Alceu Amoroso Lima E O Pensamento Social Católico Brasileiro (Anos 1930) ∗ Guilherme Ramalho Arduini
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Alceu Amoroso Lima e o pensamento social católico brasileiro (anos 1930) ∗ Guilherme Ramalho Arduini RESUMO Durante a década de 1930, um dos intelectuais católicos mais importantes no Brasil é Alceu Amoroso Lima. Ele inovou na defesa de uma ordem social de acordo com a Doutrina Social da Igreja. Suas idéias são exploradas nesse texto a partir do tratamento dado a três conceitos-chave (revolução, comunismo e integralismo) nos artigos que publicou na revista A Ordem , da qual era editor-chefe e principal redator. Embora o texto se concentre na década de 1930, é possível dizer que essas idéias influenciaram todo o pensamento social católico brasileiro posterior. Palavras-chave: Alceu Amoroso Lima, A Ordem, pensamento social católico no Brasil RÉSUMÉ Pendant les années 1930, l’un des intellectuels catholiques le plus important au Brésil est Alceu Amoroso Lima. Il inova dans la défense d’un ordre social en accord avec la Doctrine Sociale de l’Église. Ses idées sont exploitées dans ce text à partir du traîtement donné à trois concepts- clés (révolution, communisme et integralismo ) dans les articles qu’il publia à la revue A Ordem (« L’Ordre »), de laquelle il était l’éditeur-chef et le principal rédacteur. Bien que le texte se concentre dans les années 1930, il est possible de dire que ces idées influencèrent toute la pensée catholique brésilienne ultérieure. Mots-clés : Alceu Amoroso Lima, A Ordem, pensée sociale catholique au Brésil. Diversos trabalhos procuraram inserir o pensamento de Amoroso Lima no interior do diálogo intelectual brasileiro e internacional ao logo dos anos 1930. (FARIAS, 1998; RODRIGUES, 2006; SOUZA, 2002; MICELI, 2001) Entretanto, nenhum deles procedeu a uma análise sistemática do processo de formação de sua leitura de mundo , a partir da sua interação com as mudanças e novas alternativas políticas ocorridas no Brasil e no mundo durante esse período. É na tentativa de fornecer alguns elementos para preencher tais lacunas que esse trabalho pretende retomar as principais idéias de Amoroso Lima sobre três conceitos-chave: revolução, comunismo e integralismo. Utilizar-se-á como seus artigos publicados ao longo da década de 1930 na revista A Ordem , da qual era editor-chefe. Ela recebia assinaturas e contribuições de todos as regiões do país e é bastante citada pela bibliografia especializada como a principal voz dos leigos católicos no período. Não é uma pretensão do texto esgotar esse assunto, mas apenas ∗ Mestre em História, com concentração em História Social pela Unicamp e doutorando em Sociologia pela USP, com concentração em Sociologia da Cultura. resumir algumas das conclusões expostas de forma mais detida em minha dissertação de mestrado. 1 Amoroso Lima escreve sobre “revolução” constantemente, sendo o termo empregado, na maioria das vezes, como referência a dois movimentos políticos: o de 1930, que levou a Aliança Liberal ao poder, e o de 1932, com a revolta dos paulistas. Em ambos os casos, é fiel ao pensamento político de Jackson de Figueiredo, que considerava que a resistência ao poder só poderia ocorrer no caso de uma afronta indefensável do Estado contra a Igreja. Por isso, chamou a “Revolução de 1930” de “sanguinária” e usurpadora da “Autoridade” legítima, com “A” maiúsculo no original. (AMOROSO LIMA, 1930a: 97ss) Margareth Todaro, no capítulo de sua tese dedicado ao Centro (TODARO, 1971: 183-272), cita depoimentos de membros veteranos para lembrar que outubro de 1930 representou a primeira crise séria no grupo, provocando o confronto entre os radicalmente contrários, tais como Amoroso Lima e Nogueira, e aqueles que enxergavam no evento a possibilidade de uma mudança saudável no país. A solução para o impasse foi a abstenção de um pronunciamento oficial e único do Centro sobre a atualidade política do país e a liberação dos membros para se pronunciarem da maneira como desejassem. Esta decisão marca um momento importante da passagem de Amoroso Lima como presidente do Centro, pois pela primeira vez foi obrigado a enfrentar uma dissensão. No entanto, na medida em que a Revolução vai se mostrando vitoriosa, a inexorabilidade da mudança política é aceita. É quando ele passa a recomendar aos leitores da revista A Ordem a aceitação do governo provisório como um fato dado, mas que trabalhem para que ele adote os valores católicos. Na passagem abaixo, sugere uma justificativa para essa postura: A Igreja não é revolucionária nem contra-revolucionária: é extra-revolucionária. Sua obra é a de sobrenaturalizadora de todos os regimes, de todas as modalidades sociais. Temos o dever de encaminhar as águas da subversão política para o leito do cristianismo social. Temos o dever de trabalhar para que a apostasia republicana de quarenta anos, que é até hoje a maior culpada de tudo por que estamos passando, venha finalmente a terminar de modo a permitir que o Estado e os seus governantes voltem às verdadeiras raízes da nossa nacionalidade. (AMOROSO LIMA, 1930b: 193) 1 Defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em História do IFCH-Unicamp com o título: “Em busca da Idade Nova: Alceu Amoroso Lima e os projetos católicos de organização social (1928-1945)”. Disponível para download pelo endereço: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=000436248 . 2 Ao culpar “a apostasia republicana”, o texto apresenta um tom relativamente conciliador, uma vez que não transfere a nenhum grupo social, especificamente, a responsabilidade de criar um regime inimigo da Igreja. Ao se julgar “suprapartidário”, Amoroso Lima repete o princípio que guiava a conduta da autoridade eclesiástica à qual a revista estava submetida, o cardeal Sebastião Leme: reaproximar, de todas as formas possíveis, a Igreja do Estado brasileiro, independentemente de qual fosse seu chefe. Recusando-se a tomar partido na disputa política, o Centro se posicionava privilegiadamente para negociar sua contribuição à normalização política do país, em troca de um novo status para a Igreja. Amoroso Lima imprimiu à revista A Ordem uma estratégia de aceitação tácita do regime estabelecido por Vargas também porque durante o Governo Provisório a falta de confiança em relação ao regime convivia com a crença de que, no momento da re-constitucionalização do país, alguns direitos católicos fossem novamente estabelecidos. Em editorial de 1932, demonstra-se essa convivência do descrédito com a esperança: Ninguém mais crê que a Revolução de 1930 e os seus homens improvisados como regeneradores da pátria estejam em condições de dar à vida pública brasileira um sentido novo e radicalmente diverso do anterior. (...) E para os católicos que ajuízam, como devem, dos regimes pelo enriquecimento ou não da vida religiosa, a fé na Revolução continua a alimentar-se pelo espetáculo, verdadeiramente impressionante, que o Norte nos está dando, de um verdadeiro renascimento católico. (AMOROSO LIMA, 1932a: 323) Na continuação do texto, reforça-se a imagem de que é preciso que todos os católicos se unam para construírem juntos uma situação jurídica que favoreça a Igreja Católica. Já em dezembro de 1930 (AMOROSO LIMA, 1930b) Amoroso Lima redigira um editorial em que alertava para as diferenças regionais que poderiam dilacerar o país, pois duas tendências revolucionárias muito distintas haviam se desenvolvido. A primeira, ligada ao norte e a Minas Gerais, teria como objetivo restabelecer na vida social do país a religião, enquanto a outra caberia aos tenentes e à “imprensa irresponsável, do libertarismo que dissemina o veneno da desordem” (idem). No editorial de 1932 citado acima, é possível afirmar que ao associar o sul com a falta de religião, Amoroso Lima fazia referência à Liga pró-Estado Leigo, cuja sede localizava-se no Rio Grande do Sul, e sobre o qual já havia escrito em outros momentos na mesma revista (AMOROSO LIMA, 1932b). Caberia aos católicos, portanto, unir-se em torno da corrente 3 religiosa revolucionária, pois ela representaria a verdadeira cultura do país, livre de estrangeirismos. Outro tema que percorreu toda a cobertura dada aos enfrentamentos foi o temor de que se desencadeasse uma anarquia generalizada. Por isso, Amoroso Lima se apressa em lançar, junto a outras personalidades católicas e da sociedade em geral, um “Apelo ao Bom Senso” (AMOROSO LIMA, 1932c), no qual pede o fim imediato das hostilidades e defende a necessidade de se chegar a um consenso, mesmo que à custa de concessões de ambos os lados. Na sua ótica, quanto mais violência fosse cometida, maior a chance de o país perder o respeito necessário à hierarquia, provocando o caos. O tema da unidade nacional é retomado constantemente e contrasta diametralmente com o problema do individualismo dos políticos. Ou seja, se o primeiro período republicano, chamado de “República agnóstica de 40 anos”, pagara com a anarquia sua loucura de não conciliar política e religião, caberia à elite de católicos convictos convencer os atores políticos da necessidade de restaurar no novo regime o domínio do catolicismo sobre todos os aspectos da vida. As idéias de justiça e de verdade, por serem conceitos de natureza transcendental, remetem a uma realidade superior, que deveria guiar a conduta dos agentes políticos. Em editorial publicado nesse mesmo número, Amoroso Lima propõe a espiritualização da política como resposta à sede de poder desmedida, motivo de tanta turbulência que o país teria vivido naqueles últimos anos. Como era seu costume, Amoroso Lima vai além das palavras e procura acionar através da sua correspondência seus contatos pessoais para efetivar um cessar-fogo. Em 11/09/1932, escreve para Severino Sombra com o objetivo de encorajá-lo a esforçar-se nesta direção e impedir que este tome partido no conflito: Fracassou aqui no Sul nossa intervenção pela Paz. Peço a Deus ardentemente que a sua tenha mais êxito no Norte. (...) Caso falhe asua palavra pacificadora (...) fuja de toda aventura precipitada, volte-se de novo para a sua obra social, prepare-se para enfrentar de ânimo resoluto os dias dramáticos que ainda nos resta viver, mas não perca a serenidade e guarde-se para o futuro.