Academia de Letras dos Estudantes da Universidade Mackenzie
Revista Acadêmica
Academia de Letras dos Estudantes da Universidade Mackenzie
Instalada em 02 de outubro de 1956
6ª Edição – Julho de 2017
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facebook.com/academiadeletrasdauniversidademackenzie
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Índice
A Academia dos Estudantes e a Revista Acadêmica....................05 Membros da Academia dos Estudantes......................................................06 Conselho de Veteranos e Membros Honorários..............................07
Edital para novos membros..........................................................08 Textos.....................................................................09 Fim...............................................................................................41
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A Academia dos Estudantes e a Revista Acadêmica
Academia de Letras dos Estudantes da Universidade Mackenzie nasceu em 02 de outubro 1956 por iniciativa dos estudantes da Faculdade de Direito que, unidos pela alma exploradora dos primeiros anos da Universidade, resolveram fundar uma entidade capaz de desenvolver o espírito literário dentro dos diversos cursos da instituição. Após as primeiras décadas, a Academia perdeu adeptos e acabou se tornando uma instituição sem membros ativos. Nesses anos, diversas ações foram executadas com o objetivo de reerguê-la, mas, apenas em 2012, por iniciativa do Centro Acadêmico João Mendes Jr., órgão de representação estudantil da Faculdade de Direito do Mackenzie, finalmente, a Academia de Letras dos Estudantes foi refundada. Atualmente, a Academia conta com 40 cadeiras, ocupadas exclusivamente por estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade. Após a formação, os membros compõem o Conselho de Veteranos, em número infinito. A finalidade da Academia de Letras dos Estudantes da Universidade Mackenzie é fomentar a produção e o debate literário dentro da Universidade, contribuindo para o desenvolvimento pleno dos estudantes e da literatura nacional. A Academia de Letras dos Estudantes tem como irmã a Academia Mackenzista de Letras, entidade fundada em 2015 por ilustres escritores vinculados à Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Desde 2015 a Academia de Letras dos Estudantes publica a “Revista
Acadêmica”, um instrumento de divulgação, promoção literária e fomento
intelectual.
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Membros da Academia dos Estudantes
Estudantes Membros - 1º Sem/2017
Cadeira
1
Patrono
Dante Alighieri Gregório de Matos
Luis Gama
Estudante
Thomas Pagano Brundo Gasparetto
Danilo Souza Costa (Direito)
Leonardo Ribeiro (Direito - Mestrado )
Leonardo Spinola Alcântara
Cadeira Vaga
23456789
Álvares de Azevedo Augusto dos Anjos Lygia Fagundes Telles
Monteiro Lobato Fernando Pessoa
Carlos Drummond de Andrade
Mario Quintana
Ana Paula Ricco Terra (Direito)
Cadeira Vaga
Márcio José Silva (Educação, Arte e História da Cultura - M.)
Danielli Morelli (Doutorado - Letras)
Cadeira Vaga
10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40
Evandro Lins e Silva
Jorge Amado
Bruna Bianca Brandalise Piva (Direito) Leonardo Mariuzzo Plens (Direito)
Cadeira Vaga
Aidil Prado (Direito)
Cadeira Vaga
Jonathan Estevam da Silva Martins (Direito)
Otávio Coelho (Direito)
Nelson Rodrigues Clarice Lispector Antonio Carlos Jobim Vinicius de Moraes Machado de Assis
Mia Couto
Manuel Bandeira José Saramago Ariano Suassuna Luís Vaz de Camões
Ferreira Gullar
Cadeira Vaga Cadeira Vaga
Verimar Guimarães (Direito) Noemi Macedo (Direito)
Luiz Roberto Rodrigues Junior (Direito)
Carlos Mota (Direito)
Breno Silva Oliveira (Direito)
Joao Carlos Lopes da Silva (Direito)
Luiza Paz da Cunha (Direito) Felipe Pereira Gallian (Direito)
Cadeira Vaga
João Guimarães Rosa João Cabral de Melo Neto
Cecília Meireles
Miguel de Cervantes Saavedra
Umberto Eco Alexandre Dumas Gonçalves Dias Lima Barreto
Mariana Seminati Pacheco (Letras - Mestrado)
Ayran Oliveira Michelin (Direito) Lucas Marques Silva (Direito)
Felipe Batista (Direito) Clara Bressan (Direito)
Gabriella Cristine Escudero Vapsys (Direito)
Cadeira Vaga
Caio Fernando Abreu
Cora Coralina
Johann Wolfgang von Goethe
Não definido Não definido Não definido Não definido Não definido
Cadeira Vaga Cadeira Vaga Cadeira Vaga Cadeira Vaga
- Não definido
- Cadeira Vaga
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Conselho de Veteranos e Membros Honorários
Antiga
Conselho de Veteranos - Formados
8712 15 4
Fernando Pessoa Monteiro Lobato Jorge Amado
Antonio Carlos Jobim Álvares de Azevedo Augusto dos Anjos Dante Alighieri
Antonio Carlos Jobim Manuel Bandeira Monteiro Lobato Umberto Eco
Felipe Righetti Ganança (Direito - Formado - 2013)
Karina Azevedo Simões de Abreu (Direito - Formada - 2014)
Larissa Martinez Arten (Letras - Formada - 2015) Wilson Victorio Rodrigues (Direito - Formado - 2016) Arthur Fernandes G. Rodriguez (Direito - Formado - 2016)
Gabriel Possamai Boneto (Direito - Formado - 2015) Aurélio Tadeu Luiz Barbato (Direito - Formado - 2015) Vinicius Caruso (Engenharia Civil - Formado - 2017)
Beatriz Campos (Direito - Formada - 2017)
Sarah Machado Acuña (Direito - Formada - 2017)
Guilherme Ferreira Leite Belmudes (Direito - Formado - 2016) Marco Antônio Ferreira Lima Filho (Jornalismo - Formado - 2017)
Mariana Santos Brito (Biologia - Formada - 2016)
5115 19 728 10 18
Mario Quintana Mia Couto
Membros Honorários
Guilherme Ramalho Neto
Armando Iazzetta
Ex-Presidente da ABAMACK (2011/2013)
Antigo membro da Academia (1956) - Direito - Mackenzie
- Presidente da AML - Direito - Mackenzie
- Nelson Câmara
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Edital para novos membros
A Academia de Letras dos Estudantes da Universidade Mackenzie comunica a todo o corpo discente da Universidade que foi publicado o Edital para composição de 14 (quatorze) vagas abertas na Academia.
Art. 1º O processo para seleção dos 14 (quatorze) membros da Academia de Letras dos Estudantes da Universidade Mackenzie será conduzido por Comissão Especial indicada pelos atuais membros.
Art. 2º. Estão aptos para participar do processo seletivo os estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Art. 3º. Os candidatos deverão enviar, entre os dias 12/06/2017 a 09/07/2017, pelo e-mail [email protected] : I – Folha com nome completo, idade, curso, semestre, turma, número de matrícula, e-mail, telefone e nome do Facebook. II – Carta de motivação, de apenas uma página. III – 3 (três) textos de sua autoria, de qualquer natureza, com limite de 10 (dez) páginas cada (não há limite mínimo). IV – 1 (uma) crítica sobre qualquer livro de literatura, com limite máximo de 5 (cinco) páginas e mínimo de 02 (duas) páginas.
Parágrafo único. Todos os textos devem ser enviados em formado .PDF. Art. 4º. A Comissão confirmará o recebimento de todos os e-mails enviados nesse período, a fim de confirmar a inscrição.
Art. 5º. A Comissão divulgará o resultado até o dia 30/07/2017, na página do Facebook da Academia e por e-mail aos selecionados.
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TEXTOS
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Leonardo Spínola Alcântara
Inundação
Sentimental chuva Semente de pensamentos pluviais Líquidos como alma tua Escorrendo entre meus dedos, oh doce lua Ver-te toda noite, ouvir-te cantar Distante, mas tão perto Rodopiando em teu olhar A doce lágrima se perde na chuva A chuva enche as ruas As pessoas As nobres, pobres almas Que não possuem a felicidade de te ver De dizer... Porque tão sortudo sou? De maneira sorrateira, fortuita a vida te trouxe E o tempo... Te trouxe E te trazendo me inunda Como a chuva que escorre pela janela ao som da cidade me inunda E inunda os olhos E inunda a inspiração E inunda...
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Beatriz de Campos
Análise do Conto “Terpíscore” de Machado de Assis
O conto “Terpsícore”, de Machado de Assis, inicia-se com uma cena
matinal, em que os dois protagonistas interagem brevemente, logo após despertarem. Já nessa cena inicial, é possível vislumbrar a linha essencial do enredo: as dificuldades financeiras que assombram o casal.
Sob a usual narrativa machadiana, ficamos sabendo de vários detalhes, lançados pelo autor ao longo do conto, acerca da mentalidade de Porfírio e de Glória quanto às formas de utilização de suas economias.
Em uma narrativa em que os fragmentos dão ao leitor alguma noção do todo, ficamos sabendo que o casal atravessa um difícil período de penúria econômica, devido, em grande parte, à mentalidade de Porfírio em relação à forma de despender o parco dinheiro que recebe por meio de seu trabalho.
Porfírio é apresentado como um personagem de bom coração, de formação religiosa, sem maiores falhas de caráter, mas essencialmente descompensado em relação a sua própria condição social e às possibilidades dela decorrentes.
Seu casamento com Glória foi celebrado em festa exuberante, “com
muitos carros e baile até de manhã”.
Consta do conto que a festa “perdurou na memória de todos, e servia de
termo de comparação para as outras festas do bairro, ou de pessoas
conhecidas”.
O dia seguinte, contudo, chegou rápido, e Porfírio, marceneiro, “voltou
logo para a tarefa de todos os dias”.
O ofício de marceneiro, contudo, não lhe rendia o necessário para que
ostentasse o padrão de vida por ele desejado. De fato, as “alegrias da primeira
fase trouxeram despesas excedentes, a casa era cara, a vida foi-se tornando áspera, e as dívidas foram vindo, sorrateiras e miudinhas, agora dois mil-réis,
logo cinco, amanhã sete e nove.”.
Uma reviravolta se dá quando o marceneiro ganha na loteria, o que dá ao leitor a esperança de ver os personagens vencendo a batalha que travam desde a primeira cena.
Logo descobrimos os planos de Porfírio para utilizar o dinheiro ganho, que incluíam uma grande festa e um vestido de seda para Glória.
O quadro que não se anuncia explicitamente é evidente: o dinheiro, novamente, ia se esgotando (e tudo sugere que em breve os protagonistas retornariam à condição anterior).
O conto termina com uma cena da festa idealizada por Porfírio. Ele está
feliz. Glória, ao que tudo indica, também. O “oficlide roncava alguma coisa,
enquanto as últimas velas expiravam dentro das mangas de vidro e nas
arandelas”.
As obras de um artista são sempre, de certa forma, abertas. Os limites que podam a interpretação são imprecisos e, em alguns casos, há quem diga que sequer devem existir.
O presente conto não traz consigo contornos que o distinguem do que há de essencial na obra machadiana.
Como bem escreve o genial e festejado Antônio Cândido, a obra de
Machado é repleta de “um senso profundo, nada documentário, do status, do
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duelo de salões, do movimento das camadas, da potência do dinheiro. O ganho, o lucro, o prestígio, a soberania do interesse são molas dos seus
personagens...”.
Mas essa característica se soma à outra, que, talvez, seja a maior responsável pela grandeza do autor. Queremos falar do que o estudioso supra
referido denomina de “tom machadeano”, uma matriz formal por meio da qual “podemos compreender a profundeza e a complexidade duma obra lúcida e desencantada, que esconde suas riquezas mais profundas”.
Nessa esteira, “os tormentos do homem e as iniquidades do mundo aparecem nele sob um aspecto nu e sem retórica, agravados pela
imparcialidade estilística”.
O conto, em sua condição de obra aberta, fez florescer em nós duas interpretações fundamentais. Ambas relacionam-se à identidade, mas a primeira diz respeito ao que Porfírio pensa de si mesmo segundo os olhos da sociedade e, a segunda, ao que Porfírio pensa de si mesmo segundo os olhos de sua esposa.
O problema da identidade é recorrente na obra de Machado. As indagações fundamentais acerca de quem sou eu, em que medida eu existo por meio dos outros, de onde provém minha autenticidade, formam um conjunto de questões que, com certa frequência, são o substrato de muitos dos seus contos e romances.
Porfírio é um personagem que constrói sua própria imagem a partir da imagem que os outros ostentam sobre ele (ou melhor dizendo, do que ele imagina que os outros pensam sobre si).
Não seria um exagero afirmar que o Porfírio que conhecemos por meios dos fragmentos lançados pelo autor existe, em grande medida, por meio dos outros.
O já citado Antônio Cândido, ao estudar um outro conto de Machado,
denominado “O Espelho”, analisa, com sua habitual perspicácia, a questão da identidade em Machado. No aludido conto, “um moço, nomeado Alferes da
Guarda Nacional (a tropa de reserva que no Brasil Imperial se tornou bem cedo um simples pretexto para dar postos e fardas vistosas a pessoas de certa posição), vai passar uns tempos na fazenda de sua tia. Esta, orgulhosa com o fato, cria uma atmosfera de extrema valorização do posto, chamando-o e
fazendo que os escravos o chamem a cada instante “Senhor Alferes”. De tal modo que este traço social acaba sendo uma “segunda alma”, indispensável para a integridade psicológica do personagem”.
Porfírio, a exemplo do Alferes da Guarda Nacional acima mencionado, também pretende ostentar um determinado traço social que lhe diferencie e atribua uma distinção que, de certa forma, lhe é essencial para a construção íntima de uma imagem que pretende ter de si mesmo.
Em relação à autoimagem de Porfírio, sufragada pelo corpo social, destacam-se vários trechos do conto. Com efeito, já por ocasião dos
preparativos do casamento, “A futura sogra propôs-lhe que fossem a pé para a
igreja, que ficava perto; ele rejeitou a proposta com seriedade, mas em particular com a noiva e os amigos riu da extravagância da velha: uma coisa que nunca se viu, noivos, padrinhos, convidados, tudo a pé, à laia de procissão;
era o caso de levar assobio.”.
Sobre a festa, registra o autor que “foram bodas de estrondo, muitos
carros, baile até de manhã. Nenhum convidado queria acabar de sair; todos forcejavam por fixar esse raio de ouro, como um hiato esplêndido na velha noite
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do trabalho sem tréguas. Mas acabou; o que não acabou foi a lembrança da festa, que perdurou na memória de todos, e servia de termo de comparação
para as outras festas do bairro, ou de pessoas conhecidas.”
Por detrás de uma narrativa que não traz consigo maior encantamento e que não deixa maiores vestígios sobre o tipo psicológico de Porfírio, encontramos aqui um trecho em que o narrador expõe a festa e sua repercussão, sempre sob a perspectiva da visão dos outros.
Mesmo Porfírio, em sua rejeição da proposta da sogra, fala em “levar
assobio”, referindo-se novamente não tanto ao que ele próprio poderia conceber da situação, mas sim ao que os outros conceberiam.
Essa questão, não claramente anunciada, mas evidente nas entrelinhas lançadas por um escritor subterrâneo, que escreve sugerindo o não escrito e que nos faz encontrar no não anunciado o que há, na sua obra, de melhor, mais lúcido e mais afeito às características humanas existentes (ainda que improváveis), nos brinda, já após o ganho na loteria, com mais trechos que evidenciam essa forma utilizada por Porfírio para se compreender.
De fato, Porfírio, ao promover a festa final, “queria festa de estrondo, coisa que desse o que falar”.
E o faz, deixando antever o retorno dele e de Glória à miséria inicial. Quanto à imagem construída por Porfírio a partir da perspectiva de
Glória, existem contornos, também não explicitamente anunciados, mas de extrema relevância para a compreensão do personagem.
A começar pela primeira vez em que Porfírio a viu. Escreve Machado que
“Nem foi pela cara que ele se enamorou dela; foi pelo corpo, quando a viu
polcar, uma noite, na rua Imperatriz. Ia passando e parou defronte da janela aberta de uma casa onde se dançava. Já achou na calçada muitos curiosos. A sala, que era pequena, estava cheia de pares, mas pouco a pouco foram-se todos cansando ou cedendo o passo à Glória. (...) Da rua, Porfírio cravou nela uns olhos de sátiro, acompanhou-a em seus movimentos lépidos, graciosos, sensuais, mistura de cisne e de cabrita. Toda a gente dava lugar, apertava-se nos cantos, no vão das janelas, para que ela tivesse o espaço necessário à expansão das saias, ao tremor cadenciado dos quadris, à troca rápida dos giros,
para direita e para esquerda. Porfírio misturava já à admiração o ciúme (...)”.
A cena é primorosa e Machado, procedendo com uma digressão, tira de foco Porfírio para detalhar a sensualidade de Glória. O escritor, geralmente conciso em detalhes, oferece múltiplos fragmentos imagísticos ao leitor relacionados à beleza, à contundência, à graça da dança de Glória e à beleza e sensualidade do seu corpo.
Tudo indica, aliás, que Glória fez brotar em Porfírio desejos profundamente carnais, o que se pode inferir da descrição que a caracteriza
como mistura “de cisne e de cabrita”.
É de se ver, ainda, que também nesta cena, muito embora o foco seja
Glória, os sentimentos de Porfírio insistem em se construir levando em consideração a perspectiva dos outros. É precisamente essa forma de enxergar a cena que faz Porfírio ser invadido pelo ciúme já na primeira vez em que a viu.
O conto, ademais, explicita que a sensualidade de Glória nunca deixou de inebriar Porfírio que, dias antes de ganhar na loteria, mas já muito
esperançoso, a observou imaginando-lhe em trajes melhores “que mostrasse bem a beleza do corpo da mulher”.
Novamente, Porfírio se constrói a partir da perspectiva dos outros acerca de sua mulher.
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Ao longo do conto, percebemos, como já dito, que Porfírio também desenvolve sua imagem a partir da imagem que a mulher tem dele.
Não seria absurdo afirmar que, muito provavelmente, a mulher lhe instigue ainda mais os desejos de ser bem sucedido e ostentar distinção social.
Uma hipótese razoável seria a de que a mulher, no imaginário de Porfírio, fosse e sempre tivesse sido muito para ele, não merecendo a condição social que se lhes impunha.
Outra possível vertente de raciocínio envolve Glória como, a um só tempo, elemento determinante da autoimagem de Porfírio e instrumento de consecução da imagem dos outros sobre ele (sua beleza e graça como fatores que integram a visão que os outros podem conceber sobre ele próprio).
Por fim, importante ressaltar que Glória assume, a todo tempo, papel menor, o que é perfeitamente compreensível, pois, como já dito, Machado explora bem as obsessões de Porfírio e são elas que determinam o futuro do casal.
De qualquer forma, vê-se que a mulher, a todo tempo, oferece contraponto aos devaneios do marido, sugerindo que poupe dinheiro. Sua beleza talvez seja importante elemento na construção da autoimagem do marido, mas seus conselhos não são suficientes para modificá-las.
Porfírio é um personagem que se identifica a partir dos outros, estando aí a origem de sua compulsão. Ele gasta seu dinheiro para os outros, a fim de construir sua imagem. Sua existência tem, de certa forma, essa base, daí podendo-se concluir que, mesmo que ganhasse uma quantia muito maior na loteria, despenderia da mesma forma, porquanto o dinheiro, aqui, não é concebido como meio de sustento, mas sim como meio de construção do próprio eu.
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Clara Bressan
Corpo Roxo
-Agente Woodwork, você tem cinco minutos. - disse a enfermeira com uma prancheta na mão.
-Obrigado Eliza- o agente respondeu antes de ela sair. Sendo uma cidade pequena (aproximadamente 50.000 habitantes) era praticamente impossível não conhecer todos pelo nome.
A mulher deu um pequeno sorriso antes de abrir a porta e se retirar. O detetive Woodwork estava sozinho.
Com muito cuidado, ele abriu o plástico que envolvia o corpo. Ele abria devagar porque pensava que quanto mais demorasse para abrir, menos aquilo se tornaria realidade.
Mas eis que ele abriu tudo. E a primeira coisa em que seus olhos repousaram foi no seu rosto. O que antes era um rosto vívido, que transbordava alegria com seus olhos castanhos escuros e seus lábios grossos, agora era um rosto pálido, quase roxo pelo processo de putrefação do corpo.
O agente Woodwork já havia visto milhares de corpos nesse estado. Faz parte da rotina de sua profissão. Foi como ele veio para a cidade de Two Mountains: seu chefe em Nova York disse que ele deveria investigar o assassinato de uma jovem de 17 anos chamada Rebeca Cooper. E assim ele o fez. Três meses depois, ele descobriu o assassino e o prendeu. Seis meses depois, ele se apaixonou por uma mulher mais nova que ele, Emma Reddish. E, nove meses depois, eles se casaram e ela estava grávida.
Durante todo esse tempo na cidade, Woodwork conviveu com poucos assassinatos na cidade de Two Mountains. A maioria desses crimes ocorria nas cidades vizinhas e, algumas vezes, ele até ia para Nova York a mando de seu chefe.
Por isso que hoje, as 7:20 da manhã, quando ele recebeu um telefonema de que havia uma garota morta na floresta das montanhas, ele estranhou. E sua filha, Alice ainda não havia voltado para casa. Não demorou muito para ele ligar os pontos.
E agora ele estava lá. Olhando para sua filha. Ou melhor, o que restou dela. Ele começou a chorar de uma forma lenta. Não queria desperdiçar esses últimos minutos com ela chorando. Certamente não era como ela gostaria que ele passasse. Ela adoraria que ele lhe contasse uma de suas muitas histórias como detetive ou que lhe trouxesse um novo caso e eles tentassem resolve-lo. Ou que eles fossem pescar. Ela adorava pescar.
Mas ao lembrar dela foi inevitável. Ele começou a derramar lágrimas. Não chorar não tornaria aquilo menos real. Apenas prolongaria o sofrimento. Apenas demoraria mais para ele perceber que não haveriam mais cafés da manhã em
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que sua filha desceria correndo as escadas, pegaria um donut e uma xícara de café, daria um beijo nele e na sua mulher e sairia correndo com medo de perder o ônibus para a escola. Não haveriam mais aquelas noites em que ele sairia exausto da sua sala na delegacia apenas para encontrar sua filha na recepção tagarelando com a secretária. Não haveriam mais aquelas reuniões na escola em que a diretora chamava todos os pais e ele e sua mulher eram sempre elogiados pelo comportamento dedicado e responsável de Alice. Não haveriam mais aqueles dias em que ele estava simplesmente cansado de tudo ou se sentindo triste por nenhuma razão em particular mas ao olhar para o sorriso de sua filha ele imediatamente melhorava.