OS SARGENTOS DA BRIGADA MILITAR: PERCEPÇÕES SOBRE OS ACONTECIMENTOS DA CAMPANHA DA LEGALIDADE

Elheovandro José dos Santos1

RESUMO: No ano de 1961 o Brasil passou por uma das maiores crises políticas da sua história. Esta crise foi deflagrada com a renúncia do então Presidente da República Jânio Quadros, no dia 25 de Agosto de 1961, sob alegação de que “forças terríveis” levantaram-se contra ele. O Governador do , Leonel de Moura Brizola, posicionou-se contra a tentativa dos Ministros Militares de tomarem o poder. Essa resistência ficou conhecida como “Campanha da Legalidade”. A maior força bélica que o governo estadual pode contar foi a Brigada Militar. Esta comunicação traz através da análise de relatos de Sargentos da Brigada Militar, contemporâneos a Campanha da Legalidade, como eles percebem, na atualidade, a Campanha da Legalidade e seu contexto histórico. Dentre os resultados obtidos, destacam- se: como foi a participação dos Sargentos da Brigada Militar, no referido evento histórico, como esses militares veem Leonel de Moura Brizola e como eles perceberam a renúncia de Jânio Quadros e o posicionamento da cúpula militar.

A campanha da Legalidade

No ano de 1961 o Brasil passou por uma das maiores crises políticas da sua história. Esta crise mobilizou tanto a sociedade civil como a militar, e foi deflagrada com a renúncia do então Presidente da República Jânio Quadros, no dia 25 de Agosto de 1961, sob alegação de que forças terríveis levantaram-se contra ele. Nessa data o então Presidente da República, Jânio Quadros, renuncia a presidência, informando que toma tal atitude por que, forças terríveis teriam se levantado contra ele. O Congresso Nacional aceitou prontamente a renúncia de Jânio. Alguns autores afirmam que dentre essas forças terríveis que estariam contra o presidente estavam os norte-americanos, que estavam descontentes com a política externa brasileira, entre eles podemos citar Flávio Tavares, já outros como Geneton Moraes Neto asseguram que Jânio teria renunciado, pois acreditava que o povo o traria de volta ao poder

1 Licenciado em História pelo Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. Email: [email protected] carregado nos braços e que com isso ele voltaria ainda mais forte do que quando assumiu a presidência. Essa inesperada renúncia culminou com a instauração de uma nova crise política no país. Segundo a Constituição o vice-presidente deveria assumir imediatamente a presidência, porém, João Goulart estava em viajem à . Entretanto, Lacerda e os militares aliados pressionaram o Congresso Nacional a não dar posse a Jango que tinha fama de esquerdista. Fama esta que ele ganhou quando era Ministro do Trabalho no governo de Getúlio Vargas, durante seu ministério o salário mínimo foi aumentado em 100% e foi promovida a reforma agrária, atitudes consideradas comunistas, pelos setores conservadores na época. A cúpula militar aproveitou-se da ausência do vice-presidente para vetar a sua ascensão à presidência, que foi assumida pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili do PSD. Os ministros militares com esta manobra objetivavam a tomada do poder. O então Governador do Rio Grande do Sul, , ainda no dia 25 divulgou um manifesto em que apoiava a ascensão de Goulart ao posto de Presidente da República. A defesa da manutenção do regime democrático, por parte de Brizola, teve grande repercussão tanto nos meios civis quanto nos militares. Acerca disso, Ferreira nos relata que,

Ao final da tarde do mesmo dia, as primeiras manifestações de rua surgiram em Porto Alegre. Com o apoio de alguns coronéis e generais alocados em postos-chaves no estado do Rio Grande do Sul, e mais o protesto popular, o governador deu início ao movimento que ficou conhecido como Campanha da Legalidade (apud Ferreira & Neves, 2011, p. 327).

Leonel Brizola entrincheirou-se no Palácio Piratini, local que foi tomado por apoiadores da causa legalista. A população acumulava-se em frente ao Palácio e clamava pela manutenção da democracia. No meio militar o primeiro a prestar apoio à Brizola, foi o Marechal , que divulgou um manifesto no dia 26 defendendo à causa legalista, após a divulgação deste manifesto iniciaram as primeiras manifestações militares de apoio à legalidade. Sobre este manifesto Konrad nos diz que,

Em 26 de agosto, com a disposição de Odílio Denys de não permitir a posse de Jango, o Marechal Lott lançou seu “Manifesto à Nação”. No contundente documento, Lott conclamou “às forças vivas do país, as forças da produção e do pensamento, aos estudantes e intelectuais, aos operários e ao povo em geral para tomar posição decisiva e

enérgica”, em defesa da “Constituição e preservação integral do regime democrático brasileiro”. Além disso, apelou aos “nobres camaradas das forças armadas” para “portar- se à altura das tradições legalistas que marcam a sua história, nos destinos da Pátria” (Konrad, 2012, p. 249).

Em uma manobra rápida e inteligente Brizola tomou posse dos equipamentos da Rádio Guaíba, uma das poucas que não havia sido fechada pelos militares. Brizola determinou que os estúdios da rádio fossem transferidos para o Palácio Piratini e seus transmissores para a Ilha da Pintada, conforme Ferreira, “A Guaíba, ainda em funcionamento, teve seus estúdios transferidos para o Palácio Piratini e seus transmissores, na Ilha da Pintada, passaram a ser vigiados por 200 homens da Brigada Militar.” (apud Ferreira & Neves, 2003, p. 327) Com a instalação da Rádio Guaíba no Palácio Piratini Brizola criou a Rede da Legalidade, conforme Ferreira,

Criou-se, desse modo, a Cadeia Radiofônica da Legalidade, centralizando as transmissões de cerca de 150 outras rádios do estado, no resto do país e no exterior, atuando por ondas curtas. A cadeia da Legalidade foi de fundamental importância para o movimento. Ao difundir mensagens de diversas entidades políticas e grupos sociais na defesa da ordem democrática, a sociedade brasileira encontrou canais de informações que rompiam o cerco à censura. Transmitindo também em inglês, espanhol e alemão para o exterior, angariou a simpatia da opinião pública internacional. Nos microfones, Leonel Brizola desacatava os ministros militares, desmoralizando-os publicamente (apud Ferreira & Neves, 2011, p. 328).

Essa cadeia foi de suma importância para que a Campanha da Legalidade tivesse êxito, pois foi através dela que Brizola conseguiu difundir suas mensagens de apoio à manutenção da democracia. Contudo o poder bélico da Campanha da Legalidade ainda era pequeno e restringia-se a Brigada Militar do Rio Grande do Sul e as Forças Públicas. A tensão só aumentava, até que veio à ordem do Ministro do Exército para que os aviões da 5ª Zona Aérea bombardeassem o Palácio Piratini, algo que só não ocorreu por que os sargentos da referida organização militar, situada em Canoas, colocaram-se contra a ordem e deram-se as mãos, impedindo que os aviões decolassem. Conforme Ferreira: “Os Sargentos, insubordinados, deram-se as mãos em volta dos jatos para impedir a entrada dos pilotos. Mais decididos, esvaziaram os pneus e desarmaram os aviões” (apud Ferreira & Neves, 2011, pg.331).

O Comandante do III Exército, Machado Lopes, para surpresa de todos, após conferência com o Governador Leonel Brizola, mudou de lado e passou a apoiar à causa legalista. Conforme Ferreira,

Com a adesão do general à causa da legalidade, à organização de resistência civil somou- se a militar. Constituiu-se o Comando Unificado das Forças Armadas do Sul, compreendendo o III Exército, a V Zona Aérea, a Brigada Militar e as Forças Públicas, todas sob o comando de Lopes. Além de possuir a mais poderosa artilharia e o mais completo parque de manutenção do país, o III Exército contava com importantes regimentos de infantaria, unidades blindadas e 40.000 homens. Somando aos 13.000 da Brigada Militar, armados e entusiasmados, Machado Lopes contava com um poder de resistência que não poderia ser subestimado pelos ministros militares (Ferreira, 2011, pg.330).

Alguns autores chegam a romantizar o momento da chegada do General Machado Lopes ao palácio, sobre isso Tavares nos diz que,

Algumas versões (vertidas até em livros) fantasiaram que a multidão cantou o Hino Nacional quando os generais desceram do carro, levando-os a perfilar-se e também cantar. Ainda que romanticamente bela trata-se de uma invenção absurda e tola. (Tavares, 2011, p. 86).

Os autores Paulo Markun e Duda Hamilton em seu livro 1961 Que as armas não falem, descrevem de forma romantizada como teria sido essa chegada dos generais ao Palácio, demonstrando logo após que tudo não passou de uma criação:

Perto do meio-dia, o general Machado Lopes chegou ao palácio. [...] a massa começa a deslocar-se na direção dos militares, Quando o Hino Nacional “brotando da garganta de milhares de pessoas, petrificou os oficiais. Eles pararam e cantaram com o povo. Machado Lopes estava emocionado e trêmulo. O III Exército estava aderindo à Legalidade”. As imagens feitas por um cinegrafista da TV Tupi, no entanto, mostram o comandante do III Exército descendo calmamente de seu carro oficial, um Chevrolet Bel Air preto com bandeira do III Exército fincada sobre o paralama direito, entrando Piratini adentro, sem qualquer problema (alguns populares o aplaudiram ao passar), (Hamilton; Markun, 2001, p. 201-2).

Após aderir à legalidade Machado Lopes passou a comandar além de suas tropas a 5ª Zona Aérea, as Forças Públicas e a Brigada Militar, que desde o início da crise foi de grande importância à manutenção da ordem em todo o estado, o poderio bélico da Campanha da

Legalidade cresceu. Essa adesão também trouxe outros apoiadores à causa legalista. Conforme Ferreira,

A rebelião militar alastrou-se pelo país. Inúmeros oficiais, em outros estados, acompanharam Machado Lopes em sua difícil decisão. Alguns declararam obediência à Constituição, outros embarcavam para Porto Alegre e se apresentavam ao General (apud Ferreira & Neves, 2011, pg.331).

Mesmo com o apoio militar de Machado Lopes e muitos outros militares, Brizola só encontrou apoio no Governador de Goiás, conforme Ferreira: “Embora os clamores do Governador do Rio Grande do Sul pela posse de Goulart tiveram encontrado ressonância em todo o país, somente o Governador de Goiás, Mauro Borges, acompanhou Brizola na resistência frontal aos ministros militares” (apud Ferreira & Neves, 2011, pg.331). Assim como no Palácio Piratini em Porto Alegre em frente ao Palácio das Esmeraldas houve aglomeração de pessoas e formação de barricadas, isso fica claro na passagem de Ferreira,

Como Porto Alegre, Goiânia, naqueles dias, tornou-se uma cidade rebelada. O Palácio das Esmeraldas foi cercado por barricadas e ninhos de metralhadoras, fortemente resguardado pela Polícia Militar. Por iniciativa do Governador instituiu-se o “Exército da Legalidade”, composto por estudantes e populares que, armados e uniformizados, patrulhavam a cidade (apud Ferreira & Neves, 2011, p. 333).

A grande maioria dos governadores mantiveram-se sem maiores manifestações, por outro lado, o Governador da , deu total apoio a tentativa de golpe, abrindo forte onda de repressão e censura na Guanabara. Konrad (2011, p. 250). As pressões por parte dos legalistas deram resultados, os ministros militares viram-se obrigados a recuar. Aceitaram à posse de João Goulart, contudo Goulart assumiu a presidência sem ter plenos poderes, pois no dia 2 de Setembro a Câmara de Deputados aprovou uma emenda parlamentarista que embora tenha servido para a manutenção do regime democrático tirou do presidente parte de seus poderes. Brizola foi o líder dessa ação contra o golpe que os Ministros Militares tentaram impor ao nosso país, golpe este que teria amputado a democracia no ano 1961. A Brigada Militar teve importante atuação nessa resistência, guarneceu os transmissores da Rádio Guaíba que foram instalados na Ilha da Pintada, mantiveram a ordem da população no estado, e defendeu o Palácio Piratini. Muito importante nessa atuação da Brigada Militar foi a participação dos sargentos. Sendo assim, a partir daqui trataremos da ação da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, durante aqueles dias em que o país estava imerso em uma de suas maiores crises políticas. Através de relatos de sargentos contemporâneos àqueles acontecimentos, iremos descrever como eles veem na atualidade a participação desse grupamento de praças, e como percebem nos dias atuais, o contexto histórico que cercou a Campanha da Legalidade.

As percepções dos sargentos acerca da campanha da Legalidade

A cidade de Santa Maria sempre foi considerada lugar de suma importância para as forças armadas. Dessa forma, por um longo período, teve o maior contingente de militares do Brasil. Além das unidades do Exército, tem um dos mais importantes quartéis da Brigada Militar, o 1º RPMon. Todos os militares entrevistados, em algum período de sua carreira militar, fizeram parte do quadro de praças dessa corporação. Mais do que apenas descrever aquilo que esses militares têm a dizer, buscamos analisar os seus relatos para compreendermos como eles percebem, nos dias atuais, sua participação enquanto sargentos da Brigada Militar na Campanha da Legalidade. Além disso, pretendíamos entender como eles veem o contexto histórico de uma das maiores crises políticas do país. Através de seus relatos, podemos fazer algumas considerações. A primeira delas diz respeito à como esses militares percebem sua participação na Campanha da Legalidade. Cada um deles confere diferente nível de importância para a sua ação como militar naqueles dias. O Entrevistado Um, homem que nos dias atuais, demonstra ter afeição às ideias esquerdistas, considera ter desempenhado papel relevante na defesa da Constituição. Afirma isso baseado no fato de que, naquele conturbado ano de 1961, ele ser um dos seguranças de Brizola. Segundo ele, a responsabilidade da construção de um dos trechos das barricadas, que foram erguidas às pressas em torno do Palácio Piratini, foi dele, pois era ele o comandante daquela ação. Entretanto, não é a esse comando que ele delega maior relevância a suas ações e sim, ao fato dele ter ido até as bananeiras buscar mulheres com crianças para serem postas na frente do Palácio, com a finalidade de inibir um possível bombardeio deflagrado pelos militares. Ele ainda expõe que foi justamente por conta das mulheres estarem postadas em frente ao Palácio que o bombardeio que estaria destinado a destruir o Palácio foi feito em direção ao Rio Guaíba. Contudo, tanto a suposta ida dessas mulheres até o Palácio, quanto o bombardeio que teria sido realizado pelos militares, são desconhecidos pela historiografia. Mesmo que a narrativa desses fatos não seja conhecida, não se pode negar a ligação do entrevistado com Brizola. É justamente essa ligação que justifica a visão que ele tem de Brizola. A convivência entre os dois o fez criar grande admiração por aquele de quem ele era segurança. Quando fala de Brizola, traz em suas palavras certa idolatria àquele homem que, para ele, era exemplo de honestidade e honradez, era mais que um bom político, mais que um caudilho. Para ele, Brizola era o último caudilho do século XX. Isso por que o líder político seria um amante de tudo aquilo que é do sul, porque ele preservaria tudo que um gaúcho “de verdade” tem que preservar, os usos e costumes do gaúcho. Brizola teria sido alguém de reputação inabalável. Tanta veneração só pode ser justificada por uma intensa convivência entre os dois, que fez o Entrevistado Um criar, mais do que uma amizade por Brizola, uma grande admiração per ele. A renúncia de Jânio Quadros pra esse entrevistado não causou apenas surpresa, causou certo receio do que poderia acontecer, receio esse que deu lugar ao ímpeto de lutar contra os militares que queriam assumir o poder no país. Pois se assim não fosse, ele não teria trabalhado com tanta doação, tal como conta na construção das barricas, que foram erguidas próximo ao Palácio. A sua intensa ação, em acatar as ordens recebidas durante a Campanha da Legalidade, deixam claro o seu posicionamento quanto à posse de Jango. Ele era totalmente favorável, não tanto por Jango, mas sim por ser contra os militares. Era tão contra os militares que chega, provavelmente, a fantasiar bombardeios que teriam ocorrido. Para ele só não houve enfrentamento bélico, porque “o Brizola venceu”, ou seja, ele desconsidera o fato de Jango ter aceitado assumir em um Regime Parlamentarista, para evitar derramamento de sangue. A Campanha da Legalidade, para ele, foi a salvação do Brasil. Salvação da qual ele fez parte, sendo agente de muita importância. Pensando dessa forma, a visão do que a Ditadura Militar representou para o país só poderia ser uma, a de atraso e decadência. Período de atraso, cuja responsabilidade é de generais que venderam o Brasil para os norte-americanos, que sempre cobiçaram o Brasil por suas riquezas naturais. Esta é a visão do primeiro entrevistado: Brizola, um homem a ser copiado; a Campanha da Legalidade, a salvação do país; a Ditadura, puro retrocesso; e sua participação durante a crise política, de suma importância. O Entrevistado Dois aparenta ser um homem que se preocupa estar sempre dento da lei, respeitar as ordens que lhe são dadas, desde que essas estejam assistidas pela lei. Por isso, embora atribua alguma importância àquilo que fez durante aqueles dias, deixa claro, que estava apenas cumprindo o que lhe era mandado. Mas, sem negar que ficou em um dos pontos mais importantes para uma unidade militar, a sala das armas, que era responsabilidade sua. Esse posicionamento, de estar sempre do lado daquilo que é correto, é o que o norteia a se posicionar pela posse de Jango e contra os ministros militares, uma vez que a posse do vice-presidente era prevista pela Constituição. Quando fala de Brizola, o coloca como um paradigma de honestidade, e podemos dizer que ele não o faria diferente, uma vez que foi Brizola que lutou pela Constituição, carta magna que para o entrevistado jamais pode ser desacatada. A resposta dada pelo entrevistado quando questionado sobre a renúncia de Jânio Quadros, foi que faltou heroísmo ao presidente, pois, para ele, um homem jamais deve deixar suas obrigações legais. Resposta que está alinhada com a ideia de sempre respeitar aquilo que a lei prevê. Para ele, foi exatamente isso, o descumprimento da lei por parte dos militares que poderia ter conduzido a um enfrentamento bélico, uma vez que, segundo ele, as tropas estavam prontas para o combate. Quando fala sobre o que foi a Campanha da Legalidade, coloca como algo muito justo para o povo e para o país, porque o que os militares estavam fazendo era contra a lei. Contudo, esse discurso politicamente correto se desfaz quando ele fala do que foi a Ditadura Militar. Isso porque, ele defende esse regime baseado no que ele classifica como um regime puro, sem roubos, sem desvios de dinheiro, em que nenhum general ficou rico. Ao defender esse período, ele se contradiz, pois esquece que a ditadura derrubou Jango em 1964, como queria ter feito em 1961. O golpe militar também foi um ato contra a Constituição, conjunto de leis que ele tanto defendeu em suas respostas anteriores. Então, como podemos observar, os relatos desse entrevistado são marcados por certa contradição. O Entrevistado Três, diferente dos anteriores, minimiza sua participação na Campanha da Legalidade. Afirma que foi mandado, com um grupamento de soldados, para defender o aeroporto de Rosário do Sul de possíveis badernas. Embora ele reduza sua importância, ela deve ter existido, uma vez que, se ele foi para o aeroporto com soldados, como sargento devia estar em uma posição de comando. Embora esse entrevistado não se veja com tanta importância quanto os outros na Campanha da Legalidade, a sua visão sobre Brizola não difere dos anteriores. Para ele, Brizola foi exemplo de honestidade, um caudilho porque depois de Brizola não apareceu nenhum político que arrastasse multidões como ele fazia. Quando fala da renúncia de Jânio, procura não se alongar, apenas classifica como algo surpreendente, por ter sido sem programação prévia. Assim foi sua resposta, ao falar da posição dos militares de vetarem a posse de Jango. Apenas disse que a Brigada estava à favor de Brizola, porque era Brizola que mandava na Brigada. Dessa forma, ele conseguiu se eximir de se posicionar à favor ou contra os militares. No entanto, quando lhe é questionado se ele considerava que Jango deveria assumir a presidência, na verdade outra reformulação para a mesma pergunta, ele não conseguiu deixar de se posicionar, pois defende que os militares poderiam ter assumido o poder em 1961. Faz isso tendo como base os investimentos que os militares teriam feito durante o regime militar, em obras de infraestrutura. Por fim, ao falar do que foi a Campanha da Legalidade, novamente não toma uma posição. Isso porque, para ele a resistência foi apenas uma luta de Brizola contra uma possível ditadura. Esta falta de posicionamento está alinhada a uma nova defesa que ele faz da Ditadura Militar, mais uma vez justificada pelas grandes obras que os militares teriam empreendido em seu governo. Podemos inferir que, este militar, muitas vezes busca não se posicionar diante de alguns questionamentos porque é simpático ao regime ditatorial. Dessa forma, ele prefere a neutralidade em relação à Campanha da Legalidade do que se opor a ela, mesmo que depois defenda a Ditadura Militar. O Entrevistado Quatro, ao responder os questionamentos, busca não falar sobre qual foi a sua participação na Campanha da Legalidade. Uma vez que, para ele, a resistência à tentativa de golpe dos militares não passou de um ato político de Brizola. Homem que, segundo o entrevistado, foi apenas um bom governador, nada mais do que isso. Todavia, nos chama a atenção que o este entrevistado tinha grande prestígio entro da Brigada Militar de Santa Maria. O prestígio era tamanho que ele foi designado para ser o comandante da Fazenda Philipson no distrito de Itaara. Local que, segundo ele, não teve a sua tranquilidade abalada durante os dias de crise, mas que, provavelmente, não tenha sido bem assim , pois ele relata a passagens de tropas por lá.

O entrevistado considera que a renúncia de Jânio caracterizou um ato de covardia. E o que se sucedeu depois foi uma vontade pessoal de Brizola, um ato político visando beneficio próprio, quase como um capricho, algo que não tinha como motivo um ideal e sim um elo familiar com Jango. Então, podemos considerar, que, para ele, a Campanha da Legalidade foi algo sem importância. Porém ele mesmo fala de certa mobilização de tropas, quando afirma não saber a favor de quem estava. Isso nos traz dois questionamentos: se o evento histórico não tinha relevância por que tanta movimentação militar? E ele, como comandante de um destacamento, realmente não saberia qual o posicionamento dessas tropas? Nós mesmos podemos responder essas questões. Primeiro ele busca tirar a importância da Campanha da Legalidade, justamente para não se posicionar, e ,segundo, ele deveria ter sim informação do posicionamento da Brigada Militar, uma vez que as notícias se não chegassem por correspondência oficial, poderiam ser ouvidas pelo rádio.

Essa busca do entrevistado, em se omitir quanto a Campanha da Legalidade, tem seus motivos revelados no final da entrevista, quando ele se posiciona à favor do Regime Militar. Para ele, esse período foi bom, trouxe avanços para o país, porque uma mudança de regime era necessária para que o Brasil entrasse nos eixos. E, quanto aqueles que tiveram sua vida modificada por conta dessa “mudança necessária”, como ele mesmo diz, isso é outra história. Podemos ver que, cada entrevistado a seu modo respondeu os questionamentos, uns falando mais abertamente, outros nem tanto. Mas, mais do que se posicionar a favor ou contra a Campanha da Legalidade, do que idolatrar ou não Brizola, de ser simpático à ditadura ou vê-la como um grande retrocesso para o país, podemos observar, que em alguns pontos, suas percepções guardam alguma semelhança e em outros se afastam muito. Isso ocorre porque essas percepções atuais são pautadas pela inclinação política que cada um tem. Mais do que isso, o que ocorre é um processo de interferência recíproca entre a percepção dos fatos ocorridos em 1961 e a posição política que cada um adota. Pois, enquanto esse posicionamento afeta a forma como esses militares veem, nos dias atuais, aqueles acontecimentos, esse posicionamento foi construído sobre forte influência das percepções que cada um guardou da Campanha da Legalidade.

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