Programa História Oral

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Entrevista concedida pelo Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence ao programa História Oral do TJDFT

osé Paulo Sepúlveda Pertence nasceu em Sabará, tado pela Junta Militar, com base no AI-5. Anistiado, foi Minas Gerais, em 21 de novembro de 1937. Filho promovido, na inatividade, a procurador de Justiça do de José Pertence e Carmen Sepúlveda Pertence. Distrito Federal. Desempenhou o cargo de secretário jurídi- J Casou-se com Suely Castello Branco Pertence, co no Supremo Tribunal Federal, no gabinete do Ministro nascendo dessa união: Pedro Paulo, Evandro Luiz e Edu- Evandro Lins e Silva (1965-1967). Fundou com o Ministro ardo José. Forma-se Bacharel em Direito pela Faculdade Victor Nunes Leal, que então fora aposentado no Supremo Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Sepúlveda Paulo José Ministro de Direito da Universidade de Minas Gerais, em 1960. Tribunal Federal, e os advogados Cláudio Lacombe, José Cursou o mestrado na Universidade de Brasília, obtidos os Guilherme Villela e Pedro Gordilho, a Sociedade de Advo- créditos e aprovado o plano de dissertação de mestrado, gados Nunes Leal, em Brasília (1969). De 1969 a 1985, não a apresentou, em virtude de sua demissão. Ocupou dedicou-se integralmente à advocacia, em Brasília, Minas durante a sua carreira, entre outros, os cargos de Professor Gerais, São Paulo e no . Procurador-geral da da Universidade de Brasília (1962 -1965), da Associação República, procurador-geral eleitoral e de membro do Con- de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF) (1973), selho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (1985). Advogado (1961, com interrupção de 1963 a 1967), Integrou a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais assistente jurídico da Prefeitura do Distrito Federal (1961), (Comissão ), tendo sido relator dos textos membro do Ministério Público do Distrito Federal em setem- referentes ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. bro de 1963, exerceu as respectivas funções até outubro Integrou também a Comissão de Sistematização Final. Na de 1969, quando foi aposen- Assembleia Nacional Constituinte, como convidado, pres- tou depoimento na Subcomissão de Garantias da Cons- tituição. Ministro do Supremo Tribunal Federal – STF, em decreto de 4 de maio de 1989. Juiz substituto do Tribunal Su- pe- 2 rior Eleitoral – TSE (1990 – 1991) e juiz efetivo (1991 – Doutor Sebastião Rios Correa 1992), assumiu a Vice-Presidência (1992 – 1993). Eleito Na realidade, tenho a convicção de que o Minis- em 1o de junho de 1993 e empossado em 15 de junho tro Vitor Nunes Leal1 teve um papel muito importante na de 1993, exerceu a presidência do Tribunal Superior Elei- criação do Tribunal de Justiça, e o Ministro Sepúlveda toral até 15 de novembro de 1994. Eleito vice-presidente Pertence, como companheiro de escritório do Ministro Vitor do Supremo Tribunal Federal – STF. Presidente do STF Nunes Leal, acompanhou, também, toda essa história do 1995-1997. Retornou ao Tribunal Superior Eleitoral, como Tribunal. Então, tenho a convicção de que é muito impor- juiz substituto, em 16 de dezembro de 1999, sendo eleito tante para a Memória do Tribunal deixar registrado esse juiz efetivo, em sessão de 7 de março de 2001. Assumiu depoimento que o senhor prestará aqui agora. a Vice-Presidência da Corte Eleitoral em 11 de junho de Primeiramente, gostaria que o Ministro contasse um 2001. Compôs a banca examinadora, como representan- pouco de sua história de vida: onde nasceu, onde estu- te da Ordem do Advogados do Brasil – OAB, dos con- dou, um pouco da sua trajetória de vida. cursos de provas e títulos para: juiz federal dos territórios (1974 – 1975); juiz substituto do Distrito Federal (1978); Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence procurador da República (1978 – 1979); juiz federal, Bem, o meu nascimento, sem querer humilhar nin- em 1982; juiz federal, em 1983 – 1984. Presidiu, como guém, foi em Sabará (Minas Gerais), em 1937, o que procurador-geral, a comissão examinadora dos concursos não é preciso publicar. Passei a maior parte da infância para procurador da República, em 1986 e 1988. Em em Sabará. Mudei-me com os meus pais para Belo Hori- 20/2/2003, toma posse na Presidência do TSE. zonte, por volta dos dez anos, logo depois a experiência no Colégio Estadual de Minas Gerais e da Faculdade de Doutor Sebastião Rios Correa Direito, a UMG, hoje UFMG. A Desembargadora já fez esse agradecimento de você aquiescer em dar essa entrevista para o Projeto Formado, vem sempre aquela angústia, a que Roberto

Memória do Tribunal. Para mim, é uma satisfação muito Lyra (Filho)2 se referiu em um título de um livro seu: “Formei- grande contar com esse apoio seu, de responder afirma- -me em Direito, e agora?” E, numa noite de puxar angús- tivamente ao convite que o Tribunal fez. Por que? Porque tias, no Rio de Janeiro, com o meu grande companheiro de apesar de o Ministro não ter participado diretamente do Tribunal, mas é uma figura que sempre esteve presente em toda a história de Tribunal. 1 Jurista brasileiro, foi ministro do Supremo Tribunal Federal e pro- fessor da Universidade Federal do Rio do Janeiro. Nasceu em 11/11/1914, Carangola/MG. Faleceu em 17/05/1985, Rio de Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Janeiro/RJ.

Participar, não me deixaram nem pensar. (Risos) 2 Jurista e escritor brasileiro. Nasceu em 13/10/1926, Rio de Janeiro/RJ. Faleceu em 11/06/1986, RJ/RJ.

3 juventude, de movimento estudantil, afinal, uma amizade cipação no movimento estudantil. Mas essa é a trajetória fraternal, que era Modesto Justino de Oliveira Júnior, vai lá, até que, recém formados, em março de 1961, chegamos vem cá: “Por que não vamos para Brasília?”. a Brasília e iniciamos essa advocacia da porta de xadrez ao Supremo Tribunal Federal. Pude, então, tomar contato De Minas estávamos um pouco escorraçados; tínha- com a então iniciante Justiça de Brasília, com, em 1º Grau, mos participado ativamente das campanhas de 1960, da seis ou sete Juízes do Rio de Janeiro e de Minas, e já três minha formatura em Belo Horizonte, apoiando, auxiliando do primeiro concurso realizado em Brasília. Dentre os três, nas campanhas do General Lott para Presidente da Repú- Waldir Meuren, Mário Guerrera e Jorge Duarte de Azeve- blica e de para Governador do Estado. do , que tenho o prazer de reencontrar hoje neste papo. Derrotados em ambas as eleições, sumia aquela perspec- 4 tiva de qualquer início de subcarreira política, que então Doutor Sebastião Rios Correa podia nos passar pela cabeça. Como era o funcionamento naquela época? Viemos, então, para Brasília, trazendo um colega um pouco mais experiente do que nós, já advogando Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence militantemente em Belo Horizonte, que era o nosso, hoje Brasília era uma obra ainda claramente inacabada, saudoso, José Guilherme Vilella. Conosco veio — a prin- e não havia outro prédio, do projeto de Lúcio Costa/ cípio porque era o único que sabia dirigir automóvel, mas (Arquitetos), senão o do Supremo Tribunal

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Sepúlveda Paulo José Ministro acabou, depois de formado, também se deixando atrair Federal. Dizem até que, quando mais tarde, chamado a por Brasília — o Cid Ferreira Lopes Filho. Aqui montamos, projetar outro prédio para o Tribunal, Oscar teria se as- numa sobreloja da W-3, o nosso escritório, que costumo sustado. “Mas como? Para que outro Tribunal se que aqui dizer: no correr da mesma tarde, ia do presídio da então tem o Supremo?”. Mas o certo é que disso resultou que

VELHACAP, hoje Candangolândia3, até a tribuna do Supre- um dos prédios, de tão poucos — eram seis ou sete — na mo Tribunal Federal. Esplanada dos Ministérios —, foi entregue ao Judiciário. No térreo, segundo e terceiro andares, o Tribunal Federal Essa foi a trajetória tumultuada, desde a época de Recursos; no quarto andar, a Subprocuradoria e um secundarista até a época universitária, com intensa parti- pedacinho para a Ordem dos Advogados; o quinto andar ocupado pela 1ª Instância e o sexto pelo Tribunal de 3 19ª Região Administrativa do Distrito Federal, conhecida durante a Justiça e os últimos pelo Tribunal Superior Eleitoral. Era, en- construção de Brasília como VELHACAP. tão, com exceção do Supremo, todo mundo do Judiciário

4 Desembargadores: Waldir Meuren (*13/11/1929 – †15/12/1994); Mário Dante Guerrera (*8/1/1932 – †4/7/1997); Jorge Duarte de Azevedo (*14/7/1926 – †17/4/2017).

4 brasiliense concentrado neste prédio. O TST veio posterior- Desembargador Jeronymo de Souza mente, o STM também. Tudo o que existia fora o Supremo, O senhor chegou a trabalhar com Machado Neto5? no Judiciário de Brasília, concentrou-se neste Bloco VI, da Esplanada. Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Sim, foi o primeiro professor com quem participei, Doutor Sebastião Rios Correa que auxiliei na tarefa docente, foi exatamente o professor Depois o Ministro seguiu a carreira da Academia? Machado Neto, que veio da Bahia.

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Doutor Sebastião Rios Correa Sim, em 1962 ingressei como instrutor. Instrutor era Introdução à Ciência do Direito? o estudante de pós-graduação, com tarefas auxiliares de ensino, onde encontrei com V. Ex.a, creio que vindo Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence diretamente de Belo Horizonte para a Universidade. Esse Introdução à Ciência do Direito. Depois, na área de período de ilusão acadêmica durou até a grande crise da Direito Constitucional, com Vitor Nunes e Waldir Pires6 Universidade, no final de 1965. por algum tempo; uma passagem pelo Direito Penal com Roberto Lyra Filho. Doutor Sebastião Rios Correa A grande crise foi sempre esquecida, porque, quando Doutor Sebastião Rios Correa falam da primeira grande crise da Universidade, apontam Mas o encaminhamento foi para o Direito Constitucional. 1968. Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Para o Direito Público. Quando fui demitido, era Sim, porque aí houve a invasão militar, mas a grande responsável provisório pelo primeiro curso de Teoria Geral crise, realmente, a primeira grande crise, pelo menos pro- do Direito Público. Minha dissertação de mestrado seria na funda, porque fomos demitidos quinze, entre professores. área de Direito Constitucional.

Doutor Sebastião Rios Correa Dezoito. 5 Antônio Luís Machado Neto, nasceu em Salvador/BA,12/6/1930 e faleceu em 17/7/1977, foi jurista, sociólogo, filósofo, professor e advogado brasileiro, expoente do egologismo. Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence 6 Francisco Waldir Pires de Souza, nasceu em Acajutiba, 21/10/1926 Por aí. e faleceu em Salvador, em 11/6/2018, foi um advogado e político brasileiro. Foi Coordenador dos Cursos Jurídicos da Uni- versidade de Brasília (UnB) e professor de Direito Constitucional.

5 Doutor Sebastião Rios Correa Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Não chegou a fazer a dissertação? Os outros vieram atrás. (Risos) Mas com uma equipe que me orgulho muito. Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Não cheguei a fazer. Então, sou um submestre. (Risos) Doutor Sebastião Rios Correa Conte-nos um pouco dessa turma do Ministério Doutor Sebastião Rios Correa Público porque, na minha opinião, foi, assim, uma turma O seu ingresso no Ministério Público foi posterior? excepcional. Posso até antecipar: naquela época, começa- vam como Defensores Públicos, não era isso? Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Foi nesse período de Universidade, em final de setem- Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence bro, se não me engano, de 1963. Era.

Desembargador Jeronymo de Souza Doutor Sebastião Rios Correa Antes de 64. E eu tinha uma satisfação, quando era uma pessoa que estava precisando de uma defesa na área criminal, de Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence falar: “Diga que você não tem advogado, para você ter

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Sepúlveda Paulo José Ministro Antes de 64. um Defensor Público”. (risos)

Na ordem, quais eram esses defensores públicos. Desembargador Jeronymo de Souza Senão você teria sido barrado. Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Fomos empossados, na primeira fornada, quatro: An- Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence tônio Torreão Braz, Eduardo Andrade Ribeiro de Oliveira, Sim, claro! Lincoln Magalhães da Rocha e eu. Logo depois, uma outra turma com o Luiz Vicente Cernicchiaro, José Fernandes Doutor Sebastião Rios Correa Dantas, Jorge Ferreira Leitão, Romildo Bueno de Souza... Você poderia dizer, para registrar, qual foi a sua colo- cação nesse concurso do Ministério Público? Desembargadora Maria Thereza Braga Haynes Léia Esteves.

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Léia Esteves foi deste concurso, mas nomeada mais para frente.

6 O José Gerardo Grossi. O Tribunal estava dividido entre dois candidatos: Milton Sebastião Barbosa, que era uns dos vindos do Rio Doutor Sebastião Rios Correa de Janeiro para o Ministério Público, e Washington Bolívar Mas eu creio, também, que o Ministro teve uma parti- de Brito que ingressara no Ministério Público no primeiro cipação nesses concursos públicos para juiz, não? concurso de Brasília, anterior ao meu. E, obviamente, se pretendia candidato o Procurador Geral. Então, o Dr. Gui- Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence marães Lima, orador oficial das louvações ao golpe militar Tive. de 64, especialista em comparar a esposa do Comandan- te do Planalto à Joana D’Arc, (risos) e o Tribunal raciocinou Desembargador Jeronymo de Souza que, incluído em lista, a sua nomeação seria inevitável. Já como representante da Ordem. Então, escolheram-me, em parte por simpatia pessoal com os dois grupos e, em parte, porque seria um candidato Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence que não faria, que não ameaçaria um dos dois preferidos. Da Ordem. É claro que, dessa minha turma do concurso do Ministério Público, vários se desviaram para Doutor Sebastião Rios Correa a magistratura em um concurso um ou dois anos depois. A lista seria dupla e não tríplice. E, claro, seria natural, sem pensar muito se seria ou não juiz de carreira, pensar nesse concurso, mas as condições Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence políticas não eram favoráveis. Seria dupla e não tripla.

Doutor Sebastião Rios Correa Desembargador Jeronymo de Souza O Ministro tinha convicção de que não seria nem Você já disputaria a vaga como representante da aceito. OAB.

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Sequer aceito, obviamente. Embora, curiosamente, Não, do Ministério Público. logo depois o Tribunal me tenha colocado em uma lista para Desembargador. Desembargador Jeronymo de Souza Mas o seu afastamento compulsório do Ministério Doutor Sebastião Rios Correa Público... Mas não foi o escolhido? Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Veio depois. Embora muitos Não, essa é uma longa história. intérpretes da 7 história liguem a este episódio, mas foi bem depois, foi varreu do meu horizonte qualquer perspectiva de atividade em 1969. E essa ampliação do Tribunal, com a criação política. Quando chegou a retomada do processo demo- — eram sete no início —, foram para dez. Com isso, crático, eu já estava velho demais para iniciar qualquer havia um advogado, o José Colombo de Sousa e abriu-se, carreira política. então, uma vaga que seria do Ministério Público, onde foi nomeado o Milton Sebastião Barbosa. Doutor Sebastião Rios Correa Nós não podemos concordar com essa afirmação. Disso aí fica apenas uma brincadeira, a coincidência de minha mulher ser da família Castelo Branco. Então, Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence em uma festa de casamento, convidei o Milton e o Wa- Mesmo na área forense, foi com surpresa que, duas shington para uma determinada mesa e disse que estava ou três semanas antes da posse que não houve, do Dr. Tan- muito constrangido, porque, além de ditador, o Marechal credo para a Presidência da República, vejo surgir o meu era chegado ao nepotismo (risos) e teria avisado a minha nome e, depois, ainda pelo Dr. Tancredo, o convite para sogra que, havendo sobrinho, ele não poderia deixar de a Procuradoria Geral da República que, no final, conduzi- nomear. Dizia: “Vocês sabem, eu não posso recusar, se re- ria, por artes do destino, o segundo Castelo Branco, por cusar, a resposta será a cassação, e eu vivo disso”. (risos) artes da leviandade do Sarney, a minha nomeação para o Mas o susto durou pouco e terminou numa gargalhada. Supremo Tribunal Federal. (risos)

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Sepúlveda Paulo José Ministro Doutor Sebastião Rios Correa Desembargador Luiz Cláudio Abreu Mas conte-me um pouco. O Ministro fez referência, Voltando à sua atividade no Ministério Público, naque- ao que tudo indicava você seguiria a carreira política, le tempo. Algum fato, alguma participação sua no Júri, não é isso? O Ministro teve uma grande participação na alguma coisa que fosse de interesse para ficar registrado? política estudantil. Alguma coisa que envolvesse a sua atuação como Promo- tor que tivesse repercussão? Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Claro, sempre fica aquele germe, mas, na verdade, Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence se antes já havia praticamente abandonado essa ideia, Praticamente não exerci a função de Defensor Públi- sobretudo com o entusiasmo que me causava a perspectiva co, porque, primeiro classificado, fui logo promovido. da carreira acadêmica — o projeto inicial da universidade de e Anísio Teixeira Desembargador Jeronymo de Souza —, 64 A Promotor substituto.

8 Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence meio ou dois dias até ser posto sob a custódia do Procura- A Promotor substituto, posição da qual nunca mais dor Geral Guimarães Filho. saí, até que, em 69, descobriram que já havia trabalhado tanto pelo Ministério Público que já merecia uma aposen- Desembargador Jorge Duarte de Azevedo tadoria. Já era o Procurador Geral?

Desembargador Jeronymo de Souza Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Foi você e o Grossi que foram atingidos (inaudível) Já era o Procurador Geral. revolucionário? Desembargador Jorge Duarte de Azevedo Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Mas ele foi legal com você, não foi? Fomos eu e o Grossi. Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Desembargador Jeronymo de Souza É, naquele momento, o grupo do Ministério Público... O senhor esteve preso? Desembargador Jorge Duarte de Azevedo Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Ao contrário do Hugo Auler, com o Joffly. Eu estive preso — Ato Institucional n.o 1 — no dia 9 de abril de 1964. Foi o dia em que a Polícia Militar do Desembargador Jeronymo de Souza meu Estado consagra, entre as suas efemérides, como a to- Essa diferença foi muito colocada, à época. mada da Universidade de Brasília. Na verdade, era o dia, apesar da tensão ambiente, as aulas transcorriam normal- Desembargador Jorge Duarte de Azevedo mente. Neste dia, eu dava aula em uma das salinhas no O Geraldo Irineo Joffly chegou a ser preso. bloco dos Dois Candangos, que tinha um jardim interno, quando vejo, por esse jardim interno, soldados, como se Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence fossem fuzileiros navais americanos... Foi preso, nesse mesmo dia. Nós fomos presos pela manhã, passamos o dia no Teatro Nacional — no esque- Desembargador Hermenegildo Gonçalves leto do Teatro Nacional — e, à noite, fomos levados para Se aproximando sorrateiramente. o Setor Militar e tínhamos notícia vaga de que deveria sair um ato institucional. Vimos que a coisa era séria, porque Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence vimos passar pelos corredores, já à noite, entre deputados É, sorrateiramente, se aproximando para a tomar a e senadores, o então Juiz Geraldo Irineo Joffly. Universidade. As aulas se interromperam e, minutos depois, fui chamado à reitoria, porque era um dos nomes relacio- nados trazidos de Minas. Então, estive preso um dia e 9 Desembargador Jorge Duarte de Azevedo Desembargador Jorge Duarte de Azevedo Eu era auxiliar do Geraldo, na Vara de Família. Eu Isso está lá, a Cristina sabe disso. cuidava só de menores. Geraldo dizia: “Cuida disso aí, porque não tenho paciência”. (risos) Desembargador Luiz Cláudio Abreu Foi nomeado Desembargador, mas nunca deixou de Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence ser delegado, não é? Hoje, recordando, a Vara era de Família, Órfãos, Menores e Sucessões. (risos) Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Não. Desvestiu a condição de delegado do DOPS, Desembargador Jorge Duarte de Azevedo que foi no Estado Novo. (risos) E o Auler, na mesma hora, passou um ofício para mim mandando eu assumir a Vara integralmente. Eu não Desembargador Jorge Duarte de Azevedo assumi não. Eu cuidava dessa parte de menores e me E eles não fizeram nenhum esforço para... dava com o Coronel da censura. Procurei-o e disse: “Olha, E o Auler se vangloriava de que ele havia recebido recebi um ofício, mas não assumo antes de falar com o o apartamento dele do João Goulart, porque tinha uma meu titular”. Ele me deu o caminho e fui ao Regimento em biblioteca muito grande e o peso dos livros podia desabar. que estava preso o Geraldo. Cheguei para o Geraldo e Logo depois do que houve a Revolução, nunca mais ele

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Sepúlveda Paulo José Ministro ele disse: “Não vem com essas mocidades, essas coisas falou em João Goulart. todas, não”, com aquele jeitão dele. Eu disse: “Só assumo se você me autorizar”. Saí dali, avisei à Cristina que havia Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence estado com ele e, quando cheguei à Vara, fiz um ofício Claro. Fez o célebre discurso... protestando contra a prisão do Geraldo, assinado por mim. Eu era substituto e, depois, soube que o Auler reuniu Desembargador Jeronymo de Souza a Turma e queria me punir. O Hugo Auler foi o braço direito do Filinto Müller7. Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Saber se você também não devia ir fazer companhia Do Filinto Müller, no Estado Novo. a ele (Geraldo Joffly)! (risos)

7 Filinto Strubing Müller, nasceu em Cuiabá/MT, em 11/7/1900, fa- leceu em Paris,11/7/1973, foi um militar e político brasilei- ro. Durante o Governo Vargas, destacou-se por sua atuação chefe da polícia política. 10 Desembargador Luiz Cláudio Abreu Doutor Sebastião Rios Correa Notório perseguidor de comunista. Quem compunha esta banca desses concursos para juiz daquela época? Indicados pela Ordem dos Advoga- Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence dos? E, dias depois, tem um discurso célebre. Ele, con- vocado para o TFR — naquela época o TFR convocava Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence desembargadores locais —, fez um discurso que era uma Eu não vou... Foi um voto de desempate. (risos). Bem, bíblia da Gloriosa Revolução. não é preciso dizer que um dos votos contrários foi do Desembargador Auler, o segundo eu não me esqueço, eu Doutor Sebastião Rios Correa me esqueço (risos), não me lembro agora, e o terceiro foi O Ministro nunca alimentou a expectativa de fazer um o representante da Ordem, que Deus o tenha. concurso para Juiz de Direito? Doutor Sebastião Rios Correa Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Penso que é importante esse registro, porque vários Não. Onde seria natural, até por atração de amigos. candidatos não puderam se inscrever, como é o seu caso e Foi o Eduardo Ribeiro... de outros também. Agora, o caso do José Gerardo Grossi é que ele acreditava que podia fazer o concurso. O erro Doutor Sebastião Rios Correa dele foi esse. O Grossi. Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Então, foi três a dois. O Grossi se inscreveu e foi vetado nesse concurso. Doutor Sebastião Rios Correa Doutor Sebastião Rios Correa Houve (inaudível) de registrar uma atitude corajosa, Como vetado? simpática.

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Desembargador Jeronymo de Souza Vetado porque as listas eram mandadas para o SNI e Mas Rios, você sabe, e o Pertence foi testemunha vinha um xis ou um não-xis. disso, que a Revolução do Regime Militar dedicava uma atenção, uma vigilância muito grande à Capital Federal. Desembargador Jeronymo de Souza Não só por ser Capital, como também porque, no enten- Em todos os concursos públicos, as inscrições eram der deles, havia um covil de esquerdistas, de sonha- remetidas para o SNI e o SNI devolvia com a anotação dores, de subversivos que estavam daqueles que não podiam fazer concurso público. ali na UnB. Então, 11 a partir da UnB, que seria, também, um centro de coopta- gatorial, já foi Presidente do CACO, sempre com esse ar ção... de Desembargador.

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Desembargador Jeronymo de Souza Pouco antes do golpe se instalara a CPI da UnB. Fizemos lá umas greves, uns movimentos.

Desembargador Jeronymo de Souza Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Exato. Bem lembrado. Mas sempre com esse ar de Desembargador.

Então, a nossa jovem Capital vai fazer 50 anos no Desembargador Luiz Cláudio Abreu ano que vem, e a Justiça do Distrito Federal vai fazer 50 E essa posição do Jeronymo nos valeu oito meses de anos, daí por que o convite a Pertence. O Pertence está atraso num concurso posterior, do Ministério Público, do umbilicalmente ligado à história do Distrito Federal, da qual participamos, cuja nomeação levou oito meses por Capital, e, também, à Justiça do Distrito Federal, não só causa de estarmos na lista. porque ele vivenciou todos esses acontecimentos, mas também porque o Pertence é praticamente uma cria aqui Desembargador Jeronymo de Souza da Capital. Chegou a ocupar altos cargos da República Mas vocês foram nomeados e eu não fui. e se houve da maneira mais gratificante para todos nós, Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Sepúlveda Paulo José Ministro que fomos companheiros, mais próximos ou mais longe, Desembargador Luiz Cláudio Abreu da carreira dele como Procurador Geral e, depois, como Mas mesmo assim nossa nomeação demorou cerca Ministro do Supremo. de oito meses.

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Doutor Sebastião Rios Correa Do Jeronymo, essa companhia vem de antes. (risos) Ministro, gostaria de retomar uma pergunta que o O meu tempo de primeiro Vice-Presidente da Ordem (dos Desembargador Luiz Cláudio fez, que parece que não advogados) coincidiu com a Presidência do Jeronymo no foi respondida. Creio que em alguns casos importantes o CACO . Você vê essa figura tão tranquila, tão desembar- 8 Ministro participou.

8 Centro Acadêmico Cândido de Oliveira da então Faculdade Na- Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence cional de Direito, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Exato. Eu me perdi ao falar que, a rigor, não desem- penhei funções de defensor público, que era o posto inicial da carreira do Ministério Público, conforme o modelo que vinha do Rio de Ja- neiro e fui logo 12 designado promotor, com atuação preponderante na 1ª Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Vara Criminal, que acumulava funções de juizado singular E, ao contrário do inimigo, parece que ele nunca com o Tribunal do Júri. havia pego uma arma de fogo, enquanto o Silvestre era um atirador, campeão no Exército. Então, rigorosamente é preciso conferir a data, mas creio que não se passavam dois meses da minha posse, Então, esse foi o primeiro caso, que assusta um quando entre os inquéritos a mim distribuídos vem, na Promotor... capa, Arnon Afonso de Farias Melo e Silvestre Péricles de Góes Monteiro. Os dois senadores, personagens da Doutor Sebastião Rios Correa célebre cena no Senado Federal que, depois de ameaças Quem decide esse caso? constantes do senador Silvestre, que não admitia que o senador Arnon ocupasse a tribuna, uma hora se tornou Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence inevitável, as ameaças cresceram e o senador Arnon co- O Juiz de 1º Grau era a querida figura do Dr. Castelo meça o seu discurso quando é agredido por palavrões do Branco, Djalmani Calafange Castelo Branco, tio da minha senador Silvestre. Segundo as fotografias e a versão que mulher. Ele impronunciou o Silvestre Péricles porque havia acabou predominando no Tribunal, confundiu-lhe o dedo, a versão acusatória de que, depois do tiro do Arnon, o que era realmente grande, com o revólver. Então, Arnon Silvestre teria ajoelhado e dado o gatilho, mas que uma saca do revólver e vem a atingir a única vítima da tragi- mão salvadora, que se atribuía ao Senador João Agripino, comédia, José Kairala, que era um suplente do Acre que, teria posto o dedo exatamente entre... — eu não sei, sou naquele dia, cumpria o último dia da sua convocação. analfabeto. Eu sei que a prova material dessa intervenção Então, a sua família estava na galeria para despedida e é que o senador João Agripino saiu com um furo no dedo para comemorar aquela passagem pelo Senado Federal indicador. Mas, na instrução, o próprio senador João Agri- e este é atingido e morto pela bala desviada do senador pino, o senador Newton Campos, que estava próximo, Arnon de Melo em direção ao senador Silvestre. disse que, naquela hora, estava todo mundo querendo se esconder. O senador Agripino disse que, realmente, meteu Desembargador Luiz Cláudio Abreu a mão, mas que não sabe se foi antes, se foi depois. Até no Senado há balas perdidas. (risos) Então, isso ficou nebuloso. E pronunciou o senador Arnon de Melo. Houve recurso e o Tribunal deu provimento para Doutor Sebastião Rios Correa também impronunciar e absolver sumariamente o senador Mas a informação que a gente tem é que a bala Arnon, por legítima defesa putativa. não foi perdida, é que o Senador Arnon de Melo tremia tanto...

13 Desembargador Jeronymo de Souza Desembargador Jeronymo de Souza Ministro Pertence, salvo engano, o Nélson Hungria, já Coação e Malícia. Ministro aposentado do Supremo, foi quem fez a defesa do Arnon, não foi? Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Não, esse Coação e Malícia é sobre a emenda par- Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence lamentarista. Creio que se chama, mesmo, NOVACAP ou Não, foi Miranda Lima. Quem atuou, realmente, NOVACAP e o Direito, que era um grande tema jurídico. foi Miranda Lima. Também eram advogados indicados: Era caracterizar se havia, em tese, peculato. Sobral Pinto e Dario de Almeida Magalhães. Desembargador Jeronymo de Souza Desembargador Jorge Duarte de Azevedo Vocês vejam que interessante: a gente está falando, E quem interrogou foi o Waldir Meuren, não foi? Me aqui, na Justiça do Distrito Federal, e o Pertence é testemu- lembro... nha disso tudo. Então, vão aparecendo algumas questões interessantes: o Souza Neto era Desembargador e escrevia Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence artigos políticos, tinha até um jornal! Sim, o Arnon. Ele era o substituto, normalmente, da 1ª Vara. Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Sepúlveda Paulo José Ministro Teve um jornal, em uma determinada época. Era uma Desembargador Jeronymo de Souza figura singular, adorava polêmica. E, me veio à lembrança: talvez, no Tribunal de Justiça, o Nelson Hungria fazendo uma sustentação oral. Desembargador Jeronymo de Souza Tribuna Brasiliense, alguma coisa assim. Era um jornal Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence político, e ele apoiava o João Goulart, aquele negócio Sim, fazendo uma sustentação oral de um caso que todo. Brasília é uma cidade jovem ainda, mas tem uma era, ainda, daqueles famosos inquéritos de Jânio Quadros: vida bastante agitada. o caso da NOVACAP. Discutia-se a natureza jurídica da NOVACAP, o que deu origem, até, a um livro do (Desem- Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence bargador Joaquim de) Souza Neto sobre essa discussão. Um desses episódios foi saído dos inquéritos da NOVACAP, e é claro que era um inquérito, pelo tamanho, que dava erisipela em todo promotor que se arriscasse. Até que um dia falei “não pode continuar isso aqui” e resolvi. Nesse cartapácio de volumes que me arrisque, o grande problema eram uns lotes que, por 14 subscrição pública — ia de empreiteiras a candangos —, Desembargador Jeronymo de Souza haviam comprado para o ex-presidente Juscelino Kubis- Ministro Pertence, o senhor ficou poucos anos no tchek — a mansão do Lago Norte — e que teriam compra- Ministério Público, não foi? do para isso, escondendo uma resolução da NOVACAP, e aumentavam o preço. E foram alguns dias de procura, na Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence verdade essa resolução foi proposta, mas recusada ou não Fiquei. Fiz concurso e tomei posse no final de 1963 votada por um pedido de vista do representante da oposi- e, em 1965, fui cedido ao Supremo Tribunal Federal para ção, depois senador, Virgílio Távora. Então, simplesmente servir como secretário jurídico, atual assessor, do Ministro não havia o corpo de delito. Evandro Lins e Silva. Naquela época eram dois anos pe- remptórios. Fiquei lá quase dois anos. Voltei ao Ministério Depois disso passei uma boa temporada fazendo Público, logo depois o AI-5, o ambiente carregado, enfim, Júris. Alguns casos bonitos, como o da condessa, uma mu- perdi muito do ânimo. Era promotor substituto, e a primeira lher que se dizia condessa austríaca, acusada de mandan- vez — as promoções se faziam rotineiramente pela ordem te do marido. Os dois, donos de um motel na ida para o de antiguidade, fosse por merecimento ou por antiguidade Núcleo Bandeirante, da Cidade Livre para a W-3 Norte, — que surgiu uma determinada vaga, em que eu deveria e que tive a glória de debater com o meu mestre Pedro ser promovido por antiguidade, fui eliminado por uma Aleixo, foi o advogado de defesa. decisão do Dr. Guimarães Lima, com base de que haveria informes gravíssimos de subversão etc. Desde então perdi Desembargador Jeronymo de Souza o entusiasmo e fiquei na única função que era privativa de Nessa época o Washington Bolívar era defensor pú- promotor substituto, que era a de opinar nos processos de blico do Júri. Lembro-me dele porque tinha a mania de fazer habilitação de casamento. (risos) umas fichas, sempre consultava as fichas, Interessante.

Desembargador Jorge Duarte de Azevedo Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence E eu o casei, como Juiz. Ele foi um dos primeiros Júris, ainda defensor público, anterior a mim, mas lembro de ter assistido os Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence primeiros Júris. Foi. Minha mulher era funcionária do Tribunal, eu a levava diariamente, deixava na saleta dela os processos Doutor Sebastião Rios Correa de habilitação, levava aquilo e trazia no dia seguinte e ia Lembra de outros casos relevantes? O caso Pacheco tratar minha vida. Fernandes?

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Não. A célebre matança, que se diz, na época da construção, ainda. Não, não passou pelas minhas mãos. 15 Desembargadora Maria Thereza Braga Haynes de um organizador, de um trabalhador excepcional. Então, O senhor é de Sabará, e o Ministro Vitor Nunes Leal a Xerox começa por permitir cópias de acórdãos, suplan- de Carangola. Como foi que o senhor o conheceu e come- tando a tese de ir procurar nos ementários folhas carbono çou a trabalhar com ele? de acórdãos, que davam uma cópia quase ilegível.

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Desembargador Luiz Cláudio Abreu Eu o conhecia muito de citações na Universidade, Para se obter um acórdão do Supremo era preciso particularmente do professor Orlando de Carvalho, nosso pedir certidão. Era datilografada. professor de Teoria Geral do Estado, pela sua obra clássica de Ciência Política, “Coronelismo, Enxada e Voto”. Mas Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence só vim conhecê-lo pessoalmente aqui em Brasília, como o É, ou era datilografada ou, então, depois, cópia de ministro mais moço, mais moderno do Supremo Tribunal de papel carbono. E outras coisas, como verificar que, do então, último empossado no Rio de Janeiro. Enfim, relações protocolo de um recurso até chegar à mesa do gabinete ali, de advogado com o ministro — noutra época, é claro, do Ministro Relator, o processo, os autos faziam dezesseis em que não havia coisa de marcar audiência com Ministro movimentos físicos, transportados para lá, para cá, para do Supremo para daqui a dois meses. (risos) lá, para cá. Então, o Vitor começa, com essa máquina arrumada por empréstimo, realmente, do gerente da Depois, nos primeiros dias do primeiro ano da Uni-

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Sepúlveda Paulo José Ministro Xerox do Brasil na época, que nós chamávamos de mister versidade de Brasília, ainda não havia os institutos cen- Gregory, porque achávamos que era americano, há pouco trais, então se fez uma organização provisória dos cursos tempo é que soube que é irmão do ex-ministro José Gregó- tronco, e Vitor, além de dar aulas de Ciência Política e rio, meu velho amigo. Então, esses dezesseis movimentos Direito Constitucional, logo depois, era o coordenador do foram substituídos por uma Xerox da folha em que se curso tronco de Direito, de Administração e de Economia. identificava os autos, e essa folha é que fazia o movimento Vem daí a minha ligação com ele. Logo em seguida vem até ser juntada e levada diretamente ao Relator. a época do que chamo de a revolução Vitor Nunes no Supremo Tribunal Federal. Começa com uma máquina Seguiu-se a atualização da RTJ que, na época, era Xerox, que ele conseguiu emprestado, e que já fez uma uma obra de arqueologia jurídica, publicava acórdãos revolução para a época. Vitor tinha esse casamento, um de dez anos atrás. Vitor estabeleceu um acordo de honra pouco raro, de um intelectual, de um teórico brilhante, mas com o Diretor da Imprensa Nacional, com um cronograma rígido, (inaudível) em pouco tempo atualizava e a punha, realmente, como uma revista que publicava no trimestre os acórdãos do trimestre passado. Nisso ele arrebanhou um pequeno número de advogados que o auxiliavam nessa tare- fa: 16 seleção de acórdãos, de indexação da revista. Lembra-me vida. Tenho, para mim, que o Ministro desfruta de uma po- uma vez que o cronograma atrasou, porque o José Gui- sição que pouquíssimas pessoas conseguiram; isso porque lherme, que era o mais assíduo nessa tarefa, por essa ou o Ministro foi e é um advogado brilhante; pertenceu ao aquela razão estava fora de Brasília, e fomos chamados, Ministério Público, colocado em primeiro lugar no concur- o Grossi e eu, na sexta-feira à tarde. Passamos até domin- so; foi magistrado... go à tarde — breves cochiladas, mais para o Vitor do que para nós, porque ele tinha a rara capacidade de deitar na Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence mesa do escritório e dormir durante 15 minutos e continuar Quase fui Procurador do Tribunal de Contas do DF. o trabalho —, terminamos o trabalho já era tardinha do Este, cheguei a me inscrever e fazer as provas escritas; saí- domingo, e ele nos deixou em casa de carro e foi para -me airosamente delas, quando veio a cassação e não me o Supremo para superintender o trabalho de datilografia, arrisquei às provas orais, porque, naquele tempo, ameaça- que deveria estar pronto na primeira hora da manhã da va sair preso. segunda, para cumprir o cronograma. Ele era uma figura singular. Desde quando o conheci no Supremo, dizia ele Doutor Sebastião Rios Correa que, pela falta de memória, estabeleceu um sistema de Exerceu o cargo de Procurador Geral da República e cadernos em que, por ordem cronológica, tomava notas foi Ministro dos mais brilhantes. O Ministro fez um elogio telegráficas de cada julgamento e da posição de cada rasgado, e justificadamente, ao Ministro Vitor, mas o Minis- ministro no processo e isso depois era cruzado com os tro Pertence foi um seguidor do Ministro Vitor. E mais, como pequenos cadernos colecionadores, por tema, que se professor, penso que a Universidade perdeu um grande reportavam apenas ao número de série da anotação, que professor de Direito Constitucional. E mais — essa é uma era a data invertida — mania que tenho até hoje — por- opinião quase unânime —, o Ministro Pertence era aquele que é a única forma de fazer uma série crescente. Com Ministro do Supremo que conhecia sobejamente o Direito isso, se tornou o terror do Tribunal: “Recurso Extraordinário Constitucional. E mais, a gente sabe perfeitamente que o nº tal” — todos os ministros mais antigos, mais cansados Ministro havia sido sondado para exercer alguns cargos — “o Relator...” e vinha, com o “ferrinho de dentista”, o Vi- no Executivo, também. Então, é um currículo invejável, tor, abria dois cadernos e falava: “Ministro, tenho a maior porque pouquíssimas pessoas tiveram a oportunidade de admiração pelos seus votos, e gostaria muito de saber qual ter exercido tantos cargos. a razão da mudança da sua posição”. (risos) Era aquele susto! Daí nasceu a súmula, cuja elaboração também tive Desembargador Luiz Cláudio Abreu o prazer de participar. Naquela época foi uma revolução, Depois disso tudo, ainda foi sondado para ser candi- iniciando essa fase. dato a Presidente da República.

Doutor Sebastião Rios Correa Ministro, a modéstia é o seu amigo. Tenho, para mim, que o Ministro foi um tanto modesto no histórico de sua 17 Desembargadora Maria Thereza Braga Haynes Desembargadora Maria Thereza Braga Haynes Ministro, o senhor considera que a Comissão de Já é um grande início. Ética tem um futuro seguro ou é preciso muita luta ainda para que ela se firme como uma esperança da sociedade Desembargador Jeronymo de Souza brasileira? O Ministro Pertence, para o nosso objetivo da Me- mória da Justiça do Distrito Federal, que vai completar 50 Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence anos, é importante porque toda a trajetória dele se confun- Bem, ela é uma instituição, com dez anos de funcio- de com a nossa Capital, a carreira jurídica de Magistrado namento, mas com uma estrutura, de meios, absolutamente que se seguiu nesses anos todos. franciscana. Basta dizer que, no orçamento para o próxi- mo ano, tive de ir diretamente à Presidência da República Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence porque o nosso orçamento de cerca de R$ 400.000,00 Mesmo tendo passado pouco tempo ligado profissio- (quatrocentos mil reais) estava sendo reduzido a cerca de nalmente ao Fórum local como membro do Ministério Pú- R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais). Agora, ela tem blico, depois como advogado e em função das amizades um papel, na medida em que tiver mais meios de ação, feitas, passei por uma fase em que, os Desembargadores, menos sancionador, porque, em matéria de sanção, nós eu poderia tratar todos de você, e, também, a maioria dos vivemos numa zona cinzenta, com onze infrações discipli- Juízes de 1º Grau. Aos poucos, os de 1º Grau foram di-

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Sepúlveda Paulo José Ministro nares e, muitas vezes, com as infrações penais que são de minuindo e hoje são raros os do Tribunal que ainda posso outra área: da CGU, que tem tido um trabalho admirável chamar de você na intimidade. nessa área, ou do Ministério Público, e ficamos nós na zona cinzenta da ética da administração, onde creio que Desembargadora Maria Thereza Braga Haynes o papel é muito mais pedagógico do que sancionatório. De qualquer forma, Ministro, o Tribunal tem um E é isso, que, absolutamente despidos de meios materiais grande apreço pelo senhor, inclusive com aquela homena- de ação, já conseguimos ter comissões setoriais de ética gem do Tribunal do Júri que leva o seu nome. Na reforma, em todos os ministérios e mais duas ou três centenas de aquilo ali ficou como auditório do Tribunal do Júri, inclusive organizações governamentais espalhadas pelo País todo. suplantando uma norma legal que diz que não se pode Isso, espero, pode ajudar a criar uma cultura de ética na colocar nome de pessoa viva, mas o apreço é muito gran- administração, com o correr do tempo. de. Realmente, se eu tivesse feito uma divulgação desta entrevista, isso aqui estaria lotado, o senhor pode crer.

Desembargador Jeronymo de Souza Teria de fazer a entrevista no auditório. (risos)

18 Doutor Sebastião Rios Correa O Pertence foi eleito Presidente do TSE. O Natanael Creio que a homenagem foi anterior à norma, mas é era o Presidente do TRE e eu era o Corregedor e Vice-Pre- uma norma manifestamente inconstitucional. Teve até uma sidente. O nosso orçamento no TRE era uma coisa mínima, cantora, Carmem Costa, que disse: “eu quero ser tombada só dava para pagar o pessoal e não sobrava para inves- e quero receber a homenagem em vida”. Por que uma timento. Havia uma ditadura na burocracia do TSE, e eles pessoa vai ser homenageada depois de morta? Essa é estipulavam lá, discricionariamente, qual era a dotação do uma norma que não deve ser observada. Tribunal do Rio de Janeiro, de Brasília, do Espírito Santo, e faziam aquilo sem nos consultar, sem consultar os TREs. Desembargador Jeronymo de Souza Um outro episódio, aí o Ministro Pertence já era advo- Doutor Sebastião Rios Correa gado militante. Isso é da cultura dos TSEs. Dr. Geraldo.

Foi na época do General Newton Cruz, comandante Desembargador Jeronymo de Souza militar do Planalto, executor das medidas de emergência, (inaudível) e lá pelas tantas quiseram invadir a Ordem dos Advoga- dos. E, em visita à OAB-DF, queimaram as fotografias, e O Natanael chegou para mim e disse: “Como é que o Pertence aparece lá, de braços dados, cantando o hino vamos administrar o Tribunal?” Aí, o Natanael disse: “Vou nacional. Aquilo foi marcante não só na vida do Pertence pedir uma audiência com o Pertence, vou falar com o como na vida da Capital. Pertence. Isso não é possível”. De fato, o Natanael foi falar com você. Você estava recém empossado, tinha uns dois Isso mostra que a nossa jovem cidade tem uma meses no TSE, e deu uma carta de alforria para os TREs atuação nesse episódio de resistir ao regime (inaudível) no Brasil inteiro, porque, aí, as dotações orçamentárias da ditadura militar. Demos a nossa contribuição, que foi começaram a ser mais razoáveis. relevante, e o Ministro Pertence estava lá.

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Desembargadora Maria Thereza Braga Haynes É, estive nas tarefas administrativas que a vida me Eu não estava aqui durante a sua carreira no Ministé- reservou, das quais tenho uma alergia visceral, mas devo rio Público, mas, pelo que ouvi contar e pelas suas de- homenagem a um grande amigo, já falecido, que foi o clarações, realmente o senhor, em cada passo, enfrentou professor Alysson Darowish Mitraud. Tanto na Procuradoria desafios enormes, que exigiram muita coragem pessoal. como, depois, no TSE e, finalmente, na Presidência do Supremo foi o meu suporte. Desembargador Jeronymo de Souza Mas quando o Pertence teve esse gesto, ele deve ter (inaudível) com o Vitor Nunes Leal, de modernizado e de agilizar. 19 Doutor Sebastião Rios Correa Supremo Tribunal Federal, o meu discurso de posse tem a Foi meu calouro na Faculdade de Ciências Econômicas. ver com a colocação que o nosso Rios acaba de fazer, o do reconhecimento não só de que o Judiciário estava em Ministro, gostaríamos, também, de despertar para um crise, mas que estava à beira da falência. A retomada do aspecto importante, que é a questão do seu papel, da sua processo democrático, e, particularmente, a Constituição participação na Justiça. Apesar de estar aposentado, te- de 1988 apostou, como nenhuma outra Constituição do mos a convicção de que o Ministro ainda tem muita coisa Brasil, ou, quiçá, como poucas ou nenhuma Constituição para oferecer à sociedade. no mundo, na solução jurisdicional dos conflitos, não só A Justiça sofre uma série de críticas, muitas delas pro- dos tradicionais conflitos inter-individuais ou de repressão cedentes. Ninguém discute isso, porque são fatos públicos penal, mas também na solução dos conflitos de massa e notórios. dessa inquieta sociedade dita pós-moderna que estamos a viver. E me congratulo que, desde então, efetivamente, Eu gosto muito daquele hino da Igreja Reformada, houve uma progressiva tomada de consciência, não só da apesar de não ser da igreja evangélica, mas a igreja refor- família forense — juízes, promotores, advogados —, no mada é sempre reformada, e quase sempre os evangélicos interior da qual sempre ficara a discussão da reforma Judi- esquecem desse “sempre reformada”. As pessoas têm de ciária, ou das reformas Judiciárias anteriores, mas também estar sempre preparadas para as mudanças. As mudanças uma participação cada vez maior de setores da sociedade estão aí e, hoje, as coisas acontecem em uma velocidade

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Sepúlveda Paulo José Ministro civil, comprometidos com a ampliação da cidadania, que que é difícil de a gente acompanhar, e para os dirigentes passa necessariamente pela reforma estrutural do Poder de tribunais fica também muito difícil acompanhar toda Judiciário. essa evolução. Lutei bravamente contra resistências, algumas vindas Gostaríamos de, primeiramente, fazer uma convoca- da magistratura mais conservadora, quando da aprovação ção: apesar de aposentado, o Ministro Pertence não pode e sanção da Lei dos Juizados Especiais à época em que dependurar as chuteiras. E mais, que deixasse, também, era Presidente do Supremo. Depois, acompanhei todas as uma mensagem para essas pessoas que estão com essa idas e vindas da reforma Judiciária que, com exageros, responsabilidade de administrar os nossos tribunais. com minudências inadequadas, na verdade, deu alguns passos decisivos no caminho da modernização Judiciária, Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence sobretudo a ruptura que significou na cúpula do sistema Quando — faz doze ou treze anos — assumi a com o nosso arraigado hábito de tratar demandas de mas- Presidência do sa como se fossem demandas individuais e, consequen- temente, inviabilizar os tribunais de cúpula, particular- mente o Supremo Tribunal Federal. Creio que os dois mecanismos pos- 20 tos pela Emenda Constitucional nº 45, um vindo ainda dos ção — uma obra sempre inacabada, porque cada passo tempos da pregação de Vitor Nunes, nos anos 60, hoje avante levará a novos desafios a vencer. chamado Repercussão Geral, para fugir à denominação Sou otimista inveterado e, por isso, já não tendo mui- que ficou um pouco maldita pelas suas origens quando po- to a dar depois de uma vida sempre disposta à luta, resta sitivada de relevância da questão constitucional, e o outro confiar nas novas gerações. o da súmula vinculante. Fui muito apedrejado quando a preguei ao tempo da presidência, por muitas objeções de Muito obrigado. boa-fé. A questão é, realmente, sujeita a críticas e a uma ←fim→ dialética profunda, mas dizia que não há solução viável melhor do que essa de começar a ver que a realidade e a crise do Supremo Tribunal Federal, que é reflexo da crise de todas as instâncias, é este fenômeno típico da socie- dade de massa e da ampliação da cidadania a partir da retomada do processo democrático, que é a multiplicação de demandas idênticas.

Mas há muito que fazer, e a muito que fazer na cultu- ra dos juízes membros do Ministério Público e dos advoga- dos. Muito que fazer nos agentes políticos dessa máqui- na — juízes e os membros do Ministério Público —, no sentido de internar convicção de que vivemos, devemos um serviço público, um serviço ao público, porque não somos uma corporação a serviço de si mesmos. Dos advogados, a consciência também de que a protelação temerária de recursos inúteis para erodir as derrotas judiciárias acaba por desmoralizar toda a estrutura judiciária, a partir dos próprios advogados, e fazer do processo uma alavanca de impedimento de que as decisões se efetivam.

É com isso que gostaria de, ao fim dessa hora tão agradável, de rever queridos amigos que me trazem a retomada do tempo passado, quando mais ligado à Justiça do Distrito Federal, que praticamente vi nascer, deixar às novas gerações dos que têm hoje essa imensa responsabili- dade de construir uma Justiça dos novos tempos, e — quer por tarefa da construção da democracia, quer por defini- 21 Data da Entrevista 3/11/2009

Local Brasília-DF

Entrevistado Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence

Entrevistadores Desembargadora Maria Thereza de Andrade Braga Haynes Desembargador Hermenegildo Fernandes Gonçalves Desembargador José Jeronymo Bezerra de Souza Desembargador Jorge Duarte de Azevedo Desembargador Luis Cláudio de Almeida Abreu Juiz Sebastião Rios Correa

Transcrição Victoria Iwanow

Revisão Otacílio Guedes Marques Virgínia Reis da Costa

Projeto Gráfico Diego Vilani Morosino – ACS

Diagramação Roberta Bontempo Lima – ACS

23 Programa História Oral Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence Sepúlveda Paulo José Ministro

Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence

SGIC Secretaria de Gestão da Informação e do Conhecimento

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