Mariuá A flora, a fauna e o homem no maior arquipélago fluvial do planeta Presidente da República Michel Temer

Ministro da ciência, Tecnologia, Inovações e comunicações Gilberto Kassab

Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Luiz Renato de França Mariuá A flora, a fauna e o homem no maior arquipélago fluvial do planeta

Marcio Luiz de Oliveira (org.)

Manaus, 2017 Copyright © 2017, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

Revisão gramatical Profa. Maria Luisa Barreto Cyrino

Projeto gráfico Tito Fernandes e Natália Nakashima

Foto da capa Praia no arquipélago de Mariuá, rio Negro, AM. Brasil. Foto: Zig Koch.

Editora INPA Editor: Mario Cohn-Haft. Produção editorial: Rodrigo Verçosa, Shirley Ribeiro Cavalcante, Tito Fernandes. Bolsistas: Jasmim Barbosa, Julia Figueiredo, Lucas Souza, Natália Nakashima e Sabrina Trindade.

Ficha Catalográfica

M343 Mariuá: a flora, a fauna e o homem no maior arquipélago fluvial do planeta / Organizador Marcio Luiz de Oliveira. -- Manaus : Editora INPA, 2017. 20 p. : il. color.

ISBN: 978-85-211-0165-9

1. Arquipélago . 2. Mariuá. I. Oliveira, Marcio Luiz de.

CDD 551.42

Editora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Av. André Araújo, 2936 – Cep : 69067-375. Manaus – AM, Brasil Fax : 55 (92) 3642-3438 Tel: 55 (92) 3643-3223 www.inpa.gov.br e-mail: [email protected] Sumário

Agradecimentos 6

Autores 7

Prefácio 11

Introdução 15

Capítulos

1. Vegetação 20 2. Abelhas e mamangavas 38 3. Aranhas, escorpiões, opiliões e outros 52 4. Peixes e arraias 68 5. Bichos de casco: irapucas, cabeçudos, tartarugas e outros 86 6. Jacarés, lagartos, serpentes e anfíbios 100 7. Aves 118 8. Pequenos mamíferos não-voadores: roedores e marsupiais 136 9. Mamíferos de médio e grande porte 150 10. Organização sociocultural e gestão dos recursos naturais 164 Agradecimentos

Ao WWF-Brasil pelo convite e financiamento dessa expedição e pela decisão corajosa de interrompê-la, quando se fez necessário. A todos os envolvidos, pesquisadores, estudantes, mateiros, co- munitários e tripulação, pelo engajamento para que a expedição fosse a melhor possível.

6 Mariuá Autores

Adriana Pereira CASTILHO Especialização em Gestão em Política de Seguridade Social pela Universidade Federal do Amazonas. Manaus, AM. [email protected] Alberto VICENTINI Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Coordenação de Biodiversidade. Manaus, AM. [email protected] Ana Lúcia TOURINHO Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Coordenação de Biodiversidade. Manaus, AM e Museum of Comparative Zoology, Department of Organismic and Evolutionary Biology, Harvard University, Cambridge, MA. USA. [email protected] André Braga JUNQUEIRA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Coordenação de Ciências Agronômicas. Manaus, AM. [email protected] Andréia Lima de SOUZA Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas. Manaus, AM. [email protected] Angela Midori Furuya PACHECO ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Reserva Biológica Abufari, Tapauá, AM. [email protected] Carla Gomes BANTEL Universidade Federal do Amazonas. LEGAL - Laboratório de Evolução e Genética , Manaus, AM. [email protected] Carla Haisler SARDELLI Universidade de São Paulo, Instituto de Biociências, Departamento de Genética e Biologia Evolutiva, SP. [email protected] Caroline Nascimento ARAÚJO Especialização em Gestão de Políticas em Seguridade Social pela Universidade Federal do Amazonas. Manaus, AM. [email protected]

A flora, a fauna e o homem no maior arquipélago fluvial do planeta 7 Cleber DUARTE Instituto Nacional de Pesquisas da Amazonia. ​Programa de Pós-Graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior. Manaus, AM. ​[email protected] Hélio Daniel Beltrão dos ANJOS Instituto Nacional de Pesquisas da Amazonia. Programa de Pós- Graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior. Manaus, AM. ​[email protected] Kleuto Morais SILVA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Coordenação de Biodiversidade. Manaus, AM. Lidianne SALVATIERRA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazonia, Programa de Pos-Graduaço em Entomologia, Manaus, AM. [email protected] Lúcia Helena RAPP PY-DANIEL ​Instituto Nacional de Pesquisas da Amazonia. Coodenação de Biodiversidade e Programa de Colecões Cientificas Biológicas (Coleção de Peixes). Manaus, AM. [email protected] Luiz Henrique CONDRATI ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Parque Nacional Nascentes do Lago Jari. [email protected] Manoela Lima de Oliveira BORGES Laboratório de Morcegos - Projeto Dinâmica Biológica em Fragmentos Florestais (PDBFF). [email protected] Marcela dos Santos MAGALHÃES Universidade Federal do Amazonas, Departamento de Morfologia. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior do INPA. Manaus, AM. [email protected] Marcelo Gustavo Aguilar CALEGARE Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPG-PSI) da Universidade Federal do Amazonas. Manaus, AM. [email protected] Marcio Luiz de OLIVEIRA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazonia, Coordenaço de Biodiversidade, Programa de Pos-Graduaço em Entomologia e Programa de Coleções Científicas Biológicas (Curadoria de Invertebrados), Manaus, AM. [email protected]

8 Mariuá Maria do Perpétuo Socorro Rodrigues CHAVES Pró-Reitoria de Inovação Tecnológica – PROTEC/UFAM e Coordenadora Geral do Grupo Inter-Ação da Universidade Federal do Amazonas. Manaus, AM. [email protected] Maria Erica Laborda da COSTA Gestão Pública pela Universidade do Estado do Amazonas. Manaus, AM. [email protected] Mário Henrique TERRA-ARAUJO Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Programa de Pós-Graduação em Botânica (PPG-BOT).­ Manaus, AM. [email protected] Maurício NORONHA Fauna & Flora Consultoria. Manaus, AM. [email protected] Nancy França LO MAN HUNG Carste Consultores Associados, Sao Paulo, SP. [email protected] Oneide Ferreira da CRUZ Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Centro de Estudos de Quelônios da Amazônia (CEQUA). Manaus, AM. [email protected] Pio COLMENARES Instituto Nacional de Pesquisas da Amazonia, Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Manaus, AM. [email protected] Raylenne da Silva ARAUJO Mestrado em Zoologia pela UFMG e Sete – Soluções e Tecnologia Ambiental. [email protected] Richard C. VOGT Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Coordenação de Biodiversidade. Centro de Estudos de Quelônios da Amazônia (CEQUA). Manaus, AM. [email protected] Shanna BITTENCOURT ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Parque Nacional Nascentes do Lago Jari. [email protected]

A flora, a fauna e o homem no maior arquipélago fluvial do planeta 9 Silvana Compton BARROSO Mestrado em Serviço Social e Sustentabilidade da Universidade Federal do Amazonas, Vice Coordenadora do Grupo Inter-Ação da Universidade Federal do Amazonas. Manaus, AM. [email protected] Talita de Melo LIRA Doutorado em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas. Manaus, AM. [email protected] Thiago Orsi LARANJEIRAS ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Parque Nacional do Viruá, Caracaraí, RR. Doutorando em Ecologia pelo INPA-Instituto Nacional de Pesquisas da Amazonia. [email protected] Vania Quibao PRETTI Universidade de São Paulo, Instituto de Biociências. São Paulo, SP. [email protected] Welma Sousa SILVA Universidade Federal do Amazonas. Instituto de Ciências Exatas e Tecnologia. Itacoatiara, AM. [email protected] Willians PORTO Instituto Nacional de Pesquisas da Amazonia, Programa de Pos-Graduaço em Entomologia, Manaus, AM. [email protected] Wilson Roberto SPIRONELLO Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Coordenação de Biodiversidade. Manaus, AM. [email protected] Prefácio

Samuel TARARAN – WCS-Brasil Carlos César DURIGAN – WCS-Brasil

Subindo o Rio Negro, a aproximadamente 350 km a noroeste da cidade de Manaus encontra-se o arquipélago de Mariuá. Ele está localizado no município de Barcelos, se estende desde o limite deste município com o de Santa Isabel do Rio Negro, mais a noroeste, até a foz do rio Branco, a sudeste. Conhecido como um dos maiores arquipélagos fluviais do mun- do, surge imponente num trecho de rio que chega a quase 20 km de largura e que ao longo de cerca de 270 km de extensão abriga mais de 1400 ilhas (LATRUBESSE e FRANZINELLI, 2005). Suas ilhas variam na forma e tamanho, podendo ser mais ou menos alongadas e cobertas predominantemente por florestas alagáveis de igapó. Conta ainda com alguns afloramentos rochosos e grandes ex- tensões de praias, ambientes esses fortemente influenciados pelo pulso sazonal das águas que ainda determina a formação de uma grande diversidade de ecossistemas aquáticos associados aos seus canais, paranás, furos e lagos situados ao longo de sua extensão. Sua complexidade e riqueza de ambientes têm fundamental im- portância na manutenção da vida na região, uma vez que as ilhas e seus igapós servem de abrigo e sustento para a biodiversidade local, com destaque para as centenas de espécies de peixes que aí se en- contram e que por sua vez promovem a sustentação das populações locais, indígenas e não-indígenas, altamente dependentes dessa im- portante fonte de recursos. Os recursos do arquipélago são utilizados intensamente pelos ha- bitantes da região, através das pescas comercial e esportiva e da coleta de peixes ornamentais. Ainda quelônios e outras espécies animais são caçados para subsistência, mas também sofrem pressão da caça e co- leta para fins comerciais. Além da pressão do uso da fauna, existe forte pressão no uso de outros recursos naturais, como a extração de seixo e areia, assim como madeira para usos na construção civil, o que em geral ocorre de forma irregular. Essa é uma região considerada prioritária para a conservação da biodiversidade, conforme indicado em vários seminários e oficinas de âmbito federal e estadual. Tais iniciativas incluíram a ‘Avaliação e Ações Prioritárias para Conservação da Biodiversidade no Bioma Floresta Amazônica’, os seminários regionais do processo de atu- alização do ‘Mapa de Áreas Prioritárias para a Conservação, Utili-

A flora, a fauna e o homem no maior arquipélago fluvial do planeta 11 zação Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade no Bioma Amazônia’ e a ‘Oficina sobre Estratégias para a Conservação da Biodiversidade do Amazonas’ (CAPOBIANCO et al., 2004; MI- NISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2006). Esses seminários reuniram especialistas de instituições de pesquisa e conservação da Amazônia que identificaram polígonos com alta representação de grupos bio- lógicos, tais como plantas, mamíferos, aves, répteis e anfíbios. Ain- da assim, devido à ausência de levantamentos científicos de muitas sub-bacias do rio Negro, e no próprio arquipélago de Mariuá, reco- mendaram a realização de inventários biológicos e de estudos sobre a cultura e a economia das populações tradicionais que habitam as regiões desse polígono. Considerando a existência de grandes lacunas de conhecimento sobre a biodiversidade, incluindo a riqueza de espécies, sua impor- tância para a manutenção dos serviços ambientais e os impactos sofridos por determinadas espécies devido ao intenso comércio du- rante os últimos anos, em 2008, por iniciativa da Rede Rio Negro (FVA, IPE, ISA, FORIM, SECOYA e WWF-BRASIL), em parceria com o INPA, UFAM e SEMA/AM (antiga SDS/AM), foi realizada uma expedição para o arquipélago de Mariuá.Além de ampliar o conhe- cimento científico, as informações levantadas durante a expedição buscaram contribuir para o processo de ordenamento territorial no médio rio Negro. Essa foi uma das principais estratégias de conser- vação adotada pela Rede, que desde 2006 mobilizou pelo menos quatro seminários promovendo esse debate com a sociedade civil e setores governamentais (RICARDO e ANTONGIOVANNI, 2008; WWF-BRASIL, 2009). A proposta de ordenamento territorial adotada pela Rede Rio Negro consiste em promover o planejamento participativo de ações voltadas ao reconhecimento territorial das comunidades indígenas e não-indígenas que vivem na região, assim como promover a con- servação e proteção desses territórios de forma a embasar o desen- volvimento sustentável regional. Dessa forma, busca-se dar suporte às políticas públicas regionais que incluem a criação de unidades de conservação, o reconhecimento de terras indígenas, a identificação e resolução de conflitos e o zoneamento a fim de garantir a utiliza- ção sustentável dos recursos naturais na região. Acreditamos que o conhecimento gerado e aqui apresentado que inclui aspectos socioeconômicos, étnicos e da biodiversida- de possam apoiar os processos em curso para a busca de soluções inovadoras para o ordenamento territorial da região do Mariuá e entorno e que possa dar suporte à manutenção e proteção de sua sócio-biodiversidade.

12 Mariuá Referências CAPOBIANCO, J.P. (Coord.). in the Brazilian Amazon. Assessment and priority actions for conservation sustainable use and benefit sharing. São Paulo, Instituto Socioambiental/Estação Liberdade, 2004. LATRUBESSE, E.M.; FRANZINELLI, E. The late Quaternary evolution of the Negro River, Amazon, : Implications for island and floodplain formation in large anabranching tropical systems. Geomorphology, v.70, n.3, p.372-397. 2005. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Biodiversidade brasileira: Avaliação e identificação de áreas e ações prioritárias para a conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade nos biomas brasileiros. 2006. Brasília: Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: . Acesso em: 14 setembro 2015. RICARDO, B; ANTONGIOVANNI, M. Visões do Rio Negro: Construindo uma rede socioambiental na maior bacia [cuenca] de águas pretas do mundo. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2008. WWF-BRASIL. Planejamento estratégico do bloco de conservação do rio Negro. Manaus: WWF-Brasil, 2009.

A flora, a fauna e o homem no maior arquipélago fluvial do planeta 13

Introdução

Marcio Luiz de OLIVEIRA

Arquipélago fluvial? Confesso que só passei a saber da existência de algum, quando aqui cheguei em 1989 e me falaram de um tal arquipélago das Ana- vilhanas – na ocasião, uma estação ecológica – porém, em 2008, convertida em parque nacional. Para minha surpresa nessa Amazô- nia cheia de supresas, anos mais tarde fui informado de que havia um outro arquipélago ainda maior, o de Mariuá, localizado mais acima no mesmo rio Negro. Maior mesmo! Enquanto Anavilhanas conta com 400 ilhas em 100 km de extensão, Mariuá possui 1400 em 275 km (LATRUBESSE e FRANZINELLI, 2005). O nome Mariuá deriva do fato de que Barcelos, a cidade sede do arquipélago, teve origem em uma aldeia chamada Mariuá dos índios Manaós, localizada no médio rio Negro. Foi Frei Matias São Boaventura, que ali chegando em 1728, instalou a Missão de Nossa Senhora de Mariuá. Em 1758 a aldeia foi elevada à categoria de vila com o nome de Barcelos e se transformou na primeira capital da capitania de São José do Rio Negro, atual Amazonas (IBGE, 2015). Geologicamente, enquanto as ilhas de Anavilhanas, ao que tudo indica, foram formadas basicamente por sedimentos trazidos pelo rio Branco (Ferreira et al, 2007) – o maior afluente do rio Negro – as de Mariuá devem ter sido formadas por sedimentos trazidos prin- cipalmente pelos rios Padauari e Demini (OLIVEIRA et al., 2001), afluentes da margem esquerda do rio Negro. Segundo Latrubesse e Franzinelli (2002), nenhuma mudança climática importante teria acontecido na bacia Amazônica durante o Holoceno superior (ini- ciado cerca de 1600-1400 anos antes do presente), contudo mu- danças drásticas no comportamento do rio Negro, assim como em outros rios, têm sido ali registradas. Por exemplo, a maior parte dos sedimentos aluviais recentes dos rios Amazonas e Solimões e das grandes e abundantes ilhas do rio Negro foram depositados durante o Holoceno superior (LATRUBESSE, 2000; 2003). Essas ilhas são formadas praticamente por florestas de igapó e chegam a ficar inundadas a maior parte do ano, sendo que Zei- demann (2001) nos informa que a flutuação anual do rio Negro pode variar de 9 a 12 metros. Na definição de Sioli (1985), várzeas e igapós são tipos de florestas amazônicas periodicamente inunda-

A flora, a fauna e o homem no maior arquipélago fluvial do planeta 15 das, porém, enquanto as primeiras ocorrem apenas em rios de água branca, ricos em sedimentos (ex. Solimões, Branco, Madeira), as florestas de igapós ocorrem apenas em rios de água preta, pobres em sedimentos (ex. Negro, Jaú, Carabinani). Segundo Oliveira et al. (2001), os solos nessas ilhas, devido à sua própria formação, são diferentes dos solos arenosos típicos dos igapós, sendo mais argilosos e parecidos com os solos de várzeas de rios de água branca, porém menos férteis. Ainda segundo esses autores, apesar dessa diferença na estrutura do solo, a composição de espécies nessas florestas parece ser muito similar à dos igapós de áreas arenosas adjacentes, embora apresente semelhanças com as florestas de várzea. De acordo com Zeidemann (2001), a transparência das águas no rio Negro varia de 1,30 a 2,30 m, sendo águas quimicamente uniformes, mas em sua grande maioria ácidas, com valores de pH entre 3,8 e 4,9. Essa elevada acidez se deve à presença de gran- des quantidades de substâncias orgânicas dissolvidas, provenientes da drenagem de solos arenosos cobertos por tipos de vegetações conhecidas como campina, campinarana ou caatingas amazônicas. Ainda segundo a autora, em regiões de relevo plano em baixas alti- tudes, com clima muito úmido, as chuvas constantes removem do solo as partículas minerais mais finas (argilas) juntamente com o material orgânico e formam solos arenosos, denominados podzóis. Esse processo, segundo ela, chamado de podzolização, produz uma camada superficial de solo constituído basicamente de grãos de quartzo. Esses solos constituem as inúmeras praias de areias brancas que vemos ao longo desse rio e outros de águas pretas. Foi Jerry A. Leenheer (citado por ZEIDERMANN, 2001) quem realizou estudos em áreas de podzóis do rio Negro e conduziu ex- perimentos em laboratório, elucidando definitivamente a origem das águas pretas. Ele concluiu que as águas pretas resultam de um processo de escoamento lateral das águas, carregando grande quan- tidade de ácidos orgânicos provenientes da decomposição de restos vegetais nos solos arenosos do médio e alto rio Negro. Leenheer ob- servou também a existência de uma camada argilosa situada abaixo da camada de areia dos solos relacionados à água preta. Essa camada argilosa funciona como um filtro, retendo grandes quantidades de material orgânico, que passam facilmente pela areia. Raízes de plan- tas desses solos mais rasos tocam o horizonte argiloso, rico em nu- trientes. O suprimento extra de nutrientes proporciona condições para que a vegetação se desenvolva e alcance formas mais altas e densas do que aquelas que crescem sobre solos arenosos profundos. Por sua vez, o aumento da biomassa na vegetação aumenta a produ-

16 Mariuá ção de liteira (restos de folhas e ramos no solo) e, consequentemen- te, o acúmulo de substâncias orgânicas degradadas. Esses compostos orgânicos, provenientes da decomposição da liteira, são lentamente transportados para a água dos rios na forma de substâncias orgâni- cas dissolvidas. Estudos posteriores confirmaram as ideias de Lee- nheer sobre a origem das águas pretas, relacionando a sua coloração às substâncias húmicas dissolvidas – substâncias orgânicas ácidas e coloridas, provenientes de decomposição. As substâncias húmicas representam aproximadamente metade da matéria orgânica solúvel das águas do rio Negro. A outra metade é constituída de ácidos or- gânicos sem cor. Voltando a Oliveira et al. (2001), eles nos trazem outra sur- presa nessa Amazônia cheia de surpresas, afirmando que duas ca- racterísticas da vegetação do rio Negro merecem destaque: a alta biodiversidade em uma região de solos extremamente pobres e um grande número de espécies restritas a essa região (endemismos). Foi por conta desse cenário que o WWF-Brasil resolveu organizar uma expedição ao arquipélago de Mariuá, buscando conhecer a realidade da floresta e de suas populações humanas e colher infor- mações e dados diretamente em campo, atividades indispensáveis para o trabalho de conservação da natureza. A expedição ocorreu de 17 de outubro a 15 de novembro de 2008 e acabou sendo deno- minada Expedição Mariuá-Jauaperi (Figs.1 e 2), uma vez que teve objetivo não só avaliar, ainda que de maneira preliminar, a flora, a fauna e o homem no arquipélago de Mariuá – pensando na cria- ção de um sítio RAMSAR1 – mas também no rio Jauaperi, situado nas proximidades – tendo em vista a criação da Reserva Extrativista Rio Branco-Jauaperi. A criação desta Resex havia sido solicitada pelos comunitários em 2001, os estudos relacionados já foram realizados,

1 A Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, mais conhecida como Convenção de Ramsar, é um tratado intergovernamental que estabelece marcos para ações nacionais e para a cooperação entre países com o objetivo de promover a conservação e o uso racional de zonas úmidas no mundo. Essas ações estão fundamentadas no reconhecimento, pelos países signatários da Convenção, da importância ecológica e do valor social, econômico, cultural, científico e recreativo de tais áreas. Estabelecida em fevereiro de 1971, na cidade iraniana de Ramsar, a Convenção de Ramsar está em vigor desde 21 de dezembro de 1975, e seu tempo de vigência é indeterminado. No âmbito da Convenção, os países membros são denominados “partes contratantes”.

(Fonte: www.mma.gov.br/.../zonas-umidas-convencao-de-ramsar).

A flora, a fauna e o homem no maior arquipélago fluvial do planeta 17 assim como as audiências públicas, mas a criação efetiva da unidade está aguardando posicionamento da Casa Civil da Presidência da Re- pública. A demora decorre do interesse manifestado pelo Ministério de Minas e Energias no potencial hidrelétrico do rio Branco.

Figura 1. Roteiro da expedição Mariuá-Jauaperi (AM/RR) promovida pela WWF- Brasil em outubro/novembro de 2008.

Figura 2. Locais de atuação da expedição Mariuá-Jauaperi (AM/RR) promovida pela WWF-Brasil em outubro/novembro de 2008.

18 Mariuá Os capítulos que se seguem são uma tentativa, ainda que mui- to preliminar, de dar a conhecer ao grande público um pouco da fauna, da flora e da gente que vive naquelas cercanias, contribuindo assim para a conservação dos primeiros e para uma existência ainda mais digna daquela gente.

Referências IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍTICA. 2015. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/painel/historico. php?lang=& codmun= 130040&search=amazonas|barcelos|infografi cos:-historico. Acesso em:10 ago. 2015. FERREIRA, E. et al. Rio Branco. Peixes, ecologia e conservação de Roraima (cap. 4 Geoquímica). Manaus: Amazon Conservation Association, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Sociedade Civil Mamirauá, 2007, 201p. LATRUBESSE, E.M. The Late Pleistocene in Amazonia: a Palaeoclimatic Approach. In: P. SMOLKA AND W. VOLKHEIMER (eds.). Southern Hemisphere Paleo and Neoclimates. Springer-Verlag, 2000, p.209-222. LATRUBESSE, E.M. The Late-Quaternary Palaeohydrology of Large South American Fluvial Systems (Chapter 12). In: K.J. GREGORY and G. BENITO (Eds.). Palaeohydrology: Understanding Global Change. John Wiley & Sons, 2003, p.193-212. LATRUBESSE, E.M.; FRANZINELLI, E. The Holocene alluvial plain of the middle Amazon River, Brazil. Geomorphology, v. 44, p.241–257, 2002. LATRUBESSE, E.M.; FRANZINELLI, E. The late Quaternary evolution of the Negro River, Amazon, Brazil: Implications for island and floodplain formation in large anabranching tropical systems. Geomorphology, v.70, n.3, p.372-397, 2005. OLIVEIRA, A.A. et al. Florestas sobre Areia: Campinaranas e Igapós. In: OLIVEIRA, A.A.; DALY, D.C. (eds.). Florestas do Rio Negro. Cia das Letras, Universidade Paulista e New York Botanical Garden, São Paulo, 2001, cap. 6, p.179-220. SIOLI, H. Amazônia. Fundamentos da ecologia da maior região de florestas tropicais do mundo. Editora Vozes, Petrópolis, 1985, 72p. ZEIDEMANN, V.K. O Rio das Águas Negras. In: Oliveira, A.A.; DALY, D.C. (eds.). Florestas do Rio Negro. Cia das Letras, Universidade Paulista e New York Botanical Garden, São Paulo, 2001, cap. 2, p.63-87.

A flora, a fauna e o homem no maior arquipélago fluvial do planeta 19

André Braga JUNQUEIRA Vania Quibao PRETTI Mário Henrique TERRA-ARAUJO Welma Sousa SILVA Kleuto Morais SILVA Alberto VICENTINI

1 Vegetação

Introdução

A bacia do rio Negro apresenta uma enorme heterogeneidade paisagística e é considerada uma das regiões com maior biodiver- sidade e endemismos da Amazônia (KUBITZKI, 1989). A região do médio rio Negro em particular, onde está situado o arquipélago de Mariuá, abriga uma grande diversidade de formações vegetais, dentre as quais se destacam as florestas de terra firme, as florestas de igapó e as campinas e campinaranas. A maior parte da região do médio rio Negro é recoberta predo- minantemente por florestas de terra firme, tipo de vegetação mais comum na bacia Amazônica (PRANCE e DALY, 1989). Essas florestas estão entre as de maior riqueza de espécies e biomassa do mundo (MORAN, 1993). Suas árvores possuem em média 35 metros de altura de dossel, com algumas gigantes emergentes acima disso e muitos outros indivíduos com tronco de pequeno diâmetro. Apre- sentam diversos estratos (“camadas”), e, portanto, a incidência lu- minosa é baixa no sub-bosque, o estrato inferior da floresta. Por isso, diversos processos ecológicos nas florestas de terra firme são muito influenciados pela capacidade das plantas de se desenvolve- rem em ambientes com pouca luz (PIRES, 1972). Nas florestas de igapó, por sua vez, os processos ecológicos es- tão intimamente relacionados ao pulso de inundação anual. Nos igapós, as plantas apresentam uma série de adaptações morfológi- cas, anatômicas e ecológicas relacionadas ao pulso de inundação, o que permite que elas cresçam e se reproduzam, estando parcial ou totalmente submersas entre 50 e 270 dias por ano (JUNK et al., 1989). Já as campinas e campinaranas são formações mais abertas, cuja distribuição está intimamente associada a solos arenosos e que geralmente permanecem alguns meses do ano alagados pelo lençol freático, que costuma ser pouco profundo nesses ambientes. Na ba- cia do rio Negro são encontradas áreas extensas desse tipo de vege- tação (ANDERSON, 1981; BRASIL, 1978). A flora desses ambientes se destaca pelo elevado endemismo, apresentando tanto elementos das florestas de igapó, quanto das formações vegetais mais abertas sobre solos arenosos do escudo das Guianas (KUBITZKI, 1987; HU- BER, 1995; PRANCE, 1996; VICENTINI, 2004; 2007). É na região de transição entre o médio e o baixo rio Negro – mais especificamente ao norte do mesmo, entre o rio Branco e o Padauari – onde se encontra uma das maiores áreas sazonalmente alagáveis, sobre uma enorme mancha de solos arenosos (GOUL- DING et al., 2003). Essa combinação gera um mosaico de formações

Capítulo 1. Vegetação 23 vegetais, associadas a diferentes tipos de identificação precisa do material através da solo e sujeitas a diferentes tipos e inten- análise de exemplares férteis (Fig. 1). Uma sidades de inundação, que vão desde for- vez encontrada, a planta a ser coletada ti- mações abertas como dunas, campinas, até nha registrada suas coordenadas geográfi- florestas de igapó. É nessa região também cas, características (hábito, altura, presen- onde se intensifica o contato da vegeta- ça/ausência de látex, odor, etc.), ambiente ção da planície Amazônica – composta de (tipo de solo, estrutura da vegetação, etc.) formações predominantemente florestais e outras informações potencialmente úteis sobre solos argilosos – com as formações para a identificação das espécies e para vegetais mais abertas e sobre solos areno- compilação de dados para uma futura sos do escudo das Guianas. A flora local, elaboração de guias de identificação. Fo- portanto, apresenta uma superposição de elementos da flora da região das Guianas e tografamos as estruturas reprodutivas e/ da planície Amazônica, gerando uma ele- ou vegetativas para compor um banco de vada diversidade local. imagens das espécies amostradas. O regis- Embora tenham sido realizados alguns tro fotográfico também foi utilizado para trabalhos botânicos nessa região, pouco a caracterização dos diferentes tipos de ve- se sabe sobre as espécies vegetais que ali getação ou fitofisionomias amostrados. ocorrem. Diante disso, este trabalho bus- Após coletadas, as amostras botânicas cou intensificar a amostragem botânica e foram prensadas em jornal, embebidas em caracterizar as formações vegetais predo- álcool 96° GL e acondicionadas em sacos minantes na região do arquipélago de Ma- riuá e do rio Jufari.

Metodologia No arquipélago de Mariuá, visitamos áreas de igapó e de campinaranas alagáveis ao longo da calha do rio Negro e de igara- pés afluentes da sua margem esquerda. No rio Jufari, as coletas foram concentradas em áreas de igapó, ao longo de seus igara- pés afluentes, em campinas, campinaranas e em áreas de floresta de terra firme. Procuramos coletar plantas de qual- quer espécie, independente do grupo ta- xonômico, hábito ou forma de vida, que estivessem florescendo ou frutificando na época da visita, para maximizar o núme- ro de espécies amostradas e possibilitar a

Figura 1. Identificação de material reprodutivo ainda em campo. Foto: Zig Koch.

24 Mariuá vedados para a conservação até o retorno cial Swartzia spp., Fig. 2), Chrysobalanaceae para a cidade de Manaus. (Couepia spp. e Licania spp.), Lecythidaceae Em Manaus, as amostras foram levadas (Eschweilera spp.) e palmeiras, principal- à Coordenação de Biodiversidade, setor de mente o jauari (Astrocaryum jauari Mart.) e Botânica, do Instituto Nacional de Pesqui- a pupunharana ou marajá (Bactris spp.). sas da Amazônia (INPA), onde foram pro- O sub-bosque é relativamente denso nas cessadas de acordo com o procedimento bordas das ilhas, mas tende a ficar mais padrão para inclusão de amostras no Her- aberto em direção ao interior. Predomi- bário INPA. As amostras foram identificadas nam nesse estrato as arvoretas e arbus- até o menor nível taxonômico possível, uti- tos, principalmente da família Rubiaceae lizando-se chaves de identificação, biblio- (Psychotria spp.), e herbáceas das famílias grafia especializada, e consulta ao Herbário Heliconiaceae (Heliconia spp.) e Marantace- INPA. Além da coleta de amostras botânicas, ae (Ischnosiphon spp.). Nas praias arenosas, foram coletadas também amostras de teci- associadas às cotas mais baixas de inunda- do vegetal (folhas desidratadas) de todas ção, a densidade de indivíduos arbóreos as plantas amostradas para futuros estudos tende a ser menor, e tornam-se frequen- moleculares. tes algumas espécies arbustivas da família Myrtaceae, que são tolerantes a um perío- Resultados e discussão do maior de inundação. As campinaranas amostradas são for- Caracterização geral das mações florestais abertas sobre afloramen- formações vegetais amostradas tos arenosos, periodicamente alagáveis. Em O arquipélago de Mariuá apresenta algumas áreas, o solo de areia branca fica nos igapós um dossel com altura média completamente exposto e a vegetação se de 15 a 20 metros com algumas árvores restringe a pequenas manchas, e em outras emergentes como o macucu (Aldina spp., ocorrem grandes densidades de indivíduos Fabaceae) associadas a terrenos um pou- arbóreos de diâmetro pequeno. O dossel é co mais elevados. No dossel destacam-se baixo, entre quatro e oito metros de altura, algumas espécies de Fabaceae (em espe- destacando-se alguns indivíduos de maior

Figura 2. O arabá (Swartzia sp.), árvore de grande porte que ocorre nas florestas de igapó do arquipélago de Mariuá e no rio Jufari. Foto: Zig Koch

Capítulo 1. Vegetação 25 porte como a tanimbuca (Buchenavia spp., definidas principalmente por gradientes de Combretaceae), a jacareúba (Calophyllum solo e de inundação. brasiliensis Camb., Clusiaceae) e Duroia velu- Em suas florestas de igapó observa- tina Hook f. (Rubiaceae). O estrato herbá- se claramente, nas cotas mais baixas de ceo é pouco desenvolvido, ocorrendo em inundação, a elevada dominância de duas manchas onde predominam espécies das espécies de Apocynaceae, chamadas local- famílias Cyperaceae, Poaceae, Eriocaulaceae mente de molongó [Molongum laxum (Ben- (Eriocaulon spp.) e a samambaia Actinostachys th) Pichon e Malouetia cf. glandulifera Miers] pennula (Sw.) Hook. (Schizaeaceae). A flora (Fig. 4). Nas áreas sujeitas a um menor das campinaranas alagáveis dessa região pa- período de inundação a diversidade tende rece ser uma sobreposição de espécies tí- a ser maior, destacando-se no componen- picas de florestas de igapó, como é o caso te arbóreo, matamatá (Eschweilera spp., Le- da palmeira jará (Leopoldinia pulchra Mart.) e cythidaceae), Ternstroemia candolleana Wawra da jacareúba (Calophyllum brasiliensis Camb., (Theaceae) e a palmeira buritirana [Mauri- Clusiaceae), com espécies características de tiella aculeata (Kunth) Burret]. As florestas de formações mais abertas sobre solos areno- igapó dessa região apresentam um porte sos como é o caso de Ilex divaricata Martius ex menor do que as amostradas no arquipéla- go de Mariuá, atingindo um dossel entre 5 Reisseck in C. Martius (Aquifoliaceae). a 10 metros de altura, e em algumas áreas a vegetação lenhosa se restringe somente a Rio Jufari arbustos e arvoretas. O solo é muito areno- O rio Jufari apresenta uma planície de so e apresenta uma camada superficial de inundação bastante larga, atingindo até cer- raízes de cerca de 20 cm de profundidade. ca de oito quilômetros de largura na altura Ao longo do rio Jufari são muito fre- da comunidade de Caicubi. Os meandros quentes áreas de campinas (Fig. 3) e cam- do curso principal do rio e seus canais se- pinaranas alagáveis, com composição e cundários formam centenas de ilhas sobre estrutura muito variáveis. Algumas áreas as quais se desenvolve um mosaico de flo- são campos extensos com alta dominância restas de igapó, campinaranas e campinas, de espécies herbáceas e arbustivas, prin-

Figura 3. Aspecto geral de uma área de campina alagável, caracterizada pela vegetação de porte baixo e pelo solo bastante arenoso. Foto: Zig Koch

26 Mariuá Figura 4. Detalhe do ramo florido de uma das espécies de molongó (Molongum laxum). Foto: André Junqueira. cipalmente Lagenocarpus cf. rigidus (Kunth) Nees (Cyperaceae) e Chamaechrista desvauxii (Collad.) Killip (Fabaceae) e a vegetação arbórea se restringe a manchas ou a alguns indivíduos isolados. Em outras áreas, a co- bertura herbácea é reduzida e o solo areno- so fica exposto, predominando o compo- nente arbustivo-arbóreo, que atinge cerca de 3 a 6 metros de altura. Assim como no arquipélago de Mariuá, a composição de espécies das campinaranas alagáveis do rio Jufari parece ser formada pela sobreposi- ção de espécies de florestas de igapó com espécies características de formações aber- palmente dos gêneros Attalea, Astrocaryum e tas. No entanto, as áreas de campinas mais Geonoma) e de arbustos ou arvoretas das fa- abertas, dominadas por herbáceas e arbus- mílias Melastomataceae (Miconia spp., Tococa tos parecem apresentar uma composição spp.), Violaceae (Rinorea spp.), Annonaceae, de espécies distinta e com menos espécies Rubiaceae, etc. No estrato herbáceo desta- comuns às florestas de igapó. cam-se espécies das famílias Heliconiaceae As áreas de floresta de terra firme (Heliconia spp.), Marantaceae (Calathea spp., amostradas no rio Jufari estão localiza- Ischnosiphon spp.) e samambaias (Trichomanes das próximas à comunidade de Caicubi. A spp., Adiantum spp., Triplophyllum spp.). intensidade de coleta nesse ambiente foi bem menor do que nas outras fitofisio- Coletas botânicas nomias amostradas, no entanto, algumas características gerais das florestas de terra No total foram coletados 222 indiví- firme da região puderam ser identifica- duos, pertencentes a 58 famílias botânicas das. São florestas de grande porte, sobre e 186 espécies (ver Tabela). Foram iden- solos argilosos, com dossel em torno de tificados até o nível de espécie 166 indi- 35 metros de altura e com algumas árvo- víduos (75%), até o nível de gênero 42 res gigantes emergentes como, por exem- (19%) e até o nível de família 14 (6%). plo, o piquiá (Caryocar villosum (Aubl.) Pers., As famílias com mais espécies coletadas Caryocaraceae) e o angelim-pedra (Dinizia foram Fabaceae (sensu lato; 21 espécies), excelsa Ducke, Fabaceae). A maioria dos in- Rubiaceae (14 espécies), Bignoniaceae divíduos, entretanto, apresenta diâmetro (13 espécies), Apocynaceae (11 espécies), pequeno, ainda que atinjam grandes altu- Chrysobalanaceae (9 espécies), Myrtaceae ras no dossel ou subdossel. O sub-bosque (9 espécies) e Clusiaceae (9 espécies). 33 é relativamente aberto, caracterizado pela famílias (57%) foram representadas por elevada abundância de palmeiras (princi- somente uma espécie.

Capítulo 1. Vegetação 27 Dos 222 indivíduos, 131 (59%) fo- mílias mais coletadas em florestas de igapó ram coletados em florestas de igapó, 63 foram Rubiaceae (15 indivíduos), Fabaceae (28,4%) em campinas/campinaranas e 28 (14), Apocynaceae (10) e Myrtaceae (10); (12,6%) em florestas de terra firme; das em campinas/campinaranas Bignoniaceae 186 espécies, 131 foram coletadas em flo- (10), Fabaceae (6), Rubiaceae (4) e Cype- restas de igapó, 55 em campinas/campina- raceae (4) e em florestas de terra firme Big- ranas e 28 em florestas de terra firme. As fa- noniaceae (6) e Chrysobalanaceae (3).

Tabela. Espécies de plantas coletadas nas florestas de igapó, campinas/campinaranas e florestas de terra firme na região do arquipélago de Mariuá e no rio Jufari.

Família Campinas/ Igapó Terra Firme Espécie Campinaranas

Annonaceae Duguetia stelechanta (Diels) R.E.Fr. X Duguetia cf. surinamensis R.E. Fr. X Fusaea longifolia (Aubl.) Saff. X Guatteria scandens Ducke X Guatteria shomburgkiana Mart. X

Apocynaceae Blepharodon sp. 1 X ConferiCouma cf. utilis (Mart.) Müll. Arg. X Himatanthus attenuatus (Benth.) Woodson X Malouetia flavescens (Willd. ex Roem. & Schult.) Müll. Arg. X Malouetia glandulifera Miers X Malouetia sp. 1 X Mandevilla sp. 1 X Molongum laxum (Benth) Pichon X Rauvolfia cf. polyphylla Benth. X Tabernaemontana rupicola Benth. X Tabernaemontana cf. palustris Markgr. X

Aquifoliaceae Ilex divaricata Martius ex Reisseck in C. Martius X

Arecaceae Geonoma stricta (Poit.) Kunth X

Asteraceae Mikania sp. 1 X

Bignoniaceae Adenocalymma longilinea (A. Samp.) L.G. Lohmann X

28 Mariuá Tabela. Continuação

Família Campinas/ Igapó Terra Firme Espécie Campinaranas

Adenocalymma cf. bracteosum (DC.) L. G. Lohmann X X Adenocalymma cf. longilinea (A. Samp.) L.G. Lohmann X X Bignonieae sp. 1 X X X Callichlams sp. 1 X Fridericia sp. 1 X Handroanthus serratifolius (Vahl) S. O. Grose X Handroanthus sp. 1 X Lundia sp. 1 X Mansoa kerere (Aubl.) A.H. Gentry X Pleonotoma jasminifolia (Kunth) Miers X Pleonotoma sp. 1 X Pyrostegia venusta (Ker Gawl.) Miers X

Bromeliaceae Tillandsia paraensis Mez X

Burmanniaceae Burmannia polygaloides Schltr. X

Burseraceae Protium sp. 1 X

Caryocaraceae Caryocar microcarpum Ducke X

Celastraceae Maytenus sp. 1 X

Chrysobalanaceae Couepia bracteosa Benth. X Couepia paraensis (Mart. & Zucc.) Benth. X Hirtella racemosa Lam. X X Hirtella sp. 1 X Hirtella cf. dorvalii Prance X Licania apetala (E. Mey.) Fritsch X Licania sp. 1 X X Licania sp. 2 X Licania sp. 3 X

Clusiaceae Calophyllum brasiliensis Camb. X Caraipa grandifolia Mart. subsp. grandifolia Mart. X

Capítulo 1. Vegetação 29 Tabela. Continuação

Família Campinas/ Igapó Terra Firme Espécie Campinaranas

Caraipa punctulata Ducke X Clusia microstemon Planch. & Triana X Garcinia madruno (Kunth) Hammel X Haploclathra cf. leiantha (Benth.) Benth. X Moronobea riparia Planch. & Triana X Rheedia sp. 1 X Tovomita spruceana Planch. & Triana X

Combretaceae Buchenavia oxycarpa (Mart.) Eichler X Buchenavia suaveolens Eichler X Combretum laurifolium Mart. X X Terminalia cf. crispialata (Ducke) Alwan & Stace X

Connaraceae Rourea cuspidata (Kuntze) Benth ex Baker X

Cyperaceae Cyperaceae sp. 1 X Cyperaceae sp. 2 X Cyperaceae sp. 3 X Cyperaceae sp. 4 X Lagenocarpus cf. rigidus (Kunth) Nees X

Ebenaceae Diospyros cavalcantei Sothers X

Elaeocarpaceae Sloanea cf. davidsei Steyerm. X

Eriocaulaceae Eriocaulon sp. 1 X

Euphorbiaceae Croton sp. 1 X Hevea cf. spruceana (Benth.) Müll. Arg. X Mabea nitida Spruce ex Benth. X Mabea sp. 1 X X Maprounea guianensis Aubl. X Micrandra cf. siphonioides Benth. X

Euphroniaceae Euphronia hirtelloides Mart. X

30 Mariuá Tabela. Continuação

Família Campinas/ Igapó Terra Firme Espécie Campinaranas

Fabaceae Acosmium nitens (Vogel) Yakovlev X Campsiandra laurifolia (Benth.) R.S. Cowan X Chamaecrista desvauxii (Colladon) Killip var. molissima (Benth.) H.S. X Irwin & Barneby Chamaecrista desvauxii (Collandon) Killip X Clathrotropis nitida (Benth.) Harms X Cynometra bauhiniifolia Benth. X Dalbergia sp. 1 X Dalbergia sp. 2 X Dialium sp. 1 X Heterostemon mimosoides Desf. var. mimosoides X Hydrochorea marginata (Spruce ex Benth.) Barneby & J.W. Grimes X Machaerium aristulatum (Spruce ex Benth.) X Macrolobium limbatum Spruce ex Benth. var. limbatum X Macrolobium multijugum (DC) Benth X Macrolobium cf. acacifolium (Benth.) Benth. X Poecilanthe amazonica Ducke X Sclerolobium sp. 1 X Swartzia argentea Spruce ex Benth X Swartzia laevicarpa Amshoff X Swartzia polyphylla DC. X Swartzia aff. laxiflora Bong. ex Benth. Barneby X Zygia unifoliolata (Benth.) Pittier X

Gentianaceae Chelonanthus alatus (Aubl.) Pulle X Coutoubea spicata Aubl. X Irlbachia pratensis (Kunth) L. Cobb & Maas X

Gnetaceae Gnetum cf. paniculatum Spruce ex Benth. X

Humiriaceae Humiria balsamifera Aubl. X Sacoglottis guianensis Benth. X Schistostemon cf. retusum (Ducke) Cuatrec. X X

Lacistemataceae Lacistema aggregatum (P.J. Bergius) Rusby X

Capítulo 1. Vegetação 31 Tabela. Continuação

Família Campinas/ Igapó Terra Firme Espécie Campinaranas

Lauraceae Aniba cf. affinis (Meisn.) Mez X Nectandra amazonum Nees X Ocotea cernua Mez X Ocotea cf. nigrescens Vicent. X

Lecythidaceae Eschweilera micrantha (Berg) Miers X Eschweilera sp.1 X Lecythis sp. 1 X Lecythis cf. prancei S.A. Mori X Lecythis cf. zabucaja Aublet X

Loranthaceae Phthirusa cf. stelis (L.) Kuijt X

Malpighiaceae Blepharandra sp. 1 X Burdachia prismatocarpa A. Juss. X Byrsonima punctulata A. Juss. X Byrsonima aff. punctulata A. Juss. X X Heteropteris orinocensis (H. B. K.) A. Juss. X

Malvaceae Lueheopsis rosea (Ducke) Burret X Pachira cf. minor (Sims) Hemsl. X

Marcgraviaceae Souroubea guianensis Aubl. X

Melastomataceae Comolia veronicaefolia Benth. X Macairea sp. 1 X Miconia aplostachya Bonpl. X Tococa guianensis Aubl. X Tococa cf. lancifolia Spruce ex Triana X

Meliaceae Guarea pubescens (Rich.) A. Juss. ssp. pubiflora (A. Juss.) T.D. X Penn.

Memecylaceae Mouriri densifoliata Ducke X

32 Mariuá Tabela. Continuação

Família Campinas/ Igapó Terra Firme Espécie Campinaranas

Menispermaceae Anomospermum reticulatum (Mart.) Eichler X

Moraceae Ficus amazonica (Miq.) Miq. X

Myristicaceae Compsoneura ulei Warb. X Virola cf. mollissima (Poepp. ex A. DC.) Warb. X

Myrtaceae Calyptranthes sp. 1 X Calyptranthes cf. multiflora Poepp. ex O. Berg X Eugenia gomesiana O. Berg (Figura 5) X Eugenia longiracemosa Kiareskou X Eugenia sp. 1 X Myrcia sp. 1 X X Myrcia cf. grandis McVaugh X Psidium sp. 1 X Psidium cf. densicomum Mart. X

Nyctaginaceae Neea stellulata Heimerl X

Ochnaceae Blastemanthus gemmiflorus (Mart.) Planch. X Ouratea coccinea Engl. X Ouratea thyrsoidea Engl. X

Opiliaceae Agonandra cf. sylvatica Ducke X Orchidaceae Galeandra sp. 1 X

Poaceae Poaceae sp. 1 X Poaceae sp. 2 X

Polygalaceae Securidaca longifolia Poepp. & Endl. X

Polygonaceae Coccoloba obtusifolia Jacq. X

Capítulo 1. Vegetação 33 Tabela. Continuação

Família Campinas/ Igapó Terra Firme Espécie Campinaranas

Proteaceae Panopsis sp. 1 X

Rubiaceae Alibertia sp. 1 X X Borreria capitata (Ruiz & Pav.) DC. X Duroia fusifera Hook. F.. ex K. Schum. X X Duroia velutina Hook F. X Ferdinandusa cf. goudoutiana K. Schum. X Genipa americana L. X Genipa spruceana Steyerm. X Palicourea sp. 1 X Palicourea cf. crocea (Sw.) Roem. & Schult. X Psychotria sp. 1 X Psychotria sp. 2 X Psychotria sp. 3 X X Remija tenuiflora Benth. X Sphinctanthus striiflorus (DC.) Hook. F.. X

Sapindaceae Matayba arborescens (Aubl.) Radlk. X

Sapotaceae Elaeoluma glabrescens (Mart. & Eichl.) Aubr. X Manilkara cavalcantei Pires & Barb. Rodr. Ex. T. D. Pennington X Pouteria elegans (A.DC) Baehni X Pouteria sp.1 X

Schizaeaceae Actinostachys pennula (Sw.) Hook. X

Smilacaceae Smilax lappacea Humb. & Bonpl. ex Willd. X

Theaceae Ternstroemia candolleana Wawra X X

Trigoniaceae Trigonia spruceana Benth. ex Warm. X

Turneraceae Turnera acuta Wild. ex Shult. X Turnera venosa Urb. X

34 Mariuá Tabela. Continuação

Família Campinas/ Igapó Terra Firme Espécie Campinaranas

Verbenaceae Petrea bracteata Steud. X

Violaceae Rinorea macrocarpa (Mart. ex Eichler.) Kuntz. X Rinorea sp. 1 X

Vochysiaceae Erisma cf. uncinatum Warm. X Qualea paraensis Ducke X Ruizterania retusa (Spruce ex Warm.) M. Berti X Ruizterania cf. retusa (Spruce ex Warm.) M. Berti X Vochysia calophylla Spruce ex Warm. in Mart X Total de espécies 55 119 28

grande relevância da região do médio rio Implicações Negro para a conservação da biodiversida- conservacionistas de e reforçam a necessidade de criação de Diversas áreas da Amazônia têm a unidades de conservação nessa região. biodiversidade muito pouco conhecida, inclusive do ponto de vista florístico. A diversidade de plantas da Amazônia é su- O molongó (Fig. 4) – Esse nome é dado a bestimada e há imensas áreas geográficas algumas espécies da família Apocynaceae das quais pouco ou nada se conhece so- que ocorrem nas florestas de igapó do rio Jufari e em outras regiões da Amazônia, bre a flora (HOPKINS, 2007). É necessário principalmente na bacia do rio Negro (na que essas áreas sejam conhecidas e amos- Amazônia venezuelana é conhecido como tradas, a fim de propor planos adequados palo-de-boya, ou pau-de-bóia). Neste estu- para a conservação da sua biodiversidade. do foram coletadas duas espécies, Molon- É nesse cenário que se enquadra o mé- gum laxum e Malouettia cf. glandulifera. dio rio Negro, em particular a região do São espécies cuja característica marcante arquipélago de Mariuá e do baixo rio Ju- é a madeira extremamente leve e de alta fari. As amostragens realizadas nessas áreas flutuabilidade, o que as torna uma exce- lente matéria-prima para a fabricação de revelaram um número significativo de es- utensílios de pesca, brinquedos, artesa- pécies, inseridas em um mosaico de dife- nato, etc. Diversos estudos registraram a rentes formações vegetais, em uma região utilização dessas espécies por comunida- cuja flora ainda é muito pouco conhecida. des indígenas e caboclas na Amazônia. Os resultados aqui apresentados apoiam a

Capítulo 1. Vegetação 35 Madeira de lei (Fig. 5) – A jacareúba (Calophyllum brasiliensis, Clusiaceae), é uma árvore bastante comum nas florestas alagáveis ao longo de rios de água preta. A mesma espécie ocorre também em quase todo o Brasil, tanto no cerrado como na mata Atlântica (BITTRICH, 2015). A sua grande utilidade para a construção civil e naval (destacando-se a confecção de mastros de navios, devido ao formato retilíneo e cilíndrico do tronco) levaram o governo imperial a reservar para o Estado o monopólio de exploração dessa madeira em 1810 – surgia aí pela primeira vez o termo “madeira de lei” (LORENZI, 2002a). Na Amazônia, a espécie é muito utilizada para a construção civil, e também há registros de usos medicinais para a sua resina, casca e folhas (VAN DEN BERG, 1993, LORENZI, 2002b). A sua superexploração para a utilização madeireira tem levado a uma significativa redução nas populações dessa espécie em algumas regiões.

Figura 5. Detalhe do tronco da jacareúba (Calophyllum brasiliense). Foto: André Junqueira.

BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Referências Departamento Nacional de Produção ANDERSON, A.B. White sand vegetation Mineral. Projeto RADAM. Pico da Neblina. of Brazilian Amazonia. Biotropica, v.13, Geologia, geomorfologia, solos, vegetação e p.199-210, 1981. uso potencial da terra. Rio de Janeiro. Folha n.19, v.11, 1976. BITTRICH, V. et al. Calophyllaceae. In: Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico GOULDING, M.; BARTHEM, R.; FERREIRA, do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 01 out. 2015. Press, 2003.

36 Mariuá HOPKINS, M.G. Modelling the known and MORAN, E.F. Through Amazonian eyes: the unknown plant biodiversity of the Amazon human ecology of Amazonian populations. Basin. Journal of Biogeography, v.34, n.8, Iowa City, University of Iowa Press, 1993. p.1400-1411, 2007. PIRES, J.M. Estudos dos principais tipos de HUBER, O. Geographical and physical vegetação do estuário amazônico. (Tese de features. In: BERRY, P.E.; HOLST, B.K.; Doutorado) Universidade de São Paulo- YATSKIEVYCH, K. (eds.). Flora of the ESALQ, Piracicaba, Brasil. 1972, 183p. Venezuelan Guayana. Portland, Timber PRANCE, G.T. Islands in Amazonia. Press, 1995, p. 1-51. Philosophical Transactions of the Royal JUNK, W.J., BAYLEY, P.B.; SPARKS, R.E. The flood Society of London, B: Biological Science, pulse concept in river-floodplain systems. v.351, n.1341, p.823-833, 1996. In: DODGE, D.P. (ed.). Proceedings of the PRANCE, G.T.; Daly, D. Brazilian Amazon. In: International Large River Symposium. CAMPBELL, D.G.; HAMMOND, H.D. (eds.). Canadian Special Publication of Fisheries and Floristic inventory of tropical countries. Aquatic Sciences, n.106, 1989, p. 110-127. New York, New York Botanical Garden, KUBITZKI, K. The ecogeographical 1989, p. 523-533. differentiation of Amazonia inundation VICENTINI, A. A vegetação ao longo de um forests. Plant Systematics and Evolution, gradiente edáfico no Parque Nacional do v.162, p.285-304, 1987. Jaú. In: BORGES, S.H. et al. (eds.), Janelas KUBITZKI, K. The ecogeographical para a biodiversidade no Parque Nacional differentiation of Amazonia inundation do Jaú: uma estratégia para o estudo da forests. Plant Systematics and Evolution, biodiversidade na Amazônia. Manaus. FVA, v.162, p.285-304, 1989. WWF e IBAMA, 2004, p.117-143. LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de VICENTINI, A. Pagamea Aubl. (Rubiaceae). identificação e cultivo de plantas arbóreas From to processes, building the nativas do Brasil. v.1, 4a. ed., Nova Odessa, bridge. Tese de Doutorado, University of Instituto Plantarum, 2002a, 368p. Missouri at Saint Louis, 2007, 317p. LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. v.2, 2a. ed., Nova Odessa, Instituto Plantarum, 2002b, 368p.

Capítulo 1. Vegetação 37

Marcio Luiz de OLIVEIRA

Abelhas e 2 mamangavas

Introdução

As abelhas são excelentes agentes polinizadores e estão envolvi- das na polinização de cerca de 60% das quase 1500 espécies culti- vadas pelo homem (GARÓFALO, 2009). Como se isso não bastasse, atuam também como dispersoras de sementes de plantas na Austrá- lia (WALLACE e TRUEMAN, 1995) e na Amazônia brasileira (OLI- VEIRA, 2001; BACELAR-LIMA, 2006; NUNES et al., 2008). Não obstante esse importante papel ecológico e econômico das abelhas, o conhecimento a respeito delas na região amazônica bra- sileira ainda é bastante incipiente e fragmentário. Apesar das coletas de abelhas terem se intensificado nas últimas décadas, elas perma- necem restritas ao longo das margens dos grandes rios e no entorno das principais cidades da região, padrão que costuma se repetir com outros grupos de animais ou vegetais (OVERAL, 2001; BACCARO et al., 2008). O primeiro a estudar abelhas na região amazônica brasileira foi Adolpho Ducke no final do século XIX e primeiras décadas do sé- culo XX. Depois dele, somente a partir de 1963, novas expedições foram empreendidas à região com objetivos exclusivos de se co- nhecer nossas abelhas, sobretudo as abelhas sem ferrão (Apidae: Meliponini) (ver revisão em CAMARGO, 1994). Em seguida, ou- tro grupo que passou a ser intensamente estudado nessa região do Brasil foi o das abelhas das orquídeas (Apidae: Euglossini), prin- cipalmente depois que se descobriu que poderiam ser facilmente atraídas por iscas aromáticas (BRAGA, 1976; POWELL e POWELL, 1987; BECKER et al., 1991; MORATO, 1992; MORATO et al., 1994; OLIVEIRA, 1995; 1999; 2001; 2006; 2012; OLIVEIRA e CAMPOS, 1995; 1996; OLIVEIRA et al., 2010; 2015; NEMÉSIO, 2005; NEMÉ- SIO e MORATO, 2004; 2006; DIAS, 2007; STORCK-TONON et al., 2009; 2013; STORTI et al., 2013). Em menor intensidade, têm sido realizados trabalhos com abelhas que nidificam em ninhos-arma- dilha (MORATO, 2001; MORATO e CAMPOS, 2000; MORATO e MARTINS, 2006), sendo que tais ninhos são muito mais atrativos para vespas solitárias que abelhas solitárias. Porém, de modo geral, os estudos têm sido realizados principalmente em florestas de terra firme, em detrimento das demais formações vegetacionais, o que acontece muito mais por facilidades logísticas do que por interesses taxonômicos, biogeográficos ou conservacionistas (BACCARO et al., 2008). A exceção foi Oliveira (2013), que comparou a fundação de ninhos-armadilha por abelhas e vespas solitárias em florestas de terra firme, campina, campinarana, igapó e vegetação mista (roçado com

Capítulo 2. Abelhas e mamangavas 41 capoeira) no baixo rio Negro, mais especi- ficamente no Parque Nacional do Jaú. Metodologia A região do alto e médio rio Negro, As abelhas das orquídeas foram cole- tadas em dois locais, em um igapó no rio por sua vez, tem a fauna de abelhas mui- Negro, arquipélago de Mariuá e em uma to pouco conhecida. A primeira expedi- floresta de terra firme, próxima à comu- ção pelos rios Branco e Negro e alguns de nidade do Caju, rio Jufari. Em cada lo- seus afluentes foi realizada por Camargo cal foram instaladas quatro conjuntos de (1994), mas dedicada principalmente à seis armadilhas, separados em linha reta coleta de abelhas sem ferrão. Dias (2007) por cerca de 500 m. As armadilhas foram desenvolveu sua dissertação de mestrado instaladas por volta das 08h00min e ins- com abelhas das orquídeas em gradientes pecionadas para retirada das abelhas cap- altitudinais no Parque Nacional do Pico turadas a cada 24 horas. Foram utilizadas da Neblina, ao passo que Oliveira (2012) armadilhas confeccionadas com garrafas procurou ampliar essas amostragens, rea- PET (Fig. 1), contendo cada uma, uma das lizando coletas no entorno de São Gabriel seis iscas aromáticas: salicilato de metila, da Cachoeira e na serra do Curicuriari ou eugenol, cineol, acetato de benzila, vanili- na e cinamato de metila. Bela Adormecida. As demais abelhas foram coletadas Nesse sentido, este estudo teve como com rede entomológica (puçá), procuran- objetivo ampliar o conhecimento sobre as do-as ativamente em plantas com flores. abelhas na bacia do médio rio Negro, mais No arquipélago de Mariuá, por se tra- especificamente no setor que vai do arqui- tar de um igapó (floresta inundável), essas pélago de Mariuá ao rio Jufari, afluente da plantas precisaram ser acessadas utilizando- margem esquerda do rio Negro e ainda se uma canoa, ao passo que na área de terra avaliar o estado de conservação desse setor. firme do rio Jufari, elas eram acessadas por

Figura 1. Armadilhas para captura de abelhas das orquídeas. Foto: Zig Koch.

42 Mariuá meio de caminhadas entre capoeiras e roça- Os indivíduos coletados foram prepa- dos próximos à comunidade, locais que são rados, fixados (Fig. 2) e, depois de identifi- muito frequentados por abelhas que saem cados, depositados na Coleção de Inverte- da floresta em busca de alimento, sobretu- brados do Instituto Nacional de Pesquisas do em plantas ruderais. da Amazônia.

Figura 2. Preparação e fixação de exemplares de abelhas. Foto: Carla Sardelli.

típica de áreas fragmentadas e capoeiras, Resultados e discussão foi mais abundante no igapó de Mariuá Foram registradas 25 espécies de abe- do que na floresta de terra firme do rio lhas das orquídeas (Fig. 3) somando-se Jufari. Resultados idênticos já haviam sido os dois locais estudados. No igapó do ar- obtidos em outro estudo, onde se compa- quipélago de Mariuá foram coletados 146 rou a fauna de abelhas das orquídeas em indivíduos pertencentes a 16 espécies, en- florestas de terra firme, igapó e campina- quanto na floresta de terra firme do rio Ju- rana, no Parque Nacional do Jaú, situado fari foram coletados 322 indivíduos per- tencentes a 22 espécies (Tabela 1). no rio Negro, porém mais abaixo (OLI- Euglossa amazonica, E. cognata, E. orellana e VEIRA, 2013). Esses resultados sugerem Exaerete smaragdina, espécies que não costu- que para tais espécies de abelhas, áreas de mam ocorrer, ou raramente ocorrem em igapó, provavelmente devido a seus pulsos fragmentos florestais na Amazônia, tive- de inundações sazonais, seriam compará- ram o mesmo comportamento em rela- veis às áreas desmatadas e fragmentos flo- ção ao igapó do arquipélago de Mariuá. restais, mas essa conclusão ainda demanda Em contrapartida, Eulaema mocsaryi, espécie mais estudos.

Capítulo 2. Abelhas e mamangavas 43 Tabela 1. Espécies de abelhas das orquídeas registradas para o arquipélago de Mariuá (rio Negro) e Vila Caju (rio Jufari), AM.

Espécies de abelhas das orquídeas Arquipélago de Mariuá Rio Jufari Eufriesea surinamensis (Linnaeus, 1758) 25 - Eufriesea pulchra (Smith, 1854) 01 - Euglossa analis Westwood, 1840 - 01 Euglossa augaspis Dressler, 1982 16 31 Euglossa avicula Dressler, 1982 13 19 Euglossa bidentata Dressler, 1982 - 02 Euglossa chalybeata Friese, 1925 01 94 Euglossa cognata Moure, 1970 - 01 Euglossa crassipunctata Moure, 1968 - 06 Euglossa ignita Smith, 1874 19 33 Euglossa imperialis Cockerell, 1922 - 17 Euglossa intersecta Latreille, 1938 03 27 Euglossa sp. - 01 Euglossa modestior Dressler, 1982 18 04 Euglossa pleosticta Dressler, 1982 - 03 Euglossa prasina Dressler, 1982 04 01 Euglossa retroviridis Dressler, 1982 - 02 Euglossa stilbonota Dressler, 1982 - 04 Eulaema cingulata (Fabricius, 1804) 06 01 Eulaema meriana (Olivier, 1789) 29 53 Eulaema mocsaryi (Friese, 1899) 05 01 Eulaema pseudocingulata Oliveira, 2006 01 02 Exaerete frontalis (Guérin, 1845) 03 - Exaerete lepeletieri Oliveira & Nemésio, 2003 01 02 Exaerete smaragdina (Guérin, 1845) 01 13 Total de espécies 16 22 Total de indivíduos 146 322

Por outro lado, Eulaema nigrita e Euglossa tro no outro), elas indicam uma fauna de cordata, duas espécies de abelhas das orquí- abelhas das orquídeas relativamente rica deas comuns em áreas abertas ou degra- nos dois locais avaliados. A quantidade de dadas, não foram coletadas ou observadas. espécies encontrada é também expressiva, Essa ausência ou não detecção dessas duas se comparada a outros sítios na região Ne- espécies sugere um alto grau de preserva- otropical (Tabela 2). ção nas duas áreas estudadas. Duas espécies de abelhas sem ferrão, Embora as amostragens tenham sido Melipona interrupta e M. seminigra, foram muito rápidas (três dias num local e qua- registradas nas áreas estudadas, sendo

44 Mariuá Figura 3. Algumas abelhas das orquídeas coletadas no arquipélago de Mariuá (rio Negro) e vila Caju (rio Jufari), AM. Foto: Zig Koch.

Tabela 2. Riqueza de espécies de abelhas das orquídeas em vários locais na região Neotropical.

Local Riqueza Fonte Colômbia 113 Ramírez et al. (2002) 77 Ramírez et al. (2002) América Central e México 76 Roubik e Hanson (2004) 70 Ramírez et al. (2002) e Panamá 70 Roubik e Hanson (2004) Panamá 69 Ramírez et al. (2002) Costa Rica 66 Roubik e Hanson (2004) Guiana Francesa 63 Discoverlife (2009) Brasil 104 Silveira et al. (2002) Brasil 110 Ramírez et al. (2002) Brasil (Roraima) 63 Oliveira et al. (2010) Brasil (Mata Atlântica) 54 Peruquetti et al. (1999) Brasil (Rondônia) 53 Brown e Oliveira (2013) Brasil (Manaus) 47 Oliveira e Campos (1995) Brasil (Acre) 33 Nemésio e Morato (2006) Brasil (Arq. Mariuá e rio Jufari) 25 Este levantamento que ambas possuem potencial para serem de uso da comunidade. Oliveira e Cunha exploradas para a produção de mel pelos (2005) descobriram que essa espécie não comunitários (meliponicultura). ocorre no interior das florestas de terra fir- Foi registrada ainda a presença massiva me da Amazônia, mas sim em suas bordas, da abelha africanizada Apis mellifera scutelatta além de formações vegetacionais naturais (Fig. 4) no igapó do arquipélago de Ma- abertas, florestas perturbadas, margens de riuá, mas não na floresta de terra firme da rios e estradas, ou mesmo em áreas urba- comunidade do Caju, nem mesmo na área nas (veja Quadro). Sendo assim, excluiu-

Capítulo 2. Abelhas e mamangavas 45 Figura 4. Abelha africanizada (Apis mellifera scutelatta), espécie introduzida e bem irradiada pelas Américas. Arquipélago de Mariuá (rio Negro) e vila Caju (rio Jufari), AM. Foto: Zig Koch.

Abelhas africanizadas exploram recursos na Floresta Amazônica? As abelhas africanas (Apis mellifera scutellata) foram trazidas para o Brasil na década de 1950 e, por um incidente, cruzaram-se com outras subespécies de abelhas melíferas europeias in- troduzidas no século XIX. Isso proporcionou o surgimento de híbridos com características pre- dominantes das abelhas africanas, tais como agressividade, rusticidade e maior capacidade de enxamear, o que lhes permitiu uma rápida adaptação e expansão por quase todo continente americano. Até hoje existem controvérsias se essas abelhas, agora denominadas africanizadas, estariam causando algum impacto sobre a fauna de abelhas nativas. Nas Américas, as afri- canizadas estão restritas às regiões de baixas altitudes e de invernos amenos, mas ocorrem ainda em áreas urbanas e formações vegetacionais abertas ou adulteradas, dificilmente sendo vistas ou coletadas no interior de florestas densas como a Amazônica. Diante dessa observa- ção, em um experimento, diversas iscas foram disponibilizadas dentro de fragmentos de flo- restas e de florestas contínuas na Amazônia central, e fora, nas capoeiras e áreas desmatadas, para testar se operárias de abelhas africanizadas seriam capazes de forragear nessas iscas. Nenhuma operária foi vista visitando as iscas no interior das florestas contínuas ou mesmo nos fragmentos de floresta, ocorrendo visitas somente nas áreas desmatadas e capoeiras próximas. Esses resultados indicam que de fato abelhas africanizadas não frequentam flores- tas de terra firme na Amazônia, o que exclui a possibilidade de competição por recursos com as abelhas nativas no interior da floresta. Também indicam que uma apicultura em grande escala na região seria inviável, uma vez que a floresta Amazônica, apesar de considerada uma das mais ricas do mundo, não é sequer explorada por essas abelhas. Fonte: OLIVEIRA e CUNHA. Acta Amazonica, v. 35, n. 3, p.389-394. 2005

se a possibilidade de que essas abelhas acontecendo em formações vegetacio- pudessem estar causando impactos sobre a nais abertas naturais da Amazônia, como fauna de abelhas nativas dentro da floresta os campos de altitude do Parque Estadual de terra firme. Se existe algum impacto, ele da Serra do Aracá, onde este autor (Obs. deve ocorrer apenas nas bordas da floresta. O mesmo não se pode dizer em relação Pess.) encontrou uma presença massiva de ao igapó do arquipélago de Mariuá, pois abelhas africanizadas e uma baixa riqueza ele pode estar sujeito ao mesmo que vem de abelhas nativas.

46 Mariuá néctar e cujo pólen não é consumido por Implicações abelhas (DRESSLER, 1982). Nesse caso, as conservacionistas substâncias odoríferas produzidas por tais 1) A meliponicultura é uma atividade orquídeas seriam o principal recurso ofe- que não exige grandes investimentos e que recido para atrair seus polinizadores, os produz efeitos positivos na alimentação, machos das abelhas das orquídeas. Além saúde e orçamento familiar. Essa atividade disso, machos e fêmeas visitam flores de deveria ser estimulada junto às comuni- pelo menos 23 famílias de plantas para dades próximas, inclusive como forma de obter néctar, ao passo que somente fêmeas evitar a retirada predatória de mel na natu- visitam flores de três famílias para extrair reza, o que, mormente, ocasiona a morte resina e de nove para coletar pólen (ROU- dos enxames, além de danificar as árvores BIK, 1989). Entre as plantas amazônicas que os abrigam. Iniciativas como essas já polinizadas por essas abelhas, destaca-se a estão sendo conduzidas na comunidade de castanheira, Bertolletia excelsa, de grande im- Caicubi (Fig. 5), próxima à foz do rio Jufa- portância na economia regional (MAUÉS, ri, mas ainda são incipientes. 2002). Embora o potencial de polinização 2) Os efeitos da presença massiva de das abelhas em geral, sobretudo nos tró- abelhas africanizadas sobre as abelhas na- picos, ainda seja subaproveitado ou mes- tivas dos igapós e sobre a reprodução da mo ignorado, já existem indícios de que comunidade vegetal dos igapós de Mariuá alterações climáticas, uso indiscriminado precisam ser investigados. de defensivos agrícolas e perda de habitat 3) Os machos de abelhas das orquí- estariam contribuindo para o declínio na deas são importantes polinizadores, tan- abundância e diversidade delas e de outros to de orquídeas como de outras famílias polinizadores no mundo todo, podendo de plantas na região Neotropical, onde trazer sérias consequências para a sobre- polinizam cerca de 10% das espécies de vivência de muitas espécies de plantas do- orquídeas (ROUBIK e HANSON, 2004). mesticadas ou mesmo selvagens (ALLEN Estima-se que nessa região existem pelo -WARDELL et al., 1998). Uma das formas menos 625 espécies de orquídeas perten- de se evitar tais consequências passa justa- centes a 55 gêneros que não produzem mente por uma melhor proteção das áre-

Figura 5. Meliponicultura na vila Caicubi (divisa RR/ AM). Uma alternativa de baixo investimento que pode trazer bons retornos na alimentação, saúde e orçamento familiar. Foto: Zig Koch.

Capítulo 2. Abelhas e mamangavas 47 as onde as abelhas ─ assim como outros Anais do 1º Encontro sobre Abelhas. polinizadores ─ ocorrem, e também pela Universidade de São Paulo-Faculdade de criação de novas áreas de preservação (ver Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão THE SÃO PAULO DECLARATION, 2002), Preto, Ribeirão Preto, 1994, p.46-59. o que deveria ser proposto para as áreas DIAS, R.L. Abelhas das orquídeas aqui estudadas. (Apidae:Euglossina) em três ambientes altitudinais na Amazônia. Dissertação de Referências Mestrado em Ecologia, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Manaus, 2007, 44p. ALLEN-WARDELL, G. et al. The potential DISCOVERLIFE. http://www.discoverlife.org/ consequences of pollinator decline on the mp/20o?guide=Orchid_ Bees_French_ biodiversity and stability of food crop yields. Guiana. Acessado em 06/08/2009. Conservation Biology, v.12, p.8-17, 1998. DRESSLER, R.L. Biology of the orchid bees BACELAR-LIMA, C.G. et al. Melitocoria de Zygia (Euglossini). Annual Review of Ecology racemosa (Ducke) Barneby & Grimes por and Systematics, v.13, p.373-394, 1982. Melipona seminigra merrillae Cockerell, 1919 y Melipona compressipes manaosensis Schwarz, GARÓFALO, C.A. Patrimônio não avaliado. 1932 (Hymenoptera, Meliponina) en la Scientific American (Brasil), v.7, n.84, Amazonía Central, Brasil. Acta Amazonica, p.50-51, 2009. v.36, n.3, p.343-8, 2006. MAUÉS, M.M. Reproductive phenology BACCARO, F.B.; et al. Avaliação de um and pollination of the Brazilian nut tree patrimônio. Scientific American - Brasil (Bertholettia excelsa H.B.K., Lecythidaceae) (Edição Especial), v.2, p.24-29, 2008. in eastern Amazonia. In: Kevan, P.G.; Imperatriz-Fonseca, V.L. (eds.), Pollinating BECKER, P.; MOURE, J.S.; PERALTA, F.J.A. More bees. The Conservation Link Between about euglossine bees in Amazonian Forest Agriculture and Nature. Ministry of fragments. Biotropica, v.23, p.586-591, 1991. Environment, Brasília, 2002, p.245-254. BRAGA, P.I.S. Atração de abelhas polinizadoras MORATO, E.F. Abelhas Euglossini de Orchidaceae com auxílio de iscas-odores (Hymenoptera, Apidae) coletadas na na campina, campinarana e floresta tropical Amazônia Central. Revista Brasileira de úmida da região de Manaus Ciência e Entomologia, v.36, n.4, p.767-771, 1992. Cultura, v.28, n.7, p.767-773, 1976. MORATO, E.F. Efeitos da fragmentação BROWN, J.C.; OLIVEIRA, M.L. The impact florestal sobre vespas e abelhas solitárias na of agricultural colonization and Amazônia Central. II. Estratificação vertical. deforestation on stingless bee (Apidae: Revista Brasileira de Zoologia, v.18, n.3, Meliponini) composition and richness in p.737-747, 2001. Rondônia, Brazil. Apidologie, v,45, p.172- MORATO, E.F.; CAMPOS, L.A.O. Efeitos 188, 2013. da fragmentação florestal sobre vespas CAMARGO, J.M.F. Biogeografia de Meliponini e abelhas solitárias em uma área da (Hymenoptera, Apidae, Apinae): A Fauna Amazônia Central. Revista Brasileira de Amazônica. In: ZUCCHI, R. (coord.). Zoologia, v.17, n.2, p.429-444, 2000.

48 Mariuá MORATO, E.F.; MARTINS, R.P. A review on terra firme na Amazônia Central. Revista proximate factors influencing on solitary Brasileira de Zoologia, v.16, p.83-90, 1999. wasps and bees (Hymenoptera: Aculeata) OLIVEIRA, M.L. Stingless bees (Meliponini) nesting in preexisting cavities in the wood. and orchid bees (Euglossini) in “terra Neotropical Entomology, v.35, n.3, p.285- firme” tropical forests and forest 298, 2006. fragments. In: BIERREGAARD JR, R.O. et MORATO, E.F.; CAMPOS, L.A.O.; MOURE, al. (eds.). Lessons from Amazonia: the J.S. Abundância e riqueza de machos de ecology and conservation of a fragmented Euglossini (Hymenoptera, Apidae) em forest. Yale University Press, New Haven, mata de terra firme e áreas de derrubada, 2001, Chapter 17, p.208-218. nas vizinhanças de Manaus (Brasil). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, OLIVEIRA, M.L. Três novas espécies de abelhas série Zoologia, v.10, n.1, p.95-105, 1994. da Amazônia pertencentes ao gênero Eulaema Lepeletier, 1841 (Hymenoptera: NEMÉSIO, A. Orchid bees (Hymenoptera: Apidae: Euglossini). Acta Amazonica, v. 36, Apidae) of Ilha de Maracá, Roraima, n.1, p.121-128, 2006. northern Brazil. Lundiana, v.6, n.2, p.117- 119, 2005. OLIVEIRA, M.L. Abelhas das orquídeas do alto rio Negro: Novos achados. In: NEMÉSIO, A.; MORATO, E.F. Euglossina (Hymenoptera: Apidae: Apini) of the SOUZA, L.A.G.; CASTELLÓN, E.G. (orgs.). Humaitá Reserve, Acre state, Brazilian Desvendando as fronteiras do conhecimento Amazon, with comments on bait trap na região amazônica do alto rio Negro. efficiency. Revista de Tecnologia e Editora do INPA, Manaus, 2012, p.217-223. Ambiente, v.10, n. 2. p.71-80, 2004. OLIVEIRA, M.L. A Fauna de Abelhas e Vespas NEMÉSIO, A.; MORATO, E.F. The orchid-bee Solitárias (Insecta: Hymenoptera) em fauna (Hymenoptera: Apidae) of Acre state Formações Vegetais Naturais e Alteradas na (northwestern Brazil) and a re-evaluation Amazônia. In: CASTELLÓN, E.G.B.; TELES, of euglossine bait-trapping Lundiana, v.7, B.R.; KEPPLER, R.L.F. (orgs.). Entomologia n.1, p.59-64, 2006. na Amazônia brasileira. Editora do INPA, Manaus, v. 2, 2013, p.135-146. NUNEZ, C.V.; et al. Chemical analyses confirm a rare case of seed dispersal by bees. OLIVEIRA, M.L; CAMPOS, L.A.O. Abundância, Apidologie, v.39, p.618-626, 2008. riqueza e diversidade de abelhas OLIVEIRA, M.L. Abundância, riqueza e Euglossinae (Hymenoptera, Apidae) diversidade de abelhas Euglossinae em florestas contínuas de terra firme na (Hymenoptera: Apidae) em florestas de Amazônia Central, Brasil. Revista Brasileira terra firme na Amazônia Central, Brasil. de Zoologia, v. 12, p.547-556, 1995. Revista Brasileira de Zoologia, v.12, n.3, OLIVEIRA, M.L; CAMPOS, L.A.O. Preferências p.547-566, 1995. por estratos florestais e por substâncias OLIVEIRA, M.L. Sazonalidade e horário odoríferas em abelhas Euglossinae de atividade de abelhas Euglossinae (Hymenoptera, Apidae). Revista Brasileira (Hymenoptera, Apidae) em florestas de de Zoologia, v.13, p.1075-1085, 1996.

Capítulo 2. Abelhas e mamangavas 49 OLIVEIRA, M.L.; CUNHA, J.A. Abelhas ROUBIK, D.W. Ecology and Natural History of africanizadas Apis mellifera scutellata Lepeletier, Tropical Bees. Cambridge University Press, 1836 (Hymenoptera: Apidae: Apinae) Cambridge, 1989, 514p. exploram recursos na floresta amazônica? ROUBIK, D.W.; HANSON, P.E. Abejas de Acta Amazonica, v.35, n.3, p.389-94, 2005. orquídeas de la América tropical. Biología OLIVEIRA, M.L.; FERNANDES, I.O.; y guía de campo = Orchid bees of tropical SOMAVILLA, A. Insetos das Unidades America. Biology and field guide. INBio, de Conservação de Uso Sustentável no Costa Rica, 2004. Interflúvio Madeira-Purus. In: Gordo, SILVEIRA, F.A.; MELO, G.A.R.; ALMEIDA, M; Pereira, H.S. (orgs.). Unidades de E.A.B. Abelhas Brasileiras. Sistemática Conservação do Amazonas no Interflúvio e Identificação. Edição do autor, Belo Purus-Madeira: Diagnóstico Biológico. Horizonte, 2002, 253p. EDUA, Manaus, 2015, p.51-84. STORCK-TONON, D.; MORATO, E.F; OLIVEIRA, M.L. et al. Abelhas de Roraima. Por OLIVEIRA, M.L. Fauna de Euglossina da que tantas espécies em tão pouco espaço? In: BARBOSA, R. I.; MELO, V.F. (Org.). Amazônia sul-ocidental, Acre, Brasil. Acta Roraima. Homem, ambiente e ecologia. Amazonica, v.39, n.3, p.693-706, 2009. Femact, Boa Vista, 2010, p.523-540. STORCK-TONON, D. et al. Orchid Bees of forest OVERAL, W.L. O peso dos invertebrados fragments in Southwestern Amazonia. Biota na balança de conservação biológica da Neotropica, v.13, p.133-141, 2013. Amazônia. In: CAPOBIANCO, J.P.R. (coord.). STORTI, E.F.; OLIVEIRA, M.L.; STORTI FILHO, A. Biodiversidade na Amazônia Brasileira. O Papel dos Fragmentos Florestais Urbanos Avaliações e ações prioritárias para a da Cidade de Manaus na Manutenção da conservação, uso sustentável e repartição Fauna de Abelhas das Orquídeas (Apidae: de benefícios. Instituto Sócio-Ambiental e Euglossini). In: Castellón, E.G.B.; Teles, Estação Liberdade São Paulo, 2001, p.50-59. B.R.; Keppler, R.L.F. (orgs.). Entomologia PERUQUETTI, R.C. et al. Abelhas Euglossini na Amazônia brasileira. Editora do INPA, (Apidae) de áreas de Mata Atlântica: Manaus, v.2, 2013, p.227-234. abundância, riqueza e aspectos biológicos. THE SÃO PAULO DECLARATION. Revista Brasileira de Zoologia, v.16, n.1, International Pollinators Initiative: The São p.101-118, 1999. Paulo Declaration (Principle Results and POWELL, A.H.; POWELL, G.V.N. Population Proposals for Action). Session VI. In: Kevan, dynamics of male euglossine bees in P.G.; Imperatriz-Fonseca, V.L. Pollinating Amazonian forest fragments. Biotropica, bees. The Conservation Link Between v.19, n.2, p.176-9, 1987. Agriculture and Nature. Ministry of Environment. Brasília, DF, 2002, p.303-8. RAMÍREZ, S.; DRESSLER, R. L.; OSPINA, M. Abejas euglosinas (Hymenoptera: Apidae) WALLACE, H.M.; TRUEMAN, S.J. Dispersal de la Región Neotropical: Listado de of Eucaliptus torelliana seeds by the resin- especies con notas sobre su biología. Biota collecting stingless bee Trigona carbonaria. Colombiana, v.3, n.1, p.7-118, 2002. Oecologia, v.104, p.12-16, 1995.

50 Mariuá

Ana Lúcia TOURINHO Nancy França LO MAN HUNG Lidianne SALVATIERRA Pío COLMENARES Willians PORTO

Aranhas, escorpiões, opiliões e 3 outros

Introdução

A classe Arachnida é um grupo megadiverso (cerca de 95.000 espécies reconhecidas), amplamente distribuído e muito bem-su- cedido nos mais diversos habitats. Essa classe é composta por 11 ordens, todas representadas na região amazônica (SHULTZ, 1990). Dentre elas, os representantes mais conhecidos são as aranhas, es- corpiões, carrapatos e ácaros, principalmente por causarem doenças e acidentes a seres humanos e outros animais. É um grupo ainda pouco estudado na Amazônia (BRESCOVIT et al., 2002; BONALDO et al., 2009), o que contribui para que muitas ordens tenham sua diversidade subestimada (ADIS, 2002; KURY, 2003; TOURINHO e PÉREZ, 2006; BONALDO et al., 2009). Por exemplo, para a reserva Ducke, localizada em Manaus, no estado do Amazonas, que tem sido muito bem estudada para todos os grupos de animais através de inventários estruturados, foram registradas 36 espécies de opiliões, sendo que pelo menos 15 ainda não haviam sido descritas pela ciência (PORTO, 2013). Entretanto, atualmente, já sabemos que a diversidade de aracnídeos na Amazônia é alta e comparável à da mata Atlântica, para certas ordens (BONALDO et al., 2009). O conhecimento biogeográfico da fauna aracnológica é igual- mente rudimentar. Grande parte das amostragens existentes são pon- tuais e concentradas em regiões de fácil acesso (normalmente no en- torno de municípios ou próximo aos rios), gerando lacunas artificiais nos mapas de ocorrência das espécies (BONALDO et al., 2009). Na Amazônia, os principais pontos amostrados nos últimos anos foram a reserva Ducke (PORTO, 2013), a Fazenda Experimental da Universidade Federal do Amazonas (TOURINHO et al., 2014), a RDS de Mamirauá e a bacia do rio Urucu (DIAS e BONALDO, 2012; TOU- RINHO et al., 2014), a calha da várzea do complexo dos rios Solimões e Amazonas (TOURINHO, 2007), algumas áreas no entorno da cida- de de Manaus e regiões próximas às sedes municipais de Manicoré, Borba e Ipixuna, RDS do Tupé (TOURINHO et al., 2011), a Rebio Uatumã (SATURNINO, 2007), a Flona do Tapajós, a Estação Ecológica de Maracá, o Parque Nacional do Viruá, o interflúvio Madeira-Purus e a Flona Caxiuanã (BONALDO et al., 2009). A expedição ao rio Jufari representou um primeiro passo para o conhecimento taxonômico de aracnídeos amazônicos em ambien- tes de água preta e de áreas que são praticamente desconhecidas, oferecendo assim, um importante registro preliminar da diversida- de de aracnídeos e de sua importância ecológica para a região.

Capítulo 3. Aranhas, escorpiões, opiliões e outros 55 lanterna-de-cabeça, ao longo de uma linha Metodologia de transecção de 30 m. A expedição na região do rio Jufari foi Extratores de Winkler − utilizados para dividida em dois períodos de coleta ocor- a amostragem de pequenos invertebrados ridos em 2008 e em 20121. que ocorrem na serapilheira. O método Aplicamos técnicas amostrais comple- consiste primeiro na definição de parcelas mentares para maximizar a coleta de di- de 1 m2, cuja serapilheira é peneirada e re- ferentes componentes faunísticos em Ara- chnida, pois a história natural, o habitat e colhida em um concentrador. O material comportamento interferem na amostra- particulado resultante é então colocado por gem. As seguintes técnicas foram utilizadas: dois dias no extrator de Winkler, que con- Guarda-chuva entomológico − empre- siste de um saco de malha plástica, dentro gado para amostragem de animais arbo- de outro saco de pano branco, contendo rícolas diurnos, presentes em estratos flo- um frasco de álcool amarrado no fundo restais e arbustivos de até dois metros de para coleta dos organismos (Fig. 2). altura. O instrumento consiste de um qua- Para complementar a lista obtida em drado de pano branco fixado pelos cantos, todos estes métodos, acrescentamos os em dois cabos cruzados, presos entre si no aracnídeos coletados nas armadilhas uti- centro. O aparato é colocado sob os ramos lizadas pelas equipes de herpetologia das árvores e arbustos, os quais são agitados (anfíbios e répteis) e mastozoologia (ma- com um bastão, de forma que os animais míferos), como as armadilhas-de-funil caiam sobre o pano branco, onde são facil- e armadilhas de interceptação e queda mente capturados (Fig. 1). para vertebrados (ver ENGE, 2001). To- Coleta manual noturna − técnica que dos os aracnídeos coletados foram fixados consiste na procura e coleta de animais no solo, serapilheira e vegetação arbustiva em álcool 80% e depositados na coleção do sub-bosque florestal, com o auxílio de aracnológica do Instituto Nacional de Pes- quisas da Amazônia (INPA) em Manaus, 1 Essa segunda expedição foi realizada Amazonas, e do Museu Paraense Emílio somente pela equipe de aracnólogos. Goeldi (MPEG), em Belém, Pará.

Figura 1. Guarda- chuva entomológico. Usado para se capturar insetos e aracnídeos na vegetação. Foto: P. Colmenares.

56 Mariuá Figura 2. Extrator de Winkler. Usado para se amostrar invertebrados da liteira. Foto: I.O. Fernandes.

presas e têm hábitos noturnos, incluindo Resultados e discussão fossoriais e semi-fossoriais (ver HÖFER e Nesta expedição coletamos represen- BRESCOVIT, 2001). Salticidae são conhe- tantes de seis ordens de aracnídeos. Apre- cidas popularmente como papa-moscas sentamos a seguir os resultados obtidos e caçam ativamente sobre a vegetação. por ordem. As famílias mais abundantes deste es- tudo também foram as mais ricas em mor- Ordem Araneae foespécies. As espécies mais abundantes A ordem Araneae (Fig. 3) é a segun- foram Ancylometes rufus (Walckenaer, 1837) da maior dentre os aracnídeos (FOELIX, (Ctenidae) com 22 indivíduos, Mesabolivar 1996) e a sétima dentre os artrópodes, aurantiacus (Mello-Leitão, 1938) (Pholci- possuindo mais de 45.539 espécies inclu- dae) com 16 indivíduos e Micrathena clypeata ídas em 114 famílias (WORLD CA- (Walckenaer, 1805) com 15 indivíduos. TALOG, 2015). Estima-se que apenas 30% Os dois períodos da expedição resulta- das aranhas brasileiras sejam conhecidas. ram em 116 e 238 morfoespécies respec- Ao todo, foram coletadas 1829 ara- tivamente. Ao todo, as famílias coletadas e nhas distribuídas em 36 famílias (três os gêneros identificados até o momento da infra-ordem Mygalomorphae e 33 de das duas expedições estão na tabela 1. ). As famílias mais abun- O número de morfoespécies e de fa- dantes foram Araneidae (Fig. 5) com 379 mílias de aranhas aqui registrado é similar indivíduos, Theridiidae (377), Ctenidae ao obtido em estudos com esforço similar (202) e Salticidae (Fig. 4) (167). na Amazônia brasileira (ver HÖFER, 1990; Essas famílias representaram 61% de BORGES e BRESCOVIT, 1996; MARTINS todas as aranhas coletadas (Fig. 6). Ara- e LISE, 1997), o que indica que este in- neidae são aranhas construtoras de teias ventário foi satisfatório. Entretanto, coletas orbiculares e em sua maioria de hábitos intensivas como as realizadas ao longo de noturnos. Theridiidae são aranhas pre- 10 anos na Floresta Nacional de Caxiuanã, dominantemente diurnas. Ctenidae são na Amazônia oriental brasileira, em que aranhas que perseguem ativamente suas foram empregados diversos métodos de

Capítulo 3. Aranhas, escorpiões, opiliões e outros 57 captura, aliados ao acréscimo de informa- (BONALDO et al., 2009). Assim, a possi- ções de outros pesquisadores, chegaram bilidade de continuidade desse inventário a números impressionantes, no caso, 591 certamente irá incrementar muito a lista espécies e morfoespécies de 50 famílias de espécies de aracnídeos da região.

Figura 3. Aranha da família Uloboridae, da espécie Uloborus sp. Foto: S.C. Dias.

Figura 4. Aranha da família Salticidae, da espécie Plexippus paykulli (Audouin, 1826). Foto: S.C. Dias.

58 Mariuá Figura 5. Aranha da família Araneidae, da espécie Euriophora sp. Foto: S.C. Dias.

Figura 6. Abundância de indivíduos das famílias de aranhas registradas na região do rio Jufari, comunidade Caicubi, Roraima.

Capítulo 3. Aranhas, escorpiões, opiliões e outros 59 Tabela 1. Famílias e gêneros de aranhas coletados no rio Jufari, comunidade Caicubi, Roraima. Família Gênero Actinopodidae Actinopus Katissa

Acacesia, Alpaida, Bertrana, Chaetacis, Cyclosa, Enacrosoma, Eriophora, Eustala, Araneidae Hypognatha, Mangora, Metazygia, Micrathena, Ocrepeira, Parawixia, Scoloderus, Spilasma, Testudinaria, Verrucosa e Wagneriana

Corinnidae Corinna e Myrmecium Ctenidae Ancylometes, Ctenus, Cupienius, Enoploctenus e Phoneutria Deinopidae Deinopis Dictynidae Dipluridae Diplura e Ischnothele Gnaphosidae Zimiromus Hahniidae Hersiliidae Ypypuera e Neotama Linyphiidae Lycosidae Mimetidae Ero Mysmenidae Ochyrocerathidae Ochyrocera Oonopidae Gamasomorpha, Neoxyphinus e Orchestina Oxyopidae Schaenchoscelis Pholcidae Carapoia, Mesobolivar e Metagonia Pisauridae Architis e Thaumasia

Amphidraus, Amycus, Balmaceda, Chloridusa, Corythalia, Cotinusa, Cylistella, Fluda, Salticidae Freya, Hypaeus, Jollas, Lyssomanes, Mago, Noegus e Soesilarishius

Scytodidae Scytodes Senoculidae Senoculus Sparassidae Sadala Tetragnathidae Chrysometa, Dolicognatha, Leucage e Opas Theraphosidae Avicularia

Anelosimus, Ariamnes, Argyrodes, Cerocida, Chrysso, Dipoena, Echinotheridion, Theridiidae Episinus, Phycosoma, Rhomphaea, Spintharus, Theridion, Thwaitesia e Thymoites

Theridiosomatidae Chthonos, Naatlo e Theridiosoma Thomisidae Trechaleidae Syntrechalea Uloboridae Philoponella, Uloborus e Miagrammopes

60 Mariuá Ordem Amblypygi em virtude de a diversidade estar concen- trada em famílias compostas por espécies Os amblipígios são aracnídeos notur- nos, com corpo achatado (Fig. 7). Os pe- muito diminutas e que requerem métodos dipalpos são raptoriais e o primeiro par de específicos e diretos para sua coleta (e.g. pernas é extremamente alongado, atuando peneiragem de serapilheira, busca ativa como antenas. São reconhecidas cerca de na serapilheira, extratores de Winkler). O 150 espécies no mundo inteiro. conhecimento acerca dos padrões de dis- Seis indivíduos de Heterophrynus sp.fo- tribuição e diversidade de opiliões ainda é ram capturados. Esse gênero é compos- bastante escasso. Estudos recentes sobre a to por espécies de aproximadamente 35 sistemática e biogeografia desses animais mm de comprimento que habitam tron- na mata Atlântica e na Amazônia revelaram cos, buracos em raízes tabulares de árvo- que esse é um bom grupo a ser usado em res, sob pedras ou em cavernas. A região Amazônica conta com 13 espécies en- reconstruções históricas, logo, devem ser dêmicas, porém pouco se conhece sobre usados em reconstruções do bioma ama- sua distribuição (WEYGOLDT, 2002). zônico (KURY, 2003; PINTO-DA-ROCHA et. al., 2005) e também como indicadores Ordem de qualidade ambiental (BRAGAGNOLO et Opiliões são, em sua maioria, ani- al., 2007, TOURINHO et al., 2014). mais crípticos e noturnos, que podem ser Identificamos indivíduos das famílias encontrados debaixo de troncos, pedras, Cosmetidae, Escadabiidae, Guasiniidae, folhas e na serapilheira (Fig. 8). Podem Manaosbiidae, Neogoveidae, Samoidae, ainda viver enterrados ou em bromé- Stygnidae e (Gagrelli- lias, sobre folhas, troncos ou em raízes nae). Identificamos 17 espécies de opi- de plantas, ou ainda habitando cavernas. liões, dessas, 12 são espécies ainda não Representam a terceira maior ordem de descritas e desconhecidas para a ciência Arachnida, com 6.476 espécies (KURY, 2010), atingindo sua diversidade máxima (Tabela 2). Mais da metade da diversidade na região Neotropical, especialmente no de opiliões da região se concentra nas su- Brasil (HALLAN, 2005). perfamílias de micro-opiliões Samooidea Pouco se sabe sobre os opiliões amazô- e Zalmoxoidea, habitantes da serapilheira, nicos, porém sua alta abundância e riqueza o que é comum em outras áreas da bacia na região são reconhecidas (KURY, 2003; amazônica. Entretanto, é incomum a baixa BONALDO et al., 2009), contando atual- diversidade detectada nas famílias Sclero- mente com cerca de 180 espécies (BO- somatidae e Cosmetidae, com apenas uma NALDO et al., 2009), o que certamente é em cada espécie registrada. O alto número um número bastante subestimado. Persiste de táxons, gêneros e espécies, ainda não a visão equivocada de que sua diversidade na Amazônia deve ser muito menor que descritos, é também comum em áreas da na mata Atlântica (PINTO-DA-ROCHA et bacia amazônica, principalmente áreas re- al., 2005). Ancorada, em grande parte, na motas, distantes dos grandes centros urba- escassez de estudos na primeira e também nos (TOURINHO et al., 2011).

Capítulo 3. Aranhas, escorpiões, opiliões e outros 61 Tabela 2. Famílias, gêneros e espécies de opiliões coletados no rio Jufari, comunidade Caicubi, Roraima.

Subordem Família Gênero Espécie Superfamília

Cyphophtalmi Neogoveidae Enigmaticus E. sp. Sclerosomatidae Caluga C. sp. nov. Laniatores Gonyleptoidea Cosmetidae Eucynortella E. sp. Gonyleptoidea Manaosbiidae Rhopalochanaus R. sp. Gonyleptoidea Stygnidae Auranus A. sp. nov. Gonyleptoidea Stygnidae Stygnus S. pectinipes Gonyleptoidea Stygnidae Stygnus S. sp. 1 Samooidea Samoidae gen. 1 sp. nov. Zalmoxoidea Escadabiidae gen. nov. 1 sp. nov. Zalmoxoidea Escadabiidae gen. nov. 2 sp. nov. Zalmoxoidea Escadabiidae gen. nov. 3 sp. nov. Zalmoxoidea Guasiniidae Guasinia G. sp. nov. Zalmoxoidea Zalmoxidae gen. 1 sp. nov. Zalmoxoidea Zalmoxidae gen. 2 sp. nov. Zalmoxoidea Zalmoxidae gen. 3 sp. nov. Zalmoxoidea Zalmoxidae gen. 4 sp. nov. Zalmoxoidea Zalmoxidae gen. 4 sp. nov.

Ordem Ricinulei espécie, coletados na mesma localidade (SALVATIERRA et al., 2013). A ordem está Os Ricinulei são aracnídeos pequenos, dividida em duas subordens: Palaeoricinu- possuem entre 5 e 10 mm de tamanho lei, que inclui espécies já extintas de ori- corporal, são encontrados no solo e na se- gem Paleozóica, e Neoricinulei que inclui rapilheira (ADIS et al., 1989; BARREIROS et os representantes mais recentes da ordem al., 2005), mas algumas espécies são en- (SELDEN, 1992). Neoricinulei é composta contradas apenas em cavernas (HARVEY, pela família Ricinoididae, que é compos- 2002). São predadores de pequenos inver- ta pelos gêneros Ricinoides Ewing, com 10 tebrados imaturos como larvas de dípteros espécies e endêmico da África (EWING, e exemplares jovens de aranhas (PLATNI- 1929), e Cryptocellus Westwood e Pseudocellus CK, 2002). Platnick, ambos com distribuição para o Coletamos uma fêmea de Cryptocellus iaci Novo Mundo, com 39 e 27 espécies res- Tourinho, Lo-Man-Hung & Bonaldo 2010 pectivamente (HARVEY, 2003). No Brasil, (Fig. 9). Essa fêmea tornou-se o holótipo apenas o gênero Cryptocellus é encontrado, da espécie (TOURINHO et al., 2010) e e até o momento conta com 12 espécies mais tarde foram descritos machos, fême- descritas para a Amazônia. Encontrar e as e todos os três estágios imaturos dessa descrever uma espécie de Rincinulei é ain-

62 Mariuá da considerado um evento raro (TOURI- uma localidade enquanto outras apresen- NHO et al., 2010) tam distribuições naturalmente pequenas Segundo Harvey (2002) a maioria das (TOURINHO e AZEVEDO, 2007). Por espécies de Ricinulei tem sido descober- conta disso, espécies dessa ordem correm ta em áreas florestais e algumas poucas grande risco de extinção devido ao desma- em cavernas. Além disso, muitas espécies tamento e alterações indiscriminadas das têm seu registro conhecido apenas para florestas.

Figura 7. Amblipígio da espécie Heterophrynus longicornis (Butler, 1873). Foto: S.C. Dias.

Figura 8. Opilião da espécie Eucynortella Roewer, 1912. Foto: S.C. Dias.

Capítulo 3. Aranhas, escorpiões, opiliões e outros 63 Figura 9. Ricinulei da espécie Cryptocellus iaci Tourinho et al., 2010. Foto: G. Giribet.

Ordem Schizomida ximadamente 260 espécies compõem a ordem, e apesar da fauna da América Schizomida são aracnídeos menores do Sul ser pouco conhecida (REDDELL e que 1 cm, muitas vezes confundidos com COKENDOLPHER, 2002), algumas espé- pequenas aranhas (ADIS et al., 1999). Pos- cies foram descritas nos últimos anos (ver suem cefalotórax e abdômen segmentado, BONALDO e PINTO-DA-ROCHA, 2007; e um curto télson. Os primeiros apêndi- HARVEY, 2007; SANTOS et al., 2008). ces locomotores são sensoriais e os olhos podem estar presentes ou ausentes. Ha- bitam a serapilheira, embaixo de pedras Ordem Scorpiones ou buracos. Alimentam-se de pequenos Os escorpiões possuem cefalotórax invertebrados (e.g. Collembola, Symphyla, coberto dorsalmente por uma carapaça, Isopoda). dois olhos medianos e dois laterais, quatro Coletamos um indivíduo de Surazomus pares de pernas com sete segmentos, um da família Hurbbardiidae. Os Schizomida par de quelíceras pequenas, triarticuladas são frequentes no solo das florestas tro- e queladas2 projetando-se anteriormente picais e subtropicais, sendo que Hubbar- e um par de pedipalpos. São carnívoros e diidae é a família com maior distribuição, alimentam-se de outros aracnídeos como presente na Ásia, África, América e Oceania aranhas, outros artrópodes como baratas, (ARMAS, 2004). Apesar dos Schizomida serem considerados importantes bioin- 2 Pinça preensora formada pelos artículos dicadores dos tipos florestais, pouco se terminais dos apêndices anteriores de conhece sobre a ecologia do grupo. Apro- muitos aracnídeos e crustáceos.

64 Mariuá grilos e até pequenos vertebrados como ADIS, J.U. et al. On the abundance and ecology pequenos sapos e lagartos; geralmente são of Ricinulei (Arachnida) from Central de hábitos noturnos e crípticos. Amazonia, Brazil. Journal of the New York Atualmente, são reconhecidos 11 gê- Entomological Society, v. 97, n.2, p.133- neros de quatro famílias (Buthidae, Chac- 140, 1989. tidae, Ischnuridae e Troglotayosicidae) para ADIS, J.U. et al. Abundance and phenology of a Amazônia (LOURENÇO, 2002). Ao todo Schizomida (Arachnida) from a primary 29 escorpiões de quatro espécies foram co- upland forest in Central Amazonia. Journal letados na área estudada: Ananteris sp. (Buthi- of Arachnology, v.27, p.205-210, 1999. dae); Tityus obscurus (Gervais, 1843) (Buthi- ARMAS, L.F. Arácnidos de República dae); Tityus silvestris Pocock, 1897 (Buthidae) Dominicana. Palpigradi, Schizomida, e Brotheochactas sp. (Chactidae). Solifugae y Thelyphonida (: Arachnida). Revista Ibérica de Aracnología, v.2, p.3-63, 2004. Implicações BARREIROS, J.A.P.; PINTO-DA-ROCHA, Conservacionistas R.; BONALDO, A.B. Abundância e A grande quantidade de táxons po- Fenologia de Cryptocellus simonis Hansen & tencialmente novos para a ciência, princi- Sørensen, 1904 (Ricinulei, Arachnida) na serapilheira do Bosque Rodrigues Alves, palmente das ordens Araneae e Opiliones, Belém, Pará, Brasil, com a comparação encontradas no Jufari, evidencia a neces- de três técnicas de coleta. 2005. Biota sidade de investimentos no estudo da sis- Neotropica. Disponível em: . Acesso estão associadas diretamente às atividades em: junho 2015. antrópicas, a preservação desses animais BONALDO, A.B.; PINTO-DA-ROCHA, R. deve integrar a conservação dos recursos A new species of Surazomus (Arachnida, naturais e as necessidades humanas. A con- Schizomida) from Brazilian Oriental tinuação destas investigações poderá con- Amazonia. Revista Brasileira de Zoologia, tribuir com ações conservacionistas futu- v.24, n.2, p.323-326, 2007. ras, sobre a manutenção das espécies e de BONALDO, A.B. et al. Inventário e história natural manejo de ambientes, de modo a preser- dos aracnídeos da Floresta Nacional de var ao máximo a biodiversidade da área. Caxiuanã. In: LISBOA, P.L.B. (org.). Caxiuanã: desafios para a conservação de uma Floresta Referências Nacional na Amazônia. Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, 2009, p.577-621. ADIS, J.U. Amazonian Arachnida and Myriapoda. BORGES, S.H.; A.D. BRESCOVIT. Inventário Keys for the idenfication to classes, orders, preliminar da aracnofauna (Araneae) de duas families, some genera, and lists of known localidades na Amazônia Ocidental. Boletim species. Pensoft Publishers, Series Faunistica do Museu Paraense Emílio Goeldi, ser. 24, Sofia and Moscow, 2002, 590p. Zoologia, Belém, v.12, n.1, p.9-21, 1996.

Capítulo 3. Aranhas, escorpiões, opiliões e outros 65 BRAGAGNOLO, C. et al. Harvestmen in an HARVEY, M.S. The smaller orders: Atlantic Forest fragmented landscape: diversity, descriptions and distributions evaluating assemblage response to habitat from Linnaeus to the present (1758 to quality and quantity. Biological Conservation, 2007). Zootaxa, v.1668, p.363-380, 2007. v.139, n.3-4, p.389-400, 2007. HÖFER, H. The spider community (Araneae) BRESCOVIT, A.D. et al. Araneae. In: ADIS, of Central Amazonian blackwater J. (ed.), Amazonian Arachnida and inundation forest (igapó). Acta Zoologica Myriapoda. Identification keys to all Fennica, v.190, p.173-179, 1990. classes, orders, families, some genera, and HÖFER, H.; BRESCOVIT, A.D. Species and guild lists of known terrestrial species. Pensoft structure of a Neotropical spider assemblage Series Faunistica 24, Sofia and Moscow, (Araneae) from Reserva Ducke, Amazonas, 2002, p.399-438. Brazil. Andrias, v.15, p.99-119, 2001. DIAS, S.C.; BONALDO, A.B. Abundância KURY, A.B. Annotated catalogue of the relativa e riqueza de espécies de aranhas Laniatores of the New World (Arachnida, (Arachnida, Araneae) em clareiras originadas Opiliones). Revista Ibérica de Aracnologia, da exploração de petróleo na Bacia do Rio v.1, p.1-337, 2003. Urucu (Coari, Amazonas, Brasil). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências KURY, A.B. Opilionological Record – a Naturais, v.7, p.123-152, 2012. chronicle of harvestman . Part 1: 1758–1804. The Journal of Arachnology, ENGE, K.M. The ptifalls of pitfall traps. Journal v.38, n.3, p.521-529, 2010. of Herpetology, v.35, n.3, p.467-478, 2001. LOURENÇO, W.R. Scorpions of Brazil. EWING, H. E. A synopsis of the American Museum National D´Histoire Naturelle. Les of the primitive order Ricinulei. Éditions de I´Íf, Paris, 2002, 307p. Annals of the Entomological Society of America, v.22, p.583-600, 1929 MARTINS, M.B.; LISE, A.A. As Aranhas. In: LISBOA, P.L.B. (ed.), Caxiuanã. Desafios FOELIX, R.F. Biology of . Second Edition. para a conservação de uma Floresta Oxford University Press, Oxford, 1996. Nacional na Amazônia. Belém: Museu HALLAN, J. Biology Catalog online. 2005. Paraense Emílio Goeldi, 1997, p.381-388. Disponível em: . Acesso em: Bragagnolo C. Faunistic similarity and junho 2015. historic biogeography of the harvestmen HARVEY, M.S. The neglected cousins: What do of southern and southeastern Atlantic Rain we know about the smaller aracnid orders? Forest of Brazil. Journal of Arachnology, Journal of Arachnology, v.30, p.357-372, v.33, n.2, p. 290-299, 2005. 2002. PLATNICK, N.I. Ricinulei. In: Adis, J. (ed.), HARVEY, M.S. Catalogue of the smaller Amazonian Arachnida and Myriapoda. arachnid orders of the world: Amblypygi, Identification keys to all classes, orders, Uropygi, Schizomida, Palpigradi, Ricinulei families, some genera, and lists of known and Solifugae. CSIRO Publishing, terrestrial species. Sofia and Moscow: Pensoft Collingwood. 2003, 385p. Series Faunistica 24, 2002, p.381-386.

66 Mariuá PORTO, W. Fauna de Opiliões da Reserva TOURINHO, A.L.; PÉREZ, A.G. Two new Ducke, com ênfase no ajuste de métodos Amazonian species of Fissiphalliidae Martens, de coleta. 2013. 65p. Dissertação 1988 (Arachnida, Opiliones, Laniatores). (Mestrado em Entomologia). Instituto Zootaxa, v.1325, p. 235-254, 2006. Nacional de Pesquisas da Amazônia, TOURINHO, A.L.; AZEVEDO, C.S. A new Manaus, 2013. Amazonian Cryptocellus Westwood (Arachnida, REDDELL, J.R.; COKENDOLPHER, J.C. Ricinulei). Zootaxa, v.1540, p.55-60, Schizomida. In: ADIS, J. (ed.), Amazonian 2007. Arachnida and Myriapoda. Identification TOURINHO, A.L.; LO-MAN-HUNG, N.F.; keys to all classes, orders, families, some BONALDO, A.B. A new species of Ricinulei genera, and lists of known terrestrial of the Cryptocellus Westwood species. Sofia and Moscow: Pensoft Series (Arachnida) from northern Brazil. Zootaxa, Faunistica 24, 2002, p. 387-398. v.2684, p.63-68, 2010. SALVATIERRA, L.; TOURINHO, A.L; GIRIBET, G. TOURINHO, A.L. et al. Aranhas e Opiliões da Description of the male, larva and nymphal reserva de desenvolvimento sustentável do stages of Cryptocellus iaci (Arachnida, Ricinulei), tupé, amazonas - Brasil. In: SANTOS-SILVA, with an overview of tarsal sensilla and other E.N.; SCUDELLER, V.V.; CAVALCANTI, M.J. integumental structures. Zootaxa (Auckland. (orgs.). BioTupé: Meio Físico, Diversidade Print), v.3709, p.149, 2013. Biológica e Sociocultural do Baixo Rio SANTOS, A.J.; et al. New Venezuelan genus of Negro, Amazônia Central, 2011, v. 3, Hubardiidae (Arachnida: Schizomida). p.271-289. Zootaxa, v.1850, p.53-60, 2008. TOURINHO, A.L. et al. Complementarity SATURNINO, R. Efeitos do isolamento among sampling methods for harvestman e da perda de área de floresta sobre assemblages. Pedobiologia (Jena, Print), comunidades insulares de aranhas, v.57, p.37-45, 2014. Amazônia Central, Brasil. 2007. 63p. WEYGOLDT, T.P. Amblypygi. In: ADIS, J. (ed.), Dissertação (Mestrado em Ecologia). Amazonian Arachnida and Myriapoda. Instituto Nacional de Pesquisas da Identification keys to all classes, orders, Amazônia, Manaus, 2007. families, some genera, and lists of known SELDEN, P. A. Revision of the fossil terrestrial species. Sofia and Moscow: ricinuleids. Transactions of the Royal Pensoft Series Faunistica 24, 2002, p.293- Society of Edinburgh: Earth Sciences, v.83, 302. p.595-634, 1992. WORLD SPIDER CATALOG. Natural History SHULTZ, J.W. Evolutionary morphology and Museum Bern, disponível em: , version 16. Acesso: em p.1-38, 1990. Junho 2015.

Capítulo 3. Aranhas, escorpiões, opiliões e outros 67

Lúcia Helena RAPP PY-DANIEL Hélio Daniel Beltrão dos ANJOS Cleber DUARTE

4 Peixes e arraias

Introdução

A ictiofauna do sistema hidrológico do rio Negro é rica e diver- sificada, tendo sido registradas aproximadamente 450 espécies de peixes para esta região (GOULDING et al., 1988). Entretanto, com o aporte de novas coletas e descrições de novos táxons, estima-se que esse número ultrapasse 700 espécies. Além disso, o rio Negro é um ambiente peculiar, pois apresenta características químicas únicas, reflexo dos ambientes de solos pobres da sua área de captação. Suas águas são escuras e ácidas, com pH < 5, carregam baixa carga de sedimentos e são pobres em elementos químicos dissolvidos (FIT- TKAU et al., 1975 e Introdução deste livro). Apesar dessas caracte- rísticas extremas da água, a riqueza de peixes nessa região é similar à encontrada em outras regiões da Amazônia, e.g. 342 espécies para o Trombetas (FERREIRA, 1993), 448 para o médio Madeira (RAPP PY-DANIEL et al., 2007), 520 para o rio Tocantins (LIMA e CAÍRES, 2011), 584 para o rio Branco (FERREIRA et al., 2007) e 920 para a bacia do rio Madeira (QUEIROZ et al., 2013). A bacia do rio Negro, provavelmente, devido às suas enormes proporções geográficas, ainda apresenta grandes lacunas de conhe- cimento, quanto à sua ictiofauna. Existem, inclusive, casos de espé- cies endêmicas nas famílias Characidae e Cichlidae (GOULDING et al., 1988; WINEMILLER e WILLES, 2010). Tanto a sua diversidade quanto seus endemismos estão certamente associados à grande di- versidade de habitats, assim como à presença de tributários muito heterogêneos com relação às suas características químicas e físicas (GOULDING et al., 1988; WINEMILLER e WILLES, 2010). Além dis- so, a bacia do rio Negro sozinha abriga os dois maiores arquipéla- gos fluviais do mundo: Anavilhanas e Mariuá, que juntos apresen- tam mais de mil ilhas fluviais (GOULDING et al., 2003 e Introdução do livro) e contribuem consideravelmente para aumentar a hetero- geneidade ambiental da área.

Histórico de expedições e trabalhos O conhecimento da ictiofauna do rio Negro começou com o naturalista baiano Alexandre Rodrigues Ferreira, que subiu o rio Negro até o Cucuí e também percorreu os rios Uaupés, Xiá, Içana, Cauaburis, Padauari e Araçá, de 1784 a 1787 (LIMA, 2005). Todo o material coletado por ele e enviado ao Museu de Lisboa, foi sa- queado durante as guerras napoleônicas por Étienne Geoffroy de Saint-Hilaire e enviado ao Muséum National d’Histoire Naturelle, em Paris. Uma das espécies de peixe mais antigas com registro no

Capítulo 4. Peixes e arraias 71 rio Negro, Anduzedoras oxyrhynchus (Valen- Inglaterra, fez uma notável contribuição ao ciennes, 1821), foi descrita muito prova- conhecimento da ictiofauna do rio Negro, velmente de material coletado por Ferrei- através de suas anotações de campo e de- ra. As demais, Cichla orinocensis Humboldt, talhadas descrições realizadas durante sua 1821 e Cichla temensis Humboldt, 1821, po- viagem nesse rio, de 1850-1852 (ver ilus- dem ter sido provenientes das coletas dele trações e descrições em RAGAZZO, 2002). ou de Humboldt. No século XX, houve outras contribui- Alexander von Humboldt, juntamente ções para o conhecimento dos peixes do com seu colega Aimé Bonpland, foram os rio Negro. Goulding et al. (1988) fizeram primeiros a detectar a conexão do rio Ori- o trabalho mais completo até o momen- noco, na Venezuela, com a bacia amazôni- to sobre a pesca e os peixes do rio Negro. ca através do canal do Casiquiari, durante Nesse trabalho, os autores chamam a aten- viagem pela América do Sul de 1800-1802. Humboldt, na realidade, foi impedido de ção para a diversidade de ambientes exis- entrar em território brasileiro e só ficou tentes no rio Negro e sua respectiva diver- na região do alto rio Negro, na Venezuela, sidade. Lima (2005) apresenta um extenso mas coletou várias espécies de peixes nesta estudo da ictiofauna e sua etnologia do rio bacia. Johann Baptist von Spix subiu o rio Tiquié, afluente do rio Negro. Listagens Negro até Moura em 1820, porém, apesar de espécies (CHAO et al., 2001; THOMÉ- de coletar e publicar trabalhos sobre a fauna SOUZA e CHAO, 2004) e trabalhos pontu- do rio Negro, a parte ictiológica só foi pu- ais com descrições de espécies provenien- blicada após sua morte, por Louis Agassiz. tes do rio Negro e alguns tributários têm Outro naturalista que contribuiu, sido publicados desde então, aumentando enormemente, para o conhecimento da o conhecimento sobre essa ictiofauna. ictiofauna do rio Negro foi o austríaco Nesse contexto, o presente trabalho Johann Natterer, que permaneceu quase teve como principal objetivo inventariar 20 anos no Brasil (1817-1835) e coletou os peixes do rio Jufari, um afluente pouco no rio Negro, principalmente na área de conhecido faunisticamente do rio Negro, Manaus (na ocasião, Barra do rio Negro) através de pescarias experimentais em di- e Marabitanas (fronteira com a Venezuela). ferentes ambientes, tais como: praias, iga- Natterer não teve tempo de descrever as rapés, igapós e calha do rio (Fig. 1). Esses espécies que coletou, mas o material foi depositado no Naturhistorisches Museum ambientes foram amostrados e compara- de Viena e serviu de base para as diversas dos quanto à sua diversidade, riqueza e espécies de Cichlidae e , des- abundância. Através desses resultados, po- critas por Heckel e Kner, entre 1840 e de-se avaliar a relevância de sua ictiofauna, 1858 (LIMA, 2005). tanto no contexto local, quanto regional, Alfred Russell Wallace, apesar de ter contribuindo na elaboração de recomen- perdido todo o material coletado devi- dações para a manutenção e/ou proteção do a um naufrágio no seu retorno para a dos ecossistemas aquáticos estudados.

72 Mariuá A B

C D

Figura 1. Ambientes amostrados pela equipe de ictiofauna durante a Expedição Mariuá-Jauaperi: a- praia, b- igarapé em campo de buritizal, c- floresta alagada (igapó), d- calha de rio.

manho de malhas variando de 24 a 140 Metodologia mm entre nós opostos. As malhadeiras As coletas de peixes foram realizadas permaneceram na água por até 16 horas/ em dois sítios amostrais: um nas proximi- sítio, sendo a despesca realizada a cada dades da comunidade Caicubi e outro em quatro horas. Caju (ver localização na Introdução do li- Foram amostradas três praias por sítio, vro). Os peixes foram capturados utilizan- sendo realizados três arrastos por praia, do os seguintes apetrechos de pesca: rede utilizando redinha de cerco de 5 mm de de arrasto de fundo (“trawl”), redinha de cerco, malhadeira, puçá e rapiché (Fig. 2). malha entre nós opostos. Foram amostra- Em cada sítio amostral foram realizados dos também quatro igarapés em cada sítio. seis arrastos na calha do rio, utilizando-se Em cada um foi delimitado um trecho de rede de fundo com tempo de duração de aproximadamente 50 metros de extensão, 10 minutos cada e à velocidade constante. onde foram realizadas coletas com puçás e Em cada sítio amostral também foi re- rapichés por dois coletores, durante apro- alizada uma amostra no igapó, utilizando ximadamente duas horas (MENDONÇA et uma bateria de 10 malhadeiras, com ta- al., 2005).

Capítulo 4. Peixes e arraias 73 Em todas as coletas, os peixes foram foram identificados no laboratório de Sis- sacrificados em solução de eugenol (ex- temática e Ecologia de Peixes do INPA, e traído do óleo de cravo) e posteriormen- posteriormente depositados na Coleção de te fixados em formol 10%. Os espécimes Peixes INPA.

Figura 2. Apetrechos de pesca utilizados: a- rede de arrasto de fundo ou “trawl”; b- arrasto de praia com rede de cerco; c- coleta com rapiché realizada nos A igarapés. (Ilustrações: Pacheco, A.M.).

B C

(Fig. 3). Os Characiformes também foram Resultados e discussão o grupo mais abundante (Fig. 4a-d), re- Caracterização da ictiofauna presentando 84% dos indivíduos captura- dos, seguidos pelos Siluriformes ou peixes observada na expedição e de couro (Fig. 5a-b), com 5% da amostra recomendações de estudo geral. As outras seis ordens, incluindo a Foram capturados 4.733 peixes, per- Gymnotiformes ou peixes elétricos (Fig. tencentes a 130 espécies, distribuídos em 6a-b) somaram 11% das capturas. 8 ordens e 31 famílias (ver tabela). Os Algumas espécies capturadas também Characiformes (peixes de escamas) foram são encontradas em rios de águas pretas e o grupo de maior riqueza, com 61 espé- claras, como o “cardinal” Paracheirodon axel- cies (47% das espécies registradas), segui- rodi (Fig. 4a), os “acaris-cachimbo” Pseu- dos de Siluriformes (peixes de couro, pei- doloricaria laeviscula (Fig. 5b) e ainda Lima- xes lisos e bodós), com 32 espécies (25%) tulichthys griseus e Reganella depressa. Contudo,

74 Mariuá não capturamos vários grupos de peixes esses futuros levantamentos pudessem ser conhecidos para o rio Negro, e esperados realizados em diferentes períodos sazonais para região do rio Jufari. Recomendamos, (cheia, vazante, seca e enchente). O co- portanto, um inventário mais abrangen- nhecimento detalhado da ictiofauna dessa te da ictiofauna da bacia deste rio, assim região pode elucidar o papel das comple- como do rio Jauaperi e baixo rio Branco, xas conectividades (atuais e pretéritas) dos importantes afluentes do rio Negro. Além tributários da bacia do rio Negro, sobre a disso, seria de extrema importância que distribuição atual dos peixes.

Figura 3. Número de espécies e sua porcentagem (entre parênteses) para as principais ordens de peixes coletadas na expedição.

A B

C D

Figura 4. Exemplares de espécies de peixes das principais ordens coletadas durante a Expedição. Ordem Characiformes: a) Paracheirodon axelrodi (cardinal); b) Brittanichthys myersi (rabo-de-fogo); c) Nannostomus marginatus (peixe-lápis); d) Ammocryptocharax elegans (peixe-camaleão).

Capítulo 4. Peixes e arraias 75 A

A

B B Figura 5. Exemplares de espécies de peixes das Figura 6. Exemplares de espécies de peixes das principais ordens coletadas durante a Expedição. principais ordens coletadas durante a Expedição. Ordem Siluriformes: a) Acestridium sp. (acari-cachimbo); Ordem Gymnotiformes: a) Hypopygus lepturus b) Pseudoloricaria laeviuscula (com ninho em folha). (sarapó); b) Steatogenys duidae (sarapó).

Os Igarapés – os tesouros da tais como: o cardinal acima citado, o região piabão Bryconops caudomaculatus, o borbole- ta Carnegiella strigata, o jacundá Crenicichla Nos igarapés foram capturados 45% cf. regani, e as piabas Hemigrammus ocellifer e (2.137 indivíduos) dos peixes dessa ex- Moenkhausia colletii. pedição. Foi o ambiente que apresentou Os igarapés afluentes do rio Jufari são maior diversidade de espécies (64), com ecossistemas vitais para a manutenção da peixes distribuídos em 21 famílias. Os diversidade da região, pois têm alta rique- mais abundantes foram o cardinal Para- cheirodon axelrodi (24%), as piabas Hemi- za de espécies, e por isso, devem ser prio- grammus bellottii (16%) e H. analis (6%), o rizados para a conservação. Os pequenos peixe-lápis Nannostomus unifasciatus (9%) e igarapés apresentaram maior diversidade o peixe-camaleão Ammocryptocharax elegans de peixes nas nossas amostragens. Entre- (4%), que juntos perfizeram quase 60% tanto, é importante ressaltar que a capa- dos indivíduos capturados nos igarapés cidade de manutenção e recomposição da (Tabela 1). Muitas espécies que encon- comunidade de peixes em igarapés depen- tramos nos igarapés são de interesse para de diretamente da manutenção da quali- a pesca ornamental, e estão incluídas na dade da água e da integridade da floresta lista de peixes ornamentais liberados ripária (KIROVSKY, 1998; BOJSEN e BAR- para a exportação (IBAMA: instrução RIGA, 2002; CUNICO et al., 2006; ANJOS, normativa no. 203 de 22/10/2008), 2007).

76 Mariuá Tabela. Lista das espécies de peixes registradas durante a expedição ao rio Jufari, incluindo número de exemplares coletado em cada ambiente. Nome comum Calha Igapó Igarapé Praia Total CHARACIFORMES Characidae Brittanichthys myersi rabo-de-fogo 42 2 44 Bryconops caudomaculatus piabão 69 69 Bryconops giacopini piabão 87 87 Catoprion mento pacu-piranha 4 4 Charax condei Zé-do-ó 3 3 Creagrutus sp. piaba 105 105 Gnathocharax steindachneri piaba 19 19 Hemigrammus aff. analis piaba 7 7 Hemigrammus analis piaba 121 848 969 Hemigrammus belottii piaba 341 1 342 Hemigrammus bleheri rodostomo 15 3 18 Hemigrammus coerulus piaba 5 5 Hemigrammus levis piaba 255 255 Hemigrammus sp.1 piaba 58 57 115 Hemigrammus sp.2 piaba 18 18 Hemigrammus stictus piaba 4 4 Hemigrammus vorderwinkleri piaba 12 6 18 Heterocharax cf. macrolepis piaba 5 5 Hoplocharax sp. piaba 10 10 Hyphessobrycon copelandi piaba 1 1 Hyphessobrycon melazonatus piaba 26 26 Iguanodectes sp. piaba 1 4 5 Microschemobrycon aff. melanotus piaba 2 2 Microschemobrycon casiquiare piaba 76 350 426 Microschemobrycon sp. piaba 45 45 Moenkhausia collettii piaba 61 1 62 Paracheirodon axelrodi cardinal 508 508

Serrasalmidae Pygopristis denticulata piranha-pacu 5 5 Serrasalmus manueli piranha 2 2

Acestrorhynchidae Acestrorhynchus cf. heterolepis peixe-cachorro 1 1 Acestrorhynchus cf. microlepis peixe-cachorro 4 2 6 Acestrorhynchus falcirostris peixe-cachorro 1 1 Acestrorhynchus nasutus peixe-cachorro 1 3 4

Capítulo 4. Peixes e arraias 77 Tabela. Continuação Nome comum Calha Igapó Igarapé Praia Total Erythrinidae Erythrinus erythrinus jeju 2 2 Hoplias malabaricus traira 1 1 2

Ctenoluciidae Boulengerella cf. lucius bicuda 5 1 6 Boulengerella lateristriga bicuda 1 1

Gasteropelecidae Carnegiella marthae borboleta 8 8 Carnegiella strigata borboleta 56 56

Anostomidae Leporinus fasciatus aracu-flamengo 3 3

Hemiodontidae Hemiodus goeldii orana/charuto 1 1 Hemiodus gracilis orana/charuto 16 144 160

Chilodontidae Chilodus punctatus cabeça-prá-baixo 1 1

Lebiasinidae Copella nattereri piaba 16 16 Copella nigrofasciata piaba 1 1 Nannostomus eques peixe-lápis 2 2 Nannostomus marginatus peixe-lápis 12 12 Nannostomus marilynae peixe-lápis 41 3 44 Nannostomus unifasciatus peixe-lápis 201 1 202 Pyrrhulina cf. brevis piaba 8 8

Curimatidae Curimata vittata branquinha 1 1 Curimatopsis evelynae piaba 4 4 Curimatopsis macrolepis piaba 41 1 42 Curimatopsis sp. piaba 9 1 10 Cyphocharax abramoides branquinha 9 9

Crenuchidae Ammocryptocharax elegans peixe camaleão 87 87 Characidium sp. canivete 1 1 2 Elachocharax pulcher piaba 2 2 Microcharacidium gnomus piaba 20 20

78 Mariuá Tabela. Continuação Nome comum Calha Igapó Igarapé Praia Total Odontocharacidium aphanes piaba 34 34 Poecilocharax weitzmani piaba 27 27

SILURIFORMES Loricariidae Acestridium sp. acari-cachimbo 4 4 Ancistrus hoplogenys bodó-seda 2 2 Furcodontichthys novaesi bodó 4 4 Pseudoloricaria laeviuscula acari-cachimbo 2 1 3 Pseudoloricaria punctata acari-cachimbo 8 8 Pseudoloricaria sp. acari-cachimbo 1 11 12 Reganella depressa acari-cachimbo 16 16

Auchenipteridae Ageneiosus inermis mandubé 1 1 Ageneiosus piperatus mandubé 2 2 Auchenipterichthys sp. cangati 6 6 Pseudepapterus sp. cangati 2 2 Tatia sp. cangati 2 2 Tatia strigata cangati 1 1 Trachelyichthys decaradiatus 14 14 Trachycorystes trachycorystes 1 1

Doradidae Amblydoras hancocki 1 1 Amblydoras sp. 2 2 Anadoras sp. 61 18 79 Doras fimbriatus rebeca 4 4 Leptodoras sp.1 mandi 17 17 Leptodoras sp.2 mandi 6 6 Opsodoras sp. 5 5 Trachydoras cf. microstomus rebeca 1 1 Trachydoras sp. rebeca 2 2

Heptapteridae Gladioglanis machadoi mandizinho 3 3 Mastiglanis asopos mandizinho-de-areia 2 2 Pimelodella gr. cristata mandi-mole 2 2

Aspredinidae Pterobunocephalus cf. depressus 2 2

Capítulo 4. Peixes e arraias 79 Tabela. Continuação

Nome comum Calha Igapó Igarapé Praia Total Scoloplacidae Scoloplax cf. dolicholophia 14 14

Trichomycteridae Trichomycterus hasemani candiru 23 23

Callichthyidae Megalechis cf. personata 3 3

Cetopsidae Helogenes marmoratus candiru 4 4

GYMNOTIFORMES Hypopomidae Brachyhypopomus sp.1 sarapó 3 3 Brachyhypopomus sp.2 sarapó 4 4 Hypopygus lepturus sarapó 31 31 Microsternarchus bilineatus sarapó 1 1

Rhampphichthyidae Gymnorhamphichthys hypostomus sarapó 1 1 Gymnorhamphichthys rondoni sarapó 5 5

Sternopygidae Eigenmannia macrops sarapó 2 2 Steatogenys duidae sarapó 10 10

PERCIFORMES Cichlidae Acarichthys heckelii acará 2 1 3 Acaronia nasa acará 2 2 Aequidens cf. pallidus acará-cascudo 1 1 Apistogramma agassizii acarazinho 27 27 Apistogramma gibbiceps acarazinho 22 22 Apistogramma paucisquamis acarazinho 56 56 Apistogramma pertensis acarazinho 17 2 19 Apistogramma sp. acarazinho 15 15 Biotodoma cupido acará 10 10 Biotoecus opercularis acarazinho 3 6 9

80 Mariuá Tabela. Continuação

Nome comum Calha Igapó Igarapé Praia Total Cichla sp. tucunaré 4 4 Cichla temensis tucunaré 1 1 Crenicichla cf. notophthalmus jacundá 1 1 2 Crenicichla cf. regain jacundá 3 3 Dicrossus filamentosus xadrez 2 2 15 19 Heros sp. acará 2 2 Laetacara cf. thayeri acará 2 2 Mesonauta insignis berere 6 6 Satanoperca aff. jurupari cará-papa-terra 1 1 Satanoperca lilith cará-tucunaré 3 3

Sciaenidae Pachypops sp. curvina 2 2

Gobiidae Microphilypnus sp. 114 3 2 119

CLUPEIFORMES Engraulidae Anchoviella carrikeri manjuba 8 38 46

BELONIFORMES Belonidae Belonion apodion agulinha 26 26

CYPRINODONTIFORMES Poecilidae Fluviphylax obscurus piaba 55 1 56

SYNBRANCHIFORMES Synbranchidae Synbranchus sp. mussum 3 2 5

MYLIOBATIFORMES Potamotrygonidae Potamotrygon motoro raia 4 4 Potamotrygon orbignyi raia 5 5 Potamotrygon temensis raia 4 4 Total 410 75 2137 2111 4733

Capítulo 4. Peixes e arraias 81 Os rios – suas calhas, praias e nos indivíduos: 75, ou 1% do total da ex- igapós pedição. As capturas, entretanto, foram de espécies muito diversas, com indivíduos As praias foram o segundo ambiente distribuídos em 11 famílias e 20 espécies. com maior abundância e diversidade de As espécies dominantes foram a “orana” peixes, onde foram capturados 45% dos ou “charuto” Hemiodus gracilis (21% dos peixes da expedição (2.111 indivíduos), indivíduos capturados) e a “branquinha” uma abundância similar à dos igarapés. Cyphocharax abramoides (12%). Contudo, a diversidade de espécies captu- Observamos compartilhamento de es- radas foi menor que nos igarapés: foram pécies entre igarapés e praias, assim como encontradas 43 espécies pertencentes a 12 entre a calha do rio e os igapós. No entan- famílias. As espécies dominantes nas praias to, são necessários maiores estudos para foram as piabas Hemigrammus analis (40% das verificar a dinâmica de colonização e re- capturas), Microschemobrycon casiquiare (17%) e colonização da ictiofauna nesses ambien- Hemigrammus levis (12%), Creagrutus sp. (5%) e tes, uma vez que são fortemente influen- o piabão Bryconops giacopini (4%). ciados pelos efeitos do ciclo hidrológico. Nas calhas dos rios foram coletados 9% do total de peixes amostrados (410 indivíduos), pertencentes a 17 diferen- Implicações tes famílias e 36 espécies. As espécies de conservacionistas peixes dominantes foram Microphilypnus Não detectamos sinais de sobrepesca sp. (28% dos indivíduos capturados), as ou uso abusivo dos recursos pesqueiros na piabas Microschemobrycon casiquiare (19%) e região do rio Jufari. A pesca profissional Microschemobrycon sp. (11%) e Anadoras sp. parece estar sendo desestimulada devi- (15%). Encontramos uma diversidade es- do ao pequeno porte da ictiofauna local. pecialmente baixa na calha do rio Jufari, o Ocorre pesca de subsistência de espécies que pode ter sido um fenômeno pontual, como tucunarés (Cichla sp., Cichla temensis), decorrente da baixa profundidade do rio branquinha (Curimata vittata), aracu (Lepo- (< 3m) durante o período da expedição. rinus fasciatus) e bagre/mandubé (Ageneiosus Nas comunidades de peixes bentônicos inermis), e pesca esportiva, principalmente do canal principal do rio Branco e da sua de tucunarés (Cichla spp.), realizada pri- confluência com o rio Negro, a riqueza e mariamente como atividade turística. abundância de espécies ao longo do perí- A região do baixo e médio rio Negro odo de seca costumam diminuir drastica- é bastante conhecida pela prática de pes- mente (THOMÉ-SOUZA e CHAO, 2004). ca esportiva realizada principalmente por Por outro lado, é importante ressaltar, que pescadores estrangeiros, que têm especial a composição das espécies da calha do rio interesse em tucunarés (Cichla spp.). De- foi extremamente distinta entre os pontos. vido ao seu caráter focado nessa espécie, Dessa forma, o conjunto dos rios contribui essa atividade pode gerar impacto sobre na manutenção da diversidade regional. suas populações. Atualmente não se co- As florestas de igapó foram os ambien- nhece o impacto da pesca esportiva sobre tes aos quais dedicamos o menor esforço as espécies-alvo. Recomendamos, portan- amostral, e onde também capturamos me- to, estudos que se avalie o impacto da pes-

82 Mariuá ca esportiva sobre espécies de peixes com BOJSEN, B.H.; BARRIGA, R. Effects of potencial para pesca esportiva por no mí- deforestation on fish community structure nimo dois anos, incluindo, sobretudo, o in Ecuadorian Amazon streams. Freshwater período de vazante, que coincide com a Biology, v.47, p.2246-2260, 2002. temporada de pesca esportiva do tucunaré na região. CHAO, N.L.; Petry, P.; Prang, G.; A pesca de peixes ornamentais cons- Sonneschien, L.; Tlusty, M. titui uma importante fonte de renda para Conservation and management of a maioria das famílias nas comunidades do rio Jufari. Segundo pescadores locais, a ornamental fish resources of the Rio Negro principal espécie de peixe ornamental pes- basin, Amazonia, Brazil (Project Piaba). cada nas comunidades visitadas (Caicubi e Manaus, EDUA, 2001, 308p. Caju) é o cardinal. Os “piabeiros” dessas comunidades sofrem concorrência com o CUNICO, A.M; AGOSTINHO, A.A.; LATINI, mercado de peixe ornamental de Barcelos, J.D. Influência da urbanização sobre as grande fornecedor desse produto, e com o assembleias de peixes em três córregos baixo preço pago pelos peixes ornamentais. de Maringá, Paraná. Revista Brasileira de Iniciativas como a criação de cooperativas, Zoologia, v.23, n.4, p.1101-1110, 2006. que auxiliem o escoamento desses peixes ornamentais para os locais de venda, pode- FERREIRA, E.J.G. Composição, distribuição riam tornar o comércio mais rentável, atra- e aspectos ecológicos da ictiofauna de vés da diminuição de perdas no transporte um trecho do rio Trombetas, na área de e eliminação de intermediários. influência da futura UHE Cachoeira Porteira, Devido a grande diversidade de espé- cies de peixes especialmente em ambien- Estado do Pará, Brasil. Acta Amazonica, v.23 tes de igarapés, medidas de monitora- (Suplemento), p.1-89, 1993. mento das atividades que possam causar FERREIRA, E.J.G.; Zuanon, J.; Forsberg, B.; impactos no entorno de igarapés, como retirada de madeira ou pesca de peixes Goulding, M.; Briglia-Ferreira, S.R. ornamentais, ou mesmo a pesca esporti- Rio Branco: Peixes, Ecologia e Conservação va, são necessárias para conservação, assim de Roraima. Amazon Conservation, como a prevenção por meio de educação Instituto Nacional de Pesquisas da ambiental junto às comunidades locais. Amazônia, Sociedade Civil Mamirauá, 2007, 201p. Referências FITTKAU E.J.; Irmler, U.; Junk, W.J.; Reiss, ANJOS, H.D.B. Efeitos da fragmentação F.; Schmidt, G.W.. Productivity, biomass florestal e da poluição sobre as assembleias and population dynamics in Amazonian de peixes de igarapés da zona urbana water bodies. In: GOLLEY, F.B., MEDINA, E. de Manaus, Amazonas. Dissertação (Mestrado), Instituto Nacional de (eds). Tropical Ecological Systems. Berlin, Pesquisas/Universidade Federal do Heidelberg, New York, Springer, 1975, Amazonas, 2007, 101p. p.289-311.

Capítulo 4. Peixes e arraias 83 GOULDING, M.; CARVALHO, M.L.; FERREIRA, QUEIROZ, L.J.; Torrente-Villara, G.; E.G. Rio Negro: Rich Life in Poor Water. Ohara, W.M.; Pires, T.H.S.; Zuanon, J.; The Hague, Netherlands, SPB Academic Doria, C.R.C. Peixes do rio Madeira. Porto Publishing, 1988, 200p. Velho, Univ. de Rondonia/Santo Antônio KIROVSKY, A.L. Comunidades de peixes de Energia, v. 1, 2 e 3, 2013. áreas naturais e impactadas por barragens RAGAZZO, M.T.P. Peixes do Rio Negro. São e clareiras artificiais em igarapés da Paulo, EDUSP, 2002, 518p. Amazônia Central, AM. Dissertação (Mestrado). Instituto Nacional de Pesquisas RAPP PY-DANIEL, L.H.; De Deus, C.P.; da Amazônia/ Universidade Federal do Ribeiro, O.M.; Sousa, L.M. Peixes. In: Amazonas. 1998, 292p. RAPP PY-DANIEL, L.H.; DE DEUS, C.P.; HENRIQUES, A.L.; PIMPAO, D.M.; RIBEIRO, LIMA, F.C.T. Do rio Negro ao alto Tiquié: O.M. (orgs.). Biodiversidade do Medio Ictiologia. Cap. 3. In: Cabalzar, A. Madeira: bases científicas para propostas de (org.). Peixe e Gente no alto rio Tiquié: conservação. Manaus, INPA, 2007, Cap.8., conhecimentos Tukano e Tuiuka, p.89-125. ictiologia e etnologia. São Paulo, Instituto Socioambiental, 2005, p.89-110. THOMÉ-SOUZA, M.J.F.; CHAO, N.L. Spatial and temporal variation of benthic fish LIMA, F.C.T.; CAIRES, R.A. Peixes da estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, assemblages during the extreme drought bacias dos rios Tocantins e São Francisco, of 1997-98 (El Niño) in the middle Rio com observações sobre as implicações Negro, Amazônia, Brazil. Neotropical biogeográficas das “águas emendadas” dos Ichthyology, v.2, n.3, p.127-136, 2004 rios Sapão e Galheiros. Biota Neotrop. v.11, WINEMILLER, K.O.; WILLIS, S.C. n.1, p.231-250, 2011. Biogeography of the Casiquiare River and MENDONÇA, F.P.; MAGNUSSON, W.E.; Vaupes Arch. Chapter 11. In: Albert, J.S.; ZUANON, J. Relationships between habitat Reis, R.E. (eds.). Historical Biogeography characteristics and fish assemblages in of Neotropical Fishes. Munich, Verlag Dr. small streams of Central Amazonia. Copeia, Friedrich Pfeil Scientific Publishers, 2011, v.4, p.750-763, 2005. p.225-242.

84 Mariuá

Richard C. VOGT Oneide Ferreira da CRUZ Marcela dos Santos MAGALHÃES

Bichos de casco: irapucas, cabeçudos, tartarugas e 5 outros

Introdução

Os quelônios (bichos de casco) sempre foram um recurso ali- mentar e econômico importante para as populações indígenas e ri- beirinhas de toda a Amazônia, e por isso há muitas gerações são caçados, pescados e têm seus ovos colhidos (PRITCHARD e TRE- BBAU, 1984; FACHÍN-TERÁN et al., 1996; VOGT, 2001). Contudo, no rio Negro e na Amazônia como um todo, o consumo de que- lônios (veja lista das espécies de tartarugas da região na Tabela 1) não significa apenas consumo para subsistência pelas populações tradicionais, mas principalmente captura para comércio ilegal em grandes centros urbanos (FACHÍN-TERÁN, 1999). As espécies mais procuradas no comércio de quelônios são a tartaruga-da-amazônia Podocnemis expansa, o tracajá Podocnemis unifilis (Fig. 1), a iaçá Podocnemis sextuberculata, a irapuca Podocnemis erythrocephala e o cabeçudo Peltocephalus dumerilianus (KLEMENS e THORBJARNARSON, 1995; VOGT, 2001). Com o intuito de manter e recuperar populações naturais em declínio, muitas medidas têm sido usadas para o manejo e conser- vação de quelônios amazônicos, entre elas, leis de proteção dos ani- mais e de seu habitat, controle de predadores e proteção de áreas de desova. Muitas dessas atividades vêm sendo direcionadas para a pro- teção de ninhos, através de procedimentos que incluem a remoção dos ovos do habitat natural e a transferência para local protegido, visando o aumento do número de filhotes. Entretanto, a estratégia de vida dos quelônios é baseada em um longo período de vida re- produtiva e, em muitos locais, a perda de adultos excede a entrada de jovens na população, criando uma ameaça para a conservação das

Tabela 1. Espécies de quelônios que podem ser encontradas na região do rio Negro.

Espécie Nome popular Podocnemis expansa Tartaruga-da-amazônia Podocnemis unifilis Tracajá Podocnemis erythrocephala Irapuca Podocnemis sextuberculata Iaçá Peltocephalus dumerilianus Cabeçudo Chelus fimbriatus Matamatá Platemys platycephala Jabuti-machado Mesoclemmys raniceps Lalá Rhinemysrufipes Cágado vermelho Mesoclemmys gibbus Cágado de poças da floresta Chelonoides denticulatus Jabuti amarelo

Capítulo 5. Bichos de casco: irapucas, cabeçudos, tartarugas e outros 89 Figura 1. Tracajá fêmea (Podocnemis unifilis), espécie de quelônio comum na região do rio Negro, porém não coletada neste estudo. Foto: Zig Koch.

populações dessas espécies (KLEMENS, de saco, quando os quelônios são captu- 1989). Existe, portanto, a necessidade de rados. Cada malhadeira possui 100 m de ações de conservação voltadas aos quelô- comprimento, 2,5 m de altura e distâncias nios, protegendo, além dos locais de re- entre nós que podem ser de 10 ou de 20 produção, as populações de adultos em cm. Foram utilizadas malhas de diferentes outros locais. tamanhos para capturar também indivídu- Durante este levantamento, buscou-se os menores. Em cada dia de coleta, eram avaliar o estado de conservação das popu- utilizadas seis malhadeiras, que permane- lações de quelônios da região do arqui- ciam na água das 6 às 18 h, sendo revisa- pélago de Mariuá e do rio Jufari e suas das (Fig. 2) a cada três horas para evitar formas de manejo e exploração pela po- o afogamento dos animais (VOGT, 1980). pulação local. Nos igarapés, a captura dos quelônios foi realizada com 6 armadilhas do tipo funil Metodologia com barreira (fyke nets) (Fig. 3) e 10 armadi- lhas pequenas do tipo funil de Legler. Cada Captura e medição dos animais armadilha ficou 48 horas em cada ponto, As coletas foram realizadas nas proxi- sendo revisadas a cada 12 horas. midades das comunidades de Caicubi e Cada indivíduo capturado era levado Caju (veja Introdução do livro), sendo qua- ao barco, onde eram obtidos os seguintes tro dias de coleta em cada comunidade. dados e medições (Fig. 4): espécie, sexo Os locais de coleta eram definidos ─ através do dimorfismo sexual baseado com o auxílio de um comunitário, que in- no tamanho da cauda e coloração da ca- dicava lagos e igarapés onde os quelônios beça (Tabela 2 e figs. 6a, b)─ peso, com- poderiam ser encontrados. primento e largura retilíneos da carapaça, Nos lagos, a captura dos animais foi comprimento e largura do plastrão. Pos- realizada com redes do tipo malhadeira teriormente os animais foram marcados (VOGT, 1980). Essas redes possuem três individualmente com furos (Fig. 5) nos malhas, duas laterais (firmes) e uma in- escudos marginais da carapaça (CAGLE, terna (solta) que formam uma espécie 1939).

90 Mariuá Figura 2. Pesquisadores, com auxílio de comunitários, verificam a captura de quelônios através das redes tipo malhadeira. Foto: Zig Koch.

Figura 3. Instalação de armadilhas do tipo funil com barreira, para captura de quelônios em igarapés.

Capítulo 5. Bichos de casco: irapucas, cabeçudos, tartarugas e outros 91 Tabela 2. Variação na coloração de juvenis e adultos macho e fêmeas de irapuca (Podocnemys erythrocephala).

Espécie Nome popular Juvenis Macho adulto Fêmea adulta

Cabeça com Cabeça com A coloração vermelha começa Podocnemis Irapuca coloração vermelha coloração vermelha a desbotar, ficando marrom e erythrocephala brilhante brilhante opaca

Figura 4. Após as capturas, os pesquisadores fazem medições, determinam o sexo e marcam (com perfuração) todos os indivíduos de irapuca (Podocnemis erythrocephala) antes de devolvê-las à natureza. Foto: Zig Koch.

92 Mariuá Figura 5. Indivíduo de irapuca (Podocnemys erythrocephala) marcado e pronto para ser devolvido à natureza.

A B

Figura 6. Diferença na coloração entre a) macho e b) fêmea de irapuca (Podocnemis erythrocephala), espécie abundante na região do rio Jufari.

Entrevistas Resultados e discussão Em cada comunidade visitada foi entre- No período dessa expedição, o rio vistado um membro de cada família, sendo Jufari estava com o nível da água elevado 30 na comunidade Caicubi e 5 na comu- devido a um fenômeno que os ribeirinhos nidade Caju, totalizando 35 famílias entre- denominam repiquete, fato que prejudicou a vistadas. A entrevista continha perguntas re- coleta em alguns pontos. Nenhum animal ferentes às espécies que ocorriam no local, foi coletado pelo método das armadilhas, sobre o consumo de quelônios e de ovos pois a correnteza nos igarapés estava for- pelos comunitários, sobre a preferência de te e parte da terra firme estava inundada. espécies para consumo, entre outras. Portanto, todos os animais desta expedi-

Capítulo 5. Bichos de casco: irapucas, cabeçudos, tartarugas e outros 93 ção foram coletados nos lagos através de novembro ao longo do rio Negro (VOGT, redes do tipo malhadeira. Além disso, não 2008). Algumas irapucas desovaram en- foram realizados monitoramento e buscas quanto eram examinadas. Nesses casos de ninhos, pois, segundo os moradores os ovos foram incubados artificialmente locais, as campinas onde são realizadas as no barco, onde foram colocados em latas coletas de ovos de irapuca, estavam alaga- forradas com vermiculita e tampadas. Em das. Apesar dos comunitários terem citado Manaus, os ovos foram transferidos para a presença de duas espécies de quelônios incubadoras específicas. A média do tama- na região, a irapuca (Podocnemis erythrocephala nho da carapaça foi de 228 mm ± 27,5 – Fig. 6) e o cabeçudo (Peltocephalus dumeri- (mín. 129 – máx. 300) e a média de peso lianus – fig. 9), apenas a irapuca foi coleta- foi de 1096,6 g ± 40,1 (mín. 213 – máx. da, provavelmente devido ao nível elevado 2500). Essa grande variação nos tama- da água. nhos indica que as populações de irapu- A floresta alagada faz com que os que- cas amostradas não estão em mal estado, e lônios estejam mais dispersos, vivendo como há animais até 2,5 kg, isso significa em locais de difícil acesso para coleta com que a pressão de caça não é muito alta nes- malhadeiras. Também prejudica a coleta te rio, e provavelmente esteja ocorrendo por armadilha, pois a profundidade do recrutamento. rio não pode estar maior que 1-2 metros, já que a armadilha tem que estar rente ao No entanto, os indivíduos capturados substrato. Nós conseguimos capturar ira- na comunidade de Caicubi, que está mais pucas porque estas devem ser mais abun- próxima à foz do rio Jufari, indicam que dantes que os cabeçudos na região, e por- as populações desse local sofrem pressão que quando o nível da água do rio começa de coleta de ovos e pesca de adultos, já a baixar as irapucas costumam deslocar-se que foram encontrados poucos subadul- da floresta inundada para os lagos e rios. tos (indivíduos acima de juvenil, mas que ainda não se reproduzem) e nenhum ju- Indivíduos coletados e condição venil próximos essa comunidade. Outra das populações amostradas evidência da pressão de coleta é o fato de que o tamanho da carapaça e o peso dos No total foram capturados 144 indiví- indivíduos coletados em Caicubi eram duos, sendo 74 fêmeas e 70 machos. Nas menores do que os dos indivíduos cole- proximidades da comunidade de Caicubi tados mais acima, próximo à comunidade foram coletados 88 indivíduos, sendo 46 fêmeas e 44 machos, e nas proximidades do Caju. A população de irapucas perto da do Caju foram coletados 54 animais, 28 comunidade de Caju, por sua vez, está em fêmeas e 26 machos. Do total de fêmeas melhor condição, o que é visto pelo alto coletadas, 21 estavam com ovos já com número de subadultos e juvenis coletados, casca formada. Vogt (2008) encontrou o que indica que os ribeirinhos não estão em outros rios, fêmeas com ovos já com coletando todos os ovos da região, como casca formada, duas semanas antes de ha- também estão deixando um bom número ver qualquer praia disponível para desova, de adultos para fazer sua reprodução em esperando as áreas de desova aparecer. A vida livre e o recrutamento está aconte- desova da irapuca ocorre entre agosto e cendo com sucesso.

94 Mariuá Interação da população local Implicações com os quelônios conservacionistas Através das entrevistas e conversan- do, informalmente, com as pessoas das Ainda que tenha sido detectada uma comunidades, verificamos que existe um pressão antrópica (Fig. 7) sobre a população elevado consumo de quelônios pelos co- de irapucas de Caicubi, a população regional munitários, tanto na comunidade do Cai- é aparentemente boa e, com um bom pla- cubi quanto do Caju. Porém, a captura de no de manejo e de conservação das praias “bicho-de-casco”, nome dado localmente próximas, Caicubi pode voltar a servir como aos quelônios, se dá principalmente para local de reprodução para quelônios. consumo próprio. Para desenvolver um programa de ma- Nas duas comunidades, quando per- nejo de quelônios na região do rio Jufari, é guntamos quais as espécies que ocorriam necessário que sejam conhecidas algumas no local, a resposta foi a mesma: “aqui só se características da população, como sua re- encontra irapuca e cabeçudo, mas comemos mais ira- produção, uso de habitat e abundância re- puca que é mais fácil de pegar”. Ocorre também, lativa ao longo do rio, inclusive acima da porém em menor escala, o consumo de ca- comunidade do Caju, a última do rio Jufa- beçudo. A captura dos “bichos-de-casco” se ri, nesse caso, para entender a estrutura da dá com linha e anzol, e para o cabeçudo população sem pressão antrópica. alguns utilizam armadilha do tipo nasa. Se- Os moradores da comunidade de Caju gundo os moradores entrevistados, a épo- e de Caicubi demonstram muito interes- ca melhor para se capturar é a fase da seca, se em desenvolver um programa de con- que ocorre entre novembro e fevereiro. servação e manejo de ninhos (Fig. 8), em Foi relatado também o consumo de ovos, praias e campinas. Como o tráfico de “bi- ainda que alguns tenham relatado que não chos-de-casco” parece não existir nas pro- vão com muita frequência até às praias de ximidades das duas comunidades, pode-se desova porque essas praias ficam longe da fazer um bom programa com poucos re- comunidade. Os ovos de “bicho-de-casco” cursos, onde os próprios ribeirinhos ma- são ditos como muito saborosos, e os co- nejariam os quelônios e poderiam, inclu- munitários relataram que se tivessem mais sive, aumentar o número de adultos que oportunidades comeriam mais. poderiam ser consumidos. Além do consumo próprio, na comu- nidade do Caicubi ainda ocorre um co- Dimorfismo sexual em irapuca – Os mércio interno de quelônios entre os pró- machos da irapuca (Podocnemis erythro- prios moradores. Na comunidade do Caju, cephala) são ligeiramente menores que as como existem apenas 10 famílias e todos fêmeas e apresentam a cauda maior que são parentes, é comum que quando uma estas. Nos machos, a abertura no escudo quantidade maior é pescada, seja distribu- anal é maior, mais profunda e em forma de ída entre os familiares. U, enquanto nas fêmeas é menor, mais rasa e em forma de V. Além disso, existem varia- ções no padrão de coloração da cabeça de juvenis e entre machos e fêmeas adultos (Tabela 2 e figs. 6a, b).

Capítulo 5. Bichos de casco: irapucas, cabeçudos, tartarugas e outros 95 Ciclo de vida dos quelônios (ver também Tabela 3) – Os ovos incubados demoram de 45-65 dias para que ocorra a eclosão dos filhotes. Depois de aproximadamente 6 a 8 anos estes chegam a maturidade reprodutiva e se tornam adultos. Os machos saem a procura das fêmeas para acasalar e através do cheiro e vocalizações as encontram. No final do período de chuva e logo que começa a seca e as praias aparecem, inicia-se a época de desova, iniciando novamente o ciclo.

Figura 7. Casco de quelônio morto por caçadores em praia no arquipélago de Mariuá. Algumas regiões no médio rio Negro sofrem com problemas sociais e ambientais oriundos do comércio ilegal de quelônios. No rio Jufari, o tráfico ainda não é tão forte. Foto: Zig Koch.

96 Mariuá Tabela 3. Número de desovas por ano e número de ovos por ninho da irapuca (Podocnemis erythrocephala) e de outras espécies da família Podocnemididae.

Espécie Nome popular Desova por ano Ovos por ninho Podocnemis expansa tartaruga-da-amazônia 1 vez 50 – 133 ovos P. unifilis tracajá 2 vezes 25 – 59 ovos P. sextuberculata iaçá 1 – 3 vezes 12 – 35 ovos P. erythrocephala irapuca 1 – 4 vezes 8 – 18 ovos

Figura 8. Ovos de irapuca (Podocnemys erythrocephala). O manejo de ninhos é uma atividade que pode ser desenvolvida dentro de um programa de conservação dos quelônios na região.

Figura 9. O cabeçudo (Peltocephalus dumerilianus) não foi coletado, apesar dos comunitários terem citado sua ocorrência na área. Foto: Zig Koch.

Capítulo 5. Bichos de casco: irapucas, cabeçudos, tartarugas e outros 97 KLEMENS, M.W.; THORBJARNARSON, Referências J.B. 1995. Reptiles as a food resource. CAGLE, F.R. A system of marking turtles for Biodiversity and Conservation, v.4, p.281- future identification. Copeia, v.1939, n.3, 298. p.170-173, 1939. PRITCHARD, P.C.H.; TREBBAU, P. The turtles FACHIN-TERÁN, A. Ecologia de Podocnemis of Venezuela. Society for the Study of sextuberculata (Testudines, Pelomedusidae) Amphibians and Reptiles, Ithaca, NY, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável 1984, 415p. Mamirauá, Amazonas, Brasil. Tese de VOGT, R.C. New methods for trapping aquatic Doutorado, Manaus, INPA/UFAM, 189p, turtles. Copeia, v.1980, n.2, p.368-371, 1999. 1980. FACHÍN-TERÁN, A.; CHUMBE-AYLLON, M.; VOGT, R.C. Turtles of Rio Negro. In: CHAO, TALEIXO-TORRES, G. Consumo de tortugas N.L. et al. (Eds.). Conservation and de la Reserva Nacional Pacaya-Samiria, management of ornamental fish resources Loreto, Peru. Vida Silvestre Neotropical, v.5, of the Rio Negro Basin, Amazônia, Brazil p.147-150, 1996. – Project Piaba. Manaus, Universidade do IBAMA. Projeto Quelônios da Amazônia - 10 Amazonas, 2001, p.245-262. anos. Brasília Ministério do Interior, 1989, VOGT, R.C. Tartarugas da Amazônia. Peru, 119p. Wust ediciones, 2008, 104p. KLEMENS, M.W. The methodology of conservation. In: SWINGLAND, I.R.S.; KLEMENS, M.W. (Eds). The Conservation Biology of Tortoises. Ocasional Paper v.5, Gland: IUCN/SSC, 204p, 1989.

98 Mariuá

Shanna BITTENCOURT Luiz Henrique CONDRATI

Jacarés, lagartos, serpentes e 6 anfíbios

Introdução

A herpetofauna brasileira é uma das mais diversas do mundo, re- presentada atualmente por 1080 espécies de anfíbios (SEGALLA et al., 2016) e 773 espécies de répteis (COSTA e BERNILS, 2015). A maio- ria destas espécies ocorre na bacia Amazônica, que, contudo, ainda é pouco conhecida com relação aos reais padrões de diversidade e dis- tribuição de sua herpetofauna. Isso ocorre em função da defasagem de pesquisas e inventários biológicos deste grupo. A diversidade biológica na região do baixo rio Jufari é ainda pouco conhecida por conta de seus multifacetados habitats, resul- tantes de variações hídricas, que formam um complexo mosaico de ecossistemas. Os ambientes estreitamente relacionados à água pro- porcionam a ocorrência de uma herpetofauna específica, adaptada à vida aquática, como jacarés, serpentes (sucuris), e sapos (gênero Pipa). Os anfíbios, especificamente, possuem uma estreita relação com a água, sendo sua distribuição geográfica e ecologia fortemen- te influenciadas pela disponibilidade e abundância desse recurso (MCDIARMID, 1994). Uma das primeiras etapas para subsidiar o planejamento para a conservação de uma área é o conhecimento de sua biodiversidade. Na expedição ao baixo rio Jufari foram realizados os primeiros es- tudos para dar base técnica e científica ao ordenamento territorial e ao manejo da APA Jufari. Assim, o objetivo do presente estudo foi a coleta de dados acerca da diversidade de espécies da herpetofauna da região do baixo rio Jufari.

Capítulo 6. Jacarés, lagartos, serpentes e anfíbios 103 se um animal em deslocamento se depara Metodologia com a lona, não conseguindo ultrapassá Para uma amostragem representativa -la, ele tende a segui-la e porventura cai de anfíbios e répteis da região foram utili- no balde, ficando nele retido. Este tipo de zados métodos diversos e complementares armadilha é amplamente utilizado para nos diferentes ambientes que compõem a amostragem de anfíbios e répteis fossoriais paisagem. Ao longo do rio Jufari, nos ar- e de serapilheira (CAMPBELL e CHRIST- redores da vila Caicubi (ver Introdução do MAN, 1982). Instalamos seis linhas de livro), identificamos quatro tipos de am- armadilhas de interceptação e queda nos bientes florestais, definidos com base em ambientes predominantes da paisagem e suas fitofisionomias e relação com a água: passíveis de amostragem por este méto- ambiente alterado, igapó alagado, igapó do, sendo três em ambiente de igapó seco seco e terra firme. Para amostragem dos exemplares, fo- e três em ambiente de terra firme. Cada ram utilizados os seguintes métodos: ar- linha de armadilha foi composta por 10 madilhas de interceptação e queda (CAM- baldes, perfazendo aproximadamente 80 PBELL e CHRISTMAN, 1982; CECHIN e metros de extensão. MARTINS, 2000), armadilhas do tipo fu- Concomitantemente às armadilhas de nil (VOGT e HINE, 1982; ENGE, 2001), interceptação e queda, foram armadas as procura ativa (CRUMP e SCOTT, 1994) e armadilhas de funil, aproveitando o efeito coleta por terceiros. condutor da cerca-guia (Fig. 1). Essas ar- As armadilhas de interceptação e que- madilhas colocadas rente à lona, possuem da consistiram em baldes de 60 litros en- forma cilíndrica, com duas aberturas em terrados até o nível do solo, interligados forma de funis invertidos. Foram utiliza- por lonas de 1 metro de altura, parcial- das 40 destas armadilhas, distribuídas nas mente enterradas no solo, que agem como seis diferentes linhas de armadilha de in- cercas-guia entre os baldes (Fig. 1). Assim terceptação e queda.

Figura 1. Instalação de armadilhas de interceptação, queda e funil. Foto Zig Koch.

104 Mariuá A busca ativa consistiu na procura A análise da curva de acumulação de es- diurna e noturna de espécimes nos mais pécies (Fig. 2) e do número de espécies diversos ambientes. A procura foi realizada encontradas em estudos de médio e longo por meio de registros visuais e auditivos. prazo em áreas próximas (ZIMMERMANN A identificação auditiva foi utilizada so- e RODRIGUES, 1990; NECKEL-OLIVEIRA mente para o registro de vocalizações de e GORDO, 2004; LIMA et al., 2006; CON- anfíbios anuros. Estas vocalizações são es- DRATI, 2009; ICMBio, 2014) indicam que pecíficas para cada espécie, o que permite com novas amostragens, mais espécies po- sua identificação. Na floresta de igapó ala- derão ser registradas. gado, a procura foi realizada por meio de Quanto à riqueza relativa dos ambien- deslocamento com botes em baixa veloci- tes amostrados, a maioria das espécies foi dade. Nos outros ambientes, foram utiliza- encontrada em terra-firme (Fig. 3). De das trilhas pré-existentes, chamadas local- fato, a diversidade nesse ambiente costu- mente de varadouros, utilizadas para caça, ma ser maior que nos outros ambientes coleta de castanha, entre outras atividades. Espécies encontradas ocasionalmente, florestais (CASTILHO, 2004; HAUGAASEN sem que nenhum dos métodos anteriores e PERES, 2006), devido ao maior número estivesse sendo utilizado também foram de micro-habitats (ZIMMERMAN e SIM- contabilizadas e registradas como encon- BERLOFF, 1996). Embora tenham ocor- tro ocasional. Quando moradores locais rido menos espécies nos dois tipos de ou pesquisadores de outras equipes re- igapós estudados (Fig. 3), estes ambientes gistravam espécies relativas à herpetofau- costumam apresentar várias espécies ex- na, este tipo de registro foi categorizado clusivas (NECKEL-OLIVEIRA E GORDO, como método de coleta por terceiros. 2004). Assim, a presença de ambientes di- Coletamos exemplares de quase todas versos na região do rio Jufari, abrigando as espécies, salvo as registradas somente comunidades distintas de anfíbios e rép- pelo método auditivo, conforme a licença teis, demonstra a importância da área para do Sistema Autorização e Informação em a conservação. Biodiversidade-SISBIO nº 17880. Todos Embora os anfíbios tenham sido o eles foram depositados na coleção herpe- grupo mais representativo (22 espécies), tológica do Instituto Nacional de Pesqui- este valor representa não mais do que a sas da Amazônia. metade do potencial de espécies para a região. Além do pequeno esforço amos- Resultados tral realizado neste estudo, muitas espécies Com 11 dias de coleta de dados, foram de anuros são de difícil detecção, sendo registrados 327 indivíduos de 44 espécies: detectadas somente na época reproduti- 22 anfíbios, 10 lagartos, uma anfisbena va, que, na Amazônia, para a maioria das (cobra de “duas cabeças”), oito serpentes espécies, coincide com o auge da estação e três jacarés (ver Tabela). Esses números chuvosa (AICHINGER, 1987). Assim sen- são relevantes tendo em vista que levan- do, novas amostragens nas mesmas loca- tamentos ecológicos rápidos, como este, lidades deverão detectar maior número só registram parte da comunidade local. de espécies.

Capítulo 6. Jacarés, lagartos, serpentes e anfíbios 105 Tabela. Espécies de anfíbios e répteis coletados na região do baixo rio Jufari, com indicação do ambiente em que foram encontradas (Alt- alterado; IgA- igapó alagado; IgS- igapó seco; TF- terra firme), método pelo qual foram registradas (PT- pitfall, FT- funil, EO- encontro ocasional, CT- coleta por terceiros, BA- busca ativa auditiva (estimada), BV- busca ativa visual) e número de indivíduos amostrados de cada espécie.

ORDEM/Família/Espécie Alt IgA IgS TF Método Indivíduos ORDEM ANURA 220 Família Bufonidae 92 Rhinella gr. margaritifera sapo-folha x x x PT,EO,CT,BV 9 Rhinella marina sapo-cururu x x x x PT,FT,EO,BV,BA 68 Rhinella proboscidea sapo-folha x x PT,FT,EO,CT,BV 15

Família Craugastoridae 8 Pristimantis zimmermanae perereca x x x x BA 8

Família Hylidae 60 Aparasphenodon venezolanus perereca de capacete x x BV 4 Dendropsophus cf. brevifrons pererequinha x BA 2 Hypsiboas boans rã gladiadora x x x BA,BV 15 Hypsiboas cinerascens perereca x x BA 6 Hypsiboas wavrini perereca de árvore x x BA,BV 24 Osteocephalus planiceps perereca x BV 3 Osteocephalus taurinus perereca x BV 1 Scinax sp. perereca x BV 2 Scinax ruber perereca de banheiro x CT 2 Trachycephalus resifinitrix canuaru x BA 1

Família Leptodactylidae 51 Adenomera aff. andreae rãzinha x x PT,FT,CT,BA,BV 26 Leptodactylus knudseni rã x x PT,BV 6 Leptodactylus pentadactylus rã- pimenta x PT 1 Leptodactylus petersii rã x BA 1 Leptodactylus riveroi rã x x PT,FT,BV 17

Família Microhylidae 2 Chiasmocleis shudikarensis sapinho x BV 1 Synapturanus mirandariberoi sapinho x PT 1

Família Phyllomedusidae 7 Phitecopus aff. hypocondrialis perereca de cera x BV 7

ORDEM SQUAMATA 107 Família Gekkonidae 1 Hemidactylus mabouia osga x CT 1

106 Mariuá Tabela. Continuação

ORDEM/Família/Espécie Alt IgA IgS TF Método Indivíduos Família Gymnophthalmidae 26 Leposoma sp. 1 lagartinho x x PT 13 Leposoma sp. 2 lagartinho x x PT 13

Família Tropiduridae 2 Plica umbra tamaquaré x x PT,CT 2

Família Scincidae 8 Mabuya nigropunctata lagarto-liso x x PT,FT,EO 8

Família Sphaerodactylidae 5 Gonatodes humeralis osga do mato x x x PT,CT,BV 4 Pseudogonatodes guianensis osguinha x BV 1

Família Teiidae 44 Ameiva ameiva calango x x x PT,FT,EO,CT 26 Kentropyx altamazonica calango x x PT,FT 17 Tupinambis teguixin teiú, tijú, jacuraru x FT 1

Família Amphisbaenidae 1 Amphisbaena fuliginosa cobra-cega x PT 1

Família Boidae 5 Corallus hortulanus jararaca do brejo x x BV 5

Família Colubridae 1 Spilotes pullatus caninana x CT 1

Família Dipsadidae 6 Atractus sp. cobra-coral (falsa) x PT 2 Erythrolamprus aesculapii cobra-coral (falsa) x CT 1 Erythrolamprus reginae cobra verde x CT 1 Imantodes cenchoa dormideira x CT 1 Siphlophis compressus cobra-coral (falsa) x PT 1

Família Elapidae 2 Micrurus hemprichii cobra-coral (verdadeira) x x PT,FT 2

ORDEM CROCODYLIA 6 Família Alligatoridae 6 Caiman crocodilus jacaretinga BV 2 Melanosuchus niger jacaré-açú x BV 3 Paleosuchus palpebrosus jacaré-coroa x x BV 1 Total: 44 espécies 9 13 23 27 327

Capítulo 6. Jacarés, lagartos, serpentes e anfíbios 107 Figura 2. Curva de descobrimento de espécies de répteis e anfíbios ao longo dos dias de amostragens no rio Jufari.

Figura 3. Número de espécies de anfíbios e répteis registrado no total (cinza escuro) e exclusivamente em cada ambiente (em cinza claro).

Foram registradas 10 espécies de la- mo diante de exaustivo esforço amostral. gartos, metade da média do que costuma As oito espécies encontradas aqui repre- ser encontrado para diferentes localidades sentam uma pequena fração da riqueza da Amazônia brasileira (e.g. MARTINS, potencialmente existente na área. 1991; NECKEL-OLIVEIRA e GORDO, A família Amphisbaenidae é compos- 2004; VOGT et al., 2007; BITTENCOURT, ta por espécies que vivem abaixo da su- 2008). De modo geral, essa diferença é, perfície do solo (fossoriais). As chamadas provavelmente, mais associada com o li- cobras-cegas (Fig. 4) são, portanto, dificil- mitado esforço amostral, do que com va- mente amostradas, não havendo estudos riações reais de riqueza (ZIMMERMAN e RODRIGUES, 1990). de distribuição e riqueza destes animais e O mesmo acontece em relação à ri- nem mesmo um número esperado de es- queza encontrada para as serpentes. Por se pécies. O registro de apenas uma espécie é tratar de um grupo de baixa densidade e considerado relevante mesmo em estudos detectabilidade, dificilmente as serpentes de longa duração (e.g. NECKEL-OLIVEIRA são inventariadas, satisfatoriamente, mes- E GORDO, 2004).

108 Mariuá Figura 4. Amphisbaena fuliginosa (Família Amphisbaenidae), cobra-cega capturada na armadilha de interceptação e queda. Foto: Zig Koch.

Entre os crocodilianos, seis espécies tradas na região do baixo Jufari (veja abai- são conhecidas no Brasil, sendo que qua- xo). A maioria das espécies de anfíbios en- tro espécies estão distribuídas na bacia contradas na região do baixo Jufari estão Amazônica (RUEDA-ALMONACID et al., classificadas como de pouca preocupação 2007). Destas, três foram avistadas, indi- (LC) na Red List da IUCN. Além disso, es- cando um levantamento eficaz de espécies. pécies consideradas não ameaçadas podem Possivelmente todas as espécies ocorram ser suscetíveis a mudanças ambientais, por no local, pois o ambiente de igapó favore- possuírem especificidade de habitat, o ce a ocorrência deste grupo. que as tornam importantes indicadoras da qualidade ambiental. Espécies ameaçadas e registros Para algumas espécies, o conhecimen- relevantes to disponível sobre taxonomia, história O reconhecimento de espécies da her- natural e ecologia, é, na maioria das vezes, petofauna em perigo de extinção ainda é insuficiente para uma correta classificação ínfimo, principalmente devido à ausên- e definição de estratégias de conservação. cia de informações taxonômicas, ecoló- Muitos gêneros se encontram em fase de gicas e de história natural da maioria das definição taxonômica, havendo espécies espécies conhecidas. Pela Lista Nacional desconhecidas ou de difícil identificação, Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas ou ainda sendo possível, a descoberta de de Extinção (MMA, 2014) e pela Lista de novas espécies, mediante um aprofunda- Espécies Quase Ameaçadas e Com Dados mento de estudos sistemáticos. As seguin- Insuficientes (MMA, 2015a; 2015b) não tes espécies são exemplos: lagartos do gê- há nenhuma espécie encontrada na área nero Leposoma (RODRIGUES e ÁVILA-PIRES, de estudo que esteja em alguma categoria 2005), serpentes do gênero Atractus (PAS- de ameaça de extinção. Entretanto, na lista SOS et al., 2007; PETERS e OREJAS-MIRAN- da IUCN (2016) e do CITES (2015), que DA, 1970; TIGR, 2009), anfíbios dos gru- avaliam o status global de conservação das pos Rhinella gr. margaritifera (Fig. 5), Phitecopus espécies, figuram algumas espécies regis- aff. hypochondrialis (Figura 6), Leptodactylus aff.

Capítulo 6. Jacarés, lagartos, serpentes e anfíbios 109 Figura 5. Rhinella gr. margaritifera (Família Bufonidae), sapo que se encontra em fase de revisões taxonômicas. Foto: Luiz Henrique Condrati.

Figura 6. Phitecopus aff. hypochondrialis (Família Hylidae). Foto: Zig Koch.

110 Mariuá Figura 7. Scinax sp. (Família Hylidae), uma perereca de difícil identificação e complicada situação taxonômica. Foto: Zig Koch. andreae e do gênero Scinax (Fig. 7) (LESCU- tação ou como medida de prevenção a ata- RE e MARTY, 2000; CARAMASCHI, 2006; ques, não é frequente. LIMA et al., 2006, 2007; FROST, 2009). Tupinambis teguixin (Fig. 10). Esse lagar- A seguir, destacamos alguns registros, to da família Teiidae figura como espécie considerando sua relevância para conser- ameaçada (CITES, 2015; IUCN, 2016), vação ou por representarem informações porque em muitos estados (MMA, 2008) inéditas para o conhecimento da distribui- ele é caçado pela sua carne e seu couro. ção e taxonomia das espécies. Entretanto, nesta região, segundo morado- Pseudogonatodes guianensis. A presença desta res locais, isto não ocorre. espécie, na área de estudo, pode ser utili- Corallus hortulanus (Fig. 11). Toda a fa- zada como um indicador da elevada qua- mília a que pertence esta espécie (famí- lia Boidae) figura no Apêndice II do Cites lidade ambiental da área, pois este lagarto (2015) e como vulnerável nos estados de ocorre somente na serapilheira de florestas São Paulo e Minas Gerais (MMA, 2008). pouco perturbadas (VITT et al., 2008). Neste estudo, porém, foi a serpente mais Caiman crocodilus (Fig. 8); Melanosuchus registrada. Em ambientes de igapó, essa é niger e Paleosuchus palpebrosus (Fig. 9). As es- uma das serpentes com maior frequência pécies de jacarés encontradas neste estudo de encontro (NECKEL-OLIVEIRA e GOR- são citadas em listas internacionais de con- DO, 2004), indicando que nestes ambien- servação de espécies sob diferentes graus tes, suas populações estão em bom estado de ameaças (CITES, 2015; IUCN, 2016). de conservação. Entretanto, a população Os jacarés sofrem grande impacto huma- local a confunde com espécies venenosas no através da caça e predação de seus ovos, da família Viperidae, denominando-a de apresentando por isso, em algumas locali- “jararaca amarela” ou “jararaca do brejo” dades, populações instáveis. Na localidade (veja quadro “mimetismo”). de estudo, estas espécies apresentam baixa Micrurus hemprichii (Fig. 12). Essa cobra- abundância, então, seu abate para alimen- coral é a única espécie encontrada neste

Capítulo 6. Jacarés, lagartos, serpentes e anfíbios 111 Figura 9. Paleosuchus palpebrosus (Família Crocodylidae). Foto: Luiz Henrique Condrati.

Figura 8. Caiman crocodilus (Família Crocodylidae). Foto: Shanna Bittencourt.

Figura 10. Tupinambis teguixim (Família Teiidae). Figura 11. Corallus hortulanus (Família Boidae), Foto: Shanna Bittencourt. espécie de serpente mais registrada na área de estudo. Foto: Zig Koch.

estudo que pode causar graves acidentes. sendo, este é um dos primeiros registros Possui hábito fossorial e apresenta baixa para o Brasil. frequência de ataques a humanos. Entre- Osteocephalus planiceps. Após a redescri- tanto, serpentes venenosas da família Vi- ção de Osteocephalus leprieurii (KARL-HEINZ peridae devem estar presentes na área e e HÖDL, 2002), vários indivíduos que an- apresentar risco potencial. tes eram tratados como pertencentes a essa Aparasphenodon venezuelanus (Fig. 13). Essa es- espécie, puderam agora ser classificados pécie de perereca era conhecida apenas para como Osteocephalus planiceps. Desde então, no- três localidades da Venezuela (PAOLILLO e vos registros em localidades isoladas vêm CERDA, 1983). Recentemente, foi descober- sendo feitos (NECKEL-OLIVEIRA e GOR- ta em uma localidade na Colômbia (LYNCH DO, 2004; GORDO e NECKEL-OLIVEIRA, e RAMÍREZ, 2000) e outra no Brasil (NE- 2004; CONDRATI et al., 2011; WALDEZ et CKEL-OLIVEIRA e GORDO, 2004). Assim al., 2013).

112 Mariuá Figura 12. Micrurus hemprichii (Família Elapidae), serpente conhecida como cobra-coral. Possui hábito fossorial e é peçonhenta. Foto: Luiz Henrique Condrati.

Figura 13. Aparasphenodon venezolanus (Família Hylidae), perereca cujo registro é um dos primeiros desta espécie para o Brasil. Foto: Zig Koch.

Capítulo 6. Jacarés, lagartos, serpentes e anfíbios 113 Implicações Mimetismo Batesiano (Fig. 14) – O conservacionistas mimetismo batesiano é uma adaptação evolutiva em que um organismo Mesmo com poucos dias de amostra- desenvolve características que o gem, foi constatado que a área do baixo confundem com outro ser mais forte, Rio Jufari apresenta ambientes heterogê- indigesto ou venenoso. A estratégia é neos de relevante biodiversidade. Foram se assemelhar para confundir. Assim, o registradas novas ocorrências para espé- predador localiza a presa, mas não a ataca, cies raras de anfíbios. Algumas espécies pois, sua aparência lembra a de outra aqui registradas de lagartos, serpentes e ja- espécie perigosa. carés constam em listas de espécies oficial- Este tipo de mimetismo é altamente difundido entre as serpentes, por isso, que mente ameaçadas de extinção. Alguns dos “jararacas” e “cobras corais” são tão avis- espécimes encontrados podem ser espé- tadas. Como consideramos os padrões de cies novas para a ciência, considerando o coloração pelas espécies mais conhecidas aprofundamento de estudos sistemáticos. (as venenosas), provavelmente, também A biodiversidade local, somada à exube- estamos sendo enganados pela sua apa- rância de recursos naturais e ao baixo impac- rência. Na verdade, a grande maioria das to no ambiente produzido pelas comunida- serpentes é inofensiva e, o que seria uma des locais, resulta em uma área de relevante vantagem anti-predação para elas, trans- potencial para a conservação. A acessibilida- formou-se em uma desvantagem, afinal o de e o interesse dos comunitários tornam vi- ser humano acaba matando-as em defesa própria, achando se tratar de indivíduos ável a implantação de estratégias para o uso perigosos. sustentável dos recursos naturais.

B

Figura 14. Exemplo de mimetismo batesiano: a - Corallus hortulanus (Foto: Zig Koch) em fase que A se assemelha à jararaca venenosa; b - Bothrops sp. (Foto: Luiz Henrique Condrati).

114 Mariuá CONDRATI, L.H. Padrões de distribuição e Referências abundância de anuros em áreas ripárias e AICHINGER, M. Annual activity patterns não ripárias de floresta de terra firme na of anurans in a seasonal Neotropical reserva biológica do Uatumã, Amazônia environment. Oecologia, v.71, p. 583-592, central. Dissertação (Mestrado em 1987. Ecologia). INPA, Manaus, 63p, 2009. BITTENCOURT, S. 2008. A insularização como CONDRATI, L.H. et al. Inventário da agente de fragmentação florestal em comunidades Herpetofauna como ferramenta para de lagartos. Dissertação (Mestrado em manejo no Parque Nacional Nascentes Ecologia), INPA, 49p. do Lago Jari–AM. Anais do III Seminário de Pesquisa e Iniciação Científica do CAMPBELL, H.W.; CHRISTMAN, S.P. Field Instituto Chico Mendes de Conservação techniques for herpetofaunal community da Biodiversidade. 2011. Brasília, ICMBio, analysis. In: SCOTT JR., N.J. (ed.). 2011. Herpetological communites. Washington, U.S. Fish Wild. Serv. Wildl. Res. Rep. n.13, COSTA, H.C.; BÉRNILS, R.S. Répteis 1982, p.193-200. Brasileiros: Lista de Espécies 2015. Herpetologia Brasileira v.4, n.3, CARAMASCHI, U. Redefinição do grupo de 2015. Disponível em . Acesso: 30 revalidação de P. azurea Cope, 1862 e descrição de janeiro de 2017. de uma nova espécie (Amphibia, Anura, Hylidae). Arquivos do Museu Nacional, Rio CRUMP, M.L.; SCOTT JR., N.J. Visual de Janeiro, n.64, p.159-179, 2006. encounter surveys. In: HEYER, W.R. et al. (eds.). Measuring and monitoring CASTILHO, C.V. As palmeiras da região biological diversity: standard methods do Seringalzinho. cap.6, p. 95-101. In: for amphibians. Washington, Smithsonian Borges, S.H. et al. (eds.). Janelas para a Institution Press, , p.84-92, 1994. biodiversidade no Parque Nacional do Jaú. Uma estratégia para o estudo da ENGE, K.M. The Pitfall of Pitfall traps. Journal biodiversidade na Amazônia. Fundação of Herpetology, v.35, p.467-478, 2001. Vitória Amazônica, Manaus, 2004, cap.6, FROST, D.R. 2015. Amphibian species of the p. 95-101. world. Version 5.2. Americam Museum CECHIN, S.Z.; MARTINS, M. Eficiência de of Natural History, New York, USA. armadilhas de queda (pitfall traps) em Disponível em:. Revista Brasileira de Zoologia, n.17, v.3, Acesso: 16 de julho de 2015. p.729-740, 2000. GORDO, M.; NECKEL-OLIVEIRA, CITES Convention on International Trade in S. Geographical Distribution- Endangered Species. 2015 UNEP-WCMC OSTEOCEPHALUS PLANICEPS. BRAZIL: (Comps.). Disponível em: http://checklist. AMAZONAS STATE. Herpetological Review, cites.org. Acesso: 30 de janeiro de 2017. v. 35, n.79, 2004. .

Capítulo 6. Jacarés, lagartos, serpentes e anfíbios 115 HAUGAASEN, T.; PERES, C.A. Características Revista de La Academia Colombiana de florísticas, edáficas e estruturais das florestas Ciencias Exactas, Físicas y Naturales. v.24, inundadas e de terra firme na região do n.93, p.579-589, 2000. baixo Rio Purus, Amazônia central, Brasil. MARTINS, M. The lizards of Balbina, Central Acta Amazonica, v.36, p.25-36, 2006. Amazonia, Brazil: A Qualitative Analysis ICMBIO – Instituto Chico Mendes de of Resource Utilization. Studies on Conservação da Biodiversidade. 2014. Neotropical Fauna and Environment, n.26, Plano de Manejo do Parque Nacional do p.179-190, 1991. Viruá. Boa Vista, ICMBio, 626 p. Disponível MCDIARMID, R.W. Amphibian Diversity and em:< http://www.icmbio.gov.br/portal/ Natural History: An Overview. In: HEYER, biodiversidade/unidades-de-conservacao/ W.R. et al. (eds.). Measuring and monitoring biomas-brasileiros/amazonia/unidades- biological diversity: standard methods for de-conservacao-amazonia/1988-parna-do- amphibians. Washington, Smithsonian virua.html>. Acesso: 16 de julho de 2015. Institution Press, p.5-16, 1994. IUCN International Union for Conservation MMA-Ministério do Meio Ambiente. Lista of Nature. 2016. Red List of Threatened de Espécies Quase Ameaçadas e Com Species. Disponível em:. Acesso: 30 janeiro portal/biodiversidade/fauna-brasileira/ de 2017. lista-de-especies-quase-ameacadas.html>. KARL-HEINZ, J.; HÖDL, W. A new species Acesso:15 de julho de 2015. of Osteocephalus from and a MMA-Ministério do Meio Ambiente. Lista redescription of O. leprieurii (Duméril de Espécies Quase Ameaçadas e Com & Bibron, 1841) (Anura: Hylidae). Dados Insuficientes. 2015b. Disponível Amphibia-Reptilia, v.23, p.21-46, 2002. em:. Acesso: 15 de julho de 2015. Naturelle. Patrimoines Naturels 45, 2000, 388p. MMA-Ministério do Meio Ambiente. Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada LIMA, A.P.; MENIN, M.; DE ARAÚJO, M.C. A de Extinção. 2008. Volume II. Disponível new species of Rhinella (Anura: Bufonidae) em:. Acesso: 15 de LIMA, A.P. et al. Guia de Sapos da Reserva julho de 2015. Adolpho Ducke-Amazônia Central. MMA-Ministério do Meio Ambiente. Portaria Instituto Nacional de Pesquisas da nº 444 de 17 de dezembro de 2014. Lista Amazônia. Manaus, 2006,168p. Nacional Oficial de Espécies da Fauna LYNCH, J.D.; RAMÍREZ, M.A.V. Lista Ameaçadas de Extinção. 2014. Disponível preliminar de especies de anuros del em:

116 Mariuá especies.html>. Acesso: 15 de julho de 2015. TIGR. The TIGR reptile data-base. Electronic database. 2009. Disponível em:. Acesso: 15 de Jaú. In: BORGES, S.H. et al. (eds.). Janelas julho de 2015. para a biodiversidade no Parque Nacional VITT, L.; et al. Guia de lagartos da Reserva do Jaú. Uma estratégia para o estudo da Adolpho Ducke-Amazônia Central. biodiversidade na Amazônia. Manaus, Manaus, Instituto Nacional de Pesquisas da Fundação Vitória Amazônica, 2004, cap.11, Amazônia, 176p, 2008, 176p.. p. 161-176. VOGT, R.C. et al. Herpetofauna. In: RAPP PAOLILLO, O.A.; CERDA, J. Nuevos hallazgos PY-DANIEL et al. (orgs.). Biodiversidade de Aparasphenodon venezolanus (Mertens) do Médio Madeira: Bases Científicas para (Salentia, Hylidae) en el territorio federal propostas de conservação. INPA, Manaus, Amazonas, Venezuela, con anotaciones 2007, cap. 9, 2007, p.127-143. sobre su biología. Memoria Sociedad de Ciencias de La Salle, n.41, p.77- 95, 1983. VOGT, R.C.; HINE R.L. Evaluation of Techniques for Assessment of Amphibian PASSOS, P.; FERNANDES, D.S.; BORGES- and Reptile Populations in Wisconsin. NOJOSA, D.M. A New Species of Atractus In: SCOTT JR., N.J. (ed.). Herpetological (Serpentes: Dipsadinae) from a Relictual Forest in Northeastern Brazil. Copeia, Communities: a symposium of the Society v.2007, n.4, p. 788-797, 2007. for the Study of Amphibians and Reptiles and the Herpetologists League. Wildlife PETERS, J.A.; OREJAS-MIRANDA, B. Catalogue Research Report 13, U.S. Fish and Wildlife of Neotropical Squamata: Part I. Snakes. Service, Washington DC/ USA, 1982, Smithsonian Institution. United States p.201-217. National Museum Bulletin, n.297, 1970. WALDEZ, F; MENIN, M.; VOGT, R.C. Diversidade RODRIGUES, M.T.; ÁVILA-PIRES, T.C.S. New de anfíbios e répteis Squamata na região do Lizard of the Genus Leposoma (Squamata, baixo rio Purus, Amazônia Central, Brasil. Gymnophthalmidae) from the Lower Rio Biota Neotropica, v.13, n.1, 2013. Negro, Amazonas. Brazilian Journal of Herpetology, v.49, n.4, p.541-546, 2005. ZIMMERMAN, B.L.; RODRIGUES, M.T. Frogs, RUEDA-ALMONACID, J.V. et al. Las tortugas y snakes, and lizards of the INPA-WWF los cocodrilianos de los países andinos del Reserves near Manaus, Brazil. In: GENTRY, Trópico. Conservation International, 2007, A.H. (ed.). Four Neotropical Rainforests. 538p. New Heaven, Yale University Press, 1990, p. 426-454. SEGALLA, M.V. et.al. Brazilian Amphibians: List of Species. Herpetologia Brasileira, v.5, ZIMMERMAN, B.L. E SIMBERLOFF, D. An n.2, 2015. Disponível em : . Acesso: 30 de Journal of Biogeography, n.23, p.27- janeiro de 2017. 46,1996.

Capítulo 6. Jacarés, lagartos, serpentes e anfíbios 117

Thiago Orsi LARANJEIRAS Angela Midori Furuya PACHECO Carla Haisler SARDELLI

7 Aves

Introdução

A região do médio rio Negro, incluindo o arquipélago de Ma- riuá e o rio Jufari, compreende uma intrincada e pouco explorada área de contato entre distintas avifaunas amazônicas. O rio Negro separa três áreas de endemismos para aves das florestas de terra-fir- me: Guiana, Napo e Jaú (HAFFER, 1974; CRACRAFT, 1985; NAKA, 2011; NAKA et al., 2012; BORGES e SILVA, 2012). No entanto, nessa região, o limite exato para a distribuição da maioria das espécies é mais bem delimitado ou pelo rio Branco (o maior afluente) ou por outros afluentes de menor porte, como o rio Jufari (NAKA, 2011; NAKA et al., 2012). A fitofisionomia predominante na bacia do rio Negro é a flo- resta de terra-firme (não alagável), secundada por florestas alagáveis sobre solos arenosos. Contudo, há também florestas alagáveis por rios de água branca ou barrenta, como o rio Branco, que deságua logo abaixo do arquipélago de Mariuá (OLIVEIRA, et al. 2001; JUNK et al., 2011). Florestas alagáveis por rios de água branca (várzeas) ou preta (igapós) abrigam avifaunas particulares, diferentes entre si e das florestas de terra-firme, mas com padrões de distribuição geo- gráfica ainda pouco conhecidos (REMSEN e PARKER, 1983; BOR- GES e CARVALHAES, 2000; COHN-HAFT et al., 2007). Apesar do grande interesse dos ornitólogos, pouca informação sobre ocorrência de aves tem sido consolidada e publicada sobre a região do médio rio Negro. Nosso objetivo nesse trabalho é contri- buir com o conhecimento ornitológico dessa região, apresentando um inventário preliminar da avifauna de alguns pontos no arqui- pélago de Mariuá, no rio Jufari e em uma ilha no rio Negro em frente a Vila de Moura. Nossos resultados são comparáveis com os obtidos em áreas próximas e indicam a importância da região para a conservação da avifauna. Áreas relativamente próximas, cujos es- tudos ornitológicos servem de base para previsão de ocorrências e comparação, incluem o rio Jauaperi (TROLLE e WALTHER, 2004), o rio Branco (NAKA et al., 2006; 2007), os parques nacionais do Viruá (LARANJEIRAS et al., 2014), e do Jaú (BORGES e ALMEIDA, 2011), o arquipélago de Anavilhanas (CINTRA et al., 2007) distante quase 300 km do arquipélago de Mariuá, bem como a região ao norte de Manaus (COHN-HAFT et al., 1997).

Capítulo 7. Aves 121 Todas as técnicas foram utilizadas nas Metodologia ilhas do arquipélago de Mariuá, e ao longo O inventário da avifauna envolveu uma do rio Jufari (arredores das vilas Caicubi e série de técnicas de levantamento de aves Caju), e rapidamente nos arredores da vila para detectar o máximo número de espé- Moura (Fig. 1). O esforço totalizou cerca cies nos diferentes habitats. Nós conduzi- de 50 horas de amostragens ao longo de mos observações auditivo-visuais, captu- 10 dias em campo (ver tabela). ras com redes ornitológicas e buscas com Para apoiar os inventários em campo, “play-back” (reprodução da voz gravada elaboramos uma lista de espécies de aves previamente) para algumas espécies. As ob- esperadas de ocorrer na região de estudo. servações auditivo-visuais foram realizadas Geramos a lista utilizando o “Ornitólogo ao longo de trilhas pré-existentes percorri- das a pé e em trechos dos rios ou entre ilhas Automático”, um aplicativo que sobrepõe percorridos lentamente com canoa. automaticamente distribuições geográficas As amostragens aconteceram prin- das espécies de aves conhecidas (COHN cipalmente no amanhecer (entre 5:00 e -HAFT et al., 2008). Refinamos a lista gerada, 12:00 h), horário de maior atividade da comparando com os inventários disponíveis maioria das espécies, mas também ao en- na literatura e com os dados não publicados tardecer (entre 15:00 e 18:30 h), durante da Coleção de Aves do INPA. Para algumas o reconhecimento das áreas, e eventual- aves dessa lista, nós selecionamos gravações mente à noite (entre 18:30 e 21:00 h), de CDs comerciais e de arquivos sonoros para registro de aves noturnas. Sempre que pessoais. Essas gravações foram reproduzidas possível, os registros foram documentados (“play-back”) em campo na busca de espé- com gravações da vocalização, fotografias cies-alvo, cuja confirmação de ocorrência e eventualmente espécimes coletados. local era especialmente relevante.

Figura 1. Pontos de amostragem da avifauna (circulos pretos com contorno branco) na regiao do medio rio Negro.

122 Mariuá Tabela. Período e esforço de amostragem da avifauna nos diferentes habitats em cada localidade. Habitats: Fa = floresta alagada; At = área antropizada; Aq = ambiente aquático; Tf = ferra-firme; Ca = campina.

Período Localidade Habitats Esforço (h) 18 a 19/10/2008 Arredores da Vila de Moura Fa, At 3 19 a 23/10/2008 Arquipélago de Mariuá Fa, Aq 20 24/10/2008 Rio Caicubi Tf, Fa 4 25 a 28/10/2008 Rio Jufari (Vila Caju) Tf, Fa, Ca 16 29 a 30/10/2008 Rio Jufari (Vila Caicubi) Ca 7

(BORGES, 2006) e no rio Branco (NAKA et Resultados e discussão al., 2006), sendo que os limites de distri- Riqueza e composição buição ainda são incertos. Nosso registro estende o limite oeste pelo menos até o Registramos 209 espécies de aves (ver arquipélago de Mariuá. Anexo), distribuídas em 54 famílias. Esse Nyctiprogne leucopyga. Registramos duas su- número decorre do limitado esforço de bespécies desses bacuraus gregários no ar- campo, concentrado nas florestas alagáveis quipélago de Mariuá. Observações recentes e nas campinas e representa quase metade (COHN-HAFT, dados não publicados) indi- da riqueza esperada para a região (estimada cam diferenças consistentes na vocalização em torno de 450 espécies). Na Amazônia, e morfologia entre elas e dados moleculares as florestas alagáveis por rios e as campinas sugerem que as mesmas não formam um abrigam uma avifauna especializada, mas grupo monofilético (SIGURDSSON e CRA- com menor riqueza de espécies quando CRAFT, 2014). O médio rio Negro é mais comparados com as florestas de terra-firme um dos lugares em que essas duas subespé- (REMSEN e PARKER, 1983; COHN-HAFT et cies ocorrem em simpatria. al., 2007; BORGES e CARVALHAES, 2000; Myrmotherula klagesi. Registramos essa BORGES, 2004). Mesmo assim, a lista de espécie de choquinha, na ilha em frente à espécies obtida é preliminar e inventários comunidade Moura, mas não na região do futuros devem aumentar significativamente arquipélago de Mariuá, embora tenhamos o número registrado na região. procurado insistentemente com a técnica A maioria das espécies registradas é tí- de playback (veja Metodologia). Essa espécie pica do norte da Amazônia e relativamente é abundante nas ilhas do rio Branco e no comuns em seus habitats preferenciais. A arquipélago de Anavilhanas e é considerada seguir, destacamos registros de algumas quase ameaçada de extinção (BIRDLIFE IN- espécies, por representarem um aumento TERNATIONAL, 2015). Outras espécies típi- na área de ocorrência ou pela importância cas das florestas alagadas ao longo do baixo para estudos futuros ou uma melhor des- rio Negro e do rio Branco, como por exem- crição das preferências de habitat. plo, Myrmoborus lugubris (CINTRA et al., 2007) Phaethornis rupurumii. Somente recente- também parecem seguir um padrão de au- mente essa espécie foi registrada na região sência ao longo do trecho do arquipélago do rio Negro, em Anavilhanas (CINTRA de Mariuá, corroborando a influência do rio et al., 2007), no parque nacional do Jaú Branco no baixo rio Negro.

Capítulo 7. Aves 123 Hemitriccus inornatus (Fig. 2). Registramos pássaro tem capacidade de atravessar mar- essa espécie pouco conhecida de tiranídeo gens opostas de rios, e, se não ocorre na e de distribuição restrita em ilha no arqui- margem direita do rio Negro, é provavel- pélago de Mariuá, em que sua ocorrência mente devido à competição com outras es- não era esperada. Isso demonstra que esse pécies congêneres.

Figura 2 - Hemitriccus inornatus. Especie especialista nas campinas e florestas alagaveis por rios de agua preta na regiao do rio Jufari;

registradas nesta expedição foram a águia Implicações -pescadora Pandion haliaetus, o batuiruçu Plu- conservacionistas vialis dominica (Fig. 3), o maçarico-pintado Actitis macularius, o maçarico-solitário Tringa A área abriga dezenas de espécies de solitaria e o maçarico-de-sobre-branco Ca- aves que passam a maior parte da vida na lidris fuscicollis (Fig. 4). Os ambientes em beira d’água, aves migratórias em inverna- estágio inicial de sucessão da vegetação gem e em estágios críticos de seu ciclo de abrigam a maior parte das aves migrantes. vida. A região recebe tanto aves imigrantes, São previstas pelo menos mais quinze es- que se reproduzem no hemisfério norte e pécies de aves migratórias na região estu- têm o sítio de invernada em latitudes mais dada, entre batuíras (Charadriidae), maça- baixas, como os imigrantes austrais, que ricos (Scolopacidae), falcões (Falconidae), se reproduzem no sul do hemisfério sul. bem-te-vis (Tyrannidae), andorinhas (Hi- Registramos a presença de espécies migra- rundinidae) e mariquitas (Parulidae). tórias em todas as áreas visitadas, ou seja, Registramos seis espécies que ocorrem no arquipélago de Mariuá, no rio Jufari e e nidificam nos ambientes em estágio inicial mesmo em área antropizada, na comuni- de sucessão: a batuira-de-coleira Charadrius dade de Moura. As espécies migratórias collaris, a batuíra-de-esporão Vanellus cayanus, o

124 Mariuá quero-quero V. chilensis, o trinta-réis-anão Ster- ninhos cavados e alguns ainda defendidos nula superciliaris, o trinta-réis-grande Phaetusa pelos pássaros, contudo, não encontramos simplex e o talha-mar Rynchops niger. Encontra- nenhum ovo, o que pode ser um indício da mos indícios de nidificação nas praias, com utilização para alimentação humana.

Figura 3 - Pluvialis dominica. Especie migratoria registrada durante a expediço.

Figura 4 - Calidris fuscicolis. Especie migratoria registrada durante a expediço.

Capítulo 7. Aves 125 COHN-HAFT, M.; WHITTAKER, A.; Referências STOUFFER, P.C. A new look at the “species- BIRDLIFE INTERNATIONAL. Species factsheet: poor” Central Amazon: The avifauna Myrmotherula klagesi. 2015. Disponível em: North of Manaus, Brazil. Ornithological . Acesso Monographs, v.48, p.205-235, 1997. em: 26 agosto 2015. COHN-HAFT, M.; NAKA, L.N.; FERNANDES, BORGES, S.H. Rarity of birds in the Jaú A.M. Padrões de distribuição da avifauna national Park, Brazilian Amazon. Animal da várzea dos rios Solimões e Amazonas. Biodiversity and Conservation, v.29, n.2, In: ALBERNAZ, A.L.K.M (org.) Conservação p.179-189, 2006. da Várzea: Identificação e caracterização de regiões biogeográficas. 2007, p. 287-323. BORGES, S.H. Species poor but distinct: bird assemblages in white sand vegetation in CRACRAFT, J. Historical biogeography and Jaú National Park, Amazonian Brazil. Ibis, patterns of differentiation within the South v.146, p.114-124, 2004. American avifauna: Areas of endemism. Ornithological Monographs, v.36, p.49-84, BORGES, S.H.; CARVALHAES, A. Bird species 1985. of black water inundated forests in the Jaú National Park (Amazonas State, Brazil): HAFFER, J. Avian speciation in tropical South their contribution to regional species America. Publications of the Nuttall richness. Biodiversity and Conservation, Ornithological Club, no. 14, Cambridge: v.9, p.201-214, 2000. Harvard University, 1974. BORGES, S.H.; ALMEIDA, R.A.M. Birds of JUNK, W.J. et al. Classification of Major the Jaú National Park and adjacent areas, Naturally-Occurring Amazonian Lowland Brazilian Amazon: new species records Wetlands. Wetlands, v.31, n.4, p.623-640, with reanalysis of a previous checklist. 2011. Revista Brasileira de Ornitologia, v.19, n.2, LARANJEIRAS, T.O. et al. The avifauna of p.108-133, 2011. Viruá National Park, Roraima, reveals BORGES, S.H.; SILVA, J.M.C. A New Area of megadiversity in northern Amazonia. Endemism for Amazonian Birds in the Revista Brasileira de Ornitologia, v.22, n.2, Rio Negro Basin. The Wilson Journal of p.138-171, 2014. Ornithology, v.124, n.1, p.15-23, 2012. NAKA, L.N. Avian distribution patterns CINTRA, R.; SANAIOTTI, T.; COHN-HAFT, in the Guiana Shield: implications for M. Spatial distribution and habitat of the the delimitation of Amazonian areas of Anavilhanas archipelago bird community endemism. Journal of Biogeography, v.38, in the Brazilian Amazon. Biodiversity and n.4, p.681-696, 2011. Conservation, v.16, p.313-336, 2007. NAKA, L.N. et al. The avifauna of the Brazilian COHN-HAFT, M. et al. The Automatic state of Roraima: bird distribution and Ornithologist: Amazonian Bird Checklists. biogeography in the Rio Branco basin. 2008. Disponível em: . p.197-238, 2006.

126 Mariuá NAKA, L.N. et al. Avian Biogeography of REMSEN, J.V.; PARKER-III, T.A. 1983. amazonian floded forests in the Rio Contribution of river-created habitats Branco basin, Brazil. Wilson Journal of to bird species richness in Amazonia. Ornithology, v.119, n.3, p.439-449, 2007. Biotropica, v.15, p.223-231. NAKA, L.N. et al. The role of physical barriers SIGURDSSON, S.; CRACRAFT, J. Deciphering in the location of avian suture zones in the the diversity and history of New World Guiana Shield, northern Amazonia. The nightjars (Aves: Caprimulgidae) using American Naturalist, v.179, n.4, p.115- molecular phylogenetics. Zoological 132, 2012. Journal of the Linnean Society, v.170, p.506-545, 2014. OLIVEIRA, A.A. et al. Florestas sobre areia: campinaranas e igapós. In: OLIVEIRA, A.A. TROLLE, M.; WALTHER, B.A. Preliminary bird e DALY, D.C. (eds.). Florestas do Rio Negro. observations in the rio Jauaperi region, Rio São Paulo: Cia das Letras, Universidade Negro basin, Amazonia, Brazil. Cotinga, Paulista e New York Botanical Garden, cap. v.22, p.81-85, 2004. 6, 2001, p.179-220.

Capítulo 7. Aves 127 Anexo Anexo. Lista preliminar das 209 espécies de aves registradas durante inventário na região do médio rio Negro, incluindo arquipélago de Mariuá, rio Jufari e arredores da vila de Moura. Habitats: F, fotografia; G, gravação; P, pele. Nomenclatura segue Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO, 2014).

Família/Espécie Nome comum Documentação Tinamidae Tinamus major inhambu-de-cabeça-vermelha G Crypturellus undulatus jaó G

Anatidae Cairina moschata pato-do-mato F

Cracidae Ortalis motmot aracuã-pequeno G Crax alector mutum-poranga G Pauxi tomentosa mutum-do-norte F

Ciconiidae Jabiru mycteria tuiuiú F

Phalacrocoracidae Phalacrocorax brasilianus biguá F

Anhingidae Anhinga anhinga biguatinga F

Ardeidae Tigrisoma lineatum socó-boi Butorides striata socozinho Bubulcus ibis garça-vaqueira Ardea cocoi garça-moura F Ardea alba garça-branca-grande Pilherodius pileatus garça-real

Threskiornithidae Mesembrinibis cayennensis coró-coró G

Cathartidae Cathartes aura urubu-de-cabeça-vermelha F Cathartes melambrotus urubu-da-mata F Coragyps atratus urubu-de-cabeça-preta F Sarcoramphus papa urubu-rei F

Pandionidae Pandion haliaetus águia-pescadora F

Accipitridae Ictinia plumbea sovi Geranospiza caerulescens gavião-pernilongo F, G

128 Mariuá Anexo. Continuação

Família/Espécie Nome comum Documentação Urubitinga urubitinga gavião-preto F, G Rupornis magnirostris gavião-carijó G Buteo nitidus gavião-pedrês G

Heliornithidae Heliornis fulica picaparra F

Charadriidae Vanellus cayanus batuíra-de-esporão F Vanellus chilensis quero-quero G Pluvialis dominica batuiruçu F Charadrius collaris batuíra-de-coleira F

Scolopacidae Actitis macularius maçarico-pintado F, G Tringa solitaria maçarico-solitário F Calidris fuscicollis maçarico-de-sobre-branco F

Sternidae Sternula superciliaris trinta-réis-anão Phaetusa simplex trinta-réis-grande F, G

Rynchopidae Rynchops niger talha-mar F, G

Columbidae Patagioenas speciosa pomba-trocal Patagioenas cayennensis pomba-galega G Patagioenas plumbea pomba-amargosa G Leptotila verreauxi juriti-pupu F Leptotila rufaxilla juriti-gemedeira G

Cuculidae Piaya cayana alma-de-gato G Crotophaga major anu-coroca F, G Crotophaga ani anu-preto G

Strigidae Megascops watsonii corujinha-orelhuda G Pulsatrix perspicillata murucututu G

Caprimulgidae Lurocalis semitorquatus tuju Hydropsalis leucopyga bacurau-de-cauda-barrada G, P Hydropsalis albicollis bacurau G Hydropsalis climacocerca acurana Chordeiles acutipennis bacurau-de-asa-fina P

Capítulo 7. Aves 129 Anexo. Continuação

Família/Espécie Nome comum Documentação Apodidae Tachornis squamata andorinhão-do-buriti G

Trochilidae Glaucis hirsutus balança-rabo-de-bico-torto Phaethornis rupurumii rabo-branco-do-rupununi F, G, P Phaethornis ruber rabo-branco-rubro F, G, P Phaethornis superciliosus rabo-branco-de-bigodes F, G Chlorostilbon notatus beija-flor-de-garganta-azul F, G Polytmus theresiae beija-flor-verde G Amazilia fimbriata beija-flor-de-garganta-verde G

Trogonidae Trogon melanurus surucuá-de-cauda-preta G Trogon viridis surucuá-grande-de-barriga-amarela G Trogon curucui surucuá-de-barriga-vermelha F

Alcedinidae Megaceryle torquata martim-pescador-grande F, G Chloroceryle amazona martim-pescador-verde G Chloroceryle aenea martinho F, G, P Chloroceryle americana martim-pescador-pequeno F, G Chloroceryle inda martim-pescador-da-mata F

Momotidae Momotus momota udu-de-coroa-azul G

Galbulidae Galbula galbula ariramba-de-cauda-verde F, G, P Galbula leucogastra ariramba-bronzeada F, P Galbula dea ariramba-do-paraíso F, G

Bucconidae Monasa nigrifrons chora-chuva-preto F, G Chelidoptera tenebrosa urubuzinho F, G

Ramphastidae Ramphastos tucanus tucano-grande-de-papo-branco G Ramphastos vitellinus tucano-de-bico-preto G

Picidae Picumnus exilis pica-pau-anão-de-pintas-amarelas G Veniliornis affinis picapauzinho-avermelhado F Piculus flavigula pica-pau-bufador G Piculus capistratus pica-pau-de-garganta-barrada G Celeus undatus pica-pau-barrado G

130 Mariuá Anexo. Continuação

Família/Espécie Nome comum Documentação Celeus elegans pica-pau-chocolate F, G Celeus torquatus pica-pau-de-coleira G Dryocopus lineatus pica-pau-de-banda-branca F, G Campephilus rubricollis pica-pau-de-barriga-vermelha G Campephilus melanoleucos pica-pau-de-topete-vermelho G

Falconidae Daptrius ater gavião-de-anta F, G Ibycter americanus gralhão Milvago chimachima carrapateiro F Falco rufigularis cauré F

Psittacidae Ara ararauna arara-canindé F, G Ara macao araracanga G Orthopsittaca manilatus maracanã-do-buriti G Psittacara leucophthalmus periquitão-maracanã G Eupsittula pertinax periquito-de-bochecha-parda Brotogeris chrysoptera periquito-de-asa-dourada F, G Pionites melanocephalus marianinha-de-cabeça-preta G Pionus menstruus maitaca-de-cabeça-azul G Amazona festiva papagaio-da-várzea G Amazona farinosa papagaio-moleiro G Amazona amazonica curica F, G

Thamnophilidae Euchrepomis spodioptila zidedê-de-asa-cinza G Pygiptila stellaris choca-cantadora G Myrmophylax atrothorax formigueiro-de-peito-preto G Myrmotherula brachyura choquinha-miúda G Myrmotherula ambigua choquinha-de-coroa-listrada G Myrmotherula cherriei choquinha-de-peito-riscado F, G Myrmotherula klagesi choquinha-do-tapajós G Myrmotherula longipennis choquinha-de-asa-comprida G Myrmotherula menetriesii choquinha-de-garganta-cinza G Myrmotherula assimilis choquinha-da-várzea F, G, P Formicivora grisea papa-formiga-pardo F, G Thamnomanes caesius ipecuá G Herpsilochmus dorsimaculatus chorozinho-de-costas-manchadas G Sakesphorus canadensis choca-de-crista-preta G Thamnophilus murinus choca-murina G Thamnophilus nigrocinereus choca-preta-e-cinza F, G Thamnophilus amazonicus choca-canela G Hypocnemoides melanopogon solta-asa-do-norte F, G, P Pithys albifrons papa-formiga-de-topete F, P

Capítulo 7. Aves 131 Anexo. Continuação

Família/Espécie Nome comum Documentação Willisornis poecilinotus rendadinho F, P Gymnopithys rufigula mãe-de-taoca-de-garganta-vermelha F, P

Grallariidae Hylopezus macularius torom-carijó G

Formicariidae Formicarius colma galinha-do-mato G

Scleruridae Sclerurus rufigularis vira-folha-de-bico-curto G

Dendrocolaptidae Dendrocincla fuliginosa arapaçu-pardo G Glyphorynchus spirurus arapaçu-bico-de-cunha G Xiphorhynchus pardalotus arapaçu-assobiador G Xiphorhynchus obsoletus arapaçu-riscado G, P Xiphorhynchus guttatus arapaçu-de-garganta-amarela P Dendroplex picus arapaçu-de-bico-branco G Dendroplex kienerii arapaçu-ferrugem G Dendrocolaptes certhia arapaçu-barrado G

Furnariidae Synallaxis albescens uí-pi G Synallaxis gujanensis joão-teneném-becuá G Cranioleuca vulpina arredio-do-rio G

Pipridae Tyranneutes virescens uirapuruzinho-do-norte G Pipra filicauda rabo-de-arame F, G, P Ceratopipra erythrocephala cabeça-de-ouro G Heterocercus flavivertex dançarino-de-crista-amarela F, G, P Xenopipo atronitens pretinho F, P

Onychorhynchidae Myiobius barbatus assanhadinho F, P

Tityridae Schiffornis major flautim-ruivo G Tityra cayana anambé-branco-de-rabo-preto G Pachyramphus marginatus caneleiro-bordado G

Cotingidae Lipaugus vociferans cricrió G Xipholena punicea anambé-pompadora F, G Perissocephalus tricolor maú

132 Mariuá Anexo. Continuação

Família/Espécie Nome comum Documentação Pipritidae Piprites chloris papinho-amarelo G

Platyrinchidae Platyrinchus coronatus patinho-de-coroa-dourada G

Rhynchocyclidae Tolmomyias assimilis bico-chato-da-copa G Tolmomyias poliocephalus bico-chato-de-cabeça-cinza G Todirostrum maculatum ferreirinho-estriado G Hemitriccus minor maria-sebinha G, P Hemitriccus inornatus maria-da-campina G Lophotriccus galeatus caga-sebinho-de-penacho G

Tyrannidae Zimmerius gracilipes poiaeiro-de-pata-fina G Inezia subflava amarelinho G Ornithion inerme poiaeiro-de-sobrancelha G Camptostoma obsoletum risadinha G Elaenia cristata guaracava-de-topete-uniforme Elaenia ruficeps guaracava-de-topete-vermelho F, P Myiopagis gaimardii maria-pechim G Tyrannulus elatus maria-te-viu G Attila cinnamomeus tinguaçu-ferrugem G Attila spadiceus capitão-de-saíra-amarelo G Myiarchus tuberculifer maria-cavaleira-pequena F, G Myiarchus ferox maria-cavaleira G Rhytipterna simplex vissiá G Pitangus sulphuratus bem-te-vi F, G Philohydor lictor bentevizinho-do-brejo F, G Myiozetetes cayanensis bentevizinho-de-asa-ferrugínea F, G Tyrannus melancholicus suiriri G Conopias trivirgatus bem-te-vi-pequeno G Conopias parvus bem-te-vi-da-copa G Lathrotriccus euleri enferrujado G

Vireonidae Cyclarhis gujanensis pitiguari G Vireolanius leucotis assobiador-do-castanhal G Hylophilus semicinereus verdinho-da-várzea G Hylophilus brunneiceps vite-vite-de-cabeça-marrom G Hylophilus muscicapinus vite-vite-camurça G Hylophilus ochraceiceps vite-vite-uirapuru G

Capítulo 7. Aves 133 Anexo. Continuação Família/Espécie Nome comum Documentação Hirundinidae Pygochelidon melanoleuca andorinha-de-coleira F Atticora fasciata peitoril F Progne tapera andorinha-do-campo F, G Progne subis andorinha-azul Progne chalybea andorinha-doméstica-grande F Tachycineta albiventer andorinha-do-rio F

Troglodytidae Troglodytes musculus corruíra F, G Pheugopedius coraya garrinchão-coraia G Cantorchilus leucotis garrinchão-de-barriga-vermelha G

Polioptilidae Polioptila plumbea balança-rabo-de-chapéu-preto F, G

Turdidae Turdus leucomelas sabiá-barranco G Turdus fumigatus sabiá-da-mata F, G, P Turdus albicollis sabiá-coleira G

Passerellidae Ammodramus aurifrons cigarrinha-do-campo G

Icteridae Psarocolius viridis japu-verde G Psarocolius decumanus japu G Cacicus cela xexéu F, G

Thraupidae Coereba flaveola cambacica G Saltator grossus bico-encarnado G Ramphocelus carbo pipira-vermelha G Tangara episcopus sanhaçu-da-amazônia G Tangara palmarum sanhaçu-do-coqueiro G Paroaria gularis cardeal-da-amazônia G Dacnis flaviventer saí-amarela Cyanerpes nitidus saí-de-bico-curto P Sporophila lineola bigodinho F, G

Fringillidae Euphonia plumbea gaturamo-anão G

134 Mariuá

Carla Gomes BANTEL Manoela Lima de Oliveira BORGES Raylenne da Silva ARAUJO

Pequenos mamíferos não-voadores: roedores e 8 marsupiais

Introdução

O conhecimento sobre a história natural para a grande maioria das espécies de mamíferos das florestas neotropicais é praticamente inexistente, incluindo noções sobre a demografia populacional e sobre os limites de distribuição ecológica e geográfica. Especial- mente entre os roedores e marsupiais a delimitação das espécies ainda é mal definida (Voss e Emmons, 1996; Patterson, 2000; Grel- le, 2002), sendo baseada principalmente em extrapolações de in- formações pontuais, em especial para a região amazônica (Men- des-Oliveira et al., 2015). Essa carência no conhecimento científico dificulta a tomada de medidas que visem conservação da biodiver- sidade do grupo (Brito, 2004). Até o final da década de 90, devido a dificuldade de acesso a áreas mais remotas e ao alto custo das amostragens, poucas áreas da Amazônia brasileira tiveram sua diversidade de pequenos mamífe- ros estudada através de levantamentos extensivos. Nos últimos anos, essa realidade mudou visto um aumento no incentivo financeiro para realização de pesquisas científicas na região. Além disso, a ins- talação massiva de empreendimentos hidrelétricos na bacia amazô- nica possibilitou a realização de levantamentos técnico-científicos, relativos aos impactos dessas obras, ampliando assim, o conheci- mento da diversidade de pequenos mamíferos amazônicos (Men- des-Oliveira et al., 2015; Benchimol e Peres, 2016). Atualmente, a fauna de pequenos mamíferos vem sendo es- tudada combinando-se diferentes métodos de coleta e modernas técnicas de análise morfológica e molecular, o que têm revelado um número expressivo de espécies novas. Ademais, muitos grupos anteriormente descritos vêm sendo revisados e novos arranjos taxo- nômicos vêm sendo propostos (veja exemplos em Mendes-Oliveira et al., 2015). Embora possamos observar uma aumento significativo no conhecimento do grupo, dentre os biomas brasileiros, a Amazô- nia é o menos conhecido em se tratando da diversidade de peque- nos mamíferos não-voadores (Mendes-Oliveira et al., 2015). Os pequenos mamíferos são consumidores de um grande nú- mero de espécies dentre animais, vegetais e fungos, e servem de recurso alimentar para diversos predadores (Emmons e Feer, 1997; Tavares, 1998; DeMattia et al., 2006). Por exercerem um importante papel nos ciclos ecológicos, atuando como dispersores, predadores e também como presas potenciais, dados relativos à dinâmica das comunidades de pequenos mamíferos podem explicar presenças ou ausências de diversos grupos da flora (Forget et al., 1994; Asquit et

Capítulo 8. Pequenos mamíferos não-voadores: roedores e marsupiais 139 al., 1999; Wright e Duber, 2001; DeMattia, onde foram instaladas 50 estações de captura 2004; DeMattia et al., 2006) e fauna (Par- equidistantes (Figura 1). Cada estação con- dini, 2004; Rocha, 2004) tinha 2 gaiolas intercaladas quanto ao tipo Roedores e marsupiais são pouco visa- (Sherman® ou Tomahawk®) e estrato (solo dos por caçadores, e podem ser separados e sub-bosque, ~2m presas em troncos, ga- em categorias ecológicas de acordo com lhos ou cipós) totalizando 100 armadilhas/ sua distribuição, uso da vegetação e espe- sítio. As armadilhas ficaram abertas durante cificidade de habitat (Bonvicinoet al., 2002, 10 noites consecutivas, contabilizando um DeMattia et al., 2006). Devido às várias fun- esforço de 1000 armadilhas-noite/sítio. ções ecológicas exercidas, os pequenos ma- Uma área de mata secundária atrás da co- míferos são uma ferramenta potencial para munidade do Caicubi também foi amostra- o monitoramento ambiental, pois podem da com 20 gaiolas por três noites. As arma- fornecer bases para a elaboração de estra- dilhas foram iscadas no dia anterior à coleta tégias de conservação e manejo de uma dos animais, verificadas diariamente e reco- determinada área. Assim, entender os seus lhidas após a última noite de amostragem. padrões de distribuição na paisagem, a es- Como iscas, foram utilizados ora abacaxi trutura e composição de suas comunidades, embebido em óleo de fígado de bacalhau e, em longo prazo, a dinâmica de suas po- ora banana. No total, o esforço realizado foi pulações, é de suma importância quando de 2060 armadilhas-noite. se pretende conservar a biodiversidade de Para amostragem com pitfall, foram uma região (Borges, 2007). Portanto, es- instaladas seis transectos de ~50m, sendo tudos em comunidades de pequenos ma- três em ambiente de igapó seco e três em míferos podem se tornar indicadores de ambiente de floresta de terra firme (Figura grande utilidade, subsidiando assim futuras 1). Cada transecto continha10 baldes (60 medidas conservacionistas (Borges, 2007) litros) equidistantes (para mais detalhes na região do do rio Jufari e na Amazônia ver o capítulo referente à amostragem do como um todo. grupo de herpetologia). Como método complementar de cap- Metodologia tura, alguns animais foram abatidos a tiro As coletas foram realizadas nas proximi- durante buscas ativas noturnas em dife- dades da comunidade Caicubi, à beira do rentes ambientes (igapó, floresta de terra rio Jufari, município de Caracaraí, Roraima firme e floresta secundária). Os indivíduos (ver Introdução do livro). Em cada margem, capturados foram eutanasiados de acordo a amostragem de pequenos mamíferos foi com técnicas padronizadas de coleta de pe- realizada por meio de três métodos distin- quenos mamíferos (Animal Care and Use tos: armadilhas do tipo gaiola (Sherman® Committee, 1998) e preservados segundo e Tomahawk®), armadilha de interceptação as normas de preparação e depósito da Co- e queda (“pitfall”) e busca ativa. leção de Mamíferos do INPA, instituição Para amostragem com gaiola, em cada onde o material foi depositado (número do sítio foi instalado um transecto de ~1000m protocolo de licença 17817-1).

140 Mariuá Figura 1. Localização dos transectos de ~1000m (em vermelho) onde foram instaladas 50 estações de captura equidistantes

Tabela. Espécies e número de indivíduos de pequenos Resultados e discussão mamíferos amostrados na região do rio Jufari.

Diversidade de pequenos No. de % do total de Ordem/Espécies mamíferos Indivíduos indivíduos Ao final da amostragem foram cole- Didelphimorphia Marmosa (Micoureus) tados 16 pequenos mamíferos, sendo 13 5 31,25 demerarae marsupiais (Didelphimorphia) e três ro- edores (Rodentia), classificados em sete Monodelphis brevicaudata 4 25 espécies (ver Tabela). Os marsupiais foram Didelphis marsupialis 2 12,5 representados pelos gêneros Marmosa, Mo- Didelphis aff. imperfecta 1 6,25 nodelphis, Didelphis e Metachirus, e os roedores Metachirus sp. 1 6,25 pelos gêneros Proechimys e Rhipidomys. Ape- Rodentia sar do esforço amostral utilizado não ter Proechimys quadruplicatus 1 6,25 sido o recomendado para a região (veja Rhipidomys leucodactylus 2 12,5 em Voss e Emmons, 1996), a riqueza de Total (7 espécies) 16 100 espécies foi alta quando comparada com outros estudos de mesmo porte realizados esperado em regiões sob influência de sis- na Amazônia, além de compatível com o temas de água preta.

Capítulo 8. Pequenos mamíferos não-voadores: roedores e marsupiais 141 Dois marsupiais foram coletados profu- baixa produtividade. Essa situação reflete samente (Marmosa, n = 5 e Monodelphis, n = diretamente na riqueza e densidade po- 4). Ao contrário do esperado, espécies con- pulacional da mastofauna da região. Por- sideradas comuns, como Proechimys spp. (Fi- tanto, os resultados encontrados, apesar da gura 2), o roedor mais abundante da Ama- ausência de organismos mais comuns ou zônia, teve apenas um registro (Emmons e da unicidade de outros que se sabem ser Feer, 1997). O esperado seria uma propor- comumente abundantes em levantamen- ção de coleta similar à obtida para Marmosa tos de pequenos mamíferos, não divergem (Emmons e Feer, 1997). Por outro lado, o tanto da realidade esperada. número de Monodelphis capturados − grupo relativamente raro em levantamentos desse Biogeografia e conservação de tipo − não era esperado (Voss e Emmons, pequenos mamíferos 1996). Resumindo, foi observada uma ri- queza de espécies considerável, porém em Steiner e colaboradores (2005) sugerem baixa densidade de indivíduos para cada es- tanto as fragmentações de vegetação do Mio- pécie na região. ceno, como os momentos de soerguimento O rio Jufari possui águas claras e crista- dos Andes, como causas históricas potencial- linas, no entanto, a região sofre a influên- mente envolvidas na origem e diversidade de cia das águas pretas do rio Negro. Suas di- marmosídeos, e para os grandes didelfídeos, ferenças e misturas limnológicas definem este período de diferenciação teria ocorri- a produtividade biótica desse encontro e a do mais tardiamente, durante o Plioceno. Se consequente diversidade biológica na área para a bacia Amazônica, o desenvolvimento (Ferreira e Prance, 1998). No baixo rio Ju- dos grandes rios data do Plioceno Superior fari, a diversidade é fortemente influencia- ( ≈ 2 milhões de anos antes do presente), é da pelas variações hídricas anuais. Como plausível que alguns rios funcionem como resultado disso, forma-se um complexo barreiras à dispersão secundária de popu- mosaico de habitats, com áreas de transi- lações que divergiram antes de sua ontogê- ções de campinarana e floresta ombrófila nese. Ademais, os padrões de diversificação de significativa riqueza vegetal, porém, de através de barreiras de rios podem ter expli-

Figura 2. Roedor conhecido como rato- de-espinho (Proechimys sp.), um dos roedores mais abundantes na Amazônia, mas surpreendentemente, capturado uma única vez durante a expedição. Foto: Zig Koch.

142 Mariuá cações múltiplas (e.g. Endler, 1977; 1982), Marmosa (Micoureus) demerarae (Bantel et al., podendo ser apenas o ponto de encontro de dados não publicados). Na delimitação espécies que divergiram em outras situações, dos clados, os grandes rios amazônicos no tempo e espaço. atuam como barreiras atuais ao fluxo gê- Alguns rios amazônicos reconhecida- nico das populações, com um importante mente atuam como barreiras geográficas papel na manutenção da diversidade. No para o encontro e cruzamento de diferen- entanto, outros eventos vicariantes, tais tes populações. Ao longo do tempo (mi- como elevações tectônicas, formações la- lhares de anos), essas populações podem custres e transgressões marinhas, anterio- se diferenciar o suficiente para serem con- res à formação da bacia amazônica, devem sideradas espécies distintas. Grandes rios ter atuado no isolamento e diferenciação amazônicos separam muitas espécies de dos clados observados, uma vez que nem diferentes grupos, de maneira que seus todos estão limitados a interflúvios, e a interflúvios costumam formar áreas de porcentagem de variação genética entre endemismos ao longo da bacia amazôni- clados indica uma diferenciação anterior, ca, atuando como unidades biogeográficas em milhares e milhões de anos, tanto à distintas. O reconhecimento desses limites formação da bacia amazônica, como às e divisões são extremamente importantes posteriores flutuações climáticas do Pleis- do ponto de vista conservacionista, uma toceno. As marmosas da região do rio Ju- vez que essas áreas são unidades evolutivas fari pertencem a um clado diferenciado e diferentes, que devem ser levadas em con- antigo, delimitado a sudoeste pelo rio Ne- ta na definição de áreas prioritárias para gro e ao sul pelo rio Solimões, compon- conservação (veja da Silva et al., 2001). do o grande grupo filogenético das Guia- Nesse sentido, esse capítulo dedica-se nas (Bantel et al., dados não publicados) a discutir algumas relações biogeográficas (Figura 3). atualmente estudadas em alguns grupos, Metachirus nudicaudatus (É. Geoffroy cujos exemplares coletados na expedição 1803), é ainda a única espécie reconhe- contribuíram para o aprofundamento e cida atualmente para o gênero (Gardner, melhor compreensão dos limites de diver- 2005), amplamente distribuída pela Ama- sidade amazônica. zônia e neotrópicos. No entanto, de acor- Na Amazônia, Marmosa (subgênero Mi- do com estudos baseados em dados mole- coureus) (Voss e Jansa, 2009) possui ampla culares (Patton et al., 2000; Patton e Costa, distribuição, exibindo considerável varia- 2003), populações de Metachirus apresen- ção morfológica (Emmons e Feer, 1997), tam altos níveis de divergência genética, morfométrica (Bantel, 2006) e genética com descontinuidades abruptas ao longo (da Silva e Patton, 1998; Patton et al., 2000; de sua distribuição geográfica. Análises de Costa, 2003), sugerindo tratar-se de um morfometria e morfologia, realizadas por complexo de espécies, dentro de Marmosa Vieira (2006), mostraram existir concor- (Micoureus) demerarae. A formação de clados dância entre os dados genéticos e morfo- com alta divergência genética, congruen- lógicos, separando os grupos em unidades tes com a variação morfométrica, indicam distintas, sugerindo a elevação das cinco a existência de cinco táxons distintos na subespécies de Gardner (2005) ao nível bacia amazônica, até então denominados específico e o reconhecimento dos nomes

Capítulo 8. Pequenos mamíferos não-voadores: roedores e marsupiais 143 Figura 3. Marsupial conhecido como mucura-xixica (Marmosa demerarae), capturado na região do baixo rio Jufari. Foto: Zig Koch.

disponíveis. No entanto, para o exemplar de mesmas espécies de Monodelphis. No caso coletado na região do rio Jufari, ainda não dos exemplares da região, as variações na existe um nome disponível na literatura, coloração podem estar envolvidas com as cujo clado geográfico se diferencia dos localidades de coleta nas margens opostas, demais, separado a oeste pelo rio Negro, uma vez que um transecto foi instalado ao sul pelo rio Solimões e a leste pelo rio em floresta mais fechada, e o outro em Branco. No caso do rio Jufari, os Monodel- floresta mais aberta, por exemplo. phis coletados nas margens opostas do rio As regiões dos rios de águas claras apresentaram uma visível variação nas e pretas, como é o caso da região do rio marcas e coloração da pelagem (Figura 4), Jufari, podem ser muito mais sensíveis às podendo tratar-se de populações diferen- interferências do homem, do que as regi- ciadas, embora sejam da mesma espécie, ões dos rios de água branca, com águas bar- Monodelphis brevicaudata, limitada a oeste pelo rentas, como o Solimões e o Madeira (da rio Negro, ao sul pelo rio Solimões e a les- Silva e Patton, dados não publicados), uma te pelo rio Branco (Pavan et al., 2014), tal vez que a abundância de mamíferos é me- como os limites observados para Metachirus nor nas primeiras e a sobrevivência de suas sp.. A coloração da pelagem em Monodelphis populações é potencialmente mais afetada sempre foi alvo de atenção na distinção pelo desmatamento. Essa questão é agra- taxonômica, principalmente antes do uso vada quando envolve espécies especialistas de ferramentas moleculares, onde somen- em determinados ambientes, que são ainda te elementos morfológicos eram usados mais sensíveis às alterações ambientais. Isso como caracteres sistemáticos. No entanto, reforça a necessidade de ações de conserva- Pavan e colaboradores (2014), chamam a ção voltadas para os sistemas de água preta, atenção para a influência de variáveis am- e em particular a região do rio Jufari, tendo bientais, comportamentais, sexuais e etá- em vista a aparente baixa densidade de pe- rias na coloração de diferentes exemplares quenos mamíferos na região.

144 Mariuá Figura 4. Marsupial conhecido como mucurinha (Monodelphis grupo brevicaudata). Foto: Carla Bantel.

Implicações Barreiras ao fluxo gênico – Os exemplares Conservacionistas de Monodelphis brevicaudata (Figura 5) Até este inventário, não havia conhe- coletados em margens opostas do rio Ju- cimento científico sobre a comunidade fari apresentaram uma marcante variação de pequenos mamíferos para a região do na coloração, podendo tratar-se desde uma variação ambiental até um processo baixo rio Jufari, nem sobre a importância de diferenciação entre populações. Nesse desse rio como possível barreira geográfica caso, o rio Jufari estaria atuando como para o fluxo gênico das espécies. Esse tra- barreira ao fluxo gênico entre populações, balho contribuiu com os primeiros regis- o que pode tratar-se de um importante tros de roedores e marsupiais para a região, evento na história evolutiva desse grupo com a destinação e preservação de material de marsupiais. Futuras análises mole- biológico para futuras pesquisas relaciona- culares associadas aos estudos recentes das, e aponta para a necessidade de ações de poderão esclarecer essa questão. conservação voltadas à região do rio Jufari.

Figura 5. Variação marcante em Monodelphis brevicaudata em margens opostas do baixo rio Jufari. Indivíduo à esquerda coletado na margem direita, e indivíduo à direita coletado na margem esquerda do rio. Foto: Carla Bantel.

Capítulo 8. Pequenos mamíferos não-voadores: roedores e marsupiais 145 Possíveis espécies novas – Na Amazônia, alguns grandes rios como o Negro e o Solimões separam clados do gênero Metachirus, o que tem sido confirmado tanto por análises gené- ticas (Patton et al., 2000; Patton e Costa, 2003; Costa, 2003 ) quanto morfométricas e mor- fológicas (Vieira, 2006). Para algumas áreas, no entanto, o conhecimento sobre esse grupo é muito escasso e, portanto, não existem descrições formais e denominações taxonômicas (Figura 6) − é o caso da região onde está localizado o rio Jufari. O indivíduo de Metachirus coletado durante a expedição, portanto, pode tratar-se inclusive de uma espécie nova para a ciência.

Figura 6. Distribuição atualmente proposta para Metachirus. Os pontos em área não colorida, acompanhados de interrogação, abrangem agrupamentos sem descrição morfológica e taxonômica. Modificado de Vieira (2006).

BANTEL, C.G. Distribuição de Marmosa Referências demerarae (Didelphimorphia: ANIMAL CARE AND COMMITTEE. Guidelines Didelphidae) na Bacia Amazônica: Uma Análise Morfométrica. Dissertação for the capture, handling and care of (Mestrado em Ecologia). Instituto Nacional mammals as approved by the American de Pesquisas da Amazônia, Manaus, Brasil, Society of Mammalogists. Journal of 2006, 155p. Mammalogy, v. 79, n. 4, p. 1416-1431, 1988. BONVICINO, C.R.; LINDENBERG S.M.; MAROJA, L.S. Small non-flying mammals ASQUIT, N.M.; TERBORGH, J.; ARNOLD, A.E. from conserved and altered areas of et al. The fruits the agouti ate: Himenaea atlantic forest and cerrado: comments courbaril seed fate when its disperser is on their potencial use for monitoring absent. Journal of Tropical Ecology v. 15, p. environment. Brazilian Journal of Biology, 229-235, 1999. v. 62, n. 4B, p. 765-774, 2002.

146 Mariuá BORGES, M.L. de O. A comunidade de EMMONS, L.H.; FEER, F. Neotropical pequenos mamíferos e o processo de Rainforest Mammals. A field guide. Second regeneração de palmeiras em fragmentos Edition. The University of Chicago Press, florestais isolados por água na Amazônia Chicago, 1997, 307p. Central. Dissertação (Mestrado em FERREIRA, L.V.; PRANCE, G.T. Species richness Ecologia). Instituto Nacional de Pesquisas and floristic composition in four hectares da Amazônia, Manaus, Brasil, 2007, 95p. in the Jaú National Park in upland forests BRITO, D. Lack of adequate taxonomic in Central Amazonia. Biodiversity and knowledge may hinder endemic mammal Conservation, v. 7, p. 1349-1364, 2008. conservation in the Brazilian Atlantic GARDNER, A.L. Order Didelphimorphia. In: Forest. Biodiversity and Conservation, v. Wilson, D.E.; Reeder, D.M. (Eds.). Mammal 13, p. 2135-2144, 2004. species of the world: a taxonomic and COSTA, L.P. The historical bridge between the geographic reference. 3rd ed., v. 1, Johns Amazon and the Atlantic forest of Brazil: a Hopkins University Press, Baltimore, 2005, study of molecular phylogeography with p. 3-18. small mammals. Journal of Biogeography, v. 30, p. 71-86, 2003. GRELLE, C.E.V. Is higher-taxon analysis an useful surrogate of species richness in studies of DA SILVA, M.N.F.; PATTON, J.L. Molecular Neotropical mammal diversity? Biological Phylogeography and the Evolution and Conservation, v. 108, p. 101-106, 2002. Conservation of Amazonian Mammals. Molecular Ecology, v. 7, p. 475-486, 1998. MENDES-OLIVEIRA, A.C. et al. Estudos sobre pequenos mamíferos não-voadores da DA SILVA, M.N.F.; RYLANDS. A.B.; PATTON, J.L. Amazônia Brasileira: amostragens e lacunas Biogeografia e conservação da mastofauna de conhecimento. In: Pequenos Mamíferos na floresta amazônica brasileira. In: Voadores da Amazônia Brasileira, Mendes- Capobianco, J.P.R.; Veríssimo, A.; Moreira, Oliveira, A.C. & Miranda, C.L. (org.). A.; Sawer, D.; Ikeda, S.; Pinto, L.P. (Orgs.). Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Biodiversidade na Amazônia Brasileira: Mastozoologia, 2015, 366p. avaliação e ações prioritárias para a conservação, uso sustentável e repartição PARDINI, R. Effects of forest fragmentation de benefícios. Instituto Socioambiental, São on small mammals in an Atlantic Forest Paulo, 2001, p.110-131. landscape. Biodiversity & Conservation, v. 13, p. 2567-2586, 2004. DEMATTIA, E.A. Effects of small rodents and large mammal on seed predation and PATTERSON, B.D. Patterns and trends in the seedling regeneration within primary discovery of new Neotropical mammals. and secondary Costa Rica forests. Ph.D. Diversity and Distributions, v. 6, n. 3, p. dissertation, University of Michigan, Ann 145-151, 2000. Harbor, 2004, 178p. PATTON, J.L.; DA SILVA, M.N.F.; MALCOLM, DEMATTIA, E.A.B.; et al. Effects of Small J.R. Mammals of the Rio Juruá and the Rodent and Large Mammal Exclusion evolutionary and ecological diversification of on Seedling Recruitment in Costa Rica. Amazonia. Bulletin of the American Museum Biotropica, v. 38, n. 2, p. 196-202, 2006. of Natural History, no. 244, 2000, 306p.

Capítulo 8. Pequenos mamíferos não-voadores: roedores e marsupiais 147 PATTON, J.L.; COSTA, L.P. Molecular VIEIRA, C.L.G.C. Sistemática do jupati phylogeography and species limits in Metachirus Burmeister, 1854 (Mammalia: rainforest didelphid marsupials of South Didelphimorphia). Dissertação de America. In: Jones, M.; Dickiman, C.; Mestrado. Programa de Pós-graduação em Archer, M. (Eds.). Predators with Pouches: Ciências Biológicas. Universidade Federal the biology of carnivorous marsupials. do Espírito Santo. Vitória, ES. 2006, 112p. CSIRO Publishing, Australia, Collingwood, VOSS, R.S.; EMMONS, L.H. Mammalian 2003, p. 44-52. diversity in neotropical lowland PAVAN, S.E.; JANSA, S.A.; VOSS, R.S. Molecular rainforests: a preliminary assessment. phylogeny of short-tailed opossums Bulletin of the American Museum of (Didelphidae: Monodelphis): Taxonomic Natural History, v. 230, p. 1-115, 1996. implications and tests of evolutionary VOSS, R.S.; JANSA, S.A. Phylogenetic hypotheses. Molecular Phylogenetics and relationships and classification of didelphid Evolution, v. 79, p. 199-214, 2014. marsupials, an extant radiation of New ROCHA, F.S. Efeitos da Fragmentação Florestal World metatherian mammals. Bulletin of nos Pequenos Mamíferos Não-voadores da the American Museum of Natural History, Reserva do Pontal do Paranapanema, SP, v. 322, p. 1-177. 2009. Brasil. Tese de Doutorado, Universidade de WRIGHT, S.J.; DUBER, H.C. Poachers and São Paulo, São Paulo, 2004, 130p. forest fragmentation alter seed dispersal, TAVARES, L.N.J. Efeitos de borda e do seed survival and seedling recruitment in crescimento secundário sobre pequenos the palm Attalea butyraceae, with implication mamíferos nas florestas de terra firme for tropical tree diversity. Biotropica, v. 33, da Amazônia Central. Dissertação de n. 4, p. 583-595, 2001. mestrado. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Manaus, Amazonas. 1998, 59p.

148 Mariuá

Wilson Roberto SPIRONELLO Maurício de Almeida NORONHA

Mamíferos de médio e 9 grande porte

Introdução

O Brasil possui a maior diversidade de mamíferos entre os pa- íses ocidentais (FONSECA et al., 1996; 1999), sendo que 70% das espécies ocorrem na Amazônia, com 59% de supostos endemismos. No entanto, na Amazônia as lacunas no conhecimento científico ainda são enormes (PERES, 2005). Ainda faltam informações sobre diversidade e distribuição geográfica de mamíferos, o que dificulta o estabelecimento de estratégias para a conservação (SILVA JR. e NORONHA, 1998). Com o conhecimento disponível, é difícil esta- belecer uma lista confiável de espécies de mamíferos para a região (VOSS E EMMONS, 1996; PERES, 2005). Prova disso, é o núme- ro crescente de novas espécies de mamíferos descritas nesse bioma (MITTERMEIER et al., 1992; FERRARI e LOPES, 1992; QUEIROZ, 1992; ALPERIN, 1993; SILVA JR. e NORONHA, 1998; VAN ROOS- MALEN et al., 1998; 2000; 2002; MARSH, 2014). Essa realidade é ainda mais evidente na bacia do rio Negro, onde poucos estudos foram desenvolvidos até o momento. Entre eles, po- demos citar: Ávila-Pires (1964), nas proximidades de Manaus; Silva (1996), no Parque Nacional do Jaú, e Trolle (2003), no rio Jauaperi. No que se refere à região situada ao norte do rio Negro, na mar- gem direita do rio Branco, o esforço de coleta é esporádico e a área permanece subamostrada. Nessa região, observando os traçados de distribuição conhecidos para várias espécies de pequenos e médios mamíferos, em particular primatas (Saguinus, Callicebus e Pithecia), o rio Branco desempenha um papel importante como barreira geo- gráfica. As principais teorias explicativas para este efeito de barreira é que além de sua largura, que dificulta a travessia por pequenos animais, a bacia do rio Branco possui um intrincado mosaico fito- geográfico, com áreas de savana amazônica na sua cabeceira, que agem como barreira para espécies estritamente florestais. Neste trabalho, visamos conhecer a mastofauna de médio e grande porte dos interflúvios Negro-Jufari-Branco, permitindo um melhor entendimento biogeográfico para a região Amazônica, ge- rando dessa forma subsídios para estratégias de conservação.

Capítulo 9. Mamíferos de médio e grande porte 153 turado, durante a qual os entrevistados re- Metodologia latavam a presença de mamíferos na área de Espécies esperadas influência de sua moradia e reconheciam e indicavam as diferentes espécies com base Para produzir uma lista das espécies es- nas ilustrações de Aurichio (1995), Em- peradas para a região do interflúvio Negro- mons e Feer (1997), Oliveira e Cassaro Jufari-Branco, fizemos um levantamento (2005). Em caso de dúvida, o táxon não foi bibliográfico sobre a distribuição das espé- considerado. Outras informações relevantes cies de mamíferos de médio e grande por- também foram levantadas, como: ocupa- te (massa corporal ≥ 1 kg) e seus habitats ção geradora de renda familiar, presença de preferenciais, incluindo espécies de distri- animais silvestres em cativeiro, extinções buição pouco conhecida. Essa lista serviu locais, estratégias de caça e animais mais ca- como base para a procura ativa pelas espé- cies em campo. Dentro desse levantamen- çados. As entrevistas foram realizadas com to bibliográfico, caracterizamos o status de oito representantes comunitários das loca- conservação dos táxons, com base na Lista lidades de Moura, Barcelos, Caicubi, Caju e de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada Samaúma (Fig. 1, ver localização também de Extinção (MMA, 2014) e na Lista Ver- na Introdução do livro), todos eles prati- melha da IUCN (IUCN, 2015). cantes de caça de subsistência.

Entrevistas com moradores locais Levantamentos em campo Complementamos as informações ob- Inicialmente foi feito um reconheci- tidas em campo com entrevistas aos mora- mento da região do rio Jufari, incluindo dores das comunidades da região da área arredores da vila Caicubi e vila Caju com de estudo (Fig. 1), que incluíam perguntas o objetivo de avaliar a estrutura da vegeta- sobre a diversidade faunística e uma avalia- ção, topografia e hidrologia. Essa avaliação ção do impacto de caça na região. O méto- embasou a escolha dos locais de estudo, do empregado foi uma conversa informal, de modo a amostrar os vários ambientes junto à aplicação de formulário semiestru- presentes em cada área. Os registros de

Figura 1. Entrevistas conduzidas com moradores das localidades visitadas, empregando formulários pré- estruturados e pranchas de identificação de espécies de mamíferos. Foto: W.R. Spironello. animais foram realizados durante o dia, base no levantamento bibliográfico. As ou- em trilhas pré-existentes no local, com tras espécies esperadas, mas não relatadas, extensões variando de 1 a 5 km, sempre não necessariamente estão ausentes, pois da margem do rio em direção à floresta. podem fazer parte de um grupo de espé- O trabalho consistia em caminhar a uma cies que não são utilizadas como fonte de velocidade de 1 km/h, com paradas a cada alimento, ou que, por possuírem hábitos 50 m, para maior percepção de ruídos e noturnos e crípticos não são conhecidas. movimentos dos animais. Também foram Dessas 36 espécies mencionadas como realizados censos ao longo dos rios, usan- presentes, 30 foram apontadas como “co- do canoa com motor ou remo, a uma ve- muns”, três como “pouco comuns” e uma locidade de 1 a 3 km/h. como “rara”. Um aspecto importante é que dentre as espécies “comuns”, figu- ram várias espécies ameaçadas e/ou vul- Resultados e discussão neráveis, a exemplo de ariranha (Pteronura Espécies esperadas e seu status brasiliensis – Fig. 2) e tamanduá-bandeira de conservação (Myrmecophaga tridactyla), o que pode ser um indicativo de que na área de estudo, as po- É esperado para a região focal um total pulações dessas espécies estejam saudáveis de 50 espécies de mamíferos de médio e e sofrendo pouca pressão antrópica. No grande porte, distribuídas em 10 ordens, entanto, nessa estatística não foram com- 23 famílias e 41 gêneros (ver Tabela). Des- putadas as respostas positivas para o status se total, dez encontram-se ameaçadas na de ocorrência de algumas espécies de ga- categoria de vulnerável ou quase ameaça- tos maracajás (Leopardus wiedii e Leopardus ti- das, sendo que cinco são representantes da grinus) devido a certa dificuldade, por parte ordem Carnívora (ver Tabela). Por outro dos entrevistados, de distinção entre esses lado, a maioria delas (36) possui ampla dois animais. Essa dificuldade também distribuição geográfica, ocorrendo inclu- pode resultar em subestimativa da presen- sive em outros biomas. Além disso, foi ça de pequenos felinos na área. possível notar que todas as informações As espécies mais caçadas são a paca sobre a mastofauna da calha do médio rio (Cuniculus paca) e o queixada (Tayassu peca- Negro, margem esquerda, são oriundas do ri), que foram consideradas pelos caçado- baixo e alto rio Branco e da calha do rio res como muito abundantes na região. Por Jauaperi (SILVA JR., 2001; TROLLE, 2003). outro lado, a anta (Tapirus terrestris) e a capi- Portanto, as espécies confirmadas com a vara (Hydrochaeris hydrochaeris) foram citadas observação direta (veja abaixo) nesse es- como espécies em declínio em locais sob tudo compreendem novos registros para a maior influência antrópica. margem esquerda do rio Negro. Essas informações indicam que a caça de mamíferos de médio a grande porte, Espécies esperadas com base juntamente com a caça de aves (Fig. 3), é em entrevistas uma importante fonte de proteína para a Nossos informantes relataram a exis- população local, principalmente na esta- tência de 36 espécies na região (ver Tabe- ção chuvosa. Já na época seca, os peixes e la), 28% menos do que o esperado com quelônios predominam na alimentação.

Capítulo 9. Mamíferos de médio e grande porte 155 Tabela. Espécies de mamíferos de médio e grande porte registradas e de ocorrência esperada na região do rio Jufari, incluindo seu status de conservação de acordo com a Lista de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (2014) e a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (2015): DT (dados insuficientes), NT (quase ameaçada), VU (vulnerável), EN (em perigo). Também é apresentado o status de raridade das espécies com base no conhecimento local (C = comum; PC = pouco comum; R = raro).

ORDEM-Família-Espécie Nome comum Status Entrevista Presença MARSUPIALIA Didelphidae Didelphis marsupialis Mucura C

PILOSA Myrmecophagidae Myrmecophaga tridactyla Tamaduá-bandeira VU (VU) C Tamandua tetradactyla Tamanduá-mirim C 1 Cyclopes didactylus Tamanduaí PC

Megalonychidae Bradypus variegatus Preguiça-bentinho C 1 Choloepus didactylus Preguiça-real

CINGULATA Dasypodidae Cabassous unicictus Tatu-do-rabo-mole C Dasypus kappleri Tatu-quinze-quilos C Priodontes maximus Tatu-canastra VU (VU) PC Dasypus novencinctus Tatu-galinha

PRIMATES Callithrichidae Saguinus inustus Sauim 1*

Cebidae Sapajus apella Macaco-prego Cebus albifrons Cairara Cebus olivaceus Cairara C 6 Saimiri sciureus Macaco-de-cheiro C 1

Aotidae Aotus trivirgatus Macaco-da-noite

Pithecidae Cheracebus lugens Zog-zog C Chiropotes chiropotes Cuxiú R

Atelidae Alouatta macconnelli Guariba C 6 Ateles belzebuth Macaco-aranha VU (EN)

156 Mariuá Tabela. Continuação

ORDEM-Família-Espécie Nome comum Status Entrevista Presença CARNIVORA Canidae Speothus venaticus Cachorro-do-mato-vinagre VU (NT) Cachorro-do-mato- de-orelhas- Atelocynus microtis VU (NT) curtas

Procyonidae Nasua nasua Quati C Procyon cancrivorous Mão-pelada Potos flavus Jupará C

Mustelidae Eira barbara Irara C Lutra longicaudis Lontrinha C 2 Pteronura brasiliensis Ariranha VU (EN) C 1 Galictis vittata Furão Mustela africana Furão-da-Amazônia

Felidae Leopardus pardalis Jaguatirica C Leopardus wiedii Maracajá VU (NT) Leopardus tigrinus Gato-do-mato EN (VU) Puma yagouaroundi Jaguarundi C Puma concolor Suçuarana C Panthera onca Onça-pintada VU (NT) C

PERISSODACTYLA Tapiridae Tapirus terrestris Anta (VU) C

ARTIODACTYLA Tayassuidae Pecari tajacu Caititu C Tayassu pecari Queixada C 1

Cervidae Mazama americana Veado-vermelho C 4 Mazama nemorivaga Veado-roxo C

RODENTIA Erethizontidae Coendou prehensilis Porco-espinho C

Capítulo 9. Mamíferos de médio e grande porte 157 Tabela. Continuação

ORDEM-Família-Espécie Nome comum Status Entrevista Presença Hydrochaeridae Hydrochaeris hydrochaeris Capivara PC

Agoutidae Cuniculus paca Paca C

Dasyproctidae Dasyprocta fuliginosa Cutia-preta Dasyprocta leporina Cutia-vermelha C 11

CETACEA Platanistidae Inia geoffrensis Boto-vermelho EN (DT) C

Delphinidae Sotalia fluviatilis Tucuxí C

SIRENIA Trichechidae Trichechus inunguis Peixe-boi VU (VU) C Totais 10 11 (35)

Por outro lado, a pesca exploratória de pei- (Alouatta macconnelli = 17,2%) e o veado (Ma- xes ornamentais, seguida do extrativismo zama americana = 11,4%) (ver Tabela). da castanha (Bertholletia excelsa) são uma das A ausência da confirmação das outras principais atividades geradoras de renda espécies deve-se ao pequeno esforço amos- entre as comunidades ribeirinhas visitadas tral, o que diminui as chances de registro (ver o capítulo Organização sociocultural). de espécies de baixa densidade popula- cional, espécies de comportamento crípti- Espécies registradas durante a co ou fossorial ou associadas a ambientes expedição não visitados nessa expedição. Outro fator Em 10 dias de trabalho de campo e 83 a considerar é que por motivos logísticos, km percorridos, 11 espécies de mamíferos os levantamentos de fauna foram realizados tiveram sua presença confirmada, o que em áreas próximas a povoamentos huma- representa 23% do total esperado. Com nos e, consequentemente, sob impacto de base na frequência relativa de avistamen- caça, o que pode diminuir a densidade das tos, as espécies mais abundantes são a cutia espécies ou tornar os animais mais sensí- (Dasyprocta leporina = 31,4%), o macaco- veis à presença humana, o que dificulta a cairara (Cebus olivaceus = 17,2%), o guariba sua detecção.

158 Mariuá Figura 2. Grupo de ariranhas, Pteronura brasiliensis, alarmadas pela presença de estranhos em seu território. Essa espécie é considerada ameaçada de extinção e é tida como comum pelos moradores da região. Foto: Zig Koch.

Figura 3. As aves, como itens de caça, são alternativas alimentares, principalmente durante a estação chuvosa, junto com mamíferos de médio e grande porte. Foto: W.R. Spironello.

Capítulo 9. Mamíferos de médio e grande porte 159 Implicações Carnívoros – Um grupo ameaçado. Os conservacionistas carnívoros compõem um dos grupos Os resultados obtidos comprovam a com mais espécies sob algum grau de ocorrência de uma rica mastofauna, com ameaça. Das 17 espécies esperadas para ocorrer na região, seis estão nas listas de a ressalva do pequeno esforço amostral em espécies ameaçadas de extinção: ariranha campo, que limita a avaliação da abundân- (Pteronura brasiliensis); gato-do-mato cia das espécies de mamíferos de médio e (Leopardus tigrinus); gato-maracajá grande porte. A região abriga pelo menos (Leopardus wiedii); cachorro-do-mato- nove espécies consideradas ameaçadas de vinagre (Speothos venaticos); cachorro- extinção, cujas populações, numa análise do-mato-de-orelhas-curtas (Atelocynus preliminar, aparentam estar bem represen- microtis) e onça-pintada (Panthera onca). tadas. Além disso, a área estudada contem- De modo geral, as principais ameaças para pla uma extensa área incrustada em uma carnívoros são a perda e fragmentação de matriz florestal em bom estado de conser- seu habitat, caça por retaliação − devi- vação, heterogênea, pois apresenta diversos do a prejuízos nas criações de animais ambientes naturais, e que pode permitir a domésticos − e diminuição dos estoques de presas naturais através da caça de sustentabilidade da biota e dos processos subsistência. Ao longo do rio Jufari, a caça ecológicos em uma escala de paisagem. por retaliação e para eliminação de pre- Como recomendação para o futuro, su- dadores potenciais deve exercer pressões gerimos estudos sobre o impacto da caça sobre as populações de carnívoros (Fig. 4). sobre as populações animais e a considera- A ariranha, por exemplo, é perseguida em ção cuidadosa da criação ou implantação de algumas localidades por ser considerada novas unidades de conservação na região. competidora pelos recursos pesqueiros Nesse contexto, a proposta de criação (GOMEZ e JORGENSON, 1999). Isso é da RESEX Rio Branco-Jauaperi, deveria in- preocupante por sabermos que na região cluir cuidados com a preservação dos ma- de estudo existe uma intensa atividade míferos de médio e grande porte. Por fim, pesqueira, que até vem gerando conflitos um conjunto de áreas protegidas interliga- entre moradores locais e pescadores de fora das comunidades (geleiros). das será importante para a preservação da rica diversidade de espécies da mastofauna presente nessa porção do médio rio Negro.

160 Mariuá Figura 4. Pele de jaguatirica exposta na comunidade Dom Pedro II, no arquipélago de Mariuá. Os felinos costumam ser abatidos por serem considerados predadores potenciais de animais domésticos ou de outros animais de caça de subsistência. Foto: Zig Koch.

Capítulo 9. Mamíferos de médio e grande porte 161 GÓMEZ, J.R.; JORGENSON, J.P. An Overview Referências of the Giant Otter-Fisherman Problem in ALPERIN, R. Callithrix argentata (Linnaeus, the Orinoco Basin of Colombia. IUCN 1771): Considerações taxonômicas e Otter Spec. Group Bull., v.16, n.2, p.90-96, descrição de subespécie nova. Boletim do 1999. Museu Paraense Emílio Goeldi (Sér. Zool.), IUCN. Red list of threatened species. Version v.9, n.2, p.317-328, 1993. 2016-3 AURICCHIO, P. Primatas do Brasil. São Paulo, MARSH, L.K. A Taxonomic Review of the Terra Brasilis, 1995,168p. Saki Monkeys, Pithecia Desmarest, 1804. Neotropical Primates, v.21, n.1, p.1-163, ÁVILA-PIRES, F.D. Mamíferos colecionados 2014. na região do Rio Negro, Amazonas, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi MITTERMEIER, R.A.; SCHWARZ, M.; AYRES, (nova série), v.42, p.1-23, 1964. J.M. A New Species of Marmoset, Genus Callithrix Erxleben, 1777 (Callithrichidae, BYRNE, H. et al. Phylogenetic relationships of Primates), from the Rio Maués Region, the New World titi monkeys (Callicebus): State of Amazonas, Central Brazilian first appraisal of taxonomy based on Amazonia. Goeldiana Zoologia, v.14, p.1- molecular evidence. Frontiers in Zoology, v. 17, 1992. 13, p. 10, 2016. MMA. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. EMMONS, L.C.; FEER, F. Neotropical Listas das Espécies da Fauna Brasileira Rainforest Mammals: A field guide. Ameaçadas de Extinção. 2014. Portarias Chicago, University of Chicago Press, MMA nº 444/2014 e nº 445/2014. DOU 1997, 281p. n. 245, 18 de dezembro de 2014. FERRARI, S.F.; LOPES, M.A. A new species OLIVEIRA, T.G.; CASSARO, K. Guia de of marmoset, genus Callithrix E, 1777 Campo dos Felinos do Brasil. São Paulo, (Callitrichidae, Primates), from western Instituto Pró-Carnívoros, Fundação Parque Brazilian Amazonia. Goeldiana Zoologia, Zoológico de São Paulo, 2005. v.12, p.1-3, 1992. PERES, C.A. Why we need megareserves in FONSECA, G.A.B. da et al. Lista anotada Amazonia. Conservation Biology, v.19, de mamíferos do Brasil. Conservation p.728-733, 2005. International & Fundação Biodiversitas. QUEIROZ, H.L. A new species of capuchin Conservation Biology, v.4, p.1-38, 1996. monkey, genus Cebus Erxleben, 1777 FONSECA, G.A.B. da; HERMAMMAN, G.; (Cebidae: Primates) from eastern Brazilian LEITE, Y.L.R. Macrogeography of Brazilian Amazonia. Goeldiana Zoologia, v.14, p.1- Mammals. In: EISENBERG, J.F.; REDFORD, 17. 1992. K.H. (eds.). Mammals of the Neotropics. SILVA JR, J.S. Especiação nos macacos – pregos The Central Neotropics: Equador, Peru, e cairaras, gênero Cebus Erxleben, 1777 , Brazil, v.3. Chicago and London, (Primates, Cebidae). Tese (Doutorado em The University of Chicago Press, 1999, Genética), Universidade Federal do Rio de p.549-563. Janeiro, Rio de Janeiro, 2001, 377p.

162 Mariuá SILVA JR, J.S.; NORONHA, M.A. On a new VAN ROOSMALEN, M.G.M. et al. Two new species of bare-eared marmoset, genus species of marmoset, genus Callithrix Callithrix Erxleben, 1777, from Central Erxleben, 1777 (Callithrichidae, Primates) Amazonia, Brazil (Primates, Callitrichidae). from the Tapajós/Madeira interfluvium, Goeldiana Zoologia, v.21, p.1-28, 1998. South Central Amazonia, Brazil. Neotropical Primates, v.8, n.1, p.2-18, SILVA, M.N. Pequenos mamíferos do Parque 2000. Nacional do Jaú. Relatório não publicado. Fundação Vitória Amazônica-FVA, Manaus. VAN ROOSMALEN, M.G.M.; VAN 1996. ROOSMALEN, T.; MITTERMEIER, R.A. A taxonomic review of the titi monkeys, TROLLE, M. Mammal survey in the Rio genus Callicebus Thomas, 1903, with the Jauaperí region, Rio Negro Basin, the description of two new species, Callicebus Amazon, Brazil. Mammalia, v.67, n.1, bernhardi and Callicebus stephennashi, from p.75-83, 2003. Brazilian Amazonia. Neotropical Primates, VAN ROOSMALEN, M.G.M. et al. A New v.10 (suppl.), p.1-46, 2002. and Distinctive Species of Marmoset VOSS, R.S.; EMMONS, L.H. Mammalian (Callitrichidae, Primates) from the Lower diversity in Neotropical lowland rainforest: Rio Aripuanã, State of Amazonas Central a preliminary assessment. Bulletin of the Brazilian Amazonia. Goeldiana Zoologia, American Museum of Natural History, v.22, p.1-27, 1998. v.230, p.1-115, 1996.

Maria do Perpétuo Socorro Rodrigues CHAVES Adriana Pereira CASTILHO Andréia Lima de SOUZA Caroline Nascimento ARAÚJO Marcelo Gustavo Aguilar CALEGARE Maria Erica Laborda da COSTA Talita de Melo LIRA Silvana Compton BARROSO

Organização Sociocultural e Gestão dos Recursos 10 Naturais

Introdução

A Amazônia é uma extensa área que adentra vários países da América do Sul, abriga grandes metrópoles e pequenos agrupamen- tos humanos, onde vivem diferentes grupos étnicos dentre os quais: comunidades indígenas que lutam pela preservação de suas cultu- ras, remanescentes de quilombos do século XIX, migrantes nordes- tinos que resistiram ao declínio do ciclo da borracha (primeira me- tade do século XX) e incontáveis comunidades de ribeirinhos que conservam tradições amazônicas por gerações. O modus vivendi (modo de vida) das populações amazônicas faz parte de um processo com base na cultura das populações indígenas, herdando delas diferentes elementos valorativos e tecnológicos. As populações tradicionais aqui estudadas, da região do médio rio Negro, arquipélago de Mariuá e baixo rio Jufari, instituíram no processo histórico formas peculiares de convívio com a natureza, enfrentando as condições ambientais e compatibilizando a explo- ração dos recursos locais com sua conservação. Essas populações experimentam formas de adaptação complexas, construindo me- canismos e estratégias de sobrevivência em vista das dificuldades que se interpõem pela precariedade e/ou falta de acesso a bens e serviços sociais. Para conhecimento da realidade socioeconômica e ambiental destas populações, realizou-se o diagnóstico socioeconômico na Ex- pedição Mariuá-Jauaperí no arquipélago de Mariuá, com o objeti- vo de caracterizar as condições de vida das comunidades estudadas, relacionando os aspectos socioeconômicos e ambientais, de forma a quantificar e qualificar as informações obtidas sobre as atividades produtivas, as formas de uso dos recursos naturais e o acesso a bens e serviços sociais nas comunidades abrangidas pelo estudo. O estudo foi realizado em sete comunidades no município de Barcelos (Vila de Moura, Dom Pedro, Cauburis, Santa Luzia, Carvo- eiro, Caju), e uma comunidade no município de Caracaraí, Estado de Roraima (Caicubi), com exceção das comunidades do Caju e Caicubi, pertencentes ao baixo rio Jufari, todas estão localizadas na margem direita do rio Negro, da região do baixo curso do arquipé- lago de Mariuá. O critério de seleção dessas comunidades correspondeu ao nú- mero de maior de habitantes e também melhor acessibilidade e dis- ponibilidade dos moradores, em participar da pesquisa.

Capítulo 10. Organização Sociocultural e Gestão dos Recursos Naturais 167 Metodologia Resultados Foi empregada a metodologia de pes- Neste estudo concebe-se à Amazônia quisa participante, baseada na coleta de na sua heterogeneidade, seja em relação à informações de natureza quantitativa e natureza, seja no que tange aos processos qualitativa, para a qual foi montada uma sociais e econômicos e, principalmente, estrutura operacional composta por três dos mosaicos socioculturais que com- fases: põem a região. Nesse estudo, discute-se em caráter exploratório as condições de FASE I: Planejamento da viagem, vida dos moradores do médio rio Negro, submissão do projeto ao Comitê de partícipes da pesquisa. Ética em Pesquisa/UFAM, preparação As questões postas são fundamentais dos instrumentais de coleta de dados, no sentido de nortear a busca para conhe- contatos institucionais, pesquisa cer a complexa dinâmica em que vivem documental e pesquisa bibliográfica; as populações tradicionais da Amazônia no arquipélago de Mariuá. Nesse sentido, Realização da pesquisa de FASE II: o desafio que se apresenta no presente es- campo. Foi utilizado um conjunto de tudo, em que pese seus limites, é produzir técnicas e instrumentos de coleta de conhecimento sobre as condições de vida informações, que variaram em cada das comunidades abrangidas na pesqui- comunidade em função das necessidades sa de maneira que os resultados possam e interesses do público envolvido nas fornecer informações qualificadas sobre ações, visando atender à dinamicidade as populações locais, fornecendo suporte da realidade vigente: formulário para que o poder público formule políti- sócio-econômico, formulário de infra- cas públicas compatíveis com as necessi- estrutura da comunidade, entrevistas dades interesses deste segmento. semi-estruturadas, registro fonográfico Na realidade específica das comuni- e fotográfico, registro em caderno de dades envolvidas no estudo, o único meio campo, observação direta (sistemática e de acesso às comunidades visitadas é por assistemática), dinâmicas de abordagem via fluvial, com exceção da vila de Moura, grupal e confecção de mapas cognitivos. que também é acessível por via aérea, em Dentre as técnicas de abordagem, foram vôo não comercial. O tempo de percurso realizadas ações sócio-educativas com de cada comunidade até o município de idosos, adultos, jovens e crianças, para Barcelos varia conforme o tipo de embar- identificar a percepção em relação à cação e motor utilizado e está resumido comunidade, às atividades locais e às na tabela 1. relações sócio-culturais vigentes. Dentre as sete comunidades, pelo me- nos duas, Santa Luzia e Cauburis, possuem FASE III: Organização, sistematização e moradores pertencentes a grupos indí- análise das informações quantitativas, genas, além de brancos e ribeirinhos. Em elaboração de um banco de dados, análise Santa Luzia identificamos pessoas das etnias de conteúdo das informações qualitativas. Baré, Tucano e Baniwa e em Cauburis po-

168 Mariuá pulações das etnias Baré, Tukano, Arapaso, nidades. Apesar de apenas duas comuni- Cilcytapuia, Piratapuia e Baniwa. dades não possuírem posto de saúde, no Entrevistamos 117 famílias, de um total geral o atendimento é precário. A grande de 261 ao longo do baixo curso do arqui- maioria dos moradores das comunidades pélago de Mariuá e no rio Jufari, e consta- segue a religião católica ou evangélica. tamos a presença de aproximadamente 997 As principais atividades econômicas es- habitantes nestas comunidades (Tab. 2). tão relacionadas a comercialização de pro- As comunidades possuem uma grande dutos agrícolas e a de peixes ornamentais variação de quantidade de moradores ao (Tab. 4). Em Moura, constatamos o proble- longo dos anos, podendo atrair ou moti- ma da comercialização ilegal de quelônios. var o abandono para obterem acesso à in- Cerca de 70% dos moradores sobrevivem fraestrutura. O ensino precário ou a falta com uma renda inferior a um salário mí- de oportunidades de estudos é o principal nimo. Outras fontes de renda citadas pelos motivo de abandono das comunidades. moradores foram o Bolsa Família e a apo- Como podemos perceber na tabela 3, qua- sentadoria. Os principais problemas que as tro das sete comunidades oferecem estu- comunidades enfrentam estão relacionados dos até a 4ª série do ensino fundamental. à falta de infraestrutura e a invasão de barcos A saúde é a segunda prioridade nas comu- de pesca os chamados “geleiros”.

Tabela 1. Distância das comunidades à sede de Barcelos e principal meio de transporte utilizado. Comunidade Distância (km) Transporte Tempo aproximado Santa Luzia 10 Rabeta* 2h Dom Pedro II 25 Rabeta 4h Cauburis 50 Rabeta 6h Carvoeiro 110 Barco recreio de linha 10h Moura 180 Barco recreio de linha 12h Caicubi 170 Barco tipo batelão 18h Caju 220 Barco tipo batelão 24h

Fonte: Levantamento socioeconômico durante a expedição Mariuá-Jauaperi 2008. * = Motor monocilíndrico, 4 tempos à gasolina, com potência de 5,5 CV.

Tabela 2. Número de famílias e moradores residentes nas comunidades visitadas. Famílias Famílias Total de Municípios Comunidades entrevistadas existentes moradores Dom Pedro II 07 08 35 Cauburis 07 07 50 Santa Luzia 03 03 20 Barcelos/AM Carvoeiro 14 32 66 Caju 06 06 26 Moura 30 105 300 Caracaraí/RR Caicubi 50 100 500 Total - 117 261 997

Fonte: Levantamento socioeconômico durante a expedição Mariuá-Jauaperi, 2008.

Capítulo 10. Organização Sociocultural e Gestão dos Recursos Naturais 169 Tabela 3. Infraestrutura existente nas comunidades. Comunidades Escola Igreja Radiofonia Motor de luz Posto de saúde Santa Luzia 4ª série* Católica Não Não Não Dom Pedro II 4ª série* Evangélica Não Sim Sim Cauburis 4ª série* Católica Sim Sim Sim Carvoeiro 6ª série* Católica e Evangélica Sim Sim Sim Moura 1 e 2º ano** Católica Sim Sim Sim Caicubi 8ª série* Católica e Evangélica Sim Sim Sim Caju 4ª série* Católica Sim Sim Não

Fonte: Levantamento socioeconômico durante a expedição Mariuá-Jauaperi, 2008. * Referente ao ensino fundamental, ** Referente ao ensino médio.

Tabela 4. Relação das principais atividades econômicas. Comunidades Atividade Econômica Problemas apontados Santa Luzia Agricultura Falta de infraestrutura Dom Pedro II Agricultura e pesca (peixes ornamentais) Falta de infraestrutura Falta de infraestrutura e invasão de Cauburis Agricultura pesca e extrativismo barcos geleiros Carvoeiro Agricultura e pesca Alcoolismo e perda cultural Moura Pesca de quelônios Dificuldade na organização comunitária Caicubi Pesca (Peixes ornamentais) Invasão de barcos geleiros Caju Pesca (Peixes ornamentais) Falta de infraestrutura

Fonte: Levantamento socioeconômico durante a expedição Mariuá-Jauaperi, 2008

Durante a semana, os moradores se possuindo apenas três famílias, porém num agrupam na realização de atividades pro- total de 20 habitantes. A comunidade foi dutivas. O domingo é reservado para as fa- fundada por Sofia, atualmente com 89 anos. mílias descansarem e se reunirem em torno Sofia diz que o nome se deve à padroeira da confraternização, almoçando juntos e da comunidade, o que expressa a sua fé re- praticando algum tipo de esporte, como o ligiosa. Contudo, a comunidade não possui voleibol e o futebol. Todas as comunidades igreja, gerador e nem posto de saúde. Santa possuem pelo menos um campo de futebol. Luzia é atendida pelo pólo de Cauburis, mas No campo imaginário, os comuni- moradores comentam que faz algum tem- tários acreditam na cobra grande e no po que estão desassistidos. Para minimizar curupira. Segundo informações dos co- esta carência, utilizam ervas medicinais da munitários, quando caçam na mata para floresta para cura de doenças. Moradores se se alimentar, o curupira sempre aparece. sentem abandonados pelas autoridades e co- mentam que, quando aparecem é para pedir Comunidade de Santa Luzia voto durante os períodos eleitorais. Apesar Dentre as comunidades estudadas, é a de poucos habitantes, possui uma escola que se localiza mais próxima de Barcelos, que funciona até o 5º ano do ensino fun- apenas 2h em barco com motor de popa damental I e congrega um número expres- chamado localmente de “rabeta” (5 HP). sivo de 14 alunos, entre a idade de 6 a 14 Essa é uma comunidade de pequeno porte, anos. Podemos perceber que a comunidade

170 Mariuá é constituída majoritariamente por crianças. cará e maxixe. Estes produtos são comer- A infraestrutura da comunidade é formada cializados em Barcelos e na própria co- por escola com ensino multisseriado do 1º munidade. A caça e a pesca são praticadas ao 5º ano, campo de futebol e igreja Cató- apenas para subsistência. lica, como pode ser visualizado na figura 1. Esta comunidade é um grande grupo A agricultura é a atividade econômi- familiar, com vários núcleos, no qual a ca predominante (100% dos entrevistados Dona Sofia é a matriarca. Aos domingos a praticam essa atividade), com destaque comunidade se reúne para comer algum para a farinha, banana, abacaxi, macaxeira, animal de caça e jogar futebol.

A B

Figura 1. Mapa Cognitivo da Infraestrutura e usos dos recursos na Comunidade Santa Luzia. Fonte: Levantamento socioeconômico durante a expedição Mariuá-Jauaperi, 2008.

Comunidade Dom Pedro II plantada, outras famílias chegaram para compor a comunidade. Esta escola funcio- Existem 35 moradores nesta comuni- na do 1º ao 5º ano (Ensino Fundamental I) dade, pertencentes a oito famílias que vi- com várias séries funcionando simultane- vem em casas feitas de madeira e palha. amente (multisseriada). A falta do ensino Esta comunidade está localizada na mar- fundamental completo obrigou a maioria gem direita do rio Negro, nas proximida- des da comunidade do Lago Grande e de das famílias a se deslocarem para Barcelos. Cauburis. O nome se deve a um barco que De sessenta crianças no passado, hoje em naufragou no igarapé que dá acesso a co- dia existem apenas cinco. munidade, cujo nome era Dom Pedro II. As duas principais atividades eco- Ainda hoje é possível encontra resquícios nômicas praticadas pelos moradores são deste barco. a agricultura (43%) e a pesca de peixes Dom Pedro II surgiu a partir da cons- ornamentais (43%). Dentre os produtos trução de uma escola no local, pois antes, agrícolas, os de maior escala de produ- para terem acesso à formação escolar, as ção são a farinha e o abacaxi. A pesca dos crianças precisavam se deslocar até a sede peixes ornamentais vem se reduzindo nos do município. Assim que a escola foi im- últimos anos, pois a demanda dos atra-

Capítulo 10. Organização Sociocultural e Gestão dos Recursos Naturais 171 vessadores diminuiu, explica o Sr. Gilson, para os comunitários e são locais de pesca pescador e morador da comunidade. e coleta de ovos de tracajá para o consumo. No mapa cognitivo (Fig. 2) percebe- Essa comunidade possui uma igreja mos o desenho de três ilhas. A ilha do Pre- evangélica, fugindo dos padrões das de- to é assim chamada porque nela encon- mais comunidades nesse quesito, pois o traram o corpo sem vida de um homem que predomina é a religião católica. Nos negro. Esta ilha serve como ponto de refe- demais itens, a comunidade se assemelha às outras, possuindo um posto de saúde rência para pesca dos comunitários. A ilha precário, com poucos medicamentos. O da Bexiga se deve a uma grande endemia gerador existente não funciona com fre- que ocorreu na comunidade, onde pessoas quência, pois o diesel necessário para o doentes, com inchaço nas áreas abdomi- seu funcionamento, com preço médio de nais, eram levadas até esta ilha para morre- R$ 2,00 o litro, na época, é custeado pelos rem e não contaminar os demais. A ilha do próprios moradores. A água utilizada para Depósito era um local onde se armazenava consumo e higiene pessoal é coletada di- lenha e ovos de tracajá para serem vendi- retamente do rio. Alguns moradores tam- dos a barcos que transitavam pelo local. bém utilizam água da chuva para beber, Estas ilhas representam marcos históricos mas não é o usual.

A B

Figura 2. Mapa da infraestrura e uso dos recursos. Fonte: Levantamento socioeconômico durante a expedição Mariuá-Jauaperi, 2008.

Comunidade de Cauburis um índio, sua língua e etnia. Nela vivem 50 pessoas distribuídas em sete casas, todas Localiza-se na mesma margem que feitas de madeira e cobertas com palha. Dom Pedro II pouco depois do Lago Gran- A comunidade possui uma escola para de e está a aproximadamente 6 h de rabeta alunos do 1º ao 5º ano, na forma de ensi- de Barcelos, ou cerca de 50 km. Esta co- no multisseriada. No início eram 10 alu- munidade é habitada por descendentes in- nos e atualmente conta com 17, incluindo dígenas (Tucano, Baniwa, Baré, Cilcytapuia alunos de comunidades e sítios próximos. e Arapaso), fundada no ano de 2003, e pos- Porém, com frequência falta combustível sui este nome por representar o nome de para trazer alunos de outras localidades.

172 Mariuá Um dos objetivos estabelecidos pela das à profissão de agricultor (66%), mas liderança é conseguir levar o ensino médio também como pescador (17%) e extrati- para a comunidade e suprir o problema de vista (17%). Pode-se dizer que o reconhe- transporte, evitando a evasão escolar e a cimento de si mesmos, ao mesmo tempo emigração de famílias para Barcelos. Outro como agricultores, pescadores e extrati- problema grave é a desagregação familiar, vistas evidencia a polivalência como uma pois muitas famílias deixam seus filhos característica marcante dessas populações em Barcelos com parentes, não possuindo indígenas e ribeirinhas. condições financeiras para manterem toda Existem conflitos com a prefeitura, a família morando por lá. pois alegam que esta não cumpre com Cauburis possui um pólo base de saú- as obrigações de manter bens e serviços de, no qual trabalham quatro profissionais sociais, e também com a invasão de bar- técnicos e um enfermeiro, que também cos geleiros, que caçam, principalmente atende comunidades próximas. Diferen- bichos de casco (quelônios), e pescam de te das demais comunidades, nesta há boa forma predatória. Ressaltam que com isso, disponibilidade de medicamentos. A boa os animais estão se tornando mais escassos assistência na saúde foi considerada pelos e também que recebem ameaças dos trafi- moradores como a maior conquista da co- cantes, caso façam denúncias. Nota-se no munidade. Ademais, a comunidade possui mapa (Fig. 3) de uso dos recursos que um uma radiofonia em funcionamento duran- dos locais onde a caça é praticada está lo- te 24h. Em caso de emergência, utilizam a calizada atrás da comunidade, na mata fe- radiofonia para solicitar auxílio e uma lan- chada. Dentre os animais caçados, apenas cha se desloca da cidade de Barcelos para para subsistência, mencionam os porcos, atender os moradores. veados, cotias, macacos, entre outros. A comunidade possui um gerador de A farinha, a banana e o abacaxi são os energia à diesel, que atende todas as fa- principais produtos cultivados em maior mílias. Similar às outras comunidades, os escala para comércio, mas também produ- moradores rateiam o custo do combustí- zem a goma, biju, cupuaçu, laranja, cana- vel, cerca de 4 litros por dia ou R$ 8,00, de-açúcar, cará, castanha, mandioca (com na ocasião. A água utilizada vem direta- alta concentração de ácido cianídrico e mente do rio, não possuindo nenhuma utilizada apenas na fabricação de farinha, forma de encanamento. O hipoclorito é goma e tucupi) e macaxeira (mandioca recusado no tratamento da água devido ao com menor concentração de ácido cianí- sabor desagradável. drico e utilizada no consumo após cozi- Segundo relato do líder comunitário, mento e fritura). os moradores de Cauburis gostam de mo- Os comunitários possuem pequenas rar na comunidade por ter o peixe, caça criações de galinha, pato e gado. Coletam e farinha sempre frescos. Além disso, o castanha para consumo e venda. A pesca é sustento depende de seus esforços e di- realizada somente para consumo. zem não precisarem de muito dinheiro Os moradores relatam que todos os para viver, como é no caso dos moradores domingos frequentam a comunidade de da cidade. Os moradores de Cauburis se Lago Grande. Em frente às duas comuni- identificam com as características associa- dades está a ilha do Batista, que é a maior

Capítulo 10. Organização Sociocultural e Gestão dos Recursos Naturais 173 A B

Figura 3. Mapa Cognitivo da Infraestrutura e usos dos recursos na Comunidade Cauburis. Fonte: Levantamento socioeconômico durante a expedição Mariuá-Jauaperi, 2008.

ilha, local preferido para a pesca. Na praia nome, a comunidade tornou-se conhecida do Barco, os comunitários coletam ovos por Carvoeiro, mesmo não possuindo ne- de tartaruga. Essa ilha possui este nome nhuma referência ao carvão. devido a um barco de portugueses que ali A comunidade possui 32 casas, em encalhou tempos atrás. que vivem 66 moradores. O líder comuni- Também foram citadas as ilhas do Fi- tário, Sr. Nelson, conta que boa parte dos deli, do Aliaque, da Mariana e do Papagaio. moradores antigos já não vivem mais na As ilhas do Fideli e do Papagaio é onde vila e houve uma renovação das pessoas. ocorre a maioria das pescas. A ilha da Ma- A vila possui um parque, banheiros e riana é intocada pelos moradores, pois telefones públicos, delegacia, caixa d´água, dizem que é encantada, e que a Mariana iluminação pública e sede social; infraes- segura as embarcações de pessoas que truturas que não são comumente encon- querem depredar a natureza deste local. tradas nas comunidades próximas. Ainda Este mito serve como mecanismo de pro- assim, moradores apontam a necessidade teção aos recursos desta ilha, limitando a em adquirir um barco comunitário, que entrada de pessoas e criando regras para os sirva para o escoamento da produção e próprios comunitários. para transportar os comunitários para os festejos nas comunidades vizinhas, e local Comunidade de Carvoeiro para conservar o pescado e armazenar pol- pas de frutas. Carvoeiro está a aproximadamente 10 Na escola, cinco professores lecionam horas de recreio de Barcelos, principal meio classes do 1º ao 6º ano do ensino funda- de transporte para os comunitários acessa- mental I. A diretora menciona que a quan- rem a sede do município. A vila de Carvo- tidade de merenda escolar não é suficiente eiro tem cerca de 360 anos, sendo uma das nem para 15 dias e que o ensino também mais antigas do município. De acordo com é prejudicado pela precariedade dos mate- informações das lideranças comunitárias, riais didáticos. região era rica em cravos e o nome original Existe um posto de saúde com poucos era Cravoeiro, no entanto, devido a pronún- remédios disponíveis. Possuem também cia das pessoas e pela grafia errada desse radiofonia, utilizada para chamar o atendi-

174 Mariuá mento de Barcelos. A energia é fornecida por animais de caça estão se tornando mais es- gerador e funciona das 12 às 18 h, financia- cassos nas matas próximas da comunidade. dos pelo programa federal Luz para Todos. Em relação aos produtos cultivados Cerca de 90% das casas recebem luz elétrica. para comércio, mencionam mandioca, A água consumida para uso domésti- banana, cará, pupunha, goma, abacate, li- co e higiene pessoal, diferenciando-se das mão, laranja e o cupuaçu. Estes produtos outras comunidades, vem de poço artesia- são vendidos tanto na sede quando na pró- no e cerca de 60% possui fossa sanitária. pria comunidade. Contudo, mais de 50% Metade da população segue a religião dos moradores possuem renda relacionada católica e a outra metade a evangélica. Se- a cargos públicos, aposentadoria ou Bolsa gundo Sr. Nelson, já não existem muitos Família e 21% dos informantes disseram mitos e lendas, uma vez que a maioria não possuir renda. dos moradores não é da localidade. Este também é o motivo pelo qual boa parte Comunidade de Caicubi da população prefere comprar produtos a Essa comunidade está localizada na praticar a agricultura ou a pesca. Frequen- margem esquerda do rio Jufari e é a única temente, faltam produtos na taberna para que não pertence ao município de Barce- atender as necessidades dos comunitários. los, mas ao município de Caracaraí, estado O alcoolismo é um desencadeador de de Roraima. Para se chegar até a sede do violência nesta e em outras comunidades município de Caracaraí, leva-se em média vizinhas. Duas pessoas já foram mortas 2 h de “voadeira”, num motor 40 HP. decorrentes de brigas durante o estado de A comunidade possui 100 casas e um embriaguez de alguns comunitários. total de 500 pessoas, a maior população Moradores pescam para subsistência, dentre as comunidades visitadas e possui principalmente o tucunaré e o pacu, e re- uma infraestrutura considerada boa, in- tiram ovos de bicho de casco (quelônios) cluindo 5 telefones públicos, 5 campos para consumo. No mapa cognitivo (Fig. 4) de futebol, 1 campo de voleibol, 1 sede há a representação de uma anta, animal social, 1 barco comunitário, 1 escola e 1 apreciado como caça, mas, no entanto, posto de saúde em alvenaria.

A B

Figura 4. Mapa Cognitivo da Infraestrutura e usos dos recursos na Vila de Carvoeiro. Fonte: Levantamento socioeconômico durante a expedição Mariuá-Jauaperi, 2008.

Capítulo 10. Organização Sociocultural e Gestão dos Recursos Naturais 175 Mais de 80% dos entrevistados afirma- casas utilizam água do poço artesiano para ram ser alfabetizados, sabendo ler e escre- beber e para o uso doméstico. Apesar de ver, número elevado em comparação com existirem 500 moradores, a comunidade as outras comunidades que possuem cerca não possui saneamento básico e apenas de 50%, ou menos, destas habilidades. A 42% possui fossa fechada. Existem quatro média de constituição dos grupos domés- igrejas em Caicubi, sendo duas católicas ticos, no entanto, se manteve com cerca de e duas evangélicas. A principal atividade seis membros, comparável às outras co- de lazer é o futebol, que é realizado dia- munidades visitadas. riamente, sempre nos finais de tarde com Caicubi possui apenas uma escola, mas uma grande participação dos jovens da co- com boa estrutura física em alvenaria), dis- munidade, como poder ser identificado na põe de 10 professores e atende alunos até o Figura 5. ensino fundamental completo. Alunos que Diferentemente das outras comuni- desejam ter acesso ao ensino médio são dades, Caicubi possui duas associações, a obrigados a se deslocarem para Caracaraí. Associação de Pais e Mestres (APM) e a As- A comunidade possui um posto de saúde, sociação Comunitária (AC). A APM possui com quatro profissionais trabalhando. Con- 30 sócios, que pagam uma mensalidade siderando o grande porte da comunidade, de R$ 2,00 por pessoa, que é repassada o presidente da associação comunitária, Sr. para a escola. A AC é a associação dos mo- Alberto, menciona que frequentemente fal- radores da comunidade, que repassam R$ tam medicamentos, assim como meios de 3,00 mensalmente. Com esta arrecadação, transportes eficazes, pois a demanda por foi possível a construção da sede comuni- serviço de saúde é grande. tária. A AC também conta possui parceria O fornecimento de energia está sob com o SEBRAE. a responsabilidade do programa Luz para O que mais se destaca como atividade Todos. O gerador fornece energia duran- profissional é a agricultura e a pesca. Cerca te um período de 12h diariamente, para de 30% considera a pesca a principal ati- um total de 97 casas. Cerca de 98% das vidade de renda, especialmente a pesca de

Figura 5. Mapa Cognitivo da Infraestrutura e usos dos recursos na Comunidade Caicubi. Fonte: Levantamento socioeconômico durante a expedição Mariuá- Jauaperi, 2008.

176 Mariuá peixes ornamentais. Cerca de 24% depende garantir o atendimento às necessidades da da agricultura e 44% é de funcionários da comunidade, dentre as medidas sugeridas escola e outras instituições públicas locais. destaca-se: a) não pescar o peixe no perí- Os grupos domésticos que sobrevivem odo de reprodução dos mesmos (defeso); da agricultura cultivam principalmente b) criar uma fábrica de gelo, porque vai banana, cupuaçu, abacaxi e cana-de-açú- facilitar a pesca em locais mais distantes car, mas também foram citados a mandio- para os comunitários; c) criar uma fábrica ca, o cará, a macaxeira, a cebolinha, a pi- de castanha, pois a castanha é uma poten- menta e o jerimum. cialidade no Rio Jufari. A pesca de peixes ornamentais é uma das principais práticas comerciais, no Comunidade do Caju entanto, esta atividade vem diminuindo A comunidade está localizada na mar- significativamente a cada ano. Segundo gem direita do rio Jufari. O presidente e relatos, esta diminuição está associada ao fundador é o Sr. Francisco, que em entre- crescimento do esforço de pesca pelo nú- vista relatou que, como o local possuía mero crescente de indivíduos envolvidos muitos pés de caju, batizaram a comuni- nesta prática, caindo o preço pelo volu- dade com este nome. O barco leva cerca de me de oferta. Não há uma organização 24 h para chegar até a sede do município coletiva dos pescadores, predominando a de Barcelos. competição. Mencionaram também que Caju possui 11 casas, todas feitas de ocorre uma grande perda de peixes entre madeira e cobertas com palha, porém sete o processo de coleta e de comercialização, delas estavam fechadas, haja vista que as fa- gerando um impacto fortemente negativo mílias se mudaram para a sede do municí- sobre este recurso. Segundo o Sr. Dejard, pio. Atualmente, apenas seis famílias vivem morador e pescador, o milheiro de peixes na comunidade totalizando 26 pessoas. ornamentais é vendido a R$ 10,00 para os No mapa cognitivo da comunida- atravessadores, que o revende em Manaus de (Fig. 6), percebe-se a importância do por 20 a 25 reais. rio, ocupando a maior área do desenho. Caicubi demonstra maior esforço e Também se observa o destaque no dese- preocupação com a conservação e o mane- nho para a figura do pescador, com o qual jo dos recursos locais. Por assumir esta po- eles se identificam, apesar de que, para se sição, vivencia conflitos em relação às áreas aposentarem, devem se apresentar como de pesca. Pescadores locais mencionam que agricultores. barcos geleiros invadem o rio Jufari e pra- A comunidade possui uma escola que ticam a pesca predatória, prejudicando os funciona até o 5º ano, no sistema multis- peixes que vivem no rio e as áreas de coleta seriado. O professor, porém, não vive na da comunidade. Mesmo sem possuir equi- comunidade e já fazia dois meses que as pamentos adequados, os comunitários se crianças estavam sem aula devido a ausên- veem obrigados a subir o rio, uma vez que cia do professor. Os pais demonstravam os peixes das áreas próximas, como a Baia preocupação, pois os alunos estavam em do Arapari, estão diminuindo. risco de perder o ano letivo. Ademais, a es- Os moradores indicam algumas alter- cola não possui merenda escolar e tampou- nativas que consideram importantes para co materiais didáticos.

Capítulo 10. Organização Sociocultural e Gestão dos Recursos Naturais 177 Figura 6. Mapa Cognitivo da Infraestrutura e usos dos recursos na Comunidade Caju Fonte: Levantamento socioeconômico durante a expedição Mariuá- Jauaperi, 2008.

Não existe posto de saúde, o atendi- os mantém e 33% possui salário de fun- mento médico é feito na casa do agente cionário público. Os principais produtos comunitário de saúde. Poucos medica- cultivados para consumo são banana, ca- mentos estão disponíveis e em caso de na-de-açúcar, cupuaçu, abacaxi, taioba, emergência, utilizam a radiofonia para so- mandioca, cará e macaxeira, com exceção licitar a assistência de Barcelos. da mandioca que também é vendida. A A comunidade possui um gerador a principal atividade econômica é a pesca diesel, doado por uma empresa de pesca de peixes ornamentais, vendidos para os esportiva, que também paga à comunida- atravessadores na própria comunidade. de o equivalente a 16 mil reais por ano, como compensação por pescarem na re- Vila de Moura gião, recurso utilizado para custear as des- A vila possui a segunda maior popu- pesas de compra de diesel. lação dentre os locais de pesquisa, com Apesar de existir uma caixa d´água com cerca de 300 moradores, distribuídas em poço artesiano, uma peça quebrada impos- 105 casas feitas na sua maioria de madeira sibilita a sua utilização e os moradores cap- e cobertas por telhas. Moura se localiza na tam água do rio para o consumo e uso do- margem direita do rio Negro, pouco abai- méstico. Inexiste saneamento básico. xo do limite do arquipélago, próximo à foz Os comunitários são todos católicos e do rio Branco. A vila possui uma escola que frequentam a igreja que tem como padro- mantém alunos desde a alfabetização até o eiro Santo Antônio. Os moradores partici- ensino fundamental completo. Além da es- pam de festas religiosas da comunidade, ou cola, Moura possui o Ensino Jovens e Adul- em comunidades vizinhas, e realizam jogos tos (EJA), com turmas de 1º e 2º ano do de futebol e vôlei como atividades de lazer. ensino médio, no modelo semi-presencial. 68% depende da pesca para seu sus- As casas da vila são abastecidas com tento, 33% afirmou que a aposentadoria água encanada que, no entanto, é retirada

178 Mariuá diretamente do rio e não recebe nenhum que não fazíamos parte de nenhuma insti- tratamento, nem mesmo a utilização do tuição fiscalizadora. Ainda assim, a descon- hipoclorito, pois os comunitários recla- fiança persistiu, tamanho o envolvimento mam que a água fica com sabor desagra- com atividades ilegais, forçando a interrup- dável. O melhor serviço existente é o for- ção dos trabalhos da equipe neste local. necimento de energia elétrica por 24 h, situação muito rara entre as comunidades ribeirinhas da região. Considerações Finais A comunidade possui um posto de saú- No estudo foi possível constatar que a de que atende a população durante toda a necessidade de acesso à escola tem sido o semana, dispondo de uma enfermeira e um fator mobilizador para formação e organi- agente de saúde, no entanto o posto pos- zação de comunidades no meio rural do sui apenas medicamentos básicos e simi- estado do Amazonas. Nesse sentido, vale larmente às outras comunidades, no caso ressaltar que no estudo partilha-se da vi- de maiores necessidades, os moradores são são de Freire (1989) de que a educação obrigados a se deslocar até Barcelos. deve se encaminhar para a decisão, para a A presença de uma pedreira e uma responsabilidade social e política. Como base da aeronáutica na comunidade im- prática de liberdade, a educação deve tra- plica numa situação complexa, pois se por zer para a escola questões e discussões que um lado resulta em emprego para muitos retratem a realidade objetiva que a cerca, moradores, por outro motiva a presença numa relação de reciprocidade, constru- de bares e a prostituição, situação também ções coletivas, afirmação de cidadania. registrada em outros estudos na região, Desse modo, entende-se que a escola onde contingentes das forças de segurança deve propiciar aos cidadãos uma intera- nacional estão presentes. ção entre saberes locais e escolares, cujos Em reunião com os comunitários hou- conteúdos didáticos estejam relacionados ve relatos que existe uma dificuldade in- às questões socioculturais comunitárias. A terna muito grande de se articularem em educação, dentro dessa perspectiva, pode torno das demandas coletivas que possuem. assumir força política na busca de alterna- Esta situação se explica pela existência de tivas que possibilitem mudanças efetivas muitos comunitários que discordam fron- na sociedade. talmente das práticas de conservação dos Os conflitos socioambientais existentes recursos naturais, por estarem articulados em relação ao usufruto dos recursos estão com interesses de agentes externos para o gerando conflitos internos nas comunida- fornecimento de produtos extraídos da flo- des e requerem medidas urgentes do poder resta, principalmente o tráfico de quelônios. público. A intervenção nos contextos in- Este posicionamento por parte da ternos às comunidades pelo poder público maioria dos moradores gerou uma situa- municipal, com a indicação dos administra- ção muito incomoda, obrigando o coor- dores, em alguns casos respeitou a represen- denador da expedição, Samuel Tararan, e a tatividade do líder local, em outros subor- coordenadora da equipe de levantamento dinou as lideranças aos mandos e interesses socioeconômico, Profa. Maria do Perpétuo políticos eleitorais, afetando sobremaneira Socorro Chaves, a afirmar publicamente a autonomia da gestão comunitária.

Capítulo 10. Organização Sociocultural e Gestão dos Recursos Naturais 179 No contexto comunitário, a partici- valorização das habilidades e competências pação se constitui em um exercício co- regionais para combater as disparidades letivo de tomada de decisões e de gestão econômicas e políticas existentes; das ações, definidas e implementadas por O estabelecimento de um efetivo meio da articulação de forças sociais, den- compromisso da sociedade amazônica, em tro e fora da comunidade. Assim, pode-se todos os seus segmentos, pela conservação entender que a participação dos atores da vida (espécies vegetais e animais); sociais, por meio das organizações, con- tribui para a (re)elaboração de diferentes A formulação de questionamentos aos identidades sociais, em que eles ampliam fundamentos da ciência moderna, às a sua presença na arena política, impõem práticas políticas e às políticas públicas; à sociedade o reconhecimento de sua exis- A constituição, instituição e viabilização tência e de seus direitos enquanto cida- de políticas públicas integradas que dãos. No entanto, o modelo de instituição possam promover a distribuição de lideranças locais implementado pela equitativa de recursos e renda para Prefeitura, que indica administradores, li- combater a pobreza e atender às mitou a criação de entidades autônomas necessidades humanas básicas; nas comunidades. Outra questão importante percebida O fomento de uma ciência e tecnologia com a pesquisa, é a marca forte do aban- sintonizadas e organicamente vinculadas dono das práticas tradicionais por novas com as políticas de desenvolvimento social; práticas inseridas pela pressão do contexto O fortalecimento e ampliação da externo sobre parcela expressiva das comu- capacidade interna de inovação e invenção; nidades pesquisadas. Este fenômeno de- marca um processo que gera sérios riscos e A ampliação e o aprofundamento da vulnerabilidades para estas populações. relação cooperativa entre universidades, Ao tomar por referência o exposto no centros de pesquisa e comunitários estudo realizado, e ainda com o reforço de (programas voltados para apoiar outros estudos1, entende-se que o desenvol- e contribuir com projetos de vimento com sustentabilidade para os povos desenvolvimento local); da região requer a implementação de um O incentivo à participação da população na conjunto de medidas de cunho político-ins- tarefa de propor e trabalhar na construção titucional e de caráter prático, tais como: de um novo modelo de desenvolvimento. A democratização do acesso aos fóruns Tendo por base tal concepção, en- de tomada de decisão para superação do tende-se que o desenvolvimento ecolo- processo de exclusão à participação a que gicamente viável só é possível, quando estão relegadas as populações locais; socialmente justo. No caso das popula- A criação de alternativas econômicas ções tradicionais que vivem na Amazônia, viáveis e compatíveis e direcionadas para a identifica-se a necessidade de ampliar os estudos que privilegiem a busca pelo co- 1 Baseado no debate de Nogueira & Chaves nhecimento do modus vivendi desses povos e (2006, p. 138-9). que as interpretações possam resultar na

180 Mariuá implementação de políticas públicas vi- sando a sustentabilidade socioambiental, respeitando o direito dessas populações de permanecerem em seus territórios com autonomia sociocultural e política.

Referências CHAVES, M. do P. S.R.; NOGUEIRA, M. G. Desenvolvimento sustentável e ecodesenvolvimento: uma reflexão sobre as diferenças ideo-políticas conceituais. Somanlu, UFAM, Manaus, AM, p. 129-143, 2006. FREIRE, P. Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

Capítulo 10. Organização Sociocultural e Gestão dos Recursos Naturais 181