UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE DEPARTAMENTO DE ECONOMIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

Fecundidade, Identificação Racial e Desigualdade

Michael Tulio Ramos de França

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Amaral Haddad

São Paulo 2020

Prof. Dr. Vahan Agopyan Reitor da Universidade de São Paulo

Prof. Dr. Fábio Frezatti Diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade

Prof. Dr. José Carlos de Souza Santos Chefe do Departamento de Economia

Prof. Dr. Ariaster Baumgratz Chimeli Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Michael Tulio Ramos de França

Fecundidade, Identificação Racial e Desigualdade

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Economia do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciências.

Área de Concentração: Teoria Econômica

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Amaral Haddad

Versão original São Paulo 2020

Catalogação na Publicação (CIP) Ficha Catalográfica com dados inseridos pelo autor

Ramos de França, Michael Tulio. Fecundidade, Identificação Racial e Desigualdade / Michael Tulio Ramos de França. - São Paulo, 2020. 129p.

Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, 2020. Orientador: Eduardo Amaral Haddad.

1. Clima. 2. Televisão. 3. Fecundidade. 4. Identificação racial. 5. Desigualdade. I. Universidade de São Paulo. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade. II. Título.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao CNPq pela bolsa 140931/2016-3 e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior 2018/06782-4 e pela Bolsa de doutorado 2017/19403-9. Esta última foi vinculada ao processo 2014/50848-9 do INCT para Mudanças Climáticas. As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a visão da FAPESP e do CNPq.

Na atual conjuntura de cortes de verbas para pesquisa é importante acrescentar que, desde a graduação, as bolsas e a universidade pública foram determinantes para o meu desenvolvimento como pesquisador, decisivas na minha trajetória e, por isso, ao menos neste aspecto, tenho um profundo sentimento de gratidão com a sociedade brasileira. Apesar de todo esforço despendido nessa jornada, se eu não tivesse esta fonte de renda, certamente não teria conseguido avançar na carreira acadêmica. Nesse sentido, no que diz respeito à mobilidade social, é sempre relevante lembrar que o esforço é apenas uma das variáveis da equação e que o caminho percorrido pelos estudantes oriundos de famílias de baixa renda tende a ser significativamente mais complexo e incerto. Desta forma, cabe aqui reforçar que as bolsas de estudos são instrumentos fundamentais para tentar democratizar e diversificar a endogâmica pós-graduação brasileira. Por sua vez, a inclusão no ambiente da pós-graduação daqueles que vivenciaram de perto os diversos desafios sociais tem o potencial de ajudar a fornecer novas perspectivas para o debate científico e, particularmente, para questões ligadas à discriminação, à desigualdade e ao desenvolvimento socioeconômico.

No que se refere à infraestrutura, agradeço ao NEREUS por tudo que foi oferecido. Especialmente, agradeço pelo servidor que foi fundamental para a tabulação e à análise das bases de dados. Também devo apontar o relevante papel que o Hospital e Restaurante Universitário teve durante todo o período do mestrado e do doutorado.

Agradeço também a todas as pessoas que tive a oportunidade de interagir tanto diretamente, quanto indiretamente. Em especial, agradeço ao Alan Borges, ao Angelo Sampaio e ao Rafael Tavares pelo apoio e pela amizade; à Carolina Moniz pelo companheirismo durante quase todo o doutorado; ao Rodrigo Soares que, além de ser uma ótima pessoa e um exemplo de profissionalismo, foi um supervisor excelente no período em que passei na Universidade de Columbia, me ajudou a avançar consideravelmente na pesquisa e representa um dos professores com que mais pude aprender; ao Tales Rozenfeld, ao Vinícius Mendes e ao Tiago Ferraz pela ajuda com algumas bases de dados; ao Eduardo Haddad, por ter alocado uma bolsa para mim no início do doutorado, por deixar o ambiente mais leve, por ter me incentivado a ir para o sanduiche e participar de congressos internacionais; aos professores Carlos Azzoni, André Chagas, Ariaster Chimeli, Paula Pereda e Renata Narita pelas críticas e sugestões; aos professores Cássio Turra, Carlos Azzoni, Edson Severnini, Naercio Menezes, Rodrigo Soares e Rudi Rocha por terem aceitado participar da banca de avaliação deste trabalho.

Por fim, agradeço aos meus pais Espedito França e Zila França e ao meu irmão Diego França por toda luta, determinação e carinho.

RESUMO

A mudança climática representa um dos maiores desafios contemporâneos da humanidade. Nesse sentido, diversas pesquisas têm indicado que haverá um aumento considerável na incidência de eventos climáticos extremos tais como as ondas de calor. Desta forma, compreender os canais pelos quais o clima pode afetar a sociedade tornou-se em uma agenda de pesquisa de expressiva importância. Nesse contexto, pesquisadores têm encontrado evidências em países desenvolvidos de que a temperatura afeta negativamente o número de nascimentos. Visto que diversos países do mundo apresentam uma taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição populacional e, dado às projeções climáticas, a temperatura pode se tornar uma variável relevante no que se refere às questões populacionais. Consequentemente, com o intuito de verificar se existe alguma influência da temperatura nos nascimentos em um país em vias de desenvolvimento, o primeiro capítulo procura realizar esta análise usando dados para o Brasil. Para isso, usou-se uma abordagem econométrica em que o objetivo é testar se a exposição a choques de alta temperatura tem algum efeito na quantidade de nascimentos meses depois. Assim, os resultados da metodologia proposta sugerem que uma alta temperatura tem um efeito negativo de aproximadamente 2% nos nascimentos de 8 a 10 meses depois da exposição ao choque. No que se refere ao desenvolvimento socioeconômico, talvez os maiores desafios estejam na superação das discriminações e da exclusão social. No caso brasileiro, que representa o último país do continente americano a abolir a escravidão e a segunda maior nação negra do mundo, a televisão é majoritariamente branca. Além do viés racial na representatividade, também há um viés na forma em que os grupos raciais são retratados. Enquanto os negros costumam ser representados com estereótipos negativos, os brancos aparecem com traços positivos. Assim, a recorrente propaganda televisiva da fisionomia branca tem o potencial de afetar a percepção que as pessoas têm em relação aos tons de pele e, consequentemente, a narrativa difundida por meio deste veículo de comunicação pode moldar o comportamento da sociedade em relação a raça e apresenta um significativo potencial de afetar negativamente a exclusão social da população negra. Por sua vez, este processo tende a normalizar implicitamente a desvalorização da imagem das pessoas de pele escura, criando no imaginário coletivo o ideal de que a pele branca está associada com um maior status social e que as características da aparência branca apresentam um maior valor intrínseco. Em consequência, uma frequente estratégia por uma parte dos afrodescendentes brasileiros é tentar se integrar à identidade branca. Entretanto, esta tentativa de apagar as origens e a cor da pele se torna em uma força adicional de valorização da imagem branca e degradação da negra. Essa dinâmica apresenta o potencial reforçar a estratificação racial existente na consciência social. Com o intuito de testar a hipótese de que a televisão afeta a percepção racial, o segundo capítulo procura verificar se existe alguma influência na autodeclaração racial brasileira. A proposta deste capítulo é usar a variação no tempo em que a principal emissora comercial do país, chamada Rede Globo, entrou em cada município para estimar se houve algum efeito na identificação racial da população. Desta forma, os resultados da abordagem proposta sugerem que a televisão impactou a autodeclaração no sentindo em que os pais “embranqueceram” seus filhos e, adicionalmente, os resultados indicam que o efeito é maior para as mulheres. Em relação a distribuição de renda, sabe-se que o Brasil é um país marcado pela alta desigualdade e baixa mobilidade social. Nesse âmbito, pouca atenção tem sido dada no debate brasileiro para os possíveis efeitos da distribuição da fecundidade entre os grupos sociais sobre a desigualdade de longo prazo. Com esta perspectiva, o terceiro capítulo procura revisar a literatura teórica e empírica que analisaram tal relação. Em determinados contextos, o diferencial de fecundidade entre mulheres pobres e ricas pode se tornar em um relevante mecanismo em que o status socioeconômico é reproduzido entre as gerações e, assim, possui o potencial de se tornar em um importante vetor de propagação de desigualdades sociais. Embora o diferencial de fecundidade entre as mulheres pobres e as ricas tenha caído ao longo do tempo, ele continua expressivo. Além disso, a significativa diferença dos tamanhos das famílias brasileiras entre as classes sociais verificada no passado pode ter efeito na desigualdade muitos anos depois. Assim, a proposta do último capítulo é verificar se a fecundidade das mulheres de baixa escolaridade entre 1970 a 1991 afetou a desigualdade de 20 anos no futuro. Como resultado, encontrou-se que a fecundidade deste subgrupo populacional tem poder preditivo para a desigualdade de longo prazo. Em seguida, propõe-se uma abordagem metodológica para lidar com a questão de endogeneidade e os resultados encontrados sugerem que a fecundidade aumentou à desigualdade de 20 anos no futuro.

Palavras-chave: Clima, Fecundidade, Televisão, Rede Globo, Identificação Racial, Desigualdade ABSTRACT

Climate change is one of humanity's greatest contemporary challenges. In this regard, several studies have indicated that there will be a considerable increase in the incidence of extreme weather events such as heat waves. Understanding the channels through which climate can affect society has thus become a research agenda of significant importance. In this context, researchers have found evidence in developed countries that temperature negatively affects the number of births. Since several countries in the world have a fertility rate below the level of population replacement and, given climate projections, temperature can become a relevant variable in population issues. Consequently, in order to verify whether there is any influence of temperature on births in a developing country, the first chapter seeks to perform this analysis using data from Brazil. For this, an econometric approach was used in which the objective is to test whether exposure to high temperature shocks has any effect on the number of births months later. Thus, the proposed methodology suggests that a high temperature has a negative effect of approximately 2% on births 8 to 10 months after exposure to shock. Regarding socioeconomic development, perhaps the biggest challenges are overcoming discrimination and social exclusion. In the Brazilian case, which represents the last country on the American continent to abolish slavery and the second largest black nation in the world, television is mostly white. In addition to the racial bias in representativeness, there is also a bias in the way groups are portrayed. While blacks are often depicted with negative stereotypes, whites appear with positive traits. Thus, the recurring white-skinned television advertising has the potential to affect people's perceptions of skin tones and, consequently, the narrative spread through this medium of communication can shape society's behavior toward race and it has a significant potential to negatively affect the social exclusion of the black population. In turn, this process implicitly normalizes the devaluation of the image of dark-skinned people and creates in the collective imagination the ideal that white skin is associated with higher social status and that white appearance features have a higher intrinsic value. As a result, a frequent strategy adopted by Brazilian African descendants is to try to integrate white identity. However, this attempt to erase the origins and color of the skin becomes an additional force for enhancing the white image and degrading black. This dynamic has the potential to create racial stratification in social consciousness. In order to test the hypothesis that television affects racial perception, the second chapter seeks to determine whether there is any influence on Brazilian racial self-declaration. The purpose of this chapter is to use the variation in the time when the country's main commercial broadcaster, called Rede Globo, entered each municipality to estimate whether there was any effect on racial identification of the population. Thus, the results of the proposed approach suggest that television impacted self-declaration in the sense that parents whitened their children and, additionally, the results indicate that the effect is greater for women. Finally, it is known that Brazil is a country marked by high inequality and low social mobility. In this context, little attention has been given in the Brazilian debate to the possible effects of the distribution of fertility among social groups on long-term inequality. With this perspective, the third chapter seeks to review the theoretical and empirical literature that is addressed to analyze such a relationship. In certain contexts, the fertility differential between poor and rich women can become a relevant mechanism in which socioeconomic status is reproduced between generations and thus has the potential to become an important vector for the spread of social inequalities. Although the fertility differential between poor and rich women has fallen over time, it remains significant. In addition, the significant difference in Brazilian family size between social classes in the past may influence inequality many years later. Thus, the purpose of the last chapter is to verify whether the fertility of low-educated women between 1970 and 1991 affected the 20- year inequality in the future. As a result, the fertility of this population subgroup has been found to have considerable predictive power for long-term inequality. Then, a methodological approach is proposed to deal with the issue of endogeneity and the results suggest that fertility increased inequality of 20 years in the future. Keyword: Climate, Fertility, Television, Rede Globo, Racial Identification, Inequality.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 21 1. TEMPERATURA E FECUNDIDADE: PODEMOS CONSTRUIR ALGUMA RELAÇÃO? ...... 27 1.1. Introdução ...... 29 1.2. Literatura prévia: temperatura e fecundidade ...... 31 1.3. Base de dados ...... 33 1.3.1. Dados de temperatura ...... 33 1.3.2. Dados de nascimentos ...... 36 1.4. Metodologia proposta ...... 36 1.5. Resultados ...... 37 1.5.1. Estatísticas descritivas ...... 37 1.5.2. Principais resultados ...... 39 1.5.3. Heterogeneidade ...... 40 1.6. Robustez ...... 47 1.6.1. Especificação ...... 47 1.6.2. Base de temperatura ...... 49 1.7. Considerações finais ...... 50 2. NEGRO OU BRANCO? TELEVISÃO E IDENTIFICAÇÃO RACIAL ...... 53 2.1. Introdução ...... 55 2.2. Literatura prévia ...... 59 2.2.1. Viés racial ...... 59 2.2.2. Televisão ...... 60 2.2.3. Economia, cultura e identidade ...... 62 2.3. Estratégia empírica ...... 64 2.4. Base de dados ...... 65 2.4.1. Autodeclaração racial ...... 65 2.4.2. Rede Globo ...... 65 2.5. Resultados ...... 65 2.5.1. Análise descritiva ...... 65 2.5.2. Principais resultados ...... 70 2.5.3. Identificação e exercícios adicionais ...... 72 2.6. Considerações finais ...... 77 Apêndice ...... 79 3. FECUNDIDADE E DESIGUALDADE: TEORIAS E EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS ..... 81 3.1. Introdução ...... 83 3.2. Literatura ...... 85 3.2.1. Teoria ...... 85 3.2.2. Evidência empírica ...... 88 3.3. Fecundidade e desigualdade: simulação ...... 90 3.4. Considerações finais ...... 92 4. NOVELAS, FECUNDIDADE E DESIGUALDADE: PODEMOS CONSTRUIR ALGUMA RELAÇÃO? ...... 95 4.1. Introdução ...... 97 4.2. Taxa de fecundidade: alguns fatos estilizados ...... 100 4.3. Fecundidade e desigualdade ...... 104 4.4. Metodologia proposta ...... 107 4.4.1. Estratégia de identificação...... 107 4.1.2 Equações estimadas ...... 110 4.1.3. Base de dados ...... 112 4.1.3.1. Fecundidade e controles ...... 112 4.1.3.2. Rede Globo ...... 112 4.5. Resultados ...... 113 4.6. Considerações finais ...... 117 REFERÊNCIAS ...... 119

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Estatísticas descritivas ...... 39

Tabela 2: Heterogeneidade por cor, idade e escolaridade ...... 46

Tabela 3: Heterogeneidade de região ...... 47

Tabela 4: Robustez – diferentes especificações ...... 48

Tabela 5: Robustez - desvios da temperatura ...... 49

Tabela 6: Robustez – testando outra base de dados climáticos ...... 50

Tabela 7: Responde e não responde o Censo ...... 70

Tabela 8: Percentual de brancos condicional ao gênero de quem responde ...... 70

Tabela 9: Rede Globo e autodeclaração racial – efeitos sobre as filhas ...... 71

Tabela 10: Rede Globo e autodeclaração racial – efeitos sobre os filhos ...... 73

Tabela 11: Efeitos heterogêneos ...... 74

Tabela 12: Efeitos de idade ...... 74

Tabela 13: Regressões placebo ...... 75

Tabela 14: Robustez ...... 76

Tabela 15: Exercício adicional ...... 77

Tabela 16: Estatísticas descritivas ...... 79

Tabela 17: Estatísticas descritivas por Censo Demográfico ...... 80

Tabela 18: Índices de Gini e de Theil da renda domiciliar per capita ...... 91

Tabela 19: Taxa de fecundidade total, segundo as grandes regiões – 1940/2010 ...... 100

Tabela 20: As cidades em que quase metade dos moradores são crianças...... 104

Tabela 21: OLS ...... 114

Tabela 22: Primeiro estágio ...... 115

Tabela 23: IV ...... 115

Tabela 24: Forma reduzida ...... 116 Tabela 25: Primeiro estágio ...... 116

Tabela 26: Forma reduzida ...... 117

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Sazonalidade dos nascimentos médio mensal por região, 1996-2015 ...... 34

Figura 2: Densidade da temperatura média anual das regiões brasileiras, 1927-2015 ...... 38

Figura 3: Choques de temperatura ...... 41

Figura 4: Choques de temperatura com diferentes proporções ...... 42

Figura 5: Heterogeneidade de gênero ...... 44

Figura 6: Heterogeneidade de gênero e diferentes níveis de choques ...... 45

Figura 7: Distribuição percentual da população branca e negra no Brasil ...... 66

Figura 8: Diferença entre o percentual de mulheres e homens por raça...... 68

Figura 9: Histogramas da diferença da proporção de mulheres e homens brancos ...... 69

Figura 10: Modelo Kremer e Chen (2002) ...... 87

Figura 11: Modelo De La Croix e Doepke (2003) ...... 87

Figura 12: Participação das crianças de até 10 anos de idade por nível educacional da mãe 103

Figura 13: Dispersões do Gini e Theil-L com a fecundidade, por AMCs ...... 108

Figura 14: Mecanismo de transmissão entre mídia, fecundidade e desigualdade ...... 110

Figura 15: Entrada e cobertura da Globo ...... 112

Figura 16: Expansão da Rede Globo entre as regiões brasileiras ...... 113

LISTAS DE SIGLAS

AMC: Área Mínima Comparável

ECMWF: European Centre for Medium-Range Weather Forecasts

ERA5: Reanálise Atmosférica de Quinta Geração

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IV: Instrumental Variables

OLS: Ordinary Least Squares

“Elevador é quase um templo Exemplo pra minar teu sono Sai desse compromisso Não vai no de serviço Se o social tem dono, não vai...

Quem cede a vez não quer vitória Somos herança da memória Temos a cor da noite Filhos de todo açoite Fato real de nossa história

Se o preto de alma branca pra você É o exemplo da dignidade Não nos ajuda, só nos faz sofrer Nem resgata nossa identidade”

Identidade – Jorge Aragão

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INTRODUÇÃO

A literatura tem apresentado inúmeros resultados científicos indicando que a terra está passando por um severo processo de aquecimento. Deste modo, projeta-se que haverá um aumento dos eventos climáticos extremos e, por sua vez, tal fato trará consideráveis consequências ambientais e humanitárias (IPCC, 2013). Nesse contexto, foi desenvolvida uma prolífera e ativa agenda de pesquisa voltada para melhorar a compreensão dos canais pelos quais o clima pode afetar a sociedade e a economia (DELL; JONES; OLKEN, 2014; HEAL; PARK, 2015; WEI et al., 2017). Desta forma, estudos nessa agenda ajudam a aperfeiçoar o entendimento dos custos das mudanças climáticas e fornece a possibilidade de adotar ações mais efetivas com o intuito de mitigar seus efeitos (HSIANG, 2016).

No que se refere à fecundidade, usando dados dos Estados Unidos e da Europa, pesquisadores encontraram evidências sugerindo que a exposição a altas temperaturas estão associadas com uma diminuição no número de nascimentos em, aproximadamente, nove meses depois (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018; GRACE, 2017; LAM; MIRON, 1996). Além disso, existe evidência de que a temperatura explica uma parcela considerável da sazonalidade dos nascimentos dos Estados Unidos (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018). Num cenário em que vários países do mundo apresentam uma taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição populacional, tem-se que compreender a dimensão do potencial efeito da temperatura nos nascimentos representa uma questão de pesquisa de considerável importância (World Bank, 2018). Adicionalmente, as estimativas desse efeito poderão subsidiar futuras projeções populacionais (GRACE, 2017; HUNTER; O’NEILL, 2014). Por fim, vale ressaltar que, visto que as pesquisas prévias focaram a análise somente em países ricos, ainda existe uma lacuna na literatura para entender os possíveis efeitos da temperatura em regiões pobres e em desenvolvimento (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018; GRACE, 2017). Isto porque essas regiões costumam apresentar um baixo uso de tecnologias que ajuda a suavizar os efeitos climáticos, como por exemplo, o ar condicionado e o protetor solar.

Com esse intuito, o primeiro capítulo deste trabalho procura analisar o efeito de choques de altas temperaturas sobre os nascimentos do Brasil. Deve-se pontuar que este país apresenta uma expressiva sazonalidade dos nascimentos e, além disso, há uma significativa heterogeneidade climática e socioeconômica. Deste modo, o país representa um lugar ideal para analisar a relação entre a temperatura e a fecundidade. Entretanto, este capítulo se diferencia dos estudos prévios no sentido em que a unidade de observação usada está mais desagregada. Isto porque, enquanto os estudos existentes usaram dados no nível de estados ou de países, o presente trabalho usou uma unidade de observação que é relativamente próxima ao nível municipal. Assim, espera-se capturar o efeito de um choque de temperatura relativamente próximo ao que o indivíduo foi de fato exposto.

Dessa forma, propõe-se uma metodologia econométrica em que o objetivo da análise é verificar o comportamento do logaritmo do total de nascimentos após alguns meses da exposição do choque de temperatura. Assim, consideram-se diversas medidas de choques de altas temperaturas e avaliou-se o efeito sobre os nascimentos considerando tanto os meses de gestação da criança, quanto os anteriores a concepção e, com o objetivo de verificar a robustez do procedimento, também se avaliou o efeito três meses depois dos nascimentos. Os resultados encontrados sugerem que altas temperaturas têm um efeito significativo nos nascimentos cerca de oito a dez meses após a exposição. Além disso, tem-se que o efeito é maior nove meses após o choque de temperatura e, de forma semelhante ao resultado encontrado por Barreca, Deschenes e Guldi (2018), tal fato sugere que a temperatura mais elevada afeta negativamente a probabilidade de concepção.

Se, por um lado, mudanças climáticas representam um dos maiores desafios contemporâneos da humanidade, por outro lado, no que se refere ao contexto socioeconômico, é razoável afirmar que um dos maiores desafios esteja na superação das discriminações e da exclusão social. Nesse cenário, sabe-se que a vida em sociedade é permeada pela criação de grupos e tem-se que uma categorização natural surge dos diferentes tons de pele. Por sua vez, a construção social ao longo do tempo faz com que alguns grupos se tornem mais proeminentes que outros (AKERLOF; KRANTON, 2000). De todos os mecanismos que potencialmente afetam a valorização social dos diferentes grupos, é possível que um dos mais impactantes seja a mídia.

No que diz respeito especificamente à televisão brasileira, tem-se uma sub-representação racial e um viés nos papéis assumidos pelos brancos e pelos negros (ARAÚJO, 2008; BRELAND, 1998; CAMPOS; JÚNIOR, 2015; PEFFLEY; SHIELDS; WILLIAMS, 1996; TAN; TAN, 1979). Em relação à representação, embora a parcela da população brasileira que se declarou como negros em 2016 foi de 54,9%, o cidadão brasileiro pode ver somente 15% de personagens 23

negros nas novelas da Rede Globo no período compreendido entre 2014 a 2018 (GOULART, 2018). No período de 1984 a 2014 o cenário foi mais adverso, isto porque somente 8,7% dos personagens eram negros (CAMPOS; JÚNIOR, 2015). No que se refere aos papeis assumidos, tem-se que enquanto os brancos costumam ser representados como um ideal de beleza e de prosperidade, os negros tendem a aparecer nos programas televisivos como criminosos, marginalizados ou em papéis de subordinação (ARAÚJO, 2008; BRELAND, 1998; CAMPOS; JÚNIOR, 2015; PEFFLEY; SHIELDS; WILLIAMS, 1996; TAN; TAN, 1979).

Assim, por meio da televisão, a população brasileira tem contato diariamente com uma espécie de propaganda velada de superioridade racial. Desta forma, este veículo de comunicação pode valorizar a imagem da fisionomia branca e desvalorizar a imagem negra, afetando a percepção e as preferências da população em relação aos tons de pele e, consequentemente, seu comportamento em relação a raça (CHILDREN NOW, 1998; MARTIN, 2008; PEFFLEY; SHIELDS; WILLIAMS, 1996; WRIGHT et al., 2016). Essa revalorização racial poderia afetar os grupos raciais de formas distintas, como por exemplo, em aspectos relacionados ao mercado de trabalho, saúde, relações afetivas, violência, abordagens policiais e aspirações sociais.

Nesse contexto, embora a narrativa apresentada nos parágrafos anteriores seja razoável do ponto de vista teórico, existe considerável dificuldade em testar empiricamente a hipótese de que a televisão leva a uma revalorização racial. Desta forma, o segundo capítulo argumenta que no Brasil existe um experimento natural que pode ajudar a fornecer uma evidência empírica para tal questão. Isto porque tem-se que a Rede Globo, que representa a principal emissora comercial de televisão do país, entrou de forma relativamente heterogênea em cada município ao longo do tempo. Em síntese, a expansão do sinal da emissora se deu fundamentalmente pelo clientelismo político do governo militar (LA FERRARA; CHONG; DURYEA, 2012). Assim, pode-se explorar a variação no tempo em que a emissora entrou em cada município para verificar se existiu algum efeito na autodeclaração racial da população. Por sua vez, o “embranquecimento” da população seria uma evidência de que a televisão influenciou a percepção racial da sociedade, criando um ideal no imaginário coletivo de que a fisionomia branca está associada com um maior valor intrínseco.

Com esta perspectiva, o segundo capítulo propõe uma abordagem econométrica para investigar se a televisão influenciou a autodeclaração racial brasileira. Apesar de existir uma vasta literatura entre sociólogos e psicólogos destacando o papel da televisão no processo de formação da identidade, este trabalho representa o primeiro esforço de usar métodos econométricos com o intuito de testar empiricamente esta hipótese de forma causal. Assim, os resultados da estratégia empírica proposta sugerem que os pais embranqueceram seus filhos.

Em seguida, nos dois últimos capítulos, o intuito é procurar analisar o papel da distribuição da fecundidade na dinâmica da desigualdade. Nesse sentido, sabe-se que o Brasil é um país marcado pela alta desigualdade socioeconômica e pela baixa mobilidade social. Em 2017, a sociedade brasileira foi a nona mais desigual do mundo e, em uma pesquisa realizada pela OCDE considerando uma amostra de trinta países, a mobilidade social do Brasil só não foi pior que a verificada na Colômbia (OCDE, 2018; OXFAM, 2018). Por sua vez, há no país um expressivo diferencial de fecundidade entre as mulheres pobres e as ricas. Apesar desse diferencial ter caído ao longo do tempo, tem-se que ele ainda continua relevante.

Com o objetivo de descrever os possíveis canais que relacionam a fecundidade com a desigualdade, o terceiro capítulo procura revisar a literatura teórica e empírica que focaram nessa relação. Nesse sentido, tem-se que as características dos indivíduos que afetam a renda e que tenha uma alta associação entre os pais e os filhos possui o potencial de afetar a transmissão intergeracional do sucesso econômico (BOWLES; GINTIS, 2002). Deste modo, dado que os distintos padrões reprodutivos entre as classes sociais apresentam uma alta correlação intergeracional, tem-se que a distribuição da fecundidade pode se tornar um importante ponto de partida para analisar a desigualdade e a transmissão do status socioeconômico entre as gerações.

Do ponto de vista teórico, a interação entre a distribuição da fecundidade e a desigualdade pode criar um ciclo vicioso ao longo do tempo que faz com que o objetivo de reduzir a desigualdade se torne relativamente difícil (KREMER; CHEN, 2002). Adicionalmente, argumenta-se que a distribuição da fecundidade entre as classes sociais possui o potencial de afetar negativamente o nível de capital humano médio e, consequentemente, poderia ter repercussão na produtividade agregada da economia (DE LA CROIX; DOEPKE, 2003; MOAV, 2005). No que diz respeito a literatura empírica, estudos têm encontrado evidências que a fecundidade pode afetar, por exemplo, o mercado de trabalho, nível educacional, saúde, etc. (BAILEY; HERSHBEIN; MILLER, 2012; BAILEY, 2006; MILLER; BABIARZ, 2016; NARITA; DIAZ, 2016).

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Apesar do debate relacionado aos possíveis efeitos da fecundidade no desenvolvimento econômico ter mais de meio século, deve-se pontuar que ainda existe pouco consenso (ASHRAF; WEIL; WILDE, 2013). Isso se deve basicamente ao fato de que a fecundidade é uma variável endógena e encontrar variações exógenas não é uma tarefa trivial. Além disso, o efeito de uma redução da fecundidade pode afetar as variáveis socioeconômicas no longo prazo e, assim, isto faz com que a identificação do efeito seja algo significativamente difícil.

Consequentemente, o objetivo do último capítulo é o mais desafiador deste trabalho. Isto porque a intenção é explorar a relação entre a fecundidade e a desigualdade de longo prazo numa perspectiva empírica. Para isso, a proposta é usar a evidência fornecida por La Ferrara et al. (2012) de que a televisão afetou a fecundidade brasileira com o intuito de testar a estrutura teórica fornecida pelo Modelo de Kremer e Chen (2002). Nesse sentido, a literatura tem apresentado evidências de que a televisão afeta negativamente a quantidade de filhos (KEARNEY; LEVINE, 2015; LUCAS; WILSON, 2018; TRUDEAU, 2016). Assim, propõe- se usar a variação exógena da entrada da Rede Globo nos municípios brasileiros como instrumento para a taxa de fecundidade das mulheres de baixo nível educacional. No segundo estágio, o objetivo é verificar se há indícios de que esta variável afeta a desigualdade de vinte anos no futuro. Por sua vez, a medida de desigualdade usada foi a razão do logaritmo do rendimento médio dos mais escolarizados sobre o logaritmo do rendimento médio dos menos escolarizados. Deste modo, os resultados iniciais da implementação dessa metodologia sugerem que a fecundidade das mulheres de baixo nível educacional afetou a medida de desigualdade de longo prazo. Apesar disso, numa próxima etapa da pesquisa, será necessário realizar mais alguns exercícios para analisar a robustez dos resultados encontrados.

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1. TEMPERATURA E FECUNDIDADE: PODEMOS CONSTRUIR ALGUMA RELAÇÃO?

Resumo

Uma série de estudos tem chamado a atenção para o aquecimento global. Nesse contexto, aumenta-se a importância de um melhor compreendimento dos canais pelos quais o clima pode afetar a sociedade. No que se refere a fecundidade, pesquisas prévias realizadas em países desenvolvidos encontraram que altas temperaturas impactam negativamente a reprodução humana e que o efeito seria maior para a população de baixa renda. No presente capítulo, o objetivo é verificar se tal padrão existe quando se analisa o caso de um país em vias de desenvolvimento. Assim, se explora os dados de clima e de nascimentos do Brasil entre 2000 a 2015 e os resultados do modelo proposto sugerem que a exposição a altas temperaturas tem um efeito negativo e significante nos nascimentos.

Palavras-chave: clima, mudança climática, nascimentos, fecundidade Classificação JEL: I12, J13, Q54 28

TEMPERATURE AND FERTILITY: CAN WE BUILD SOME RELATIONSHIP?

Abstract

Several studies have drawn attention to global warming. In this context, the importance of a better understanding of the channels through which climate can affect society increases. Regarding fertility, previous research conducted in developed countries found that high temperatures negatively impact human reproduction and that the effect would be greater for the low-income population. In the present article, the objective is to verify if such a pattern exists when analyzing the case of a developing country. Thus, we explore Brazil's climate and birth data from 2000 to 2015 and the results of the proposed model suggest that exposure to high temperatures has a significant negative effect on births.

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1.1. Introdução

“Fica comigo esta noite e não te arrependerás Lá fora o frio é um açoite; Calor aqui tu terás” Fica comigo esta noite - Nélson Gonçalves

Projeta-se que a temperatura média mundial aumentará consideravelmente neste século e, como consequência, espera-se uma incidência maior de eventos climáticos extremos tais como as ondas de calor (IPCC, 2013). Nesse cenário, torna-se fundamental compreender os canais pelos quais o clima pode afetar a sociedade e a economia. De fato, tal tema tem desafiado pesquisadores a séculos e avanços nesse campo geram para a sociedade a possibilidade de dar uma melhor resposta no enfretamento dos futuros desafios climáticos. Adicionalmente, pesquisas nessa agenda poderão permitir um maior entendimento de como o clima tem influenciado o processo de desenvolvimento dos países ao longo do tempo (HSIANG, 2016).

Nesse capítulo, o objetivo é analisar a relação entre as flutuações da temperatura e a quantidade de nascimentos. A literatura da área destaca que temperatura pode impactar diretamente a reprodução de duas formas: i) impactando o comportamento sexual; ii) influenciando fatores de saúde reprodutiva, como a mobilidade do esperma e a menstruação (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018; LAM; MIRON, 1996; LEVINE, 1991, 1994)1. Apesar dos avanços nessa linha de pesquisa, o impacto da temperatura na fecundidade em países pobres e em desenvolvimento não é bem conhecido e documentado (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018; GRACE, 2017). Isso porque os estudos existentes focam em regiões ricas e usam dados agregados, geralmente no nível de estados ou de países (GRACE, 2017). Barreca, Deschenes e Guldi (2018) argumentaram que são necessárias mais pesquisas para analisar como a temperatura pode influenciar os nascimentos, especialmente em lugares que apresentam baixa intensidade no uso de tecnologias adaptativas as mudanças climáticas, como por exemplo, o ar condicionado.

Desta forma, o intuito do presente capítulo é contribuir com a literatura da área em, basicamente, dois aspectos: i) usa-se dados do Brasil, país que apresenta uma expressiva heterogeneidade climática e socioeconômica. Assim, o capítulo analisa o impacto das

1 Um outro canal considerado por Eissler, Thiede e Strube (2019) é que a mulheres expostas a períodos quentes ou secos mudariam os objetivos reprodutivos. 30

flutuações de temperatura sobre os nascimentos em um país em vias de desenvolvimento; ii) a base de dados foi construída com um nível de desagregação maior que as pesquisas prévias, visto que a unidade de observação utilizada são as Áreas Mínimas Comparáveis (AMCs). Com isso, se consegue capturar melhor a variação de temperatura em um nível mais próximo do que os indivíduos foram expostos. Vale ressaltar que, no Brasil, diversos municípios se desmembraram criando outros municípios ao longo do tempo. Consequentemente, as AMCs representam as menores divisões regionais que possibilita a construção de painéis de dados de longo prazo.

Além disso, vários países apresentam uma taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição da população e, naturalmente, tal fato intensifica a necessidade de uma melhor compreensão da relação entre o clima e a fecundidade. Sabe-se que o menor nível da taxa de fecundidade que assegura a reposição populacional é de 2.1. No Brasil, a taxa de fecundidade em 2017 foi de 1.7 (World Bank, 2018). Este fato trará consideráveis implicações futuramente, como por exemplo, impacto nos sistemas previdenciários e diminuição da população economicamente ativa. Neste cenário, há evidência de que altas temperaturas afetam negativamente a fecundidade e de que o aumento da temperatura derivado das mudanças climáticas poderá reduzir a taxa de crescimento populacional no próximo século (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018). Entretanto, as projeções populacionais atuais ignoram os possíveis impactos do clima na fecundidade (GRACE, 2017; HUNTER; O’NEILL, 2014).

Com o intuito de investigar o efeito causal da temperatura separadamente de outros fatores que afetam a reprodução humana, como por exemplo, feriados e características socioeconômicas, pesquisas passadas procuraram analisar como as oscilações climáticas afetam a fecundidade (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018; LAM; MIRON, 1996; SEIVER, 1985). Como pressuposto, considera-se o seguinte experimento natural: as flutuações climáticas mensais em cada região são aleatórias e, consequentemente, um possível teste é verificar se os nascimentos numa determinada área apresentaram alguma variação após um mês relativamente quente ou frio (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018).

Para examinar se as flutuações da temperatura têm algum impacto nos nascimentos do Brasil, o presente capítulo propõe um modelo econométrico que utiliza uma medida que captura choques mensais da temperatura como variável explicativa para a quantidade de nascimentos. Dessa forma, estima-se um modelo de dados em painel e, para isso, usa-se como variável 31

dependente o logaritmo do total de nascimentos na AMC 푖 num dado mês 푡. Como variável independente, na especificação de referência, usa-se uma variável binária indicando quando a temperatura observada em 푡 extrapola a temperatura da média histórica do mês em uma proporção do desvio padrão histórico da temperatura daquele específico mês 푡 da AMC. No exercício de robustez, usa-se o desvio da temperatura da AMC em relação à temperatura média histórica daquele mês e AMC. Adicionalmente, acrescentam-se os efeitos fixos e os controles.

No que diz respeito aos dados, construiu-se o painel com informações obtidas do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos do DATASUS numa frequência mensal de 2000 a 2015. A segunda fonte de dados advém das informações climáticas do Copernicus Climate Change Service.

Os resultados do modelo proposto sugerem que os choques da temperatura têm um efeito negativo e significante na quantidade de nascimentos. Além disso, os resultados indicam que não há diferenças expressivas entre as estimativas do efeito quando se consideram as especificações sem controles e aquelas que controlam pelas características da mãe, sugerindo assim, que essas características não estão afetando os resultados. Visto que os pesquisadores têm apontado que as ondas de calor ocorrerão numa intensidade maior no futuro, esses resultados são relativamente relevantes para a implementação de políticas de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas sobre a fecundidade. Adicionalmente, deve-se considerar a possibilidade de incorporar tais impactos nas futuras projeções populacionais.

1.2. Literatura prévia: temperatura e fecundidade

Nos anos recentes, pesquisadores têm avançado em relação ao instrumental econométrico voltado para a compreensão de como o clima pode impactar os resultados socioeconômicos (HSIANG, 2016). Concomitantemente, foram encontradas evidências da influência do clima em diversas áreas, como saúde, agricultura, personalidade, produção industrial, demanda de energia, crescimento econômico, produtividade, entre outras (DELL; JONES; OLKEN, 2014; HEAL; PARK, 2015; WEI et al., 2017). A literatura recente também tem encontrado impactos significativos do clima sobre a saúde do feto e da mãe (DESCHENES; GREENSTONE; GURYAN, 2009; KIM; LEE; ROSSIN-SLATER, 2019; ROCHA; SOARES, 2015). Em relação à fecundidade, o aparente efeito da temperatura sobre as concepções pode resultar do 32

efeito fisiológico ou da mudança na frequência da relação sexual (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018; LAM; MIRON, 1996).

Do lado fisiológico, estudos encontraram evidências de que a saúde reprodutiva do homem é impactada pelo clima. Isto porque a contagem e a mobilidade do esperma são afetados por temperaturas elevadas (LAM; MIRON, 1996). Além disso, a temperatura também pode interferir na menstruação e na ovulação das mulheres2 (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018). A literatura também apresenta evidências de que a fecundidade humana é impactada pela intensidade de luz diária (CONWAY; TRUDEAU, 2019). Dias com maior incidência de luz estimulariam mudanças no cérebro responsáveis pelas atividades endócrinas e reprodutivas. Consequentemente, a luminosidade poderia levar a uma secreção maior dos hormônios reprodutivos que agem no ovário e melhorar a qualidade do sêmen (BECKER, 1991). No que diz respeito à frequência de relações sexuais, especula-se que altas temperaturas poderiam afetar negativamente a probabilidade de coito (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018). Neste caso, Hajdu e Hajdu (2019) usaram dados da Hungria entre 1986 e 2010 e não encontraram efeito da temperatura sobre o comportamento sexual. Entretanto, Wilde, Apouey e Jung (2017) usaram dados de vários países da África e encontraram uma redução da atividade sexual e do número de pesquisas no Google por palavras-chave com conotação sexual durante períodos de temperaturas elevadas.

De uma forma geral, estudos têm fortalecido a hipótese de que uma temperatura mais elevada teria efeito negativo sobre a fecundidade (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018; CONWAY; TRUDEAU, 2019; LAM; MIRON, 1996). Alguns autores destacam que tanto um inverno extremamente frio quanto um verão muito quente têm impacto sobre os nascimentos (LEE, 2003; RICHARDS, 1983). Barreca, Deschenes e Guldi (2018) usaram dados de fecundidade e clima dos Estados Unidos entre 1931 e 2010 e encontraram que dias muito quentes causam um forte declínio na taxa de nascimentos após, aproximadamente, 8 a 10 meses. Os resultados apresentados pela literatura também sugerem que o impacto de um verão quente é maior para a população de baixa renda e o uso de ar-condicionado pode suavizar o efeito (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018; CHAUDHURY, 1972; KESTENBAUM, 1987;

2 Segundo Hansen (2009, p.1): “Heat stress can have large effects on most aspects of reproductive function in mammals. These include disruptions in spermatogenesis and oocyte development, oocyte maturation, early embryonic development, foetal and placental growth and lactation”. 33

LAM; MIRON, 1996; PASAMANICK; DINITZ; KNOBLOCH, 1960; SEIVER, 1985; WARREN; TYLER, 1979).

Apesar da procriação depender de diversas variáveis difíceis de serem controladas ̶ como por exemplo, socioculturais e biológicas ̶ no que se refere ao clima, argumenta-se que a temperatura tem um efeito quantitativamente importante na variação tanto sazonal quanto não sazonal dos nascimentos (LAM; MIRON, 1996). Nesse contexto, vale ressaltar que, desde o século 19, pesquisadores têm observado em vários lugares do mundo uma sazonalidade na reprodução (BECKER, 1991). Mesmo considerando os casos dos países desenvolvidos, que apresentam um alto uso de métodos contraceptivos, o padrão sazonal dos nascimentos encontra- se presente. Na Europa, o maior número de nascimentos ocorre na primavera, enquanto nos Estados Unidos, são mais frequentes no verão (MOREIRA, 2016). Lam e Miron (1996) destacaram que a sazonalidade americana costuma ser maior em grupos de baixa renda. Adicionalmente, Barreca, Deschenes e Guldi (2018) sugeriram que a temperatura pode ser a variável mais importante na explicação da sazonalidade dos nascimentos nos Estados Unidos.

No caso brasileiro, conforme pode-se visualizar por meio da Figura 1, o país apresenta uma expressiva sazonalidade dos nascimentos. Em quase todas divisões regionais, a estação do ano com maior número de nascimentos é o outono. Mais especificamente, tem-se um aumento das concepções nos meses do inverno e uma diminuição nos meses do verão3. Este padrão sugere uma possível relação inversa entre a temperatura e a quantidade de nascimentos. Com o intuito de verificar se existe evidência que sustenta tal hipótese usando técnicas econométricas, as próximas seções apresentam as bases de dados e a estratégia empírica proposta.

1.3. Base de dados

1.3.1. Dados de temperatura

As séries históricas de temperatura e de precipitação foram construídas usando as informações fornecidas pelo Copernicus Climate Change Service, organização que disponibiliza dados do sistema climático com um expressivo nível de qualidade. A base usada foi a ERA5 que representa a Reanálise Atmosférica de Quinta Geração do European Center for Medium-Range

3 Janeiro, que representa um mês em que habitualmente há férias, seria a exceção. Para uma análise mais detalhada sobre a sazonalidade brasileira ver Moreira (2016). 34

Figura 1: Sazonalidade dos nascimentos médio mensal por região, 1996-2015

Nota: O eixo y representa o log dos nascimentos médio mensal. Os dados foram obtidos por meio do DATASUS. Dado que os meses do ano tem diferente número de dias, multiplicamos o número de nascimentos em cada mês por (365/12)/t onde t é o número de dias no mês em questão.

Weather Forecasts4 (ECMWF). A ERA5 combina dados de modelos climáticos com os de observações e fornece uma série de tempo numa frequência mensal de temperatura e de precipitação no formato de grade no nível de 0.25° x 0.25°. Assim, para mensurar a temperatura de uma determinada AMC, usou-se a proporção do território da AMC dentro de cada grade para calcular a média ponderada da temperatura.

4 Para maiores informações, a documentação da base ERA5 encontra-se disponível no seguinte endereço: https://confluence.ecmwf.int/display/CKB/ERA5+data+documentation 35

Em seguida, construiu-se uma variável que procura medir o comportamento das flutuações da temperatura durante os meses de gestação da criança e anterior à concepção. Esta medida representa uma variável binária construída com o intuito de capturar os choques de altas e baixas temperaturas:

퐷, = 1 se 푇, > (휇, + 휃휎,) (1) 퐷, = 0 caso contrário

퐷, = 1 se 푇, < (휇, − 휃휎,) (2) 퐷, = 0 caso contrário

Em que 푇, representa a temperatura média mensal observada na AMC 푖 no mês 푡 − 푝; 휇, representa a temperatura média histórica na AMC 푖 no mês 푡 − 푝; 휎, é o desvio padrão mensal histórico da temperatura para a AMC 푖 no mês 푡 − 푝; 휃 é um parâmetro que assume o valor de 0.5 na especificação de referência. Consequentemente, 퐷, =1 ou 퐷, =1 indicam que a temperatura observada do mês 푡 − 푝 na AMC 푖 foi 휃휎, acima ou abaixo da média histórica mensal 휇, daquele mês naquela AMC, respectivamente. Desta forma, esta medida está capturando desvios expressivos da média histórica da temperatura. A Equação 1 está capturando choques de altas temperaturas e a Equação 2 os choques de baixas temperaturas.

Com o intuito de verificar se o efeito vem da temperatura ao invés de condições climáticas mais amplas, um dos controles utilizados foram os desvios da precipitação média mensal:

Δ푃, = 푃, − 휇, (3)

Em que 푃, representa a precipitação média mensal na AMC 푖 no mês 푡 − 푝, 휇, é a

5 precipitação média histórica na AMC 푖 no mês 푡 − 푝 . Desta forma, a variável Δ푃, está capturando os desvios mensais da média histórica de precipitação em cada AMC.

5 휇,, 휇, e 휎, foram calculados usando o período compreendido entre 2000 a 2015. 36

1.3.2. Dados de nascimentos

Moreira (2016) destaca que a implantação do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) do DATASUS iniciou em 1990 e apresentou uma série de fragilidades que foram corrigidas ao longo do tempo de tal forma que, em 2005, tal base apresentou um registro de nascimentos 6% superior ao do Registro Civil (MOREIRA, 2016). Consequentemente, optou- se por usar as contagens de nascimentos disponíveis no SINASC no período mais recente e, assim, o presente capítulo usa esta base numa frequência mensal no período compreendido entre 2000 a 2015. Além disso, a amostra foi restringida para aquelas AMCs que têm ao menos um registro de nascimento em cada mês do ano.

Os microdados do SINASC fornecem informações relacionadas a saúde do recém-nascido, tais como tempo de gestação, peso ao nascer, pontuação no APGAR e se o local de ocorrência do nascimento foi em alguma unidade de saúde. Além disso, esta base de dados também disponibiliza informações sobre as características da mãe, tais como idade, escolaridade, estado civil, cor, quantidade de filhos vivos, quantidade de filhos mortos, número de consultas de pré- natal e o tipo de parto.

1.4. Metodologia proposta

Com o intuito de verificar se a temperatura apresenta algum efeito sobre a fecundidade do Brasil, a proposta do presente capítulo é testar se os nascimentos em determinada AMC 푖 no mês 푡 mudaram após a exposição de um choque de alta temperatura. Assim, seguindo uma abordagem semelhante a Barreca, Deschenes e Guldi (2018), propõe-se um modelo de dados em painel em que a variável dependente representa o logaritmo do total de nascimentos numa determinada AMC e em um dado mês. Formalmente, usa-se o seguinte modelo:

퐵퐼푅푇퐻 = ϕ푇, + 휓푃, + 푋훽 + 훿 + 휆 + 휃 + 휀 (4)

Em que 퐵퐼푅푇퐻 é o log do total de nascimentos da AMC 푖 no mês 푡; 푇, representa a medida de choques da temperatura mensal em 푡 − 푝 na AMC 푖; 푃, representa a medida dos desvios da precipitação média mensal em relação à média histórica da AMC 푖 no mês 푡 − 푝; 푋 37

representa o conjunto de controles da AMC 푖 no mês 푡 construídos usando a média da AMC: idade da mãe, idade da mãe ao quadrado, escolaridade, variáveis binárias indicando se é casada, se o parto foi vaginal, se é branca, número de consultas, se o filho nasceu em alguma unidade de saúde, quantidade de filhos vivos e mortos; 훿 é um efeito fixo de AMC-mês; 휆 é o efeito fixo de mês-ano; 휃 é o efeito fixo de AMC-ano.

A possibilidade de efeitos no período de gestação é introduzida, permitindo que os nascimentos sejam afetados até 12 meses depois da exposição à flutuação da temperatura (indicado pelo índice 푝 = 0,1,2,…,12). Com o intuito de realizar a verificação de placebo, também foram estimados os impactos nos nascimentos de 1 a 3 meses antes da oscilação na temperatura (indicado pelo índice 푝 = −3,−2,−1). Assim, espera-se que as variações na temperatura após o parto não devam ter qualquer efeito sobre a quantidade de nascimentos.

1.5. Resultados

1.5.1. Estatísticas descritivas

O Brasil apresenta uma expressiva variabilidade climática e isto faz com que o país represente um lugar ideal para se testar empiricamente o efeito das oscilações da temperatura sobre variáveis socioeconômicas. Tal fato pode ser visualizado por meio da Figura 2 que mostra as diferenças entre as distribuições de temperaturas médias anuais entre as regiões brasileiras no período compreendido entre 1927 a 2015. As regiões Norte e Nordeste são as que estão mais próximas da linha do Equador e, consequentemente, são as regiões mais quentes do país com temperaturas médias anuais acima de 24°C. Por sua vez, as regiões Sul e Sudeste são as mais frias do Brasil, com temperaturas médias anuais abaixo de 24°C.

A Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas. A média do log dos nascimentos mensal do período compreendido entre 2000 a 2015 foi de 3.36. A temperatura média mensal das AMCs foi 23°C, com um desvio padrão médio de 3.55. Nesta amostra, a incidência de choques positivos de temperatura (퐷,) quando 휃 = 0.50 representa 2.14%.

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Figura 2: Densidade da temperatura média anual das regiões brasileiras, 1927-2015

Nota: Os dados foram obtidos por meio da Climatic Research Unit at University of East Anglia 39

Tabela 1: Estatísticas descritivas Obs Média Desvio Padrão Min Max

Nascimentos 562,170 3.364 1.147 0.000 9.766

Temperatura 562,170 23.471 3.553 8.903 33.152 퐷, (휃 = 0) 562,170 0.487 0.500 0.000 1.000 퐷, (휃 = 0.25) 562,170 0.117 0.322 0.000 1.000 퐷, (휃 = 0.50) 562,170 0.021 0.145 0.000 1.000 퐷, (휃 = 0.75) 562,170 0.003 0.053 0.000 1.000 퐷, (휃 = 0) 562,170 0.513 0.500 0.000 1.000 퐷, (휃 = 0.25) 562,170 0.108 0.310 0.000 1.000 퐷, (휃 = 0.50) 562,170 0.014 0.119 0.000 1.000 퐷, (휃 = 0.75) 562,170 0.002 0.046 0.000 1.000 Desvios da Precipitação 562,170 0.017 53.633 -312.651 559.150

Local de Nascimento 562,170 0.984 0.058 0.000 1.000 Idade 562,170 24.947 1.961 14.000 43.000 Idade (quadrado) 562,170 626.218 99.251 196.000 1849.000 Escolaridade 562,170 0.505 0.227 0.000 1.000 Casada 562,170 0.513 0.234 0.000 1.000 Parto Vaginal 562,170 0.546 0.223 0.000 1.000 Brancos 562,170 0.478 0.356 0.000 1.000 Consultas 562,170 0.554 0.259 0.000 1.000 Filhos Mortos 562,170 0.215 0.296 0.000 21.000 Filhos Vivos 562,170 1.305 0.618 0.000 13.000 Nota: Local de nascimento representa a média das mães da AMC que tiveram seus filhos em alguma unidade de saúde; Idade representa a média da idade das mães da AMC; Escolaridade representa a proporção de mães que tiveram 8 anos ou mais de estudo; Casada representa a média de mães casadas; Parto Vaginal é a média de mulheres que tiveram este tipo de parto; Brancos representa a média de mulheres brancas; Consultas presenta a média de mulheres que fizeram 7 ou mais consultas de pré-natal; Filhos Mortos e Vivos representam a quantidade média de filhos vivos e mortos, respectivamente.

1.5.2. Principais resultados

A Figura 3 apresenta os resultados da especificação de referência (Equação 4) considerando um choque de 0.5휎, acima da temperatura média histórica como variável independente (퐷,). As estimativas dessa figura indicam que este choque de alta temperatura diminuem os nascimentos de 8 a 10 meses no futuro. Mais especificamente, meio desvio padrão acima da temperatura média histórica apresenta um efeito de -1.01% oito meses depois da exposição do choque de alta temperatura, -3.27% quando se consideram nove meses, e -2.31% quando se olha para 10 meses no futuro. Estes três efeitos são estatisticamente significantes a 5%. Considerando o período compreendido entre 8 a 10 meses depois da exposição ao choque de 40

temperatura, o efeito nos nascimentos é de -6.62% e, isto representa aproximadamente 1.9% da média do log de nascimentos.

De forma semelhante ao resultado encontrado por Barreca, Deschenes e Guldi (2018) no caso americano, a magnitude do coeficiente do log dos nascimentos 10 meses depois da exposição à flutuação da temperatura sugere que o período crítico ocorre antes do momento da concepção. Isto porque o fato de o maior efeito ocorrer 9 meses depois do choque na temperatura é consistente com a hipótese de que os dias quentes têm um efeito imediato na probabilidade de concepção.

Além disso, a Figura 3 apresenta o primeiro e, provavelmente mais importante, exercício de robustez deste capítulo. As estimativas para os meses de placebo (-3,-2,-1) são relativamente próximas de 0 e não são significantes estatisticamente. Desta forma, tal resultado aumenta a confiança na abordagem proposta, visto que o modelo parece estar livre de tendências espúrias.

Com o intuito de explorar o efeito considerando uma amplitude maior da distribuição da temperatura, verificou-se o comportamento dos nascimentos quando se tem uma exposição a diferentes dimensões de choques de temperatura em nove meses prévios. Para isso, nas Equações 1 e 2, considerou-se o caso em que 휃 assume os valores de 0, 0.25, 0.50 ou 0.75 em 퐷, e, em seguida, em 퐷,. Por fim, plotaram-se estes resultados na Figura 4 e, de forma semelhante ao caso anterior, constatou-se que os choques de altas temperatura tem um efeito expressivo e estatisticamente significante na diminuição dos nascimentos. Em contrapartida, temperaturas mais baixas tem um efeito positivo nos nascimentos nove meses depois da exposição. Desta forma, estes resultados ajudam a aumentar a confiança sobre os resultados que indicam os impactos negativos de altas temperatura sobre o total de nascimentos.

1.5.3. Heterogeneidade

Esta seção tem como objetivo verificar se a temperatura afeta de forma heterogênea os nascimentos quando se considera o gênero, a cor da pele, a idade, a escolaridade ou o contexto regional. Em relação ao gênero, Wilde, Apouey e Jung (2017) destacaram em sua revisão da literatura que os homens requerem mais recursos maternos para se formar e tendem a ser mais frágeis no útero e, desta forma, a temperatura poderia afetar de forma distinta os homens e as mulheres. Usando dados da África, os autores encontraram que um aumento de um grau Celsius 41

Figura 3: Choques de temperatura

Nota: Tem-se que 0, 1, 2, ... , 12 representam os meses prévios ao nascimento em que houve a exposição ao choque de temperatura. De forma semelhante, -3, -2 e -1 representam os meses depois do nascimento em que houve a exposição. Usou-se um intervalo de confiança de 95%. 42

Figura 4: Choques de temperatura com diferentes proporções

Nota: Efeito 9 meses depois da exposição a diferentes dimensões de choque θ. 43

na temperatura média mensal aumenta a fração de mulheres nascidas em 0.249 ponto percentual.

Com o intuito de verificar se há alguma heterogeneidade nos nascimentos quando se considera o gênero para o caso brasileiro, usou-se a especificação de referência separadamente para os meninos e para as meninas. A Figura 5 apresenta os resultados considerando o choque de 0.5휎, acima da temperatura média histórica como variável independente. Considerando o período compreendido entre 8-10 meses depois da exposição ao choque de temperatura, o efeito nos nascimentos dos meninos é de -7.88%, enquanto os das meninas é de -5.75%. No que diz respeito à intensidade dos choques considerando 9 meses após a exposição à temperatura, a Figura 6 sugere que a diferença do efeito entre homem e mulher não é estatisticamente significante.

No que diz respeito à cor da pele, Conway e Trudeau (2019) argumentaram que as condições climáticas poderiam afetar os nascimentos de formas distintas, visto que a pigmentação da pele pode afetar a absorção de Vitamina D e, consequentemente, o risco de aborto. Desta forma, para testar se há alguma heterogeneidade nos nascimentos quando se considera a cor da pele, usou-se a especificação de referência separadamente para as mães brancas e para as negras.

Assim, tem-se que os efeitos agregados considerando o período compreendido entre 8 a 10 meses depois da exposição ao choque de 0.5휎, acima da temperatura média histórica para as mulheres brancas e para as negras foram relativamente próximos, ou seja, -5.77% e -5.57% (ver Tabela 2). Com relação à idade, tem-se que as mães com idade menor ou igual a 24 anos tiveram um efeito agregado de -6.39% e as mães acima de 24 anos tiveram um efeito de -6.09%. Por fim, considerando as mães de baixa escolaridade o efeito agregado foi de -5.68% e, para as mães de alta escolaridade, o efeito foi de -5.27%.

44

Figura 5: Heterogeneidade de gênero

Nota: Tem-se que 0, 1, 2, ... , 12 representam os meses prévios ao nascimento em que houve a exposição ao choque de temperatura. De forma semelhante, -3, -2 e -1 representam os meses depois do nascimento em que houve a exposição. Usou-se um intervalo de confiança de 95%. 45

Figura 6: Heterogeneidade de gênero e diferentes níveis de choques

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Tabela 2: Heterogeneidade por cor, idade e escolaridade (1) (2) (3) (4) (5) (6) 퐵푟푎푛푐표 푁푒푔푟표 퐼푑푎푑푒 퐼푑푎푑푒 퐸푠푐표푙푎푟푖푑푎푑푒 퐸푠푐표푙푎푟푖푑푎푑푒 ≤ 24 > 24

퐷, -0.0120 -0.0078 -0.0148 -0.0046 -0.0089 -0.0081 (0.0041)*** (0.0045)* (0.0036)*** (0.0037) (0.0042)** (0.0040)** 퐷, -0.0296 -0.0221 -0.0257 -0.0334 -0.0231 -0.0293 (0.0042)*** (0.0050)*** (0.0038)*** (0.0038)*** (0.0044)*** (0.0040)*** 퐷, -0.0161 -0.0259 -0.0234 -0.0229 -0.0248 -0.0153 (0.0041)*** (0.0047)*** (0.0039)*** (0.0036)*** (0.0042)*** (0.0039)***

Constante 2.2371 2.1682 2.8320 2.2225 2.2955 2.2785 (0.0411)*** (0.0308)*** (0.0349)*** (0.0317)*** (0.0340)*** (0.0369)***

Observações 563,051 563,051 563,051 563,051 563,051 563,051 R-quadrado 0.9325 0.9448 0.9344 0.9335 0.9196 0.9338 Precipitação Sim Sim Sim Sim Sim Sim Controles Sim Sim Sim Sim Sim Sim Efeito fixo Sim Sim Sim Sim Sim Sim AMC-mês Efeito fixo Sim Sim Sim Sim Sim Sim AMC-ano Efeito fixo mês- Sim Sim Sim Sim Sim Sim ano Cluster AMC AMC AMC AMC AMC AMC Número de áreas 3,203 3,203 3,203 3,203 3,203 3,203 Nota: 퐵푟푎푛푐표 e 푁푒푔푟표 representa o logaritmo do total de crianças nascidas por mães brancas e negras, respectivamente; 퐼푑푎푑푒 ≤ 24 e 퐼푑푎푑푒 >24 representa o logaritmo do total de crianças nascidas por mães com idade menor ou igual a 24 anos e estritamente maior que 24, respectivamente; 퐸푠푐표푙푎푟푖푑푎푑푒 e 퐸푠푐표푙푎푟푖푑푎푑푒, representa o total de crianças nascidas por mães com baixa escolaridade (até 7 anos de estudo) e com alta escolaridade (acima de 7 anos de estudo), respectivamente. O conjunto de controles da AMC 푖 no mês 푡 construídos usando a média são: variáveis binárias indicando se a mãe é casada, se o parto foi vaginal, número de consultas, se o filho nasceu em alguma unidade de saúde, quantidade de filhos vivos e mortos. Assim, foi retirado dessa especificação os seguintes controles: idade da mãe, idade da mãe ao quadrado, escolaridade, raça. Período 2000-2015. *** Significante no nível de 1%; ** Significante no nível de 5%; * Significante no nível de 10%.

Adicionalmente, com o intuito de testar se o efeito é heterogêneo quando se leva em conta as diferenças climáticas entre as regiões, também se analisou o efeito da temperatura quando se considera o contexto regional (ver Tabela 3). Com esta perspectiva, constatou-se que, quando se consideram nove meses após a exposição, o maior efeito foi na região Centro-Oeste. As regiões Norte e Sul, que representam respectivamente a região mais quente e a mais fria do país, apresentaram um efeito na direção esperada. Entretanto, estes efeitos não foram significantes estatisticamente.

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Tabela 3: Heterogeneidade de região (1) (2) (3) (4) (5) Norte Nordeste Centro- Sudeste Sul Oeste

퐷, 0.0231 0.0016 0.0117 0.0024 -0.0070 (0.0295) (0.0083) (0.0123) (0.0072) (0.0068) 퐷, -0.0182 -0.0198 -0.0454 -0.0130 -0.0109 (0.0354) (0.0093)** (0.0134)*** (0.0073)* (0.0067) 퐷, 0.0256 -0.0122 -0.0191 0.0008 -0.0096 (0.0316) (0.0082) (0.0136) (0.0067) (0.0066)

Constante -3.9659 -3.1354 -3.8158 -4.0318 -3.4351 (0.4455)*** (0.1537)*** (0.5323)*** (0.1884)*** (0.2288)***

Observações 40,081 216,801 37,968 165,560 101,757 R-quadrado 0.9644 0.9409 0.9547 0.9629 0.9497 Precipitação Sim Sim Sim Sim Sim Controles Sim Sim Sim Sim Sim Efeito fixo AMC- Sim Sim Sim Sim Sim mês Efeito fixo AMC-ano Sim Sim Sim Sim Sim Efeito fixo mês-ano Sim Sim Sim Sim Sim Cluster AMC AMC AMC AMC AMC Número de áreas 228 1,241 216 942 576 Nota: A variável dependente é 퐵퐼푅푇퐻. Os erros padrão robusto estão entre parêntese. Período 2000-2015. *** Significante no nível de 1% ** Significante no nível de 5% * Significante no nível de 10%

1.6. Robustez

1.6.1. Especificação

Essa seção apresenta alguns exercícios de robustez adicionais. Primeiramente, a Tabela 4 apresenta os resultados da abordagem proposta considerando diferentes especificações. A coluna 1 apresenta os resultados desconsiderando a precipitação e os outros controles. Na coluna 2 acrescentou-se a precipitação. A coluna 3 representa o modelo de referência, com todos os controles, mas considerando AMCs com a população de até 100.000 habitantes. Conforme pode-se notar pelos resultados, diferentes especificações não alteram consideravelmente as estimativas.

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Tabela 4: Robustez – diferentes especificações (1) (2) (3)

퐷, -0.0098 -0.0104 -0.0105 (0.0033)*** (0.0033)*** (0.0035)*** 퐷, -0.0339 -0.0332 -0.0338 (0.0034)*** (0.0034)*** (0.0036)*** 퐷, -0.0248 -0.0245 -0.0234 (0.0033)*** (0.0034)*** (0.0035)*** Constante 3.3565 3.3565 -3.0849 (0.0005)*** (0.0005)*** (0.1023)***

Observações 566,931 566,931 517,751 R-quadrado 0.9499 0.9499 0.9182

Precipitação Não Sim Sim Controles Não Não Sim AMCs com até 100.000 habitantes Não Não Sim Efeito fixo AMC-mês Sim Sim Sim Efeito fixo AMC-ano Sim Sim Sim Efeito fixo mês-ano Sim Sim Sim Cluster AMC AMC AMC Número de áreas 3,203 3,203 2,952 Nota: A variável dependente é 퐵퐼푅푇퐻. Os erros padrão robusto estão entre parêntese. Período 2000-2015. *** Significante no nível de 1% ** Significante no nível de 5% * Significante no nível de 10%

Com o intuito de realizar um exercício de robustez adicional olhando para uma outra forma de mensurar o comportamento das flutuações da temperatura, foi construída uma variável que explora os desvios da temperatura em torno da média histórica:

Δ푇, = 푇, − 휇, (5)

Em que 푇, indica a temperatura média mensal na AMC 푖 no mês 푡 − 푝, 휇, é a temperatura média histórica na AMC 푖 no mês 푡 − 푝. Desta forma, a variável Δ푇, está capturando os desvios mensais da média histórica em cada AMC.

A Tabela 5 apresenta os resultados desta abordagem. De forma semelhante ao caso anterior, consideraram-se várias especificações. Como resultado, nota-se um efeito negativo e significante dos desvios da temperatura em cerca de 8 a 10 meses no futuro. O maior impacto continua ocorrendo 9 meses depois da exposição ao desvio da temperatura.

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Tabela 5: Robustez - desvios da temperatura (1) (2) (3) (4)

Δ푇, -0.0021 -0.0029 -0.0030 -0.0030 (0.0006)*** (0.0007)*** (0.0007)*** (0.0007)*** Δ푇, -0.0130 -0.0144 -0.0143 -0.0143 (0.0006)*** (0.0007)*** (0.0007)*** (0.0007)*** Δ푇, -0.0065 -0.0072 -0.0073 -0.0073 (0.0007)*** (0.0007)*** (0.0007)*** (0.0007)*** Constante 3.3545 3.3545 -2.8704 -3.0851 (0.0001)*** (0.0001)*** (0.1022)*** (0.1023)***

Observações 566,931 566,931 562,167 517,751 R-quadrado 0.9499 0.9499 0.9540 0.9182

Precipitação Não Sim Sim Sim Controles Não Não Sim Sim AMCs com até 100.000 habitantes Não Não Não Sim Efeito fixo AMC-mês Sim Sim Sim Sim Efeito fixo AMC-ano Sim Sim Sim Sim Efeito fixo mês-ano Sim Sim Sim Sim Cluster AMC AMC AMC AMC Nota: A variável dependente é 퐵퐼푅푇퐻. Os erros padrão robusto estão entre parêntese. Período 2000-2015. *** Significante no nível de 1% ** Significante no nível de 5% * Significante no nível de 10%

1.6.2. Base de temperatura

As metodologias empregadas na construção das bases de dados de temperatura variam entre os institutos. Assim, com o intuito de reforçar a robustez dos resultados encontrados, usou-se outra fonte de dados climáticos e forma de agregação. Para isso, usaram-se os dados fornecidos Climatic Research Unit at University of East Anglia, que fornece uma série de tempo mensal de dados de temperatura e precipitação no formato de grade no nível de 0.5° x 0.5°6. Consequentemente, ao invés de usar a metodologia anterior para se calcular a temperatura média mensal das AMCs usando a proporção do território dentro da grade, calculou-se a temperatura e a precipitação entre 2000 a 2010 estimando a média ponderada dos quatros pontos mais próximos da AMC e usou-se a distância linear do centroide como peso7.

6 Harris et al. (2014) fornecem maiores informações sobre a construção e atualização dessa base de dados. 7 Metodologia semelhante também é usada por Barreca, Deschenes e Guldi (2018), Rocha e Soares (2015), Corbi e Ferraz (2017). 50

A abordagem é semelhante a implementada na seção anterior usando os desvios da temperatura em torno da média histórica. A Tabela 6 apresenta os resultados deste exercício de robustez. Na primeira coluna, a especificação desconsidera a precipitação e os demais controles. Na segunda coluna, controla-se pela precipitação. Na terceira coluna, acrescentaram-se todos os controles. Desta forma, os resultados dessa tabela reforçam que existe um efeito negativo e estatisticamente significante no nível de 1% entre o desvio da temperatura em nove meses prévios e os nascimentos. O coeficiente permanece relativamente inalterado entre as diferentes especificações. Consequentemente, este e os outros exercícios de verificação de robustez realizados ajudam a aumentar a confiança nos resultados encontrados.

Tabela 6: Robustez – testando outra base de dados climáticos (1) (2) (3)

Δ푇, -0.0060 -0.0059 -0.0060 (0.0013)*** (0.0014)*** (0.0013)*** Δ푇, -0.0139 -0.0151 -0.0144 (0.0013)*** (0.0013)*** (0.0013)*** Δ푇, -0.0070 -0.0081 -0.0076 (0.0014)*** (0.0014)*** (0.0013)*** Constante 3.3491 3.3492 -3.3666 (0.0002)*** (0.0002)*** (0.1502)***

Observações 279,279 279,279 275,782 R-quadrado 0.9495 0.9495 0.9545

Precipitação Não Sim Sim Controles Não Não Sim Efeito fixo AMC-mês Sim Sim Sim Efeito fixo AMC-ano Sim Sim Sim Efeito fixo mês-ano Sim Sim Sim Cluster AMC AMC AMC Nota: A variável dependente é 퐵퐼푅푇퐻. Os erros padrão robusto estão entre parêntese. Período 2000-2010. *** Significante no nível de 1% ** Significante no nível de 5% * Significante no nível de 10%

1.7. Considerações finais

Dado o cenário de mudanças climáticas, a relação entre clima e seus efeitos em aspectos socioeconômicos constitui um campo de pesquisa que está recebendo considerável atenção nos últimos anos (HSIANG, 2016). Um melhor entendimento dos efeitos do clima permitirá uma análise mais apurada dos custos e benefícios das políticas de mitigação de impactos. Neste 51

contexto, visto que os estudos existentes focaram em países ricos, é necessário um maior entendimento do efeito da temperatura sobre a fecundidade em regiões pobres (BARRECA; DESCHENES; GULDI, 2018; GRACE, 2017). Além disso, tem-se que diversos países apresentam uma taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição e, nesse cenário, o aquecimento global pode se tornar uma variável relevante em questões populacionais.

Este capítulo procurou explorar o efeito das oscilações mensais da temperatura nos nascimentos em um país em vias de desenvolvimento. Para isso, explorou-se os dados do Brasil e, considerando a metodologia implementada, encontrou-se que choques de temperatura causam uma significativa queda nos nascimentos cerca de 8 a 10 meses depois da exposição. Assim como Barreca, Deschenes e Guldi (2018), o fato do maior efeito ser 9 meses depois da exposição ao choque ajuda a fortalecer a hipótese de que a temperatura afeta negativamente a probabilidade de concepção.

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2. NEGRO OU BRANCO? TELEVISÃO E IDENTIFICAÇÃO RACIAL

Resumo

Existe um alto contraste entre a cor da população brasileira e a das pessoas que aparecem diariamente na programação televisiva deste país. Enquanto os brasileiros são majoritariamente negros, a TV é predominantemente branca. Adicionalmente, há um viés racial na imagem e na narrativa propagada por este veículo de comunicação: os brancos costumam ser representados com características positivas e os negros com traços negativos e estereotipados. Assim, tais fatos em conjunto possuem um expressivo potencial de influenciar as crenças e as preferências e, consequentemente, o comportamento da população em relação aos tons de pele. O objetivo deste capítulo é verificar se a televisão teve alguma influência na identificação racial brasileira. Para isso, levou-se em consideração o fato da raça no Censo Demográfico ser autodeclarada e explorou-se a diferença no tempo em que a principal emissora comercial do país, chamada Rede Globo, entrou em cada município. Desta forma, os resultados da metodologia proposta sugerem que a emissora influenciou a declaração racial brasileira. Nesse sentido, a evidência encontrada indica que há um efeito da televisão no embranquecimento das crianças e que o efeito foi maior para as mulheres.

Palavras-chave: Televisão, Diversidade, Viés Racial, Identificação Racial Classificação JEL: J15, L82, O15, Z13

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BLACK OR WHITE? TELEVISION AND RACIAL IDENTIFICATION

Abstract

There is a high contrast between the color of the Brazilian population and that of the people who appear daily in the television programming of this country. While Brazilians are mostly black, TV is predominantly white. Additionally, there is a racial bias in the image and narrative propagated by this communication vehicle: whites are often represented with positive characteristics and blacks with negative and stereotyped traits. Thus, these facts together have a significant potential to influence beliefs and preferences and, consequently, the behavior of the population in relation to skin tones. In this article, the objective is to verify if television had any influence on Brazilian racial identification. For this, we considered the fact that the race in the Demographic Census was self-declared and we explored the difference in the time when the country's main commercial broadcaster, called Rede Globo, entered each municipality. Thus, the results of the proposed methodology suggest that the broadcaster influenced the Brazilian racial declaration. In this sense, the evidence found indicates that there is a television effect on children's whitening and that the effect was greater for women.

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2.1. Introdução

“Me ver pobre, preso ou morto já é cultural” Negro Drama - Racionais

“Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes Achar que essas mazelas me definem, é o pior dos crimes É dar o troféu pro nosso algoz e fazer nóiz sumir” AmarElo - Emicida

O Brasil, último país do continente americano a abolir a escravidão e segunda maior nação negra do mundo, possui uma televisão fundamentalmente representada por pessoas brancas. Neste contexto, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 54,9% da população brasileira se declararam como negros em 2016. Entretanto, de acordo com Araújo (2008), uma parcela expressiva da telenovela, considerada como a principal indústria audiovisual e dramatúrgica do país, foi durante anos essencialmente monocromática. O autor mensurou que, até o final da década de 90, não havia nenhum personagem afrodescendente em 33% das novelas produzidas pela Rede Globo e que existia um pouco mais de 10% de negros na composição do elenco em apenas 33% das novelas da maior emissora comercial do país. Quando se leva em consideração o gênero, deve-se destacar que somente em 2004 o cidadão brasileiro pôde ver a primeira protagonista negra em uma teledramaturgia da emissora. Apesar do tímido avanço recente em relação à representatividade negra, em 2018 a companhia produziu uma novela chamada “Segundo Sol” com um elenco predominantemente branco na Bahia, que consiste no estado com a maior proporção de negros do Brasil.

Todavia, é importante destacar que o branqueamento da população na televisão não é uma exclusividade das novelas e nem da Rede Globo, mas um padrão que pode ser visto em praticamente toda programação televisiva e em qualquer emissora do país. Além disso, também deve-se pontuar que a baixa representatividade de determinados grupos não é uma particularidade da sociedade brasileira. Entretanto, o que chama a atenção neste país é a dimensão com que isso ocorre. Nesse sentido, existe uma forte inconsistência entre a imagem do povo brasileiro e aquela que é difundida pela televisão. Tal fato tem gerado considerável repercussão na mídia internacional8.

8 Em 2017, a emissora Al Jazeera produziu uma reportagem abordando os aspectos relativos à baixa representatividade (AL JAZEERA, 2017). O vídeo está disponível no YouTube com o nome: How is Brazil's diversity represented in the media? Em relação a novela Segundo Sol, o jornal The Guardian fez uma matéria

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Se, por um lado, a baixa representatividade na televisão estabelece um imprescindível campo para pesquisas e debates, por outro lado, a dicotomia dos papéis assumidos por brancos e negros, juntamente com seus respectivos desdobramentos socioeconômicos, aumenta a importância de um melhor entendimento desse tema. Nesse cenário, na teledramaturgia e no cinema, pesquisadores têm chamado a atenção para uma espécie de padronização da aparência branca como o ideal de beleza e de prosperidade (ARAÚJO, 2006, 2008; BRELAND-NOBLE, 2013). Em contrapartida, os negros costumam ser representados como criminosos, marginalizados ou em papéis de subordinação9 (CAMPOS; JÚNIOR, 2015; PEFFLEY; SHIELDS; WILLIAMS, 1996; TAN; TAN, 1979).

Com esta perspectiva, a televisão promove uma narrativa em favor da fisionomia branca diariamente. Assim como a publicidade de uma marca na mídia tende a alavancar a sua reputação, a recorrente propaganda da imagem branca e a estereotipagem da negra pode causar uma alteração significativa na percepção que a sociedade tem em relação aos tons de pele e, consequentemente, afetar seu comportamento em relação a raça.

Nesse contexto, as pessoas tendem a se identificarem com os personagens e confiar que a televisão é uma fonte representativa do mundo real (MARTIN, 2008). Deste modo, crianças e adolescentes absorvem uma quantidade expressiva de informação social por meio deste veículo de comunicação (WRIGHT et al., 2016). Visto que a construção cultural e social interfere diretamente na apropriação racial, a ausência de identificações positivas na televisão pode fazer com que os negros acabem se vendo como inferiores a outros grupos (MARTIN, 2008). Adicionalmente, Peffley, Shields e Williams (1996) encontraram que os estereótipos raciais em relação a população negra são ativados com significativa facilidade por meio da televisão.

No caso brasileiro, embora o discurso explícito de branqueamento possa ter desaparecido, ele parece estar vivo de forma sutil no tecido social. Alguns autores afirmam que o ideal do branqueamento persiste nas crenças dos brasileiros e, com a sua internalização, os não brancos

chamando a atenção para a incompatibilidade entre a cor dos personagens e a real cor dos baianos (THE GUARDIAN, 2018). 9 Segundo o editor da Revista Cinearte: "Fazer um bom cinema no Brasil deve ser um ato de purificação de nossa realidade, através da seleção daquilo que merece ser projetado na tela: o nosso progresso, as obras de engenharia moderna, nossos brancos bonitos, nossa natureza" (apud ARAÚJO, 2008, p. 983). Seguindo essa mesma ideologia, um pouco antes da concorrida eleição de 2018, o candidato a vice presidência do Brasil na chapa do Jair Bolsonaro, que veio a ser presidente em seguida, disse: “Meu neto é um cara bonito, viu ali? Branqueamento da raça”. 57

buscam ascender socialmente (HARRIS, 1964; TELLES, 2002). Dada a tendência dos brasileiros a se branquear com o intuito de ascensão social, no recenseamento de 1991 foi lançando pelo movimento negro uma campanha com o lema: “Não deixe sua cor passar em branco”. Em parte, isso ocorre porque as pessoas tendem a evitar se classificarem como não brancas, visto que os negros estão associados a aspectos negativos como, por exemplo, pobreza e violência (SOUZA, 1983).

Neste cenário, a TV tende a reforçar esse tipo de associação e, consequentemente, pode se tornar um poderoso instrumento de reprodução implícita de crenças e valores raciais. Por sua vez, dada a recorrente construção de uma imagem e de uma narrativa positiva da identidade branca, é possível que as pessoas com pele mais clara recebam no curso de suas vidas um conjunto de privilégios que são derivados da naturalização dessa construção no imaginário coletivo.

Estes privilégios poderiam assumir diversas formas. Dada a construção do ideal de beleza e de status social, tons de pele claro poderiam afetar positivamente o conjunto de escolha de potenciais parceiros(as) afetivos, assim como os brancos poderiam ter maiores vantagens na disputa pelo espaço político e na obtenção de direitos sociais. No mercado de trabalho ou nas salas de aulas, inconscientemente ou conscientemente, os brancos poderiam ser mais valorizados. A constante associação da pele negra com criminalidade e violência tem o potencial de gerar um viés racial em condutas policiais e jurídicas. Por sua vez, a contínua degradação da imagem negra poderia deteriorar a autoestima deste grupo populacional e, consequentemente, repercutir no seu comprometimento com aspectos relacionados à própria saúde e, de uma forma geral, nas suas aspirações sociais. Nessa conjectura, a televisão se torna num mecanismo com um relevante potencial de propagação de crenças, valores e, consequentemente, pode afetar as desigualdades socioeconômicas entre os grupos raciais.

Apesar dos diversos possíveis efeitos, a relação entre televisão, identidade racial e seus impactos não constitui um campo de pesquisa significativamente explorado pela atual literatura econômica. De uma forma geral, no que diz respeito a identidade, Akerlof e Kranton (2000) argumentaram que a sua incorporação na análise econômica teria o potencial de ajudar a explicar muitos fatos que a teoria econômica atual não consegue e, assim, contribuiria para fornecer uma nova visão dos problemas econômicos. Com esta perspectiva, o presente capítulo procura investigar se a televisão influenciou a autodeclaração racial brasileira. Este capítulo

58

representa a primeira tentativa de testar esta relação de forma causal usando técnicas econométricas no assunto.

Com este intuito, propõe-se um modelo que utiliza a expansão do sinal da Rede Globo no período compreendido entre 1980 a 2000 na estratégia de identificação e, como pressuposto, considera-se que a variação no tempo em que o sinal da emissora chegou em cada município funciona como um experimento natural e, portanto, não está correlacionada com o termo de erro da regressão. Uma importante preocupação relacionada a esta abordagem deriva do fato da possibilidade de a Rede Globo entrar primeiro em lugares com alguma tendência prévia na autodeclaração racial. No entanto, conforme argumenta La Ferrara et al. (2012), a expansão da emissora foi motivada pelo clientelismo político do governo militar e, tal falto, minimiza a possibilidade de a entrada da Rede Globo estar correlacionada com alguma tendência pré- existente na declaração.

Em relação à variável dependente, vale ressaltar que no Censo Demográfico Brasileiro as pessoas declaram a sua cor e que a população negra é formada pelo conjunto dos que se autodeclaram como pretos ou pardos. Assim, usa-se a parcela de filhas e filhos brancos ou amarelos (Asiáticas) nos domicílios, condicionando para o fato de que ao menos um dos pais seja negro ou negra. Com isto, procura-se limitar os possíveis efeitos da dinâmica demográfica na análise e estimar o efeito da Rede Globo na declaração separadamente de outros fatores que podem afetar a identificação racial.

Os resultados do modelo proposto sugerem que a Rede Globo influenciou a declaração racial brasileira. A parcela de pais declarando seus filhos(as) como brancos(as) aumentou. Além disso, o valor do coeficiente da Globo é maior para as filhas dos que para os filhos. Assim, os resultados deste capítulo fornecem evidência no sentido que o conteúdo difundido pela televisão pode fazer com que os pais embranqueçam suas filhas e filhos. Inerente a tal comportamento, pode se ter a percepção pelos pais de que a imagem branca está associada a um maior status socioeconômico e, essa revalorização racial tem o potencial para gerar uma série de distorções.

Uma medida natural em termos de política pública com o intuito de mitigar tal efeito seria estimular a diversidade racial na televisão. Adicionalmente, pesquisas recentes têm encontrado evidências de que, uma vez que a população tem conhecimento sobre a existência de estereótipos, há uma mudança no comportamento no sentido de diminuir seus efeitos 59

(ALESINA et al., 2018; POPE; PRICE; WOLFERS, 2018). Consequentemente, a conscientização da população da baixa representatividade e de que a televisão pode funcionar como um veículo de propagação de estereótipos pode se tornar uma intervenção relevante com o objetivo diminuir a discriminação10.

2.2. Literatura prévia

2.2.1. Viés racial

Existem diversos trabalhos na literatura que procuraram analisar vieses derivados da tonalidade da pele (ADAMS; KURTZ-COSTES; HOFFMAN, 2016). Experimentos usando bonecas com diferentes características raciais, voltados para analisar o comportamento das crianças, indicaram que, tanto as negras quanto as brancas agiam fornecendo privilégios para as bonecas brancas (CLARK; CLARK, 1950; KURTZ-COSTES et al., 2011). Averhart e Bigler (1997) sugeriram que as crianças tendiam a recordar melhor os aspectos negativos de pessoas de peles escuras e aspectos positivos de pessoas de peles mais claras. Williams e Davidson (2009) pediram para crianças classificarem fotos de outras crianças de pele clara e escura para vários traços, tanto positivos quanto negativos e, como resultado, encontraram que as crianças foram mais propensas a identificar as negras de pele clara com características positivas, enquanto as negras de pele mais escura foram classificadas com traços negativos.

Um padrão semelhante foi encontrado em pesquisas realizadas com adolescentes americanos. Robinson e Ward (1995) constataram por meio das suas entrevistas que a maioria dos adolescentes americanos de pele escura relataram que desejavam ter a pele mais clara. De acordo com Breland (1998), os americanos com pele mais clara tendiam a serem vistos como mais atraentes e competentes. No que diz respeito aos estudos com adultos, Maddox e Gray (2002) destacam que os estudantes universitários eram mais propensos a usar rótulos piores para descrever mulheres negras de pele escura em comparação com as mulheres negras de pele mais clara. Estas últimas, por sua vez, eram mais propensas a serem descritas como atraentes e inteligentes. De forma semelhante, em Wilder (2010), a pele clara era recorrentemente associada a beleza, privilégio e inteligência e, em contrapartida, a pele escura costumava ser relacionada com estereótipos negativos.

10 É importante pontuar que a propagação de estereótipos na televisão não se restringe à questão racial, mas também pode ser estendida, como por exemplo, a gênero, sexualidade, obesidade, etc.

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É relevante destacar também os avanços recentes em pesquisas que procuram analisar a existência de viés racial implícito usando imagens de ressonância magnética. Neste contexto, estudos relataram uma ativação maior da matriz de dor cerebral quando os participantes observaram um ator de mesma raça recebendo algum estímulo prejudicial do que quando visualizaram um ator de outra raça (AZEVEDO et al., 2013; BERLINGERI et al., 2016). Em Palma et al. (2019), os participantes da pesquisa precisavam de mais tempo para julgar uma experiência dolorosa sofrida por um ator negro do que um branco.

No que se refere a questão racial no Brasil, é importante destacar o papel da ideologia do branqueamento, que era amplamente aceita no final da escravidão em 1888. Nesse período, havia um receio por parte da elite brasileira com o fato da expressiva população negra dar a aparência de país de segunda classe (TELLES, 2002). Com o intuito de embranquecer a população, a imigração europeia foi incentivada. Nesse cenário, acreditava-se que os genes dos brancos eram dominantes e com o casamento, haveria um embranquecimento da população e, consequentemente, isto mudaria o status do Brasil no mundo (SKIDMORE, 2012).

Assim, acredita-se que a ideologia do branqueamento ainda persiste no ideal do brasileiro (TELLES, 2002). Harris (1964) afirma que os negros são abstratamente considerados como inferiores em termos de inteligência, honestidade, confiabilidade e que as características dos negros são consideradas menos desejáveis e belas até mesmo pelos próprios negros. Nesse cenário, a televisão pode se tornar num poderoso instrumento de reprodução implícita de crenças raciais e tal fato poderia afetar o juízo de valor que as pessoas dão para os diferentes tons de pele.

2.2.2. Televisão

Em 2016, os brasileiros assistiram mais de 6 horas de TV por dia. Nesse mesmo ano, as mulheres passaram em média 37 minutos a mais que os homens diante do televisor11. Segundo a revista The Economist, cerca de 91 milhões de pessoas, pouco menos da metade da população brasileira, assistem a Rede Globo – que representa a maior emissora comercial de televisão do Brasil – todos os dias. Nos Estados Unidos, esse índice de audiência só é alcançado uma vez por ano no Super Bowl12.

11 Fonte: Kantar IBOPE Media (2017). 12 Fonte: The Economist (2014). 61

A baixa representatividade racial está presente em quase toda a programação da televisão. Entretanto, é importante destacar as novelas, visto que são consideradas como um poderoso instrumento de difusão e formação da identidade brasileira (CAMPOS; JÚNIOR, 2015; RIOS- NETO, 2001). Com este propósito, Campos e Júnior (2015) olharam para a representatividade na TV considerando os personagens principais das novelas da Rede Globo no período compreendido entre 1984 a 2014 e encontraram que 91,3% dos seus personagens centrais foram representados por atores e atrizes brancos. Adicionalmente, os autores verificaram que não houve nenhum escritor ou diretor negro na produção das novelas no período analisado. No que se refere ao período mais recente, Goulart (2018) coletou dados de 2014 a 2018 considerando todos os personagens das novelas da Rede Globo e verificou que apenas 15% eram negros. Além disso, durante a coleta de dados a autora notou que geralmente os personagens negros são conhecidos apenas pelo primeiro nome, enquanto os brancos são conhecidos pelo nome e sobrenome. No caso das crianças negras, elas costumam ser identificadas por seus apelidos (GOULART, 2018).

Nesse contexto, é importante destacar que o sinal de uma emissora não termina na televisão, mas pode se propagar de diferentes formas sobre a conduta social. Evidências empíricas da influência da mídia no comportamento humano tem crescido nos últimos anos e resultados interessantes foram encontrados na fecundidade (KEARNEY; LEVINE, 2015; LA FERRARA; CHONG; DURYEA, 2012; TRUDEAU, 2016), nomes das crianças (LA FERRARA; CHONG; DURYEA, 2012), eleições (CAVGIAS et al., 2019; DELLAVIGNA; KAPLAN, 2007), desempenho escolar (SHAPIRO; GENTZKOW, 2008), divórcio (CHONG; LA FERRARA, 2009), etc.

No caso dos países pobres e em desenvolvimento, o papel da televisão na sociedade tende a ser mais acentuado. Isto porque estes países apresentam um baixo nível de escolaridade e uma alta taxa de analfabetismo (LA FERRARA; CHONG; DURYEA, 2012). Consequentemente, a informação por via oral tende a ser mais relevante e influente. Além disso, a televisão representa um poderoso veículo de transmissão de informação, crenças e valores para grande parcela da população a um baixo custo (LA FERRARA; CHONG; DURYEA, 2012).

Nos Estados Unidos, uma pesquisa realizada pela instituição Children Now encontrou que as crianças e adolescentes de todas raças associam características positivas aos personagens caucasianos na TV e negativas para os latinos e afro-americanos (CHILDREN NOW, 1998).

62

Além disso, a ausência de minorias na TV pode fazer com que estes grupos apresentem baixa autoestima e se sintam menos dignos de atenção e respeito (MARTIN, 2008).

Em relação às mulheres, Hill (2002) destaca que existem diversos produtos de beleza comercializados para mulheres negras que são voltados para fazê-las mais fenotipicamente brancas, como por exemplo, os cremes clareadores da pele e alisadores químicos. Neste contexto, o fato das mulheres negras que aparecem na televisão apresentarem pele mais clara pode perpetuar a ideia de que as mulheres negras precisam ter a pele clara para serem consideradas atraentes (ADAMS; KURTZ-COSTES; HOFFMAN, 2016).

2.2.3. Economia, cultura e identidade

Durante muito tempo os economistas foram relutantes em incorporar a cultura na análise econômica e, em parte, isto se deve ao fato da dificuldade de estabelecer hipóteses testáveis nesse campo de estudo (GUISO; SAPIENZA; ZINGALES, 2006). De uma forma geral, a cultura pode ser definida como as crenças e os valores ou preferências que são transmitidos pelos grupos sociais com pouca alteração entre as gerações e, consequentemente, pode moldar a identidade e fazer com que algumas categorias sociais se tornem mais proeminentes que outras (GUISO; SAPIENZA; ZINGALES, 2006). Nesse contexto, a identidade tem o potencial de impactar de diversas formas o comportamento humano e, consequentemente, afetar de maneiras distintas os resultados econômicos alcançados pelos diferentes grupos sociais.

Com o intuito de incorporar essa ideia na economia, Akerlof e Kranton (2000) propuseram uma função de utilidade em que a identidade de cada indivíduo está associada com as possíveis categorias sociais e, assim, o seu comportamento deveria ser diretamente influenciado por meio das prescrições ou normas sociais de cada categoria. Assim, Akerlof e Kranton (2000) propuseram a seguinte função de utilidade:

푈 = 푈(풂풋, 풂풋, 퐼) (6)

Essa função diz que a utilidade do indivíduo 푗 depende das suas ações 풂풋, das ações dos demais

풂풋 e da sua identidade 퐼. Por sua vez, a identidade 퐼 pode ser representada por:

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퐼 = 퐼풂풋, 풂풋; 풄풋, ε, 푷 (7)

Desta forma, a identidade de um indivíduo está associada com a dimensão em que as suas ações e a dos outros indivíduos estão correspondendo ao comportamento prescrito ou normal social em 푷. Assim como depende das possíveis categorias sociais 풄풋 e do status social de cada categoria 퐼(. ). Nesse contexto, uma pessoa que se identifica com uma categoria que possui um maior status pode desfrutar dos benefícios que a imagem daquela categoria oferece. Entretanto, isso vai depender diretamente do quanto as características do individuo 휀 estão próximas da categoria assinalada, que é indicada pelas prescrições 푷 (AKERLOF; KRANTON, 2000).

No que se refere a questão racial, pode-se pensar em duas categorias sociais, ou seja, os “brancos” e os “não brancos”. Por sua vez, estas categorias estão associadas com um comportamento apropriado para as pessoas em cada categoria em diferentes situações, assim como estão relacionadas com um padrão de características físicas. Visto que a identidade branca está associada a um status social mais alto do que a identidade não branca, as pessoas podem se beneficiar quando seus atributos físicos e comportamentais estão próximos do que seria o ideal branco. Nesse contexto, existe um considerável incentivo socioeconômico para os indivíduos quererem se juntar à categoria branca. Assim, os não brancos poderiam se identificar como brancos e agir ativamente com o intuito de se integrar a este grupo racial. Desde modo, ao longo do tempo, os não brancos poderiam abandonar seus costumes em favor da cultura dominante e até mesmo modificar sua aparência por meio de alisadores de cabelo, cremes clareadores, cirurgias plásticas etc.

Por sua vez, esse comportamento pode reforçar a desvalorização social dos não brancos. Isso ocorre porque a identidade está relacionada com um novo tipo de externalidade em que as ações de uma pessoa podem gerar respostas em outras. Tomando como exemplo o caso do gênero, um homem usando vestido poderia afetar diretamente a identidade de outro homem (AKERLOF; KRANTON, 2000). De forma semelhante, o embranquecimento de um indivíduo negro influencia a visão e o comportamento que outros indivíduos têm sobre a sua identidade e isto pode reforçar a cultura dominante. Em contrapartida, uma adesão maior à identidade negra pode criar uma espécie de dissonância no tecido social.

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De uma forma geral, a identidade representa um canal pelo qual as preferências podem ser mudadas. Nesse aspecto, a propaganda pode manipular diretamente a noção de identidade. Akerlof e Kranton (2000) destacam que a publicidade pode afetar as prescrições e cita o exemplo do cigarro Marlboro, que promoveu a imagem de que o homem e a mulher ideal deveriam estar com o cigarro certo. De forma semelhante, a televisão tem o potencial de afetar diretamente o comportamento prescrito ou as normas sociais realizando uma massiva propaganda da identidade branca como o ideal social. Essa implícita superioridade racial, presente no conteúdo propagado pela TV, pode afetar de forma sutil a conduta social, reproduzindo e difundindo de forma velada uma ideologia discriminatória.

2.3. Estratégia empírica

Com o objetivo de analisar se a televisão teve alguma influência na identificação racial no Brasil, a proposta deste capítulo é explorar a variação no tempo que a emissora televisiva Rede Globo entrou em cada município. Assim, para estimar esta relação, propõe-se o seguinte modelo empírico:

퐶퐻퐼퐿퐷 = 휑퐺푙표푏표 + 푋훽 + 휇 + 휆 + 휀 (8)

Em que 퐶퐻퐼퐿퐷 representa a razão da quantidade de filhas(os) brancas ou amarelas sobre o total de filhas(os) no domicílio 푖, na Área Mínima Comparável (AMC)13 푗, no ano 푡 e condicionado para o fato de que ao menos um dos pais seja negro. Em outras palavras, nessa especificação, pode-se ter domicílios em que o pai e a mãe são negros, assim como domicílios em que somente um indivíduo do casal seja negro. 퐺푙표푏표 é uma variável binária igual a 1 se a AMC 푗 tinha o sinal da Rede Globo no ano 푡 e 0 caso contrário; 푋 é um conjunto de controles que varia no tempo; 휇 e 휆 são, respectivamente, efeito fixo de área e ano; 휀 é o termo de erro.

13 No Brasil, uma série de municípios se desmembraram ao longo do tempo. Assim, as AMCs representam a menor unidade geográfica que permite comparação através dos anos. 65

2.4. Base de dados

2.4.1. Autodeclaração racial

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realiza em todo o território nacional os Censos Demográficos. No que diz respeito à cor da pele ou raça14, a coleta de dados é baseada na autodeclaração e, desta forma, o morador do domicílio entrevistado pode prestar as informações sobre si mesmo e, também, sobre todos os demais moradores do domicílio. Assim, a primeira fonte de dados do capítulo consiste nos microdados advindos dos Censos de 1980, 1991 e 2000. Vale destacar que o Censo Demográfico de 1970 não teve a pergunta sobre raça.

2.4.2. Rede Globo

A segunda fonte de dados advém do artigo publicado por La Ferrara, Chong e Duryea (2012) e consiste na expansão temporal da cobertura da Rede Globo nas AMCs. Assim, para cada AMC se tem a variável binária 퐺푙표푏표. Em 1980, cerca de 35,52% das AMCs tinham o sinal da emissora. Este número passou para 85,78% em 1990, chegando a 89,58% em 2000. Desta forma, a base final é o agrupamento, conforme o código identificador da AMC, entre as duas bases.

2.5. Resultados

Os resultados da estratégia empírica sugerida neste capítulo são apresentados nessa seção e, em seguida, tem se uma discussão a respeito da identificação e da robustez.

2.5.1. Análise descritiva

Desde a década de 1940, existe uma tendência de queda da parcela de brancos na população brasileira (PETRUCCELLI, 2012). Entretanto, conforme pode ser visualizado por meio da Figura 7, embora tenha existido uma queda da proporção desse subgrupo populacional no período compreendido entre 1980 a 2010, houve um aumento na sua proporção na década de 1990.

14 A cor da pele e a raça são considerados conceitos intercambiáveis no Brasil (RANGEL, 2015).

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Figura 7: Distribuição percentual da população branca e negra no Brasil

Fonte: Elaboração própria a partir dos Censos Demográficos de 1980, 1991, 2000 e 2010. 67

Por meio da Figura 8 nota-se que o padrão de declaração racial é distinto quando se compara mulher e homem, pois a proporção de mulheres declaradas como brancas é relativamente maior do que os homens. Adicionalmente, conforme se pode verificar por meio desta figura, a diferença cresceu ao longo do tempo. Uma possível hipótese para explicar esse padrão seria que a pressão social para o embranquecimento das mulheres seja maior do que para os homens.

A Figura 9 apresenta os histogramas da diferença da proporção de mulheres e homens brancos nas faixas de idades de 0-15, 16-30, 31-45 e 46-60; nos censos compreendidos entre 1980 a 2010. É interessante notar que essa diferença aumentou em todas faixas de idade no período compreendido entre 1980 a 2000 e caiu no censo de 2010, que representa o primeiro censo demográfico depois da introdução de cotas raciais para entrar em universidades públicas. Além disso, a faixa de 16-30 apresenta a maior diferença. É importante pontuar que essa faixa etária representa um momento em que questões relacionadas à aparência e a beleza tendem a ter uma dimensão expressiva e, assim, poderiam ter um efeito considerável na identificação racial. Adicionalmente, as mulheres tendem a ser mais pressionadas do que os homens no que se refere ao padrão dominante de beleza.

No Censo Demográfico de 2000 existe uma variável que identifica quem está respondendo e, com esta informação, pode-se verificar se existe alguma discrepância na declaração racial entre quem responde e quem não responde. Por meio da Tabela 7 nota-se que 55,1% das pessoas que responderam o Censo se declararam como brancas, enquanto estas mesmas pessoas disseram que 53,2% do resto da população seria branca. No caso das mulheres, 55,6% se declararam como brancas, enquanto no caso dos homens, 54,1% se declararam como brancos. Desta forma, estes resultados fornecem indícios de que as pessoas tendem a se embranquecer e reforça a hipótese de que o efeito seja mais forte para as mulheres.

Também é importante destacar que quando se condiciona para o gênero de quem responde, nota-se que os homens tendem a classificar as mulheres como brancas numa proporção maior do que as próprias mulheres. Conforme pode-se visualizar na Tabela 8, os homens classificaram 55,4% das mulheres como brancas, enquanto as mulheres classificaram 54,3% das mulheres como brancas.

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Figura 8: Diferença entre o percentual de mulheres e homens por raça

Nota: O gráfico acima representa a evolução temporal da diferença da proporção de mulheres e homens por raça. Fonte: Elaboração própria a partir dos Censos Demográficos de 1980, 1991, 2000 e 2010.

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Figura 9: Histogramas da diferença da proporção de mulheres e homens brancos

Nota: O gráfico acima representa a diferença da proporção de mulheres e homens brancos por faixas de idade nos Censos Demográficos compreendidos entre 1980 a 2010.

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Tabela 7: Responde e não responde o Censo Responde Não responde Mulher 67,7% 44,3% Homem 32,3% 55,7% Brancos 55,1% 53,2% Mulher branca 55,6% 54,7% Homem branco 54,1% 52,0% Nota: Elaboração própria a partir dos Censos Demográficos de 2000.

Tabela 8: Percentual de brancos condicional ao gênero de quem responde Mulher branca Homem branco Diferença Mulher responde 54.3% 51.8% 2.5% Homem responde 55.4% 52.3% 3.1% Nota: Elaboração própria a partir dos Censos Demográficos de 2000.

2.5.2. Principais resultados

A Tabela 9 apresenta os resultados do modelo proposto. A variável dependente 퐶퐻퐼퐿퐷 representa a parcela de filhas(os) não negras (brancas ou amarelas), em que pelo menos um pai ou mãe no domicílio 푖 é negro, vivendo na AMC 푗. 퐺푙표푏표 é uma variável binária que indica se a área 푗 onde a família vivia tinha o sinal da emissora naquele ano. Assim, estima-se o modelo agrupando os erros padrão por AMC. O Painel A apresenta os resultados para as filhas. A primeira especificação representa o modelo controlando somente para o efeito fixo de ano. Na segunda e na terceira colunas, acrescenta-se o efeito fixo de Estado e de AMC, respectivamente. Desta forma, tem-se que o efeito da Rede Globo no embranquecimento das filhas foi positivo e significativo. O coeficiente da Globo foi de 0.0448 na coluna que controla somente para o efeito fixo de ano e passou para 0.0118 na coluna que também controla para o efeito fixo de AMC.

Nas colunas de 4 a 9, acrescentou-se o seguinte conjunto de controles: idade da mãe em nível e ao quadrado, crianças nascidas vivas em nível e ao quadrado, estudo do chefe da família, estudo da mãe, índice de riqueza15, variáveis binárias indicando se a mãe é casada, se é católica e se o domicílio está localizado na zona urbana. A educação do chefe foi adicionada somente nas especificações das colunas 4-6 e a educação da mãe nas 7-9. Levando-se em consideração

15 O índice de riqueza foi construído por meio de uma média simples levando em consideração se o domicílio possuía as seguintes características: automóvel, telefone, rádio, eletricidade, acesso a saneamento e abastecimento de água. 71

Tabela 9: Rede Globo e autodeclaração racial – efeitos sobre as filhas (1) (2) (3) Painel A

Globo 0.0448 0.0199 0.0118 (0.0103)*** (0.0035)*** (0.0038)*** Constante 0.1864 0.1995 0.2044 (0.0037)*** (0.0020)*** (0.0015)***

Observações 4,170,618 4,170,618 4,170,618 R-quadrado 0.0085 0.0415 0.0543 Efeito fixo de ano Sim Sim Sim Efeito fixo de área Não UF AMC Número de Áreas 27 3.658

(4) (5) (6) (7) (8) (9) Painel B

Globo 0.0157 0.0087 0.0107 0.0170 0.0093 0.0106 (0.0076)** (0.0035)** (0.0036)*** (0.0075)** (0.0035)*** (0.0036)*** Idade -0.0050 -0.0048 -0.0046 -0.0051 -0.0049 -0.0047 (0.0003)*** (0.0003)*** (0.0002)*** (0.0003)*** (0.0002)*** (0.0002)*** Idade² 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** Crianças -0.0162 -0.0140 -0.0138 -0.0156 -0.0127 -0.0124 (0.0006)*** (0.0004)*** (0.0004)*** (0.0007)*** (0.0004)*** (0.0004)*** Crianças² 0.0008 0.0007 0.0007 0.0007 0.0006 0.0006 (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** Estudo Chefe 0.0066 0.0082 0.0091 (0.0005)*** (0.0002)*** (0.0002)*** Estudo Mãe 0.0066 0.0088 0.0096 (0.0005)*** (0.0003)*** (0.0002)*** Riqueza 0.1946 0.1228 0.1377 0.2002 0.1240 0.1388 (0.0094)*** (0.0049)*** (0.0036)*** (0.0096)*** (0.0051)*** (0.0039)*** Casada 0.0513 0.0471 0.0396 0.0496 0.0449 0.0376 (0.0027)*** (0.0017)*** (0.0017)*** (0.0029)*** (0.0018)*** (0.0018)*** Católica 0.0022 0.0095 0.0050 0.0013 0.0090 0.0048 (0.0021) (0.0013)*** (0.0012)*** (0.0021) (0.0013)*** (0.0012)*** Urbano -0.0131 -0.0179 -0.0085 -0.0130 -0.0180 -0.0093 (0.0032)*** (0.0025)*** (0.0014)*** (0.0032)*** (0.0024)*** (0.0014)*** Constante 0.2708 0.2782 0.2680 0.2701 0.2758 0.2670 (0.0062)*** (0.0050)*** (0.0049)*** (0.0060)*** (0.0047)*** (0.0046)***

Observações 4,170,618 4,170,618 4,170,618 4,170,618 4,170,618 4,170,618 R-quadrado 0.0453 0.0665 0.0792 0.0452 0.0669 0.0795 Efeito fixo de Sim Sim Sim Sim Sim Sim ano Efeito fixo de Não UF AMC Não UF AMC área Número de 27 3.658 27 3.658 Áreas Nota: A variável dependente: 퐶퐻퐼퐿퐷. Os erros padrão robusto estão entre parêntese. *** Significante no nível de 1% ** Significante no nível de 5% * Significante no nível de 10%

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a coluna 6, que representa o resultado de referência deste capítulo, tem-se que o coeficiente da Globo foi de 0.0107. Visto que a média de filhas brancas na amostra foi 0.24, este coeficiente representa aproximadamente 4.5% do valor médio da variável de interesse16. Desta forma, tem- se que o efeito da Globo foi positivo e significante a 1% em todas as colunas. Além disso, constata-se que o efeito varia pouco entre as diferentes especificações.

A Tabela 10 apresenta os resultados para os filhos usando as mesmas especificações que foram usadas para estimar o efeito para as filhas. Conforme pode-se verificar por meio desta tabela, o coeficiente da Globo foi relativamente menor para os meninos e foi significante em todas as colunas.

Em relação aos efeitos heterogêneos, considerou-se a interação entre a Globo e os anos de educação do chefe da família, os anos de educação da mãe e a riqueza. Com isso, no que se refere as meninas, constatou-se que o efeito do embranquecimento foi mais forte nos domicílios que apresentam uma pior condição socioeconômica (ver Tabela 11).

Outra possibilidade de heterogeneidade no efeito analisada foi em relação à idade da mãe. Conforme pode-se visualizar por meio da Tabela 12, considerando o caso das filhas, o efeito é maior para as mães que tem menos de 25 anos de idade e este resultado sugere que as mães jovens podem ser mais influenciadas pela televisão.

2.5.3. Identificação e exercícios adicionais

Com o intuito de realizar o primeiro teste da estratégia de identificação proposta, realizou-se o teste de falsificação presente na Tabela 13. Assim, criou-se uma variável de placebo que corresponde à entrada da Rede Globo uma década depois da entrada observada e, conforme pode-se verificar por meio da Tabela 13, o placebo não tem qualquer impacto na especificação usada.

16 As estatísticas descritivas estão no apêndice nas Tabela 16 e Tabela 17. 73

Tabela 10: Rede Globo e autodeclaração racial – efeitos sobre os filhos (1) (2) (3) Painel A

Globo 0.0428 0.0174 0.0076 (0.0104)*** (0.0031)*** (0.0037)** Constante 0.1704 0.1836 0.1892 (0.0035)*** (0.0018)*** (0.0013)***

Observações 4,325,392 4,325,392 4,325,392 R-quadrado 0.0069 0.0418 0.0541 Efeito fixo de ano Sim Sim Sim Efeito fixo de área Não UF AMC Número de Áreas 27 3.658 (4) (5) (6) (7) (8) (9) Painel B

Globo 0.0140 0.0066 0.0073 0.0154 0.0072 0.0071 (0.0075)* (0.0033)** (0.0035)** (0.0075)** (0.0032)** (0.0036)** Idade -0.0058 -0.0056 -0.0054 -0.0059 -0.0057 -0.0055 (0.0003)*** (0.0003)*** (0.0003)*** (0.0003)*** (0.0003)*** (0.0003)*** Idade² 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** Crianças -0.0166 -0.0143 -0.0141 -0.0160 -0.0129 -0.0126 (0.0006)*** (0.0004)*** (0.0004)*** (0.0006)*** (0.0004)*** (0.0004)*** Crianças² 0.0008 0.0007 0.0007 0.0007 0.0006 0.0006 (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** (0.0000)*** Estudo Chefe 0.0070 0.0087 0.0097 (0.0005)*** (0.0003)*** (0.0002)*** Estudo Mãe 0.0070 0.0094 0.0102 (0.0005)*** (0.0003)*** (0.0002)*** Riqueza 0.1919 0.1172 0.1300 0.1977 0.1184 0.1310 (0.0096)*** (0.0051)*** (0.0042)*** (0.0098)*** (0.0053)*** (0.0044)*** Casada 0.0496 0.0459 0.0389 0.0478 0.0436 0.0367 (0.0024)*** (0.0015)*** (0.0016)*** (0.0025)*** (0.0017)*** (0.0018)*** Católica 0.0028 0.0103 0.0061 0.0017 0.0098 0.0059 (0.0019) (0.0012)*** (0.0011)*** (0.0019) (0.0012)*** (0.0011)*** Urbano -0.0151 -0.0194 -0.0103 -0.0150 -0.0195 -0.0112 (0.0030)*** (0.0022)*** (0.0013)*** (0.0030)*** (0.0022)*** (0.0013)*** Constante 0.2748 0.2825 0.2740 0.2740 0.2800 0.2728 (0.0067)*** (0.0054)*** (0.0052)*** (0.0063)*** (0.0050)*** (0.0047)***

Observações 4,325,392 4,325,392 4,325,392 4,325,392 4,325,392 4,325,392 R-quadrado 0.0483 0.0705 0.0828 0.0482 0.0710 0.0831 Efeito fixo de ano Sim Sim Sim Sim Sim Sim Efeito fixo de área Não UF AMC Não UF AMC Número de Áreas 27 3.658 27 3.658

Nota: A variável dependente: 퐶퐻퐼퐿퐷. Os erros padrão robusto estão entre parêntese. *** Significante no nível de 1% ** Significante no nível de 5% * Significante no nível de 10%

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Tabela 11: Efeitos heterogêneos (1) (2) (3) (4) (5) (6) Filhas Filhos

Globo 0.0136 0.0129 0.0147 0.0084 0.0084 0.0098 (0.0034)*** (0.0034)*** (0.0037)*** (0.0033)** (0.0034)** (0.0036)*** Globo × Estudo chefe -0.0013 -0.0005 (0.0004)*** (0.0004) Globo × Estudo mãe -0.0010 -0.0006 (0.0004)** (0.0004) Globo × Riqueza -0.0116 -0.0075 (0.0055)** (0.0053) Estudo chefe 0.0102 0.0091 0.0101 0.0097 (0.0004)*** (0.0002)*** (0.0004)*** (0.0002)*** Estudo mãe 0.0105 0.0107 (0.0004)*** (0.0004)*** Riqueza 0.1373 0.1386 0.1468 0.1298 0.1309 0.1359 (0.0037)*** (0.0039)*** (0.0048)*** (0.0043)*** (0.0045)*** (0.0046)***

Observações 4,170,618 4,170,618 4,170,618 4,325,392 4,325,392 4,325,392 R-quadrado 0.0793 0.0795 0.0792 0.0828 0.0831 0.0828 Controles¹ Sim Sim Sim Sim Sim Sim Efeito fixo de ano Sim Sim Sim Sim Sim Sim Efeito fixo de área AMC AMC AMC AMC AMC AMC Nota: A variável dependente: 퐶퐻퐼퐿퐷. Os erros padrão robusto estão entre parêntese. Controles¹ representa os mesmos controles usados na especificação de referência (Idade, Idade², Crianças, Crianças², Estudo Chefe, Estudo Mãe, Riqueza, Casada, Católica, Urbano). *** Significante no nível de 1% ** Significante no nível de 5% * Significante no nível de 10%

Tabela 12: Efeitos de idade (1) (2) (3) (4) <=25 anos >25 anos <=25 anos >25 anos Filhas Filhos Globo 0.0124 0.0098 0.0066 0.0066 (0.0051)** (0.0034)*** (0.0045) (0.0035)*

Observações 602,152 3,568,466 616,963 3,708,429 R-quadrado 0.0899 0.0769 0.0893 0.0805 Controles¹ Sim Sim Sim Sim Efeito fixo de ano Sim Sim Sim Sim Efeito fixo de área AMC AMC AMC AMC Nota: A variável dependente: 퐶퐻퐼퐿퐷. Os erros padrão robusto estão entre parêntese. Controles¹ representa os mesmos controles usados na especificação de referência (Idade, Idade², Crianças, Crianças², Estudo Chefe, Estudo Mãe, Riqueza, Casada, Católica, Urbano). *** Significante no nível de 1% ** Significante no nível de 5% * Significante no nível de 10%

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Tabela 13: Regressões placebo (1) (2) (3) (5) Filhas Filhos

Globo 0.0118 0.0110 0.0076 0.0075 (0.0039)*** (0.0036)*** (0.0037)** (0.0035)** Placebo 0.0009 0.0035 0.0010 0.0039 (0.0036) (0.0034) (0.0035) (0.0035)

Observações 4,170,618 4,170,618 4,325,392 4,325,392 R-quadrado 0.0543 0.0792 0.0541 0.0828 Controles¹ Não Sim Não Sim Efeito fixo de ano Sim Sim Sim Sim Efeito fixo de área AMC AMC AMC AMC Nota: A variável dependente: 퐶퐻퐼퐿퐷. Os erros padrão robusto estão entre parêntese. Controles¹ representa os mesmos controles usados na especificação de referência (Idade, Idade², Crianças, Crianças², Estudo Chefe, Estudo Mãe, Riqueza, Casada, Católica, Urbano). *** Significante no nível de 1% ** Significante no nível de 5% * Significante no nível de 10%

A Tabela 14 apresenta um exercício de robustez em que se acrescenta a televisão e a eletricidade na análise. O Painel A apresenta os resultados para as filhas e nas colunas 1 e 2 tem-se a inclusão da televisão e da eletricidade, respectivamente. Essas variáveis binárias indicam se o domicílio possui televisão ou eletricidade e são potencialmente endógenas. A televisão e a eletricidade são correlacionadas positivamente com a porcentagem de filhas brancas no domicílio e a inclusão dessas variáveis não altera consideravelmente o coeficiente da Globo.

Em seguida, nas colunas 3 e 4, controlou-se pelas condições iniciais da AMC interagindo com a variável binária de ano. As condições iniciais de 1980 incluídas foram: fecundidade por raça, porcentagem de pessoas em cada categoria racial e a distribuição de renda medida pelo índice GINI. Como resultado, tem-se que o efeito permaneceu positivo e significativo, tanto na especificação 3 que também controla para o efeito fixo de área e ano, quanto na especificação 4 que inclui os mesmos controles da especificação de referência. O Painel B da Tabela 14 apresenta os resultados para os meninos. Nesse caso, embora tenha perdido a significância estatística em algumas especificações, o sinal do coeficiente da Globo continua na direção esperada. Adicionalmente, realizou-se um exercício de robustez em que se considerou a seguinte especificação:

퐷푎푢푔ℎ푡푒푟푠 − 푆표푛푠 = 휑퐺푙표푏표 + 푋훽 + 휇 + 휆 + 휀 (9)

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Em que 퐷푎푢푔ℎ푡푒푟푠 e 푆표푛푠 representam a participação de filhas e de filhos brancos, dado que ao menos um dos pais seja negro na AMC 푗 e no ano 푡, respectivamente; 퐺푙표푏표 é uma variável binária igual a 1 se a AMC 푗 tinha o sinal da Rede Globo no ano 푡 e 0 caso contrário;

푋 representa o mesmo conjunto de controles da especificação de referência; 휇 e 휆 são o efeito fixo de área e ano, respectivamente; 휀 é o termo de erro.

A Tabela 15 apresenta os resultados desse modelo. Conforme pode se verificar pelas colunas 1 e 2, a Globo teve um impacto positivo na diferença da participação de filhas e filhos brancos nas AMCs. Assim, tal resultado fortalece a hipótese de que o efeito de embranquecimento foi mais forte para as meninas.

Tabela 14: Robustez (1) (2) (3) (4) Painel A: Filhas

Globo 0.0078 0.0099 0.0062 0.0054 (0.0033)** (0.0035)*** (0.0030)** (0.0029)* Televisão 0.0216 (0.0008)*** Eletricidade 0.0044 (0.0016)***

Observações 4,170,618 4,170,618 4,170,618 4,170,618 R-quadrado 0.0796 0.0792 0.0796 0.0792 Controles¹ Sim Sim Não Sim Condições Iniciais Não Não Sim Sim Efeito fixo de ano Sim Sim Sim Sim Efeito fixo de área AMC AMC AMC AMC Número de Áreas 3.658 3.658 3.658 3.658

(5) (6) (7) (8) Painel B: Filhos

Globo 0.0048 0.0072 0.0028 0.0021 (0.0033) (0.0036)** (0.0028) (0.0028) Televisão 0.0185 (0.0008)*** Eletricidade 0.0001 (0.0016)

Observações 4,325,392 4,325,392 4,325,392 4,325,392 R-quadrado 0.0830 0.0828 0.0830 0.0828 Controles¹ Sim Sim Não Sim Condições Iniciais Não Não Sim Sim Efeito fixo de ano Sim Sim Sim Sim Efeito fixo de área AMC AMC AMC AMC Nota: A variável dependente: 퐶퐻퐼퐿퐷. Os erros padrão robusto estão entre parêntese. Controles¹ representa os mesmos controles usados na especificação de referência (Idade, Idade², Crianças, Crianças², Estudo Chefe, Estudo Mãe, Riqueza, Casada, Católica, Urbano). *** Significante no nível de 1%; ** Significante no nível de 5%; * Significante no nível de 10%.

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Tabela 15: Exercício adicional (1) (2)

Globo 0.0126 0.0125 (0.0068)* (0.0068)*

Observações 10,889 10,889 R-quadrado 0.3658 0.3724 Controles¹ Não Sim Efeito fixo de ano Sim Sim Efeito fixo de área AMC AMC Nota: A variável dependente: 퐷푎푢푔ℎ푡푒푟푠 − 푆표푛푠. Os erros padrão robusto estão entre parêntese. Controles¹ representa os mesmos controles usados na especificação de referência (Idade, Idade², Crianças, Crianças², Estudo Chefe, Estudo Mãe, Riqueza, Casada, Católica, Urbano). *** Significante no nível de 1% ** Significante no nível de 5% * Significante no nível de 10%

2.6. Considerações finais

A arte imita a vida ou a vida imita a arte? A televisão funciona como um instrumento que tende a naturalizar a discriminação enraizada na sociedade e, com isso, pode ajudar a reproduzir e difundir uma revalorização racial ao longo do tempo. Esse mecanismo inicia com a seleção do que vai ser projetado. Nesse sentido, a baixa representatividade negra e a dicotomia dos papéis assumidos entre as raças são um reflexo da consciência social. Complementarmente, a mídia normaliza implicitamente uma narrativa de superioridade racial. Desta forma, a propagação assimétrica de imagens em relação aos grupos raciais serão referência na formação das crenças e dos valores dos telespectadores. Assim, este veículo de comunicação pode influenciar a percepção que a sociedade tem em relação aos tons de pele, intensificando de forma negativa como os negros se veem e como são vistos.

Adicionalmente, a recorrente propaganda da fisionomia branca pode valorizar este tipo de característica física, fazendo com que indivíduos com traços brancos obtenham maiores retornos nas interações socioeconômicas ao longo de suas vidas. Consequentemente, existem incentivos para os negros procurarem se integrar à identidade branca e isto tende a gerar um reforço adicional na desvalorização da imagem negra. Nesse contexto, tem-se uma dinâmica em que a aparência física atua na determinação do valor social.

Dentre todos os potenciais efeitos da televisão no comportamento em relação a raça, este capítulo é direcionado para testar empiricamente se existe alguma influência na identificação

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racial. Embora seja um assunto tratado por outras áreas das ciências sociais, ainda não há nenhum trabalho procurando verificar esta relação de forma causal. Assim, explorou-se a expansão do sinal da Rede Globo no Brasil com o objetivo de identificar se a televisão apresentou algum efeito na declaração racial. Com base na estratégia empírica proposta, os resultados sugerem que a emissora influenciou a autodeclaração. Nesse sentido, a evidência encontrada foi de que os pais embranqueceram seus filhos e que o efeito foi mais forte para as mulheres.

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Apêndice

Tabela 16: Estatísticas descritivas Observações Média Desvio padrão Filhas 4,170,628 0.24 0.41 Filhos 4,325,398 0.22 0.39 Globo 5,523,885 0.69 0.46 Televisão 5,523,885 0.65 0.48 Eletricidade 5,523,885 0.79 0.41 Idade 5,523,885 38 13 Idade² 5,523,885 1642 1146 Crianças 5,523,885 4.41 3.38 Crianças² 5,523,885 30.87 49.03 Estudo Chefe 5,523,885 3.49 3.65 Estudo Mãe 5,523,885 3.60 3.62 Riqueza 5,523,885 0.45 0.25 Casada 5,523,885 0.67 0.47 Católica 5,523,885 0.81 0.39 Urbano 5,523,885 0.72 0.45

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Tabela 17: Estatísticas descritivas por Censo Demográfico 1980 1991 2000 Observações Média Desvio Padrão Observações Média Desvio Padrão Observações Média Desvio Padrão Filhas 1,749,958 0.20 0.38 920,605 0.25 0.41 1,499,968 0.29 0.42 Filhos 1,791,428 0.19 0.37 947,714 0.23 0.40 1,586,271 0.26 0.41 Globo 2,230,842 0.34 0.47 1,216,954 0.91 0.29 2,076,069 0.94 0.24 Televisão 2,230,842 0.44 0.50 1,216,954 0.76 0.43 2,076,069 0.82 0.39 Eletricidade 2,230,842 0.57 0.49 1,216,954 0.77 0.42 2,076,069 0.90 0.30 Idade 2,230,842 37 13 1,216,954 38 13 2,076,069 39 13 Idade² 2,230,842 1567 1102 1,216,954 1621 1099 2,076,069 1736 1211 Crianças 2,230,842 4.98 3.65 1,216,954 4.21 3.23 2,076,069 3.91 3.07 Crianças² 2,230,842 38.08 54.44 1,216,954 28.16 46.62 2,076,069 24.72 42.87 Estudo Chefe 2,230,842 2.36 3.00 1,216,954 4.08 3.80 2,076,069 4.37 3.86 Estudo Mãe 2,230,842 2.29 2.88 1,216,954 4.19 3.74 2,076,069 4.66 3.82 Riqueza 2,230,842 0.34 0.24 1,216,954 0.52 0.19 2,076,069 0.54 0.25 Casada 2,230,842 0.75 0.43 1,216,954 0.68 0.47 2,076,069 0.57 0.49 Católica 2,230,842 0.89 0.31 1,216,954 0.81 0.39 2,076,069 0.73 0.44 Urbano 2,230,842 0.63 0.48 1,216,954 0.84 0.36 2,076,069 0.75 0.43

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3. FECUNDIDADE E DESIGUALDADE: TEORIAS E EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS

Resumo

A literatura tem apresentado uma série de evidências que sugerem que as condições da infância têm um expressivo impacto ao longo da vida de uma pessoa. Consequentemente, a distribuição dos nascimentos entre famílias pobres e ricas pode se tornar num relevante ponto de partida para se pensar a desigualdade. O objetivo deste capítulo é revisar a literatura teórica que aborda os possíveis canais pelos quais a fecundidade pode afetar a desigualdade e, adicionalmente, apresentar alguns estudos empíricos que encontraram evidência nesse sentido. Em seguida, propõe-se uma simulação em que se calcula em cada Censo Demográfico Brasileiro o valor dos índices de desigualdade de Gini e de Theil considerando o caso hipotético em que os subgrupos populacionais apresentem a mesma quantidade de filhos. Como resultado desse exercício, tem- se que os índices de desigualdade se mostra sistematicamente menores quando se considera este caso hipotético.

Classificação JEL: D31, D6, J13, O15, Z13 Palavras-chave: Fecundidade, Desigualdade

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FERTILITY AND INEQUALITY: THEORIES AND EMPIRICAL EVIDENCE

Abstract

The literature has presented a series of evidences that childhood conditions have a significant impact over a person's life. Consequently, the distribution of births among poor and rich families can become a relevant starting point for thinking about inequality. In this article, the objective is to review the theoretical literature that addresses the possible channels through which fertility may affect inequality and, additionally, to present some empirical studies that have found evidence in this sense. Then, a simulation is proposed in which the value of the Gini and Theil inequality indexes is calculated in each Brazilian Demographic Census considering the hypothetical case in which the population subgroups have the same number of children. As a result of this exercise, inequality rates have been systematically lower when considering this hypothetical case.

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3.1. Introdução

“Porque o sonho de vários na quebrada é abrir um boteco Ser empresário não dá, estudar nem pensar Tem que trampar ou ripar para os irmãos sustentar” A vida é desafio - Racionais

Na literatura recente, existe significativo consenso que há uma transmissão intergeracional do sucesso econômico das famílias (BOWLES; GINTIS, 2002). Entretanto, a maioria destes estudos tende a focar no papel das habilidades cognitivas e na educação. Por sua vez, variáveis como características comportamentais, raça, personalidade, beleza, altura, riqueza e localização geográfica ainda foram relativamente pouco estudadas (BOWLES; GINTIS, 2002). Nesse sentindo, deve-se pontuar que aquelas características individuais que afetam a renda e tenham uma alta associação entre os pais e os seus descendentes possuem o potencial de contribuir para a transmissão intergeracional do sucesso econômico (BOWLES; GINTIS, 2002).

Neste contexto, no que diz respeito às características comportamentais, os distintos padrões reprodutivos entre as classes sociais podem representar uma importante função na transmissão intergeracional do sucesso econômico das famílias e, consequentemente, na reprodução de desigualdades socioeconômicas. Isto porque se sabe que países pobres e em desenvolvimento apresentam um alto diferencial de fecundidade entre as mulheres pobres e as ricas (KREMER; CHEN, 2002). Considerando o caso brasileiro, as mulheres de baixa renda acabam experimentando a maternidade relativamente jovens e possuem uma probabilidade maior de ter mais filhos do que as mulheres de alta renda (BERQUÓ; CAVENAGHI, 2006; CAVENAGHI; ALVES, 2011). Por sua vez, este diferencial de fecundidade entre os subgrupos populacionais tem o potencial de gerar diversos desafios no que diz respeito ao desenvolvimento socioeconômico de um indivíduo ou de uma determinada região (HAUSMANN; SZÉKELY, 1999; MOAV, 2005). Do ponto de vista do indivíduo, as famílias de baixa renda apresentam uma dificuldade maior de investir no desenvolvimento dos seus filhos e, consequentemente, estas crianças terão uma baixa probabilidade de migrar de estrato social. No que se refere ao contexto regional, a alta fecundidade das famílias de baixa renda pode se refletir em uma demanda maior por políticas sociais.

Com esta perspectiva, o primeiro objetivo deste capítulo é procurar revisar os argumentos teóricos e os resultados empíricos de trabalhos que foram endereçados para discutir a relação

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entre fecundidade e desigualdade. De uma forma geral, estudos têm chamado a atenção para o fato da fecundidade ter o potencial de gerar uma espécie de armadilha da pobreza e, consequentemente, ter efeitos na distribuição de renda tanto contemporânea, quanto de longo prazo (DE LA CROIX; DOEPKE, 2003; KREMER; CHEN, 2002; MOAV, 2005).

Existem diversas formas pelas quais se pode ligar fecundidade a desigualdade sendo, um desses, é via educação e mercado de trabalho. As mulheres desfavorecidas iniciam a maternidade mais jovens do que as mulheres escolarizadas e de maior renda, apresentam uma quantidade maior de filhos e acabam investindo pouco na educação17 (BECKER; LEWIS, 1973; CAVENAGHI; ALVES, 2011; HAUSMANN; SZÉKELY, 1999). Na geração seguinte, tem- se uma ampliação da proporção de pessoas que vieram dos estratos mais pobres da sociedade. Visto que esses indivíduos tendem a apresentar um menor nível de escolaridade, tem-se um impacto negativo direto na escolaridade média da população (DE LA CROIX; DOEPKE, 2003; MOAV, 2005). Em relação ao mercado de trabalho, tem-se uma ampliação da quantidade de pessoas com baixa qualificação e tal fato impacta negativamente no salário desse tipo de trabalhadores. Desta forma, esses indivíduos apresentam um baixo custo de oportunidade de ter filhos e, consequentemente, vão continuar tendo uma alta quantidade de descendentes e retroalimentar o ciclo da pobreza (KREMER; CHEN, 2002). Nessa perspectiva, a decisão dos pais em ter mais filhos impacta diretamente as oportunidades da vida do filho. Na ótica das crianças, elas poderiam preferir ter menos irmãos e uma quantidade maior de recursos para o seu desenvolvimento. Assim, tal fato implica em um conflito de interesse inerente entre os filhos e os pais (MOAV, 2005).

O segundo objetivo deste capítulo é realizar um exercício de simulação com o intuito de verificar o comportamento dos índices de desigualdade quando se realiza uma modificação nas quantidades de filhos nos domicílios. Isto porque, é de comum entendimento que a distribuição da fecundidade afeta diretamente os índices de desigualdade da renda domiciliar per capita. Entretanto, mensurar a direção desse efeito não é uma tarefa fácil e sabe-se que é desafiador entender o comportamento dos índices quando há uma alteração no tamanho da população (LAM, 1986). Dessa forma, usou-se dados dos Censos Demográficos do período compreendido entre 1970 a 2010 para calcular os índices de desigualdade considerando cenários em que foram modificados na base de dados a quantidade de filhos nos domicílios e, em seguida, comparou-

17 Segundo Fan e Stark (2008), a correlação negativa entre a renda e a fecundidade representa uma das evidências empíricas mais robusta em economia e em demografia. 85

se com os índices que foram observados usando a amostra original em cada Censo. Assim, realizou-se um exercício de simulação relativamente simples, levando em consideração o caso hipotético em que todas as famílias com filhos nos Censos Demográficos apresentem a mesma quantidade de filhos. Apesar desse exercício apresentar uma série de simplificações, ele fornece um cenário para os índices de desigualdade em cada Censo Demográfico quando se realiza uma alteração artificial no tamanho das famílias. Deste modo, considerando tal proposta, tem-se que a desigualdade foi relativamente menor quando se leva em consideração este cenário hipotético.

3.2. Literatura

3.2.1. Teoria

A dinâmica demográfica da segunda metade do século XX motivou uma série de estudos com o objetivo de investigar a relação entre o crescimento populacional e o desenvolvimento socioeconômico. Nesse contexto, a queda da taxa de mortalidade foi um dos fatores que fez com que a população de vários países do mundo apresenta-se um período de forte crescimento. Tal fato levou pesquisadores a fazer previsões catastróficas sobre a sustentabilidade do planeta no futuro e termos como “bomba populacional” e “explosão demográfica” foram cunhados (EHRLICH, 1968). Com a queda da taxa de fecundidade mundial e consequentemente do crescimento da população, a atenção para a política populacional tornou-se mais sutil (MILLER; BABIARZ, 2016).

Apesar de considerável esforço ter sido despendido no estudo da relação entre crescimento populacional e desenvolvimento socioeconômico, a literatura ainda é ativa nesse campo de pesquisa e existem diversos tópicos que carecem de um melhor entendimento. Pesquisadores já apresentaram evidências que o crescimento da população leva a um aumento da desigualdade (ADELMAN; MORRIS, 1973; RAM, 1984; WINEGARDEN, 1978). Assim como, resultados no sentindo oposto também foram documentados18 (KELLEY; SCHMIDT, 1999; RODGERS, 1983).

18 Segundo Kelley e Schmidt (1999, p.1): “No empirical finding has been more important to conditioning the "population debate" than the widely-obtained statistical result showing a general lack of correlation between the growth rates of population and per capita output. Documented in more than two dozen studies, such a (lack of) statistical regularity flies in the face of strongly held beliefs by those who expect rapid population growth to deter the pace of economic progress”.

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Lam (1986) contestou os resultados empíricos prévios alegando que eram muito sensíveis à especificação dos modelos e à seleção dos países da amostra. Adicionalmente, uma outra fonte de dificuldade dos estudos empíricos nessa área refere-se à mobilidade intergeracional de renda que, por sua vez, pode afetar a distribuição de renda ao longo do tempo (CHU; KOO, 1990). No entanto, Lam (1986) e Chu e Koo (1990) avançaram na literatura fornecendo argumentos teóricos no sentido de que o tamanho do crescimento populacional entre os diferentes grupos socioeconômicos é significativamente mais importante que o crescimento populacional agregado19. Desta forma, o efeito final na desigualdade dependerá da composição do crescimento de cada grupo e tal fato torna a análise dos efeitos do crescimento populacional na desigualdade significativamente mais complexa. Isso porque, dependendo da forma que a população cresce entre os níveis de renda, o efeito resultante nas medidas de desigualdade pode mover em direções opostas ao longo do tempo e isto poderia explicar o fato de uma série de estudos naquele momento estarem encontrando resultados diferentes.

Neste cenário, Kremer e Chen (2002) desenvolveram um modelo teórico com o intuito de analisar a relação entre a desigualdade, o diferencial de fecundidade entre mulheres com baixa e alta escolaridade e a dinâmica do mercado de trabalho. Nessa estrutura teórica, a distribuição de renda afeta a quantidade de filhos em cada estrato social e, visto que o custo de oportunidade de ter filhos aumenta com a renda, regiões com alta desigualdade tendem a ter um alto diferencial de fecundidade. Por sua vez, famílias pobres tendem a ter mais filhos e acabam investindo pouco em educação. Isto leva a um aumento na proporção de trabalhadores com baixa qualificação nos períodos seguintes e, consequentemente, reduz seus salários e o custo de oportunidade de ter filhos. Desta forma, pode-se criar um ciclo vicioso em que o status socioeconômico vai sendo reproduzido entre as gerações (ver Figura 10).

No modelo De La Croix e Doepke (2003) temos uma formalização da ligação teórica entre desigualdade e crescimento econômico levando em consideração o diferencial de fecundidade. Em tal modelo, a quantidade de filhos entre pobres e ricos importa porque afeta a acumulação de capital humano. Dada a relação inversa entre número de filhos e investimento em educação, espera-se que se tenha nas gerações seguintes uma ampliação de pessoas com baixo nível

19 Basicamente, este argumento já tinha sido introduzido antes, por exemplo, Ahluwalia (1976, p.326) destaca: “the most important link between population growth and income inequality is provided by the fact that different income groups grow at different rates, with the lower-income groups typically experiencing a faster rate of natural increase.” 87

educacional na composição da população e, consequentemente, um menor nível educacional médio agregado. Visto que o estoque de capital humano é uma importante variável para o crescimento econômico, regiões com alto diferencial de fecundidade tenderiam a ter um lento crescimento20 (ver Figura 11).

Figura 10: Modelo Kremer e Chen (2002)

Desigualdade Diferencial de fecundidade

Diferencial de salários

Fonte: Elaboração própria

Figura 11: Modelo De La Croix e Doepke (2003)

Desigualdade Diferencial de fecundidade

Acumulação de capital Crescimento econômico humano

Fonte: Elaboração própria

A primeira parte do modelo acima foi examinada empiricamente por Kremer e Chen (2002). Para isso, os autores usaram uma amostra de países e encontraram que uma desigualdade maior tendia a ser associada com grandes diferenciais de fecundidade. Em relação à segunda ligação teórica do modelo, De La Croix e Doepke (2003) usaram uma regressão de crescimento padrão e adicionaram a variável de diferencial de fecundidade. Como resultado, eles encontraram um efeito significativo desta variável no crescimento econômico. Além disso, o efeito do GINI no crescimento, uma vez que o diferencial de fecundidade também esteja incluindo na regressão, torna-se não significante. O resultado deste artigo vai na direção contrária daqueles que

20 Note que estes modelos fornecem uma estrutura teórica para ajudar a pensar em diversos desafios que a sociedade brasileira encara, tais como: alta desigualdade, dificuldade em melhorar alguns índices de educação, baixo crescimento da produtividade e da economia.

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encontraram pouca associação entre o crescimento econômico e o da população. Desta forma, a mensagem deixada por De La Croix e Doepke (2003) é mesma de Lam (1986), Chu e Koo (1990) e Kremer e Chen (2002), ou seja, deve-se olhar com mais cuidado para quem está tendo filhos e não para o crescimento agregado da população.

Moav (2005) estabelece uma ligação teórica semelhante a do modelo de De La Croix e Doepke (2003) com o intuito de entender a relação entre fecundidade, educação e seus respectivos desdobramentos na evolução da economia de longo prazo. Entretanto, o autor supõe que a produtividade dos indivíduos na educação das crianças aumenta com seu próprio capital humano. De tal modo que pais com uma escolaridade maior seriam mais eficazes na educação dos filhos. Com esta suposição, a razão entre o preço da quantidade e o da qualidade das crianças aumenta com o salário, gerando assim, uma vantagem comparativa para os ricos investir na qualidade e os mais pobres na quantidade das crianças. Adicionalmente, o autor destaca que a alta fecundidade dos pobres afeta positivamente o retorno do capital físico. Consequentemente, os ricos têm menos filhos e se especializam em acumular riqueza, enquanto os pobres acabam tendo muitos filhos e investindo pouco em educação, o que afetaria negativamente o nível médio de capital humano e a evolução da economia. Seguindo esta linha de pensamento, Moav (2005) argumenta que um aumento no custo de uma criança poderia induzir na realocação de recursos para um maior investimento na sua qualidade e, logo, isto impactaria positivamente o crescimento econômico de longo prazo e poderia tirar uma economia da armadilha da pobreza. Nesse sentindo, de acordo com o modelo teórico desenvolvido pelo autor, políticas que diminuem o custo da criança – como por exemplo: auxílio infantil, creches, descontos de impostos para grandes famílias e trabalho infantil- poderiam induzir um aumento na fecundidade dos mais pobres e teriam um impacto negativo na renda de longo-prazo. Seguindo uma perspectiva semelhante, a escola pública torna-se um instrumento para ajudar a liberar a economia da armadilha da pobreza. Dado o efeito do diferencial de fecundidade na composição da população, uma melhora nas oportunidades educacionais pode resultar num relevante impacto na distribuição educacional ao longo do tempo (DE LA CROIX; DOEPKE, 2003, 2004; MOAV, 2005).

3.2.2. Evidência empírica

Em 1965, o presidente dos EUA Lyndon Johnson disse: “Less than five dollars invested in population control is worth a hundred dollars invested in economic growth”. Com essa 89

perspectiva, as últimas décadas foram marcadas por um prolífero debate em torno dos efeitos do tamanho da família nos resultados socioeconômicos e, além disso, programas de planejamento familiar foram implementados em diversos países. O impacto desses programas sobre a fecundidade tende a variar consideravelmente, com estimativas de queda na quantidade de crianças entre 5% a 35% e com o aumento no intervalo de nascimentos variando entre 5% a 7% (MILLER; BABIARZ, 2016). Além disso, os programas de planejamento familiar que afetam significativamente a fecundidade também têm desdobramento no nível educacional, mercado de trabalho e saúde (BAILEY; HERSHBEIN; MILLER, 2012; BAILEY, 2006; MILLER; BABIARZ, 2016; NARITA; DIAZ, 2016).

Miller (2009) encontrou que o programa Profamilia explicou cerca de 6-7% do declínio da fecundidade da Colômbia entre 1964 e 1993. Adicionalmente, o autor argumenta que houve um substancial ganho socioeconômico para as mulheres colombianas, pois o programa teve um impacto positivo na educação e tal fato coloca o programa entre as intervenções de desenvolvimento com maior sucesso no mundo. O autor faz essa afirmação comparando o efeito do aumento de 0,05 anos de educação do Profamilia com outras intervenções bem conceituadas e amplamente conhecidas na literatura com o intuito de aumentar exclusivamente o nível educacional em países pobres. Como exemplo a construção de escolas em larga escala na Indonésia aumentou a escolaridade em cerca de 0,15 anos (DUFLO, 2001); a redução das classes na África do Sul aumentou a escolaridade em 6% (CASE; DEATON, 1999); os vouchers escolares na Colômbia tivera um efeito positivo na escolaridade de 0,1 anos (ANGRIST et al., 2002). No Brasil, Narita e Diaz (2016) usaram um pseudo painel e encontraram que uma redução da gravidez na adolescência de um desvio-padrão aumenta a escolaridade em 0,12 anos.

Adicionalmente, estudos de longo prazo sugerem que os programas de planejamento familiar podem ter um impacto positivo no nível educacional das crianças de cerca de 5% a 18% e entre 1% a 30% para as mulheres (MILLER; BABIARZ, 2016). Assim, essas pesquisas fornecem uma ideia da dimensão do efeito da fecundidade nos resultados educacionais da família. Nesse contexto, a fecundidade afeta a educação da mãe e a da criança em basicamente duas dimensões diretas. Primeiramente, a fecundidade influencia o investimento dos pais na educação das crianças (BECKER; LEWIS, 1973). Segundo, tem-se que mães mais educadas impacta positivamente a educação dos filhos.

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Usando dados da Romênia, Pop-Eleches (2006) encontrou que a proibição do aborto teve um impacto negativo na probabilidade de conclusão do ensino médio e superior. Por sua vez, a evidência de que a educação dos pais e dos filhos apresenta uma correlação positiva é fornecida por diversos trabalhos na literatura (AHITUV, 2001; MOAV, 2005). Crianças com mães alfabetizadas estudam mais que as de mães analfabetas (BEHRMAN et al., 1999). Nesse sentido, há estudos que indicam que é significativamente mais provável que mães com alta escolaridade leia diariamente para seus filhos (MOAV, 2005). Lam e Duryea (1999) apresentaram evidências no sentindo que a escolaridade dos pais apresenta um forte efeito positivo na escolaridade das crianças e que a escolaridade das mulheres tem uma influência negativa na fecundidade.

No que se diz respeito à participação feminina no mercado de trabalho, há evidências de que uma queda da fecundidade aumenta a oferta de trabalho das mulheres (MILLER; BABIARZ, 2016). Bailey, Hershbein e Miller (2012) exploraram a introdução da pílula anticoncepcional nos Estados Unidos e, usando a variação estadual no acesso legal, encontraram que a pílula aferiu um prêmio salarial de 8% para as mulheres americanas e, adicionalmente, 10% da redução da diferença salarial de gênero durantes os anos 80, e 31% durante a década de 90, pode ser atribuído ao acesso da pílula. No Brasil, Narita e Diaz (2016) encontraram que uma menor fecundidade na adolescência implica em um aumento de 5,4% na participação das mulheres no mercado de trabalho.

Em relação à saúde, dado o risco de morte associado com a gravidez, reduzir a quantidade de filhos implica em diminuir o número de mortes relacionadas à maternidade. Além disso, o planejamento familiar reduz a incidência de gestações arriscadas e a mortalidade infantil (MILLER; BABIARZ, 2016). Estimativas de experimentos apontaram que o planejamento familiar estão associados com reduções entre 30% a 50% na mortalidade infantil (JOSHI; SCHULTZ, 2007; MILLER; BABIARZ, 2016; PHILLIPS et al., 2012).

3.3. Fecundidade e desigualdade: simulação

Apesar da dificuldade inerente ao fato que existem inúmeros canais pelos quais se pode ligar a fecundidade ao desempenho socioeconômico, sabe-se que mensurar seus efeitos é um desafio importante no campo de desenvolvimento (DOEPKE, 2004). Assim, nessa seção, a proposta é verificar o comportamento dos índices de desigualdade do Brasil em cada Censo Demográfico 91

quando há uma alteração no tamanho das famílias nessas bases de dados e, portanto, realizou- se uma simulação em que a renda domiciliar per capita foi medida levando em consideração um cenário hipotético em que todas as famílias com filhos nos Censos tivessem a mesma quantidade de filhos. Desta forma, consideraram-se dois cenários: i) as famílias tendo um filho; ii) as famílias tendo dois filhos. No caso dos domicílios que não tinha filhos, nada foi alterado.

Para a realização desta simulação, utilizaram-se os dados dos Censos Demográficos realizados entre 1970 a 2010 para calcular os índices de desigualdade de Gini e de Theil. Nesse contexto, procura-se entender como os distintos padrões reprodutivos entre as classes sociais alteram o valor dos índices de desigualdade contemporaneamente21. Considerando o caso do exercício proposto, os resultados sugerem que a assimetria do tamanho da família entre os diferentes grupos populacionais aumentou a desigualdade (ver Tabela 18). Este efeito foi maior no Censo Demográfico de 1970, correspondendo a 0,06 quando se considera a diferença entre o Gini observado e o Gini estimado a partir do exercício em que todas as mães têm um filho. Este efeito correspondeu a aproximadamente 9,7% do Gini de 1970.

Tabela 18: Índices de Gini e de Theil da renda domiciliar per capita 1970 1980 1991 2000 2010

퐺푖푛푖 0.62 0.61 0.64 0.65 0.61 퐺푖푛푖 0.56 0.57 0.60 0.62 0.59 퐺푖푛푖 0.57 0.57 0.61 0.63 0.60 퐺푖푛푖 − 퐺푖푛푖 0.06 0.05 0.03 0.02 0.02 퐺푖푛푖 − 퐺푖푛푖 0.05 0.04 0.03 0.02 0.01

푇ℎ푒푖푙 0.75 0.75 0.83 0.87 0.82 푇ℎ푒푖푙 0.58 0.62 0.74 0.80 0.76 푇ℎ푒푖푙 0.61 0.65 0.76 0.83 0.79 푇ℎ푒푖푙 − 푇ℎ푒푖푙 0.17 0.13 0.10 0.07 0.06 푇ℎ푒푖푙 − 푇ℎ푒푖푙 0.14 0.11 0.07 0.04 0.03 Nota: 퐺푖푛푖 e 푇ℎ푒푖푙 representam os índices observados. 퐺푖푛푖 e 푇ℎ푒푖푙 representam os índices no cenário em que todas as mães tiveram um filho. 퐺푖푛푖 e 푇ℎ푒푖푙 representam os índices no cenário em que tiveram dois filhos.

Além disso, constata-se que o efeito caiu ao longo do tempo, chegando em 2010 com uma diferença entre os índices de Gini de 0,02. Por sua vez, vale destacar que o diferencial de fecundidade entre as mulheres pobres e as ricas foi maior no passado. De forma semelhante,

21 Evidentemente, há uma simplificação nesse exercício, pois representa uma abordagem estática e não leva em consideração a interação ao longo do tempo da fecundidade com outras variáveis que afetam a desigualdade, como por exemplo, escolaridade, mercado de trabalho e participação feminina no mercado de trabalho.

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percebe-se que o índice de Theil teve um comportamento parecido no período. Em 1970, a diferença entre o Theil observado e o simulado com o cenário em que as mães tiveram um filho foi de 0,17.

3.4. Considerações finais

De uma forma geral, as pessoas tendem a divergir significativamente em relação a qual papel o governo deveria assumir em relação ao combate à desigualdade. Basicamente, tal fato está diretamente associado ao sistema de crenças e valores de cada indivíduo (FONG, 2001). Os ricos e os pobres que acreditam que o sucesso na vida depende majoritariamente do trabalho duro tendem a ser contra os programas redistributivos (BOWLES; GINTIS, 2002). Em contrapartida, aqueles que pensam que o sucesso está ligado às condições das famílias, herança, conexões e raça tendem a defender a redistribuição (BOWLES; GINTIS, 2002; FONG, 2001).

Apesar da divergência de opiniões, a desigualdade representa um dos principais desafios a ser enfrentado pela sociedade brasileira. Em 2017, segundo o relatório da OXFAM (2018), o Brasil foi o 9º país mais desigual do planeta e, quando se analisa a função do capital na desigualdade, o cenário tende a ser relativamente pior do que aqueles encontrados nas pesquisas. Nesse contexto, Medeiros e Castro (2018) fornecem evidência que vai contra a tese de que houve queda na desigualdade de renda brasileira nas últimas décadas. Os autores destacam que as pesquisas domiciliares subestimam a renda no topo da distribuição por não levar em consideração o capital.

Adicionalmente, no que se refere à mobilidade social, o Brasil também tem um papel de significativo destaque negativo. Isto porque o país está entre as nações com a menor mobilidade do mundo. De acordo com uma estimativa realizada pela OCDE com dados de 30 países, a mobilidade social do Brasil só não foi pior que da Colômbia (OCDE, 2018). Neste estudo, estima-se que são necessárias nove gerações para os descendentes dos casais mais pobres atingirem a renda média do país.

Nesse contexto, deve-se destacar que o perfil reprodutivo das famílias pode afetar de forma distinta o processo de acumulação de riqueza intertemporal das classes sociais ao longo do tempo. Assim, o presente capítulo foca em revisar a literatura e descrever os canais pelos quais a fecundidade pode afetar a desigualdade. Dado que o desenvolvimento de uma criança está 93

diretamente relacionado com as condições socioeconômicas da sua família, os descendentes de famílias ricas têm muito mais chances de progredir do que os de famílias pobres. Deste modo, visto que a loteria do nascimento determina consideravelmente as condições de vida futura, a distribuição dos nascimentos pode se tornar num importante ponto de partida para se pensar a desigualdade socioeconômica. Nesse contexto, no Brasil, uma parcela expressiva das crianças acaba nascendo em ambientes desfavorecidos e isso pode dificultar o processo de desenvolvimento do país. Do ponto de vista teórico, considerando que os mais pobres em cada geração possuam o desejo e meios de planejar sua reprodução, uma diminuição na quantidade de filhos pode implicar num maior investimento no desenvolvimento das crianças, aumentando a probabilidade de elas escaparem da armadilha da pobreza.

Com o intuito de entender o comportamento dos índices de Gini e de Theil quando há uma mudança artificial no tamanho das famílias, realizou-se um exercício de simulação em que se utilizou as observações em cada Censo Demográfico e, portanto, não levou em consideração a dinâmica de longo prazo e nem a interação da fecundidade com outras variáveis. Os resultados do exercício proposto sugerem que o tamanho da família teve considerável impacto negativo na mensuração dos índices de desigualdade e, que tal efeito, foi maior na década de 1970.

No que diz respeito às questões de políticas públicas, vale ressaltar que no Brasil existe um significativo espaço para implementação de políticas voltadas para auxiliar as famílias no seu planejamento reprodutivo. Em 2006, segundo a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, 46% das gravidezes não foram planejadas e 18% não foram desejadas22. Este número foi maior entre as mulheres menos escolarizadas, as negras e as que residem nas regiões Norte e Nordeste (PNDS, 2009).

De acordo com um relatório do Fundo de População das Nações Unidas, o Brasil apresenta alto índice de gravidezes indesejadas na adolescência (UNFPA, 2018). Em 2006, cerca de 60% das mulheres que tiveram filhos entre os 15 e 19 anos de idade não desejavam ter engravidado naquele período. Este número cai para 50% quando se consideram mulheres que tiveram filhos entre 20 e 24. Assim, de acordo com o estudo, tem-se na sociedade brasileira uma alta incidência de gravidez na adolescência para depois ter um controle mais efetivo da fecundidade. Isto representa um considerável contraste quando se compara com diversos países desenvolvidos

22 http://bvsms.saude.gov.br/bvs/pnds/fecundidade.php

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em que as mulheres têm filhos relativamente mais tarde (CAVENAGHI; ALVES, 2011). Quando se consideram os domicílios com maior renda e nível educacional, as mulheres têm uma taxa de fecundidade menor que um. Essas mulheres apresentam dificuldade para conciliar o tempo entre trabalho e família e acabam tendo menos filhos do que elas desejam (UNFPA, 2018).

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4. NOVELAS, FECUNDIDADE E DESIGUALDADE: PODEMOS CONSTRUIR ALGUMA RELAÇÃO?

Resumo

O objetivo deste capítulo é analisar a relação entre fecundidade e desigualdade de rendimentos de longo prazo no Brasil. Embora pesquisadores têm chamado a atenção para o fato da fecundidade funcionar como um relevante canal de propagação intergeracional de desigualdades socioeconômicas, a endogeneidade desta variável dificulta consideravelmente a realização de análises empíricas. Neste contexto, propõe-se explorar a evidência fornecida pela literatura de que a televisão teve um efeito negativo no tamanho da família para estimar o efeito da fecundidade na desigualdade de longo prazo. Desta forma, os resultados sugerem que a fecundidade das mulheres de baixa escolaridade aumentou a desigualdade de rendimentos 20 anos depois.

Classificação JEL: D31, J13, L82, O15, Z13 Palavras-chave: Televisão, Fecundidade, Desigualdade

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SOAP OPERAS, FERTILITY AND INEQUALITY: CAN WE BUILD SOME RELATIONSHIP?

Abstract

The purpose of this paper is to analyze the relationship between fertility and long-term income inequality in Brazil. Although researchers have pointed out that fertility functions as a relevant intergenerational channel for the spread of socioeconomic inequalities, the endogeneity of this variable considerably makes empirical analysis difficult. In this context, it is proposed to explore the evidence provided in the literature that television has had a negative effect on family size to estimate the effect of fertility on long-term inequality. Thus, the results suggest that the fertility of low-educated women increased income inequality 20 years later.

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4.1. Introdução

“Mas quem nasce pra pataca, nunca pode ser vintém” Minha história – João do Vale

A profunda e rápida transição demográfica que o Brasil atravessa resultará em consideráveis desafios para as próximas gerações. Em 1960, segundo informações do Banco Mundial, cada mulher tinha em média 6,1 filhos e, em 2017, esse número passou para 1,723. Embora atualmente a fecundidade esteja abaixo do nível de reposição populacional24, tem-se que esta expressiva redução no tamanho da família brasileira ao longo do tempo foi heterogênea quando se analisam subgrupos específicos da população e tal fato tem o potencial de gerar diversas implicações para desigualdade e desenvolvimento de longo prazo da sociedade brasileira25.

De forma geral, um determinado país pode passar por três estágios da queda da fecundidade. Num primeiro momento, as mulheres ricas diminuem sua fecundidade consideravelmente e começam a postergar a maternidade. Neste estágio, tem-se um significativo diferencial de fecundidade entre as mulheres pobres e as ricas. No segundo estágio, as famílias de renda média começam a imitar o padrão reprodutivo das famílias ricas. Finalmente, no terceiro estágio, as famílias mais pobres conseguiriam reduzir seu tamanho.

Nesse contexto, quando os países de baixa renda começam a crescer, as disparidades entre as taxas de fecundidade, quando se condiciona pelos status socioeconômicos, tendem a se ampliar. A taxa de fecundidade do país começa a cair; entretanto, as famílias com maior renda diminuem o número de filhos mais rapidamente do que as de menor renda. Assim, os ricos tendem a liderar o declínio da fecundidade e acabam capturando primeiro os benefícios da transição demográfica (BLOOM et al., 2012; HAUSMANN; SZÉKELY, 1999).

Parte desse processo pode ser explicado pela dinâmica do mercado de trabalho, ou seja, o crescimento econômico de um país pobre aumenta a demanda por trabalhadores qualificados e,

23 Ver https://data.worldbank.org/indicator/SP.DYN.TFRT.IN?locations=BR 24 A taxa de fecundidade de 2,1 representa o número de filhos por mulher que é suficiente para assegurar a reposição populacional. Isto porque duas crianças substituem os pais e 0,1 representa o valor necessário para compensar a mortalidade. 25 De acordo com a visão Friedman (2009, p. 141) para o caso americano: “I believe that the changing distribution of families by number of children is the most important single factor that has reduced inequality of levels of living in this country during the past half century. It has been far more important than graduated inheritance and income taxes”.

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dada a inelasticidade da oferta desse tipo de trabalhador no curto prazo, o prêmio salarial entre os trabalhadores qualificados e os de baixa qualificação tende a crescer. Nesse cenário, o incentivo econômico para reduzir o tamanho da família é maior para os trabalhadores com alta escolaridade no primeiro estágio da queda da fecundidade. Por sua vez, conforme as mulheres de baixo status socioeconômico vão aumentando sua escolaridade e renda, a fecundidade desse grupo vai diminuindo ao longo do tempo e, consequentemente, o diferencial de fecundidade decresce com o passar dos anos.

No caso brasileiro, embora a taxa de fecundidade tenha caído consideravelmente nas últimas décadas, a sua distribuição não é uniforme entre os diferentes grupos de renda e de escolaridade. As mulheres mais desfavorecidas em termos de educação e de renda ainda possuem maior chance de constituir famílias numerosas e tendem a se tornarem mães relativamente jovens (BERQUÓ; CAVENAGHI, 2006; CAVENAGHI; ALVES, 2011). Em 2015, enquanto a taxa de fecundidade dos 20% mais pobres da população foi de 2,9, a taxa dos 20% mais ricos da população foi de 0,826. No que diz respeito à idade de ter filhos, Cavenaghi e Alves (2011) estimaram que as mulheres mais ricas e escolarizadas apresentaram um pico na distribuição de fecundidade entre 25 e 29 anos e, as mulheres mais pobres e menos escolarizadas, apresentaram entre 20 e 24 anos. Adicionalmente, a fecundidade na adolescência das mulheres de baixo status socioeconômico é 10 vezes maior do que as de alto status (CAVENAGHI; ALVES, 2011). Em 2017, de acordo com as informações do Banco Mundial, houve 59 nascimentos por mil mulheres entre 15 e 19 anos no Brasil27. Este número foi maior que países como, por exemplo, Camboja (50), Chile (41), Cuba (52), Peru (57) e Jamaica (53).

Teoricamente, argumenta-se que a fecundidade pode ajudar a explicar a armadilha da pobreza que as famílias desfavorecidas enfrentam (KREMER; CHEN, 2002; MOAV, 2005). Neste cenário, a pobreza dos pais está associada com uma fecundidade maior que, por sua vez, influencia a desigualdade de oportunidades da próxima geração. A tendência em ter famílias grandes e pobres acaba sendo transmitida dos pais para os filhos (HAUSMANN; SZÉKELY, 1999). Note que a causalidade aqui é complexa. Isto porque, se por um lado a situação socioeconômica afeta a escolha de filhos, por outro lado o tamanho da família pode exacerbar

26 Ver https://brazil.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/sumario_executivo_br.pdf 27 https://data.worldbank.org/indicator/SP.ADO.TFRT 99

as desigualdades existentes, tornando-se um mecanismo relevante pelo qual a pobreza é reproduzida entre as gerações28.

Com esta perspectiva, Kremer e Chen (2002) desenvolveram um modelo teórico em que se analisa a interação de longo prazo entre desigualdade, diferencial de fecundidade por nível de escolaridade e a dinâmica no mercado de trabalho entre trabalhadores qualificados e de baixa qualificação. Esta modelo parte do fato que o custo de oportunidade de ter filhos aumenta com a renda e, consequentemente, países com alta desigualdade tendem a ter um alto diferencial de fecundidade. As mulheres menos escolarizadas e de baixa renda acabam tendo muitos filhos e investindo pouco na educação das crianças. Assim, na próxima geração, tem-se um aumento da proporção de trabalhadores com baixa qualificação na composição da força de trabalho e isto impacta negativamente os seus salários. Deste modo, mantém-se para estes indivíduos o baixo custo de oportunidade de ter filhos e, portanto, as futuras gerações vão continuar tendo um incentivo econômico em ter famílias numerosas. Note que este cenário cria um ciclo vicioso em que o status socioeconômico vai sendo reproduzido entre as gerações.

Do ponto de vista empírico, identificar o efeito da fecundidade de subgrupos específicos da população na desigualdade não é uma tarefa trivial. Isto porque é difícil encontrar variações exógenas na fecundidade que permitem este tipo de estimação. Além disso, existe um desafio em entender o comportamento dos índices de desigualdade quando se adicionam novos membros na população (LAM, 1986). Vale também destacar que a fecundidade é afetada endogenamente pelo desenvolvimento econômico e que o efeito de uma mudança na fecundidade pode gerar efeitos econômicos de longuíssimo prazo (ASHRAF; WEIL; WILDE, 2013). Assim, apesar de ser uma questão com expressiva importância e estudada há tanto tempo, a dificuldade na estimação faz com que a base de evidências dos efeitos econômicos da fecundidade seja relativamente fraca (ASHRAF; WEIL; WILDE, 2013).

Neste capítulo, a proposta metodológica é procurar explorar, no primeiro estágio da regressão, a evidência fornecida pela literatura de que a televisão teve um impacto na fecundidade brasileira e, no segundo estágio, verificar se existe algum efeito na desigualdade de longo prazo.

28 Mais especificamente, existe uma forte interação entre as decisões de fecundidade, participação no mercado de trabalho e nível educacional e, isto torna a causalidade entre essas três variáveis muito difícil de distinguir (HAUSMANN; SZÉKELY, 1999).

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La Ferrara et al. (2012) exploraram a variação no tempo em que a Rede Globo, que representa a principal emissora de televisão brasileira, entrou em cada município e encontraram um efeito negativo na fecundidade. Como pressuposto, argumentou-se que as famílias brasileiras começaram a replicar o padrão de famílias pequenas que apareciam nas novelas (LA FERRARA; CHONG; DURYEA, 2012; RIOS-NETO, 2001). Além disso, no que se refere a estratégia de identificação, La Ferrara et al. (2012) argumentaram que a expansão da emissora foi motivada pelo clientelismo político do governo militar e que não está relacionada com nenhuma característica observável.

Deste modo, usa-se a variação temporal da entrada da Rede Globo para instrumentalizar a fecundidade no primeiro estágio. No segundo estágio, explora-se a variação exógena causada na fecundidade pela entrada da Rede Globo para testar se teve alguma repercussão na desigualdade de longo prazo. Os resultados sugerem que a fecundidade das mulheres de baixa escolaridade aumentou a desigualdade de rendimentos de longo prazo entre os mais e os menos escolarizados.

4.2. Taxa de fecundidade: alguns fatos estilizados

A taxa de fecundidade brasileira caiu em todas as regiões do país, em todos os grupos sociais, mas com ritmos distintos. Isto porque diferenciais expressivos são encontrados quando se condiciona a fecundidade por região, renda, escolaridade e idade. No que se refere ao contexto espacial, observa-se que mulheres residentes nas regiões menos favorecidas registram, em média, uma fecundidade mais elevada do que aquelas moradoras nas áreas mais ricas do país. As regiões mais pobres, como a Norte e a Nordeste, apresentaram as maiores taxas de fecundidade desde a década de 1940 (ver Tabela 19).

Tabela 19: Taxa de fecundidade total, segundo as grandes regiões – 1940/2010 Taxa de fecundidade total Grandes regiões 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 Brasil 6,16 6,21 6,28 5,76 4,35 2,89 2,38 1,90 Norte 7,17 7,97 8,56 8,15 6,45 4,20 3,16 2,47 Nordeste 7,15 7,50 7,39 7,53 6,13 3,75 2,69 2,06 Sudeste 5,69 5,45 6,34 4,56 3,45 2,36 2,10 1,70 Sul 5,65 5,70 5,89 5,42 3,63 2,51 2,24 1,78 Centro-Oeste 6,36 6,86 6,74 6,42 4,51 2,69 2,25 1,92 Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1940/2010. 101

A correlação negativa entre renda e fecundidade também aparece quando se olha para os estados e os municípios brasileiros. De uma forma geral, tem-se que as mulheres desfavorecidas possuem uma chance maior de experimentar a maternidade precocemente e de apresentar uma fecundidade mais elevada e, além disso, sabe-se que o diferencial de fecundidade entre mulheres pobres e ricas foi expressivo no passado (BERQUÓ; CAVENAGHI, 2006; CAVENAGHI; ALVES, 2011; RIOS-NETO; MIRANDA-RIBEIRO; MIRANDA-RIBEIRO, 2018). Em 1991, segundo Berquó e Cavenaghi (2006), enquanto a taxa de fecundidade do grupo com rendimento médio mensal domiciliar per capita de até ¼ de salário mínimo foi de 5,5, a taxa do grupo com rendimento de 5 ou mais salários mínimos foi de 1,2. Em relação à escolaridade, verificou-se uma alta taxa de fecundidade quando a mulher apresenta baixo nível educacional. Nesse cenário, enquanto as mulheres sem instrução tiveram uma taxa de 4,8 filhos em 1991, as mulheres com 12 anos ou mais de estudo tinham uma taxa de fecundidade de 1,3. Nesse mesmo ano, cerca de 34% das mulheres tiveram uma taxa de fecundidade maior que 3 filhos (BERQUÓ; CAVENAGHI, 2006). Todavia, os diferenciais de fecundidade entre os subgrupos populacionais diminuíram ao longo do tempo. Em 2015, enquanto a taxa de fecundidade das mães com até 4 anos de educação foi de 2,9, a taxa das mães com mais de 12 anos de escolaridade foi de 1,229.

Deste modo, o tamanho da família brasileira varia consideravelmente ao longo da distribuição de rendimentos e de escolaridade. Neste contexto, a heterogeneidade na fecundidade afeta a composição da população, fazendo com que uma parcela significativa da sociedade seja oriunda de famílias desfavorecidas. No que diz respeito à educação, cerca de 76% das crianças de até 10 anos de idade nasceram de mães que tinham menos de um ano de escolaridade em 1970 (ver Figura 12). Com a ampliação do sistema educacional brasileiro, esse cenário evoluiu ao longo das últimas décadas. Apesar disso, em 2010, somente 36,4% das crianças nasceram de mães que tinham segundo grau ou ensino superior. Estes números são relevantes, pois sabe-se que a educação dos pais é melhor que a renda para prever os resultados dos filhos e que um maior nível educacional da mãe aumenta a probabilidade de a família ter duas fontes de renda, visto que a participação feminina no mercado de trabalho está fortemente associada com o nível educacional (HAUSMANN; SZÉKELY, 1999).

29 Ver https://brazil.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/sumario_executivo_br.pdf

102

Também vale ressaltar que o Brasil apresenta outra desigualdade na distribuição da fecundidade que merece uma atenção especial dos pesquisadores: a idade em que as famílias nos diferentes subgrupos populacionais têm os filhos. A taxa de fecundidade das mulheres mais jovens (15 a 19 anos) passou de 17% da taxa total, em 1996, para 23% em 2006. No caso das mulheres mais velhas (acima de 35 anos), elas representavam 13% em 1996 e passaram a contribuir com 11% da taxa de fecundidade total em 2006. A idade média das mulheres ao terem seus filhos reduziu- se em quase 1 ano no período compreendido entre 1991 a 2000 (OLIVEIRA, 2005). Esta diminuição reflete o rejuvenescimento que a fecundidade das mulheres no Brasil experimentou em alguns segmentos da população neste período (CAVENAGHI; ALVES, 2011; OLIVEIRA, 2005; RIOS-NETO; MIRANDA-RIBEIRO; MIRANDA-RIBEIRO, 2018). Miranda-Ribeiro, Garcia e Faria (2019) destacam que, entre 2000 e 2010, houve um processo de postergação dos nascimentos. Entretanto, Miranda-Ribeiro, Ortega e Rios-Neto (2006) apontaram que as mulheres brancas foram precursoras deste padrão e já estavam, nos anos 1980 e 1990, mais próximas do adiamento da fecundidade do que as negras. Nesse contexto, tem-se uma dicotomia entre a idade em que mulheres ricas e pobres engravidam, ou seja, as mulheres nos estratos superiores de renda têm filhos relativamente mais velhas (CAVENAGHI; ALVES, 2011; ERVATTI; BORGES; JARDIM, 2015; PNDS, 2009).

Enquanto nos países da Europa com baixa fecundidade as mulheres têm filhos tardiamente, as brasileiras têm filhos relativamente mais cedo (CAVENAGHI; ALVES, 2011). Neste cenário, tem-se que países como Itália e Espanha apresentam o pico da distribuição da taxa de fecundidade por idade específica no grupo entre 30-34 anos e, no Brasil, o pico da distribuição está no grupo com 20-24 anos de idade. Basicamente, isso é derivado do fato de que as mulheres de baixa renda têm filhos relativamente mais jovens30 (CAVENAGHI; ALVES, 2011).

Desta forma, apresentam-se dois fatos em relação à evolução assimétrica da distribuição da taxa de fecundidade brasileira: Fato 1- diferencial de fecundidade entre grupos socioeconômicos; Fato 2 – diferencial de idade com que estes grupos têm os filhos. Esta dinâmica faz com que, em determinadas regiões, particularmente naquelas onde se faz presente uma concentração maior de famílias de baixa renda, verifique-se elevado crescimento populacional e uma forte presença de crianças e adolescentes no total da população (ver Tabela 20).

30 Neri (2010) chama a atenção para o fato de a gravidez precoce nas favelas cariocas ter aumentado. 103

Figura 12: Participação das crianças de até 10 anos de idade por nível educacional da mãe

Fonte: Elaboração própria a partir de informações dos Censos Demográficos.

104

Tal configuração tende a aumentar a proporção de indivíduos oriundos de famílias carentes na composição da população e tem o potencial de gerar diversos desafios no que diz respeito a desigualdade e o desenvolvimento de longo prazo.

Tabela 20: As cidades em que quase metade dos moradores são crianças Cidade Estado % do Total (2010) Uiramutã Roraima 51,3% Jordão Acre 49,4% Porto Walter Acre 49,1% Normandia Roraima 47,9% Marechal Thaumaturgo Acre 47,2% Santa Rosa do Purus Acre 46,2% Jutaí Amazonas 45,5% Ipixuna Amazonas 44,9% Portal Para 44,8% Alvarães Amazonas 44,6% Nota: Parcela dos moradores que têm até 14 anos Fonte: Elaboração própria a partir do Censo Demográfico de 2010.

4.3. Fecundidade e desigualdade

Existem diversos canais e abordagens pelos quais se pode analisar a relação entre a fecundidade e os resultados socioeconômicos (BECKER; TOMES, 1986; DE MELLO; SCHNEIDER, 2010; GALOR; KLEMP, 2014; GALOR; WEIL, 1996; MILLER, 2009). Segundo Kremer e Chen (2002), alguns autores têm explorado o impacto do diferencial de fecundidade na distribuição de renda usando uma abordagem Markoviana (CHU; KOO, 1990; LAM, 1986; MARE, 1997; PRESTON; CAMPBELL, 1993). No modelo de Dahan e Tsiddon (1998), os pobres não investem em educação enquanto os ricos investem. Além disso, não existe mobilidade intergeracional e a alta fecundidade da população pobre aumenta sua proporção e, consequentemente, conduz a uma desigualdade maior. Enquanto Althaus (1980) explora os efeitos de um diferencial de fecundidade entre os ricos e pobres dado de forma exógena no crescimento da economia, Dahan e Tsiddon (1998) analisam o diferencial de fecundidade de forma endógena. Em Galor e Zang (1997), a desigualdade afeta o crescimento através do seu efeito na fecundidade e no capital humano. Perotti (1996) e Barro (2000) investigam o papel da demografia na compreensão dos efeitos na distribuição de renda.

Kremer e Chen (2002) analisaram teoricamente um mecanismo relevante de retroalimentação da desigualdade. Segundo os autores, o significativo diferencial de fecundidade entre os 105

trabalhadores com baixo e alto nível educacional encontrado em alguns países em desenvolvimento, juntamente com a persistência intergeracional dos níveis de educação, são dois importantes elementos que torna a tarefa de reduzir a desigualdade desses países relativamente mais difícil. O diferencial de fecundidade tende a aumentar a proporção de trabalhadores de baixa qualificação e, assim, reduzir seus salários. Visto que salários baixos geram um menor custo de oportunidade para se ter filhos, temos um cenário com positiva retroalimentação31.

Adicionalmente, Kremer e Chen (2002) examinaram empiricamente a relação entre desigualdade e diferencial de fecundidade. Usando dados de uma amostra de países, os autores encontraram que uma desigualdade maior tenderia a estar associada com um maior diferencial de fecundidade. Neste contexto, um aumento inicial na fração de trabalhadores desqualificados poderia produzir um efeito multiplicador nas gerações subsequentes. Contudo, uma melhora nas oportunidades educacionais para um pequeno número de crianças de trabalhadores desqualificados teria o potencial de criar um significativo impacto na distribuição de habilidades e gerar um estado estacionário mais igualitário.

De La Croix e Doepke (2003) partiram do modelo de Kremer e Chen (2002) e desenvolveram uma nova ligação teórica entre desigualdade e crescimento. Assim como outros estudos, eles destacaram que o diferencial de fecundidade entre os ricos e os pobres importa porque afeta diretamente a acumulação de capital humano. Nesse modelo, os pobres tendem a ter muitos filhos e investir pouco na educação, o que pode reduzir o nível de capital humano médio de um determinado país. Consequentemente, economias menos equitativas costumam ter altos diferenciais de fecundidade, acumular menos capital humano e apresentar uma menor taxa de crescimento econômico. Os resultados empíricos e a análise quantitativa do modelo sugeriram que o canal do diferencial de fecundidade é importante para explicar a relação transversal entre desigualdade e crescimento. Desta forma, os autores argumentaram que estes resultados indicavam que não é o crescimento agregado da população que importa, mas a distribuição da fecundidade dentro da população. Em outras palavras, quem está tendo os filhos importa mais do que a quantidade de crianças.

31 O custo de oportunidade está diretamente relacionado com o salário, ou seja, para aqueles indivíduos que têm um salário alto, o tempo gasto com a criança representa um custo considerável e, tal fato, seria um incentivo econômico que afeta as pessoas na decisão da escolha da quantidade de filhos.

106

Neste contexto, a distribuição assimétrica da taxa de fecundidade, juntamente com seus desdobramentos socioeconômicos de longo prazo, pode ajudar a explicar a inexpressiva mobilidade social brasileira. Ferreira e Veloso (2003) usaram dados da PNAD de 1996 e apresentaram evidências da baixa mobilidade intergeracional de educação no Brasil. Ademais, a mobilidade foi menor para filhos de pais com baixa escolaridade do que para aqueles de pais com escolaridade mais elevada. Os dados da PNAD de 2014 indicaram que pouca coisa mudou nesse cenário. Somente cerca de 4% das pessoas cujos pais não têm instrução completaram o nível superior, enquanto aqueles pais que apresentavam ensino superior praticamente não tinham filhos sem instrução. Adicionalmente, estes dados reforçou a importância da escolaridade dos pais no rendimento médio dos filhos no mercado de trabalho. Isto porque, quando se comparam indivíduos com o mesmo nível educacional, verifica-se que o rendimento médio é superior para aqueles com pais mais escolarizados. Desta forma, estes números sugerem que a estrutura familiar impacta tanto a educação dos filhos quanto seus rendimentos (IBGE, 2016).

Além disso, também é importante destacar o possível papel das uniões conjugais. Os ricos tendem a casar entre si e transmitir uma variedade de recursos tangíveis e intangíveis para seus descendentes, como por exemplo, herança, capital cultural, político e social (BOWLES; GINTIS, 2002; FERNÁNDEZ; ROGERSON, 2001; HAKAK; FIRPO, 2017; PEREIRA; SANTOS, 2017). Tal fato pode levar a um processo de acumulação de riqueza entre as gerações. Nesse cenário, cada criança nascida em uma família rica herda recursos tanto do pai quanto da mãe e, assim, as crianças em cada geração tendem a nascer com uma dotação inicial de recursos relativamente maior do que aquelas que nasceram na anterior. Consequentemente, olhando para arvore genealógica, os indivíduos do topo da distribuição de rendimentos herdam um processo de concentração de riqueza iniciado em gerações anteriores. Nesse contexto, é possível que a queda da fecundidade dos mais ricos tenha favorecido consideravelmente esse processo de acumulação, visto que a herança passou a ser dívida em uma quantidade menor de filhos. Por sua vez, o oposto ocorre em relação à cadeia hereditária das famílias desfavorecidas. Isto porque, além dessas famílias não possuírem privilégios para transmitir para sua prole, o maior número de filhos pode aumentar a restrição de recursos de tal forma que pode impedir essas famílias de financiar aspectos básicos de desenvolvimento.

Assim, a fecundidade de grupos específicos da população tem o potencial de se tornar uma variável relevante na explicação da desigualdade socioeconômica de longo prazo. Na Figura 107

13, verifica-se que não existe uma relação aparente entre fecundidade e os índices de Gini e de Theil-L das Áreas Mínimas Comparáveis (AMCs) em 1991. Entretanto, a fecundidade de 1991 nas AMCs apresentou uma correlação positiva com a taxa de variação do Gini e do Theil-L entre 1991 e 2010, sugerindo, assim, que aqueles locais que tiveram uma taxa de fecundidade maior tiveram um desempenho pior na dinâmica desses índices de desigualdade ao longo do tempo.

4.4. Metodologia proposta

A equação de interesse é:

퐼푁퐸푄푈퐴퐿퐼푇푌 = 푋훽 + 휃퐹 + 휀 (10)

Em que 퐼푁퐸푄푈퐴퐿퐼푇푌 é uma medida de desigualdade que leva em consideração a razão do logaritmo dos rendimentos entre os mais escolarizados sobre o logaritmo dos rendimentos dos menos escolarizados no ano 푡 e na unidade de observação 푖; 훽 são parâmetros desconhecidos;

푋 são as variáveis de controle; 퐹 é uma estimativa da taxa de fecundidade das mulheres com baixo nível de escolaridade; 휀 é o termo de erro aleatório com as propriedades usuais.

Dado que a fecundidade é uma variável endógena, a Equação (10) não identifica o parâmetro de interesse 휃 corretamente. Diversos fatores, observáveis e não observáveis, estão correlacionados com a fecundidade como, por exemplo, cultura, informação, educação, renda, religião, saúde etc. Famílias em uma dada região podem ter um padrão sistemático de geração de filhos e, neste caso, o termo de erro não seria exógeno. Ademais, existe a questão da causalidade reversa, pois regiões com uma taxa de fecundidade maior podem apresentar uma desigualdade mais elevada, assim como a desigualdade pode afetar a fecundidade. Para contornar estes problemas, precisa-se de alguma variação exógena que permita identificar os parâmetros desta equação.

4.4.1. Estratégia de identificação

Para estimar a Equação (10) o ideal seria que as taxas de fecundidade entre as unidades de observação fossem distribuídas de forma aleatória, ou seja, a variável de interesse não deveria ser correlacionada com nenhuma característica não observável das famílias dentro das unidades

108

Figura 13: Dispersões do Gini e Theil-L com a fecundidade, por AMCs

Fonte: Elaboração própria a partir de informações dos Censos Demográficos de 1991 e 2010 109

de observação. No entanto, sabe-se que isto não é verdade e, portanto, deve-se procurar explorar possíveis variações exógenas na taxa de fecundidade para se obter parâmetros consistentes. Assim, os próximos parágrafos argumentam que um experimento natural, que afetou a decisão de ter filhos, ocorrido no Brasil a partir da década de 60, pode ser explorado com o intuito de identificar o efeito desejado.

Desde o trabalho de Becker (1981) as pesquisas sobre decisões familiares se intensificaram em diversas áreas. Vários fatores foram incorporados em um contexto microeconômico para dar suporte a variáveis como alocação do tempo, divisão do trabalho nos domicílios, decisões de casamento e a demanda por crianças. Diante desta nova linha de pesquisa, diversos trabalhos nasceram e dentre esses surge a possibilidade de verificar quais são as variáveis que determinam a decisão de ter filhos. Sabe-se que algumas destas características estão bem definidas na literatura, como por exemplo, educação, religião, renda, participação feminina no mercado de trabalho, etc. Por outro lado, outras covariadas, não óbvias, foram incorporadas recentemente. Uma delas seria a influência das mídias sobre o comportamento dos indivíduos e domicílios como, por exemplo, votos (DELLAVIGNA; KAPLAN, 2007), desempenho escolar (SHAPIRO; GENTZKOW, 2008), divórcio (CHONG; LA FERRARA, 2009) e fecundidade (KEARNEY; LEVINE, 2015; LA FERRARA; CHONG; DURYEA, 2012; TRUDEAU, 2016).

Neste caso, tem-se a seguinte pergunta: como uma variação exógena, advinda de alguma mídia pode afetar a decisão de ter filhos e, consequentemente, a taxa de fecundidade? O canal de transmissão está relacionado com a exposição aos programas de televisão e o planejamento familiar: os indivíduos se identificam com os personagens e a composição familiar das novelas brasileiras e passam a replicar o comportamento verificado na mídia32 (LA FERRARA; CHONG; DURYEA, 2012; RIOS-NETO, 2001). O mecanismo de transmissão pode ser resumido por meio da Figura 14. A literatura tem apresentado evidências de que a exposição à mídia televisiva afeta a demanda por filhos. Kearney e Levine (2015) e Trudeau (2016) estimam o efeito do programa “MTV 16 and pregnant” nos EUA sobre a probabilidade de ter filhos. Estes autores encontraram uma redução em torno de 4% na probabilidade de gravidez precoce devido à exposição das adolescentes ao programa da MTV. Adicionalmente, argumenta-se que

32 Nas palavras de La Ferrara et al. (2012, p.7): “Television families are small, rich, and happy. The families portrayed as common people are poor, contain more children, and the faces reveal unhappiness. To sum up, constant exposure to smaller, less-burdened television families, may have created a preference for fewer children and greater sensitivity to the opportunity costs of raising children”.

110

a televisão pode afetar negativamente a vida sexual. No cenário mais conservador, Lucas e Wilson (2018) estimam que a televisão diminui em 6% a probabilidade de ter relação sexual.

Figura 14: Mecanismo de transmissão entre mídia, fecundidade e desigualdade

Choque exógeno: Exposição Indivíduos se identificam com Mudança de comportamento às mídias no período t as famílias do programa de devido à exposição aos televisão no período t programas no período t

Redução da taxa de Redução do número de filhos Mudança no planejamento fecundidade no período t+s no período t+s familiar (número de filhos) no período t

Efeito sobre o crescimento da desigualdade de renda no período t+s

Fonte: Elaboração própria.

Para o Brasil, La Ferrara et al. (2012) encontram que a entrada da Rede Globo nos municípios levou a uma redução na probabilidade de ter filhos equivalente a aproximadamente 4.6% e este efeito foi mais forte para as mulheres de baixo status socioeconômico. Em relação à estratégia de identificação, é importante pontuar que a Rede Globo começou a operar em 1965 e sua expansão ao longo dos anos se deu através da concessão governamental. Além disso, foi motivada pelo clientelismo político do governo militar e se tornou uma importante fonte de difusão cultural e política. Desta forma, argumenta-se que a liberação de funcionamento pelos governos para a entrada da emissora nos municípios foi aleatória e, portanto, não levou em consideração nenhum critério de região, renda ou quaisquer outras características observáveis ou não observáveis que possam afetar a tendência da fecundidade (LA FERRARA; CHONG; DURYEA, 2012). Ademais, La Ferrara et al. (2012) fazem diversos testes de robustez com o intuito de verificar se existe algum motivo que afeta a entrada da emissora nas regiões e os resultados sugerem que nenhuma característica observável esteve relacionada com a expansão da Rede Globo.

4.1.2 Equações estimadas

As equações e parâmetros estimados utilizaram o estimador de variável instrumental. No primeiro estágio, tem-se a seguinte especificação: 111

퐹 = 훼 + 휃퐺푙표푏표 + 푿풊풕훽 + 휇 + 휆 + 휀 (11)

Em que 퐹 = 퐹푖푙ℎ표푠 /푀푢푙ℎ푒푟푒푠 representa uma estimativa para taxa de fecundidade: 푀푢푙ℎ푒푟푒푠 é o total de mulheres entre 15 e 49 anos de idade com baixa escolaridade (sem instrução, com primário completo ou com 1º grau completo) no ano 푡 e vivendo na Área Mínima Comparável 푖; 퐹푖푙ℎ표푠 é o total de crianças de até 10 anos de idade tido por 푀푢푙ℎ푒푟푒푠 no ano 푡, na AMC 푖.

퐺푙표푏표 representa uma variável binária que assume o valor 1 em todas as AMCs que tiveram o sinal da Rede Globo até o ano 푡 e 0 caso contrário; 푿풊풕 é um conjunto de controles; 휇 e 휆 são, respectivamente, efeito fixo de área e ano; 휀 é o termo de erro. No segundo estágio, a especificação é a seguinte:

ln(푅 ) / ln(푅 ), = 휓퐹 + 푿풊풕훽 + 휇 + 휆 + 휀 (12)

Em que ln(푅 ) /ln(푅 ), representa a medida de desigualdade: 푅 é a renda média das pessoas com alta escolaridade (2º grau incompleto ou superior); 푅 é a renda média das pessoas com baixa escolaridade (Sem instrução, primário completo ou 1º grau completo). No que se refere ao tempo, tem-se que p = (0 ou 20 anos), ou seja, estima-se o efeito da fecundidade na desigualdade contemporânea e, adicionalmente, leva-se em consideração a desigualdade de longo prazo considerando 20 anos no futuro.

Assim, espera-se que no primeiro estágio exista uma relação negativa entre a Rede Globo e a estimativa de fecundidade proposta. No segundo estágio, de acordo com a teoria, espera-se que uma taxa de fecundidade maior das mulheres de baixa escolaridade aumente a desigualdade de rendimentos de longo prazo. Desta forma, o presente capítulo explora a evidência fornecida por La Ferrara et al. (2012) com o intuito de testar empiricamente o modelo teórico desenvolvido por Kremer e Chen (2002).

112

4.1.3. Base de dados

4.1.3.1. Fecundidade e controles

A primeira fonte de dados consiste nos microdados advindos dos Censos Demográficos realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) durante os anos de 1970, 1980, 1991, 2000 e de 2010. A pesquisa abrange todo o território nacional e possui a maioria das variáveis relevantes para estimar o modelo. Os Censos de 2000 e de 2010 são usados somente para calcular a desigualdade de 20 anos no futuro. Para calcular a fecundidade e os controles, leva-se em consideração os Censos de 1970 a 1991.

4.1.3.2. Rede Globo

A segunda fonte de dados advém da La Ferrara et al. (2012) e representa a cobertura da Rede Globo nas AMCs durante 1960 a 2000. A Figura 15 e a Figura 16 mostram, respectivamente, a expansão do sinal da Rede Globo ao longo do tempo e através do espaço. Na década de 1970, a emissora entrou em 390 AMCs. O maior salto em termos de cobertura se deu na década 1980, período em que a emissora entrou em 2702 AMCs, chegando em 1990 com 85,8% das AMCs tendo cobertura do sinal. Dado que em 1970 a emissora cobria somente 35,5% das AMCs, a expansão durante a década de 1980 foi expressiva.

Figura 15: Entrada e cobertura da Globo

Nota: Elaboração própria a partir da base fornecida por Ferrara, Chong e Durvea (2012).

113

Figura 16: Expansão da Rede Globo entre as regiões brasileiras

Fonte: Ferrara, Chong e Duryea (2012).

Assim, a base de dados final é o agrupamento, conforme o código identificador da AMC, entre os Censos Demográficos e a base da expansão do sinal da emissora. Por fim, cabe ressaltar que os resultados apresentados abaixo são advindos desta variação da entrada da Rede Globo nas AMCs e, portanto, estão relacionados à parcela da desigualdade que pode ser explicada a partir dessa variação exógena.

4.5. Resultados

A Tabela 21 relata os coeficientes de Mínimos Quadrados Ordinários da Equação 10, ou seja, da regressão da medida de desigualdade de rendimentos, tanto contemporânea quanto de longo prazo, na fecundidade. Em todas as especificações estimadas nesse capítulo, os erros padrão

114

estão agrupados por AMC. Adicionalmente, usa-se efeito fixo de tempo e de AMC para controlar as diferenças em não observáveis invariantes no tempo entre as áreas. A primeira e segunda colunas representam a desigualdade contemporânea e de 20 anos no futuro, respectivamente. Nas duas últimas colunas tem-se os resultados quando se adicionam os controles no modelo. Assim, por meio desta tabela, verifica-se que a fecundidade está associada a um aumento da desigualdade de 20 anos no futuro. Além disso, nota-se que este efeito é maior que o caso da desigualdade contemporânea.

Tabela 21: OLS (0) (20) (0) (20)

Fecundidade -0.04108 0.02410 0.01265 0.01649 (0.00522)*** (0.00199)*** (0.00210)*** (0.00232)*** % Católicos -0.00482 -0.03232 (0.01226) (0.01354)** % Urbanização 0.00428 -0.02623 (0.00457) (0.00536)***

Observações 9,849 9,849 9,849 9,849 R-quadrado 0.59032 0.48341 0.91570 0.49758 Efeito fixo de ano Yes Yes Yes Yes Efeito fixo de área AMC AMC AMC AMC Número de áreas 3.512 3.512 3.512 3.512 Nota: Variável dependente: ln(푅) /ln(푅). Os erros padrão robusto estão entre parêntese. *** Significante no nível de 1% ** Significante no nível de 5% * Significante no nível de 10%

Com o intuito de explorar os dados lidando com a questão da endogeneidade, usou-se a variação no tempo da entrada da Rede Globo em cada AMC como instrumento para a medida de fecundidade adotada. Desta forma, encontrou-se que o coeficiente estimado foi negativo e estatisticamente significante (ver Tabela 22). Assim, como era esperado, a emissora teve um impacto negativo na fecundidade e tal fato reforça a evidência fornecida por La Ferrara et al. (2012). Isto porque a medida de fecundidade usada aqui é diferente. La Ferrara et al. (2012) usaram a história dos nascimentos em cada ano para testar se a Rede Globo teve algum efeito na fecundidade. Adicionalmente, com o intuito de verificar a robustez dos resultados encontrados os autores usaram uma medida de fecundidade agregada por AMC. Em contrapartida, o presente capítulo usa a quantidade de filhos de até 10 anos tido por mulheres de baixa escolaridade.

115

Tabela 22: Primeiro estágio (1) (2)

Globo -0.04839 -0.01899 (0.00952)*** (0.00861)** % Católicos -0.48673 (0.08801)*** % Urbanização -0.68045 (0.03994)*** Constante 2.32626 3.78135 (0.00367)*** (0.18168)***

F-statistic 34,43 6,77 Observações 9,849 9,849 R-quadrado 0.87676 0.90661 Efeito fixo de ano Yes Yes Efeito fixo de área AMC AMC Número de áreas 3.512 3.512

Nota: Variável dependente: 퐹. Os erros padrão robusto estão entre parêntese. *** Significante no nível de 1%; ** Significante no nível de 5%; * Significante no nível de 10%

A Tabela 23 relata os coeficientes do segundo estágio da regressão. Deste modo, os resultados sugerem que a fecundidade aumentou a medida de desigualdade de longo-prazo. Esse efeito é significativo considerando tanto a especificação sem controles, quanto a que controla pela porcentagem de católicos, taxa de urbanização e condições iniciais da AMC interagida com o tempo33.

Tabela 23: IV (0) (20) (0) (20)

Fecundidade -0.26464 0.12950 -0.14374 0.22320 (0.07557)*** (0.03997)*** (0.10625) (0.12939)* % Católicos -0.08137 0.06886 (0.05517) (0.06730) % Urbanização -0.10189 0.11410 (0.07275) (0.08868)

Observações 9,849 9,849 9,849 9,849 R-quadrado 0.40590 0.27029 0.84750 -0.12186 Efeito fixo de ano Yes Yes Yes Yes Efeito fixo de área AMC AMC AMC AMC Número de áreas 3.512 3.512 3.512 3.512 Nota: Variável dependente: ln(푅) /ln(푅). Os erros padrão robusto estão entre parêntese. *** Significante no nível de 1%; ** Significante no nível de 5%; * Significante no nível de 10%.

33 Escolaridade, renda, participação de mulheres de 15 a 49 anos de idade, desigualdade medida pela razão do log de rendimentos entre os mais e os menos escolarizados.

116

A Tabela 24 e a Tabela 25 fornecem resultados adicionais que ajudam a reforçar a estratégia de identificação adotada. No que se refere ao teste de tendência prévia, a Tabela 25 fornece evidência de que não há uma tendência prévia afetando os resultados. Para isso, usou-se como placebo a entrada da Globo uma década antes da entrada observada e, tal variável, não teve qualquer impacto na fecundidade. No que se refere a forma reduzida, nota-se também que o placebo não teve efeito nessa especificação (ver Tabela 26).

Tabela 24: Forma reduzida (0) (20) (0) (20)

Globo 0.01281 -0.00627 0.00273 -0.00424 (0.00280)*** (0.00161)*** (0.00152)* (0.00163)*** % Católicos -0.01141 -0.03978 (0.01212) (0.01353)*** % Urbanização -0.00409 -0.03778 (0.00441) (0.00527)*** (0.00348)*** (0.00161)*** (0.01713)*** (0.02114)*** Constante 1.24461 1.09092 -0.00542 1.02705 (0.00131)*** (0.00047)*** (0.02029) (0.02418)***

Observações 9,849 9,849 9,849 9,849 R-quadrado 0.68365 0.67323 0.93543 0.68611 Efeito fixo de ano Yes Yes Yes Yes Efeito fixo de área AMC AMC AMC AMC Número de áreas 3.512 3.512 3.512 3.512 Nota: Variável dependente: ln(푅) /ln(푅). Os erros padrão robusto estão entre parêntese. *** Significante no nível de 1%; ** Significante no nível de 5%; * Significante no nível de 10%

Tabela 25: Primeiro estágio (1)

Globo -0.02102 (0.00964)** Placebo -0.01047 (0.01262) % Católicos -0.48971 (0.08849)*** % Urbanização -0.68083 (0.03995)*** Constante 3.79376 (0.18267)***

Observações 9,849 R-quadrado 0.90662 Efeito fixo de ano Yes Efeito fixo de área AMC Número de áreas 3.512 Nota: Variável dependente: 퐹. Os erros padrão robusto estão entre parêntese. *** Significante no nível de 1%; ** Significante no nível de 5%; * Significante no nível de 10%. 117

Tabela 26: Forma reduzida (0) (20)

Globo 0.00256 -0.00428 (0.00152)* (0.00165)*** Placebo -0.00087 -0.00024 (0.00151) (0.00180) % Católicos -0.01166 -0.03985 (0.01216) (0.01356)*** % Urbanização -0.00412 -0.03778 (0.00441) (0.00528)*** Constante -0.00439 1.02734 (0.02045) (0.02435)***

Observações 9,849 9,849 R-quadrado 0.93543 0.68611 Efeito fixo de ano Yes Yes Efeito fixo de área AMC AMC Número de áreas 3.512 3.512 Nota: Variável dependente: ln(푅) /ln(푅). Os erros padrão robusto estão entre parêntese. *** Significante no nível de 1% ** Significante no nível de 5% * Significante no nível de 10%

4.6. Considerações finais

A literatura recente tem reforçado a evidência de que há uma transmissão intergeracional do sucesso econômico das famílias (BOWLES; GINTIS, 2002). Nesse contexto, dada a considerável hereditariedade do perfil reprodutivo, uma série de artigos procuraram analisar de forma teórica o papel da fecundidade na reprodução de desigualdades socioeconômicas (KREMER; CHEN, 2002; MOAV, 2005). Uma importante questão que deriva dessa linha de pesquisa é verificar empiricamente como a fecundidade dos subgrupos populacionais impacta a desigualdade de longo prazo. Entretanto, a endogeneidade da fecundidade dificulta a análise de tal modo que, apesar da discussão dos efeitos de uma redução da fecundidade no desenvolvimento econômico ter mais de meio século, ainda há pouco consenso na área (ASHRAF; WEIL; WILDE, 2013).

Neste capítulo, constatou-se que a fecundidade apresentou um poder preditivo no que se refere à medida de desigualdade de longo prazo adotada. Entretanto, apesar desse resultado ser relevante, o fato de que as regiões com maior taxa de fecundidade tenham apresentado um maior nível de desigualdade ao longo do tempo não implica que a fecundidade tenha aumentado a desigualdade. Consequentemente, entender se esta relação é de natureza causal é de

118

considerável importância e tem desafiado os pesquisadores. Com o objetivo de procurar fornecer evidência empírica para tal difícil questão, este capítulo propôs usar o efeito da televisão na fecundidade para testar se houve algum impacto de longo-prazo na desigualdade brasileira. Como resultado da abordagem proposta, a evidência encontrada é de que a fecundidade das mulheres com baixo nível educacional aumentou a desigualdade de rendimentos por nível de escolaridade de longo-prazo.

Estes resultados reforçam a importância de políticas públicas voltadas para ajudar as famílias no seu processo de planejamento familiar. Nesse sentido, vale ressaltar que estudos de longo prazo sugerem que os programas de planejamento familiar têm um impacto considerável na fecundidade e educação das mulheres e das crianças (MILLER; BABIARZ, 2016). No caso brasileiro, há indícios que as famílias de baixa renda apresentam expressivas dificuldades em controlar a reprodução e, assim, fazer valer seus direitos reprodutivos (PNDS, 2009; UNFPA, 2018). 119

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