumento no consumo interno e, consequentemente, diminuindo sua margem de exportação seriam impedidos de angariar as receitas necessárias para aplicar em investimentos em áreas diversas em seus países, podendo se tornar palcos de revoltas por parte de suas populações como ocorreu no período da Primavera Árabe, pois sem oferta de petróleo não haveria demanda por parte dos importadores. Para evitar um cenário de risco para os dois extremos da segurança energética, no caso do petróleo, uma das formas possíveis é através da diversidade de fontes geradoras de energia nos países da OPAEP. Tal diversidade abrange desde o gás natural até fontes renováveis e até mesmo a 189 energia nuclear. Na seção 2, a seguir, são abordados alguns programas de diversificação da matriz energética dos membros da OPAEP.

2. Diversificação de fontes energéticas no contexto da OPAEP A diversificação de fontes energéticas é um objetivo dos países da OPAEP. Todos os membros da OI árabe compreendem a importância de recorrer à energia renovável para diversificar a matriz energética doméstica comumente composta por fontes não-renováveis como petróleo e gás. Não à toa quase todos, salvo a Líbia, são também associados à Agência Internacional de Energia Renovável (AIER) que foi criada em 2009 com sede em Abu Dhabi, nos EAU101. Ademais, a variedade de fontes possibilita a maximização de ganhos com exportação de petróleo e gás natural, pois a demanda interna desses Estados pode ser suprida, em parte, por diferentes fontes geradoras de energia. É importante destacar que embora as fontes renováveis sejam alternativas para atender a demanda interna dos membros da OPAEP, a própria organização não as entende como uma alternativa, de fato, para substituição das fontes fosseis. Essa posição foi defendida por Abbas Ali al-Naqi, Secretário-geral da OPAEP, direta ou indiretamente em pelo menos três ocasiões. A primeira delas foi em entrevista concedida ao boletim mensal da própria instituição em junho de 2016, quando o secretário afirmou o seguinte:

Os países membros da OPAEP dão as boas-vindas a todos os esforços internacionais visando assegurar os recursos energéticos mundiais, sejam eles fósseis ou novos e renováveis, que são complementares ao combustível fóssil e não uma alternativa a ele (ORGANIZATION OF ARAB PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, 2016, p. 31. Tradução nossa).

A segunda vez foi em editorial também do boletim mensal da organização em maio de 2019. É importante esclarecer que o texto não tem autoria definida, portanto não se pode afirmar que tenha sido escrito por al-Naqi, porém apresenta a posição oficial do secretariado geral como pode ser observado abaixo:

Enquanto observa os desenvolvimentos da indústria de energias renováveis nos países árabes, o secretariado geral da OPAEP aprecia os resultados positivos a esse respeito. A organização reitera que as energias renováveis são complementares e não

101 Até 2020 a Síria ainda aguardava aprovação da AIER para oficializar sua filiação. 190

alternativas à energia fóssil convencional, que continuará a cumprir seu papel como principal e mais importante recurso energético da matriz energética mundialmente consumida nas próximas décadas, segundo estudos e projeções de centrais energéticas e petrolíferas (ORGANIZATION OF ARAB PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, 2019, p. 4,5. Tradução nossa).

A terceira vez, se deu em outubro de 2019 durante discurso de al-Naqi na décima-terceira Conferência Internacional de Mineração, Petróleo e Engenharia Metalúrgica, realizada no Egito. De acordo com o Secretário-geral da OPAEP, “as energias renováveis têm uma participação considerável na matriz energética mundial, principalmente na geração de energia, porém, ainda são complementares - e não alternativas - aos combustíveis fósseis convencionais”. Ele ainda conclui esse argumento afirmando que as fontes fósseis e não- renováveis “continuarão a ser a principal fonte de energia e a mais importante fonte do mix energético a nível mundial durante longas décadas, de acordo com estudos especializados”. (ORGANIZATION OF ARAB PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, p. 13). Embora a OPAEP seja uma OI que em larga medida represente seus dez Estados membros no que diz respeito ao mercado de petróleo e gás, foram investigadas também a visão particular de cada um dos dez membros através de documentos estratégicos publicados por seus respectivos governos. Governos esses que têm interesse em implementar, ou que já implementam, programas de energia renovável em seus respectivos países para atender a demanda interna e reduzir a dependência de consumo do petróleo e do gás consumido por seus cidadãos para geração de energia elétrica, visando tanto a eficiência em suprir a demanda doméstica quanto aumentar a parcela de exportação de petróleo e gás. Há, de igual modo, a preocupação com a redução de emissão de gases poluentes para a atmosfera, porém essa discussão, quando aparecer, será abordada em plano secundário por não ser um tema de primeira ordem nesta pesquisa. Os países da OPAEP são dependentes de fontes fósseis para geração de energia elétrica. As principais matérias-primas utilizadas nesse sentido são o gás natural e o petróleo. Já o consumo de carvão para esse fim é pouco empregado na região do Oriente Médio e Norte da África. 191

As tabelas 13 e 14, abaixo, apresentam uma amostra de geração de energia elétrica e de consumo dos Estados afiliados à OPAEP entre 2010 e 2018102. A partir deles, serão discutidos, de forma simplificada, alguns planos estratégicos de diversificação da matriz energética de cada um dos países de forma particular. É importante esclarecer que embora os dados da BP sejam os mais confiáveis a ponto de, em certos aspectos, servirem como fonte para o OAPEC Annual Statistical Report, sua publicação não apresenta valores discriminados para todos os membros da OI árabe. Portanto, tanto para a formação das tabelas quanto para a discussão a partir delas foram consultados e utilizados os dados dos relatórios anuais da OPAEP. Também é valido destacar que todos os valores correspondem a médias estimadas anuais e não a valores absolutos.

102 Diferente das tabelas apresentadas na seção anterior, cujo período histórico iniciava em 2006, nesta segunda parte do capítulo a opção pelo período entre 2010 e 2018 se deu pelo fato de ser possível averiguar ano a ano as fontes energéticas que compuseram a matriz energética para geração de energia elétrica de cada país. Para isto, também de forma distinta da seção anterior, foram utilizados como fontes todos os OAPEC Annual Statistical Report, um por um, correlacionando os valores de geração e consumo às fontes geradoras. Optou-se por esse método mesmo reconhecendo que em versões posteriores do OAPEC Annual Statistical Report alguns valores tenham sido atualizados e modificados, pois quando isso ocorria não havia base de dados para comparação com o ano alterado, já que os relatórios apontam dados relacionados às fontes energéticas utilizadas para geração de energia elétrica somente para a versão mais recente. Assim, as referidas tabelas não correspondem a um período de evolução ou involução histórica.

192

Tabela 13 – Geração de energia elétrica dos países membros da OPAEP em Gigawatt-hora (GWh) (2010-2018)

Fonte: OAPEC Annual Statistical Report. Versões de 2011 a 2019103.

Tabela 14 – Consumo de energia elétrica dos países membros da OPAEP em GWh (2010- 2018)

Fonte: OAPEC Annual Statistical Report. Versões de 2011 a 2019104.

103 Disponível em: Acesso em: 13 de julho de 2020.

104 Idem. 193

Visualizadas as tabelas acima, o primeiro grupo de países para análise das estratégias nacionais de diversificação de fontes energéticas são os da sub- região do Norte da África, em seguida serão abordados os do Oriente Médio Mesopotâmico e logo após os da Península Arábica.

2.1. Norte da África Dentre os três países dessa sub-região da OPAEP, a Argélia se destaca por ser o maior Estado do mundo árabe em extensão territorial. Somado a isso, seu Ministério da Energia pretende prover 27% da energia elétrica nacional por meio de fontes renováveis com um total de 37% da capacidade total de geração elétrica do país instalada também a partir de renováveis. Ambas as metas até 2030 (RÉPUBLIQUE ALGÉRIENNE DÉMOCRATIQUE ET POPULAIRE, 2019). O propósito do governo argelino – por meio de seu Ministério da Energia – prova ser um desafio quando comparadas com as estatísticas dos OAPEC Annual Statistical Report correspondentes aos anos apresentados nas tabelas 13 e 14. De acordo com os referidos relatórios, 2017 e 2018 foram os anos que o Estado norte-africano registrou a maior capacidade instalada de fontes renováveis para geração de energia elétrica instalada em sua matriz energética, com uma parcela de 4% do total, sendo a energia solar105 e a hidroelétrica106 as principais fontes renováveis do país. As termoelétricas com turbinas a vapor e de ciclo combinado são os principais meios não-renováveis para geração de energia elétrica da Argélia. Essas usinas são movidas predominantemente por material derivado do gás natural e do petróleo, com o diesel sendo um exemplo disso. A importância de aumentar a diversificação de oferta para atendimento da demanda interna tem a ver com a capacidade de prover energia para os lares, indústrias, prédios governamentais, comércio, entre outros. Em 2013, por exemplo a relação entre oferta e demanda foi apertada e em 2016, o segundo

105 Há duas aplicações básicas para a energia solar: a fotovoltaica e a térmica. Em linhas gerais, a fotovoltaica é empregada na geração de eletricidade através da captação da luz por células solares, enquanto a térmica – ou concentrada – está ligada à transformação da luz em calor.

106 A usina hidroelétrica de Ighil Emda, no Norte do país, é uma das principais. O website do ministério argelino também menciona a existência de mais de cinquenta barragens operacionais e 103 locais de barragens identificados, mas não especifica quantos são ou seriam utilizados para a geração de energia. 194 superou o primeiro, o que possivelmente significa que o sistema nacional não deu conta das necessidades de consumo elétrico nacional. A energia solar, como recurso inesgotável, como o próprio Ministério da Energia argelino a compreende, é o principal recurso renovável do país, de modo que “a Argélia considera essa energia como uma oportunidade e uma alavanca para o desenvolvimento econômico e social” (RÉPUBLIQUE ALGÉRIENNE DÉMOCRATIQUE ET POPULAIRE, 2019). De acordo com um ranking de países com escassez de água e com potencial solar e eólico, publicado pelo World Resources Institute, a Argélia ocupa a sexta posição para energia proveniente do sol e o vigésimo lugar para eólica (LUO, 2018). O Ministério identifica que o potencial eólico do país se dispersa por todo o território devido às diferentes características de clima e topografia. No entanto, também especifica que o Sul, caracterizado pelo clima desértico, do Saara, é a região com ventos mais fortes que o Norte, mesmo próximo à costa do Mediterrâneo (RÉPUBLIQUE ALGÉRIENNE DÉMOCRATIQUE ET POPULAIRE, 2019). Além de fontes renováveis como a solar, eólica e hidroelétrica, uma outra opção é a energia nuclear. Segundo a World Nuclear Association (WNA), em 2009 o governo em Argel estabeleceu como meta a inauguração da primeira usina nuclear para 2020. Quatro anos depois, a previsão de inauguração passou para 2025. A Argélia, que opera dois reatores de pesquisa desde 1995 – um de origem chinesa e outro argentina – na segunda década do século XXI assinou acordos de cooperação com a China e com a Rússia para desenvolvimento de energia nuclear pacífica para emprego na geração de energia elétrica e dessalinização de água. Tarefas que em larga medida são desempenhadas com o uso de gás natural e petróleo. Aliado a isso, a mineração de urânio, a construção de reatores e o treinamento de mão-de-obra qualificada também são itens desses acordos bilaterais (World Nuclear Association, 2020). Apesar disso, o Uranium 2018: Resources, Production and Demand aponta que até 2017 atividades como mineração e produção de urânio eram inexistentes em território argelino (NUCLEAR ENERGY AGENCY AND THE INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY, 2018, p. 110-112). Outro país da região é o Egito, que até 2018 foi detentor da maior capacidade de geração de energia elétrica instalada com base em fontes 195 renováveis entres os três membros da OPAEP no Norte da África, em especial no que diz respeito à energia hídrica, graças ao rio Nilo e a construção de barragens e usinas hidroelétricas como a de Assuã. Apesar disso a parcela da energia hidroelétrica na geração de eletricidade do país decresceu quando comparado com os recursos renováveis e fósseis, mas seu valor, em torno de 2800 megawatts (MW) se manteve em todo o período das tabelas 13 e 14. A queda, quando comparado com outros recursos, tornou-se mais evidente quando analisados os anos de 2011 e 2018. No primeiro ano, a energia hidroelétrica correspondia a cerca de 12% da capacidade para geração de energia elétrica instalada no país e 90% a partir de fontes renováveis. No último ano, porém, sua participação na matriz energética egípcia ficou em aproximadamente 6% e entre os renováveis em 58%. A constância na produção de hidroeletricidade, o aumento de consumo de gás natural em termoelétricas de ciclo combinado, mais a ampliação do investimento em energia solar e eólica foram os principais responsáveis por isso conforme dados consultados nas versões do OAPEC Annual Statistical Report que abrangem as tabelas 13 e 14. Segundo os relatórios publicados pela OPAEP, na matriz energética egípcia, a capacidade eólica instalada supera a solar, correspondendo a cerca de 1150 MW em média no ano de 2018, enquanto a solar ficou em aproximadamente 880 MW. De acordo com uma publicação da AIER sobre as perspectivas de energia renovável do Egito, a região com maior abundância de recursos eólicos fica próxima à costa do Golfo de Suez, onde o país já possui parques eólicos em Zaafarana e no Golfo de El-Zayt. O mesmo documento também menciona que “em uma escala global, o Egito é uma das regiões mais adequadas para explorar a energia solar tanto para geração de eletricidade quanto para aplicações de aquecimento térmico” (IRENA, 2018, p. 23-24; 26). Segundo o Ministério da Eletricidade e Energia Renovável, o país pretende abastecer a demanda energética interna com uma matriz formada por 45% de energia renovável e nuclear em 2035, conforme demonstra a imagem abaixo retirada do website do próprio ministério:

196

Figura 14 – Objetivo de composição da matriz energética do Egito para 2035107

Fonte: Ministry of Electricity and Renewable Energy108

Para reduzir a dependência do gás natural e do petróleo, o governo egípcio tem buscado parceria com empresas privadas nacionais e internacionais para incentivar o desenvolvimento de renováveis. Aliado a isso, o país também adota desde 2014 o sistema de tarifas feed-in, que compensam abatendo valores nas cobranças de eletricidade de cidadãos que exportam eletricidade para o grid nacional através de painéis solares instalados em suas propriedades residenciais ou comerciais (INTERNATIONAL RENEWABLE ENERGY AGENCY, 2018, p. 27). Prover eletricidade e energia para dessalinização de água através da energia nuclear também é de interesse desse Estado norte-africano que planeja fazê-lo a partir da inauguração de uma usina desse tipo na região de El Dabaa no norte do país. A Rússia é o principal parceiro egípcio para o setor, mas China e Coreia do Sul também possuem acordos de cooperação nesse sentido (World Nuclear Association, 2020). No caso da Líbia, salvo para o ano de 2013, quando as médias anuais de produção e consumo internos de energia se equipararam, a oferta de eletricidade sempre foi maior do que a demanda. Isso se deu mesmo no período da guerra civil que desde 2011 assola o país.

107 Na figura 14, as siglas CSP e PV significam Concentrated solar power (energia solar concentrada), que diz respeito a energia solar térmica, e Photovoltaic (fotovoltaica), tem a ver com a energia solar fotovoltaica.

108 Disponível em: Acesso em: 13 de julho de 2020.

197

Quando consultadas todas as edições entre 2011 e 2019 dos relatórios da OPAEP, não foram encontrados registros de que esse Estado possua recursos de fontes renováveis instalados em seu grid de geração de energia, o que o torna completamente dependente de petróleo e gás natural para geração de energia em âmbito doméstico a partir de termoelétricas. O que significa que o aumento do consumo interno pode prejudicar suas exportações de petróleo e, consequentemente, seu PIB, já que, como é possível visualizar nas tabelas 11 e 12, a comercialização internacional de petróleo desse país afeta diretamente sua saúde econômica. Apesar disso, antes mesmo da guerra civil iniciada em 2011, o governo líbio havia criado a Renewable Energy Authority of Libya (REAOL) que desenvolveu um plano com metas de longo prazo entre os anos de 2008 e 2030 para implementação de renováveis no país afim de diversificar a matriz energética nacional e resguardar uma maior parcela de petróleo e gás para exportação. A ideia inicial era dividida em basicamente quatro fases: abastecer a rede elétrica do país com até 6% de fontes renováveis, como solar e eólica, até 2015; 10% até 2020; 25% em 2025; e, finalmente 30% em 2030. Todavia, as metas da REAOL foram impedidas pela guerra civil (FARAJ, 2020). Em 2012 a REAOL lançou o Plano Nacional para o Desenvolvimento de Energia Renovável na Líbia, que cobria o período entre 2013 e 2025. O novo plano visava compor o setor elétrico nacional com 10% de fontes renováveis de energia até 2025, mas a continuidade do conflito interno também impediu investimentos e avanços no planejamento estratégico desse novo plano (RENEWABLE ENERGY AUTHORITY OF LIBYA, 2012). Alguns anos mais tarde, foi apresentado um outro projeto com abrangência para o período entre 2018 e 2030, cujo propósito é obter 22% de energia renovável instalada no sistema de geração de eletricidade do país (ALKISHRIWI, 2018). Os três planejamentos da Líbia preveem a complementação de sua matriz energética com energia solar e eólica apenas. Segundo Luo (2018), a Líbia possui capacidade solar superior à eólica, sendo o quinto Estado com maior potencial para geração de energia desse tipo no ranking publicado pelo World Resources Institute, à frente da Argélia e atrás apenas de Iêmen, Eritreia, Arábia Saudita e Omã. Já sua capacidade de gerar energia a partir da força do vento é 198 a décima-sétima em nível mundial, ficando atrás de outros países do Norte da África como o Marrocos, a Tunísia e a Argélia. Antes de 2011, a Líbia havia fechado acordos de cooperação e assistência na área nuclear com a França, em 2006, com os EUA, em 2007, e com a Rússia, em 2010, mas aparentemente nenhum deles foi continuado conforme a WNA (2020). Ademais, devido à escassez de áreas de concentração hídrica com volume o suficiente para construção de usinas hidroelétricas, essa fonte para geração de energia não foi considerada nos três planos mencionados109. Diferente da Líbia, os dois membros da OPAEP no Oriente Médio Mesopotâmico, Iraque e Síria, possuem potencial hídrico para geração de energia elétrica. A abordagem sobre o planejamento estratégico para integração de energia renovável na matriz energética de ambos é realizada no subtópico a seguir.

2.2. Oriente Médio Mesopotâmico Com territórios abrangendo a região da bacia dos rios Tigre e Eufrates, Iraque e Síria têm maior facilidade de acesso à água do que a Líbia e os países da Península Arábica, inclusive para a geração de energia elétrica. Na matriz energética do Iraque, o recurso hídrico foi a única fonte renovável com participação em seu sistema de energia até 2017, conforme os dados reportados pela OPAEP. Mesmo assim, sua participação tem decaído com o passar dos anos, tanto em porcentagem quanto em potência. Em 2010 a energia hidroelétrica contribuiu com aproximadamente 31% da geração de energia elétrica do país, com média de 2, 6 GW de 8,4 GW, mas em 2017 e 2018 sua fatia foi de cerca de 7%, provendo 1,7 GW e 1,9 GW de 26 GW e 27, 3 GW, nessa ordem. Como o potencial hidroelétrico do Iraque é estimado em torno dos 80.000 GW, sua parcela de contribuição ainda é muito pequena (ALGBURI; MAHMOOD. In: DEYOU, Liu et al., 2019, p. 168). Um fator que também deve ser levado em consideração para o investimento em barragens e usinas hidroelétricas tem a ver com o status

109 Apesar disso, a Líbia possui em seu subsolo um dos maiores aquíferos fósseis do mundo conhecido como o Sistema Aquífero do Arenito Núbio, que abastece a população com água através de uma rede de dutos que recebe o nome de O Grande Rio Artificial. 199 internacional dos rios Tigre e Eufrates. Como já mencionado no capítulo 3, ambos nascem na Turquia e atravessam os territórios sírio e iraquiano até desaguarem no Golfo Pérsico pelo canal de Shatt al-Arab. Nesse enquadramento, Iraque e Síria consideram o Trigres e o Eufrates como rios internacionais, enquanto a Turquia os entende como rios transfronteiriços. De forma resumida, isso significa que para Bagdá e Damasco os dois rios devem ser explorados de forma igualitária entre os três Estados, enquanto para a Ancara todos têm o direito soberano de explorá-los em seus respectivos territórios conforme os interesses de cada país. Assim, se o governo turco determinar a retenção do fluxo dos rios para a construção de barragens ou suas próprias usinas hidroelétricas, isso poderia ser feito sem levar em consideração a redução do volume de água que chegaria nos países vizinhos (KIRSCHNER; TIROCH, 2012, p. 377-379). Além do status internacional dos rios Tigre e Eufrates, o longo período de conflitos internacionais e internos que o país esteve envolvido desde a Guerra Irã-Iraque, na década de 1980, não contribuiu para que o governo iraquiano pudesse desenvolver estratégias nacionais relacionadas ao desenvolvimento de fontes renováveis para suprir a demanda doméstica por energia, abastecida em larga medida pelo gás natural e petróleo. Conforme dados das versões consultadas do OAPEC Annual Statistical Report, dos dez países afiliados à OPAEP o Iraque é o que mais emprega diesel e óleo combustível pesado para geração de energia elétrica. Esse é um problema que foi reconhecido pelo governo local mediante a publicação do Iraq Vision 2030, por meio do qual foi expressado interesses de explorar as reservas de gás natural interna para diminuir a dependência de importação desse produto e da importação de eletricidade de países vizinhos, como a Arábia Saudita e o Irã. Para Bagdá, a preservação do petróleo para exportação é essencial para o investimento em outros setores de sua economia – inclusive no próprio refino – com vistas a reduzir a necessidade de importação de derivados (REPUBLIC OF IRAQ, 2019. p. 32, 33). O Iraq Vision 2030 não faz menção a investimento em energia renovável, mas em 2018, a energia solar também foi contabilizada nas estatísticas da OPAEP – ainda que de forma incipiente – com uma capacidade instalada de 104 MW, de um total de 47, 3 GW, representando menos de 1% do total. Como já 200 mencionado, as guerras e o combate contra o EI, no período abrangido pelas tabelas 13 e 14, assim como o posterior fortalecimento político da região do Curdistão, no Norte do país tornaram a discussão em torno de outras fontes de energia em questão secundária. No entanto, isso não significa que elas deixaram de existir ou que nunca tenham existido, uma vez que uma publicação do Iraq Energy Institute, de 2018, menciona que em 1982 foi emitida a primeira lei de energia renovável do país e outros planos se seguiram até a segunda década do século XXI. Todos eles com poucos resultados devido às guerras ou às sanções econômicas internacionais aplicadas contra o país e até mesmo à sabotagem e roubo de energia do grid por parte da própria população iraquiana, em alguns casos. Para além da questão de segurança, os entraves burocráticos e a vulnerabilidade econômica não se mostram atraentes até mesmo para investimento estrangeiro nesse setor (ISTEPANIAN, 2018, p. 8-10). A AIE também lançou um documento, com informações coletadas de ministérios e departamentos do governo iraquiano, que expõe a situação da geração de energia do país intitulado Iraq’s Energy Sector: A Roadmap to a Brighter Future. Nele, calcula-se que se o Iraque fosse capaz de converter 30% de sua matriz energética em renováveis, como solar e eólica, e ainda aumentasse a produção nacional de gás natural, o país salvaria cerca de 450 mil bpd que poderiam ser direcionados para a exportação. (INTERNATIONAL ENERGY AGENCY, 2018, p. 9). De forma similar ao Iraque, a Síria também enfrentou um conflito interno que se iniciou em 2011, no auge da Primavera Árabe, e que se desdobrou em uma guerra civil envolvendo interesses geopolíticos de outros países árabes, bem como da Turquia, dos EUA, de Israel e da Rússia. Além disso, assim como seu vizinho do Oriente Médio Mesopotâmico, a Síria também teve que enfrentar a ascensão do EI, que chegou a ocupar partes de seu território, e, de igual modo, reivindicações políticas dos curdos, que contribuíram para que a Turquia chegasse a intervir militarmente no Norte do país. Conforme os dados da OPAEP apresentados nas tabelas 13 e 14, na segunda década do século XXI, mesmo em meio à guerra civil, a Síria sempre foi capaz de produzir, em média, mais energia do que o consumo interno. No entanto, esses dados não refletem de forma fidedigna a realidade do país, uma 201 vez que sabotagem, roubo de energia do grid e incapacidade de atender a demanda populacional em horários de pico foram causadores da perda de eletricidade produzida em diferentes situações. Nesse contexto, a ocupação e controle de infraestrutura crítica por parte de grupos combatentes na guerra civil também impõe desafios a Damasco. Um exemplo disso foi a ocupação da usina hidroelétrica de Tabqa, em 2013, no Eufrates, a maior usina desse tipo da Síria, cuja estrutura represa o Lago Assad, que por sua vez é também o maior reservatório de água do país. Tabqa foi ocupada em 2013 por rebeldes sírios, depois tomada pelo EI e libertada pelas forças do governo central em 2017 (INGRAM, 2017). Aliás, a energia hidroelétrica foi a única fonte renovável para geração de eletricidade referida em todos os relatórios da OPAEP consultados, correspondendo a 19%, ou 1528 MW, de um total de 8025 MW em 2010 e 15 %, ou o equivalente a 1490 MW de 10050 MW em 2018. Entre 2010 e 2018 só houve acréscimo de capacidade instalada em termoelétricas de ciclo combinado conforme as versões do OAPEC Annual Statistical Report entre os anos de 2011 e 2019. O gás natural é a principal fonte da matriz energética síria. Em 2002 a Síria lançou um plano diretor para implementação de energia renovável com o intuito de gerar cerca de 4% de eletricidade por meio de fontes renováveis em 2011 – excluindo a gerada por hidroelétricas. Em 2010 foi apresentado um Plano Mestre nesse sentido com objetivo de agregar em sua matriz, até 2030, cerca de 1500 MW de energia eólica; 250 MW de biomassa; e mais de 260 MW de energia solar contabilizando as de origem fotovoltaica e térmica. Um dos propósitos desse plano era viabilizá-lo a partir de parcerias público-privadas com companhias especializadas no setor, incluindo de países da OPAEP, como o Kuwait (BLOCK, 2010). No entanto, o projeto estratégico não foi adiante por conta das consequências da Primavera Árabe, da guerra civil e da guerra contra o EI. Ainda antes de 2011, o governo sírio encomendou um estudo do Banco Mundial voltado para o setor elétrico que recebeu o título de Syrian Arab Republic Electricity Sector Strategy Note. À época, foi constatado que o investimento em energia renovável era uma das formas de expansão do setor no país; de diversificar a matriz energética; de gerar empregos; e estender o ciclo de vida do petróleo e do gás natural produzidos internamente. A partir disso, o Banco 202

Mundial atestou que as principais opções de investimento desse Estado árabe seriam a energia eólica, a solar e a hidroelétrica. Essa última, inclusive, já estaria próxima ao esgotamento no que diz respeito à capacidade de ampliação, o que de certo modo justificaria a imobilização desse segmento segundo os dados da própria OPAEP (THE WORLD BANK, 2009, p. 57-58). Embora o Plano Mestre de 2002 e seu sucessor de 2010 não tenham sido levados integralmente adiante por motivos políticos, orçamentários e de segurança, em 2019 a agência de notícias oficial da Síria – Syrian Arab News Agency – noticiou o início da operação da primeira turbina eólica fabricada e instalada com componentes integralmente nacionais em toda a região do Norte da África e do Oriente Médio. Segundo a agência, a instalação de mil e quinhentas turbinas abasteceria aproximadamente dezoito milhões de pessoas com eletricidade e reduziria significativamente o consumo de petróleo e gás para geração de energia elétrica, mas não foi reportado se esse número é um plano do governo central ou não (SYRIAN..., 2019). Já a primeira usina solar síria foi inaugurada em al-Kiswa, cidade relativamente próxima a Damasco, em 2017, com capacidade de gerar 1.26 MW (FIRST..., 2017). De acordo com Luo (2018), a Síria ocupa respectivamente a vigésima- sexta e a trigésima-sexta posição na classificação de países com escassez de água e com potencial solar e eólico do World Resources Institute. Isso significa que esse Estado do Oriente Médio Mesopotâmico encontra-se atrás de todos os membros da OPAEP localizados na Península Arábica110. Região essa que é observada na sequência.

2.3. Península Arábica No âmbito da Península Arábica, a Arábia Saudita é o país que mais consome petróleo e gás natural. Aliás, os sauditas são os maiores consumidores de ambos os recursos dentre todos os membros da OPAEP e o quinto maior

110 No que diz respeito à energia solar os países da OPAEP da Península Arábica foram classificados da seguinte forma em relação ao ranking completo: Arábia Saudita em terceiro; EAU em oitavo; Catar em décimo segundo, uma posição à frente do Bahrein; e o Kuwait em décimo oitavo. Quanto à eólica, a ordem foi: Bahrein em quarto com dez posições à frente do Kuwait; Catar em décimo sétimo; Arábia Saudita em vigésimo quarto; e EAU em trigésimo terceiro.

203 consumidor mundial de petróleo desde 2009 e o sexto de gás natural desde 2019111 conforme dados do BP Statistical of World Energy 2020. De acordo com o Saudi Vision 2030, a Arábia Saudita tem o propósito de integrar em seu grid de energia 9,5 GW oriundos de fontes renováveis até 2030, especialmente solar e eólica (KINGDOM OF SAUDI ARABIA, 2016, p. 49). Para atender essa finalidade, em 2017 foi criado o Renewable Energy Project Development Office (REPDO), ligado ao Ministério do Petróleo e de Recursos Minerais, com o propósito de ser o órgão executor do planejamento para implementação de energia renovável no país, de modo que a meta de 9,5 GW provenientes dessas fontes passou para 2023. Até 2020 o REPDO já havia lançado três fases do plano nacional de renováveis com chamadas de licitações para atrair investimento privado visando integrar 3, 45 GW no fim desse mesmo ano. A primeira fase, de 2017, incluiu um projeto de energia solar fotovoltaica de 300MW em Sakaka – já integrada no grid nacional – e eólica de 400 MW em Dumat al-Jandal. A segunda fase, de 2019, compreendeu a chamada para construção de seis plantas fotovoltaicas, que em conjunto somarão 1, 47 GW quando completadas. A terceira, de 2020, teve como objetivo a construção de outras quatro plantas fotovoltaicas que juntas somarão 1, 2 GW, também quando completadas. Com vistas a cumprir as metas elaboradas por Riad, provavelmente o REPDO abrirá outras licitações nos primeiros anos da terceira década do século XXI (KINGDOM OF SAUDI ARABIA, 2019, p. 49). No que diz respeito à energia solar, é importante destacar que a Arábia Saudita já possui uma empresa que atua no setor: a ACWA Power. Essa empresa atende não só as necessidades sauditas mas também de outros países do Oriente Médio e do Norte da África, como o Bahrein, EAU, Omã, Jordânia, Marrocos e Egito. Outros países de fora da região que já contrataram os serviços dessa companhia foram a África do Sul, Turquia, Uzbequistão, Etiópia e Vietnã (ACWA POWER, 2020). Como empresa saudita, a ACWA Power já participou de licitações em fases do programa de energia renovável capitaneado pelo REPDO.

111 2019 foi a maior posição alcançada pela Arábia Saudita no que tange ao consumo de gás natural de acordo com a BP. Esse Estado árabe ficou imediatamente à frente do Japão e atrás de EUA, Rússia, China, Irã e Canadá. 204

O Saudi Vision 2030 também menciona o interesse em localizar a produção de manufaturados para esse setor com o intuito de estabelecer mão de obra especializada. Ademais, há também o intuito de atrair investimento privado para o setor energético a fim de criar uma maior competitividade no mercado local, em especial com o de fontes não-renováveis que recebem subsídio do governo central. Nesse contexto, o Saudi Vision 2030 expõe que “fornecer subsídios sem critérios de elegibilidade claros é um obstáculo substancial para a competitividade do setor de energia” (KINGDOM OF SAUDI ARABIA, 2016, p. 49). Apesar de a Arábia Saudita possuir cerca de duzentas represas em operação em seu território, dentre elas a segunda maior do Oriente Médio – a Represa Rei Fahd112 – sua função principal é a estocagem de água da chuva; reposição de aquíferos subterrâneos; e controle de cheias (ALGBURI. In: In: DEYOU, Liu et al., 2019, p. 185). Segundo al-Naimi (2016, p. 82), na Península Arábica não existem rios de fluxo contínuo a cerca de cinco mil anos, de modo que o abastecimento de água para a população é em larga medida providenciado a partir de plantas de dessalinização, movidas em larga escala por energia não renovável provenientes do petróleo e gás natural. No capítulo 5, alguns outros investimentos sauditas para a área de energia são abordados com maior profundidade, inclusive para o setor nuclear. Ali, o tema é trabalhado com maior atenção por se tratar de um capítulo voltado para o papel da Arábia Saudita como possível fiadora do mercado internacional de petróleo, de modo que o investimento em diversificação de energia no país tem um papel fundamental para que esse Estado árabe possa continuar fornecendo petróleo para os consumidores sem prejudicar a demanda interna. Enquanto os sauditas possuem um plano ambicioso para geração de energia renovável, os EAU já possuem resultados concretos para o setor, posicionando-se como um dos países da OPAEP com a maior capacidade de inovação e diversificação nesse setor. Vale ressaltar que os EAU sediam a AIER desde a sua criação em 2009. Os EAU, inclusive, já construíram duas pequenas cidades sustentáveis, a primeira com o nome de The Sustainable City, em Dubai, com cerca de 0,46 km2,

112 A maior do Oriente Médio é a represa Karkheh, localizada no Irã, na província do Cuzistão.. 205 e a Masdar City, em Abu Dhabi, com aproximadamente 6 km2. As necessidades energéticas dos habitantes dessas duas pequenas cidades são majoritariamente atendidas por fontes renováveis, em especial a solar. Aliás, Masdar é o nome de uma companhia nacional que atua com energia renovável, desenvolvimento urbano e projetos imobiliários de forma sustentável. A Masdar também tem participação em projetos em países do Norte da África como Egito, Marrocos e Mauritânia, assim como em países europeus, a exemplo de Espanha, Grã- Bretanha e Sérvia. Somado a isso, os EAU desenvolveram sua primeira casa autônoma alimentada por energia solar e pretendem transformar a polícia de Dubai na primeira força de segurança do mundo neutra em emissão de carbono (UNITED ARAB EMIRATES, 2017, p. 82; 105-16; 131). Para os EAU a Masdar City e a The Sustainable City, são também uma forma de atrair investimento econômico e tecnológico de parceiros internacionais, além de apresentarem oportunidade para especialização de mão- de obra. O documento intitulado National Climate Change Plan of the United Arab Emirates 2017-2050, de 2017, se refere às duas cidades sustentáveis do país da seguinte forma:

Os esforços dos Emirados Árabes Unidos na construção de cidades verdes redefinem as abordagens de planejamento urbano e se estabelecem como um centro global para startups de tecnologia limpa, pequenas e médias empresas verdes, escritórios regionais para empresas multinacionais, bem como instituições acadêmicas e de pesquisa e desenvolvimento (UNITED ARAB EMIRATES, 2017, p. 50. Tradução nossa).

Em 2008 o governo de Abu Dhabi lançou o The Abu Dhabi Economic Vision 2030 e deixou clara a importância do petróleo e do gás natural para a geração de energia em âmbito interno, para a saúde econômica do emirado, bem como de todo o país. O documento também elucida que “os hidrocarbonetos formaram a espinha dorsal da economia de Abu Dhabi por mais de três décadas” e continua afirmando que “as exportações de petróleo bruto foram e continuarão a ser a maior fonte de receita, sustentando o desenvolvimento e a prosperidade alcançados nos últimos tempos”. Para o gás natural, o documento menciona que a exportação desse recurso, principalmente para o mercado asiático, também contribuiu para formação de receitas do país (THE GOVERNMENT OF ABU DHABI, 2008, p. 114). 206

Mesmo assim, a partir de 2008 a produção doméstica de gás natural já não foi capaz de suprir a demanda interna, o que levou os EAU a aumentarem o volume de importação do gás produzido pelo Catar, via Dolphin Pipeline, e até mesmo dos EUA, cujo primeiro carregamento de GNL chegou a um porto emiradense em 2016 (GRIGAS, 2017, p. 112). Além do Catar, outros países da OPAEP como a Argélia e o Egito também exportam gás natural para os EAU (THE BRITISH PETROLEUM COMPANY, 2020). Com a finalidade de reduzir sua dependência do gás natural importado e do petróleo, que é o principal produto de exportação do país, os EAU tornaram público em janeiro de 2017 o plano denominado UAE National Energy Strategy 2050, que tem por finalidade diversificar a oferta de energia interna até 2050 com 44% de energia limpa, 38% de gás natural, 12% de energia fóssil limpa e 6% de energia nuclear (UNITED ARAB EMIRATES, 2017). No que tange aos 44% de energia limpa, a proveniente do sol terá uma importante contribuição, uma vez que até o final da segunda década do século XXI os EAU já operavam usinas solares de grande porte como a Shams 1, de Abu Dhabi, que até 2017 era capaz de produzir 100 MW e abastecer vinte mil lares, e o parque solar Mohammed bin Rashid al-Maktoum, o maior do país e que até 2030 o governo projeta capacitá-lo de modo que possa produzir até 5 GW, tornando-se o maior complexo de geração de energia solar do mundo113 conforme o National Climate Change Plan of the United Arab Emirates 2017- 2050 (UNITED ARAB EMIRATES, 2017, p. 50). De acordo com os dados da OPAEP, em 2018 o país possuía a segunda maior capacidade instalada de energia solar do Oriente Médio e do Norte da África, sendo superado apenas pelo Egito, mas segundo o BP Statistical Review 2020, em 2019 os emiradenses assumiram a primeira posição como maior produtor regional desse tipo de energia. Em relação à energia nuclear, os EAU são o único Estado árabe que possui um reator nuclear em funcionamento abastecendo o grid nacional de energia elétrica. A operação do reator Barakah 1, cuja construção foi iniciada em julho de 2012, passou a integrar a matriz emiradense em agosto de 2020 (WORLD NUCLEAR ASSOCIATION, 2020). A AIEA explica que esse Estado

113 Maior do mundo em relação às usinas solares existentes ou com projetos anunciados à época que o documento foi lançado. 207

árabe possui mais três reatores em fase de construção, sendo a Coreia do Sul o seu principal parceiro no setor nuclear. Nesse contexto, a AIEA explica que os principais fornecedores de urânio para os EAU – com reconhecimento da própria agência – são empresas dos seguintes países: Coreia do Sul, EUA, Canadá, Grã-Bretanha e Rússia (INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY, 2019). Já a WNA inclui a França como outro fornecedor. O objetivo do programa nuclear emiradense foi expresso na política nuclear nacional publicada em 2008 com o título de Policy of the United Arab Emirates on the Evaluation and Potential Development of Peaceful Nuclear Energy. Nela, o governo central justificou a necessidade de desenvolver um programa nuclear pacífico para atender a demanda energética futura, pois estudos encomendados pelo governo central concluíram que tanto o crescente consumo de gás natural quanto de derivados do petróleo para geração de energia eram ao mesmo tempo considerados como insuficientes e degradantes ambientais (UNITED ARAB EMIRATES, 2008, p. 1). Entretanto, embora esse documento não mencione, o Abu Dhabi Economic Vision 2030, também de 2008, revela que para além da questão ambiental, a preocupação com a disponibilidade de petróleo para exportação é um fator relevante para que os EAU diversifiquem sua matriz energética. Já o Bahrein, o país com a menor população, território e menos projeção entre os membros da OPAEP, é quem menos produz e consome eletricidade como pode ser observado nas tabelas 13 e 14. Ademais, os Bareinitas são quem menos consome petróleo conforme a tabela 8, embora o país seja um importador do petróleo saudita como já mencionado no capítulo 1. Mesmo assim, as tabelas 11 e 12 apontam que esse país é relativamente dependente da exportação de petróleo, mesmo que a participação da exportação desse recurso na formação do PIB nacional tenha sido reduzido em 2017 quando comparado a 2010. Em contrapartida, até 2018, além do gás natural e do petróleo, o país não possuía fontes complementares de energia instaladas para geração de eletricidade. Ainda assim, o governo bareinita tem demonstrado preocupação quanto a diversificação da matriz energética nacional. Uma das primeiras demonstrações diretas de Manama nesse sentido se deu no documento cognominado The Economic Vision 2030 for Bahrain. Nele, não há referência a projetos de energia renovável propriamente ditos, mas há indícios de que o país 208 tenha interesse em implementá-los em trechos que tratam sobre a questão ambiental, especialmente quando menciona a execução de regulamentos para eficiência energética, sustentabilidade e redução de emissão de carbono (KINGDOM OF BAHRAIN, 2008, p. 22). O National Renewable Energy Action Plan, de 2017, é o documento que menciona os projetos do Bahrain para implementação de projetos de energia renovável. Nele foi possível verificar que esse Estado árabe pretende instalar até 5% de energia renovável no grid nacional em 2025 e 10% em 2035. A energia solar, eólica114 e a recuperação energética de resíduos são alguns meios que o documento prevê como principais para alcançar os objetivos descritos no plano de ação. Posto isso, o então ministro da Eletricidade e Assuntos Hídricos do país, Abdul Hussain bin Ali Mirza, declara no documento os principais motivos do Bahrein para investir em renováveis:

O governo do Reino do Bahrein está comprometido com a sustentabilidade dos recursos naturais do país para as gerações futuras, bem como com a proteção do meio ambiente. Há um potencial considerável para empreender iniciativas de eficiência energética e energia renovável no Bahrein, o que estenderá a vida útil das reservas de petróleo e gás e permitirá o desenvolvimento sustentável de longo prazo. A Visão Econômica 2030 do Bahrein coloca ênfase especial no fornecimento de incentivos para reduzir e gerenciar a demanda de eletricidade e investir em tecnologias de energia limpa; promoção de padrões de eficiência energética para garantir a sustentabilidade; e garantir uma melhor gestão da demanda de energia e água (KINGDOM OF BAHRAIN, 2017, p. 7. Tradução nossa).

Diante da declaração do ministro sobre “a sustentabilidade dos recursos naturais do país para as gerações futuras” e acerca do prolongamento da “vida útil das reservas de petróleo e gás” é possível interpretar que Manama tenha interesse em resguardar a indústria de hidrocarbonetos tanto para a exportação, já que é uma importante fonte de receitas internas, quanto para otimização do petróleo e gás natural a fim de atender outras demandas domésticas além da geração de energia elétrica. O Kuwait, em seu turno, é o terceiro maior consumidor de petróleo da Península Arábica, atrás da Arábia Saudita e dos EAU. Segundo os dados

114 Especialmente a offshore, já que o Bahrain é um arquipélago. 209 consultados da OPAEP, esse Estado árabe integrou fontes renováveis – solar e eólica – em seu grid a partir de 2017, com cerca de 70 MW instalados no sistema nacional em 2018. Todavia, esses dados podem não refletir a realidade para a primeira metade da década, considerando que em 2012 os mesmos 70 MW instalados já tinham sido reportados como operacionais (CHAN, 2012). Embora seja autossuficiente em petróleo, desde 2009 o país produz menos gás natural do que consome e ambos os recursos são as suas principais fontes de geração de energia (THE BRITISH PETROLEUM COMPANY, 2020). Para reduzir sua dependência em relação aos hidrocarbonetos, o governo local lançou uma iniciativa para que até 2030 15% do consumo de eletricidade kuwaitiano seja suprido por fontes renováveis. Esse propósito se ampliou com o discurso de 2012 do emir e xeque Sabah al-Ahmad al-Jaber al-Sabah na 8ª Conferência da ONU sobre mudanças climáticas realizada em Doha, no Catar. Na ocasião, o emir comentou sobre o investimento realizado por seu país em eficiência e novas tecnologias para reduzir emissões de carbono da produção interna de petróleo e afirmou o seguinte sobre renováveis:

(...) no domínio das energias renováveis, o Estado do Kuwait atribuiu grande preocupação à diversificação das suas fontes de energia, onde as entidades interessadas indicaram as fases executivas de um ambicioso plano de aproveitamento da energia eólica e solar com vista a aumentar a percentagem de utilização desta energia para 1 por cento do uso total de energia no Kuwait em 2015 e até 15 por cento em 2030 (HH THE AMIR, 2012).

Nesse sentido, um dos primeiros grandes projetos foi a inauguração do parque de energia renovável de al-Shaqaya, localizado na parte ocidental do Kuwait próximo à fronteira com a Arábia Saudita. As fontes solares e eólica serão as principais no parque. Aliado a isso, o complexo foi concebido para ser concluído em três fases até 2025, com previsão de gerar 50 MW em 2018115, 1 GW em 2020 e 2 GW em 2025 (KARAMI, 2017). Havia ainda a previsão da construção de um outro complexo para energia solar, o de al-Dabdaba, que quando finalizado geraria até 1,5 GW, todavia diante de conturbações

115 Cumprido no prazo conforme os dados disponíveis nos OAPEC Annual Statistical Reports entre 2011 e 2019.

210 econômicas derivadas da pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID- 19), em 2020, o projeto foi cancelado (PETROVA, 2020). Nesse contexto, é importante mencionar que A Kuwait National Petroleum Company, estatal petrolífera, foi uma das financiadoras de al-Shaqaya e al- Dabdaba, o que indica a relevância das receitas de petróleo para o Kuwait, mesmo que para investir na diversificação da matriz energética do país. Ademais, esse tipo de conduta é importante para a própria companhia, que com mais petróleo disponível para exportação aumentará suas reservas de capital em moedas internacionais, a principal delas sendo o dólar, ao invés de moeda local. Em 2017, o governo kuwaitiano lançou o Kuwait Vision 2035. De acordo com a Cidade do Kuwait, a proposta visa, entre outras coisas, diversificar a economia nacional de forma sustentável em relação às questões ambientais (STATE OF KUWAIT, 2017). Para isso, a Visão 2035 tem como objetivo atrair investidores internacionais para conduzir negócios e parcerias no setor de renováveis. Nessa lógica, investir em energia renovável, vai ao encontro do que já havia sido propagado pelo emir al-Sabah em seu discurso de 2012 na conferência da ONU, no Catar. O Catar, aliás, é o país da OPAEP na Península Arábica cuja produção doméstica de gás natural é mais proeminente do que a petrolífera. Inclusive, esse foi um dos motivos oficialmente alegados por Doha para o país se retirar da OPEP em 2019, entidade da qual fazia parte desde 1961. Como o gás natural é abundante no Catar e além de ser uma fonte energética mais barata é, também, considerada mais limpa do que o petróleo, esse recurso é a principal fonte energética para geração de eletricidade a nível nacional. Nesse contexto, em discurso durante uma conferência internacional sobre sustentabilidade, em Doha, no ano de 2017, o ministro da Energia e Indústria catari, Mohammed Bin Saleh al-Sada, afirmou que seu país contribui para a redução de emissão de carbono pelo fato de sua matriz energética ser movida majoritariamente por gás natural ao invés de petróleo ou carvão. Em sua fala o ministro anunciou que o Catar estaria desenvolvendo seu primeiro plano estratégico para energia renovável (ATAULLAH, 2017). Plano esse que em 2020 ainda não havia sido publicado em forma de documento textual, embora o objetivo fosse lançá-lo até o fim desse mesmo ano (QATAR..., 2019). 211

Para o Catar, da mesma forma que outros Estados membros da OPAEP, investir em fontes renováveis é uma decisão estratégica que, entre outros motivos, visa preservar os recursos nacionais como gás e petróleo para exportação, pois ambos são importantes fontes de receitas para Doha. Essa afirmação encontra respaldo em documentos cataris como o Qatar Second National Development Strategy 2018~2022, onde se encontra a afirmação de que a aplicação de capital em projetos de energia renovável, além de reduzir as emissões de carbono, “diminuirá as quantidades de petróleo e gás usadas na dessalinização e na energia” (QATAR, 2018, P. 79). Outro documento, o Qatar National Vision 2030, menciona algo na mesma direção do documento anterior – o que demonstra um certo grau de coerência política, já que a Visão 2030 foi lançada onze anos antes – quando expõe que “os direitos das gerações futuras estariam ameaçados se o esgotamento dos recursos não renováveis não fosse compensado pela criação de novas fontes de riqueza renovável”. Em outro trecho ele reitera que as principais fontes de riqueza do país são o petróleo e o gás natural, do qual o país há décadas tem dependido e que acabarão por se esgotar (QATAR, 2008, 5; 13). Até a última versão consultada do OAPEC Annual Statistical Reports, não existia estatística para energia de origem renovável instalada no grid do Catar. Aliás, os primeiros dados para geração de energia renovável aparecem com uma ínfima participação de biomassa desde 2011, segundo o BP Statistical Review 2020. Mesmo assim, Qatar Second National Development Strategy 2018~2022 aponta que o governo local, na pessoa do próprio emir, o xeque Tamim bin Hamad al-Thani, visava integrar 200 MW de energia solar em seu grid até 2020, com possibilidade de expansão para até 500 MW posteriormente (QATAR, 2018, P. 79). Embora a meta não tenha sido alcançada no período proposto, no mesmo ano de 2020 Doha anunciou a construção da usina solar de al-Kharsaah, com capacidade de geração de até 800 MW quando completada em 2022, que foi o prazo final estabelecido (QATAR..., 2020). Portanto, a preservação e a gestão dos hidrocarbonetos sob soberania do Catar, mais o investimento em recursos renováveis podem ser compreendidos como uma forma de continuar mantendo o petróleo e o gás como salvaguardas econômicas mesmo que Doha tenha interesse em diversificar sua economia. 212

Embora os Estados membros da OPAEP tenham buscado avançar seus investimentos em fontes de energia complementares para diversificar suas matrizes energéticas nacionais, existem barreiras internas que dificultam a progressão desses investimentos, sendo uma das principais a questão dos subsídios envolvendo petróleo e gás natural que são debatidos na terceira seção deste capítulo.

3. Desafios à diversificação da energia no âmbito da OPAEP Os projetos para diversificação das matrizes energéticas dos membros da OPAEP no geral possuem características muito incipientes. Dentre eles, alguns como a Líbia e o Catar, por diferentes motivos, ainda têm poucos programas em andamento, enquanto os EAU, por exemplo, já estão bem adiantados com, inclusive, o primeiro programa de energia nuclear ativo em todo o mundo árabe. Em discurso no parlamento britânico em julho de 1913, Winston Churchill, na função de Primeiro Lorde do Almirantado Britânico, afirmou que a independência energética de seu país não poderia depender de apenas um fornecedor de petróleo e, enfatizando o papel da diversidade como primordial para sua segurança nessa área, declarou que “em nenhuma qualidade, em nenhum processo, em nenhum país, em nenhuma empresa e em nenhuma rota, e em nenhum campo de petróleo devemos ser dependentes. A segurança e a certeza do óleo estão na variedade, e apenas na variedade” (UNITED KINGDOM, 1913). A fala de Churchill em seu discurso de 1913 no parlamento britânico partia do ponto de vista de um país com necessidades de importação de petróleo, mas o caso dos Estados afiliados a OPAEP diz respeito a países exportadores de petróleo. O que os dois lados têm em comum? A necessidade de diversificar suas matrizes nacionais de energia, pois a variabilidade atende os interesses dos importadores, para que não dependam apenas de uma fonte ou de um único fornecedor, assim como dos exportadores, que por sua vez não podem depender apenas de um único comprador ou de apenas uma fonte de energia para atender o mercado internacional e o doméstico. Nesse contexto, para os exportadores da OPAEP que, como já apontado nas tabelas 10, 11 e 12, dependem em larga medida da exportação de petróleo para composição de seu PIB e de sua pauta de exportações – alguns países 213 mais do que outros – programas de energia complementar a partir de fontes renováveis, ou da energia nuclear, ganham contornos estratégicos para que o petróleo produzido internamente possa fluir para o mercado internacional. Diante disso, cabe então questionar o seguinte: além das intenções dos governos dos países dessa OI, qual a viabilidade para a continuidade da implementação desses programas estratégicos de energia complementar no longo prazo? Para responder a indagação acima é importante notar que a geração de eletricidade através da energia solar e eólica não possui a mesma confiabilidade da produzida pelo petróleo e gás natural por conta de problemas como a diluição e a intermitência. Epstein (2014, p. 37) explica que “o problema da diluição é que o sol e o vento não fornecem energia concentrada”, o que leva a um aumento de custos com materiais para captar energia o suficiente para gerar eletricidade. Além disso, o suprimento de vento tende a ser disperso e nem sempre atenderá de forma precisa uma determinada fazenda eólica. Isso se soma com o problema da intermitência, como Yergin (2014, p, 610) argumenta sobre a energia eólica: “o vento não sopra o tempo todo e sua força varia. Isso o torna intermitente, o que significa que não se pode contar com sua disponibilidade de sempre”. Epstein (2014, p. 38) comenta algo parecido sobre a imprevisibilidade dessas duas fontes de energia renovável: “sabemos por experiência que o sol não brilha o tempo todo, muito menos com a mesma intensidade o tempo todo, e o vento não sopra o tempo todo – e deixando de lado a garantia de que o sol estará “apagado” de noite, eles podem ser extremamente imprevisíveis”. Ele ainda continua dizendo que “o vento está constantemente variando, às vezes desaparecendo quase completamente, e a solar produz muito pouco nos meses de inverno”. Os problemas de diluição e intermitência afetam a confiabilidade das fontes solar e eólica, o que indica que mesmo que sejam consideradas fontes energéticas limpas elas precisam de um backup de fontes confiáveis – como geradores movidos a diesel, por exemplo – para suprir os períodos em que não possam gerar energia com uma capacidade próxima do ideal. Esse é um dos motivos pelos quais elas ainda são complementares e não alternativas às fontes fósseis como petróleo, gás natural e carvão. A não confiabilidade delas as torna não despacháveis, o que de uma forma simplista significa que não respondem 214 de modo adequado à variação, ou flutuabilidade, cotidiana da demanda energética de uma determinada população, como explicado por Yergin:

A demanda de eletricidade flutua continuamente à medida que as pessoas acendem e apagam as luzes, ligam e desligam os computadores, as fábricas acionam os motores, e, quando a temperatura sobe, o ar-condicionado é usado. Para reagir quase que instantaneamente, a rede precisa de fontes de energia que, no jargão do setor, sejam despacháveis. Ou seja, que podem ser ativadas e a energia despachada em questão de segundos (YERGIN, 2014, p. 630).

Desse modo, para gerar um maior grau de confiabilidade, as fontes solar e eólica precisam armazenar energia através de uma super bateria para continuar provendo eletricidade para as populações consumidoras reduzindo os efeitos da diluição e da intermitência. Esse é um problema que empresas como a Tesla, capitaneada pelo empresário Elon Musk, tem procurado solucionar com a produção de baterias dessa natureza. Em 2017, a Tesla inaugurou uma mega bateria conectada a uma usina eólica em Hornsdale, no sul da Austrália, capaz de alimentar até trinta mil residências por uma hora, quando totalmente carregada. Porém, sua função precípua é complementar o grid de energia local apoiando e estabilizando o fornecimento de eletricidade pré-existente, atuando quase como um gerador (TESLA..., 2017). Cerca de dois anos após o lançamento da bateria de Hornsdale, a Tesla apresentou um projeto de armazenamento de energia em escala de serviço público, superior à bateria australiana, conhecido como Megapack. Cada unidade do Megapack pode armazenar até 3 MW de energia e ser conectada a usinas solares ou eólicas. Ademais, segundo a própria Tesla, é possível juntar megapacks suficientes para criar uma bateria com capacidade de gerar de 250 MW a 1 GW em um espaço de três acres, o que seria “quatro vezes mais rápido do que uma usina de combustível fóssil tradicional desse tamanho”. Todavia, seu papel principal é atuar como “uma alternativa sustentável para usinas de energia de “pico” de gás natural”, sendo acionada quando a rede elétrica for incapaz de atender a demanda máxima em horários de pico (INTRODUCING..., 2019). Em março de 2020, a Tesla se prontificou a oferecer esse serviço no Havaí, 215 projetando a construção da maior bateria do mundo com uma capacidade de armazenar 810 MW (LAMBERT, 2020). Apesar disso, fontes renováveis como a solar e a eólica ainda são essencialmente fontes complementares e não a primeira opção energética em nenhum país, isto é, embora sejam energia considerada limpa, ainda não são uma opção capaz de suplantar as fontes fósseis. Uma opção energia renovável confiável é a hidroelétrica, mas devido à predominância do bioma desértico na região da OPAEP e a inexistência de rios de fluxo contínuo em sub-regiões como a Península Arábica, poucos países dessa OI árabe têm acesso a usinas desse tipo. Algo que já foi apontado na seção anterior. A energia nuclear, apesar de todas as restrições internacionais relacionadas ao mercado de urânio e o seu enriquecimento para geração de energia, com protocolos que devem ser seguidos em conformidade com as normas da AIEA, respeitando o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, o qual os Estados da OPAEP aderiram em diferentes níveis (UNITED NATIONS OFFICE FOR DISARMAMENT AFFAIRS, [20-?])116, é considerada uma das mais confiáveis para abastecer centros populacionais com eletricidade. Contudo, como a indústria nuclear é essencialmente controlada por governos, não só o nível de controle de matéria-prima mas, também o custo é mais alto do que de setores nos quais empresas privadas têm maior entrada (EPSTEIN, 2014, p. 47.). Todavia, questões relacionadas à confiabilidade das fontes renováveis são uma preocupação de nível mundial e não restritas ao ambiente da OPAEP. Nesse contexto, um dos maiores entraves para que a continuidade de programas de energia alternativa continuem a ser implementados pelos países membros da OI árabe são os subsídios providenciados pelos governos desses países para o consumo interno de petróleo e gás natural. Subsídios esses que contribuem para que o consumo doméstico cresça anualmente a ponto de incentivar

116 Membros da OPAEP que aderiram ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares: Arábia Saudita, aderiu em 1988; Argélia, aderiu em 1995; Bahrein, aderiu em 1988; Catar, aderiu em 1989; EAU, aderiu em 1995; Egito, assinou em 1968 e ratificou em 1981; Iraque, assinou em 1968 e ratificou em 1969; Kuwait assinou em 1968 e ratificou em 1989; Líbia, assinou em 1968 e ratificou em 1975; e Síria, assinou em 1968 e ratificou em 1969.

216 indiretamente o desperdício e, aos poucos, prejudicar o volume de exportação de petróleo para o mercado internacional. Mesmo assim, Ragab (2010, p. 60) explica que os subsídios no setor energético não são uma exclusividade dos países árabes. Aliás, apenas quatro deles117 aparecem em 2019 entre os dez maiores subsidiadores de combustíveis fósseis, de acordo com a AIE, como mostra o gráfico 13. Para o autor, o que os difere de outros países é “a abundância relativa de combustíveis fósseis na região, a interdependência das políticas dos países e o domínio dos regimes autocráticos”. Aliás, no gráfico 13, abaixo, apenas três países da OPAEP não aparecem entre os vinte e cinco maiores subsidiadores mundiais de combustível fóssil. São eles: a Síria, o Catar e o Bahrein. Dentre os que são mostrados na figura, o principal combustível subsidiado é o petróleo, exceto para os EAU, que têm mais gastos subsidiando o gás natural importado. Os subsídios do Kuwait em larga medida também são voltados para o gás importado, já que a capacidade de produção interna desse produto foi suplantada pela demanda em 2009.

117 Arábia Saudita, Egito, Argélia e Iraque. 217

Gráfico 13 – 25 maiores subsidiadores mundiais de combustíveis fósseis em porcentagem do PIB no ano de 2019

Fonte: AIE118

Sem embargo, no princípio da década de 2010, todos os Estados que fazem parte da OPAEP, com exceção da Argélia, tinham gastos maiores com subsídios do que os de 2019, como demonstra o gráfico 14, que apresenta os números da década de acordo com os dados da AIE. Em determinados países os subsídios foram reduzidos por conta de reformas de preços nos combustíveis, fornecimento de energia elétrica e consumo de água, que em determinados Estados é transformada em potável através da dessalinização da água do mar,

118 Disponível em: Acesso em: 8 de outubro de 2020. 218 um processo contínuo que requer o emprego de grande quantidade de energia para ser realizado.

Gráfico 14 – Subsídios de combustíveis fósseis em milhões de dólares (2010-2019)119

Fonte: Elaboração própria. Dados da AIE120

Mesmo assim, é válido destacar que os subsídios não são o único fator que impulsiona o rápido crescimento da demanda interna por petróleo e gás natural no âmbito da OPAEP. A mudança demográfica com mudanças nos padrões de vida que requerem um maior uso de energia no ambiente urbano, o crescimento populacional devido ao sucessivo fluxo de expatriados que chegam como mão-de-obra para trabalhar em países da região – mais especificamente na Península Arábica – bem como o processo de industrialização e a busca pela diversificação da economia, são também fatores que contribuem para o aumento da demanda energética. Desse modo, os baixos preços de combustíveis líquidos e da eletricidade cobrados aos consumidores funcionam como agravante ao uso sustentável da energia e encorajam o desperdício (CHARLES; MOERENBOUT; BRIDLE, 2014, P. 7).

119 A AIE não possuía estatísticas para a Síria. Como em outras fontes não foram encontrados dados complementares esse país não foi incluído na tabela.

120 Disponível em: Acesso em: 8 de outubro de 2020. Para acessar os dados é necessário efetuar o download do arquivo denominado IEA subsidies database. 219

Conforme elucidam El-Katiri e Fattouh (2015, p. 1), a prática de preços baixos para petróleo, gás natural e seus derivados faz parte de um tipo de contrato social não escrito, por meio do qual os governantes dividem com seus cidadãos a riqueza do petróleo, oferecendo para além de um baixo custo com combustíveis e eletricidade, benefícios de bem-estar em áreas como saúde e educação. Esse tipo de política interna nos países árabes exportadores de petróleo ganhou força a partir do Choque do Petróleo de 1973, quando as receitas com a venda desse recurso no mercado internacional enriqueceram muitos desses Estados após o valor do barril quadruplicar como resultado dos desdobramentos da Guerra do Yom Kippur. No entanto, Jim Krane, autor da obra Energy Kingdoms Oil and Political Survival in the Persian Gulf, publicada em 2019, afirma que esse tipo de política não surgiu de uma demanda dos cidadãos desses países, mas sim dos próprios governantes que visavam legitimar seus poderes, estabelecendo mecanismos justificáveis para lá permanecerem ao passo que inibiam a participação política de seus próprios povos.

Também é importante notar que os cidadãos na década de 1970 não clamavam por energia barata. Os governos decidiram fornecê-lo. Eletricidade e combustíveis são baratos hoje porque governos autocráticos exigem uma fonte de legitimidade para seu governo que não envolva um mandato das urnas. Em outras palavras, os subsídios existem não porque os cidadãos permanecem incapazes ou não querem pagar, mas porque o Estado não tem vontade de cobrá-los (KRANE, 2019, p. 96. Tradução nossa).

Esse mesmo autor também chama a atenção para o fato de que uma vez instituídos, e mantidos por décadas, esses subsídios foram transformados em benefícios difíceis de serem retirados. O que nasceu como um ato de benevolência estatal se converteu em direito adquirido para as gerações seguintes e em uma questão social sensível, pois é uma forma de evitar tributar os cidadãos e, assim, evitar sua participação, via pressão popular, em decisões políticas (KRANE, 2019, p. 62; 87-88). Em um documento preparado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em decorrência da reunião anual de ministros árabes das finanças do ano de 2017, foram elencados alguns motivos para a existência de subsídios para o setor de energia no mundo árabe, quais são: o fornecimento de energia barata 220 para residências, indústria e empresas com a finalidade de contribuir com o progresso econômico; proteção aos consumidores evitando, sobretudo, a volatilidade dos preços e trabalhando com um padrão de previsibilidade nesse sentido; fornecimento de acesso à energia aos cidadãos mais pobres; e distribuição da riqueza da produção de petróleo para os cidadãos nacionais dos países exportadores. Ainda assim, foram listados alguns efeitos colaterais agregados a esses benefícios, como por exemplo: o incentivo ao desperdício e ao consumo excessivo; o desencorajamento às companhias privadas interessadas em entrar no setor, entre elas as de energia renovável, pelo fato de haver uma competição desleal na conjuntura de preços; e tendência em favorecer os mais ricos, que por possuírem maiores reservas financeiras são dotados da capacidade de consumirem mais (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2017, P. 8). Krane (2019, p. 78) explica que a concessão de subsídios ligada à necessidade de os governantes autocráticos do Oriente Médio e do Norte da África se manterem no poder prejudica, no médio ou longo prazo, as receitas desses países tanto pela escolha de não taxar a população quanto pela erosão do volume de exportações em favor do consumo interno. Segundo ele, essa política gera um ciclo vicioso que por um lado mina a economia e por outro mina os recursos dos governos para manter a legitimidade política dos regimes da região. Nesse contexto, Yergin discorre sobre um tipo de compulsão descontrolada de gastos relacionada ao preço internacional do barril de petróleo, no qual os países árabes exportadores de petróleo acabam envolvidos. Uma espécie de “toque de Midas ao contrário”121, nas palavras do próprio autor. De acordo com ele, quando o barril é valorizado, os governos “são forçados pelas expectativas cada vez maiores da sociedade a aumentar seus gastos o mais rápido possível – concedendo mais subsídios, lançando mais programas, promovendo outros projetos grandiosos”. Contudo, quando o preço do petróleo é desvalorizado e as receitas diminuem, os governos costumam manter os mesmos ritmos de gastos, pois “orçamentos foram financiados, programas

121 De acordo com a mitologia grega, o rei Midas tinha a habilidade de transformar em ouro os objetos em que tocava. Já o “toque de Midas ao contrário” possui conotação no sentido inverso, transformando a riqueza em algo com pouco valor. 221 lançados, contratos aprovados, instituições estão em funcionamento, empregos foram criados, pessoas contratadas. Os governos precisam assumir gastos cada vez maiores. Caso contrário, enfrentarão violentas reações políticas e explosões sociais” (YERGIN, 2014, p. 119). O argumento de Yergin reflete a dificuldade que os Estados árabes exportadores de petróleo enfrentam para reformar seus sistemas de subsídio. Nesse contexto, o documento do FMI, ligado à reunião de ministros árabes de finanças em 2017, expõe as dificuldades desses países a partir do ponto de vista daqueles que se tornaram importadores de hidrocarbonetos e daqueles que produtores autossuficientes que em alguns anos podem ver sua capacidade produtiva ociosa reduzir, assim como sua capacidade de gerar receitas com exportação, devido ao estímulo para o crescimento do consumo interno. Desse modo, o texto da reunião dos ministros árabes explica que quando o preço do barril de petróleo encontra-se desvalorizado no mercado internacional “os importadores de petróleo parecem menos compelidos a reformar. Com uma diferença de preço menor, o custo fiscal de fornecer energia mais barata é menor e o custo econômico é mais contido”. Já quando se trata dos exportadores a premissa é a seguinte: “pelo contrário, os preços baixos do petróleo tendem a aumentar a urgência de reformas nos exportadores de petróleo, devido ao impacto da redução das receitas de exportação e do agravamento da situação orçamental” (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2017, P. 15). Não obstante, no século XXI – especialmente após 2014 quando o valor do barril de petróleo caiu vertiginosamente da casa dos US$ 100,00 para menos de US$ 50,00 – a absorção de custos por parte dos exportadores de petróleo da OPAEP, por ocasião dos subsídios, foi parcialmente interrompida por reformas de preços sem grandes levantes populares contra os governos que “desrespeitaram” o contrato social não escrito. Algumas dessas reformas progrediram e outras nem tanto. Ademais, muitos dos membros da OPAEP chegaram inclusive a introduzir impostos como o value-added tax (VAT) sobre derivados de petróleo (PWC, 2020)122.

122 Um tipo de imposto análogo ao Imposto sobre Valor Agregado, brasileiro. Os países que implementaram o VAT são: Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, EAU e Egito. É possível que Catar e Kuwait também assumam o VAT como tributo, pois há um compromisso no âmbito do CCG para que isto possa acontecer. Para Líbia e Iraque não há previsão para que esse imposto seja implementado e a PWC não possui informações concernentes à Síria. 222

Contudo, outros fatores além da desvalorização do barril contribuíram para que reformas nesse sentido viessem a ocorrer, entre eles a pressão de OIs como Banco Mundial, AIE, FMI, ONU e até mesmo a Liga Árabe. Ademais, grupos ligados à questão ambiental também pressionaram os Estados árabes, pois no caso da OPAEP, todos são signatários de tratados como o Acordo de Paris, que passou a vigorar em 2016, por exemplo. Contudo, é importante ressaltar que nem todos que assinaram prosseguiram com a ratificação desse tratado, como é o caso do Iraque e da Líbia (UNITED NATIONS TREATY COLLECTION, [201-?)]). No Norte da África uma das primeiras reformas ocorreu ainda em 2008, no Egito, em decorrência da crise econômica dos EUA, quando o então presidente Hosni Mubarak suspendeu a política de subsídios no setor energético forçando os preços para cima (VISENTINI, 2014, p. 158). Em 2014 houve um novo aumento de preços e foi anunciado um plano para eliminação de subsídios até 2017, cujo projeto original foi descontinuado devido à pressão popular. Em 2016 e 2017, foi a vez da Argélia reduzir os subsídios para energia elétrica e combustíveis (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2017, P. 15). Todavia, nesse mesmo ano, o valor da gasolina e do diesel permaneceu entre os menores do mundo (KRANE; MONALDI, 2017, p. 19; 25). Já a Líbia emplacou cortes de subsídios em petróleo e derivados no ano de 2005, restabelecendo-os em 2011, no período da Primavera Árabe. Dois anos após a queda de Gaddafi, em 2013, o então ministro do Petróleo e Gás, Abdelbari al-Arusi, anunciou o intuito de cortar subsídios relacionados à energia progressivamente até 2016, haja vista que a produção nacional havia se tornado alvo de contrabando para países vizinhos (DONATI; SHENNIB, 2013). Em julho de 2014 o governo local se comprometeu a substituir os baixos preços por benefícios em dinheiro até janeiro de 2015 (ARAAR; CHOUEIRI; VERME, 2015, P. 30-31) mas até a conclusão desta pesquisa não foi possível confirmar se isso foi realmente concretizado. Na sub-região do Oriente Médio Mesopotâmico, as intenções de reformas não avançaram de forma significativa devido à turbulência política da Primavera Árabe e seus desdobramentos, como guerra civil e combate contra grupos terroristas, como o EI. Em 2008, o governo sírio deu início a uma reforma de preços de combustíveis. El-Katiri e Fattouh (2012, p. 20) explicam que “os planos 223 originais eram aumentar os preços dos combustíveis a cada três meses até que eles atingissem os preços internacionais”. Porém, as dificuldades naturais desse processo e os protestos populares da Primavera Árabe em 2011 interromperam os planos de Damasco. No caso do Iraque, em 2015 o governo central aumentou a tarifa de energia elétrica e em poucos meses recuperou custos nesse setor de até 50% em relação ao preço anteriormente praticado (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2017, P. 16). Na Península Arábica, o primeiro movimento de reformas ocorreu nos EAU, mais especificamente no emirado de Dubai, em 2009, por ocasião dos reflexos da crise financeira norte-americana de 2008. Nessa ocasião, o governo local implantou medidas de austeridade elevando as tarifas de eletricidade e água para estabelecimentos comerciais, industriais e residências de estrangeiros, mantendo os cidadãos nativos de fora dessas medidas. As residências de emiradenses seriam incluídas nas reformas em 2011, pois o custo do gás natural importado pelo emirado foi repassado a todos e pela primeira vez os cidadãos locais receberam tarifas por consumo de água, até então gratuita desde a fundação do sistema de distribuição hídrica em 1968. A cobrança sobre os cidadãos não progrediu devido às consequências da Primavera Árabe, com o governo relaxando as reformas com o intuito de conter levantes populares como os que ocorreram na Tunísia, Egito e Bahrein, por exemplo. Em 2015, foi a vez do emirado de Abu Dhabi passar a cobrar o consumo de água pela primeira vez, assim como Dubai havia feito em 2011, e aumentar as tarifas de energia elétrica sobre todos os cidadãos, porém os nativos receberam contas com valor inferior. Em 2017, apenas os estrangeiros tiveram aumento em suas contas de luz. Os outros emirados também assumiram práticas semelhantes, com os residentes emiradenses sempre recebendo tarifas diferenciadas (KRANE, 2019, P. 104-106; 147). Essa diferenciação tarifária para estabelecimentos comerciais, indústria, residentes expatriados e cidadãos locais caracteriza um tipo de subsídio normalmente conhecido como subsídio cruzado, uma vez que os valores menores que são pagos pelos locais é compensado pelos valores maiores dos outros grupos. Os subsídios cruzados sobre energia não são uma prática incomum nos países árabes (EL-KATIRI; FATTOUH, 2015, p. 1). 224

Na Arábia Saudita as reformas começaram a ser implementadas em 2016. O objetivo era equiparar os preços da energia com o praticado no mercado internacional com um programa de compensação em dinheiro com depósitos mensais para as famílias sauditas mais pobres. Em 2018 foram implementados outros programas de reformas sobre combustíveis e eletricidade, com o programa de assistência aos residentes locais menos abastados sendo mantido. Em 2016 o Bahrein também iniciou reformas tributárias aumentando o preço de combustíveis pela primeira vez desde a década de 1980 (KRANE, 2019, P. 125- 126; 146). Em seu turno, o Catar, é o país do Golfo em que o consumo de água e eletricidade não é cobrado para os habitantes cataris. Ainda assim, em 2014 o preço dos combustíveis foi aumentado para os expatriados. Segundo Krane e Monaldi (2017, p. 18), há o interesse por parte de Doha de indexar o valor de combustíveis ao mesmo nível do mercado internacional, mas ainda não é possível avaliar em que medida os cidadãos nativos participariam de reformas futuras de subsídios para energia nesse país. Já o Kuwait foi o país da Península Arábica com menos ajustes em relação aos preços de recursos energéticos. Isso porque o sistema político interno requer que as decisões do emir – no caso dos subsídios consideradas como impopulares – passem pela aprovação do parlamento. Apesar disso, esse Estado árabe em 2015 e 2016 promoveu aumentos nos preços da gasolina e do diesel e, em 2017, no preço da eletricidade e da água. A água, assim como nos outros países do Golfo, é largamente distribuída pelas cidades graças às plantas de dessalinização movidas majoritariamente por combustíveis fósseis como o petróleo e o gás natural (KRANE, 2019, P. 141). As reformas relacionadas a subsídios no âmbito da OPAEP mesmo que tenham gerado descontentamento não resultaram em grandes levantes populares contra os governos que romperam parcialmente o contrato social vigente. De acordo com El-Katiri e Fattouh (2015, p. 11), no caso do Egito isso se deu porque “as medidas de reforma foram anunciadas após uma onda de fervor nacionalista que viu o presidente al-Sisi123 assumir o poder, com forte apoio de sua base para o ataque à Irmandade Muçulmana”, o que segundo os

123 Abdul Fatah Khalil Al-Sisi assumiu a presidência do Egito em 2014 e até o término desta pesquisa ainda exercia esse cargo em seu país. 225 autores indicaria que a população estaria disposta a fazer sacrifícios e, também, estaria desencorajada devido à repressão do governo contra a Irmandade e seus apoiadores. Mesmo assim, o projeto de reformas não seguiu o planejamento inicial devido à insatisfação de alguns seguimentos da sociedade egípcia. No caso dos países do Golfo, Krane (2019, p. 153), relata dois motivos básicos pelos quais as populações locais não se rebelaram contra seus governos, mesmo que tenha havido descontentamento. O primeiro tem a ver com o crescimento das economias locais, pois na segunda década do século XXI há mais oportunidade de emprego e as famílias possuem mais renda do que na década de 1970. Ademais, os cidadãos locais foram menos afetados do que os estrangeiros, ou seja, o status de privilegiados dos nativos foi mantido. Já o segundo motivo diz respeito à repressão estatal existente no que tange ao cumprimento de regras religiosas e acesso às redes sociais, por exemplo. Isso sem contar que após a Primavera Árabe muitos países da região aperfeiçoaram sua capacidade de vigilância e de se anteciparem a levantes populares. Assim, mais do que gerar receitas por meio da adoção de impostos ou racionalizar o consumo doméstico, as reformas de subsídios ligadas ao petróleo e ao setor energético como um todo – com a introdução de fontes complementares como renováveis e nuclear – também visam resguardar a produção petrolífera nacional e dirigi-la para o mercado de exportação onde o barril é comumente negociado em dólares. Ademais, para alguns Estados da OPAEP, a capacidade de exportar a capacidade ociosa, bem como o volume comercializado no mercado externo gera muito mais do que receitas, concedendo a eles capital político e relevância geopolítica, atraindo o interesse por parcerias estratégicas com superpotências mundiais como os EUA em diferentes setores, entre os quais o de Defesa. Esse é o caso da Arábia Saudita, um país árabe que em diferentes momentos históricos atuou como swing producer, ou produtor de ajuste, no mercado global de petróleo. A relevância da Arábia Saudita na geopolítica do petróleo e seu papel como possível garantidora desse mercado, que é um dos objetivos específicos desta pesquisa para analisar a segurança energética em nível internacional, são discutidos com maior profundidade no próximo capítulo.

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Considerações finais Os países árabes da OPAEP, embora em sua maioria sejam importantes exportadores internacionais de petróleo, são também grandes consumidores de hidrocarbonetos para atender as demandas energéticas de suas populações e suas atividades econômicas. A dependência do petróleo e do gás natural para consumo doméstico é, em larga medida, prejudicial para a saúde econômica e, no médio prazo, para geração de receitas e para o crescimento do PIB da maior parte dos afiliados da OPAEP. Desse modo, a maior parte dos membros dessa OI de exportadores de petróleo tem buscado diversificar sua matriz energética a fim de ampliar a oferta de eletricidade e resguardar a produção petrolífera para o mercado internacional. Enquanto no Norte da África Egito e Argélia possuem programas de diversificação de energia mais avançados, a instabilidade política que tomou a Líbia desde a Primavera Árabe fez desse país o mais atrasado entre os três pertencentes a essa sub-região para implementação de fontes renováveis em seu grid de energia. Mesmo assim, a REAOL tem lançado planos e metas que não podem ser desconsideradas para os próximos anos. A sub-região do Oriente Médio Mesopotâmico se diferencia das outras duas sub-regiões da OPAEP pelo fato de Síria e Iraque possuírem acesso a fontes hídricas, graças aos rios Tigre e Eufrates. A outra grande fonte fluvial dos países da OPAEP se encontra no rio Nilo, no Egito, ao passo que a Argélia, outro Estado norte-africano que opera hidroelétricas, tem uma de suas principais barragens em Ighil Emda, que é um lago e não um rio. Entretanto, Síria e Iraque foram dois dos países que enfrentaram mais consequências negativas derivadas da Primavera Árabe, com guerras civis e com partes de seus territórios e infraestruturas críticas de energia chegando a ser ocupados pelo EI. Esses fatores atrasaram os programas de diversificação das matrizes energéticas desses países e os mantiveram largamente dependentes dos hidrocarbonetos – inclusive de importação no caso da Síria – para geração de eletricidade. Já na Península Arábica, ao mesmo tempo que países como o Catar entendem não ser necessários grandes investimentos para aumentar sua matriz energética interna, pelo fato de o gás natural ser compreendido como uma fonte limpa e o consumo local não prejudicar as exportações devido à pequena população do país, Estados como os EAU despontam entre os mais avançados 227 no que diz respeito à diversidade de fontes energéticas. Os EAU, que sediam a AIER, além de criarem usinas solares e eólicas também têm investido em cidades sustentáveis como propaganda de energia renovável. Aliado a isso, os emiradenses foram os primeiros detentores de um programa nuclear em operação em todo o mundo árabe após a inauguração do reator Barakah 1, em agosto de 2020. Sem embargo, mesmo os países que mais avançaram no que tange à diversificação de suas matrizes energéticas internas se deparam com desafios, especialmente no que diz respeito às fontes renováveis solar e eólica. Duas características inerentes a essas fontes são a diluição e a intermitência. Desafios esses que limitam sua confiabilidade para geração de energia. Todavia, o maior obstáculo para ampliação do leque de fontes geradoras de energia nos Estados afiliados à OPAEP são os subsídios governamentais para petróleo e gás, uma vez que geram concorrência desleal com companhias privadas que se interessem por investir no setor energético desses países e, também, por estimularem, de forma indireta, o desperdício e o consumo excessivo de combustíveis e eletricidade. Apesar do avanço de alguns na diversificação de fontes energéticas em ambiente doméstico, a compreensão institucional da OPAEP é que a energia renovável permanecerá como complementar e não uma alternativa viável ao petróleo e ao gás natural nas próximas décadas. No entanto, investir em usinas solares e eólicas que são fontes abundantes no Oriente Médio, bem como em hidroelétricas, dependendo das condições geográficas dos países, e de seus compromisso internacionais, no caso da energia nuclear, é um passo essencial para proteger as exportações, garantir receitas em dólares e preservar o status geopolítico dos países árabes exportadores de petróleo. O maior exemplo nesse sentido é a Arábia Saudita, que em diferentes situações já lançou mão de sua produção petrolífera como instrumento de política externa, inclusive para estabilizar o mercado mundial de petróleo.

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CAPÍTULO V

Arábia Saudita: Afiançadora da Segurança Energética Internacional?

Considerações Iniciais Com finalidade de atender um dos objetivos específicos desta pesquisa, que é discutir o papel da Arábia Saudita como afiançadora da segurança energética internacional em um mundo de natureza interdependente no que tange ao mercado petrolífero internacional, neste capítulo é examinado o comportamento desse Estado árabe em situações de crises energéticas internacionais de abastecimento, de excesso de oferta e de embate de interesses entre países produtores árabes e não árabes no âmbito da OPEP. A OPEP e não a OPAEP, foi escolhida como ambiente de análise da atuação da Arábia Saudita como possível afiançadora da segurança energética internacional porque é a partir de decisões dessa OI que os países árabes da OPAEP adotam medidas políticas, como a definição de um preço base para o barril de petróleo, para o mercado internacional além do mundo árabe. Aqui ressalta-se que a não afiliação de Síria, Bahrein e Egito à OPEP não impede que esses países participem de suas conferências como observadores. Posto isso, o presente capítulo encontra-se dividido em quatro tópicos. O primeiro deles faz menção ao desenvolvimento da indústria petrolífera saudita desde os anos 1930, quando foi descoberta e explorada a primeira jazida de petróleo do Reino. O tópico seguinte, trata sobre o aumento da relevância saudita no mundo do petróleo antes e durante o Choque do Petróleo de 1973. O terceiro item apresenta casos históricos em que a Arábia Saudita atuou como produtor de ajuste ou swing producer, que é o termo mais utilizado no capítulo por ser um vocábulo conhecido internacionalmente, buscando recompor a produção petrolífera no mercado em períodos de escassez de oferta, estabilizá- lo, em momentos de excesso de oferta, e reprimir atitudes de outros países produtores e exportadores de petróleo em situações que suas ações atingissem os interesses de Riad. Por fim, o quarto e último tópico do capítulo, tem como 229 função diagnosticar possíveis ameaças internas e externas ao papel de swing producer do país.

1. O início da indústria petrolífera na Arábia Saudita No dia 18 de setembro de 1932 foi declarada a fundação do Reino da Arábia Saudita pelo rei Abd al-Aziz al-Saud, comumente conhecido como Ibn Saud, o primeiro monarca do Estado moderno da Arábia Saudita. o estabelecimento do Reino se deu após décadas de batalhas na Península Arábica envolvendo Ibn Saud e outros emires da região, especialmente depois da queda do Império Otomano, após a I Guerra Mundial, quando também ocorreram batalhas com o Império Britânico apoiando, em larga medida, o exército de Ibn Saud. A conquista da região do Hejaz, banhada pelo Mar Vermelho na parte ocidental da Península, conferiu a Ibn Saud a possibilidade de arrecadar rendimentos da peregrinação de fiéis às cidades sagradas de Meca e Medina. Porém, com a crise financeira de 1929 o número de peregrinos que viajava para lá caiu e, consequentemente, as receitas do Reino também. De acordo com Al- Rasheed (2010, p. 89), enquanto cerca de 100.000 peregrinos visitavam Meca no final da década de 1920, em 1933 apenas 20.000 pessoas fizeram a peregrinação, o que representava uma redução de quatro quintos em apenas treze anos. A crise abateu a economia do Reino em um momento de consolidação do poder de Ibn Saud. O anúncio de que a companhia norte-americana Standard Oil of California (SOCAL) havia encontrado petróleo no Bahrein, em maio de 1932, aguçou a intenção do rei de obter uma nova fonte de receitas124. O problema era que para haver prospecção no Reino era necessário a participação de mão-de-obra e tecnologia estrangeira, algo que não era bem recebido por muitos clérigos wahhabistas do círculo mais próximo de Ibn Saud, que já criticavam a introdução do rádio e meios de transporte terrestre e aéreo como invenções diabólicas que funcionavam de forma contrária à vontade divina

124 O Bahrein foi o primeiro país árabe do Golfo onde foi descoberto e prospectado petróleo. No entanto, no âmbito da OPAEP, a primeira descoberta ocorreu no Egito, em 1907, com a produção em nível comercial tendo seu início em 1914.

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(VASSILIEV, 2000, p. 545). Por isso, empreender negociação com uma empresa secular e ocidental, originária de algum país de população majoritariamente cristã requereria uma justificativa religiosa por parte da monarquia saudita para fundamentar a legitimidade das negociações com os “infiéis”. A justificativa veio em uma sexta-feira de orações no primeiro semestre de 1933, quando o próprio Ibn Saud leu a surata corânica 109, que trata sobre os “incrédulos”.125 Após um período de negociações com a SOCAL no início de 1933, que possuía interesse em explorar al-Hasa – atualmente conhecida como Província Oriental – em particular Dammam (área geograficamente mais próxima do Bahrein, portanto com maior possibilidade de haver um campo contínuo de petróleo), um acordo de concessão foi fechado no segundo semestre. O contrato com a SOCAL concedeu à empresa o direito exclusivo por um período de 60 anos, ou seja, até 1993, de “explorar, prospectar, perfurar, extrair, tratar, fabricar, transportar, negociar, levar embora e exportar petróleo e derivados de petróleo”, bem como de preferência para concessões futuras e de criar estruturas para realização desses objetivos. Em 1936 a SOCAL vendeu 50% da companhia para a Texaco. Em 1938 foi prospectado petróleo em quantidade comercial e no dia 1 de maio de 1939 o primeiro petroleiro com óleo saudita suspendeu de um porto da Península Arábica. (VASSILIEV, 2000, p. 646-648; 650). Com o estabelecimento do contrato com a SOCAL, a empresa instalou uma subsidiária no Reino denominada California-Arabian Standard Oil (CASOC) e que a partir de 1944 teria seu nome alterado para Arabian American Oil Company (ARAMCO). Em 1980, após Riad completar o processo de nacionalização da companhia, a ARAMCO foi rebatizada como Saudi Aramco. O início da Segunda Guerra Mundial prejudicou as exportações sauditas para a Europa. Em 1940, além de mais uma vez o número de peregrinos ter sido reduzido por ocasião da guerra, houve também um declínio na produção da

125 Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso. 1 Dize: Ó incrédulos, 2 Não adoro o que adorais, 3 Nem vós adorais o que adoro. 4 E jamais adorarei o que adorais, 5 Nem vós adorareis o que adoro. 6 Vós tendes a vossa religião e eu tenho a minha (ALCORÃO SAGRADO. Surata 109).

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CASOC, o que levou Ibn Saud a se voltar para Londres em busca de auxílio financeiro, já que a SOCAL e a Texaco resistiam em oferecer empréstimos em um período de baixa demanda. Com o temor de perderem a concessão para os ingleses, ambas pediram ajuda ao governo, mas nem mesmo o Congresso dos EUA se propôs a conceder empréstimo por meio do programa Lend-Lease, de auxílio financeiro em período de guerra, já que este era destinado exclusivamente para os Aliados, com um regime político democrático (YERGIN, 2010, p. 442-443). Porém em fevereiro de 1943 o presidente Franklin D. Roosevelt autorizou auxílio financeiro a Riad através do Lend-Lease e declarou que “a defesa da Arábia Saudita é vital para a defesa dos Estados Unidos” (OFFICE OF THE HISTORIAN, 1964, p. 1874). No mesmo ano de 1943, a CASOC passou a atender a demanda de governos e Forças Armadas dos Aliados nos conflitos na Europa e, também, no Pacífico, tendo em vista que o Império do Japão havia assumido controle de territórios produtores na região, como os da Indonésia e da Birmânia (VASSILIEV, 2000, p. 662). Os EUA passaram a vislumbrar o petróleo saudita como possibilidade reserva de abastecimento para as suas necessidades e atividades civis e militares continentais e extracontinentais, inclusive com um plano de aquisição de parte da CASOC, rapidamente repudiado por outras companhias privadas do país. Nesse período havia o temor de que os EUA, por financiarem a maior parte do esforço de guerra na Europa, até mesmo com seus recursos naturais, como o petróleo, em breve teria muitas de suas reservas exauridas, assim, logo dependeriam de reservas do exterior. À época, Damman era o campo petrolífero fora da América do Norte com o maior potencial produtivo. O maior, com capacidade de 110 mil barris diários, havia sido descoberto pelo geofísico Everette Lee DeGolyer no México, o pioneiro no uso do sismógrafo para a indústria do petróleo. Após retornar de viagem da Península Arábica em janeiro de 1944, DeGolyer estimou que os países do Golfo detinham cerca de 25 bilhões de barris em reservas prováveis e comprovadas, sendo que somente a Arábia Saudita possuiria 5 bilhões (YERGIN, 2010, p. 440), o equivalente à estimativa de reservas brasileiras em 1992 e superior a todo histórico da Austrália até 2019, segundo o BP Statistical Review of World Energy 2020. Em 1943 os depósitos de petróleo nos EUA eram aproximadamente de 20 bilhões de barris (VASSILIEV, 2000, p. 663). 232

O dia 14 de fevereiro de 1945 marcou o início da concretização dos interesses de convergência entre Arábia Saudita e EUA. Nessa data, o presidente Roosevelt, em viagem secreta após sua participação na Conferência de Yalta, recebeu Ibn Saud a bordo do cruzador Quincy ancorado no Grande Lago Amargo, no Canal de Suez. O memorando oficial dos EUA sobre o encontro dos dois chefes de Estado menciona três assuntos principais discutidos por ambos: 1) a questão dos judeus refugiados na Europa e migração para a Palestina; 2) a garantia de independência da Síria e do Líbano, cujas lideranças encontravam-se em disputa com o mandato francês no local; 3) o aperfeiçoamento da utilização de recursos hídricos para o desenvolvimento agrícola árabe (OFFICE OF THE HISTORIAN, 1969, p.15-17). Não existe registro de que o assunto petróleo tenha sido discutido a bordo do Quincy, todavia autores como Matthew Simmons, que chegou a servir como conselheiro de assuntos relacionados à energia do presidente George W. Bush, e Bruce Riedel acreditam que durante as cerca de cinco horas de conversas o assunto tenha sido abordado.

Seria estranho se isso não acontecesse. Uma empresa petrolífera americana havia feito as duas primeiras descobertas significativas de petróleo na Arábia Saudita vários anos antes, e um campo estava em produção. Abd al-Aziz estava ansioso para desenvolver ainda mais os laços da Arábia Saudita com os Estados Unidos como um equilíbrio para a forte influência britânica na região (SIMMONS, 2005, p. 12. Tradução nossa).

Riedel (2018, p. 3-4), por sua vez, acredita que na ocasião o presidente pensava em petróleo pelo fato de os governos e as forças combatentes terem dependido em larga escala do petróleo como recurso essencial para a sustentação do esforço de guerra.

No auge das operações militares em 1944 na Europa, por exemplo, a exigência diária de petróleo para o Exército e a Força Aérea dos Estados Unidos exatamente naquele teatro do conflito global era quatorze vezes a quantidade total de gasolina embarcada para a Europa na Primeira Guerra Mundial. Em 1945, cerca de 7 bilhões de barris de petróleo haviam sido necessários para apoiar o esforço de guerra dos Aliados. A produção doméstica americana forneceu dois terços da produção global e as refinarias americanas quase todo o produto refinado. Especialistas norte-americanos já acreditavam que a Arábia Saudita provaria ser o lar de vastas quantidades de reservas de petróleo ainda não comprovadas. O reino importava 233

enormemente para a energia do pós-guerra (RIEDEL, 2018, p. 4. Tradução nossa).

O rei também necessitava do petróleo para equilibrar as finanças de seu reino. A queda nas receitas da peregrinação e a incipiente indústria petrolífera prejudicadas pela guerra haviam deteriorado a situação financeira saudita. Os britânicos que até os anos 1940 eram os principais aliados dos sauditas também precisavam se recuperar dos gastos da guerra. Portanto, os EUA eram a principal opção de auxílio para o país até que Riad lograsse sua independência financeira. Além disso havia o temor quanto a vulnerabilidade de seu território e a percepção de ameaça externa em relação aos hachemitas126 da Jordânia e do Iraque; do Iêmen e até mesmo do Império Britânico que ainda mantinha forte presença na região. A partir do encontro entre Ibn Saud e Roosevelt foi estabelecido um pacto de que os EUA garantiriam a segurança da Arábia Saudita enquanto Riad assegurariam o acesso norte-americano aos campos de petróleo nacionais. Alguns dias depois do encontro com Roosevelt, o Primeiro-Ministro britânico Winston Churchill também encontrou Ibn Saud, porém não obteve sucesso político significativo e nem o agrado do rei, que conforme relato de William A. Eddy, terceiro embaixador dos EUA para a Arábia Saudita, se impressionou muito mais com o presidente norte-americano:

O contraste entre o Presidente e o Sr. Churchill é muito grande. O Sr. Churchill fala de maneira maliciosa, evita o entendimento, muda de assunto para evitar compromisso, forçando-me a voltar ao assunto. O presidente busca compreensão nas conversas; seu esforço é fazer as duas mentes se encontrarem; para dissipar as trevas e lançar luz sobre o assunto. (OFFICE OF THE HISTORIAN, 1969, p. 26. Tradução nossa).

Após a morte de Ibn Saud em 1953, seu filho mais velho Saud bin Abd al- Aziz al-Saud, mais conhecido como Saud, assumiu o trono.127 Nesse período,

126 Hachemitas são os filhos de Hâshim, que são um grupo descendente de Hashim ibn Abd Manaf, bisavô do profeta Maomé. O rei Abdullah II da Jordânia, no poder desde 1999, é um hachemita (SOURDEL; SOURDEL, 1996, p. 323).

127 Desde a morte de Ibn Saud em 1953, o Reino foi governando por seis reis, todos seus filhos: Saud (1953-1964), Faisal (1964-1975), Khalid (1975-1982), Fahd (1982-2005), Abdullah (2005- 2015) e Salman (2015 – presente). 234 as receitas oriundas da exportação de petróleo aumentaram e as exportações da ARAMCO atingiram os 308,3 milhões de barris (AL-RASHEED, 2010, p. 91). O período de reinado de Saud (1953-1964), foi um período de austeridade financeira e de disputa interna pelo poder entre o rei e seu irmão, o príncipe herdeiro Faisal. De acordo com Riedel (2018, p. 32), ao mesmo tempo que o rei dispendia grande parte do dinheiro em palácios e confortos pessoais, as dívidas do país mais que dobraram, saltando de US$ 200 milhões para US$ 480 milhões. Nesse contexto, em 1957, a Arábia Saudita passou a fazer parte do FMI e adotou um programa de austeridade e estabilização econômica que previa uma redução nos gastos internos para o nível das receitas, controlando as despesas em áreas diversas que iam desde a construção de palácios até a assistência social para as camadas mais pobres da população (VASSILIEV, 2000, p. 730). Diante desse cenário, o governo teve que suspender projetos à medida que perdia credibilidade para adquirir empréstimos internacionais.

O conflito entre os dois irmãos é frequentemente descrito como originário do desejo de Faisal de conter os gastos de seu irmão e resolver a crise financeira da Arábia Saudita. Acredita-se que as finanças do governo tenham sido a motivação por trás das sucessivas tentativas de Faisal de marginalizar o rei e limitar seus vários poderes. A crise, no entanto, não foi apenas econômica e financeira, mas também política e social (AL- RASHEED, 2010, p. 103. Tradução nossa).

Em 1964, com apoio de outros príncipes, que viriam a se tornar reis mais tarde, ou que viriam a ocupar cargos-chave na administração do Reino, bem como dos clérigos sunitas wahhabistas, Saud seria obrigado a abdicar do trono e viver em exílio no exterior até sua morte em janeiro de 1969, na Grécia. Foi a partir da assunção de Faisal ao trono que a Arábia Saudita encontrou no petróleo um dos principais artifícios para a estabilidade nacional, política e financeira, ao mesmo tempo que passaria a utilizá-lo como instrumento diplomático para beneficiar ou punir países produtores e consumidores de petróleo.

2. A Arábia Saudita detém o poder do petróleo Foi durante o reinado de Faisal que o petróleo se tornou um dos principais ativos econômicos para a estabilização da política interna. Após os embates com Saud enquanto era príncipe herdeiro, Faisal consolidou seu poder e até sua 235 morte em 1975 – quando foi assassinado por um sobrinho – o rei colheu os frutos da indústria petrolífera e das receitas governamentais por ela gerados. O reinado de Faisal é comumente reconhecido como aquele que estabilizou a política interna do Reino definindo as condições para as sucessões de reis até Salman; que impôs sua vontade ao presidente Nasser do Egito durante a Conferência da Liga Árabe de Cartum em 1967 no que dizia respeito ao conflito no Iêmen (ver capítulo 1); e que tornou seu país em um player mundial na geopolítica do petróleo, tanto a nível regional quanto em nível mundial.

Quando Faisal morreu, o Reino estava verdadeiramente transformado. A monarquia estava solidamente instalada, a economia em expansão e o país se tornara um ator mundial. Faisal nomeou seus meios-irmãos para cargos de autoridade, que eles ocupariam pelo próximo meio século, incluindo quatro que seriam reis: Khalid, Fahd, Abdallah e Salman. Ele criou o moderno sistema ministerial que governa o Reino até hoje. Os militares se tornaram uma instituição leal do Estado. As escolas foram abertas para milhões de jovens sauditas, incluindo mulheres e outros, que tiveram a oportunidade de estudar no exterior (RIEDEL, 2018, p. 55. Tradução nossa).

Entretanto, não é honesto afirmar que foi exclusivamente a capacidade administrativa de Faisal, enquanto príncipe herdeiro e rei, que intensificou a produção do país, uma vez que o aumento de produção já vinha se mostrando uma tendência mundial e, particularmente, regional desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Outro fator importante que deve ser mencionado é que enquanto a produção saudita em menos de dez anos mais do que triplicou, a dos EUA, que até o princípio dos anos 1960 era o principal exportador mundial de petróleo, alcançou seu pico produtivo em 1970, tornando-se, em seguida, em um grande importador de petróleo para satisfazer a demanda interna. O crescimento da oferta de petróleo da Arábia Saudita, em conjunto com a velocidade com que a ARAMCO explorava as reservas da Província Oriental, cobrou um alto preço dos campos petrolíferos locais, forçando seus limites físicos e levando-os a um estado de alerta que chegou a se tornar alvo de investigação do senados dos EUA. De forma que, segundo Matthew Simmons, o embargo da OPAEP de 1973 foi, em certa medida, benéfico para a saúde dos reservatórios nacionais, com os cortes de produção conferindo um algum tempo de recuperação para eles.

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O Rei Faisal acidentalmente resolveu o risco de superprodução de campos de petróleo sauditas por um breve período de tempo quando iniciou o embargo de petróleo no Oriente Médio. Porém, se esse embargo político não tivesse ocorrido, agora parece claro que a produção de petróleo da Arábia Saudita teria sido brevemente reduzida por razões completamente diferentes. (SIMMONS, 2005, p. 52. Tradução nossa).

A crescente capacidade produtiva aliada à quadruplicação do preço de comercialização do barril de petróleo pós Choque de 1973, que saltou de US$2,90 em outubro para US$11,65 em janeiro do ano seguinte, proporcionou maiores receitas aos cofres de Riad e maiores investimentos do governo de Faisal em infraestrutura “a economia saudita tornou-se um motor de crescimento, transformando o país com aeroportos, portos de embarque e rodovias” (RIEDEL, 2018, p. 55). Nesse contexto, al-Rasheed (2010, p. 118; 122) chega a comentar que o crescimento das receitas sauditas e as reformas econômicas, sociais e estruturais implementadas por Faisal, derivadas do crescimento das receitas do petróleo na década de 1970, consolidaram tanto o Estado criado em 1932 quanto uma família real coesa em torno dos interesses econômicos. Com isso, as disputas entre membros da família real ficaram em segundo plano, pois o mercado de petróleo desenvolvido no Reino passou a ser entendido como um negócio de família. Muito mais do que isso, o embargo de 1973 deixou evidente que entre os produtores árabes, a Arábia Saudita era o país mais qualificado para afetar o mercado global com cortes de produção devido ao seu volume produtivo, como mostra o gráfico abaixo:

237

Gráfico 15 – Participação, por país, na produção de petróleo da OPAEP em 1973

Fonte: Elaboração própria. Dados do BP Statistical Review of World Energy 2020128

É razoável afirmar que sem a participação saudita, o Choque do Petróleo de 1973 não teria ocorrido, pois nesse ano a Arábia Saudita já possuía o poder de coerção por meio do petróleo como instrumento de hard power, conforme abordado no capítulo 2. A partir do próximo tópico a linearidade da história do petróleo na Arábia Saudita dá lugar a casos em que a Arábia Saudita agiu como swing producer utilizando o petróleo como artifício político para punição ou estabilização do mercado internacional.

3. A aplicação do poder do swing producer Swing Producer, ou produtor de ajuste, é um termo normalmente empregado para designar um grande produtor de uma determinada commoditty, com um grande volume de reservas comprovadas, capacidade de produzir e exportar grande quantidade daquilo que produz, bem como de influenciar o mercado internacional ajustando os preços para baixo ou para cima com o intuito de garantir sua fatia de mercado contra outros produtores e/ou outras fontes de

128 Disponível em: Acesso em 25 de junho de 2020. Não foram encontrados dados relacionados à produção do Bahrein para o período. Todavia é sabido que ela foi a menor entre todos os países da OPAEP. 238 energia. No caso do petróleo, a Arábia Saudita é considerada como o swing producer desde a primeira metade da década de 1970. Um swing producer para ser considerado como tal, em conformidade com Berman (2016) deve reunir os seguintes atributos: ser um exportador líquido de petróleo; deter uma capacidade ociosa de produção para equilibrar a relação entre oferta e demanda em períodos de pico ou colapso de preços; ser capaz de produzir esse excedente ocioso no curto prazo para atender a demanda internacional em períodos de interrupção do fluxo; possuir um baixo custo de produção; e reservas financeiras que possam amenizar a economia interna em períodos em que precisar forçar o preço do petróleo para baixo em situações de alta descontrolada do barril, para assim manter sua fatia de mercado e impedir a entrada de outros competidores. Ainda de acordo com Berman (2016), nenhum grande produtor de petróleo pode ser o swing producer sozinho, pois sua produção ou disrupção do seu fluxo, embora possa instigar o mercado, não é capaz de manipulá-lo além de um curto período de tempo. Assim sendo, “no mundo real, um swing producer é um eufemismo para um cartel”. Nesta pesquisa, no entanto, a argumentação do autor, embora seja calcada em observação da realidade – já que a Arábia Saudita exerce esse papel no âmbito da OPEP – não pode ser tomada como absoluta pelo fato de os carteis, ou organizações de produtores de petróleo, como a OPAEP e a OPEP não serem ambientes de cooperação total. Ao contrário disso, tais organizações são comumente reconhecidas como ambientes de disputas nos quais seus membros com percepções e expectativas distintas procuram, em primeiro lugar, atender seus próprios interesses, como já observado previamente no capítulo 1. Nesse sentido, John D. Morecroft, professor e pesquisador da London Business School, escreveu em 1990, em conjunto com Kees van der Heijden, da Shell, um artigo intitulado Modelling the Oil Producers, onde distinguiu três tipos de produtores, a saber: O swing producer; os oportunistas, que com o swing producer formam a OPEP; e os independentes, que representam todos os outros produtores privados e estatais que não fazem parte da organização. Desse modo, é possível observar que Morecroft e van der Heijden, ao contrário de Berman, reconhecem que mesmo na OPEP existe um produtor que se distingue dos outros, a Arábia Saudita, que atua como o swing producer. Então, 239 complementando a observação quanto à discordância parcial com Berman no parágrafo anterior, é possível afirmar que o swing producer não é necessariamente um cartel (o que não impede que um cartel também o seja) e sim que ele é um produtor diferenciado com todas as outras qualidades pontuadas pelo autor. Dessa forma, esse produtor diferenciado potencializa sua capacidade de influenciar o mercado através da cooperação com os produtores oportunistas. Morecroft, tanto no artigo supracitado quanto em seu livro Strategic Modelling and Business Dynamics, argumenta que o swing producer atua essencialmente em dois modos, que são o modo estabilizador e o modo punitivo ou coercitivo.

Na maioria das vezes, a Arábia Saudita está no modo estabilizador, cumprindo e apoiando as cotas de produção estabelecidas pela OPEP. Ocasionalmente, a Arábia Saudita muda para o modo punitivo, abandonando as cotas acordadas e aumentando rapidamente a produção para disciplinar os outros produtores. (MORECROFT, 2015, p. 286. Tradução Nossa).

Na mesma linha de pensamento, porém com nomenclaturas diferentes, Claes afirma o seguinte:

No caso de um produtor de petróleo hegemônico (...), a estratégia benevolente assume a capacidade de reduzir uma quantidade substancial da produção total de petróleo, a fim de aumentar ou sustentar os preços. (...) Uma estratégia coercitiva assume a capacidade de aumentar a produção. No curto prazo, isso significa capacidade ociosa disponível; a médio prazo, significa capacidade de aumentar a produção nos campos existentes a partir de reservas prontamente desenvolvidas. A estratégia coercitiva também pressupõe a capacidade de sobreviver ao baixo preço do petróleo, que provavelmente se seguirá do aumento da produção. Em outras palavras, os custos operacionais de produção devem ser relativamente baixos em comparação com os de outros produtores. (CLAES, 2001, p. 203. Tradução Nossa).

Enquanto Morecroft utiliza o termo “modo estabilizador” (swing mode no original), Claes usa “estratégia benevolente”. Por outro lado, onde o primeiro usa “modo punitivo”, o outro utiliza “estratégia coercitiva”. Como não se propõe julgar se uma ou outra maneira de se referenciar aos tipos de atuação do “swing producer”, ou “produtor de petróleo hegemônico” é certa ou errada, optou-se por utilizar os termos de Morecroft, pois ele é um dos precursores dos estudos sobre 240 swing producer no ramo do petróleo, o que não significa que a contribuição de Claes deva ser de forma alguma dispensada. Aqui se trata apenas da questão do emprego de terminologia. Além dos modos já mencionados, é possível afirmar que a Arábia Saudita também opera como repositora do mercado, isto é, quando um fornecedor – independente do motivo – deixa de ofertar o volume comum de sua produção para os mercados consumidores, os sauditas lançam mão de sua capacidade produtiva ociosa para equilibrar os preços internacionais. Esse é um tipo de procedimento diferente da estabilização por cotas, pois normalmente não é realizado a partir de coordenação em OIs como a OPEP, mas parte de uma política do país com finalidade de se apresentar como “assegurador” da estabilidade de mercado, visando atender interesses internos em primeiro lugar. Posto isso, serão apresentados três grupos de exemplos históricos, com base no modo operativo, da aplicação do poder da Arábia Saudita enquanto swing producer no âmbito do mercado mundial de petróleo. O primeiro exemplo trata do modo repositor, o segundo do modo estabilizador e o terceiro do modo punitivo. Vale ressaltar que os exemplos históricos aqui utilizados serão apresentados para explicar o papel saudita como swing producer, buscando encontrar neles padrões que permitam verificar se a Arábia Saudita é, de fato, a afiançadora da segurança energética internacional.

3.1. Modo repositor Nesse primeiro grupo será tratado como exemplo o efeito inicial da guerra civil na Líbia, no início do período comumente conhecido como Primavera Árabe, que prejudicou a produção petrolífera do país no ano de 2011. É de conhecimento do autor desta pesquisa que a guerra civil nesse país árabe não se esgotou em 2011 e que ganhou novos contornos nos anos seguintes. No entanto, o período em questão é o mais adequado para análise porque este subtópico 3.1 visa tratar do papel da Arábia Saudita como complementadora da produção líbia prejudicada pelos conflitos internos no país ao invés da história dos desdobramentos da guerra civil da Líbia. Nesta subseção não serão apresentados outros exemplos históricos, haja vista que três outros já foram tratados no capítulo 2, como a Revolução Iraniana de 1979; a Guerra Irã-Iraque que ocorreu entre os anos 1980 e 1988 e a Guerra 241 do Golfo de 1990-1991. Em todos esses três casos houve interrupção do fluxo petrolífero pelos países exportadores neles envolvidos e, em todos, a Arábia Saudita recompôs a maior parte da oferta internacional de petróleo preenchendo o vácuo deixado pelos produtores em situação de crise, o que contribui para reforçar o papel de swing producer repositor da Arábia Saudita. A guerra civil de 2011 na Líbia que culminou com o assassinato de Muammar al-Gaddafi em Sirte, sua cidade natal, no dia 20 de outubro do mesmo ano, foi uma crise que se desenrolou na esteira da Primavera Árabe, cujo marco inicial foi a imolação do comerciante tunisiano Mohamed Bouazizi, que ateou fogo em si próprio em forma de protesto contra a falta de oportunidades e imposições do governo local. A morte de Bouazizi gerou comoção e manifestações populares em seu país e levou à deposição do presidente Zine el Abidine Ben Ali, que desde 1987 ocupava o cargo. Os protestos rapidamente se espalharam pelos países do Norte da África, entre eles os três da OPAEP (Argélia, Egito e Líbia) e, depois, por outros países árabes do Oriente Médio também pertencentes à OPAEP, como a Síria e o Bahrein. As manifestações na Líbia – que tiveram início pacífico em janeiro de 2011 na cidade de Bengazi – evoluíram de forma acelerada para conflitos entre forças do governo e rebeldes. Ainda na fase inicial dos confrontos, no dia 20 de maio, foi criado o Conselho Nacional de Transição (CNT) da Líbia, que no início de maio se declararia como o representante legítimo de um novo regime de governo do país, muito embora fosse um conselho transitório até que fossem convocadas eleições gerais. O conflito entre insurgentes e apoiadores do governo (milícias, tribos leais à Gaddafi, parte das Forças Armadas e grupos de mercenários) ganhou contornos internacionais após o Conselho de Segurança da ONU publicar a resolução 1970, de 26 de fevereiro de 2011, que instava o governo local a cumprir determinações como respeito aos direitos humanos, permissão para livre passagem de ajuda humanitária, e colaboração para a livre expressão midiática; e que em seu artigo 17 evocava todos os membros da ONU a congelarem ativos financeiros, fundos e recursos econômicos líbios de quaisquer natureza. Poucos dias depois, em 11 de março do mesmo ano, o Conselho de Segurança expediu a resolução 1973, que considerando o não cumprimento das determinações da resolução 1970, determinava, entre outras coisas, a 242 instauração de uma zona de exclusão aérea em todo o espaço aéreo da Líbia com a finalidade de proteger os civis e, também, decidiu por um embargo internacional de armas contra o país (UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL, 2011). A resolução, endossada pela Liga Árabe, União Africana e OCI, foi aprovada por dez votos e cinco abstenções, dentre as quais a do Brasil, que à época era um dos membros rotativos do Conselho. A partir das determinações da resolução 1973, países da OTAN, como a França, a Itália, o Reino Unido, o Canadá e os EUA, conduziram bombardeios contra posições das forças pró-Gaddafi permitindo o avanço dos rebeldes, apoiados na área logística por países árabes como os EAU e o Catar, que chegou a enviar combatentes para a Líbia, como já apontado no capítulo 1. A Arábia Saudita forneceu apoio financeiro aos rebeldes, não por apoiar a instauração de um regime democrático para preencher o vácuo de poder da era pós-Gaddafi, mas sim esperando que um líder islâmico sunita suscetível à influência política de Riad assumisse o poder (RIEDEL, 2018, p. 161). No fim de setembro, pouco menos de um mês depois da tomada de Trípoli, o CNT já havia sido reconhecido pela ONU e pela União Africana e no fim de outubro, depois da morte de Gaddafi, o mesmo CNT declarou a libertação da Líbia. Os protestos da Primavera Árabe geraram impactos negativos na produção petrolífera dos países árabes envolvidos, no entanto, Bahgat (2012, p. 512) explica que no caso líbio, onde as manifestações se desdobraram em guerra civil, a indústria petrolífera local foi impossibilitada de manter os níveis de produção e exportação dos anos anteriores ao conflito interno. De acordo com o autor, a própria guerra civil com duração de dez meses, a intervenção da OTAN e ataques e sabotagem de terminais portuários, campos de petróleo e refinarias, foram os principais causadores da quase paralização do setor no ano de 2011. Nesse contexto, a Arábia Saudita foi quem supriu o vácuo produtivo deixado pela Líbia, aumentando sua produção para compensar o desabastecimento da demanda do país norte-africano. Os dados do JODI, do FIE, apresentados no gráfico 16, mostram um comparativo da produção dos dois países entre janeiro de 2011, mês do início do levante contra o governo de Gaddafi, e janeiro de 2012, quando a produção local iniciou sua recuperação:

243

Gráfico 16 – Comparativo de produção petrolífera em mbpd: Arábia Saudita X Líbia (jan. 2011-jan. 2012) 129

Fonte: Elaboração própria. Dados do JODI oil world database130

No gráfico acima, é possível observar que entre janeiro e março, em um período de apenas dois meses, a produção líbia de 1,407 mbd caiu para apenas 290 mil bpd e que a produção saudita acompanhou o movimento de queda nesse último mês. Todavia, entre maio e junho a produção saudita de 8,895 mbpd subiu para 9,813, quase um milhão de barris no intervalo de apenas um mês. Assim, a produção combinada dos dois em janeiro, de 10,001 mbpd, seria retomada em junho ficando em 10,213 mbp, mesmo com a Líbia oferecendo apenas 400 mil bpd, de forma que a Arábia Saudita repôs a produção perdida graças a sua capacidade ociosa131. O gráfico 17, mostra que os eventos da Primavera Árabe contribuíram para que o barril do petróleo se valorizasse em 2011, alcançando a casa dos US$ 100. Já o gráfico 18, mostra que apesar da valorização, a reposição de

129 Nos meses de abril, setembro, outubro e novembro, a Líbia não forneceu dados de produção para o FIE.

130 Disponível em: Acesso em: 12 de janeiro de 2020.

131 É importante destacar que mesmo diante das adversidades enfrentadas pela Líbia, o país norte-africano chegou a ocupar o terceiro lugar em tonelada de petróleo que passou pelo Canal de Suez em 2011 e o primeiro em 2012 (ver tabela 7, capítulo 3) o que significa que no ano da morte de Gaddafi as exportações de petróleo não foram suspensas.

244 petróleo da Arábia Saudita, impediu que o preço do barril aumentasse ainda mais, muito embora não tenha impossibilitado a ocorrência de picos temporários. Ambos os gráficos foram originalmente publicados pelo EIA do Departamento de energia dos EUA:

Gráfico 17 – Evolução do preço do petróleo em dólares para o WTI e o Brent (2000-2011)132

Fonte: EIA133

Gráfico 18 – Evolução do preço do petróleo em dólares para o WTI e o Brent (2011)

Fonte: EIA134

A Arábia Saudita desempenhou um importante papel como repositora da produção perdida na guerra civil da Líbia, contudo, é importante ressaltar que a

132 O West Texas Intermediate (WTI) é o valor do barril cotado na bolsa de valores de Nova York e se refere ao óleo extraído na América do norte, especialmente o da região do Golfo do México. Já o Brent, diz respeito ao petróleo cotado na bolsa de Londres e diz respeito ao produzido no Oriente Médio e no Mar do Norte.

133 Disponível em: Acesso em: 8 de dezembro de 2019.

134 Idem. 245 crise nesse país não se esgotou em 2011. Os conflitos ganharam novos contornos nos anos posteriores e a produção petrolífera do país voltando a apresentar queda em meados de 2013, quando em conformidade com o JODI, a produção de julho de 1.243 mbpd regrediu para 618 mil bpd no mês seguinte. No entanto, como este não é o foco desse subtópico, passaremos a discutir adiante a atuação saudita como swing producer no modo estabilizador.

3.2. Modo estabilizador Nesta seção sobre a atuação saudita no modo estabilizador são apresentados dois casos em que o Estado árabe recorreu a esse papel procurando equilibrar o mercado internacional. O primeiro diz respeito à crise de preços baixos que atingiu os países produtores na primeira metade da década de 1980; já o segundo é relacionado à crise financeira de 2008 que contribuiu para o colapso de preços que marcou todo o segundo semestre do mesmo ano.

3.2.1. Crise de preços 1982-1985 A crise de preços baixos dos anos 1980 é dividida neste capítulo em duas fases: entre 1982 e 1985 e entre 1985 e 86. Na primeira, os sauditas atuaram no modo estabilizador e na segunda no modo coercitivo, que será abordada no subtópico 3.3. É importante deixar claro que na primeira fase a Arábia Saudita não obteve sucesso em sua atuação. Mesmo assim, ela deve ser analisada porque foi a primeira vez que o país foi reconhecido oficialmente por outros países produtores e exportadores de petróleo como o swing producer internacional. Em 1979, ano em que o barril de petróleo chegou a ser comercializado a cerca de US$ 39 no mercado à vista, durante reunião da OPEP em Caracas, Venezuela, o então ministro do Petróleo e de Recursos Minerais da Arábia Saudita, Ahmed Zaki Yamani disse em conferência de imprensa que até o fim de 1981 haveria um excedente de oferta de petróleo no mercado internacional que alimentaria uma grande disputa entre os membros da organização. O alerta de Yamani não foi levado a sério pelos ministros e delegações dos países da OPEP, o que de certo modo era compreensível, já que desde 1970 o barril só havia se valorizado (ROBINSON, 1988, n.p.). 246

A Revolução Iraniana de 1979 e o conflito bélico envolvendo Irã e Iraque apenas contribuíram para que o barril fosse valorizado, com os países produtores vendendo petróleo com preços desalinhados aos da OPEP. O alinhamento ocorreu em outubro de 1981, quando os sauditas aumentaram de US$ 32 para US$ 34 o barril e os outros diminuíram de US$ 36 para US$ 34, preço que a princípio deveria vigorar até o final de 1982. No mesmo mês, Riad decidiu por retomar seu teto produtivo auto imposto de 8,5 mbpd do final do período anterior à Revolução Iraniana (AL-NAIMI, 2016, p. 125). A unificação de preços não foi seguida pelos produtores por muito tempo, pois em poucos meses o excedente de oferta no mercado previsto por Yamani em Caracas começou a se mostrar como realidade e, por conta disso, muitos produtores passaram a oferecer descontos para garantir a venda do seu petróleo em um mercado de rápido colapso de preços. Uma conjunção de sete fatores, que alteraram a estrutura do mercado petrolífero dos anos 1970, explica o excesso de oferta de petróleo e, consequentemente, a queda dos preços nos anos 1980:

1) Crescimento da produção extra OPEP; 2) Aumento dos estoques estratégicos dos países desenvolvidos da AIE/OCDE desde meados da década de 1970 e, principalmente, durante a Revolução Iraniana e o início da Guerra Irã-Iraque; 3) Competição de outras fontes energéticas que apareciam como alternativas mais baratas ao petróleo e que reduziram a procura pelo recurso, como o carvão, o gás natural e a energia nuclear; 4) Eficiência no consumo de energia e combustível derivado do petróleo; 5) Recessão econômica em países da Europa Ocidental, EUA, Canadá, Austrália e Japão, que desacelerou a economia mundial e que gerou efeitos negativos também em países em desenvolvimento da Ásia e da América Latina, a exemplo do Brasil; 6) Desrespeito dos países da OPEP pelo acordo de cotas estabelecido no âmbito da organização com aumento desenfreado da produção, bem como o retorno gradual de Irã e Iraque ao mercado para financiar seus esforços de guerra; 247

7) Descontos no mercado à vista adotados tanto por países da OPEP quanto extra OPEP, sobretudo Grã-Bretanha, Noruega, México e Egito, que no período estava suspenso da OPAEP por conta dos Acordos de Camp David.

Dentre os fatores enumerados, inicialmente a liberação dos estoques parecia gerar a maior preocupação, pois os mercados consumidores do mundo desenvolvido recorriam menos aos exportadores e mais aos seus armazenemos estratégicos. A propósito, é importante deixar claro que reservas estratégicas é uma política comum de muitos países e no âmbito da AIE é um compromisso dos países membros, para que em casos de crises internacionais – como as do início dos anos 1980 – haja estocagem disponível para sustentação de consumo interno por até 90 dias (NUNES. 2016, p. 94). Nesse sentido, para defender a comercialização do barril em 34 dólares, em março de 1982, durante a Segunda Conferência Árabe de Energia promovida pela OPAEP, em Doha, no Catar, Yamani sugeriu uma política de produção coordenada com os países da OPEP pelo fato de que a liberação dos estoques dos países da AIE chegava a atingir cerca de 4 mbpd, mais do que a média somada de produção dos EAU, Kuwait e Catar em 1981 segundo o BP Statistical Review of World Energy 2019. Foi a primeira vez que a Arábia Saudita se propôs a discutir níveis de produtividade no âmbito da OPEP.

A desestocagem alcançou níveis sem precedentes: meus especialistas estimam em ... 4 milhões de barris por dia. Temos que tomar uma iniciativa. Não pode haver questão de alterar a estrutura de preços que nos deu tanto trabalho para montar novamente: por outro lado, meu país está preparado para fazer um esforço em termos de produção. (CLAES, 2001, p. 203. Tradução Nossa).

Como enunciado por Yamani, o primeiro grande esforço saudita foi o corte unilateral de meio milhão de barris. Ainda em março de 1982, a OPEP se reuniu em Viena com o objetivo de defender o preço do barril em US$ 34 e definiu cotas individuas de produção para os países membros com exceção da Arábia Saudita “que ficaria na posição de apoio ao sistema e ajustaria sua produção conforme as necessidades” (YERGIN, 2010, p. 815). 248

O entendimento do ex-ministro saudita era de que o excedente de petróleo seria temporário e o objetivo era manter a coesão do grupo em torno dos US$ 34, o que se mostrou insustentável, tendo em vista que muitos países membros da OPEP começaram a praticar descontos para vendas à vista para competir com os preços mais baixos praticados pelos donos da crescente produção do Mar do Norte, mais especificamente de britânicos e noruegueses. Nos primeiros meses de 1983 a Nigéria chegou a exportar petróleo a US$28,50. Yamani viajou para negociar pessoalmente com representantes do setor energético pela redução na produção de países da OPEP e extra OPEP como a própria Nigéria, Indonésia, Noruega, Malásia, Austrália, México e com o presidente Hosni Mubarak do Egito, o que aliás foi a primeira visita de um oficial de governo de um país árabe ao Cairo desde os Acordos de Campd David formalizados em 1979 (ROBINSON, 1988, n.p.). Em março de 1983 a OPEP se encontrou em Londres e anunciou: a redução de preços de US$ 34 para US$ 29; o consentimento sobre a importância de evitar descontos para os mercados consumidores com o intuito de defender os preços da organização; um teto de produção de 17,5 mbpd135 com cotas individuais distribuídas entre todos os membros – que deveria ser mantido até 1983 – com exceção da Arábia Saudita que foi reconhecida oficialmente no documento como o swing producer “para fornecer as quantidades de balanceamento para atender às exigências do mercado” (COMMUNIQUE..., 1983), cortando produção para sustentar o preço de US$ 29. Segundo a tese da pesquisadora saudita Nourah AbdulRahman al- Yousef, intitulada The Role of Saudi Arabia in the World Oil Market 1974-1997, a Arábia Saudita aceitou assumir oficialmente a posição de produtor de ajuste porque, em primeiro lugar, a cobrança por desempenhar esse papel era antiga, pois nos primeiros anos da OPEP, quando a produção saudita encontrava-se em curva rápida de ascendência, países como a Venezuela requeriam que o país árabe atuasse desse modo. Em segundo lugar, a autora explica que em outras ocasiões, como em 1979 e em 1981, os sauditas atuaram dessa forma (porém como repositores) e apreciaram sua importância como produtor indispensável. Um terceiro motivo foi a crença de que o excesso de oferta de petróleo seria

135 Em torno de 8,7 mbd a menos do que a média de produção diária de 1982 que ficou em torno de 26,3 mbpd, conforme dados do BP Statistical Review of World Energy 2019. 249 passageiro. O quarto e último motivo era o entendimento de muitos ministros e a pressão de países como Iraque, Irã, Líbia e Argélia, de que somente a Arábia Saudita poderia operar no mercado com queda nas receitas internas pelo fato de seu custo de produção ser um dos mais baratos do mundo. Em entrevista à autora, Hisham Nazer, ex-ministro do Petróleo e de Recursos Minerais da Arábia Saudita entre 1986 e 1995, explica que nos primeiros dois anos, Riad não sentiu o máximo do impacto dos preços baixos sobre sua economia porque lançou mão dos “superávits financeiros para cobrir o déficit orçamentário. No entanto, quando a demanda por seu petróleo continuou a diminuir, assim como as receitas, a Arábia Saudita teve que abandonar o papel de “swing producer” (AL- YOUSEF, 1998, p. 66-67). As intenções do Acordo de Londres, promulgado pela OPEP em março de 1983, não foram observadas por todos os países da organização, pois muitos extrapolaram suas cotas particulares e negociavam os preços com desconto, a exemplo de Nigéria, Argélia e Líbia. Mesmo assim, o acordo foi mantido por todo o ano de 1983 e se estendeu até setembro de 1985, quando a Arábia Saudita abandonou seu papel de swing producer estabilizador e adotou o método de acordos de lucros garantidos para defender sua parcela de mercado. Para Yergin, alguns dos motivos que levaram ao descumprimento das cotas da OPEP entre 1983 e 1985 foi a disputa por mercados entre os exportadores de petróleo que ofereciam preços mais baixos para garantir receitas em período de abundância de oferta, fato que gerou um novo pensamento sobre a segurança energética internacional e que fez com que a segurança da demanda, por parte dos exportadores, passasse integrá-la ao lado da segurança da oferta – tão cara aos países importadores durante o Choque de 1973, o Choque de 1979 e o princípio da Guerra Irã-Iraque em 1981.

Foi, com certeza, o Terceiro Choque do Petróleo, mas todas as consequências seguiram na direção oposta. Dessa vez os exportadores engalfinhavam-se por mercados em vez de serem os compradores a brigar por suprimentos. E os compradores, não os vendedores, estavam brincando de pular carniça, cada qual saltando sobre o outro na busca pelo menor preço. Esta situação desconhecida trouxe uma vez mais à tona a questão da segurança, mas em novas dimensões. Uma delas era a segurança da demanda para os exportadores – ou seja, acesso garantido aos mercados. (YERGIN, 2010, p. 849).

250

O ano de 1983 foi o primeiro que a produção dos países da OCDE ultrapassou a da OPEP, mesmo assim o consumo mundial de petróleo ficou, de certo modo, estagnado em relação a outras fontes energéticas entre 1981 e 1985, como pode ser observado no gráfico abaixo:

Gráfico 19 – Consumo mundial de energia por fonte energética em EJs (1981-1985)

Fonte: Elaboração própria. Dados do BP Statistical Review of World Energy 2020136

A Arábia Saudita sofreu um grande impacto financeiro ao assumir o papel de swing producer, tendo que reduzir sua produção para sustentar o preço de 29 dólares da OPEP enquanto outros países continuavam praticando descontos. Conforme estatísticas disponibilizadas pelo BP Statistical Review of World Energy 2020, a média de produção anual saudita que em 1979 ficou em torno de 9,842 mbpd. Já em em 1985 a produção saudita ficou em 3,601 mbpd, o que representava uma redução voluntária de cerca de 63% em seis anos. Evidentemente a redução de exportação se refletiu no PIB, que em 1979 era mensurado em US$ 184.292 bilhões e em 1985 ficou em torno de US$ 103.898 bilhões segundo dados do Banco Mundial. Mais de 80 bilhões a menos em receitas do que seis anos antes. Dentre os treze países da OPEP na época,137

136 Disponível em: Acesso em 25 de junho de 2020.

137 São eles: Argélia, Gabão, Nigéria, Indonésia, Equador, Venezuela, Irã, Iraque, Kuwait, Catar, EAU e Arábia Saudita. Para a Líbia, o décimo terceiro, o Banco Mundial não apresenta dados no período mencionado. 251 somente a Nigéria teve maiores perdas do que a Arábia Saudita. No mesmo período apenas o Irã teve crescimento no PIB, mesmo em guerra contra o Iraque. (THE WORLD BANK, [1979-1985]). Claes (2001, p. 187) explica que a Arábia Saudita abandonou o papel de swing producer no fim de 1985 porque, muito mais do que a questão financeira, “a perda de participação de mercado também deu à Arábia Saudita um papel mais marginal na política mundial e nos assuntos do Oriente Médio”, principalmente após a eclosão da guerra envolvendo Líbano e Israel em 1982. Sobre isso, o autor continua com a seguinte constatação:

A segurança interna do Reino dependia da capacidade de usar a receita do petróleo para obter legitimidade política. A ameaça externa também aumentaria com a falta de dinheiro, pois a importância da Arábia Saudita aos olhos dos Estados Unidos diminuiria se o país se tornasse exportador de petróleo no nível de muitos outros e, consequentemente, não tivesse nenhuma posição de poder no mercado petrolífero. (...). A vontade de seu aliado, os Estados Unidos, de apoiar o país e sua política foi percebida como dependente de sua posição no mercado de petróleo. (CLAES, 2001, p. 231. Tradução nossa).

Após abandonar o papel de swing producer estabilizador, Riad se voltou para uma estratégia de punição aos outros produtores até dezembro de 1986, como pode ser observado no subtópico 3.3.2.

3.2.2. Crise financeira de 2008 O ano de 2008 foi iniciado com o preço do petróleo sendo comercializado na casa dos US$ 90, o Brent (U.S ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2019). Não obstante, desde 2005, o preço do petróleo já vinha sendo valorizado por uma conjuntura de fatores pontuais que contribuíram para isso, como os furacões Katrina e Rita que em agosto e setembro desse ano atingiram parte da cadeia de integração energética dos EUA na costa Leste e levou a AIE a liberar estoques emergenciais pela segunda vez na história138 para suprir a interrupção decorrente das grandes tempestades (YERGIN, 2014, p. 278; 285); a guerra entre Israel e Líbano, desencadeada em julho de 2006; e a continuidade da Guerra do Iraque desde a invasão norte-americana de 2003.

138 A primeira foi durante a Guerra do Golfo de 1990-1991. 252

Além dos fatores pontuais, havia também a parte conjuntural com o crescimento da demanda internacional em países como a China, que entre 2001 e 2007 aumentou seu consumo interno em quase 3mbpd; a Índia, que no mesmo intervalo aumentou o consumo interno em cerca de 700 mil barris diários; e a própria Arábia Saudita, com consumo superior ao brasileiro em 2007 e responsável por aproximadamente 30% do consumo somado do Oriente Médio e do Norte da África, mesmo com a sexta população da região139, de 25,18 milhões de pessoas no período. Todos em certa medida influenciados pelo crescimento econômico mundial pré-crise financeira de 2008 (THE WORLD BANK, [1972-1976]). Em janeiro de 2008, em visita oficial do presidente dos EUA, George W. Bush, à Arábia Saudita, sua administração pressionou os sauditas a aumentarem sua produção para forçar os preços para baixo. Nessa circunstância, o The New York Times, publicou no dia 16 de janeiro, parte de um discurso de Bush a empresários sauditas, no qual o presidente dizia o seguinte: “meu argumento para Sua Majestade vai ser, quando os consumidores tiverem menos poder de compra por causa dos altos preços da gasolina - em outras palavras, quando isso afeta suas famílias, isso pode causar uma desaceleração da economia”. Mais adiante, o presidente continuou dizendo que “se a economia desacelerar, haverá menos barris de petróleo comprados” (MYERS, 2008). Contudo, Ali al-Naimi, no cago de ministro do Petróleo e de Recursos Minerais, afirmou que seu país só aumentaria a produção se houvesse mercado disponível para absorvê-la, mas nem companhias como a ExxonMobil, Total e British Petroleum, nem mesmo o governo britânico estavam dispostos a comprar petróleo excedente (AL-NAIMI, 2016, p. 265-266). Até setembro de 2008, quando o banco Lehman Brothers, dos EUA, declarou falência e teve início a crise financeira que repercutiu em todo o mundo, o preço do petróleo já havia ultrapassado a marca de US$ 100, fato que ocorreu em fevereiro, e também chegou a ser negociado a US$ 141 no mês de julho. Em sua obra, al-Naimi aponta alguns fatos em sequência que contribuíram para a rápida escalada de preços no ano da crise, a exemplo da disputa entre a Venezuela e a ExxonMobil em fevereiro quanto à nacionalização de ativos da

139 Em 2007, a população saudita estava atrás, em quantidade de habitantes, de: Egito, Irã, Argélia, Marrocos e Iraque. 253 companhia pelo governo de Hugo Chávez; explosão de dutos no Iraque, que retiraram cerca de 300 mil bpd de circulação; o declínio produtivo do Cantarell, maior campo petrolífero mexicano, declarado em abril; o fim das atividades de um oleoduto no Mar do Norte que transportava petróleo para a Grã-Bretanha desde a década de 1940; a greve de trabalhadores petroleiros nigerianos, também em abril, que escalou para ataques de rebeldes à instalações petrolíferas do país, que reduziu a produção local em 1,6 mbpd até o fim de junho; e o teste militar de mísseis realizado pelo Irã na primeira quinzena de julho que fez com que o barril disparasse para US$ 147 (AL-NAIMI, 2016, p. 264; 268). Em maio, mês em que pela segunda vez no ano Bush visitou Riad, o jornal britânico The Guardian publicou que Washington pressionava mais uma vez os sauditas a aumentarem sua produção para estabilizar os mercados, chegando a ameaçar a suspensão de venda de armamentos para o Estado árabe. Na visão dos americanos, a Arábia Saudita deveria ajudar a estabilizar o mercado e Riad não estava agindo como swing producer estabilizador, mesmo com al-Naimi tendo anunciado que suas exportações haviam aumentado 300 mil barris em maio (SIDDIQUE, 2008). No final de junho, durante uma cúpula emergência de energia convocada pelo rei Abdullah, da Arábia Saudita, e sediada em Jidá, com representantes da OPEP, AIE e FIE, os sauditas anunciaram um aumento unilateral de produção de cerca de 200 mil bpd para tentar acalmar os mercados (AL-NAIMI, 2016, p. 267-268). Ademais, o Reino, em um ano, subiria sua produção de 10 mbpd para 12,5 mbpd e, se houvesse necessidade, chegaria a 15 mbpd (RAMADY; MAHDI, 2015, p. 24). Apesar disso, a iniciativa saudita de assumir o papel de swing producer estabilizador não teve efeito imediato devido ao teste de mísseis do Irã em julho. Ademais, havia a percepção de que muitos exportadores de petróleo estavam satisfeitos com a supervalorização do preço do petróleo, inclusive os sauditas Se além dos sauditas os outros produtores de petróleo não haviam se interessado o suficiente para que o preço de sua principal commodity de exportação abaixasse, pouco tempo depois eles passariam a se esforçar para que o barril do petróleo se valorizasse. A partir do dia 14 de setembro, quando o banco americano Lehman Brothers declarou falência – dando início a maior crise financeira global desde 1929 – o preço do petróleo começou a cair. Embora 254 ainda tivesse conhecido alguns picos em setembro, entre outubro e dezembro o barril entrou em queda livre, chegando a ser cotado em US$ 33, 73 no dia 26 de dezembro, mais de US$ 110,00 a menos do que a máxima atingida em julho do mesmo ano. A economia dos EUA havia entrado em recessão e ela havia rapidamente se espalhado para outros países, com isso, o ciclo virtuoso de crescimento econômico mundial foi quebrado e os países emergentes, também afetados pela crise, passaram a importar menos petróleo. O quadro do mercado petrolífero era de redução na demanda e constância de oferta, o que resultava em produção ociosa sem mercado consumidor e, portanto, queda de preços. A principal saída para os produtores de petróleo era estabelecer cortes por meio de cotas e teto de produção. No dia 24 de outubro a OPEP se reuniu em Viena e foi acordado que os países da instituição reduziriam a oferta em 1, 5 mbpd com cotas individuais que deveriam ser cumpridas por cada membro e implementadas a partir do primeiro dia do mês seguinte. A Arábia Saudita, como o swing producer internacional ficou incumbida do maior corte de produção, já que é o maior produtor da OI, retirando de circulação 466 mil bpd, quase um terço do todo. O segundo maior corte era do Irã, com 199 mil bpd (ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, 2008). No dia 29 de novembro, o rei Abdullah afirmou em entrevista que US$ 75,00 era um preço justo para a comercialização do petróleo. Já Hussein al- Shahristani, então ministro da Energia do Iraque, declarou que para seu país, US$ 80,00 era o preço mais justo (SAUDI..., 2008). Por outro lado, Toshihiro Nikai, ministro da Economia do Japão, declarou no início de dezembro que o preço mais barato era o preço mais justo, já Raghaw Sharan Pandey, secretário da área de energia da Índia, considerando a volatilidade sem precedentes do preço do petróleo em 2008, se manifestou em favor da estabilidade do mercado para que houvesse previsibilidade para investimentos futuros (JAPAN..., 2008) No dia 17 de dezembro, em reunião da OPEP em Oran, Argélia, os membros concordaram em cortar 4,2 mbpd da produção total da organização de de 29.045 mbpd registrada em setembro, implementando um novo teto a partir de 1 de janeiro de 2009 (ORGANIZATION OF THE PETROLEUM EXPORTING COUNTRIES, 2008). Embora não exista homogeneidade entre os produtores de petróleo, nesse período a coesão em torno da recuperação dos preços foi 255 seguramente maior do que no início dos anos 1980, abordada anteriormente, a ponto do então Secretário-geral da OPEP, o líbio Abdallah Salem el-Badri, ter declarado que "todos os ministros estavam no coração de um homem"(RAMADY; MAHDI, 2015, p. 24). Outros exportadores não OPEP como Azerbaijão, Omã, Rússia e Síria participaram como observadores da cúpula de Oran. Os russos chegaram a se comprometer a reduzir sua produção em 350 mil bpd e mais 320 mil bpd se os preços não voltassem a subir para acompanhar a OPEP, porém no ano seguinte aumentou sua produção. Em janeiro de 2009, para garantir maior impacto a fim de forçar os preços para cima, os sauditas retiraram mais 300 mil barris do mercado (AL-NAIMI, 2016, p. 269-270). As cotas estabelecidas em Viena e Oran foram mantidas com um alto grau de cumprimento e correções pontuais até dezembro 2010, antes da Primavera Árabe. De acordo com o EIA o mercado iniciou uma rápida recuperação em 2009 como resultado das cotas praticadas pela OPEP. Em agosto do mesmo ano o barril do Brent se aproximou dos US$ 75,00 considerados como preço justo para os sauditas e em janeiro de 2010 dos US$ 80,00 dos iraquianos (U.S ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2019). Como Morecroft já havia afirmado, a Arábia Saudita não pode alterar a dinâmica do mercado sozinha, ela precisa dos outros produtores. Porém, o peso do país árabe, devido ao seu volume de produção e exportação, lhe dá a condição de swing producer com grande influência no mercado quando exerce sua capacidade como estabilizadora.

3.3. Modo punitivo Esta parte sobre a atuação da Arábia Saudita no modo punitivo também trabalha com dois casos. O primeiro deles é a guerra de preços de meados da década de 1970 e que atingiu seu ápice na cúpula da OPEP de dezembro de 1976, em Doha, no Catar. Já o segundo, diz respeito à continuidade da crise de preços baixos que atingiu os países produtores na primeira metade dos anos 1980 (já tratado no seção 3.2.1), porém, na seção 3.3.2, Riad abandona o papel de estabilizador e assume o modo coercitivo para coibir os países da OPEP que não cumpriam as cotas de produção. 256

É do conhecimento do autor desta tese que a Arábia Saudita também agiu no modo punitivo para disputar o mercado norte-americano com a Venezuela em 1996, elevando e sustendo sua produção de aproximadamente 8 mbpd em setembro do mesmo ano para cerca de 8,5 mbpd durante praticamente todo o período de tempo em 1997, forçando para baixo o preço do barril e atingindo o setor petrolífero venezuelano (MORSE; JAFFE. In: GOLDWYN; KALICKI, 2005, p. 76). No mesmo ano de 1997, houve a crise dos tigres asiáticos que contribuiu para o colapso dos preços. No entanto, como essa foi uma disputa entre apenas dois países por um único mercado consumidor, tal caso em específico não será analisado. De forma semelhante, o embate entre Arábia Saudita e Rússia nos meses de março e abril de 2020, em meio à pandemia global causada pelo COVID-19, que gerou uma guerra de preços que, posteriormente, resultou em um acordo sem precedentes que retirou de circulação cerca de 9,7 mbpd do mercado internacional entre maio e junho do mesmo ano, com outros cortes de produção de menor volume nos meses subsequentes, não é abordado neste trabalho. Isso porque, além de, em larga medida, esse ser um caso de disputa entre dois países, a proximidade temporal com o fato histórico impossibilitou que o desencadeamento dos acontecimentos fossem analisados apropriadamente. Todavia, diante do que é apresentado nesta subseção, é possível classificar 1996 e 2020 como dois casos históricos nos quais Riad exerceu o poder punitivo para fazer valer seus interesses e forçar a negociação maximizando seus ganhos.

3.3.1. Guerra de preços: Doha 1976 Depois do embargo de petróleo promovido pelos países árabes da OPAEP em decorrência da Guerra do Yom Kippur em 1973, que contribuiu para que os países da OPEP definissem o preço do barril em US$ 11,65 a partir de janeiro de 1974 – três meses depois de ser praticado a US$ 2,90 no período pré- guerra – o PIB dos países exportadores ascendeu em virtude do aumento das receitas da exportação de petróleo. Com isso, muitos desses países aumentaram seus gastos internos em diversas áreas, visando desde um maior desenvolvimento para a infraestrutura interna até a aquisição de armamentos para ampliar a sensação de segurança nacional, sendo seus principais 257 fornecedores de produtos dos mais diversos tipos os países do Ocidente, em especial os EUA.

Os exportadores, repentinamente na opulência e certamente muito mais ricos do que jamais poderiam ter sonhado, embarcaram num vertiginoso programa de gastos: industrialização, infraestrutura, subsídios, serviços, artigos necessários de luxo, armas, desperdícios e corrupção. Com a avalanche de desembolso, os portos estavam atravancados muito além de sua capacidade e os navios esperavam semanas pela sua vez de descarregar. Distribuidores e vendedores de todos os tipos de mercadorias e serviços correram dos países industrializados para as nações exportadoras de petróleo disputando acomodações nos hotéis superlotados, lutando pelo acesso às salas dos ministros de governo. Tudo estava à venda para os produtores de petróleo e eles agora tinham dinheiro para comprar. (YERGIN, 2010, p. 718).

Os dois maiores Estados do Golfo Pérsico, Irã e Arábia Saudita, donos das duas maiores economias da OPEP em 1974, com PIB mensurado em, respectivamente, US$ 46.209 milhões e US$ 45.413 nesse ano e US$ 68.055 milhões e US$ 64.006, em 1976, também aumentaram sua despesa interna bruta a ponto de ultrapassar o valor do PÌB em 1976, que no Irã chegou a US$ 73.087 e na Arábia Saudita a US$ 65.829 (THE WORLD BANK, [1972-1976]). Dessa forma, para equilibrar as contas internas havia dois caminhos: ou cortar gastos ou forçar um aumento do barril através da OPEP. Desde a entrada em vigor do preço da OPEP em janeiro de 1974, os sauditas trabalharam para evitar um novo aumento abrupto do valor do barril. Na reunião de junho do mesmo ano o país árabe se posicionou contrário ao aumento de US$ 1,00 sobre o preço de US$ 11,62 praticado naquele mês, ameaçando retaliar qualquer ação dos países membros nesse sentido aumentando sua produção interna em até 3 mbpd. Os preços foram virtualmente congelados até o fim de 1975, quando em outra reunião da organização foi votado um incremento no preço que gerou nova reação dos sauditas, que ameaçaram manter o seu próprio preço de exportação congelado caso o dos outros países fosse elevado. A advertência da Arábia Saudita era relevante porque sozinho o país representava cerca de 27% da produção total da OPEP, enquanto o Irã, segundo maior produtor à época, tinha uma parcela de aproximadamente 20% da produção da entidade e a Venezuela, o terceiro maior, tinha apenas 9% da produção da OPEP. Além disso, entre os países da OPAEP, a Arábia Saudita 258 representava pouco menos de 44% da produção dos países da OI, segundo o BP Statistical Review of World Energy 2020. Arábia Saudita e Irã por serem os maiores produtores e deterem as duas maiores economias da OPEP, polarizavam as decisões políticas da OI por possuírem interesses opostos. Na conferência da OPEP de maio de 1976, em Bali, Indonésia, os preços foram mantidos congelados e em dezembro do mesmo ano, em reunião da instituição em Doha, no Catar, os dois países antagonizaram políticas de reajuste de preços e a Arábia Saudita exercendo papel de swing prducer punitivo coibiu o grupo liderado por Teerã, como poderá ser observado adiante. Apesar disso, Yamani justifica que a posição de seu país não é de oposição à valorização do barril, mas sim de oposição a movimentos bruscos que possam causar reflexos negativos nos interesses de Riad:

Minha principal preocupação era que, se aumentássemos demais o preço do petróleo, reduziríamos a demanda por ele no futuro. Sempre achei que os aumentos de preços deveriam ocorrer em pequenas doses. Afinal, a estabilidade econômica e a estabilidade política do Ocidente são muito importantes para nós. Politicamente, se tivermos um preço alto do petróleo, os russos serão muito fortes, enquanto a Europa, o Japão e os Estados Unidos, por sua vez, ficarão muito fracos. Mas você também deve entender que não é necessariamente o quão alto você aumenta os preços, nem a rapidez com que os aumenta. Aumentos repentinos e bruscos perturbam a economia de um país. Aumentos graduais podem ser absorvidos. É muito perigoso para todos os envolvidos quando os aumentos de preços são um choque (ROBINSON, 1988, n.p. Tradução nossa).

Por outro lado, o ex-ministro também pondera que a Arábia saudita é privilegiada por possuir vantagem competitiva por conta da amplitude de suas reservas e de seu volume de exportações, o que leva o seu país a assumir uma estratégia de longo prazo em relação à política do petróleo e faz com que o Estado saudita, diferente dos outros produtores, assuma responsabilidade internacional tanto em relação aos produtores quanto em relação aos consumidores:

“Mas você não deve esquecer que estamos bem. Temos reservas enormes. Temos uma renda confortável. Sempre poderíamos nos dar ao luxo de sentar e pensar objetivamente. Nem todo produtor de petróleo tem esse privilégio. Os argelinos, 259

por exemplo, precisam muito de receita. O mesmo acontece com os nigerianos. O mesmo acontece com os indonésios. Quanto aos iraquianos e iranianos, o que posso dizer? se você tem uma motivação política, mesmo que tenha tempo para pensar, suas percepções mudam. Sinceramente, acredito que a Arábia Saudita sempre atuou como internacionalista no que diz respeito à política de petróleo. Mas isso obviamente não é verdade para muitos outros”. (ROBINSON, 1988, n.p. Tradução nossa).

Sobre isso, Alnasrawi (1991, p. 133-134), iraquiano, critica o posicionamento saudita expressado por Yamani argumentando que dois princípios gerais moldam o pensamento econômico saudita: a crença em valores ocidentais, como “capitalismo, propriedade privada e forças do mercado”; e a percepção interna de que os sauditas são responsáveis pela viabilização do sistema econômico internacional por meio de sua exportação de petróleo. Por isso, em determinados momentos os decisores em Riad agem como se fosse “sua obrigação defender, apoiar e proteger o sistema, mesmo à custa de seu interesse nacional, sem mencionar o interesse de outros países produtores”. Para ele, “a noção dos sauditas da importância especial de sua decisão sobre preços para o estado da economia mundial era séria, extremamente exagerada e irremediavelmente ingênua”. Embora a crítica de Alnasrawi tenha fundamento, a estratégia política de Riad para o petróleo vai além da racionalidade de mercado. No período analisado, por exemplo, uma das maiores preocupações do país, ao lado da conservação do preço do barril, era o aparelhamento militar do Irã, inserido, assim como os sauditas, na estratégia geopolítica norte-americana dos “dois pilares” para a contenção da influência soviética na região do Golfo Pérsico, pois o Estado persa havia assumido dívidas com os exportadores de armamentos do Ocidente – os EUA em particular – e continuava demonstrando interesse em modernizar suas Forças Armadas, principalmente com a aquisição de oito dezenas de caças F-14 Tomcat. Nesse sentido, Yergin (2010, p. 723) comenta que “novos e maiores aumentos no preço do petróleo apenas trariam mais dinheiro e poder ao Irã, permitindo a aquisição de mais armas, deslocando assim o equilíbrio estratégico e encorajando o xá a reivindicar a hegemonia sobre o Golfo”. Hegemonia porque na década de 1970 o Irã era o principal aliado dos EUA na região com preponderância sobre os sauditas, o que não significa que o país árabe também 260 não gastasse um grande volume de recursos financeiros com importação de armas norte-americanas. Sobre isso, Alnasrawi (1991, p. 114) explica que “os Estados Unidos forneceram 51% das importações de armas sauditas durante o período 1970-1974, quando as importações de armas sauditas tiveram uma média de apenas US $ 3 bilhões”. Ele também informa que até o final da década as importações só cresceram. Assim, “a participação dos Estados Unidos nas importações de armas sauditas aumentou para 79% durante o período 1975- 1979, quando as importações foram em média US $ 2,8 bilhões por ano”. A reunião da OPEP em Doha no dia 14 de dezembro de 1976, que gerou a guerra de preços entre dois grupos no âmbito da OI, um liderado pela Arábia Saudita e outro pelo Irã, cooperou para que os sauditas assumissem um papel preponderante na tomada de decisões entre os exportadores de petróleo e, também, para que estreitasse as relações com os EUA, tomando, em certa medida, o lugar dos iranianos como aliado preferencial no Golfo, o que certamente contribuiu para o aumento das importações de armas fabricadas pela indústria bélica norte-americana. A reunião de Doha foi marcada por uma disputa entre Arábia Saudita e Irã que envolvia o aumento de preços para exportação do barril de petróleo. Como já mencionado, anteriormente, a Arábia Saudita era favorável a um aumento progressivo no longo prazo, que seria de até 5% para o ano de 1977 ou a manutenção do congelamento de preços até junho desse mesmo ano nos moldes acordados em Bali, já os iranianos queriam 15% de súbito. Yamani se ausentou da conferência e voou de Doha até Riad para tratar sobre o posicionamento de seu país quanto a situação que se desenrolava no Catar com Fahd, príncipe herdeiro no reinado de Khalid. Nesse ínterim, houve votação para elevar o preço do petróleo em dois estágios, sendo 10% a partir de janeiro de 1977, sobre o valor de US$ 11,51, resultando em um preço de US$ 12,70, e mais 5% em julho, que se tornaria em US$ 13,30. Dentre os treze membros da OPEP à época140, apenas os EAU não fecharam questão com os iranianos, postando-se ao lado dos sauditas. Após oito horas, o ministro retornou ao país vizinho e no dia seguinte informou que seu país trabalharia com um preço 5% superior ao então praticado, redundando em US$ 12,09, e que, aliado a isso,

140Argélia, Líbia, Gabão, Nigéria, Indonésia, Equador, Venezuela, Irã, Iraque, Kuwait, Catar, EAU e Arábia Saudita. 261 a Arábia Saudita se engajaria para elevar a produção petrolífera interna a fim de forçar os preços para baixo, visando punir os interesses do grupo liderado pelo Irã (COOPER, 2011, p. 419-421). Em 15 de janeiro de 1977, o The New York Times publicou uma declaração de Yamani, na qual o ministro cogitava produzir 14 mbpd em poucas semanas – a média de produção de todo ano de 1976 havia sido de 8,7 mbpd – com o intuito de aumentar a oferta de petróleo e ganhar a fatia de mercado do Irã e outros produtores da OPEP, inclusive dos árabes (YAMANI..., 1977). A decisão saudita gerou forte reação nos mundos árabe e muçulmano, incluindo sabotagem em instalações petrolífera no Reino.

A luta entre a Arábia Saudita e o resto do cartel expôs a profundidade da hostilidade no mundo árabe em relação à família real saudita e revelou fissuras alarmantes no coração do Estado saudita. O rei Khalid foi amargamente denunciado em Beirute pela Organização de Libertação da Palestina de Yasser Arafat por vender a OPEP e a maior potência petrolífera do mundo árabe para os Estados Unidos e Israel. A indústria petrolífera da Arábia Saudita estava centrada em sua Província Oriental, uma região com uma população grande e inquieta de xiitas que abrigava queixas de longa data contra a dinastia Saud governante. Na primavera de 1977, houve relatos de inquietação entre os trabalhadores do setor petrolífero da Aramco descontentes com a implementação da diretiva para inundar o mercado. Os campos e instalações de petróleo sauditas também foram atingidos por uma série de labaredas misteriosas que derrubaram oleodutos e usinas de processamento (COOPER, 2011, p. 434. Tradução nossa).

Para tomar essa decisão a Arábia Saudita lutou em muitas frentes visando três objetivos principais. O primeiro era neutralizar a economia iraniana e o seu rápido crescimento como potência militar na região, além de enfraquecer o Estado persa como uma ameaça em potencial à sua hegemonia como produtor e exportador de petróleo no âmbito da OPEP. O segundo era refrear o desenvolvimento de outras fontes de energia e de concorrentes extra OPEP, que desde o Choque do Petróleo de 1973 haviam impulsionado investimento na exploração de petróleo, sobretudo em áreas de alto custo de prospecção como o Alasca e o Mar do Norte. A URSS também era uma preocupação relevante, pois em 1975 Washington havia negociado carregamentos de petróleo com descontos de 15% abaixo do preço de mercado em troca de fornecimento de trigo, por meio de um memorando de entendimento 262 que ficou conhecido como barrels for bushels (OFFICE OF THE HISTORIAN, 2012, p. 293-295). O acordo não foi adiante, mas deixou Riad em alerta. Já o terceiro objetivo era se mostrar ao mundo como um fornecedor confiável, alinhado aos EUA na contenção contra o avanço da influência soviética na Europa Ocidental e com responsabilidade para com a economia global. Isso fica claro quando se observa em documentos oficiais a preocupação do presidente Gerald Ford em tratativas em separado com os embaixadores Ali Alireza, da Arábia Saudita, e Ardeshir Zahedi, do Irã, em Washington. À Alireza, em encontro no dia 29 de novembro de 1976, Ford informou que os EUA pretendiam evitar o avanço comunista em Portugal e na Itália, trabalhando pela ascensão de um governo moderado, e expressou preocupação com a desvalorização monetária em países como a Grã-Bretanha e a Austrália, ao passo que o embaixador saudita enumerou razões para um aumento razoável no preço do petróleo, tendo em vista que a inflação havia alcançado o preço de produtos industrias, os quais Riad precisava importar. Mesmo sem se comprometer, Alireza afirmou que seu país se manteria ao lado dos EUA no combate ao comunismo. Já no dia, 7 de dezembro, em reunião com Zahedi, o embaixador iraniano se mostrou irredutível quanto à possibilidade de acréscimo no valor do barril inferior a 15%, definindo o governo do xá em Teerã como moderado, haja vista que a Argélia e a Nigéria visavam um aumento de 40%. Dois dias depois, o rei Khalid, da Arábia saudita enviou uma carta ao presidente Ford explicando que o barril estava sendo vendido 5% abaixo do valor real, mas que seu país lutaria para alcançar um preço justo para exportadores e importadores (OFFICE OF THE HISTORIAN, 2012, p. 389-396). No dia 14 de dezembro, dia da reunião em Doha, Ford recebeu uma outra carta de Khalid, onde o monarca novamente se comprometia em negociar um preço razoável para o petróleo (COOPER, 2011, p. 418). Para atingir os três objetivos acima especificados, foi necessário jogar contra o interesse de angariar maior volume de receitas de forma imediata. Dado o movimento saudita para conter o aumento de preços, nos primeiros meses de 1977 o grupo de países encabeçado pelo Irã já percebia a inviabilidade em aumentar mais 5% sobre o preço votado em Doha. Desse modo, em julho de 1977, a OPEP voltou a trabalhar com um preço único. O consenso se deu com o grupo do Irã abrindo mão do acréscimo de 5% e com a Arábia 263

Saudita e os EAU aumentando 5%. A essa altura, a valorização do barril de forma progressiva favorecia aos interesses de Riad.

3.3.2. Crise de preços 1985-1986 Como já observado no subtópico 3.2.1, a função de swing producer desempenhada pela Arábia Saudita entre 1982 e 1985 cobrou um alto custo econômico e político para o país e fez com que o Reino abandonasse esse papel e passasse a defender sua parcela de mercado para recuperar sua relevância internacional como o principal exportador mundial de petróleo. Durante o período de 1982-1985, a produção saudita foi cortada unilateralmente para defender o preço de US$ 29. Alnasrawi (1991, p. 143), explica que “em janeiro de 1982, a produção saudita era de 8,7 mbpd. No fim do ano caiu para 5,3 mbpd”. Três anos depois, em agosto de 1985, o país árabe estava produzindo cerca de 2,2 mbpd (AL-YOUSEF, 1998, p. 67) e no ano de 1986, seu volume de exportações para os EUA chegou ao recorde negativo de 26 mil bpd, um decréscimo bastante significativo em relação a 1979, quando exportaram 1,4 mbpd para os americanos (YERGIN, 2010, p. 846). Além dos cortes na produção os saudita também precisaram demitir funcionários da ARAMCO. Segundo al-Naimi (2016, p. 129), entre 1982 e 1987 a companhia demitiu mais de 17 mil e 700 pessoas, o que gerou um decréscimo de um pico de 61.227 funcionários no primeiro ano para 43.500 no último. O país também estava enfrentando problemas de regressão econômica como um efeito da atuação como swing producer estabilizador, com as receitas nacionais diminuindo cerca de 32% entre 1982 e 1986, adiando projetos e cortando orçamento para diversas áreas (VASSILIEV, 2000, p. 932). Somente entre 1983 e 1984 alguns dos setores que mais sofreram com a retração econômica foram o de Defesa, com queda de 18,5% no orçamento; o de transportes e comunicações com queda de 23,3%, cada um; de recursos econômicos, com 40,1%; e o de infraestrutura com 18,1% (ROBINSON, 1988, n.p.). A estratégia para retomada de sua fatia de participação no mercado petrolífero se deu por meio dos acordos de lucros garantidos, visando, sobretudo, recuperar receitas e sua relevância geopolítica com maior 264 capacidade internacional de exportação independentemente do preço praticado pelos intermediários.

Os sauditas abandonaram a defesa dos preços e passaram a defender o seu volume de exportação. O método escolhido foi: acordos de lucros garantidos, por meio dos quais os sauditas não cobrariam um preço fixo determinado dos refinadores. O refinador teria a garantia de um lucro pré-determinado (...). Não interessava qual fosse o preço final de venda, 29, 19 ou 9 dólares, ele teria seus 2 dólares e os sauditas ficariam com o restante (menos custos diversos). O lucro dos refinadores estaria garantido. Dessa forma, não teriam qualquer intenção particular de esforçar-se para conseguir preços mais altos ou mais baixos na hora da venda; eles simplesmente desejariam movimentar o maior volume possível. Sabiam que cada barril adicional significaria um lucro de 2 dólares, independente do seu preço. (...) os sauditas queriam compensar o preço baixo com o volume de exportação. Ao fazer isso, eles estavam apontando sua nova política para os demais membros da OPEP, (...), como para os países não membros da OPEP. (YERGIN, 2010, p. 847).

A Arábia Saudita já não podia mais tolerar agir como um produtor alternativo com uma produção decadente para proteger preços que nenhum dos seus parceiros da OPEP praticava mais. Dessa forma, com aumento da produção passou a inundar o mercado bombeando mais petróleo, o que fatalmente gerou mais oferta e empurrou os preços ainda mais para baixo, agindo dessa forma como swing producer punitivo, procurando reprimir os outros produtores e forçá-los a cooperar no curto prazo. Apesar disso, inicialmente, a atitude dos sauditas foi rapidamente seguida por outros produtores da OPEP, que também adotaram acordos de lucros garantidos para negociar seu petróleo. Os preços abaixaram de tal forma que a Arábia Saudita chegou a vender carregamentos abaixo de 4 dólares o barril, sendo o mais barato de todos exportado para Petrobras a US$ 3,25, o menor preço desde o Choque do Petróleo de 1973 (AL-NAIMI, 2016, p. 137). Com a Arábia Saudita assumindo um comportamento punitivo para com os outros produtores, foi instaurado um quadro de guerra de preços entre produtores da OPEP e não OPEP, onde já não existia um preço oficial da OPEP e onde todos disputavam mercados contra todos, visando garantir a segurança da demanda por meios particulares. A desunião dos países da OPEP em torno dos preços começou a ser resolvida no segundo semestre, em agosto de 1986, 265 quando a então incoesão voltou a receber contornos de coesão, mesmo que imperfeita. Nesse contexto, foram necessárias três reuniões da organização para que se chegasse a um acordo entre seus membros. A primeira ocorreu em agosto visando estabelecer um novo sistema de cotas e enfrentou resistência de Irã e Iraque, em guerra um contra o outro, e da Arábia Saudita que ainda estava determinada a recuperar mercado. Apesar disso, nela “os ministros votaram para restabelecer um sistema de cotas que limitasse efetivamente produção para cerca de 16,8 milhões de barris/dia de 20,5 milhões de barris que membros estavam produzindo naquele tempo”. Alguns países extra OPEP, com exceção de Grã-Bretanha e Noruega, também mostraram interesse em cooperar com redução na oferta mundial de petróleo contribuindo com a retirada de até 500 mil barris do mercado. Em outubro, ocorreu a segunda reunião da OPEP com negociações que duraram exatamente vinte e dois dias, a reunião mais longa da história da instituição. Nela foi estabelecido um teto de produção de pouco mais de 15 mbpd até o fim de 1986. O terceiro encontro ocorreu no mês de dezembro. Yamani já não era mais o ministro saudita e Nazer, que havia assumido o posto há menos de um mês representou o país árabe (RAMADY; MAHDI, 2015, p. 48- 50). Nesta terceira reunião foi defendido um preço base de US$ 18 a ser praticado a partir de janeiro de 1987 – que deu fim a guerra de preços e ao papel de swing producer punitivo da Arábia Saudita – e estabelecido um teto de no máximo 18,3 mbpd até o fim do ano. Além disso, foi adotada uma cesta de diferentes tipos de petróleo que seriam usados como marcadores de referência em conjunto com o saudita Arabian Light, que era o referencial até então. O objetivo de usar uma cesta de petróleo bruto era tentar evitar as desvantagens do sistema anterior de preço fixo, sob o qual o uso de um único marcador bruto - o Arabian Light – tendia a exercer pressão indevida na produção de giro na Arábia Saudita (AL-YOUSEF, 1998, p. 71. Tradução nossa). É importante destacar que existe o argumento de que os sauditas aceitaram negociar o preço base de US$ 18 com a OPEP porque em abril de 1986, durante visita do vice-presidente George Bush141 a Riad, ele – que era um

141 Vice do presidente Ronald Reagan.

266 homem do mundo do petróleo – teria defendido preços mais altos para proteger os lucros e os empregos do setor petrolífero americano e teria advertido que o congresso dos EUA estaria próximo de aprovar um tabelamento com fixação para preços máximos e mínimos, o que poderia reduzir os lucros saudita no seu principal mercado importador e, o pior, reduzir a importação. Aliado a isso, os japoneses seguiriam os EUA e também imporiam um tabelamento de preços. A redução de exportação para os americanos poderia gerar resultados negativos, pois se os sauditas não fossem fornecedores essenciais, poderiam perder o status de aliado especial no Oriente Médio, construído desde o encontro entre Ibn Saud e Roosevelt em 1945, bem como teriam maiores dificuldades para aquisição de armamentos de última geração e a segurança do Reino poderia ficar em risco (YERGIN, 2010, p. 856-859). Sobre isso, o argumento da saudita al-Yousef (1998, p. 73-74) é contrário à qualquer tipo de intervenção dos EUA na política da Arábia Saudita nesse caso, porque, até a publicação de sua tese em 1998, não havia documentação oficial sobre o assunto; porque a história mostra que não existe um consenso dentro dos EUA sobre um preço ideal do barril de petróleo; porque o setor petrolífero é complexo demais para que o ato de um único país, a Arábia Saudita, o transforme para escapar da ameaça de um produtor, representado pelos interesses de Washington; e porque “o pressuposto de cooperação entre EUA/Arábia Saudita no mercado de petróleo carece de evidências materiais” havendo, assim, uma lógica de mercado para a tomada de decisões pelos policy makers de Riad. Após uma rápida revisão da argumentação de al-Yousef é possível afirmar que embora autores como Daniel Yergin façam a inferência da visita de Bush a Riad como um possível turning point do papel de swing producer punitivo saudita, o autor desta tese ficou carente de documentos oficias para comprovar ou não uma possível intervenção norte-americana na mudança de estratégia de Riad142. Além disso, é realmente difícil defender se os EUA se posicionavam em favor de um preço mais baixo ou mais alto para comercialização do barril de petróleo, pois segundo o BP Statistical Review of World Energy 2019, entre 1982 e 1986 o país foi tanto o maior produtor, devido à redução de produção saudita,

142 Até mesmo do Foreign Relations of the United States, que é referência internacional para pesquisa de historiadores. 267 e o maior consumidor mundial de petróleo, mesmo com tecnologia de eficiência de consumo e competição com outras fontes energéticas como a nuclear, carvão e gás natural. Sobre a manipulação do mercado por único produtor, esta tese recorre novamente à argumentação de John Morecroft de que o swing producer é um produtor diferenciado que potencializa sua capacidade de influenciar o mercado através da cooperação com os produtores oportunistas. Ela não influencia o mercado por si só, mas é capaz de manipulá-lo e manipular os produtores oportunistas, através da coerção por meio de uma guerra de preços, projetando assim poder, para agirem minimamente em favor de suas políticas. Portanto, em 1986 os sauditas manipularam sim o mercado por um tempo e a possível pressão de Bush pode ter contribuído para o abrandamento da manipulação para atender a lógica de mercado dos policy makers de Riad, que queriam evitar um possível tabelamento de preços dos EUA, gerando um efeito cascata que começaria pelo mercado japonês e poderia se estender até mesmo para a Europa Ocidental. Desse modo, apresentados os casos históricos, selecionados como amostra para esta pesquisa, sobre o papel da Arábia Saudita como swing producer, é possível afirmar que a Arábia Saudita não é a afiançadora da segurança energética internacional no que diz respeito ao petróleo. Entretanto, o país, enquanto produtor e exportador de petróleo, é um ator de relevância superior aos demais produtores e exportadores, por ser o único capaz de produzir excedente ocioso para punir outros produtores e, também para repor a oferta quando algum outro produtor sai do mercado, independente do motivo, bem como é o único suficientemente hábil para cortar rapidamente um grande volume de produção com o propósito de equilibrar o comércio global de hidrocarbonetos. Ainda assim, é importante ressaltar uma vez mais que o efeito da influência dos sauditas é temporária e que eles não manipulam o mercado sozinhos, mas agem em conjunto com outros produtores no âmbito de OIs como a OPEP e a OPAEP para fazer valer seus interesses e garantir a continuidade do fluxo de petróleo se apresentando como um fornecedor confiável. 268

Na última seção deste capítulo é discutido o papel da Arábia Saudita no mundo contemporâneo e sua capacidade de influenciar o mercado mundial de petróleo como swing producer nos próximos anos.

4. A Arábia Saudita continuará a influenciar o mercado global no futuro? Como pode ser observado no tópico anterior, a Arábia Saudita possui capacidade de influenciar o mercado de petróleo por ser considerado o swing producer por sua singularidade como detentor de reservas, produtor e exportador nesse segmento. Uma outra vantagem do país diz respeito à possibilidade de tomar decisões e aplicá-las rapidamente, pois o país possui um regime monárquico autocrático que por sua natureza política dispõe de poucas barreiras burocráticas entre a vontade do centro decisor em Riad e a execução de medidas na Saudi ARAMCO. Mesmo que os exemplos acima tenham apontado situações históricas nas quais a Arábia Saudita, com todos os seus atributos e relevância na geopolítica do petróleo, tenha influenciado o mercado global, há ainda certa inquietação quanto a capacidade de o país poder continuar exercendo o papel de swing producer no futuro próximo. Dessa forma, nesta seção serão tratados quatro possíveis indicadores que colocam em xeque a posição saudita de produtor de ajuste. São eles: a disputa de mercado com novos concorrentes como o xisto americano; o cerco xiita iraniano no Golfo; o limite interno de produção; e o crescente consumo doméstico de petróleo.

4.1 Disputa de mercado com novos concorrentes O segundo semestre de 2014 e o primeiro de 2015 registrou um dos maiores períodos de colapso do preço do petróleo. Em junho de 2014, o preço do barril chegou a ser negociado em US$ 110 e US$ 115, o Brent. Poucos meses depois, em janeiro de 2015, o barril era negociado em torno de US$ 45 e US$ 46 dólares. Nesse contexto, a entrada do óleo de xisto norte-americano no mercado foi um dos motivos que contribuíram para que a Arábia Saudita não exercesse o papel de swing producer em 2015 e deixasse o mercado fluir com a rápida desvalorização do barril, mesmo que no curto prazo causasse danos a sua economia. 269

Nesse intervalo, em reunião ordinária da OPEP no mês de novembro de 2014, os países membros da organização decidiram não cortar produção143 para defender os preços em torno dos US$ 100, que al-Naimi havia considerado como razoável no primeiro trimestre de 2013 (MAHDI, 2013). Ao contrário, preferiram manter um teto de produção pré-estabelecido em 2011. Dessa forma, a defesa pela participação no mercado prevaleceu sobre a defesa dos preços, como explicado pelo próprio al-Naimi:

Uma vez dentro do salão da OPEP, os eventos se desenrolaram como eu esperava. Os ministros divulgaram suas posições e muitos expressaram a necessidade de a OPEP reduzir a produção. Perguntei a cada um se seu país estava disposto a cortar a produção. Ninguém estava. Após o almoço, reafirmei nossa posição de que, se nós, a Arábia Saudita ou a OPEP como um todo, cortássemos a produção sem a participação de grandes membros e não membros da OPEP, estaríamos sacrificando receitas e participação de mercado. Para os interesses de longo prazo de todos nós, era vital que deixássemos o mercado encontrar seu equilíbrio entre oferta e demanda. Muitos produtores novos entraram no mercado de petróleo para a Arábia Saudita desempenhar o papel de swing producer no mundo. Votamos e concordamos em manter nossa meta de produção (AL-NAIMI, 2016, p. 288. Tradução nossa).

Segundo Ramady e Mahdi (2015, p. 8-10), a situação de 2014 guarda algumas semelhanças com os casos apresentados nos subtópicos 3.2.1 e 3.3.2 – que discorrem sobre a atuação saudita como swing producer estabilizador e punitivo na década de 1980 – como o crescimento da produção extra OPEP; aumento de estoques estratégicos devido aos altos preços acima dos US$ 100; e a necessidade de resguardar a fatia de participação no mercado com o intuito de coibir a entrada de outros competidores. Algumas diferenças essenciais também são apresentadas pelos autores, como a continuidade do crescimento da demanda, que não ocorreu no período 1982-1985, e a introdução massiva de fontes petrolíferas não-convencionais como o xisto dos EUA, as areias betuminosas canadenses e, em menor grau, o pré-sal brasileiro. Todavia, os autores não consideram que mesmo com a Arábia Saudita influenciando todos os outros produtores da OPEP a manterem o nível de produção até então praticado mantendo assim a oferta vigente, ela não buscava punir nenhum deles,

143 Embora a opção de cortes de produção tivesse sido cogitada, a Arábia Saudita não quis assumir os custos dessa medida sozinha repetindo o que havia feito no início dos anos 1980. 270 mas sim impedir que a produção não-OPEP tomasse a demanda voltada para os países da organização. Entre 2009 e 2014, impulsionada pelo óleo de xisto, a produção de petróleo dos EUA cresceu mais de 4,5 milhões de barris, saltando de cerca de 7,2 mbpd para pouco mais de 11,8 mbpd segundo o BP Statistical Review of World Energy 2020. Isso contribuiu, inclusive, com o aceleração da queda de importação de petróleo dos EUA que vinha ocorrendo gradativamente desde 2005 e se acentuou em 2009 com a diferença de mais de 1 mbpd a menos em relação a 2008 e que em 2014 se tornou em mais de 2,4 mbpd a menos em relação a 2009. Ademais, a rápida produção de óleo de xisto levou os EUA a importarem menos petróleo saudita, porém com pouca variação em relação aos anos anteriores. Os dados podem ser observados nas tabelas 15 e 16, logo abaixo:

Tabela 15 – Importação de petróleo dos EUA em mbpd (1975-2018)

Fonte: EIA. U.S. Imports of Crude Oil and Petroleum Products144

Tabela 16 - Importação de petróleo dos EUA originado da Arábia Saudita (1975-2018)

Fonte: EIA. U.S. Imports from Saudi Arabia of Crude Oil and Petroleum Products145

144 Disponível em: Acesso em: 19 de janeiro de 2019.

145 Disponível em: Acesso em: 19 de janeiro de 2019.

271

A partir de 2017 os EUA passaram a importar menos de 1mbpd dos sauditas pela primeira vez desde 1987. Um dos motivos da redução de importação tem a ver com os cortes de produção promovidos por países produtores da OPEP e não OPEP anunciados na Argélia, em setembro de 2016, e formalizados em Viena por meio do documento Declaration of Cooperation, já mencionada no capítulo 4, dois meses depois. Nesse período al-Naimi já não era mais o ministro saudita, com o cargo sendo ocupado por Khalid al-Falih, seu sucessor. Os cortes entraram em vigor a partir de janeiro de 2017 e alteraram o a estratégia de defesa dos mercados, fazendo com que a OPEP e a Arábia saudita, que assumiu o maior volume de cortes por deter a maior produção, tornassem a assumir o papel de swing producer estabilizador, porém dividindo o ônus com outros dez países não OPEP como o Bahrein, membro da OPAEP e do CCG; Omã, que também faz parte do CCG; Rússia; Azerbaijão e México, por exemplo. Em julho de 2019, esse grupo de produtores de petróleo passou a trabalhar sob uma estratégia de cooperação de longo prazo para o futuro próximo. Para a Arábia Saudita, no entanto, a defesa dos mercados continua sendo importante, especialmente em países asiáticos como a Índia, o Japão e a China. A Arábia Saudita é o maior fornecedor de petróleo para os japoneses e o segundo maior para chineses e indianos, após ser superada, respectivamente, por Rússia em 2016 e pelo Iraque em 2017. Esses três países asiáticos são os maiores consumidores de petróleo do mundo atrás apenas dos EUA e logo à frente da própria Arábia Saudita, como será discutido mais adiante. Ademais, a produção de óleo e gás de xisto nos EUA levou o país da América do Norte a outro patamar de produtividade de hidrocarbonetos, ultrapassando em 2011 a Rússia em termos de gás natural (até então o maior produtor mundial) e a Arábia Saudita em termos de petróleo a partir de 2014. Além disso, o reingresso do óleo de xisto no mercado internacional, após o congresso norte-americano derrubar a legislação que impedia exportação de petróleo dos EUA em vigor desde 1975, é mais um fator que justifica a preocupação saudita com sua parcela de mercado. Como já abordado no capítulo 2, a segurança da energia para os países exportadores de petróleo passa necessariamente pela segurança da demanda. 272

Uma outra inquietação de Riad é a manutenção do status de sua relação especial com Washington tanto na área econômica quanto na de Defesa, pois os EUA têm dependido cada vez menos da importação do petróleo saudita. Certamente esse é um anseio natural dos sauditas, porém é importante destacar que o petróleo é uma commodity fungível e, diante disso, em condições normais, os EUA continuarão importando petróleo de outros países, o que inclui o produzido na Arábia Saudita. Ademais, desde o encontro entre o rei Ibn Saud e o presidente Rossevelt no Quincy, a situação envolvendo os dois países na região do Oriente Médio sofreu muitas alterações, especialmente em relação à segurança do Reino, sendo o Irã – bem como grupos paramilitares não-estatais financiados por seu governo – um inimigo comum que tem convergido o interesse de ambos os países nas primeiras décadas do século XXI.

4.2 A ameaça do cerco xiita Desde a Revolução Islâmica de 1979 no Irã, persas e sauditas competem pela condição de principal nação islâmica do mundo. Aliás, a questão religiosa é um dos campos de enfrentamento político entre Riad e Teerã. Todavia, no que diz respeito à geopolítica do petróleo, a disputa entre ambos é anterior, como já abordado no subtópico 3.3.1. Segundo Herbert Reginbogin, uma estratégia semelhante à da guerra de preços de Doha de 1976 teria sido implementada em 2014, quando a Arábia Saudita preferiu defender a participação no mercado ao invés de defender o preço do barril acima dos US$ 100. Para o autor, além de ferir a economia iraniana e impedir o alcance do petróleo produzido em seu território nos mercados asiáticos, havia um outro intuito, que era enfraquecer o apoio financeiro e militar de Teerã a grupos não-estatais na região:

O objetivo era reduzir a produção de petróleo não convencional dos EUA através do fracking e atingir as fontes de receita financeira do Irã para prejudicar suas capacidades de apoiar vários adversários regionais, incluindo o regime de Assad na Síria, o Hezbollah no Líbano, os rebeldes houthis no Iêmen e enfraquecer as milícias xiitas e o apoio do Irã no Iraque em sua luta para combater o Estado Islâmico. (REGINBOGIN. In: BAGLEY et al., 2018, n.p. Tradução nossa).

273

Os adversários regionais da Arábia Saudita mencionados por Reginbogin, fazem parte do que o rei da Jordânia classificou como “crescente xiita” em entrevista ao The Washington Post em 2004 para explicar o avanço da influência iraniana sobre as populações xiitas em países da região como o Iraque, Síria e Líbano (WRIGHT; BAKER. 2004). Desde 2004, porém, a percepção do que foi classificado como o “crescente xiita” se estendeu a países da Península Arábica, como o Iêmen, com os rebeldes houthis; os protestos de 2011 no Bahrein durante a Primavera Árabe, que culminaram com a intervenção armada do CCG para conter o levante popular; e a crise diplomática do Catar, economicamente ligado ao Irã por conta do maior campo de gás natural offshore do mundo compartilhado entre as duas nações: o South Pars/North Dome. Isso sem contar o Hezbollah da Península Arábica146. A ameaça do Irã, percebida por Riad, tem aproximado de forma velada sauditas e israelenses, a ponto de em fevereiro de 2019 o país árabe ter prendido dezenas de indivíduos, palestinos e sauditas, apoiadores e financiadores particulares do Hamas (também acusado de ser financiado e armado pelo Irã), endurecendo relações já desgastadas nos anos anteriores. Mas a maior preocupação de ambos os países tem a ver com os avanços do programa nuclear do Irã. Os governantes dos dois Estado se opuseram ao acordo nuclear firmado em 2015, durante a administração do presidente norte-americano Barack Obama, bem como apoiaram a denúncia do acordo feita pelos EUA durante a administração Donald Trump. Cigar (2017: 67-68) indica a probabilidade de um cenário em que a Arábia Saudita facilitaria “qualquer ataque israelense contra o Irã e, de fato, surgiram relatos em 2013 de que Riad e Tel- Aviv estavam coordenando o suporte operacional no caso de um ataque israelense contra o Irã". Ataque esse que possivelmente teria como alvo infraestrutura crítica para o desenvolvimento do programa, algo semelhante ao que foi realizado pela Força Aérea israelense contra o Iraque em 1981 e contra a Síria em 2007. Sobre o possível ataque israelense contra Irã, o príncipe al-Waleed bin Talal (que apesar de príncipe é um empresário que não ocupa cargo no governo), em entrevista à Bloomberg em novembro de 2013, disse que

146 Ou Hezbollah al-Hejaz fundado na Província Oriental saudita em 1987. A Província Oriental é região mais rica do país em jazidas de petróleo e possui uma população majoritariamente xiita. 274

“publicamente, eles [governo saudita] seriam contra", mas “em particular, eles adorariam”, porque “o império persa sempre foi contra o império árabe muçulmano, especialmente contra os sunitas. A ameaça é da Pérsia, não de Israel” (GOLDBERG, 2013). Na mesma linha estava a declaração do analista político e ex-diplomata saudita Abdullah al-Shammari. Para ele “Israel é um inimigo por causa de sua origem, mas não é um inimigo por causa de suas ações - enquanto o Irã é um inimigo por causa de suas ações, não por causa de sua origem” (TROFIMOV, 2015). Apesar da apreensão de Riad com o programa nuclear iraniano, o que mais aflige Riad são os ataques de grupos paramilitares não estatais contra sua infraestrutura crítica de petróleo. O ano de 2019 foi um exemplo de quão expostos estão os ativos sauditas à ofensiva desses grupos, em especial os houthis do Iêmen. Nesse ano, ataques de misseis e drones a petroleiros próximo ao porto de Furjarah, nos EAU; aos dutos East-West pipeline; e às instalações de processamento de petróleo em Khurais e Abqaiq, retirando de circulação cerca de 5 mbpd por algumas semanas, acenderam o alerta internacional quanto a fragilidade da infraestrutura petrolífera crítica da Arábia Saudita. A figura 12 no capítulo 3 aponta os principais ataques contra a infraestrutura saudita promovidos nesse ano. Além de grupos apoiados por Teerã, os ativos petrolíferos sauditas também são alvos de grupos extremistas sunitas como a al-Qaeda. Em 2006, a organização até então liderada por Osama bin Laden planejou um ataque utilizando um carro-bomba à instalação de processamento de Abqaiq. Porém, segundo a versão oficial saudita, o veículo explodiu antes de chegar ao alvo após ter sido alvejado por homens da segurança local (HENDERSON, 2006). Embora 2019 tenha sido marcado como um ano de contínuos ataques pontuais e de baixa intensidade contra ativos e infraestrutura saudita, uma investida militar de grande porte com aviação ou mísseis poderia comprometer seriamente a capacidade de a Arábia Saudita poder atuar como swing producer por um período indeterminado.

4.3. O limite interno de produção Uma obra de referência para debate acerca do limite de produção de petróleo da Arábia Saudita é a discussão levantada por Matthew R. Simmons em 275 seu livro Twilight in the Desert: The Coming Saudi Oil Shock and The World Economy. Nele, Simmons chama a atenção para a longevidade dos principais campos de petróleo do país e a escassez de novas descobertas com capacidade significativa de produção em relação às jazidas já conhecidas. Dentre os reservatórios citados pelo autor destacam-se, Khurais, o segundo maior reservatório onshore do país, encontrado em 1957; Abqaiq, encontrado em 1940; Safaniya, o maior campo offshore do mundo, descoberto em 1951; Khafji, campo offshore localizado na Zona Neutra compartilhada com o Kuwait e que foi descoberto em 1959; e Ghawar, o maior campo de petróleo do mundo, cuja descoberta se deu no ano de 1951. Ghawar, em particular, é de importância vital para a Arábia Saudita, porém muitas informações são sigilosas quanto ao volume de seu reservatório e sua taxa de produção. Nem nos relatórios da OPAEP e da OPEP ou mesmo nas páginas de internet da Saudi Aramco e do Ministério do Petróleo e Recursos Naturais saudita foram encontradas estatísticas sobre o campo. No entanto, em 2017 o EIA publicou uma estimativa de produtividade e de reservas de alguns dos principais campos sauditas, com Ghawar sendo responsável por 5,8 mbpd dos 12,4 mbpd produzidos em 2016 e por uma reserva de cerca de 76 bilhões de barris do total de 266 bilhões pertencentes ao país, seguido por Safaniya com 1,2 mbpd de produtividade anual e 35 bilhões de barris de reserva (U.S ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2017). Ghawar é tão superior a outros campos de exploração de petróleo sauditas que Simmons o comparou a um rei sem substituto capaz de assumir seu lugar após sua morte:

Quando a atual fase de produção primária/secundária combinada terminar em Ghawar, será praticamente impossível substituir sua produção em declínio, mesmo desenvolvendo agressivamente uma série de campos muito menores já no inventário do reino. Ghawar é o rei dos campos de petróleo sauditas. Não há "príncipe herdeiro" esperando para assumir o trono. É o mesmo em um reservatório de petróleo e no xadrez: depois que o rei cai, o jogo acaba. Você não pode continuar o jogo apenas com rainhas e cavaleiros, e mesmo um grande número de peões será inadequado. (SIMMONS, 2005, p. 181. Tradução nossa).

Entretanto, em abril de 2019, a Bloomberg publicou uma matéria, com base em dados revelados pela Saudi Aramco no dia 1 de abril do mesmo ano, que refuta a estimativa do EIA sobre a produção de Ghawar. Segundo o autor 276 da matéria, Javier Blas, o referido campo é capaz de bombear até 3,8 mbpd, ou seja 2 mbpd a menos do que o reportado pelo EIA. Essa informação teria chegado ao público após a companhia saudita revelar pela primeira vez publicamente seus lucros desde sua estatização em 1980. De acordo com Blas, a defesa de que o campo de Ghawar possa produzir 5,8 mbpd é algo normal, embora ele mesmo desacredite dessa capacidade produtiva em sua matéria.

O Energy Information Administration, um órgão do governo dos EUA que fornece informações estatísticas e frequentemente é usado como referência pelo mercado de petróleo, listou a capacidade de produção de Ghawar em 5,8 milhões de barris por dia em 2017. A Aramco, em uma apresentação em Washington em 2004, quando tentou desacreditar as teorias do "pico produtivo do petróleo" do falecido banqueiro americano Matt Simmons, também disse que o campo estava bombeando mais de 5 milhões de barris por dia, e o faz desde pelo menos a década anterior (BLAS, 2019).

Essa nova informação colocou Ghawar na condição de maior campo de produção de petróleo convencional do mundo, atrás do campo de Permian de óleo de xisto nos EUA, que passou a ser considerado o maior campo produtivo em todo o globo. Uma outra situação que colocou em dúvida até onde seria o limite de produção da Arábia Saudita foi o documento vazado pelo Wikileaks envolvendo as alegações de Sadad al-Husseini, um antigo membro da alta cúpula da Saudi Aramco que atuou na companhia como vice-presidente executivo de exploração e produção de 1992 até sua aposentadoria, em 2004. Ele também atuou como membro do Conselho de Administração desde 1996 até o fim da carreira. De acordo com o documento datado de 10 de dezembro de 2007, al-Husseini teria dito ao então Cônsul-Geral dos EUA na Arábia Saudita, John Kincannon, que, mesmo que tenha anunciado previamente, a estatal petrolífera de seu país não seria capaz de produzir 12,5 mbpd até 2009 (o que realmente não aconteceu). Para ele, sustentar uma produção superior a 12 mbpd só seria possível “por um período limitado de tempo”. Ele ainda afirmou que a continuidade do crescimento da produção saudita duraria “aproximadamente quinze anos, seguido pela diminuição da produção”. Porém, isso ocorreria não por falta de petróleo disponível, mas sim por “questões como falta de engenheiros qualificados disponíveis, escassez de empresas de construção experientes, capacidade 277 insuficiente de refino, infraestrutura industrial subdesenvolvida e necessidade de gerenciamento da produção” (WIKILEAKS, 2007). Por mais que a discussão sobre o limite de produção possa fazer soar o alerta no Reino e nos mercados consumidores e produtores de petróleo, uma ameaça mais palpável à posição saudita de swing producer internacional é o crescente consumo interno do país, que é analisado no subtópico a seguir.

4.4. Consumo doméstico de petróleo Desde o início do século XXI até 2018, a Arábia Saudita saltou da décima- segunda147 para a quinta posição entre os Estados que mais consomem petróleo em todo o mundo, sendo superada somente pelos EUA, China, Índia e Japão, todos com mais de 100 milhões de habitantes (China e Índia com mais de um bilhão), enquanto o país árabe possui população em torno de 34 milhões de habitantes. Ainda em 2018, os sauditas foram responsáveis pelo consumo de aproximadamente 50% do total consumido pela OPAEP. No gráfico 20, é possível verificar a relação produção-consumo de petróleo da Arábia Saudita:

Gráfico 20 – Relação produção-consumo de petróleo da Arábia Saudita em mbpd (2001- 2019)

Fonte: Elaboração própria. Dados do BP Statistical Review of World Energy 2020148.

147 Em 2001, a Arábia Saudita encontrava-se atrás dos EUA, Japão, China, Alemanha, Rússia, Índia, Coreia do Sul, Canadá, Brasil, França e Itália, nessa ordem.

148 Disponível em: Acesso em: 28 de junho de 2020. 278

Como se pode observar, o gráfico acima mostra um histórico de produção volátil e um taxa de consumo crescente. A volatilidade tem motivação econômica e política, como, por exemplo, os cortes de produção de 2009 e 2010, como resposta à crise financeira internacional iniciada nos EUA em 2008 e o aumento da produção em 2011, decorrente da reposição produtiva durante a guerra civil da Líbia, além de outros casos já abordados nesse capítulo. Por outro lado, o consumo se manteve crescente, com uma curva de redução iniciada em 2016 por conta do crescimento do consumo de gás natural como aponta o gráfico 21, a segunda maior fonte de energia do Reino. Fontes renováveis complementares, embora incipientes como já abordado no capítulo 4, também podem ter contribuído em menor escala para isso.

Gráfico 21 – Consumo de petróleo e gás natural da Arábia Saudita em EJs (2001-2019)

Fonte: Elaboração própria. Dados do BP Statistical Review of World Energy 2020149.

A alta taxa de consumo de petróleo na Arábia Saudita diz respeito tanto ao bioma desértico no qual o país está geograficamente inserido quanto ao baixo custo de produção interno do barril, mais subsídios estatais, que repercutem na comercialização do combustível e da eletricidade gerados a partir do petróleo e do gás natural. Como o país não possui rios de fluxo contínuo em seu território para construção de hidroelétricas e nem é um grande importador de carvão, o

149 Idem. 279 petróleo barato produzido em âmbito doméstico – por volta dos US$ 5 – é a opção natural para geração de energia no Reino, inclusive para uma atividade bastante dispendiosa que é a dessalinização da água do mar. A energia barata possui um papel fundamental como incentivadora do crescimento econômico e industrial. Por outro lado, a energia barata restringe o avanço no desenvolvimento de outras fontes energéticas renováveis e até mesmo não-renováveis, como o próprio gás natural não associado a um poço de petróleo, já que grande parte do gás consumido na Arábia Saudita é de origem associada. Assim, a comercialização do petróleo e derivados baratos ergue uma barreira econômica que desencoraja o investimento estrangeiro e doméstico no ramo de energia e estimula o desperdício. Quando voltamos ao gráfico 20, embora seja possível constatar que a diferença em números absolutos entre produção e consumo tenha aumentado quando se compara o ano de 2001 ao de 2018 – ou seja, no primeiro ano o consumo interno subtraído da produção resultou em 7189 mbpd enquanto o mesmo cálculo para 2018 apresentou o valor de 8563 mbpd – o que significa que de fato os sauditas têm mais petróleo para exportar no fim da segunda década do século XXI em relação ao início da primeira, nota-se também que a parcela do consumo interno aumentou em relação a produção, partindo de cerca de 20% do total produzido pelo país sendo consumido por sua própria população em 2001 e aproximadamente 31% em 2018. De acordo com o EIA, a demanda por combustíveis e geração de eletricidade são os principais impulsionadores do consumo nacional:

A Arábia Saudita é o maior consumidor de petróleo do Oriente Médio, principalmente na área de combustíveis para transporte e queima direta de petróleo bruto para geração de energia. Embora a demanda por transporte seja substancial e crescente, uma parcela crescente da demanda por petróleo é atribuível à queima direta de petróleo para geração de energia elétrica, que pode atingir até 900.000 b/d durante os meses de verão. (U.S ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, 2017. Tradução nossa).

A alta taxa de consumo interno pode gerar problemas econômicos e políticos no médio prazo, levando o país a recorrer a sua capacidade ociosa de produção para atender a demanda interna e reduzir suas receitas adquiridas da exportação de petróleo, prejudicando tanto as contas internas quanto seu papel 280 de swing producer repositor, estabilizador e punitivo, além de reduzir sua capacidade de usar o petróleo como instrumento de benevolência, ou soft power, e de embargos, ou hard power, o que resultaria na perda de sua liderança entre os produtores de petróleo e no enfraquecimento de sua posição geopolítica. Em 2011, a Chatham House publicou um artigo que alertava para a possibilidade de a Arábia Saudita se tornar um importador de petróleo até o final dos anos 2030 se o ritmo de consumo continuasse o mesmo.

O padrão de consumo de energia da Arábia Saudita é insustentável. Atualmente, o país consome mais de um quarto de sua produção total de petróleo - (...). Isso significa que, em uma trajetória de "negócios como sempre", ela se tornaria um importador líquido de petróleo em 2038. Ninguém está sugerindo que esse é o resultado mais provável mas a possibilidade sinaliza a urgência da necessidade de mudança. Mais reservas de petróleo podem ser descobertas e produção aumentada, o crescimento da população pode declinar e novas políticas e tecnologias podem mudar os padrões de consumo, mas na ausência de tais eventos e com a alta dependência do país das receitas do petróleo, a economia entraria em colapso antes desse ponto. (LAHN; STEVENS, 2011, p. 2. Tradução nossa).

O artigo da Chatham House também alerta para o fato de que com derivados como combustíveis sendo tão baratos, alguns habitantes de outros países da região, onde o combustível é mais caro, preferem lucrar contrabandeando gasolina saudita. Para os autores do estudo, Riad deixa de angariar recursos quando abre mão de taxar o comércio doméstico de petróleo e derivados: “a energia é um alvo ideal para tributação, pois possui uma grande base tributária, uma demanda inelástica para permitir a aplicação de impostos sem reduzir o consumo e um baixo custo de cobrança” (LAHN; STEVENS, 2011, p. 14. Tradução nossa). É importante destacar que como a publicação da Chatham House foi em 2011, ainda não havia sido implementadas algumas das medidas do governo saudita nesse sentido. Medidas essas já mencionadas no capítulo 4. Existe, no entanto, determinada preocupação com a criação de impostos, por parte do governo local, que possam gerar protesto e levantes populares que poderiam ganhar contorno internacional e enfraquecer o centro decisor da família real em Riad. Os eventos da Primavera Árabe de 2011, são exemplos de como revoltas populares no Oriente Médio e no Norte da África podem se tornar 281 em um problema político de grande envergadura. Sobre isso, Neil Quiliam comenta que por algum tempo “a Arábia Saudita evitou abordar a questão dos preços da energia, principalmente porque eles constituem uma parte essencial do contrato social não declarado do país” (QUILIAM. In: PARTRICK, 2016, n.p.). Já Visentini (2014, p. 181-182) argumenta que “a riqueza proveniente do petróleo, concentrada nas mãos reais, é um dos fatores que levam ao atraso nas mudanças sociais, já que o bem-estar gerado evita a revolta da população” e continua afirmando que “a estrutura estatal dedica-se em grande parte a distribuir esta riqueza através de mecanismos que, ao invés de recolherem tributos, oferecem receitas e serviços”. Al-Naimi em seu livro responde à publicação da Chatham House considerando que “nenhum de nós no governo achava que nosso consumo continuaria nesse ritmo por tantos anos no futuro. Mas foi um alerta de atraso para nossa sociedade” (AL-NAIMI, 2016, p. 272. Tradução nossa). Diante disso, ele apresentou seu interesse em aproveitar o potencial saudita para utilização de energia solar, algo que antes da publicação de sua obra já era um projeto de sua administração no Ministério do Petróleo e Recursos Naturais, através do qual ele visava transformar seu país em uma potência capaz de não só atender a demanda interna mas também exportar esse tipo de energia assim como exporta seu petróleo (ALSHARIF, 2009).

Por que o país sentado nas maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo deve fazer um investimento a longo prazo em energia solar e outras fontes renováveis? Se você olhar para os mapas que mostram quais são as partes afetadas pela radiação solar mais intensa, a Arábia Saudita, uma parte noroeste do país em particular, está no alto do deserto de Saara. Isso significa que temos enormes reservas de petróleo para explorar no subsolo e enormes reservas solares para explorar acima do solo (AL-NAIMI, 2016, p. 272-273. Tradução nossa).

Ademais, os sauditas também têm um projeto para geração de energia nuclear através do King Abdullah City for Atomic and Renewable Energy (KACARE) estabelecido em 2008. Nesse sentido, para qualificação de mão-de- obra, foram firmados acordos de cooperação internacional com países como Paquistão, Jordânia, EUA, China, Rússia, Ucrânia, Cazaquistão, Coréia do Sul, França e Argentina (CIGAR. 2017, p. 129). A Argentina, aliás, foi o país 282 incumbido de entregar o primeiro reator nuclear para os sauditas por meio da empresa INVAP (ARABIA..., 2019). A priorização pelo consumo de gás natural ao invés do petróleo também é uma opção para os sauditas, sendo o Master Gas System o principal programa para o setor no país. Todavia, como já referido anteriormente, a maior parcela do gás produzido no país é de natureza associada, haja vista que a exploração de jazidas de gás não associado é uma opção mais cara. Dessa forma, uma opção para os sauditas poderia ser a importação desse hidrocarboneto produzido no Catar, que é país fronteiriço e dono da terceira maior reserva mundial de gás natural, atrás apenas da Rússia e do Irã.

Outro meio de aumentar a porcentagem de gás no mix de energia primária e elevar as exportações de petróleo seria importar gás. O vizinho rico em gás da Arábia Saudita, Catar, possui o maior campo de gás não associado em seu território. Os Emirados Árabes Unidos já importam gás do Catar através do oleoduto Dolphin, então o precedente foi estabelecido. O governo saudita considerou o assunto e manteve conversas de baixo nível sobre o assunto com o Catar. No entanto, duas questões impediram os sauditas de buscarem essa opção. O primeiro é o orgulho e a reputação nacional. A Arábia Saudita é o quarto maior detentor mundial de reservas comprovadas de gás, mesmo que tenha tido pouca sorte em desenvolvê-las. (...) Em segundo lugar, os cataris provaram ser negociadores de preços difíceis. (QUILIAM. In: PARTRICK, 2016, n.p. Tradução nossa).

Após a crise diplomática do Catar, em 2017, a opção pelo gás catari, mesmo que remota foi congelada e a Rússia passou a ser uma opção possível. Em dezembro desse mesmo ano, o presidente russo Vladimir Putin, durante visitação oficial do ministro al-Falih em seu país para inauguração das atividades do porto de Yamal de onde a Rússia passou a exportar parcela de seu GNL, ofereceu a Falih a possibilidade de exportar seu produto para os sauditas: “compre nosso gás e economize petróleo” e prosseguiu dizendo “se continuarmos a trabalhar da maneira que fazemos, passaremos de rivais para parceiros. Todos se beneficiam do trabalho conjunto” (SOLDATKIN; KOBZEVA, 2017). Segundo o BP Statistical Review of World Energy 2020, a Arábia Saudita não chegou a ser dona da quarta maior reserva mundial de gás natural nos anos 283

2010, como apresentado acima na citação de Quiliam150. Porém, nesse período o país esteve normalmente entre os sete maiores detentores de reservas e entre os 10 maiores produtores mundiais. Apesar disso, toda produção em solo saudita é destinada para o consumo interno, por isso existe a perspectiva, de um cenário hipotético, de que em um futuro não tão distante a Arábia Saudita possa passar a importar gás natural por dutos ou via GNL, sendo essa uma opção menos cara e com resultados mais rápidos do que o investimento em outras fontes de energia como a solar e a nuclear, mesmo que o orgulho da família real e da Saudi ARAMCO seja incomodado.

Considerações finais O Reino da Arábia Saudita formalmente fundado em 1932 por Ibn Saud assumiu um importante papel na geopolítica do Oriente Médio, e global, graças ao grande volume de suas reservas de petróleo e de sua capacidade de negociar com todo o mundo o produto da exploração delas. Esse foi um processo que teve início com a permissão concedida por Ibn Saud para que a SOCAL explorasse petróleo em seu então recém-criado país; pelo reconhecimento do potencial de seu Reino para abastecer o mundo pelos EUA, em especial pelo presidente Franklin D. Roosevelt no fim da II Guerra Mundial; bem como pela habilidade administrativa do rei Faisal que conseguiu estabilizar politicamente o país e que tomou a decisão de fazer parte do embargo da OPAEP que deu origem ao Choque do Petróleo de 1973. Já em 1973, a Arábia Saudita agiu utilizando o petróleo como instrumento punitivo, de hard power, contra os importadores de petróleo apoiadores de Israel na Quarta Guerra Árabe-Israelense através do embargo orquestrado pelos países da OPAEP. Após sua consolidação como o principal exportador de petróleo dessa OI árabe e da OPEP, a Arábia Saudita passou a se comportar como swing producer nos modos repositor, estabilizador e punitivo. Nesse contexto, foi verificado que o comportamento da Arábia Saudita como swing producer não significa que o país seja afiançador ou mesmo garantidor da segurança energética internacional, pois Riad busca em primeiro lugar fazer valer seus interesses, mesmo quando pretende manter o status de

150 Nesse ano a Arábia Saudita tinha a quinta maior reserva atrás de Rússia, Irã, Catar e EUA, nessa ordem. 284 fornecedor confiável. Todavia, nos casos históricos aqui apresentados ficou evidente que a Arábia Saudita, na geopolítica do petróleo, é um produtor diferenciado por sua capacidade de produzir e de cortar um alto volume de produção no curto prazo, visando punir outros produtores ou estabilizar e recompor o mercado. Entretanto, mesmo na posição de produtor e exportador de maior relevância a nível global, a Arábia Saudita enfrenta ameaças internas e externas à sua condição de produtor de ajuste. Este capítulo abordou quatro exemplos de ameaça, quais são: o ingresso de novos competidores no mercado internacional, como o óleo de xisto dos EUA; o “cerco xiita” iraniano, que de uma perspectiva saudita põe em risco os ativos da estatal petrolífera do país, a Saudi ARAMCO; o limite de produção; e a alta taxa de consumo doméstico de petróleo, sendo essa última a mais latente das quatro, a ponto de poder eliminar a capacidade ociosa de produção do Reino no médio prazo e, consequentemente, sua liderança no âmbito da OPEP e da OPAEP, bem como sua capacidade de garantir o fluxo contínuo de petróleo para o mercado mundial.

285

Conclusão Fundada em 1968, como uma OI para cooperação e estreitamento de laços entre países árabes produtores e exportadores de petróleo, a OPAEP permanece, já passado mais de meio século, sendo uma instituição voltada exclusivamente para promover a integração de seus membros na indústria petrolífera. Dessa forma, eles têm deixado sua atuação no que diz respeito à política para o âmbito da OPEP, seja como afiliados, observadores ou parceiros não OPEP. Embora a OPAEP não possua a projeção internacional da OPEP em âmbito global, a escolha da organização árabe neste estudo se deu pelo fato de ela concentrar grandes produtores e exportadores mundiais de petróleo em uma única janela regional, abrangendo países do Oriente Médio (incluindo o oriente Médio Mesopotâmico e a Península Arábica) e do Norte da África. Os países da OPAEP possuem dinâmicas e desafios similares para atingir seus mercados consumidores por dutos, para abastecer consumidores geograficamente próximos, inclusive os da própria organização; ou por via marítima para alcançar mercados longínquos com seus navios petroleiros e gaseiros necessitando atravessar estreitos e canais artificiais. Ademais, como em conjunto os membros da OPAEP guardam em seus territórios cerca de um terço das reservas mundiais de petróleo e encontram-se entre os maiores produtores e exportadores dessa commodity, a organização árabe serviu como uma importante amostra para levantar o debate sobre o conceito de segurança energética. Nesse sentido, o capítulo 1 cumpriu a função de apresentar a OPAEP ao leitor para que fosse compreendido seu papel como OI e o de seus afiliados como Estados independentes, bem como as interações intra e extra institucionais. Nesta tese foi debatido o conceito de segurança energética considerando inquietações de Estados exportadores e importadores de petróleo como dois grupos de países, nos quais ambos os lados visam resguardar seus próprios interesses. Assim, o objetivo geral deste estudo foi apresentar os interesses dicotômicos dos dois lados e encontrar os pontos de convergência entre os dois grupos, para assim propor uma leitura mais apurada da ideia de segurança energética, para o caso do petróleo, em um mundo interdependente. 286

Nesse contexto, a suposição inicial quanto à compreensão de segurança energética internacional partiu da definição de Daniel Yergin em seu artigo publicado na revista Foreign Affais, em 2005, intitulado Ensuring Energy Security, no qual o autor definiu que a segurança da oferta é tão importante para os importadores quanto a segurança da demanda o é para os exportadores. Foi a partir daqui que foi possível inferir que os interesses dos dois grupos embora sejam divergentes e em determinadas ocasiões possam ter se desdobrado inclusive em conflitos armados, eles são também complementares, pois a ininterruptibilidade do fluxo é imprescindível para que a preocupação com segurança da oferta e a segurança da demanda permaneçam como objeto de cooperação ou de conflito entre as nações. No capítulo 2, foi possível discorrer sobre os conceito de segurança energética de modo que foi demonstrado que a visão acerca dessa ideia é de responsabilidade de ambos os grupos. Além do mais, foi evidenciado que esse entendimento não se restringiu somente a Yergin que é norte-americano e que já serviu seu país como conselheiro para assuntos relacionados à temática energética. Ela também foi replicada por OIs de exportadores de petróleo como a OPEP e a OPAEP, bem como pelo FIE, que é o fórum internacional de discussão que reúne atores internacionais de diferentes naturezas no que tange ao mercado petrolífero. Quando consideradas a concentração de hidrocarbonetos e a posição geográfica dos países da OPAEP, foi possível, a partir dessas características, utilizar a OI árabe como objeto de pesquisa para analisar a ideia de segurança energética. Assim, a região da OPAEP pode ser considerada como o centro de uma estrela distribuindo seu petróleo para as pontas, que seriam os grandes mercados consumidores de continentes e regiões distantes, como o Leste Asiático, a América do Norte e a Europa. Vale ressaltar que mesmo que o continente europeu não seja distante do Norte da África e do Oriente Médio na mesma proporção das outras duas áreas mencionadas, para os produtores da Península Arábica, por exemplo, atender os mercados desse continente se torna em um constante desafio pela necessidade de seus carregamentos atravessarem chokepoints marítimos diariamente, com a alternativa sendo a construção de dutos que perpassem as fronteiras de um ou mais países para transportar sua produção para o Mediterrâneo. 287

Posto isso, os capítulos 3, 4 e 5 atenderam os objetivos específicos da pesquisa analisando três fatores que abrangem questões de interesse mútuo para exportadores e importadores em torno da ininterruptibilidade do fluxo de petróleo. Foram elas: a manutenção de um fluxo ininterrupto pelos chokepoints marítimos; a diversificação de fontes energéticas em países da OPAEP; e o papel da Arábia Saudita como afiançadora da segurança energética internacional. Quanto ao primeiro dos três fatores, que abordou o tráfego marítimo pelo subcomplexo de chokepoints do Oriente Médio, considerando desde dados estatísticos até o direito internacional do mar através da CNUDM, verificou-se que as rotas envolvendo os estreitos de Ormuz, Bab el-Mandeb e o Canal de Suez são de suma importância para o trânsito de petroleiros que entram e saem de portos das nações afiliadas à OPAEP. Apesar disso, não foi possível afirmar que tais rotas sejam completamente indispensáveis para a segurança energética internacional, tendo em vista que mesmo em caso de estrangulamento de uma delas, como a de Ormuz por onde trafega cerca de 20% da produção mundial diária de petróleo, seria possível, em tese, recorrer a mecanismos de emergência, como por exemplo:

• Ao aumento do volume de produção de países não árabes da OPEP e de outros grandes produtores não OPEP como a Rússia e o México, se for do interesse desses países;

• A rotas alternativas terrestres por meio de dutos já existentes, ainda que com uma capacidade de transporte inferior a de navios petroleiros;

• E a abertura de estoques emergenciais da AIE e a comutação de combustíveis entre seus membros.

Apesar de as rotas do subcomplexo de chokepoints não serem indispensáveis, não significa que o fechamento de algumas ou de todas elas não possa gerar uma crise ou um novo Choque do Petróleo lançando rapidamente para cima o preço do barril por um certo período de tempo. Aliás, a crise poderia ser em proporção muito maior para os produtores do que para os consumidores, 288 pois apesar das alternativas acima serem opções consideráveis, sem o tráfego naval diário pelos estreitos e por Suez, os produtores da OPAEP poderiam sofrer um duro golpe em suas economias perdendo receitas de exportação. No que concerne ao segundo dos fatores, o rápido crescimento do consumo interno de petróleo e derivados nos Estados parte da OPAEP se não pode interromper o fluxo pode, ao menos, reduzir o volume disponível para a exportação desses países. Vale ressaltar que para alguns países dessa OI, as receitas oriundas da comercialização do petróleo no mercado internacional é uma fonte de lucros significativos a ponto de contribuir para a estabilidade econômica deles. A capacidade de disponibilizar petróleo para exportação é uma preocupação de produtores que, em condição de dependência da comercialização de seu produto, pretendem que os importadores comprem de sua produção doméstica. Essa é também uma preocupação dos Estados importadores, que querem ter acesso ao produto dos fornecedores para atender sua demanda de consumo. Todavia, nesse caso, a apreensão quanto à segurança energética é maior para os produtores, haja vista que são mais dependentes da comercialização de seu petróleo do que os importadores, que em caso de indisponibilidade de oferta de um país específico, podem negociar com outro fornecedor ou incrementar relações de mercado com outros parceiros exportadores. Essa inquietação – além de questões relacionadas à sustentabilidade, preservação ambiental e mudanças climáticas, todos tratados de forma secundária por não pertencerem à temática central da tese – é um dos motivos pelos quais os Estados membros da OPAEP têm trabalhado com projetos de energia complementar, entre elas energia renovável como a hídrica, a solar e a eólica, além da energia nuclear. Já no que diz respeito ao terceiro fator, que debate o papel da Arábia Saudita como afiançadora da segurança energética internacional, foi possível verificar que ainda que Riad, em diferentes situações, tenha assumido o papel de swing producer nos modos repositor, estabilizador ou punitivo, esse país o faz visando, em primeiro lugar interesses próprios e não de resguardar a segurança energética internacional, muito embora em algumas ocasiões essa idealização tenha sido sim aventada. 289

Além do mais, os sauditas, que exercem o papel de swing producer, não são capazes de sustentá-lo por um longo período de tempo por motivos econômicos, diplomáticos e até de desgaste de sua política externa, sem a participação de outros grandes produtores da OPAEP, da OPEP e até de outros grandes produtores que não pertençam a nenhuma dessas OIs. Há também a discussão quanto aos desafios enfrentados por Riad nos campos geopolítico, de consumo interno de energia, de concorrência internacional e de limite de produção, que podem no médio ou longo prazo reduzir a importância do país no contexto petrolífero global. Logo, é possível considerar a Arábia Saudita como o principal exportador mundial de petróleo por seu papel singular de produtor de ajuste. Todavia, esse Estado árabe não deve ser tomado como afiançador ou garantidor da segurança energética internacional, pois não é possível afirmar que se a Arábia Saudita deixar de exercer o papel de swing producer o mercado não será ajustado de uma outra maneira, mesmo que de forma turbulenta no curto ou médio prazo. Assim, embora os sauditas atuem de forma inigualável entre os produtores e exportadores, graças a sua capacidade ociosa de produção, ela não é o sustentáculo absoluto da estabilidade do mercado. Portanto, considerados os objetivos geral e específicos, que em si também integraram os referenciais teórico e metodológico desta tese, cabe averiguar se as hipóteses levantadas na parte introdutória podem ou não ser confirmadas. Elas são replicadas abaixo e em seguida comentadas, uma por uma.

I. O que se entende por segurança energética deve ser considerado a partir da perspectiva dos pontos de vista dos países consumidores e produtores de petróleo e daquilo que torna comum seus interesses. De forma que, se forem examinadas as perspectivas apenas de uma ou outra parte, o resultado será incompleto, haja vista que para o primeiro grupo é importante que a segurança da oferta seja estável e para o segundo grupo o fator mais importante é garantir a solidez da demanda. Assim, é sugerido que os interesses dos dois conjuntos de países sejam, na prática, complementares; 290

A primeira hipótese, deve-se admitir, funcionou nesta pesquisa mais como um objetivo geral do que como uma hipótese. Todavia, ainda assim, é possível confirmá-la como correta, pois em um mundo de relações comerciais interdependentes que abrangem mercados como o petrolífero, o que se entende por segurança energética deve levar em consideração as concepções de produtores e consumidores porque elas se complementam. No entanto, complementariedade não significa que um lado não possa ser mais frágil do que outro sob alguma determinada circunstância, como foi constatado nos dois primeiros objetivos específicos para o caso dos países exportadores de petróleo. A questão envolvendo uma maior fragilidade no que se refere aos exportadores de petróleo, encontra reflexo no argumento de Bahgat no capítulo 2, seção 2, que afirmou que o equilíbrio entre oferta e demanda é mais importante para os exportadores do que para os importadores.

II. Apesar de admitirmos que a concepção de segurança energética depende da visão de cada país sobre sua dependência em relação ao petróleo, sob o ponto de vista das relações de interdependência no contexto internacional o referido conceito pode efetivamente ser compreendido a partir de três fatores, sendo o primeiro a preocupação em evitar a interrupção do fluxo contínuo de energia em rotas estratégicas como os estreitos de Ormuz, Bab el-Mandeb e Canal de Suez a fim de que a estabilidade do ciclo energético seja mantida e, consequentemente, os mercados e os preços. O segundo diz respeito à diversificação das fontes de energia interna nos países produtores da OPAEP para que a oferta para o mercado externo seja mantida e, consequentemente, a demanda dos países importadores. Por fim, o terceiro tem a ver com influência saudita no mercado e na política internacional como fiadora da estabilidade do fluxo petrolífero para exportadores e importadores.

Esta segunda hipótese foi testada no decorrer da pesquisa ao ser transformada em objetivos específicos. Em cada um dos três fatores, verificou- se que não existe essencialidade, isto é, embora sejam sim importantes para 291 que os interesses mútuos de demandantes e ofertantes de petróleo no mercado internacional possam ser alcançados, não quer dizer que não existam outras formas de fazê-lo. Aqui, os países exportadores da OPAEP são mais suscetíveis ao enfraquecimento por conta de uma possível interrupção do fluxo do que os importadores. Nesse sentido, se os chokepoints forem bloqueados, se não houver petróleo para venda no mercado internacional por conta da crescente demanda interna e dos subsídios governamentais que contribuem para o desperdício, e se a Arábia Saudita não atuar como swing producer, as consequências seriam maiores para eles, haja vista que, em sua maioria, os produtores são mais dependentes da renda do petróleo do que os consumidores da sua importação. Isso significa dizer que sem petróleo e, consequentemente, sem a segurança da demanda, os países da OPAEP precisariam de uma economia reformada para sustentar os investimentos em grande parte dos serviços, infraestrutura, indústria, educação e Defesa em âmbito doméstico. Por outro lado, os importadores precisariam buscar rotas alternativas, outros mercados exportadores e mecanismos emergenciais – alguns já existentes e previamente mencionados – para garantir o acesso à segurança da oferta.

III. Nenhuma medida pode oferecer a garantia de segurança energética. O máximo que se pode alcançar é um maior nível de redução de riscos. Portanto, quem controla o fluxo tem maior capacidade de diminuir seus níveis de insegurança. O controle ocorre quando um ator (consumidor ou produtor) tem recursos estratégicos de natureza política, econômica ou militar capazes de influenciar outro ator a responder ou se comportar conforme seus interesses, de modo que a manutenção do fluxo seja garantida ou interrompida de acordo com sua estratégia para determinada situação.

Por fim, a terceira e última hipótese pode ser considerada parcialmente verdadeira, pois no decorrer da pesquisa foi demonstrado que nenhuma medida pode garantir integralmente a segurança energética internacional. Assim, o que 292 se pode fazer é adotar medidas conjuntas ou estreitar relações bilaterais, ou multilaterais, para que os riscos de interrupção do fluxo sejam mitigados. No entanto, no que tange ao controle do fluxo, não é exatamente correto afirmar que o ator que o obtém possa necessariamente diminuir seus níveis de insegurança. Ele pode sim influenciar o comportamento de um outro ator para fazer valer seus próprios interesses, como é o caso da Arábia Saudita atuando como swing producer punitivo ou como todos os membros da OPAEP fizeram em 1973 por um período de tempo durante o Choque do Petróleo. Mas o empreendimento de recursos estratégicos também pode prejudicar o controle do fluxo e aumentar os riscos. Isso ocorreu em 1973, quando a OPAEP conseguiu resultados econômicos e não políticos lançando mão do embargo de petróleo. inclusive houve dissensão dentro da própria organização quando o embargo foi levantado. Até mesmo os sauditas agindo como swing producer não obtiveram sucesso tentando controlar o fluxo com cortes de produção voluntários durante a crise de preços de 1982-1985, mesmo sendo o país produtor com maior capacidade individual de estabilizar os mercados naquele período. Desse modo, faz-se necessário deixar claro que as discussões acerca da ininterruptibilidade do fluxo petrolífero a partir da região do Oriente Médio e Norte da África, onde estão localizados os Estados afiliados à OPAEP não se encerram com a análise da manutenção da normalidade do tráfego marítimo pelo subcomplexo de chokepoints, do investimento em energia complementar dos países árabes e nem mesmo do papel da Arábia Saudita como produtor de ajuste. Porém eses três fatores são relevantes para compreender a dinâmica das relações entre os Estados produtores e consumidores na geopolítica do petróleo. Assim, para concluir, propõe-se que a compreensão de segurança energética, para o caso do petróleo, para ser analisada de uma forma mais completa, deva levar em conta as perspectivas de exportadores e importadores como grupos, ou como nações individuais. Ademais, os interesses convergentes de ambos os lados, em um cenário de mercado global interdependente, devem ser considerados para que dessa forma os estudos sobre o tema ganhem maior amplitude e também um maior alcance em seus resultados.

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