FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

A CONQUISTA DO POVO: NOTÍCIAS POPULARES E A OPOSIÇÃO AO GOVERNO JOÃO GOULART

APRESENTADA POR

LARISSA RAELE CESTARI

PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO: MARLY SILVA DA MOTTA

Rio de Janeiro, Março de 2013.

1

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

A CONQUISTA DO POVO: NOTÍCIAS POPULARES E A OPOSIÇÃO AO GOVERNO JOÃO GOULART

APRESENTADA POR

LARISSA RAELE CESTARI

Rio de Janeiro, Março de 2013.

2

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO: MARLY SILVA DA MOTTA

LARISSA RAELE CESTARI

A CONQUISTA DO POVO: NOTÍCIAS POPULARES E A OPOSIÇÃO AO GOVERNO JOÃO GOULART

Dissertação de Mestrado Acadêmico apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História. .

Rio de Janeiro, Março de 2013.

3

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

Cestari, Larissa Raele A conquista do povo : Notícias populares e a oposição ao governo João Goulart / Larissa Raele Cestari. – 2013. 179 f.

Dissertação (mestrado) – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais. Orientadora: Marly Silva da Motta. Inclui bibliografia.

1. Goulart, João, 1918-1976 – Fontes. 2. Brasil - História - 1961-1964 - Fontes. 3. Notícias Populares (Jornal). 4. Levy, Herbert, 1911-2002. I. Motta, Marly Silva da. II. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais. III. Título.

CDD – 981.06342

4

5

SUMÁRIO

Agradecimentos ...... 8

Resumo...... 10

Abstrat...... 11

Introdução...... 12

Capítulo 1

Herbert Levy e o desafio da ascensão política popular...... 26

Quem foi Herbert Levy? ...... 26

Antigetulismo, liberalismo e classes populares ...... 31

Ensaio Popular ...... 34

Liberdade e justiça social ...... 36

Dos idos de 1961...... 39

Lições de 1961 ...... 44

Quem era o povo a ser conquistado? ...... 47

Estratégias de conquista ...... 49

O campo político parlamentar (1961-1962) ...... 51

A campanha pelo plebiscito ...... 57

Eleições de 1962 ...... 62

O presidencialismo e as reformas de base ...... 66

A radicalização nas ruas ...... 69

As articulações golpistas ...... 71

Capítulo 2

A criação e a visão de povo do jornal Notícias Populares (1963-1964)...... 82

Em busca do povo: Notícias Populares x Última Hora...... 82

6

A polarização e a radicalização...... 88

A montagem do jornal...... 91

A linha editorial do Notícias Populares...... 95

A concepção de povo do jornal Notícias Populares...... 100

“Povo-plebs” e “povo- populus”...... 108

Capítulo 3

O discurso do jornal Notícias Populares (1963-1964)...... 118

O discurso anticomunista no Notícias Populares ...... 120

A desconstrução do modelo soviético ...... 122

O perigo comunista no Brasil ...... 130

Agentes do comunismo no Brasil ...... 132

No calor da hora ...... 136

As reformas de base ...... 140

Tal qual Vargas? O continuísmo de Goulart ...... 147

“32 + 32= 64”. A memória liberal de 1932 e a alternativa liberal e democrática”...... 155

Considerações Finais...... 164

Fontes e Bibliografia...... 167

Anexo

Imagens digitalizadas do jornal Notícias Populares...... 173

7

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Profª Dra. Marly Motta, pelo cuidado e seriedade com que orientou este trabalho. Suas intervenções foram fundamentais para a minha formação acadêmica.

À Faperj, pelo auxílio concedido, sem o qual este trabalho não poderia ter sido realizado.

Aos professores Américo Freire e Andréa Casa Nova Maia, pelas valiosas sugestões dadas no Exame de Qualificação.

Aos amigos feitos no CPDOC, Maria Alice Nogueira, Ana Paula Sampaio,

Thiago Moreira, Lucina Mattos e Paula Cresciúlo. À Vera Miranda, que, nesse caminho, se tornou também amiga.

À Aline Torres, que se tornou grande amiga, interlocutora e companheira nos percalços impostos pelo mestrado. Obrigada por me apresentar às maravilhas do Rio de

Janeiro: Largo das Neves e Morro da Conceição estarão para sempre comigo.

Aos amigos de São João del Rei: Wlamir Silva, pelas valiosas discussões sobre o governo Jango; Maria da Luz Coelho, companheira no ensino de História; Luiz

Francisco Miranda, pela aula sobre Norbert Elias; João Paulo Rodrigues, pela torcida e interesse; Adriana Marques, pelas dicas sobre o projeto. À Silvia Brugger, ao Josemir

Nogueira e à dona Nelvia que, com tanta gentileza, me cederam o apartamento no Rio de Janeiro. À Cássia Palha, pelas indicações bibliográficas sobre imprensa, e ao Márcio

Moreira, sempre tão solícito.

8

À Dedé (Cecília Zioni), que tanto me ajudou com o Levy e me ensinou sobre o ofício do jornalista. À Graziella Beting e ao Vico Iasi, pelas valiosas discussões.

À Silvana Zioni, grande companheira de Rio de Janeiro e de mundo acadêmico.

Aos demais membros da grande família Zioni.

Aos meus sogros Priscila e Eduardo, por todo apoio, carinho e convocação do

Espírito Santo!

À minha mãe, Maísa, que correu atrás de bibliografia para o meu curso de

Teoria, e ao Nazário, pela torcida. Ao meu pai, Gilberto, por todo carinho, e à Miriam, pelas orações via Skype. Ao meu irmão, Luis, que desde pequeno se interessa pelas discussões que faço. À minha irmã Raissa e agora, também, ao meu irmão Thiago. Às minhas avós queridas, Elisa e Ivone (in memoriam), por todo apoio e carinho nesta empreitada!

À Mira, grande Mira! Sua amizade, cuidado e atenção foram fundamentais para que eu conseguisse terminar este trabalho. E ao pêndulo, claro.

Finalmente, e mais importante, ao Danilo, amor da minha vida, por tudo e sempre!

9

RESUMO

Esta dissertação tem como tema mais amplo o movimento político de oposição ao governo João Goulart (1961-64) promovido pela elite liberal paulista, que englobava, ao mesmo tempo, segmentos do empresariado e lideranças políticas filiadas à União

Democrática Nacional (UDN). Para entender esse movimento, elegi como objeto de estudo o jornal Notícias Populares, criado, em 1963, como parte das estratégias empreendidas por Herbert Levy, empresário paulista, e, à época, presidente nacional da

UDN, contra o governo Goulart. O jornal era voltado para leitores oriundos das classes populares urbanas de São Paulo. O objetivo desta dissertação é compreender o papel desempenhado por Notícias Populares na luta política do período, o que implica, também, analisar a percepção dos setores representados por Herbert Levy sobre o papel das classes populares no início dos anos de 1960.

Palavras- Chave: Notícias Populares, Herbert Levy, governo João Goulart (1961-1964)

10

ABSTRACT

This dissertation analyzes the political opposition movement against João

Goulart‟s administration (1961-1964), led by the Paulista liberal elite, simultaneously involving business segments and political leaders affiliated to the União Democrática

Nacional (UDN). To understand such movement, I chose to examine the newspaper

Notícias Populares, founded in 1963 by the national president of UDN, the Paulista entrepreneur Herbert Levy, as part of his strategy against Goulart. The newspaper aimed at readers from the urban popular classes in São Paulo. The goal of this dissertation is to understand the role played by Notícias Populares in the political struggle of the period, which implies also the analysis of the perception of the popular classes by the sector represented by Levy in the beginning of the 1960s.

Keywords: Notícias Populares, Herbert Levy, João Goulart administration (1961-1964)

11

INTRODUÇÃO

O jornal Notícias Populares, publicado em São Paulo entre 1963 e 2001, construiu a imagem de um jornal de escândalos, com manchetes sensacionalistas, ao lançar mão da fórmula “sexo, crime e esportes” para atrair leitores, vindos principalmente das classes populares. É praticamente desconhecido o sentido político da criação do jornal, em 1963, por Herbert Levy, representante da elite liberal paulista e um dos líderes da ofensiva política contra o governo João Goulart (1961-1964). No início dos anos de 1960, Herbert Levy, um dos mais proeminentes membros do empresariado paulista, era o presidente nacional da União Democrática Nacional

(UDN), principal partido de oposição.

O objetivo desta dissertação é compreender o papel que o jornal Notícias

Populares exerceu nas estratégias de luta empreendidas por Herbert Levy para combater o governo João Goulart e os grupos de esquerda atuantes no período. Como desdobramento desse objetivo, analiso a percepção de Levy e seu grupo sobre a atuação das classes populares urbanas, público-alvo do jornal, bem como a relação que com elas pretendeu estabelecer naquele contexto.

A criação do Notícias Populares fez parte de um trabalho de contra-ofensiva política à conquista das classes populares pelo governo João Goulart. O objetivo era

“roubar” o público do jornal Última Hora (edição paulista), de Samuel Wainer, percebido como um importante instrumento da politização dessas classes, vale dizer, de seu engajamento nas propostas defendidas pelo presidente da República. Para combater a ação de Última Hora, Herbert Levy decidiu atuar no campo político do adversário, ao fundar o Notícias Populares, periódico idealizado pelo jornalista romeno anticomunista,

Jean Mellé.

12

Segundo Gisela Goldenstein, pioneira em apontar o sentido político da criação do jornal, o objetivo principal do Notícias Populares foi roubar o público de Última

Hora, não para obter o seu apoio às mobilizações contra João Goulart, mas sim para despolitizá-lo. Apoio, os setores liberais representados por Levy buscariam nas classes médias, pois somente a elas reconheciam atributos de cidadania política.1

Com base nas reflexões de Weffort sobre o populismo,2 Goldenstein explica a história do Notícias Populares em função do “drama burguês” devido às dificuldades da incorporação política das classes populares no Brasil pós-45. A autora situa o surgimento do jornal no momento de “crise do populismo”, quando a autonomia conquistada pelas classes trabalhadoras era entendida como um processo de esquerdização. A criação de Notícias Populares expressaria a decisão da ala direita da

UDN, representada por Herbert Levy, de atuar em todas as frentes possíveis para evitar a ascensão e politização das classes populares.

A proposta de Notícias Populares, segundo Goldenstein, era ser um jornal político, mas sem tratar de política, ou seja, dos temas da chamada política formal, aqueles relacionados ao poder do Estado, ao Legislativo, aos partidos políticos e instituições que compõem o quadro de representação política em uma democracia representativa. Segundo a autora, o jornal teria recorrido ao “sensacionalismo”, entendido pelo grupo de Levy como o caminho mais eficaz para o estabelecimento do

1 Goldenstein, 1987. 2 Nos últimos anos, o conceito de populismo tem sido revisto por abordagens acadêmicas que, influenciadas pelo conceito de classe de E. P. Thompson e pela história cultural, rejeitam a ideia, central no populismo, de manipulação e tutela do Estado sobre as classes trabalhadoras. Autores como Angela de Castro Gomes e Jorge Ferreira questionaram o uso desse conceito a partir do argumento de que as relações entre Estado e classe trabalhadora, embora assimétricas, são de interlocução. Negam, assim, uma posição política passiva aos trabalhadores, reconhecendo sua presença na interlocução com o Estado o que, segundo Angela de Castro Gomes, “significa reconhecer um diálogo entre atores com recursos de poder diferenciados, mas igualmente capazes não só de se apropriar das propostas político-ideológica um de outro, como de relê-las”. Sigo essa linha de análise. Ver Gomes, 2001 e Ferreira, 2001.

13 contato com os “populares”. O recurso ao sensacionalismo teria sido, assim, “a expressão de um “liberalismo oligárquico” incapaz de reconhecer as classes populares como um interlocutor legítimo”, bem como uma forma de excluí-las da cena política.3

Última Hora e Notícias Populares, segundo a autora, representaram concepções diferentes em termos de jornal popular. Em ambos, as classes populares eram vistas de cima, mas, enquanto a Última Hora tentava incorporá-las sob controle, o Notícias

Populares buscava tirá-las do caminho. Como prova disso, já em dezembro de 1963,

Notícias Populares teria deixado os temas da política formal de lado e enfatizado o noticiário sensacionalista. Isso significaria que o objetivo de criação do jornal estaria se cumprindo: um jornal político, mas sem a parte política4. Goldenstein baseia sua afirmação na análise dos primeiros sete números do jornal (outubro de 1963) e dos primeiros números do mês de dezembro do mesmo ano.

Na contramão dessa interpretação, defendo que, por meio do Notícias Populares,

Herbert Levy buscou o apoio das classes populares aos movimentos que se formavam contra o governo e que tiveram como desfecho o golpe de 1964. Como mostra a análise que fiz do discurso do jornal entre outubro de 1963 e março de 1964, os temas da política dita formal não foram deixados de lado; pelo contrário, o noticiário político foi uma das pautas mais importantes do Notícias Populares. No combate ao governo João

Goulart e às esquerdas e, ao mesmo tempo, na busca pela predominância do projeto político do grupo de Levy, Notícias Populares buscou deslegitimar os adversários, bem como socializar um ideário liberal entre as classes populares ao afirmar as posturas políticas da UDN.

3 Goldenstein, 1987:153. 4 Idem, 1987:93. 14

Algumas questões podem ser levantadas: até que ponto seria possível manter as classes populares fora do jogo político? Ao perceberem a inevitabilidade da participação popular nesse jogo, os segmentos representados por Herbert Levy não teriam mudado a estratégia para uma política de cooptação e busca do apoio desses setores?

Trabalho com a ideia de que um conjunto de eventos ocorridos nos primeiros anos da década, sustentados por ampla campanha popular – a luta pela posse de Goulart

(1961), a campanha pelo plebiscito (1962), o crescimento eleitoral do PTB (1962) e a vitória do presidencialismo (1963) –, serviu de pedagogia política para Herbert Levy.

Tomados como derrotas políticas, tais fatos foram atribuídos, em parte, às mobilizações populares favoráveis a João Goulart, o que, por si só, evidenciou a necessidade de ampliar a base de apoio popular aos setores de oposição ao governo. Defendo que as classes populares foram reconhecidas pelos setores representados por Levy como atores políticos estratégicos que precisavam ser conquistados.

Dessa maneira, este trabalho se justifica e busca relevância ao questionar e matizar uma certa interpretação que desqualificaria sumariamente as classes populares como agentes políticos. Por essas interpretações, mesmo a partir de 1945, quando as massas populares urbanas adquiriram peso político por meio da centralidade do voto, e passaram a fazer parte diretamente do jogo político institucional, os setores representados por Herbert Levy teriam mantido a defesa de um “liberalismo elitista” e condenado o “cortejo das massas”5.

A criação de Notícias Populares indicou outra postura em relação às classes populares, que resultou na adoção de estratégias de ação que, a meu ver, precisam ser recuperadas para melhor entendimento da luta política que se deu no período Goulart.

5 Um exemplo é o próprio trabalho de Goldenstein, 1987. 15

Afinal, o jornal representou um canal de comunicação entre uma ala do empresariado e de políticos udenistas representados por Levy e as classes populares. Analisar o papel político do jornal é, também, explicar o comportamento político do grupo do qual

Herbert Levy era representante, sua visão de mundo, seus valores, as motivações de seus atos políticos e, assim, melhor elucidar a luta política dos anos de 1960, tema mais amplo deste trabalho. Ao mesmo tempo, o estudo desse jornal permite levantar a questão da incorporação das classes populares no processo político brasileiro e contribuir para o debate sobre a democracia no país.

Pode-se justificar ainda tomar o Notícias Populares como objeto de estudo na lacuna historiográfica sobre o jornal. A maioria das obras sobre esse periódico busca compreender o caráter “psicossocial” da imprensa sensacionalista, como é o caso do livro de Danilo Angrimani, Espreme que sai sangue6. O recorte temporal dessas obras é o período entre 1965 e 2001, quando Notícias Populares foi vendido para o grupo Folha da Manhã e perdeu seu objetivo político original. São raros os estudos sobre a primeira fase do Notícias Populares (1963-1965), quando pertencia à Herbert Levy. Na verdade, o livro Do jornalismo político à indústria cultural, de Gisela Goldenstein, publicado em

1987, e já citado, é a principal referência sobre o assunto.

Os outros estudos que abordam a primeira fase do Notícias Populares (1963-

1965) não se dedicam à análise do discurso do jornal e reproduzem o trabalho de

Goldenstein7. Já no livro Nada mais que a verdade. A extraordinária história de

Notícias Populares, os jornalistas e historiadores Celso de Campos, Denis Moreira,

Giancarlo Lepiani e Maik recuperam toda a trajetória do jornal, de 1963 até 2001.

Quanto à primeira fase do jornal - de 1963 a 1965 -, os autores inovaram ao resgatar os

6 Ver Angrimani, 1994. 7 Como exemplo, ver Proença, 1992 e Capelato, 1988. 16 bastidores da redação de Notícias Populares e a trajetória de Jean Mellé até seu encontro com Herbert Levy. No entanto, o maior destaque desse trabalho está na abordagem da história posterior de Notícias Populares, ou seja, quando já pertencia ao

Grupo Folha da Manhã e não tinha mais o objetivo político explícito de sua primeira fase 8.

Dessa forma, não existe nenhum trabalho específico sobre o discurso político do

Notícias Populares ao longo do governo Goulart, questão fundamental para entender o papel desempenhado por esse jornal na luta política dos anos sessenta. Ao mesmo tempo, a análise que realizei indicou interpretações diferentes das de Goldenstein e apontou um novo posicionamento no debate historiográfico.

Esta dissertação toma, portanto, o jornal Notícias Populares como objeto historiográfico e não apenas como fonte, o que implica escolhas teórico-metodológicas, a principal delas relacionada à história política.

Sigo a linha interpretativa de René Rémond, e considero o político como uma esfera autônoma, com características próprias, mas que, ao mesmo tempo, interage com outros fatores, como o econômico e o social, e deles sofre influência9. A política é entendida como a atividade que se relaciona com a conquista, o exercício e a prática do poder e as atividades a ele relacionadas. A imprensa é uma delas, pois “os meios de comunicação não são, por natureza, realidades propriamente políticas, mas podem tornar-se políticos em virtude de sua destinação”10. Notícias Populares foi um jornal essencialmente político. Sua existência esteve relacionada às disputas políticas correntes no país, na luta pela conquista e prática do poder e, em consequência, pela imposição da hegemonia de determinados grupos sobre outros.

8 Campos et al., 2002. 9 Rémond, 2003. 10 Rémond, 2003:441. 17

Dessa forma, a imprensa se torna objeto da história política quando se transforma em instrumento de determinados grupos para levar suas ideias, valores e propostas, buscando o convencimento da sociedade e a intervenção na vida política de um país. A importância da imprensa se torna clara quando pensamos que ela tanto influencia que acontecimentos se tornarão públicos, quanto oferece interpretações de como compreendê-los.

Considero, ainda, que a imprensa é um dos veículos de difusão e socialização de determinada cultura política, já que, em um campo de batalha formado por bens simbólicos, a imprensa “didatiza” um conjunto de elementos que compõem uma cultura política ao transformar determinadas doutrinas em conceitos compreensíveis por meio de imagens, valores, representações, símbolos, etc., e, assim, alcança estratos mais amplos da sociedade. Esses aspectos são importantes quando consideramos que os embates políticos vão além da adesão a ideias racionais, mas que os fenômenos políticos passam também pela força das emoções11.

Adoto, assim, o conceito de cultura política tal como definido por Sirinelli,

Bernstein e Motta12, ou seja, um conjunto de representações portadoras de imagens, valores, crenças, mitos, símbolos e tradições, que une um grupo no plano político e estrutura as suas práticas. Como tal, fornece uma base filosófica ou doutrinal, uma visão de mundo partilhada, uma leitura comum do passado e uma projeção no futuro vivida em conjunto, conduzindo, no combate político, à aspiração de determinada forma de regime político e de organização socioeconômica.

Tratar a imprensa como objeto da pesquisa histórica implica, ainda, cuidados metodológicos a fim de não repetir a história narrada pelos jornais. Segundo Tânia de

11 Motta, 2009. 12 Ver Sirinelli, 1998; Bernstein, 1998; Motta, 2009. 18

Luca, os discursos jornalísticos adquirem significados de muitas formas, por isso é necessário que o historiador esteja atento, sobretudo, para a forma como os impressos chegaram às mãos dos leitores, sua aparência física, a hierarquia entre as seções do jornal, a publicidade, o público a que visa atingir, e os objetivos propostos 13. A ênfase dada para certos temas, a linguagem utilizada, os vocabulários escolhidos são elementos essenciais na análise do discurso dos jornais, pois ajudam na compreensão da linha editorial.

Na mesma abordagem, Maria Helena Capelato alerta que “a categoria abstrata imprensa se desmistifica quando se faz emergir a figura de seus produtores como sujeitos dotados de consciência determinada na prática social”14. A autora chama atenção para o fato de que, na construção da notícia, interferem não apenas elementos subjetivos de quem a produz, mas também os interesses aos quais o jornal está vinculado15.

As orientações teórico-metodológicas expostas acima foram incorporadas na análise do discurso de Notícias Populares. Considerando a multiplicidade de textos que compõem o jornal, analisei o discurso emitido por meio de suas diversas colunas, reportagens, texto noticioso, notas editoriais (o jornal não possuía uma página central de editoriais, nem regularidade nas notas editoriais), etc.

A fonte principal desta dissertação é, portanto, o próprio jornal Notícias Populares que foi analisado no período entre 15 de outubro de 1963, data de seu lançamento, e abril de 1964, quando Goulart foi derrubado por um golpe de Estado. Recorri, como recurso analítico, ao jornal Última Hora para melhor entender os motivos da criação do

Notícias Populares.

13 De Luca, 2008: 138. 14 Capelato, 1988:16. 15 Capelato, 1988:18. 19

Secundariamente, o jornal O Estado de São Paulo (entre 1961 e 1964), e os discursos que Herbert Levy fez na Câmara dos Deputados no mesmo período, representaram um outro tipo de fonte, cuja importância reside na possibilidade de mapear o posicionamento e a atuação política do empresário-parlamentar naquele período, bem como entender suas escolhas políticas, entre elas a criação do Notícias

Populares. O livro Liberdade e justiça social, escrito por Herbert Levy em 1958, com uma segunda edição em 1962, também foi utilizado, o que permitiu qualificar o projeto liberal que orientou o seu discurso e a sua prática política.

A análise feita nesta dissertação da atuação política de Levy no contexto do governo Goulart segue um determinado posicionamento historiográfico. Determinados autores foram selecionados tendo em vista as seguintes questões: 1) a relação entre o empresariado e as classes trabalhadoras; 2) a qualificação do projeto liberal de Levy; 3) o golpe de 1964

Sobre as relações entre as classes trabalhadoras e o empresariado paulista, sigo a análise de Barbara Weinsten16. A autora analisa as estratégias de controle social dos trabalhadores empreendidas pelas lideranças industriais paulistas no período entre 1920 e 1964. Defende que, neste período, a questão operária deixou de ser apenas uma questão de polícia, e o empresariado paulista passou a atuar dentro das próprias organizações operárias com o objetivo de construir uma base ideológica e de comportamento político em consonância com um projeto de racionalização da produção. Essa prática do empresariado em relação à classe trabalhadora foi seguida por

Levy na luta política dos anos de 1960.

16 Weinstein, 2000. 20

Já as análises de Maria Vitória Benevides17 e de Otávio Dulci18 sobre a UDN contribuíram para o entendimento do projeto liberal de Herbert Levy e sua relação com as classes populares. Para ambos os autores, apesar do elitismo ter sido uma das marcas mais fortes do liberalismo brasileiro, isso não impediu que os liberais udenistas apresentassem pretensões de expansão nos meios populares, dada a importância do voto no período entre 1945 e 1964, conforme revelaram as próprias práticas de Levy.

Sobre a crise que desembocou no golpe de 196419, as análises de Argelina

Figueiredo20 e Jorge Ferreira21 são importantes ao enfatizar os aspectos políticos da crise, sobretudo a radicalização política e a recusa da construção de um consenso em prol da governabilidade. Para Figueiredo, havia um caminho para reformas moderadas dentro da ordem democrática, mas os atores escolheram maximizar suas possibilidades a favor ou contra as reformas de base.

Os diversos trabalhos de Jorge Ferreira22 permitem entender as estratégias dos grupos de esquerda atuantes no período, como a política do confronto e as mobilizações de rua pelas reformas. O autor contesta a ideia de que a radicalização política foi patrocinada somente pelos grupos de “direita”, enquanto as “esquerdas” defenderiam as reformas e a democracia. Na mesma trilha segue Daniel Reis, ao mostrar como os grupos de esquerda passaram para a ofensiva política e desafiaram a legalidade existente23. Dessa forma, deram os argumentos que faltavam para que a “direita” assumisse o discurso da legalidade, antes monopólio dos defensores da posse de Goulart

17 Benevides, 1981. 18 Dulci, 1986. 19 Sobre os diferentes enfoques historiográficos referentes ao golpe de 1964, ver Delgado, 2010; Fico, 2004; Mattos, 2008. 20 Figueiredo, 1993. 21 Ferreira, 2003, 2004 ,2011. 22 Idem, Ibidem. 23 Reis, 2001. 21 em 1961, e mobilizasse um movimento civil de grandes proporções para legitimar um golpe de Estado.

Na definição de Jorge Ferreira, as categorias clássicas de direita e esquerda entre1945 e 1964, relacionaram-se “ao embate entre dois grandes projetos para o país que marcaram a agenda do debate político do período”24. De um lado, a esquerda com um projeto reformista e “nacional-estatista”, definido como a defesa do desenvolvimento nacional autônomo e da justiça social que deveria ser garantida por um

Estado interventor na economia e regulador das relações entre as classes sociais. De outro, a direita, com a defesa do liberalismo econômico, da abertura ao capital estrangeiro e do alinhamento incondicional aos Estados Unidos, além das restrições à ampliação dos direitos sociais e políticos25. Para Daniel Reis, as categorias “esquerda” e

“direita” devem ser sempre no plural, já que, em cada termo, agrupam-se posições, lideranças e forças diversas, das mais moderadas às mais radicais26. Ou seja, falo em meu trabalho de “esquerdas” e “direitas”.

Sobre o golpe de 1964, sigo também a análise de Rodrigo Motta, para quem o discurso anticomunista foi o eixo das mobilizações contra Goulart e propiciou a unificação de setores heterogêneos em uma frente favorável à derrubada do presidente.

O autor contesta a ideia de que o anticomunismo foi apenas fachada para o golpe. O medo era real, e ganhava verossimilhança à medida que Goulart se acercava das esquerdas e dava sinais de entrar em choque com o Congresso Nacional27.

Outra obra importante para esta dissertação é a de René Dreifuss, ao mostrar como o empresariado brasileiro, por meio do “complexo Ipes/Ibad”, agiu politicamente

24 Ferreira, 2005:14. 25 Idem, Ibidem. 26 Reis, 2004. 27 Motta, R., 2002. 22 de forma organizada e teve papel de destaque nas articulações contra o governo Goulart.

Embora se possa argumentar contra a tese de Dreifuss que a conspiração contra Goulart não possuía uma frente única, ou que ela não é suficiente para explicar o golpe em si, o trabalho é particularmente importante para este estudo por revelar a participação empresarial e definir o caráter civil do golpe. Segundo o autor, o que houve em 1964 não foi um mero golpe militar, mas um movimento civil-militar28.

Esta dissertação está estruturada em três capítulos.

No primeiro capítulo, analiso a trajetória política de Herbert Levy, com ênfase no contexto de radicalização política e fortalecimento dos grupos de esquerda e dos movimentos populares que marcaram o governo Goulart (1961-1964). As posturas de

Levy são analisadas em quatro frentes de atuação: 1) a relação com as classes populares;

2) a articulação política com setores empresariais; 3) o jogo político-partidário; 4) o discurso ideológico em defesa do liberalismo. O objetivo é dar subsídios para entender o papel que a criação do Notícias Populares desempenhou nas estratégias políticas de

Levy.

Nesse capítulo, trabalho com a hipótese de que um conjunto de eventos ocorridos nos primeiros anos da década de 60, sustentados por ampla campanha popular

– a luta pela posse de Jango (1961), o crescimento eleitoral do PTB (1962) e a vitória do presidencialismo (1963) –, serviu de pedagogia política para os setores do empresariado e líderes udenistas representados por Herbert Levy. Tomados como derrotas políticas,

Levy passou a atribuir tais fatos, em parte, às mobilizações populares favoráveis a João

Goulart, o que por si só, evidenciaria a necessidade de ampliar a base de apoio popular aos setores de oposição ao governo.

28 Dreifuss, 1987. 23

Outra ideia defendida é que o antigetulismo e o anticomunismo formaram a bandeira ideológica e o recurso mobilizatório utilizado por Levy contra o governo

Goulart. A denúncia de uma aliança entre Goulart, representante da herança getulista, e os grupos de esquerda, rotulados de comunistas, serviu de esteio para a oposição desenvolvida por ele naquele contexto. E o perigo dessa aliança tornava-se maior à medida que setores das classes populares forneciam apoio decisivo às propostas do governo Goulart.

No segundo capítulo, analiso o processo de criação e montagem do jornal

Notícias Populares, articulando-o à concepção de povo e de jornal popular que orientou seus criadores. O objetivo é entender a relação que Herbert Levy procurou estabelecer com as classes populares bem como o significado que imprimiu à fundação desse jornal na luta política dos primeiros anos de 1960.

Para isso, proponho uma caracterização geral do Notícias Populares, o que implica recuperar: 1) os motivos de sua criação; 2) os nomes envolvidos no empreendimento; 3) a tiragem; 4) a forma como o jornal chegou às mãos dos leitores; 5) o projeto gráfico; 6) a forma de apresentação e distribuição dos conteúdos assim como a natureza destes; 7) a linguagem utilizada; 8) as relações que o jornal mantinha com o mercado editorial. Esses aspectos são importantes para a compreensão da linha editorial do Notícias Populares, explicitando o projeto político que orientou seus propugnadores, o lugar das classes populares nesse projeto, bem como a sua forma de inserção no universo político da época. Ainda neste capítulo, por razões já explicitadas, resgato o papel que o jornal Última Hora/São Paulo desempenhou na criação do Notícias

Populares

24

No terceiro capítulo, analiso o discurso político do jornal Notícias Populares a partir dos elementos abaixo relacionados:

1) Anticomunismo. Notícias Populares “alertou” as classes populares sobre as

implicações “maléficas” da implantação de um regime socialista no Brasil e

identificou esse perigo no governo Goulart e no conjunto das esquerdas atuantes

no período.

2) Reformas de base. O objetivo era retirar essa bandeira das esquerdas e de João

Goulart e esvaziar o sentido redistributivo das reformas.

3) “Golpe continuísta”. O jornal insistiu na ideia de que Goulart, herdeiro político

de Vargas, pretendia dar um golpe de Estado para permanecer no poder com o

apoio dos comunistas, entendidos como todo o conjunto dos grupos de esquerda.

4) Leitura liberal da “Revolução Constitucionalista de 1932”. Foi utilizada para

difundir elementos da cultura política liberal entre as classes populares e

justificar o golpe de 1964 como um novo “1932”.

A análise do discurso do jornal foi fundamental para a compreensão da maneira pela qual foi utilizado no combate a João Goulart e às esquerdas, bem como a relação que

Levy pretendeu estabelecer com as classes populares naquele contexto. Cabe ressaltar, no entanto, que não é meu objetivo analisar como esse discurso foi recebido pelos leitores de Notícias Populares, já que, como assinala Motta, “a produção do discurso não é garantia de que tenha impressionado o público, tampouco de que sua mensagem tenha sido interpretada da maneira desejada”29. Mas, se não é possível identificar como as classes populares reagiram ao seu discurso, busco identificar as expectativas dos setores representados por Levy em relação a essas classes.

29 Motta, R., 2006:13. 25

CAPÍTULO 1:- Herbert Levy e o desafio da ascensão política popular

A criação de Notícias Populares, no final de 1963, inseriu-se em um quadro de radicalização política e de crescimento dos grupos de esquerda e dos movimentos populares que marcou o governo João Goulart (setembro 1961/março 1964). Para compreender o papel que esse periódico desempenhou na luta política do período, o objetivo deste capítulo é recuperar as posições assumidas por Herbert Levy, proprietário do jornal, a partir da posse de João Goulart, em 1961, até o golpe civil-militar de 1964.

As posturas de Levy serão analisadas em quatro frentes de atuação: 1) as referências políticas e ideológicas; 2) a relação com as classes populares; 3) a articulação interna às elites; 4) o jogo político-partidário.

Quem foi Herbert Levy?

Herbert Levy nasceu em São Paulo, em 1911, filho da italiana Anna De Matino e de Alberto Eduardo Levy, vice-cônsul inglês que se estabeleceu em São Paulo. Na década de 30, se ligou aos negócios de sua família e se associou ao escritório Percy D.

Levy&Irmãos, que lidava com atividades de corretagem, câmbio e títulos do café emitidos pelo governo de São Paulo. Em 1934, comprou o jornal Gazeta Mercantil, dedicado a assuntos econômicos, e voltado para a elite paulista. Até os anos de 1970, a

Gazeta seria um periódico de pequena circulação. Os investimentos no jornal começariam somente naquela década, quando foi objeto de cuidados mais intensos por parte de Levy devido ao crescente interesse no país por temas econômicos.

Nos anos de 1940, Levy fundou o Banco América que, na época, se tornaria a instituição bancária mais ativa em operações cambiais, superando o Citibank. O Banco

América, que em 1969 se fundiu ao Banco Itaú, era responsável por um terço das letras de exportação em dólares da Praça de Santos, a maior do país. Ao longo dos anos, Levy

26 diversificou seus empreendimentos, investiu em fazendas de café e gado, em corretora de títulos e valores imobiliários, bem como na propriedade de diversos imóveis em São

Paulo.30

Já em 1960, período que interessa a este trabalho, Levy era dono de um conglomerado econômico que envolvia atividades relacionadas ao capital financeiro, agrícola e comercial. Sua atividade como agente econômico não se dissociaria de sua prática política, como deputado federal pela União Democrática Nacional (UDN), entre

1947 e 1965, pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), entre 1965 e 1979, e pelo

Partido Democrático Social (PDS), entre 1982 e 1986. A defesa intransigente dos negócios do café no Parlamento; a aproximação com a Sociedade Rural Brasileira (da qual, no entanto, não fez parte); a oposição ferrenha à lei de remessa de lucros e aos projetos de reforma agrária, durante o governo João Goulart, tudo visava articular suas ações no Congresso Nacional aos seus interesses econômicos privados.

Interessante, também, é destacar a sua formação, no final dos anos de 1930, na

Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP). Ainda que sejam poucas as informações existentes e as menções que ele próprio faz a esse passado, a ELSP parece ter sido importante em sua formação política e empresarial, e na forma como lidaria, posteriormente, com a questão social e o movimento sindical nos anos 1960.

Fundada por um grupo de intelectuais e empresários liderado por Roberto

Simonsen em 1930, a ELSP foi uma das primeiras instituições de ensino superior no estado. Surgiu em um contexto em que o empresariado paulista buscava assumir a liderança na reorganização das relações industriais e na construção de uma nova sociedade urbano-industrial e, para isso, tinha que lidar com um operariado em

30 Para uma biografia de Herbert Levy, ver Lachini, 2002. 27 crescente mobilização, conforme analisa o trabalho Weinstein, com o qual seguirei para a análise das relações entre o empresariado e as classes trabalhadoras.31.

A ELSP estava estreitamente vinculada ao Instituto de Organização Racional do

Trabalho (Idort), instituição que tinha como um dos objetivos promover o aumento da produtividade e a racionalização do trabalho industrial. Os fundadores da Escola consideravam a pesquisa o instrumento adequado para resolver os conflitos sociais. A opção por discutir a questão social como “questão técnica” era uma forma de, mediante o emprego de uma linguagem científica, contornar temas como salários, condições de trabalho e padrão de vida das classes trabalhadoras.32

Desde o final dos anos de 1920, as lideranças industriais paulistas, que tinham na

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) seu principal órgão de representação, consideravam que os termos do debate sobre a questão social haviam mudado. Não se tratava mais de impedir que o Estado interviesse nas relações de trabalho, mas sim de modificar, circunscrever e conformar essa intervenção o mais possível aos interesses dos industriais. As lideranças industriais paulistas, naquele período, adeptas da racionalização, passaram a pregar a paz social, ou seja, o fim dos conflitos entre capital e trabalho, tanto um pré-requisito quanto uma consequência da implantação do seu projeto. A necessidade de harmonia entre as classes tornava necessárias algumas concessões aos trabalhadores, sem, entretanto, dispensar o tradicional apelo às forças repressoras do Estado para manter a ordem33.

No contexto da redemocratização política do Brasil foi criado o Serviço Social da Indústria (Sesi), por inspiração dos líderes da Fiesp e do Ciesp. O principal objetivo do Sesi, expresso tanto nos seus programas sociais quanto nos educacionais, era

31 Weinstein, 2000. 32 Idem, 2000: 94. 33 Idem, 2000: 71-98. 28 combater o “extremismo de esquerda” e o reaparecimento de organizações autônomas entre as classes trabalhadoras. Outro objetivo era desenvolver o espírito da colaboração entre as classes para melhoria e aumento da produção industrial. Uma de suas tarefas mais importantes era demonstrar aos operários as funções sociais da propriedade privada, o que possibilitaria o melhoramento de suas condições econômicas e sociais sem necessidade de subversão das instituições.34

Deve ser destacada a ênfase do Sesi na preparação de líderes sindicais, por meio de aulas de oratória, legislação trabalhista e sindicalismo. Os sindicalistas eram aconselhados a abandonar a luta de classes e, ao mesmo tempo, a não fazer exigências exorbitantes que pudessem prejudicar os interesses, considerados “comuns”, de patrões e empregados. O papel político do sindicato deveria ser limitado, e seus membros educados para a “legítima democracia”, inspirada nos princípios cristãos.35 Essa forma de abordar a questão social e o movimento sindical seria, nos anos de 1960, seguida por

Levy e pelo empresariado articulado em torno do Instituto de Pesquisa e Estudos

Sociais (Ipes).

No entanto, no campo político-partidário, Levy apresentava um posicionamento diferente daquele assumido por setores do empresariado paulista, a começar pelo criador da ELSP, Roberto Simonsen. Nos anos de 1930 e 1940, ao contrário dessas lideranças empresariais que se aproximaram de Getúlio Vargas, Levy se alinhou à elite liberal paulista, que fazia oposição intransigente ao governo Vargas. Entre os integrantes de seu grupo estavam: Armando Salles de Oliveira e Júlio de Mesquita Filho, proprietários do jornal O Estado de S. Paulo; Hermann de Moraes Barros, dono do Banco Sul

Americano; e Waldemar Ferreira, professor de Direito na Universidade de São Paulo.

34 Idem, 2000:167-186. 35 Idem, Ibidem. 29

Com eles, Levy integrou o movimento armado denominado Revolução

Constitucionalista de 1932, que pretendia reverter a marginalização política das forças paulistas e, pelo menos, forçar o governo Vargas a negociar. Na patente de capitão, comandou a coluna Romão Gomes, em Campinas. Para o núcleo liberal paulista, a memória de 1932 se tornaria um dos elementos mais importantes de sua cultura política e seria, ao longo dos anos, mobilizada na luta contra Vargas e seus herdeiros políticos, como João Goulart.

O antigetulismo de Levy se intensificou a partir do Estado Novo (1937-1945) – quando foi preso por seis vezes36 -, e ganhou forma partidária com a criação da UDN, em 1945, partido que o projetou como importante liderança política nacional. Levy foi deputado federal por São Paulo entre 1947 a 1965, e presidente nacional do partido entre 1961 e 1963.

A UDN surgiu como uma frente de oposição à ditadura estadonovista e congregou tendências políticas e raízes históricas variadas. No entanto, o que conferia união a esse partido era a identidade formada principalmente pelo antigetulismo e pela defesa do liberalismo, mas também pela ênfase em uma ética moralista, na tradição e no sentido de excelência de seus membros. Esses aspectos distinguiram a UDN, em termos de imagem e de estilo político, no cenário partidário brasileiro.37

Em São Paulo, a UDN tendeu a ser uma réplica das forças lideradas por

Armando Salles de Oliveira, Herbert Levy e Júlio de Mesquita Filho. Era um agrupamento de elites e expressou os interesses do empresariado agrícola e financeiro,

36 Lachini, 2002:51 37 Sobre a UDN, ver Benevides, 1981 e Dulci, 1986. 30 bem como as ideias dos intelectuais ligados ao jornal Estado de S. Paulo, conforme avalia Dulci.38

Com a volta de Vargas à presidência da República em 1951, dessa vez escorado em milhões de votos, Levy passaria a integrar a ala udenista conhecida como “Banda de

Música”, caracterizada pela oposição intransigente à política social e econômica do governo, defendida principalmente pelo PTB e apoiada pelo PSD, partidos que, à sua maneira, representavam a herança getulista.39 Os componentes da “Banda de Música” combatiam fortemente o modelo nacionalista então adotado, em termos de intervenção do Estado em determinados setores da economia e de controle do capital estrangeiro, bem como a política de ampliação da legislação trabalhista e de maior participação dos trabalhadores na cena política.

Entre os integrantes dessa ala estava , principal líder civil da direita brasileira, e bem conhecido pelos ataques virulentos contra o comunismo. Nas eleições de outubro de 1960, Lacerda se tornaria o primeiro governador eleito do estado da , unidade federada em que se transformou a cidade do Rio de Janeiro após a transferência da capital para Brasília. Nessa condição, montou um excelente palanque de onde lançava severas críticas ao governo, vindo a se tornar a principal voz pública de oposição a João Goulart 40.

Antigetulismo, Liberalismo e Classes Populares

Para entender o sentido da luta política de Levy nos anos de 1960, bem como as mudanças de estratégias em relação às classes populares nesse período, é importante

38 Dulci, 1986:129. 39 Conforme assinala Delgado, no cenário político partidário do pós-1945, a herança getulista foi o elemento catalisador dos conflitos. A ela se vincularam, por apoio, o PTB e o PSD, criados sob inspiração direta de Vargas, e, por negação e oposição, a UDN. Ver Delgado, 2003:135.

40 Sobre Lacerda, ver Motta, M., 2001. 31 qualificar algumas dimensões do projeto liberal defendido por ele nas décadas anteriores.

Segundo Benevides, a herança liberal udenista proveio, em grande parte, do grupo paulista capitaneado por Armando de Salles Oliveira, do qual Herbert Levy foi um dos maiores representantes. Essa herança era marcada tanto pela restrição à intervenção do Estado na economia, quanto por um “liberalismo elitista” baseado na tese da presciência das elites, cujo dever seria educar e guiar politicamente o povo, na medida em que estabelecia reservas quanto à extensão da participação política popular e

à ampliação da legislação trabalhista.41 Para Levy, o povo só teria direito à participação política quando seu nível educacional tivesse atingido um grau apreciável, tal como avaliou em 1958: “é necessário educar o povo a fim de prepará-lo para o exercício da tarefa que, por ora, só é possível aos mais competentes”.42

Uma das consequências dessa defesa do elitismo praticada pelo grupo de Levy na UDN foi o constante apelo à intervenção militar e ao golpe como ações políticas válidas para consertar os “erros do povo”. A contestação dos resultados eleitorais, quando os eleitos eram vinculados ao getulismo, sob o argumento de que o “povo não sabe votar”, ou a identificação dos movimentos sociais com a vitória de Getúlio Vargas, justificavam o apelo ao golpe para “salvar a democracia”.43 Como exemplos, pode-se citar a tese udenista da maioria absoluta, que pretendia invalidar a vitória de Vargas em

1951 e de em 1955, ou a tentativa de impedir a posse de Goulart após a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961.

Ao analisar o liberalismo do grupo de Levy na UDN, Dulci afirma que ele se pautava pelo liberalismo clássico, restrito ao problema da garantia das liberdades

41 Benevides, 1981: 241-258 42 Levy, 1958. 43 Ver Benevides, 1981:252-258 32 individuais, como liberdade de pensamento e livre iniciativa econômica. Nessa vertente, o Legislativo, os partidos, as eleições e instituições que compõem o quadro de representação política em uma democracia representativa eram considerados os únicos meios legítimos de exercício de poder. Para o autor, esse formalismo carregava implicações conservadoras, ao opor o formalismo legal aos direitos sociais, como greves, ou à ampliação da cidadania política, com o voto do analfabeto, o que limitava o sentido da democracia.44

A defesa desse “liberalismo elitista” resultou em uma prática política que marcou a oposição feita pelo grupo de Levy ao segundo governo Vargas (1951-54), especialmente no que toca às relações que o presidente estabeleceu com as classes trabalhadoras. Essa oposição ficou clara com a nomeação de João Goulart para o

Ministério do Trabalho em 1953, com o objetivo de construir uma base de apoio operária que respaldasse politicamente o presidente, e aproximasse o PTB do movimento sindical. No Ministério do Trabalho, Jango iniciou um novo estilo de relacionamento entre Estado e o movimento sindical, baseado na negociação e nas concessões salariais, ao mesmo tempo em que apoiava e incentivava as mobilizações reivindicatórias dos operários e se aproximava das forças de esquerda, incluindo o

Partido Comunista.45 Como avalia Motta, “desde então, os laços entre Goulart e o movimento sindical foram se estreitando, e estes ofereceram apoio decisivo ao presidente [Goulart] em momentos importantes, como na Campanha da Legalidade, que viabilizou sua posse, em agosto de 1961”.46

44 Dulci, 1986:36-45 45 Sobre as relações entre Goulart e o movimento sindical, ver Delgado,1989; Ferreira, 2011 e Gomes, 2006. 46 Motta, R., 2006:103. 33

A movimentação de Goulart junto aos sindicatos, associada à sua crescente popularidade e à proposta de aumento de 100% do salário mínimo, levou Levy, ao lado de Carlos Lacerda e de Aliomar Baleeiro, a articular, na Câmara, uma acirrada oposição ao Ministro do Trabalho, denunciado como subversivo e manipulador da classe operária. As relações de proximidade entre o Estado e o movimento sindical eram interpretadas como uma ameaça às instituições democráticas, e Goulart era acusado de, ao lado de Getúlio Vargas, manobrar os sindicatos com o objetivo de estabelecer, no país, uma “ditadura sindicalista” ao estilo de Perón na Argentina. Esse foi um dos principais argumentos utilizados pelo grupo de Levy para traçar o perfil de Goulart como um “caudilho”, denúncia que o perseguiu ao longo de toda a sua trajetória política e que seria um dos fatores responsáveis por gerar uma poderosa mobilização contra o seu governo. Nesse sentido, vale destacar o pronunciamento de Levy, na tribuna da

Câmara, em 1º de setembro de 1953:

“[...] a ação do Sr. Ministro do Trabalho, João Goulart, cujo ministério passou a constituir um foco de agitação que precisa ser convenientemente policiado e reprimido [...] A atenção especial que dedicamos à atuação do sr. João Goulart à testa do Ministério do Trabalho não é produto de impressões mais ou menos fundamentadas quanto aos objetivos que o orientam, mas provém do conhecimento de fatos que identificam o atual ministro, de maneira iniludível, como adepto de regimes de exceção e inimigo declarado, portanto, das instituições vigentes no Brasil”. [grifos meus]47

Dessa forma, as relações entre Goulart e as classes trabalhadoras, especialmente grupos sindicalistas, foco da retórica oposicionista de Levy desde os anos 50, parecem explicar o investimento que fez, na década seguinte, com vistas à criação de um jornal popular como o Notícias Populares.

Ensaio popular

47 Lachini, 2002: 89 34

Enquanto as relações entre Vargas/Goulart e as classes populares eram denunciadas pelo grupo de Levy como “espúrias”, as sucessivas derrotas da UDN nas urnas levaram setores udenistas a considerarem o partido como “ruim de voto”. Essa constatação mostrava a necessidade de renovação das práticas udenistas para atingir um eleitorado que tendia a participar cada vez mais da arena política.48

Em 1958, ao lado dos deputados Carlos Lacerda e Juracy Magalhães, então presidente da UDN, Levy foi um dos organizadores das chamadas “Caravanas da

Liberdade”, que consistiram em uma série de comícios pelo interior do país, cujo objetivo era popularizar a imagem do partido. A ideia intrínseca nas “Caravanas” era que a UDN precisava “crescer para vencer”, ou seja, tinha que ampliar o seu eleitorado, o que demandava uma maior aproximação do povo. Esse aceno popular da UDN pode ser entendido como uma mudança de tática política, haja vista a centralidade do voto naquele período. Nesse mesmo movimento de busca de ampliação do eleitorado, Levy foi, ao lado de Carlos Lacerda, um dos principais articuladores da candidatura de Jânio

Quadros à presidência da República, a fim de quebrar “os obstáculos impostos entre a

UDN e as massas trabalhadoras”.49 Jânio Quadros era o candidato ideal, pois, ao mesmo tempo em que tinha o prestígio popular, defendia uma plataforma que incluía um programa privatista da política econômica e elementos tradicionais do moralismo udenista, como o combate à corrupção.50

A vitória de Jânio Quadros foi um dos elementos centrais para a eleição de Levy

à presidência nacional da UDN, em abril de 1961. Nessa condição, Levy estabeleceu como objetivo fundamental do partido a sua aproximação com as classes populares. O slogan de sua gestão era “Vamos trazer a UDN para as ruas”. Nesse sentido, organizou

48 Dulci, 1986:150-151 49 O Estado de São Paulo, 26 fev. 1961:3 50 Benevides, 1981:108. 35 uma série de “Concentrações Nacionais Udenistas”, no mesmo espírito das “Caravanas da Liberdade”, dessa vez com vistas às futuras eleições parlamentares marcadas para outubro de 1962. O objetivo era transformar a UDN no partido majoritário no

Congresso Nacional.51

A eleição de Levy para presidir o partido teve outro objetivo: barrar o avanço das propostas do grupo parlamentar chamado “Bossa Nova”, que surgiu, publicamente, na convenção nacional udenista, em abril de 1961. A “Bossa Nova” defendia uma linha ostensivamente oposta à da “Banda de Música”, já que era favorável a algumas medidas de corte nacionalista, como as leis antitruste e de remessa de lucros. Considerado mais progressista na avaliação de alguns, o programa da “Bossa Nova” era visto por Levy como a presença do perigo comunista “disfarçado”.52

Liberdade e justiça social

Na virada de 1950 para a década seguinte, o anticomunismo associado ao liberalismo e ao antigetulismo tornava-se a marca do discurso e da prática de Levy, convertendo-se em um dos elementos mais fortes da cultura política liberal compartilhada por ele, e eixo central da oposição que moveria contra o governo Goulart.

As razões desse anticomunismo eram tanto de ordem externa quanto interna. No plano internacional, sob o impacto da Revolução Cubana em 1959, a América Latina se viu lançada no centro da Guerra Fria. O exemplo dessa Revolução foi reiteradamente acionado por Levy para mostrar que o perigo comunista não era uma realidade longínqua da qual o Brasil estaria imune. Para Levy, o regime cubano era a “ponta de lança revolucionária e antidemocrática no hemisfério”53. Já no plano interno, era visível

51 Ver O Estado de São Paulo, 6, maio 1961:3 52 Benevides, 1981:115 53 O Estado de São Paulo, 8 mar. 1963:3 36 a tendência ao crescimento das organizações de esquerda, especialmente após a posse de João Goulart na presidência da República em 1961.

Segundo Motta, a tradição anticomunista brasileira foi construída a partir de três matrizes: a liberal, a católica e a nacionalista de viés conservador. Essas matrizes se ligavam, respectivamente, aos empresários, aos católicos e aos militares. A matriz liberal enfatizava a defesa da liberdade e da propriedade privada contra o “estatismo comunista”. A católica via o comunismo como uma ameaça à religião e aos valores cristãos. Já a nacionalista conservadora fazia a defesa da integridade da nação, vista como um conjunto orgânico, contra o inimigo externo54.

No entanto, apesar de terem origem e fundamentação diversas, essas matrizes foram combinadas no combate ao comunismo. Foi o que aconteceu com Levy, pois, embora em seu discurso prevalecesse a matriz liberal, isso não o impediu de fazer uso político das outras duas vertentes, do que o lema “Deus, Pátria e Família” é um bom exemplo.

De todo modo, a oposição anticomunista de Levy se fazia principalmente a partir da defesa dos princípios liberais. Em 1958, publicou o livro Liberdade e justiça social, reeditado com grande alarde pela imprensa paulista em 1962, quando o debate sobre as reformas de base estavam a pleno vapor. Seu objetivo era defender a superioridade do liberalismo político e econômico em relação ao comunismo para alcançar o bem estar da coletividade. O livro servia como um alerta ao “perigo” da sedução do povo pelas

“ideologias extremistas”.55

Um dos pontos principais do livro era a ideia de que o comunismo destruía os fundamentos básicos do regime democrático, ou seja, a propriedade privada e o regime de livre iniciativa, símbolos máximos das liberdades consideradas fundamentais pelo

54 Motta, R. 2002:15-47 55 Levy, 1962. 37 liberalismo. Seria por meio da propriedade privada que a liberdade se concretizaria, possibilitando ao homem a maximização de sua capacidade. Ela deveria consolidar-se ao ponto de se constituir o esteio do regime democrático.56

A contraposição entre democracia e comunismo foi um dos argumentos principais de Levy, e servia para enfatizar a luta contra o intervencionismo estatal, já que considerava o “estatismo como o caminho mais curto para a comunização”57. Ao mesmo tempo, é interessante observar que a ênfase na luta contra o intervencionismo estatal na economia servia para relegar ao segundo plano o debate sobre a questão da participação política. Um exemplo disso está na oposição ferrenha que moveu à extensão do voto aos analfabetos, proposta do governo Goulart, que pretendia incorporar ao sistema político, pela via da representação institucional, um significativo contingente das camadas populares. Vale destacar que o direito de voto aos analfabetos só seria incorporado à Constituição brasileira após a redemocratização em 1985.

Na década de 1960, o anticomunismo se converteu em um dos elementos mais fortes do liberalismo professado por Levy e foi, certamente, um dos fatores que o levaram ao desencanto com o governo Jânio Quadros, eleito em outubro daquele ano. A chamada política externa independente, aberta a relações com todos os países, mesmo sob a chancela do udenista Afonso Arinos, então ministro das Relações Exteriores, era denunciada pela “Banda de Música” como a porta de entrada do comunismo no Brasil.

A inesperada renúncia de Jânio Quadros colocou problemas maiores para Levy e seu grupo, já que o vice era um nome pouco confiável. Como já foi dito, João Goulart, além de herdeiro político de Vargas, possuía fortes ligações com sindicalistas e com grupos de esquerda, especialmente os comunistas. Goulart era ainda comprometido com um programa nacionalista e reformista, que incluía desde a reforma agrária até o

56 Idem. Ver também Mendes, 2003. 57 O Estado de São Paulo, 18 jun. 1963:3 38 controle do capital estrangeiro no país. Mas, acima de tudo, seu governo poderia representar a ampliação da participação política das classes populares, que foram vistas como o grande suporte para as ações anteriores do presidente da República e dos grupos de esquerda que o apoiavam. Esses fatores conjugados foram, a meu ver, os motivos que levaram à forte oposição de Levy ao governo Goulart, e que, certamente, viriam a justificar a criação de Notícias Populares.

Parte-se, assim, da hipótese que diversos eventos ocorridos a partir da posse de

Goulart em 1961 funcionaram para Herbert Levy como elementos de pedagogia política, ao guiar sua ação especialmente no que diz respeito às relações com as classes populares. Para tornar mais claro o ponto aqui defendido, ou seja, para compreender a percepção de Levy sobre o campo político do período, bem como as estratégias de atuação então traçadas, entre elas a criação do jornal Notícias Populares, é necessário recuperar o embate político decorrente da renúncia de Jânio Quadros.

Dos idos de 1961...

A renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, gerou grave crise político-institucional. Os ministros militares – general Odílio Denis, da Guerra, vice- almirante Silvio Heck, da Marinha, e o brigadeiro Gabriel Grun Moss, da Aeronáutica – tentaram impedir a posse de João Goulart. As principais acusações que pesavam sobre o vice eram de fomentar agitações nos meios sindicais e de entregar postos-chave aos

“agentes do comunismo internacional”. Segundo Argelina Figueiredo, o objetivo dos ministros militares era aglutinar apoio para um golpe de baixo custo, ou seja, um golpe com aquiescência do Congresso Nacional.58

58 Figueiredo, 1993:37. 39

No entanto, essa tentativa de setores militares de impor um “golpe de baixo custo” foi frustrada graças a uma ampla articulação de diversos setores da sociedade civil, que incluía sindicatos de trabalhadores, estudantes, intelectuais, imprensa e empresários que defendiam a “legalidade”, vale dizer, a preservação da Constituição e das instituições democráticas. Nesse processo, teve destaque a atuação de Leonel

Brizola, então governador do , pelo PTB, que organizou uma cadeia nacional de comunicações, a Rede da Legalidade, e por ela conclamou a população do país a resistir ao golpe, projetando-se como uma importante liderança política no campo das esquerdas e capturando a bandeira da legalidade para esse campo.59

Em todas as partes do país surgiram manifestações de apoio popular à posse de

Goulart, sobretudo por meio de greves de trabalhadores. Na crise da renúncia, os trabalhadores de vários estados criaram o “Comando Geral de Greve” (CGG), com sedes em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, cujo único objetivo era defender a posse de Goulart.60 Em São Paulo, o maior parque industrial do Brasil, a greve geral em defesa da legalidade mobilizou diversos setores, entre eles o têxtil, o portuário, o bancário, o metalúrgico e o de transportes, que constituíam a parcela mais dinâmica do sindicalismo desse estado. No Rio Grande do Sul, foram formados “batalhões operários” que seguiram os apelos de Brizola e se mobilizaram para defender a

Constituição.61

Dentro e fora do Congresso Nacional formou-se uma ampla coalizão para preservar a legalidade. No entanto, enquanto os grupos de esquerda, liderados por

Brizola, defendiam a posse imediata de Goulart sob o regime presidencialista, outros atores mais moderados, como setores da UDN e do PSD, com o apoio da ala legalista

59 Sobre a resistência à tentativa de golpe em 1961 e o papel de Brizola nesse processo, ver Ferreira, 2005. 60 Delgado, 1986: 51-52. 61 Ferreira, 2005:288 40 das Forças Armadas, conduziam negociações com vistas à alteração da Constituição, introduzindo o parlamentarismo como regime político.

A crise de 1961 abriu um dos períodos mais agitados da vida política do país, marcado, sobretudo, pelo protagonismo das classes populares. Para autores como Daniel

Aarão Reis, a resistência a essa tentativa de golpe deve ser tomada como o marco da ascensão política dessas classes, processo que se esboçava desde a redemocratização, em 1945, e que iria em um crescendo até o golpe em 1964.62 Ao longo do governo

Goulart, parcelas significativas dos trabalhadores da cidade e do campo, com base em organizações próprias, uniram-se aos grupos de esquerda na defesa de um conjunto de reformas na sociedade conhecido pela expressão “reformas de base”, alicerce do programa de governo.

O objetivo dessas reformas era alterar as estruturas política, econômica e social do país, a fim de promover uma sociedade mais igualitária por meio da ampliação da participação política popular. O carro-chefe era a reforma agrária, mas também havia as reformas urbana, bancária, fiscal, universitária e eleitoral, com ênfase na extensão do voto ao analfabeto e aos subalternos das Forças Armadas, além da legalização do

Partido Comunista Brasileiro (PCB). A ampliação da intervenção do Estado na economia, o controle do capital estrangeiro nos setores estratégicos e o incentivo ao capital nacional faziam parte do programa reformista.

A posse de Goulart representou também um fortalecimento das organizações de esquerda. Naquele momento, a etiqueta “esquerda” era atribuída a organizações, partidos, movimentos, frentes e grupos sociais que apoiavam as reformas de base. As ideias e estratégias das esquerdas nem sempre coincidiam, já que se tratavam de

62 Reis, 2001:324-325, 328-331 41 organizações bastante heterogêneas63. No campo, elas estavam representadas pelas

Ligas Camponesas, as quais, surgidas no final da década de 1950, tinham como objetivo organizar os trabalhadores rurais para a luta pela reforma agrária e pela extensão dos direitos trabalhistas. Na década de 1960, sob a liderança do advogado Francisco Julião, setores mais radicais, influenciados pela bem sucedida experiência cubana, aderiram ao projeto revolucionário de guerrilhas no campo.

Na cidade, destacava-se o movimento sindical liderado pelo Comando Geral dos

Trabalhadores (CGT), criado em 1962, com forte papel na politização à esquerda dos trabalhadores urbanos. Sua direção era partilhada entre o PTB e o PCB. Havia ainda o movimento estudantil, representado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), que defendia uma aliança entre estudantes, operários, camponeses e militares nacionalistas.

Os suboficiais das Forças Armadas, em especial os sargentos, entraram no cenário político como força atuante no campo das esquerdas, principalmente a partir da crise de agosto de 1961. Apresentavam-se como o “povo em armas”, e estavam afinados com as demandas de ampliação da cidadania. Entre outros aspectos, reivindicavam o direito de eleger e serem eleitos para os cargos legislativos.

No campo partidário, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), organização de maior tradição no campo das esquerdas, pregava a necessidade de um partido operário organizado como vanguarda da revolução comunista. A partir de 1958, adotou uma linha moderada, ao defender mudanças graduais, de forma pacífica, em direção ao socialismo. Havia também organizações menores, como o Partido Comunista do Brasil

(PCdoB) e o Partido Operário Revolucionário Trotskista (POR-T), influenciadas pelas experiências revolucionárias da e de , e com pouca penetração na sociedade.

63 Sobre as esquerdas e suas estratégias, ver Ferreira, 2004. 42

Deve-se incluir ainda a Ação Popular (AP), de origem católica, que havia adotado o socialismo, embora recusasse o marxismo, e que possuía ampla aceitação entre os estudantes universitários.

No raiar dos anos de 1960, o PTB poderia ser dividido em duas grandes facções: um grupo moderado, que postulava reformas moderadas e defendia maior aproximação com o PSD; e um grupo ideológico, que procurava manter uma linha de independência em relação a Goulart e defendia a realização de reformas de cunho radical, além da adoção de políticas antiimperialistas como a expropriação de empresas estrangeiras.

Neste último grupo, destacavam-se os “nacional-revolucionários”, que seguiam a liderança de Brizola. Desde a sua atuação na campanha pela legalidade, Brizola expressou e unificou ideias e crenças dos grupos esquerdistas, representando o que havia de mais à esquerda no trabalhismo brasileiro. À medida que aumentava seu prestígio político e popularidade, rivalizava com Goulart pela liderança nos campos popular e da esquerda64.

Vale destacar que o PTB, naquele momento, havia se tornado “o principal fórum de agitação e debates em torno do ideário nacionalista e das reformas de base”, conforme analisa Maria Celina d‟Araujo65. De fato, no final dos anos de 1950, o partido buscou ampliar suas bases sociais por meio do alargamento de seu projeto político que extrapolou os interesses específicos do mundo do trabalho. Iniciou, assim, o planejamento de um projeto nacional, que conjugava a defesa dos direitos do trabalhador a um conjunto de reformas de caráter nacionalista, reformista e distributivista, que ficaram conhecidas como “reformas de base”, e que formaram a base do programa do partido. A campanha de João Goulart em 1960, com vistas à

64 Idem. 65 D‟Araújo, 1990:199. 43 recondução ao cargo de vice-presidente que ocupava desde 1956 em dupla com

Juscelino Kubitschek, tinha na defesa dessas reformas sua principal bandeira66.

Ao longo do governo Goulart, esses grupos de esquerda formaram o que

Argelina Figueiredo denominou de “coalizão radical pró-reformas”, que adotou, gradativamente, estratégias de ação direta, por meio de mobilizações populares nas ruas, a fim de pressionar o Congresso Nacional para aprovar as reformas de base. A coalizão radical pró-reformas descartava concessões e compromissos e adotava uma estratégia maximalista, principalmente em torno da reforma agrária.67

Lições de 1961

No que toca especificamente a Levy, importa destacar a sua percepção sobre o campo político aberto com a posse de João Goulart, já que foi a partir dessa percepção que ele traçou suas estratégias de luta, entre elas Notícias Populares.

Na qualidade de deputado federal e presidente nacional da UDN (1961-1963),

Herbert Levy participou ativamente das articulações que resultaram na adoção do parlamentarismo, em ampla conexão com políticos do PSD, como Ernani Amaral

Peixoto. Forte adversário de Goulart, compartilhava a ideia de que o parlamentarismo seria a solução adequada, pois diminuiria os poderes do presidente da República, no momento em que as elites política e econômica do país encontravam-se divididas, e em que os movimentos populares forneciam apoio decisivo à posse do vice-presidente, eleito por voto popular.

No entanto, os episódios de 1961 funcionaram como uma espécie de pedagogia política para Levy, em função da forte mobilização e do apoio popular dado a João

66 Sobre o PTB, ver também Delgado, 1986; Gomozias, 2010. 67 Figueiredo, 1993:66. 44

Goulart, bem como da ampla articulação dos grupos de esquerda capitaneados por

Brizola.68 Nesse sentido, a visão liberal elitista, marca da atuação de Levy desde os anos de 1930, foi fortemente tensionada pela mobilização das classes populares em busca de reconhecimento como contendores políticos estratégicos. Assim, parece ter prevalecido a ideia de que, a partir daquele momento, intervenções no processo político brasileiro só poderiam ser realizadas se contassem com o apoio dessas classes ou, alternativamente, com a sua neutralização. Isso ficou evidente na postura assumida por Levy, que liderou os setores udenistas e empresariais paulistas os quais, em busca de eficácia política, reorientaram suas práticas de atuação, passando a adotar as mesmas táticas de mobilização popular que, no passado, haviam condenado como “ilegítimas” e fruto da

“demagogia populista”.

Essa linha de atuação vinha se esboçando desde o final dos anos de 1950, com as

“Caravanas da Liberdade”, já descritas. Entretanto, o objetivo das Caravanas era limitado à conquista do voto popular. No governo Goulart, esse objetivo foi ampliado para estratégias que pretendiam competir com o governo e as esquerdas na mobilização da classe trabalhadora nos diversos espaços políticos, especialmente no campo sindical.

Além disso, o perigo representado por uma possível adesão das classes populares aos projetos de esquerda era agravado pelo quadro internacional de Guerra

Fria. Nesse contexto, as esquerdas brasileiras de diversos matizes foram rotuladas de comunistas, pois, mesmo a esquerda não-revolucionária era considerada perigosa por abrir caminho para a progressão do comunismo. Por exemplo, a vitória da reforma

68 A ideia de que os episódios de 1961 serviram de pedagogia para os “grupos de direita” é discutida também nos trabalhos de Dreifuss, 1987 e Mendes, 2003.

45 agrária poderia abrir caminho para outras propostas mais radicais, como a expropriação urbana ou das indústrias.

Outra lição que parece ter sido tirada dos episódios de 1961 foi a de que setores da elite do país deveriam se articular e reforçar sua unidade. Essa articulação tomou forma com a criação do Ipes, em novembro de 1961. Ao lado de integrantes do núcleo liberal paulista como Hermann Moraes de Barros e Júlio de Mesquita Filho, Levy começou a participar de uma série de reuniões entre empresários paulistas e cariocas, cujo objetivo principal era estimular uma reação ao que foi percebido como uma tendência esquerdista na vida política do país. Além de setores influentes do empresariado, o Ipes congregava políticos e militares em defesa de um projeto que exaltasse as vantagens da livre iniciativa e da associação com o capital externo em comparação com aquelas oferecidas pelo comunismo e o estatismo. Fundamental para o sucesso desse projeto seria a vitória na disputa com o governo e as esquerdas pelos diversos espaços políticos, principalmente aqueles ocupados pelos setores

“subordinados” da sociedade.

Pela congruência de valores e objetivos, o Ipes incorporaria, em julho de 1962, o

Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), criado em 1959 para combater o comunismo e intervir na vida política do país. O Ibad atuava principalmente em duas frentes: no Congresso Nacional, por meio do financiamento da candidatura de parlamentares anticomunistas; e na mídia, com a difusão de amplo material antigovernista e anticomunista.69

Levy participou das atividades do Ipes/Ibad, sem, entretanto, deixar de lado sua própria campanha feita através da UDN. Ao longo do governo Goulart, sua atuação

69 Sobre o Ipes\Ibad, ver Dreifuss, 1987. 46 política se desenvolveu em três frentes: na disputa com as esquerdas pela influência sobre as classes populares; na articulação entre setores das elites; e no jogo político- partidário. Pode-se dizer ainda que no grupo político de Levy estava representado o núcleo liberal, composto tanto por setores do empresariado paulista articulado em torno do Ipes, como Herman Moraes de Barros e Júlio Mesquita Filho, quanto por parlamentares udenistas da “Banda de Música”, entre eles Carlos Lacerda, Abreu Sodré,

Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro, entre outros.

Quem era o povo a ser conquistado?

Reafirmada a hipótese de que uma das metas de Levy durante o governo Goulart foi a conquista do apoio das classes populares, é bom registrar que havia um interesse particular nos trabalhadores sindicalizados, considerados o principal suporte político do governo e dos grupos de esquerda. Afinal, o processo mais amplo de crescente participação popular se verificou, sobretudo, na intensificação do movimento sindical, apor meio do aumento do número de greves, da criação de intersindicais, da visibilidade dos sindicatos e de sua participação na formulação de pautas nacionais.70 Para isso muito contribuiu a aliança entre trabalhistas e comunistas nos meios sindicais, compondo uma corrente à esquerda que acabou por hegemonizar a parcela mais significativa e representativa do movimento sindical do período.71

Entretanto, a aliança entre PTB e PCB não foi feita sem tensões e de forma linear. Segundo Santana, os dois partidos competiam em aliança, buscando sempre, de forma estratégica, o avanço de suas posições sobre os demais aliados72. Dentro do PTB, existiam ainda diferentes propostas quanto às relações com o movimento sindical, com destaque para duas: uma mais identificada com práticas sindicais ligadas ao Ministério

70 Mattos, 2003:38-39. 71 Santana, 2007:267 72 Idem, Ibidem. 47 do Trabalho; outra, que se radicalizou ao longo do tempo e se identificava com o movimento “mais vivo” dos trabalhadores.73

A intensificação do movimento sindical se verificou em São Paulo, estado com o maior parque industrial do país. Embora tivessem que enfrentar a concorrência de ademaristas e janistas e outras correntes trabalhistas, o PTB e o PCB, muitas vezes em aliança, conquistaram progressivamente os principais sindicatos paulistas no período.74

Os estudos recentes sobre o movimento operário paulista, como os de Luigi Negro e

Fernando Silva, mostram como os militantes do PTB e do PCB demonstraram capacidade de organizar e mobilizar o movimento sindical para além do discurso de orientação de cúpula partidária.75 Mostram, também, como não houve predomínio de greves no setor público em detrimento do setor privado, como tradicionalmente se afirma na historiografia, e que frequentemente serve como argumento para indicar uma suposta fraqueza do movimento sindical paulista da época.

Trata-se de um período fértil na criação de intersindicais que pretendiam unir diferentes categorias de trabalhadores a fim de dotá-las de organizações fortes para expressar demandas salariais e políticas coletivas. Essas organizações decorriam da tentativa de líderes de esquerda de fugir da estrutura sindical corporativa criada para evitar a politização das questões trabalhistas e, ao mesmo tempo, restringir as reivindicações ao plano exclusivamente salarial. Entre as principais intersindicais que atuaram no período, especialmente no cenário paulista, destacam-se o Pacto de Ação

Conjunta (PAC), o Fórum Sindical de Debates (FSD), ambos reunindo os principais sindicatos de trabalhadores das empresas privadas de São Paulo e, por fim, o Comando

Geral dos Trabalhadores (CGT), com expressão em âmbito nacional e presidido por

Dante Pellacani, do PCB de São Paulo.

73 Delgado, 1986. 74 Ver Benevides, 1989. 75 Negro, 2001 e 2003; Silva, 2003. 48

Fundado em agosto de 1962, o CGT foi a mais importante entidade do gênero e reuniu os mais ativos sindicatos brasileiros, entre eles os dos marítimos, dos ferroviários, dos portuários, e de diversas categorias de trabalhadores fabris. Controlado pelo PTB e pelo PCB, adquiriu grande notoriedade em âmbito nacional, tornando-se um importante instrumento de pressão política. O CGT pretendia tanto ampliar o leque de conquistas econômicas das classes trabalhadoras, como também interferir diretamente nas decisões políticas do país ao articular a luta dos sindicatos com instituições comprometidas com as reformas de base.76

O estreitamento das relações entre os sindicatos sob orientação do CGT e o governo Goulart permitiu uma ampliação da influência das lideranças sindicais no cenário político nacional. Ao mesmo tempo, fornecia elementos que reforçavam as denúncias do perigo da instauração de uma “República Sindicalista” no país, assunto que será tratado no último capítulo.

No entanto, embora houvesse uma crença do movimento sindical no governo

Goulart como um canal de ampliação dos direitos, o CGT não deixou de manter certa independência, já que se uniu aos grupos mais à esquerda, radicalizou a luta pelas reformas de base, contrariando o governo que temia o acirramento dos ânimos conspirativos das forças golpistas.77

É fácil entender por que Herbert Levy fez da disputa no campo sindical uma de suas principais estratégias políticas. A fim de contrabalançar a força da esquerda nos meios operários, intensificou seu envolvimento com sindicatos anticomunistas, como o

Movimento Sindical Democrático (MSD).

Estratégias de conquista

76 Negro; Silva, 2003:72-73 77 Idem, Ibidem. 49

O MSD, criado em julho de 1961, era chefiado pelo presidente da Confederação

Nacional dos Trabalhadores no Comércio, Antônio Magaldi. Constituiu-se como uma frente sindical de caráter anticomunista, favorável à empresa privada, cuja mensagem baseava-se na negação da luta de classes, e na busca do consenso entre empresário e trabalhador com vistas à conquista de uma maior produtividade que beneficiasse a ambos. Defendia, ainda, uma concepção corporativa da estrutura sindical, que excluía a participação dos sindicalistas na vida política nacional e, por isso mesmo, passava ao largo das discussões sobre as reformas de base.78 Nas principais greves políticas ocorridas no país ao longo do governo Goulart, o MSD atuou para conter e condenar as mobilizações sindicais. Vale destacar que Levy, que havia apoiado a fundação do MSD em 1961, só veio a efetivamente estreitar seus laços com essa organização no governo

Goulart.

No entanto, a despeito dos esforços de Herbert Levy e do Ipes, o MSD não foi um sério concorrente aos sindicatos liderados por trabalhistas e comunistas, e nem obteve a adesão dos sindicatos que constituíam a base de apoio efetivo ou potencial do

Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Enquanto a esquerda sindical dominava quatro das seis confederações de estrutura sindical corporativa, o MSD era forte em apenas duas: a dos Trabalhadores do Comércio e a dos Trabalhadores em Transportes

Terrestres. Esse fato revelava o engajamento sindical à esquerda dos trabalhadores no período.

Essa forma de aproximação de Levy com o sindicalismo se alinhava a uma determinada prática do empresariado paulista em relação à questão operária. Conforme discutido no início do capítulo, desde a redemocratização, em 1945, as lideranças

78 Sobre o MSD, ver Delgado, 1989:266-273; Dreifuss, 1987; Negro; Silva, 2003 e Weinstein, 2000:343- 344. 50 industriais paulistas passaram a atuar dentro das próprias organizações operárias a fim de construir uma base ideológica e de comportamento político em consonância com a sociedade industrial. Nesse sentido, a crescente mobilização operária no governo

Goulart deu origem não tanto a uma nova orientação do discurso das lideranças empresariais em relação ao movimento sindical, mas a uma amplificação dos seus temas. Para competir no meio sindical, o empresariado articulado em torno do Ipes desenvolveu, por exemplo, atividades de doutrinação e treinamento de lideranças operárias, e organizou seminários e congressos sindicais. O objetivo era enfatizar a função social do capital e promover a possibilidade de ascensão econômica individual como alternativa à luta de classes.79

No entanto, diante da crescente mobilização dos trabalhadores afinados com as propostas do PTB, Herbert Levy incorporou elementos da legislação trabalhista no seu discurso político. Como exemplo, a forte defesa que fez, em 1963, da aprovação do salário-família ou da escala móvel de salário, com objetivo de tirar do PTB a autoria desses projetos e usá-los como trunfo na luta pelo apoio da classe trabalhadora.

O campo político parlamentar (1961-1962)

Outro espaço importante da luta política de Levy contra a ameaça de uma esquerda em ascensão foi o campo parlamentar. Na qualidade de presidente da UDN, liderou a campanha pela imposição do parlamentarismo como resposta à crise político- militar à posse de Goulart na presidência da República. Tal posição advinha tanto de razões programáticas, já que o parlamentarismo era parte do programa udenista desde

1957, quanto conjunturais, em face da intenção de exercer controle sobre o dispositivo político do presidente a ser empossado.80

79 Ver Dreifuss, 1987:305-319. 80 Dulci, 1986:176. 51

O parlamentarismo como arranjo institucional, segundo Argelina Figueiredo, excluía a possibilidade de aprovação e adoção de um programa abrangente de reformas políticas e sociais mais profundas, consideradas radicais por alguns setores.81 Nesse sentido, o primeiro gabinete parlamentarista (setembro de 1961 a junho de 1962), capitaneado por , do PSD, caracterizou-se por uma tentativa de formar um governo de coalizão, contendo representantes de diversos espectros políticos, incluindo a UDN. Conhecido como “gabinete da conciliação”, tinha uma abordagem cautelosa das reformas, evitava questões como desapropriações e redistribuição de terra, a fim de não ameaçar interesses arraigados.

Para conter o “esquerdismo demagógico”, as críticas de Levy eram direcionadas

às “omissões de Tancredo Neves e a absorvente intromissão de João Goulart na área de competência constitucional do gabinete”82. Ao mesmo tempo, articulava, junto com

Amaral Peixoto, presidente nacional do PSD, uma “aliança de centro” no sentido de formar “uma frente comum daqueles que professam o regime democrático e que queiram realizar as verdadeiras reformas de base, sem agitação, sem demagogia”83. O objetivo de Levy era obter maioria no Congresso para estabelecer uma coalizão de veto

às propostas do Executivo e, dessa forma, contornar possíveis ameaças provenientes de uma esquerda em ascensão.

Vale destacar que, embora o PSD continuasse um aliado formal do PTB na sustentação do governo Goulart, o contexto de polarização ideológica que marcou o período também atingiu o interior do partido, provocando divisões internas e sua fragmentação. Nesse sentido, setores mais conservadores, assustados com o crescente perfil reformista do PTB, embora não passassem à oposição ostensiva ao governo, estabeleceram uma aliança tácita com a UDN.

81 Figueiredo, 1993:53 82 O Estado de São Paulo, 7 jan. 1962:3 83 Idem, Ibidem. 52

Segundo Lucia Hipólito, o PSD, partido majoritário no Congresso Nacional, foi o principal partido de centro e o fiador do sistema político brasileiro no período entre

1945-1964. Entretanto, durante o governo Goulart, as divisões internas no partido deram origem a três correntes. A primeira, foi formada pelo grupo que se opunha à

Goulart. Embora não assumisse qualquer compromisso com as decisões do presidente da República, somente no início de 1964 decidiria romper os vínculos com a legalidade.

Na segunda corrente, estavam os setores mais à esquerda, a “Ala Moça”, reunidos na

Frente Parlamentar Nacionalista, o que, entretanto, não implicava apoio automático às propostas do Executivo. A terceira, era liderada por Juscelino Kubitschek e se dispunha a apoiar ostensivamente o governo. Foi por meio desse grupo que o PSD auxiliou

Goulart a superar os impasses no Legislativo. Buscando um equilíbrio entre essas áreas, situava-se Amaral Peixoto, embora sua tendência fosse cada vez mais para uma aliança com a UDN84.

Para selar a aliança entre PSD e UDN, Levy percorreu, ao longo de 1962, os diversos estados da federação para estabelecer contatos com dirigentes partidários e governadores, a fim de superar as áreas de atrito entre os dois partidos. Ao mesmo tempo, dentro da própria UDN, tinha que enfrentar o grupo “Bossa Nova”, favorável a certas reformas defendidas pelo governo. Vale destacar que as teses deste grupo jamais foram vitoriosas dentro do partido, obrigando-o a compor com o PTB na Frente

Parlamentar Nacionalista (FPN), bloco interpartidário que defendia o nacionalismo e as reformas de base no Congresso. Levy foi ainda um dos mais ferrenhos defensores da expulsão de militantes udenistas da “Bossa Nova”, como o deputado Ferro Costa.85

Vale notar que o quadro mais comum naquele cenário político era a união de partidos adversários na defesa de interesses comuns, e a divergência entre grupos dentro

84 Hipólito, 1985:222- 223 85 O Estado de São Paulo, 18 set. 1962:3 53 do mesmo partido.86 A formação de frentes parlamentares, que incluíam políticos de diferentes agremiações, tornou-se a alternativa política naquele contexto. Levy, por exemplo, integrou a Ação Democrática Parlamentar (ADP), criada para se contrapor às propostas da FPN. A ADP era constituída principalmente por políticos da UDN e do

PSD, mas também contava com alguns deputados dissidentes do PTB, além de partidos menores. Suas principais bandeiras eram a defesa da iniciativa privada, do liberalismo, do alinhamento aos EUA e do apoio incondicional aos investimentos estrangeiros no

Brasil.87 Os deputados da ADP recebiam apoio financeiro e ideológico do Ibad para dar combate ao projeto das esquerdas no Congresso Nacional.

No entanto, apesar da oposição histórica ao herdeiro político de Vargas, Levy, até o início de 1962, ainda não considerava João Goulart como um inimigo irreconciliável. Na contramão de seu próprio grupo dentro da UDN, tentou atrair o presidente da República para o campo das forças políticas por ele denominadas de

“centro”. Em declaração ao jornal O Estado de São Paulo, em novembro de 1961, comentava:

“Goulart poderia situar-se num plano histórico de onde poderia divisar uma outra perspectiva para a sua alta contribuição à consolidação do regime parlamentarista. Curvando-se ao espírito do regime, o presidente nele desempenharia as funções de um poder moderador, ao qual todos recorreriam nos momentos de crise”88

O recado era claro: Goulart teria apoio desde que se adequasse aos limites impostos pelo parlamentarismo, e afastasse a esquerda do círculo de poder.

Nas suas declarações pela impressa, Levy comentava: “a UDN deve esquecer o passado e viver o presente e o futuro”89. Interessante observar que a posição de Levy em relação a João Goulart não pode ser confundida com a do governador mineiro da UDN,

86 Benevides, 1981:179 87 Delgado, 2003:150-151. 88 O Estado de São Paulo, 10 nov. 1961:3 89 Lachini, 2002:130. 54

Magalhães Pinto. Este último se aproximava do presidente da República e das forças de esquerda interessado na antecipação do plebiscito e na formação de uma base popular visando às eleições presidenciais de 1965.

Como membro da comitiva do presidente da República em sua visita oficial aos

EUA, em abril de 1962, Levy foi autorizado por Goulart a discutir com o presidente

Kennedy os problemas da superprodução do café, questão que afetava diretamente seus interesses econômicos.90 Na volta ao Brasil, passou a distribuir elogios e afagos ao presidente da República.

Apesar dessa iniciativa ter-lhe rendido severas críticas públicas dos udenistas da

“Banda de Música”, o episódio é relevante, pois mostra que a solução golpista ainda não estava no horizonte do grupo liberal. Até o final de 1962, a conquista do poder pelas vias institucionais, ou seja, pelo processo político eleitoral, era o objetivo maior.

Apoiar um golpe gerava o risco de interromper esse processo. Levy apostava fortemente na vitória de Carlos Lacerda à presidência da República nas eleições previstas para

1965, como forma de a UDN chegar, finalmente, ao poder, já que a tentativa com Jânio

Quadros havia sido frustrada. Além disso, ele seria o provável candidato da UDN paulista ao governo de São Paulo.91

No entanto, a reconciliação com Goulart foi abandonada quando, a partir de maio de 1962, se tornou claro que o presidente estava interessado em inviabilizar o parlamentarismo e voltar ao sistema presidencialista. De fato, desde que assumiu a presidência, Goulart adotou duas estratégias políticas. A primeira foi reaproximar o

PTB do PSD, na tentativa de formar uma maioria no Congresso Nacional para aprovar as reformas de base de modo consensual. As reformas seriam fruto de acordos e negociações e, portanto, mais moderadas do que desejavam as esquerdas mais radicais

90 O Estado de São Paulo, 5 abr. 1962:3 91 Levy, 1990. 55 lideradas por Brizola. A segunda estratégia foi minar o regime parlamentarista e restituir os poderes do Executivo, com o que contava com forte apoio dos grupos reunidos na

“coalizão radical pró-reformas”, com destaque para o movimento sindical. Brizola, liderando as esquerdas mais radicais, afirmava que o Legislativo, ao aceitar o parlamentarismo, havia perdido sua legitimidade.92

A partir daí, Levy assumiu uma linha de oposição e fiscalização do presidente e recuperou o velho estilo de oposição udenista marcado por denúncias e vigilância, que foi em um crescendo até a deposição de João Goulart em 1964. As denúncias das

“intenções golpistas” de Goulart e do perigo da comunização do país assumiram o primeiro plano dessa oposição.

O ponto principal defendido por Levy, que se tornaria o mote da oposição até o final do governo Goulart, proclamava que havia um acordo entre o “caudilhismo ditatorial”, representado pelo presidente da República, com o comunismo, representado pelas esquerdas de diferentes matizes. O intuito era eliminar a democracia no Brasil. Os comunistas colocavam-se ao lado de Goulart para realizar a sua política do “quanto pior, melhor”, ou seja, levar o país ao caos e à anarquia, para criar um clima propício para a revolução93. Goulart, por sua vez, buscava aliança com os comunistas com o intuito de permanecer no poder. Segundo Levy:

“a realidade é que a extrema direita, representada pelo caudilhismo redivivo no Brasil, e a extrema esquerda se encontram unidas em mais uma dessas alianças ímpias de que a História nos dá vários exemplos, cada qual com objetivos diferentes, uma procurando servir-se da outra para alcançar seus propósitos”94

92 Ferreira, 2003:350. 93 O Estado de São Paulo, 1 dez. 1962:3 94 Idem, Ibidem. 56

Na visão de Levy, o campo político estaria divido em três forças: a “extrema direita” ou o caudilhismo redivivo na figura de João Goulart; a “extrema esquerda”, interessada na comunização do país, e as forças de “centro”, representadas pela união entre UDN e PSD, que seriam as verdadeiras forças democráticas.

A campanha pelo plebiscito

Em maio de 1962, Goulart se aproximou das forças de esquerda e da Frente

Parlamentar Nacionalista e deu início à campanha pelo retorno do presidencialismo. Em junho, com pretexto de se desincompatibilizar para concorrerem às eleições de outubro de 1962, todos os ministros do Gabinete Tancredo Neves pediram demissão, apesar dos esforços, fracassados, de Levy e Amaral Peixoto no sentido de fazer aprovar a emenda

“Mem de Sá”95. Essa emenda tinha como o objetivo permitir a candidatura dos ministros

às eleições parlamentares de 1962 sem necessidade de desincompatibilização. A saída do gabinete Tancredo Neves, sabia Levy, abriria o caminho para a volta do presidencialismo e a restituição dos poderes a Goulart.

Com a renúncia de Tancredo Neves, San Thiago Dantas, que, à frente do

Ministério das Relações Exteriores, havia patrocinado a continuidade da política externa independente, recebeu o apoio das forças das esquerdas e do movimento sindical para assumir o cargo de primeiro-ministro. Entretanto, udenistas e pessedistas vetaram a sua indicação. Diante dessa resistência, Goulart, em uma clara manobra para causar um impasse político, nomeou Auro de Moura Andrade, presidente do Senado, apoiado ostensivamente pela UDN e pelo PSD.96 A reação das esquerdas foi imediata. O movimento sindical declarou greve geral pela nomeação de um gabinete nacionalista.

As mobilizações populares, naquele momento, davam suporte à estratégia de boicotar o parlamentarismo. Como mostra Delgado, foi um período no qual a prática

95 A emenda Mem de Sá foi rejeitada no Senado por 33 votos a 10. Hipólito, 1985:216 96 Auro de Moura Andrade havia ficado contra a posse de Goulart em 1961 e apoiaria do golpe em 1964. 57 político-partidária foi permeada, sem disfarces, pela prática sindical e vice-versa 97.

Assim, em 5 de julho, o movimento sindical brasileiro realizou a sua mais importante greve geral do período. Convocada por CNTI, PAC, FSD e outras entidades, lideradas por trabalhistas e comunistas, a greve reivindicava um gabinete nacionalista capaz de efetuar as reformas de base, além da aprovação do abono do Natal e do salário-família.

Combinava, dessa forma, lutas econômicas e políticas, o que marcaria o movimento sindical no período98

A organização da greve de julho levou à renúncia de Auro de Moura Andrade, antes mesmo de assumir o ministério, e à indicação de Brochado da Rocha, ex- secretário do Interior de Brizola, claramente comprometido com a antecipação do plebiscito e a volta do presidencialismo. Além disso, como um dos resultados dessa greve foi criado o CGT, em agosto de 1962. Em setembro, o movimento sindical voltaria à tona. Dessa vez, a tese do gabinete nacionalista seria substituída pela reivindicação da antecipação do plebiscito para viabilizar as reformas de base.

Como reação à pressão das esquerdas, Levy denunciava a “crise artificial” insuflada no sentido de “coagir o Congresso em uma tentativa de solapar as instituições democráticas” e outorgar maiores poderes ao presidente. Um dos grandes perigos que se desenhou nesse processo foi o suporte que o movimento sindical deu às pretensões de

João Goulart. Sem bases parlamentares, o presidente mobilizava apoio fora do

Congresso Nacional e a estratégia obtinha sucesso. Novamente a lição: a esquerda ganhava as ruas e precisava ser freada nesse processo.

Por isso Levy intensificou sua inserção junto ao movimento sindical. Por meio do Ipes, incentivou organizações que fizessem frente aos sindicatos alinhados com as esquerdas e o governo. Uma de suas estratégias para desqualificar o movimento sindical

97 Delgado, 1989:236 98 Melo, 2009:113 58 de esquerda era atribuí-lo a um grupo restrito e sem capilaridade social, bem como vinculá-lo à ameaça comunista. O objetivo era mostrar as greves de julho e setembro de

1962 como eventos artificiais. Levy salientava sua preocupação em eliminar do controle dos sindicatos “a influência de doutrinas importadas, onde se vê a existência não de preocupação de atender aos trabalhadores, mas de vincular ideias incompatíveis com a nossa formação”. Segundo ele, a presidência nacional da UDN estaria disposta a auxiliar os líderes sindicais que desejassem realmente a “democratização” no sindicalismo brasileiro.

Assim, entre julho e setembro de 1962, Levy apoiou as caravanas em direção a

Brasília organizadas pelo MSD, representando sindicatos da Guanabara, de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Goiás, de Santa Catarina, do Paraná e do Rio Grande do Sul. O objetivo era, por meio de contrademonstrações de força, desagravar o Congresso

Nacional da pressão sindicalista à esquerda. Afirmando-se como “de fato e de direito representante da grande maioria ativa do operariado brasileiro”, para a liderança do

MSD, a greve geral de julho “não passa de grossa chantagem praticada por aqueles que se apoderam das cúpulas das principais organizações sindicais operárias do Brasil”99.

Acentuava, também, que “os falsos dirigentes pretendem servir aos interesses de certa potência imperialista e autoritária”, em referência clara à URSS.

A ideia principal defendida pelo MSD era que o movimento sindical não deveria se envolver nas questões políticas partidárias. Essa ideia, com visto, constituía o cerne da luta de Levy e dos setores empresariais:

“O Movimento Sindical Democrático entende que não deve imiscuir-se nas questões político-partidárias. E assim tem procedido não só em respeito à legislação vigente, como também, e principalmente, em atenção aos princípios esposados pelo sindicalismo livre e democrático. Todavia, os inimigos da pátria, do povo e dos trabalhadores, usando processos imorais impróprios, utilizaram-se indecentemente do nome dos órgãos sindicais democráticos do país para mais uma de suas costumeiras manobras de

99 O Estado de São Paulo, 26 jun. 1962:3 59

cúpula, tentando desta feita, enxovalhar o sistema de governo em vigor e consequentemente as legítimas representações do povo, pelo Congresso Nacional, e dos trabalhadores, pelos sindicatos livres e democráticos.” [grifos meus]100

Os cartazes da marcha do MSD em Brasília revelavam o conteúdo ideológico do movimento e estampavam as seguintes frases: “condenamos toda e qualquer pressão sobre o Congresso”; “pressão de base, palavra de ordem de Moscou”, “Anticomunista sempre, reacionários, nunca”, “nacionalismo não pode ser comunismo”; “Movimento

Sindical Democrático repudia a greve política” 101.

Nesse contexto, Levy liderou a abertura de uma CPI no Congresso Nacional, para investigar a atividade comunista nos meios sindicais. Por meio da CPI, que obteve grande ressonância na grande imprensa paulista, ele empreendeu uma verdadeira batalha para fechar os sindicatos controlados por trabalhistas e comunistas, bem como das intersindicais como o PUA e o CGT. Ao mesmo tempo, pretendia fortalecer as lideranças do sindicalismo chamado democrático, como a União dos Ferroviários do

Brasil. Ao abordar a “infiltração comunista” nas companhias ferroviárias, alertava:

“...Os comunistas já conseguiram dominar totalmente as entidades sindicais dos aeroviários e aeronautas, na proporção de 80 % as entidades marítimas e portuárias, só estando em minoria nas estradas de ferro, por força da gigantesca luta que vem desenvolvendo pela entidade nacional desta última categoria profissional que é a União dos Ferroviários do Brasil [...] A UFB vem sofrendo tenaz perseguição por parte das direções ferroviárias, somente pelo fato de se colocar na posição defensiva das instituições democráticas, denunciando, por outro lado, os propósitos comunistas da Federação das Ferrovias” 102

Um dos principais pontos de “acusação” feitos por Levy durante a CPI foi a de que os sindicatos pretendiam tomar o lugar dos partidos políticos. Para ele, isso significava o fim do regime democrático:

100 Idem, Ibidem. 101 Idem, Ibidem. 102 O Estado de São Paulo, 25 jul. de 1962: 5 60

“[...] a constituição é clara. A expressão da vontade política da nação se faz por meio dos partidos políticos. Os sindicatos têm a seu cuidado, nos vários estágios da sua hierarquia, a defesa dos interesses e reivindicação de suas categorias. É o que está claramente estabelecido. Mas o que se pretende fazer é substituir a ação dos partidos pela ação dos sindicatos ou das organizações sindicais, ilegais [...]103

A resistência de Levy em admitir a participação política das classes populares, era típica do pensamento liberal clássico, que negava legitimidade às mobilizações populares como instrumento de pressão. Apenas o Legislativo, os partidos, as eleições e instituições, que compõem o quadro de representação política em uma democracia representativa, eram considerados os meios legítimos de exercício de poder. Para

Carvalho, essa postura corresponderia a uma concepção de que a organização do governo é uma questão de administração e de competência das elites responsáveis e não expressão dos conflitos oriundos dos interesses que afloram no tecido social104.

Entretanto, é interessante observar que a participação política dos sindicatos se apresentava ilegítima somente quando estava alinhada aos interesses dos grupos aos quais Levy fazia oposição. Do contrário, quando o movimento sindical estava alinhado aos setores representados por Levy, suas mobilizações, embora políticas, não eram classificadas dessa forma.105

Assim, para combater as pressões pela antecipação do plebiscito, Levy reorganizou o esquema das concentrações populares udenistas que deveriam enfatizar a

“integração e apoio aos líderes sindicais que chefiam o admirável movimento em prol do trabalhismo democrático, combatendo o comunismo no meio sindical”106. As

Caravanas Cívicas udenistas sairiam em defesa do regime e das instituições democráticas contra a infiltração comunista. Nesses comícios, ao lado de Levy, era certa

103 Anais da Câmara dos Deputados, 30 nov. 1962. 104 Carvalho, 2010:121 105 Ver Mendes, 2003 106 O Estado de São Paulo, 3 jun. 1962:3 61 a presença de líderes sindicais como Antonio Magaldi, Darcy Gatto e Ourival Portal da

Silva, integrantes da Federação dos Empregados do Comércio, ligada ao MSD.

Eleições de 1962

Paralelamente à campanha que desenvolvia contra a antecipação do plebiscito e a infiltração comunista nos meios sindicais, Levy concentrou seus esforços em torno das eleições que ocorreriam em outubro de 1962 para a Câmara dos Deputados, parte do

Senado e 11 governos estaduais e que definiriam as possibilidades futuras para a UDN, além dele próprio como candidato à reeleição para deputado federal por São Paulo.

Estava em jogo, acima de tudo, a composição do Congresso que legislaria por todo o governo de João Goulart, até 1965, e que, portanto, decidiria se o presidente da

República teria ou não apoio institucional para seu programa político.

A estratégia de campanha udenista planejada por Levy deveria basear-se na ideia de que as eleições representavam uma polarização absoluta entre “democracia” e

“comunismo”. Em agosto de 1962, ele expediu uma circular para as bases regionais do partido que continha as orientações programáticas que deveriam ser seguidas na campanha dos candidatos. O documento sugeria, enfaticamente, a adoção do anticomunismo como estratégia eleitoral:

“[...]precisamos empunhar decididamente a bandeira do combate aos extremismos, sobretudo o comunismo internacional que pretende transformar nosso país na próxima vitima da escravização soviética, bem como o caudilhismo nacional que lhe serve inconscientemente de instrumento”107

A ideia era relacionar a eleição dos candidatos de esquerda, incluindo o PTB, considerado representante do “caudilhismo nacional”, ao comunismo e, assim, atrair votos de setores da população amedrontados com o crescimento das esquerdas no cenário político.

107 O Estado de São Paulo, 24 agosto 1962:3 62

As eleições para governador em São Paulo fornecem um exemplo da bandeira anticomunista empunhada por Levy. O candidato da UDN nesse estado, José Bonifácio

Nogueira, formou uma frente ampla que contava com apoio, entre outros partidos, do

PTB, a fim de angariar votos das classes populares. O resultado foi uma pregação política que continha ideias reformistas e declarações de apoio ao governo Goulart, levando à oposição setores da “Banda de Música” da UDN. É nesse sentido que Levy, discretamente, apoiou a eleição de Ademar de Barros, que concorria contra o candidato do seu partido. Assim, apesar da oposição e das denúncias de corrupção que Levy fazia contra Ademar desde os anos de 1950, o momento exigia a união contra um perigo considerado maior. Conforme assinala Dulci, Ademar representava o partido da ordem, atacava o sindicalismo, o comunismo e anunciava a intervenção militar para restaurar a ordem no Brasil. O apoio que Levy lhe deu mostrou que setores udenistas foram deixando de lado o “atestado de boa conduta”, substituindo-o pela exigência de uma espécie de atestado ideológico108.

Em nível nacional, o PTB e a UDN representaram os principais polos do debate público em uma atmosfera de acentuada polarização política. Ambos os partidos estavam assentados no voto urbano. Entretanto, enquanto o PTB tinha suas bases nas classes populares, a UDN as tinha nas classes médias.109 Na visão de Levy, urgia que o partido ampliasse sua base eleitoral com o voto popular, a fim de aumentar suas chances eleitorais. Para tanto, reeditou as caravanas udenistas que contavam com a presença significativa do sindicalismo “democrático”.

A novidade é que essas caravanas passaram a incorporar, a seu modo, o tema das reformas de base que se mostrava extremamente popular e que sinalizava uma progressiva guinada à esquerda do sistema político. Esse tema estava contido na Carta

108 Dulci, 1986:182 109 Benevides, 1981:213 63 de Princípios da UDN, lançada em fevereiro de 1962, com objetivo de fazer frente às eleições daquele ano. A reforma agrária, por exemplo, prioridade do governo Goulart, era contemplada na Carta. Entretanto, para os udenistas, mais do que distribuição de terras, a ênfase recaia em medidas de assistência financeira e técnica. Para não ser ultrapassada pelas forças de esquerda no campo político, a direção nacional da UDN,

Levy à frente, revelava uma disposição para endossar uma política reformista de teor moderado. Ao mesmo tempo, procurava anular o que considerava “radicalidade” dessas propostas: o país precisava de reformas, desde que por via legal do entendimento parlamentar e dentro de um programa de estabilidade econômica, com ênfase no controle da inflação.

Vale destacar que a marca das eleições de 1962 foi o forte envolvimento das organizações extra-partidárias, tão combatidas por Levy quando mobilizadas pela esquerda. Do lado da oposição ao governo, o Ibad destacava-se ao financiar candidatos antijanguistas e anticomunistas e patrocinar uma intensa campanha na mídia. O próprio

Levy participava dessa campanha, sendo figura frequente nos programas de televisão e rádio patrocinados por esse instituto, o que lhe renderia dividendos políticos: foi o candidato da UDN mais votado em São Paulo para deputado federal110. Do lado do governo Goulart, houve um forte investimento nos candidatos do PTB, especialmente por meio dos recursos vindos do sistema previdenciário.

Entretanto, apesar de todo o apoio do Ibad, o resultado da eleição foi uma nova derrota para o grupo de Levy. O PTB quase dobrou sua representação na Câmara dos

Deputados, tornando-se a segunda força no parlamento: suas cadeiras aumentaram de 66 para 116, representando 28% do total. Os partidos liberais e conservadores haviam perdido a hegemonia, embora a UDN e o PSD, juntos, alcançassem 54% das cadeiras.

110 O Estado de São Paulo, 10 out.1962:3 64

Com diz Lavareda, certamente o PTB deveria firmar sua liderança nas próximas eleições parlamentares marcadas para 1966111. Essa nova derrota serviu de aprendizado para Levy que, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, declarava reconhecer que as “forças de centro” estavam sendo surpreendidas com alguns resultados desfavoráveis112.

Uma vez terminada a campanha eleitoral, as atenções de Levy voltaram a se concentrar na questão do plebiscito que sondaria a população quanto à volta do presidencialismo. Apesar de seus esforços junto a Amaral Peixoto, a aliança entre UDN e PSD se desfez, já que a facção amaralista perdeu terreno para a facção juscelinista que, preocupada com as eleições presidenciais de 1965, era favorável à recomposição da aliança com o PTB para aprovação do plebiscito. Da mesma forma, na UDN, evidenciou-se a divergência, antepondo o grupo liderado por Herbert Levy, que assumia uma postura intransigente na defesa da manutenção do parlamentarismo, e denunciava o plebiscito como sinal verde para o “golpismo” de Goulart, e a “Bossa Nova” e os realistas, capitaneados por Magalhães Pinto, interessados na aprovação das reformas de base e nas eleições de 1965. Finalmente, em setembro, foram vencidos os obstáculos parlamentares e a realização do plebiscito foi aprovada para 6 de janeiro de 1963.

O resultado do plebiscito foi uma nova derrota para Levy. A vitória do presidencialismo foi avassaladora, em uma proporção de cinco votos para um. Além disso, o comparecimento em peso do eleitorado colocou por terra a tese de que o povo não tinha “interesse em uma votação sem nomes em torno de uma tese abstrata”, e revelou o crescente grau de politização do eleitorado do período.

Tomados como derrotas políticas, os resultados das eleições e do plebiscito foram, por Levy, atribuídos, em parte, às mobilizações populares favoráveis a João

111 Lavareda, 1991:95 112 O Estado de São Paulo, 10 out.1962:3 65

Goulart e às esquerdas, o que evidenciava a necessidade de ampliar a base de apoio popular aos setores oposicionistas. Por isso mesmo, o projeto de criação do jornal

Notícias Populares, oferecido pelo jornalista romeno Jean Mellé, no início de 1963, seria muito bem recebido por Herbert Levy, assunto que será discutido no próximo capítulo.

O retorno do presidencialismo indicava um outro risco, já que sepultava o principal recurso institucional – o parlamentarismo – para a contenção das ações do governo. Ao mesmo tempo, o resultado do plebiscito fortaleceu a posição de João

Goulart, que retirou do episódio todas as vantagens possíveis, emprestando ao retorno do presidencialismo o significado de apoio popular ao seu programa de reformas de base.

O presidencialismo e as reformas de base

As clivagens ideológicas em torno das reformas de base sobrepuseram-se por completo a quaisquer outros temas. De fato, em março de 1963, após a tentativa fracassada de conciliar medidas de estabilização econômica com propostas reformistas através do Plano Trienal113, Goulart, pressionado pelas esquerdas, voltou-se para as reformas de base, sobretudo a agrária.

Em abril de 1963, o PTB lançou seu programa de reforma agrária, prevendo desapropriações de terras sem indenizações em dinheiro. Para isso, o líder do partido na

Câmara dos Deputados, Bocaiúva Cunha, encaminhou um projeto de emenda constitucional que propunha alterações no artigo 146 da Constituição. O objetivo era

113 Formulado por Celso Furtado, Ministro do Planejamento, o plano pretendia conter a inflação e, logo depois, promover as reformas de base. Para isso, propunha uma política de restrição salarial, o que desagradou ao movimento sindical, e uma política de limite de crédito e preços, que contrariou segmentos importantes do empresariado. Sem acordo entre as partes, o plano foi condenado ao fracasso, já que Goulart não estava disposto a arcar sozinho com os custos políticos do Plano. Ver Argelina, 1993:91-113. 66 permitir que as indenizações fossem feitas em títulos da dívida pública resgatáveis em longo prazo. Um dos argumentos era que o Estado não teria os recursos necessários para pagar em dinheiro as terras a serem desapropriadas. Além disso, temia-se que a operação se transformasse em um grande negócio para os proprietários.

Apesar da oposição das bases do PSD, formadas em grande parte por proprietários de terras, suas lideranças estavam dispostas a chegar a um acordo com o governo. Como condição prévia, exigiam que o valor das indenizações em títulos da dívida pública deveria ser protegido da inflação e que as terras produtivas e as propriedades urbanas não seriam incluídas. O PTB, entretanto, recusava qualquer modificação no projeto inicial, o que levou à aproximação do PSD com a UDN.

Já a oposição da UDN, Levy à frente, foi imediata e se fez a partir de uma dupla denúncia: da reforma agrária como caminho para a comunização do país; e da reforma constitucional como estratégia para um golpe continuísta de Goulart. Esses temas seriam desenvolvidos incansavelmente pelo jornal Notícias Populares.

Na visão de Levy, a reforma agrária proposta pelo PTB representava um atentado ao direito de propriedade, considerado a mola mestra da sociedade liberal e democrática e, por isso, seria o primeiro passo para a “comunização do país”. Por outro lado, o antirreformismo do grupo de Levy também era tático, na medida em que pretendia evitar o êxito do governo e do PTB e, dessa forma, impedir que os poderes de

João Goulart e das esquerdas fossem reforçados. Ao apoiar projetos reformistas, Goulart fortalecia suas bases de sustentação política e consolidava a imagem de um líder dedicado aos interesses do povo.

Para deslegitimar as pretensões reformistas de Goulart, Levy argumentava que, sob pretexto das reformas, o presidente visaria, na verdade, abrir caminho para outras

67 alterações constitucionais como, por exemplo, no capítulo referente às inelegibilidades, que proibia a reeleição presidencial. O objetivo do presidente seria permanecer no poder, tal como seu “mestre” Getúlio Vargas, e, para isso, estabelecia alianças espúrias com as esquerdas e os comunistas. Da tribuna da Câmara, Levy denunciava:

“Depois da primeira concessão virão outras: a expropriação urbana, a expropriação das indústrias – como fizeram as nações que capitularam ao comunismo internacional – e, finalmente, a pretexto da reforma constitucional para a reforma agrária, o voto do analfabeto ou aquilo que mais interessa, sobretudo, ao caudilho: a alteração do capítulo das inelegibilidades”114 A postura de Levy quanto à reforma agrária ficou explícita na Convenção

Nacional da UDN, realizada em em abril de 1963. Naquele momento, ele deixou a presidência do partido e, em seu lugar, assumiu Bilac Pinto, outro integrante da

“Banda de Música”. As conclusões dessa convenção marcaram a vitória desse grupo mais radical para fixar a posição do partido em relação ao governo Goulart e às propostas de reformas. A nova palavra de ordem era “a Constituição é intocável”. Com isso, o partido colocava-se contra qualquer emenda constitucional. Além disso, tomava para si o discurso da defesa da legalidade, como haviam feito as esquerdas em 1961.

Após a convenção udenista, Levy participou de uma reunião, no Congresso

Nacional, com os membros da Ação Democrática Parlamentar, quando foi decidida uma contraofensiva para recuperar, da esquerda, a iniciativa no parlamento115. Assim, em 30 de abril de 1963, ele apresentava seu projeto de reforma agrária, “contido dentro dos princípios liberais e democráticos”116. O projeto afastava a ideia de desapropriação e redistribuição de terras e, em seu lugar, propunha a colonização de terras de domínio público, a concessão de mais crédito e assistência aos proprietários rurais.

114 O Estado de São Paulo, 30 maio 1963:3. 115 Souza, 2001:3106 116 Santos, 1999:10 68

Com essa proposta, Levy pretendia evitar que a UDN ficasse isolada da opinião pública, naquele momento majoritariamente favorável a mudanças na estrutura fundiária117. Entretanto, coerente com sua tradicional defesa dos proprietários de terras de São Paulo, descartava mudanças radicais como as desapropriações de terras. Dessa forma, procurava esvaziar o sentido redistributivo da proposta do governo. Em seus pronunciamentos, aprovava as reformas de base, mas repudiava as pressões ao

Congresso e denunciava a “influência comunista no governo”.

Levy recomendava o veto às emendas constitucionais a fim de eliminar qualquer possibilidade de negociação com as propostas do governo. A UDN transformava-se em um bloco paralisador das decisões do Legislativo, agravava consideravelmente o impasse entre o Legislativo e o Executivo, e desgastava o governo Goulart. Para autores como Wanderley Guilherme dos Santos, a radicalização política do período teria impedido que os partidos se engajassem em cooperação e compromisso, o que teria levado a um processo de “paralisia decisória”, retirando do sistema político sua capacidade de funcionamento118.

A radicalização nas ruas

O impasse no Legislativo levou as esquerdas lideradas por Brizola a assumir o que Jorge Ferreira denominou de “estratégia do confronto”. Na visão desses grupos, as reformas só sairiam se houvesse mobilização popular e pressão sobre o Congresso.

Assim, nesse início de 1963, surgiu a Frente de Mobilização Popular (FMP), uma organização extraparlamentar de caráter reformista e nacionalista. Nela estavam representados os principais grupos de esquerda: sindicalistas com o CGT, estudantes da

UNE, associações de sargentos, marinheiros e fuzileiros navais; setores das Ligas

117 Pesquisas realizadas em março de 1964 mostravam que 72% dos eleitores das principais capitais do país consideravam necessária a reforma agrária. Ver Lavareda, 1991:156 e Grynspan, 2006:62. 118 Santos, 1986. 69

Camponesas, grupos revolucionários como a AP e o POR-T, militantes dissidentes do

PCB, o grupo compacto do PTB, os “nacional-revolucionários”, e a Frente Parlamentar

Nacionalista (FPN); além dos seguidores de Miguel Arraes, governador de

Pernambuco119.

A estratégia da FMP era pressionar o Congresso Nacional por meio de movimentos de rua como passeatas, comícios, manifestações e greves operárias. Os líderes da FMP exigiam que o presidente Goulart pusesse fim ao que denominavam de

“política de conciliação”, termo mais pejorativo entre as esquerdas naquele período.

Exigiam a ruptura com o PSD, a nacionalização de empresas estrangeiras e a implementação imediata das reformas de base, com aprovação ou não do congresso. O seu lema era: “reformas de base na lei ou na marra”. Portanto, ao contrário do ocorrido em 1961, as esquerdas lideradas por Brizola estavam dispostas a romper com a legalidade constitucional120.

Para Daniel Reis, essa nova estratégia relacionava-se com a forma como esses grupos interpretaram os acontecimentos de 1961. Empolgada com a vitória sobre o golpe de 1961, as esquerdas superestimaram as suas possibilidades concretas e sua força política. Não avaliaram que a anulação do golpe fora condicionada pela improvisação de seu desencadeamento, pela indecisão e pelas divisões que se operaram no seio daqueles que queriam impedir a posse de Jango. Da mesma forma, perderam de vista que a posse de Goulart foi garantida por um argumento essencial na conjuntura – a defesa da lei e da ordem constitucional – e não de um programa propositivo e ofensivo de reivindicações populares121.

119 Sobre a Frente de Mobilização Popular e suas estratégias, ver Ferreira, 2004. 120 Idem, Ibidem. 121 Reis, 2001: 327-328 70

A radicalização do cenário político reforçou, no grupo de Levy, a necessidade de atuar com as mesmas estratégias escolhidas pelo adversário. Assim, se a esquerda radicalizava, os setores do empresariado e políticos udenistas também decidiram partir para o confronto. Nesse sentido, Levy integrou a linha de frente da oposição radical a

João Goulart e estreitou seus contatos com o grupo de políticos, empresários e militares que, por meio do Ipes, planejava uma ofensiva contra o governo. Entre as estratégias desse grupo estava a preparação de contramobilizações para competir com as esquerdas pelo espaço das ruas e pelo apoio das classes populares.

De maio a julho, Levy visitou 230 cidades e participou de manifestações públicas organizadas pelo Ipes para arregimentar a opinião pública contra o governo.

Dentre essas manifestações destacou-se a chamada Convenção do Pacaembu, realizada em São Paulo, em junho de 1963122. Nesse comício, foi enfatizada a presença de líderes do MSD, como Antonio Pereira Magaldi e Hary Normantom, presidente do Sindicato dos Ferroviários. O objetivo era dar uma cara popular ao comício e legitimar as ações que estavam sendo planejadas contra o governo, que serão discutidas no próximo tópico.

As articulações golpistas

Com a vitória do presidencialismo, a opção por uma aliança com os setores militares para derrubar João Goulart foi colocada por elementos do grupo de Levy. Era vista como a forma de barrar o crescimento das esquerdas e de João Goulart, bem como o processo de politização à esquerda das classes populares, já que o principal recurso institucional para frear as ações do governo, o parlamentarismo, havia sido sepultado.

Segundo Hélio Silva, com esse objetivo foi realizada uma reunião na casa de Júlio de

122 Dreifuss, 1987 71

Mesquita Filho, após o comício do Pacaembu. A tarefa dada a Levy seria a articulação com os militares do II Exército123. Ele deveria convencê-los de que a ruptura institucional seria um ato legítimo. O argumento utilizado era a necessidade de defesa do regime democrático contra as “intenções golpistas” do presidente e a mobilização das esquerdas. Segundo Levy, seria um “contragolpe preventivo”124. Para Júlio de

Mesquita Filho, a intervenção das Forças Armadas deveria ser feita de maneira drástica, com o afastamento dos elementos nocivos, mas efêmera, para restabelecer o poder civil em um curto período125.

Levy tinha trânsito fácil entre os setores militares antigetulitas e anticomunistas.

Essas relações tinham sido construídas desde os anos de 1950, quando a volta de

Getúlio Vargas ao poder e a nomeação de Goulart para o Ministério do Trabalho, levou a “Banda de Música” udenista a promover articulações com os militares, especialmente com aqueles vinculados à Cruzada Democrática126. No início dos anos de 1960, Levy reforçaria essas relações por meio do Ipes.

Aqui pode-se resgatar a análise de Dreifuss sobre a atuação do Ipes. O autor mostra como empresariado brasileiro aí reunido agiu de forma organizada e teve papel decisivo na articulação do golpe em 1964. Segundo o Dreifuss, os membros do Ipes estiveram no centro dos acontecimentos como homens de ligação e como organizadores do movimento civil-militar, ao dar apoio material e preparar o clima para a intervenção

123 Silva, 1975:249-252. 124 Levy, 1990. 125 Ver Ferreira, M., 2001: 3791. 126 A Cruzada Democrática foi um movimento organizado em março de 1952 com o objetivo de concorrer às eleições para a presidência do Clube Militar. Era constituído por oficiais da ala conservadora das Forças Armadas, que tinham no anticomunismo sua principal bandeira. Dirigiu o Clube entre 1952 a 1956, retomando ao poder em 1962. 72 militar, como revela a própria atuação de Levy. Dessa forma, o que ocorreu em 1964 não teria sido um golpe apenas militar, mas um movimento civil-militar127.

No início de 1963, os setores golpistas ainda eram minoritários e fragmentados, diferente do que defende Dreifuss. A conspiração contra Goulart não era unificada, mas múltipla e descentralizada. Existiam diferentes grupos, enunciando diferentes propostas128. Além disso, até o final de 1963, os setores golpistas não tinham bases políticas, sociais e militares. No Congresso, o PSD, partido majoritário, considerado o fiador do sistema político, apesar das relações cada vez mais desgastadas com Goulart, mantinha a defesa da legalidade. Da mesma forma se posicionava a maioria da oficialidade das Forças Armadas. Na sociedade civil, segmentos importantes do empresariado, da classe média e da imprensa apoiavam a legalidade. Isso, sem falar dos movimentos populares, especialmente o sindical, que davam expressivo apoio ao governo.

Essa situação mudou entre setembro e outubro de 1963: a crise política assumiu nova dimensão e, paulatinamente, foi tornando o golpe a opção mais viável para afastar

Goulart do poder. A meu ver, dois eventos concorreram para isso: a revolta dos sargentos, em setembro; e o pedido de decretação do estado de sítio feito por Goulart ao

Congresso, em outubro.

No dia 11 de setembro de 1963, sargentos tomaram Brasília e convocaram diversas unidades militares do país a aderir. O movimento foi uma reação à decisão da

Justiça Eleitoral de negar os mandatos de alguns suboficiais eleitos no pleito de 1962. A insurreição armada tomou de assalto pontos vitais da capital da República, como o

Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. O levante recebeu forte apoio do

127 Dreifuss, 1981: 483 128 Mendes, 2003. 73 movimento sindical liderado pelo CGT e representou um dos pontos altos da estratégia de mobilização direta das esquerdas.

Para o grupo de Levy, o movimento foi interpretado como sintoma do crescimento das ideias revolucionárias no Brasil. Goulart foi responsabilizado pelos acontecimentos, e acusado de tolerar a infiltração comunista nas Forças Armadas. Ao mesmo tempo, o grupo procurou tirar vantagens do episódio, já que a cúpula militar, e principalmente, setores militares que até então se mantinham legalistas, viram no episódio uma quebra de hierarquia intolerável.

Em outubro, mais um incidente se somou para aumentar o clima de tensão política no país. O jornal Tribuna da Imprensa publicou a entrevista concedida por

Carlos Lacerda ao jornal Los Angeles Times, em que denunciava a infiltração comunista nos sindicatos e no governo, acusava Goulart de “caudilho autoritário” e pedia a intervenção norte-americana no Brasil129.

A entrevista de Lacerda teve repercussão imediata entre os ministros militares, que pressionaram Goulart a pedir ao Congresso a decretação do estado de sítio. Para

Goulart, essa medida representaria a possibilidade de frear as conspirações que ocorriam contra o seu governo. Para os militares, seria a forma de controlar a hierarquia militar e a agitação social. Assim, no dia 4 de outubro de 1963, o presidente da República enviou o pedido de estado de sítio ao Congresso Nacional. A comoção política foi enorme, e a oposição conseguiu reunir quase a unanimidade das forças políticas. Da esquerda à direita, cada lado se viu como alvo do estado de sítio. Vendo-se isolado, o governo não teve outra alternativa senão retirar o pedido.

129 Ver Motta, M., 2001:219-220 74

O episódio reforçou a ideia de que Goulart planejava implantar uma ditadura no país. Essa ideia, conforme discutido, decorria, em parte, do vínculo político e ideológico do presidente com o getulismo. Por ser herdeiro político de Vargas, o grupo de Levy via

Goulart como um líder com vocação ditatorial, um político capaz de se apoiar nas massas para viabilizar um regime autoritário, uma espécie de República Sindicalista ao molde peronista. Esse perigo seria reforçado pelas alianças de Goulart com as esquerdas e com sindicalistas.

A partir do pedido do estado de sítio, Goulart foi perdendo a bandeira da legalidade para a oposição. As conspirações golpistas, que existiam desde a sua posse, deixaram de ser confabulações de grupos minoritários. Surgiram, ainda, apelos, vindos dos campos de “centristas” e de “direita”, para a formação de frentes anti-Goulart.

As articulações de Levy com os militares seriam reforçadas e, a partir de janeiro de 1964, ganhariam nova dimensão com a denúncia, feita por Bilac Pinto, do perigo de uma “guerra revolucionária”. O presidente da UDN acusava Goulart de ter se tornado instrumento dos comunistas ao entregar postos-chave do governo, tolerar infiltrações nos sindicatos e estimular a espiral grevista. Anunciava, também, que a “guerra revolucionária” alcançava a terceira fase: a da subversão da ordem e a obtenção de armas, antevéspera do assalto ao poder pelos comunistas. O objetivo de Bilac Pinto era estreitar os contatos entre a cúpula da UDN e os militares, de quem recolheu a teorização da “guerra revolucionária”. Ao adotar um linguajar caro aos militares, o grupo de Levy na UDN prestigiava os meios castrenses e conquistava a sua confiança130.

130 Sobre a “guerra revolucionária”, ver Motta, R., 2002:260-261. 75

No início de 1964, o quadro era propício para a formação de uma frente anti-

Goulart, que reuniu elites empresariais, militares, políticos e as classes médias. O sinal foi dado com a guinada de Goulart à esquerda, após as tentativas fracassadas de reconstruir sua base política formada pela aliança entre PSD e PTB e afastar as esquerdas mais radicais. Como mostra Jorge Ferreira, o malogro da estratégia de conciliação entre as diversas forças políticas se deu não pela incapacidade do presidente de negociar, atividade que ele dominava com maestria, mas da recusa entre as partes a pactuar acordos. Da esquerda à direita, a estratégia escolhida foi a do confronto. Nesse sentido, Goulart avançou em direção a organizações que, ao longo do tempo, sustentaram sua trajetória política: os trabalhadores das cidades e do campo, estudantes, as esquerdas e seus partidos, a exemplo do PTB e do PCB. Naquela conjuntura, apenas nesses grupos ele poderia conseguir apoio político131.

Essa guinada à esquerda seria demonstrada com comícios nas principais cidades do país. O objetivo era mobilizar a população e pressionar o Congresso Nacional a aprovar as reformas de base. Esses eventos selariam o comprometimento público do governo com a coalizão de esquerda pelo programa máximo das reformas de base. O primeiro comício foi no dia 13 de março, no Rio de Janeiro, na Central do Brasil, organizado pelo movimento sindical liderado pelo CGT e por grupos de esquerda.

Durante o comício, Goulart assinou dois decretos: um, nacionalizando refinarias de petróleo particulares, como era o caso da refinaria de Capuava; o segundo, elaborado pela Superintendência de Reforma Agrária (Supra), declarava sujeitas à desapropriação as propriedades que ultrapassassem 100 hectares, localizadas em uma faixa de 10 km à margem de ferrovias e rodovias federais, e as terras de 30 hectares situadas nas zonas que constituíam bacias de irrigação dos açudes públicos federais. Além disso, anunciou

131 Ferreira, 2003:375-376 76 o encaminhamento ao Congresso da proposta que dava direito de voto aos analfabetos e praças, bem como a reforma urbana, que pretendia o tabelamento dos preços dos alugueis de imóveis residenciais.

O grupo de Levy estabeleceu a relação entre o comício, o comunismo e as intenções golpistas de João Goulart. O perigo residia na crescente mobilização das classes populares, e na jogada ambígua de Jango e dos comunistas. Goulart pretendia usar o apoio dos comunistas em beneficio de um projeto continuísta e depois livrar-se deles. Os comunistas, por seu lado, desejariam o mesmo, ou seja, utilizar-se de Goulart para chegar ao poder e derrubá-lo na primeira oportunidade132.

Nesse sentido, considero importante a interpretação de Motta ao criticar autores que classificam o anticomunismo como simples “fachada” ou estratégia para legitimar o golpe de Estado. A meu ver, o temor de Levy era efetivo, daí sua pregação anticomunista desde os anos de 1950. A ideia do perigo comunista ganhava verossimilhança à medida que Goulart se acercava da esquerda e dava sinais de entrar em choque com o Congresso Nacional. O apoio dos movimentos populares, especialmente sindical, à estratégia de ação direta das esquerdas – na campanha pelo plebiscito ou pelas reformas de base, ou ainda na realização do comício da Central – produzia a sensação de um perigo comunista iminente133.

O medo ao comunismo teria sido, pois, o cimento da mobilização anti-Goulart, o elemento que propiciou a unificação de setores heterogêneos em uma frente favorável ao golpe. Alguns setores sociais, que até então se mantinham favoráveis às reformas, mudaram de posição, alinhando-se à bandeira do anticomunismo. O objetivo principal era combater a ameaça revolucionária. Parcelas mais conservadoras e radicais da frente

132 Motta, R.,2002:273-277 133 Idem, Ibidem. 77 anticomunista desejavam o autoritarismo simplesmente, enquanto alguns setores recusavam qualquer alteração na ordem social e econômica. Outros tinham como principal preocupação a vocação ditatorial do presidente Goulart, considerado a expressão do caudilhismo redivivo. A única posição unânime era a recusa à comunização134.

O comício da Central se tornaria a senha para a união de todos os conspiradores civis e militares que, sob a bandeira da defesa das instituições democráticas, iniciaram os preparativos para a derrubada de Goulart. Como afirma Jorge Ferreira, após o comício, a questão crucial passou a ser a tomada do poder político. A questão democrática não estava na agenda da direita nem da esquerda. Ambos os grupos subscreviam a noção de governo democrático apenas ao que servisse às suas conveniências135.

Enquanto Goulart e as esquerdas ganhavam as ruas, os setores de oposição passaram a agir com a mesma estratégia. O desdobramento mais importante da reação ao comício ocorreu em 19 de março, em São Paulo, com a realização da Marcha da

Família com Deus pela Liberdade, da qual Levy foi um dos participantes de destaque. O objetivo era fazer frente às mobilizações esquerdistas, estratégia que o grupo de Levy usava desde 1961, e criar um clima propício para uma intervenção militar e a deposição do presidente da República. Conforme afirmava Castelo Branco, então chefe do Estado

Maior do Exército, considerado o coordenador da conspiração, as Forças Armadas só agiriam se fossem estimuladas pela opinião pública. As lições de 1961 não haviam sido esquecidas.

134 Idem, Ibidem. 135 Ferreira, 2004: 209 78

A marcha reuniu, sobretudo, as elites empresariais, políticos, religiosos e as classes médias paulistas. Contudo, as classes populares, embora em menor número, também estiveram presentes, principalmente operários filiados ao “sindicalismo democrático”, como o MSD. Foi grande o esforço de Levy nesse sentido, como demonstraram os apelos por meio do jornal Notícias Populares, assunto do último capítulo, para dar legitimidade popular ao evento.

A fagulha para o golpe veio no final de março, com a revolta dos marinheiros, que convenceu a oficialidade militar da existência de um processo revolucionário em curso. Forneceu argumentos de que os comunistas incentivavam a indisciplina e a quebra da hierarquia das Forças Armadas para acelerar a tomada do poder. Esses argumentos seriam reforçados em 30 de março, quando Goulart participou de uma comemoração organizada por uma associação de sargentos, na sede do Automóvel

Clube, no Rio de Janeiro.

Segundo Luis Otávio de Souza, em entrevista ao jornal O Globo em janeiro de

1977, Levy esclareceu sua participação às vésperas do golpe contra Goulart, em 31 de março de 1964. Declarou que, como integrante de um grupo de conspiradores paulistas, fora encarregado de transmitir a José Maria Alckmin, Secretário do Interior de Minas

Gerais, todas as informações sobre a situação militar em São Paulo. Acrescentou que os conspiradores paulistas conheciam a opinião do general Humberto de Alencar Castelo

Branco de que o movimento não deveria ser iniciado em São Paulo, para evitar que fosse considerado separatista, a exemplo da Revolução de 1932136. Ainda que esse protagonismo possa ser reputado como uma intenção de supervalorizar a sua atuação, o depoimento de Levy, ao ser confrontado com a sua trajetória política, corrobora o seu alinhamento e sua participação na derrubada do governo Goulart.

136 Souza, 2001:3107. 79

Após o golpe, Levy apoiou todas as medidas formalizadas pelo Ato Institucional

Número 1 (AI1), tais como: intervenções nos sindicatos à esquerda; dissolução das organizações populares, como o CGT, a UNE e as Ligas Camponesas; cassações e suspensões dos direitos políticos; prisões e instalação de Inquéritos Policiais Militares

(IPMs), etc. Contrariado com as hesitações do presidente-general Castelo Branco quanto

às cassações, Levy não admitia que “o sentido generoso da Revolução deite a perdê-la em seus objetivos essenciais”137. Como discutido, o golpe era justificado pela ideia da ilegitimidade de um governo apoiado pelas esquerdas e, sobretudo, pela conquista política das classes populares por esses grupos. Nesse sentido, tratava-se de restabelecer a ordem social baseada no governo de “elites competentes”, como se autodenominavam.

Ao avaliar as posições assumidas por Levy na luta política do início dos anos de

1960, bem como sua participação no golpe que derrubou João Goulart, considero que foram resultado de uma combinação de fatores: a ideia de uma ameaça comunista; o perigo do caudilhismo redivivo em João Goulart e, acima de tudo, a emergência popular.

Como discutido ao longo do capítulo, o antigetulismo foi um dos principais aspectos da luta de Levy, desde os anos de 1930. Nesse sentido, a posse de Goulart na

Presidência da República foi interpretada como o perigo do caudilhismo redivivo.

Goulart era acusado de pretender governar de forma autoritária tal como seu mestre político Getúlio Vargas. Entretanto, esse perigo tornava-se maior devido à aliança de

Goulart com as esquerdas, que poderia abrir caminho para um processo revolucionário no Brasil.

137 Benevides, 1981: 128 80

A ideia de uma ameaça comunista, que constituía a bandeira ideológica de Levy desde o final dos anos de 1950, foi exacerbada pela união das esquerdas de diferentes matizes que pressionavam o presidente da República a adotar um programa máximo de reformas. Tal como proposta pelas esquerdas, essas reformas, na visão de Levy, levariam a um processo de subversão social, com o fim da propriedade privada considerada mola-mestra do regime liberal-democrático.

Mas, acima de tudo, o grande perigo estava na forte participação política popular que marcou o governo Goulart, já que as estratégias do presidente e das esquerdas só teriam sucesso se fossem respaldadas pela ação dos movimentos populares. Por isso o empenho de Levy em conquistar e subtrair as classes populares da influência do governo Goulart e das esquerdas. A disputa pelo apoio dessas classes apareceu tanto na sua atuação junto ao movimento sindical quanto na própria criação de um jornal de perfil popular como o Notícias Populares, assunto dos próximos capítulos.

81

CAPÍTULO 2:- A criação e a visão de povo do jornal Notícias Populares (1963-

1964)

Este capítulo recupera o processo de criação e montagem do jornal Notícias

Populares, articulando-o à concepção de povo e de jornal popular que orientou seus criadores. O objetivo é trazer elementos que ajudem na compreensão do significado que

Herbert Levy imprimiu à fundação desse jornal no âmbito da luta política da primeira metade dos anos de 1960. Para isso, proponho uma caracterização geral do Notícias

Populares, o que implica analisar, entre outros, os motivos e as intenções de sua criação; os nomes envolvidos no empreendimento, com destaque especial a Jean Mellé; a tiragem; a forma como o jornal chegava às mãos dos leitores; o projeto gráfico; a forma de apresentação e distribuição dos conteúdos; a linguagem utilizada; e, finalmente, o tipo de relação que mantinha com o mercado jornalístico. Esses aspectos são importantes, pois contribuem para a compreensão da linha editorial do Notícias

Populares ao explicitar o projeto político que orientou seus propugnadores e o lugar das classes populares nesse projeto.

Levo em conta o papel que o jornal Última Hora/São Paulo desempenhou na criação do Notícias Populares em 1963. O jornal de Samuel Wainer foi a referência principal de competição estabelecida no campo político, cujo parâmetro foi o reconhecimento da classe trabalhadora como ator político e a conquista de sua adesão a um determinado projeto.

Em busca do povo: Notícias Populares x Última Hora

A ideia da criação do jornal Notícias Populares partiu do jornalista romeno, exilado no Brasil, Ittik Mellé, conhecido como Jean Mellé. Na Romênia, Mellé, bem relacionado no meio da então monarquia romena, foi proprietário de um dos jornais

82 mais populares do país chamado Momentul. Quando, em 1947, o exército soviético transformou a Romênia em uma república comunista, Mellé fez oposição ao novo regime e foi preso após publicar a manchete “Russos roubam o pão do povo”138. Depois de dez anos nos campos de concentração da Sibéria, foi libertado em 1958. No ano seguinte, buscou exílio no Brasil, onde morava seu irmão.

Não se sabe se Mellé veio ao Brasil apenas para escapar temporariamente de possíveis perseguições ou se já tinha planos de mudar-se definitivamente para o país. O fato é que daqui nunca mais saiu. Estabelecido em São Paulo, reencontrou, ao acaso, durante um passeio pela Avenida São Luiz, seu conterrâneo Joseph Halfin, que havia trabalhado na seção esportiva do Momentul. Halfin era repórter da edição paulista do jornal Última Hora, e apresentou Mellé a Samuel Wainer. Desse encontro o romeno saiu como colunista internacional do Última Hora139.

No entanto, no final do ano de 1962, assustado com o “perigo comunista” que acreditava assolar o Brasil, Mellé deixou a redação do Última Hora, que, na sua visão, caminhava cada vez mais à esquerda, para dedicar-se à elaboração de um jornal popular anticomunista, nos moldes do antigo Momentul, sonho que nunca tinha abandonado140.

A volta do regime presidencialista, em janeiro de 1963, facilitou a realização desse sonho. Foi quando Mellé procurou Herbert Levy, então presidente nacional da

UDN, e um dos líderes da oposição do empresariado paulista ao governo Goulart.

Avisou que o assunto era de “segurança nacional” e expôs seu projeto de criação de um jornal popular, cujo objetivo seria roubar o público do Última Hora para impedir que o seu discurso chegasse às classes populares. No encontro com Levy, Mellé alertou que

138 Sobre a trajetória de Jean Mellé, ver Campos Jr. et al., 2002: 34-40. 139 Idem, Ibidem. 140 Idem, Ibidem. 83

Última Hora, periódico identificado com as posições do PTB, exercia um papel perigoso no jogo político da época, pois, em meio a suas notícias, que considerava

“sensacionalistas”, difundia mensagens da esquerda ao promover a politização das classes populares e o apoio ao governo de João Goulart.

Lançado por Samuel Wainer, em 1951, no Rio de Janeiro, Última Hora, embora fosse voltado para um público policlassista, dedicou-se, conforme mostra Carla

Siqueira, especialmente às classes populares141. O objetivo do jornal era ser porta-voz da política getulista, especialmente do trabalhismo e do nacionalismo, reforçando os laços entre Vargas e as classes trabalhadoras. Para atingi-lo, Wainer utilizou as técnicas de sedução do público com a exploração de temas sensacionalistas, os quais, no entanto, ficaram limitados a determinados espaços do jornal – na capa, na contracapa e nas editorias de polícia, esportes e cidades. Campanhas nacionalistas e temas de reivindicação social eram articulados a temas considerados do gosto popular como

“sexo, crime e esportes”. Última Hora assumiu, também, uma “postura de intermediário entre o povo e o governo, prestando serviços efetivos e importantes como nas queixas dos leitores e aconselhamento em relação às questões trabalhistas”142.

Como mostra Goldenstein, as técnicas da indústria cultural143, voltadas para um público policlassista, foram adaptadas aos objetivos políticos do jornal que passou a apresentar um conteúdo diverso capaz de atender aos diferentes tipos de interesses.

Notícias políticas e econômicas eram misturadas a colunas sociais, faits-divers144,

141 Siqueira, 2002. 142 Siqueira, 2002. 143 Segundo Goldenstein, a busca do lucro, através da tentativa de obtenção do maior público possível, é a lógica da indústria cultural. Por isso a ênfase em temas seguros, como diversão, lazer, entretenimento, que não ferem a suscetibilidade do público, e a falta de ênfase em temas políticos. Nesse sentido, segundo a autora, o jornal Última Hora teve as técnicas da indústria cultural, mas não a lógica dela, pois o sentido do jornal foi eminentemente político. Goldenstein, 1987. 144 Segundo Marialva Barbosa, Fait-divers “são notícias variadas de importância circunstancial, constituindo-se elemento fundamental para promover o entretenimento no noticiário”. Barbosa, 2004:7. 84 esportes, polícia, colunas de crítica literária, de cinema, de artes plásticas, entre outros145. Vale destacar que Última Hora também inovou ao adotar uma diagramação moderna com paginação acessível, coberturas fotográficas, valorização de notícias através de jogos de espaços e fotos, o que facilitava a leitura e fazia com que o jornal se apresentasse de maneira “digestiva”, sem o ar da imprensa tradicional.146

Ainda em 1951, Vargas sugeriu a Samuel Wainer a criação de uma sucursal em

São Paulo, onde o PTB não conseguia capitalizar inteiramente a popularidade de Vargas entre os trabalhadores, sendo um partido fraco eleitoralmente e tendo que disputar com outras correntes o movimento sindical147. A edição paulista de Última Hora deveria ser um instrumento para a afirmação da relação de Vargas e do PTB com as classes trabalhadoras no principal centro industrial do país.

Para a fundação do Última Hora em São Paulo, Vargas sugeriu que Wainer procurasse o industrial Francisco Matarazzo Jr., maior empresário de São Paulo à época, para buscar financiamento. O apoio de Matarazzo a um jornal popular se explicaria, em parte, pelo desejo do empresário de contar com uma publicação que se opusesse aos

Diários Associados, de Assis Chateaubriand, seu inimigo político. Outro motivo seria a mudança de atitude de setores industriais paulistas, desde o início dos anos de 1930, em relação à questão social. Como mostra o trabalho de Weinstein 148, não se tratava mais de impedir que o Estado interviesse nas relações de trabalho ou de se opor a qualquer tentativa de legislação trabalhista, mas sim de modificar, circunscrever e conformar essa intervenção, o mais possível, aos interesses dos industriais. As lideranças industriais paulistas passaram a pregar que, para a obtenção da paz social, ou seja, a redução dos

145 Goldenstein, 1987. 146 Ver Abreu ,2002 e Capelato, 1996 147 Benevides, 1989. 148 Weinstein, 2000. 85 conflitos entre capital e trabalho, deveriam ser feitas algumas concessões aos trabalhadores. Foi nesse sentido que Matarazzo concordou em prover fundos para a criação de um jornal popular, mas, antes, questionou a postura que ele adotaria em relação às greves, que não eram admitidas pelas lideranças industriais. Wainer ponderou que “um jornal popular não poderia opor-se a movimentos do gênero”, mas ressaltou que “Última Hora só apoiaria greves até a porta da fábrica, condenando qualquer violação dessa fronteira”149.

Assim, em março de 1952, surgiu o Última Hora de São Paulo, que passou a contar com duas edições diárias, uma matutina e outra vespertina. Em pouco tempo, o novo jornal tornou-se o periódico mais vendido em São Paulo, superando O Estado de

S. Paulo e Folha de S. Paulo, tradicionalmente os veículos mais importantes desse estado150.

No entanto, o discurso político de Última Hora, no que buscava o apoio popular a Getúlio Vargas, somado ao sucesso comercial do jornal junto a esses leitores, despertou a oposição de setores liberais udenistas. Nesse sentido, não foi por acaso que a Comissão Parlamentar de Inquérito contra Última Hora, promovida pela oposição liberal em 1953, e da qual Herbert Levy participou como deputado federal, coincidiu com os ataques udenistas à política trabalhista de Vargas, especialmente durante o período em que João Goulart ocupou a pasta do Trabalho. As próprias lideranças industriais paulistas que, através da Fiesp, haviam apoiado Vargas, no início do seu governo, passaram a expressar crescente apreensão diante das “excessivas” concessões do Estado ao operariado e do aumento da influência comunista no movimento sindical.

149 Wainer, 1988:160. 150 Essa informação está em Goldenstein, 1987; Campos Jr, et al, 2002; Wainer, 1988. Não disponho de dados sobre a circulação dos jornais nesse período com os quais cotejar essas informações. 86

A campanha contra Última Hora foi baseada nos argumentos de dumping, concorrência desleal e favoritismo oficial através do Banco do Brasil, no tocante à concessão de créditos ao jornal. Wainer também foi acusado, por Carlos Lacerda, de não ser brasileiro. Essa era uma estratégia para impedi-lo de permanecer à frente do jornal, já que a lei brasileira não permitia que estrangeiros fossem proprietários de empresas jornalísticas.

O relacionamento de Goulart, herdeiro político de Vargas, com as classes trabalhadoras, que o jornal Última Hora ajudou a construir, teria sido, a meu ver, o principal motivo para o apoio que Herbert Levy deu à sugestão de Mellé para fundar o jornal Notícias Populares. Como discutido no capítulo anterior, as classes populares eram vistas, pelo grupo de Levy, como o principal apoio político das ações do governo

Goulart.

Dessa forma, a percepção do perigo que Última Hora representava foi acentuada no início da década de 1960, quando a polarização política e ideológica do período influenciou a própria linha editorial do jornal. Última Hora passou a defender e a acompanhar a radicalização das teses das esquerdas, especialmente do PTB, e se incorporou ao esquema de sustentação do governo Goulart. Segundo Wainer, o jornal nunca foi comunista, mas “houve momentos em que Última Hora pareceu favorável à execução de reformas perigosamente ousadas, ou até mesmo à consumação de um golpe de esquerda”151.

Em outubro de 1963, após o episódio da tentativa fracassada de aprovação do estado de sítio, Última Hora conclamou o governo a não perder suas bases de apoio entre as classes populares, e nem protelar as reformas de base, o que implicava,

151 Wainer, 1988: 249. 87 necessariamente, propor alterações na Constituição. Última Hora atribuía, ainda, as denúncias de “comunização do Brasil” a setores retrógrados, compostos por “udenistas aliados ao capital estrangeiro”, que se opunham à implementação de reformas no país e articulavam um golpe contra o governo. Títulos como “Povo unido conquistará reformas”152; “Goulart inicia a ofensiva das reformas”153 ou “Constituição está superada”154 eram recorrentes no jornal. Em 25 de outubro de 1963, Última Hora publicava:

“[...] todos falam na intransigente defesa da legalidade, mas, no fundo, estão defendendo a sobrevivência da arcaica e superada estrutura política e econômica. [...] Estacionar apenas na palavra legalidade seria afastar as manifestações da consciência nacional que deseja ser beneficiada por uma grande mudança social.[...] Afinal, o que entendem como legalidade? É legal defender a miséria, a exploração do povo brasileiro?[...] Com essa legalidade tão mal interpretada estão colaborando com a fraudes antigas, mas vigentes em todos os governos; estão auxiliando a sustentação do status quo tão rendoso para a reação; estão ajudando o impedimento de toda e qualquer reforma econômica, política e social clamada pelo país, por defenderem uma legalidade sem conhecimento do que ela realmente seja e deva ser, colaboram para a permanência da velha estrutura que oferece maravilhosa vitória à política econômica internacional [...]”155

É fácil entender por que Última Hora tornou-se um alvo importante a ser combatido. Na visão de Levy, após o êxito do plebiscito e o retorno do presidencialismo, no início de 1963, “[...] Última Hora, sob a direção de Samuel

Wainer, passou a ser um instrumento escancarado para ganhar terreno popular.”156

A polarização e a radicalização

Como discutido no capítulo 1, desde a crise de 1961, quando a tentativa de oposição à posse do então vice-presidente João Goulart foi impedida pela resistência de amplos setores da sociedade civil, com destaque para a mobilização das classes

152 Última Hora. 1 nov. 1963:2 153 Última Hora. 6 nov. 1963:2 154 Última Hora, 1 nov. 1963:2 155 Última Hora. 25 out. 1963:2 156 Levy, 1990. 88 populares, tornou-se claro que intervenções no processo político brasileiro, a partir daquele momento, só poderiam ser realizadas se contassem com o apoio dessas classes.

Essa percepção foi acentuada após o retorno do presidencialismo, em 1963, quando os grupos de esquerda começaram a apostar, cada vez mais, na mobilização das classes populares, por meio de ações políticas extrainstitucionais como manifestações de rua, comícios e greves políticas, a fim de pressionar o Congresso a aprovar as reformas de base. Além disso, em um contexto democrático, em que a classe trabalhadora adquiria peso eleitoral, a conquista de uma base popular tornava-se condição sine qua non para a conquista ou preservação do poder, bem como para a implementação de projetos políticos.

Em entrevista dada a Gisela Goldenstein, em 1974157, Luis Fernando Levy, filho de Herbert Levy que ficou responsável pela administração do jornal Notícias Populares, mostrou como o governo Goulart foi percebido pelo seu grupo, e de que modo seus membros atuaram naquele período:

“[...] Quando Goulart assumiu, houve aquela degringolada e rapidamente alguns grupos começaram a influir decisivamente junto a ele: [...] grupos interessados em esquerdizar radicalmente a posição do governo brasileiro [...] No início de 1963 [...] nós, dentro da linha que vínhamos seguindo, resolvemos atuar em todos os campos no sentido de impedir que o caos tomasse conta das coisas e que os grupos ligados tanto ao radicalismo de esquerda quanto aos corruptos que se aproveitavam do poder – e que estavam associados no processo de mudança da situação - alcançassem seus objetivos.”158.

Conforme assinala Goldenstein, se no discurso de Luis Fernando Levy estão presentes o elemento moral – “os corruptos que se aproveitam do poder” – e o político –

157 A entrevista foi dada a Goldenstein em 1974. Deve-se lembrar, neste ponto, que a memória segue uma dinâmica própria, em que, como afirma Beatriz Sarlo, “é inevitável a marca do presente no ato de narrar o passado” . Com isso não se quer negar a pertinência de a memória ser usada como fonte, pelo historiador, para a reconstituição do passado, como, aliás, realizo nesta pesquisa. Mas isso deve ser feito mediante o confronto do testemunho com outras evidências disponíveis, em um trabalho de tratamento crítico do relato subjetivo. Ver Sarlo, 2007:49. 158 Goldenstein,1987:77- 79. 89

“a esquerda que conseguiu influência decisiva no governo Goulart” –, na prática, a ação concreta visava mais a esquerda que a corrupção. Segundo a autora, “o alvo das ações era o movimento sindical „dirigido‟, a reforma agrária, o movimento estudantil, na medida em que significavam esquerdização. Foi aí que se concentrou o fogo”159.

Ao mesmo tempo, ao afirmar que “aprendemos a lição”, Luis Fernando Levy mostra como, em um contexto de fortalecimento das esquerdas e ampliação da participação política popular, os setores udenistas e do empresariado paulista representados por Herbert Levy, em busca de eficácia política, reorientaram suas estratégias de ação e passaram a atuar no mesmo campo do adversário, o que incluía a adoção de táticas de mobilização popular, conforme discutido no capítulo anterior.

Nesse sentido, a proposta de Mellé de criar um jornal popular para fazer uma contraofensiva à atuação de Última Hora foi ao encontro dos interesses de Herbert Levy que, naquele momento, atuava de diferentes formas no combate ao governo de João

Goulart e à influência dos grupos de esquerda na mobilização dos trabalhadores.

Segundo Luis Fernando Levy:

“[...] A ideia de fazer Notícias Populares nasceu quando, neste trabalho de contra-ofensiva, nós verificamos que um dos instrumentos de ação perigosos, porque pegavam uma população desprevenida e desorientada no sentido de formação de opinião, era o Última Hora, que, em São Paulo, tinha cerca de uns duzentos mil jornais de tiragem e que, ao lado da alimentação, vamos dizer, que davam para o povo – que era sexo, crime, sindicatos – jogavam ideias, distorciam fatos, enfim dirigiam a opinião da população e dos trabalhadores, através desse órgão de comunicação. Nós, em contrapartida, não tínhamos o acesso, não só porque, na verdade, o sistema de comunicação com o povo é sempre mais complicado e mais difícil, como também porque nós não tínhamos aquilo que eles queriam „beber‟, que era um jornal popular.[...]”160

159 Idem, Ibidem. 160 Goldenstein, 1987:79. 90

Assim, para Herbert Levy, o perigo de Última Hora estava tanto na eficácia da forma da sua mensagem que, por meio da fórmula “sexo, crime, sindicato”, promovia a politização das classes populares, quanto no despreparo atribuído aos seus leitores que, como assinala Goldenstein, eram considerados “vitimas ignorantes e indefesas a receber, inadvertidamente, junto com a alimentação que desejavam, ideias e fatos distorcidos.”161 Perigo estava também no fato de os “jornais liberais e conservadores fieis à democracia terem pouca penetração na área popular”162, deixando livre o mercado de jornais populares paulista para a atuação de Última Hora. Levy, por exemplo, era proprietário do jornal Gazeta Mercantil, voltado para assuntos financeiros e para leitores da elite paulistana.

Além disso, diferente do Rio de Janeiro, em que jornais como A Luta

Democrática, de Tenório Cavalcanti, ou O Dia, de Chagas Freitas, disputavam o mercado da imprensa popular com o jornal Última Hora, em São Paulo, esse mercado era praticamente monopolizado pela Última Hora. O concorrente mais próximo era o jornal Diário da Noite, publicação dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, que, no entanto, não estava a serviço de uma determinada postura política, mas agia ao sabor das circunstâncias. Outros jornais que circulavam no mercado editorial da imprensa popular em São Paulo eram O Esporte e A Gazeta Esportiva, ambos voltados para a área de esportes. O Dia também circulava em São Paulo, mas sua vendagem era irrisória, não podendo ser considerado um concorrente para o Última Hora163. Assim, do acordo entre Levy e Jean Mellé, nasceu o jornal Notícias Populares.

A montagem do jornal

161 Goldenstein, 1987: 80. 162 Levy, 1990. 163 Sobre os jornais populares em São Paulo, ver Goldenstein, 1987: 95-135. 91

Em 19 de abril de 1963, foi criada a Editora Notícias Populares S.A., mas a montagem da estrutura do novo jornal levou alguns meses e a primeira edição só saiu em 15 de outubro daquele ano.

Levy tornou-se o proprietário e delegou a administração ao seu filho, Luis

Fernando Levy. Jean Mellé tornou-se o editor-chefe. A organização empresarial do jornal, no início, foi precária e marcada pela improvisação, com a utilização de oficinas e equipamentos do Gazeta Mercantil, provavelmente porque a vendagem interessava mais na medida em que faria chegar a mensagem de Notícias Populares às classes populares do que a lucratividade propriamente dita. Foi por isso que, após o golpe de

1964, Levy desinteressou-se pelo jornal e o vendeu para o grupo Folha da Manhã S.A., de Otávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, em outubro de 1965. Outro motivo para o seu desinteresse, provavelmente, foi a frustração de sua candidatura às eleições a governador de São Paulo, que deveriam ocorrer em 1966 e que foram suspensas pelo regime militar. Levy era o nome da UDN para essas eleições, o que contribuía para o seu interesse por Notícias Populares. Entretanto, o seu nome foi preterido pelos militares em favor de Paulo Egídio Martins.

Os recursos financeiros para a criação de Notícias Populares vieram quase na totalidade de Herbert Levy. Como esperado, o empreendimento foi deficitário, apesar da boa vendagem164. Poucas empresas fizeram anúncios no jornal. No entanto, não podemos deixar de notar o apoio inicial, em forma de contribuição financeira, de empresários paulistas como José Ermírio de Moraes Filho (Grupo Votorantim) e João

Arruda (proprietário da tecelagem Santana), que indicava a necessidade que esse setor sentiu de tirar as classes populares da influência dos grupos de esquerda. Por isso o seu

164 Goldenstein, 1987. 92 apoio à criação de um jornal popular que fizesse um “fogo de encontro” ao Última

Hora.

A divulgação do Notícias Populares foi feita à base de pichação de muros, lugar de tradicional difusão de mensagem dos candidatos de esquerda. Para reforçar o apelo popular, o jornal chegou às bancas ainda por um preço mais baixo do que o da concorrência. Enquanto Última Hora custava 30 cruzeiros, Notícias Populares saía por

20. O horário de circulação também foi pensado estrategicamente: o jornal saia à noite, mas com data do dia seguinte, para que, pela manhã, quando os trabalhadores seguissem para o trabalho, já o encontrassem à venda, antes de Última Hora. Era também vendido tanto nas bancas quanto por “jornaleiros ambulantes”. Segundo Goldenstein, “nas bancas em que fosse possível, o jornal deveria ser mantido mesmo que não vendesse, de modo a fazer o público leitor acostumar-se com sua presença”165. Outra estratégia foi fazer a cobertura dos acontecimentos dos bairros populares paulistanos, colocando-os na capa do jornal. Assim, em 19 de outubro de 1963, um dos títulos da primeira página era

“Vila Pompéia também tem vulcão”, para a notícia sobre a explosão de uma fábrica nesse bairro. Em pouco tempo a tiragem começou a subir vertiginosamente. De 20 a 30 mil exemplares em novembro de 1963, passou para 70 a 90 mil em agosto de 1964.166

O público visado, segundo Goldenstein, era as classes populares urbanas em geral, tanto o operariado quanto as camadas inferiores de assalariados não industriais e trabalhadores autônomos167. Pesquisa realizada pelo Ibope, no período, mostrou que

Notícias Populares vendia essencialmente nas “zonas 3 e 4” da cidade de São Paulo, que correspondiam, respectivamente, a “bairros de classe média e pobre” e “bairros pobres”. Última Hora, embora vendesse também nas zonas 1 e 2, respectivamente,

165 Goldenstein, 1987:87. 166 Campos Jr., et al., 2002: 53- 66. 167 Ver Goldenstein, 1987: 35. 93

“bairros de classe rica” e “bairros de classe média e rica”, zonas que Notícias Populares não atingia, vendia mais nas zonas 3 e 4168. Era nessas áreas que Notícias Populares pretendia disputar o público com Última Hora.

Interessante observar o índice de identificação partidária pré-64, pois ele ajuda a mapear o quadro político em que Levy se movimentava e entender algumas de suas escolhas e estratégias políticas. Em São Paulo, o PTB tinha, nas classes A e B, uma taxa de identificação de 10%; na classe C, 19%, e na classe D, 25%. Já a UDN tinha, nas classes A e B, uma taxa de identificação de 14%, na classe C, 5% e na classe D, 7%. No entanto, a taxa de eleitores, na classe C, que não se identificava com nenhum partido era de 48%, enquanto na D, era de 42%.169 Esses dados revelam um grande contingente de trabalhadores que estavam abertos para serem conquistados e disputados por diferentes correntes políticas. Mais um motivo para o interesse de Levy pelo Notícias Populares.

A tarefa de montagem da equipe do jornal coube a Jean Mellé que, pagando salários maiores, “roubou” uma grande parte dos jornalistas do Última Hora, experientes na imprensa popular. É o caso de Narciso Kalili, secretário de redação, e

Ramão Gomes Portão, da editoria de polícia. Na equipe do jornal estavam: Cícero

Leonel (chefe de reportagem), Sílvio Sena (editor-chefe), Carlos Tavares, Sérgio

Pompeu e Mauro Santayana (redatores); Dalmo Pessoa, Vital Battaglia, Rui Falcão,

Adriano Neiva, Tão Gomes Pinto e Celso Brandão (esporte); Percival de Souza e José

Carlos Bittencourt (geral); Fábio Mendes (correspondente de Brasília); Radu Henry, filho de Mellé (correspondente em )170.

Entre os colunistas havia gente de renome, como Nelson Rodrigues, com a coluna diária “A vida como ela é”, e Claudio Marques, que se tornaria conhecido por

168 A pesquisa do IPOPE está reproduzida em Goldenstein, 1987. 169 Lavareda, 1991: 137. 170 As informações sobre a equipe do jornal estão em Campos Jr, et al., 2002. 94 delatar jornalistas durante o regime militar, entre eles Wladimir Herzog. O próprio

Mellé tinha uma das mais importantes colunas diárias no jornal, a “Jean Mellé

Informa”, sobre política nacional e internacional, cujo eixo era o forte conteúdo anticomunista.

Outro colunista importante foi o jovem jornalista Waldo Claro que, no período, era presidente da Aliança Democrática Brasileira (ADB). A ADB era uma organização de direita, formada por jovens estudantes de classes média e alta. Seu programa de ação visava combater a “comunização” nos meios estudantis, as reformas propostas por

Brizola e Goulart, a legalização do PCB, a UNE e a UBES, a encampação das refinarias particulares, o preenchimento de postos-chave da administração com elementos considerados comunistas, a influência de líderes sindicais nos assuntos do país. Por meio de sua coluna diária “Waldo Claro denuncia”, situada, estrategicamente, na página sindical, Waldo Claro alertava sobre a “infiltração comunista” no Brasil.

Na equipe do jornal havia também muitos simpatizantes do governo Goulart, em geral, jornalistas saídos do Última Hora. Segundo Mauro Santayana, eles até tentavam

“sabotar as notícias anti-Goulart”171, ao procurar diminuir o teor das críticas ao presidente da República. No entanto, a posição do dono, Herbert Levy, e do editor- chefe, Jean Mellé, determinava a última palavra.

A linha editorial do Notícias Populares

Segundo Gisela Goldenstein, a intenção de Notícias Populares de “roubar” o público de Última Hora, motivo principal da sua criação, não era buscar o apoio dos trabalhadores para as mobilizações contra João Goulart, mas sim a sua despolitização.

Apoio, o grupo de Levy buscaria nas classes médias. Teria sido para elas que dirigiu a

171 Campos Jr. et al., 2002: 63. 95 campanha da imprensa, buscando formar uma opinião pública mobilizada contra o governo Goulart. Sobre as classes populares, diz Goldenstein, apesar de temê-las mais do que nunca, continuava a negar-lhes cidadania política. Por isso o projeto de criação de Notícias Populares definia que o noticiário político deveria ser mínimo. Além disso, seus criadores acreditavam que, se as classes populares liam Última Hora, o faziam não pelo seu conteúdo político, mas pelo entretenimento e pelas notícias sensacionalistas desse jornal. Dessa forma, em seu projeto inicial, Notícias Populares deveria se assemelhar a Última Hora, mas sem a parte política, ou seja, aproveitando apenas as técnicas de sedução do público utilizadas por esse jornal. Segundo Luiz Fernando Levy, em depoimento a Goldenstein:

“A fórmula sexo-crime-sindicato não é nenhuma invenção nossa. É, na verdade, o resultado de pesquisas que se faziam e era isso que levava o pessoal a comprar o jornal. Junto com isso é que vinham os outros ingredientes em Última Hora. O objetivo do jornal era, claramente, roubar o público de Última Hora. Era dar pelo menos uma alternativa, senão uma substituição, que era o que nós desejávamos e que aconteceu; nós queríamos trazer uma alternativa para fazer um fogo de encontro. [o jornal Notícias Populares] falava pouquíssimo de política, o mínimo necessário: às vezes dava cobertura a uma ou outra manifestação, dentro daquela linha de contra- ofensiva ao trabalho de desordem [...] e dar aquilo que eles estavam querendo e mais alguma coisinha água com açúcar, às vezes algumas informações [...] mas com muito cuidado e com muito critério para que não cometêssemos o erro de querer dar para nosso leitor aquilo que ele não estava nem com vontade de ler [...]”172 [grifos meus]

Assim, o jornal Notícias Populares deveria ser estruturado para neutralizar a ação do jornal Última Hora sem, no entanto, polemizar com o rival. Seria um jornal político, mas que falaria o mínimo possível da política dita formal e que teria na linguagem e na temática sensacionalistas o seu carro-chefe. Essa postura dos criadores de Notícias Populares expressaria, segundo a autora, uma visão sobre as classes

172 Goldenstein, 1987: 83. 96 populares próxima à ideia de que “o povo não pensa e nem tem interesse nisso”.173

Expressaria, também, o desejo de tirar as classes populares da influência das esquerdas e, ao mesmo tempo, evitar que elas participassem de qualquer outra forma.

No entanto, ao confrontar o depoimento de Luiz Fernando Levy com o discurso de Notícias Populares, percebi que, em meio ao sensacionalismo, o jornal investiu no noticiário político quase tanto quanto Última Hora, sinal de que a participação dos trabalhadores no cenário brasileiro foi percebida em um ponto de não-retorno. As classes populares teriam que ser reconhecidas como interlocutor/ator político. A própria iniciativa de fazer um “fogo de encontro” ao Última Hora ou o apoio de Herbert Levy aos sindicatos anticomunistas revelam essa percepção.

Assim, se Notícias Populares pretendia anular a atuação do Última Hora, teria de abordar os temas políticos por meio de um discurso alternativo ao do concorrente. E assim o fez. Nos primeiros meses de Notícias Populares, entre outubro e dezembro de

1963, o noticiário político, centrado na deslegitimação do governo Goulart e das esquerdas, predominou no jornal, ocupando seis das suas 12 páginas. A partir de dezembro, as editorias de polícia, esportes e cidades tiveram seus espaços ampliados, por decisão de Mellé, que pretendia, com isso, aumentar a vendagem do jornal.

Entretanto, o noticiário político continuou sendo pauta importante e ocupou, sozinho, entre quatro e cinco páginas do Notícias Populares.

As posições da UDN e de Herbert Levy pautaram o noticiário político. Levy foi ponto frequente no jornal, ocupou as colunas, gerou notícias, fotos, elogios. Aparecia sempre como protagonista dos acontecimentos. Denunciava o perigo da infiltração comunista no Brasil, os “planos golpistas” de João Goulart, e se posicionava como

173 Goldenstein, 1987:77-87.

97 opositor intransigente do governo na defesa da democracia brasileira. Títulos como

“Levy: Jango atrasa mínimo para fazer revolução”174; “Levy: governo tem interesse em subverter a ordem” ou “Levy: nenhum acordo com Goulart”175 davam o tom dessa editoria.

Não por acaso, o jornal empreendeu a tarefa de construção da imagem política de Levy. Como exemplo dessas iniciativas, estavam as diversas matérias publicadas por

Notícias Populares em que o empresário e político udenista pedia urgência na aprovação da escala móvel de salários, que propunha aumentos semestrais com base nos

índices da inflação do país. O objetivo de Levy era disputar com o PTB a autoria do projeto e retirar essa bandeira das esquerdas. No dia 19 de novembro de 1963, Notícias

Populares publicava:

“O presidente João Goulart enviará hoje mensagem ao Congresso, determinando a revisão do salário mínimo duas vezes por ano [...] Esta é uma vitória da UDN, pois representa antiga reivindicação do partido[...] Coube ao deputado Herbert Levy pedir urgência para a votação do projeto que institui o salário móvel, o qual, uma vez aprovado virá solucionar os problemas salariais [...]” [grifos meus]176

A defesa do projeto de escala móvel de salários era um importante instrumento de expansão partidária e eleitoral. Havia uma forte rivalidade entre a UDN e o PTB, ambos interessados em apadrinhar a proposta. Além disso, o PTB não poderia renunciar

à autoria de um projeto de alcance trabalhista. Nessa disputa, Última Hora também deu o seu recado:

“[...] A Câmara Federal deverá prosseguir esta semana os entendimentos sobre a reforma agrária aguardando também a chegada da mensagem presidencial encaminhando projeto de lei que institui o salário móvel para todos os trabalhadores, bem como o décimo terceiro salário para os servidores federais. Surpreendentemente, tão logo foi anunciada a

174 Notícias Populares, 19 fev. 1964:6 175 Notícias Populares, 18 out. 1963:4 176 Notícias Populares, 19 nov.1963:6 98

disposição foi governo de apresentar aquela proposição, os elementos oposicionistas [...] tratam de reviver o projeto que trada do mesmo assunto, apresentado já em 1951 [...]”

O posicionamento de Última Hora reforça a ideia defendida, nesta dissertação, sobre a importância estratégica da criação do Notícias Populares na luta política do período.

Como foi discutido no capítulo anterior, o golpe não foi a única opção de Levy para derrotar Goulart. Ele investiu, ao mesmo tempo, na manutenção do calendário eleitoral, ao promover forte campanha em torno do nome de Carlos Lacerda para a presidência da República, além de ser ele próprio um nome de peso para sucessão ao governo de São Paulo. Como diz Fico “[...] enfraquecer o governo, bloquear quaisquer eventuais pretensões continuístas do presidente e torná-lo um eleitor fraco na campanha presidencial de 1965 eram alternativas admissíveis para personagens que, depois, optariam definitivamente pelo golpe”177.

Em suas páginas, Notícias Populares desenvolveu, ainda, uma verdadeira pedagogia política anticomunista a fim de combater o proselitismo dos grupos de esquerda. O objetivo era fornecer ideias, imagens e valores de uma tradição anticomunista, especialmente a de matriz liberal, que conformasse a visão de mundo das classes populares e estimulasse o medo e a insegurança em relação ao comunismo, identificando esse perigo no governo Goulart. Para garantir o sucesso de sua campanha, os jornalistas adotaram a estratégia de manter o assunto em evidência. Publicavam, quase diariamente, textos criticando o comunismo, de modo a fixar no público as suas mensagens.

177 Fico, 2004: 76. 99

Isso mostra, portanto, a necessidade de reavaliar a interpretação de Goldenstein e questionar até que ponto era possível manter as classes populares fora do jogo político.

Ao mesmo tempo, o reconhecimento do povo como sujeito político gerou tensões.

Embora considerado ator político de peso, que deveria ser conquistado, continuava sendo visto como despreparado intelectualmente para agir e pensar por si mesmo, já que sua ação política era atribuída a manipulações dos grupos de esquerda.

A concepção de povo do jornal Notícias Populares

A visão de “povo” compartilhada por setores udenistas e do empresariado paulista apareceu na linha editorial do jornal, sob a responsabilidade de Jean Mellé. A tarefa de Mellé seria adequar a linguagem e o discurso de Notícias Populares às características culturais que ele supunha ser dos seus leitores. Na sua visão, para que houvesse eficácia no convencimento dos leitores, os jornalistas deveriam trabalhar com temas que fossem sensíveis às classes populares, relacionados, portanto, ao seu universo simbólico.

A fórmula encontrada foi mesclar elementos tradicionais da imprensa sensacionalista, que ele acreditava ser o chamariz para os leitores, com temas políticos contemporâneos. Apostando que o leitor popular compra jornal por impulso, a primeira orientação de Mellé foi fazer da manchete de Notícias Populares e da primeira página o carro-chefe do jornal178. Assim, a primeira página do dia 10 de março de 1964 trazia como manchete, Aluguéis: JG assina lei no dia 13. E como títulos: Bacanal na rua

Clélia: janelas abertas; Preso Miguelito rei dos impalas; OEA: Cuba faz agitações no

Brasil; PUC: mais 2.000 em greve; Óleos e ovos subiram; Brejão: líder quer 1 bilhão pelas terras; De Gaulle vai falar espanhol; Pivetes presos dormindo.

178 Goldenstein, 1987. 100

Neste ponto, é interessante retomar algumas considerações sobre o sensacionalismo, pois foi recorrendo a ele que Mellé buscou forjar a identificação do jornal com o público. Segundo Marialva Barbosa, a fórmula sensacionalista está baseada no enquadramento dramático (trágico ou cômico) dado à notícia que, ao mesclar realismo e romance e superdimensionar os acontecimentos, apela às sensações que provocam emoção pela proximidade com o fato reconstituído. A edição fantasiosa característica da narrativa sensacional deve ser apresentada dentro de parâmetros de verossimilhança, que permitam ao leitor reconhecer, na trama, um mundo romanceado, que não pode ser encarado sem a carga de ficcionalidade, mas, ao mesmo tempo, real; caso contrário, perde a credibilidade diante do leitor179.

Nesse sentido, a narrativa sensacionalista evoca não apenas aquilo que se passou, mas também uma realidade semelhante ao que se desenrola na vida do leitor, aumentando a identificação dele com o jornal. Além disso, o texto sensacionalista apela a valores duais, carregados de ensinamentos morais, como a ideia do mal contra o bem.

Tudo isso narrado sob a forma de um melodrama cotidiano.

As chaves do jornalismo sensacionalista estariam, ainda, na intensificação e exagero gráfico, temático, linguístico, com o abuso das ilustrações e fotografias e temas que valorizam um conteúdo melodramático centrado, na maioria das vezes, na violência. A linguagem informal e irreverente, baseada em imagens e pobre em conceitos, é, ao lado da valorização das manchetes que buscam o insólito e a extravagância dos fait-divers, outra característica desse tipo de jornalismo. Os títulos são seguidos por subtítulos que resumem o drama e facilitam a leitura de um público que se considera ter pouco hábito de leitura.

179 Barbosa, 2004. Para uma discussão sobre o sensacionalismo, ver também Siqueira, 2002 e Amaral, 2006. 101

Todos esses elementos estiveram presentes, em maior ou menor grau, dependendo da seção do jornal, na fórmula do discurso de Notícias Populares. O estudo das partes componentes do jornal, que saía com 12 páginas, ajuda a compreender o que os seus criadores definiram como sendo de interesse popular, o lugar do sensacionalismo e a concepção de classes populares que os pautou.

O noticiário do Notícias Populares dividia-se em espaços para políticas nacional, estadual e internacional, temas trabalhistas e sindicais, polícia, esportes e os problemas do cotidiano que afetavam as classes populares. As colunas sociais, faits- divers, vida de artistas, lazer, coluna feminina, horóscopo, turfe, quadrinhos completavam o quadro e buscavam reforçar a atração do público popular. Não havia espaço para editorial, mas as numerosas colunas assinadas, como a “Jean Mellé

Informa” ou a “Waldo Claro denuncia”, faziam esse papel.

A edição diária de Notícias Populares, entre outubro de 1963 e março de 1964, estava assim organizada180:

Capa: mesclava assuntos diversos, da política formal à polícia, além da presença de uma enorme quantidade de fotos, praticamente uma para cada título. A manchete principal variava tematicamente, conforme a editoria entendesse o grau de importância da informação. A partir de dezembro de 1963, a política perdeu espaço na capa para as editorias de polícia e esportes que Mellé acreditava terem maior apelo comercial.

Página 2: era dedicada a assuntos diversos, indo de problemas do cotidiano da cidade de São Paulo a fait-divers, passando por notícias policiais, políticas, econômicas e sindicais. Alguns dos assuntos do dia 6 de dezembro de 1963, nessa página, eram:

“Carne: COAP favorece câmbio negro e estabelece a censura”; “Salário deve

180 Para melhor visualização do jornal, ver as páginas 112 a 115 deste capítulo. 102 acompanhar aumento do custo de vida”; “Aluguel de 10 mil poderia subir a 70 mil cruzeiros”; “Encampação ou greve geral: operários intimidarão Goulart”; “Menina de dez anos foi degolada num matagal”; “Sarita Montiel estreia amanhã e dia 11 estará em São Paulo”.

Página 3: lugar da coluna “Jean Mellé informa”, dedicada a assuntos políticos nacionais e internacionais, tendo como eixo o discurso anticomunista. As matérias que apareciam ao lado dessa coluna também poderiam variar de temática. Assim, no dia 30 de dezembro de 1963, ao lado da coluna de Jean Mellé, que discutia a crise econômica da União Soviética, aparecia matéria com o título “Polícia invadiu „inferninho japonês‟: alegria de nisseis terminou na central”, que mostra a mistura entre elementos do sensacionalismo e temas políticos contemporâneos, característica do jornal.

Página 4: dedicada à política estadual, e, principalmente, nacional. Nessa seção, as posições da UDN e de Herbert Levy, no cenário nacional, e a batalha para a deslegitimação do PTB e do governo Goulart pautavam o noticiário.

Página 5: era dedicada à política internacional, abordada sob a ótica da Guerra

Fria. O jornal posicionava-se na defesa do bloco capitalista, procurava assinalar os conflitos internos e “fracassos” do bloco comunista, denunciando-o como um “regime proscrito”. Essa página também contava com notícias sobre a vida privada de celebridades internacionais. Assim, em 5 de novembro de 1963, ao lado da matéria cujo título era “Novo incidente em Berlim gera tensão: 44 americanos detidos pelos soviéticos”, aparecia a notícia sobre o casamento da ex-mulher do Xá da Pérsia, sob o título: “Xá aprova casamento de Soraya: Maximiliam é um homem sério”. Esse era mais um exemplo da mistura entre matérias de teor diverso.

103

Página 6: dividia o espaço entre a editoria sindical, que abria a página com a seção “São Paulo trabalhista”, e a política nacional, por meio das colunas “Waldo Claro denuncia” e “Fábio Mendes: Nossa redação em Brasília”. A coluna “Fábio Mendes” fazia a cobertura dos debates no Congresso. Destacava a fala e a ação dos políticos udenistas, principalmente de Herbert Levy, e denunciava as “propostas demagógicas do governo”. A coluna “Waldo Claro denuncia” fazia a denúncia da infiltração comunista nos vários órgãos do governo e em organizações sociais como a União Nacional dos

Estudantes (UNE), sindicatos, Ligas Camponesas.

Vale ressaltar que os temas sindicais, além de terem ocupado quase a página toda, também apareciam espalhados em outras partes do jornal, mostrando que um dos objetivos de Herbert Levy era disputar com a esquerda o setor mais politizado das classes populares. O próprio nome “São Paulo trabalhista” era uma apropriação, por

Notícias Populares, do vocabulário do seu oponente: a tradição trabalhista representada principalmente pelo PTB. Uma das estratégias adotadas pelo jornal, a fim de não perder os seus leitores, foi apoiar as reivindicações salariais, mas condenar as “greves políticas”. Interessante, também, é que, nessa seção, o destaque estava nas mobilizações, encontros sindicais e greves promovidas pelos sindicatos trabalhistas e comunistas, e não do sindicalismo do MSD, apoiado pelas lideranças empresariais, como se poderia supor de um jornal cujo proprietário era Herbert Levy. Uma explicação para isso pode estar na própria intensificação da atividade sindical das esquerdas que, naquele contexto, assumiam a ofensiva política.

Entretanto, o MSD aparecia em momentos-chave do discurso do jornal para dar sustentação sindical às ações do grupo de Herbert Levy, ao contrapor a ideia de

“trabalhadores” x “subversivos”. O exemplo mais forte dessa estratégia se deu após o golpe de 1964, quando o MSD ocupou as páginas de Notícias Populares para defender a

104 repressão aos sindicatos liderados por trabalhistas e comunistas e a prisão de seus líderes. No dia 8 de abril de 1964, Notícias Populares publicava:

“O movimento Sindical Democrático do estado de São Paulo divulgou ontem manifesto enviado às autoridades federais e estaduais assinalando que „em nome da grande maioria dos trabalhadores paulistas, hipotecamos nosso inteiro apoio ao Congresso Nacional, às Forças Armadas e aos governadores do estado, por terem interpretado positivamente os incontidos anseios do povo paulista em preservar o regime de liberdade, de democracia que estavam ameaçados pela canalha comunista‟ [...] os trabalhadores democráticos reivindicam das autoridades responsáveis: a) a cassação dos direitos políticos de todos quantos, comprovadamente, no executivo, legislativo federal e estadual vinham facilitando a infiltração comunsita, apoiando os vendilhões da pátria; b) expurgo imediato e cassação dos direitos sindicais, nos termos dos dispositivos mencionados, dos dirigentes de confederações e sindicatos comprometidos como comunismo internacional e que eram pagos para conspirar contra os trabalhadores e a nação; c) extinção imediata das organizações comunistas, como o CGT, PAC, FSD [...]”

Outro ponto a ser ressaltado é que entre o final de fevereiro e o início de março de 1964, o noticiário sindical praticamente sumiu da página 6. O próprio nome “São

Paulo trabalhista”, que abria a página, foi extinto. Em seu lugar, foram colocadas notícias policiais, faits-divers e, principalmente, notícias sobre o aumento dos preços dos gêneros alimentícios. A meu ver, as notícias alarmantes sobre a alta dos gêneros alimentícios visavam desestabilizar e retirar o apoio ao presidente da República, já que afetavam diretamente a vida das classes populares.

As páginas seguintes eram dedicadas basicamente a entretenimento, incluindo esportes, principalmente futebol, quadrinhos, horóscopo, televisão, e coluna feminina, de variedades e social. A página 11 era dedicada à editoria de polícia. Nessa página, tal como em Última Hora, havia espaços para assuntos militares, como a “Coluna Militar” e “Força Pública”, que visavam atingir principalmente setores subalternos das Forças

Armadas, então em processo de politização. No entanto, o objetivo era esvaziar o caráter político das reivindicações desses setores. Por isso o jornal noticiava apenas

105 promoções e eventos ligados à corporação, como transferências, premiações, além de informar sobre facilitação da compra da casa própria, entre outros. Na contracapa, apenas notícias policiais e de futebol e, raramente, política.

Como visto, embora os diversos temas tivessem espaços mais ou menos cativos, a diagramação não era rígida, podendo aparecer, lado a lado, faits-divers, notícias policiais, econômicas, políticas, sindicais e do cotidiano. Considerando as possíveis limitações do seu público em relação a uma educação formal, a paginação do jornal foi feita de modo acessível, com textos geralmente curtos, manchetes e títulos em letras garrafais e uma enorme quantidade de fotos que, muitas vezes, não condiziam com a importância da matéria. Mellé também usou e abusou de fotos de mulheres bonitas, de preferência de espartilho, mesmo quando estavam nas páginas policiais.

A linguagem da abordagem dos temas também era diversa. Assim, nas editorias de polícia, de esporte e de cotidiano, recorria-se à linguagem sensacionalista. Já nas editorias política e sindical, embora não excluísse recursos do sensacionalismo, predominou uma linguagem mais formal – exceto nas manchetes e títulos. No entanto, também essa divisão não era rígida: as linguagens poderiam ser misturadas em uma mesma notícia ou no mesmo espaço do jornal.

Para conquistar o leitor popular, o jornal também dava ampla cobertura para problemas do cotidiano, como a questão do tabelamento do preço dos gêneros de primeira necessidade ou dos alugueis, sempre com alarde, insinuando uma situação de caos no país. A cobertura econômica do Notícias Populares, diferente da cobertura política, tendia a se restringir ao universo dos problemas do cotidiano popular. Entre os dias 18 e 30 de outubro de 1963, por exemplo, o jornal, diariamente, noticiou o locaute dos açougueiros contra o tabelamento do preço da carne pela Sunab. O título principal

106 da segunda página, no dia 16 de outubro, era: “Açougueiros vencem a parada. Demitido presidente da COAP”181. No dia 18 de outubro de 1963, o jornal publicava a seguinte matéria:

“[...] grande número de açougueiros desta cidade continua desafiando os comandos do departamento de policiamento econômico da COAP impondo aos consumidores preços superiores aos do vigente tabelamento da carne através da velha ameaça: „se não quiser, deixar ficar, pois tem quem compre‟. A COAP santista, a despeito de sua firme atuação frente aos exploradores da economia popular, vem permitindo claros na sua ofensiva contra os “tubarões” da carne. Ontem, os moradores da rua Professor Torres Homem pagaram 520 cruzeiros o quilo da carne tabelada em 490. No mercadinho do bairro a exploração é semelhante [...]”182

Com essa pauta firmemente ancorada nos interesses da população, associada a esporte, entretenimento, notícias policiais, o jornal buscava construir seu vínculo com os leitores.

Vale destacar que no início Notícias Populares era parecido com Última Hora.

Sua diagramação era semelhante, especialmente na capa, onde conviviam diversos assuntos em chamadas, manchetes em letras garrafais, muitas fotos, especialmente de crimes, tragédias e mulheres bonitas. Notícias Populares também aproveitou de Última

Hora o formato das editorias de cidades, política, esportes e sindical e as notas sociais de clubes populares, apresentando-se, no entanto, como uma versão mais pobre desse jornal e não só no número de páginas - Notícias Populares saía com 12 páginas contra

24 do Última Hora. Enquanto Última Hora apresentava, ao lado das matérias de promoção dos artistas e de shows, colunas de crítica literária, cinema, artes plásticas,

Notícias Populares só tinha o primeiro tipo de matéria: fofocas, promoção de artistas e espetáculos183. Outra diferença é que Notícias Populares não fez uso de espaços de comunicação com os leitores como a “tendinha das reclamações” ou a seção de cartas

181 COAP era o órgão federal responsável pelo tabelamento dos preços dos gêneros alimentícios. 182 Notícias Populares, 18 out. 1963:2 183 Esse aspecto é ressaltado por Goldenstein, 1987. 107 dos leitores, que, em Última Hora, se mostraram instrumentos fundamentais para o jornal construir a imagem de intermediário entre povo e governo.

“Povo-plebs” e “Povo-populus”

Tomando de empréstimo conceitos formulados por Chartier, considero que

Notícias Populares oscilou em caracterizar seus leitores como povo-plebs, aquele que não é considerado sujeito político, pois não seria iluminado pela razão, forma de participar do mundo político-institucional na modernidade, e povo-populus, esse sim sujeito político, ativo nas esferas de participação da política formal184.

Na visão de Notícias Populares, o povo-plebs era aquele que comprava o jornal pelo entretenimento, pela emocionalidade das matérias policiais, pelas informações do cotidiano em detrimento do mundo político institucional. Era o “povo” que buscava o jornal não para ampliar o seu conhecimento do mundo, mas para resolver problemas concretos do seu cotidiano, como o preço da carne, ou para buscar histórias interessantes, insólitas, que não levavam a reflexões mais profundas além do inusitado do fato imediato. Era principalmente para ele que se destinavam matérias, como a publicada no dia 22 de outubro de 1963, que rendeu a seguinte manchete: “Criança assassinada com um tiro no coração”185. A matéria é interessante não somente por ajudar a revelar a visão subjacente que o jornal tinha de seus leitores, mas também a representação do povo que divulgava em suas páginas. Apesar de ser capa do jornal, o assunto foi tratado numa pequena nota na página 2 – a foto era maior que o texto – e foi narrado da seguinte forma:

“A família de Isidora foi, na tarde de ontem, visitar Marcolino conhecido passador de maconha em Vila Nice e imediações de Vila Gustavo. Todos os presentes passaram a fumar a erva. No sofá, Isidora “rosnava” sob o efeito

184 Chartier,1990. 185 Notícias Populares, 22 out. 1963: 1-2. 108

da droga. Sua mulher Adelina também estava maconhada (...) o tiro foi disparado acidentalmente”186.

No mesmo dia, na página policial, Notícias Populares continuava apostando no efeito “maconha”, dessa vez misturada com samba, para compor um cenário de violência na matéria “Rudi entrou no cordão: ladrões e maconha numa escola de samba”:

“Numerosas viaturas da rádio-patrulha e da Rudi movimentaram-se nas primeiras horas de ontem para efetuar a prisão dos componentes de uma escola de samba que batucava na Rua da Glória, proximidade da av. Liberdade. Momentos antes o nipônico Massao Ikeda (...) fora barbaramente espancado por aqueles sambistas delinquentes (...) conta ainda que eles portavam maconha”187.

Nas matérias, as representações do povo e de elementos da cultura popular, como o samba, foram feitas de forma caricaturizada, transformando-as em estereótipos da desordem e da irracionalidade, chegando à animalização (“Isidora rosnava”).

Mas não foi só nas páginas policiais que se considerou o “povo-plebs”. Ele esteve também na forma da abordagem dos problemas socioeconômicos da cidade de

São Paulo como na matéria “Miséria faz fila no albergue do Cambuci”188: “No albergue noturno do Cambuci a miséria realmente faz fila para entrar. Centenas de desgraçados se reúnem ali (...) são procedentes de estados do norte atraídos pela promessa da cidade grande (...)”

Percebe-se a manutenção do tom dramático, típico da narrativa sensacionalista, mas agora em outra chave, buscando despertar a empatia do leitor com os personagens

186 Notícias Populares, 22 out. 1963:2 187 Notícias Populares, 22 out. 1963:11 188 Notícias Populares, 19 out.1963: 1 e 3. 109 da matéria. Na continuação da reportagem, é enfatizado que a maioria dos migrantes só quer trabalhar, mas não consegue devido ao saturamento do mercado de trabalho em

São Paulo. Além disso, é denunciado o desprezo das autoridades, como o caso do policial que cuida da fila do albergue.

Assim, o migrante foi dignificado, na matéria, por ser trabalhador, papel social reconhecido positivamente para o homem pobre. Porém, esse mesmo trabalhador seria vítima da sociedade. Sua marca seria a impotência e a ausência de iniciativa própria.

Dessa forma, a narrativa do jornal, ao sentimentalizar a questão social, buscou criar a penalização e reforçar uma visão subalterna do integrante das classes populares, na sua condição de excluído e passivo, de não-cidadão. Apesar de ter apontado o desemprego como um problema da organização econômico-social, a matéria não desenvolveu argumentos nem apontou soluções, em um momento em que esse tema se inseria no debate sobre as reformas de base. O conteúdo da mensagem acabou por particularizar o fenômeno social descrito a fim de valorizar a emoção pela vitimização dos personagens.

Nas matérias acima, tanto a concepção do leitor popular quanto as próprias representações do povo, veiculadas em determinadas páginas do jornal demonstravam uma visão do povo como “plebs”. Ou seja, um povo despolitizado, cujas manifestações eram qualificadas muitas vezes por sua emocionalidade, mas de quem o jornal não poderia descuidar em função de um contexto de radicalização, no país, em que as esquerdas avançavam na conquista dos setores populares.

Mas se, de um lado, Notícias Populares trabalhou com a ideia de um povo despolitizado que buscava no jornal o trio “sexo, crime, esportes”, por outro, não deixou de considerar a existência de amplos setores populares mobilizados, que participavam do embate político. Esse “povo-populus”, na visão do jornal, seria formado

110 principalmente pelos trabalhadores assalariados sindicalizados. Era especialmente para ele, embora não só, que o jornal dirigia o noticiário político e sindical. Era ele que pretendia tirar da influência dos grupos de esquerda. A coluna “Jean Mellé informa”, no dia 18 de outubro, fornece um exemplo desse trabalho de “contraofensiva”. Sob o título

“Magalhães Pinto modifica sua posição política para volta a linha do partido”, publicava:

“Das mais interessantes a nova posição do Sr. Magalhães Pinto, depois que tentou, sem sucesso, aproximar-se da chamada esquerda. Vítima de um erro de cálculo – o de que a “esquerda” teria importância na opinião pública nacional – o governador de Minas arriscou perder o apoio da maioria da UDN[...] O incidente da recusa do estado de sítio, da sua repulsa por todo o país, convenceu o Sr. Magalhães Pinto, como convenceu o Sr. João Goulart, de que o povo brasileiro prefere a defesa das liberdades democráticas, contra qualquer tentativa ditatorial.[...]

Mellé lançava mão de uma linguagem formal para abordar os conflitos internos udenistas como o apoio de Magalhães Pinto ao governo Goulart, que contrariava a linha radical do partido liderada por Lacerda. Com isso, pretendia formar um entendimento da realidade para o seu leitor, tratando-o como um sujeito político que precisava ser conquistado. Para desqualificar o adversário, associava a esquerda e o governo João

Goulart à demagogia e a um regime ditatorial – a tentativa de decretação do estado de sítio, em outubro de 1963, comprovaria isso – e, no mesmo movimento, ressaltava os liberais da UDN e as classes populares como baluartes da democracia no país. Nesse ponto, o discurso veiculado por Mellé em nada diferia do discurso veiculado pela grande imprensa para os leitores de classe média. Interessante é que, na matéria, a linguagem e a forma como o conteúdo foi abordado foram diferentes das orientações gerais de Mellé para a estruturação do discurso do jornal.

No entanto, essa imagem do povo como sujeito político não foi construída sem tensão: a abordagem do tema do sindicalismo no jornal revela isso. O movimento

111 sindical, no período analisado, foi um dos grandes temas abordados por Notícias

Populares, exatamente por ser o sindicato, naquele contexto, tanto o lugar por onde os trabalhadores se politizavam e se mobilizavam, quanto por ser uma das bases do governo Goulart, que tratava os líderes sindicais como interlocutores privilegiados.

A análise que Notícias Populares fez da greve geral dos 700 mil, ocorrida em

São Paulo entre outubro e novembro de 1963, permite vislumbrar as ambiguidades na visão do povo como sujeito político divulgadas pelo jornal. Desde 18 de outubro de

1963, 11 dias antes da eclosão da greve, o jornal vinha noticiando as tensões entre os trabalhadores de vários ramos da indústria de São Paulo, representados pelo Pacto de

Ação Conjunta (PAC), intersindical ligada ao Comando Geral dos Trabalhadores

(CGT), de orientação de esquerda, e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da

Indústria (CNTI), então nas mãos do PTB-PCB189. Sob o título “Aumento para os industriários: guerra fria pode pegar fogo”, o jornal anunciava o conflito entre o PAC, e depois a CNTI, representando 79 sindicatos, e os empresários representados pela

Fiesp. Enquanto o PAC e a CNTI reivindicavam aumento de 100% do salário e negociação em bloco, o empresariado só aceitava negociação categoria por categoria, negando-se a reconhecer o PAC como interlocutor. Até dia 29 de outubro, quando teve início a greve geral, o jornal, num tom moderado, deu voz, nas suas páginas, tanto ao operariado quanto ao empresariado. Ao veicular as demandas do operariado, as mesas de negociação com a Fiesp e a forma de organização dos sindicatos e suas relações com as intersindicais, o jornal oferecia, a despeito da linguagem irreverente muitas vezes usada, uma visão de maturidade dos trabalhadores na defesa dos seus direitos e reivindicações.

189 Negro; Silva, 2003:83. 112

No entanto, quando da eclosão da greve geral, marcada por forte mobilização e participação dos trabalhadores, o jornal mudou o tom e buscou reverter a situação. No dia 29 de outubro de 1963, toda a primeira página, cuja manchete era “Greve estourou!”, e que tinha como um dos títulos “Fiesp não reconhece ditadura sindical”, foi dedicada ao tema da greve. Um dos pontos mais ressaltados foi a questão da ilegitimidade da greve, já que seria “política” e liderada por “elementos subversivos” e

“líderes sindicais pelegos”. Esse discurso se repetiu em vários espaços do jornal, como na coluna “Waldo Claro denuncia”:

“São Paulo pode amanhecer paralisado por uma greve completamente espúria, no sentido de dar continuidade ao esquema acionado pelo governo federal ansioso de concretizar uma intervenção armada nas duas maiores trincheiras que se opõem hoje aos seus desejos confessos de continuísmo [...] Basta uma rápida e superficial análise nos nomes dos promotores do “putsch” grevista, para se ter um idéia de que não são os operários quem a promove [...] a fraternidade dos agitadores reunidas em torno do poder constituído [...]” objetivando estabelecer “[...] o reinado do totalitarismo vermelho [...]. Não há o desejo honesto de luta pela melhoria salarial e social dos trabalhadores [...] Não, essas greves estão umbilicalmente ligadas aos interesses políticos, dos políticos dominantes [...] Setecentos mil trabalhadores, segundo o IBGE do CGT, deixarão de cumprir com seu dever perante a pátria e perante as necessidades de sua famílias. Seguirão pelo caminho de dubiedades, para obedecerem simplesmente e passivamente os que fizeram do instituto da greve, a indústria para um enriquecimento fácil e sem grandeza. Que os trabalhadores que trabalham [...] abominem mais essa tentativa de subversão dos valores que presidem nossa formação. [...] a hora não é de seguir os pelegos amestrados em Havana, é de continuar seguindo pela trilha brasileira, que é nossa e é cristão [...] [grifos meus]

No texto acima, a participação do trabalhador na greve foi explicada pela manipulação do governo federal com vistas a seu projeto continuísta, e dos “pelegos comunistas” do CGT. No discurso de Waldo Claro, os sindicatos e a greve perderam a sua legitimidade por serem órgãos cooptados por líderes “corruptos e pelegos”, que não representavam verdadeiramente os trabalhadores e que os estariam usando para atingir

113 objetivos políticos, alheios ao que o jornal entendia como sendo as reivindicações da categoria. Assim, o trabalhador, que “obedece simplesmente e passivamente”, perdeu, no discurso do jornal, a sua condição de sujeito político, de indivíduo livre e autônomo com capacidade para tomar suas próprias decisões e agir politicamente. Para anular a mobilização dos trabalhadores, o jornal desqualificou o espaço (sindicato) e o momento

(greve) de ação política dos trabalhadores e definiu um lugar social para o operário: zelar pela pátria e por sua família através da sua produção. Vale destacar que, nesse ponto, Notícias Populares fazia coro com o discurso das lideranças industriais paulistas para as quais os sindicatos teriam uma participação construtiva nas relações de trabalho e no fomento da paz social desde que não se tornassem veículos de agitação extremista ao incentivar greves ou outros obstáculos para a produtividade. Ao considerar a ação política da classe trabalhadora como fruto da manipulação, Notícias Populares negou- se, ainda, a reconhecer uma relação de reciprocidade, mesmo que assimétrica, entre

Estado e classes trabalhadoras, já que o trabalhador seria apenas uma vítima das maquinações do Estado e dos grupos de esquerda.

Interessante notar, também, o investimento feito no discurso do jornal em prol de uma redefinição do sentido da palavra pelego, que compunha o vocabulário próprio das esquerdas, na crítica ao modelo Vargas de representação sindical190. No discurso de

Notícias Populares, “pelego”, embora tenha mantido a identificação com o governo e com a ideia de não representar as legítimas reivindicações operárias, deixou de ser aquele que visava diminuir o choque entre as classes, passando a ser identificado como o agente, ligado à extrema esquerda, que politizava essas classes.

Em continuidade a essa linha de argumentação, no dia 31 de outubro de 1963, o jornal publicou, quase na íntegra, a resposta de Herbert Levy a Almino Afonso, do PTB,

190 Sobre a estrutura sindical na Era Vargas, ver D‟Araújo, 2003. 114 sobre a greve geral em São Paulo. Sob o título “Levy adverte aos intervencionistas: São

Paulo pegará em armas”, o jornal fez das palavras de Levy a sua posição:

“(...) a extrema esquerda foi reduzida na sua expressão eleitoral e política. Isto demonstrou (...) a saturação em que se encontram os verdadeiros trabalhadores esses que não são pelegos, esses que não são líderes da extrema esquerda a serviço de ideologias exóticas; demonstrou como a maioria absoluta de trabalhadores está cansada de ser explorada, na forma de greves políticas que não encontram acolhidas na constituição (...) Se estes sindicatos precisam ter ação política (...) é porque o partido de V. Excia. (...)” “(...) está fracassando, não interpreta mais os sentimentos dos trabalhadores (...) enquanto em São Paulo há ordem, trabalho e, como aqui se diz, mais de 70% dos trabalhadores não querem ouvir falar em greve, em Pernambuco, através de impressionantes relatórios das classes produtoras (...) o que se verifica é a comunização (...)

Novamente aqui se contrapôs o trabalhador ao grevista e ao líder sindical “que buscavam subverter as relações político-sociais no Brasil”. No mesmo movimento, a matéria buscou deslegitimar o PTB, partido mais popular no período, enquanto representante dos trabalhadores. Mas, diferente do texto de Waldo Claro, o que se ressaltou na comunicação de Levy foi a contraposição da imagem da ordem em São

Paulo, onde os trabalhadores não aderem a ideologias exóticas, à comunização, portanto, à desordem, em Pernambuco, de Miguel Arraes, importante líder das esquerdas. Dessa forma, o mito da índole cordial e pacífica do povo brasileiro, que o comunista queria corromper, era acionado para deslegitimar o movimento dos trabalhadores. Na reportagem, o jornal ainda deixava claro que Levy encarava todas as greves reivindicatórias como legítimas, não lhes fazendo restrição. O problema estava no fato de elas serem manipuladas por elementos exteriores ao operariado. Esse foi o discurso predominante do jornal nas abordagens de praticamente todas as greves. As reivindicações salariais eram reconhecidas – afinal, o jornal não poderia perder a interlocução com o seu público –, mas a participação política dos trabalhadores, quando

115 envolvia sindicatos à esquerda, era vedada sob a acusação de manipulação dos trabalhadores.

Dessa forma, Notícias Populares construiu um discurso que definia os limites do comportamento político da classe trabalhadora ao articular o reconhecimento dessa classe como ator político, visto como inevitável naquela conjuntura política, e o controle dessas classes. O lugar da cidadania para as classes populares, na visão do jornal, estava no trabalho, ou mesmo em uma ação política limitada aos “valores cristãos e democráticos”, ou seja, desde que fosse contrária ao governo Goulart e às esquerdas – daí todo o investimento de Levy em fundar sindicatos anticomunistas ou de conclamar, pelo jornal, as classes populares a comparecerem às Marchas da Família em

1964. Como diz Jorge Ferreira, o perigo não era o pelego, mas o movimento sindical em processo de mobilização e politização crescente. No projeto político conservador dos liberais brasileiros não havia espaços para a cidadania plena dos trabalhadores191.

O argumento da manipulação do povo buscava não só mascarar e reverter o fato de milhares de trabalhadores estarem mobilizados na greve e participando do cenário político do país, mas também revelava as ambiguidades e tensões com que os setores representados por Levy, do qual Notícias Populares era porta-voz, encaravam o povo.

Pois se, de um lado eram obrigados, pela realidade das mobilizações populares, a reconhecer esse povo como sujeito político – a própria tentativa de reverter e controlar o processo de politização dos trabalhadores mostra isso –, por outro, continuavam resistindo em reconhecê-los como cidadãos políticos dotados de plena autonomia, ao caracterizar suas mobilizações como fruto de manipulação. Essa ambiguidade pautou a linha editorial do jornal e apontou para a forma como os setores representados por

191 Ferreira, 2001:119. 116

Herbert Levy buscaram se relacionar com as classes populares no contexto do governo de João Goulart.

117

CAPÍTULO 3:- No calor da hora: o discurso oposicionista do jornal Notícias

Populares (1963-1964)

Este capítulo analisa o discurso político do Notícias Populares entre outubro de

1963 e março de 1964. O objetivo é recuperar as estratégias traçadas para combater

João Goulart e os grupos de esquerda e, dessa forma, melhor compreender o papel atribuído ao jornal e às classes populares na luta política do período.

É importante lembrar que a primeira edição do Notícias Populares saiu no dia 15 de outubro de 1963. Portanto, após a recusa pelo Congresso Nacional do pedido de estado de sítio feito por Goulart, onze dias antes. Nos setores oposicionistas, esse episódio reforçou a ideia de que o presidente, aliado aos comunistas, planejava um golpe continuísta. A partir desse evento, Goulart perdeu a bandeira da legalidade para a oposição que passou a articular um movimento ofensivo contra o governo. Ao mesmo tempo em que as opções democráticas se estreitavam, as apostas golpistas se alargavam para os grupos de diversos matizes políticos, quer da direita ou da esquerda.

Trabalho com a hipótese de que o discurso elaborado por Notícias Populares teria acompanhado o clima de tensão e as opções políticas feitas então pelo grupo de Levy.

O jornal foi transformado em um instrumento estratégico cujo objetivo era retirar o apoio que as classes populares costumavam dar a Goulart e aos grupos de esquerda, e preparar o clima para a aceitação de um possível golpe de Estado.

O final de 1963 e os primeiros meses de 1964 podem ser considerados um dos períodos mais imprevisíveis da história recente do Brasil. Como visto no capítulo 1, o quadro era propício para a formação de uma frente anti-Goulart, reunindo elites empresariais, militares, políticos e as classes médias. O sinal foi dado com a guinada de presidente à esquerda, após tentativas fracassadas de reconstruir sua base política

118 formada pela aliança entre PSD e PTB. Da esquerda à direita, a estratégia escolhida foi a do confronto.

Nesse cenário, a ideia de uma “ameaça comunista” foi exacerbada pela união das esquerdas de diferentes matizes que pressionavam o presidente a adotar um programa máximo de reformas. Mas, acima de tudo, o grande “perigo” estava na forte participação política popular, já que as estratégias do presidente e das esquerdas só teriam sucesso se fossem respaldadas pela ação dos movimentos populares. Por isso o empenho de Levy em conquistar e subtrair as classes populares da influência do governo Goulart e das esquerdas. A disputa pelo apoio dessas classes apareceu na própria criação de um jornal de perfil popular como Notícias Populares.

Iluminado pelas formas de atuação nas acirradas disputas políticas que marcaram o período em análise, o jornal Notícias Populares focou seu discurso político nos seguintes temas:

1) “anticomunismo”, o que implicou a desconstrução do modelo soviético e seus congêneres internacionais e a denúncia da infiltração comunista no Brasil;

2) “as reformas de base”, com o objetivo de retirar essa bandeira das esquerdas e de

João Goulart;

3) “o golpe continuísta”, baseado na ideia de que o presidente da República, na esteira da tradição varguista, planejava implantar uma ditadura no país;

4) a mobilização de uma leitura liberal sobre a “revolução constitucionalista de

1932”, que apontava para a necessidade de uma “resistência democrática e liberal” às investidas de João Goulart e das esquerdas.

119

Esses temas articulavam a visão do grupo de Levy sobre o campo político brasileiro, segundo a qual três grandes forças atuavam na cena política: a “extrema esquerda”, interessada na comunização do país; a “extrema direita”, formada pelo caudilhismo redivivo e personificada na figura de João Goulart; e o “centro”, representado pelas

“forças democráticas” e liberais. A “extrema direita” e a “extrema esquerda”, embora tivessem objetivos diferentes, supostamente se aliavam para tomar o poder. Nesse sentido, caberia ao “centro”, “democrático e liberal”, impedir a concretização desse perigo. Essa ideia constituiu o eixo discursivo do jornal para legitimar o golpe de Estado em 1964.

O discurso anticomunista no Notícias Populares

No início dos anos de 1960, o anticomunismo, além de ter se convertido em um dos elementos mais fortes do pensamento liberal, desempenhou, também, um forte papel na arregimentação dos grupos adversários do governo. Por isso foi um dos principais argumentos do Notícias Populares contra João Goulart e os grupos de esquerda.

Como editor-chefe do jornal, Jean Mellé descrevia o comunismo como um “regime proscrito”, que só teria fim quando “fosse eliminado como ideologia”192. A principal forma de combater o inimigo vermelho seria no plano das ideias, por meio de um trabalho de contrapropaganda ao proselitismo comunista e das esquerdas em geral. Para tanto, a imprensa, como instrumento de pedagogia política anticomunista, foi acionado pelo jornalista, para quem as classes populares, pouco instruídas, eram incapazes de ter uma noção do perigo real do comunismo e, portanto, passíveis da ação “nefasta” desses agentes.

192 Notícias Populares, 22 jan.1964:3 120

Um dos objetivos do Notícias Populares era fornecer ideias, imagens, valores de uma tradição anticomunista, especialmente a de matriz liberal, que conformasse a visão de mundo das classes populares e estimulasse o medo e a insegurança em relação a esse

“perigo” no governo Goulart. Para garantir o sucesso dessa campanha, o jornal adotou como estratégia manter o assunto em evidência. Publicou, diariamente, textos de crítica ao comunismo de modo a fixar no público sua mensagem. E para que houvesse eficácia no convencimento dos leitores, trabalhou com temas sensíveis às classes populares, relacionados ao seu universo simbólico.

Vale destacar que a tradição anticomunista foi sendo construída, no Brasil, desde a década de 1920, quando, logo após a revolução russa de 1917, o comunismo deixou de ser uma abstração teórica para se tornar uma experiência concreta que, do ponto de vista dos setores liberais, precisava ser combatida para a manutenção da ordem dominante. A imprensa, em geral, participou da construção dessa tradição, ao oferecer um conjunto de representações que contribuiu para associar o comunismo às imagens do mal, tais como violência, desordem, infiltração, totalitarismo, destruição da tradição cristã193.

Notícias Populares reforçou essa tradição ao se apropriar dos seus temas, interpretações e símbolos de modo que, uma vez constituindo parte do imaginário social brasileiro, fosse compreendida facilmente pelo leitor. Mas também incorporou temas específicos do seu contexto histórico. Imagens clássicas do comunismo como uma planta exótica, estranha aos valores democráticos e cristãos ocidentais, foram reelaboradas e reapresentadas em um contexto permeado pela revolução cubana, pelas crises e disputas no bloco comunista, especialmente entre China e URSS194, e pelo crescimento dos grupos de esquerda no Brasil.

193 Motta, R., 2002. 194 Desde os anos de 1950, os dirigentes chineses criticavam o “revisionismo” soviético e sua ação em favor da coexistência pacífica com o Ocidente. Em 1963, o conflito entre China e URSS foi acirrado após 121

Para análise das matérias formuladas sobre o tema, escolhi especialmente as colunas diárias de Jean Mellé e Waldo Claro, jornalistas que mais se empenharam na difusão de um imaginário anticomunista baseado no medo e na insegurança. Enquanto Jean Mellé se fixava nas representações sobre o modelo soviético e o mundo comunista, Waldo

Claro se dedicava ao “avanço” do comunismo no Brasil.

A desconstrução do modelo soviético

No conjunto de imagens e representações sobre o comunismo elaborado por

Mellé, o tema que mais se destacou foi o da realidade vivida na URSS, especialmente a denúncia da falta de gêneros alimentícios, consequência de um sistema econômico baseado na coletivização e estatização. Sem mencionar os avanços da industrialização soviética, o jornalista destacava o ponto fraco de sua economia: a agricultura. Títulos como “Por que falta pão na URSS: pela primeira vez em Moscou filas diárias para alimentos”195 ou “Confirmado o colapso total da economia soviética: povo nada tem para matar a fome”196 buscavam anular o sucesso do discurso comunista em prover os mais pobres.

A construção de uma visão positiva da URSS como um lugar, no mundo, livre da exploração e da desigualdade social poderia “provar, concretamente, para as classes populares, que o socialismo não era apenas uma utopia, mas constituía uma realidade”197. Para Mellé, urgia que essas representações fossem destruídas, a fim de

a publicação pelo PC Chinês de uma declaração de 25 pontos enumerando as divergências com a União Soviética. As principais restrições diziam respeito à natureza do regime soviético, qualificado de burguês, e à sua insistência em querer dirigir o movimento comunista internacional. Havia, também, disputas territoriais entre as duas nações. Sobre o conflito Sino- soviético, ver Berstein, et al., 2007.

195Notícias Populares, 2 nov.1963:3 196 Notícias Populares, 11 jan. 1964:3 197 Motta, R., 2002, 2006. 122 anular a tentativa de criar simpatia pelo comunismo entre as camadas mais pobres.

Assim, no dia 2 de novembro de 1963, ele publicava o seguinte artigo:

“O interesse do mundo concentra-se hoje sobre o que ocorre na URSS e nos países do bloco comunista, onde a falta de trigo e de outros alimentos afastou a cortina que escondia realidades cruéis [...] os correspondentes estrangeiros em Moscou divulgam, sem cessar, aspectos inéditos das filas que se formam diante das lojas de gêneros alimentícios. Quando uma fila de trezentas pessoas chega à metade, anuncia-se que a carne, o pão ou a gordura acabaram. Figuras tristes, cabisbaixas e de olhos vermelhos, voltam para os lares, sem ter o que comer e dar às crianças. Sempre, nos 46 anos de regime marxista-leninista na URSS, verificaram-se crises alimentares [...] como consequência evidente do regime inadaptável e defeituoso de coletivização. Mas nunca, em Moscou, Leningrado, Kiev, Harkov e Vladivostock, cidades onde existem corpos diplomáticos, jornalistas e turistas, os gêneros faltaram. Sempre, nessas cidades, as lojas, que são do Estado e por ele dirigidas, apresentaram suas vitrinas cheias de carne, conservas, gorduras, peixes, frutas, pão de várias qualidades, vinhos e etc. Verdade que os preços eram inacessíveis para a população soviética que não podia adquirir essas coisas divinas! [...]”198 [grifos meus

] Ao mobilizar a emoção do leitor por meio de imagens como a da família que não consegue alimentar os filhos, ou de um vocabulário carregado de significações negativas como as expressões “realidades cruéis” ou “horror”, Mellé mostrava para seus leitores que as promessas de melhoria de vida sob o regime comunista eram falácias propagandísticas de um governo autoritário. O povo russo viveria na mais completa miséria, onde não faltariam apenas alimentos básicos, mas também um mínimo de conforto ou “standard de vida”, como ele gostava de chamar. Em outro momento, ele escrevia: “[...] falta comida, as roupas, etc.”199 itens que, na sua argumentação, eram básicos para mundo ocidental, mas tornavam-se “coisas divinas” nos países comunistas, onde “todos estão preocupados com a comida por duas razões: a falta de gêneros e os

198 Notícias Populares, 2 nov.1963:3 199 Notícias Populares, 28 mar. 1964:3. 123 baixos salários, insuficientes para pensar em outra coisa que não comida”200. Além disso, as promessas de igualdade não teriam sido cumpridas, na URSS, como demonstravam as diferenças de vida entre o corpo de burocratas do Estado e o resto da população.

A ênfase na crise social da URSS foi a grande estratégia do jornalista para tentar convencer as classes populares da necessidade de refutar o comunismo. Na disputa com as representações de esquerda, ele tinha consciência de que “a principal justificativa do projeto bolchevista era a transformação social, o que significava que, se a URSS não apresentasse avanços nessa área, o apelo comunista sofreria um golpe mortal”201. Mellé sabia que o ponto mais sensível do seu leitor estava exatamente na lida com os problemas cotidianos da sobrevivência. Questões como a fome, a falta de conforto e de gêneros alimentícios não eram realidades desconhecidas pelos brasileiros, ainda mais em um quadro de crise inflacionária, como a do início dos anos de 1960, em que os salários eram desvalorizados e locautes contra o tabelamento dos preços pela SUNAB eram constantes na cidade de São Paulo.

No entanto, enquanto a situação de crise econômica no Brasil era atribuída a um problema conjuntural, relacionado ao “caos” e à “subversão” que marcavam o governo de João Goulart, na URSS, a crise econômica era identificada como um problema estrutural, ligado à própria razão de ser do comunismo, que destruíra a propriedade privada e implantara a coletivização e a estatização:

“[...] Revelam os jornalistas que mesmo as estatísticas oficiais e publicitárias soviéticas comprovam o que o visitante pode observar: o consumidor local depende cada vez mais da produção de particulares para obter carne, frutas, legumes e leite. O governo soviético combate, pelos jornais, o agricultor que faz comércio particular, classificando-o de explorador do público, mas encoraja, discretamente, sua ação a fim de garantir o abastecimento urbano.

200 Notícias Populares, 22 nov.1963:3. 201 Motta, R., 2002:75 124

A crise de produtos alimentares no mercado interno da União Soviética, a qual levou o país à necessidade de importar cereais dos Estados Unidos, está provocando um debate entre as autoridades russas e os agricultores, em torno da expansão da agricultura particular. O governo luta para manter a agricultura coletivizada enquanto os donos de pequenas propriedades defendem o crescimento do cultivo privado, como única forma de recuperar a produção agrícola nacional”202

Dessa forma, Mellé procurava abalar um dos fundamentos da identidade socialista que é a crença em um regime coletivista e na aptidão do Estado para conduzir a economia. O fato de agricultores particulares e a importação de cereais dos EUA, país líder do bloco capitalista na Guerra Fria, aparecerem como salvadores do povo russo mostrava tanto a superioridade do regime capitalista, baseado na propriedade privada e na livre iniciativa, em que “um lavrador dos EUA produz por seis da URSS”, como também seria prova da incapacidade da fórmula comunista para solucionar os problemas socioeconômicos da humanidade.203

A defesa da propriedade privada e da livre iniciativa estava diretamente relacionada à defesa das liberdades individuais e da democracia liberal. Em artigo contrário à estatização da refinaria de petróleo de Capuava, proposta do governo

Goulart, Waldo Claro conclamava os trabalhadores a resistirem à “bolchevização da economia nacional” para que não se destruísse, no Brasil, “o instituto básico da democracia: a propriedade privada”. O comunismo era tratado como um regime totalitário em que o “Estado autocrata, policial, centralizado, onde os cidadãos são perseguidos pela polícia secreta”204 intervinha fortemente no domínio privado sufocando todas as liberdades individuais. Vale ressaltar que esses temas eram abordados de forma superficial, reproduzindo-se os chavões convencionais sobre a

202 Notícias Populares, 15 dez.1963:3. 203 Notícias Populares,27 abr.1964:3.l 204 Notícias Populares, 28 nov.1963:6. 125 ditadura comunista ou sobre a democracia ocidental que se prestavam mais a um efeito retórico para fixar uma imagem do comunismo como antítese da democracia.

Ao mesmo tempo, os jornalistas silenciavam em relação ao forte debate que ocorria, no Brasil, sobre a ampliação do regime democrático. Com a proposta de extensão do voto aos analfabetos, o governo Goulart pretendia incorporar, pela via da representação institucional, um significativo contingente das camadas populares ao sistema político. O grupo de Herbert Levy combateu, sistematicamente, essa proposta, pois enxergava nela uma abertura para que outros projetos do governo fossem aprovados. A oposição de Levy ao voto do analfabeto se fazia, também, a partir de uma visão baseada na tese da presciência das elites, conforme discutido no capítulo 1. No entanto, essa postura não poderia aparecer em um jornal voltado para as camadas populares, já que seriam elas as principais beneficiárias dessa proposta. Essa tensão constituiu o dilema central do Notícias Populares, um jornal liberal que disputava o campo popular.

Mellé e Waldo Claro apresentavam os EUA como a maior expressão do regime democrático ocidental e exemplo a ser seguido pelo Brasil. Defensores de um alinhamento incondicional ao governo norte-americano e críticos da política externa independente mantida por João Goulart, a valorização dos EUA era fundamental para a argumentação dos jornalistas que justificavam e clamavam pelas intervenções armadas que o governo norte-americano fazia nos países comunistas. Assim, para que seus leitores fossem convencidos de que “o problema cubano só será resolvido com a intervenção dos Estados Unidos”205, o jornal precisava vencer uma batalha contra o anti-imperialismo das esquerdas que conquistavam fatias cada vez maiores da opinião pública e conseguia expressivas vitórias como as encampações das empresas norte-

205 Notícias Populares, 23 nov.1963:6. 126 americanas no Rio Grande do Sul, no governo de , ou, no caso da política externa, o reatamento das relações diplomáticas com a URSS.

Mellé procurou inverter um dos maiores discursos de setores da esquerda que, por meio da denúncia do racismo e do , mostrava a falta de extensão dos direitos civis e políticos nos EUA, pondo em xeque a imagem daquele país como bastião da democracia. No combate implacável ao inimigo vermelho, o jornalista buscou inserir o racismo como um dos elementos de sua pregação anticomunista e, com isso, conquistar fatias dos seus leitores formadas especialmente por negros e mestiços para quem esse tipo de discurso teria um forte apelo:

“[...] o duplo jogo dos governantes comunistas: de um lado propaganda contra os países ocidentais, na base do antirracismo, de outro, a prática odiosa do racismo em pleno território russo. (...) os estudantes negros, em princípio cursavam as várias universidades soviéticas, mas depois foram confinados numa só, a Lumumba, especialmente criada para isso, isto é, para que não seja mantido nenhum contado com os colegas brancos. Acabaram sendo afastados do convívio da família russa [...]”206

A defesa da superioridade do regime democrático capitalista, representado pelos

EUA, aliado à denúncia da crise socioeconômica e das condições políticas da URSS levavam Mellé a prognosticar, reiteradamente, o fim do comunismo. Por meio do mote

“depois de 46 anos de marxismo-leninismo”, fazia uma leitura do passado comunista como um regime fracassado em que só teria ocorrido “fome, trabalhado forçado, falta de liberdade”, consequências inerentes à própria ideologia comunista. Na sua argumentação, essa experiência pretérita seria a responsável pela situação de caos do presente soviético que, por sua vez, levaria o povo russo a não ver sentido na

206 Patrice Lumumba foi um dos líderes da luta pela independência do Congo Belga. Em 1960, tornou-se Primeiro Ministro da República Democrática do Congo. Dez semanas depois foi deposto por um golpe de Estado promovido pelos governos norte- americano e Belga. A URSS nomeou a Universidade Russa da Amizade dos Povos com o nome de Lumumba. A Universidade foi fundada em 1960 e era voltada para jovens do terceiro mundo- Ásia, áfrica e América. Notícias Populares, 2 jan.1964:3.

127 interpretação do mundo a partir de conceitos como a luta de classes e a submissão do indivíduo à causa política de um Estado pretensamente representante dos interesses da coletividade:

“[...] soviéticos não gostam mais de participar das reuniões partidárias e consideram que existem para eles coisas melhores que matar-se para o Estado. Os jovens querem ver os filmes feitos no Ocidente, espetáculos teatrais apresentados pelos conjuntos artísticos ocidentais, querem ler revistas, jornais, livros estrangeiros [...] não desejam mais acreditar que as classes sociais, pelas suas separações, sejam a causa de todos os males existentes [...]”207 Como um alerta para que os leitores do jornal não se deixassem seduzir pelos discursos da esquerda comunista no Brasil, Mellé argumentava que, se a revolução comunista obteve sucesso no passado, isso ocorreu porque o povo ainda não tinha atingido “o estágio de discernimento político em que hoje se encontra [quando], mesmo correndo perigo de ir para um campo de concentração, começa a discutir e rejeitar o regime soviético”208. Se o próprio povo soviético tinha percebido o fracasso do regime, por que, então, os brasileiros se deixariam seduzir por essa doutrina que, concretamente, só mostrava resultados fracassados?

No quadro da Guerra Fria, Mellé argumentava que URSS estaria derrotada, pois de nada adiantariam as “bombas atômicas de 100 megatons e foguetes que poderiam provocar o fim do mundo, se a URSS e todo o bloco comunista não conseguem alimentar seu povo”209. A superioridade econômica e militar dos EUA era constantemente resgatada, pois enquanto “Kennedy dispõe de elementos extraordinários, atingindo uma potencialidade militar três vezes superior à da URSS

207 Notícias Populares, 22 nov.1963:3. 208Notícias Populares, 25 mar.1964:3. 209 Notícias Populares, 11 jan.1964:3. 128

(...), o adversário soviético enfrenta crises em todos os sentidos”210. O fracasso do bloco comunista, portanto, não se daria só no plano interno, mas também no externo.

Outro motivo do enfraquecimento do bloco comunista estaria nas suas dissensões internas, como mostrava o conflito entre URSS e China. Segundo Motta, a propaganda anticomunista silenciou sobre as divergências entre os países comunistas, mantendo a imagem de um bloco coeso a fim de aumentar o medo e a insegurança e provocar a arregimentação contra o comunismo211. A estratégia de Mellé, no entanto, foi inversa. Para tentar dissuadir seus leitores de se engajar na causa comunista, apresentou as disputas e dissensões entres os países comunistas a fim de indicar o enfraquecimento e ruína do bloco. O comunismo seria um “regime proscrito”, pois com a crise da URSS, nenhum outro país do bloco seria capaz de substituí-la. O candidato mais forte, a China, “sem bombas atômicas [ a bomba chinesa é de 1964] e muito atrasada em sua economia, não tem condições para figurar entre as grandes potências do

Globo” .212

A partir dessas críticas contundentes, Mellé mostrava para seus leitores que o

único caminho seguro para o Brasil era o alinhamento às normas das democracias liberais ocidentais e seu regime capitalista baseado na livre iniciativa. O recado era endereçado para o presidente Goulart, mas o alvo era o leitor:

“[...] verá o presidente do Brasil que as agitações esquerdistas em nosso país são encaradas com curiosidade no exterior, onde o movimento marxista está superado pela realidade nova que o próprio Krushev ilustra com seus desesperados apelos no ocidente para ajudar economicamente a URSS [...]”213

210 Notícias Populares, 20 nov.1963:3. 211 Motta, R., 2002:56. 212 Notícias Populares, 25 fev.1964:3. 213 Notícias Populares, 25out.1963:3. 129

“[...] falar, pois, de experiência e regime marxista, em países que, até agora, puderam conservar-se fora dessas dificuldades significa ignorar que, no resto do mundo, ninguém mais espera qualquer coisa do bloco comunista.”214

O perigo comunista no Brasil

Enquanto Jean Mellé se fixava nas representações sobre a URSS e o mundo comunista e procurava identificar no comunismo um retrocesso político e econômico para mundo ocidental, nas páginas restantes de Notícias Populares, especialmente na coluna Waldo Claro, foram fornecidos argumentos e indicações sobre o avanço do comunismo na cena política brasileira.

No discurso de Notícias Populares, o Brasil sofreria uma ameaça iminente já que João Goulart, para prolongar sua permanência no poder (questão que será discutida adiante), estabelecia alianças com os comunistas e as esquerdas em geral permitindo que se infiltrassem em vários órgãos do governo e em organizações sociais como UNE, sindicatos, Ligas Camponesas.

Um dos principais pontos de denúncia do jornal estava na “complacência” de

Goulart com a entrada de comunistas estrangeiros que vinham treinar agentes brasileiros para a fomentação de guerrilhas no Brasil. Assim, logo na primeira semana de edição do

Notícias Populares, em outubro de 1963, a coluna Waldo Claro denunciava a embaixada cubana no Brasil, cujos diplomatas seriam “agentes secretos do governo cubano” encarregados de dar treinamento guerrilheiro às Ligas Camponesas:

“[...] aos poucos, as verdades relativas às atividades extradiplomáticas da embaixada de Cuba sobem à tona. Podemos assegurar, hoje, que muitas das orientações foram dadas por essa missão diplomática às Ligas Camponesas de Francisco Julião. O diplomata responsável pelas orientações de guerrilhas

214 Notícias Populares, 12 nov. 1963:3. 130

ao “pacífico” movimento era Miguel Brugueras, agente do serviço secreto cubano [...]”215 Nesse caso, o jornalista resgatava um episódio ocorrido no final do ano de 1962, quando foi descoberto um campo de treinamento das Ligas Camponesas no interior de

Goiás. No lugar, foram encontradas descrições de fundos financeiros enviados pelo governo cubano para montar diversos acampamentos guerrilheiros, bem como esquemas para sublevação armada em outras regiões do país. O exemplo da experiência guerrilheira em Cuba foi seguido por setores mais radicais das Ligas: a proposta de organizar os trabalhadores do campo foi substituída pela revolução socialista216.

O episódio foi bastante explorado pelo jornal e serviu como um alerta, para os seus leitores, de que o perigo comunista no Brasil era real. Ao mesmo tempo, ao denunciar a infiltração cubana no Brasil, Waldo Claro pretendia, também, reverter as acusações que corriam, naquele momento, contra Carlos Lacerda. Em outubro de 1963, foram encontradas armas em um sítio, em Jacarepaguá, que supostamente teriam sido levadas para lá por carros oficiais do governo da Guanabara. Havia rumores de que um grupo militar lacerdista, composto por oficiais da Marinha e do Exército, planejava um atentado contra João Goulart. Vale destacar que, desde o final de 1963, havia um clima de confrontação armada no país provocado tanto pelos grupos de direita quanto de esquerda.

Em suas colunas, Waldo Claro justificou o armazenamento dessas armas como parte do “esquema defensivo” montado pelo governo da Guanabara para garantir a segurança da sua população, já que “guerrilheiros treinados em Cuba infestam o subúrbio guanabariano”. O armazenamento de armas e munições teria sido feito “dentro da lei e em respeito à lei”. Entretanto, ao tornar público o episódio, João Goulart

215 Notícias Populares, 18 out. 1963:6. 216 Ferreira, 2004:192 131 favorecia “criminosamente o golpe montado pelos amigos da subversão”, pois possibilitava aos guerrilheiros comunistas o conhecimento do “esquema defensivo” do governador Lacerda217.

Waldo Claro, assim como o restante das páginas do jornal, buscou tirar dividendos desse episódio. Para isso, mobilizou estrategicamente a ideia de nação una e coesa, e conclamou os leitores a seguirem o exemplo do povo cubano que lutava para recuperar sua terra dos comunistas:

“[...] exilados políticos do regime fidelista se arregimentam no sentido de recuperar sua pátria do domínio estrangeiro. Contrarrevolucionários cubanos preparam-se para desembarcar com possibilidade de vitória em sua terra [...]”218

O comunismo era apresentado como uma doutrina exótica, divorciada da “nossa forma cristã de viver219 e do nosso “modelo democrático de pensar”. O “comunismo ateu” visava destruir os pilares básicos da civilização ocidental: a família, a religião e a propriedade. Ele se constituía em uma ameaça estrangeira que, por meio da luta de classes, semeava a divisão da nação como tática para alcançar seus objetivos de tomada do poder. Afinal, “as chamadas guerrilhas da libertação nacional são as ferramentas básicas de uma nova classe de imperialismo que ameaça a todos por igual”220. Dessa forma, a revolução socialista era explicada como um pretexto para encobrir os interesses do imperialismo soviético e de seus países satélites como Cuba.

Agentes do comunismo no Brasil

217 Notícias Populares, 17 out.1963:6. 218 Notícias Populares, 20 out.1963:6. 219 Os temas anticomunistas de matriz católica, tais como a ideia do comunismo que prega o materialismo ateu contrapondo-se à família, à moral e à religião, embora não tenham sido ausentes nas colunas de Mellé e Waldo Claro, não tiveram a mesma ênfase que os temas abordados no corpo deste texto. 220 Notícias Populares, 20 out.1963:6. 132

Pelas páginas de Notícias Populares, o exemplo da revolução cubana foi reiteradamente acionado para mostrar que o perigo comunista não era uma realidade longínqua da qual o Brasil, se não se organizasse para combatê-lo, estaria imune. Nesse sentido, a figura de Brizola, mais do que Prestes ou outros comunistas, praticamente ausentes no jornal, era tomada como símbolo dessa ameaça, sendo identificado como o

“Fidel Castro brasileiro”. Sobre a entrevista dada por Brizola ao jornalista venezuelano

Miguel Angel Caprieles, em novembro de 1963, Waldo Claro comentou:

“[...] Na entrevista, disse o deputado do PTB que tomaria logo o Brasil por intermédio de uma revolução e expôs seus planos de governo [...] o político gaúcho afirmou com todas as letras que as suas ideias e os seus planos para o Brasil jamais poderiam ser postos em prática por intermédio de eleições e por meios pacíficos [...] o único caminho a ser adotado era o da insurreição popular [...]”221 A escolha de Brizola como símbolo da “cubanização do Brasil” se deu pelo fato de o político gaúcho, nesse período, ter se projetado como a grande liderança das esquerdas que assumiam alternativas de lutas extraparlamentares e pressionavam o governo Goulart a implantar as reformas de base “na lei ou na marra”222. Segundo

Daniel Reis, as atitudes de Brizola e das esquerdas que o seguiam permitem falar em um movimento “reformista revolucionário”, pois apresentava as reformas de tal forma que sua realização tendia a implicar uma ruptura revolucionária223.

Outro aspecto importante denunciado, reiteradamente, por Notícias Populares foi a “infiltração comunista” nos meios sindicais com o objetivo de tomar o poder por meio do desencadeamento de greves gerais no Brasil. O movimento sindical foi um dos grandes temas abordados por Notícias Populares, exatamente por ser o sindicato tanto o lugar onde os trabalhadores se politizavam e se mobilizavam quanto por ser uma das bases do governo Goulart, que tratava os líderes sindicais como interlocutores

221 Notícias Populares, 15 nov.1963:6. 222 Ferreira, 2001 223 Reis, 2004:35. 133 privilegiados. Por isso mesmo, um dos principais objetivos de Levy na luta política do período foi promover uma campanha de conquista e subtração dos trabalhadores sindicalizados da influência de João Goulart e dos grupos de esquerda. Notícias

Populares reforçou essa estratégia ao construir uma dicotomia entre “trabalhadores” e

“subversivos”, conforme discutido no capítulo anterior.

Assim, no dia 28 de novembro de 1963, por ocasião da greve dos ferroviários da

Estrada de Ferro Sorocabana, organizada pelo PAC e pela CGT, o jornal publicou a seguinte manchete: “Ademar (dramático) na TV: Brasil às portas da revolução vermelha!”. Na página 4, seguia o título: “Comunistas preparam tomada (total) do poder no Brasil”. Ao dar voz a Ademar de Barros, Notícias Populares alertava seus leitores sobre um “plano maquiavélico” que visaria a tomada do poder pelos comunistas, no

Brasil, a exemplo do que ocorreu, em 1948, na Tchecoslováquia. A senha para o movimento seria a greve da Estrada de Ferro Sorocabana, que conquistava a solidariedade de diversas outras categorias de trabalhadores. A intenção era “paralisar o

Brasil inteiro, de Norte a Sul, esperando que a estrutura da pátria, combalida pela inflação, se destrua”. Os comunistas empregariam a técnica leninista do “quanto pior, melhor”, pois o objetivo era criar, na população, um ambiente de revolta propício à agitação comunista.

Na matéria, a referência a João Goulart vinha de forma velada. Junto com os comunistas, ele seria a “cabeça da hidra”, já que, para transformar os operários em

“instrumento dócil de suas manobras”, teria permitido que “órgãos espúrios e sem respaldo na lei, como CGT, PAC, PUA”, arrogassem a condição de “superórgão do

134

Estado” e tentassem sobrepor-se aos “poderes legítimos” da República como o

Congresso Nacional e o poder judiciário224.

É importante destacar, ainda, a referência à Tchecoslováquia. Em 1962, o Ibad traduziu o livro “Assalto ao parlamento”, do escritor tcheco Jean Kosak, como parte da campanha contra João Goulart e o comunismo. O livro descreve como os comunistas chegaram ao poder na Tchecoslováquia, por meio da ação de uma minoria bem coordenada que dominou rapidamente os postos-chave daquele país até a intervenção soviética225. A obra foi utilizada como pedagogia pelo grupo de Levy e acionada pelo jornal para mostrar que o Brasil estava correndo o mesmo risco. Segundo essa interpretação, Goulart representaria um papel semelhante ao do presidente Edvard

Benes, líder nacionalista que liderou o governo tcheco após a II Guerra. Benes contou com o apoio dos comunistas no seu governo. Entretanto, em 1948, foi por eles tirado do poder. O recado era claro: Goulart, com suas alianças, estaria abrindo caminho para a comunização do Brasil.

Ao mesmo tempo, Notícias Populares fazia um forte trabalho de contrapropaganda ao movimento sindical de esquerda, com vistas a deslegitimá-lo perante seus leitores, muitos dos quais trabalhadores sindicalizados, e, assim, conquistá- los para a causa anticomunista. No dia 27 de janeiro de 1964, o jornal empreendia uma campanha contra a participação de trabalhadores brasileiros no Congresso da Central

Única de Trabalhadores da América Latina (CUTAL), que seguia orientação de esquerda. A estratégia do jornal foi dar voz a Pedro Paonte, líder dos trabalhadores cubanos anticastristas no exílio.

224 Notícias Populares, 28 nov.1963:4. 225 Dutra,1963:14. 135

Em entrevista para Notícias Populares, Paonte afirmava que líderes operários cubanos eram aprisionados pelo “delito de não terem aceitado o regime soviético”.

Além disso, afiançava que “antes do regime comunista, o operário cubano tinha o melhor padrão de vida da América Latina, com direito a sindicalizar-se e apresentar suas reivindicações”. Entretanto, após a revolução, os comunistas foram se apoderando dos sindicatos e impedindo que os trabalhadores cubanos elegessem líderes democráticos. No final da entrevista, Paonte afirmava: “Hoje, o proletário cubano é um escravo. Antes não era”226.

As declarações do cubano eram tomadas, pelo jornal, como pedagogia para os leitores. O objetivo era desfazer a imagem dos países comunistas como a “pátria dos operários” e afastar os trabalhadores sindicalizados da influência das organizações de esquerda. Além disso, a denúncia da repressão e da falta de liberdade sindical em Cuba era particularmente importante para influenciar os leitores do jornal. Vale lembrar que, no início dos anos de 1960, uma das principais reivindicações do movimento sindical brasileiro era o rompimento da estrutura corporativa que limitava a sua liberdade de ação.

No calor da hora

A partir do mês de janeiro de 1964, a ideia do perigo comunista no Brasil foi exacerbada com a divulgação da denúncia da “guerra revolucionária” pelo então presidente da UDN, Bilac Pinto. Nesse momento, o partido já apresentava disposição em apoiar uma ruptura institucional e, para isso, se aproximava das chefias militares que conspiravam contra o governo. As atividades dos líderes udenistas, entre eles Levy, estavam orientadas no sentido de criar um momento adequado para dar início à ação

226 Notícias Populares, 27 jan. 1964:6. 136 militar contra o governo constituído. E, para isso, era necessária a aprovação popular, se não em forma de apoio, pelo menos com a sua neutralização.

Notícias Populares encampou a denúncia da “guerra revolucionária” e supervalorizou o “grupo dos onze” de Brizola ao disseminar a ideia de que era iminente um ataque comunista. Organizado desde novembro de 1963, o “grupo dos onze” era denunciado como a prova de que a esquerda estava armando grupos de guerrilha em todo o território nacional227. A proposta de Brizola era organizar o povo em grupos de onze pessoas, como em um time de futebol, para atuar contra as “forças reacionárias” que impediam a concretização das medidas nacionalistas e reformistas. Os militantes mais qualificados tinham com tarefa observar o cotidiano de oficiais de alta patente com objetivo de prendê-los em caso de tentativa de golpe militar. Entretanto, como diz Jorge

Ferreira, a maior consequência foi gerar o medo entre a direita civil-militar228.

Notícias Populares estabeleceu uma contraposição entre “democracia” e

“comunismo” e buscou arregimentar seus leitores contra os grupos liderados por

Brizola. No dia 18 de janeiro de 1964, publicava o discurso de Bilac Pinto que conclamava o povo à mobilização:

“[...] é necessário que o povo se organize e se arme para defender o regime [...] Já que o cunhado do presidente está arregimentando grupos em todas as vilas e povoações, para, no momento do golpe, tomar conta dos centros-chave, os democratas devem se organizar e se armar, porque, assim, o governo fracassará mais uma vez. Os cidadãos que não querem ver a cubanização ou a sovietização do pais devem se organizar, tendo em vista que a guerra revolucionaria é muito difícil de ser combatida pelas Forças Armadas. Os brasileiros têm de ser os guerreiros da democracia”229 [ grifos meus]

227 Sobre o discurso da “Guerra Revolucionária”, ver Motta, R., 2002:260-261; Benevides, 1981:124 228 Sobre o “grupo dos onze”, ver Ferreira, 2004. 229 Notícias Populares, 18 nov. 1964:4. 137

No dia 19 de fevereiro de 1964, o jornal trazia matéria intitulada “Levy: Jango atrasa o mínimo para fazer a revolução”, situada estrategicamente na página sindical.

Herbert Levy denunciava o retardamento da assinatura do decreto do novo salário mínimo como parte do esquema de “guerra revolucionária” de João Goulart. O objetivo de Goulart seria dificultar as condições de vida do trabalhador para que este, desesperado, aceitasse qualquer condição.

Para dar legitimidade popular à fala de Levy, o jornal dava voz, também, ao líder do MSD, Antonio Magaldi, para quem a protelação do mínimo era uma “bem arquitetada manobra com a finalidade de criar ambiente de revolta entre o povo, propício à agitação comunista”. Magaldi argumentava que as lideranças de esquerda estariam de acordo com o presidente da República nessa manobra, visando aproveitar a situação. Entretanto, as “forças sindicais democratas” estariam unidas para “combater as investidas esquerdizantes do governo que se nega a atender à reivindicação salarial”230.

Ao ressaltar a voz do “sindicalismo democrático”, Notícias Populares procurava desvincular o conjunto do movimento sindical das lideranças sindicais que apoiavam

Goulart. Como visto, essa foi uma estratégia do jornal para desqualificar o apoio popular que era o grande trunfo do presidente da República.

Outro exemplo dessa estratégia ocorreu com a notícia do Comício da Frente de

Mobilização Popular, em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 29 de fevereiro de 1964.

Sob o título “Baderna no Comício da Frente de Mobilização”, o jornal afirmava que o evento comprovava falta de apoio do presidente e das esquerdas “mesmo onde as camadas esquerdistas sempre pretenderam ter grande influência, isto é, nos meios

230 Notícias Populares, 19 nov. 1963:6. 138 sindicais”231. Vale destacar que o Comício da FMP foi impedido de acontecer por organizações anticomunistas como o chamado Movimento de Mobilização

Democrática232.

Mas foi com o Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, que, nas páginas do jornal, a “guerra revolucionária” havia se concretizado. Chamado de

“comício totalitário”, ele comprovaria a aliança de Goulart com os comunistas no sentido de destruir o regime democrático brasileiro. A luta de classes seria estimulada abertamente como meio para se chegar à vitória da revolução. Entretanto, enquanto o presidente da República insuflava a radicalização da esquerda, visando ao próprio benefício, ou seja, sua permanência no poder (assunto que será tratado no final deste capítulo), os comunistas pretenderiam abrir caminho para uma revolução socialista.

Assim, o jornal publicava as declarações de Levy:

“[...] iniciou-se, no comício de anteontem, a guerra revolucionária há tanto tempo denunciada e que tem por objetivo, da parte dos comunistas, a conquista do poder, e, da parte do presidente da República e seu cunhado, a permanência no poder, a qualquer custo, ainda que ensanguentando a nação [...]”233

Como diz Rodrigo Motta, na interpretação dos setores liberais, Goulart pretendia usar o apoio dos comunistas em benefício de um projeto continuísta e depois livrar-se deles. O problema é que os comunistas desejariam o mesmo, ou seja, utilizar-se de

Goulart para chegar ao poder e derrubá-lo na primeira oportunidade234.

Após o comício, o jornal passou a evocar a imagem das Forças Armadas como elementos decisivos para a manutenção da ordem democrática e da segurança interna do país contra a ameaça comunista. Dessa forma, por meio de uma pedagogia que difundia

231 Notícias Populares, 29 fev. 1964:6. 232 Macedo, 2011. 233 Notícias Populares, 16 mar. 1964:4. 234 Motta, R., 2006:167. 139 imagens e representações negativas sobre o comunismo e que associava esse “perigo” ao governo Goulart, o jornal pretendia incutir o medo e a insegurança em seus leitores, e assim, buscar um clima favorável para que a deposição do governo fosse aceita pelas classes populares, assunto que será retomado no último tópico do capítulo.

Como diz Mariani, a imprensa criou formas de representar o comunismo por meio da cristalização de sentidos que ganharam “espessura pela repetição, pela crítica às vezes nítida, às vezes sutilmente disfarçada em explicação, contribuindo, assim, para consolidar uma visão negativa”235. Em Notícias Populares, essas representações, por mais que fossem caricaturizadas e supervalorizadas, foram articuladas de forma crível, pois só assim seriam reconhecidas pelos seus leitores. A denúncia sobre a crise econômica na URSS, por exemplo, só pôde ser feita porque, de fato, no início dos anos de 1960, o “socialismo real” experimentou esse processo. Ou então, por mais que exagerassem sobre a extensão da infiltração comunista e dos planos para a implantação de uma revolução no Brasil, a esquerda, embora com um peso desproporcional ao número efetivo de seus militantes236, radicalizava e passava a posições ofensivas pregando uma ruptura constitucional, se fosse preciso, para implantar as reformas de base.

As reformas de base

No seu combate a João Goulart, Notícias Populares também fez um trabalho de contrapropaganda ao projeto de reformas do governo. Um dos objetivos do jornal era tirar essa bandeira de João Goulart e das esquerdas, a fim de anular um provável apoio que o governo poderia obter das classes populares com essas propostas. Outro objetivo

235 Mariani, 1998:63 236Reis, 2004:36. 140 era esvaziar o sentido redistributivo mais amplo das reformas, sem, entretanto, parecer reacionário para seus leitores.

Embora o programa de reformas proposto pelo governo Goulart fosse mais amplo, o discurso de Notícias Populares centralizou-se em dois pontos: a reforma agrária e a reforma urbana. Isso pode ser explicado, pois essas eram as reformas que o jornal acreditava terem maior apelo e receptividade entre os seus leitores. A reforma urbana, com a proposta de tabelamento dos alugueis, beneficiava diretamente a vida das classes populares urbanas, recebendo forte apoio desses setores. Já a reforma agrária, além de ocupar o centro do debate político nacional, também era apoiada por organizações de trabalhadores urbanos que denunciavam a concentração fundiária como um forte entrave à industrialização e ao desenvolvimento econômico do país.

Uma das estratégias de Notícias Populares para deslegitimar o programa de reformas proposto pelo governo e pelas esquerdas foi estabelecer uma contraposição entre “reformas” e “agitação”. Segundo o jornal, as “verdadeiras forças democráticas desejavam as reformas, em termos democráticos pela conformidade das nossas tradições, de sorte a proporcionar, por via delas, novas e mais satisfatórias condições sociais para o povo e maior impulso a nossa pátria”237. Entretanto, os obstáculos seriam o presidente da República e seu partido, que não teriam interesse verdadeiro nas reformas, mas sim na agitação do problema, a fim de permitir um golpe continuísta.

A UDN aparecia nas páginas do jornal como propositora de uma reforma agrária, cristã e democrática. O projeto de lei do deputado udenista Milton Campos238,

237 Notícias Populares, 20 out.1963:6 238 O projeto Milton Campos constituía o exemplo da reforma agrária pregada pela UDN e defendida pelo jornal. Segundo Argelina Figueiredo, era um projeto moderado que não requeria alterações constitucionais. Enfatizava a taxação progressiva da terra e medidas que visavam à elevação da produtividade. Quanto à desapropriação por interesse social, restringia-as aos imóveis localizados em área necessária ao desenvolvimento econômico do país e desde que se mantivesse inexplorado e sem 141 recusado pelo PTB, no Congresso, era apresentado como um exemplo do empenho desse partido na solução do problema e, ao mesmo tempo, outra prova de que o presidente da República e seu partido não tinham interesse real no tema. Na publicação de entrevista dada por Herbert Levy, em novembro de 1963, o jornal destacava que, se não fosse pela recusa do PTB, a reforma agrária proposta pela UDN “poderia estar em plena execução, minorando dos problemas do campo”239 .

Com esses argumentos, Notícias Populares acompanhava as posturas dos setores representados por Levy e reagia à proposta das esquerdas e do presidente da República de promover alterações constitucionais no sentido de viabilizar as reformas, especialmente a agrária. Vale lembrar que Brizola, liderando as esquerdas mais radicais, acusava, sistematicamente, o Congresso de reacionário, propondo seu fechamento caso não aprovasse as reformas pretendidas pelas esquerdas. Como vimos, para esses grupos, as reformas só sairiam se houvesse mobilização popular e pressão sobre o Congresso.

Conforme assinala Motta, nesse viés, as mudanças sociais demandariam algum tipo de processo revolucionário, pois se acreditava que as elites não aceitariam, pacificamente, alterações nas estruturas sociais e econômicas240. Daí o argumento utilizado por

Notícias Populares de que as reformas eram pretexto para o governo e as esquerdas desencadearem a subversão no país.

Entretanto, foi a partir do final do mês de janeiro de 1964 que o tema da reforma agrária ganhou destaque no jornal. Contribuíram para isso, também, as notícias sobre as articulações entre Goulart e o presidente da Supra (Superintendência de Reforma

Agrária) no sentido de elaborar um decreto que permitisse a desapropriação de 20

benfeitorias por mais de 10 anos. Além disso, ponto central de discórdia com o PTB, estabelecia a indenização em dinheiro.

239 Notícias Populares, 19 nov.1963. 240 Motta, R., 2006:117. 142 quilômetros de cada lado de ferrovias, rodovias federais, açudes e rios navegáveis para a reforma agrária. A medida assustou udenistas que acusavam Goulart de ferir os direitos de propriedade e exacerbavam as denúncias do perigo da “guerra revolucionária”. A declaração de Bilac Pinto, publicada no jornal, mostrava esse temor:

“O Brasil não precisa da reforma agrária que está sendo pregada pela SUPRA, pelo próprio presidente da República [...] o assunto é mais complexo, não consistindo em dar terras àqueles que não possuem, mas constitui-se, antes de tudo, no preparo do homem que explora a terra e nos elementos assistenciais que se integram à jornada rural, tais como: assistência médica, entrega de adubos a preços acessíveis e material técnico necessário para aqueles que exploram as terras”241

Notícias Populares buscava deslegitimar a reforma agrária proposta pelo governo a partir de dois pontos: a ideia de que faria parte de um plano golpista e subversivo e a ideia de que reforma agrária não se reduzia à distribuição de terras.

Assim, evitava se colocar contra a reforma agrária enquanto buscava anular medidas consideradas radicais, como a desapropriação de terras e, dessa forma, esvaziar o sentido redistributivo mais amplo da proposta do governo.

Nesse sentido, o jornal empreendeu uma intensa campanha contra a Supra.

Passou a publicar notícias em que líderes udenistas pediam a extinção do órgão que teria se transformado em “instrumento de subversão”, trazendo “desassossego e intranquilidade a toda a zona rural”242. Títulos como “SUPRA comanda invasão de terras em São Paulo”243 ou “SUPRA agita São Paulo” tornaram-se recorrentes. Ao mesmo tempo, dava voz aos deputados da UDN que afirmavam que os dados

241 Notícias Populares, 4 fev. 1964. 242 Notícias Populares, 25 jan.1964. 243 Notícias Populares, 12 fev.1964. 143 distribuídos pela SUPRA eram falsos e, portanto, ilegítima a reforma agrária pretendida pelo governo244.

Mas se o posicionamento do Notícias Populares contra a reforma agrária proposta pelo governo era explícito, o mesmo não se pode dizer em relação à reforma urbana. A explicação para isso está no forte apoio que a proposta encontrava entre as classes populares urbanas, público alvo do jornal, já que atingia diretamente suas vidas.

Isso fez com que a abordagem do jornal sobre o tema fosse marcada por uma constante tensão.

Em um primeiro momento, Notícias Populares buscou capitalizar o tema da reforma urbana para os setores udenistas. No dia 6 de novembro, noticiava a proposta de uma lei do inquilinato do deputado Ferro Costa, da UDN. Segundo o jornal, apesar de o deputado estar divorciado da linha da UDN – ele pertencia à ala “Bossa Nova” – a proposta obtinha todo o apoio do partido.

O projeto de Ferro Costa, que seria encampado pelo governo Goulart, determinava, entre outros aspectos, o tabelamento dos alugueis, que passariam a ter como base o salário mínimo. O menor aluguel corresponderia a 1\5 do salário mínimo e o maior aluguel permitido por lei seria de 1 1\2 sobre o salário. Imóveis acima de 120 metros quadrados teriam aluguel liberado, entretanto o valor não poderia ser superior a

1% do valor tributário atribuído ao imóvel. O projeto também previa a desapropriação, por interesse social, para efeito de venda aos inquilinos ou arrendatários, de todos os imóveis rurais ou urbanos, alugados ou arrendados por mais de dez anos. Entretanto, esclarecia que não seriam atingidos pela desapropriação dos bens, os proprietários de apenas três residências locadas, bens de viúvas, órfãos ou menores, até o número que

244 Notícias Populares, 31 jan.1964:6. 144 proporcionasse rendimentos indispensáveis ao pleno atendimento de suas necessidades, e os bens filantrópicos ou educacionais245. Um dos objetivos do governo era evitar a especulação imobiliária, além de proteger o trabalhador que consumia a maior parte do salário com a moradia.

É importante ressaltar que o grupo de Levy na UDN não tinha interesse, de fato, na aprovação da reforma urbana, pois enxergava nela a abertura para a desapropriação das indústrias e a comunização do país. Entretanto, na disputa com o PTB e com João

Goulart, interessados em apadrinhar o projeto, o grupo tentou retirar essa bandeira desses agentes.

A partir de março de 1964, o tema ocupou quase diariamente o jornal. Nesse mês, o presidente João Goulart, aliado às esquerdas, assumiu a ofensiva das reformas de base, incluindo a reforma urbana. Os setores udenistas representados pelo jornal, por sua vez, adotavam posições de oposição intransigente a todas as medidas do governo. O objetivo era impedir que Goulart e as esquerdas se fortalecessem politicamente com a aprovação dessas medidas. Nesse sentido, para acompanhar as posturas políticas desses setores, Notícias Populares chegava a uma encruzilhada. A questão era: como desqualificar uma medida que encontrava forte apoio entre os seus leitores?

A estratégia foi acenar com o fantasma do desemprego. No dia 12 de março de

1964, às vésperas do Comício da Central, quando Goulart anunciaria o decreto da reforma urbana, o jornal publicou notícia com o seguinte título: “Decreto dos alugueis trará desemprego em massa”. Segundo o jornal, a reforma urbana proposta por Ferro

Costa, e encampada pelo governo Goulart – portanto, a mesma que o jornal havia apoiado meses antes –, traria desemprego. Os prejuízos para a economia do país seriam

245 Ver Notícias Populares, 6 nov.1963:6. 145 enormes, pois paralisariam as construções, com reflexos nas transações imobiliárias, na indústria e no comércio. Acionava, assim, um importante argumento para seus leitores, já que o desemprego é o grande fantasma do trabalhador.

Outra estratégia de Notícias Populares foi estabelecer um contraponto com as obras de desfavelamento na Guanabara promovidas por Lacerda. O jornal mostrava o

“sucesso” dos núcleos residenciais “Vila Esperança”, “Vila Aliança” e “Vila Kennedy”, na zona norte da cidade, para onde teriam sido removidos os moradores das favelas da zona sul do Rio de Janeiro. Destacava, ainda, que até mesmo a criação de pequenas indústrias estaria no programa do governador para propiciar condições de trabalho aos ex-favelados que, deslocados de seu ambiente, encontrariam dificuldades para ganhar seu sustento246. Com isso, o jornal pretendia capitalizar os dividendos políticos da reforma urbana para a UDN e desqualificar a proposta do governo Goulart.

Ao valorizar as obras de Lacerda, o jornal omitia um dado fundamental: a política de remoção das favelas foi marcada por forte tensão e conflito entre os moradores e o governo. Os moradores protestavam contra a falta de espaço das habitações, de um quarto e sala, e pela distância do seu local de trabalho, pois a maioria trabalhava na zonal sul do Rio247. Mas esse protesto não poderia aparecer no Notícias

Populares, pois invalidaria as ações promovidas pela UDN em prol das classes populares.

Entretanto, como dito, a abordagem da reforma urbana causava tensão no discurso do Notícias Populares. Assim, a partir do dia 23 de março de 1964, o jornal assumiu a posição de defensor do povo e fez denúncias diárias sobre o golpe dos proprietários de imóveis a fim de burlar a lei do inquilinato proposta pelo governo

246 Notícias Populares, 19 mar. 1964:6. 247 Ferreira, 2011:159. 146

Goulart. O jornal descrevia o mecanismo do golpe e cobrava atitudes das autoridades competentes com claro objetivo de firmar o vínculo com o seu leitor.

Por causa do forte apelo popular, Notícias Populares não se opunha explicitamente às reformas. A polêmica não aludia à necessidade de reformas, mas ao que se entendia por elas. Uma das intenções era esvaziar o seu sentido redistributivo mais amplo, sem parecer reacionário para seus leitores. Entretanto, o principal objetivo era tirar essa bandeira de João Goulart e das esquerdas. Ao apoiar projetos reformistas,

Goulart fortalecia suas bases de sustentação política, consolidando uma imagem de líder dedicado aos interesses do povo. Para os setores do empresariado e políticos udenistas representados pelo jornal, urgia impedir que isso acontecesse.

Tal qual Vargas? – o continuísmo de Goulart

Outro argumento importante para deslegitimar João Goulart e justificar a ofensiva contra o seu governo foi a ideia de que presidente da República planejava um golpe continuísta para se perpetuar no poder. Essa ideia decorria, em parte, do vínculo político e ideológico de Goulart com o getulismo. Como avalia Motta, o fato de ser herdeiro político de Vargas levava os setores liberais a verem Goulart como um líder com vocação ditatorial, um político capaz de se apoiar nas massas para viabilizar um regime autoritário248. A diferença entre eles estaria no fato de Goulart possuir inclinação para se ligar às esquerdas e aos sindicalistas, grupos cujo apoio havia conquistado desde a sua passagem pelo Ministério do Trabalho. Nesse sentido, era grande a especulação de que suas alianças o levassem a instaurar uma ditadura no país.

Ao mesmo tempo, a suposição de que Goulart concebia um plano continuísta ganhava verossimilhança à medida que a crise política de seu governo se tornava mais

248 Motta, R., 2006:142. 147 aguda e que ele próprio adotava medidas nessa direção249. O pedido de autorização ao

Congresso para que fosse decretado estado de sítio, em 4 de outubro de 1963, foi um marco nesse sentido e reforçou a ideia de que o presidente da República planejava um golpe.

No noticiário de Notícias Populares, Goulart era representado articulando vários caminhos para o golpe. Um deles era a mobilização do movimento sindical à esquerda com o objetivo de criar bases de apoio para um eventual regime autoritário. Esse argumento levava, muitas vezes, à afirmação de que o seu interesse era criar uma

“república sindicalista” no Brasil, denúncia que o perseguia desde os anos de 1950, quando assumiu o Ministério do Trabalho. No início dos anos de 1960, o argumento voltava a ganhar força entre setores do empresariado e políticos udenistas, que consideravam os sindicatos o principal suporte político do governo Goulart.

É preciso destacar que não existia uma definição clara do que poderia ser uma

“república sindicalista”. Havia apenas a sugestão de que seria um regime ditatorial apoiado nos sindicatos. Eles assumiriam as atribuições que, no regime democrático, são do Congresso. O presidente da República conferiria um poder a essas organizações que ficariam acima dos partidos e instituições legais de representação.

Novamente, a questão colocada para o jornal era: que argumentos utilizar para tornar um possível aumento do poder político dos sindicatos em algo negativo? Afinal, muitos dos seus leitores possivelmente seriam trabalhadores sindicalizados.

A estratégia do Notícias Populares foi estabelecer uma dicotomia entre

“trabalhadores” e “subversivos” ao afirmar que apoio sindical dado a Goulart estava restrito a uma minoria de sindicalistas “pelegos” e “comunistas”, que não representavam

249 Idem, Ibidem. 148 a maioria dos trabalhadores sindicalizados e seus interesses. Além disso, o jornal encampava a tese do empresariado paulista e de políticos udenistas que limitava o papel do sindicato às reivindicações trabalhistas, como mostrou a abordagem feita por

Notícias Populares sobre a “greve dos 700 mil”, discutida no capítulo anterior.

Assim, no dia 1 de novembro de 1963, por ocasião da “greve dos 700 mil”, em

São Paulo, o jornal trazia, como destaque, uma entrevista dada por Carlos Lacerda, na qual o então governador da Guanabara procurava estabelecer laços entre Goulart e o peronismo como “prova” da sua intenção em implantar uma “república sindicalista” no

Brasil. Segundo Lacerda, em 1951, Goulart teria afirmado que “apesar de não ser peronista, era grande amigo e admirador de Perón”, já que aquele político “organizou a

Argentina de modo que, apertando um botão, desencadeava uma greve e, depois, premindo outro, a fazia cessar”250.

Esse era mais um argumento utilizado pelo grupo de Levy para traçar, no

Notícias Populares, o perfil do presidente da República como um “caudilho” que, tal como Perón, manobrava os sindicatos, insuflando artificialmente as crises, para conseguir seu intento de permanecer no poder. No dia 18 de novembro de 1963, o jornal publicava: “quando a crise se torna pior, verifica-se que uma palavra do presidente da

República faz com que o comando sindical denuncie ou chegue a entendimentos que horas antes eram repudiados”251.

Mas, diferente da imagem construída nos anos de 1950, a ideia de “república sindicalista” aparecia, no início de 1960, vinculada ao comunismo. A denúncia era que

Goulart insuflava a radicalização da esquerda e se aliava aos comunistas visando sua permanência no poder. Vale lembrar que, na argumentação de Herbert Levy, Goulart

250 Notícias Populares, 1 nov.1963:4. 251 Notícias Populares, 18 nov 1963:4. 149 apesar de compor as forças da “extrema direita”, representadas pelo caudilhismo redivivo, interessado apenas no poder, estabelecia alianças com a “extrema esquerda” a fim de destruir o regime democrático liberal.

Assim, ao lado da matéria em que Lacerda denunciava as relações entre Goulart e Perón, Notícias Populares publicava o discurso de Ademar de Barros em que o governador de São Paulo afirmava que o “dispositivo sindical do presidente é, na realidade, o dispositivo comunista”. A matéria, intitulada “Ademar: planejadas em certos palácios agitações em São Paulo”, afirmava que Goulart e os comunistas preparavam um golpe de Estado por meio dos movimentos grevistas. As greves seriam deflagradas “por uma minoria, que articula a cúpula sindical com o governo federal, tendo como objetivo criar um clima revolucionário para iniciar um golpe dirigido contra as instituições democráticas”252.

Ainda no mês de novembro de 1963, Notícias Populares apresentou outra

“prova” de que Goulart se aliava às esquerdas, em especial aos comunistas, e mobilizava o movimento sindical a fim de planejar um golpe continuísta: a remoção do general Peri Bevilácqua do II exército.

O general Peri Bevilácqua, após a revolta dos sargentos, em setembro de 1963, vinha dando declarações contendo críticas ao movimento sindical, especialmente às intersindicais de esquerda, que haviam apoiado o movimento. Segundo ele, era preciso

“estar em guarda contra a solidariedade dos malfeitores sindicais, CGT, PAC, e FSD”.

Denunciava, também, a greve como “uma ditadura exercida por um pequeno grupo, em

252 Notícias Populares, 1 nov. 1963:4 150 nome do proletariado [portanto] não há motivos para escrúpulos de consciência ao tratar grevistas como criminosos que são, em flagrante delito”253.

A reação dos políticos e sindicalistas à esquerda não tardou. Em nota conjunta, o

CGT, a FPN, a FMP e a UNE repudiaram as declarações do general e exigiam a sua imediata exoneração. A solução encontrada por Goulart foi a promoção de Bevilácqua para a chefia do Estado Maior das Forças Armadas, um cargo sem comando de tropas254.

No discurso de Notícias Populares, a transferência do general foi tratada como a prova do plano arquitetado por João Goulart para tomar o poder apoiado nos

“organismos sindicais espúrios”, divorciados dos interesses dos trabalhadores. Segundo declarações de Herbert Levy ao jornal, Goulart teria removido todos os oficiais anticomunistas de São Paulo para deixar caminho livre para que pudesse concretizar seu golpe continuísta255.

A partir daí, Notícias Populares assumiu, como estratégia, um discurso de defesa das instituições democráticas, para justificar as posições ofensivas contra o governo Goulart.

Em novembro de 1963, o noticiário político do jornal abriu espaço para denúncias feitas por Herbert Levy e outros políticos udenistas sobre uma suposta trama de Goulart contra o Congresso Nacional. Segundo Levy, Goulart pretendia desmoralizar a principal instituição representativa do país ao afirmar que o Congresso Nacional não produzia nada em matéria legislativa e não votava as reformas de base. A “trama” faria

253 Ferreira, 2011: 363-364. Ver também Silva, 1975:226-230. 254 Ferreira, 2011:363-364. 255 Notícias Populares, 21 dez.1963. 151 parte das manobras continuístas do presidente que pretenderia, com isso, o fechamento do Congresso.

No dia 19 de novembro, o jornal trazia, na capa, o título “Levy: nova trama contra o Congresso”, e, na página 4, a reprodução de uma entrevista dada por ele ao jornal O Globo, intitulada “Herbert Levy afirma que o presidente prepara outra ofensiva contra o Congresso”. A matéria pretendia reverter as acusações feitas por Goulart e pelas esquerdas de que o Congresso barrava as reformas de base. Levy alegava que era o próprio governo e seu partido que armavam para que as reformas não fossem aprovadas:

“[...] O Congresso empenhou-se, durante todos esses meses, na defesa da preservação das instituições democráticas, denunciando e rechaçando – como no caso do pedido do estado de sítio – manobras subversivas do próprio governo federal [...] o Congresso repeliu reformas extremistas e radicais, é certo, mas quem impediu a votação de proposições reformistas cristãs e democráticas foi especialmente a representação do partido do próprio presidente da República. [...] entende o deputado Herbert Levy que o presidente João Goulart soma fatores de desagregação em todo o país, buscando concretizar seus objetivos pessoais de continuísmo e subversão do regime democrático [...]”256 Como discutido, no discurso de Notícias Populares, Goulart e o PTB não teriam interesse verdadeiro nas reformas, pois seu objetivo era subverter a ordem para permitir um golpe continuísta. Por isso a necessidade de deslegitimar o Congresso Nacional diante da opinião pública, já que essa Casa teria se transformado no baluarte da preservação das instituições democráticas contra as manobras do governo.

Outra denúncia era a de que, sob o pretexto das reformas, Goulart visaria, na verdade, alterações constitucionais no sentido de abrir caminho para a continuidade. A

“tática” do presidente da República seria pregar as reformas de base com emendas constitucionais para conseguir a alteração do capítulo das inelegibilidades, que proibia a

256 Notícias Populares, 19 nov. 1963:4. 152 reeleição presidencial ou a eleição de parentes para cargos executivos. A revisão desse capítulo permitiria a Goulart ou Brizola, cunhado do presidente, concorrer às eleições presidenciais previstas para 1965.

No dia 18 de novembro de 1963, era publicada a matéria intitulada “Goulart tem compromisso com Brizola: possibilitar sua candidatura em 1965”. Segundo o jornal,

Goulart tinha uma preocupação política básica: viabilizar todos os meios para que

Brizola pudesse se candidatar à Presidência da República. O compromisso entre eles teria começado em 1961, quando o então governador gaúcho liderou a campanha da legalidade e, em troca, Goulart teria prometido que o apoiaria em 1965. As divergências entre os dois cunhados seriam apenas de “tática”, pois estavam de acordo em que o poder deveria “permanecer nas mãos da família”.

Vale destacar que a imagem construída sobre Brizola variava conforme a estratégia política escolhida pelo jornal para deslegitimar sua figura. Assim, ora Brizola era tratado como o “Fidel Castro brasileiro” ora era representado como um caudilho interessado apenas no poder, tal como João Goulart.

A ideia de que Goulart preparava um golpe adquiriu maior intensidade a partir de janeiro de 1964, quando Notícias Populares encampou a tese da “guerra revolucionária” difundida por Bilac Pinto. Com a reprodução dos discursos de Bilac

Pinto, o jornal afirmava que João Goulart havia tentado golpear as instituições democráticas em cinco ocasiões, entre elas a tentativa de implantar o estado de sítio, em outubro de 1963. Mas, como não teria conseguido apoio das Forças Armadas, que se mostravam legalistas, ele apelava para a “guerra civil, desencadeada com o poder sindical que tem nas mãos e o grupo de onze pessoas organizadas revolucionariamente pelo Sr Leonel Brizola”.

153

Como discutido, a divulgação da tese da “guerra revolucionária” foi utilizada pelo jornal como apelo à mobilização popular contra Goulart. Ao mesmo tempo, abriu espaço para que a ofensiva contra João Goulart fosse justificada a partir de posições defensivas.

Entretanto, foi a partir do Comício da Central do Brasil, em 13 de março de

1964, que o rumo traçado pelo governo, segundo Notícias Populares, desaguaria inexoravelmente num golpe. Segundo o jornal, sob a “demagogia das reformas” esconder-se-ia o objetivo de um golpe contra as instituições democráticas. Segundo as declarações de Herbert Levy:

“De fato, as máscaras foram desafiveladas e as ameaças que tantas vezes denunciamos e advertimos a nação tornaram-se claras e inequívocas. Não interessa reforma alguma, não interessa solução de problema algum. Só o que está na mira do caudilhismo instaurado no poder é a permanência neste além do prazo estabelecido na Constituição”257

No discurso de Notícias Populares, o comício estaria articulado com o projeto golpista do governo que estimulava o confronto com as tradicionais instituições representativas, como o Congresso Nacional, a fim de abalar o regime democrático.

Dessa forma, como porta voz do grupo de Levy, Notícias Populares negava legitimidade à estratégia política das esquerdas, que valorizava a via extraparlamentar para mudanças sociais. Apenas o legislativo, os partidos, as eleições, enfim, as instituições que compõem o quadro de representação política na democracia liberal eram consideradas meios legítimos de expressão política.

Após o comício, o jornal iniciou uma campanha em prol do impeachment de

João Goulart, sob a alegação de que ele estava pondo em risco as instituições democráticas do país. No dia 25 de março de 1964, publicava declaração de Levy para

257 Notícias Populares, 16 mar. 1964:4. 154 quem “a nação prefere, claramente, uma Constituição sem presidente a um presidente sem Constituição”. Com esse argumento, justificava a necessidade de impedimento de

Goulart.

O comício da Central provocou a consolidação das mobilizações anti- Goulart, que tomavam para si o discurso da defesa da legalidade, como fizeram as esquerdas em

1961. Notícias Populares acionou esse discurso por meio de um importante instrumento de luta política dos setores liberais paulistas: a leitura liberal da Revolução

Constitucionalista de 1932, centrada na ideia da defesa da democracia liberal e da excepcionalidade paulista. Essa leitura sobre 32 foi mais uma das estratégias utilizadas para dar combate ao governo de João Goulart e legitimar o golpe de Estado de 31 de março de 1964 para seus leitores.

“32 +32=64.” A memória de 1932 e a alternativa liberal e “democrática”.

Um dos papéis de Notícias Populares, para Herbert Levy, seria criar um clima favorável para que uma possível deposição do presidente da República fosse apoiada por seus leitores. Para isso, uma das estratégias utilizadas pelo jornal foi difundir elementos da cultura política liberal entre as classes populares. Assim, como parte da grade de leitura oferecida pelo jornal estava uma visão do passado, sobre a “revolução constitucionalista de 1932”, que foi utilizada como exemplo a ser seguido na “defesa das instituições democráticas” contra João Goulart.

Como analisa Bernstein, as leituras do passado, que integram a cultura política de um grupo, são mobilizadas nas lutas do presente. O passado é instrumentalizado de modo a fornecer uma provisão de dados-chave, fatos simbólicos, personagens e períodos que se revestem de caráter exemplar e mobilizam os membros de determinada cultura política que tentam impor a sua concepção de mundo social, seus valores e o seu

155 domínio político. Lido em função dos acontecimentos e aspirações concretas do presente, o passado se presta também à projeção de um futuro comum, na medida em que serve de modelo a ser seguido ou rejeitado258.

A principal função da cultura política é que “ela constitui a base de pertencimento político. É ela que leva o cidadão a se identificar quase instintivamente a um grupo, a compreender facilmente seus discursos, a adotar sua ótica de análise, a partilhar de seus objetivos (...)”259 levando indivíduos e grupos à ação política. Nesse sentido, ao difundir uma cultura política liberal entre as classes populares, o objetivo do jornal era conquistar o apoio dessas classes para o golpe que derrubou Goulart do poder.

Na conjuntura do início dos anos de 1960, o medo de uma suposta implantação de ditadura por João Goulart, que poderia levar à comunização do país, arregimentou os setores liberais paulistas que fizeram da luta contra o herdeiro político de Vargas um 32 redivivo.

Dessa forma, um dos temas mais candentes do jornal Notícias Populares foi a ideia de que Goulart planejava uma intervenção no Estado de São Paulo, tal como fizera seu mestre, Getúlio Vargas, em 1932. Entretanto, para concretizar seu golpe continuísta e se perpetuar no poder, o presidente precisaria vencer a principal barreira que se opunha aos seus intentos: o Estado de São Paulo, bastião da democracia liberal e da normalidade constitucional.

Essa ideia ganhou força após a tentativa de decretação do estado de sítio, em outubro de 1963. Um dos objetivos dos ministros militares de Goulart era intervir em

São Paulo para prender o governador Ademar de Barros que, naquele momento, conspirava e desafiava publicamente o governo, como fazia Carlos Lacerda na

258 Bernstein, 2009:34. 259 Bernstein, 2009: 40. 156

Guanabara. O episódio forneceu munição aos setores representados por Herbert Levy, que passaram a atacar o governo por meio do que, tomando de empréstimo expressão cunhada por Marly Motta, chamamos de uma “estratégia da ameaça”260 e que contou, como incentivo, com uma leitura do passado, do movimento de 1932.

A “estratégia da ameaça” foi amplamente difundida por Notícias Populares e estava baseada na ideia de que São Paulo, tal como em 1932, corria o perigo de perda da sua autonomia com uma intervenção do governo federal que, aliado às esquerdas, objetivava subverter a ordem democrática por meio da implantação de uma ditadura que poderia levar o país ao comunismo. O fato de João Goulart ser herdeiro político de

Vargas facilitava a associação com os episódios de 1932. Dessa forma, assumindo posições defensivas, incutindo a ideia de que São Paulo estava novamente ameaçado, dessa vez pelo herdeiro de Vargas, os liberais paulistas passavam para a ofensiva contra o governo, justificando-a com a ideia de que São Paulo era o único estado, no conjunto da nação, capaz de defender a democracia e a normalidade constitucional. Por isso o governo federal tinha planos de intervir nesse estado.

Em 31 de novembro, o jornal Notícias Populares publicava um discurso proferido por Herbert Levy no Congresso Nacional, sob o título “Levy adverte aos intervencionistas: São Paulo pegará em armas”:

“[...]Esclareceu o parlamentar udenista que „qualquer tentativa de intervenção em São Paulo encontrará o estado de armas na mão. Repetiremos 32 [...] o 32 voltado para a defesa da constituição e da legalidade. É o 32 com o qual São Paulo se erguerá unido na defesa das instituições democráticas‟[...] Herbert Levy [...] demonstrou sem deixar dúvidas que se articula uma conspiração contra o estado que hoje é um das

260 Ao estudar as relações entre o governo federal e a Guanabara durante o governo de Carlos Lacerda (1960-65), Marly Motta mostra como Lacerda utilizou-se da ameaça de intervenção do governo federal na Guanabara como estratégia política acionada na disputa pelo governo estadual, em 1960, na oposição ao governo João Goulart e, finalmente, na campanha para as eleições previstas para 1965. Motta, M., 2001.

157

barreiras que se erguem na defesa do país, ameaçado pelos propósitos revolucionários pelo próprio governo da União.”261[grifos meus]

Vale destacar que, desde o término da guerra civil entre o Estado de São Paulo e o governo federal presidido por Getúlio Vargas, em 1932, a “revolução constitucionalista de 32”, como foi chamada pela memória liberal, que se tornou dominante, foi convertida, pelos liberais paulistas, em um momento símbolo da luta da democracia contra a ditadura, reforçando uma suposta identidade regional paulista definida pelo “sentimento de excepcionalidade e liderança perante outros estados da federação”262. No entanto, como mostram Santos e Mota, a intenção de reconstitucionalizar o Brasil, tema que prevaleceu na memória liberal sobre o episódio de 32, não era um fim em si, mas um meio para reconquistar a autonomia política defendida pela elite política paulista e perdida com a centralização implantada por

Vargas. Segundo os autores:

“A causa constitucionalista dava guarida tanto aos que pretendiam restaurar a radicalidade do federalismo que marcou as primeiras décadas da República como também daqueles que vislumbravam a possibilidade de instaurar uma nova ordem liberal e democrática no país, em substituição do regime oligárquico” 263

No entanto, como toda memória guarda apenas parcialmente correspondência com o real, sendo mobilizada e resignificada em função das lutas do presente, a memória de 32 mobilizada pelos liberais paulistas na conjuntura do governo Goulart foi apresentada como uma luta, defendida por todas as classes sociais de São Paulo, em nome da nação, pela restauração da democracia e do constitucionalismo. Dessa forma, essa versão do passado apagava tanto o fato de que, durante o conflito de 1932, a identidade paulista tenha se definido pelo estabelecimento de uma clara alteridade em

261 Notícias Populares, 31 nov. 1963. 262 Mota, A.; Santos, 2010:7. 263 Mota, A.; Santos, 2010:17. 158 relação aos brasileiros presente, por exemplo, nos projetos separatistas que figuraram entre alguns grupos envolvidos no conflito, como também de que 32 foi, no início, um movimento articulado pelas elites políticas e que só com o desenrolar dos fatos e por meio de uma forte campanha de persuasão popular abrangeu camadas mais amplas da população264. No entanto, a atuação das elites políticas paulistas foi, pela memória liberal, retratada como resultado da defesa dos interesses populares.

No início de 1964, em resposta à radicalização das esquerdas que assumiam a ofensiva política e formulavam propostas de ruptura institucional, os liberais paulistas capitaneados por Herbert Levy passaram a usar, como lema da sua arregimentação contra o governo Goulart, a ideia de que 1964 era, até numericamente, o desdobramento de 1932265. Nesse momento, o grupo de Herbert Levy, estreitando contatos entre a cúpula da UDN e os militares, preparava-se para a possibilidade de um golpe de Estado contra João Goulart, que seria desencadeado com a justificativa de defesa das instituições democráticas contra o perigo comunista e as pretensões continuístas de João

Goulart; daí o farto uso político do passado por meio da memória sobre 1932.

Para dar ressonância popular a essa estratégia, o jornal Notícias Populares pautou seu noticiário político pela ideia de excepcionalidade de São Paulo, considerado

“sentinela da democracia”. No dia 18 de janeiro de 1964, publicava o discurso do deputado da UDN, Bilac Pinto, em que ele afirmava que “São Paulo é o estado melhor preparado para enfrentar as forças antidemocráticas.” Logo abaixo da reprodução do discurso do presidente da UDN, publicava o manifesto da Câmara Municipal de São

Paulo que afirmava: “[...] a herança cívica legada pelos heróicos revolucionários constitucionalistas de 32 traduz-se hoje na firme disposição de manter São Paulo unido

264 Idem, Ibidem. 265 Silva,1975:247. 159 para a salvação do Brasil”.266 A tarefa do jornal era vender essa ideia aos seus leitores e, dessa forma, convencê-los da necessidade de apoiar as ações contra Goulart.

Mas foi a partir da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada por setores da elite paulista, em resposta ao comício de 13 de março de 1964, organizado pelas esquerdas, que, na leitura dos liberais paulistas, um novo 32 estaria se iniciando.

Ao bradar pela defesa da intocabilidade do Congresso Nacional e da Constituição da

República, a Marcha da Família ocorria em São Paulo, em 19 de março de 1964, como uma frente anticomunista e anti- Goulart, utilizando-se de diversos símbolos de 32 como hino, capacetes, etc., além de mitos como o do bandeirante paulista. Os laços entre a marcha e a “tradição democrática” e antigetulista de São Paulo foram acionados para mostrar que repulsa à “ditadura caudilhista” e ao comunismo estavam enraizadas na tradição paulista. Não foi por coincidência que na primeira fileira marcharam os voluntários paulistas de 1932, entre eles Herbert Levy e Herman Moraes de Barros.

Notícias Populares deu grande destaque à Marcha ao publicar grandes manchetes, fotografias e discursos dos líderes udenistas, especialmente de Herbert

Levy. Títulos como “Mobilização antigolpista: marcha com Deus é hoje”, “Povo mobilizado contra o golpe”, “São Paulo de pé defende a democracia” foram recorrentes no jornal e buscavam o engajamento dos seus leitores ao evento. O apoio popular era fundamental nesse momento, pois daria legitimidade ao golpe que se preparava contra

Goulart. Conforme discutido no capítulo1, as lições de 1961 não tinham sido esquecidas. Na edição do dia 20 de março de 1964, noticiava:

“São Paulo veio às ruas para defender a democracia [...] para proclamar a intocabilidade do Congresso Nacional e da constituição da república [...]eram estudantes, operários, donas de casa, religiosos, gente de todas as

266 Notícias Populares, 18 jan. 1964:4

160

classes [...] falou o deputado Herbert Levy: „ a vinda do povo em massa à praça da Sé neste momento histórico, significa que o povo brasileiro não quer a ditadura, o povo não quer o comunismo [...]. São Paulo inteiro em praça pública revivendo o espírito de 32. Os lenços brancos lembram a defesa da constituição feita com nosso sangue. E se São Paulo precisar, nós todos, iremos, velhos, moços e até meninos para a trincheira de 32 defender a Constituição e a liberdade.[...]. Após as palavras de Herbert Levy, a banda da guarda civil executava a marcha Paris Belfort, o hino da revolução constitucionalista de 1932 [...] vários capacetes da revolução eram notados em meio à passeata, eram os ex-combatentes tomando parte da marcha [...]” [grifos meus] Na última página, voltava a noticiar:

“São Paulo reviveu ontem as suas grandes e memoráveis jornadas cívicas, aquelas mesmas jornadas que fizeram tremular, ao lado do pavilhão nacional, sua invita bandeira das treze listas. O mesmo espírito indômito que norteou os passos dos bandeirantes de antanho, que conduziu os rumos das gentes de 1932, animou ontem o povo de São Paulo na grande passeata [...]” [ grifos meus] Tal como a memória oficial estabelecida sobre 1932, a Marcha, apesar de ter sido um fenômeno predominantemente de elite e classe média, foi retratada por Notícias

Populares, como uma manifestação de todas as classes sociais de São Paulo, a fim de conferir legitimidade popular ao movimento.

Outro símbolo apropriado da memória de 32 e difundido pelo jornal foi a ideia de que São Paulo era defensor de uma causa nunca vencida: a da legalidade e defesa da constituição. Essa ideia da “São Paulo invicta” remetia à memória elaborada sobre 1932 que defendia que o movimento, apesar de derrotado nas trincheiras, havia triunfado moralmente, pois conseguira a convocação da Assembleia Constituinte de 1934. Dessa forma, a Marcha de 1964 era encarada como o prelúdio de 32, ideia sintetizada nos cartazes publicados no jornal que estampavam: “32+32=64”.

Mas, se a Marcha da Família foi considerada o despertar de um novo espírito de

32, o golpe que derrubou João Goulart, em abril de 64, foi interpretado como a sua concretização, era o 32 redivivo. Por meio do Notícias Populares, o grupo de Levy apresentou e justificou o golpe, para as classes populares, como a solução para a defesa

161 da ordem liberal democrática que, no seu discurso, estava ameaçada por Goulart, representando a “extrema direita”, o caudilhismo redivivo, e pela extrema esquerda, interessada na comunização do país. No dia 10 de abril de 1964, Notícias Populares por meio de uma pedagogia que associava 1932 a 1964 e mobilizava heróis, eventos e símbolos, publicava, com grande destaque:

“Nunca foi tão atual e tão presente como agora recordar e reviver a epopéia da revolução constitucionalista de 1932, movimento armado que levantou todo um estado da federação contra uma ditadura que negava uma constituição à Nação. Nestes conturbados dias de crise político-militar, quando se erguem todas as forças vivas da nacionalidade para defender a democracia e as nossas tradições de país livre, os idos de 32 afloram mais vivos e mais emocionantes, marcados pelos episódios de heroísmo, de renúncia e de sacrifício sem par na história paulista [...]”267 [grifos meus]

Finalmente, as comemorações do 9 de julho de 1964 foram estampadas pelas páginas do jornal como a grande festa das “duas revoluções”, a de 32 e a de 64. O golpe de 1964 foi visto como o desfecho dos esforços iniciados em 1932:

“[...] o Sr. Herbert Levy acentuou que a maior homenagem que podemos prestar ao movimento de 32 é dizer que, afinal, em 1964 foi efetivado o coroamento desses esforços, no momento em que os desvios do caudilhismo já não se apresentavam com contornos mais ou menos tênues, mas com intenções indisfarçáveis de colocá-los sob um regime ditatorial” [grifos meus]268.

Dessa forma, Notícias Populares revestia o golpe com o manto do legalismo constitucional e enfatizava a vitória da alternativa “democrática” e liberal contra a ameaça de duas forças extremistas: a “extrema direita”, representada pelo caudilhismo redivivo em João Goulart, e a “extrema esquerda”, interessada na comunização do país.

267 Notícias Populares, 10 abr.1964:3 268 Notícias Populares, 10 jul.1964:4 162

Por meio da veiculação de elementos da cultura política liberal, de imagens e representações difundidas sobre João Goulart e as esquerdas, Notícias Populares pretendia que seus leitores compreendessem e apoiassem a deposição de Goulart como a melhor solução para resolver os problemas que o país enfrentava.

Ao mesmo tempo, o forte investimento do jornal em um noticiário político voltado para deslegitimar João Goulart e as esquerdas perante as classes populares comprova a importância estratégica assumida por essas classes na luta política do período. Afinal, desde os episódios de 1961, as classes populares foram reconhecidas como interlocutores políticos estratégicos que precisavam ser conquistados.

Compreende-se, portanto, a importância que Notícias Populares assumiu para a luta política empreendida por Herbert Levy.

163

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta dissertação, tive como objetivo pesquisar o papel que o jornal Notícias

Populares exerceu nas estratégias políticas de Herbert Levy contra João Goulart e os grupos de esquerda (1961-1964). Para tanto, analisei a percepção de Levy sobre a atuação das classes populares urbanas, bem como a relação que pretendeu estabelecer com elas. Também analisei o discurso do Notícias Populares, que se mostrou fundamental para a compreensão do seu papel na luta política do período.

A historiografia sobre o tema aponta para a “função despolitizadora” do jornal.

Segundo Goldenstein, criado para “roubar” o público do Última Hora/São Paulo, o objetivo do Notícias Populares não era conseguir o apoio político das classes populares, mas neutralizá-las por meio da sua despolitização. Por isso Notícias Populares teria sido um jornal político, mas que não tratava de temas da política formal. O seu noticiário seria pautado pela fórmula “sexo, crime, esportes”. O recurso ao sensacionalismo se relacionaria a uma “visão liberal oligárquica” do grupo de Levy, incapaz de reconhecer as classes populares como um interlocutor legítimo, bem como uma forma de excluí-las da cena política.

Entretanto, a análise feita, nesta dissertação, mostrou outra postura do grupo de

Levy, em relação às classes populares, que permite matizar a análise de Goldenstein.

Um conjunto de eventos ocorridos nos primeiros anos da década, sustentados por ampla campanha popular – luta pela posse de Goulart (1961), a campanha do plebiscito

(1962), o crescimento eleitoral do PTB (1962), a vitória do presidencialismo (1963) –, evidenciou a necessidade de ampliar a base de apoio aos setores de oposição ao governo. Na visão de Levy, as estratégias do presidente e dos grupos de esquerda só teriam sucesso se fossem respaldadas pela ação dos movimentos populares. Daí o seu empenho em conquistar e subtrair as classes populares urbanas da influência de João

164

Goulart e das esquerdas. A disputa pelo apoio dessas classes apareceu tanto na sua atuação junto aos sindicatos operários quanto na própria iniciativa de fazer um jornal como o Notícias Populares.

A ênfase dada pelo jornal ao noticiário político, que chegou a ocupar metade das matérias redacionais, e o forte empenho em formular um discurso anti- Goulart e anticomunista, revelou como o apoio das classes populares urbanas foi percebido como imprescindível para que as ações contra João Goulart obtivessem sucesso. As classes populares foram reconhecidas como atores políticos estratégicos que precisavam ser conquistados.

Mas esse reconhecimento foi feito sob tensão, já que a ação política das classes populares, consideradas carentes de qualificação cultural, era atribuída à manipulação de João Goulart e dos grupos de esquerda. Daí a ambiguidade em considerar o povo ora como “plebs” ora como “populus”, que apareceu nas representações elaboradas pelo

Notícias Populares. Pois se, de um lado, o grupo de Levy, pautado pela defesa de um liberalismo baseado na ideia da presciência das elites, foi obrigado, pela realidade das mobilizações populares, a reconhecer o povo como sujeito político que precisava ser conquistado, por outro, continuava resistindo em reconhecê-lo como um setor formado por cidadãos políticos dotados de plena autonomia.

Ao mesmo tempo, Notícias Populares construiu um discurso que definia os limites do comportamento político das classes populares. O lugar da cidadania, para essas classes, estaria no trabalho ou em uma ação política limitada aos “valores cristãos e democráticos”, ou seja, desde que fosse contrário ao governo Goulart e às esquerdas; daí o investimento do jornal em conclamar as classes populares à Marcha da Família, em março de 1964.

165

Nesse sentido, Notícias Populares se tornou um instrumento estratégico de luta política, na medida em que coube a ele divulgar as ideias, os valores e as propostas do grupo de Levy às classes populares leitoras do jornal. Por meio de seu discurso, buscou, ainda, difundir elementos de uma cultura política liberal. Dessa forma, procurava convencer seus leitores a apoiar a deposição do governo Goulart como a melhor solução para o país. Entretanto, como dito, a produção do discurso anti-Goulart por Notícias

Populares não significa que tenha impressionado o público ou que sua mensagem tenha sido interpretada da maneira desejada. Para elucidar essa questão, são necessárias pesquisas específicas sobre a recepção da mensagem do jornal pelo seu público.

Com o golpe em 1964, as classes populares foram neutralizadas e as esquerdas reprimidas. Com seu objetivo político concretizado, Herbert Levy perdeu interesse pelo jornal, vendendo-o, no ano seguinte, para o Grupo Folha da Manhã, de Octávio Frias de

Oliveira e Carlos Caldeira Filho, que também comprou o jornal Última Hora, de

Samuel Wainer. Afinal, não havia mais motivos para que os dois jornais se apresentassem em campos políticos opostos. Notícias Populares foi publicado pelo

Grupo Folha de 1965 a 2001. Nesse período, ele ficou conhecido como um jornal predominantemente sensacionalista.

166

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Jornais

Notícias Populares, São Paulo, 1963-1964.

O Estado de São Paulo, São Paulo, 1961-1964.

Última Hora, São Paulo, 1963- 1964.

Publicações Oficiais

Brasil. Câmara dos Deputados. Anais da Câmara dos Deputados. 1961-1964.

Obras Gerais

ABREU, Alzira Alves de. “1964: a imprensa ajudou a derrubar o governo Goulart”. In FERREIRA, Marieta de Moraes. João Goulart: entre a memória e a história. Rio de Janeiro:FGV, 2006

AMARAL, Márcia Franz. Jornalismo Popular. São Paulo: Contexto, 2006.

ANGRIMANI, Danilo. Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo:Summus, 1995.

BARBOSA, Marialva. “Jornalismo popular e o sensacionalismo”. Verso e Reverso. Porto Alegre, v.39, nº39, 2004.

BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o udenismo. Ambigüidades do liberalismo brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

______. O PTB e o trabalhismo. Partido e sindicato em São Paulo (1945-1964). São Paulo: Brasiliense\Cedec, 1989.

BERSTEIN, Serge. “A Cultua Política”. In RIOUX & SIRINELLI(orgs). Para uma histórica cultural. Lisboa: Estampa, 1998

______. “Culturas Políticas e historiografia”. In: AZEVEDO, Cecília et al. Cultura política, memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009.

BOURDIEU, Pierre. “A representação política. Elementos para uma teoria do campo político”. In BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

167

______. “A ilusão biográfica”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaina. (org.). Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

CAMPOS JR, Celso de; Moreira, Denis; Lepiani, Giancarlo; Lima, Maik Rene. Nada Mais que a verdade. A extraordinária história do jornal Notícias Populares. São Paulo: Carrenho Editorial, 2002.

CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e história do Brasil. São Paulo: Contexto/EDUSP, 1988.

______. “Populismo na Imprensa: Última Hora e Notícias Populares”. In MELO, José Marques de (org.). Populismo e Comunicação. São Paulo: Cortez Editora, 1996.

CARVALHO, Aloysio Castelo de. A Rede da Democracia: O Globo, O Jornal e o Jornal do Brasil na queda do governo Goulart (1961-1964). Niterói: Editora UFF, Editora NitPress, 2010.

CHARTIER, Roger. “Cultura política e cultura popular no Antigo Regime”. A história Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil\Difel, 1990.

D‟ ARAÚJO, Maria Celina Soares. “Partidos Trabalhistas no Brasil: Reflexões atuais”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v3, nº6, 1990.

______. Sindicatos, carisma e poder: o PTB de 1945-65. Rio de Janeiro: FGV, 1996.

______. “Estado, classe trabalhadora e políticas sociais.” In FERREIRA, Jorge; DELAGADO, Lucilia de Almeida. O Brasil Republicano. O tempo do nacional – estatismo. Do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O comando Geral dos trabalhadores no Brasil:1961-1964. Petrópolis: Vozes, 1986.

______. PTB. Do getulismo ao reformismo (1945-1964). São Paulo: Marco Zero, 1986.

______. “Partidos Políticos e frentes parlamentares: projetos, desafios e conflitos na democracia”. In FERREIRA, Jorge; DELAGADO, Lucilia de Almeida. O Brasil Republicano. O tempo da experiênica democrática. Da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

______. “O governo João Goulart e o golpe de 1964: memória, história e historiografia”. In: Revista Tempo, vol. 14, n.28, junho 2010.

DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

DULCI, Otávio Soares. A UDN e o antipopulismo no Brasil. Belo Horizonte: UFMG\PROED, 1986.

168

DUTRA, Eloy. IBAD. Sigla da Corrupção. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963.

FERREIRA, JORGE. “O nome e a coisa: o populismo na política brasileira”. In FERREIRA, Jorge. O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

______. “O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964”. In FERREIRA, Jorge; DELAGADO, Lucilia de Almeida. O Brasil Republicano. O tempo da experiênica democrática. Da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

______. “A estratégia do confronto: a Frente de Mobilização Popular”. Revista Brasileira de História. São Paulo:Anpuh, vol.24, n.47, jan – jun, 2004, p.181-212.

______. O imaginário Trabalhista. Getulismo, PTB e Cultura política popular 1945- 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

______. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011a.

______. “Carlos Lacerda governador da Guanabara: a crítica das esquerdas (1963- 1964)”. In FERREIRA, Jorge. Rio de Janeiro nos jornais. Ideologias, culturas políticas e conflitos sociais (1946-1964). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2011b.

FERREIRA, Marieta de Moraes. “Julio de Mesquita Filho”. In ABREU, Alzira Alves de et al.(org). Dicionário histórico biográfico brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2001

FICO, Carlos. Além do golpe. Versões e Controvérsias sobre 1964 e a ditadura. Rio de Janeiro:Record, 2004.

FIGUEIREDO, Argelina. Democracia ou reformas? Alternativas democráticas à crise política:1961-1964. São Paulo: Paz e Terra, 1993.

GOLDENSTEIN, Gisela Taschner. Do jornalismo político á indústria cultural. São Paulo:Summus,1987.

GOMES, Angela de Castro. “Memórias em disputa: Jango, ministro do trabalho ou dos trabalhadores?” In Ferreira, Marieta de Moraes. João Goulart: entre a memória e a história. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

GOMES, Angela de Castro. “Nas gavetas da história do Brasil: ensino de história e imprensa nos anos 1930”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes. Memória e identidade nacional. Rio de Janeiro: FGV, 2010.

GOMOZIAS, Nashla Aline. O comício da Central: trabalhismo e luta política através da imprensa no Brasil (1961-1964). Rio de Janeiro, 2010. Dissertação (Mestrado em

169

História). Centro de Ciências Sociais\Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

GRYNSPAN, Mario. “O período Jango e a questão agrária: luta política e afirmação de novos atores”. In FERREIRA, Marieta de Moraes. João Goulart: entre a memória e a história. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

HIPÓLITO, Lucia. De raposas e reformistas. O PSD e a experiência democrática brasileira, 1945-1964. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

LACHINI, Claudio. Um revolucionário perplexo: biografia de Herbert Victor Levy, jornalista, banqueiro, político e empreendedor. Belo Horizonte: Fórum de líderes Empresariais, 2002.

LAVAREDA, José Antonio. A democracia nas urnas: o processo partidário eleitoral brasileiro. Rio de Janeiro: fundo\Iuperj, 1991.

LEVY, Herbert. Liberdade e Justiça Social. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

______. Viver é lutar. São Paulo: Saraiva, 1990.

LUCA, Tânia Regina de. “História dos, nos e por meio dos periódicos”. In PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes históricas. São Paulo:Contexto,2008.

MACEDO, Michelle Reis. “Em nome da democracia: direitas, esquerdas e a “guerra de Minas” na imprensa carioca (fevereiro de 1964)”. In FERREIRA, Jorge. Rio de Janeiro nos jornais. Ideologias, culturas políticas e conflitos sociais (1946-1964). Rio de Janeiro, 7 Letras, 2011.

MATTOS, Marcelo Badaró. O sindicalismo brasileiro após 1930. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2003.

______. “O governo João Goulart: novos rumos da produção historiográfica”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v.28, n. 55, 2008, p. 245-263.

MARIANI, Bethania. O PCB e a imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais (1922-1989). Rio de Janeiro: Revan; Campinas, SP, Unicamp, 1998.

MELO, Demian Bezerra. O plebiscito de 1963: inflexão de forças na crise orgânica dos anos sessenta. Rio de Janeiro, 2009. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense.

MENDES, Ricardo Antonio Souza. Visões das direitas no Brasil (1961-1965). Rio de Janeiro, 2003. Tese (Doutorado em História). Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense.

MOTA, André; SANTOS, Marco Cabral. São Paulo 1932: Memória, Mito e Identidade. São Paulo: Alameda, 2010.

170

MOTTA, Marly Silva da. A estratégia da ameaça: as relações entre o governo federal e a Guanabara durante o governo Caros Lacerda (1960-1965). Rio de Janeiro: Textos CPDOC, n.25, 1997.

MOTTA, Marly Silva da. Rio de Janeiro: de cidade-capital a Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: FGV, 2001.

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917- 1964). São Paulo: Perspectiva: FAPESP,2002.

______. Jango e o golpe de 1964 na caricatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006.

______. “Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política pela historiografia”. In: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Culturas Políticas na História: Novos Estudos. Belo Horizonte: Argumentum, 2009.

NASCIMENTO, Márcio Santos. A participação do Jornal do Brasil no processo de desestabilização e deposição do presidente João Goulart. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

NEGRO, Antonio Luigi; SILVA, Fernando Teixeira da. “Trabalhadores, sindicatos e política (1945-1964)”. In FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano. O tempo da experiência democrática. Da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

NEGRO, Antonio Luigi. Linhas de montagem. O industrialismo nacional- desenvolvimentista e a sindicalização dos trabalhadores (1945-1978). São Paulo: Boitempo, 2004.

NORA, Pierre. “Entre memória e história: a problemática dos lugares”. In: Projeto História. São Paulo, PUC, n10, dez.1993, p.07-28.

PROENÇA, José Luis. O jornalismo envergonhado: a idealização do leitor no jornal Notícias Populares. São Paulo, 1992. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação). Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo.

REIS FILHO, Daniel Aarão. “O colapso do colapso do populismo ou a propósito de uma herança maldita”. In: FERREIRA, Jorge (org). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

______. “Ditadura e sociedade: as reconstruções da memória. In: REIS, Daniel; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru, SP: Edusc, 2004

______. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de janeiro: Zahar,2005.

171

RÉMOND, René. “Do Político”. In RÉMOND, René (Org). Por uma história Política. 2.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003.

______. “Uma história presente”. In RÉMOND, René (Org). Por uma história Política. 2.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003.

SANTANA, Marco Aurélio. “Bravos companheiros: a aliança comunista - trabalhista no sindicalismo brasileiro (1945-1964)”. In: FERREIRA, Jorge; REIS FILHO, Daniel Aarão. Nacionalismo e reformismo radical (1945-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

SANTOS, Ana Maria dos. “Desenvolvimento, trabalho e reforma agrária no Brasil: 1950-1964”. Tempo, n. 7. Niterói: UFF, julho 1999, p. 29- 42.

SANTOS, Wanderley Guilherme. Sessenta e quatro: anatomia da crise. Rio de Janeiro: Vértice,1986

SARLO, Beatriz. Tempo Passado. Cultura do passado e guinada subjetiva. São Paulo: Cia. das Letras. Belo Horizonte: ed. UFMG; 2007.

SILVA, Fernando Teixeira; NEGRO, Antonio Luigi. “Trabalhadores, sindicato e política (1945-1964)”. In FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeira Neves. O Brasil Republicano. O tempo da experiência democrática. Da democratização de 1945 ao golpe civil- militar de 1964. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

SILVA, Hélio. 1964: Golpe ou contragolpe? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.

SIQUEIRA, Carla Vieira de. “Sexo, Crime e Sindicato”: Sensacionalismo e populismo nos jornais Última Hora, O Dia e Luta Democrática durante o segundo governo Vargas (1951-1954). Rio de Janeiro, 2002. Tese (Doutorado em História). Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

SIRINELLI, Jean- François. “Elogio da complexidade”. In RIOUX & SIRINELLI(orgs). Para uma histórica cultural. Lisboa: Estampa, 1998.

SOUSA, Luís Otávio de. “Levy, Herbert”. In: ABREU, Alzira Alves de et al.(org). Dicionário histórico biográfico brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2001.

WEINSTEIN, Barbara. (Re)formação da classe trabalhadora no Brasil (1920-1964). São Paulo: Cortez\ CDAPH-IFAN – Universidade São Francisco, 2000.

WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

172

ANEXO :- Imagens digitalizadas do jornal Notícias Populares.

Imagem 1: Notícias Populares, 16 de janeiro de 1963, p.1.

Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo. Na primeira página, Notícias Populares, em meio ao sorriso de Brigite Bardot e aos golpes de “peixeira”, destacava o “caos social” provocado greves e o apelo público de Bilac Pinto à mobilização popular contra o comunismo.

173

Imagem 2: Notícias Populares, 19 de março de 1964, p1.

Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo. A ideia do apoio popular à Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi destaque da edição do dia 19 de março de 1964.

174

Imagem 3: Notícias Populares, 19 de março de 1963, p.4.

Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo. Notícias Populares convocou os leitores à Marcha da Família como meio de defesa da democracia brasileira supostamente ameaçada pelo presidente João Goulart.

175

Imagem 4: Notícias Populares, 20 de março de 1964, p.6.

Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo. A ideia de São Paulo como baluarte da democracia e de um novo “1932” foi um dos principais elementos da cultura política liberal difundida pelo jornal. Notícias Populares veiculava, ainda, a atuação política de Herbet Levy, seu proprietário, expoente da UDN e ex-combatente da “Revolução Constitucionalista”.

176

Imagem 5: Notícias Populares, 20 de março de 1964, p.12.

Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo. A Marcha da Família e a ideia de São Paulo como baluarte da democracia ocupou até a última página do jornal, substituindo as notícias policiais e esportivas.

177

Imagem 6: Notícias Populares, 1 de abril de 1964, p.1.

Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo. O apoio ao golpe e a ideia de união nacional contra o governo Goulart e o perigo comunista foi a tônica da edição do dia 1 de abril de 1964.

178

Imagem 7: Notícias Populares, 2 de abril de 1964, p.1.

Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo. João Goulart e Leonel Brizola foram deslegitimados enquanto líderes populares. Houve ainda o empenho em apontar o golpe como solução para livrar o Brasil da presença comunista.

179

180