90 Aniversário De Evandro Lins E Silva
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90o Aniversário de Evandro Lins e Silva As fotos aqui publicadas são da exposição “Evandro Lins e Silva: um defensor da liberdade – 90 anos”, organizada pelo Centro de Memória da ABL, sob coordenação de Irene Rodrigo Octavio Moutinho e execução de Anselmo Maciel Filho – jul.-nov./2002. Evandro Lins e Silva, com a beca de advogado. Depoimento Alberto Venancio Filho ernambucano de origem, mas nascido no Piauí por força da Palavras pronunciadas na profissão do pai juiz itinerante, casado com ilustre dama P Mesa-redonda catarinense D. Maria Luisa Konder, foi no Recife que iniciou os em homenagem estudos de Humanidades, para concluí-los no Rio de Janeiro, cida- aos 90 anos do Acadêmico de que o acolheu prazeirosamente e onde veio a exercer atividade Evandro Lins e profissional com brilho e projeção. Silva, na Melhor do que essas palavras, a pena de escritor elegante descre- Academia Brasileira de veu o início de vida: “Parodiando Miguel Torga, quando recebeu o Letras, no dia Prêmio Luís de Camões, também posso dizer-vos – uma vida longa 18 de julho de dá para tudo. Para nascer por sucesso imprevisto, nos longes do Pia- 2002. uí, na Ilha de Santa Isabel, no delta do rio Parnaíba, em casa tosca e modesta, que consegui identificar cinqüenta e sete anos depois, quando lá voltei, como Ministro do Supremo Tribunal Federal. Para varar o Maranhão, de ponta a ponta, com o pai juiz, em traves- sias de remotas lembranças, guardo como odisséias uma delas, um percurso de cem léguas em lombo de cavalo, a maleita endêmica a minar a saúde da família.” 139 Depoimento Alberto Venancio Filho Do curso de Humanidades do Ginásio Pernambucano, concluído no Colé- gio Pedro II, guardou a melhor lembrança de sábios professores humanistas, que exercitavam o bom magistério. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro em 1932, “período tumultuado, com a revolução de 1930 de permeio, passando por decreto e sem exames, em curso deficientíssimo, reduzido a qua- tro anos por uma reforma de ensino, raras aulas freqüentadas”, sem nunca ter assistido a uma aula de Direito Penal. Como a maioria dos bacharéis em direi- to, um autodidata, a cultura jurídica alcançada nos estudos isolados e nos con- tatos com colegas e amigos. A advocacia criminal tornar-se-ia a sua paixão, ao assistir ainda estudante um julgamento rumoroso. O magnetismo do espetáculo o atraiu como um ímã, prendeu o estudante de direito ao júri, de onde não saiu mais, senão para desempenho eventual de cargos públicos. Atuou a partir de 1936 na defesa de presos políticos, nos processos do Tri- bunal de Segurança Nacional. Jovem, ombreou com os grandes luminares da época, entre as quais é dever ressaltar a figura de Sobral Pinto, valente e desas- sombrado, arrostando pressões de toda ordem, católico praticante mas acei- tando o mandato para defesa de líderes comunistas, e que, em momento de vi- olência extrema, chegou a solicitar ao Tribunal a aplicação a seus constituintes da lei de proteção aos animais. Trabalhou com denodo e destemor naquele tribunal de exceção, página ne- fanda da vida judiciária brasileira, onde a lei era posta de lado para atender aos interesses das autoridades. Relatava as declarações daquele procurador que timbrava em afirmar: “No Tribunal todos recebem pressões do governo, me- nos ele.” E diante da surpresa geral pelo funcionário servil, respondeu: “Por- que adivinho o que o governo quer, e me antecipo em executar.” Ao entregar, certa vez, memorial a um dos juízes, em processo de banqueiro acusado do crime de usura, ouviu o comentário: “Dr. Evandro, onze generais da ativa já me pediram por essa pessoa.” Felizmente, a vida do tribunal foi cur- ta e foi extinto com a redemocratização. 140 Depoimento Essa carreira prosseguiu vitoriosa, passando a constituir um dos expoentes do foro. Ponto alto nessa trajetória foi o processo do impeachment do Presidente Fernando Collor, recebendo o mandato do presidente da Ordem dos Advoga- dos do Brasil, Dr. Marcelo Lavenère Machado, e do presidente da Associação Brasileira de Imprensa, o nosso saudoso confrade Barbosa Lima Sobrinho, e auxiliado pelo Professor Fábio Konder Comparato, que nos honra com a sua presença. Com entusiasmo de um jovem, lançou-se à batalha com denodo e dedicação, alcançando notória e merecida repercussão, possibilitada pelos re- cursos da televisão, que o tornou figura popular em todo o país. Era agradável andar em sua companhia pelo centro da cidade, e ver aproximarem-se popula- res, pessoas modestas que vinham transmitir abraços e congratulações. Desse episódio, comentou ao recebê-lo nesta Casa o decano Josué Montel- lo: “Ficastes fiel, como orador, a uma forma de eloqüência que sempre soube encontrar, nos momentos exatos, a veemência do patriota indignado, como quando assomastes à tribuna do Senado para vos baterdes contra o político que havia desencantado a nação. Nessa oportunidade, o vosso verdadeiro constituinte tinha este nome coletivo: o Povo Brasileiro.” Assim, no jubileu profissional em 1991, em que se congregaram as institui- ções de advogados, promotores, juízes e tribunais de júri, pode o procurador Everardo Moreira Lima dizer: “Não se pode falar de Evandro Lins e Silva sem falar do júri porque ele é parte de sua história.” E na mesma ocasião, o advoga- do Antônio Evaristo de Morais Filho acrescentava: “Múltipla vem sendo a ati- vidade de Evandro neste meio século de labor fecundo. Mas, sem dúvida, foi aqui no júri que passou a maior parte destes anos e foi daqui do júri que o vie- ram buscar para levá-lo a outros patamares, o que constitui motivo de orgulho de todos nós, seus companheiros ou discípulos de advocacia criminal.” Entre as inúmeras qualidades que ornam o seu espírito, há uma que merece particular destaque: a capacidade de admirar, admirar os mais velhos, admirar os colegas de profissão com respeito e veneração. Nas conversas não há quem não se recorde ao cabo de poucos minutos das referências a Evaristo de Mo- rais, pai, e a Mário Bulhões Pedreira. Do primeiro disse que “não foi apenas o 141 Alberto Venancio Filho advogado, foi o historiador, o sociólogo, o ensaísta, o precursor e o autor de nossa legislação trabalhista nos seus primórdios. Foi o grande mestre da tribu- na do júri e pode ser comparado, sem favor, aos mais notáveis advogados de todo o mundo”. Quanto a Mário Bulhões Pedreira, disse ser ele “legítimo sucessor de Eva- risto de Morais, foi o maior orador de que já ouvi falar. Alçava o vôo e manti- nha o discurso em nível alto, sem fazer concessões à vulgaridade, do princípio ao fim, numa linguagem pura e castiça, influenciada pela leitura dos clássicos, que lhe eram familiares”. Ouvi de Sebastião Soler, o notável penalista argenti- no, a mesma opinião: “Ele nunca ouvira tribuno igual.” Por ocasião do centenário do Professor Edgardo de Castro Rebelo, nosso mestreeogrande professor de direito de várias gerações, traçou perfil exato, parecendo mesmo que estávamos vendo entre nós o notável jurista: Não sei porque, sempre que me lembro de Edgardo de Castro Rebelo, vejo-o como se ele estivesse vivo, presente, vibrante, rodeado de amigos e discípulos, contando estórias, historiando fatos, ensinando a compreender o mundo. Dono de uma cultura enciclopédica, prosa encantadora, carregada de sabedoria e de pitadas de sarcasmo, era fascinante o seu convívio. Não seria hiperbólico, exagerado, ao dizer que Castro Rebelo tinha amor físico aos livros, mas ele também sabia o seu conteúdo, os seus trechos de difícil compreensão, e dele ouvimos escolhos inexcedíveis, das obras de filosofia, de gramática, de direito, de literatura. A vida de cada um de nós se exerce muito ao acaso, a peripécia de que falava com freqüência San Tiago Dantas. Uma peripécia na sua vida foi o afastamen- to das atividades de advogado para exercer funções no Poder Executivo e de- pois ser nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal. Certo dia recebeu em seu escritório a visita de um emissário do Vice- presidente João Goulart, que em viagem oficial à China desejava organizar comitiva de pessoas representativas da vida brasileira. Hesitou em aceitar o 142 Depoimento convite, mas sua mulher lhe fez ver que era a única oportunidade de conhecer o outro lado do mundo. Estava na China quando da renúncia de Jânio Quadros e de volta ao Brasil resistiu muito em ocupar a Procuradoria-Geral da República, com prejuízos à banca então florescente, mas o Presidente fez-lhe ver que não era um convite de amigo, mas o pedido do Presidente para servir ao governo. Fato semelhante ocorreu quando Pedro Lessa, convidado pelo Presidente Afonso Pena para ingressar no Supremo Tribunal Federal, alegou escusas de vária ordem: O Presidente Afonso Pena então disse: “Eu cumpri meu dever es- colhendo o Sr., o Sr. cumpra o seu dever.” E ambos aceitaram o convite. Confidenciou certa vez que o Presidente João Goulart constantemente o chamava, entregando minutas de discursos, exposições de motivos e outros documentos com a expressão: “Evandro, enxuga!” Realmente a concisão é a marca do estilo de Evandro Lins e Silva. Poderia confirmar de ciência própria a reflexão do Presidente da República com episódio ocorrido na Conferência de Advogados em Manaus no ano de 1980. O então Presidente do Conselho Federal da Ordem, Eduardo Seabra Fa- gundes, encomendara a feitura de um pronunciamento como texto de encer- ramento da Conferência. O trabalho preliminar precisava ser revisto para representar com firmeza a posição da Ordem naquele delicado momento de restabelecimento do estado de direito. Designou então comissão de revi- sãoeogrupo, num apertado apartamento de hotel, começou a conversar so- bre assuntos gerais e, logo em seguida, disse Evandro que iria se colocar a um canto do apartamento, para fazer a revisão solicitada e que a apresentaria em seguida.